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MERCADO DO
JIU-JITSU Com o passar dos anos, o Jiu-Jitsu tem caminhado para um lado cada vez mais profissional, mas para isso, ainda precisa romper certos paradigmas e tabus que cercam o esporte. Por exemplo, o atleta que muda de equipe ainda pode ser chamado de “creonte”? Já há algum tempo, lutadores migram para times maiores em busca de melhores oportunidades. E você, não faria o mesmo na sua profissão?
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por Yago Rédua fotos reprodução
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Assim como em qualquer modalidade esportiva, o Jiu-Jitsu caminha para mudanças que fazem parte do seu processo de desenvolvimento, e elas afetam diretamente os atletas que têm como meta a elite da arte suave. Em determinado momento, eles preci-
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sam parar, refletir e pensar sobre suas equipes: será que é aqui que eu vou alcançar meus objetivos? Para onde eu preciso ir? E como ficará a relação com o meu atual professor? Aliás, o treinador, que dedica tempo e trabalho ao atleta, merece alguma compensação
financeira? O lutador é “creonte”? São inúmeras perguntas que cercam o polêmico tema. Diante desse cenário, pode estar nascendo o “Mercado do Jiu-Jitsu”, algo que é muito comum no Futebol, com o “Mercado da Bola”, por exemplo. Nomes importantes da modalidade, casos de Bruno Malfacine, Tayane Porfírio, Lucas Hulk, Isaque Bahiense, Fellipe Andrew, os irmãos Munis, entre tantos outros, decidiram sair de suas antigas equipes e foram competir em outros times. Mahamed Aly, faixa-preta e campeão mundial, também fez esse caminho ao deixar a equipe de Alexandre Penco, no Rio de Janeiro, para iniciar sua trajetória com Lloyd Irvin, nos Estados Unidos, e acredita que isso faz parte da evolução natural do esporte. “Esse apego com o professor, apego com o aluno... Quando só está bom para um lado, na minha opinião, não é inteligente. Se o aluno está pensando em desistir do esporte porque não tem como bancar e tem alguém querendo fazer isso por ele, ou o professor não tem condições, isso não tinha nem que ser dúvida. O professor tinha que ter orgulho de fazer isso pelo aluno. O aluno também deveria ter uma naturalidade para aceitar esse tipo de proposta e ponto final”, analisou o faixa-preta em entrevista à TATAME. “O Everaldo (Penco) foi o cara que disse que eu precisava de uma academia lá fora (exterior) para treinar. Tanto que hoje, quando estou no Rio de Janeiro, a primeira coisa que eu faço é pegar meu quimono e ir treinar com ele. É uma amizade
grande e até pensamos em abrir uma academia juntos. Quando o professor apoia o jovem, o sonho de um adolescente, ele tem a amizade e gratidão para sempre”. Mahamed também comentou sobre a proposta dos professores receberem um valor caso um atleta formado por eles decida mudar de equipe: “Acho que poderia, sim, ter um ressarcimento se a coisa já tivesse profissional e dando dinheiro para todo mundo. O que não é o caso. O atleta não dá retorno financeiro direto para a academia que ele está e não dará esse retorno para a academia que ele vai. Hoje não funciona. É algo a se pensar, mas não acho que seja a solução para nada. A equipe que pega um atleta novo, está assumindo um compromisso financeiro, mas ele não está assumindo para ter tanto de retorno. A matemática não é fácil de fazer”,
“O contrato tem que ser utilizado, procurar um advogado, e assim acaba aquele negócio de ‘creonte’. Quem forma o ‘creonte’ é o próprio treinador, que cria o aluno de maneira errada, antiga” Rodrigo Cavaca
apontou o lutador, que seguiu: “O professor que sugere isso, está na profissão errada. Ele está fazendo por ele, não pelo atleta. Se o professor faz por ele, tem que melhorar como estrutura. No final das contas é isso, a água vai sempre para o mar. E hoje, Gracie Barra, Alliance, Atos e outras grandes equipes são o mar”, completou. Rodrigo Cavaca, líder da Zenith BJJ e um dos nomes mais respeitados no cenário
Jiu-Jitsu, revelou que trabalha há algum tempo com contratos com os seus atletas de ponta. O professor acredita que esse seja o caminho para a profissionalização da modalidade. “Eu tenho contrato já há alguns anos com meus atletas de ponta, que foram ou podem ser campeões mundiais, e eu invisto neles. Dou uma estrutura de treino, o máximo de suporte que posso, para ganhar esse retor-
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no deles no futuro. Não adianta nada você fazer todo o trabalho de base, que é o mais difícil, e na hora de ter o retorno você perde o atleta. Então, o contrato tem que ser utilizado, procurar um advogado, e assim acaba aquele negócio de ‘creonte’. Quem forma o ‘creonte’ é o próprio treinador,
que cria o aluno de maneira errada, antiga”, frisou Cavaca. O professor, que já revelou grandes nomes para o esporte, o último deles Fellipe Andrew - agora na equipe Alliance -, acredita que o contrato seja uma forma de resguardar tanto o treinador, quanto o atleta: “Em relação ao meca-
nismo para segurança do professor, é procurar um advogado que entenda do assunto, contratos de atletas, e com isso ele criar cláusulas para se sentir seguro. É uma troca. O contrato é para beneficiar ambas as partes, não é para prejudicar o atleta e ajudar o treinador. É para ajudar ambos”, disse.
AINDA TEM ESPAÇO PARA O ‘CREONTE’? O termo “creonte” foi implantado no Jiu-Jitsu no fim da década de 1980 pelo lendário mestre Carlson Gracie, que com seu jeito irreverente tratava assim os lutadores que mudavam de equipe. “Creonte” era um personagem (foto abaixo) da novela Mandala, que foi ao ar na Rede Globo em 1987 e ficou caracterizado por ser sem caráter e traidor, dando origem ao que representava ser “creonte” no meio da arte suave. Mas será que hoje em dia ainda há espaço para chamar algum atleta de “creonte”?
“Em relação ao termo ‘creonte’, o atleta sempre precisa fazer o que é melhor para ele. O problema do atleta de Jiu-Jitsu é que ele não consegue ver a longo prazo e muitas vezes toma uma decisão porque a academia deu uma camiseta a mais, deu 100 reais, enfim. Sempre baseado no dinheiro e nunca naquela pergunta que devemos fazer: onde eu quero estar daqui a 5 anos? Daqui a 10 anos? Esse local vai me deixar mais perto do meu sonho ou preciso sair daqui para alcançar esse objetivo? Se buscamos soluções imediatas, provavelmente vamos nos precipitar”, opinou Langhi. Já Mahamed Aly não vê espaço para o termo atualmente: “O cara que chama o outro de ‘creonte’, hoje em dia, é ridículo, é burro, ignorante, ultrapassado. E, com certeza, é um cara que não deu certo no esporte. Não vejo um cara que deu certo no esporte falando isso”, disparou.
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CAMPEÃO ANDA COM CAMPEÃO Maior campeã mundial em títulos por equipe, a Alliance tem em seu plantel grandes estrelas do Jiu-Jitsu. Algumas foram formadas na casa, outras iniciaram suas trajetórias em equipes diferentes e, depois, passaram a competir sob a bandeira do time paulistano. Michael Langhi, responsável pela Alliance-SP, contou à TATAME que a equipe não busca a “contratação” de atletas. Quem chega, paga a academia e não tem contrapartida financeira. “Na verdade, não buscamos de maneira nenhuma (os atletas). Eles vinham até a nossa academia pelo fato estarmos sempre no topo, ganhando. Então, eles queriam saber como era o treinamento. Aquele papo: campeão anda com campeão. Eles associavam a nossa academia com a conquista de títulos em busca de um direcionamento para saber o que fazer. Esse pessoal (Bruno Malfacine, Mário Reis...), eles vieram de livre espontânea vontade. Não teve estímulo financeiro nenhum, diferente do que vem acontecendo agora. Eu mesmo vim para a Alliance pagando mensalidade, o Bruno também. Não teve nenhuma contrapartida para essas pessoas”, destacou o faixa-preta. Langhi acredita que o Jiu-Jitsu tem que se tornar cada vez mais profissional, mas que é preciso entender que se trata de uma arte marcial. Então, o atleta deve ter noção para onde está indo e zelar pela sua trajetória dentro da modalidade. “O profissionalismo tem que acontecer, isso é bom para o esporte, mas não podemos esquecer
“Não podemos esquecer que o JiuJitsu é uma arte marcial. Tem todo um pertencimento a uma equipe, não é como o Futebol, que quem pagar mais, leva” Michael Langhi
que o Jiu-Jitsu é uma arte marcial. Tem todo um pertencimento a uma equipe, não é como o Futebol, que quem pagar mais, leva. Precisamos pertencer a uma equipe, pertencer a algo. Acho que isso vale muito mais que dinheiro. Para que seja algo sustentável, é mais a oportunidade e o plano de carreira, do que o dinheiro que está na mesa no momento. As tomadas de decisões precisam ser a longo prazo e nunca a curto prazo”, apontou Langhi, antes de encerrar: “Hoje, vemos alguns projetos que tem uma única fonte de renda, que em algum momento ela seca e o atleta se vê forçado a trocar de equipe mais uma vez. Quando ele olhar para a história, será cheia de curvas, terá passado por três ou
quatro equipes. Não tem como associar um professor a ele. A minha história é reta, eu olho para trás e vejo o (Charles) Cobrinha e o Fábio (Gurgel), e mais ninguém. Tenho pertencimento à equipe, conquistei o meu lugar aqui dentro através do meu trabalho e da minha dedicação. Tem que profissionalizar (o Jiu-Jitsu), mas os projetos precisam ser sustentáveis e não algo que dependa de uma pessoa. Enquanto essa pessoa tem boa vontade de ajudar, as coisas vão acontecendo, mas quando não tem, os alunos precisam arrumar um novo caminho. Muita das vezes esses atletas vão em busca de um sonho, e aí se veem na obrigação de mudar de equipe novamente”, concluiu.
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EVOLUÇ Se antigamente a mudança de equipe por parte de um atleta era tratada de maneira totalmente condenável - surgindo, no fim da década de 80, o termo “creonte” -, nos dias atuais, apesar de uma certa resistência de alguns professores e representantes da velha guarda, a ida de um lutador para outra equipe é encarada com mais naturalidade no universo da arte suave. O motivo mais comum? A busca por evolução e melhores oportunidades.
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por Mateus Machado fotos reprodução
ÇÃO
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Para abranger com mais detalhes o tema, que ainda gera bastante polêmica nos bastidores da modalidade, a TATAME conversou com atletas renomados que, nos últimos anos, passaram por esse processo. Fellipe Andrew, Tayane Porfírio e os irmãos Munis (Erich, Alex e Anderson) trocaram de
equipes por diferentes motivos, mas uma razão em comum: a procura por evolução técnica, melhores oportunidades, estrutura para treino e um futuro dourado. Durante o bate-papo, Andrew, Tayane, além de Erich e Alex Munis, falaram abertamente sobre o assunto e, de maneira geral, co-
mentaram os motivos da mudança de equipe, como foi lidar com as críticas e comentários negativos a partir do momento em que a decisão se tornou pública, o que mais evoluíram e absorveram com a troca de academia, e não menos importante, como é a relação com os primeiros professores.
ANDREW E TAYANE REVELAM MOTIVOS DA TROCA Campeão absoluto no último Pan-Americano da IBJJF e figura constante nos principais campeonatos mundo afora, Fellipe Andrew tomou uma importante decisão em julho. Treinando desde os 18 anos sob o comando de Rodrigo Cavaca na Zenith, em Santos (SP), o jovem faixa-preta, em conjunto com seu professor, decidiu que era hora de
dar um “salto na carreira” e, desta forma, rumou para a Alliance San Diego, nos Estados Unidos. Na visão da dupla, o foco tem que ser total na evolução do lutador. “Na verdade, foi uma decisão (troca de equipe) tomada não por mim, mas sim pelo meu professor (Rodrigo Cavaca). O motivo foi pela estrutura que eu estava
Atualmente na Inglaterra, Tayane vem treinando na Roger Gracie Academy
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recebendo, ele pensou no melhor pra mim e eu segui o conselho. Agradeço muito a ele pela postura, em sempre pensar no meu melhor como atleta e por toda a ajuda nesses anos. Toda mudança agrega na vida de cada um, e comigo não foi diferente. Eu senti que aprendi muito em vários aspectos no meu dia a dia, não só na questão dos
treinos e competições. Só tenho a agradecer a todos os envolvidos nesse processo”, disse Fellipe, que completou sobre algumas críticas que recebeu com a decisão. “As críticas em relação a esse assunto vão sempre existir, não tem jeito. Mas as críticas só vêm de quem não evoluiu e ficou parado no tempo. Estou e estarei sempre buscando minha evolução como atleta, pensando no meu melhor como atleta de Jiu-Jitsu, na evolução dos meus treinos e na minha melhora no dia a dia”, destacou. Considerada uma das principais atletas do Jiu-Jitsu feminino na atualidade, Tayane Porfírio precisou encarar um turbilhão de acontecimentos nos últimos anos. A jovem faixa-preta se mudou do Brasil para a Inglaterra, recebeu uma longa suspensão da USADA (Agência Antidoping dos EUA) que
“Foi uma decisão tomada não por mim, mas sim pelo meu professor. O motivo foi pela estrutura que eu estava recebendo, ele pensou no melhor pra mim e eu segui o seu conselho”
Fellipe Andrew
a impede de competir nos torneios da IBJJF e deixou a equipe Alliance, treinando atualmente com o multicampeão Roger Gracie em Londres. Mas as mudanças trouxeram maturidade para Tayane, que citou as dificuldades em trocar de “time” e que alterou sua forma de avaliar certas situações. “Foi bem difícil a troca de equipe, é sempre uma decisão difícil de tomar, envolve professor, a equipe e mudanças. É uma
mistura de sentimentos. Mas minha decisão foi por ter saído do Brasil e aqui (Londres, na Inglaterra) não ter Alliance. Mudei bastante minha forma de pensar, sobre o que falar e não falar em devidos lugares, saber me controlar para não rebater críticas. A gente começa a conhecer pessoas com uma mente evoluída, e aqui as pessoas têm uma forma de pensar muito evoluída”, contou a casca-grossa.
Fellipe Andrew (à direita) foi um dos grandes destaques do Pan-Americano 2020
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CONSELHOS PARA OS JOVENS ATLETAS
“Foi bem difícil a troca de equipe, pois é sempre uma decisão difícil de tomar, envolve professor, equipe e mudanças. É uma mistura de sentimentos” Tayane Porfírio
Com planos de retornar às competições no ADCC 2021, Tayane também falou sobre como foi a reação do seu professor, Gigi Paiva, que acompanhou a lutadora por anos na Alliance Rio de Janeiro, ao saber da sua decisão de sair do Brasil e, consequentemente, trocar de equipe. Hoje em dia, segundo ela, a relação entre os dois é boa, no entanto, na época, professor e atleta chegaram a ficar alguns meses sem se falar. “Na época foi difícil, ficamos sem nos falar durante alguns meses e depois consegui que ele entendesse o meu lado. O problema nunca foi a equipe (Alliance), ele entendeu o real motivo por eu sair e entramos em um acordo. Ele é peça fundamental na minha vida profissional, ele sabe o que falar, e o que ele fala pra mim eu não discuto, porque ele me conhece mais do que eu mesma (risos). Hoje em dia não vivo sem ele”, afirmou.
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“O primeiro passo é conversar com seu professor. Se ele torce pelo seu sucesso, ele vai falar para você voar. O segundo passo é ver se a proposta vale realmente a pena, para não cair na lábia de pessoas mentirosas. Terceiro é correr atrás do seu sonho. Acho que quando treinamos em um lugar onde todos têm o mesmo foco que você, a chance de você ganhar é dez vezes maior. Porém, não se pode esquecer quem te abriu as portas”. (Tayane Porfírio) “Acredito que o atleta tem que pensar: por que devo fazer isso? O que isso vai agregar? Pensar nos prós, contras, e o mais importante, conversar com quem sempre esteve do seu lado. Não se importar com as críticas, e sim ouvir e absorver o melhor das pessoas que sempre estiveram ao lado do atleta”. (Fellipe Andrew) “Se eu posso dar um conselho para os jovens que querem trocar de equipe, a primeira coisa é buscar Deus, ora a Deus, vê se realmente é o plano Dele para sua vida, não faça nada de maneira precipitada, porque às vezes a proposta pode ser muito boa na hora, mas por você não ter uma visão ampla das coisas, acaba trocando os pés pelas mãos. Então, tenha calma e pés no chão antes de tomar qualquer decisão desse tipo”. (Erich Munis) “Eu daria o conselho para a pessoa pensar, antes de tudo, no futuro dela e de sua família, e projetar onde ela quer estar daqui a cinco, dez anos, se esse passo de mudança de equipe vai ajudar a estar melhor lá na frente, porque, de repente, a pessoa está ali, estagnada, com medo de crescer, dar o primeiro passo, e acaba deixando de evoluir. Então sair da zona de conforto, enfrentar a mudança, se for para a sua evolução, vale muito a pena”. (Alex Munis) “O conselho que eu dou para o jovem é seguir o sonho dele, porque o tempo passa muito rápido. Ontem eu tinha 17 anos sonhando com o que via no YouTube, em treinar Jiu-Jitsu, em viver do Jiu-Jitsu, em viajar para competir, ensinar e aprender. Hoje, tenho 26 anos. Graças a Deus, não me preocupei com esses probleminhas, porque se não teria perdido um ano aqui, outro ano ali. O cara quem tem 17 anos e tem a capacidade, ele não pode se permitir perder um ano, um mês, porque passa muito rápido. E mesmo você fazendo tudo certinho, é muito difícil. Imagina o cara que perde tempo. Quem dá a vez, não quer vitória. Quando você deixa para amanhã, para o mês que vem, você está planejando errado e vai fracassar com certeza”. (Mahamed Aly)
IRMÃOS MUNIS UNIDOS VISANDO A EVOLUÇÃO Erich Munis e seus irmãos, Anderson e Alex, foram graduados faixas-preta recentemente e fazem parte da Dream Art, projeto sediado em São Paulo que tem como principal idealizador o faixa-preta Isaque Bahiense, com a missão de profissionalizar atletas promissores dentro da arte suave. Apesar de jovens, os “irmãos Munis” já possuem uma trajetória repleta de grandes conquistas no Jiu-Jitsu. Os três atingiram bons resultados nas faixas coloridas e
muito disso se deve ao trabalho desenvolvido por Rodrigo Feijão no Clube Feijão, em Maringá (PR). Erich e Alex comentaram o complexo processo de transição que passaram até chegarem na Dream Art, destacando que a decisão de deixar Maringá foi tomada em conjunto pelos três irmãos, que visualizaram uma oportunidade de crescimento em suas respectivas carreiras com a ida para São Paulo. “A mudança foi bem difícil
no começo, até porque eu tinha muitos amigos na outra equipe. O principal motivo para tomarmos essa decisão foi a questão da oportunidade. Vimos a chance de crescermos como atletas, de ter mais oportunidades de poder viajar e, assim, construir melhor nossa carreira dentro do Jiu-Jitsu. Isso foi primordial para que pudéssemos tomar essa decisão. Com essa vinda para a Dream Art, eu acho que foi o profissionalismo que mais fez a diferença. Eu e o
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Anderson já estávamos focados 100% no Jiu-Jitsu lá em Maringá, o Alex ainda não. Aqui ele conseguiu focar 100%, porque ele não precisou mais trabalhar e já tinha terminado a faculdade. Quando viemos para cá, percebemos o quão profissional as pessoas levam o Jiu-Jitsu, realmente como um trabalho, uma profissão, então você precisa ser profissional em todas as áreas e aspectos. Fora que a Dream Art possui um mate-
rial humano de treino muito grande e diferenciado”, relatou Erich. “O processo de mudança no início, quando a gente chegou na Dream Art, foi difícil, pela ligação e vínculo que a gente tinha lá em Maringá, então ficou um clima meio estranho por parte de alguns. Mas a gente fez essa escolha pensando no bem de nós três e no futuro também, porque seria uma oportunidade boa de estar numa equipe de alto nível,
que abriria muitas portas para a gente em São Paulo. A gente evoluiu em tudo, porque hoje treinamos em uma academia onde tem vários campeões mundiais, muita gente dura, sem contar que passam muitos atletas bons por ali. Na nossa vida também, melhorou muita coisa. Estamos em uma cidade maior, conhecendo pessoas boas, pessoas que procuram nos ajudar, então eu considero uma evolução completa”, citou Alex.
Erich, Alex e Anderson Munis deixaram Maringá rumo a São Paulo em busca de melhores oportunidades
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MUDANÇA DE EQUIPE: UMA BARREIRA QUEBRADA? Com críticas ou não, o fato é que a mudança de atletas para outras equipes tem se tornado uma prática cada vez mais comum no mundo do Jiu-Jitsu, o que pode ser tratado como uma das partes que envolve a profissionalização do esporte, dependendo do ponto de vista de cada um. O termo “creonte”, embora ainda seja utilizado, vem se adaptando à nova visão dos profissionais, e alguns deles consideram que o tema já é uma “barreira quebrada”, como denominou Alex Munis. “Na minha opinião, essa barreira já está quebrada. Acho que tem poucas equipes e pessoas que possuem essa mentalidade do atleta crescer numa equipe e morrer ali. Acredito que hoje em dia, pelo fato de terem acontecido muitas coisas no Jiu-Jitsu e o esporte estar se profissionalizando, esse pensamento está quebrando e vai quebrar muito mais. É só pensar nas equipes que não tem condições de estar com atletas e tem uma outra equipe com boas condições, que pode ajudar o atleta... O atleta vai negar sua própria oportunidade de evolução? Não pode. Acredito que as equipes vão crescer nos próximos anos também com isso, vão procurar se profissionalizar cada vez mais para manter seus atletas, então considero que isso vai ajudar o Jiu-Jitsu de uma maneira geral”, opinou o faixa-preta, que tem sua visão compartilhada pelo irmão Erich. “O Jiu-Jitsu está se profissionalizando e evoluindo cada vez mais, e com isso, essa troca
Em janeiro, ainda pela Zenith BJJ, Andrew brilhou no Europeu de Jiu-Jitsu
de equipes, essa evolução vai ser inevitável, da pessoa procurar uma equipe melhor, uma equipe fazer proposta por outro atleta. Mais portas vão se abrir para outros projetos nascerem, então as pessoas, com o tempo, vão se acostumar com essa situação”. “Eu acho que as pessoas precisam abrir mais a mente e pensar da seguinte forma: se eu não posso oferecer algo melhor, realmente é torcer para que o atleta conquiste o mundo e aconselhar ele a tomar a melhor decisão. O Jiu-Jitsu é um
trabalho, e empresas sempre vão buscar os melhores funcionários. É assim que vejo as equipes, como empresas”, desabafou Tayane, antes de Fellipe Andrew encerrar: “A minha opinião é que o Jiu-Jitsu está cada vez mais profissional. É loucura um professor querer prender um aluno, tratá-lo apenas como (um número) e não pensar nas suas dificuldades. Se ele vê que em outra equipe o atleta tem mais condições de evoluir, que deixe o atleta seguir em frente”, aconselhou o faixa-preta.
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A VISÃO DOS
MESTRES Além dos líderes de grandes equipes e dos atletas, como ficam os professores de base nessa história? Para entender o lado deles, a TATAME conversou com Rodrigo Cavaca, Márcio Rodrigues e Rodrigo Feijão, responsáveis por formar diversos campeões mundiais de Jiu-Jitsu e que lidam constantemente com esse processo de troca. Na opinião dos três, o aluno deve, sim, buscar melhores oportunidades, mas sempre com o devido respeito por quem ajudou a formá-lo como atleta.
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Fundador da equipe que leva seu nome e também encarregado de um projeto social na Zona Oeste do Rio de Janeiro, Márcio Rodrigues ajudou na formação de diversos atletas que, posteriormente, mudaram de equipe e sagraram-se campeões mundiais pela IBJJF na faixa-preta. Nomes como Tayane Porfírio, Lucas Hulk e Erberth Santos passaram pelas mãos do experiente professor, que acostumado a ver seus alunos alçarem voos maiores, cobra apenas transparência e tenta manter sempre uma boa relação. “Não é fácil lidar com as mudanças (de equipe), principalmente quando você praticamente faz o atleta/aluno, deposita toda confiança, tempo, dinheiro, etc. Mas eu respeito a decisão deles, acho que o atleta tem que saber o
que é melhor pra ele. Tudo é uma questão de conversa e respeito. Todos atletas devem ter a liberdade de conversar sobre isso, só não acho justo eles tomarem uma decisão sem comunicar o professor antes, como já aconteceu comigo. Tive dois alunos que receberam propostas e não pensaram duas vezes, fecharam tudo sem me comunicar e eu, particular-
“Todos atletas devem ter a liberdade de conversar sobre isso (mudança de equipe), só não acho justo eles tomarem uma decisão sem comunicar o professor antes, como já aconteceu comigo”
Márcio Rodrigues (à direita) ao lado de Lucas Hulk, hoje em dia faixa-preta da equipe Atos, e dos seus filhos, Yago e Ygor Rodrigues
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mente, só fiquei sabendo quando eles estavam prontos para viajar”, disse Márcio, contando ainda sua relação com algumas das estrelas que já treinou. “Tento sempre manter contato. Com alguns continuo mais próximo, com outros menos. O Lucas Hulk, por exemplo, toda vez que vem ao Rio de Janeiro faz questão de nos visitar. Com a Tayane Porfí-
Márcio Rodrigues
rio eu já não tenho muito contato, mas nada contra ela, só sucesso, e com o Erberth Santos são fases (risos). Já brigamos algumas vezes, tivemos nossa divergência de opinião, mas hoje estamos bem. Admiro e respeito o trabalho que eles todos estão fazendo: Lucas Hulk, Tayane, Erberth, Ana Rodrigues, Matheus Gabriel, Michael Barrabas, entre outros”. Com Rodrigo Cavaca e Fellipe Andrew, os laços são ainda mais fortes. Treinador do hoje faixa-preta desde os 18 anos, Cavaca, líder da equipe Zenith, foi quem aconselhou Andrew a mudar para a Alliance San Diego em busca de melhores oportunidades. Mas apesar da troca, a relação entre os dois segue firme. “Minha relação com o Fellipe continua excelente. Trouxe ele aqui para Santos (SP) com 18 anos de idade, ainda um garoto, ficou comigo cinco anos. Conheci ele como faixa-branca, mas na roxa que ele veio em definitivo. Penso que se eu não posso dar oportunidade para um atleta meu buscar os seus objetivos, também não posso impedir ele de crescer, seguir seus sonhos. No caso do Fellipe, ele tinha contrato comigo e foi tudo resolvido da melhor maneira possível, tanto no pessoal, como no profissional. E acho que esse é o pensamento, pois de outra maneira você se frustra, coloca muita coisa ruim na relação (entre aluno/professor) e isso não é interessante”. Na visão de Cavaca, inclusive, os contratos são o futuro da arte suave. De acordo com o casca-grossa, a ferramenta legal deve ser utilizada, sim, para res-
Cavaca (ao centro) foi o grande incentivador da ida de Andrew para a Alliance
guardar professores e lutadores. “O professor se sente prejudicado porque ele é amador, a maioria deles são amadores, eu também já fui, mas a partir do momento em que você se torna profissional, você entende que o cara é seu atleta, não sua família (que não se abandona). Se eu estou ajudando, o aluno tem que me dar algo em troca, e se não for dinheiro, vai assinar um contrato vinculado para que eu possa ganhar com ele no futuro. É só profissionalizar, o futuro do Jiu-Jitsu é esse, como no Futebol. Com o alto nível competitivo que temos, vamos ver cada vez mais contratos, assim como equipes maiores contratando atletas, equipes menores revelando, contratando
também, e por aí vai”, projetou. Para Rodrigo Feijão, professor responsável pelo Clube Feijão, em Maringá (PR), a situação é um pouco mais complicada. Na opinião do faixa-preta, que formou Alex Sodré, os irmãos Erich, Alex e Anderson Munis, entre outros nomes de destaque no cenário competitivo, o Jiu-Jitsu não pode deixar de ser visto como uma arte marcial. “Contrato... E a filosofia das artes marciais, fica onde? Se daria certo ou não, só vendo, falando agora não sei dizer. Pra mim não tem contrato, e sim promessas e melhoria da situação. Acredito que não seja possível para o professor (controlar a troca de equipes), pois isso não é de agora, sempre teve,
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porém com menor repercussão. Já os órgãos que conduzem o esporte têm maneiras de controlar, sim. Estipular prazos e regulamentos para isso, por exemplo”, opinou Feijão, que ainda garantiu não sentir mágoa dos irmãos Munis, considerados grandes promessas do esporte e que se mudaram para o projeto Dream Art, em São Paulo. “Normal (lidar com a saída dos irmãos Munis). Eles não foram os primeiros e não serão os últimos. Na minha academia só fica quem se sente à vontade, e preciso de pessoas com o mesmo pensamento para juntos buscarmos nossos objetivos. Cada um segue o seu caminho, sem ressentimentos espero, pelo menos da minha parte. Sinceramente, não me sinto traído (nessas situações). Prejudicado até pode ser que sim, pois
“Penso que se eu não posso dar oportunidade para um atleta meu buscar os seus objetivos, também não posso impedir ele de crescer, seguir seus sonhos” Rodrigo Cavaca
pensando na equipe, estamos sempre contando com os nossos campeões”, completou. Márcio Rodrigues também tem suas dúvidas em relação à questão contratual, assunto ainda pouco abordado no universo da arte suave, mas que merece o seu espaço: “É uma questão difícil, pois hoje em dia vem acontecendo muito essa troca de equipes. Sinceramente, não
sei muito como controlar essa movimentação do mercado, mas acho que o Jiu-Jitsu está se profissionalizando cada vez mais. Com tudo que vem acontecendo no esporte, acho que seria uma ideia interessante de ser estudada (contrato com multa rescisória com os atletas). Ambos iriam ganhar com isso, e o empresário também teria uma certa segurança para investir mais no atleta”.
Para Rodrigo Feijão, um ponto crucial no processo de troca de equipes é a transparência entre aluno e professor
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FIM DO ‘CREONTE’? Na opinião dos três professores, sim. E o termo criado de forma descontraída por Carlson Gracie anos e anos atrás, vai perdendo a sua força com o passar do tempo, pelo menos para aqueles buscam a evolução e profissionalização do Jiu-Jitsu. “Quem forma o ‘creonte’ é o próprio treinador, que cria o aluno de maneira errada, antiga. Eu nunca me senti traído. No começo, quando me tornei faixa-preta e era líder de equipe já, sentia mais algumas perdas, mas por inexpe-
riência. Quando você enxerga a maneira profissional de lidar com um atleta, com sua empresa, você não se sente mais traído, passa a entender que é a evolução do processo”, analisou Cavaca. Situação mais “delicada” vive Márcio Rodrigues, que é treinador dos seus dois filhos, os faixas-preta Ygor e Yago. Porém, se for necessário eles mudarem em busca de crescimento, o pai garante total apoio: “Com certeza eu iria ficar de coração partido por não ter mais eles do meu
lado, mas aceitaria e entenderia também. Como já falei algumas vezes, eles precisam ver o lado profissional, o que é o melhor para eles naquele momento. Eu fico muito feliz e realizado de ver o sucesso deles”, disse. Feijão, por sua vez, foi direto, encerrando a discussão: “É sempre uma situação delicada (a troca de equipes), pois temos que analisar o contexto num todo, mas hoje em dia não existe mais o ‘creonte’ como era antigamente”, finalizou o professor.
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