OPINIÃO DOS LUTADORES
VALOR
JUSTO?
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Com a evolução do MMA e a propagação do esporte - e hoje entretenimento - ao redor do mundo, será que os lutadores também foram valorizados financeiramente? Diante das recentes reclamações de alguns atletas, como Jon Jones, número 1 no ranking peso-por-peso do UFC, decidimos conversar com lutadores brasileiros de diferentes organizações para entender melhor o cenário atual. Afinal de contas, as bolsas pagas acompanham o crescimento do MMA como um todo?
AGOSTO 2020
OPINIÃO DOS LUTADORES
À
medida que o MMA se torna um esporte cada vez mais popular e global, a expectativa é que a modalidade cresça em todos os sentidos, não somente em relação aos eventos, como também no que se refere aos atletas, que são a parte principal do show. Porém, é comum acompanhar di-
versos lutadores, principalmente no Brasil, citando a dificuldade de viver única e exclusivamente das artes marciais mistas, tendo em vista o alto custo envolvendo treinos, equipamentos e viagens. Em paralelo a isso, as bolsas que os atletas recebem das organizações geralmente não preenchem todo o investimento feito.
E como os lutadores veem esse cenário? Conversamos com representantes do UFC, ACA (Absolute Championship Akhmat), LFA (Legacy Fighting Alliance) e SFT, que compartilharam suas respectivas opiniões e, além da parte salarial, falaram sobre a questão do MMA como esporte e/ ou entretenimento. Veja a seguir:
GILBERT DURINHO
(peso-meio-médio do UFC) “Já passou da hora de a gente ter um salário, uma coisa relacionada à aposentadoria, plano de saúde, entre outras coisas. Eu acho que a gente (lutadores) precisa se organizar, o ruim é que o MMA é um esporte muito por equipes, e uma equipe é rival da outra... Mas a gente teria que ver um jeito dos empresários, treinadores, líderes de equipes e campeões se organizaram para trabalharmos em prol disso, porque, como eu disse, já passou da hora de avaliarmos essa situação”.
CARA DE SAPATO (peso-médio do UFC)
“É uma coisa muito complexa. Não sei exatamente qual seria a melhor opção. Claro que todo mundo gostaria de ter um salário, um rendimento mensal, é o que deixaria todo mundo mais tranquilo, porque é um fato que a gente precisa receber mais. Mas acho que o melhor mesmo seria manter da forma atual, todos recebendo bolsa por luta, só que recebendo um valor maior do que recebemos atualmente, porque eu acho que o UFC fica com uma fatia muito grande dessa parcela (risos)”.
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AUGUSTO TANQUINHO (peso-galo do ACA)
“Acredito que o MMA hoje é um pouco dos dois, esporte e entretenimento, porque isso é preciso para vender e trazer dinheiro, mas tem muito mais a parte do esporte. O atleta, no final das contas, tem essa honra de lutador, então vemos muito mais como esporte. Pra mim, isso ainda está nivelado. Vão surgir cada vez mais atletas como Conor McGregor e Chael Sonnen, pessoas utilizando o ‘trash talk’, que falam demais, tentando aparecer e ganhar espaço na mídia para atrair atenção e dinheiro. Porém, acredito que no final das contas, a essência do combate sempre vai prevalecer, mas isso com certeza interfere no lado financeiro”.
CRIS CYBORG
(campeã peso-pena do Bellator) “Não tem comparação (tratamento no UFC e no Bellator). Eu sou muito grata por tudo o que aconteceu no UFC, recebi um grande carinho da maioria das pessoas com quem trabalhei, mas estou muito feliz no Bellator. E como profissional, financeiramente, o que o UFC me ofereceu não foi nem perto do Bellator. É triste, porque é um evento enorme, mas que não valoriza os seus atletas”.
CARLOS TIZIL
(peso-mosca do LFA) “Se olharmos para os tempos antigos, sempre houve essa questão de entretenimento para o público, e a questão de honra e glória para os guerreiros. Hoje em dia, na minha visão, não mudou muita coisa. A junção dos dois (esporte e entretenimento) é o grande diferencial do MMA. É um esporte muito novo, ainda precisa evoluir em muitas coisas. Com essa evolução, não só no esporte, como também dos atletas, mais à frente muitas coisas boas vão acontecer. Os eventos terão mais valor e o esporte vai crescer ainda mais. Mas ainda temos muito a aprender, principalmente em relação a outros esportes”.
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CLEBER SOUSA
(ex-campeão duplo do SFT) “Acredito que hoje, baseado no que está acontecendo, a gente vê muitos atletas, que de repente não tem a mesma qualidade técnica do que o outro que está na frente do ranking, do nada esse atleta fura a fila de todo mundo. Ele vende mais, entretém melhor o público, fala pra caramba e isso, querendo ou não, vende bem. Deixou de ser só um esporte, virou entretenimento. Nos últimos anos, entraram nessa de ser falastrão, fazer o tal ‘trash talk’ para promover a luta. A galera não liga mais de ver o número 1 contra o número 2, querem ver quem vende mais, mas são poucos os caras que sabem se vender com maestria e ganham milhões com isso”.
CLÁUDIO HANNIBAL (peso-meio-médio do UFC)
“Com certeza MMA hoje é mais entretenimento, e o cara que tem mais seguidores no Instagram é mais valorizado. Se você vir a mídia especializada e o UFC, só comentam mais dos caras que estão no Top 5 de cada categoria, no Brasil a mídia especializada tem seus queridinhos. Eu espero que, num futuro próximo, existam mais eventos que paguem bolsas maiores. Com certeza, os lutadores deveriam receber um salário mensal, até porque se você é atleta exclusivo da organização, você tem que ter um salário, e não apenas ser pago por luta. Para o atleta ser melhor remunerado e ter melhores chances, ele tem que ser alavancado e promovido pelos canais de luta. Hoje, eu vivo ouvindo os fãs falando que na época do PRIDE era melhor, entre outras coisas. Eu discordo. Acho que os lutadores da atualidade precisam e merecem ser melhor promovidos”.
LUANA DREAD
(peso-mosca do UFC) “Da minha parte, acho sim que estou sendo bem remunerada, sou uma atleta nova no UFC. Quando eu faço o meu trabalho, sou paga, se não, ai é complicado. Se eu não tivesse me planejado na parte financeira, poderia ter me lascado (durante a pandemia), porque eu me machuquei no ano passado e fiquei um ano sem lutar, mas consegui me segurar. Mas nem todo mundo consegue fazer isso. Muitos lutadores não têm patrocínios, ao invés disso possuem dívidas, e todo mundo que vive do MMA sabe como isso é complicado. Lógico que seria muito bom ter um salário mensal, mas por enquanto essa (bolsa por luta) é a nossa realidade”.
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VICENTE LUQUE
(peso-meio-médio do UFC) “Acho que é uma situação complicada e relativa. O MMA não é só um esporte, é entretenimento, então o poder de venda interfere muito. Quem vende mais PPV, acaba sendo mais valorizado. Eu não acho que seja errado, acredito que o caminho é esse, o MMA envolve várias outras coisas, então em certas situações podemos ser mais valorizados, mas não acho que sejamos desvalorizados. Não sei se seria uma opção (salário mensal). É bem difícil justificar uma coisa assim, porque a atividade dos lutadores é bastante diferente. Ano passado eu fiz quatro lutas, enquanto alguns lutadores fizeram uma, ou nenhuma, então é complicado colocar todo mundo na mesma tabela. Na minha opinião, o modelo do UFC é o mais correto, talvez só uma distribuição maior dos lucros seria algo mais justo”.
MACKENZIE DERN (peso-palha do UFC)
“Estou vendo todo mundo falando de dinheiro, que o UFC tem que pagar mais. Mas todos têm seu valor e o UFC dá a oportunidade de todos ganharem. Você só tem que provar que merece. Temos que dar um show. Todo mundo quer ver finalização, nocaute, aceitar luta em cima da hora. O UFC faz um ótimo trabalho, foi o primeiro esporte a voltar e somos os primeiros atletas ganhando dinheiro, então não sei como reclamar. Eles não têm medo de pagar. Renegociei meu contrato agora. Antes não estava 100% feliz com o antigo, mas expliquei, conversei e chegamos a um acordo. Eles estão abertos e veem potencial em cada atleta. Todos têm direito de falar, pedir, mas dizer que o UFC não paga é meio pesado”, disse Mackenzie em entrevista ao site Ag Fight.
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EstrElas x UFC
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O QUE PENSAM A ESTRELAS DO UFC? Maior organização de MMA do mundo, o UFC vive um momento conturbado em relação a uma parcela dos seus atletas. Algumas estrelas da companhia, como o campeão meio-pesado Jon Jones, estão mostrando publicamente sua insatisfação e pedindo uma maior valorização financeira. Nessa guerra de interesses, quem tem a razão? TATA M E # 2 6 2
AS S
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EstrElas x UFC
A luta por melhores pagamentos começou a ganhar força com Jon Jones, atual campeão meio-pesado da organização. “Bones” expôs a situação onde queria fazer uma superluta na divisão dos pesados diante de Francis Ngannou e, aparentemente, por ter pedido um valor maior de bolsa em relação às suas lutas anteriores, viu o Ultimate encerrar as negociações. “Tive uma conversa com um dos principais dirigentes do UFC, e antes mesmo de falarmos sobre dinheiro, não foi o caso de eu ter pedido muito dinheiro, eu ouvi um ‘não’ seco e direto. Eles não fa-
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laram nada sobre bilheteria, pandemia ou algo do tipo. Apenas disseram achar que cuidam muito bem de mim e que, se eu quisesse ganhar dinheiro de verdade, esse dinheiro inevitavelmente viria da venda de pacotes de pay-per-view da luta contra Francis Ngannou, e de outras desse nível. Mas o contrato permaneceria o mesmo caso eu subisse para os pesados. É ruim, porque você sente que alguém está te colocando freios, colocando um limite nas suas possibilidades. Mesmo que não quisessem mudar o meu contrato, o fato é que eles não estão dispostos a fazer sequer
um contrato especial, de apenas uma luta, para que eu enfrente um cara 20kg mais pesado que eu, o cara mais assustador do planeta - Francis Ngannou, o cara que ninguém quer enfrentar. Estou disposto a encará-lo mesmo sendo menor e vocês não querem me pagar US$ 1 a mais? Me senti insultado. Todos gostariam de me ver correndo esse risco, e eles não me ofereceram nada em troca. Absolutamente nada”, disparou Jones em entrevista ao programa “MMA Road Show”. Desde então, o campeão meio-pesado entrou em uma verdadeira “guerra de palavras”
“Não tenho interesse em lutar no UFC até que eu seja pago pelo que eu acredito que mereço” Jon Jones
Jon Jones acha que deveria ganhar mais por suas lutas no UFC
contra o UFC e Dana White, presidente da franquia, inclusive chamando o mandatário de mentiroso. Com uma carreira consolidada dentro do cage e estabilizado financeiramente, o lutador deixou claro que suas reivindicações não se tratam somente dos seus interesses, mas sim, de um posicionamento que visa melhorar as condições oferecidas a todos os atletas. Enquanto não chega a um acordo com o UFC, Jon Jones já deixou claro que não pretende lutar.
“Eu não quero lutar em breve. Na verdade, eu não tenho interesse em lutar no UFC até que eu seja pago pelo que eu acredito que mereço. Se eu tiver que ter uma relação ruim com Dana, ficar fora por dois anos, três anos, para trazer luz ao que está acontecendo, então essas são as coisas pelas quais as pessoas lembram de você mais do que conquistar cinturões. Eu me levantei pelos lutadores mais jovens. Não estou pedindo por nada absurdo. Eu sei que nós
estamos em uma pandemia, e sei que quando você é um multimilionário e está pedindo por mais (dinheiro), isso faz você parecer uma pessoa gananciosa. Estou bem consciente de tudo isso, mas eu também estou consciente de que eu tenho a voz e a plataforma para fazer a mudança. A maioria dos caras que estão ganhando o mínimo possível não estão em posição de dizer publicamente: ‘Eu tenho um segundo emprego, estou pedindo dinheiro emprestado dos meus pais’. Conheço muitos lutadores que estão vivendo na academia Jackson-Wink MMA (onde treina), porque eles não podem pagar para ter seu próprio apartamento. E são lutadores do UFC... Isso é triste”, disse o americano no podcast “Steve-O’s Wild Ride”. A ação tomada por Jon Jones estimulou outros lutadores
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EstrElas x UFC
Além de muito bem pago, Conor McGregor faz sempre questão de ostentar seu padrão de vida nas redes sociais
do Ultimate a se posicionarem publicamente sobre salários, dando a entender que os atletas precisam ser mais valorizados financeiramente. Ex-campeão peso-pena e peso-leve do UFC, Conor McGregor anunciou pela
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terceira vez sua aposentadoria recentemente e disse estar “desmotivado”. O irlandês nunca escondeu que sua maior quantia em dinheiro recebida foi na superluta no Boxe que fez contra Floyd Mayweather.
Já a peso-palha Paige VanZant afirmou que sua participação em um reality show americano lhe rendeu mais dinheiro do que em todas as lutas que realizou no Ultimate. Confira mais declarações:
JORGE MASVIDAL
(em vídeo postado no Instagram) “Se eles não quiserem me pagar o que eu valho, está tudo bem. Estou seguro para a vida toda. Eu não preciso lutar. Eu luto porque amo. Tem quase 17 anos que eu faço isso. Eu amo atuar, mas eu vou ser pago cada vez que fizer isso. Seja enfrentar Nate (Diaz) ou qualquer outro. Não importa. Apenas me paguem o que eu mereço. Claro, eu adoraria enfrentar Nate, porque não o coloquei para dormir da forma que eu gostaria. Isso é sobre o quanto eu quero receber do pay-per-view, a minha parte. Esta é uma das coisas pelas quais estou lutando. Acho que a divisão de valores não é justa. Eles esperam que eu lute por pouco ou até de graça. Amo competir nesse esporte, mas já faço isso há um bom tempo”.
PAIGE VANZANT
(em entrevista à ESPN) “Todo mundo sabe quanto eu ganho. Eu ganho 46 mil dólares para lutar, 46 e mais 46 (por vitória). Eu não vou esconder isso, todo mundo sabe. Eu posso ganhar muito mais dinheiro do que isso apenas promovendo marcas no Instagram. Eu ganhei mais dinheiro no ‘Dancing With The Stars’ do que eu ganhei na minha carreira inteira no UFC, contando todas as lutas, todas as vitórias e todos os bônus. Isso só mostra que o dinheiro está lá. Eu amo lutar, é o que eu amo fazer, mas essa é a realidade”.
HENRY CEJUDO
(em coletiva de imprensa antes de se aposentar) “Tenho que encontrar com Dana White. Preciso de um encontro com ele, porque eu preciso de pagamento ‘peso-pesado’. Acho que sou o cara do UFC agora, e quero ser pago como tal. Dana White tem sido ótimo para mim. Ele tem sido muito bom, não tenho nada a reclamar. Mas eu quero dinheiro peso-pesado. Quero mudar este esporte”.
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VOZ Da ExPErIÊNCIa Por Mateus Machado fotos: reprodução
OPINIÃO DA VELHA GUARDA MMA é esporte ou entretenimento? Os lutadores são valorizados financeiramente? O que mudou do Vale-Tudo para os dias de hoje? Três referências das artes marciais mistas no Brasil e no mundo, Murilo Bustamante, Ricardo Libório e Rudimar Fedrigo compartilham suas visões.
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VOZ Da ExPErIÊNCIa
“Provocações no MMA também vão sempre acontecer, faz parte do negócio, porém, eu acredito que o melhor é manter o nível nas provocações, para não desrespeitar o adversário e minimizar o risco de acontecer o que rolou com o McGregor e o Khabib (briga em um estacionamento” Murilo Bustamante
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MURILO BUSTAMANTE VÊ UNIÃO ENTRE ESPORTE E ENTRETENIMENTO NATURAL “O MMA sempre foi entretenimento, aliado ao esporte, e vai continuar sendo. Todo esporte que tem público, principalmente nos Estados Unidos, é feito com promoção, entretenimento, até mesmo o Futebol no Brasil. MMA é esporte e não vai deixar de ser nunca. O maior atrativo do MMA é que são lutas de verdade, enquanto o WWE, que é puro entretenimento, são lutas fictícias, para atrair um público até infantil, é um faz de conta. Provocações no MMA também vão sempre
acontecer, faz parte do negócio, porém, eu acredito que o melhor é manter o nível nas provocações, para não desrespeitar o adversário e minimizar o risco de acontecer o que rolou com o McGregor e o Khabib (briga em um estacionamento), aquele episódio lamentável. Isso é ruim para o esporte. Enquanto se manter o nível para ajudar a divulgar a luta e atrair o público, faz parte do negócio. Passou do limite, partiu para a ofensa, é muito ruim ao esporte”, opinou o líder da BTT.
RICARDO LIBÓRIO ‘DISCORDA’ DO CAMINHO SEGUIDO PELO MMA “Eu odeio o caminho que o MMA virou, mas eu entendo. Eu sou artista marcial, sempre fui, nunca vou ser diferente disso, até mesmo como treinador de MMA, é bem diferente, porque eu acredito nos valores das artes marciais na minha vida como um todo. Eu vivo e sigo isso, mas consigo entender o motivo dos caras falarem essas ‘mer***’, muitas vezes isso é até uma orientação da própria empresa. (…) A filosofia da empresa é o dinheiro. Não acho que a visão deles esteja errada, mas eu não sou assim”, apontou o faixa-preta de Carlson Gracie.
RUDIMAR FEDRIGO ACREDITA EM SALÁRIO MENSAL, MAS SÓ NO FUTURO “Na minha opinião, o MMA é a união de esporte com entretenimento, os dois. Um esporte por conta da parte competitividade, e entretenimento por causa da base de fãs e dos eventos. Sobre um salário mensal, hoje é muito difícil. Talvez, no futuro, os próprios eventos possam fazer isso, mas agora é praticamente inexistente a chance, porque o lutador é um artista marcial, e ele é contratado para fazer três, quatro apresentações ao ano”, argumentou o fundador da Chute Boxe.
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MMA x Boxe
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NÚMEROS
$EM COMPARAÇÃO Os números das bolsas dos lutadores de MMA comparados com o Boxe são bem inferiores. Apesar de representar uma marca global, os salários por luta do UFC não estão mais agradando as principais estrelas da companhia. Preparamos, então, um comparativo com a nobre arte; veja quem são os 10 lutadores que mais ganharam dinheiro em lutas pelo Ultimate e onde estão em relação ao Boxe. TATA M E # 2 6 2
AGOSTO 2020 Foto: Esther Lin/Showtime
MMA x Boxe
Estrelas do UFC como Jon Jones, Conor McGregor, Henry Cejudo, Jorge Masvidal e Paige VanZant, entre outras, resolveram se manifestar sobre o valor recebido da principal organização de MMA do mundo para entrar em ação. Os atletas pedem maior “valorização financeira” e criaram um “problema” a ser resolvido por Dana White, presidente da companhia. Mas, será que os lutadores têm razão? Se compararmos com atletas de uma modalidade vizinha, o Boxe, as principais estrelas da nobre arte recebem valores bem maiores. Um exem-
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plo é que o valor da bolsa de Mike Tyson, em 1997, na luta contra Evander Holyfield, foi de US$ 30 milhões. Neste período, nenhum lutador de MMA chegou perto de igualar tal marca. Em 2016, o irlandês Conor McGregor, principal astro do UFC, fez US$ 3,5 milhões de bolsa para lutar contra Eddie Alvarez a imprensa nos Estados Unidos estipula que com os acréscimos do pay-per-view, esses números podem ter chegado a quase US$ 15 milhões. O Boxe é uma modalidade mais antiga que o MMA, mas os valores, em números de bol-
sa, mostram a diferença entre os dois esportes. Em histórico duelo na nobre arte em 2016, Floyd Mayweather fez US$ 180 milhões contra Manny Pacquiao que, por sua vez, embolsou US$ 96 milhões. Mayweather, aliás, “ajudou” a turbinar o lado financeiro de Conor McGregor. Em 2015, os dois se enfrentaram no May-Mac, em uma luta de Boxe. “Notorious”, apenas de bolsa, recebeu US$ 30 milhões - mas os valores finais não foram revelados. O irlandês ainda recebeu dinheiro proveniente de patrocínios, venda de produtos licenciados e da co-
mercialização dos pacotes de pay-per-view. Na lista da revista Forbes de atletas mais bem pagos do mundo em 2020, McGregor é o único atleta do MMA entre os 100. O irlandês é o 16º colocado, tendo arrecadado US$ 48 milhões. Já os lutadores de Boxe na lista são quatro: Tyson Fury (11º, US$ 57 milhões), Anthony Joshua, (19º, US$ 47 milhões), Deontay Wilder (20º, US$ 46 milhões) e Canelo Alvarez (30°, US$ 37 milhões). Para efeito de comparação nos esportes individuais, o tenista Roger Federer foi o líder da lista da Forbes ao receber US$ 106,3
milhões. O editor da revista, no entanto, acredita que a pandemia do novo coronavírus tenha influenciado o primeiro lugar do suíço, mas não tira os méritos dele. “A pandemia provocou cortes nos salários de craques como Messi e Cristiano Ronaldo, abrindo caminho para que um tenista fosse classificado como o atleta mais bem pago do mundo pela primeira vez. Roger Federer é um atleta perfeito para as empresas, resultando em um portfólio incomparável de marcas de primeira linha no valor de US$ 100 milhões por ano para o tênis”, escreveu Kurt Badenhause.
Donos de uma rivalidade marcante dentro dos ringues, Floyd Mayweather e Manny Pacquiao fizeram fortuna fora deles, estando no top 10 dos atletas mais bem pagos da década
“A pandemia provocou cortes nos salários de craques como Messi e Cristiano Ronaldo, abrindo caminho para que um tenista fosse classificado como o atleta mais bem pago do mundo pela primeira vez” Kurt Badenhause
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MMA x Boxe
E O MMA NACIONAL?
“Os atletas são mal remunerados, principalmente no Brasil. As bolsas são baixas. Às vezes, nem compensa você fazer todo o camp de 60, 90 dias...” Cleber Sousa
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Os eventos de MMA espalhados pelo Brasil são os principais formadores de talento do esporte, mas a realidade quanto aos valores que os atletas recebem é complicada. Muitas vezes lutam de “graça” ou não recebem o que foi combinado. Uma prática comum é o chamado “bolsa-ingresso”. O competidor recebe uma cota de tickets e vai vendendo. Geralmente, as duas partes acordam uma porcentagem para cada um. “Os atletas são mal remunerados, principalmente no Brasil. As bolsas são baixas. Às vezes,
nem compensa você fazer todo o camp de 60, 90 dias... Comprar as suplementações, pagar o seu coach, se empenhar o máximo possível. De repente, a grana que você pegar, não vai suprir nem metade da grana que você gastou. Sou um cara que abaixo muito o peso e posso dizer que gasto mais de 2 mil reais no meu camp, entre dieta e técnico. Acho que os organizadores deveriam olhar mais para isso, ao invés de explorarem os atletas por 500, 200 reais, dar uma valorizada”, comentou Cleber Sousa, lutador do SFT, à TATAME.
INSATISFAÇÃO DE JON JONES Uma dos insatisfeitos com o UFC é o campeão dos meio-pesados Jon Jones. “Bones” lutou contra Dominick Reyes, em fevereiro deste ano, e venceu por decisão dos árbitros. No geral, o norte-americano faturou US$ 540 mil de bolsa. Um mês antes, em janeiro, o Conor McGregor recebeu US$ 3,06 milhões para nocautear Donald Cerrone. O site Statista divulgou um balanço de quanto os lutadores do UFC arrecadaram ao longo da carreira dentro da companhia. Confira o Top 10, que inclui dois brasileiros, os ex-campeões Anderson Silva e Junior Cigano.
TOP 10 (em dólares) 1 – Conor McGregor: 15,08 milhões 2 – Alistair Overeem: 9,57 milhões 3 – Khabib Nurmagomedov: 8,68 milhões 4 – Anderson Silva: 8,11 milhões 5 – Michael Bisping: 7,14 milhões 6 – Georges St-Pierre: 7,04 milhões 7 – Jon Jones: 7,03 milhões 8 – Mark Hunt: 6,3 milhões 9 – Donald Cerrone: 6,16 milhões 10 – Junior dos Santos: 5,97 milhões
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A VOZ DOS
ESPECIALISTAS Em meio aos números apresentados e as discussões entre lutadores e UFC, o que pensam os “especialistas”? Com uma visão aprofundada sobre o meio do MMA, os jornalistas Marcelo Alonso e Renato Rebelo, e os comentaristas Mário Filho e Carlão Barreto, compartilharam suas respectivas opiniões. Em comum, o fato de todos acreditarem que os lutadores podem ser mais valorizados financeiramente. Referência no mundo das artes marciais mistas, o jornalista Marcelo Alonso, que acompanha os bastidores da modalidade desde os seus primórdios, reconheceu que a forma de pagamento dos atletas precisa ser discutida de uma maneira mais aprofundada, e comentou quais, na sua opinião, seriam as maneiras de se chegar a um denominador comum. “O esporte evoluiu em muitas áreas nesses 27 anos, mas uma área que precisa evoluir é a divisão do pagamento dos atletas.
Parece que no Boxe, na NBA (liga de Basquete americana) e outros esportes, 70% do valor adquirido vai para os atletas, que são os protagonistas. No MMA, são 30%. Isso é um absurdo, precisa mudar. A única maneira de mudar é com os atletas se organizando em associações, sindicatos. Acho que está engatinhando... Evoluímos na antidopagem, passamos esportes centenários em várias áreas, mas nessa parte de remuneração dos atletas, estamos na ‘Idade da Pedra’. A única maneira
que vejo disso evoluir é com uma organização de atletas, treinadores e empresários. Eles precisam se unir em algum tipo de organização, onde a expectativa definida seja levada para uma voz única. Hoje em dia, o UFC fica em uma posição muito confortável. Como não existe uma amizade entre os atletas, existe essa coisa do antagonismo, fica fácil para o UFC trabalhar, colocar os atletas uns contra os outros. Eles não se unem nas mesmas demandas e facilita para o UFC. Os empre-
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sários serão essenciais nessa conversa inicial. Eles precisam organizar essa entidade, eles vão começar a revolucionar o esporte no sentido de uma melhor remuneração dos lutadores”, explicou Alonso, completando que um “salário mensal” para os lutadores não seria o melhor caminho. “O salário mensal não é o caminho. Precisamos pegar a experiência dos ‘primos ricos’, que são as modalidades mais antigas e de mais visibilidade, e achar nosso caminho. A gente não pode ter
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essa visão sindicalista de que o UFC é o vilão, temos que entender que é tudo um negócio. Os atletas e empresários, em suas reivindicações, não podem entrar numa de radicalizar, porque isso vai inviabilizar o esporte. O Dana White vai bater o pé e o esporte não anda. Tudo tem que ser feito aos poucos, mostrando que algo tem que ser feito, sempre em bons termos, na conversa. O que pode ser discutido é algum tipo de previdência privada, aposentadoria para quem parar. Porque o atleta luta 15 anos,
para, e aí? Quem não fez o ‘pé de meia’, está ferrado. Isso também precisa ser discutido”. Comentarista dos canais FOX Sports no Brasil, Mário Filho também acompanha o esporte há anos e, consequentemente, suas constantes mudanças. Ao falar sobre o tema, Mario disse que um salário mensal seria uma “boa saída” e algo que pode se tornar realidade, porém, não a curto prazo. O especialista também destrinchou os posicionamentos de Jon Jones - que afirmou que não luta-
“Evoluímos na antidopagem, passamos esportes centenários em várias áreas, mas nessa parte de remuneração dos atletas, estamos na Idade da Pedra” Marcelo Alonso
ria até entrar em um acordo com o UFC sobre salários - e Conor McGregor, que recentemente anunciou sua aposentadoria do MMA, alegando falta de motivação. “Um salário mensal pode se tornar realidade, mas é muito confuso, especialmente na ‘Era Dana White’, seria uma tremenda reviravolta. Não vejo isso a curto prazo. Em relação à insatisfação dos atletas por conta dos salários, bolsas e tudo mais, quando o cara é campeão, acho uma
reivindicação muito legítima, até mesmo apelar para a aposentadoria, não deixa de ser uma negociação, é uma forma de protestar. No caso de Jon Jones e do Conor McGregor, por mais que os dois estejam muito ricos, eles são, disparadamente, as grandes estrelas, então se eles estão insatisfeitos, podem perfeitamente exigir melhores condições, porque eles fazem com que a engrenagem funcione muito mais. Eles são dois dos exemplos que
fizeram do MMA muito mais popular em nível mundial. A partir do momento que você é campeão, tem todo o direito de exigir uma parte maior do bolo, acho até que a Amanda Nunes reforçaria essa corrente. Não sendo campeão, se vai ser atendido ou não, depende do quanto essa pessoa desperta atenção. O atleta precisa ser midiático e performático em todos os aspectos possíveis, principalmente no octógono. Se a pessoa compõe todos esses elementos,
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Análise
acho que ela tem que ser melhor remunerada, sem dúvida”. Ex-lutador e hoje comentarista de MMA e Jiu-Jitsu, Carlão Barreto seguiu a opinião de Mário Filho a respeito de um salário aos atletas, no entanto, afirmou que o pagamento poderia ser direcionado aos 15 lutadores principais do ranking de cada categoria, enquanto os outros atletas teriam “ajuda de custos”. O faixa-preta também atentou para outros pontos importantes relacionados a benefícios para os profissionais do MMA. “Um salário seria o mais justo para os atletas. Talvez não todos, vai depender da estrutura da empresa, se o negócio tem solidez para aguentar isso... Mas, talvez,
os 15 primeiros do ranking poderiam receber um salário, ter uma grana fixa. Os outros, talvez, poderiam ter uma ajuda de custos, quando for lutar, recebe uma ajuda para poder treinar, se alimentar, independentemente de patrocínio. Mas vai depender da saúde financeira de cada organização e a boa vontade dos donos dos eventos em distribuir um pouco a renda com os atletas, afinal, eles são as estrelas do show. Talvez,
no futuro, possamos ter isso. Vai depender muito do crescimento do esporte, da evolução, de entrar novos patrocinadores/investidores para fazer o esporte crescer. Também é preciso pensar em outros benefícios, como planos de aposentadoria, pensar nos caras que já estão parando de lutar, para que possam envelhecer com segurança, afinal, se trata de um esporte muito lesivo e de muita intensidade”, argumentou Carlão.
“Também é preciso pensar em outros benefícios, como planos de aposentadoria, pensar nos caras que já estão parando de lutar, para que possam envelhecer com segurança...” Carlão Barreto
Presidente do UFC, Dana White vem liderando a retomada dos eventos de MMA em meio à pandemia
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Jornalista dos canais ESPN e fundador do Sexto Round, Renato Rebelo deu detalhes de como a engrenagem do UFC funciona, o que torna a franquia a maior do mundo no MMA, e explicou que benefícios aos atletas só passarão a ser mais discutidos e, consequentemente, aplicados, se os mesmos se unirem. “É um tema difícil de ser solucionado. O UFC tem como principal foco a sua marca, é você girar o mundo com o seu espetáculo e as pessoas, onde quer que estejam, vão sair de casa para ver o UFC. É uma estratégia comercial que eles adotaram desde que o Dana White e os irmãos Fertitta compraram, porque eles entenderam que se a estratégia fosse baseada em um, dois ou três indivíduos, isso acaba e o evento vai para o buraco. A gente lembra o que aconteceu com o evento Elite FC depois que
o Kimbo Slice foi nocauteado, o evento faliu, porque dependiam dele. Eles fizeram uma coisa mais voltada para a máquina, de propaganda. O que acontece é que a execução do lucro deles (UFC) para os atletas é menor comparada à outras ligas. O UFC executa 20% dos lucros para pagar os atletas. Mas, por outro lado, isso permite que o UFC seja o único evento de pé durante a pandemia, permite que eles possam investir para fazer eventos numa ilha da luta, serem líderes de mercado, empresa vendida por 4 bilhões, ter três institutos de performance, milhares de funcionários espalhados pelo mundo e muito mais. A máquina recebe uma grana maior do que em ligas em que o atleta recebe mais, e aí é questionável, o que é sustentável ou não. 20% é pouco, o que deveria ser, 50%? Mas como funcionaria isso? Será
que se o UFC pagar 50% aos atletas, não vai vir um concorrente que vai pagar menos e tomar o mercado deles, levando o UFC à falência?’ Achar esse ponto para que a empresa seja líder de mercado, para não ir à falência e deixar os atletas satisfeitos ao mesmo tempo é o ponto ideal. Está tendo muita insatisfação (dos lutadores) nos últimos tempos, então isso é sinal que, de repente, eles podem ceder um pouco. É um bom senso, um meio termo, porque se todo mundo estiver insatisfeito, no fim do contrato, o atleta vai para a organização rival. Se os atletas se unirem e, numa só voz, demandarem um piso maior ou mais dinheiro do patrocinador, provavelmente o UFC vai ter que ceder, mas no esporte individual, é mais difícil você ter essa união de atletas. Não é um tema fácil de resolver”, encerrou.
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