HISTÓRIA VIVA
Foto: Tânia Galluzzi
Por: Tânia Galluzzi
Referência absoluta no design de embalagens no Brasil, Lincoln Seragini nunca desenhou. Mesmo assim, em 50 anos de carreira foi responsável por mais de 20 mil projetos, introduzindo conceitos e influenciando toda uma geração.
Lincoln Seragini O perfeito estrategista das embalagens deste mundo
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ara falar de Lincoln Seragini to mei emprestado o título de um livro: O Perfeito Cozinheiro das Almas deste Mundo . . . Diár io coletivo da garçonniè re de Oswald de Andrade. São Paulo, 1918. Edição fac-similar. Além de sonoro, achei-o adequado por nomear o testemunho de um per íodo, a bel‑ le époque paulistana, ao mesmo tempo que do cumenta os anos de aprendizagem do próprio Oswald, e representa em si uma peça muito cria tiva, com suas colagens, caricaturas e calig ra fias. Depois de conversar com Seragini, foi essa a imagem que ficou. A de um homem que soube captar as transformações de seu tempo e ma ter ializá-las em invólucros inovadores, um pro fissional regido pela criativ idade e alimentado por um entusiasmo contag iante. Filho de pai comerc iante e mãe modista, Seragini credita à infância feliz em Guarac i,
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inter ior de São Paulo, a autoconfiança que lhe abriu muitas portas. Caçula de quatro irmãos, percebeu-se um grande vendedor no armazém de secos e molhados do pai. Lá, travou o primei ro contato com as embalagens. Caixas, cartu chos e pacotes eram seus brinquedos preferidos. Da mãe herdou a habilidade de ver beleza nas formas e mater ializá-la com as próprias mãos. Em janeiro de 1965, aos 16 anos, mudou-se para São Paulo com o objetivo de estudar e tra balhar. Com o emprego num escritório de con tabilidade conseguiu pagar o curso de Quími ca Industrial e, já na Colgate-Palmolive, na área de desenvolvimento de fórmulas e especifica ção de embalagens, formou-se em Engenha ria Quím ic a na primeira turma do curso no turno da Escola Super ior de Química Oswaldo Cruz. O interesse pelas embalagens só crescia, e Lincoln passou a buscar embasamento teór ico.
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De suas pesquisas emergiram não só o pri meiro seminário sobre embalagens dentro da Colgate — “a embalagem era vista como um assunto de menor relevância” —, como a voca ção para educador. Seragini começou a dar au las sobre o tema e não parou mais. “Os forne cedores ficavam encantados comigo. Ninguém discutia a embalagem do ponto de vista cientí fico.” E foi por indicação de um deles, um ven dedor da gráfica Lanzara, que Lincoln trocou a Colgate pela Nestlé, em 1972, onde entrou como especial ista em embalagem. A mudança provocou um realinhamento de rota no sentido do design. A engenharia foi dan do espaço à estratégia de marketing, e o estudo científ ico encorajando-o a voar mais alto. “En contrei o livro de um suíço sobre a inf luência 3
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da cor na decisão de compra que me fez ter cer teza de que havia ciência naquilo tudo. Somado a um curso de design de embalagens que fiz em Nova York, comecei a escrever e dar aulas sobre psicologia e psicodinâmica das cores.” ESTRATEGISTA DA EMBALAGEM
Em 1975, aos 27 anos, depois de uma passagem de dez meses pela Dixie-Toga, Seragini foi ad mitido na Johnson & Johnson como gerente de desenvolvimento de embalagem. Mesmo não sendo desenhista industrial, Lincoln virou um estrategista da embalagem, como ele gosta de dizer, teor izando e explicando o design, en xergando a embalagem como uma ferramenta de venda que precisava conquistar o consumi dor em poucos segundos, numa época em que a embalagem era vista como um mal necessário.
1 Seragini e alguns de seus trabalhos, julho de 1989 2 Diretor de planejamento da Embala – Sociedade Brasileira dos Profissionais de Embalagem, Seragini comanda a cerimônia comemorativa do primeiro ano da entidade. À direita, José Azanha, diretor financeiro. São Paulo, dezembro de 1988 3 Durante dez anos Seragini esteve ligado à Young & Rubicam, deixando-a em 1991
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4 Conversando com (E/D) Célio Emerique, diretor da Sociedade Bíblica do Brasil, e Max Schrappe, presidente da Abigraf Nacional 5 Agosto de 2000 6 Destaque nas revistas especializadas, uma constante
O êxito dos projetos pavimentou seu su cesso prof issional. A visibilidade conquistada o levou a um outro salto: o convite para tra balhar na Young & Rubicam, que estava che gando ao Brasil. Por dez anos Seragini esteve ligado ao grupo norte-a mericano de comuni cação, dos quais sete como fundador e diretor da filial da Cato Johnson, agência de design e market ing promocional da Y&R . Na década de 1980, Lincoln foi artífice não só de emba lagens inovadoras e aplaudidas pelo mercado, quanto da valorização do profissional dedicado ao design de embalagem. É dessa época um dos projetos que ele con sidera dos mais marcantes: a margarina Fiorel la. Em contraste a tudo o que era feito até en tão, Seragini criou uma embalagem plástica que lembrava um pote de porcelana. A integridade do produto era garantida pelo selo de alumínio e por uma tampa plástica transparente, combi nação inédita no Brasil. “Em um mês as vendas aumentaram 85%”, conta ele.
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No auge, atuou como consultor das Na ções Unidas na área de tecnologia e design de embalagem, desenvolvendo treinamentos em Cuba, Chile, Venez uela e Argentina. Sua ex tensa carreira como professor e mentor de ge rações de “embrulhadores” inclui a estrutura ção do curso de embalagem na Escola Senai Theobaldo De Nigris, em 1993, a parceria de mais de 30 anos com a ESPM, e a colaboração com vár ias instituições como o Instituto Mauá de Tecnologia e a FEA‑USP. Em 1991, mudanças estratégicas na Y&R após a compra da agência de branding Landor, motivaram a sua saída e a criação da Seragini Design. Em 2011, o estúdio foi encerrado, fa zendo surgir a Seragini Brand Innovat ion, na área de consultoria, hoje transformada na Casa Seragini, dedicada à governança criativa de ne góc ios. Os cristalinos olhos azuis de Lincoln brilham ao falar dos projetos atuais, desde pa lestras até o desenvolvimento de um programa de governança criat iva nas cidades, voltado à valorização cultural e econômica e ao incentivo ao empreendedor ismo. Ao seu lado está a filha mais velha, Maíra, 39 anos, fruto de sua u nião com Leda, com quem Lincoln está casado há 43 anos e tem mais uma filha, Naiá, 38. “Uma das coisas que mais gosto é de inspirar pessoas.”