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TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

O ‘anjo torto’ da Tropicália tem sido tema de tese de vários pesquisadores Págs. 8 e 9

Poeta é motivo de estudos que revelam a sua importância como guardião da memória Págs. 11 e 12


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OPINIÃO TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

100 anos de literatura piauiense O processo civilizatório está intimamente ligado ao desenvolvimento de práticas de leitura e de escrita. A invenção de Gutemberg trouxe ao Ocidente uma revolução extraordinária no campo científico e intelectu al, possibilitando a laicização do conhecimento, antes um monopólio da Igreja e da aristocracia. Se o advento da imprensa promoveu as atividades de ler e escrever à condição de prática social, uma outra transformação ocorreu em decorrência do incremento da escrita: a leitura deixou de ser apenas uma forma de propagação do conhecimento científico ou filosófico, se tornando também uma opção de entretenimento ou lazer. A partir daí,

começam a desaparecer antigas práticas, calcadas na oralidade e próprias do meio rural, como a prática de ouvir e contar histórias. À medida que a leitura se consolida como prática social, passando a penetrar no espaço doméstico, como entretenimento para toda a família, a literatura – um tipo especial de escrita, valorizada por seus recursos estéticos – até então acessível apenas ao deleite das elites, passa a fazer parte do cotidiano das populações urbanas. Esse grande surto civilizatório provocado pela imprensa, no continente europeu, durante o século XVIII, repetiu-se no Brasil a partir da segunda metade do século XIX. No Piauí, porém, somente veio a ocorrer, na entrada do século XX, quando se formou uma classe

média urbana e letrada o suficiente para o consumo de produtos culturais. Não obstante algumas obras espa rsas publica das por autores piauienses ainda no século XIX, a nossa literatura veio a ganhar um público local e a ter repercussão na crítica literária somente nos primeiros anos do século passado. Podemos, porta nto, neste início de século XXI, festejar o centenário da nossa literatura. Esta edição do Sapiê ncia pretende homenagear os cem anos da literatura piau iense, foca lizando a pesquisa acadêmica voltada ao estudo da obra de H.Dobal, Assis Brasil e Torquato Neto, que são, sem dúvida, autores que muito bem representam o elevado nível estético alcançado por nossa literatura. Socorro Magalhães

Um outro lugar para se nascer no Japão - As casas de parto Ivanilda Sepúlveda Gomes*

N o período de 9 de fevereiro a 25 de abril de 2004, dez enfermeiras o b st e t r a s brasileiras - entre elas duas pia uienses estivemos no Japã o, fazendo o treinamento ASSISTÊNCIA AO PARTO HUMANIZADO EM CASAS DE PARTO DO JAPÃO, através de um projeto da JICA (Agencia de Cooperação Internacional do Japão), que tem como finalidade treinar enfermeiras obstetras para a assistência ao parto humanizado no Brasil. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), são esses profissionais que se enquadram no melhor perfil da humanização do parto e nascimento com o objetivo de reduzir as taxas de mortalidade materna e neonatal no Brasil. Tivemos a oportunidade de conhecer a realidade de um país desenvolvido que acredita na humanização do parto e para que isso

ocorra não se faz necessário o uso indiscriminado da tecnologia. Em dados comparativos, a mortalidade materna no Japão é de 6,5/100 mil nascidos vivos; no Brasil, 74,5 óbitos maternos para 100 mil nascidos vivos. A mortalidade infantil até 1 ano de vida corresponde a 3 por mil nascidos vivos no Japão, enquanto que, no Brasil, este índice é de 31 óbitos infantis para mil nascidos vivos. A taxa de partos cesarianos no Japão é de aproximadamente 13% do total de partos; no Brasil, esse procedimento representa 45% nas instituições publicas, chegando a índices alarmantes de 90% nas instituições privadas. No Japão, existem 300 casas de parto. A casa de parto é uma instituição de saúde de nível primário cujas atividades consistem em assistência à mãe, durante a gestação, parto e puerpério; ao recémnascido, apoio ao aleitamento materno até o desmame e apoio ao planejamento familiar e educação sexual. As casas de parto do Japão são lugares onde a mulher é assistida somente por enfermeiras obstetras (Midwife). É um espaço em que a mulher se sente protegida e segura, compartilha a experiência com outras mulheres e tem a participação direta da família. A mulher aprende a viver o seu

cotidiano, adequando-se às mudanças de seu próprio organismo, onde o autoconhecimento supera a expectativa da dor, na hora de parir. Um outro fator importante para o alívio da dor é o preparo da mulher para o parto, momento em que mulher mesma faz os seus planos de parto. O pra zer de ser mãe, acompanhado do a poio familia r, é fundamental para a diminuição da ansiedade do parto com conseqüente alívio da dor. Na casa de parto, ocorre o aumento do vínculo mãe-filho e família, pois a mulher e seu filho são valorizados como atores principais de um espetáculo da natureza. Com este curso realizado no Japão, ficou claro que é possível a realização do parto por enfermeiras, visto que o mesmo é fenômeno natural e fisiológico e carece do mínimo possível de intervenções. Está faltando à mulher brasileira o estímulo ao parto normal e ela precisa encontrar o seu próprio instinto de parir, rega tando a ssim u ma tradição exclusivamente feminina.

Nº 11 * Ano IV * Março de 2007 ISSN - 1809-0915 Informativo produzido pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Piauí Fone: (86) 3216-6090 Fax: (86) 3216-6092

Presidente da FAPEPI Acácio Salvador Véras e Silva

Conselho Editorial: Acácio Salvador Véras e Silva Francisco Laerte J. Magalhães W elington Lage

Editora-Chefe: Márcia Cristina

Textos: Márcia Cristina (Mtb-1060) Roberta Rocha (Mtb-1856)

Revisão: Assunção de Maria S. e Silva

Editoração Eletrônica: Cícero Gilberto (86) 8801.9069

Impressão: Grafiset - Gráfica e editora Rêgo Ltda. - (99) 3212.2177

Tiragem: 6 mil exemplares

* Enfermeira obstetra igomesenf@bol.com.br

Recebemos Agradeço as mensagens que têm enviado com freqüência, sempre informando sobre notícias e eventos científicos. Sobre o último informativo científico Sapiência, consultei o material disponível, na página da Fapepi e achei um ótimo material de divulgação científica. A Fapepi e todos os professores-pesquisadores estão de parabéns pela qualidade das pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, em alguns casos há décadas. Prof. Guilherme Medeiros Coordenador do Colegiado de Arqueologia e Preservação Patrimonial Universidade Federal do Vale do São Francisco – Univasf / Campus Serra da Capivara-PI Em nome da Diretora da Biblioteca Central da UFPA, Bibliotecária Sílvia Maria Bitar de Lima Moreira, acusamos o recebimento do Jornal SAPIÊNCIA nº 10. Nesta oportunidade, apresentamos nossos agradecimentos pela doação que enriquecerá, sobremaneira, nosso acervo e proporcionará aos nossos usuários uma fonte de informação histórica valiosa para suas pesquisas. Maria Hilda de Medeiros Gondim Diretora da Divisão de Desenvolvimento de Coleções - Biblioteca Central/UFPA

Críticas, sugestões e contatos: sapiencia@fapepi.pi.gov.br • Fones: (86) 3216.6090 / 3216.6091 Fax: (86) 3216.6092 • www.fapepi.pi.gov.br


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ARTIGO TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Homero e Pompéia: literatura e memória Diógenes Buenos Aires de Carvalho*

Wa l t e r Benjamin (1985), no ensaio O Narrador, declara que a arte de narrar está em vias de extinção, uma vez qu e o homem parece estar privado da faculdade de intercambiar experiências, as quais passam de pessoa a pessoa e constituem a fonte dos narradores. Logo, se não existe experiência não há o que contar, pois a narrativa provém da experiência. Esse experienciar tem como suporte a oralidade, o que dá à história oral ca ráter de modelo exemplar da narrativa. A predileção por tal modalidade é reforçada, quando se reporta à narrativa escrita e afirma que esta deve se distinguir o mínimo possível das histórias orais contadas pelos inúmeros narradores anônimos. Para o autor, a arte de narrar está pautada na cultu ra ora l em que o narrador é anônimo, a experiência e a memória são coletivas. Partindo dessa perspectiva, a Odisséia, de Homero, apresenta-se como exemplo defendido pelo autor. Tal exemplaridade se manifesta , a princípio, por ser uma epopéia, que é para Benjamim a representação do mundo oral. Além disso, esse gênero conta sempre a história de um povo ou de uma nação, assumindo um caráter coletivo, visto que não há a noção de indivíduo, ou seja, o retorno do herói Ulisses não tematiza a história de um indivíduo e sim a do povo grego. Vale ressaltar que ocorre a representação da guerra, através das personagens, o que representa a ma terialização da coletividade e não da individualidade, muito embora, na superfície do texto, a ação esteja a cargo de uma personagem como, por exemplo, Ulisses. É uma narrativa marcada pela oralidade, tendo em vista a forte presença do ato de narrar para um ouvinte, como se observa nos momentos em que Ulisses relata as suas aventuras para poder retornar até Ítaca, contando sempre com um interlocutor. Essa estratégia comprova a concepção de narrativa, enquanto lembranças de uma experiência vivida que pressupõe a presença de um público. Tais relatos também se configu ram como um esforço de recuperação da memória, o que justifica a quebra da seqüência linear do enredo em que o narrador trabalha com a técnica denominada in media res e uma perspectiva temporal não cronológica. Outro aspecto que aproxima a Odisséia da narrativa oral postulada por Benjamim é o que diz respeito ao anonimato do narrador, porquanto não se sabe, com certeza, quem foi o sujeito que escreveu essa epopéia, havendo uma convenção em torno do autor,

Homero. Isso reforça igualmente a idéia de ausência de individualidade, isto é, não há um sujeito-narrador, mas uma coletividade-narradora e se é a voz de um grupo/povo/cultura que vem à tona, por conseguinte, a memória também é coletiva. Para Benjamim, o surgimento do romance sinaliza o primeiro indício da morte da narrativa porque esse representa o mundo da escrita. Tem-se uma ruptura entre o mundo da oralidade e o da escrita que se manifesta num processo de produção e recepção da escrita, pautado no isolamento do escritor e do leitor, isto é, na segregação do romancista e na leitura individual e silenciosa. O autor afirma ainda que “a origem do romance é o indivíduo isolado, que não pode mais falar exemplarmente sobre suas preocupações mais importantes e não recebe conselhos nem sabe dá-los” (p.201). Em vista disso, o romance não representa uma coletividade, haja vista a entrada em cena da noção de individualidade, que privilegia a análise psicológica detalhada em detrimento da concisão característica da narrativa oral, pois “quanto maior a naturalidade com que o narra dor renuncia às sutilezas psicológicas, mais facilmente a história se gravará na memória do ouvinte, mais completamente ela se assimilará à sua própria experiência e mais irresistivelmente ele cederá à inclinação de recontá-la um dia” (p.204). Essa posição do autor revela a concepção da memória como tradição, já que só se preserva aquilo que é possível de ser lembrado. Por isso, as narrativas para serem perenes precisam conter apenas a essência que é de interesse do coletivo e não o detalhe, tendo em vista que a memória não é capa z de guardá-lo e porque ele individualiza. O Ateneu, de Raul Pompéia, enquadra-se como texto exemplar da categoria romance caracterizada por Benjamim. Têm-se não mais uma obra coletiva e sim individual, visto que o narrador é em 1ª pessoa e possui um caráter autobiográfico porque está calcada na vida do autor, ou seja, a narrativa remete para um sujeito com biografia, a qual interfere na obra. Tal indivíduo que constitui o narrador (Sérgio), na verdade, desdobra-se em três: Sérgio/cria nça – personagem, Sérgio/adulto – narrador, e Sérgio/Dr. Clá udio – alter ego de Sérgio, reforçando a concepção de individualidade, porque advém dos conflitos da personagem Sérgio, que não procura “a moral da história”, mas “o sentido da vida”. Afinal, para Benjamim, é o que o romance pretende ser, haja vista não ter uma dimensão utilitária, isto é, o texto apresenta uma consciência da frustração de que não ensina nada. Com essas características, a obra de Pompéia é uma recuperação de u ma memória psicológica

diferentemente da obra de Homero que é uma memória de ações. Fica evidenciado também que essa memória psicológica revela um indivíduo que quer falar para si e, portanto, não precisa de um público. Traz à tona a solidão do narrador no período vivido num internato, que assume características de prisão e de dor. Ao apresentar uma crítica à cultura burguesa, o narrador apresenta um indivíduo que se expressa em oposição à sociedade. Para tanto, utiliza o microcosmo escolar para representar a sociedade, apresentando uma espécie de

totalidade. A o dissé ia e O Ateneu configuram, por conseguinte, exemplos modelares da concepção de Walter Benjamim acerca da narrativa oral e do romance, respectivamente. Sendo que essa distinção passa pelo desdobramento da memória em coletiva ou individual. * Doutor em Letras - PUC-RS Professor Adjunto do Departamento de Letras – CESC/UEMA dbuenosaires@uol.com.br

A Bruxa má de Teresina Arnaldo Eugênio*

E s t e artigo é u ma síntese da disserta çã o de m est r a d o , defendida no Mestra do em Políticas Públicas – UFPI, em 30 de novembro de 2005, sobre o estudo do estigma de “lugar violento”, logo, de “gente perigosa”, sobre a comunidade da Vila Irmã Dulce, construído pelo discurso oficia l midiatiza do. Esse trabalho teve como privilégio à orientação da Profª. Dra . D’Alva Macedo e co-orientação do Profº. Dr. Fabiano Gontijo. No contexto contemporâneo da reconfiguração urbana de Teresina, entre a verticalização e a favelização, a Vila Irmã Dulce surgiu como parte de u ma forma de orga niza çã o territorial dos pobres – as ocupações coletivas de terras. Sociologicamente, o estigma é uma ca tegoriza çã o de a tributos considerados comuns e na tu ra is construído pela sociedade para rotular/ caracterizar um indivíduo, ou grupos de indivíduos, como um ser inabilitado para a aceitação social plena – uma espécie de “ identida de socia l” ou marca identitária. Na realidade, um estigma trata-se de um tipo especial de relação entre atributo e estereótipo, que, no caso da Vila Irmã Dulce, a polícia construiu o atribu to – “violento”, os programas policiais deram o estereótipo – “lugar”, e ambos, cada qual com o seu modo discursivo, disseminaram a relação entre o atributo e o estereótipo na sociedade teresinense – “lugar violento”. Contudo, o estigma de “lugar violento” para a Vila Irmã Dulce não fa z ju s à comu nida de. Já que a convivência social na localidade não se expressa em função de práticas de violência, como indu z o discurso oficial midiatizado que impregnou o imaginário teresinense. O estigma de “lugar violento” sobre a Vila Irmã Dulce tem relação

com a condi çã o soc ia l de seu s moradores, pois a ideologia policial a inda associa crime à pobreza . A discriminaçã o e a desqua lificação social de seus moradores é o maior castigo imposto pelo estigma sobre a comunidade. Os moradores da Vila Irmã Du lce, p ela própria din â mica da cond içã o h u ma na , desej a m e a lm eja m p or reco nhecime nto, va lo riza çã o, a co lhimen to, visibilidade, significado, distinção e poder, que revigorem sua auto-estima e p ermita m-lhes a lca n ça r acessibilidade como um grupo social de identidade e apreço próprios. Eles têm na resistência um fator primordial para desencadear o pro cesso de mu d a nça e na consciência políti ca da força coletivida de, o elemento essencial pa ra a rticu la r a orga niz a çã o comu nitária e supera r os desa fios post os pel a s discrimin a ções, os preconceitos de classe, as exclusões, a s i ntoler â ncia s, a vio lência e a condição de pobreza. Com o estudo foi possível perceber que a história dos pobres em Teresina, no caso da Vila Irmã Dulce, é constituída de trajetórias incertas, onde a intensa mobilidade espacial só cessa, quando encontram refúgio nu ma á rea desocu pa da , no a fã de su pera rem a longa experiência de negação do direito à mora dia e à cidadania por parte do Estado. As interpreta ções sobre as rela ções sociais estabelecidas pela comu nida de e a con sta ta çã o da existência de redes de solidariedade e de reciprocidade demonstraram que a lo ca lida d e nã o é u m “ l u ga r violento”, ou de “incivilizados” em qu e a viol ência é u ma m a rca identitá ria, já qu e o seu convívio soci a l nã o é, esse ncia lme nte, esta belecid o em fu nçã o de u ma su po sta pr á tica de soc ia bili da de violenta construída pelo discu rso oficial. * Professor de Sociologia da UFPI Mestre em Políticas Públicas profarnaldoeugenio@ibest.com.br


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REPORTAGEM TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

O incremento da pesquisa científica, graças ao fortalecimento dos programas de pós-graduação em todo o país e também em nosso estado, produziu um considerável volume de trabalhos que vêm colaborando na recuperação da memória cultural do Piauí. Atualmente, não mais se põe em dúvida a existência de uma literatura piauiense, reconhecendo-se um conjunto notável de autores e obras, bem como a existência de um público de leitores e de uma crítica literária, instâncias indispensáveis ao enraizamento social de uma literatura. Autora de uma tese de doutorado, defendida na PUC-RS, intitulada Horizontes de Leitura e Crítica Literária: a recepção da literatura piauiense (1900-1930), a Profª Maria do Socorro Rios Magalhães afirma que o período de 1900 a 1930 constitui o momento decisivo na formação do sistema literário piauiense e que “somente a partir de circunstâncias favoráveis, como a melhoria da escola, o desenvolvimento da imprensa e a instalação das primeiras tipografias em Teresina, tornou-se possível o funcionamento de um sistema literário, nos moldes preconizados por Antonio Candido, autor do clássico A formação da literatura brasileira: momentos decisivos, onde aponta a tríade autor-obra-leitor como indispensável à formação de uma literatura propriamente dita, ou seja, um sistema literário”. Ainda segundo a Profª Socorro Magalhães, as primeiras produções literárias consideradas como literatura piauiense datam dos primórdios do século XIX, com o aparecimento de obras esparsas, produzidas e publicadas fora do Piauí e até mesmo fora do Brasil. Os historiadores da literatura piauiense divergem ao apontar autores e obras que marcariam a origem dessa literatura, uns apontam Ovídio Saraiva, com Poemas, livro publicado em Coimbra, em 1808; outros defendem que a literatura piauiense começa com a publicação de A criação universal, de Leonardo Castelo Branco, impresso no Rio de Janeiro, no ano 1856, período em que o poeta viveu naquela cidade; para outros, Flores da noite, de Licurgo de Paiva, publicado na cidade do Recife, em 1866 seria a obra inicial da literatura piauiense; há ainda os que afirmam a primazia de Impressões e gemidos, obra póstuma de José Coriolano, publicada em 1870, por intervenção de amigos, que reuniram trabalhos do poeta, escritos na década anterior, quando acadêmico de Direito na cidade do Recife. Na sua tese de doutorado, Socorro Magalhães lembra que os sujeitos dessa produção literária, embora nascidos no Piauí, radicaram-se, de forma permanente ou temporária, em outros centros, onde encontraram condições favoráveis à edição de suas obras, o que não era, naquele momento, possível em sua terra natal. “As obras desses autores permanecem, em grande parte,

Foto: Arquivo pessoal

Estudo aponta que literatura piauiense se manifesta a partir do início do século XX

Socorro Magalhães* pesquisou o surgimento histórico da literatura piauiense

desconhecidas do leitor contemporâneo. condição indispensável para a criação de Dessas, apenas Poemas, de Ovídio uma tradição literária, no sentido que Saraiva, teve uma segunda edição, graças Antonio Candido confere a esse termo. a um projeto financiado pelo CNPq e “Só a partir das primeiras décadas executado por um grupo de professores dos novecentos, é que o Piauí começou a do Departamento de Letras da contar com um razoável número de autores Universidade Federal do Piauí”, diz a reunidos, de forma consciente, em torno professora. do projeto de construção de uma literatura Na realidade, a maior parte da piauiense”, diz a Profª Socorro Magalhães. produção literária de autores piauienses Por sua vocação agro-pastoril, o do século XIX encontra-se dispersa em Piauí manteve, até a entrada do século XX, periódicos. Ainda conforme a uma população rural, formada, na sua pesquisadora , “dentre aqueles que maioria, por vaqueiros e lavradores. A chegaram a publicar em livros, raros foram emergência de uma classe média, urbana e reeditados, com exceção de dois autores letrada, apta a consumir bens culturais muito populares, cultores da chamada mais sofisticados só veio a ocorrer após a poesia sertaneja, implantação da cujos versos foram República, a partir Socorro Magalhães transmitidos das mudanças oralmente por várias promovidas ao longo prefere chamar as gerações de dos primeiros obras de autores piauienses. Trata-se g o v e r n o s , das obras Lira sobretudo no que se piauienses datadas do sertaneja, de refere à educação. século XIX de Hermínio Castelo Só a partir da manifestações Branco e A harpa do consolidação de caçador, de Teodoro instituições literárias. Castelo Branco, que basilares para o tiveram reedições desenvolvimento patrocinadas por órgãos culturais do sociocultural, como escola, imprensa, Governo do Estado do Piauí e do produção literária e aparelho tipográfico Município de Teresina, em tempos tornou-se possível a existência de um recentes, mais precisamente, nos anos de sistema literário. No Piauí, a convergência 1988, o primeiro e 1996, o segundo. Sobre dessas instâncias permitiu não apenas a A harpa do caçador, até a recente segunda habilitação dos indivíduos para o exercício edição, além dos versos preservados pela da leitura e da escrita, mas também memória popular, só havia o registro de concedeu viabilidade material à literatura, Clodoaldo Freitas em Vultos Piauienses: criou mecanismos de incentivo à prática apontamentos biográficos, de 1903.” de leitura e à divulgação de obras literárias, Seguindo a classificação de possibilitando a constituição de um Antonio Candido, Socorro Magalhães público de leitores para a recepção da prefere chamar as obras de autores literatura piauiense, que começava a ser piauienses datadas do século XIX de projetada. manifestações literárias. Essas obras são Segundo a Profa. Socorro fruto do gênio, do talento individual dos Magalhães, o sistema literário piauiense escritores, mas não mantém entre si passou a funcionar, a partir do momento qualquer relação de continuidade, em que intelectuais integrados à vida

cultural do Estado, se reuniram com a intenção de criar uma literatura de expressão piauiense. São estes os mesmos que passaram a fazer a crítica literária através da imprensa, o que possibilitou a divulgação das obras para um público maior. Surgiram, nesse período, acirradas polêmicas entre autores e críticos, empolgando os leitores de jornal. As tipografias começaram a imprimir além de livros, revistas literárias, ampliando os suportes de leitura literária. O movimento cultural do Estado cresceu, e os literatos locais passaram a alimentar o desejo de construção de uma identidade literária para o Piauí, um sonho que encontrou na fundação da Academia Piauiense de Letras, em 1917, a sua maior realização. Entre os artífices do nosso sistema literário, a professora aponta vários nomes, abrangendo, pelo menos, duas gerações de piauienses que, no começo do século XX, assumiram a tarefa de criar, organizar e divulgar, tanto as obras, como a crítica referente a essa literatura. A título de exemplo, podem ser citados: Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, Arimatéa Tito, João Pinheiro, Cristino Castelo Branco, Antônio Chaves, Fenelon Castelo Branco, Corinto Andrade, Antônio Bona, Matias Olímpio, Alfredo Castro, Jônatas Batista, Esmaragdo de Freitas, Celso Pinheiro, Zito Batista, Alcides Freitas e Lucídio Freitas e ainda muitos outros. Quanto às obras produzidas no período de iniciação da literatura piauiense como sistema, em sua tese de doutorado, a Profa. Socorro Magalhães analisou a recepção pela crítica, de dez livros, abrangendo poesia, romance e conto. São os seguintes: Solar dos sonhos, de João Pinheiro; Almas irmãs, de Antônio Chaves, Celso Pinheiro e Zito Batista, Sincelos, de Jônatas Batista; Ode a Satã, de Adalberto Peregrino; Nebulosas, de Antônio Chaves; Um manicaca, de Abdias Neves; À-toa: aspectos piauienses e Fogo de palha, de João Pinheiro. Socorro Magalhães faz, contudo, uma ressalva importante: autores piauienses continuaram publicando suas obras fora do Estado, durante todo o século XX, mesmo aqueles que mantinham relações próximas com o movimento literário local, como Félix Pacheco, Amélia Beviláqua e Da Costa e Silva, este último o poeta mais conhecido e mais admirado do público piauiense até os dias de hoje e cuja obra abrange as três primeiras décadas do século XX, começando em 1908, com Sangue, prossegue com Zodíaco e Verharen em 1917, com Pandora em 1919, culminando com Verônica, em 1927. *Maria do Socorro Rios Magalhães Drª. em Letras pela PUC-RS Profª. do Mestrado em Letras da UFPI Profª. Adjunta de Letras da UESPI socorromrios@bol.com.br


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REPORTAGEM TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Foto: Arquivo pessoal

As marcas de uma sociedade na Tetralogia de Assis Brasil

Entre 1965 e 1969, o escritor Assis Brasil inspirou-se na sua cidade natal Parnaíba para produzir quatro importantes pérolas da litera tura brasileira, conhecida como a Tetralogia. Embora Os que Bebem como Cães (1975) tenha sido bastante propagado pelos literários e, assim, conhecido país afora, a Tetralogia, composta por: Beira Rio Beira Vida (1965), A Filha do Meio Quilo (196 6), O S alto d o Cav alo Cobridor (1968) e Pacamão (1969), teve seu impacto entre alguns escritores e recentemente vem despertando o interesse de pesquisadores no meio acadêmico piauiense e de outros estados. Entre esses estudos, a professora piauiense das redes municipal e estadual de educação do Maranhão, Francigelda Ribeiro, fez uma análise do ciclo ficcional sobre Parnaíba, na visão de Assis Brasil. Em sua dissertação de mestrado intitulada ‘Tetralogia piauiense: a interface entre o literário e o social’, defendida na UFPI, a professora teve como objetivo central analisar a s relações sociais e os impa sses gerados pela divisã o de cla sses e por outras formas de estratificação no contexto das obras que compõem a Tetralogia. Além do estudo, ela produ ziu um docu mentário, transformado em DVD, com o próprio escritor, com o objetivo de registrar memórias e focalizar a tetralogia piauiense na visão do autor. “Na minha dissertação, pesquisei como Assis Brasil refletiu artisticamente o contexto da época. Observei nas obras um colapso do momento áureo de Parnaíba, quando começa a declinar a efervescência comercial da cidade, da metade do séc. XIX até metade do séc. XX”, informou a pesquisadora. Francigelda Ribeiro explora a organização interna dos romances, demonstrando que os aspectos estilísticos concorrem para realçar a temática social e reconhece os diversos discursos em conflito nos textos, cuja relevância demarca o embate entre as forças conservadoras e reformadores em um panorama social cerceado por valores patriarcais. Para a pesquisadora, a Tetralogia situa os problemas sócio-

no barracão de madeira, no cais onde morava juntamente com a avó e com a mãe, Luíza – ambas prostitutas. Inclusive, Beira Rio Beira Vida centra os fatos nos moradores do cais e na parte marginalizada da cidade. A filha do Meio Quilo retrata a periferia, os trabalhadores do mercado e uma elite que não aceita que esse grupo marginalizado ultrapasse a barreira. Cota será foco de perseguição porque ela não aceita estar circundada por essas imposições. Ela deseja transcendência e começa a ser cerceada por uma elite dominadora. Assis Brasil mostra que as barreiras são relativas”, esclarece. No terceiro livro da Tetralogia, O

de dominação, chegando a ter até morte, em razão da sede de domínio. O poder está acima de todos os valores, acima do bem e do mal”, considera. “Assis Bra sil trouxe pa ra a Tetralogia nomes de pessoas reais, como Darcy Marvinier. Nos livros, Pacamão e Beira Rio Beira Vida, Darcy era assíduo freqüentador do prostíbulo da Cremilda. Para Assis Brasil, ele era um ser inquieto, com sede de dominação, egoísta e orgulhoso. O autor demonstra, na sua obra, ações socialmente inaceitáveis pela sociedade da época. Segundo informações de professores e moradores da cidade, Darcy se juntou a outros membros da sociedade, que

Foto: Arquivo pessoal

Francigelda Ribeiro*

político-culturais, que constituem o legado do nosso passa do. Fa tos transportados à ficção que vertem o ama rgo de força s repressiva s e polarizadoras. A pesquisadora buscou se aproximar da realidade onde os fatos ocorreram e até buscar mais explicações junto ao próprio autor, que mora no Rio de janeiro. “Estive com remanescentes de algumas famílias tradicionais da cidade, citadas nos romances, que muito revelaram personagens reais mesclados com nomes reais e também com histórias fictícias. Por mostrar a realidade em parte de uma sociedade conservadora, Assis Brasil tornou-se, para muitos, na cidade,

Assis Brasil em uma de suas últimas visitas à sua terra natal; no detalhe, ele faz pose no cais de Parnaíba, onde se passa o romance Beira Rio Beira Vida

um ser indesejável”, relatou Francigelda Salto do Cavalo Cobrid or, a Ribeiro. pesquisadora observa que os fatos se Ela ressalta que Mundoca e Cota, deslocam do centro urbano para um respectivamente, personagens centrais povoado, uma fa zenda , chamada de Beira Rio Beira Vida e A Filha do Frecheira da Lama (Norte do Estado), Meio Quilo, tiveram seus princípios existente até hoje. Nessa obra, o autor combatidos pelo corpo conservador da retrata não o grande burguês, mas o cida de. “Ambas empunha m um pequeno burguês e seus agregados, o processo de ruptura de valores espaço rural, mas fica clara também a arraigados e, pela questão classista. rigidez dos “Os empregados só “São quatro romances e obstáculos, comem bem quando contorcem-se na os patrões estão na uma única intenção: a luta por um espaço casa. Há uma denúncia. E a denúncia representativo. Cota relação de confiança é contemporânea de e subserviência com não pode ser cristalizada Cremilda, avó de o patrão e este de através de uma forma M u n d o c a . dominação. Não há que compactue com a Malgrado o conflito, nã o há intervalo de duas reflexão, há estagnação social” gerações, as r e n ú n c i a , personagens foram su bor dina ção ”, escolhidas pelo que descreve. Assis Brasil têm em comum E m quanto à luta por Paca mão, é formas de inserção social. Cota, filha de fechado o ciclo e o leitor pode ter uma Nhôzinho, apelidado de meio-quilo, pelo visão mais clara do conjunto. “Pacamão franzino talhe do corpo, seguia, fecha o trabalho com muita coerência. O diariamente, com o pai e a madrasta para tipo de personagem que ele chama a essa o mercado. Para Mundoca, os rumores obra consegue e muito sintetizar os de vozes masculinas enchiam as noites outros livros. Ocorre o ápice do desejo

chegaram a proibir até a pronúncia do nome Assis Brasil, após a publicação do romance. Hoje, o escritor já é muito bem aceito e querido. Se antes ele foi motivo de raiva, hoje é motivo de orgulho em vários setores da sociedade local”. Em 1979, quando do lançamento de Pacamão, em comentário feito sobre a Tetralogia, o escritor afirmou: “nasceu de uma necessidade urgente de voltar às minhas raízes telúricas, e a experiência de vida, principalmente a infância, foi a matéria-prima para o levantamento de um mundo ficcional. Deixei de lado os contos e novelas cerebrais, ideológicos, de teses, e me voltei para o homem, para a sua condição, onde tudo está implícito: ideologias, teses e supostas mensagens”. E assim concluiu: “São quatro romances e uma única intenção: a denúncia. E a denúncia não pode ser cristalizada através de uma forma que compactue com a estagnação social”. *Profª. Fracigelda Ribeiro Profª. das redes municipal e estadual de educação do Maranhão Mestranda em Letra na UFPI francigelda@yahoo.com.br


ENTREVISTA

6 TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

TERESINA - PI, M

Assis Brasil: um piauiense que tr

“...escrever para jovens, me faz mais jovem e descanso das engrenagens mais envolventes do meu cérebro.” ......................................... Francisco de Assis Almeida Brasil ou simplesmente Assis Brasil é um piauiense notável. Romancista, contista, ensaísta, crítico literário, jornalista, professor, com mais de cem livros publicados (113 publicados) é um dos maiores poetas piauienses e brasileiros, com diversos prêmios literários. Aos 75 anos e ainda em plena atividade, possui um legado importantíssimo para a literatura brasileira. Aos 11 anos, foi morar em Fortaleza, Ceará, onde começou a escrever. Seu primeiro texto, aos 15 anos, inspirado num apólogo de Machado de Assis, foi publicado na Gazeta de Notícias, em 1948. Em 1949, aos 17, mudou-se para o Rio de Janeiro e atuou, entre outras funções como redator de propaganda das Casas Per nambucanas , quando começou também a cursar jornalismo na Pontifícia Universidade Católica. Em 1956, iniciou seu trabalho como cr íti co lit erário prof iss ional do suplemento dominical do Jornal do Brasil, cargo que abandonou em 1961. A partir daí, escreveu para outros jornais do país, traduziu ensaios, fez crítica de cinema e lecionou na Escola de Comunicação da Universidade do Rio de Janeiro. Seu reconhecimento como escritor, veio em 1956, com o Prêmio Nacional Walmap, por Beira Rio Beira Vida, considerada uma de suas mais importantes obras. Dez anos mais tarde, recebeu o mesmo prêmio por Os que bebem como os Cães, tornando-se o único escritor brasileiro a ser consagrado duas vezes com essa expressiva premiação. A partir de 1956, passou a colecionar outros prêmios por suas obras e passou a dedicar-se exclusivamente à literatura. Seu primeiro romance, Verdes Mares Bravios, publicado em 1953, no Rio de Janeiro, é comercializado até hoje. O poeta atingiu a marca de 100 publicações em 1998, com o volume de novelas O Sol Crucificado. Em 1999, recebeu, no Rio, o Diploma de Personalidade Cultural da

União Brasileira de Escritores, pelos s er vi ços pr es tados à cul t ur a brasileira. Em vários estados, Assis Brasil recebeu prêmios e homenagens, em grande parte às antologias que publicou. Em 1996, foi empossado na Academia Piauiense de Letras e foi condecorado com a Ordem Estadual do Mérito Renascença do Piauí, no Grau de Cavaleiro. Recebeu ainda várias condecorações do seu estado de origem e em Parnaíba existe uma fundação cultural que leva seu nome, onde também é membro da Academia Par naibana de Let ras . É ainda membro do Pen Clube do Brasil e do Sindicato dos Escritores Profissionais do Rio de Janeiro. Em 2004, recebeu da Academia Brasileira de Letras a maior distinção literária nacional, o pr êmio Machado de As si s, pel o conjunto de sua obra. Apes ar da i mpor t ant e contribuição à literatura brasileira, poucos críticos se dispuseram a estudar mais fundo sua produção, que possui romances regionalistas, romances históricos, contos e novelas. As obras mais estudadas e comentadas foram do chamado Ciclo do Terror, que reúne Os que Bebem como os Cães (1975), O Aprendizado da Morte (1976), Deus, O Sol, Shakespeare (1978) e Os Crocodilos (1980). Menos ainda existem estudos sobre sua fascinante Tetralogia Piauiense, que reúne os romances que retratam o povo e o contexto social de uma Parnaíba dos anos 60: Beira Rio Beira Vida (1965), A Fi lha do Meio Qui l o ( 1966), O Sal t o do Caval o Cobr idor (1968) e Pacamão ( 1969). O premiado Bei r a Ri o Beira Vida é at é hoje um d o s seus

(Assis Brasil)

trabalhos mais aclamados e um dos livros mais exigidos nos vestibulares das universidades piauienses. Fora isso, é também bastante solicitado como gênio da literatura infantojuvenil, com seus inúmeros títulos voltados para esse tema, os quais são bastante solicitados em escolas do país como lei tur a par adi dática. Yakima, o menino-onça (1995), um dos títulos da série, foi selecionado para o Programa Nacional de Salas de Leitura do FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação – e r ecomendando pel a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil. Talvez a mais ousada produção de Assis Brasil seja a coleção “Poesia do Sécul o XX”, uma sér i e de antologias nas quais faz um panorama da poes i a brasileira

nos últimos cem anos em vários estados da federação, entre elas a do Piauí. I ncl us i ve, em 1995, quando do lançamento de sua antologia A poesia piauiense no século XX, foi agraciado com a Medalha do Méri t o Conselheiro José Antônio Saraiva, no grau de Ofi cial , da Pr efei t ur a Municipal de Teresina. Apesar da falta de interesse da mídia e de outros escritores em aplaudir essa importante contribuição, o piauiense pretende ainda completar as 20 antologias, com ou sem apoio. Diante de tamanha contribuição para a l i t er at ur a bras i lei r a, o Sapiência resolveu entrevistar um dos maiores poetas brasileiros nesta edi ção t otal ment e dedicada à literatura piauiense.

................. Sapiência - Foi difícil para o senhor, nascido numa província distante como o Piauí, tornar-se um escritor de renome nacional? O que levou a deixar o Piauí e radicar-se no Rio de Janeiro? Assis Brasil - Foi relativamente difícil, mas eu, como jornalista, tive a sorte de ter acesso à área, passando a colaborar literalmente nas chamadas folhas. Eu estava morando e estudando em Fortaleza, Ceará, terra de minha mãe. Como eu já escrevia, achei que um centro maior seria o ideal para mim, não só para continuar os estudos, como para me tornar (eu já tinha consciência disso) escritor. Sapiência - O Piauí ainda é u ma “provínc ia” distante para quem tem talento na literatura? Assis Brasil Toda s as “províncias” brasileiras. Jornalista,


: Assis Brasil

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ansformou a literatura brasileira críticos literários, historiadores, só prestam atenção no que acontece no Rio e S. Paulo. Mesmo saindo a capital daqui do Rio, esta cidade continua a ser o foco nacional. Nas Faculdades a coisa é ruim porque os professores, seus conhecimentos são limitados às cidades citadas. Quer dizer, o “provincianismo” é dessa gente responsável pela cultura do país. Sapiência - Os romances que compõem a Tetralogia Piauiense constituem, de alguma forma, reminiscências da sua infância e juventude passadas em Parnaíba? Assis Brasil - Sem dúvida. Conheci Luíza pessoalmente, qu e estilizei, através da criação para o romance. Ela, já velha, tinha se “aposentado” da prostituição e vivia lavando roupa para fora. Ela lavava lá para casa. Quando ela desaparecia, minha mãe me pedia para ir procurá-la no cais. Eu tinha uma bicicleta e isso facilitou a minha ida aos subúrbios pobres de Parnaíba. Assim foi que conheci a vida como ela é...e me deu mais estofo para escrever. Além da Tetralogia, publiquei Histórias do Rio Encantado, que se pa ssa no mesmo cená rio socialmente marginal. Sapiência - Muitos de seus romances podem ser apontados como obras de denúncia social, como por exemplo Os que bebem como os cães, além dos que integram a Tetralogia Piauiense. O senh or se consid era um escritor “eng ajado” na lu ta pelas cau sas políticas e sociais? Assis Brasil - Claro que sim. Toda a minha obra, incluindo os livros infantojuvenis, giram sob a essa ótica. Sempre defendi a tese de que todo escritor, todo artista, têm essa preocupação em sua obra, quer implícita ou explicitamente. O conhecimento em nosso país é muito limitativo. Fizeram a diferenciação entre “engajado” e ‘alienado” e pronto. E ainda hoje, quando as ideologias desapareceram, muitos continuam a “pastar” nesse simplismo. Uma vez defendi Clarisse Lispector e Samuel Rawet da acusação de serem escritores ‘alienados”. A acusação foi feita pelo Paulo Francis, que pertencia a uma corrente supostamente engajada, que

era conhecida como ‘esquerda festiva”. Ele era leitor da editora “Civilização Autorais” de seus editados. Sapiência - O senhor foi no passado um grande vencedor de prêmios literários. Atualmente ainda tem participado desses concursos? Assis Brasil - Ganhei, não faz muito (2004), o Prêmio Machado de Assis (parte conjunto de obra), da Academia Brasileira de Letras. Em 1975, quando ganhei novamente o Prêmio Nacional Walmap, com o romance Os que Bebem como os cães o escritor “baiano” Osmar Lins, deu uma entrevista para aquela revista “norte-americana ”, a Veja, dizendo que os escritores “tarimbados” não deviam participar de concursos; seria bom que eu desse o lugar para os mais novos. Depois descobri que ele, que era mais velho e mais “tarimbado” que eu, tinha concorrido ao mesmo concurso. A história dos “bastidores” do WALMAP/75 é uma história de horror: gente pressionando a comissão julgadora para dar prêmio aos seus “afilhados”, inclusive, o “famoso” José Olympio, que estava para lançar um romance que concorria àquele prêmio e queria aproveitar a publicidade do Walmap. As pressões foram grandes que “ma taram” o Walmap. Ele aca bou naqu ele ano. Concorri com o pseu dônimo, “Jeremias” , nome do personagem central, e meu livro foi premiado por unanimidade (seis membros na Comissão Julgadora), cerca de 300 concorrentes. Sapiê ncia - Ultimamen te,co m o inc remento dos curso s de p ósgraduação na área de Letras, sua obra tem sido objeto de vários estudos aca dêmico s. O senhor tem acompanhado esses trabalhos? Assis Brasil - Tenho acompanhado, e isso em vários Estados. O primeiro trabalho saiu em Niterói (RJ) quase que em cima da publicação do Beira Rio Beira Vida. As teses são boas em modo geral. É bom que os estudantes de Letras saibam da importância da literatura, pois sem arte uma sociedade não sobrevive. Tomamos conhecimento de vários países através de sua arte, e não da sua política ou economia...

Sapiência - Em 1912, o poeta Lucídio Freitas, realizou, através do jornal Diário d o Piau í, u ma e nq uete a respeito da literatura piauiense. Uma das questões propostas era : “Que papel representa o Piauí no momento literário do País?” Se a pergunta fosse dirigida ao senhor, hoje, qual seria sua resposta? Assis Brasil - No momento literário do País, o nosso Piauí representa muito, e também de um ponto de vista mais abrangente culturalmente. E sei que tenho pa rticipação a tiva nesse processo. Tenho destacado, não só nos meus livros como em conversa com intelectuais, a ação preponderante do Estado no complexo cultural do País. O Piauí edita revista, publica livros, a Academia Piauiense de Letras tem pa rticipação forte, como outra s entidades culturais. Só precisamos cobrar do Governo uma ação mais dinâ mica. O que é isso? Melhores verbas para essas entidades, que vivem de pires na mão. E a despeito disso, funcionam. Sei que a nossa Academia Piauiense sobrevive com dificuldade. Um país se faz com homens e livros, disse Monteiro Lobato, e Castro Alves exaltou a sua importância. Sei que o Piauí se esforça para fazer o melhor, como esse Salão do Livro do Piauí, uma verdadeira bienal do livro, ao nível das do Rio e São Paulo. É comovedor ver as crianças folheando e comprando livros, como vi no ano passado em Teresina . Os governa ntes também precisam se comover e abrir os cofres. Tomei conhecimento de que a Secretaria de Cultura da minha terra, Parnaíba, não tem dinheiro nem pra comprar água mineral... Sapiência - A partir dos anos 70, a prod uç ão literária d estina da a o público infanto-juvenil cresceu de forma extraordinária, no Brasil, não só pe lo apa rec ime nto de au tores novos, mas também porque muitos autores já consagrados começaram a publicar literatura infanto-juvenil. No seu caso, por que passou a escrever para crianças? Assis Brasil - No meu caso comecei com a publicação de um livro infantoju venil, Verdes Mares Bra vios /

Aventura no Mar. E não poderia ter sido o contrário, pois eu o escrevi com apenas 15 anos de idade. Muitos anos depois fiz uma adaptação e a Editora Melhoramentos o publicou. A “volta foi curiosa” - além de receber, dos editores muitos pedidos de livros para a área, uma noite tive um sonho, que era u ma história completa pa ra crianças e jovens. Quando amanheceu, me sentei na má qu ina e escrevi o primeiro episódio de u ma série na rra ndo a s peripécia s de u m aventureiro e ecologista, amigo dos índios. Cha ma -se, o personagem central, das narrativas infanto-juvenis, Ga viã o Va qu eiro, nascido em Piracuruca, no Piauí. Escrevi perto de 30 histórias com o mesmo personagem, em episódios autônomos. A editora Melhoramentos publicou 9 narrativas, sempre com ampla aceitação entre professores (1º e 2º graus) e alunos. Depois publiquei mais histórias por inúmeras outras editoras, creio que no total mais de 20. O Herculano Moraes está com uma dessas histórias inéditas para publicar em Teresina. Depois os ou tros livros para a área viera m automaticamente – creio que, no total, publiquei mais de 40. Gosto de escrever para crianças e jovens, me sinto bem. Quando estou trabalhando em livros mais complexos (ensaios/romances), costumo dizer que volto de vez em quando a escrever para jovens me faz ma is jovem e desca nso da s engrena gens ma is envolventes do meu cérebro. Sapiê ncia - Alg uma s d e su a s importantes obras tem virado tese de me stra d o . Qu a l d e sua s ta nta s publicações mais gosta e por que? Assis Brasil - Minha mente trabalha em dois setores, um mais racional e outro mais sensível. A minha Tetralogia Piauiense cobre as duas áreas. Mas escrevi dois romances, passados no Ceará , qu e me a tingem muito emocionalmente: A Volta do Herói e Zé Carrapeta, o Guia de Cego. Do ponto de vista da técnica narrativa, destaco o roma nce histórico, Villegagnon, Paixão e Guerra na Guanabara e o romance O Prestígio do Diabo.


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REPORTAGEM TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Foto: Arquivo pessoal

Torquato Neto desafinou o coro dos contentes artístico do piauiense e se detém na linguagem. Assinalando a importância do piauiense em uma nova redefinição da cultura brasileira que resultou no movimento tropica lista . Feliciano Bezerra Filho, a profundou esses estu dos em sua tese de dou tora do intitulada “Ressonâncias da Tropicália. Mídia e Cultura na Canção Brasileira”, defendida em 2005, também pela PUC. Torqu a to Neto pode ser confundido com o próprio movimento. Ele qu eria o dista ncia mento da s concepções imposta s “por força s político-cu ltu ra is a tu a ntes do momento”. “Os tropicalistas preferiam uma atuação mais artística, menos ideologizada, articulando os temas da pa rticipaçã o, do consu mo e do nacionalismo com uma desfiguração * Feliciano Bezerra Filho dos gra ndes discu rsos de Pa ra entender um pou co o engaja mento político e estético, lega do do poeta , compositor, comumente empregados”, analisa o jorna lista, cinea sta , a tor, diretor, professor, qu e ta mbém ressa lta o produtor cultural e escritor piauiense dinamismo de Torquato, apropriandoTorquato Pereira da Araújo Neto (1944se dos vários espaços de atuação, seja 1972) só mesmo por meio de análise no jornalismo cultural, na poesia, na a profu nda da da música, no cinema linguagem poética ou na editoração. por ele deixada , Qu a nto à Badalada era a sua entre os anos 60 e c o n c e p ç ã o coluna Geléia Geral, 7 0 . O professor poética, o no Jornal Última Hora, doutor Felicia no pesquisador revela Bezerra Filho qu e a lingua gem no Rio de Janeiro. O explorou os de Torqu a to era título foi dado à letra c ó d i g o s na rrativa, versos lingü ísticos da da canção musicada por coloquiais, líricas o b r a , su bjetiva s com Gilberto Gil, outro esta belecendo p r o f u n d a s símbolo da Tropicália, correla çã o com a dema nda s do conju ntu ra e os íntimo. Poema s ao lado de Caetano espaços de atuação visuais, curtos, em Veloso e muitos outros. do poeta nesse que se utilizava de contexto. A recursos gráficos e pesquisa, resultado tipográficos, como da sua dissertação de mestrado na PUC remontagem de palavras, entre outros. de São Paulo, em 1998, foi publicada O único livro publicado do poeta, que posteriormente no livro A escritura de próprio não chegou a ver, Os Últimos Torquato Neto (2004). O autor faz uma Dias de Paupéria, foi organizado pela análise de grande pa rte do lega do viúva Ana Maria Duarte e o poeta

Waly Salomão, em duas edições, a primeira de 1 97 3 e a segu nda , ampliada, de 1982. O forte traço que marca o poeta é a exposiçã o de su a s própria s vivência s e conflitos, o que o professor chama de atitude estéticovivencia l. Torqua to se desnu da e mostra angústia em seus versos. A poesia se confunde com sua vida. Ele é crítico, grotesco, tem humor, alegoria, pessimismo. Badalada era a sua coluna Geléia Geral, no Jornal Última Hora, no Rio de Janeiro. O título foi dado à letra da canção musicada por Gilberto Gil, outro símbolo da Tropicália, ao lado de Caetano Veloso e muitos outros. O cinema foi uma das paixões de Torquato. Atuou em a lguns filmes como Helô e Dirce (1972), protagonista

Torquato Neto, Caetano Veloso e José Carlos Capinã: parceiros do movimento tropicalista

Fotos: Divulgação

Torquato Neto em momento cinematografico

Torquato Neto mostrou-se um grande poeta e nã o apena s enqu anto validador do movimento tropicalista. “O nível de elaboração das letras das canções, a inventividade com que toma posse e se a proveita do mu ra l da poesia brasileira e as apropriações cria tiva s devida mente coloca da s confirmam sua competência no manejo poético”. O pesquisador Feliciano Bezerra ressalta que Torquato não tocava e nem cantava afinado, mas o seu talento nesse ca mpo era tã o incrível qu e elabora va poema s tota lmente imbu ídos de musica lida de, com melodia e harmonia, com tratamento equ ilibra do de sons. Entre ela s, Nenhuma Dor, Minha Senhora, Zabelê, Deus vos salve a casa santa, parcerias

em Adão e Eva no paraíso de consumo (dirigido em Teresina e sem paradeiro) e protagonista de Nosferato no Brasil, dirigido por Ivan Cardoso, em 1971. Pode-se afirmar que este ú ltimo o tornou mais conhecido nacionalmente. Dirigiu apenas um filme: O Terror da Vermelha, rodado em Teresina, sua terra natal. Também no cinema, o poeta apresenta-se contra as convenções, da ndo proposta s inova dora s. Segu ndo Felicia no Bezerra, a tecnologia em câmara de super-8 foi defendida por Torquato, que disse: “Cinema é um projetor funcionando, projetando imagens em movimento sobre uma superfície qualquer. É muito chato. O quente é filmar”. A mú sica foi uma marca expressiva e inesquecível do poeta. Segundo Feliciano Bezerra, ele exerceu influências e despertou interesse das gerações posteriores, seja de músicos, seja do público consciente ou não. Até hoje, compositores buscam na obra musical de Torquato inspirações para suas produções. O pesquisador explica que mesmo com o golpe militar de 64 e a perseguição a todas as formas de expressão da arte e cultura no país,

com Ca etano Veloso; Louvação, A Rua, em parceria com Gilberto Gil; Todo Dia é Dia D, com Carlos Pinto, compositor carioca; Let´s play that, musicada por Jards Macalé; Pra dizer adeus e Veleiro, com Edu lobo. O pesqu isa dor relata em seu livro, inclusive, a famosa Go Back, musicada na década de 80 pela banda Titãs, sucesso até hoje. Em 1973, Três da madrugada, parceria com Carlos Pinto, foi gravada por Gal Costa. Em 1997, Luiz Melodia lança a canção Começar pelo recomeço, música com poema de Torquato. “ Torqu a to continu a sendo requisita do por ca ntores e compositores. Seus vibrantes poemas mu sica dos celebra m um tipo de cria çã o qu e se firma , de forma irrevogá vel, na cu ltura mu sica l brasileira , com forte pa drão de invenção e qualidade”, considera o pesquisador. *Prof. Dr. Feliciano Bezerra Filho Depto. de Letras/Português UESPI (86) 3213-7441 (ramal 341) felicianofilho@uol.com.br


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REPORTAGEM TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Foto: Arquivo pessoal

Muito mais que o Anjo Torto da Tropicália

Pesquisador Edwar de Alencar Castelo Branco

O professor da UFPI, doutor em História, Edwar de Alencar Castelo Branco, pesquisou a obra de Torquato Neto, muito mais na sua vivência fora do momento tropicalista. O título de sua tese “Todos os Dias de Paupéria – Torquato Neto e uma contra-história da Tropicália” retrata o outro lado do poeta. O professor ressalta que, apesar da farta produção discursiva sobre Torquato Neto (1944–1972), boa parte de sua múltipla atividade intelectual permanece na sombra. “Em boa parte, isso ocorre em razão da ênfase dada aos textos reunidos em Os últimos dias de paupéria, os quais chegam ao exagero de serem vistos como uma espécie de síntese da obra torquateana. Em razão disso, textos largamente importantes, como o ensaio “Arte e cultura popular”, permanecem inéditos e ofuscados pela intensidade

Dois momentos do poeta piauiense

do foco que se projeta sobre o “Torquato tropicalista”, considera o professor, que faz parte do Programa de Pós-Graduação em História da UFPI. Dentro da sua linha de estudos relacionados ao poeta piauiense, publicou, em 2005, o livro Todos os dias de paupéria”: Torquato Neto e a invenção da tropicália, com auxílio financeiro do CNPq. Em seu estudo, o professor da UFPI explica que em “Arte e Cultura Popular”, monografia teórica publicada em fascículos no jornal O Dia, Teresina, em 1964, o poeta é, ao contrário da quebra de barreiras da cultura tropicalista, um defensor da cultura regionalista, de forma a protegê-la das influências internacionais. Ele reflete sobre a literatura brasileira, por um lado, procurando estabelecer conexões entre a sociologia de Gilberto Freyre e a literatura regionalista de José Américo de Almeida, Jorge de Lima, Rachel de Queiroz, José Lins do Rego e Graciliano Ramos e, por outro, posicionando-se sobre movimentos literários já maduros – como o modernismo – mas também sobre aqueles ainda então inscritos no âmbito da novida de, como o concretismo. “O material é interessante para se pensar a trajetória intelectual de Torquato Neto, na medida em que permite indagar como foi se constituindo uma identidade que o marcaria como um dos idea lizadores do Tropicalismo. Os fascículos revelam um Torqu ato armorialista, crente na existência de uma distinta cultura brasileira a qual precisava, de seu ponto de vista, ser protegida e salvaguardada do contágio exterior”, descreve. O Dr. Edwar Castelo Branco disse que é possível perceber que o que fez

de Torquato uma espécie de ícone de sua geração foi a sua capacidade de ser ao mesmo tempo único e plural. Em 1962, aos dezesseis anos, escreveria seus poemas iniciais, entre os quais se destaca “A explicação do fato”, espécie de inventário poético onde o poeta apresenta-se incrivelmente voltado para dentro de si. “É surpreendente constatar que um adolescente seja capaz de emitir imagens poéticas tão pessimistas e negativas, como em Sinto medo, e este é o meu pavor. Por isso a minha vida, como o meu poema, não é canto, é pranto e sobre ela me debruço, observando a corcunda precoce e os olhos banzos”. O pessimismo era uma marca do poeta piauiense, bem como a idealização da infância. Para Edwar Castelo Branco, Torquato tentava, com seus poemas, capturar um instante mágico, onde o tempo não passasse. São constantes as referências a uma infância ensolarada, distante e desejável. “Um bom menino perdeu-se um dia, entre a cozinha e o corredor”, escreveria em Deus vos salve esta casa santa. Que metáfora poderia expressar melhor a ânsia reativa do poeta em relação ao tempo? Como se sabe, a cozinha – ainda mais do que o quarto – é, na cultura ocidental, o ponto mais íntimo e nuclear da casa, o centro de onde emergem os cheiros, gostos e diálogos que parecem não se alterar no tempo. O corredor, ao contrário, é um espaço de trânsito, “um ponto neutro e assignificado da casa”. Entre uma cozinha/infância desejável e um corredor/juventude assombroso, o poeta parece ver o tempo como uma entidade pavorosa, contra a qual acena com sua poesia, idealizando “meninos correndo atrás de bandas” (A rua) ou ouvindo uma

“canção antiga ao pé do berço” (A explicação do fato III)”, explica em seu estudo. Na fase mais intensa e regular da obra de Torquato, situada entre 1968 e 1972, ele toma para si a tarefa de baterse contra as linguagens predominantes

Torquato Neto em Teresina

e idealizar novas formas de comunicação. O pesquisador afirma que é nessa fase que conclui que a linguagem vacila, pois as palavras são “poliedros de faces infinitas”. “Isso torna mais fácil a compreensã o do combate que curiosamente Torquato, tendo sido o autor do manifesto tropicalista – Geléia gera l – pa ssou a fazer à própria Tropicália. Com as críticas dirigidas a exparceiros do gru po baiano, intensificadas a partir do momento em que ele se aproxima de intelectuais como Rogério Sganzerla e Júlio Bressane, Torquato procuraria catalisar em torno de si a permanência de um projeto experimental para a cultura brasileira, o que o aproximaria especialmente do “cinema marginal” que se fazia na época”, contemporiza o pesquisador. Para o Dr. Edwar Castelo Branco, a obra de Torquato ganha significado especial no contexto do Brasil dos “anos de chumbo”, quando a rebeldia juvenil se contrapunha às formas dominantes e mais reacionárias de pensamento. Em Let´s play that, um de seus últimos poemas, inspirado em Carlos Drummond de Andrade, havia uma síntese do discurso jovem de então: “Quando eu nasci/ um anjo louco muito louco/ veio ler a minha mão/ não era um anjo barroco/ era um anjo muito louco, torto/ com asas de avião/ eis que esse anjo me disse/ apertando a minha mão/ com um sorriso entre dentes/ – va i, bicho, desa finar/ o coro dos contentes.” Torquato Neto poderia desafiar até hoje o coro dos contentes, se não tivesse nos deixado, após cometer suicídio, no dia 9 de novembro de 1972. Contudo, até o seu último ato extremo, no dia que completara 28 anos, foi um manifesto ao conformismo e ao estado de violência instalado pela ditadura militar. Torquato Neto não calou porque como ele mesmo escreveu: ‘mudo é quem só se comunica com palavras’. *Prof. Dr. Edwar Castelo Branco Depto. de História e Geografia da UFPI Prof. do Mestrado na UFPI edwar2005@uol.com.br


RESUMO DE TESES

10 TERESINA - PI, MARÇO DE 2007 Envelhecimento do trabalhador no tempo do capital: problemática social e as tendências das formas de proteção social na sociedade brasileira contemporânea.

Educadores e Jovens de rua: itinerários poiéticos que se cruzam pelas ruas de Teresina.

(1-3, 1-4)-b-glucanases na cevada (Hordeum vulgare ssp. vulgare L.): atividade enzimática, obtenção de populações duplo-haplóides e regiões cromossômicas associadas.

Solange Maria Teixeira - Professora da Universidade Federal do Piauí Defesa: Universidade Federal do Maranhão, 2006. solangemteixeira@zipmail.com.br

Shara Jane Holanda Costa Adad - Professora Adjunta da Universidade Estadual do Piauí - UESPI Defesa: Universidade Federal do Ceará, 2004. shara_pi@hotmail.com

Janaína Endres Georg Kraemer Pesquisador DCR/CNPq/FAPEPI Defesa: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2004. - janaina.kraemer@terra.com.br

Com o objetivo de analisar tanto os determinantes da problemática social do envelhecimento do trabalhador, na ordem do capital, sob práticas temporais regidas por essa lógica, quanto às formas de respostas do Estado e da sociedade, mediante as propostas e iniciativas pioneiras de trabalho social com idosos; de segmentos da burguesia brasileira e do Estado, por meio de programas sociais para a “terceira idade” e da legislação social contemporânea que inclui Política Nacional do Idoso e Estatuto do Idoso, buscou-se configurar o desenho e as tendências da política social contemporânea de resposta a esse problema social. Mediante procedimentos metodológicos essenciais à pesquisa documental, como a análise de conteúdo de documentos, sistematizações e análises de dados estatísticos oficiais, efetivaram-se os referidos objetivos. Os resultados do processo investigativo reforçam a centralidade do envelhecimento do trabal hador na constituição da “problemática social”, da relação capital/trabalho como fundamento comum ou da exacerbação e agravamento da questão social, materializadas nas determinações e na configuração das condições de vida de frações da classe trabalhadora que envelhece, em especial, os de baixa renda. Demonstram, ainda, o reforço da cultura privacionista nas formas de trato dessas mazelas sociais, corolário dos mecanismos de enfrentamento da questão social na atualidade e das novas simbioses entre “público” e “privado”, que o capital promove, de modo a ocultar essa dimensão privacionista. Essa cultura se exterioriza tanto nas formas de assunção ou divisão de responsabilidades sociais com a proteção social para a sociedade civil, quanto no reforço do individualismo nos modos de intervenção social, que transmutam problemas sociais em problemas individuais, expressos nas terapias de ajustamento, de valorização, de inserção social, dentre outras, cujo foco é o indivíduo; mantendo intactas as estruturas geradoras de desigualdades sociais. Conclui-se que as formas de respostas à problemática social do envelhecimento mascaram a centralidade do envelhec imento do trabalhador na constituição do problema social e reforçam o modelo liberal de trato dessas mazelas sociais.

Este trabalho é o resultado de duas pesquisas. A primeira, realizada em 1999, tem como “objeto de estudo” a observação das manifestações subjetivas dos jovens de rua em Teresina; a segunda, realizada em 2001, co-extensiva à primeira, teve como estudo os educadores sociais de rua – profissionais que atuam junto a esses jovens. Nas duas pesquisas, ressalto a minha postura em estudá-los como “atores” capazes de produzir saberes e de atuar com proposição, criatividade e potência. Enfatizo a importância dos métodos utilizados: na pesquisa com os jovens, fiz dois movimentos: desterritorializei-me do que me era familiar quando adentrei e percorri Teresina, e reterritorializei-me entre estranhos quando fui aceita pelos jovens de rua, deixei de ser uma estrangeira. A partir disso, tracei imagens e cartografei corpos juvenis de rua: o território-movimento, o dissolvente, o excessivo e o garantido. Esta cartografia mostra que, ao contrário do que se pensa, um bando de jovens de rua expressa em seu corpo a multiplicidade, enquanto experiência, momentos de potência e de exercício criativo de acontecimentos. Na pesquisa com os educadores de rua, utilizei o método sociopoético, onde se produz conhecimento com o corpo todo e em grupo. O grupopesquisador era constituído por mim (facilitadora) e por 14 educadores de rua (co-pesquisadores). O tema escolhido foi O desejo na convivência do grupo. A produção de dados deu-se em oficinas e com técnicas que utilizam dimensões do saber humano, especialmente da arte, para potencializar a produção de conceitos sobre o tema. A análise destes conceitos permitiu-me analisar as dimensões que permeiam o pensamento do grupo acerca dos desejos na sua convivência: na primeira dimensão os desejos se dão na convivência entre os educadores e os jovens; na segunda, entre eles mesmos, e na terceira, entre eles e as entidades que trabalham com as crianças e os jovens. Todas essas dimensões são perpassadas pela problemática da prática pedagógica, são criações dos co-pesquisadores e constituem o pensamento do grupo, em sua multiplicidade, são campos possíveis e co-existem.

O objetivo principal do presente estudo foi mapear regiões cromossômicas (QTLs) e detectar marcadores moleculares associados à atividade das (1,3-1,4)-â-glucanases para posterior uso em seleção assistida por marcadores em programas de melhoramento da cevada. Para isso foram caracterizadas 18 variedades de cevada usadas no programa brasileiro de melhoramento da cevada cervejeira em relação às (1-3, 1-4)-b-glucanases no malte verde (antes do processo de secagem) e no malte seco (após o processo de secagem). Após esta triagem, foram escolhidas variedades que apresentaram atividade divergente em relação à enzima estudada: no malte verde (MN-698 e CEV-97047) e no malte seco (Embrapa-127 e CEV-96025). Estas variedades foram utilizadas como parentais na construção de duas populações de cevada duplo-haplóides (DH) segregantes em relação à atividade das (1-3, 1-4)-â-glucanases, através de cultura de anteras, obtendo-se assim as populações de estudo. A população referida como “malte verde” teve 97 indivíduos utilizados na análise e a população referida como “malte seco” 56 indivíduos. As duas populações DHs foram semeadas e colhidas em três locais distintos, com repetições em dois destes locais. As sementes de cada linha DH foram micromalteadas e a atividade enzimática medida no malte verde e no malte seco. Pares de “primers” de microssatélites que mostraram polimorfismos entre as variedades parentais de cada cruzamento (16 e 17 pares de “primers” para a população do malte ve rde e do malte seco, respectivamente) foram a nalisados nas populações segregantes. As regiões cromossômicas associadas à atividade destas enzimas foram detectadas por análises de regressão linear simples. Foram detectados cinco marcadores associados a regiões cromossômicas envolvidas com a atividade das (1-3, 1-4)-â-glucanases no malte seco, sendo que o marcador de maior significância (HVM 36) está localizado no cromossomo 2. O alelo desta região foi doado pelo pai com alta atividade enzimática (Embrapa127), mas a associação com a região cromossômica foi significante apenas em um dos locais estudados. Esta falta de consistência faz com que este marcador não apresente uso potencial para a seleção assistida em programas de melhoramento genético.

História e ficção: a representação da seca na literatura piauiense nos séculos XIX e XX.

A adaptação literária para crianças e jovens: Robinson Crusoe no Brasil

Toxicidade genética associada à Região Hidrográfica do Guaíba, através de bioensaios de curta duração

Raimunda Celestina Mendes da Silva Pesquisadora CNPq/UESPI Defesa: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, 2005. - r.celestina@uol.com.br

Diógenes Buenos Aires de Carvalho - sjdkjdsjdoisndss (PRINCIPAL VÍNCULO EMPREGATÍCIO) - Defesa: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul – PUC-RS, 2006. - dbuenosaires@uol.com.br

Viviane Souza do Amaral - Pesquisador DCR/ CNPq/FAPEPI - Defesa: Universidade Federal do Rio Grande do Sul, 2005. - vi.mariga@gmail.com

O trabalho investiga, na literatura piauiense, as obras centradas na temática da seca, nos séculos XIX e XX, considerando as possíveis relações entre História e Ficção (literatura e seca), a partir do enfoque das estratégias narrativas e sua dimensão ideológica. A pesquisa, baseada em investiga ção d e cun ho b iblio gráfico, tem c omo suporte teórico as propostas de Bakhtin, Gérard Genette e Uspensky, que norteiam a perspectiva do narrador como voz manifesta, a serviço de uma ideologia inerente a o disc u rso. Assim, a o se fa z er o e stu do d o entrecruzamento da História e da Ficção, mostra-se no discurso narrativo a marca do flagelo, elemento que possibilita a concretização de uma história literária seguindo o percurso da seca. A tese contém três capítulos seguidos pela conclusão. O primeiro, “História e ficção: c amin ho s q ue se cr u za m” , est á dividid o em t rê s subcapítulos. O segundo, “A representação da seca na literatura do Piauí”, registra os modos como a seca se configura na ficção, mediante a análise das obras que compõem a pesquisa e situando o respectivo ano a que elas se referem. São quatro subcapítulos que procuram dar conta da leitura analítica que se faz das obras selecionadas, bem como da contextualização dos autores e de sua produção. O terceiro, “Para uma História da literatura do Piauí: a literatura da seca”, faz-se a revisão da produção literária piauiense cuja matéria é a seca, agrup ando-a sistematicamente. A c onclusão r etoma c on ce it os e el emen t os d esta c ad os n os ca pítu lo s a nt ec ed e nt es, pr o cu ra nd o r ea fir ma r os o b je tivo s propostos. Registra-se, portanto, o resultado de uma pesquisa que pretende contribuir com a literatura do Piauí, na recuperação da memória cultural do Estado, buscando despertar o interesse de outros pesquisadores, pelos poetas, contistas e romancistas estudados, com o intuito de fazer surgir uma nova consciência literária.

E s t e t r a b a l h o t e m c o mo o b j e t o d e e s t u d o a a d a p t a ç ã o l i t e r á r i a p a r a c r i a n ç a s e j o ve n s n o B r a sil e c o mo su p o r t e t e ó r i c o a E s t é t ic a d e R e c e p ç ã o e a S o c io l o gi a d a L e i t u r a . A t e s e é c o mp o s t a d e d u a s p a r t e s , a o m e s mo t e m p o i n d e p e n d e n t e s e c o m p l e m e n t a r e s . N a p r im e ir a p a r t e , d i vi d i d a e m d o i s c a p ít u l o s, a n a l is a - se a re ce pç ão hist ór ic a e c rítica da a da pt aç ão lit erár ia, a part ir d as histór ias d a lit erat ura in fa n t il b r a s il e i r a e d e t e x t o s a n a l í t i c o s; e a pr e sen t a- se u m p a no r ama da ad a pt a ç ão lit er á r ia , e n f o c a n d o a s o b r a s, o s a u t o r e s , a t ip o l o gia , a s c ol e ç õe s, o s a d ap t ad o re s e a s e dit o ra s, c om b ase n u m l e va n t a me n t o b ib l io gr á fi c o q u e a b r a n ge o p e r í o d o d e 1 8 8 2 a 2 0 0 4 . N a s e gu n d a p a r t e , igu a l me n te , se gme n ta d a e m d o is ca p ítu l os, o foc o c en t ra l é a e stu d o d a s a da p ta ç õ es da ob r a in gl e sa , A vi da e a s avent ura s d e Rob i n son Cr us oe ( 1 7 1 9 ) , d e Da n ie l De fo e , r e a l iz a d a s p o r C a r l o s Ja n s e n ( 1 8 8 5 ) , M o n t e ir o Lo b a t o ( 1 9 3 1 ) e A n a M ar ia M a ch a do (1 9 9 5) , a pa r tir de est ud o ext ra te xt ua l, em q ue se ana lisa a circ ul aç ão e e d it o r a ç ã o d a o b r a n o B r a s il , o s c o n t e xt o s d e p r o d u ç ã o d o t e x t o o r i gi n a l / a d a p t a ç õ e s e o s p ar a t ext o s d as a da p t aç õ es, e d e e stu d o in t ra t e x t u a l , n o q u a l s e i n ve s t i g a o p r o c e s s o d e a da p ta ç ã o, a p ar t ir d as no r ma s lit er á ria s e ext ra lite rá ria s pr esent es n as tr ês a dap ta çõ es se l e c io n a d a s, p a r a , e m s e gu id a , r e a l iz a r a n a l ise c o m p a r a t i va e n t r e a s t r ê s a d a p t a ç õ e s e a o b r a f o n t e , o b j e t i va n d o i d e n t i f i c a r e a n a l i s a r o s p r o c e d i me n t o s n a r r a t ivo s n a a d a p t a ç ã o , p a r a a for mu la ç ão de u m c on c eit o d e a d ap t a çã o l ite r á ria i n f a n t o - j u ve n il .

O estudo foi centrado na avaliação de amostras de água superficial coletadas na Região Hidrográfica do Guaíba (Rio Grande do Sul, Brasil) que sofrem influência de atividade antropogênica. Foram realizadas 4 coletas: setembro de 2000, agosto de 2001, fevereiro de 2002 e maio de 2003. Tais amostras foram avaliadas, através do Teste para Detecção de Mutação e Recombinação Mitótica (SMART) em Drosophila melanogaster e do Teste de Micronúcleos com Bloqueio de Citocinese (CBMN) em cultura de linfócitos humanos. Os dados obtidos caracterizaram os rios Caí, Jacuí, Taquari, Sinos, Gravataí, Lago Guaíba e Arroio Dilúvio, como indutores de toxicidade genética. Estes achados sugerem que os poluentes ambientais induzem uma pluralidade de lesões no material genético. O conjunto destes dados demonstra q ue c er ca de 5 0% d a s amost ra s te st a da s fo ra m genotóxicas em um ou em ambos os testes. Além disso, o maior número de respostas positivas foi observado nas águas provenientes do Lago Guaíba e do Caí, seguido pelos rios Jacuí e Taquari, rio dos Sinos e Arroio Dilúvio e rio Gravataí. Na verdade, a análise comparativa dos resultados demonstrou que o ensaio CBMN foi mais sensível para a detecção de genotoxinas de origem ambiental, já que das 11 amostras classificadas como indutoras de mutação cromossômica neste teste somente 3 - Jacuí e Caí (Setembro de 2000), assim como Guaíba ( Fe ve re iro d e 2 00 2) for a m diagn ostica d as c omo positivas no SMART. Desta forma, os dados obtidos, através destes ensaios, podem servir como um alerta r el at ivo a o risc o imp ost o pe la s á gu as d a R egiã o Hid ro gr á fica d o Gua íb a – o q u e co mp r omet e o abastecimento de água potável para mais de um milhão de pessoas. De fato, os principais impactos ambientais no Lago Gu aíba são (i ) o esco a me nt o de esgo to s domésticos de Porto Alegre; (ii) as águas contaminadas, p rinc ip a lmen te , d os r io s Gra va t aí e S ino s qu e desembocam no lago; (iii) efluentes provenientes das indústrias de produtos alimentares, metalurgia e celulose, localizadas nas suas margens; e (iv) grandes lançamentos de dejetos urbanos não tratados provenientes das águas do Arroio Dilúvio.


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REPORTAGEM

H. Dobal - poeta telúrico e universal

Prof. Halan Kardec Silva*

Atualmente, a literatura do Píauí tem merecido a atenção de muitos pesquisadores. Halan Kardec Silva, autor do livro ‘As formas incompletas: apontamentos para uma biografia’, assina a biografia literária, acompanhada de longa entrevista com o poeta Hindemburgo Dobal Teixeira e ainda o documentário H. Dobal - Um Homem Particular, dirigido pelo cineasta Douglas Machado, que muito tem divulgado o autor e sua obra. Tanto o livro quanto o documentário foram iniciativas do Instituto Dom Barreto, de Teresina, através da figura do seu diretor, o professor Marcílio Flávio Rangel de Farias, grande incentivador da cultura piauiense, falecido em maio 2006. O documentário, de 70 minutos de duração, revela o amor do poeta por sua terra e recupera, pelas confissões despojadas do escritor, muito da sua vida. O objetivo de Halan Kardec com o livro é preencher lacunas, num trabalho consistente sobre a obra e vida do poeta, já que não há muitos trabalhos acerca do escritor piauiense. O estudioso aborda aspectos sociais, políticos, filosóficos, econômicos e literários da geração de 45, inseridos no contexto e no levantamento minucioso da trajetória de Dobal, além de trazer os seus primeiros escritos como

poeta-aprendiz, entre 1944 a 1949. H. Dobal nasceu em Teresina em 27 de outubro de 1927, ou seja, este ano completará 80 anos. Filho de agrimensor e de professora é considerado, por alguns estudiosos, o maior poeta vivo do Piauí e um dos grandes contemporâneos da Literatura de Língua Portuguesa, comparado, segundo o escritor Ivan Junqueira, a Carlos Drummond de Andrade e a João Cabral de Melo Neto. Apresenta um extenso currículo: poeta, cronista, Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Piauí, advogado e funcionário do Ministério da Fazenda. Residiu em Brasília, Estados Unidos, Londres e Berlim. Pertence à Academia Brasiliense de Letras e à Academia Piauiense de Letras – APL. H. Dobal é um poeta totalmente comprometido com a realidade social. O tempo conseqüente, publicado em 1966, revela a grandeza, a força da poesia e aprofunda a relação do poeta com a terra natal. No mesmo ano, esta obra ganhou menção honrosa, no concurso “Porta de Livraria”, da Rede Globo. Sobre esse livro, Manuel Bandeira escreveu: “Só mesmo um poeta ecumênico como Dobal podia fixar sua província com expressão tão exata, ao mesmo tempo tão fresca e tão seca, despojada de qualquer sentimentalidade, mas rica do sentimento profundo e visceral da terra”. Já com O dia sem presságios ganhou, em 1969, o prêmio Jorge de Lima, do Instituto Nacional do Livro. A revista Poesia sempre, da Biblioteca Nacional, dedicou seis páginas de sua publicação do mês de fevereiro deste ano, para homenagear o poeta. O valor da poesia brasileira contemporânea se deve não só aos grandes poetas conhecidos e aplaudidos, mas, também, aos outros que, tão bons quanto aqueles, são desconhecidos do grande público. Junto a esses, encontrase o piauiense H. Dobal, que, de acordo

Foto: Luciano Klaus

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Dobal, em recente registro, para ensaio da revista Poesia Sempre

com o escritor Halan Kardec, fora do âmbito do Piauí, é mais conhecido por poetas e escritores. Mesmo reconhecendo a dificuldade de aprisioná-lo em rótulos, há quem identifique a obra dobalina, conforme a crítica institucional, com a geração de 1945 (enquadramento nacional) e com o Grupo Meridiano (enquadramento próprio à história literária do Piauí). Contudo, a sua poesia é reconhecida por seu caráter universalista, como se o poeta fugisse um pouco dos motivos regionais, para propor temas de âmbito universal. Para Halan Kardec, Dobal “é uma das vozes mais fecundas da moderna poesia brasileira” e acrescenta que “a obra em prosa, no âmbito universal e esteticamente falando, é mais intensa e elaborada como em Um homem particular.

Foto: Arquivo pessoal

Modernidade na lírica dobalina

Profª. Lilásia Arêa Leão*

Mais uma dissertação sobre a obra de H. Dobal está sendo elaborada, com defesa prevista para breve, no cu rso de mestrado em Letra s da Universidade Federal do Piauí. Tratase do trabalho da mestranda Lilásia Chaves de Arêa Leã o Reina ldo,

intitulada A poesia de H. Dobal e a líric a mo d ern a , que tem como escopo sondar na lírica dobalina os víncu los expressos com a modernidade, identifica ndo a incidência de tensões formais, tais como: a simplicidade em desafio à complexidade e a precisão que dá forma à absurdidade, tensões essas que permeiam toda a obra do poeta. Segundo Lilásia Arêa Leão, a poesia de H. Doba l preenche todos os requisitos da lírica moderna, ou seja, auto-suficiência, significação plural e entrelaçamento de tensões. O que mais chama atenção na obra de Doba l, conforme a pesqu isa dora é “ a ocorrência de transformações pictórico-imagéticas, um certo modo irreal de ver o mundo. Seus poemas cria m cená rios pa ra metamorfoses que remetem às artes

surrealistas, através de imagens que provocam choques no leitor, que se depara com quadros absolutamente fora dos costumeiros referenciais poéticos descritivos”. A desrealização do real, exercício proposto pela poesia moderna, aparece de forma significativa na lírica de Dobal, na visão da estudiosa, que afirma: “a poesia de H. Dobal se inscreve na lírica moderna na medida em que constrói poemas imagéticos desvinculados de referencia is exa tos, densa mente povoados por sonhos e memória e que, por natureza, não se revelam facilmente, a não ser após sistemáticas leituras”. *Lilásia Arêa Leão Mestranda em Letras da UFPI Profª. do município de Teresina lilasiateacher@hotmail.com

Todavia, Roteiro sentimental e pitoresco de Teresina, é, para a cidade, pelo tema abordado, bastante significativo”. Apesar da boa recepção de escritores e críticos à poesia dobalina, Halan Kardec adverte sobre a necessidade da incorporação de sua leitura pelo público piauiense, pois a história literária do Piauí passa pela poesia de H. Dobal.

OB R AS • O Tempo Conseqüente (1966) • O Dia Sem Presságios (1970) • A Viagem Imperfeita (1973) • A Província Deserta (1974) • A Serra das Confusões (1978) • A Cidade Substituída (1978) • Os Signos e as Siglas (1986) • Uma Antologia Provisória (1988) • Cantiga de Folhas (1989) • Roteiro Sentimental e Pitoresco de Teresina (1992) • Ephemera (1995) • Grandeza e Glória nos Letreiros de Teresina (1997) • Lírica (2000) • Um Homem Particular (1987) • Gleba de Ausentes (2002 )

*Halan Kardec Silva Prof. de Filosofia do CEFET Mestrando em Estudos Culturais ULBRA-RS halan@cefet.br


MATÉRIA

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Dobal: o guardião da memória As obras do poeta H. Dobal também despertaram o interesse do pesquisador Wanderson Lima*. Em 2006, ele concluiu sua pesquisa, resultando na dissertação de mestrado defendida na Universidade Federal do Piauí. No mesmo ano, ganhou o 1º lugar no concurso Mário Faustino e a pesquisa será publicada em livro, em versão alterada. O tema do estudo do professor Wanderson Lima foi O fazedor de cidades: mímesis e poíesis na obra de H. Dobal. Ele informou que o objetivo do estudo foi analisar os desdobramentos, na obra de Dobal, de um jogo de forças entre o ficcional e o histórico, através de três livros: A Serra das Confusões (1978), A cidade substituída (1978) e Os Signos e as siglas (1987). Para o pesquisador, a escolha do tema deve-se pelo valor literário do escritor e, apesar disso, a obra em si é colocada em segundo plano pelo fato de Dobal ser um poeta circunspeto e os estudos produzidos em relação ao poeta concentram-se no primeiro livro, O Tempo Conseqüente, ficando as outras obras negligenciadas. As três obras analisadas formam uma trilogia, das quais o poeta tenta fazer uma radiografia poética: de uma cidade, em A Serra das Confusões; sobre a memória coletiva do patrimônio histórico do Maranhão, em A cidade substituída e uma leitura poética sobre a cidade de Brasília, em Os signos e as siglas. A pesquisa delineou dois conceitos, o de mímeses, ou seja, uma representação da criação artística, uma concepção de memória e experiência que vem do filósofo

Walter Benjamim e, secundariamente, focalizou a modernidade e o racionalismo instrumental das obras. Para Wanderson Lima, a trilogia tripartida no sentido dantesco apresenta ascensão espiritual, enquanto Dobal analisa o senso coletivo, sendo considerado um poeta singular no quadro da literatura brasileira. Essa singularidade é explicada em parte pelas influências que recebeu. Dobal tem influências dos ingleses e ainda dos cantadores nordestinos, tendo o poder de manter a força comunicativa da poesia sem que decaia a qualidade estética ou a densidade cognitiva. “Não partilhava das mesmas concepções poéticas de Dobal e acreditava que esse distanciamento me ajudaria no estudo, entretanto, o poeta transformou minhas concepções de linguagem, identidade e poesia para além do benefício social, acrescentando na minha vida pessoal”, ressaltou o pesquisador. Comparada com a trilogia de Dante Alighieri, A serra das confusões seria o paraíso através do senso comunitário. Em A cidade substituída estaria o purgatório, porque a memória social está se esfacelando, ainda que seja possível resgatá-la. Por último, em Os signos e siglas, Wanderson Lima diz que o poeta retrata Brasília como o inferno, erguida artificialmente, sem o aval de uma memória coletiva, mas contando apenas com uma memória burocrática. “No estudo, Dobal é visto como um guardião da memória, só enxerga frieza, artificialidade e acaba perdendo sua função de poeta, vendo, na modernidade

Foto: Luciano Klaus

TERESINA - PI, MARÇO DE 2007

Dobal, em recente registro, para ensaio da revista Poesia Sempre

e tecnologia, formas de esvaziar a humanidade”, declara Wanderson Lima. Outro aspecto ressaltado na dissertação é o mérito das obras analisadas, o modo como conseguem o equilíbrio entre o documental e o ficcional, entre invenção e descoberta. Para Wanderson Lima, essas junções possibilitaram concluir que a poesia de Dobal não recorre nem ao egocentrismo, que mata toda a poesia romântica, e nem ao formalismo exagerado da poesia de vanguarda. “A poesia do escritor é marcada pelo desejo de recuperar o senso comunitário que o capitalismo desenvolveu, por isso é considerada conservadora, não no sentido reacionário, mas por guardar o valor da sociedade”. Wanderson Lima informou que

pretende ainda traçar uma análise mais exaustiva de uma obra do poeta, estudar a influência do cinema na obra de H. Dobal e ainda publicar junto a outros artigos um confronto entre Dobal e Da Costa e Silva, como uma complementação dialética, o que irá permitir um novo olhar sobre a obra do escritor piauiense. Para ele, esta é uma fase em que as pessoas conhecem a literatura piauiense por obrigação. “Dificilmente alguém busca ler um autor piauiense para se compreender melhor. O piauiense lamenta sua identidade, mas não busca conhecê-la”, acredita. *Wanderson Lima Prof. Subst. do Departamento de Letras Mestre em Estudos Literários - UFPI wanderson@hotmail.com

LIVROS A Escritura de Torquato Neto

Arte, Ciência & Poesia

Autor: Feliciano Bezerra 72 páginas R$ 18,00 felicianofilho@uol.com.br

Autor: José Machado Moita Neto R$ 20,00 146 páginas jmoita@uol.com.br

No livro, resultado de pesquisa do autor, ele aproveita a presença ímpar do poeta Torquato Neto, fazendo dele o centro de sua obra. Descreve o seu legado literário seja na música, poesia, cinema, crônica, publicidade, revelando a natureza renovadora de criação de Torquato em um movimento cultural brasileiro: a Tropicália. O autor desnuda poemas do ‘anjo torto’, de forma coerente, embasada em estudos e de forma simples, o que nos ajuda a compreender melhor esse poeta magnífico.

“Arte, Ciência & Poesia” é um livro de crônicas, baseado em fatos do dia-a-dia, que traz uma reflexão crítica sobre a sociedade atual. O autor tem uma formação eclética e fundamenta seu pensamento no patrimônio cultural do cristianismo. O livro traz 55 crônicas e tem 146 páginas no formato 14,7 x 20,4 cm.

As formas incompletas: apontamento para uma biografia Autor: Alan Kardec F. Silva R$ 20,00 220 páginas halan@cefet.br Trata-se de uma biografia espiritual de H. Dobal. Levantamento minucioso da vida e obra do escritor. Uma contribuição para os apreciadores do poeta e para a cultura piauiense, constituindo-se em uma série de apontamentos sob aspecto social, político, literário, filosófico e econômico da geração de 45, destacando Dobal. A obra apresenta os primeiros manuscritos, quando ainda poeta-aprendiz no período de 1944 a 1949, e um álbum fotográfico.

Djalma Veloso: o político e sua época

Do singular ao plural

Autora: Teresinha Queiroz R$ 20,00 296 Páginas teresinhaqueiroz@bol.com.br O livro trata de múltiplas dimensões da sociedade e da cultura brasileira contemporâneas, evidenciando especialmente as transformações ocorridas nas últimas décadas do século XX. A história, a literatura, o teatro, a cidade, a produção recente dos jovens historiadores piauienses e a cultura juvenil são alguns dos temas estudados.

Territórios da leitura: da literatura aos leitores

Autor: Kenard Kruel R$ 50,00 746 páginas kenardkruel@yahoo.com.br

Organizadoras: Vera Teixeira de Aguiar e Alice Áurea Penteado Martha R$ 35,00 267 páginas dbuenosaires@uol.com.br

A obra analisa os principais fatos e acontecimentos políticos piauienses que ocorreram de 1921 até o ano de 2005, ilustrada com fotos. O autor faz um relato da cena política piauiense reunindo entrevistas com o político Djalma Veloso que foi governador, vice-governador, secretário estadual, deputado estadual e conselheiro do Tribunal de Contas do Piauí. O livro busca conhecer a história política do Estado, através do conhecimento coletivo de Djalma Veloso, não apenas nos aspectos de sua vida pública, mas apresentando registros da vida pessoal do mesmo.

O livro é um painel com o resultado do trabalho de pesquisadores de diferentes instituições universitárias sobre questões relativas à leitura, à literatura e aos leitores. Os textos sublinham a importância da discussão e da reflexão sobre os caminhos percorridos pela criação literária, considerando aspectos tanto de sua produção como de sua circulação e recepção. Entre os autores figuram Vera Teixeira de Aguiar (PUCRS), Alice Martha (UEM), João Luis Ceccantini (UNESP), Maria Teresa Pereira Gonçalves (UERJ) e Diógenes Buenos Aires de Carvalho (UEMA).


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