UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
MONOGRAFIA: A COBERTURA DAS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013 PELA REVISTA PIAUÍ: O TRATAMENTO DA NOTÍCIA E A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE
ADRIEL LEANDRO MESQUITA
UFMS Campo Grande 2015/2
MONOGRAFIA: A COBERTURA DAS MANIFESTAÇÕES DE JUNHO DE 2013 PELA REVISTA PIAUÍ: O TRATAMENTO DA NOTÍCIA E A CONSTRUÇÃO SOCIAL DA REALIDADE
ADRIEL LEANDRO MESQUITA
Monografia apresentada como requisito final para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Comunicação Social / Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Orientador: Profª. Drª. Márcia Gomes Marques
UFMS Campo Grande 2015/2
SUMÁRIO INTRODUÇÃO
1 - A NOTÍCIA COMO FERRAMENTA DE CONSTRUÇÃO DA REALIDADE 1.1 – A construção da notícia: aspectos estruturais
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1.1.2 – A notícia como ferramenta de construção de significados
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1.2 – A notícia na revista
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1.2.1 – A notícia na revista piauí
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1.3 – Mecanismos e critérios de produção da notícia
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2 – IDEOLOGIA E MÍDIAS
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2.1 – Ideologia: das definições
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2.2 – Ideologia: das operações
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2.2.1 – Indivíduo e Ideologia
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2.2.2 – Instituições Sociais e Ideologia
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2.3 – Mídia e Ideologia
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2.4 – As jornadas de junho
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3 – ANÁLISE DOS CORPUS
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3.1 – Descrição e classificação dos textos
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3.2 – Análise dos textos
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3.3 – Interpretação dos dados
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICES
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INTRODUÇÃO
Dentro das sociedades contemporâneas os meios de comunicação de massa se mostram como um dos fornecedores de imagens que contribuem na construção de ideias e noções da realidade (Defleur, 1993) de suas audiências. As pessoas utilizam o que recebem dos meios para construir uma imagem geral daquilo que elas concebem como sua realidade. Esses dados são fornecidos principalmente pelas produções jornalísticas, que tem como objetivos informar e inserir temas na arena do debate público. A atividade jornalística se propõe como uma dentre as várias formas de se retratar o cotidiano usando um sistema dotado de metodologias que visam garantir a qualidade da informação. Cada suporte onde se desenvolve a atividade jornalística tem suas particularidades, que demandam atenções diferentes no momento da apuração e da construção dos relatos. Na revista, suporte a qual pertence à piauí -o objeto de estudo da presente pesquisa-, a periodicidade mais longa e o espaço destinado à inserção das reportagens, permite, e também exige, que os jornalistas disponham de métodos mais atrativos para a construção dos textos, que devem ter no aprofundamento sua principal diferenciação para o jornalismo impresso diário, por exemplo. De qualquer forma, uma das premissas de qual o jornalismo parte para oferecer a sua contribuição para a descrição da realidade, independente do suporte, é a busca pela isenção ou neutralidade nos relatos. Nesse ponto questiona-se: é possível manter-se neutro diante da cobertura de um evento que tem como principal característica a complexidade de versões a serem exploradas? As jornadas de junho, ocorridas no ano de 2013 no Brasil, se constituem como um dos maiores levantes populares no país nos últimos anos e representaram um evento inédito para a cobertura jornalística, que em alguns momentos chegou a ser hostilizada pelos manifestantes. Milhares de pessoas aderiram o movimento em todo o país e os meios de comunicação, que seriam responsáveis por explicar às audiências o que 4
acontecia, encontraram dificuldades em entender de imediato as motivações e os anseios daquela parcela da população que decidiu ir às ruas e protestar. Dessa forma, o presente trabalho pretende realizar uma análise sobre como se deu a descrição das jornadas pela revista piauí nos meses de julho, agosto e setembro de 2013. Será buscado um aprofundamento teórico acerca da importância da notícia como uma ferramenta de construção de significados, em uma sociedade que se vê cada vez mais mediada pela atuação dos meios de comunicação. Ao verificarem-se as especificidades da cobertura da revista, esta pesquisa permite também a reflexão acerca da própria atividade jornalística, partindo de um exemplo aplicado, que foi a cobertura feita pela revista piauí sobre os protestos de junho de 2013. Para tanto, o estudo será apresentado por meio de uma monografia estruturada em três capítulos. No primeiro deles será feita uma análise sobre as questões relacionadas à notícia em si, não como gênero textual, mas como fato que motiva a cobertura jornalística, desde sua definição, seu tratamento diferenciado no suporte revista, seu tratamento na revista em questão e por fim, algumas considerações sobre enquadramento e teoria do gatekeeper. No segundo serão tratados aspectos relacionados à questão da ideologia presente no discurso sobre o acontecimento, visto que, segundo Hall (2003) para ser decodificado, o fato antes precisa ser codificado, ou seja, transformado em narrativa a partir de seu enquadramento em linguagem e, ao assumir esse caráter, passa por um processo de atravessamento ideológico. Por fim, neste mesmo capítulo se abordará brevemente a ocorrência das jornadas de junho, discutindo de forma geral qual o papel da mídia durante o evento. Apoiando-se nos apontamentos teóricos feitos nas seções anteriores, o terceiro e último capítulo trará a análise das matérias vinculadas na revista piauí nos meses de julho, agosto e setembro de 2013, e que tenham relação com as manifestações. Serão vistas as formas como se noticiou o ocorrido, a partir da identificação dos autores, do enfoque que foi dado ao tema, das expressões utilizadas para descrever os manifestantes, a ação do estado e para designar as jornadas em si.
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CAPÍTULO
1
–
A
NOTÍCIA
COMO
FERRAMENTA
DE
CONSTRUÇÃO DA REALIDADE
Os meios de comunicação social desempenham um importante papel no funcionamento das sociedades modernas não apenas por informar, mas principalmente pelo papel que têm de possibilitar o acesso de muitas pessoas a situações das quais elas dificilmente teriam conhecimento baseadas apenas em suas experiências diretas. Esse mecanismo permite que os meios de informação ajudem os indivíduos a construírem imagens e opiniões sobre o que há a sua volta e sobre o que há além dela. Uma das ferramentas usadas pelas mídias, em especial às empresas jornalísticas, é a notícia, o primeiro elemento a ser estudado na presente análise, que como ponto principal, pretende verificar como se deu a construção da cobertura dos protestos de julho de 2014 na revista piauí. É importante ressaltar que o emprego do termo“notícia” nesta pesquisa, diz respeito não apenas ao gênero jornalístico, mas sim aos aspectos noticiosos que envolvem os fatos e motivam a produção de reportagens, artigos e crônicas na revista piauí. Ao analisar a forma como ocorre a produção da notícia, é necessário considerar uma gama bastante ampla de elementos que interferem e caracterizam esse processo. Por isso mesmo, a primeira parte deste capítulo, será justamente de análise dos aspectos constitutivos da notícia. Serão vistos pontos que tangem desde os aspectos técnicos da produção da notícia, passando pelas questões econômicas e comerciais que interferem em seu conteúdo, até à argumentação de porquê e como as notícias são ferramentas que auxiliam as pessoas em sua construção de uma imagem da realidade social. Postas essas questões, a segunda parte do capítulo dedica-se ao aprofundamento no aspecto da forma da notícia, mas com um foco mais delimitado, que é o tratamento no suporte revista. Buscar-se-á apresentar as diferenças no tratamento dado à notícia na revista e principalmente, as inovações estilísticas que esse tipo de linguagem, considerada mais literária, permite e também exige (PENA, 2009). Em um segundo momento do capítulo, o foco das considerações será ainda mais específico, já que se verá como essas questões, colocadas na seção, se manifestam dentro da própria revista
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piauí. Para isso serão abordados aspectos diversos, indo desde a forma de construção dos textos até a relação que pode se estabelecer entre público-marca. Já a terceira e última seção do capítulo, tem por finalidade a análise de alguns dos mecanismos de controle da produção e do conteúdo das notícias. Serão vistas as teorias do agenda setting, do enquadramento e do gatekeeper, que nascem justo como uma tentativa de explicação dos fenômenos pelos quais os meios de comunicação tratam e retratam as notícias, de acordo com seus posicionamentos políticos e suas orientações econômicas. O que se buscará neste primeiro capítulo será oferecer os devidos embasamentos que permitam a posterior análise de como os textos jornalísticos vinculados na piauí, entre os meses de julho e setembro de 2013, puderam codificar os protestos ocorridos no mês de julho do mesmo ano. Todas as considerações feitas neste capítulo têm como finalidade explorar a complexidade de elementos envolvidos na produção noticiosa e também, nas questões que ditam sua forma e seu conteúdo. Como conseqüência desse percurso, espera-se que o presente capítulo possa ainda justificar a importância da notícia na dinâmica de uma sociedade que se vê cada vez mais experimentada pela mediação dos meios de comunicação.
1.1- A construção da notícia: aspectos estruturais Considerando a notícia como o primeiro elemento a ser estudado na presente análise, sugere-se o estabelecimento de uma definição desse termo, até para restringir a amplitude de seu significado e reduzi-lo ao que se irá utilizar no decorrer do presente estudo. Como se trata de um tema amplamente estudado pelos investigadores em comunicação –que estudam o jornalismo e seus desdobramentos sociais- amplas também são as definições encontradas. Medina (1988), por exemplo, ao oferecer dados sobre o desenvolvimento do jornalismo carioca, ilustra como a produção da notícia foi aperfeiçoando-se de modo a acompanhar a evolução de outros setores da indústria, até chegar-se ao estágio atual, em que um dos aspectos principais da notícia é sua atratividade enquanto produto a ser vendido.
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Antes disso, Gieber (1964), no texto “News is what newspaper men make it”, confere papel central ao jornalista na dinâmica comunicacional, ao afirmar ser este o agente responsável pelos discursos transmitidos pelas mídias às suas audiências. Em trechos posteriores deste mesmo capítulo, um contra-argumento será apresentado a essa afirmação. Por agora, cabe ressaltar que o jornalista é apenas um dos elementos implicados nesse processo, e ainda que seja importante e necessário, não tem autonomia para tomar decisões isoladas dentro desse contexto. Há também a proposta de Albertos que diz ser a notícia: um fato verdadeiro, inédito ou atual, de interesse geral, e que é comunicado a um público que pode ser considerado massivo, uma vez que foi analisado, interpretado e valorizado pelos sujeitos promotores que controlam o meio utilizado para a difusão. (1977, p.35)
Ainda que esta definição pareça ampla o suficiente por considerar os momentos de análise, interpretação e valorização dos fatos, ela se mostra deficitária no momento em que iguala “notícia” ao “fato” em si, já que para a presente análise, será interessante considerar a notícia não como fato, mas como uma dentre as inúmeras e possíveis formas de representação dele. Não se irá descartar aqui a contribuição que as definições acima trazem, até porque entre elas há um ponto de intersecção, que é o fato de considerarem a notícia como fruto de um processo social. Entretanto, tais definições, colocadas de tal forma, podem não ser suficientes para oferecer o devido embasamento teórico necessário à análise final deste estudo, que é a de explicar como funcionou a construção imagética dos protestos de junho de 2013 na revista piauí. A definição de Alsina (2009) oferece uma maior amplitude conceitual e abarca não apenas o significado, como a natureza da notícia, ao afirmar que esta é “uma representação social da realidade cotidiana, gerada institucionalmente e que se manifesta na construção de um mundo possível”. Com essa contribuição, é possível englobar três aspectos principais para a análise da natureza da notícia, sendo esses: (1) que a notícia se trata de uma representação; (2) que é fruto de questões institucionais e (3) se manifesta como uma proposta, uma possibilidade simbólica e imaginável. 8
E são estes os aspectos que funcionarão como norte da análise a ser realizada na primeira parte deste primeiro capítulo, onde serão tratados fatores como a necessidade de limitar o acontecimento na linguagem, o trabalho do jornalista e os elementos que interferem nesse processo, a amarras editoriais que podem influenciar as empresas jornalísticas e, por fim, como tudo isso culmina na notícia como instrumento de constituição de imagens da realidade. Primeiramente, é preciso esclarecer que quando um determinado fato acontece, ele precisa ter consequências ao ponto de alcançar o nível necessário para se tornar noticiável. Para isso, existe todo um caminho a ser percorrido desde o acontecimento em si, até sua divulgação. O primeiro deles diz respeito à sua codificação e sistematização, que começa pela sua adequação à linguagem. Como se verá a seguir, na tentativa de dinamizar o processo de produção da notícia, estabelecendo uma forma sistemática de construção textual, surge a estrutura do lide. Esta é uma forma bastante prática na construção do texto, que dentre outras coisas, facilita o trabalho do jornalista, principalmente, quando este dispõe de pouco tempo para a produção da notícia. E o quesito tempo será outro aspecto explorado ainda nesta seção, já que tal fator se mostra como decisivo no processo de apuração e decodificação da notícia, ditando a sua viabilidade. E seguindo a lista de aspectos estruturais que interferem e influenciam o teor conteudístico da notícia, também se verá a seguir, a questão das fontes e o papel do próprio jornalista, enquanto peça fundamental na engrenagem dessa dinâmica. E para dar início à verificação desses aspectos, sugere-se inicialmente uma análise de aspectos gerais do lide. O lide é uma estratégia que propõe a redução máxima das interferências pessoais do jornalista no texto, que como se verá no decorrer desta primeira parte, é algo pouco possível. Tal estrutura sugere que existem cinco questionamentos básicos a serem respondidos para que o leitor tenha acesso imediato às informações mais importantes. Seriam elas: (1) O quê? (2) Quem? (3) Onde? (4) Quando? (5) Como? . Por essa estrutura, as informações ditas mais importantes devem ser colocadas logo no início do texto, primeiro para que o leitor se informe antes de terminá-lo e segundo para que, se houver a necessidade de um corte, a notícia não seja completamente danificada. Entretanto, existem críticas a esse modelo que, para alguns 9
resulta em um “jornalismo encaixotado”, já que a tentativa de reduzir a presença do jornalista no texto acaba por deixá-lo desinteressante. É o que defende Vandré Abreu em artigo publicado no dia 13 de dezembro de 2011 no Observatório da Imprensa: Essas práticas só são boas porque facilitam a vida dos preguiçosos e dos editores que querem logo fazer o título da matéria, o olho, a legenda da foto e a chamada de capa. Sem ter que ler o texto inteiro, claro. E também de poder apagar os últimos parágrafos para o texto caber no espaço destinado porque, bem, teoricamente aquilo tudo é desimportante. Mas o argumento é: se fosse desimportante, nem teria sido escrito.
Ainda neste capítulo, serão abordadas as formas como o suporte revista permite a adoção de métodos mais atraentes de construção textual. Por agora vale ressaltar que, ao menos na piauí, o foco dos textos parece não estar nem na busca de respostas rápidas e objetivas (oferecidas pelo lide), nem na tentativa de apagamento do estilo do jornalista que os escreve. Como afirma Duarte (2010, p. 60): Na piauí o foco está no prazer e não necessariamente na atenção concentrada, em outras palavras, dá-se prioridade à fruição do texto sem que o leitor seja obrigado a entender cada parágrafo no sentido cartesiano do que configura o entendimento.
Outro aspecto a ser considerado no trabalho jornalístico é a questão do tempo. O dead-line, como é conhecido o prazo que os jornalistas têm para confeccionar uma notícia, varia de acordo com o suporte em que o jornalista opera. Em um jornal diário, por exemplo, esse prazo pode ser de horas, enquanto que em uma revista, pode estender-se por semanas, meses e no caso da piauí, por anos. Por fim, na tentativa de dar mais veracidade (e outorgar status) a seu trabalho, o jornalista usa as fontes. São elas que, de certa forma, indicam que se o leitor quiser, poderá conferir ele mesmo a informação, ainda que isso não garanta que o que foi dito ali seja verdadeiro. Até por isso, a escolha das fontes também é um dos elementos que diz muito sobre a postura ideológica do jornalista e do veículo onde atua, elementos a serem vistos a seguir. Dentro do processo comunicativo, mediado pelas empresas de notícia, o jornalista assume papel de grande importância e relevância. Esse profissional funciona como uma espécie de coletor. É ele quem identifica os fatos, os trata e os reinsere no campo do debate, para só assim concluir o fluxo de circulação da notícia. Justamente 10
por essa propriedade de lidar diretamente com os fatos, o jornalista acaba por ser, como afirma Alsina (2009) “um leitor privilegiado dos acontecimentos”. Ainda que esse profissional passe por um processo de formação dentro da academia, onde, ainda de acordo com Alsina (2009), aprende a “recopilar os acontecimentos e os temas importantes e dar-lhes sentido”, o jornalista não poderá livrar-se de suas subjetividades. Desde o momento da pesquisa jornalística, passando pelo de seleção de fontes e principalmente durante a redação de seu texto, esse profissional usará suas experiências pessoais para se situar e conseguir decodificar e voltar a codificar os acontecimentos. Por isso mesmo, se este profissional tiver uma visão de mundo limitada, limitada também será sua possibilidade de transformar adequadamente os fatos em notícia. Mas pela própria dinâmica de funcionamento da mídia, que a todo momento trata de legitimar-se e reforçar sua imagem de “transmissora da verdade”, o jornalista é visto dentro da sociedade, principalmente pelo receptor desatento, como um profissional que nunca mente ou raramente se equivoca. Essa situação pode ser exemplificada com a visão que muitas pessoas ainda têm de que tudo o que foi dito no telejornal pode ser tido como verdade. É importante ressaltar que o jornalista também tem suas limitações pessoais e o resultado de seu trabalho está inegavelmente relacionado a elas, como explica Berlo (1991, p. 61): A personalidade e outras características individuais [...] determinam o tratamento que se dará à mensagem. [...] Cada um de nós tem padrões distintos de codificação. Cada um de nós seleciona certos elementos de código, de conteúdo e de tratamento e rejeita outros. Cada um de nós dispõe os elementos de sua mensagem de certas formas e não de outras. Nossas habilidades comunicadoras, atitudes, conhecimentos, cultura e posição nos sistemas sociais ditam certas escolhas que fazemos.
Essas limitações, independente de sua natureza, acabam por repercutir na prática jornalística. Limitações éticas, por exemplo, podem fazer com que um determinado fato ou grupo, tenha seu discurso distorcido e sua imagem sabotada perante os demais membros da sociedade. Isso acontece pela produção e reprodução de estereótipos e preconceitos. Como coloca Alsina (2009), o uso de estereótipos e preconceitos tem duas finalidades básicas. A primeira é basicamente a economia de tempo ou espaço nos noticiários. Por exemplo, se um elemento tem sua imagem já estabelecida, poupam-se 11
explicações quando um fato noticiável que os envolva acontece. A segunda finalidade, ainda menos ética, diz que a criação de estereótipos vem para forjar e manter a soberania de um grupo sobre outro. Ressaltada a interferência das subjetividades do jornalista, conclui-se que este é um dos fatores que impedem que haja uma receita que garanta a isenção no relato dos fatos. Até mesmo a estrutura do lide, que surge para tentar diminuir essa manifestação de subjetividades, permite que sejam colocadas construções discursivas de forma tão discreta que podem passar despercebidas ao leitor desavisado. Por isso, o foco de ações pensadas para a melhoria do trabalho jornalístico não deve ser colocado somente na questão da isenção, e sim no que diz respeito ao próprio jornalista que, segundo Scalzo (2008, p.86), deve preocupar-se em desenvolver uma razoável cultura geral, uma visão de mundo livre de preconceitos e um olhar crítico sobre o próprio ofício. Mas o jornalista não é o único responsável pela construção da notícia. Dessa forma, a análise desse processo se volta agora ao nível dos meios de comunicação, mais precisamente, às empresas jornalísticas. Se, como dito anteriormente, o jornalista é quem colhe fragmentos da realidade para transformá-los em notícia, de certa forma, é o veículo quem define quais fragmentos poderão ou deverão ser colhidos. Para entender melhor esse processo, é necessário entender que o funcionamento desse tipo de empresa tem vínculos ideológicos, econômicos e políticos que nem sempre estão claros. É o que afirma McQuail (2003, p. 85), quando diz que “os jornais são também empresas comerciais onde a liberdade de produzir e de tornar acessível o seu produto principal (a informação) decorre de uma intervenção bem sucedida”. Entende-se aqui que essa intervenção bem sucedida está ligada ao aspecto comercial presente nos meios. Como jornais, revistas e canais de rádio e televisão também são empresas em busca de lucros, elas precisam convencer seus leitores e anunciantes de que são um investimento seguro. Na revista piauí a tentativa de argumentação sobre a singularidade dos conteúdos por ela oferecidos se mostra de maneira mais clara em suas campanhas publicitárias. Seu primeiro slogan “para quem tem um parafuso a mais” lançava a ideia de que seus leitores são diferenciados por serem mais inteligentes e consumirem um produto de qualidade superior.
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Trata-se de um aspecto fundamental na construção do perfil editorial dos veículos e que pode chegar a definir a natureza das notícias que serão dadas por ele. É possível essa postura acabe por selecionar como “noticiáveis” apenas aqueles temas que, de uma forma ou outra, contribuirão para a manutenção de seus lucros e/ou de sua influência. É o que afirma Mar de Fontcuberta (1993, p.53), ao explicar que: Cada medio tiene interés en dar a conocer a su público determinados hechos y opiniones para conseguir fundamentalmente dos objetivos: ganar dinero y tener la máxima influencia y difusión. En el primer caso, la empresa periodística se considera una empresa más, que pretende obtener el máximo de ganancias con la venta o la oferta del producto. Sin embargo, la mercancía que ofrecen los medios es atípica y no puede compararse a un par de zapatos o un electrodoméstico: son hechos e ideas que afectan a nuestra percepción de mundo y, en gran medida, a nuestras acciones. En ese sentido, cada medio pretenderá persuadir de que los contenidos que ofrece son los más adecuados para los intereses de la audiencia, y la mezcla de los objetivos (el económico y el ideológico) dará como más resultado la construcción del temario.
É neste momento em que surge um aspecto, de certa forma, controverso dentro da prática jornalística. O artigo segundo do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros afirma que “a produção e a divulgação da informação devem se pautar pela veracidade dos fatos e ter por finalidade o interesse público”, que “a liberdade de imprensa, direito e pressuposto do exercício do jornalismo, implica compromisso com a responsabilidade social inerente à profissão”. Entretanto, como se viu anteriormente, por estar sujeita à configuração da empresa a qual está subordinado, o conteúdo acaba por refletir a lógica comercial em que está inserido. Como afirma Charaudeau (2002, p. 59): [...] trata-se de um organismo que se define também através de uma lógica comercial: uma empresa numa economia de tipo liberal e, por conseguinte, em situação de concorrência com relação a outras empresas com a mesma finalidade. [...] sua atividade [...] torna-se suspeita porque sua finalidade atende a um interesse diferente do serviço da democracia. O imperativo de captação a obriga a recorrer à sedução, o que nem sempre atende à exigência de credibilidade que lhe cabe na função de “serviço ao cidadão” – sem mencionar que a informação, pelo fato de referir-se aos acontecimentos do espaço público político e civil, nem sempre estará isenta de posições ideológicas.
As questões ideológicas que podem interferir na produção da notícia serão objeto de estudo do segundo capítulo da presente análise. Por agora, não seria interessante focar este estudo no aspecto econômico imbricado nas atividades realizadas pelos meios de comunicação, mas destacar que as estratégias comerciais dessas empresas estão passando por significativas mudanças devido ao advento dos novos 13
meios online. As próprias manifestações de julho de 2013 – fato a ter a cobertura feita pela piauí analisada neste trabalho- podem ser citadas como um caso em que o uso desses meios foi decisivo em cenários de mobilização popular, já que grande parte dos atos foi organizada através das redes sociais. Até aqui, foram levantadas algumas das questões que interferem na produção da notícia: a necessidade de obedecer a uma estrutura textual, a atividade do jornalista e as limitações que o mercado impõe aos veículos. Viram-se algumas questões estruturais da notícia e como elas se integram ou se confrontam no momento da produção jornalística. A partir disso, pôde-se chegar à conclusão de que se trata de um sistema complexo, que mesmo envolvendo aspectos diversos- e por vezes contraditórios-, culmina em um produto informativo valioso para o processo de construção de significados dentro da dinâmica social. Explorados estes tópicos, cabe agora analisar a notícia em um novo momento do processo de comunicação. Justamente esse momento em que os indivíduos se aproveitam desses discursos e imagens fornecidos pelos meios de comunicação para construir um mapa pessoal, que os posiciona e guia suas ações dentro da sociedade.
1.1.2- A notícia como ferramenta de construção de significados Como visto nas considerações feitas anteriormente, as notícias são construídas desde uma determinada configuração social e, além disso, têm a possibilidade de servir como instrumentos de manutenção, organização e de inteligibilidade dessa mesma estrutura. Isso ocorre porque os indivíduos, ao consumirem esse tipo de conteúdo, podem aproveitar o que recebem para mapear na realidade a qual estão inseridos. Assim, a partir desses recursos de saber, eles podem criar um rol de significações para o mundo e planejar sua postura dentro da sociedade. Porém, este é um processo igualmente complexo e que merece certo aprofundamento teórico. Por isso mesmo, as considerações que serão feitas a seguir tratam justamente de como ocorre essa construção de significados. Buscar-se-á explicar como o homem, enquanto ser social, executa a tarefa de atribuir significados aos elementos que compõem o seu entorno, e como as notícias servem de ferramentas que possibilitam essa tarefa. 14
Para a presente pesquisa, essa possibilidade, de a notícia – enquanto fato noticiado, e não apenas como gênero textual – ser usada como ferramenta de construção da realidade, não só é a que mais interessa, como também, a que justifica o interesse pelo estudo do tema. Primeiramente, faz-se necessário uma tentativa de definição do que vem a ser a “realidade”, pois é nela que a notícia se constrói. Defleur (1993), descrevendo o interacionismo simbólico, afirma que já no século XVII alguns escritores sustentavam a tese de que o homem reage ao mundo, não seguindo apenas a padrões objetivos, mas sim, com base em construções pessoais, feitas em suas mentes. Por isso, para a presente análise – que se guiará por um enquadramento sociológico e não filosófico- suficiente é definir a realidade como “uma construção sócio-cultural”, sem desconsiderar a amplitude conceitual que o termo “cultura” pode abranger. Primeiramente, o indivíduo já nasce inserido em um sistema cultural que já estava em funcionamento antes de sua entrada e que se manterá funcionando, enquanto processo, após sua saída. Como afirmam Berger e Luckmann (2002): A realidade da vida cotidiana aparece já objetificada, isto é, constituída por uma ordem de objetos que foram designados como objetos antes de minha entrada na cena. A linguagem usada na vida cotidiana fornece-me continuamente as necessárias objetivações e determina a ordem em que estas adquirem sentido e na qual a vida cotidiana ganhará sentido para mim.
Seguindo a ordem desse processo de significação, um momento bastante importante para o indivíduo é aquele em que ele dá início à construção de sua identidade. Ainda segundo Berger e Luckmann (2002), a identidade encontra-se em relação dialética com a sociedade, por ser formada somente a partir de processos sociais. Mas como estas estão ligadas e sujeitas a experiências mais particulares, tanto pela posição que o indivíduo ocupa quanto por sua própria consciência individual, o que ocorre é um processo de modificação, remodelação ou até mesmo manutenção dessa ordem. Tudo de forma bastante contínua. A influência do entorno social é tão significativa para o indivíduo que até para concluir-se que ele é dotado de uma natureza singular, é preciso guiar-se por parâmetros de comparação entre os demais membros dessa mesma sociedade. Em outras palavras, seria dizer que a sociabilidade é um aspecto intrínseco à própria natureza do ser humano, é o que o caracteriza como ser social. 15
Dentro de um mesmo entorno social, é provável que alguns discursos sejam compartilhados entre os indivíduos que o integram. Após contínuas repetições, esses discursos podem vir a ser legitimados e, a partir de então, passam a formar parte da lista de elementos considerados “verdadeiros” ou “reais” para essa sociedade. Esses valores compartilhados, tidos como “verdades”, nem sempre nascem sob bases de uma razão prática. Não por isso deixam de ter sua validade, já que são capazes de dar pistas sobre qual o pensamento predominante dentro desse grupo e também o que poderia ser visto como um desvio ou anomalia. Essa seria uma manifestação da relação dialética existente entre indivíduo-meio, pois indica o mecanismo pelo qual um interfere na formação e constituição do outro. Como afirma Manheim (2004, p. 55): Pertenecemos a un grupo no sólo porque nacimos en él o porque confesamos formar parte de él, ni porque protestamos serle fieles y acatar sus mandamientos, sino principalmente porque vemos el mundo y ciertas cosas del mundo en la misma forma que éste los ve (esto es, con el sentido que el grupo les presta). Cualquier concepto, cualquier significado concreto, contiene la cristalización de las experiencia de cierto grupo.
Mas como dito anteriormente, para a construção de uma imagem da realidade social, o indivíduo também conta com suas reflexões pessoais, o que resulta em uma multiplicidade de visões até dentro de um mesmo entorno. Analisando-se estruturas sociais diferentes, seria possível perceber uma distinção ainda mais marcante, na construção de discursos, valores e crenças.
Sobre essa multiplicidade de visões e
perspectivas, Manheim (2004, p. 306) afirma: Se conoce el mundo desde muchos aspectos, porque existen muchas tendencias del pensamiento, simultáneas y contradictorias (de valor a todas luces desigual), que luchan entre ellas, con sus diferentes interpretaciones de la experiencia “común”. La clave de este conflicto no se hallará, pues, en el “objeto en sí” (si así fuera, sería imposible comprender por qué el mismo objeto asume tantos aspectos diferentes), sino en las esperanzas, propósitos e impulsos que surgen de la experiencia.
Para localizar-se nessa multiplicidade de significações e conseguir mover-se a partir delas, o indivíduo também pode receber o apoio de instituições sociais que lhe oferecerão, dentre outras coisas, discursos já estabelecidos, mas nem por isso imutáveis. Essas instituições seriam escola, igreja, sindicatos e também a mídia, instituição que interessa no presente estudo. 16
Para justificar como os discursos oferecidos pelo Jornalismo podem ser usados como ferramentas de criações de imagem da realidade, citam-se os quatro elementos principais que Defleur (1993) destaca ao resumir o modelo de interacionismo simbólico, útil, dentre outras coisas, na interpretação da ordem social a partir da análise das relações entre mídia e sociedade, um dos objetivos deste estudo. Primeiramente, o autor coloca que (1) a sociedade pode ser encarada como um conjunto de significados. É dizer que (2) a realidade social é entendida como construção de significados, (3) até mesmos os vínculos que unem as pessoas, as ideias que elas fazem umas das outras e suas crenças acerca de si mesmas são construções pessoais e coletivas de discurso. Tudo isso acaba por (4) interferir na conduta do indivíduo, já que suas ações são orientadas pelos –e de acordo com os- significados que ele cria e associa a cada situação. E a partir daqui que surge a necessidade de se estudar como os acontecimentos são tratados pelo Jornalismo, principalmente na contemporaneidade, onde a realidade é cada vez mais experimentada com a interferência e mediação dos meios de comunicação. São eles que oferecem interpretações da realidade e explicações que, em alguns casos, o indivíduo não teria acesso somente com base em sua realidade cotidiana. É o que afirma o Defleur (1993. P 54.), quando diz que a mídia: [...] contribui em suas descrições e relatos com interpretações da realidade que suas audiências internalizam. As pessoas podem criar construções de significado subjetivas e compartilhadas, para as realidades físicas e sociais nas quais vivem pelo que leem, escutam ou veem. Portanto, seu comportamento pessoal e social podem ser em parte modelados por interpretações dadas pela mídia a acontecimentos e temas em debate acerca dos quais as pessoas dispõem de poucas fontes de informação alternativas.
Com qualquer meio e qualquer suporte, o consumidor da notícia tem a possibilidade de transportar-se ao local do acontecimento e reproduzindo as imagens narradas pelo recurso textual, experimentar uma visão do fato. Em alguns casos, essa visão pode ser mais completa que a de alguém que participou efetivamente do acontecimento. Para explicar essa possibilidade, sugere-se o seguinte exemplo: uma pessoa está voltando para casa em um ônibus que se choca com outro veículo. O acidente é de pequena proporção e essa pessoa não sofre nenhum ferimento, por isso mesmo, sai do 17
ônibus e encontra outra forma de concluir seu trajeto. Ao chegar em casa, comenta com seus familiares o ocorrido, mas não tem muitas informações além daquelas relacionadas ao horário, ao local do acidente e à reação dos envolvidos. Já uma pessoa qualquer, que compre o jornal do dia seguinte, poderá encontrar, além dessas informações básicas, alguns dados mais específicos, como a velocidade em que estavam os veículos e até mesmo o número de suas placas. O mesmo acontece com alguém que assiste a uma partida de futebol em casa. Essa pessoa tem a chance de ver e rever lances até mesmo em câmera lenta, enquanto que um torcedor que acompanha o jogo do estádio, a qualquer descuido, pode perder uma jogada importante. Entretanto, essa possibilidade de experimentar outras realidades através dos meios de comunicação também pode não ser tão segura. No momento em que o indivíduo atribui muita confiança a esses meios, ele pode tornar-se mais vulnerável a suas influências, principalmente se, partindo de uma postura ingênua, acreditar em tudo o que é dito ali. E até mesmo a notícia é uma construção social. Para entendê-la como construção e não como simples fenômeno de percepção, é preciso distingui-la do acontecimento. Como afirma Alsina (2009), “o acontecimento é um fenômeno de percepção do sistema, enquanto que a notícia é um fenômeno de geração do sistema”. Ou seja, a notícia só é gerada após um acontecimento ser percebido pelo sistema. Só se torna notícia aquilo que causa alguma repercussão no funcionamento da ordem social estabelecida. Até mesmo as notícias que tratam do “não acontecimento” se pautam em anomalias ou deficiências na engrenagem do que é considerado “normal” dentro de uma determinada sociedade. Até aqui se ofereceu uma reflexão sobre o complexo sistema da produção noticiosa, além de como ela contribui para o indivíduo criar imagens de seu entorno. Já na seção seguinte deste mesmo capítulo, o aspecto da notícia que será visto com maior detalhamento, será seu tratamento em um suporte específico, no caso a revista e depois, focando mais ainda a análise, se verá como ocorre esta construção dentro da revista piauí.
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1.2 A notícia na revista Como visto na seção anterior, o ser humano busca sistematizar o mundo em que vive, fazendo uma espécie de mapeamento de todos os elementos que compõem o seu entorno e criando um esquema imaginário de tudo que o cerca. O Jornalismo também fez parte deste processo. O estabelecimento e a separação dos gêneros jornalísticos surgem dessa mesma necessidade de sistematização e ocorrem com base em determinados parâmetros que acabam por definir os tipos de jornalismo, permitindo que sejam elaboradas teorias a fim de melhorá-lo em seus diversos aspectos. Um desses tipos de jornalismo, ou de suporte para o desenvolvimento da atividade jornalística –e que interessa no presente estudo- é o jornalismo de revista. Esse suporte surge como um híbrido entre a superficialidade do jornal diário e o aprofundamento informativo do livro e, como qualquer suporte, possui características que ditam e definem seu perfil. Goulart1 estabelece o porquê de se estudar o jornalismo de revista como um tipo diferente de jornalismo. Segundo ele, aspectos como independência, honestidade e credibilidade serão os mesmos, as diferenças estariam primeiramente na linguagem, no planejamento visual e na recepção. A linguagem é colocada como um dos principais pontos de diferença, pois é com base nela que se determina não apenas como será o tratamento dado à notícia, mas também outros aspectos como a periodicidade da produção e até mesmo o perfil dos leitores que buscam satisfazer suas necessidades de informação e entretenimento nesse tipo de veículo. Ao tratar do jornalismo de revista, Vilas Boas (1996, p. 15) afirma que para escrever neste suporte são necessários técnica, inspiração e criatividade, por isso, não existem fórmulas rigorosamente definidas para a produção da notícia, como no caso do lide no jornalismo informativo diário. Dentro do leque de gêneros possíveis dentro do suporte revista, o autor destaca a importância da reportagem. O autor coloca que a reportagem é a alma da revista e seu uso faz com que o texto assuma o papel de uma grande história. História que poderia ser contada de forma mais ampla e aprofundada na revista 1
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O uso da reportagem na revista traria ainda um novo redimensionamento do fato, mudando seu status de simples notícia e transformando-o em acontecimento. Como afirma Vilas Boas (1996, p. 43): Toda reportagem é notícia, mas nem toda notícia é reportagem. A notícia muda de caráter quando demanda uma reportagem. A reportagem mostra como e porque uma determinada notícia entrou para a história. Desdobra-se, pormenoriza e dá amplo relato aos fatos principais e também aos fatos subjacentes da notícia. Quando a notícia salta de uma simples nota para uma reportagem, é preciso ir além, detalhar, questionar causas e efeitos, interpretar, causar impacto.
Se por um lado o tipo de estrutura desse suporte permite que o maior emprego de reportagens, por permitir mais tempo de apuração e dispor de mais espaço para a publicação, por outro, exige que sejam usados métodos de construção mais atraentes e alternativos. Essa propriedade faz com que o jornalismo de revista seja frequentemente associado ao jornalismo literário. Por isso, para dar início à presente seção deste capítulo, propõe-se a contribuição teórica oferecida pela análise de Felipe Pena (2009) na obra “Jornalismo Literário”, onde o autor estabelece sete diferenças básicas desse tipo de jornalismo, tomando como base o jornalismo diário, e indicando essas características como “sete pontas de uma estrela”. Após tratadas essas particularidades, será mais fácil o entendimento das demais características do jornalismo de revista, já que muitas delas resultam dos pontos que tangem o tratamento dado à notícia. É importante destacar que existem outras formas de redação dentro do jornalismo de revista, mas aqui optou-se pela análise do jornalismo literário, por ser esse o tipo de linguagem empregada no veículo a ser estudado posteriormente ainda nesta seção, no caso, a revista piauí. Após a análise e o estabelecimento desses aspectos, o final desta seção será destinado a averiguar como todos esses elementos se juntam na caracterização do perfil desta revista. Voltando a tratar das definições de Felipe Pena (2009), o primeiro aspecto colocado por ele se relaciona à capacidade do jornalismo literário de potencializar os recursos do jornalismo “comum”. Diferentemente do que se pode pensar, o jornalismo literário não descarta parâmetros que guiam também o trabalho no jornalismo diário, tais como atualidade, novidade e sistematização na coleta de informações. Pelo contrário, ele os assume de maneira a permitir que sejam criadas novas estratégias de abordagem e tratamento da notícia. Tudo, supostamente, sem ferir os princípios éticos 20
do jornalismo e mantendo o rigor com a apuração dos fatos e a devida clareza na transmissão desses. A segunda característica trata da possibilidade do rompimento com os limites do acontecimento cotidiano. Até mesmo pelo tempo que a produção do texto de caráter literário exige, e também pela própria periodicidade do suporte revista (geralmente semanal, quinzenal ou mensal) o jornalista tem condições de deixar de lado duas características básicas do jornalismo contemporâneo e comercial, a instantaneidade e a atualidade. E como tem mais tempo destinado à produção da notícia, o jornalista deve ultrapassar tais limites e oferecer uma visão mais ampliada do acontecimento. Tal necessidade é a terceira característica colocada por Pena (2009). Como estudado na seção anterior deste capítulo, qualquer abordagem noticiosa será apenas um recorte limitado da realidade. Dessa forma, o jornalismo literário surge como uma possibilidade de tentar amenizar essa limitação, já que permite certo grau de liberdade criativa, o que em contra partida, exige do jornalista uma produção mais rica, mais aprofundada. A quarta ponta da estrela de Pena (2009) surge como um chamado de exercício à cidadania. O autor coloca que esse conceito, o de exercício à cidadania, está tão gasto na prática jornalística cotidiana, que parece ter sido esquecido. Para ele, no momento da escolha de uma pauta, o jornalista precisa pensar em uma forma de abordagem que contribua para a formação do cidadão e que seja, além disso, uma tentativa de promover o bem comum para a sociedade. O rompimento com as limitações do lide aparece como a quinta característica do jornalismo literário proposta por Pena (2009). Como dito na seção anterior, a proposta do lide, de tentar diminuir as subjetividades do jornalista na redação do texto parece não ter funcionado, deixando apenas um jornalismo de pouco aprofundamento. Dessa forma, como o jornalismo literário possibilita o emprego de técnicas alternativas na construção dos textos, os conteúdos que são produzidos seguindo esse estilo de redação podem (e de certa forma, precisam) ser mais atrativos que um simples parágrafo que responda o “quem? onde? quando?”. Como sugere a segunda “ponta da estrela” de Pena (2009), o jornalista literário tem a possibilidade e o dever de oferecer uma abordagem mais completa, e para tanto, é necessário que as fontes utilizadas para dar embasamento ao seu texto também não 21
sejam as mesmas de sempre. Aqui surge a sexta característica do jornalismo literário, que é a de evitar os “entrevistados de plantão” (PENA, 2009). Se o jornalismo literário busca o maior aprofundamento e não o furo, é necessário que as fontes sejam diversificadas. Não se trata apenas de ouvir dois lados, seria preciso ouvir a maior quantidade de lados possíveis. O sétimo e último aspecto proposto por Pena (2009) diz respeito à validade do texto literário. Como esse tipo de conteúdo precisa ser mais completo e não se restringir a um informe superficial, ele tem condições de durar nas mãos do leitor. Se no jornal diário as notícias têm prazo de validade, no jornalismo literário elas devem ser construídas de forma que permaneçam atuais por um tempo maior em comparação jornalismo diário. Analisadas tais características do jornalismo literário é possível definir quais são os demais aspectos distintivos do jornalismo de revista, visto que ambos possuem similitudes a ponto de serem considerados equivalentes. Isso ocorre porque, como dito no trecho introdutório desta seção, o tratamento da notícia na revista é tão decisivo que influencia também outros aspectos do perfil desse suporte, como o público leitor e a periodicidade. Elementos que serão tratados nos parágrafos a seguir. Ao se tratar do público da revista, é necessário esclarecer que este é um grupo de leitores que não busca apenas notícia, mas também entretenimento. Nesse suporte, ele encontra uma mescla desses dois elementos, posto que esta é uma de suas principais particularidades. Como afirma Scalzo (2008, p.76): Diferente do leitor de jornal, o leitor de revista espera, além de receber a informação, recebê-la de forma prazerosa. Ele quer a informação correta, simples e clara – seja o exercício para o abdômen, a receita do bolo, a nota política, o roteiro de viagem -, mas quer também um texto que não seja seco, como um mero aperto de mão. Resumindo: costumo dizer que, em revista, bom texto é o que deixa o leitor feliz, além de suprir suas necessidades de informação, cultura e entretenimento.
Tratando ainda da relação revista-leitor, para que as revistas se mantenham como negócios rentáveis, esses veículos buscam atender não só o interesse público, como o interesse de seu público. Ao não se restingirem a apenas dar informações, nos
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conteúdos publicados pelas revistas, o caráter de entretenimento pode se sobressair ao noticioso. A respeito dessa problemática, Goulart2 revela que: [...] aqui reside um grande conflito, porque a revista não parte apenas do interesse público para decidir o que vai ser notícia, mas parte do interesse do público. Esse é um nó jornalístico, porque a chance de se invadir aquilo que é de caráter privado é grande. Temos muitos exemplos de revistas que publicam fofocas, boatos – especialmente sobre política e celebridades. Ou ainda páginas e páginas sobre pseudo-eventos que não são jornalísticos.
E como revistas também são marcas e o consumo serve para marcar diferenças sociais (FEATHERSTONE, 1995), há também a possibilidade de o leitor criar vínculos afetivos com as revistas, em deixar claro –ou esconder- o fato de ler ou ser assinante de determinadas marcas. Para exemplificar essa colocação, basta apenas comparar o posicionamento político atribuído a um leitor de uma revista como a veja com o de um leitor da própria piauí. Ou ainda, o perfil atribuído aos leitores da Superinteressante com os da Exame. Não que um mesmo leitor não possa consumir diferentes tipos de revista, mas estima-se que ele não tenha necessidades de informação que possam ser atendidas por veículos com perfis tão diferentes. Isso se deve ao fato de as revistas serem um suporte altamente focado e que por isso, precisam definir o público que possuem para acertar nos temas e na abordagem destes. Esse é outro diferencial que tem implicação direta no seu relacionamento com o leitor, já que define a forma como acontece essa interação. Até por isso é comum algumas revistas tratarem seu público por “você”, como uma estratégia para atraí-lo. E é nessa interação que surge mais um ponto onde a revista precisa buscar um meio termo, já que não pode “falar com todo mundo” como faz a TV, nem individualizar demais seu leitor, como ocorre com os meios on-line, por exemplo. Segundo Duarte (2010, p. 72): A revista, de forma geral, não é um produto que assalta o cotidiano, que chega sem pedir licença, como na televisão em que o sujeito é de repente tragado por um programa que ele nunca viu, ou quando num site é direcionado a outro link e uma janela se abre de forma instantânea na tela do computador. A revista exige uma escolha pessoal. E por esse motivo, carrega um peso importante na composição das identidades.
Outro aspecto que interfere na dinâmica do jornalismo de revista e que foi tratado superficialmente no trecho em que se tratou do jornalismo literário, é a sua 2
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periodicidade. Como foi colocado, diferente de outros meios que prezam pela instantaneidade, as revistas geralmente semanais, quinzenais ou mensais, acabam se distanciando do acontecimento no quesito tempo e, por isso, devem buscar no aprofundamento e na cobertura mais ampliada o seu diferencial. A afirmação de Gabriel García Marques “a melhor notícia nem sempre é a que se dá primeiro, mas muitas vezes a que se dá melhor”3 parece ilustrar uns dos princípios que distinguem o jornalismo de revista dos demais.Como afirma Scalzo (2008), “não dá para imaginar uma revista semanal de informações que se limita a apresentar para o leitor, no domingo um mero resumo do que ele já viu na semana”. Por isso, a revista precisa buscar alternativas para se manter atrativa e competitiva no mercado, oferecendo informações sobre os mesmos fatos já noticiados, só que de forma mais completa, com novas versões e utilizando métodos mais atrativos, como a própria construção literária ou mesmo perfis, infográficos, etc. É devido a esse tipo de tratamento dado aos fatos que as revistas podem “durar mais nas mãos do leitor”. Como afirma Scalzo (2008, p. 13): Nas revistas sempre se soube que a “quentura” não é o mais importante [...], até por causa de sua periodicidade- que varia entre semanal, quinzenal e mensal - elas cobrem funções culturais mais complexas que a simples transmissão de notícias. Entretêm, trazem análise, reflexão, concentração e experiência de leitura.
E como se veem obrigadas a manter-se sempre em sintonia com seus públicos, as revistas podem revelar diversos aspectos sobre as sociedades em que estão inseridas. Daí surge a relevância de se analisar a forma como as notícias constroem seus conteúdos, já que como afirma Ali (2009, p. 306): Revistas são consideradas história viva. A maioria dos registros visuais que o mundo tem dos séculos 19 e 20 vêm de suas páginas, primeiro em forma de ilustração, depois com a fotografia. Revistas refletem a sociedade do seu tempo – as mudanças políticas, econômicas, sociais, os novos comportamentos e as inovações. Não se pode imaginar o desenvolvimento dos séculos 19 e 20 sem a participação das publicações periódicas – os jornais e as revistas.
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Até aqui, esclareceu-se os aspectos essenciais que constituem o suporte revista, desde sua linguagem literária, a relação com o público e as implicações que acompanham a periodicidade mais larga. Dessa forma, entende-se que já foram explanados os pontos necessários para a posterior análise dessas mesmas questões com o foco mais definido, o veículo a ser estudado neste trabalho, que é a revista piauí.
1.2.1- A notícia na revista piauí Antes de dar início a apresentação da revista, é relevante notar que atualmente, com relação a critérios tais como perfil do público leitor, especificidades físicas e principalmente a forma de abordagem das notícias, não há nenhuma outra publicação similar em circulação no Brasil. O próprio surgimento da revista ocorre pela tentativa de um novo tratamento desses aspectos. A piauí nasceu após seu idealizador, o documentarista João Moreira Salles, sentir a necessidade de uma proposta de revista que tivesse um perfil diferenciado em comparação com às demais revistas em circulação no país, como explica Oliveira Silva4 (2009): João Moreira Salles ia às bancas e não encontrava revistas que quisesse ler. Não que não houvesse bons jornais e boas revistas, mas todos eram muito parecidos. Não existia nada que fugisse aos padrões de boa parte da imprensa: redução de texto, aumento das imagens, culto às celebridades. João Moreira Salles queria ler sobre assuntos que não estivessem no radar da imprensa. A revista piauí foi feita pela sua vontade, e a de sua equipe, de lêla.
Assim, chegava às bancas em outubro de 2006 a primeira edição da revista piauí. A impressão é feita em papel pólen, um tipo de papel mais grosso que por ser fosco, acaba reduzindo o brilho da página e facilitando a leitura. As medidas de 27x34cm conferem um tamanho que revela não tratar-se de uma revista para ser carregada e lida em qualquer lugar. As capas não trazem fotos, apenas ilustrações artísticas com os títulos e chamadas das principais matérias. Essas ilustrações, feitas por artistas convidados, geralmente não estabelecem relação com nenhuma das chamadas da capa, possibilitando uma ampliação dos níveis de leitura e interpretação.
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Artigo disponível em: http://www2.metodista.br/unesco/1_Regiocom/arquivos/trabalhos/REGIOCOM%2029%20%20A%20Revista%20Piau%C3%AD%20na%20contram%C3%A3o%20da%20p%C3%B3smodernidade%20-%20Francilene%20de%20Oliveira%20Silva-Regiocom.pdf Acessado em mai-2015
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Com relação à produção do conteúdo, não existem editorias fixas e apenas algumas seções estão em todas as edições. Nos números a serem analisados neste trabalho, por exemplo, apenas as editorias Chegada, Esquina, Diário da Dilma e Despedida apareceram nas três edições. Com relação à diagramação, as ilustrações, os desenhos e os traços artísticos aliviam o “peso” das páginas carregadas de textos, dando equilíbrio e diminuindo a sisudez das grandes reportagens. Na seção Esquina, onde são publicados em media seis reportagens com temas variados, como a história de um engenheiro que se especializou na produção de próteses para cães5, encontram-se também, e em todas edições, ilustrações do artista Andrés Sandoval, que na maioria das vezes estabelecem relação com os textos da página. Mas todos esses detalhes, apesar de importantes na constituição da identidade visual da piauí, não são os únicos responsáveis pela sua caracterização enquanto veículo diferenciado. A diferença mais relevante da piauí está em seu texto. A linguagem literária geralmente é narrativa descritiva, um tipo de texto que não apenas apresenta o fato ao leitor, mas também o insere e o contextualiza na notícia. Os dados não são apresentados aleatoriamente. Percebe-se a preocupação de fornecê-los de modo que todos os pontos se interliguem, se relacionem. As narrativas também tendem a personificar as matérias através dos perfis, permitindo um aprofundamento nos temas. Também é possível perceber em alguns textos da piauí certo desprendimento com relação a aspectos considerados indispensáveis para as formas tradicionais de Jornalismo. O mais marcante deles seria o compromisso com o real. Como afirma Duarte (2010, p. 53): Um jornalismo que não é visto somente enquanto representação da realidade, mas que por vezes intervém, cria e reconstrói, reconfigurando o simbólico da realidade, talvez porque a veja como ficção, como construção. A predominância de gravuras nas capas e nas páginas internas reitera o caráter fabulador de uma publicação que muito se permite, possibilitando ao leitor recriar, fabular seu imaginário. Cometer barbarismos linguageiros, publicar notícias inverossímeis, noticiar publicações que brincam com a ficção e não se propõem a estabelecer com clareza a distinção entre realidade e ficção, embaralhando suas fronteiras, alargando-as.
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Reportagem de Consuelo Dieguez, publicada na edição 84/Setembro de 2013.
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Outra forma pela qual a piauí demonstra despreocupação com a formalidade típica de revistas tradicionais, é na relação que estabelece com seus leitores na seção de cartas. Algumas das cartas publicadas são acompanhadas por uma nota da redação que funciona como uma resposta à crítica ou ao elogio enviado pelo leitor. Na edição 84 de setembro de 2013, o leitor Henrique Perazzi de Aquino escreveu: A capa da última edição de piauí_83, agosto, é polêmica por natureza. Numa terra onde um simples selinho do jogador Sheik assusta, imaginem um beijaço exposto numa banca de jornal o mês todo. Foi o que aconteceu numa delas, aqui em Bauru, onde encontei a capa da revista ao contrário. Perguntei o motivo ao jornaleiro e ele disse: “Não aguento ver esse beijo. Ele me incomoda”. Não ousei explicar-lhe quem era Snowden, Putin, nem a banda russa Pussy Riot. Eu mesmo, ao ler a revista numa fila de banco, me vi sendo observado de maneira estranha. Portanto, por favor, sejam mais recatados. Ofereçam ao menos uma burca aos leitores e jornaleiros.
A resposta dada pela revista através da nota da redação foi: Cientes de nosso compromisso com os bons modos, optamos este mês por uma capa inocente e primaveril. Informe ao seu jornaleiro que ela foi impressa em tinta perfumada.
E se a atual tendência nos meios de comunicação é a diminuição do tamanho (seja espaço nos impressos ou tempo nos eletrônicos) e o aumento da instantaneidade na transmissão da notícia, a piauí segue um caminho contrário. Seus textos são geralmente longos, podendo chegar a até sete páginas. Para João Moreira Salles (2007), ao contrário do que se pode pensar, a revista não tem textos longos, eles apenas possuem o tamanho necessário para que as histórias sejam bem contadas. E para que suas matérias sejam bem escritas, ou nas palavras de Moreira Salles, “para que as histórias sejam bem contadas”, é necessário tempo, investimento e principalmente a iniciativa dos jornalistas na produção desses conteúdos. E nesses aspectos a piauí também apresenta suas particularidades. Em entrevista a Lilia Diniz, para o Observatório de Imprensa, João Moreira Salles afirmou que na revista não há reunião de pauta. Segundo ele, os repórteres apresentam suas ideias diretamente ao editor, atualmente Mario Sergio Conti. Também não há a pressão do dead-line. Na piauí há matérias que levam meses e até anos para serem apuradas e escritas. O próprio mídia-kit 6da revista revela que não há pressa na apuração: 6
Disponível em: http://revistapiaui.estadao.com.br/assets/media/geral/apresentao_revista_piau_2014.pdf
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Gostamos de imaginar que somos uma revista serena, que dá tempo a seus jornalistas para que trabalhem, e que isso não é sinônimo de lentidão, mas de apuro. Talvez tenhamos sido influenciados pelas nossas leituras de criança, quando aprendemos que nem sempre a lebre vence a corrida.
E os custos desse tipo de trabalho podem ser altos. Como dito anteriormente, uma das características dos textos são as descrições minuciosas dos personagens, que para serem realizadas, exigem que os repórteres acompanhem as fontes por longos períodos e em alguns casos, em viagens internacionais. Para que esses gastos sejam diluídos é necessário o investimento de anunciantes. Na piauí eles são atraídos com os argumentos de que a leitura mais detida dá mais visibilidade aos anúncios e que o tamanho faz com que ela leve quase um mês para ser toda lida. Como explica Duarte (2010, p. 69): Há de se ressaltar que as matérias, notícias, reportagens, ensaios presentes na piauí não se estruturam a partir de uma lógica utilitarista e hegemônica de divulgação e consumo da informação sem prazer, sem reflexão. Na sociedade da pressa e da repetição em larga escala, na aceleração do tempo, na velocidade do cotidiano, em que tudo passa a ser volátil, propõe um momento de pausa para o simples fruir do prazer da leitura, da contemplação, do envolvimento no texto, na história contada sem pressa, com ambientação, em que o imaginário do sujeito-leitor possa integrar-se ao sujeitonarrador.
Outro argumento apresentado no mídia-kit e também um importante diferencial da revista, está no perfil de seu público leitor. A revista faz questão de destacar que “nenhum outro veículo possui em seu público um número tão grande de formadores de opinião”. Cerca de 90% de seus leitores são das classes A-B, destes, 75% possuem ensino superior completo. Para Oliveira Silva (2009) isso se explica pelo fato de existirem dois tipos de leitores da piauí: Primeiro, os célebres formadores de opinião: executivos, artistas, intelectuais, empresários, jornalistas e publicitários, todos atraídos pela abordagem que a revista faz de figuras da política, do empresariado, do esporte, entre outros. O outro contingente de leitores é formado pelos estudantes e professores universitários. A revista está entre as mais vendidas nas bancas próximas às grandes universidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Campinas e Recife.
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A revista também apresenta como diferencial o fato de 45% de seu público ser composto pela faixa etária de 18-34 anos, grupo que supostamente têm na internet e nos meios eletrônicos suas principais fontes de entretenimento e informação. Com os dados até aqui oferecidos, espera-se haver construído as devidas bases para as considerações e a análise principal a ser realizada nos capítulos posteriores desta pesquisa. Foram esclarecidas as principais particularidades da revista, como seu público e a atenção que é dada à redação de seus textos.Tais aspectos não apenas revelam a singularidade da piauí perante as demais revistas brasileiras, como também explicam o interesse da análise principal deste trabalho, já que saber como foi a construção feita por esse veículo sobre um fenômeno de inquestionável importância no cenário históricopolítico-social do país é um dos principais motes do presente estudo.
1.3- Mecanismos e critérios de produção da notícia Como dito nas sessões iniciais deste capítulo, a atividade jornalística tem como uma de suas finalidades a inserção de temas na arena do debate público. Uma das formas de se chegar a esse resultado é a divulgação de notícias, que como se viu anteriormente, fazem parte de um complexo conjunto estrutural e técnico de produção. Cientes das possibilidades que o controle desse tipo de produção pode ter em uma sociedade cada vez mais midiatizada, os agentes responsáveis por esse setor da indústria passaram a adotar alguns mecanismos com o objetivo de moldar os acontecimentos de acordo com seus interesses, sejam eles econômicos, políticos ou ideológicos. Dessa forma, a última sessão do presente capítulo abordará algumas teorias que explicam tais estratégias usadas por esses agentes para não apenas informar e entreter, como também para fornecer imagens da realidade. A agenda-setting, o enquadramento, o gatekeeper são algumas teorias do Jornalismo que tentam explicar o funcionamento desses mecanismos que, ademais de retratar os fatos, podem chegar a criar, redefinir e em alguns casos até direcionar a interpretação de seus receptores.
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Esse tipo de influência pode interferir até mesmo na relevância que é dada a determinados temas que são colocados, destacados ou ignorados pelos meios na arena do debate público. Tal fenômeno ficou conhecido no campo dos estudos das Ciências Sociais como agendamento. As primeiras considerações relacionadas à teoria do agendamento ou agendasetting surgiram a partir de estudos que buscavam compreender a influência dos meios de comunicação sobre suas audiências, no que diz respeito ao grau de importância que esta atribuía aos assuntos por eles tratados. A metodologia dessa análise se baseava na comparação entre os conteúdos vinculados pelos meios e as respostas dadas pelos leitores/telespectadores a enquetes que lhes questionavam quais eram os assuntos mais importantes naquele dado momento. A partir dessa comparação foi possível concluir a existência de certo grau de consonância entre ambas as agendas, ou seja, a agenda dos meios e a agenda do público. Para Shaw (apud. Wolf, 2010, p. 145) seria uma espécie de empréstimo que os meios fazem ao público daquilo “que é necessário ter uma opinião e discutir”. No que tange à construção e à influência de uma agenda sobre a outra, a teoria também explica que a repetição é a técnica mais efetiva para a prolongação de um assunto no campo de debate, fazendo que ele se mova da agenda dos meios e se estabeleça também na agenda do público. Não é difícil visualizar esse fenômeno. São inúmeros os casos de acontecimentos que recebem um exaustivo tratamento dos meios de comunicação, até tornarem-se reconhecidamente importantes. Nas três edições da revista piauí que serão utilizadas na presente pesquisa, percebe-se a repetição do tema “revoltas populares”, por exemplo. Na edição 82 (julho de 2013), as sete reportagens da seção Esquina tem como temática as revoltas de junho no Brasil. Na edição 83 (agosto de 2013) o texto A democracia na Praça7 traça um panorama da situação política espanhola dois anos após as revoltas que ficaram conhecidas como Movimento 15 de maio (15-M). E na edição 84 (setembro 2013), a jornalista argentina Josefina Licitra, na reportagem O verão Chileno, explica como estudantes que lideraram as manifestações em 2012 tentavam disputar cargos políticos nas eleições do ano seguinte.
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Texto de Germán Labrador Méndez traduzido por Sérgio Molina e Rubia Goldoni
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Assim se constitui o primeiro nível de estabelecimento da agenda, que para, McCombs (2004), é a apresentação de um tema nos meios. De certa forma, é quando eles dizem às pessoas em que elas devem pensar. Essa consideração pode parecer extrema, mas se confirma quando analisado o caso inverso, ou seja, o da omissão na cobertura de alguns assuntos. Ainda que esse cenário esteja em processo de mudança principalmente pelo advento dos novos meios de comunicação on line– até pouco tempo, temas que não eram abordados pelos grandes veículos ficavam de fora do repertório de uma parcela considerável da população. E com base nessa espécie de relação de dependência que algumas pessoas se permitem ter em relação aos meios, é que a teoria do agendamento se baseia para afirmar que, de certo modo, eles têm o papel e, consequentemente, a responsabilidade de educar seu público. Como afirma McCombs (2004, p. 98) Pero las personas sí que aprenden de los medios de difusión. Aprenden una gran variedad de hechos e incorporan mucho de ellos a sus imágenes y actitudes respecto a toda una diversidad de objetos. Se enteran también de cuáles son los temas más importantes del momento, incorporando la agenda de los medios de comunicación en la suya propia de los hechos clave a los que se enfrenta la sociedad. Las circunstancias de este aprendizaje fortuito son distintas a las del que tiene lugar normalmente en la escuela, pero los resultados pueden ser igual de poderosos e influyentes.
Entretanto, é importante ressaltar que a teoria do agenda-setting não se configura como um retorno às considerações da teoria da bala mágica ou da agulha hipodérmica. Ainda que compartilhem a atribuição do papel central aos meios durante o processo comunicativo, pesquisadores do agendamento, como Lippman e McCombs, puderam chegar a um amadurecimento teórico capaz de reconhecer a independência do indivíduo, tanto em sua capacidade de experimentar outras fontes de informação, quanto em sua autonomia de refletir sobre o que assiste, escuta ou lê nos meios. E tratando ainda dos níveis de estabelecimento de agenda colocados por McCombs (2004), o segundo deles seria o emprego de atributos e qualidades aos elementos noticiados. Seria dizer que além de propor em que pensar, os meios também teriam a faceta de induzir o como pensar. Um exemplo seria a cobertura televisiva sobre a campanha de candidatos a cargos políticos, onde alguns deles - principalmente os que, discretamente, recebem apoio dessas empresas jornalísticas – têm mais espaço e
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visibilidade, chegando a ter exibidos seus planos, propostas e discursos, enquanto outros teriam a aparição reduzida à simples divulgação de agenda em forma de nota coberta. E esse exemplo também serve para ilustrar outra ação recorrente na atividade midiática, o enquadramento. Esse processo ocorre quando os meios realizam uma cobertura parcial, focada apenas em alguns aspectos dos objetos durante a construção de sua imagem. Segundo Entman (1993, apud. McCombs, 2004, p. 170) Encuadrar es seleccionar algunos aspectos de una realidad que se percibe y darles más relevancia en un texto comunicativo, de manera que se promueva una definición del problema determinado, una interpretación causal, una evaluación moral y/o una recomendación de tratamiento para el asunto descrito.
O enquadramento é uma prática cotidiana. Um indivíduo pode descartar e ressaltar detalhes de uma história quando a conta, baseando-se apenas em seu julgamento sobre o que é mais ou menos interessante. Ou seja, os meios não são os únicos a praticar o enquadramento e o acesso a uma visão reduzida e parcial da realidade é o risco que se corre quando ela é experimentada com a interferência de um agente mediador. Mas antes de agendar ou enquadrar o fato noticioso, esse agente mediador ainda pode estabelecer o que será ou não noticiado. Trata-se da teoria do gatekeeper que explica a existência de uma zona controlada por sistemas objetivos de regras que julgam se uma informação tem condições de ser passada ou se deve ser bloqueada (Wolf, 2010). Pode ocorrer que a imagem do gatekeeper seja associada a um personagem individual, como um editor, por exemplo, que recebe os textos noticiosos e os classifica como publicáveis ou não. Entretanto, essa associação se mostra equivocada na medida em que desconsidera a complexa rede sistemática que caracteriza o fazer jornalístico, e envolve desde as subjetividades do repórter até a postura editorial das empresas onde eles atuam. Fatores que em muito tem a ver com as decisões relativas ao que se pode publicar ou não. Como afirma Robinson (apud Wolf, 2010, p. 181): [...] o caráter individual da atividade do gatekeeper é ultrapassado, acentuando-se, em particular, a ideia da seleção como processo hierarquicamente ordenado e ligado a uma rede complexa de feedback. “As decisões do gatekeeper são tomadas, menos a partir de uma avaliação individual da noticiabilidade do que em relação a um conjunto de valores que
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incluem critérios, quer profissionais, quer organizativos, tais como a eficiência, a produção de notícias, a rapidez”.
Dessa forma, é evidenciado o fato de que ademais das questões ideológicas que podem justificar a ação do gatekeeper, existem também aspectos de caráter técnico que definem se um acontecimento tem as condições e se deve ser transformado em notícia. Esses aspectos são os critérios de noticiabilidade, ou valores-notícia. Mas antes de dar início às considerações sobre esse tema, é importante ressaltar que estes são um código ideológico (Hartley, 1982 apud. Traquina, 2005), ou seja, podem variar de acordo com a configuração social em que são analisados e mesmo dentro de uma mesma configuração podem não ser tão exatos ou previsíveis. Em sua obra Teorias do Jornalismo, Nelson Traquina (2005) explica que, a partir do questionamento “como é que os acontecimentos se tornam notícia”, os teóricos Galtung e Ruge (1993) estabeleceram doze critérios que deveriam ser obedecidos em menor ou maior intensidade, para que o fato atinja o grau de noticiável. Seriam eles: (1) a frequência, ou seja, a duração do acontecimento (2) a amplitude e repercussão (3) a clareza e a falta de ambiguidade (4) a significância (5) a consonância, que seria a facilidade de usar a nova notícia para reforçar algo já dito (6) o inesperado (7) a continuidade (8) o equilíbrio temático com relação aos demais assuntos tratados (9) a referência a nações de elite (10) a referência a pessoas de elite (11) a personalização, ou seja, a possibilidade de associar o fato a um personagem (12) a carga negativa presente no fato. Ainda de acordo com Traquina (1995, p. 73): Galtung e Ruge escrevem que um acontecimento será tanto mais noticiável quanto maior número de valores possuir, embora não seja uma regra absoluta. Igualmente, os autores consideram que um acontecimento poderá ter pouco de um valor e compensar isso com muito de outro valor. Em suma, a matemática é frouxa.
Já o teórico italiano Mário Wolf (apud. Traquina 2005) identificou a interferência dos critérios de noticiabilidade em vários momentos no processo da produção jornalística. Com base nisso, Traquina (2005) se restringe a dois momentos principais para criar suas categorias e subdivisões de valores-notícia, que para ele, estão presentes tanto no processo de seleção quanto no processo de criação da notícia. Para Traquina (2005), no primeiro momento, ou seja, no processo de seleção os valores seriam, basicamente, os critérios que os veículos usam para decidir se um 33
acontecimento é digno de ser noticiado ou não. Aqui, Traquina (2005) os divide em mais dois grupos: a) Critérios relativos às características do próprio fato, ligados ao seu grau de interesse: (1) morte (2) notoriedade do ator principal (3) proximidade, tanto geográfica quanto cultural (4) relevância (5) notoriedade (6) tempo, tanto pela questão da atualidade, quanto pela possibilidade de “gancho” temático (7) caráter tangível e mensurável do fato (8) caráter surpresa e o quão inesperado é o fato (9) conflito (10) infração de regras (11) escândalo. b) Critérios relativos às questões contextuais de produção da notícia, mais ligados ao meio, como: (1) disponibilidade para a realização da cobertura (2) o equilíbrio que deve ser mantido entre a possível nova notícia com as demais já apuradas (3) visualidade, disponibilidade de imagens ou outros elementos ilustrativos (4) comparação com a concorrência para o estabelecimento de parâmetros (5) o grau de interesse das demais notícias já apuradas que também interfere na escolha das “novas”. No segundo momento do processo, Traquina (2005) ainda sugere mais quatro valores-notícias de construção, que são elementos próprios do acontecimento e que são úteis no momento de elaboração da notícia para que ela seja mais atrativa. Seriam eles: (1) Simplificação: quanto menos ambiguidades e controvérsias apresentar o fato, maiores as chances dele ser notado e compreendido. (2) Amplificação: quanto mais abrangentes forem as supostas consequências, mais chances a notícia tem de ser escutada. (3) Personalização: a notícia poderá ser assimilada mais facilmente se associada a um personagem específico. (4) Dramatização: o apelo ao aspecto emocional e conflitual aumenta o interesse pela notícia (5) Consonância: quanto mais inserida em uma narrativa já estabelecida, mais chances a notícia tem de ser notada. Apresentados esses pontos, espera-se ter chegado ao entendimento das questões que pautam o complexo sistema de produção da notícia, a nível técnico, bem como os argumentos que justifiquem a sua análise enquanto uma das ferramentas oferecidas pelas mídias à sociedade e com a qual os indivíduos também se baseiam no momento de 34
empregar significados aos objetos que compõem o seu entorno social (e do que há fora dele). A primeira parte deste capítulo, construída com base na definição de Alsina (2009) –que considera “notícia” como uma representação construída institucionalmente e que apresenta uma visão de mundo –ocupou-se em indicar alguns dos aspectos que interferem na produção da notícia. Com as definições apresentadas nesta seção intitulada “A construção da notícia: aspectos estruturais” pôde-se ver que o processo de produção da notícia está envolto por uma série de questões, que vão desde a necessidade de enquadramento na linguagem, passando pelo tempo, até chegar-se à atividade do jornalista. Pôde-se concluir que, ainda que esses aspectos técnicos, ainda que importantes, não são os únicos que interferem na notícia ao final do processo. Como viu-se também na primeira parte deste capítulo, por serem também empresas, os meios de comunicação encontram-se inseridos em uma lógica comercial. Isso faz com que as empresas jornalísticas atuem não somente no sentido de informar, como também adotam a postura de convencer o consumidor de que o produto oferecido por elas é o mais atrativo. Com as considerações oferecidas pôde-se verificar que é possível que ocorram casos em que os aspectos éticos, que supostamente deveriam pautar a atividade jornalística, são postos de lado, substituídos pela necessidade dessas empresas de ganhar dinheiro e ter mais influência, o que inevitavelmente acaba por interferir também no resultado final da notícia. E ter maior influência é uma necessidade dos meios de comunicação pois as notícias também servem como ferramentas de construção de significados. Como pôdese concluir com as considerações feitas neste capítulo, ao fornecerem explicações dos fatos, as notícias são decodificadas como fragmentos da realidade, que o indivíduo usará para construir uma espécie de mapa do seu entorno e que servirá para orientá-lo e auxiliá-lo no planejamento de suas ações no meio social. Tratando ainda da questão da notícia –não como gênero textual, mas como fato noticioso- a segunda seção deste capítulo foi destinada à exploração dos pontos específicos do jornalismo em revista e de como ela é construída neste suporte. Com as considerações oferecidas, foi possível concluir que aspectos como honestidade e credibilidade serão os mesmos do jornalismo diário. O que muda são características relacionadas à linguagem, ao planejamento visual e à recepção. Concluiu-se que uma 35
das principais diferenças é que as revistas se constituem como um suporte altamente focado em um público específico e que se compromete com a dupla tarefa de informarentreter. Ao aprofundar a análise na revista que será utilizada nesta pesquisa, as considerações oferecidas na seção 1.2.1, intitulada “A notícia na revista piauí”, permitiram concluir que atualmente não existem no Brasil publicações similares à piauí, em aspectos como identidade visual, público leitor e tratamento dos fatos. Esses pontos indicam não apenas suas particularidades em comparação com as demais revistas brasileiras, como justificam o interesse desta pesquisa pela análise da construção de um determinado fato –no caso as jornadas de junho –por este veículo. Por fim, com base na última sessão deste capítulo, onde se viu algumas teorias que explicam os mecanismos que os meios usam para orientar a visão de seu público, foi possível concluir que como parte de um sistema produtivo de significações, as notícias não estão isentas de posicionamentos ideológicos, e enquanto frutos da atividade humana, também estão sujeitas a equívocos e deturpações. Ao final deste capítulo, é importante considerar que “notícia” é apenas um dos produtos oferecidos pela indústria cultural e, também, que as questões simbólicas que tangem sua produção são complexas. Por isso, antes de iniciar, de fato, a análise dos textos vinculados na revista piauí, se faz necessário o entendimento dessas questões. Buscando justamente o aprofundamento sobre o aspecto ideológico da produção desses significados, o segundo capítulo deste estudo será dedicado à análise de como ocorrem os processos de criação, manutenção e oposição a partir da atividade midiática, mais precisamente, a jornalística.
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CAPÍTULO 2 – IDEOLOGIA E MÍDIAS
Os Meios de Comunicação de Massa auxiliam os indíviduos na construção de significados sobre a vida social. Ao oferecer-lhes seus produtos, sejam eles informativos ou de entretenimento, esses meios transmitem, simultaneamente, visões de mundo, recortes da realidade. Ainda que alguns deles se proponham à isenção e encontrem nesta a garantia da “veracidade” dos fatos, os produtos oferecidos pelos meios de comunicação, ao nascerem dentro de um determinado lugar social, não estarão isentos de posicionamentos ideológicos. A proposta deste capítulo é explorar como o posicionamento ideológico dos meios interfere em suas atividades, em especial na prática jornalística. Para isso, propõe-se em um primeiro momento um apanhado histórico feito por Thompson na obra Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica na era dos meios de comunicação de massa (1990), onde o autor discorre sobre as alterações de significado pelas quais o termo “ideologia” passou desde que foi criado, ainda para designar a “ciência das ideias”. Entende-se ser necessário esclarecer sobre os diferentes tipos de emprego que esse termo possui para que, inicialmente, seja definido aquele que será usado para as posteriores considerações deste trabalho. Como poderá verificar-se a partir da análise das considerações de Thompson (1990), é por meio de discursos que as ideologias são compartilhadas, mantidas e renovadas dentro da dinâmica social. Tais discursos são operados dentro de distintas instituições como escola, igreja e meios de comunicação que, na maioria dos casos, agem de forma a manter a coesão da estrutura em que estão inseridas (Nosella, 1980). Para tentar ilustrar como ocorre esse processo de disseminação dos discursos ideológicos pelas instituições sociais, a segunda parte deste capítulo será dedicada à análise de algumas das formas como as ideologias se manifestam em discursos de grupos e instituições. Em seguida serão analisadas, com maior ênfase, as formas como a ideologia se manifesta nos discursos jornalísticos, já que são os meios de comunicação a instituição social que interessa para o presente estudo. Abordadas as principais questões relativas à ideologia e o seu papel no discurso das mídias, na terceira seção deste capítulo a análise se voltará para a questão da 37
cobertura das jornadas de junho no Brasil. Serão vistos os modos como alguns veículos de comunicação abordaram esse movimento de caráter popular, além do espaço que tais temas ocuparam na agenda destes veículos. A partir dos elementos desenvolvidos neste capítulo será feita a análise na terceira e última sessão desta monografia, que tem por finalidade analisar os discursos presentes nas produções da revista piauí, e entender qual a postura da revista perante os protestos de junho de 2013.
2.1- Ideologia: das definições Desde que foi criado para designar a “Ciência das Ideias” o termo ideologia recebeu diferentes aplicações. É possível visualizá-lo em contextos que o empregam como sinônimo de “falsa ideia”, de “ideia enganosa”, e também como um “conjunto de pensamentos e ideias” que caracteriza um grupo ao mesmo tempo que marca sua diferença com relação a outro. Por isso, para esclarecer os caminhos percorridos pelos usos deste termo e, considerando a relação meios de comunicação-ideologia como o principal elemento a ser analisado no presente capítulo, propõe-se inicialmente um breve resumo do apanhado histórico feito por Thompson (1990) na obra Ideologia e Cultura Moderna: teoria social crítica nos meios de comunicação de massa, onde o autor trata do surgimento e das alterações de significância do termo “ideologia”. Optou-se por utilizar as considerações do autor pois, além de ser este um estudioso de referência dentro do campo de estudos de mídia, ele se propõe a fugir dos critérios de negatividade, da unilateralidade marxista – com sua delimitação aos debates relativos à luta de classe– ao encerrar este esboço do desenvolvimento histórico do termo “ideologia” com sua própria contribuição. Como dito na seção introdutória deste capítulo, faz-se necessário esta breve revisão histórica para que se possa não apenas compreender de onde vem, como também porque surgem, os diferentes entendimentos do que é Ideologia, além de ser imprescindível a escolha de uma definição que possa ser usada nas próximas considerações a serem apresentadas neste trabalho.
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Ao dar início ao seu repasso histórico, o autor afirma que em 1792, é criado na Nova República Francesa, o Instituto Nacional. Funcionando como um substituto das antigas academias reais, o Instituto era formado pela Academia de Ciências e os cursos de Literatura e Artes, e o de Ciências Políticas. Esse último tinha como sessão mais importante, uma linha que tratava da análise das sensações e ideias, tendo, a partir de 1976, o filósofo Destutt de Tracy como seu responsável. De Tracy fazia parte de um grupo de intelectuais sobreviventes ao período de turbulências políticas derivadas do Terror Jacobino. Acreditava que “se pudéssemos analisar as ideias e sensações de uma maneira sistemática, poderíamos garantir uma base segura para todo o conhecimento científico e tirar conclusões de cunho mais prático” (THOMPSON, 1990, p. 45). Dessa forma, nascia o termo “Ideologia”, concebido pelo próprio de Tracy, e que se referia à “Ciência das Ideias”, ou seja, a Ciência Primeira, uma vez que todos os saberes dependem das ideias. Ainda que de Tracy considerasse a possibilidade do uso sociopolítico de sua “nova ciência”, seus estudos seguiram outro caminho. Ele, que desejava aprimorar o entendimento das faculdades intelectuais do homem, considerava “ideologia” como parte da zoologia. Essa postura revelava certo grau de naturalismo, já que, dentro de sua lógica, o ser humano era visto como uma espécie animal dentre as demais, de compreensão mais complexa, mas, ainda assim, parte de uma realidade material. Num segundo momento, em 1799, Napoleão Bonaparte aplica seu golpe de Estado e assume o cargo de Primeiro Cônsul da França. Ao mesmo tempo em que concede a alguns membros do Instituto Nacional posições políticas de destaque, também se apropria de algumas ideias de Tracy para elaborar sua nova constituição. Porém, alguns intelectuais do Instituto ainda cultivavam certas visões republicanas, dentre elas, a de que o ser humano perfeito seria resultado da uma boa educação. Napoleão percebeu então que se esses pensamentos fossem postos em prática, poderiam converter-se rapidamente em uma ameaça a seu governo autocrático. A saída encontrada por Napoleão para essa ameaça foi criar uma aura negativa em torno dos “ideólogos”, acusando a ideologia de ser “uma doutrina especulativa abstrata, que estava divorciada das realidades do poder político” (THOMPSON, 1990, p. 46). Sua atitude opressora foi se intensificando na medida em que seu poder decaía. Como se pode notar, a principal violação à interpretação dessa ciência foi a mudança ou o emprego “errôneo” de seu significado. Em seus últimos momentos no poder, 39
Napoleão chegou a combater pensamentos políticos e até mesmo religiosos que lhe pareciam ameaçadores. E isso fez com que, posteriormente, o sentido de ideologia mudasse de Ciência das Ideias para algo como um conjunto de ideias, na maioria das vezes incoerentes e desconexas da realidade. Como afirma Mannheim (2004, p. 106): El concepto moderno de ideología nació cuando Napoleón, al advertir que ese grupo de filósofos se oponía a sus imperiales ambiciones, les aplicó el despectivo marbete de “ideólogos”. Así, la palabra adquirió el significado peyorativo que, con la palabra “doctrinario”, ha conservado hasta la fecha.
De qualquer forma, ainda que o emprego desse conceito tenha sido alterado, sua intenção primeira, de certa forma, manteve-se. Fruto dos ideais do Iluminismo, a busca pela compreensão racional do mundo (e do homem como uma parte dele) se mostrara nos postulados de Marx e Engels que, como afirma Thompson (1990), acreditavam, assim como de Tracy, nas promessas desse movimento. No próprio texto “A Ideologia Alemã”, Marx e Engels estabelecem uma linha entre a difusão de ideias e a relação de classes, o que Thompson (1990) classifica como “concepção epifenomênica”, onde ideologia passa a ter como sentido empregável “um sistema de ideias que expressa interesses da classe dominante, mas que representa relações de classe de uma forma ilusória”. Ou seja, os discursos e as construções simbólicas, são criados de modo a manter a atual estrutura de dominação, reforçando o poderio da classe dominante. Kellner (2001) critica o conceito marxista de Ideologia, ao afirmar que, com Marx, ele se reduz a uma concepção predominantemente economicista: Esse conceito reduz ideologia à defesa de interesses de classes; por isso, é predominantemente economicista, e nele a ideologia se refere sobretudo –e em alguns casos somente –às ideias que legitiman a dominação de classe da classe dominante capitalista. Portanto, nessa concepção, “ideologia” se restringe aos conjuntos de ideias que promovem os interesses econômicos da classe capitalista. (KELLNER, 2001, p.78)
Ainda que Marx tenha tratado o conceito de Ideologia, a partir da proposta de Napoleão, foi com o marxismo que o termo ganhou importância no campo das Ciências Sociais. Inspirado pelo então cenário político polarizado da Rússia, Lenin propôs a criação da Ideologia Socialista a fim de combater a Ideologia Burguesa. Num segundo momento, foi Lucáks que, analisando os problemas enfrentados pela classe trabalhadora, tratou da importância da criação da Ideologia do Proletariado. Thompson 40
(1990) desconsidera qualquer aprofundamento nas elaborações de Lenin e Lucáks, mas julga importantes as contribuições que eles trouxeram para neutralizar o sentido negativo introduzido por Napoleão e intensificado por Marx. Thompson (1990) propõe uma formulação alternativa sobre o conceito de Ideologia, onde pretende resgatar a essência das concepções anteriores, sem necessariamente apropriar-se delas. Ele conclui que "ideologia são as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação" (Thompson, 1995, p. 75). Outra contribuição deste autor diz respeito a distinção que ele estabelece entre dois modos gerais de se conceber ideologia: neutro e crítico. O primeiro deles, diz respeito ao emprego dos termos “ideologia” ou “ideológico” sem a necessidade de atribuí-lo algum sentido negativo, de falsidade, negação ou ilusão. Já as concepções críticas, referem-se ao conjunto de termos pejorativos que são empregados para tratar dessas mesmas atividades, atibuindo-lhes o rótulo de práticas enganadoras, ilusórias. Mas para Nosella (1980), a ambivalência característica do termo ideologia não necessariamente lhe possibilita atribuir o conceito de neutra, já que toda ideologia, independente da maneira que é elaborada, será sempre, em maior ou menor grau, engajada. Segundo Nosella (1980, p. 27): A ideologia, enquanto definida como princípios e normas que orientam a ação, tanto poderá orientar uma ação libertadora (dialética e objetiva) da classe dominada, como, ao contrário, poderá orientar uma ação conservadora, de manutenção do ‘status quo’ (anti-dialética e não-objetiva). Esta última trará em si, naturalmente, a conotação falsa e mistificadora da ideologia da classe dominante na sociedade capitalista.
Já a definição de Ideologia oferecida por Hall (2003) se aproxima da concepção neutra proposta por Thompson, pois para Hall ela seria, basicamente, um conjunto de referências usadas pelos indivíduos para guiar-se na sociedade: Por ideologia eu compreendo os referenciais mentais –linguagens, conceitos, categorias, conjunto de imagens do pensamento e sistemas de representação – que as diferentes classes e grupos sociais empregam para dar sentido, definir, decifrar e tornar inteligível a forma como a sociedade funciona. (HALL 2003, p. 50)
Assim, optou-se por utilizar neste trabalho esta concepção tida como neutra, ressaltando que a neutralidade aqui proposta diz respeito à natureza do termo ideologia 41
e às implicações de seu uso para as análises posteriores. Com base nela é que serão levantadas as próximas interpretações e por fim as considerações sobre a ação midiática na cobertura jornalística dos protestos de julho de 2013. Por fim, analisando as considerações feitas até aqui, uma das conclusões a que se pode chegar é que o termo Ideologia passou por diversas transformações e, talvez por isso, atualmente seu emprego se dê de forma confusa e por vezes negativa. Stuart Hall (2003) na obra Da diáspora: Identidades e mediações culturais, ao criticar os postulados de Althuser (1985) em Aparelhos Ideológicos do Estado, aborda uma dessas noções equivocadas que podem associar-se ao termo Ideologia, no caso, a noção de “falsa consciência” que, segundo ele, abre caminhos para a ideia da existência de uma única e verdadeira ideologia para cada classe. Ainda segundo Hall (2003, p. 161) Ela supõe que as relações sociais fornecem seu próprio conhecimento sem ambiguidade aos sujeitos pensantes e perceptivos; que haja uma relação transparente entre as situações nas quais os sujeitos se situam e como estes passam a (re)conhecê-las. [...] Nessa concepção são sempre os outros, nunca nós mesmos, que incorrem na falsa consciência, que são enfeitiçados pela ideologia dominante, que são os “bobos” da história.
Como visto, desde que foi criado para definir a “Ciência das Ideias” até o uso para a designação de um conjunto ideias falsas e enganosas, o termo Ideoogia passou por quase trezentos anos de alterações constantes de aplicação. Como pôde-se ver também, essas mudanças estavam relacionadas e condicionadas ao momento histórico e ao cenário político dos lugares em que surgiam. Devido a tantas variedades de interpretação, viu-se que numa concepção de viés negativo, é possível que haja a desqualificação das ideias do outro. O risco de se desqualificar ocorre porque, partindo desse entendimento negativo do que é Ideologia, somente o outro será dotado de um conjunto de ideias falsas, ou ainda nas palavras de Hall (2003), só o outro será “o bobo da história”. A primeira parte deste capítulo surgiu com o propósito de resgatar este caminho de redefinições do termo Ideologia. Ao analisar-se o recorrido oferecido por Thompson (1990) e salientar sua proposta de neutralidade com as contribuições de Hall (2003), espera-se ter chegado à definição que será utilizada para as considerações a serem feitas posteriormente neste trabalho, que buscará entender como ocorreu a cobertura da revista piauí sobre as jornadas de junho. Para tanto, seguindo proposta de Hall (2003), serão 42
analisados os conceitos, as categorias e os conjuntos de imagens criados pela revista para tornar inteligível aos leitores os aspectos essenciais das jornadas. Mas antes de dar início à análise em si, as formulações realizadas no restante deste capítulo se ocuparão da tentativa de entendimento de como as ideologias atuam e interferem na sociedade e posteriormente, como se mostram na atividade dos meios de comunicação.
2.2- Ideologia: das operações A organização da vida em sociedade só foi possível porque os indivíduos que a constituem passaram a compartilhar determinados valores e significados. A existência desses valores comuns deu-se graças à comunicação entre esses individuos que dividem a mesma realidade material. Entretanto, por trás do processo que possibilitou este tipo de organização estavam as ideologias que permitiram que alguns valores pudessem ser criados, compartilhados e mantidos, enquanto outros foram descartados. Entendendo a importância de se conhecer algumas das nuances desse processo, esta seção tem por objetivo lançar argumentos que apontem como as ideologias operam dentro das sociedades por meio (1)dos discursos, (2)dos indivíduos e (3)das instituições. Por isso, as considerações a serem apresentadas à seguir terão seu foco voltado à análise de cada um desses três elementos. Vistos esses aspectos e lançadas algumas considerações importantes, posteriormente o presente estudo se ocupará da investigação do papel das ideologias dentro dos meios de comunicação, que são a instituição que interessam para a presente pesquisa. Essa seção tem como finalidade ressaltar os pontos necessários à compreensão do processo de atuação das ideologias, bem como sobre o seu papel para o funcionamento da dinâmica social. Para tanto, ao retomar-se a definição estabelecida na seção anterior deste capítulo, que designa ideologia como sendo "as maneiras como o sentido serve para estabelecer e sustentar relações de dominação" (Thompson, 1995, p. 75) faz-se importante destacar, inicialmente, o papel do discurso para a manifestação das ideologias, pois como pôde-se constatar a partir de considerações já feitas neste mesmo capítulo, é através do campo discursivo que as ideologias operam.
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Recorreu-se primeiramente a Fiorin (1998, p. 11) para encontrar-se a definição de que os discursos são “combinações linguísticas usadas pelos falantes com o intuito de expressar seus pensamentos e possibilitar sua ação no mundo exterior”. Ou seja, mais que combinações linguísticas, discursos também podem ser vistos como a forma com que os indivíduos reagem linguisticamente à realidade material em que estão inseridos. E quanto mais o indivíduo aprimorar este modo de reação, melhores serão os resultados obtidos por ele. Ao tratar da importância do discurso como um local em que operam as ideologias, Landowsky (1992), o considera também como um espaço onde a análise de seu funcionamento revelaria questões mais profundas a respeito das relações de poder e à formação de vínculos. Segundo o autor (1992, p.11) Considerar, assim, o discurso como um espaço de interação talvez seja proporcionar-se, a longo prazo, o meio de abordar, de um modo que não seja meramente intuitivo, a análise das condições de existência e de exercício do poder no que elas têm de socialmente mais evanescente e, sem dúvida, ao mesmo tempo, de mais profundo; é tocar na formação e nas flutuações do vínculo social e político vivido.
Ou seja, a carga ideológica presente nos discursos é verificável a partir da análise das consequências que eles têm sobre a sociedade, que não devem ser encaradas como meros acasos e sim, como resultados de um processo bem elaborado que tem por objetivo a defesa de uma ordem de pensamentos legitimados por um grupo, ou seja, a defesa de uma ideologia. Seria como um processo cíclico onde, a princípio, as ideologias são operadas de modo a manter seu funcionamento, sua continuidade. É por isso que, sendo através do discurso que o indivíduo busca fazer-se entender, é compreensível que este esteja marcado pela ideologia de seu agente comunicador. Assim, qualquer discurso, independente do grau de complexidade, estará sendo usado em legitimação à posição de um grupo e não de outro, como afirma Lull (1995, p.20) “el pensamiento organizado nunca es inocente. Las ideologías conciernen a sus orígenes, a sus asociaciones institucionales y a los fines con que se las instala, aunque estas historias y relaciones nunca sean del todo claras”. Ocorre que o indivíduo, ao adotar um discurso e tomá-lo como o ideal, não estará fazendo mais que adaptar à sua situação um discurso já existente que provavelmente originou-se e foi mantido pela ação daqueles que o antecederam no meio 44
social. O mundo já estava em funcionamento quando ele entrou em cena e continuará com sua dinâmica após sua saída. Sobre a participação dos indivíduos na manutenção dos discursos ideológicos, Manheim (2004, p.93) afirma: Cada individuo participa sólo en ciertos fragmentos de este sistema de pensamiento, cuya totalidad no es en modo alguno la mera suma de esas experiencias individuales fragmentarias. […] Así pues, el individuo sólo puede concebirse como portador de una ideología mientras se trate de aquel concepto de ideología que, por definición, se aplica más bien a contenidos separados que a la entera estructura del pensamiento, y que descubre falsos caminos de pensamiento y revela las mentiras.
É possível visualizar esta situação ao analizar-se, por exemplo, o papel das ideologias religiosas na política brasileira. Atualmente, o grupo de parlamentares que defende que preceitos cristãos sejam aplicados à Constituição, promove uma tentativa de submeter toda a população (cristã ou não) ao cumprimento de suas crenças. Crenças essas que existem há milênios e que agora, precisam da legitimação da lei para serem seguidas por um maior número de pessoas. Este exemplo vem apenas para reforçar o fato de que as ideologias não nascem do acaso. Elas são posicionamentos tomados por aqueles que acreditam na veracidade de suas opiniões e por isso se esforçam em mantê-la, para que seja mantido também o equilíbrio daquilo que consideram como normal. Sobre a preocupação com a manutenção da ordem vigente, Manheim (2004) afirma que os grupos que se veem satisfeitos com o estado atual das coisas tendem a acreditar que esta ordem será mantida por um período absoluto e eterno. Segundo ele, para que esse tipo de pensamento seja sustentado é necessário que se recorra a todo tipo de explicação fantasiosa ou mito romântico. Para o autor (2004, p. 122): Así llegamos al estudio del asombroso derrotero que sigue el pensamiento moderno, en el cual lo absoluto que en otros tiempos fue el modo de entrar en comunicación con el divino, se ha vuelto ahora un instrumento que utilizan aquellos que sacan un provecho de él, para deformar, torcer, pervertir y ocultar el sentido del presente.
Nos cenários de democracia é absolutamente comum a existência de distintos tipos de pensamento, sendo comum a ocorrência de competição entre os membros dos diferentes grupos que, ao defenderem seus posicionamentos, acabam rejeitando aquilo que fuja a sua definição de verdadeiro, de certo ou de aceitável. Se existem os grupos 45
que acreditam na eterna reprodução da estrutura, de outro lado estão aqueles que agem de modo a instaurar um outro modo de concepção das coisas. A esses grupos que buscam formas alternativas de concepção da realidade, Manheim (2004) os classifica como utópicos, devido a sua principal caraceterística que é justamente o estabelecimento de uma estrutura de pensamentos distinta. Segundo o autor, o conceito de pensar utópico revelaria apenas o outro lado de uma mesma moeda, pois assim como aqueles que concebem o mundo ignorando os fatos que venham a contrariar seu discurso e dificultar sua manutenção de poder, os pensamentos utópicos também ignorariam os feitos que não lhe servissem para comprovar a invalidade do discurso que combatem. Ainda tratando dos pensamentos utópicos, Manheim afirma que (2004, p. 73): Su pensamiento es incapaz de diagnosticar correctamente una situación real de la sociedad, no les interesa en forma alguna la realidad; antes bien, se esfuerzan en su pensamiento por cambiar el orden vigente. Su pensamiento nunca es un diagnóstico de la situación; sólo puede servir para orientar la acción. En la mentalidad utópica el inconsciente colectivo, guiado por una apasionada representación y por una decidida voluntad de acción, oculta ciertos aspectos de la realidad. Vuelve la espalda a todo aquello que debilitaría su creencia o paralizaría su deseo de cambiar las cosas.
Por fim, o autor propõe uma alternativa a ser usada para evitar equívocos no momento de avaliar-se o quão eficientes serão esses discursos a respeito da perpetuação ou mudança das estruturas que mantém a sociedade no seu atual estado de funcionamento. Para tanto, Manheim (2004, p.140) recorre a Ranke (1842) em Politische Gesprach, onde o autor afirma que “nunca llegarás a la verdad si sólo das oídos a afirmaciones extremas”. Para Ranke, a verdade se encontra sempre fora do terreno onde florece o erro, e ainda que se reunissem todos os erros do mundo, não seria possível extrair deles uma só verdade. E voltando a tratar das divergências ideológicas que se formam nas sociedades, é importante deixar claro que uma disputa nesse nível, não ocorre com limites intransponíveis entre as fronteiras que caracterizam um grupo e o diferem de outro. Hall (2003) revela que os elementos presentes nos discuros tem a possibilidade de serem alterados e recombinados, a depender da condições em que se econtram. Sobre essa possibilidade, Hall (2003, p. 269) também afirma: A imagem dos grandes e imutáveis batalhões de classe carregando a pesada bagagem ideológica que lhes é atribuída, no campo de luta, com seus
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números de registro ideológico nas costas, como se referiu Poulantzas no passado, é substituída aqui pela infinidade de sutis variações pelas quais os elementos de um discurso parecem combinar e recombinar espontaneamente uns com os outros, sem quaisquer restrições materiais a não ser aquelas fornecidas pelas próprias operações discursivas.
De qualquer forma, mesmo que as bases destas divergências –que são os discursos- possam ser mudadas a depender da situação, é importante destacar que a disputa que ocorre neste campo, muitas vezes não se dá através de formas igualitárias de competição. Sempre alguns grupos deterão formas mais eficazes de propagação e manutenção de seu poder simbólico, e por isso terão melhores condições de legitimá-lo. Tais grupos, usarão do aparato ideológico que estiver ao seu alcance para a disseminação dos valores que julgar necessário para manter a coesão da estrutura em que se veem.
2.2.1. Indivíduo e Ideologia: Até aqui, viu-se algumas questões relativas ao papel do discurso enquanto lugar de operação ideológica. Viu-se que os discurso além de espaço também são ferramentas, logo eles precisam ser adotados pelos indivíduos para, só assim, terem sentido e efeito na realidade social. Por isso, para as considerações a serem feitas à seguir, o foco da análise se voltará para a importância do indivíduo enquanto ser dotado de ideologia, que a manifesta em seus discursos, suas ações, enfim, em sua forma de reagir ao mundo exterior. Para entender a relação que se estabelece entre indivíduo e ideologia em um nível mais imediado, recorre-se novamente a Fiorin (1998) que afirma que todos os discursos tem uma “função citativa”, porque ao ser determinado antes de tudo por forças ideológicas, ele será construído a partir de repetições de outros discursos. Como dito anteriormente, o indivíduo nunca pensará por si, ainda que tenha essa falsa impressão, ele apenas irá repetir o pensamento de outras pessoas, apenas ajustando os elementos a sua situação atual. Ao tratar desta relação Fiorin (1998, p. 41) revela ainda que ao caracterizar-se por essa função citativa, a liberdade presente no discurso e disponível
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para a intervenção do indivíduo é muito pequena, quando não nula. Para Fiorin (1998, p. 42) o indivíduo seria antes de tudo, um suporte da ideologia: O enunciador é o suporte da ideologia, vale dizer, de discursos que constituem a matéria prima com que elabora seu discurso. Seu dizer é a reprodução inconsciente do dizer de seu grupo social. Não é livre para dizer, mas coagido a dizer o que seu grupo diz.
O pertencimento a um grupo faz com que além de dizer o que o grupo diz, o indivíduo atue como o grupo atua. Um exemplo são os casos de rixas entre torcidas organizadas de times de futebol, onde por um motivo aparentemente não-urgente, forma-se brigas que terminam em agressão e até mesmo morte. Para citar um caso envolvendo os mesmos agentes –no caso, torcedores de times de futebol –em 2013, uma torcedora do Grêmio ficou nacionalmente conhecida quando câmeras de televisão a filmaram no momento em que gritava um insulto racista contra o goleiro do time adversário. Na época, a torcedora afirmou em entrevistas que só cometeu tal delito porque estava junto a torcida e porque viu outras pessoas fazendo o mesmo. Ou seja, sentiu-se segura dentro de um grupo e adotou o comportamento dos demais membros, mesmo tratando-se de um ato inaceitável. São vários os fatores que culminam com o pertenciemento de um indivíduo a um determinado grupo. Esses fatores podem incluir questões menos complexas, como o simples compartilhamento da mesma realidade material ou aspectos mais profundos, como a identificação psicológica ou o desejo de identificação de um indivíduo com um grupo. Independente da forma como esse vínculo é estabelecido, o mais importante é que ele será decisivo no momento em que o indivíduo passar a interpretar e a reagir às circunstâncias que lhe são impostas. Sobre a questão do pertencimento, Manheim (2004, p. 55) afirma que: Pertenecemos a un grupo no sólo porque nacimos en él o porque confesamos formar parte de él, ni porque protestamos serle fieles y acatar sus mandamientos, sino principalmente porque vemos el mundo y ciertas cosas del mundo en la misma forma que éste los ve (esto es, con el sentido que el grupo les presta). Cualquier concepto, cualquier significado concreto, contiene la cristalización de las experiencia de cierto grupo.
Para o indivíduo enquanto ser social é menos complexo decodificar todos os elementos que compõem sua realidade se esta interpretação não começar do nada. É o que defende Manheim (2004, p. 115) quando revela que é dessa forma, compartilhando 48
relações sociais vitais com os outros, que o indivíduo tem uma probabilidade maior de revelar o sentido de sua realidade. A partir do momento em que o indivíduo passar a naturalizar as práticas e os sentidos de seu grupo, simultaneamente ele irá naturalizá-las, já que juntas essas práticas constituirão a normalidade de sua realidade. É por esse motivo que, como visto acima, esses indivíduos são levados a crer que qualquer desvio daquilo que eles tomam como norma merece o rótulo de anormal, errado. Neste cenário, a ideologia por trás deste tipo de opinião será o ponto que guiará a ação do indivíduo, motivada sempre ou pela manutenção da ordem, ou pela negação desta. Sobre este papel da ideologia na definição da norma e sobre sua influência no comportamento do individuo, Kellner (2001, p.83) revela que: A ideologia pressupõe que “eu” sou a norma, que todos são como eu, que qualquer coisa diferente ou outra não é normal. Para a ideologia, porém, o “eu”, a posição da qual a ideologia fala, é (geralmente) a do branco masculino, ocidental, de classe média ou superior; são posições que veem raças, classes, grupos e sexos diferentes dos seus como secundários, derivativos, inferiores e subservientes.
Outro aspecto importante para o indivíduo, que irá influenciar seu comportamento e mostrar sua função no meio social é a identidade. Para Tondato (2001), as identidades são construídas a cada momento de interação social. Visto que todas as interações são compostas por elementos ideológicos, suas interferências na constituição das identidades será consideravelmente significativa. No que diz respeito a essa relação, pode-se afirmar que ela fará com que identidade se problematize como uma das partes e, simultaneamente, como uma das consequências do sistema ideológico. Isso porque as identidades ao se apoderarem das ideologias, as utilizam como agente diferenciador entre grupos, ao mesmo tempo que as ideologias produzem hierarquias e estabelecem classificações entre eles. Mas essa diferenciação das formas de se conceber o mundo ocorre também por outras questões que também irão interferir na própria construção da identidade. Essas distintas maneiras de se interpretar o mundo só são possíveis porque, como afirma Manheim (2004, p. 306), existem muitas tendências de pensamento, simultâneas e
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contraditórias, que lutam entre si com suas diferentes interpretações da experiência comum. Seria como se a realidade fosse uma projeção em uma sala de cinema, onde cada indivíduo, sentado em sua poltrona, teria um ponto de vista diferenciado sobre o que está sendo exibido. Ainda que todos estivessem assistindo às mesmas imagens, cada espectador estaria vendo-as de um ponto distinto e produzindo sua interpretação de acordo com suas subjetividades e limitações ideológicas do grupo. Se o sistema ideológico é um dos agentes responsáveis pela formação de uma imagem do real, a multiplicidade de posições ideológicas consequentemente resultará em uma multiplicidade também de modos de pensamento e ação no meio social. O que ocorre é que essas singularidades dos indivíduos, nas formas de pensar e entender o mundo, podem chegar a um nível tão alto de diferenciação que, ainda de acordo com Manheim (2004), esses diferentes sistemas de pensamento, que ocasionalmente entram em conflito uns com os outros, correm o risco de ser meramente reduzidos a diferentes modos de experimentar a “mesma” realidade. Isso se caracteriza como um problema, porque na opinião do autor, o debate que se instaura sobre as diferentes formas de concepção do real não deve fechar-se no objeto em si, já que dessa forma seria impossível compreender porque o mesmo objeto assume aspectos diferentes. Antes de tudo, o debate deveria centrar-se nas esperanças, nos propósitos e nos impulsos que surgem da experiência. Manheim (2004) classifica a ausência de uma massa comum de experiência como uma das origens das disputas entre os indivíduos. Segundo ele, a falta de um conjunto compartilhado de critérios de coesão e verdade leva naturalmente os indivíduos a não conseguirem entender-se, já que não podem mais aplicar os mesmos sentidos aos mesmos elementos. O autor considera esta situação como uma ruptura da totalidade da experiência individual, afirmando que ela corresponde à desintegração da cultura e da solidariedade de grupo. Segundo ele: Cuando empiezan a debilitarse las bases de la acción colectiva unificada, la estructura social tiende a derrumbarse y a producir una condición que Émile Durkheim ha llamado anomia, es decir una situación que podría describirse como una especie de vacío social. En tales condiciones el suicidio, el crimen y el desorden son de esperarse, porque la existencia individual ha dejado de tener firmemente hundidas sus raíces en un medio social estable y completo y
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porque gran parte de la actividad de la vida pierde su sentido y significación”. (MANHEIM, 2004, p. 26)
2.2.2. Instituições Sociais e Ideologia: Como dito anteriormente, vivendo os indivíduos em um meio social composto por diferentes caminhos de interpretação da realidade, a formação de grupos lhes surge como uma alternativa fácil e viável para entender essa realidade, sem precisar construir todos os seus significados do zero. Alguns grupos, compostos por discursos mais densos e indivíduos que compartilham finalidades mais específicas, institucionalizam suas práticas e passam a caracterizar-se como instituições sociais. Tais instituições são dotadas de ideologias que irão prever o discurso de seus integrantes, interferindo em suas interações, suas práticas, suas expectativas e principalmente na forma como estes concebem o real. Mais adiante serão lançadas considerações específicas sobre os Meios de Comunicação, que são a instituição que mais interessa para esta análise. Antes, cabe apontar ainda outros exemplos de como ocorre a relação instituição social-ideologia. Em alguns casos, como se poderá perceber, as instituições são consideradas isentas de ideologia o que, à luz das considerações lançadas até aqui, caracteriza-se como um equívoco. Uma destas instituições a considerar-se isenta de posicionamentos ideológicos é a Escola. Nosella (1980), partindo de uma perspectiva marxista de análise, ao classificar a sociedade em duas classes (explorados x exploradores) sugere, por exemplo, que a Escola é uma instituição bastante eficaz usada pela classe dominante na tarefa de legitimar alguns valores que servem para manter seu status quo. Segundo a autora, para a classe dominante, detentora do poder político e econômico, não há preocupação mais importante que aquela para com o lucro. Sendo assim, a classe dominada, que não detem nada muito além de sua força de trabalho, se vê imersa em um universo simbólico que não lhe oferece meios de ascensão. Para Nosella (1980) essa situação se reflete na Escola pois ela jamais adotará o ser social como o centro de suas preocupações, e pouco provavelmente irá auxiliá-lo a perceber as contradições da estrutura e a encontrar meios de superação desta situação.
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A autora não apenas destaca o teor ideológico presente no discurso da Esola, como conclui que ela é usada como uma instituição legitimadora da exploração de um grupo pelo outro. Sobre isso, Nosella (1980, p. 77) afirma: Esta uniformização e controle do comportamento das crianças tem implicações sócio-políticas, já que assim se conseguirá transformá-las em “seres obedientes” e, provavelmente, cidadãos pouco criativos, conformados diante de toda e qualquer autoridade; pequenos robôs, que só agem segundo ordens. [...] A escola, enfim, é um mundo fechado em si mesmo, imutável, no qual a obediência é valorizada muito mais do que a curiosidade, o espírito crítico e a criatividade. Estes aspectos não são, nem interessam ser, estimulados, demonstrando a extensão da tarefa antieducativa desta instituição.
É importante reforçar que para as considerações realizadas não apenas nessa seção, como também no decorrer deste capítulo, optou-se por não limitar a discussão sobre ideologia aos aspectos que dizem respeito exclusivamente às questões de classe, pois, como afirma Lull (1995), atualmente as diferenças existentes entre as classes não tem a ver apenas com fatores econômicos e se relacionam essencialmente com aspectos de exercício de poder social.
Sobre essa mesma forma de se levar a cabo as
considerações sobre ideologia, Kellner (2001, p. 19) revela que: Reduzir ideologia a interesses de classe deixa claro que a única dominação importante na sociedade é a de classe, ou econômica, ao passo que, segundo muitos teóricos, a opressão de sexo, sexualidade e raça também são de fundamental importância e, na verdade, ainda de acordo com alguns, está inextricavelmente imbricada na opressão econômica e de classe.
A Escola no sentido mais tradicional não é a única instituição a trabalhar em função da manutenção de ideologias. Existem outras instituições como Igreja, Família e também os Meios de Comunicação, que atuam em defesa dos interesses de um grupo e não de outro. Sobre o papel das ideologias para a legitimação dos discursos e do poder das instituições, Tondato (2001, p.167) define que: Ideologia, de uma forma ampla, é sentido a serviço do poder, poder este que hoje passa pela mídia, junto com o Estado, a lei, o sistema educacional e a família, considerados instituições imparciais ou neutras, que utilizam formas simbólicas como meio de estabelecimento de sua representatividade, tornadas ideológicas, nos contextos sócio-históricos específicos, e que são empregadas e persistem.
A instituição Família, por exemplo, assim como a Escola, também se vê composta por discursos que visam manter uma dada coerência. Mesmo que atualmente 52
os moldes de família considerados “tradicionais” estejam passando por algumas mudanças, ainda existem grupos que defendem a formação heteronormativa, em que o homem é o responsável pelas questões financeiras, enquanto à mulher lhe são designadas as funções de manutenção do lar. Um exemplo mais específico de como essa instituição é dotada de um discurso ideológico que confere papéis muito bem definidos aos seus integrantes, é o rol de significados associados à palavra “mãe”. Seu sentido não se esgota na aplicação para designar uma relação de filiação. A palavra “mãe” se vê envolta por um conjunto bastante denso de obrigações e deveres intrísecos à mulher, como se esta função fosse uma “atribuição divina” a todos os seres de sexo feminino. O problema desta questão é que livrar-se de tais papéis ditados pelos discursos ideológicos nem sempre é uma tarefa simples. Não se pode simplesmente livrar-se de uma ideologia e adotar outra instantaneamente. Para o indivíduo que se vê imerso em um ambiente onde a cada tanto lhe são oferecidos os mais diversos estímulos que o levem a crer que a situação em que se encontra é a ideal, a norma é que ele continue a seguir o fluxo e seja apenas mais um a reforçar o discurso da instituição. Sobre esta situação, Manheim (2004, p. 145) diz que: El pensador aislado podrá tener la impresión de que sus ideas fundamentales nacieron espontáneamente en él, sin arraigo en el medio social en que vive. Es fácil, para alguien que se mueve dentro de un estrecho mundo social “provinciano”, creer que los acontecimientos de su vida son hechos aislados que se deben únicamente al destino.
Para Correia (2005), os seres humanos agem cada vez mais em relação à realidade com base no significado que lhe atribuem e essa atribuição de significados está intimamente relacionada e guiada pelo discurso adotado pelas instituições que o indíviduo faz parte. Os processos de mediação que recebem interferência das instituições sustentam as representações sociais da realidade e indicam as normas e os objetivos com os quais as coletividades devem comportar-se (CORREIA, 2005). Por isso, é correto afirmar que as instituições desempenham papel de suma importância na constituição da experiência que os indivíduos têm do mundo e na forma como eles irão projetar suas condutas. Até aqui, espera-se terem sido oferecidas algumas considerações acerca do papel da ideologia dentro da dinâmica social. Durante as formulações apresentadas acima – 53
que analisavam a relação que a ideologia marca com o discurso, o indivíduo e as instituições –viu-se que os limites que marcam a proximidade entre cada um desses elementos não são de todo muito claros, até porque, esses elementos, além de não operarem isolados, dependem um da ação do outro para seu funcionamento. Viu-se que os discursos, além de espaços para manifestação de ideologia, são também ferramentas usadas pelo indivíduo em suas práticas de legitimação de ideias. Viu-se ainda que, por sua vez, os indivíduos se veem limitados por esses mesmos discursos que irão definir quais ações lhe cabem dentro da instituição social que se encontram, e que também estão carregadas de posicionamentos ideológicos. Assim, espera-se que os argumentos apresentados acima sejam suficientes para a compreensão das demais considerações a serem realizadas na próxima seção que terá como objetivo mostrar como ocorre a interferência dos posicionamentos ideológicos na instituição meios de comunicação, em especial, na prática jornalística. A sessão seguinte encerra os argumentos desta pesquisa em torno à Ideologia. Na seção final deste capítulo, o foco do trabalho será voltado para a análise que motivou o interesse por este estudo, que é uma investigação acerca da cobertura da revista piauí sobre as jornadas de junho de 2013.
2.3 Mídia e Ideologia: Como visto na seção anterior deste capítulo, as instituições sociais assumem um discurso ideológico que visa a legitimação de suas práticas e a manutenção de seu funcionamento. Por isso, entendendo a interferência dos discursos ideológicos na atuação dos meios de comunicação como um dos elementos chave para a realização das análises a que este trabalho se propõe, a presente seção tem por objetivo discorrer sobre alguns pontos que marcam esta relação. Aqui, se delimitará o foco de análise à operação dos discursos ideológicos dentro dos meios de comunicação para em seguida, nesta mesma seção, serem lançadas as considerações acerca da interferência da ideologia na atividade jornalística. Espera-se que ao serem discutidas algumas das ações que os meios de comunicação adotam e que deixam pistas sobre seu posicionamento ideológico, sejam levantados os devidos
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embasamentos às posteriores considerações deste trabalho, que visa entender como foram noticiadas as matérias em torno às jornadas de junho de 2013 na revista piauí. Para dar início às análises, recorreu-se a Hall (2003), quando o autor se questiona sobre qual a função da Ideologia. Segundo ele, sua função seria reproduzir as relações sociais de produção, necessárias à existência material de qualquer formação social ou modo de produção. Neste momento faz-se importante considerar o papel dos meios de comunicação para a partilha dessas relações já que, ao serem canais de veiculação de imagens, eles também se tornam espaços de veiculação de discursos ideológicos. Lull (1995) afirma que as ideologias veiculadas pelos meios de comunicação reafirmam e estabelecem um sistema de
informações e práticas sociais que se
relacionam com diversos aspectos da realidade social e cultural. Segundo o autor: Los medios de comunicación masiva suelen elevar y amplificar algunas tendencias ideológicas distribuyéndolas entre amplias audiencias de un modo persuasivo e incluso a menudo pomposo, con lo cual las legitiman. En el proceso, una constelación seleccionada de ideas adquiere una importancia cada vez mayor, fortalece las significaciones originales de dichas ideas y extiende su impacto social. (LULL, 1995, p. 22)
E além de amplificar certas tendências ideológicas, os meios de comunicação, como dito no capítulo anterior, têm ainda a propriedade de servirem como fornecedores de imagens da realidade. Ou seja, para alguns indivíduos a experiência de socialização, o contato com certas situações só é possível através da mediação dos meios de comunicação. Isso faz com que a parte da realidade, qual esses indivíduos experimentem, seja completamente condicionada àquilo que os meios decidiram mostrar e também como decidiram mostrar. Guareschi (2000) afirma que desde o início das sociedades modernas os meios de comunicação contribuem com os indivíduos em sua tarefa de construção de subjetividades. Por isso é que é possível que ocorra uma adoção dos discursos ideológicos das mídias por parte de suas audiências. Para o autor, é iconcebível um mundo contemporâneo sem a contribuição e sem a existência dos meios de comunicação. Sobre isso, ele afirma que: Um dos traços fundamentais deste mundo cotemporâneo é exatamente o inesgotável fluxo de conteúdos simbólicos, disponibilizados pelos meios de
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comunicação a um número cada vez maior de pessoas e que, de certa maneira, conformam a realidade, as relações sociais e a subjetividade individual. (GUARESCHI, 2000 p. 43)
Qualquer produto da mídia, seja um filme ou uma revista, é produzido seguindo alguns critérios ditados pelo discurso ideológico do meio em que se inserem. E não há alternativas a esse processo de atravessamento ideológico. Qualquer meio, qualquer veículo, de qualquer inclinação política, ao criar seu produto midiático, estará concebendo-o sob seus próprios limites ideológicos. Hall (2003) chega a afirmar que não existem práticas sociais fora da ideologia, e se tomados os processos de produção midiática como práticas sociais, logo se perceberá que, de fato, todas as práticas sociais se situam no nível discursivo. Ainda segundo o autor, isso não quer dizer necessariamente que não existe nada na prática além do discurso, já que para o autor, essas práticas ocorrem apoiadas em locais e suportes concretos. Nos meios de comunicação por exemplo, as bases materiais seriam os aparatos e instalações necessários ao seu funcionamento e transmissão. E tratando ainda da interferência das orientações ideológicas para o desenvolvimento da atividade midiática, de acordo com o que foi visto no capítulo anterior, desde a escolha de um tema a ser noticiado, até a forma como ocorre seu relato, a ideologia funcionará como uma bússola a orientar a ação de todos os agentes que compõem o processo de produção da notícia. Sobre este condicionamento ideológico na estruturação dos fatos, Charaudeau (2012) afirma que “a estruturação do saber depende da maneira como se orienta o olhar do homem”. E isso ocorre porque as escolhas feita pelos agentes responsáveis por essa criação estarão relacionadas também ao seu posicionamento ideológico. Nem por isso é correto afirmar que apenas pelo fato dos meios de comunicação atuarem segundo seus limites ideológicos há uma tentativa de manipulação ou um desejo explícito de transmitir integralmente às audiências todo seu conjunto de significados. Primeiro porque, como afirma Temer (2001), os receptores possuem senso crítico e segundo, porque estes também recebem outras modalidades de influência, não apenas as das indústria cultural. Entretanto, ainda de acordo com Temer (2001), também não se pode afirmar com total propriedade que simplesmente não há manipulação. Segundo o autor, ela 56
existe, mas é sutil, subliminar e não tem força para ser formadora de padrões definitivos de comportamento ou de conduta. Sobre essa questão, Charaudeau (2012, p. 252) afirma que: Não se pode dizer que os primeiros (meios) tenham a vontade de enganar os demais (audiências), nem que estes engulam todas as informações que lhes são dadas sem nenhum espírito crítico. A coisa é bem mais sutil, e diremos, para encurtar, que as mídias manipulam de uma maneira que nem sempre é proposital, ao se automanipularem, e, muitas vezes, são elas próprias vítimas de manipulações de instâncias exteriores.
Críticas deste gênero, remetem aos três argumentos propostos por Thompson (2011) ao conceito de Imperialismo Cultural criado por de Schiller (verificar ano), para explicar uma suposta dominação cultural estadunidense sobre o restante do mundo. Segundo este conceito, no período posterior à Segunda Guerra, quando os tradicionais impérios coloniais entraram em declínio, houve uma substituição do papel de nações imperialistas, que passou a ser assumido pelos Estados Unidos. Segundo Schiller, este novo regime imperial seria baseado em dois fatores fundamentais: (1) a força econômica adquirida por meio das atividades das corporações internacionais nascidas nos Estados Unidos e (2) o know-how do setor das comunicações, que permitiram aos órgãos comerciais e militares a tomada de vantagem no desenvolvimento e no comando de sistemas de comunicação do mundo moderno. Para Schiller, o resultado deste cenário é catastrófico. Ele afirma que esta “invasão eletrônica” liderada pelos Estados Unidos seria uma ameaça de aniquilamento das tradições locais, que não resistiriam à avalanche de programas televisivos e outros produtos midiáticos provenientes dos poucos centros de poder localizados no Ocidente, mais precisamente, nos Estados Unidos. Ainda segundo Schiller, um agravante a esta situação seria o fato de que esses programas se caracterizam basicamente pela forte presença de valores de consumismo, já que nascem sob uma lógica comercial que visa a satisfação de lucro de seus produtores e patrocinadores. Aqui surge uma das críticas de Thompson e que marca relação com a questão da manipulação lançada acima. Para Thompson, Schiller se equivoca ao analisar a forma como a mídia e seus produtos afetam seus receptores, principalmente os do terceito mundo. Ao acreditar que as audiências apenas internalizariam os sentidos que lhes fossem transmitidas, Schiller ignora o aspecto dialético chave para o processo da 57
circurlação das formas simbólicas. Segundo Thompson (2011, p. 224), tal argumentação: [...] falha em não levar em consideração o fato de que a recepção e a propriação dos fenômenos culturais são processos fundamentalmente hermenêuticos nos quais os indivíduos se servem de recursos materiais e simbólicos disponíveis a eles, bem como da ajuda interpretativa oferecida por aqueles com quem eles interagem quotidianamente, de modo a dar sentido às mensagens que recebem e incorporá-las, de algum modo a suas vidas.
Outra crítica de Thompson (2011) ao conceito de Imperialismo Cultural criado por Schiller e que serve para ilustrar a questão da relação entre os meios de comunicação, audiência e ideologia, diz respeito às “contaminações” que se dão pela chegada de produtos midiáticos vindos de grandes centros de produção cultural às comunidades de terceiro mundo. Schiller parece acreditar que antes da invasão eletrônica estadunidense, não houve outras situações em que heranças culturais autóctones contaram com a interferências de agentes externos. Para Thompson (2011), a imposição de crenças e valores raramente foi direta. O que houve foi um processo de adaptação e incorporação, onde crenças e significados foram adotados e seletivamente apropriados pelas populações locais que gradualmente foram interligando as novas práticas às tradições já existentes. Ainda segundo Thompson (2011, p. 222): [...] deveríamos ver que a globalização da comunicação através da mídia eletrônica é apenas a mais recente de uma série de embates culturais, alguns dos quais aconteceram há muitos séculos, através dos quais, valores, crenças e formas simbólicas se sobrepuseram umas às outras, muitas vezes com o uso do poder coercitivo, político e econômico.
Por fim, outra crítica feita por Thompson (2011) diz respeito ao fato de Schiller parecer ignorar o papel de corpos supranacionais como a Organização das Nações Unidas ou a União Européia nos negócios internacionais. Mesmo construindo seus postulados após a Segunda Guerra, Schiller leva em pouca consideração a importância do comunismo e dos nacionalismos como uma forma de mobilização dos sistemas de crenças. Após o período de tensão gerado pelo conflito, novas modalidades de poder simbólico, geralmente ligados à crenças religiosas, nacionalistas e fundamentalistas, emergiram em diferentes partes do mundo e serviram como elementos de resistência à dominação americana desenfreada descrita por Schiller. 58
Ainda que as opiniões de Schiller e Thompson sejam opostas, ambas servem para reforçar a ideia de que não há imparcialidade da parte dos meios de comunicação, pois seu processo de funcionamento será sempre moldado pela inclinação ideológica dos agentes que o compõem. Na prática jornalística, essa inclinação ideológica costuma deixar pistas que indicam sua existência e justificam certas escolhas dos jornalistas no momento de construção de seus relatos, seja este uma pequena nota ou uma longa reportagem. Identificar e analizar quais são essas pistas é um dos objetivos centrais desta pesquisa. Cabe salientar que a depender da forma como é levada a defesa de um posicionamento ideológico na prática jornalística, ela pode vir a entrar em conflito com um dos preceitos básicos da democracia, que é o de fornecer ao indivíduo as opções de escolha sobre os temas que têm incidência em seu cotidiano. Ao apresentar um relato parcial, moldado por suas limitações ideológicas, os meios de comunicação deixam de fora de sua narrativa uma gama de elementos que também poderiam ser noticiados. Este é o ponto crucial onde a relação MídiaxIdeologia pode terminar não cumprindo com uma das atribuições éticas do próprio fazer-jornalístico, que como visto no capítulo anterior, deve ser usado principalmente como uma ferramenta de mudança social. A questão é que o mito da imparcialidade jornalística na busca da informação sem julgamentos esbarra na impossibilidade de produzir um relato sem que este esteja diretamente condicionado aos limites ideológicos de quem se propõe a fazê-lo. Sobre essa questão, Thompson (2011) discute as condições nas quais a democracia e os meios de comunicação se veem e constata que esta é uma relação marcada por contradições. Para ele: A informação midiática está, pois, minada por essas contradições, o que pode ser resumido na seguinte fórmula: gozar da maior credibilidade possível com o maior número possível de receptores. (THOMPSON, 2011, p. 86)
Essa busca pela sintonia com a audiência pode revelar importantes aspectos do posicionamento ideológico dos meios de comunicação. Como visto anteriormente, o processo discursivo no qual os meios de comunicação –enquanto uma instituição social –se veem inseridos, surge dessa relação cíclica onde o que é dito serve para alimentar aquilo que em certa medida, interessa ser ouvido por suas audiências.
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A persistência de um tema na agenda dos meios também revela traços de seu posicionamento. Quando um determinado assunto é tratado à exaustão por uma publicação, pode-se concluir que a empresa jornalística tem interesse em não apenas acompanhar a agenda do público, como lançar suas próprias interpretações. A situação contrária comprova a mesma situação. Temas que, de alguma forma, podem comprometer a estabilidade das empresas jornalísticas são deixados de lado e não recebem aberturas para debate. As dívidas das empresas de comunicação em concessões públicas, por exemplo, são um assunto pouco discutido nos meios de comunicação mais tradicionais. Ainda tratando dos elementos do fazer jornalístico que apontam traços da postura ideológica dos meios, viu-se no Capítulo 1 que um dos recursos usados para dar legitimidade ao relato é o uso das fontes. Ao coletar o relato de certas pessoas e não outras, os jornalistas demonstram que esta escolha é guiada por limites ideológicos. Em muitos casos, por exemplo, não há formas de se garantir que a forma como o indivíduo relata ter experimentado um acontecimento corresponde ao que ele experimentou de fato. O que irá definir sua utilidade será a contribuição que ele pode dar para reforçar aquilo que o jornalista quer dizer. Além da seleção de fontes, da busca pela sintonia com o grupo a qual uma determinada publicação se destina e da persistência de um assunto na agenda do meio, outro ponto importante da atividade jornalística que demonstra traços de sua posição ideológica é a forma como os fatos e indivíduos são representados. Como visto no capítulo anterior, a notícia é “uma representação social da realidade cotidiana” (ALSINA, 2009), logo, o uso de adjetivos e advérbios, auxiliam nessa representação de imagens que podem ditar como determinado elemento será decodificado por suas audiências. A análise das formas como são descritas situações e pessoas pode revelar a imagem que os indivíduos veem de seu entorno social e também como interpretam as situações a qual se deparam. Sobre isso, Thompson afirma (2011): Numa cultura da imagem dos meios de comunicação de massa, são as representações que ajudam a constituir a visão de mundo do indivíduo, o senso de identidade e sexo, consumando estilos e modos de vida, bem como pensamentos e ações sócio-políticas. A ideologia é, pois, tanto um processo de representação, figuração, imagem e retórica quanto um processo de discursos e ideias.
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Assim, estabelecidas algumas das principais características da atividade jornalística capazes de ilustrar a posição ideológica dos meios de comunicação, esperase ter chegado ao fim desta seção com a justificativa de porque a análise da atuação dos meios é importante para que se possa entender, ainda que parcialmente, as formas como esse meios pretendem classificar o mundo e transmitir essa classificação às suas audiências em forma de discurso. Como visto na seção anterior deste capítulo os discursos, enquanto locais de manifestação ideológica, são operados por indivíduos e instituições como ferramenta de legitimação de ideias. Viu-se também que é a atribuição e a adoção desses discursos que irá definir quais ações cabem ao indivíduo dentro da instituição social em que ele se encontra. Em suma, esta seção, que encerra os argumentos desta pesquisa em torno à Ideologia, se propôs a ilustrar porque as limitações ideológicas são mais fortes que qualquer proposta de isenção no relato. Os argumentos lançados indicam que uma maneira segura de entender a natureza de uma notícia é procurar verificar a quem ela se destina, como ela caracteriza os fatos e os envolvidos, como ela escolhe as pessoas que terão voz e com que frequência ela persiste na agenda dos meios. Essa discussão será retomada no próximo capítulo que trará a análise das edições de julho, agosto e setembro da revista piauí. Para a conclusão do presente capítulo será visto como último tema a ocorrência das jornadas de junho. Este levantamento tem caráter de revisão e se justifica pela necessidade de uma descrição geral do evento. Ao localizar a cobertura das jornadas de junho em um marco mais amplo será possível entender de forma mais precisa, os detalhes da cobertura realizada na revista a qual este estudo pretende analisar.
2.4. As jornadas de junho: As jornadas de junho no Brasil representam um dos maiores movimentos de caráter popular ocorrido no país nos últimos anos. O movimento que começou reivindicando a diminuição no valor do preço da passagem do transporte coletivo, tomou força e recebeu adesão de milhares de pessoas em todo o país, que a essa altura já deixavam claro que a insatisfação já não era só pelos vinte centavos. A grandiosidade 61
adquirida pelo movimento não passaria desapercebida pela cobertura midiática. Não apenas os meios de comunicação brasileiros passaram a cobrir os eventos. A mídia internacional também preocupou-se em tentar explicar a suas respectivas audiências, o que acontecia no país que vinha ganhando cada vez mais notoridade no cenário internacional, e que sediaria dois grandes eventos esportivos nos próximos anos. Para chegar-se ao entendimento das causas do movimento, recorreu-se a Feres Junior (et. al., 2014), que em análise preliminar das interpretações acerca das jornadas, conclui que existem três teses principais que poderiam explicar as causas que conduziram às manifestações. Discutidas as possíveis motivações para o início das jornadas, procurou-se analisar brevemente quais elementos caracterizaram as jornadas como fato com alto nível de noticiabilidade. Por fim, o papel da mídia no relato do ocorrido também será discutido nesta seção que pretende encerrar o segundo capítulo desta pesquisa, que pretendeu oferecer argumentos acerca do papel da ideologia dentro das sociedades e principalmente dentro da atividade midiática, especificamente, a jornalística. Ao dar início às considerações acerca das jornadas de junho, recorreu-se a Feres Junior (et. al., 2014), que procura apontar, por meio de um levantamento sociológico, as possíveis razões que expliquem não apenas o surgimento, como o aumento da intensidade e do apelo popular das jornadas de junho. O autor antecipa três teses que poderiam explicar o movimento, que para ele seriam: (1) a revolução das expectativas crescentes, (2) o ressentimento da classe média tradicional e (3) o colapso dos canais de participação. Para o autor, a primeira causa ocorre porque às massas incorporadas à classe média pelos governos Lula e Dilma, viram-se insatisfeitas com a qualidade dos serviços ofercidos pelo estado. Seria essa nova camada de novos consumidores que, “aliados à classe média tradicional, teriam se rebelado contra o status quo, particularmente contra as administrações e o sistema político” (FERES JUNIOR, et. al., 2014, p.7). A outra tese explicativa das motivações das jornadas colocada pelo autor, seria o “ressentimento da classe média tradicional”, que encara a “nova classe média”, não como um agente, mas como a causa da insatisfação. A “nova classe média” é concebida pela classe média tradicional como uma ameaça a seu exclusivismo, já que seus novos hábitos de consumo representam uma invasão a seu espaço de status e distinção. Ambientes que até então mantiveram-se com acesso restritos às classes mais 62
privilegiadas –como universidades e aeroportos, por exemplo –passaram também a ser ocupados pela camada da população que se viu beneficiada pelos programas de distribuição de renda levados a cabo pelos governos petistas. Por fim, a terceira tese explicativa proposta pelo autor se diferencia das anteriores em seu foco voltado para questões de natureza propriamente política, ainda que ela seja próxima à primeira, que diz respeito à falta de confiança na capacidade do governo de oferecer serviços vitais à organização democrática. Neste caso, a insatisfação foi com a possibilidade de o governo Dilma continuar expandindo os canais de participação democrática, que eram promovidos no governo Lula. Para o autor, seria como se “o enrijecimento de um sistema político antes mais flexível e acomodativo fosse a causa da ruptura” (FERES JUNIOR, et. al., 2014, p.9). Ao discutir a aplicação das três hipóteses, o autor conclui que elas apresentam uma falha que consiste em considerar que as manifestações surgiram espontaneamente dentro da dinâmica social. Segundo ele, elas ignoram a questão informacional, ou seja, o papel das mídias que em muito contribuem para a construção de representações dos indivíduos que compõem sociedades contemporâneas complexas, como a brasileira. O autor chega a essa conclusão ao constatar, por meio de investigação quali-quantitativa, que veículos tradicionais brasileiros, há tempos vinham construindo em seus temários a imagens de duas crises, a econômica e a política, mesmo quando o país passava por cenário de pleno emprego e sem sinais de falência de qualquer um dos quatro principais poderes a controlarem a organização do país (Legislativo, Executivo, Judiciário e Ministério Público). Segundo o autor: Na verdade, a desvalorização da política já está em curso pelo menos desde a eclosão do chamado escândalo do Mensalão, de 2005. Com o julgamento do caso pelo Supremo Tribunal Federal, em 2013, uma campanha massiva de desvalorização da política foi montada pela grande mídia, com foco no PT, na presidência e em seus principais personagens, incluindo o ex-presidente Lula. A crise econômica no Brasil, por seu turno, tem sido constantemente anunciada pelo menos desde 2008, quando o mundo desenvolvido entrou em recessão a partir da crise das hipotecas subprime, nos EUA. (FERES JUNIOR, et. al., 2014, p.16-17)
Ao concluir-se que os veículos tradicionais de comunicação tiveram importante papel na motivação das jornadas, cabe agora analisar o ocorrido a partir do ponto de vista comunicacional. Para tanto, recorreu-se a Zanotti (2014) que ao referir-se às
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jornadas, define-as como as manifestações iniciadas na cidade de São Paulo no mês de junho de 2013 e que espalharam-se por todo país. Para ele: O protesto inicial contra reajustes tarifários para o transporte público paulistano evoluiu para um espetáculo midiático pouco comum, envolvendo milhões de pessoas. Veículos de empresas de comunicação foram depredados durante as manifestações e profissionais do jornalismo acabaram hostilizados pelos manifestantes; a própria mída recuou de críticas feitas na primeira hora do movimento. (ZANOTTI, 2014, p. 95)
Como visto no Capítulo 1, Galtung e Ruge (apud. Traquina, 2005) estabelecem doze critérios para definir o grau de noticiabilidade de determinado fato, sendo eles: (1) a frequência ou a duração do acontecimento; (2) a amplitude e repercussão; (3) a clareza e a falta de ambiguidade; (4) a significância; (5) a consonância, que seria a facilidade de usar a nova notícia para reforçar algo já dito; (6) o inesperado; (7) a continuidade; (8) o equilíbrio temático com relação aos demais assuntos tratados; (9) a referência a nações de elite; (10) a referência a pessoas de elite; (11) a personalização,que seria a possibilidade de associar o fato a um personagem e (12) a carga negativa presente no fato. Com base nos dados apresentados na referida seção, foi possível interpretar que as manifestações apresentam características que se enquandram dentro de alguns destes elementos. O primeiro deles seria a extensão temporal em que se desenvolveram as manifestações. O próprio nome usado para designar o movimento, “jornadas de junho”, deixa claro o período em que ocorreram as manifestações. Além disso, o movimento que teve início na cidade de São Paulo, não se restringiu a esta cidade apenas, passando a acontecer também em outras localidades de todo o país, aumentando a repercussão dos manifestos e também sua notoriedade perante os veículos de comunicação nacionais e internacionais. As jornadas se caracterizam como fato inesperado na medida em que a imagem do país, principalmente na propaganda política do governo, era a de bonança. Ao ter passado pela crise de 2008 sem perdas muito significativas para a economia, o Brasil passou a ser visto, principalmente pela comunidade internacional, como um país que havia resolvido o problema da fome e também como uma potência em desenvolvimento, onde os problemas com a qualidade de serviços públicos haviam ficado para trás. Entretanto, com o advento das jornadas, ficou evidenciado que o país
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ainda apresenta problemas estruturais e que a população não estava de todo satisfeita com os serviços oferecidos pelo estado. Um aspecto interessante das manifestações foi a pluraridade de temas reinvidicados pelos manifestantes. A primeira delas foi o apelo pela diminuição no valor da tarifa do transporte público, levada a cabo principalmente pelo Movimento Passe Livre, o MPL, que foi o responsável pela organização das primeiras manifestações. Assim que passaram a ter maior adesão da população, novas reinvidicações entraram na pauta dos atos, que passaram a protestar também contra a corrupção, os gastos com os eventos esportivos que o país sediaria, o descaso do governo para com os serviços de saúde e educação e outros. Em suma, as jornadas passaram a demonstrar a insatisfação da população contra a forma com que o estado estava sendo conduzido pelos governantes. Foi a partir das jornadas de junho que a presidenta Dilma Rousseff passou a personificar o sistema político pelo qual as pessoas estavam protestando. Ainda que isto não tenha impedido que ela conseguisse se reeleger, foi a partir deste momento que sua popularidade passou a diminuir, bem como a aprovação de seu governo. O Partido dos Trabalhadores, também passou a receber ataques mais concentrados a partir da ocorrência das manifestações, que tiveram início justo no ano em que se realizavam as comemorações pelos dez anos da legenda na presidência. O caráter espetacular que acompanhou a cobertura das manifestações evidenciou-se quando grandes veículos de comunicação passaram a mudar o tom editorial usado para referir-se a elementos centrais das manifestações, como os manifestantes e suas motivações. Ainda de acordo com Feres Junior (et. al., 2014), a postura inicial dos veículos de comunicação foi a de rechaço das manifestações com o foco na irresponsabilidade dos manifestantes, caracterizados como vândalos e baderneiros. Em um segundo momento, esses mesmos veículos passaram a elogiar às críticas à política, enquanto continuavam a condenar o vandalismo promovido por parte dos manifestantes. Por fim, passaram a atribuir a responsabilidade sobre as manifestações à falência das instituições políticas, ao governo federal e à figura da presidenta Dilma Rousseff. Ao chegar-se ao fim desta seção que pretendeu discutir as principais características das jornadas de junho, pode-se concluir que as manifestações surgiram 65
como um movimento da classe média que teve seu discursso legitimado pela cobertura de veículos considerados mais tradicionais. Entretanto, pela pluralidade de grupos que compuseram as manifestações, também estiveram presentes aqueles que enxergavam nesses setores da mídia, uma fonte pouco confiável no relato das informações. Em casos mais extremos, houve hostilidade com jornalistas da Rede Globo e depredação de veículos de outras emissoras. As jornadas enquanto fato altamente noticioso tiveram nas coberturas independentes (atuação do coletivo Mídia NINJA, por exemplo), uma alternativa ao tratamento dado pelos setores mais conservadores da imprensa, que aproveitaram as cenas de depredação inicialmente para deslegitimar todo o movimento, mas que posteriormente se aproveitaram deste para reforçar suas críticas ao governo populista do PT. Ao encerrar com esta colocação o capítulo que se propôs a oferecer uma reflexão sobre o papel da ideologia presente nos diversos setores da sociedade, é possível retomar a afirmação lançada anteriormente neste capítulo, que constata que diferentes inclinações ideológicas promovem uma disputa pelo poder dentro das sociedades. Ao verificar-se, por exemplo, a mudança no teor das críticas promovidas pelos meios de comunicação tradicionais, como o jornal O Globo, percebe-se como o discurso das mídias pode se alterar para contemplar o maior número de receptores e assim ampliar suas audiências. A primeira parte deste capítulo foi construída com base na revisão do apanhado histórico feito por Thompson (1995), onde o autor discute o percurso das definições aplicadas ao termo “Ideologia”. Ao concluir sua análise, o autor sugere uma definição neutra para o termo, que possibilitaria análises menos tendenciosas no momento em que se discutem questões relativas ao teor ideológico presente nos discursos. Após essa discussão, os esforços da pesquisa voltaram-se ao questionamento de como ocorre a operação das ideologias dentro das sociedades. Para tanto, a análise foi dividida em quatro eixos, sendo (1) os discursos , (2) os indivíduos e (3) as instituições sociais e (4) os meios de comunicação. No primeiro deles, pode-se concluir que os discurso são antes de tudo, ferramentas usadas para a legitimação ideológica, logo eles tem a necessidade de serem adotados pelos indivíduos para só assim produzirem efeitos dentro da realidade social. 66
Na seção seguinte, que se propôs a averiguar como ocorre a relação entre a ideologia e os indivíduos, foi possível concluir que a adoção de discursos ideológicos pelos indivíduos lhes retira a tarefa de sistematizar a complexidade do mundo a partir do nada. Ou seja, ao assumir o discurso legitimado pelo grupo a qual pertence, o indivíduo encontra resposta para questões bastante complexas acerca daquilo que o rodeia. Alguns desses grupos que compartilham discursos já estabelecidos, possuem certo grau de institucionalização de suas práticas, o que permite considerá-los como instituições sociais. A terceira parte da seção que discutiu as formas de operação da ideologia, ocupou-se de descrever a relação que existe entre essas instituições e os discursos ideológicos adotados por elas. Foi possível concluir que essas instituições adotam os discursos apenas de forma a legitimar e reforçar aquilo a que elas estão dispostas a reconhecer como verdadeiro. Qualquer argumento ou constatação que possa prejudicar sua legitimidade, quando não pode ser revertida ao discurso que lhe legitima, é descartada ou ignorada. Por fim, na seção destinada à discussão sobre a relação entre mídia e ideologia, viu-se que não existem formas que possam garantir total isenção nos relatos. Os argumentos lançados no decorrer deste capítulo ocuparam-se de demonstrar como o discurso ideológico, presente em todos os elementos que compõem a atividade da mídia, não pode ser deixado de lado em nenhum momento da execução da prática jornalística. Ao fim deste capítulo também foi possível constatar que a análise dos pontos centrais que compõem as notícias, como a quem ela se destina, como ela caracteriza os elementos envolvidos e a persistência do tema na agenda do veículo, pode revelar aspectos do atravessamento ideológico característico dos meios. Por isso mesmo, o terceiro e último capítulo desta pesquisa será destinado à analise e interpretação dos textos publicados pela revista piauí, nos três meses que sucederam a realização das jornadas de junho no Brasil. Espera-se que a partir da análise dos elementos encontrados na revista, seja possível entender como este veículo pretendeu construir sua narrativa sobre as jornadas, e principalmente, como pretendeu refletir o ocorrido às suas audiências.
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CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DO CORPUS
A atividade jornalística tem por objetivo principal informar os indivíduos sobre os fatos que acontecem em seu entorno. Como constatou-se a partir das considerações lançadas nos capítulos anteriores, o processo de construção da notícia se vê atravessado pela presença do discurso ideológico, que irá guiar a ação daqueles que estão envolvidos em sua operação. Por isso mesmo,
os argumentos apresentados pautaram-se pela
tentativa de mostrar o quão válido é poder afirmar que as produções midiáticas transmitem, ainda que em alguns casos discretamente, as opiniões e os valores daqueles que controlam seu processo de produção e que, a partir da análise do que é dito nos meios de comunicação, é possível chegar-se a um entendimento de como estes meios pretendem refletir o mundo. A inclinação ideológica dos meios de comunicação costuma deixar pistas que comprovam seu posicionamento. Em um filme por exemplo, a construção de um personagem feminino “frágil” versus a de um homem como o “herói”, são clichês que demonstram que a cultura machista ainda persiste em parte das produções da indústria de mídia. Já na prática jornalística essa inclinação pode manifestar-se por meio certas escolhas dos jornalistas no momento de construção de seus relatos, seja esta escolha tomada a nível consciente ou não, seja essa escolha tomada diretamente por ele ou não. Identificar e analizar quais são essas pistas é um dos objetivos centrais desta pesquisa. Assim, para cumprir com o objetivo central proposto pelo presente trabalho, o terceiro e último capítulo dessa pesquisa irá ocupar-se primeiramente de descrever os textos publicados na revista piauí nas edições de julho(82), agosto (83) e setembro (84) de 2013. A descrição permitirá a separação dos textos em três categorias sendo: 1. os textos que não tem relação com o tema central, no caso as jornadas de junho; 2. os que mantém relação indireta, ou seja, aqueles que abordam questões próximas ao tema, como manifestações populares, além de textos que de algum modo envolvam situações ou pessoas que tenham a ver com as jornadas, mas que não necessariamente dependeram desta para terem notoriedade a ponto de receberem o tratamento noticioso da revista; 3.os textos que tratam diretamente das jornadas, seja em forma de cobertura pontual ou reportagens que abordem os desdobramentos das jornadas após o mês de junho, que foi quando elas ocorreram com mais intensidade. 68
A separação das categorias permitirá verificar não apenas o número de matérias que tratam diretamente o tema, como também a intensidade da cobertura que a revista realizou durante as três edições quais esta pesquisa irá verificar. A quantidade de textos que por sua vez mantém relação indireta com o tema poderá indicar o interesse da revista em manter a temática das revoltas em sua agenda partindo de outros casos, mas ainda assim construindo sua narrativa sobre o evento. Após a descrição dos textos e sua respectiva separação nas três categorias, a segunda parte deste capítulo será dedicada à análise, onde serão vistos, por exemplo, quais as características do texto da revista, as fontes consultadas para a elaboração das reportagens e também quem são os autores. Uma das características da piauí é apresentar ao leitor uma breve descrição de trabalhos anteriores de alguns dos autores dos textos em cada edição, em uma pequena seção intitulada “colaboradores”. Assim, na tentativa de uma descrição mais completa dos textos, também serão consideradas essas informações, que porventura tenham sido disponibilizadas pela revista, já que nem todos os jornalistas recebem essa apresentação. Durante a análise também serão vistas as formas como elementos como (1) os manifestantes (2) o estado ou pessoas do estado e (3) as manifestações em si foram descritos pelos autores, a partir da verificação dos adjetivos e expressões usados por estes. Ao serem analisados estes aspectos, espera-se chegar ao primeiro ponto necessário para dar início ao esboço das conclusões acerca de como a revista se propôs a construir sua narrativa sobre as jornadas de junho. Por fim, a terceira e última seção deste trabalho trará uma interpretação que tomará como apoio os argumentos teóricos lançados nos dois capítulos anteriores para encontrar as pistas deixadas nas três edições da revista piauí, e que poderam sinalizar qual sua postura diante das manifestações. Esta interpretação terá por objetivo discorrer sobre a qualidade dos textos enquanto uma das ferramentas de construção da realidade. Assim, espera-se que seja cumprido o objetivo central da pesquisa que é demonstrar como a revista pretendeu construir a imagem das jornadas de junho através da sua cobertura e da forma como decidiu noticiar este fato.
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3.1. Descrição e Classificação dos Textos: Ao dar início às descrições dos textos publicados nas três edições da revista piauí entre os meses de julho e setembro de 2013, constatou-se que o corpus da pesquisa engloba o total de 59 textos, sendo 20 produções na edição de número 82 (junho), 19 na edição 83 (julho) e outros 20 textos na edição 84 (agosto). Deste total, não foram consideradas na análise a seção intitulada “poesia_” que esteve presente nas edições de julho e agosto, e que trouxeram obras dos poetas Fabricio Corsaletti e Charles Peixoto, respectivamente, além da seção “teatro”, presente apenas na edição de agosto e que trazia uma obra teatral adaptada, do escritor Otávio Frias Filho. Outra seção deixada de lado no momento da análise foi “Diário de Dilma Rousseff”, que tratase de uma sátira da agenda da presidenta, onde são apresentados em forma de diário suas opiniões sobre diversos temas. A seção tem autoria de Renato Terra, ilustrações de Caco Galhardo e está presente em todas as edições da revista. Separados os textos que não farão parte da análise, o corpus da pesquisa foi reduzido ao número de 52 produções, sendo 18 na edição de julho, 17 na edição de agosto e outros 17 na edição de setembto. Para a melhor classificação dos eixos de análise os textos foram separados em três grandes categorias, sendo: 1. As produções que não mantém relação alguma com o tema “jornadas de junho” 2. As produções que mantém relação indireta com o tema, seja por abordarem assuntos próximos, como revoltas populares, problemas urbanos, ou ainda, por envolverem pessoas que de alguma forma tenham a ver com as jornadas, mas não precisariam destas para receberem tratamento noticioso. 3. As produções que mantém relação direta com o tema, seja na cobertura pontual das manifestações, seja na abordagem de temas ligados aos seus desdobramentos. Para a qualificação dos textos nas categorias acima, foram elaboradas pequenas sinopses das 52 produções onde constam o título da matéria, o gênero, o subtítulo, a autoria e um breve resumo sobre o que é dito nestes textos. Com este primeiro levantamento, foi possível identificar nas três edições 32 textos que não tem relação alguma com o tema jornadas de junho, dez textos que marcam relação indireta e outros dez que tratam diretamente das manifestações de junho, segundo os critérios propostos 70
acima. O gráfico abaixo ajuda a ilustrar melhor como foi a distribuição dos textos nas três edições:
Gráfico 1: Classificação por relação com o tema
A primeira edição analisada foi a de número 82 e se refere ao mês de julho de 2013. Nela foram encontrados 18 textos, que correspondem a 34% de todo o material analisado. Destes 18 textos, sete (38,8%) não mantém relação com as jornadas, dois (11,1%) mantém relação indireta e nove (50%) abordam diretamente as manifestações ou seus desdobramentos. Foi esta edição a que apresentou a maior quantidade de matérias relacionadas ao evento, possivelmente por ser a primeira a ter sido lançada após o ocorrido. A maior parte dos textos dessa edição pode ser classificada como pertencente ao gênero reportagem, sendo 13 no total. Mas também há duas crônicas e três artigos. Entre os textos que não marcam relação com o tema, estão reportagens que tratam desde o crescimento do número de igrejas petencostais no Brasil, até um perfil do cronista Antonio Prata. O primeiro texto a marcar relação indireta com o tema nessa edição, tem como título “Setecentos dias na Praça- cineasta veterano da revolta no Egito tira férias nos protestos turcos”, (piauí_82, julho de 2013, p. 13) e narra a experiência do documentarista Mohammed Hamdy em dois movimentos de revolta popular, primeiro no Egito e depois na Turquia. A reportagem localiza-se na editoria “esquina”, uma das poucas presentes em todas as edições de piauí. Neste número, os outros seis textos desta editoria tratam de temas ligados diretamente às revoltas de junho no Brasil. 71
O segundo texto a relacionar-se indiretamente com o tema é um artigo traduzido por Isa Mara Lando do geógrafo marxista inglês e professor da City University de Nova York David Harvey. Segundo informações encontradas na seção “colaboradores_julho”, o artigo foi publicado originalmente em 2008 na revista New Left Review. Neste artigo intitulado “O direito à cidade”(piauí_82, julho de 2013, p. 38), Harvey discute como a qualidade de vida tornou-se uma mercadoria nas grandes cidades, onde o acesso a bens e serviços como lazer e cultura são acessíveis apenas àqueles que dispõem de recursos para comprá-los. A relação indireta com o tema das jornadas é estabelecida, na medida em que o artigo se propõe a discutir os problemas que acompanham a urbanização. O primeiro texto publicado na edição 82 é de autoria do diretor de redação da piauí Fernando de Barros e Silva. Ele assina o artigo intitulado “O som ao redor: as revoltas de junho e os ventos conservadores no caminho de Dilma” (piauí_82, julho de 2013, p.7). No texto há uma previsão sobre o risco de não reeleição da presidenta após as manifestações, que de certa forma serviram para dar voz aos que não estavam de acordo com a situação econômica e política do país. A maior parte dos textos que mantém relação direta com o tema “jornadas de junho” encontra-se na editoria “esquina”, que como dito acima, é uma das poucas a estar presente em todas as edições. A editoria é composta geralmente por seis ou sete reportagens que não marcam relação temática entre si, e as ilustrações são do artista Andrés Sandoval. Apenas nessa edição é que praticamente todos os textos (seis de sete) abordaram o mesmo tema. O primeiro deles é um artigo de Mario Sergio Conti, um dos idealizadores da revista e tem como título “Rebelião: Relâmpago, fagulha e incêndio num fim de outono” (piauí_82, julho de 2013, p. 8). Nele, Conti estabelece uma comparação das manifestações ocorridas nas cidades brasileiras com as que aconteceram em outros países e tenta situá-las em um marco histórico ao compará-las também com outros movimentos tidos como revolucionários. O segundo texto da seção é de Nuno Manna. A reportagem com o título de “Copa das Conflagrações: Dilemas político-esportivos de um jovem comunista no Mineirão” (piauí_82, julho de 2013, p. 9) apresenta uma das características principais do texto típico da piauí, que é a personificação do tema através da história que se desenvolve a partir de um personagem. Aqui, o foco é dado ao jornalista Terêncio de 72
Oliveira, que se sente dividido entre suas convicções políticas e seu amor pelo futebol. Terêncio é militante de um partido de esquerda e participava das manifestações, entretanto, deixou de comparecer a uma delas pois havia comprado ingressos para assistir a uma partida entre Brasil e Uruguai pela Copa das Confederações. Na reportagem “Guerra dos memes: na transmissão dos protesos surge um novo tipo de jornalismo”(piauí_82, julho de 2013, p. 10) de Ronaldo Bressane, o autor procura mostrar como ocorre a ação do coletivo de mídia Narrativas Independentes Jornalismo e Ação (NINJA), a partir da cobertura de alguns dos protestos das jornadas de junho. No quinto texo a abordar as jornadas, o título é “Orquestrando a Revolta: A fanfarra do M.A.L não corre quando a polícia bate” (piauí_82, julho de 2013, p. 11), a jornalista Juliana Cunha acompanha a fanfarra do Movimento Autônomo Libertário, M.A.L., em uma das passeatas realizadas na cidade de São Paulo. Cunha tenta explicar como funciona a organização sem líderes do movimento e deixa claro que muitos dos participantes, principalmente aqueles que estavam começando a frequentar as manifestações naquela ocasião das jornadas de junho, pouco entendiam a formação autônoma da banda. Ainda na seção “esquina”, no sexto texto a tratar diretamente das manifestações de junho, Claudia Antunes assina uma reportagem que descreve como os jovens cariocas, Alessandra Orofino e Miguel Lago, fundadores da ONG Meu Rio, foram procurados pela imprensa internacional para explicar o que estava acontecendo no país. Segundo a reportagem, sob o título de “Nova Iorque chamando: Dois jovens são assediados para explicar o que ninguém entende” (piauí_82, julho de 2013, p. 11), os dois representavam o estereótipo de porta-vozes do movimento, o que chamava a atenção de jornalistas estrangeiros que estavam em busca de respostas precisas sobre as motivações das jornadas. Em “Apologia do vinagre: o ácido acético entra para a pauta da política nacional” (piauí_82, julho de 2013, p. 12), a jornalista Vanessa Barbara escreve uma reportagem com base nas discussões de um evento no facebook intitulado “Marcha pela legalização do vinagre”. Na página, que chegou a unir virtualmente mais de 50 mil pessoas, os participantes ironizavam a operação da polícia militar que apreendeu frascos
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com o produto durante as manifestações, alegando que ele poderia ser usado na confecção de bombas caseiras. O oitavo texto da edição a marcar relação direta com o tema jornadas de junho está localizado na editoria “tipos brasileiros”, que esporadicamente aparece na revista. Nesta edição, o jornalista Renato Terra, mesmo autor da seção satírica “Diário de Dilma Rousseff”, assume a voz de um manifestante que participa das jornadas apenas pelo prazer de aproveitar o cenário de desordem e principalmente de violência que se instaurava em alguns momentos dos atos. A crônica tem o título de “Pit bull de passeata: Fiz uma versão maneiríssima da musiquinha ‘eu sou baderneiro/com muito orgulho/ com muito amor’ com batida eletrônica” (piauí_82, julho de 2013, p. 36) e uma ilustração de um homem com músculos à mostra, a cabeça desproporcionalmente menor que o corpo, uma camiseta regata com a bandeira do Brasil e carregando um coquetel molotov em uma das mãos. O texto critica por meio da sátira a presença de pessoas que não tinham motivos políticos para participar dos protestos e que apenas reproduziam palavras de ordem repetidas durante as manifestações como o clamor antipartidário, por exemplo. O personagem afirma não ter ideologia política e diz que as jornadas são uma nova forma de distração, como as raves ou as baladas sertanejas. O último texto a relacionar-se com o tema encerra a edição e está localizado na seção “despedida”. Trata-se de uma reportagem sob o título de “Sobrou para o PSTU: agremiação trotskista com apenas dois vereadores não escapou da fúria contra os partidos, mas já faz planos para o pós-revolução” (piauí_82, julho de 2013, p. 78), e tem autoria do jornalista Nonato Veigas. O texto descreve como o Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado, o PSTU, se viu obrigado a abaixar suas bandeiras em alguns dos protestos realizados durante as jornadas de junho, pois alguns manifestantes mais radicais hostilizavam a presençade partidos políticos nos atos. Para a elaboração do texto foram entrevistados integrantes na sede do partido na cidade do Rio de Janeiro. A primeira edição analisada foi a que mais apresentou textos que mantinham relação direta com o tema jornadas de junho, constituindo metade do total de textos publicados. Entretanto a maior parte deles (66,6%) esteve localizada em uma única seção e os outros estiveram um no início, outro no meio e outro no fim da revista. Nenhuma das grandes reportagens, gênero característico do jornalismo da piauí, se dedicou a cobrir o tema. Ainda que o gênero predominante nos textos a abordarem
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diretamente o tema tenha sido reportagem, também foram escritos dois artigos, que representam 22,2% do total de textos sobre as jornadas na edição. Um deles é de autoria do próprio Mário Sérgio Conti, um dos idealizadores da revista. Seu artigo, que abre a editoria “esquina” apresenta tamanho maior que o dos outros jornalistas, sendo 7 colunas em uma página dupla com oito colunas, característica da diagramação da revista. Em suma, a distribuição temática nesta primeira edição deu-se da seguinte forma:
Gráfico 2: Classificação por relação com o tema na edição 82
Na segunda edição analisada, referente ao mês de agosto de 2013, foram encontrados 17 textos, que representam 33% do total investigado. Destes 17 textos, onze deles (64,7%) não mantém relação com as jornadas, cinco (29,4%) mantém relação indireta e apenas um (6%) apresenta relação direta. Dentre as edições analisadas, foi esta a que apresentou o maior número de matérias que mantém relação indireta com o tema, ao abordarem por exemplo a questão das revoltas populares, mas com o foco voltado a episódios ocorridos em outros países. Os textos que não mantém relação com o tema abordaram desde o funcionamento de um criadouro de cobras até a dificuldade de ufólogos brasileiros em conseguirem registros da Força Aérea que comprovem avistamento de ovnis. Em um dos textos, “Mais fortes são os poderes do corpo: Francisco prega uma Igreja na rua, que beije e toque” (piauí_83, agosto de 2013, p.8), de Mário Sérgio Conti, há uma breve menção da visão do líder religioso sobre as jornadas: “e o argentino, mesmo afirmando 75
que não entendia direito as manifestações de rua brasileiras, conclamou os jovens a dela participar”. Já entre os textos a manterem relação indireta com o tema, o primeiro da edição tem autoria de Daniela Pinheiro e caracteriza-se como uma grande reportagem. Trata-se de um perfil com o título de “O comissário: as tarefas e os métodos de Rui Falcão, o presidente do PT” (piauí_83, agosto de 2013, p.20). O texto se inicia com a narração da chegada de uma comissão do partido à cidade de Salvador, onde estava prevista a realização de um evento em comemoração aos dez anos do partido no poder. Logo no início é citado o clima de cautela entre os dirigentes do PT, já que este encontro seria o primeiro a acontecer após as jornadas de junho. Os idos de junho são mencionados no seguinte trecho: “durante os protestos, um dos gritos urrados pela multidão era: ‘Fora PT, leve a Dilma com você!’”. As jornadas são relevantes na reportagem que apresenta o perfil do presidente do partido que comanda o governo, pois em muitos momentos dão o tom que justifica uma possível mudança na postura do partido, que segundo o própio Rui, poderia lançar a candidatura de Lula, caso a popularidade de Dilma Rousseff se mantivesse em baixa por conta das revoltas. O segundo texto a tratar um tema ligado indiretamente às jornadas tem o título de “O longo prazo chegou: o que restará do lulismo quando a bolha de consumo estourar?” (piauí_83, agosto de 2013, p. 33) e autoria de César Benjamin. É um artigo que apresenta alguns pontos que na opinião do autor, justificam a situação de crise no país e a consequente revolta de parte da população que resolveu protestar. A relação indireta com o tema central é explicitada na frase que conclui “as manifestações de junho parecem indicar que o longo prazo chegou”, estabelecendo uma relação com o título do artigo. É interessante constatar que o artigo se localiza logo após uma página dupla onde há uma propaganda do programa Mais Médicos do Governo Federal, que mostra que mais de R$14 bilhões seriam disponibilizados para investimentos no programa até o ano de 2014. Em seguida, o terceiro texto a manter relação indireta com o tema descreve como a morte de um sargendo do Bope desencadeou uma operação que terminou com dez mortes no Morro da Maré no Rio de Janeiro. A reportagem com o título “Os invisíveis: a noite de terror, os mortos e os sobreviventes da Maré depois da operação do Bope” (piauí_83, agosto de 2013, p. 38), descreve a operação, dando ênfase na abordagem agressiva dos policiais, e discute como crimes cometidos pela polícia não 76
recebem atenção do poder público ou de outras instituições, como a mídia por exemplo. A relação indireta com o tema explica-se pelo fato de que no dia da operação, os policiais do Bope só subiram o morro, pois estavam a procura de batedores de carteira que promoveram um arrastão em uma das manifestações. De acordo com a reportagem, ao chegarem ao morro, os policiais foram recebidos por tiros de fuzil disparados pelos traficantes. Um deles atingiu o sargento Jerônimo dos Santos Silva que comandava a operação. Jerônimo morreu na hora. Revoltados com o ocorrido, os demais policiais se retiraram do morro e retornaram com um efetivo muito maior, passando a invadir casas de moradores à procura dos traficantes. A reportagem tem relatos de moradores que presenciaram o ocorrido e dos que tiveram suas casas invadidas e destruídas pelos policiais naquela noite. Também é entrevistado o comandante da Academia de Formação de Oficiais da Polícia Militar, Ibis Silva Pereira, que constata que o problema da relação da polícia com o morro está na forma como o combate às drogas é promovido pelo estado. Os dois últimos textos a abordarem indiretamente o tema das revoltas discutem sobre manifestações de caráter popular
em outros países. No primeiro deles,
“Democracia na Praça: dois anos de protestos na Espanha” (piauí_83, agosto de 2013, p.44) são revistos os principais pontos do movimento que ficou conhecido como 15M. O artigo de Germán Labrador Méndez aparece dividido em quatro partes: democracia, te amo; imaginário da história; comida e canibalismo; o começo é o final. A relação indireta com o tema é melhor ilustrada quando o autor conclui o texto comparando o movimento 15M com as jornadas de junho do Brasil, ao afirmar que questões como a insatisfação com o aumento do custo de vida, com a precariedade de serviços públicos e a demanda por dignidade e cidadania foram motes iniciais para ambos movimentos. Por sua vez, no segundo texto a ter revoltas populares ocorridas em outros países como tema central, e também o último da edição a manter relação indireta com o tema, não há fragmentos que busquem demonstrar diretamente a relação com as jornadas de junho no Brasil. Trata-se de um relato escrito em forma de diário pelo documentarista Muhammed Hamdy com o título “Pedras, armas, religião: o golpe militar no egito pelos olhos de um veterano dos protestos e dos cafés do Cairo” (piauí_83, agosto de 2013, p. 52). Hamdy esteve em um dos movimentos que constituiram a Primavera Árabe, que no Egito, ocorreram motivadas pelo desejo da população em tirar do poder o ditador Hosni Mubarak. 77
Das três edições analisadas, esta foi a que apresentou o maior número de textos que mantinham relação indireta com o tema jornadas de junho. As cinco matérias encontradas na edição de agosto de 2013, representam quase 30% das produções publicadas na revista no referido mês. Destes cinco textos, dois abordam diretamente questões relativas ao Partido dos Trabalhadores, um dos símbolos contra o qual a maior parte dos manifestantes passou a investir. Há um texto que relata os desdobramentos de uma operação da polícia e que constituiu uma ação motivada inicialmente por um arrastão ocorrido em uma das manifestações. Por fim outros dois textos dizem respeito à revoltas de caráter popular ocorridas no Egito (Primavera Árabe) e Espanha (Movimento 15M), sendo que neste segundo há uma comparação com as motivações das jornadas brasileiras. Com relação ao gênero, os textos se dividem em duas grandes reportagens (“O comissário: as tarefas e os métodos de Rui Falcão, o presidente do PT” e “Os invisíveis: a noite de terror, os mortos e os sobreviventes da Maré depois da operação do Bope”), dois artigos (“Democracia na Praça: dois anos de protestos na Espanha” e “O longo prazo chegou: o que restará do lulismo quando a bolha de consumo estourar?”), e um relato escrito em forma de diário (“Pedras, armas, religião: o golpe militar no egito pelos olhos de um veterano dos protestos e dos cafés do Cairo”). Por fim, assim como a maioria dos textos que mantinham relação direta com o tema jornadas de junho na edição 82 estavam localizadas na editoria “esquina”, o único da edição 83 a noticiar algo ligado diretamente às manifestações também está localizado nesta mesma seção. Com o título “Os estreantes da Rocinha: os velhos poderes assediam os jovens que lideraram manifestações de junho na favela” (piauí_83, agosto de 2013, p. 52) a reportagem de Claudia Antunes explica como os jovens Denis Neves e Erica Santos, que organizaram uma das manifestações que desceu o morro da Rocinha, passaram a ser procurados por lideranças políticas (governador do estado e prefeito da cidade do Rio de Janeiro), com a intenção de convidá-los a filiarem-se a seus partidos. A reportagem narra como ocorreram os dois encontros e como os jovens se viram divididos entre a necessidade de buscar melhorias para sua comunidade e o risco de ceder a ponto de reproduzirem o que chamam de “velhos vícios políticos”. Em suma, a distribuição temática nesta segunda edição deu-se da seguinte forma:
78
Gráfico 3: Classificação por relação com o tema na edição 83
A terceira e última edição analisada foi a de número 84 e se refere ao mês de setembro de 2013. Nela foram encontrados 17 textos, que correspondem a 33% de todo o material analisado. Destes 17 textos, 14 (82,3%) não mantém relação com as jornadas, três (17,7%) mantém relação indireta e
nenhum deles aborda diretamente as
manifestações ou seus desdobramentos. Foi esta edição a que apresentou a menor quantidade de textos relacionados com as jornadas de junho. O primeiro texto a manter relação indireta foi a reportagem-perfil de autoria de Rafael Cariello intitulada “Urbanista acidental: as obsessões e os dilemas de Philip Yang, o empresário que pretende reinventar o Centro de São Paulo” (piauí_84, setembro de 2013, p. 16) . No texto que procura apresentar o perfil do empresário, é discutida também a problemática da falta de moradia em São Paulo para pessoas de baixa renda, enquanto centenas de prédios encontram-se desocupados e em estado de abandono. A relação com o tema se mostra de maneira indireta pois uma das motivações das jornadas foi a insatisfação da população em relação à dificuldade de acesso a serviços básicos. As movimentações tiveram início em reinvidicações sobre o preço do transporte público, que além de caro é precário. Quem mais sofre com essa situação é a população de baixa renda, que não só é a que mais usa o transporte coletivo, como é a que precisa fazer deslocamentos mais longos no percurso de casa ao trabalho, já que vivem em zonas periféricas. O segundo texto a manter relação indireta com o tema, assim como outros dois textos da edição 83, refere-se à um movimento de caráter popular ocorrido em outro 79
país. Desta vez, os atos levados a cabo por estudantes chilenos insatisfeitos com o alto custo da educação no país mais neoliberal do continente, foram descritos por Josefina Licitra na reportagem intitulada “O verão chileno: depois da primavera estudantil, Camila Vallejo e outros jovens líderes tentam abrir caminho entre os dinossauros do Congresso” (piauí_84, setembro de 2013, p.30). Novamente apresentando uma das características mais marcantes do texto da piauí, a reportagem, que personifica o tema através da militante e hoje deputada Camila Vallejo, explica como alguns líderes do movimento estudantil lançaram sua candidatura por partidos tradicionais no país. O último texto a manter relação indireta com as jornadas narra os últimos momentos da ocupação de oito manifestantes na Câmara Municipal do Rio, que protestavam contra a escolha de alguns vereadores que comandariam uma CPI encarregada de investigar uma denúncia de formação de cartel no transporte público da cidade. Na ocupação, que foi encerrada com uma ordem judicial de desocupação, os integrantes adotaram o pseudônimo de “Amarildo” em referência ao
ajudante de
pedreiro desaparecido no dia 14 de julho. O título da reportagem é “Amarildo por um dia: as últimas 24 horas da ocupação da Câmara Municial do Rio” (piauí_ 83, setembro de 2013, p. 90) e a relação indireta com o tema se estabelece pela motivação inicial de ambas as ações, que foi a insatisfação com a forma com que o estado mantém os serviços de transporte coletivo. A ausência de matérias que tratem diretamente o tema jornadas de junho, explica-se em parte pelo distanciamento temporal que a edição teve do ocorrido. Entretanto, percebe-se a tentativa da revista de manter em evidência o tema “revoltas populares”, já que assim como na edição de número 83, aqui também foi apresentado um texto que explica como ocorreu, em outro país, a realização de manifestações contra seus respectivos governos. O gráfico abaixo ajuda a ilustrar como ocorreu a divisão entre textos que não abordaram o tema das jornadas e textos que o abordaram de forma indireta:
80
Gráfico 4: Classificação por relação com o tema na edição 84
Descritos os textos encontrados nas três edições, e separados nas três categorias de relação com o tema, pode-se verificar que a ocorrência de temas que abordaram diretamente as jornadas e seus desdobramentos sofreu uma diminuição desde a primeira edição lançada após o incidente. Se na primeira edição analisada, metade dos textos noticiaram as jornadas de forma direta, no último número investigado houve apenas três textos que o abordaram de forma indireta, sendo que nenhum dos 17 publicados por esta edição teve seu foco voltado para as jornadas em si. O gráfico abaixo ajuda a ilustrar como ocorreu essa variação no interesse da revista em abordar o tema:
Gráfico 5: Variação na intensidade da cobertura sobre o tema
Na seção a seguir, os esforços serão voltados à análise dos textos que mantiveram relação direta com o tema. Seguindo apontamentos teóricos feitos no capítulo 1, serão buscadas respostas acerca da forma como a revista pretendeu construir a imagem dos protestos. Para isso, serão consideradas as fontes utilizadas, os focos 81
adotados e principalmente os adjetivos e expressões utilizados para descrever os elementos antagônicos das jornadas, no caso, os manifestantes e o estado.
3.2 Análise dos textos: Para a realização da análise dos textos que mantém relação direta com o tema e o posterior entendimento de como a revista piauí pretendeu construir a imagem das jornadas de junho, foram elaboradas tabelas onde buscou-se responder a questionamentos centrais que poderiam revelar a inclinação da cobertura realizada pela revista. A separação destes elementos permite visualizar com maior evidência, quais aspectos foram ressaltados durante a descrição e narração dos fatos e principalmente, qual o posicionamento da revista diante do ocorrido. Como discutido no capítulo 1, mais precisamente na seção que ocupou-se de explorar a relevância das subjetividades do jornalista para a produção das notícias, “a personalidade e outras características individuais [...] determinam o tratamento que se dará à mensagem” (BERLO, 1991, p.91). Por isso mesmo, este foi o primeiro elemento levado em conta para a elaboração da tabela. Como dito na seção introdutória deste capítulo, a piauí disponibiliza algumas informações sobre outros trabalhos de alguns dos jornalistas que assinam as matérias de cada edição. Dessa forma, tais informações, quando encontradas, foram inseridas nas tabelas, para que se pudesse ter uma noção um pouco mais significativa de quem são os autores dos textos. Esta seção é sempre acompanhada por um subtítulo e uma espécie de slogan, que pretendem antecipar ao leitor a natureza dos textos na edição. Na publicação de número 82, por exemplo, onde 50% dos textos são relacionados às manifestações, encontra-se a seguinte expressão: “O pinguim vandaliza_ uma edição repleta de depredações”. Na edição 82, do mês de agosto de 2013 o subtítulo da seção é: “Fica, pinguim!_uma edição mais popular que Sério Cabral”. Já na de número 84, referente ao mês de setembro, lê-se: “A primavera de piauí_bombas para todos os lados”. No capítulo 2, viu-se que a escolha das fontes pode dar pistas sobre a forma como os jornalistas desejam montar seus relatos. Por isso mesmo o segundo elemento a ser considerado na elaboração das tabelas foi o conjunto de fontes consultadas para a produção das matérias. 82
O local social em que se desenvolvem os textos também pode revelar aspectos importantes sobre sua produção. Em um dos textos a manter relação direta com as jornadas -“Orquestrando a Revolta”-, o local social é uma das manifestações que compuseram as jornadas, o que demonstra que para sua elaboração, a autora precisou acompanhar o seu desenvolvimento. Por isso mesmo, este aspecto foi o terceiro a ser considerado na elaboração da tabela. O quarto aspecto analisado nas produções que mantiveram relação direta com o tema foi o foco dado ao texto. Ele permite que sejam identificados os pontos que receberam destaque no tratamento dado pelos jornalistas e tomando esse aspecto em conjunto, identificar os elementos destacados pela cobertura da revista Como visto no capítulo 1, no trecho onde foram explorados os níveis de estabelecimento da agenda colocados por McCombs (2004), o segundo nível de agendamento diz respeito ao emprego de atributos e qualidades que são aplicados aos elementos noticiados. Por isso, para a produção da tabela também foram considerados as expressões e os adjetivos utilizados na descrição dos elementos centrais das jornadas: (1) os manifestantes; (2) o estado ou pessoas do estado; (3) as manifestações enquanto atos. Em suma, para a elaboração da tabela que constitui o segundo apêndice desta pesquisa foram considerados os seguintes pontos: (1) autoria, (2) gênero, (3) fontes consultadas, (4) local social, (5) o foco do texto, (6) os adjetivos e as expressões utilizados para descrever os manifestantes, (7) os adjetivos e as expressões utilizados para descrever o estado ou pessoas do estado e por fim (8) os adjetivos e as expressões utilizados para descrever as manifestações em si. Para esta análise foram considerados apenas os textos que mantinham relação direta com as jornadas, pois apenas nestes, seria possível identificar o maior número de elementos que poderiam responder aos questionamentos propostos na elaboração das tabelas. O primeiro texto analisado está na seção 82, de julho de 2013. Trata-se do artigo de Fernando Barros e Silva, que segundo as informações encontradas no apartado “colaboradores”, também é diretor de redação da revista. No artigo intitulado “O som ao redor: as revoltas de junho e os ventos conservadores no caminho de Dilma” (piauí_82, julho de 2013, p. 7), Silva utiliza como fontes, dados do Instituto Datafolha e da Revista Época. Não é possível identificar o local social exato da narrativa, mas o foco do texto é o risco de não reeleição da presidenta Dilma Rousseff, em decorrência 83
da queda de popularidade resultante das jornadas. É interessante notar que o autor utiliza um paragrafo inteiro para apresentar ao leitor sua interpretação de quem são os manifestantes que compõem os protestos. Segundo ele: Uma parte dos que vão hoje às ruas é formada pela velha classe média, que viu seus sonhos de exclusivismo social abalados pela ascenção de uma nova horda de consumidores felizes. Outra parte é formada pelos próprios neoconsumidores, a quem a propaganda oficial chama de nova classe média. São jovens que se beneficiaram da expansão do ensino superior (o número de alunos dobrou nos últimos dez anos), mas não encontraram emprego à altura do que a posse do canudo prometia. Vivem, na prática, no fio da navalha, em condições de trabalho precárias e ultracompetitivas. (piauí_82, julho de 2013, p. 7)
Em outros momentos do texto, o autor também usa adjetivos e expressões como “o pessoal do gigante que acordou”, “que é brasileiro com muito orgulho, com muito amor” e “gente cheia de som e fúria”. Com relação à menção a estado ou pessoas do estado, o autor afirma apenas que Dilma Rousseff dá “exemplos constrangedores de amadorismo político e sujeição à bola de cristal do Marqueteiro João Santana”. Ao referir-se às manifestações em si, o autor também usa expressões como “protesto ruidoso da elite branca”, “clamor antipartidário” e “pororoca política”. O segundo texto a ser analisado também pertence à edição 82 e também é um artigo. A autoria é de Mario Sergio Conti. No texto intitulado “Rebelião: relâmpago, fagulha e incêndio num fim de outono” (piauí_82, julho de 2013, p. 8), Conti não deixa claro quais fontes consultou. Seu texto tem como foco a instabilidade política que se instaurou no país a partir das revoltas. Nele há a apresentação de uma espécie de apanhado histório de outros movimentos revolucionários ocorridos em outros lugares e também em outras épocas. Ao comparar o caso brasileiro com o egípcio por exemplo, ele demonstra sua opinião sobre o estado brasileiro ao constatar que a diferença é que “as instituições por aqui são mais arrumadas que as de acolá” e que no país ainda existem “judiciários que bem ou mal funcionam”. Ao referir-se a Dilma Rousseff, diz que em uma de suas aparições públicas ela demonstrou estar “abatida” e que no encontro com alguns membros do Movimento Passe Livre, MPL, aparentou estar “despreparada para discutir transporte coletivo”. Pela forma com que a polícia militar reprimiu as manifestações, Conti a considera “adestrada para caçar bandidos e moradores de quebradas barra-pesada”. Sobre os manifestantes, ele salienta que muitas pessoas foram “presas e feridas”, e 84
também os descreve como “estudantes, jovens que pedem emprego, serviços públicos decentes e fim da corrupção”. Sobre as revoltas em si, o autor as caracteriza como símbolos de uma situação “revolucionária”, afirma que “elas atraíram mais gente e ficaram parrudas”, e não deixa de mencionar que alguns atos tiveram contornos “carnavalescos”. O terceiro texto analisado tem como título “Copa das Conflagrações: Dilemas político-esportivos de um jovem comunista no Mineirão” (piauí_82, julho de 2013, p. 9). A autoria é de Nuno Manna e nesta edição não há sua apresentação na seção “colaboradores”. O local social da narrativa é uma partida de futebol que ocorria concomitantemente a um ato das manifestações, o que dá o foco da reportagem, que é justamente a suposta contradição no discurso de um militante de esquerda que deixou de participar do ato político para assistir a uma partida da Copa das Confederações. Aqui novamente percebe-se uma das características principais dos textos da piaui, que como dito no Capítulo 1, é a personificação do tema em um personagem. Neste caso, o personagem e também o único entrevistado citado, é o jornalista de 27 anos Terêncio de Oliveira. Os manifestantes são caracterizados pelo autor apenas como “multidão”, “figuras exaltadas” e “alheios ao jogo”. Nesta reportagem não há adjetivos ou expressões associados diretamente ao estado ou pessoas do estado, somente uma menção à declaração do prefeito de Belo Horizonte Marcio Lacerda que afirmou ter “tolerância zero contra o vandalismo”. Também não foram encontrados na reportagem adjetivos ou expressões utilizados para descrever os atos em si. Na reportagem sob o título de “Guerra dos memes: na transmissão dos protestos, surge um novo tipo de jornalismo” (piauí_82, julho de 2013, p. 10), Ronaldo Bressane, que também não tem sua apresentação descrita na seção “colaboradores”, participa de uma das manifestações (este é o lugar social da narrativa) para acompanhar o trabalho do coletivo de mídia Narrativas Independentes Jornalismo e Ação (NINJA). Ele usa como fontes para a elaboração da reportagem Felipe Peçanha, integrante do coletivo NINJA, Rafael Vilela, o fotógrafo do grupo e Bruno Torturra, líder do coletivo, que na citação direta utilizada no texto considera que as manifestações representam um “caos sígnico”. A reportagem que tem como foco mostrar como ocorrem as coberturas realizadas pelo coletivo, não apresenta adjetivos ou expressões para qualificar os manifestantes, e sobre o estado menciona apenas que a polícia “caiu de cassetete em
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cima de todo mundo”. Sobre o ato em si, o autor afirma apenas que eles “terminaram sob bombas”. O texto analisado na sequência tem autoria de Juliana Cunha e está intitulado como “Orquestrando a revolta: a fanfarra do M. A. L. não corre quando a polícia bate” (piauí_82, julho de 2013, p. 11). Para a elaboração da reportagem, a jornalista esteve em uma das manifestações onde a banda do Movimento Autônomo Libertário, M.A.L., acompanhou os manifestantes durante a caminhada. Entre os entrevistados estão integrantes da banda, integrantes do Movimento Passe Livre (MPL) e participantes aleatórios da marcha. A reportagem descreve todo o percurso da manifestação, indicando assim o local social da narrativa. Não há expressões que qualifiquem o estado ou pessoas do estado. A autora descreve os integrantes do ato como “multidão perdida”, “estreantes do mundo das passeatas”, “massa humana que se aglomera”, “grupo de neófitos”e “grupo de perdidos que puxa gritos desconexos sobre a Copa, corrupção e ‘pátria mãe gentil’”. Ao afirmar que muitas destas pessoas pareciam não entender o real propósito do ato, a autora conclui que para duas adolescentes, quais ela menciona em vários momentos do texto, ele não passava de um “projeto groupie politizado”. Em “Nova Iorque chamando: dois jovens são essediados para explicar o que ninguém entende” (piauí_82, julho de 2013, p. 11), Claudia Antunes, que também não tem sua apresentação descrita na seção “colaboradores” da edição 82, explica como foi a abordagem de jornalistas estrangeiros a dois jovens idealizadores da ONG Meu Rio, Alessandra Orofino e Miguel Lago. Além de serem o foco da reportagem, eles também são as únicas pessoas entrevistadas para a elaboração do texto. É possível identificar a cidade do Rio de Janeiro como o local social da narrativa, que menciona os protestos ocorridos na cidade no momento de descrever, por exemplo, como foi realizada a cobertura pela imprensa internacional. Ao referir-se aos protestos a jornalista usa expressões como “evento inesperado” e “revolução”. Não há menção ao estado ou a pessoas do estado, mas com relação aos manifestantes, a jornalista usa o termo “rostos jovens”, para descrevê-los. O sétimo texto da edição 82 a manter relação direta com o tema jornadas de junho, está sob o título de “Apologia do vinagre: O ácido acético entra para a pauta da política nacional” (piauí_82, julho de 2013, p. 12) e tem autoria de Vanessa Bárbara. Segundo informações encontradas no apartado “colaboradores”, a autora é “jornalista, escritora e colunista da Folha de S. Paulo” (piauí_82, julho de 2013, p. 6). A reportagem 86
é escrita com base em um evento organizado no Facebook, que chegou a reunir virtualmente mais de 50 mil pessoas, o que permite concluir que o local social da narrativa é a rede social. Ao citar inúmeros comentários encontrados na página do evento e que satirizam a operação da polícia militar que promoveu a apreensão dos frascos de vinagre, a jornalista adota como aspecto central do texto a crítica ao caráter absurdo da medida levada a cabo pelos policiais. Para a elaboração do texto são entrevistados Gilberto Americano da Silva, jornalista que criou o evento no Facebook e o tenente coronel Bem Hur Oliveira comandante da operação. Também são transcritos os comentários dos usuários da rede social Cesar Dias, do estudante Lúcio Daleiro Ayala, do militante Kado Vido e da engenheira de computação Cássia Kirst. Ainda que o tema inicial da reportagem seja a operação da polícia, não foram encontrados expressões ou adjetivos que pudessem se relacionar diretamente ao estado ou a pessoas do estado. Sobre as manifestações, a jornalista as descreve apenas como “manifestações populares” e para referir-se aos manifestantes, utiliza o termo “militantes”. Como visto no capítulo 1, outra característica presente nas publicações da piauí, são os textos que "não se propõem a estabelecer com clareza a distinção entre realidade e ficção, embaralhando suas fronteiras, alargando-as”(DUARTE, 2010, p.53).
Na
edição 82 um exemplo deste tipo de texto é uma crônica de Renato Terra, que pelas informações encontradas no apartado “colaboradores”, também é o “ghost-writer não autorizado” da presidenta Dilma Rousseff, na seção “Diário de Dilma Rousseff”. Na crônica intitulada “O pit bull de passeata: Fiz uma versão maneiríssima da musiquinha ‘eu sou baderneiro/com muito orgulho/ com muito amor’ com batida eletrônica” (piauí_82, julho de 2013, p. 36), o autor escreve em primeira pessoa, os pensamentos e as opiniões de um tipo de manifestante desordeiro que sem muitas razões políticas para estar nos atos, aproveita-os como uma forma de distração, por meio da violência e da agressividade contra outras pessoas que também participavam dos protestos. O foco do texto está na descrição da forma como o “pit bull de passeata” se posiciona dentro das manifestações, promovendo brigas e depreciando ideias de outros manifestantes com visões políticas distintas às suas. Por tratar-se de um texto ficcional, não são mencionadas fontes utilizadas para a elaboração do texto. O local social da narrativa são as próprias manifestações das quais o “tipo brasileiro” participa.
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Também é interessante notar como o autor constrói a opinião do personagem sobre os manifestantes, independente de suas vertentes ideológicas. Para descrevê-los, o autor usa expressões e termos como “barbudinho radical”, “coxinhas nervosinhos”, “camaradas
brancos
que
ficam
mugindo
‘sem
violência,
sem
violência’”,
“vegetarianos”, “ecochatos”, “do tipo inofensivo”, “criados pela vó”, “tudo florzinha” e “bando de trouxas”. Com relação ao estado ou pessoas do estado, o personagem afirma apenas que “os caras não pintaram na área”. E sobre as manifestações em si, os termos utilizados para descrevê-las foram: “manifestações e protesos”, “eventos”, “bagulho” e “exibição de músculos da democracia brasileira”. O último texto da edição 82 a relacionar-se diretamente às manifestações, tem como título “Sobrou para o PSTU: Agremiação trotskista com apenas dois vereadores não escapou da fúria contra os partidos, mas já faz planos para o pós-revolução” (piauí_82, julho de 2013, p. 78).
A autoria é de Nonato Viegas, que segundo
informações da revista também “é repórter e produtor executivo da Rádio Tupi”. As fontes citadas no texto são o presidente estadual do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU) Cyro Garcia, e o integrante do partido Julio Anselmo. O texto tem como foco descrever o clima de hostilidade resultante da presença de partidos nas manifestações. Por isso, para referir-se aos manifestantes são utilizados os termos “militantes de partidos de esquerda e movimentos sociais”, para indicar que eles foram “feridos” por “jovens com bíceps pronunciados e cabeças raspadas”. Também é utilizado o termo “povo”, que procura simbolizar uma unidade entre os manifestantes. Não são empregados expressões ou adjetivos para referir-se diretamente ao estado ou a pessoas do estado. E sobre as manifestações os termos empregados para descrevê-las foram “marcha” e “esse processo”. Na edição 83, referente ao mês de agosto de 2013 foi encontrado apenas um texto que mantém relação direta com o tema das jornadas. Localizada na seção “esquina”, a reportagem com o título de “Os estreantes da Rocinha: os velhos poderes assediam os jovens que lideraram manifestação de junho na favela” (piauí_83, agosto de 2013, p.12) tem autoria de Claudia Antunes. O foco do texto está em narrar como Denis Neves, Érica Santos e Simone Rodrigues, alguns dos jovens responsáveis pela organização das manifestações que reivindicavam melhorias dos serviços públicos na comunidade da Rocinha, foram procurados por lideranças políticas para filiarem-se a seus partidos. Os três jovens citados também são as três fontes utilizadas no texto, que 88
caracteriza um deles, no caso Denis Neves, como “simpatizante do anarquismo em sua versão pacifista”. Esta foi a única expressão relacionada à caracterização da figura do manifestante encontrada na reportagem. Sobre o estado ou pessoas do estado, não foram encontrados adjetivos relacionados. E com relação às manifestações, o único termo empregado para referir-se a elas foi “marcha”. Para a conclusão desta seção que procurou analisar quais os aspectos ressaltados na cobertura da revista sobre os protestos, serão considerados isoladamente os elementos levados em conta na elaboração da tabela. Como visto no trecho introdutório dessa seção, a separação dessas características tem por objetivo facilitar o melhor entendimento de como a revista se posicionou diante dos protestos. O primeiro elemento considerado foi a autoria dos textos. Constatou-se que apenas a jornalista Claudia Antunes assinou dois textos relacionados diretamente aos protestos nas edições analisadas, sendo o primeiro “Nova Iorque chamando: Dois jovens são essediados para explicar o que ninguém entende” localizado na edição 82 de julho de 2013 e “Os estreantes da Rocinha: os velhos poderes assediam os jovens que lideraram manifestação de junho na favela”, na edição 83 de agosto de 2013. A autora não tem sua apresentação descrita em nenhuma destas duas edições, mas na publicação de número 84, referente ao mês de setembro de 2013 e que também foi utilizada na elaboração desta pesquisa, há a informação de que ela também é editora da revista. Os outros autores que tiveram sua apresentação descrita na seção colaboradores foram Fernando de Barros e Silva, que pela informação encontrada na revista é “diretor de redação de piauí e autor de Chico Buarque, da Publifolha”; Mario Sergio Conti, que além de repórter da piauí também é “autor de Notícias do Planalto, da Companhia das Letras e apresenta o programa Roda Viva da TV Cultura”; e Vanessa Barbara, que é “jornalista, escritora e colunista da Folha de S. Paulo” e que “lançará Noites de Alface no segundo semestre pela Alfaguara”. Renato Terra, o autor do texto “O pit bull de passeata” tem sua apresentação vinculada à seção “Diário de Dilma Rousseff”, o que faz com que sua descrição apareça como “Dilma Rouseff é presidenta da República. Seu ghost-writer não autorizado é Renato Terra, repórter da piauí”. Nonato Viegas, autor de “Sobrou para o PSTU” é apresentado como “repórter e produtor executivo da Rádio Tupi”.
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A conclusão obtida pela verificação da seleção de fontes citadas nas reportagens permite reforçar a característica das publicações da piauí, de abordar os temas a partir da sua relação com um ou mais personagens. Nenhum dos textos que se referem diretamente às jornadas de junho, constitui-se como uma grande reportagem, o que pode justificar o fato de que nos trabalhos encontrados os principais entrevistados citados foram apenas os próprios personagens que eram tomados como foco das narrativas. Falas ou pronunciamentos necessários à complementação dos textos são geralmente mencionados de maneira que não permitem concluir se foram ditos diretamente ao jornalista em entrevista ou por meio de outro canal. Em “Copa das Conflagrações” por exemplo, há uma menção a pronunciamentos do prefeito e de um comandante da PM, que é apresentada da seguinte forma: Nas vésperas do jogo, o prefeito Marcio Lacerda declarou que haveria “tolerância zero” contra o vandalismo”. O comandante da PM mineira recomendou a quem quisesse protestar que permanecesse no ponto de concentração no Centro – quem saísse em passeata rumo ao Mineirão se submeteria “a um risco desnecessário”. (piauí_82, julho de 2013, p. 9)
A análise dos locais sociais onde as narrativas se desenvolviam permitiu concluir que dos dez textos a abordar diretamente as manifestações, três (30%) descreveram locais em que ocorriam as manifestações, cinco (50%) se passavam em lugares diversos, sendo a comunidade da Rocinha, a cidade do Rio de Janeiro, a sede do PSTU, a cidade de Belo Horizonte e também o Facebook. Além disso, dois artigos (20%) não tiveram um local social claro, pois abordavam as manifestações que ocorreram em todo o país, mas também faziam menção a fatos de outros locais, como um modo de apresentar mais dados e complementar a informação principal. A elaboração da tabela também permitiu constatar uma multiplicidade de abordagem nos textos que tratavam diretamente as jornadas. Ainda que o tema principal dessas produções fossem as manifestações, elas tinham como foco aspectos diversos referentes ao fato. Os dois primeiros artigos encontrados na edição 82 discutiam, por exemplo, sobre a instabilidade política que se instaurou no país a partir das manifestações, à diferença de que o primeiro dava ênfase no risco de não reeleição da presidenta Dilma Rousseff.
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A natureza da intenção dos manifestantes é questinada em três textos que focam respectivamente na suposta contradição no discurso de um militante de esquerda que foi a uma partida da Copa das Confederações, em um dos tipos brasileiros presentes nas manifestações e na hostilidade que se instaurava pela presença de partidos, no caso o PSTU, nos atos que, em tese, eram apartidários. A postura do estado ou de pessoas do estado é foco de duas reportagens que respectivamente discorrem sobre a operação da polícia militar que apreendeu frascos de vinagre e na tentativa do governador do estado e do prefeito da cidade do Rio de Janeiro de negociar melhorias na comunidade da Rocinha, com jovens que lideraram e organizaram os protestos que desceram o morro. Também receberam foco da cobertura, o trabalho do coletivo de mídia Narrativas Independentes Jornalismo e Ação (NINJA) e da fanfarra do Movimento Autônomo Libertário (M.A.L). Além destes, a falta de preparo da mídia internacional na cobertura dos protestos também recebeu foco em um dos textos. Outra conclusão relevante a que se pôde chegar a partir do preenchimento da tabela foi a diferença na forma como cada autor concebia os participantes dos protestos. No primeiro artigo, por exemplo, há um parágrafo inteiro onde o autor preocupa-se em dar seu parecer sobre quem são os manifestantes. No segundo artigo, de Mário Sérgio Conti, eles foram caracterizados como “estudantes, jovens que pedem emprego, serviços públicos decentes e fim da corrupção” (piauí_82, julho de 2013, p.9). Diferentemente de Juliana Cunha, que os descreve como “multidão perdida” e “estreantes do mundo das passeatas”, por exemplo. Constatou-se também a repetição do adjetivo “jovens”, utilizado em quatro (40%) dos textos, além do termo “multidão” empregado em duas (20%) reportagens. Concluiu-se também que em apenas quatro (40%) dos textos houve uso de adjetivos e expressões aplicados diretamente ao estado ou a pessoas do estado. Os dois primeiros artigos da edição 82, por exemplo, fazem referência à presidenta Dilma Roussef. No primeiro são mencionados seus “exemplos constrangedores de amadorismo político e sujeição à bola de cristal do Marqueteiro João Santana” e no segundo, seu abatimento e despreparo para debater temas relacionados ao transporte coletivo. Sobre a classe política em seu sentido mais amplo é dito que as manifestações lhes provocaram uma reação afobadiça (piauí, 82_julho de 2013, p. 9), e também que “os caras não pintaram na área” (piauí, 82_julho de 2013, p. 36). 91
Sobre as manifestações em si, as expressões e os adjetivos encontrados para defini-las, indicaram que em dois textos (20%) o termo “marcha” foi utilizado, assim como o termo “revolução” e sua variante “revolucionária”, também encontrados em dois textos. Com relação a descrição da forma como as manifestações tiveram aumento da adesão de pessoas, é dito que “elas atraíram mais gente e ficaram parrudas”. Para definir a natureza dos protestos são utilizados termos como “fervor nacionalista”, “caos sígnico”, “evento inesperado”, “manifestações populares” e “esse processo”. Ao destacar a violência presente nos protestos são utilizadas as expressões “terminaram sob bombas” e “demonstração de músculos da democracia brasileira”. Analisados os aspectos principais destacados a partir da elaboração das tabelas, cabe agora identificar quais elementos ideológicos mais evidentes foram identificados nos textos da piauí que tiveram relação direta com os tema das jornadas. Como já estabelecido no segundo capítulo da pesquisa, a definição de “ideologia” utilizada para verificar a inclinação da revista foi àquela proposta por Thompson (1995), caracterizada por conceber a ideologia não como um conjunto de ideias falsas ou enganosas, mas simplesmente como um conjunto de ideias adotado e legitimado por um grupo. Ao analisar-se as reportagens que tiveram relação direta com o tema, percebeuse que essa multiplicidade temática, característica das publicações da piauí, se mostrou também nas abordagens de temas relativos aos protestos. Foram discutidos diversos temas ligados às jornadas, principalmente na primeira edição a ser publicada após sua ocorrência, indo desde o risco de não reeleição da presidenta Dilma Rousseff, até a contradição no discurso político de um militante de esquerda. Os dados encontrados a partir da elaboração das tabelas permitiram constatar também que a inclinação do discurso da revista tendeu não a criticar diretamente as jornadas, como a maioria dos veículos fez, mas sim a tentar explicar suas falhas a partir de vários aspectos que culminariam na perda de crédito no movimento. A publicação de um texto ficcional destinado à crítica da postura violenta de alguns manifestantes, “O Pit Bull de passeata” (piauí_82, julho de 2013, p.36), demonstra que a revista não se propôs a oferecer um relato imparcial, mas sim, que pretendeu caracterizar diretamente um dos tipos de manifestantes e criticar o discurso adotado por estes. A crítica ao discurso dos manifestantes aparece em vários textos. Um deles é uma reportagem que tem como foco o fato de um deles assistir a uma partida de futebol 92
de um evento da FIFA. Outro manifestante tem na sua descrição, a menção ao uso de produtos estadunidenses. Ao caracterizar a maior parte dos manifestantes a partir de um viés negativo, a revista se mostrou crítica em relação às jornadas. Entretanto, ao abordar em outras reportagens a questão das manifestações populares em outros países, pareceu dar crédito aos movimentos que surgem a partir da iniciativa da população. Ou seja, o discurso da revista foi o de validar a importância de levantes populares, ao mesmo tempo em que apontava as falhas do movimento brasileiro, que a diferença dos casos internacionais, não tinha como pauta problemas graves. Essa discussão será retomada na próxima seção do capítulo, que tem por objetivo oferecer uma interpretação dos dados isolados a partir da elaboração das tabelas. Ao final desta seção, se faz necessário reforçar que o primeiro capítulo desta pesquisa foi desenvolvido a fim de descrever alguns dos principais aspectos que envolvem a produção da notícia. No segundo capítulo, foram levantadas questões acerca do atravessamento ideológico presente nos discursos, em especial no discurso das mídias. Já neste último, os esforços da pesquisa foram voltados na apresentação dos dados encontrados na revista piauí, que permitirão a interpretação final dos textos, que será construída com base os argumentos lançados em momentos anteriores da investigação. Dessa forma, espera-se terem sido apresentados os dados e os argumentos que permitirão a elaboração da seguinte seção, que terá caráter interpretativo e buscará responder de que forma a revista piauí pretendeu noticiar as jornadas de junho no Brasil.
3.3. Interpretação dos dados: A descrição dos textos publicados na revista piauí, realizada na primeira parte deste capítulo, possibilitou que eles fossem separados em três grupos classificados segundo o grau de relação com o tema jornadas de junho. Após esta classificação, foram destacados os textos que mantinham relação direta com as manifestações e elaborada uma tabela que permitiu a identificação e o isolamento de elementos que levariam a interpretação da forma como a inclinação ideológica da revista interferiu no momento em que ela se propôs a noticiar as jornadas. Dessa forma, esta seção, que surge como uma conclusão às discussões realizadas no capítulo pretende apresentar o que foi
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interpretado a partir da análise da tabela, apoiando-se também no que foi discutido ao longo de toda a pesquisa. Na seção intitulada “Mecanismos e Critérios de Produção da Notícia”, localizada no primeiro capítulo desta pesquisa, viu-se que a intensidade da cobertura realizada por um determinado meio de comunicação pode revelar seu interesse em fazer com que suas audiências tomem consciência dos fatos e também sua inclinação ideológica. De acordo com o que foi esplanado na referida seção, é deste modo que se constitui o primeiro nível de estabelecimento da agenda, que para McCombs (2004) é a apresentação do tema feita pelos meios de comunicação. Dessa forma, é possível concluir que a revista piauí, ao deixar de noticiar temas ligados diretamente às jornadas na terceira edição após seu ocorrido, demonstrou não ter intenções em manter o tema em discussão. Por outro lado, ao apresentar nas três edições investigadas, textos que se relacionam com “revoltas populares”, concluiu-se que sua cobertura claramente se interessou pelo assunto, não se limitando ao caso brasileiro, mas preferindo debater também sobre movimentos de outros países. Vistos em retrospecto, os casos estrangeiros descritos pela revista apresentaram mudanças mais efetivas nos cenários políticos de seus respectivos países. Isso não significa que as jornadas brasileiras foram um evento isolado, ocorrido em 2013 e sem repercussões na opinião pública dos brasileiros. Mas as eleições presidenciais do ano seguinte mostraram que a insatisfação das ruas não foi levada às urnas, já que os mesmos partidos, também os mais tradicionais, foram os que competiram no segundo turno. A tentativa da revista de situar as manifestações brasileiras no cenário internacional aparece no artigo “Rebelião: relâmpago, fagulha e incêndio num fim de outono” (piauí_82, julho de 2013, p.9), onde o autor faz um repasso histórico de movimentos revolucionários como a Comuna de Paris e a Primavera Árabe. Ele associa diferentes movimentos ao concluir que: O mundo globalizado é uno. Um camelô que se imola nos cafundós da Tunísia acende uma mecha na praça Tahir. A derrubada da ditadura egípcia inspira canadenses a conclamarem a ocupação em Nova Iorque. Mas cada país tem seus usos e costumes. E o Brasil é o Brasil. (piauí_82, julho de 2013, p.9)
Neste artigo, o autor descreve positivamente os participantes das manifestações ao defini-los apenas como “estudantes, jovens que pedem emprego, serviços públicos 94
decentes e fim da corrupção”. Já na reportagem “Orquestrando a Revolta” (piauí_82, julho de 2013, p.11), a autora prefere destacar a presença de pessoas que iam às
manifestações sem muito entender os reais motivos pelos quais elas aconteciam, ao caracterizá-los como “multidão perdida”, “estreantes do mundo das passeatas”, “massa humana que se aglomera”, “grupo de neófitos”, “grupo de perdidos que puxa gritos desconexos sobre a Copa, corrupção e ‘pátria mãe gentil’”. A validade do discurso ideológico dos manifestantes volta a ser questionado em “Copa das Conflagrações” (piauí_82, julho de 2013, p.9), onde o texto é baseado na contradição de um militante do Partido da Causa Operária, o PCO, que deixou de participar de uma das manifestações para acompanhar um jogo de futebol. A partida era realizada pela Copa das Confederações, evento que antecede à Copa do Mundo, um dos alvos das manifestações de junho devido ao excesso de gastos públicos para a promoção do evento. O questionamento sobre a contradição na atitude do militante e jornalista Terêncio de Oliveira, é narrado pelo autor da reportagem da seguinte maneira: Acomodado numa cadeira do anel superior do Mineirão, vestindo uma camiseta surrada do Pink Floyd e bermudão camuflado, o jornalista disse não ver contradição em sua atitude. Trocar os protestos nas ruas para assistir à competição promovida pela Fifa, argumentou, não significava trair a causa. “Do mesmo jeito que não adianta eu simplesmente parar de tomar CocaCola”, comparou. (piauí_82, julho de 2013, p.10)
A menção à marca de bebidas tida como um dos principais símbolos do capitalismo volta a ocorrer na reportagem “Sobrou para o PSTU”, quando o autor ironiza a ação de um dos militantes do partido entrevistados, ao concluir o texto narrando: Depois de duas horas de conversa, Julio Anselmo se levantou, tirou uns trocados da carteira, foi até a geladeira, colocou o dinheiro na caixinha sobre ela e apanhou uma Coca-Cola. Sim, até os revolucionários sentem sede. (piauí_82, julho de 2013, p. 78)
Em outros momentos da mesma reportagem o autor destaca que o militante do PSTU Julio Anselmo faz uso de produtos norte americanos. Na primeira ocasião relata: “seus planos para o futuro foram interrompidos quando o Iphone sobre a mesa tocou”. E na segunda vez diz que o entrevistado “diante da resposta negativa, puxou o maço de Hollywood”. Ao demonstrar interesse em dar destaque a esses pontos, a reportagem tende a questionar as convicções ideológicas do entrevistado, que faz parte de um 95
partido de esquerda, ideologicamente contrário à invasão de produtos estrangeiros, principalmente os estadunidenses no Brasil. A reportagem citada acima pretendeu também relatar os ataques que integrantes de partidos sofreram durante as manifestações, que tinham como uma de suas bandeiras o apartidarismo. Logo no início dos textos são apresentados dados sobre as agressões: “o saldo foi de 14 militantes feridos, três com gravidade” (piauí_82, julho de 2013, p. 77). Na reportagem, as agressões são atribuídas a “uma turma de jovens com bíceps pronunciados e cabeças raspadas”. O que inevitavelmente remete à crônica escrita por Renato Terra, onde ele descreve em primeira pessoa, as opiniões e as ações de um manifestante que não apenas assume, como se orgulha do fato de agredir outros participantes dos atos. É nesta crônica que surge uma das críticas mais diretas à postura dos participantes das manifestações. Uma das primeiras afirmações feitas por ele é “não tenho esse papo de ideologia política”, o que de acordo com as discussões levantadas no Capítulo 2, é algo pouco possível. É destacado o caráter festivo com que esses manifestantes encaravam os protestos, esquecendo-se do seu lado reinvidicatório. Em um trecho localizado no início do texto, o pit bull de passeata afirma: Primeiro, veio a tendência globalizada das músicas gringas nas boates, e eu lá no agito. Depois, a anarquia das micaretas, muita mulherada e cerveja gelada. Aí veio o conservadorismo das quintas-feiras com música sertaneja, e depois o hedonismo meio babaca das raves. Agora, o que está bombando são as passeatas. (piauí_82, julho de 2013, p. 36)
Em poucas ocasiões foram encontrados adjetivos que qualificassem os manifestantes de forma positiva, o que indica a tendência da revista em não legitimar ou apoiar o discurso adotado por estes. Apenas no artigo de Mario Sergio Conti eles são descritos como jovens em busca de emprego e do fim da corrupção. No primeiro artigo da edição 82, intitulado “O som ao redor”, há um parágrafo inteiro em que o autor preocupa-se em explicar ao leitor quem são os manifestantes. Segundo ele, eles se dividem entre a classe média tradicional que viu seu status e seu desejo de exclusivismo social ameaçados pela “nova classe média”, e essa “nova classe média”, que se beneficiou da expansão do ensino superior, mas não encontrou as condições de trabalho que a posse do canudo prometia.
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A repetição do termo “jovem” para definir os manifestantes, revela que é esta a imagem que a revista tentou transmitir a seus leitores. Em quase metade dos textos a relacionar-se diretamente com os protestos (40%) o termo foi usado para designá-los. É interessante notar a semelhança temática entre dois (50%) deles, que tem a jornalista Claudia Antunes como autora. A primeira semelhança está logo no termo utilizado no subtítulo das reportagens. No primeiro lê-se “Nova York chamando: dois jovens são assediados para explicar o que ninguém entende”. No segundo encontra-se “Os estreantes da Rocinha: os velhos poderes assediam os jovens que lideraram manifestação de junho na favela”. No primeiro deles, localizado na edição de julho de 2013, a jornalista entrevista dois jovens que foram procurados pela imprensa internacional para darem entrevistas que explicassem diversos pontos dos protestos, como as motivações, o perfil dos manifestantes, etc. Os jovens foram buscados, pois ambos se graduaram no exterior e além de serem fluentes em inglês e francês, fizeram contatos que possibilitaram que os jornalistas estrangeiros chegassem até eles. Já no segundo texto assinado pela jornalista, localizado na edição seguinte, os jovens entrevistados são moradores da favela da Rocinha. O assédio nesse caso, partiu do que ela chama de “velhos poderes”, que seriam os políticos interessados na filiação dessas lideranças jovens em seus respectivos partidos. É interessante notar como a jornalista preocupou-se em apresentar dois lados de um fato que envolvia uma multiplicidade de posições e possibilidades de interpretação. Na primeira reportagem, percebe-se uma crítica à imprensa internacional que procurou os jovens buscando respostas prontas que pudessem reforçar o estereótipo de “revolucionário”, que eles desejavam aplicar aos manifestantes. Na segunda reportagem, a crítica recaiu sobre os políticos que passaram a dar voz à comunidade somente após a repercussão das manifestações. O conjunto de expressões e adjetivos encontrados utilizados para descrever a instituição do estado ou pessoas do estado permitiu concluir que a houve uma ênfase nas críticas à forma como a polícia reprimiu os manifestantes. E não apenas por isso. Uma das grandes reportagens a manter relação indireta com o tema, ocupou-se justamente em narrar como uma operação do Bope terminou com dez mortos na comunidade da Maré. Nos textos que mantém relação direta com as jornadas, encontrou-se as expressões “adestrada para caçar bandidos e moradores de quebradas 97
barra-pesada” e “caiu de cassetete em cima de todo mundo”, ambas usadas para descrever a ação da polícia. Quem também teve a menção acompanhada por adjetivos foi a presidenta Dilma Rousseff, caracterizada como “despreparada para discutir transporte coletivo” e sujeita “à bola de cristal do marqueteiro João Santana”. No artigo abre a edição 82 e que discute sua possibilidade de não reeleição, ela também é descrita como a figura que “está à frente do sistema político contra o qual as pessoas decidiram investir”. Seu partido, o PT é foco de dois outros textos que abordam as jornadas de forma indireta. O primeiro deles é uma grande reportagem que se apresenta como um perfil do presidente do partido, Rui Falcão. A legenda da foto que ilustra a reportagem é uma citação direta de Rui Falcão, onde ele diz que “se no ano que vem a presidenta não estiver bem nas pesquisas, é natural que ele (Lula) se apresente”, demonstrando que assim como a revista, o presidente do partido também não tinha certeza ou dava crédito ao fato de a presidenta ter sua imagem recuperada até as eleições de 2014. Já o segundo texto a relacionar-se com o Partido dos Trabalhadores, surgia como uma crítica às medidas de curto prazo tomadas por ambos presidentes petistas, que aproveitaram da conjuntura internacional favorável para promover um desenvolvimento sem bases sólidas no país. Por fim, a análise dos textos e a identificação dos atributos empregados para a descrição das manifestações em si, permitiu concluir que a revista tendeu a transmitir aos leitores o caráter inesperado e por vezes ambíguo dos protestos que em determinado momento, perderam o foco das reinvidicações. Ao caracterizá-los como “protesto ruidoso da elite branca”, “carnavalescos” e “projeto groopie politizado”, foi evidenciada a presença daqueles que passaram a aderir às manifestações apenas quando estas passaram a ter mais repercussão. Termos como “clamor antipartidário” e “fervor nacionalista” foram usados pela revista para reforçar a falta de instrução política daqueles manifestantes que até antes do estouro dos protestos, nunca haviam procurado participar efetivamente da vida política do país. O termo que melhor resume a forma como a revista pretendeu conceber os protestos está localizado no artigo que abre a edição 82: “pororoca política”. Ele é empregado pelo autor quando ele descreve que durante as manifestações, houve de tudo,
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desde “o espírito francamente carnavalesco de muitos a exibições explícitas de boçalidade fascista de outros tantos”. Ao fim desta seção que encerra os esforços da pesquisa em identificar as pontos ressaltados pela cobertura da revista piauí sobre as jornadas de junho no Brasil, foi possível concluir que o número de matérias publicadas revelou uma diminuição do interesse da revista em manter o tema em discussão, já que na terceira edição após o ocorrido, não foram encontrados textos que se relacionassem diretamente ao assunto. De acordo com o que foi visto na primeira seção deste capítulo, dos 52 textos analisados durante a pesquisa, apenas dez (19%) apresentaram temas que pudessem caracterizá-los como relacionados diretamente ao tema das jornadas. Destes dez textos, nove (90%) estavam concentrados em uma única edição, no caso a de número 82, referente ao mês de junho de 2013. Verificou-se ainda que destes nove textos, seis (66,6%) estavam agrupados na editoria “esquina”. Na edição de número 83, referente ao mês seguinte, apenas um texto (6%) abordou diretamente a temática das jornadas, e na de número 84 de setembro de 2013, nenhum texto ocupou-se de noticiar algo ligado diretamente às jornadas ou a suas consequências. Também como visto na primeira parte deste capítulo, houve a repetição do tema “manifestações populares” nas três edições pesquisadas. Na primeira, o foco foi dado às jornadas brasileiras, mas nas edições seguintes foram discutidos também os casos egípicio (Primavera Árabe), espanhol (15M) e chileno (Verão Chileno). Diferentemente das jornadas brasileiras, os três casos estrangeiros aparecem como tema de grandes reportagens. “O verão chileno” (piauí_84, setembro de 2013, p.30), por exemplo, tem oito páginas de extensão, incluindo a ilustração da personagem principal da matéria, a então cadidata a deputada Camila Vallejo. Também tem oito páginas o artigo dividido em quatro partes “Democracia na Praça”, que discorre sobre o que mudou na Espanha, dois anos após o movimento 15M (piauí_83, agosto de 2013 p. 44). Outra conclusão a que se pôde chegar foi que a natureza do discurso ideológico dos manifestantes, bem como suas motivações, foi descrita de forma positiva por apenas um dos autores. Os demais procuraram destacar as supostas contradições em seus discursos, bem como a inexperiência daqueles que até antes das jornadas não se preocupavam em participar ativamente da vida política do país. Com relação à postura do estado, receberam atenção da cobertura da revista a repressão da polícia contra os manifestantes e a incapacidade da presidenta Dilma Rousseff de lidar com a crise 99
política que teve início a partir das revoltas. O que é evidenciado, quando na edição de número 83 é colocada uma citação direta do presidente do Partido dos Trabalhadores afirmando que caso ela não tivesse sua imagem recuperada até as eleições de 2014, o ex-presidente Lula teria sua candidatura lançada. A partir das reflexões levadas a cabo no decorrer do trabalho, foi possível concluir que a revista teve um posicionamento claro com relação às manifestações, evidenciado a partir das críticas realizadas ao teor do discurso ideológico dos manifestantes, por exemplo. Entretanto, as críticas feitas por ela diferenciam-se das que foram feitas pelos veículos mais tradicionais no momento em que os elementos destacados se relacionam às contradições no discurso daqueles que participavam dos manifestos e não aos atos de depredação ou vandalismo, exaustivamente relatados pelos meios mais tradicionais. As críticas à instituição do estado ou de pessoas do estado, também à diferença dos demais meios de comunicação, não foram apenas para tentar de culpar o governo pela insatisfação da população, mas ocorreram no sentido de reforçar o despreparo dessa instituição em lidar com cenários de crise ou instabilidade política, seja pela ação truculenta da polícia ou pelos exemplos de amadorismo político protagonizados pela presidenta, citados na revista.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atividade jornalística se caracteriza por ser uma prática que integra um sistema altamente institucionalizado, dotado de métodos e procedimentos que visam à qualidade da informação. Enquanto um elemento de singular importância em um mundo cada vez mais mediado pela ação dos meios de comunicação, a informação transmitida por meio das notícias merece atenção da academia na elaboração de estudos que averiguem seu teor e sua qualidade. Principalmente, porque após serem publicadas as notícias podem guiar a interpretação das pessoas sobre diversos temas e situações. Desta forma, este estudo pretendeu averiguar a atuação de uma revista perante um determinado tema, a fim de tentar identificar os aspectos realçados pela cobertura e o posicionamento adotado pela revista perante o fato. Foram analisados os textos publicados na revista piauí nas edições de número 82, 83 e 84 no ano de 2013. A partir das reflexões levantadas, foi possível identificar o posicionamento da revista com relação aos protestos, que assim como os outros veículos foi o de apresentar críticas ao evento. Entretanto, o teor dessas críticas promovidas pela revista não se limitou aos atos de vandalismo, tão evidenciados pelos veículos tidos como mais tradicionais. A piauí preferiu dirigir suas críticas ao discurso político dos manifestantes, dando ênfase nos traços considerados contraditórios, como o consumo de produtos estrangeiros por militantes comunistas, por exemplo. Como visto na seção final do Capítulo 2, a maior parte dos veículos optou por em determinado momento da cobertura, destacar às críticas ao governo, culpando-o pela insatisfação dos manifestantes que estavam presentes nas passeatas. A piauí também apresentou textos que discutiam a parcela da reponsabilidade do governo, mas a partir das análises feitas, foi possível constatar que a maior parte das críticas ao estado concentrou-se em tratar o despreparo da polícia em controlar de forma pacífica os manifestantes, além da falta de preparo político da presidenta Dilma Rousseff para conduzir o país no cenário da crise e instabilidade. As considerações lançadas no Capítulo 2 permitiram concluir também que o atravessamento ideológico presente em todos os elementos do fazer jornalístico pode ser 101
mais forte que qualquer proposta de isenção no relato. Isso porque, ao nascer em um determinado local social, o conteúdo veiculado pelas mídias está inevitavelmente sujeito às subjetividades do jornalista que o produz, bem como a toda conjuntura ideológica que define a orientação editorial do veículo onde esse conteúdo nasce. Uma das conclusões a que se chegou também neste segundo capítulo foi que apenas a verificação de elementos centrais dentro dos textos jornalísticos é que poderia atestar qual a inclinação dos meios de comunicação perante qualquer tema. Os argumentos propostos indicaram que verificar a quem a notícia se destina, como ela caracteriza os fatos e os envolvidos, como ela escolhe as pessoas que terão voz e com que frequência ela persiste na agenda dos meios, pode ser uma maneira mais eficaz de constatar qual a inclinação ideológica do veículo em que se encontram. Justamente para identificar os elementos que interferem na notícia em vários momentos do seu processo de produção, foi que o primeiro capítulo organizou-se de modo a tentar discutir desde as características que definem um tema como “noticioso”, até o papel que elas assumem de ferramentas de construção social da realidade. Ao serem frutos de uma atividade que não deixa de ter seu caráter comercial, as notícias podem estar sujeitas também aos ditames econômicos que orientam a linha editorial dos meios de comunicação. Por isso mesmo, as notícias, enquanto um dos inúmeros produtos oferecidos pelos meios de comunicação, se mostram como um dos elementos mais complexos e que exigem maior reponsabilidade no momento de sua produção, visto que a matéria prima que permite sua realização, são os fragmentos da realidade colhidos e tratados pelo jornalista .
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
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APÊNDICES
1. Sinopses dos textos encontrados nas edições analisadas
1.1 Textos encontrados na edição 82, julho de 2013.
Título: O som ao redor Subtítulo: As revoltas de junho e os ventos conservadores no caminho de Dilma. Autoria: Fernando Barros e Silva Gênero: Artigo Sinopse: O artigo busca oferecer uma análise de como se deu o início do declínio da popularidade da presidenta Dilma Rousseff. O autor sugere que as jornadas de junho serviram como ponta-pé inicial deste processo. Ao tentar prever o que pode acontecer com a presidenta, o autor faz referência ao escândalo do Mensalão, caso que também motivou queda na aprovação de um presidente, então Luiz Inácio Lula da Silva. O autor conclui afirmando que diferentemente de Lula, Dilma não conta com bons resultados da Economia, o que poderia dificultar sua reeleição. Relação com o tema: direta
Título: Rebelião Subtítulo: Relâmpago, fagulha e incêndio em um fim de outono. Autoria: Mario Sérgio Conti Gênero: Artigo Sinopse: Conti estabelece uma comparação das manifestações ocorridas nas cidades brasileiras com as que aconteceram em outros países e tenta situá-las em um marco histórico ao compará-las também com outros movimentos tidos como “revolucionários”. O autor explora as particularidades do caso brasileiro e prevê que o cenário político brasileiro dificilmente voltará a ser pacífico, como antes das manifestações. Relação com o tema: direta.
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Título: Copa das Conflagrações Subtítulo: Dilemas político-esportivos de um jovem comunista no Mineirão Autoria: Nuno Manna Gênero: Reportagem Sinopse: A reportagem descreve uma partida da Copa das Confederações, com ênfase no torcedor Terêncio de Oliveira (um comunista autodeclarado de 27 anos), que se sente dividido entre suas convicções políticas e seu amor pelo futebol. Terêncio é militante e vinha participando de várias manifestações em Belo Horizonte, mas deixou de ir a uma delas pois havia comprado ingressos para a partida entre Brasil x Uruguai. O jornalista trata também do complexo esquema de segurança montado pela FIFA e ao final da reportagem, apresenta dados relativos às manifestações que ocorream no inicio da partida Relação com o tema: direta
Título: Guerra dos memes Subtitulo: Na transmissão dos protestos, surge um novo tipo de jornalismo Autoria: Ronaldo Bressane Gênero: Reportagem Sinopse: O autor procura mostrar como funciona a ação do coletivo de mídia Narrativas Independentes Jornalismo e Ação (NINJA), a partir da cobertura de alguns dos protestos das jornadas de junho. São citados alguns nomes importantes da organização, e como essas pessoas se organizam e distribuem tarefas para a realização das coberturas. Relação com o tema: direta
Título: Orquestrando a Revolta Subtítulo: A fanfarra do M. A. L. não corre quando a polícia bate Autoria: Juliana Cunha Gênero: Reportagem Sinopse: A repórter acompanha a fanfarra do Movimento Autônomo Libertário (MAL) em um dos atos ocorridos em junho. Conta que o grupo, antes parte do Movimento Passe Livre, havia decidido, a então dois anos, emancipar-se para passar a atuar em vários protestos apartidários na cidade de São Paulo. A jornalista deixa claro na reportagem que 107
muitos participantes da marcha não estavam sintonizados ideológicamente aos organizadores, que procuram agir sem o estabelecimento de figuras de liderança. Essa falta de sintonia se dá justamente porque os “novos” manifestantes pareciam, segundo a jornalista, precisar de uma imagem de líderança a quem se apegar para sentirem-se mais seguros. Relação com o tema: direta
Título: Nova Iorque chamando Subtítulo: Dois jovens são assediados para tentar explicar o que ninguém entende Autoria: Claudia Antunes Gênero: Reportagem Sinopse: A reportagem trata de dois jovens cariocas com menos de 25 anos que foram procurados pela imprensa internacional para que pudessem explicar o que estava a aconter no Brasil no ápice das jornadas. Alessandra Orofino e Miguel Lago são fundadores da ONG Meu Rio e, quando graduaram-se no exterior, fizeram contatos que possibilitaram que canais de televisão chegassem até eles. A jornalista destaca que os jovens eram solicitados a dar informações minuciosas sobre as motivações da jornada, bem como as pautas que as guiavam. Relação com o tema: direta
Título: Apologia do Vinagre Subtítulo: O ácido acético entra para a pauta da política nacional. Autoria: Vanessa Barbara Gênero: Reportagem Sinopse: A reportagem é escrita com base nas discussões em um evento organizado no Facebook, intitulado “Marcha pela Legalização do Vinagre”, que chegou a unir virtualmente 52.816 pessoas. Segundo a jornalista, o evento foi organizado após manifestantes serem presos por porte de vinagre, que de acordo com a polícia, poderia ser usado na confecção de bombas caseiras. A reportagem toda é escrita em tom de humor, as piadas dos comentários no evento são colocadas no texto que satiriza a ação da polícia, visivelmente despreparada para lidar com as manifestações. 108
Relação com o tema: direta
Título: Setecentos dias na Praça Subtítulo: Cineasta veterano da revolta no Egito tira férias nos protestos turcos Autoria: Petra Costa Gênero: Reportagem Sinopse: Primeiramente a reportagem explica de forma breve a experiência do cineasta Mohammed Hamdy durante as gravações de seu documentário “The Square”, que duraram 700 dias e tiveram os protestos egípicios como tema central. Revisto este momento da vida do cineasta, a reportagem passa a descrever sua chegada na Turquia justo no momento em que o país passava instabilidades políticas causadas por uma onda de protestos da população. São comparados os dois casos, com base em dados e também na experiência pessoal de Mohammed, que via no povo egípcio certo grau de união em torno a uma única causa, diferentemente dos turcos que, ainda segundo Mohammed, estavam bastante divididos. Relação com o tema: indireta
Título: A disputa que matou a Varig Subtítulo: Como as divergências no governo Lula selaram o fim da empresa e deixaram a aviação civil brasileira nas mãos dos estrangeiros Autoria: Consuelo Dieguez Gênero: Reportagem Sinopse: Nesta reportagem, a jornalista descreve como deu-se o processo de extinção da empresa estatal de aviação Varig. Consuelo aborda os excessos cometidos durante os tempos em que a estatal ainda era lucrativa e afirma que somados às dívidas adquiridas, tais excessos foram os motivadores do fechamento da empresa. Outro fator, colocado como o de maior importância para a falência da Varig, foi o descaso com que o governo do presidente Lula tratou os problemas da empresa, optando por não fornecer o devido auxílio. Segundo a reportagem, o governo tinha uma visão preconceituosa de que o serviço oferecido pela Varig era destinado principalmente às elites, o que não motivou ações efetivas e necessárias à recuperação da empresa. 109
Relação com o tema: não
Título: Via-sacra Subtítulo: Histórias de fé numa típica rua do Brasil Autoria: Paula Scarpin Gênero: Reportagem Sinopse: A jornalista percorre uma avenida que corta a cidade de Ilhéus-BA e encontra um alto número de igrejas evangélicas no local. A reportagem então, pauta-se por apresentar algumas destas igrejas, explorando suas convicções, seus dogmas, suas histótias, o perfil das pessoas que as frequentam e as dificuldades encontradas para a manutenção dos templos, por exemplo.
A jornalista considera o acúmulo de igrejas evangélicas uma
conformação cada vez mais comum na paisagem típica urbana brasileira. Relação como tema: não.
Título: O pit bull de passeata Subtítulo: Fiz uma versão maneiríssima da musiquinha “eu sou baderneiro/ com muito orgulho/ com muito amor” com batida eletrônica Autor: Renato Terra Gênero: Crônica Sinopse: Trata-se de uma crônica onde o jornalista Renato Terra assume a voz de um personagem das jornadas de junho: o pit bull de passeata. São satirizadas posturas típicas destes indivíduos que participam das passeatas apenas pelo desejo de promover desordem e violência, como a agressividade, o machismo e a ausência de posturas políticas sérias. Descrevendo a participação de um desses tipos brasileiros nas manifestações, o texto começa com a frase: “antes de mais nada, quero deixar claro que não tenho esse papo de ideologia política”; e segue: “uma militante do PCO (Partido da Causa Operária) deu mole pra mim, mas não me amarrei na estampa da criatura. Cabeluda demais nos lugares errados.” Demonstrando seu apartidarismo o personagem diz: “para contrabalançar, sapequei uma rasteira num engomadinho que pedia o impeachment da Dilma. O cara queria golpe. Não precisou pedir duas vezes. Já disse que meu movimento de punho é apartidário”. 110
Relação com o tema: direta
Título: O direito à cidade Gênero: Artigo Subtítulo: A qualidade da vida urbana virou uma mercadoria. Há uma aura de liberdade de escolha de serviços, lazer e cultura –desde que se tenha dinheiro para pagar Autoria: David Harvey Sinopse: Trata-se de um artigo do geógrafo marxista inglês e professor da City University de Nova Iorque e traduzido por Isa Mara Lando. Nele, o autor discorre sobre como o processo de urbanização associa-se ao capital criando condições que reforçam as diferenças entre as classes. O pesquisador cita dois exemplos de processos de reconfiguração da infraestrutura urbana, um da cidade de Paris em 1853, elaborado por Georges-Eugène Haussmann e o da cidade de Nova Iorque, ocorrido entre as décadas de 30 e 40 que teve como idealizador o urbanista Robert Moses. Em ambos casos, a reestruturação do espaço urbano, junto à especulação financeira, isolaram os mais pobres em espaços afastados do centro da cidade e criaram condições que dificultaram seu acesso a outros espaços. Harvey cita exemplos de lutas pelo pleno acesso ao espaços urbanos e conclui afirmando que adotar o direito à cidade como um ideal político poderia unificar essas lutas resultando na conquista de um direito que segundo ele, é fundamental. Relação com o tema: indireta
Título: Uma em um bilhão Subtítulo: O que faz uma escritora brasileira em um festival literário em Macau Autoria: Vanessa Barbara Gênero: Reportagem Sinopse: Trata-se de um relato de viagem onde a jornalista Vanessa Barbara conta sobre sua participação no Festival Literário de Macau. São apresentados dados oficiais sobre o local, mesclados a experiências pessoais da jornalista durante a viagem. Relação com o tema: não
Título: Tiros na fronteira 111
Subtítulo: Como o irmão de Getúlio Vargas conspirou com radicais argentinos e complicou a política externa brasileira Gênero: Reportagem Autoria: Lira Neto Sinopse: A reportagem conta com um incidente ocorrido na fronteira da cidade de São Borja com a vizinha argentina San Tomé pôs em risco a estabilidade das relações entre Brasil-Argentina. O irmão do então presidente Getúlio Vargas, Benjamin Vargas desejava atravessar a fronteira para sequestrar o jornalista Jovelino de Oliveira Saldanha, que usava o espaço no jornal onde trabalhava para denunciar algumas situações de abuso cometidas pela família Vargas na região. Entretanto, no momento da travessia houve um desentendimento entre Benjamin e os policiais argentinos, que iniciaram um confronto onde duas pessoas morreram. Relação com o tema: não tem relação
Título: Triunfo e tormento Subtítulo: Como Cabra Marcado para Morrer ensinou Eduardo Coutinho a interagir com seus personagens e a lidar com o particular e o concreto Autoria: Eduardo Escorel Gênero: Reportagem Sinopse: A reportagem conta como Eduardo Coutinho retomou as gravações da produção da obra que inicialmente seria um filme, mas que acabou tornando-se um documentário. Cabra Marcado para Morrer, foi uma produção do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes e do Movimento da Cultura Popular (MCP) do Recife que teve de ser interrompida quando os militares assumiram o poder em 1964. No texto são descritos os re-encontros que o diretor Eduardo Coutinho teve com os ex-integrantes do grupo e os dilemas pessoais e profissionais que teve que enfrentar na produção de seu documentário. Relação com o tema: não tem relação
Título: No epicentro da Barrafunda
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Subtítulo: Os cronistas entre a medida do homem ao rés do chão e a desmedida industrial da televisão Gênero: Reportagem Autoria: Mario Sergio Conti Sinopse: Nesta reportagem, Conti fala sobre as nuances do gênero “crônica”. A partir da história do cronista Antonio Prata ele aborda as particularidades do gênero e tenta prever quais os aspectos necessários para que se escreva uma boa crônica. Outra questão importante, discutida na reportagem, é o fato de muitos escritores cronistas se verem tentados a redirecionarem seus esforços para a produção de programas televisivos. Relação com o tema: não tem relação
Título: Alô, Bozo? Subtítulo: Percebi pelo tom de voz que ele esperava alguma coisa do telefonema. Se minha mãe dizia estar ocupada quando eu ligava no trabalho dela, imagina só a pessoa mais importante da televisão Autoria: Antonio Prata Gênero: Crônica Sinopse: Nesta crônica, Antonio escreve em primeira pessoa a experiência de um menino que liga para o programa do Bozo com o intuito de participar do sorteio de uma bicicleta. Relação com o tema: não tem relação
Título: Sobrou para o PSTU Subtítulo: Agremiação trotskista com apenas dois vereadores não escapou da fúria contra os partidos, mas já faz planos para o pós-revolução Autoria: Nonato Viegas Gênero: Reportagem Sinopse: Nesta reportagem, Nonato Viegas fala sobre como o PSTU (Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado) se viu obrigado a abaixar suas bandeiras em alguns dos atos realizados durante as jornadas de junho. Os militantes precisaram esconder o fato de serem partes de uma agremiação política, pois havia hostilidade por parte de certos grupos que 113
não desejavam a presença de partidos políticos nas manifestações. São fornecidos alguns dados sobre o partido, como o número de políticos eleitos (dois) e as os movimentos sociais qual o PSTU ajudou a fundar. Outra questão abordada no texto é a disputa por protagonismos nos movimentos sociais.
1.2 Textos encontrados na edição 83, agosto de 2013.
Título: Mais fortes são os poderes do corpo Subtítulo: Francisco prega uma igreja na rua, que beije e toque Autoria: Mario Sergio Conti Sinopse: O artigo fala sobre a nova postura da Igreja Católica que por meio dos discursos do Papa Francisco vem se mostrando favorável à uma maior proximidade com seus fiéis. Conti aborda a faceta midiática assumida pelo Papa Francisco e o compara com João Paulo II, que foi o primeiro papa a ter cobertura jornalística de suas viagens, que se assemelhavam a turnês de estrelas de rock. Relação com o tema: não tem relação
Título: Os estreantes da Rocinha Subtítulo: Os velhos poderes assediam os jovens que lideraram manifestação de junho na favela Autoria: Claudia Antunes Sinopse: A reportagem fala sobre Denis Neves, um dos organizadores da manifestação que iniciou-se na Rocinha e desceu até o Leblon durante as jornadas de junho. É descrita a forma como assessores de políticos da cidade e do estado do Rio perseguiam o jovem, com propostas de filiação em seus partidos. Não apenas Denis, como os outros jovens que organizaram os movimentos, aproveitaram a influência que tinham para conseguir com mais facilidade um diálogo com o governador do estado Sérgio Cabral, a fim de buscar melhoria em serviços públicos básicos que não eram devidamente oferecidos na comunidade. Relação com o tema: direta
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Título: O tesouro de Mukeka Subtítulo: Um pirata moderno procura ouro na praia de Amaralina Autoria: Taisa Sganzerla Sinopse: O texto fala sobre um mergulhador que no ano de 1991, por sugestão de uma cartomante, passou a procurar um suposto baú perdido em um naufrágio. Em uma de suas primeiras descidas ao fundo do oceano, encontrou uma caixa de cobre virada de boca para baixo e com a tampa enterrada na areia. Como lhe restava pouco oxigênio no cilindro, decidiu subir para voltar com equipamentos mais apropriados, entretanto, nunca mais encontrou o baú. Relação com o tema: não tem relação
Título: No princípio era um chuchu Subtítulo: Bancário pressiona o governo para obter segredos dos ovnis Autoria: João Paulo Charleaux Sinopse: O texto fala sobre o bancário e ufólogo Edison Boaventura Júnior que foi responsável por 24 dos 81 recursos acolhidos pela Comissão Mista no primeiro ano de funcionamento da Lei de Acesso à Informação, que permite que os cidadãos brasileiros solicitem dados do poder público, sem precisar dar justificativas. O ufólogo acredita que o acesso a documentos confidenciais do Exército e da Aeronáutica lhe serviria de embasamento nas suas análises que, segundo colegas ufólogos, são marcadas pelo rigor científico de Boaventura. Relação com o tema: não tem relação
Título: Brasil ou algo assim Subtítulo: A vida numa região da fronteira contestada pelo Uruguai Autoria: Maurício Brum Sinopse: O texto fala sobre duas cidades fronteiriças, uma do lado brasileiro (Sant’Ana do Livramento) e outra do lado uruguaio (Masoller). Ambos municípios sofrem com a carência na oferta de serviços públicos, o que faz com que os habitantes passem a usufruir de serviços prestados do outro lado da fronteira. 115
Relação com o tema: não tem relação
Título: Orgulho suburbano Subtítulo: Historiador diletante pesquisa as origens gloriosas de Irajá Autoria: Rafael Cariello Sinopse: A reportagem aborda a tentativa do historiador diletante Ronaldo Luiz-Martin de levantar dados históricos sobre o bairro Irajá, localizado no subúrbio do Rio. São relembradas algumas histórias do bairro que já teve grande importância econômica para a cidade. Também são lançados argumentos que propõem uma reflexão sobre a forma como os suburbios são vistos com preconceito, apenas pelo fato de não serem parte do centro das cidades. Relação com o tema: não tem relação
Título: Síndico padrão FIFA Subtítulo: Sua reunião de condomínio nunca mais será a mesma Autoria: Renato Terra Sinopse: A reportagem acompanha o administrador Sérgio Craveiro, especialista em gestão de condomínios em um curso para aspirantes a síndicos profissionais. Craveiro é presidente da Confederação Nacional dos Síndicos e tem longa experiência atuando como síndico terceirizado. No texto são relatados alguns casos em que Craveiro conseguiu livrar-se de problemas corriqueiros ao sistematizar a forma como se relaciona com os moradores dos prédios que administra. Relação com o tema: não tem relação
Título: Latidos no centro cirúrgico Subtítulo: O primeiro hospital público para cães e gatos de baixa renda Autoria: André Gravatá Sinopse: A reportagem fala sobre o Serviço Veterinário da Associação Nacional de Clínicos Veterinários de Pequenos Animais de São Paulo, localizado no bairro do Tatuapé, na capital paulista. O texto dá detalhes sobre o funcionamento do local, o público que
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atende e cita alguns exemplos de atendimentos a animais que precisavam passar por procedimentos cirúrgicos. Relação com o tema: não tem relação
Título: O Comissário Subtítulo: As tarefas e os métodos de Rui Falcão, o presidente do PT Autoria: Daniela Pinheiro Gênero: Reportagen Sinopse: A reportagem começa descrevendo a chegada de Rui e outros integrantes do partido em Salvador, para a realização de um dos eventos comemorativos ao aniversário de dez anos da agremiação no poder. Seria o primeiro a acontecer deposi das manifestações de junho de 2013. A jornalista descreve que durante um dos atos, os gritos de “O PT voltou” entoado pelos militantes foi encoberto pelo de “O PT roubou” cantado por manifestantes anti-governistas. Num segundo momento da reportagem são descritos importantes episódios de sua vida na infância e adolescência, como quando viu pela primeira vez uma manifestação política. Também são relembrados os tempos em que esteve preso durante a ditadura, de janeiro de 1970 a dezembro de 1973. A reportagem é concluída com a descrição resumida das falas de Rui, Lula e Dilma durante o ato mencionado no início do texto. Relação com o tem: indireta
Título: O longo prazo chegou Subtítulo: O que restará do lulismo quando a bolha do consumo estourar? Autoria: César Benjamin Sinopse: No artigo são análisados em retrospecto os dez anos de governo do PT, em especial o governo Lula. César Benjamin cita cinco fatores, que segundo ele, demonstram a fragilidade do modelo de desenvolvimento levado à cabo pelos petistas. Aponta como o crescimento do país nos últimos anos só foi possível graças ao cenário externo e às medidas emergenciais de Lula. O autor cita as jornadas de junho como um indício de que o longo prazo chegou, ou seja, a “nova classe média” percebeu que teve apenas acesso a consumo de bens individuais, e que ainda não tem acesso a serviços públicos de qualidade. 117
Relação com o tema: indireta
Título: Chutes para todo lado Subtítulo: A incrível biografia de José Dirceu, o fauno que comeu cordeiro patagônico Autoria: Mario Sergio Conti Sinopse: Trata-se de uma resenha sobre o livro Dirceu, a biografia, de Otávio Cabral, que se propõe a contar a história do ministro José Dirceu. O texto é marcado pelos apontamentos de Conti a erros graves de apuração como datas que não condizem, relatos de situações que não ocorreram, etc. Segundo Conti o biógrafo não chegou a entrevistar Dirceu, o que não lhe impedia de procurar outras meios de consulta. Conti conclui a resenha afirmando que “em vez de trabalhar, Otávio Cabral preferiu a invencionice delirante”. Relação com o tema: não tem relação
Título: Os invisíveis Subtítulo: A noite de terror, os mortos e os sobreviventes da Maré depois da operação do Bope Gênero: Reportagem Autoria: Consuelo Dieguez Sinopse: A reportagem conta como a morte do sargento Ednelson Jerônimo dos Santos Silva, desencadeou uma operação de guerra no morro da Maré. Após a morte do policial, seus companheiros de farda passaram uma madrugada inteira vasculhando casas e abordando moradores, supostamente em busca do assassino. A ação terminou com a morte de dez pessoas, incluindo o sargento. Após citar alguns casos de abusos por parte da polícia na comunidade, a reportagem passa a questionar a falta de repercussão do tema e sugere que situações como estas estão naturalizadas pela população, que até mesmo passa a idolatrar figuras repressoras como a do capitão Nascimento, personagem do filme Tropa de Elite. Uma das fontes entrevistadas, o comandante da Academia de Formação de Oficiais da Polícia Militar, Ibis Silva Pereira, sugere que o problema seja a forma como o combate às drogas é promovido pela polícia e propõe que a resolução esteja relacionada à prevenção antes de tudo. 118
Relação com o tema: indireta.
Título: Democracia na Praça Subtítulo: Dois anos de protestos na Espanha Autoria: Germán Labrador Méndez Sinopse: O atigo dividido em quatro partes (“democracia, te amo”, “imaginário da história”, “comida e canibalismo” e “o começo é o final”) discorre sobre o movimento popular espanhol que ficou conhecido como 15M, passados dois anos desde sua ocorrência. São justificadas a descrença da população no sistema democrático pós-ditadura, a insatisfação perante um governo que beneficia o capital em detrimento das pessoas e como tudo isso se relaciona com o boom imobiliário que o país experimentou anteriormente. O autor fecha sua a análise traçando pontos de semelhança entre os dois movimentos, o 15M e as jornadas de junho: insatisfação com o aumento do custo de vida, com a precariedade, e demandas por serviços mínimos, pela dignidade da cidadania. E encerra: “enquanto na Espanha e em Portugal grita-se ‘Fora FMI’, no Brasil grita-se ‘Fifa go home’. Enquanto na Espanha a Eurocopa serve de pano de fundo para falar de política sem falar nos protestos, no Brasil a Copa do Mundo parece servir para falar dos protestos políticos”. Relação com o tema: indireta
Título: Pedras, armas, religião Subtítulo: O golpe militar no Egito pelos olhos de um veterano dos protestos e dos cafés do Cairo Autoria: Muhammed Hamdy Sinopse: Trata-se de um relato escrito em forma de diário pelo cineasta Muhammed Hamdy, que volta à praça Tahir no Egito. Na primeira vez que esteve nas ocupações da praça, Hamdy fazia parte do movimento que exigia a saída do ditador Hosni Mubarak, que acabou sendo substituído por Mohamed Morsi, da Irmandade Mulçumana, que logo foi deposto pelas Forças Armadas. Hamdy e seus amigos revolucionários oscilam entre comemorar a saída da Irmandade do poder e questionar o poder do Exército. Relação como tema: indireta
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Título: Cobra criada Subtítulo: A intimidade de um médico com a maior serpente venenosa das Américas Autoria: Bernardo Neves Sinopse: A reportagem fala sobre o trabalho de Rodrigo Souza, um médico que se dedica a preservação de serpentes surucucus. O médico, que sempre se interessou por estes répteis, possui um cativeiro onde cria animais resgatados, a fim de evitar que sejam sacrificados, já que as surucucus têm fama de serem perigosas. No texto, que também descreve as características do animal, são contadas algumas histórias que levaram o médico a dedicarse à preservação destes animais. Relação com o tema: Não tem relação.
Título: Criança já não me entristecem Subtítulo: A paternidade na vida de um casal gay Autoria: Andrew Solomon Sinopse: O artigo dividido em duas partes fala sobre um casal gay que decide ter filhos a partir de inseminação artificial. Na primeira parte do texto, Andrew conta sobre as experiências com as quais teve contato enquanto escrevia seu livro que aborda justamente a questão da paternidade. Andrew conta sobre quando acompanhou casais de pessoas portadoras de deficiência que não se importavam e em alguns casos até desejavam gerar uma criança com a mesma deficiência que eles. O texto é permeado por um debate que questiona os limites das escolhas que são feitas sobre as características físicas e sobre a personalidade dos indivíduos em fecundações assistidas. Já a segunda parte do texto trata da experiência pessoal de Andrew quanto ao desejo de ser pai e os caminhos que teve de percorrer para chegar a tal. Relação com o tema: não tem relação
Título: O último telegrama Subtítulo: Índia culpa SMS pelo fim do telégrafo, mas só 26% dos indianos têm celular Autoria: Juliana Cunha
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Sinopse: A reportagem trata do fim do oferecimento do serviço de telégrafo na Índia. Segundo a justificativa dada pelo governo, o encerramento no serviço se deve à diminuição na demanda, o que encarece os trâmites e provoca uma demora ainda maior na entrega dos papéis. Há uma crítica ao modo com que os indianos preocupam-se em acompanhar países modernos no que diz respeito à tecnologia, quando a maior parte da população ainda carece de serviços básicos. Relação com o tema: não tem relação
1.3 Textos encontrados na edição 84, setembro de 2013.
Título: Pássaros Espertalhões Subtítulo: Um roteiro da corrupção em Praga cheio de metáforas ornitológicas Autoria: Tamine Maklouf Sinopse: A reportagem trata de um tour que ocorre na cidade de Praga, promovido por uma agência de turismo, onde são percorridas ruas de casas de políticos envolvidos em escândalos de corrupção. Além das mansões, o percurso inclui também a passagem por obras com suspeita de superfaturamento, como o túnel Blanka, um dos maiores túmeis urbanos da Europa e que custou cerca de R$4,6 bilhões. Relação com tema: não tem relação
Título: Múmias da classe C Subtítulo: Peças adquiridas por imperadores para o Brasil são de emergentes egípcios Autoria: Rafael Cariello Sinopse: A reportagem conta a história de duas múmias egípcias compradas por dom Pedro I de Nicolau Fiengo, um italiano comerciante de antiguidades. Segundo historiadores, a realeza portuguesa, assim como as demais europeias, identificava nas múmias os traços de superioridade típicos da nobreza. Entretanto, segundo análises mais profundas feitas atualente, as múmias são de trabalhadores rurais que experimentaram um momento de prosperidade no Egito para só assim conseguirem custear com os preços de uma mumificação. Relação com o tema: não tem relação 121
Título: O príncipe de Cachoeiro Subtítulo: Um fanático por Maquiavel na cidade de Rubem Braga Autoria: Mariana Filgueiras Sinopse: A reportagem fala sobre Higner Mansur e sua paixão pela obra “O Príncipe” de Nicolau Maquiavel. O advogado possu cerca de 150 volumes relacionados a livro, entre glosários, dicionários, biografias, ensaios, paródias, audiolivros, quadrinhos, etc. Relação com o tema: não tem relação
Título: O barato de Hanna Subtítulo: Pela legalização da maconha, jovem americana se muda para Montevidéu Autoria: Claudia Antunes Sinopse: A reportagem que toma como ponto de partida a mudança de uma jovem americana para o Uruguai, explica por quais motivos a jovem decidiu militar pela causa antiproibicionista. Segundo as informações, ela mudou-se para acompanhar a votação e os primeiros passos da implementação da lei que permite e regula o consumo de cannabis no país sulamericano. Relação com o tema: não tem relação
Título: Só mãe judia resolve Subtítulo: Aberta temporada de caça ao piolho em Nova York Autoria: Tania Menai Sinopse: A reportagem fala sobre o trabalho das Lice Ladies na cidade de Nova York. As lice ladies são especialistas em retirar piolhos das pessoas, e setembro é um dos meses mais movimentados, justamente por ser quando tem início o ano letivo no hemisfério norte e as crianças voltam a relacionar-se facilitando o rápido contágio. Relação com o tema: não tem relação
Título: Herói ganha rodas 122
Subtítulo: A virada do engenheiro que se especializou em próteses para cães Autoria: Consuelo Dieguez Sinopse: A reportagem conta como, por casualidade, o engenheiro Ricardo Bastos passou ao produzir cadeiras de rodas e próteses para animais com algum tipo de deficiência. Segundo a reportagem, ele fechou a empresa de eletricidade que possuia para passar a dedicar-se mais ao trabalho com os animais Relação com o tema: não tem relação
Título: Morte de domínio público Subtítulo: Pacote funerário gaúcho inclui cartazes sobre exéquias Autoria: Maurício Brum Sinopse: A reportagem fala sobre uma prática já pouco comum nos funerais, que é a divulgação em cartazes de informações sobre os falecidos e dados sobre o velório. O texto toma como exemplo uma funerária da cidade de Cachoeira do Sul, interior gaúcho, que ainda disponibiliza o serviço. Para muitos, os cartazes, que são colados geralmente em lugares próximos de onde os falecidos costumavam frequentar, são mais eficazes que os anúncios em jornal, que demorariam mais a serem lidos. Relação com o tema: não tem relação
Título: Unidos pela Perua Subtítulo: Um encontro de colecionadores do carro prestes a sair de linha Autoria: Nathalia Lavigne Sinopse: A reportagem fala sobre um fã das Kombis que junto com outros amigos, criou o Sampa Kombi Clube em 2011. Eduardo Pires comprou a primeira Kombi com dinheiro de herança que havia recebido e desde então passou ao dedicar-se à compra e estilização de novos modelos. A reportagem toma como gancho o fim da fabricação do modelo, que para alguns colecionadores é sinômino de lamento, já para outros, representa uma valorização do carro, que agora ficará mais raro. Relação com o tema: não tem relação
Título: Urbanista Acidental 123
Subtítulo: As obsessões e os dilemas de Philip Yang, o empresário que pretende reinvetar o Centro de São Paulo Autoria: Rafael Cariello Sinopse: A reportagem aborda o problema da falta de moradia em São Paulo, partindo de dois pontos de vista. O primeiro seria do MMPT (Movimento Moradia Para Todos), que organiza e comanda ocupações em prédios abandonados da cidade. O segundo, seria o do Urbem (Instituto de Urbanismo e de Estudos para a Metrópole), fundado por Philip Yang, um empresário paulistano de 50 anos. A maior parte da reportagem aborda questões relativas a PPP, parceria público-privada, proposta pelo Governador Geraldo Alckmin que prevê a reformulação do centro da cidade, com o advento de prédios residenciais, que atenderiam pessoas de classe baixa até classe média alta. A grande queixa de líderes de movimentos pró-ocupação é que a maior parte dessas novos residenciais está destinada a faixa de pessoas com rendimento entre 6 e 16 salários mínimos, muito acima do rendimento de quem precisa com mais urgência das moradias. Relação com o tema: não tem relação
Título: O verão chileno Subtítulo: Depois da primavera estudantil, Camila Vallejo e outros jovens líderes tentam abrir caminho entre os dinossauros do Congresso. Autoria: Josefina Licitra Sinopse: A reportagem fala sobre aguns líderes do movimento estudantil chileno que após as manifestações de 2012 lançaram candidatura por partidos já tradicionais no país. A reportagem descreve os problemas no sistema educacional chileno, com os financiamentos obrigatórios a que os cidadãos são submetidos para custear os estudos. É mencionado como o aspecto físico de Camila Vallejo associado a sua grande capacidade oratória fizeram com que ela se tornasse o rosto do movimento. Relação com o tema: indireta
Título: Mande sua chave Subtítulo: A saga da documentarista Laura Poitras, que respondeu a um e-mail anônimo de Edward Snowden 124
Autoria: Peter Maass Sinopse: A reportagem explica como se deu a comunicação entre a jornalista Laura Poitras e Edward Snowden, quando este decidiu enviá-las os documentos que provavam a espionagem por parte do governo norte americano. Laura já havia sido considerada como “perigosa” pelo governo por em certa ocasião, sair de um determinado prédio em que gravava um documentário, momentos antes de um ataque terrorista, o que motivou uma denúncia por envolvimento no ataque. Snowden escolheu Laura por de certa forma, identificar-se com o tipo de jornalismo independente praticado por ela. Relação com o tema: não tem relação
Título: O recado de Londres Subtítulo: O dia em que a polícia britânica prendeu David Miranda Autoria: Claudia Antunes Sinopse: A reportagem narra uma viagem de David Miranda, companheiro de Greenwald, da Alemanha de volta ao Brasil. Miranda voltava trazendo alguns dos documentos vazados por Snowden a Laura Poitras e foi detido sob a acusação de terrorismo. Relação com o tema: não tem relação
Título: Liberdade nas nuvens Subtítulo: Assange, Manning e Snowden são os novos heróis da era do controle informatizado. Precisamos protegê-los para garantir a razão pública Autoria: Slavoj Zizek Sinopse: O artigo discute a importância de ações que coloquem em cheque as práticas abusivas dos Estados contra os direitos individuais e a privacidade dos indivíduos. Zizek questiona o modo como se desenvolveram os aparelhos eletrônicos e afirma que quato mais eficientes eles são, mais dependem de atividades remotas mantidas pelas empresas de tecnologia, à distância, sendo que essas mesmas empresas mantém relações e em alguns casos devem submeter-se aos governos. Relação com o tema: não tem relação
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Título: Clima malparado Subtítulo: Às vesperas da publicação do grande relatório científico sobre o aquecimento global, os governos relutam em enfrentar o problema Autoria: Bernardo Esteves Sinopse: A reportagem fala sobre o lançamento de mais um relatório do IPCC, o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas, que em intervalos de cinco a sete anos, divulga resultados sobre presquisas relacionadas às mudanças climáticas. O relatório, que funciona mais como um levantamento dos resultados disponíveis, não se propõe a apresentar medidas que combatam o aquecimento global. Antes, serve apenas para ilustrar e conscientizar os governos sobre as possíveis consequência do aumento constante das temperaturas. A reportagem aborda ainda a opinião dos céticos ou negacionistas, que formam o grupo de cientistas que não crê nas teorias sobre aquecimento global. Relação com o tema: não tem relação
Título: Emergência como rotina Subtítulo: O euro sobreviveu, mas o que será da União Europeia? Autoria: Susan Watkins Sinopse: A reportagem trata sobre a crise da União Europeia e questiona a natureza das medidas proposta pelos países centrais do bloco –França e principalmente Alemanha. Ainda que o bloco tenha apresentado crescimento de 0,3% de seu PIB no ano de 2013, as altas taxas de desemprego e os cortes de verbas para serviços sociais básicos como educação e saúde em países como Grécia, Espanha e Itália, servem para ilustrar a desigualdade com que o bloco vem se caraterizando nos últimos temos. Ao final da reportagem também é questionada a continuação do Reino Unido no bloco, que segundo a autora, se beneficia de mão de obra barata de estrangeiros emigrantes de países também pertencentes ao grupo. Relação com o tema: não tem relação
Título: Quixote venceu Subtítulo: Memórias e dúvidas metafísicas de um torcedor do Galo diante da glória Autoria: Roberto Andrés 126
Sinopse: Nesta crônica, o autor relata a experiência de ter assistido à vitoria do Atlético Mineiro no campeonato Libertadores da América. Ele oferece dados sobre a fundação do time, sobre a escolha do mascote, a composição do hino e tenta explicar de onde surgiu a rivalidade com outros times locais. Relação com o tema: não tem relação
Título: Amarildo por um dia Subtítulo: As últimas 24 horas da ocupação da Câmara Municipal do Rio Autoria: Nonato Viegas Sinopse: A reportagem fala sobre os últimos momentos da ocupação de oito manifestantes na Câmara Municipal do Rio. Eles protestavam contra a escolha de alguns nomes escolhidos para comandar uma CPI que investigaria uma denúncia de formação de cartel no transporte público do Rio, já que os mesmos vereadores eram os que em um primeiro momento haviam se oposto à instalação da CPI. Durante a ocupação, que foi encerrada com uma ordem de desocupação, os manifestantes usavam o pseudônimo de Amarildo, em referência ao ajudante de pedreiro desaparecido desde o dia 14 de julho, quando foi detido por policiais militares na favela da Rocinha. Relação com o tema: direta
2. Tabela utilizada na análise do Capítulo 03
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Título
O som redor
Rebelião
ao
Subtítulo
Autoria/ Apresentação
Gênero
Fontes
As revoltas de junho e os ventos consevadores no caminho de Dilma
Fernando de Barros e Silva é diretor de redação de piauí e autor de Chico Buarque, da Publifolha
Artigo
Datafolha, Revista Época.
Relâmpago, fagulha e incêndio num fim de outono
Mario Sergio Conti é reporter de piauí e autor de Notícias do Planalto, da Companhia das Letras. Apresenta o programa Roda Viva da TV Cultura
Artigo
Não há
Local Social
Foco
Adj. e expressões utilizados para descrever manifestantes
Adj. e expressões utilizados para descrever estado ou pessoa do estado
Adj. e expressões utilizados para descrever as manifestações
Indefinido
Risco de não reeleição de Dilma Rouseff
“o pessoal do ‘gigante que acordou’ e que é ‘brasileiro com muito orgulho, com muito amor’, sem ou com violência”, “Jovens”, “gente cheia de som e fúria”. “velha classe média”, “neoconsumidores”
“protesto ruidoso da elite branca”, “clamor antipartidário”, “fervor nacionalista”. “Na pororoca política”.
Indefinido
Instabilidade política com as manifestações
“presas e feridas”, “estudantes, jovens que pedem emprego, serviços públicos decentes e fim da corrupção”,
“Reação afobadiça e das pantonimas da casta política”, Sobre Dilma: “está à frente do sistema político contra o qual as pessoas decidiram investir”; dá “exemplos constrangedores de amadorismo político e sujeição à bola de cristal do Marqueteiro João Santana” “as instituições por aqui são mais arrumadas que as de acolá”, “judiciários que bem ou mal funcionam”, “quase de joelhos” (governador do estado e prefeito da cidade de São Paulo),
“revolucionária”, “elas atraíram mais gente e ficaram parrudas”, “carnavalescos”, “aguerridos”,
Copa das Conflagrações
Dilemas políticoesportivos de um jovem comunista no Mineirão
Nuno Manna. Não há
Reportagem
Terêncio de Oliveira, jornalista.
Uma partida de futebol que ocorria concomitantem ente às manifestações
Guerra dos Memes
Na transmissão dos protestos, surge um novo tipo de jornalismo
Ronaldo Bressane. Não há apresentação.
Reportagem
Manifestações
Orquestrando a revolta
A fanfarra do M. A. L. não corre quando a polícia bate
Juliana Cunha. Não há apresentação.
Reportagem
Felipe Peçanha, integrande do coletivo NINJA; Bruno Torturra, líder do coletivo; Rafael Vilela, fotógrafo do grupo André, integrante da banda; Caio Martins, membro do MPL de 19 anos; Fred, estudante de artes plásticas da UNESP; Mateus, estudante de 16 anos;
Percurso de uma das manifestações
“espertalhões de sempre”, “adestrada para caçar bandidos e moradores de quebradas barrapesada” (polícia), “abatida” e “despreparada” (Dilma), Não há
Não há
Contradição no discursode um manifestante que foi a uma partida da Copa das Confederações Trabalho de um coletivo de jornalismo independente
“multidão”, “figuras exaltadas”, “alheios ao jogo”
Não há
“caiu de cassetete em cima de todo mundo” (polícia)
“terminaram sob bombas”, “caos sígnico”,
Banda do M. A. L., Movimento Autônomo Libertário
“multidão perdida”, “estreantes do mundo das passeatas”, “massa humana que se aglomera”, “grupo de neófitos”, “grupo de perdidos que puxa gritos desconexos sobre a Copa, corrupção e ‘pátria mãe gentil’”
Não há
“projeto groupie politizado”
Nova York chamando
Dois jovens são essediados para explicar o que ninguém entende
Claudia Antunes. Não há apresentação.
Reportagem
Apologia do Vinagre
O ácido acético entra para a pauta da política nacional
Vanessa Barbara, jornalista, escritora e colunista da Folha de S. Paulo. Lançará Noites de Alface no segundo semestre pela Alfaguara.
Reportagem
O pit bull de passeata
Fiz uma versão maneiríssima da musiquinha “eu sou baderneiro/co m muito orgulho/ com muito amor
Renato Terra. Dilma Rouseff é presidenta da República. Seu ghost-writer não autorizado é Renato Terra, repórter da piauí
Crônica
Sobrou para o PSTU
Agremiação trotskista com apenas dois vereadores não escapou da fúria contra os partidos, mas já faz planos para o pós-revolução
Nonato Viegas é repórter e produtor executivo da Rádio Tupi.
Reportagem
Alessandra Orofino, Miguel Lago, fundadores da ONG Meu Rio; Gilberto Americano da Silva, jornalista; tenente coronel Bem Hur Oliveira, Cesar Dias; Estudante Lúcio Daleiro Ayala; militante Kado Vido; Não há
Rio de Janeiro
Tentativa de cobertura da imprensa internacional
“rostos jovens”
Não há
“evento inesperado”; “revolução”;
Operação da polícia confisca vinagre de manifestantes
“militantes”
Não há
“manifestações populares”;
Manifestações
Um dos tipos brasileiros presentes nas manifestações.
“os caras não pintaram na área”
“paradas de manifestações e protesos”; eventos; “bagulho”, exibição de músculos da democracia brasileira”;
Cyro Garcia, presidente estadual do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU), Julio Anselmo,
Partido político
Hostilidade com membros do PSTU
“barbudinho radical”; “coxinhas nervosinhos”; “camaradas brancos que ficam mugindo ‘sem violência, sem violência’”, “vegetarianos”, “ecochatos”, “do tipo inofensivo”, “criados pela vó”, “tudo florzinha”, “bando de trouxas” “feridos”, “militantes de partidos de esquerda e movimentos sociais”, “jovens com bíceps pronunciados e cabeças raspadas”, “povo”
Não há
“marcha”, “esse processo”,
Edição de Agosto
Título
Subtítulo
Apresentação do autor
Gênero
Local Social
Fontes
Foco
Os estreantes da Rocinha
Os velhos poderes assediam os jovens que lideraram manifestação de junho na favela
Claudia Antunes. Não há apresentação.
Reportagem
Favela da Rocinha
Denis Neves, Érica Santos, Simone Rodrigues, jovens responsáveis pela organização das manifestações que desceram a comunidade da Rocinha.
Jovens líderes de manifestações são procuradoss por lideranças políticas com propostas de filiação
Expressões Expressões Expressões para para para caracterizar caracterizar caracterizar manifestantes estado ou manifestação pessoas do estado “simpatizante do anarquismo em sua versão pacifista”,
Não há
“marcha”