Amanita Muscaria
@ammuscaria
Leonardo Bueno, 24, é um artista visual que transita entre a produção de looks e acessórios para sua drag, o muralismo, customização de jaquetas e atendimento e gerenciamento de uma loja de roupas. Alguns até arriscam dizer que sua personagem, Amanita Muscaria, representa a junçãodetodasashabilidadesartísticas,reforçando a necessidade de seu nascimento.
Para a biologia, Amanita Muscaria a um cogumelo pertencente à família Amanitaceae. O fungo, dificilmente encontrado no Brasil e altamente tóxico, é famoso devido ao jogo Super Mario Bros. No game, Mario usa o cogumelo do chapéu vermelho com pingos brancos para aumentar suas forças e seu tamanho.
A carreira como drag queen teve início em meio à pandemia, mas o primeiro contato com a expressão drag foi aos 16 anos, por meio do reality show RuPaul‘s Drag Race. O momento não foi importante, pois ele era novo e os assuntos que chamavam sua atenção eram outros. Após alguns anos,
mudou de Coronel Sapucaia para Campo Grande. Na cidade, Leo começou a frequentar festas e aos poucos foi inserido no nicho de drag queens da capital. Ele explica que se sentiu muito acolhido mesmo sendo mero espectador. Tinha opiniões críticas em relação ao que os artistas produziam e se perguntava o motivo pelo qual eles se expressavam daquela maneira. Na época, os ensinamentos de cunho conservador que haviam feito parte de sua criação já estavam sendo questionados pela sensibilidade artística que surgia.
As curiosidades sobre a expressão drag e sua importância no meio artístico o impulsionaram para uma fase de experimentação. Aos poucos, com o apoio dos amigos, o artista foi se percebendo como tal, valorizando suas habilidades e conhecendo a sensação de exibir - para além das paredes de seu quarto - as pinturas faciais que fazia e os adereços que criava com facilidade. A família, apesar de não compreender bem a fase, aceitou e acolheu a personalidade artística que se
desenvolvia. Em seu meio social, Leo era reconhecido pela criatividade, traço que permanece até os dias de hoje.
“Eu não sabia o que estava fazendo, só queria explodir artisticamente”
E então, como fruto do isolamento social - em decorrência da pandemia da Covid-19 - e a necessidade de externalizar ideia, nasce Amanita Muscaria. O que a personagem de Leo pretendia transmitir não eram montações que remetessem ao feminino, como a maioria dos artistas drag queens de Campo Grande faziam. Ele encontrou as referências que procurava em artistas de fora do Brasil que faziam personagens drags caracterizando monstros. Produzir uma criatura com elegância e monstruosidade era o que chamava a atenção de Leo desde o início e flertava com o conceito que pretendia transmitir. Nesse momento, desabro-
chou um broto de coragem para apresentar Amanita Muscaria ao mundo.
A integração entre Amanita e Leonardo é caracterizada como fluída por ele, mas o nascimento e reconhecimento da relevância de sua drag foi fundamental para a auto aceitação de ser alguém fora do padrão social. O artista reconhece que seu personagem contou com diversos materiais, como tintas, tecidos e acessórios, o que permitia explorar e experienciar, tendo um estúdio à sua disposição e pessoas à sua volta com conhecimentos pertinentes às suas ideias.
Com uma rotina diária movimentada, Leo afirma estar sempre buscando criar algo novo. Seja um desenho para estampar roupas ou muros, sejam looks e acessórios para sua drag. Trabalhando em uma loja de roupas, também encontra espaço para experimentar novas combinações de peças, customizar e criar no ramo da moda. Essa abertura, é uma vantagem que auxilia no fluxo de produtividade,
influenciando na criação de novos looks para a personagem e em seu desenvolvimento como artista visual, até pelo contato constante com diversas referências.
Com produções surgidas de uma série de desafios que o artista se propôs a enfrentar, a drag queen exótica surgiu em sua vida o desafiando a se conhecer, trazendo autoconfiança e autoestima. Para Leo, lidar com essas experiências, processos e resultados únicos é algo extremamente rico e uma das maiores razões que motivam sua carreira drag queen em Campo Grande.
“Eu quero fazer arte e produzir arte. Eu quero viver da minha arte. Seja sendo muralista, seja sendo um personal stylist. Eu quero compartilhar com o mundo a minha visão das coisas”
O que é caricato para você? Para Bruno Vinícius Andrade Miguel, 26, a caricatice é um dos atributos mais marcantes de sua drag queen. A persona Bruandra Guel, nasceu como uma válvula de escape da fase em que Bruno lidava com a depressão e questões de gênero.
A primeira vez que o artista conheceu a expressão drag foi em 2010, através do reality show Big Brother Brasil. A edição daquele ano contava com um dos participantes que, entre suas ocupações, também era drag queen. Na época, Bruno ficou curioso sobre “o que era ser drag”, mas não buscou mais sobre o assunto. Para ele, fazer teatro preencheu grande parte de sua vida e o ajudou a superar alguns preconceitos que tinha. Passado algum tempo, ele começou a frequentar festas e uma delas o marcou de uma maneira singular. Nesse dia, Bruno conheceu uma drag queen que o inspirou a despertar suas primeiras percepções e admiração sobre e expressão artística. Foi um momento relevante, por marcar
o início de questionamentos que motivaram o nascimento de sua personagem.
“Roupa não devia, mas influencia muito quando você tem questões de gênero a resolver na sua cabeça”
A partir daí, começou a pesquisar sobre o assunto e frequentar o meio de maneira velada, enquanto sua admiração pelo anonimato que o ‘ser drag queen’ possibilita, só crescia. A junção de alguns fatores corroboraram para que Bruno deixasse o teatro por um tempo, para lidar com a depressão. A fase coincidiu com a pandemia e em meio a isso nasce Bruandra Guel. A personagem teve início em chamadas de vídeo que Bruno fazia com um amigo. Ambos se maquiavam e trocavam referências e experiências, com a finalidade, acima de tudo, de se divertir. O teatro ajudou Bruno a se reconhecer como um artista muito antes da drag, mas foi
na edição de 2021 da Corrida das Drags que nasceu, oficialmente, Bruandra Guel. A Corrida das Drags é um evento criado por artistas drag queen de Campo Grande, que conta com duas edições anuais, formadas por uma série de desafios para os participantes selecionados. Eles apresentam montações seguindo uma temática a cada semana. Algumas versões do desafio ocorreram de forma online durante a pandemia, mas a segunda edição de 2021 foi a primeira a acontecer presencialmente após o período pandêmico. Naquele ano Bruno participou das duas edições como forma de relacionar experiências diferentes a sua personagem drag.
A competição impulsionou sua carreira drag e despertou o olhar de Bruno sobre a possibilidade de explorar não só sua criatividade através da personagem, mas também um lado feliz e caricato de se comunicar. Ele explica que sua drag representa uma forma diferente de se expressar etemamontaçãocomoumaterapia.Oprocesso o ajuda a pensar em como lidar com
@bruandra_guel
questões de sua vida, de forma a visualizar as situações com certo distanciamento.
“A palavra que me vem à cabeça quando eu penso em Bruandra, é alegria. Eu nunca quero transmitir a tristeza que eu tenho, com a minha arte”
A personagem foi recebida com receptividade pelos amigos próximos e respeito pelos pais de Bruno. Mas isso se deu, inicialmente, apenas como maneira de preservar a estabilidade emocional do filho. Bruno conta que com o tempo a relação com os pais melhorou muito, a partir do interesse deles sobre a personagem drag queen. Atualmente, o artista dedica cerca de dois dias por semana para investir em criações para sua personagem e trabalha atendendo numa loja de biquínis, que conta com produção no mesmo local. O apoio de amizades na loja e o contato
próximo com a produção possibilita que tenha acesso a roupas que ele mesmo cria para sua drag. Bruno se considera um artista multifacetado, que sonha em viver trabalhando apenas com sua personagem. Ele afirma que filtra os eventos nos quais se apresenta como drag queen para que isso não deixe de ser algo prazeroso e considera sua drag versátil, por se apresentar como DJ, performista e animadora de festa. Acima de tudo, Bruandra Guel é uma personagem que não quer ser levada a sério e por isso se comunica principalmente com base em looks caricatos.
“Um professor que te faz rir, te faz aprender mais fácil a matéria, do que aquele professor que fica ali brigando com você. Então o humor passa uma mensagem mais fácil pra gente”
Você se lembra da época em que artistas drag queens eram principalmente caracterizados pela extravagância e pelo glamour? Uma das personagens mais famosas nas noites campo-grandenses e com raízes ligadas a essas características é Lauanda Dumor.
Natural de Socorro, interior de São Paulo, Diego Toledo de Almeida, 38, é um artista que já soma 14 anos de carreira como drag queen.Noinício,associou-seaestaexpressão artística por diversão, num momento onde teve de lidar com as responsabilidades da vida adulta porque decidiu sair de casa aos 18 anos de idade. Diego conta que a decisão se deu por uma série de fatores que, sobretudo, influenciavam em relações de pressão para que seguisse princípios conservadores, na época adotados pela família.
AnovaeprecocefasedavidadeDiegoteve como base a ajuda de amigos que o hospedaram quando buscava emprego para se estabilizar fora da casa dos pais. Em 2005, quando morava na capital paulista e tinha 25 anos, teve seu primeiro contato
com a arte drag. Em São Paulo, ele tinha uma amiga que atuava como drag queen, e essa proximidade o fez ver as dificuldades dessa atividade artística. Tal percepção lhe sugeria que essa era uma ocupação sem perspectiva de futuro e uma vida um tanto solitária em relação à tentativa de manter laços afetivos.
Com o passar do tempo, Diego, sua amiga drag queen e dois amigos começaram a se montar juntos, para se divertir nas festas que frequentavam na época. O grupo se ajudava como podia e Diego explica que como não tinha conhecimento na maquiagem, colaborava combinando as roupas e acessóriosparaosamigosqueomaquiavam.
Diego descreve as primeiras interações entre ele a personagem como ‘conturbadas’ e relaciona a experiência a de ‘uma entidade sendo recebida’, representando certo impacto. Além disso, Lauanda suscitou em Diego questionamentos sobre o próprio ego, o abalando psicologicamente. Encantado pelo glamour e extravagância que marcaram a época que artistas drag queens se destacaram nos meios televisivos,
@lauandadumor
“É
bem pesado no começo.
A gente se ludibria tanto com o glamour que a drag trás e você fica cego pra um monte de coisa”
Diego deu vida a Lauanda Dumor com base em artistas dessa época. E o que no início começou como diversão, em um dado momento, passou a ser uma opção viável para se manter financeiramente.
O artista morou em algumas cidades até chegar a Campo Grande por influência de um antigo ex amor. Chegando à capital sul-mato-grossense, optou ficar por ter gostado da cidade. Pouco tempo depois já estava envolvido em produções de festas para o público LGBTQIA+.
No começo dos anos 2000, essas festas aconteciam de forma velada. Sem datar exatamente quando aconteceu, Diego conta que se montava para apresentar-se nas noites por diversão, mas a arte drag ainda não era sua principal fonte de
renda. Até que um dia, Diego havia ficado responsável pela organização de uma festa, e a artista drag queen, que ele havia contratado para recepcionar o público naquela noite, não apareceu. Como uma solução prática para o problema e dentro do orçamento de gastos da festa, Diego decidiu assumir a recepção estando montado.
O momento despertou a visão de que trabalhar com aquilo também poderia ser uma oportunidade de obter seu sustento fazendo o que gostava. E a partir daí a carreira de Lauanda Dumor não teve mais pausas. A personagem se desenvolveu no meio artístico da capital, destacando-se no ramo de apresentações em geral e como DJ. Como consequência da trajetória, Diego esboça uma visão crítica em relação ao meio artístico de Campo Grande.
O artista explica que busca avaliar as propostasquerecebeparaseapresentar,visando não se fixar a eventos ou casas de festas que, segundo ele, é uma forma de auxiliar na valorização da classe artística drag. Ele diz que Lauanda é conhecida por não se calar diante de situações que desvalori-
zem, principalmente, sua classe artística.
“Eu acho que a arte drag é além de só ser bonita, só ser amorosa, simpática, a drag é além. É um ato de resistência, entendeu?”
Lauanda Dumor é uma personagem caracterizada por traços que contrastam com as de Diego, que se define como sendo discreto e quieto. O artista também reconhece que sua drag o ajudou a se comunicar melhor e ser mais amoroso, além de compreender que também há necessidade de descanso da personagem. Atualmente, ele divide sua rotina entre dois dias de descanso por semana, com os demais ocupados pelos eventos nos quais se apresenta como drag. Quando fala do que o motiva a continuar se apresentando, explica que é uma forma de cuidar do próximo, levar alegria para onde esteja, ser uma pessoa boa. Ressalta a importância de ser uma maneira de levar conteúdo artístico para todos.
Gwen the Doll
@gwen.the.doll
Aquela criança que tinha afinidade pelo desenho e ficava deslumbrada pelas personagens femininas do seu meio, hoje é reconhecida como um artista drag queen ativo nas noites campo-grandenses e que dá vida à personagem Gwen the Doll.
Natural de Campo Grande, Guilherme Minna Ferelli, 21, é um maquiador que desde muito cedo se sentia atraído pela representação do feminino em coisas que fizeram parte de sua infância, como desenhos animados e jogos. Como consequência desse gosto, Guilherme reproduzia desenhos das personagens que apreciava e brincava de se imaginar assumindo tais papéis.
A vontade de se maquiar é algo que fez parte de Guilherme antes mesmo de sua compreensão a respeito da arte drag. Foi a partir dos 14 anos que teve suas primeiras experiências artísticas através da maquiagem. Com o intuito de se divertir, começou usando as maquiagens de sua mãe. Na época, por ficarem guardadas no banheiro, favoreceram por um tempo que Guilherme fizesse as experimenta-
ções sem que a família soubesse. Quando descobriram, sua mãe o repreendeu.
Sem datar especificamente quando aconteceu, ele explica que após o flagrante parou de se maquiar por algum tempo, mas voltou a praticar as técnicas experimentalmente sem que sua família soubesse. Dessa vez, com a cabeça um pouco mais amadurecida e compreensão a respeito da sua homossexualidade e a forma como a maquiagem era relacionada a isso. Quando sua família descobriu, ele se posicionou e compartilhou sua perspectiva e a atitude foi positiva, fomentando a aceitação da família. A partir desse momento, sua carreira teve início, tendo como incentivo o apoio dos mais próximos e, principalmente, de sua mãe que anteriormente havia se mostrado resistente em aceitar as coisas com as quais seu filho se identificava. Guilherme ressalta que foi sua mãe quem mais o incentivou a investir no potencial que tem com a maquiagem, como forma de obtenção de renda. A partir da abertura estabelecida, o artista que antes não lidava com público para recepcionar seus experimentos,
passou a atender em casa, produzindo maquiagens leves, para casamentos e eventos diurnos. Paralelo ao início de sua carreira, Guilherme começou a estudar outros tipos de produção estética, estreitando os laços com a maquiagem artística. Isso corroborou para a formação da identidadedapersonagem dragqueen quenascia.
Para o artista, o momento foi caracterizado pelo autoconhecimento e auto aceitação devido às questões que o desabrochar do personagem suscitaram durante esse processo. Guilherme afirma que a primeira vez que se sentiu Gwen foi quando saiu montado no carnaval de 2018. Ele definiu a experiência como estranha e a considerou como a primeira vez que se montou por completo, mesmo estando em processo de descobrimento sobre a personagem. No ano seguinte, ele voltou a se montar parando apenas em 2020, por causa das restrições impostas pela pandemia da Covid-19. Guilherme aproveitou o tempo livre proporcionado pelo período pandêmico e se dedicou aos estudos na área da estética e aprimoramento da identidade visual de sua drag. A volta das
agendas festivas e culturais após o período crítico da pandemia foi um momento promissor para Guilherme. Ele esclarece que mesmo que se montar seja um hobby, observa que a personagem se desenvolveu na mesma medida em que sua carreira profissional, resultando em mais saídas como Gwen do que antes. A personagem, que se difere de Guilherme apenas pela estética, é reconhecida como espaço para exploração do uso da feminilidade, masculinidade e da binariedade. O artista ainda pontua como o acolhimento das pessoas do meio drag queen de Campo Grande foi importante para chegar ao reconhecimento e respeito que possui.
“Eu tenho muito contato, muito apoio, isso é muito legal, sabe? Você sabe que tem alguém fazendo igual você, só que diferente, só que é a mesma coisa, sabe? E a gente fica, totalmente, se ajudando”
A rotina do artista drag é tranquila, com as horas do seu dia divididas entre o trabalhoqueexercenumcartório,osestudos contínuos sobre técnicas de maquiagem e a busca de referências para sua drag. Além disso, faz bicos como DJ em festas e afirma que tem interesse em se desenvolver como uma drag queen performance.
Com o intuito de representar algo cada vez mais próximo de uma boneca, pelo quesito da feminilidade e “perfeição”, Guilherme mantém a personagem com base em looks prontos. Ressalta que é sempre importante estar adaptando as peças de roupa que possui, apresentar propostas de montações distintas reutilizando as coisas que tem, considerando como princípio básico preservar o espaço que se sente à vontade para criar enquanto artista drag queen.
“drag é isso, drag é reciclagem, é você usar o que você quiser”
O
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