ESPECIAL Eunice Dornelles
Aparas de papel: mercado apresenta bons números, mas pode melhorar Com alta de 2,4%, setor atingiu volume recorde de reciclagem em 2018. O ponto alto foi o papelão, enquanto o papelcartão depende do avanço da coleta seletiva para evoluir.
N
a chamada economia circular, as aparas de papel representam um setor importante na cadeia de reciclagem do País. Segundo a Associação Nacional dos Aparistas, Anap, as principais categorias de aparas utilizadas no ramo gráfico provém de papel para imprimir e escrever, papel de embalagem e papelcartão. Além desses tipos, existem os chamados “pós-consumo”, aqueles descartados pelo usuário final, e podem conter elementos “impuros”, como metais, cordas, vidro e madeira, sem contar os resíduos alimentares. Em números divulgados pela Anap, o mercado de aparas registrou em 2018 um recorde de volume de reciclagem de 5.088.000 toneladas, um aumento de 2,4% em relação ao ano anterior. Para Pedro Villas Boas, presidente executivo da associação, o mercado de aparas vai bem. “Fechamos 2018 com um novo recorde no volume de reciclagem, o que indica um setor bem ativo. O papelão para embalagem foi o grande destaque, seguido do papel para imprimir e escrever e, com desempenho um pouco mais fraco, o papelcartão.” O executivo da Anap avalia que o desempenho do papelcartão deve-se, principalmente, a um
Carlos Ribeiro
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Célio Robusti
dos elos ainda considerados fracos na cadeia da reciclagem. “Esse tipo depende mais do material que vem das residências e a coleta continua muito deficiente no Brasil. Em São Paulo, ainda não são todos os bairros que têm coleta domiciliar e muitos municípios brasileiros nem iniciaram o serviço. E, pela nossa experiência, quando a coleta de recicláveis é implantada, a população colabora.” Fernando Sandri, diretor técnico de P&D da Ibema, empresa que produz 140 mil toneladas de papel anualmente em suas fábricas no Paraná e em São Paulo, concorda com a Anap. “A falta de coleta efetiva nas residências é um entrave altíssimo. O sistema de coleta contratado hoje pelas prefeituras não favorece o formato da economia circular. É um modelo que não privilegia o esforço de separação dos materiais, pois não garante que eles voltarão para um processo de recuperação.” Para o executivo, o Brasil já recicla bastante, mas, para melhorar, precisa aumentar a demanda e o uso de produtos com material reciclado. “Esse ciclo só vai fluir melhor se houver quem compre na ponta. Não existe sobra de aparas no mercado. Tudo que é coletado é consumido. O que falta são aparas pós-consumo: embalagens usadas, seja em
Fernando Sandri
Pedro Villas Boas
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papelcartão, papelão ou caixas. Quanto mais aparas pós-consumo colocarmos na fabricação, melhor a eficiência da economia circular”, explica o diretor da Ibema. Pedro Villas Boas aponta outra dificuldade: o excesso de tributação. “O imposto pago pela apara de papel não pode ser recuperado. Segundo alguns analistas, isso significa bitributação, pois o papel original já foi tarifado. Se esse empecilho fosse removido e houvesse o reconhecimento de que esse é um segundo ciclo, haveria um barateamento desse tipo de papel.” Atualmente, a Confederação Nacional da Indústria, CNI , em conjunto com toda a cadeia de reciclagem, tenta reverter tal conjuntura. Pedro diz que “talvez, com a reforma tributária, a situação possa ser revista, acabando com essa anomalia”.
André Duckur Cristofoleti, proprietário da Aparas Primos, de Rio Claro, um dos grandes aparistas paulistas, afirma que não existe falta de aparas no mercado, principalmente com o consumo em baixa. “Caso grandes fabricantes comecem a aumentar a produção, poderemos ter algum caso de pouca oferta, mas, neste momento, isso não acontece. As empresas produtoras de papel não aumentaram a quantidade de pedidos de aparas, o mercado está bastante equilibrado.” Fernando Sandri reafirma que é preciso incentivar a coleta e separação do material pós-consumo. Esse é o grande desafio. “Todos precisam estar motivados para que haja material disponível. Isso inclui desde a relação das pessoas com a compra, o uso e descarte dentro de casa, até a melhoria nos
REDUÇÃO DRÁSTICA
Um grande player do mercado é a CBS Aparas, que tem capacidade para processar cinco mil toneladas de aparas por mês. Carlos Ribeiro, diretor, explica que a CBS não trabalha diretamente com catadores, mas com os ferros-velhos e as cooperativas, empresas profissionais estabelecidas e que têm condição de fornecer o material descartado nas ruas e lares. De acordo com Carlos, a oferta de aparas de papel para imprimir e escrever caiu pela metade nos últimos 10 anos. A crise econômica fez sua parte, mas a internet e a queda de circulação de jornais e revistas impressos foi uma das grandes responsáveis pela redução, na opinião dele. “Antigamente, retirávamos dos condomínios mil toneladas de papel mensalmente, oriundas das revistas e jornais que os moradores descartavam. Hoje esse volume caiu muito. A falência de grandes livrarias, como a Cultura e a Siciliano, representou uma queda de 70% no volume de livros descartados, outro grande baque sofrido pelo papel para imprimir e escrever.” O segmento de papelão também depende da economia, mas é mais estável. Com a crise econômica, o consumo do brasileiro pode ter diminuído, mas, por outro lado, com o aumento do desemprego, há um número recorde de pessoas catando papelão nas ruas, o que compensa e serve para manter a oferta equilibrada. Segundo os aparistas, o grande boom do descarte e consequente oferta de papel de embalagem acontece entre os meses de outubro e janeiro. Black Friday, Natal, Ano Novo, mais dinheiro circulando no país favorecem essa matéria-prima.
A CBS é capaz de processar 5.000 toneladas por mês
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canais de reciclagem para que o material retorne às fábricas, seja via varejo, cooperativas ou serviço público. E mais: a demanda precisa crescer, com a indústria de bens de consumo especificando e solicitando o material reciclado para suas embalagens.” Para o executivo, iniciativas como a campanha Two Sides, que visa informar e conscientizar o público sobre a reciclagem de papel, são fundamentais. “Trabalhar dentro das empresas para ampliar a divulgação, dar mais visibilidade a esse tema junto a todos os públicos proporcionará um belíssimo resultado de longo prazo, irradiando positivamente esse conhecimento para que equívocos sejam corrigidos de forma adequada.” FUTURO
Para Sandri, da Ibema, a tendência é que aumente o consumo do papelcartão em detrimento do plástico. Ele cita como exemplo a Nestlé, que anunciou a troca da embalagem de plástico de sua linha
europeia de barrinhas de cereal Yes pelo papel, após investir em maquinário para manter a mesma velocidade na linha de embalagens que tinha com o uso do plástico. “Percebemos também que vários itens de higiene e limpeza estão retornando para embalagens de papelcartão. Outras empresas estão anunciando a redução no consumo de plástico e acreditamos muito nessa tendência. Aos poucos, estamos nos preparando para que o papelcartão aumente seu espaço nas gôndolas.” No lado dos aparistas, Carlos Ribeiro dá sua visão de longo prazo. “O que vejo é que a oferta de papel de imprimir e escrever diminuiu sem volta. Para o segmento de embalagem a grande esperança é que a economia cresça, aumentando significativamente a oferta e a procura. A indústria papeleira já está preparada, em termos de equipamento e tecnologia, para uma demanda mais acelerada. Cabe a nós, aparistas, estarmos prontos para esse aumento.”
RECUPERAÇÃO DE APARAS PELOS PRINCIPAIS CATEGORIAS GERADORAS
Produto
Evolução 2014 2015 2016 2017 2018 18/17
Imprimir e escrever
Consumo aparente de papel Coleta de aparas - brancas Taxa de recuperação
2.726 2.191 2.096 2.069 2.023 -2,2% 918 870 774 820 877 6,9% 33,7% 39,7% 36,9% 39,6% 43,4
Embalagem Consumo aparente de papel Coleta de aparas - marrons Taxa de recuperação
4.760 4.801 4.747 4.872 4.861 -0,2% 3.762 3.803 3.849 4.025 4.096 1,8% 79,0% 79,2% 81,1% 82,6% 84,3%
588 553 540 571 603 5,6% 152 147 142 124 115 -7,3% 25,9% 26,6% 26,3% 21,7% 19,1% Consumo aparente total Coleta de aparas total
8.074 4.832
7.545 4.820
7.383 4.765
7.512 4.969
7.487 5.088
Taxa de recuperação
59,9% 63,9% 64,5% 66,1% 68,0%
-0,3% 2,4%
Fonte: Ibá / ANAP / Anguti Obs.: Coleta de aparas inclui exportações.
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fev.
395
414
407
mar.
401
430
416
abr.
395
426
415
maio
403
375
436
jun.
405
447
jul.
415
454
ago.
425
442
set.
416
418
out.
423
435
nov.
418
413
dez.
415
420
1000 t
CONSUMO MENSAL DE APARAS
Mês 2017 2018 2019 408 418 422 395 414 407 401 430 416 395 426 415 403 375 436 405 447 415 454 425 442 416 418 423 435 418 413 415 420
480 460 440 420
1000 t
jan. fev. mar. abr. maio jun. jul. ago. set. out. nov. dez.
400 380 360 340
2017 320 jan.
fev.
mar.
abr.
maio
2018 jun.
jul.
2019 ago.
set.
out.
nov.
dez.
Fonte: Anguti Estatística Fonte: Anguti Estatística
COMO FUNCIONA A RECICLAGEM DE PAPÉIS
A
paras são materiais descartados em processos industriais, como explica Célio Robusti, técnico de Ensino da Theobaldo De Nigris. Em se tratando da indústria de papel, as aparas são classificadas em dois grupos: pré-consumo e pós-consumo. As primeiras são, principalmente, refiles e refugos originários de gráficas, editoras, cartonagens, bem como da indústria de papel. Aparas pós-consumo são artefatos de papel, papelcartão e papelão ondulado descartados após sua utilização. A grande maioria dos papéis pode ser reciclada, ou seja, pode voltar ao ciclo produtivo, desde que não possua impurezas em excesso ou que essas possam ser retiradas durante o processo. As aparas de papel que possuem materiais que podem comprometer a qualidade do produto final e que não podem ser retirados durante o processo, não devem ser utilizadas, de acordo com o técnico do Senai. Estão nessa categoria o papel parafinado, papel betumado, papel higiênico, papel termocopiativo, papel carbono (em desuso), papel metalizado e papel fotográfico. Também não devem ser reciclados papéis que, ao entrarem em contato com a água, não se desagregam facilmente, como embalagens utilizadas para alimentos congelados e alguns tipos de papel toalha. Papéis transparentes, como o manteiga, não podem ser reciclados devido ao excesso de refinação das fibras celulósicas durante seu
processamento, que alteram de forma significativa sua estrutura. Para a fabricação de papéis brancos para imprimir e escrever ou de papéis que serão coloridos no processo podem ser utilizadas aparas brancas ou até mesmo impressas de papéis offset, apergaminhado, monolúcido, multiuso, couché, entre outros, desde que a fábrica possua os equipamentos necessários para retirar a tinta de impressão, o chamado desentintamento. Para a fabricação de alguns tipos de papelcartão menos nobres podem ser utilizados os mesmos tipos de aparas citadas anteriormente para compor o verso ou o miolo do produto. Já para a fabricação do papel que será destinado à composição do miolo de uma caixa de papelão é muito comum utilizar aparas (pós-consumo) da própria caixa de papelão, juntamente com algum outro tipo de papel branco ou colorido, impresso ou não. Vale lembrar que antes de reciclar é preciso fabricar o papel com celulose virgem para que se tenha matéria-prima fibrosa adequada. Além disso, Célio ressalta que a fibra celulósica tem um limite de reciclagem, já que seu comprimento diminui e suas paredes são danificadas. Durante o processo, sua estrutura é alterada de forma significativa, comprometendo, assim, a qualidade do produto final, principalmente aquela que diz respeito à resistência mecânica. VOL. III 2019 TECNOLOGIA GRÁFICA
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