UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE JORNALISMO
LUCAS JUNOT DUTRA MORISSON
A CURIOSIDADE COMO ESTRATÉGIA DE JORNALISMO CIENTÍFICO NA REVISTA SUPERINTERESSANTE
CAMPO GRANDE 2014
LUCAS JUNOT DUTRA MORISSON
A CURIOSIDADE COMO ESTRATÉGIA DE JORNALISMO CIENTÍFICO NA REVISTA SUPERINTERESSANTE
Monografia apresentada como trabalho de conclusão de curso ao Bacharelado em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Orientação: Profª Drª Greicy Mara França
CAMPO GRANDE 2014
BANCA EXAMINADORA
Profª Drª Greicy Mara França – Presidente (UFMS) Prof. Dr. Marcos Paulo Silva (UFMS) Profª Mayara Martins da Quinta Alves da Silva (UFMS)
AGRADECIMENTOS
Ă€ Deus Aos meus pais Aos meus amigos Aos meus professores
O jornalismo é, antes de tudo e sobretudo, a prática diária da inteligência e o exercício cotidiano do caráter. ABRAMO, Cláudio.
SUMÁRIO
Introdução …................................................................................................................8 1. Escrever sobre ciência: desenvolvimento do jornalismo científico no Brasil........ 10 2. Popularização da ciência e jornalismo …..............................................................17 3. A curiosidade como estratégia da notícia na revista Superinteressante................22 3.1 A revista Superinteressante..................................................................................22 3.2 Percursos metodológicos ….................................................................................24 4. Estratégias para divulgar ciência: análise de conteúdo das matérias …...............26 4.1 O corpus …..........................................................................................................26 4.2 Análise das matérias de capa …..........................................................................28 4.2.1 Edição 333 …....................................................................................................28 4.2.2 Edição 334 …....................................................................................................32 4.2.3 Edição 335 …....................................................................................................35 4.2.4 Edição 336 …....................................................................................................38 Conclusão …..............................................................................................................42 Referências Bibliográficas ….....................................................................................44 Anexos …...................................................................................................................47
RESUMO
O presente trabalho busca traçar reflexões sobre o uso da curiosidade como estratégia na prática do jornalismo científico, por meio da análise de conteúdo das reportagens de capa da revista Superinteressante, principal revista do gênero no país em tiragem e vendas, de maio a agosto de 2014, que tenham por base ou não, a divulgação de pesquisas científicas. Também discute-se o papel e o mercado em expansão do jornalismo científico como produto de mercado, no desenvolvimento do jornalismo brasileiro, e de que maneira acontece a construção de sentidos nas matérias principais da revista. Como problema central, pergunta-se: a exploração da curiosidade, eficaz para atrair o leitor, cumpre o papel de alfabetização científica como estratégia de popularização da ciência? PALAVRAS-CHAVE: Jornalismo Científico, Curiosidade, Superinteressante, Estratégia.
ABSTRACT
This paper seeks to trace reflections on the use of curiousity how the strategy practice of science journalism through the content analysis of the cover stories of Superinteressante magazine, the leading magazine of its kind in the country in circulation and sales, from May to August 2014 , which are based on or not, the dissemination of scientific research. Also discusses the role and the expanding market of science journalism as a market product, the development of Brazilian journalism, and how the construction of meaning occurs in the core subjects of the magazine. As the central problem, ask yourself: exploration of curiosity, effective to attract the reader, plays the role of scientific literacy as the popularization of science strategy? KEYWORDS: Scientific journalism, Curiosity, Superinteressante, Strategy.
8 INTRODUÇÃO
Falar sobre ciência e sobre jornalismo científico é um desafio. Primeiro, porque é necessário entender que se está falando de conhecimento. E mais, uma forma de conhecimento que talvez, a maior parte da audiência não consiga visualizar em seu cotidiano. Particularmente, a prática do jornalismo de ciência sempre despertou motivação durante a graduação pela forma como os produtos desse segmento do jornalismo se relacionavam com seus públicos: linguagem leve, chaves de interpretação, muitos recursos visuais, variedade de temas que não se vê comumente no jornalismo diário. Tais especificidades despertaram ao longo de todo o curso a curiosidade sobre o tema, da mesma forma que esses produtos despertam a curiosidade em seus públicos pelas matérias. Publicações como Superinteressante, Galileu, Planeta, entre tantas outras revistas do mercado se diferenciam pela leitura interessante e pela exploração dessa mesma curiosidade que motiva a inovação e a invenção desde os primórdios da humanidade. Mas é necessário pensar, nesse contexto uma problemática: essa mesma categoria que atrai à leitura dessas revistas - a curiosidade- , cumpre uma das funções do jornalismo científico, que é a alfabetização científica e a divulgação de pesquisas?. Há então o objetivo principal dessa pesquisa: analisar o tratamento e a construção da curiosidade como estratégia jornalística de difusão científica na revista Superinteressante, e seu papel no desenvolvimento da popularização da ciência. No esforço de cumprir este objetivo, apresentamos no primeiro capítulo um breve percurso do desenvolvimento do jornalismo científico no Brasil – caminho este que se confunde e ao mesmo tempo é a história do prório jornalismo brasileiro. Trata-se do desenvolvimento dos conceitos de divulgação científica, difusão e disseminação, conforme vem sendo trabalhado no campo de estudo desde a tese de doutorado do prof. Wilson Bueno, em continuidade das reflexões da professora Sarita Albagli, Isaac Epstein, Luciana Zamboni e Fabiana Oliveira.
9 Em
um
segundo
momento,
apresenta-se
alguns
trabalhos
já
desenvolvidos acerca da revista Superinteressante no Brasil, identificando a história, características e linguagem do veículo que, desde 1990, cresce em público e em referência de jornalismo de ciência, principalmente para as gerações mais jovens. Introduze-se então, a proposta de análise de conteúdo na revista Superinteressante, conforme o modelo da pequisadora Laurence Bardin (1970), criando categorias de análise a partir dos gêneros e formatos jornalísticos, e depois, em cada reportagem de capa, o mapeamento dos elementos de repetição; a fim de estabelecer interpretações sobre o uso estratégico da categoria curiosidade na construção na compreensão do texto de jornalismo científico da revista. Análise esta, feita edição por edição no terceiro capítulo dessa monografia, com tabelas expositivas das unidades de informação que compõem o estudo. Conclui-se esse trabalho evidenciando a construção estratégica do texto de jornalismo científico nas reportagens de capa da revista Superinteressante, com destaque a participação do elementos relativos a curiosidade como chaveinterpretativa, de captação do leitor e de abertura para aprofundamento das informações com contextos e infográficos que se alimentam desse elemento. Sobremaneira a revista é polifônica e multitemática em suas reportagens, atuando com multidisciplinaridade nas diversas ciências enquanto pauta, de tal forma que podemos afirmar que, editorialmente, a revista tem um entendimento multicentrico da ciência, e oferece ao leitor um leque de possibilidades de saber e conhecer do mundo, discutindo políticas e financiamento de pesquisas, metodologia da pesquisa científica, relação entre saber científico e saber popular, oo contraste entre as crenças populares e a experimentação científica; tudo de maneira curiosa, leve e com figuras de linguagem que favorecem a aproximaçao do leitor com o conteúdo da matéria.
10 1. ESCREVER SOBRE CIÊNCIA: DESENVOLVIMENTO DO JORNALISMO CIENTÍFICO NO BRASIL
A maioria dos historiadores datam o início da imprensa e do jornalismo, antes do século XIV, na Itália, onde cartazes com as notícias e as decisões reais eram pregados em postes pelas cidades, para que a população tivesse conhecimento das decisões reais e daquilo que afetaria suas vidas (MENEZES, 2011). Outra linha de pesquisadores afirmam que a imprensa deve sua existência a partir da prensa de Guttenberg no século XVI, no norte da Alemanha. O que deve ser considerado nessa diferença de dois séculos entre um evento e outro, são as necessidades originárias pelas demandas de informação e conhecimento na história. Desde as saída das cavernas, a exploração e o questionamento pelos acontecimentos inexplicáveis pelo desconhecimento seguiu como necessidade permanente do ser humano na compreensão de seu mundo e de si. A evolução da comunicação através da linguagem está diretamente a evolução do saber e da transmissão do conhecimento. Tem-se, assim, uma perspectiva diferenciada no entendimento da história da comunicação, visto que a história do jornalismo é também a história do conhecimento. Nelson Werneck Sodré (1977), em seu livro História da Imprensa no Brasil, descreve o processo de desenvolvimento dos veículos no país desde a colonização até 1966. Durante sua narrativa é compreensível a importância social e histórica da produção jornalística enquanto agente de registro e de informação para a população. No Brasil Colônia, a luta pelo desenvolvimento da ciência através da imprensa, surge com a entrada e a publicação de livros no território nacional, mesmo sem o apoio ou consentimento da Coroa portuguesa. Mesmo que em tom de desconfiança, possa-se indagar acerca dos incentivos aos jesuítas quanto a educação e alfabetização das crianças indígenas Sodré (1977, p.13) afirma:
11 Haveria alguma ilusão, no que diz respeito à inanidade dos resultados do destino aos curumins, nas escolas de ler, escrever, contar? Não, certamente. Mais importante do que alfabetizar as crianças indígenas – e alfabetizar pra quê? – era destruir nelas a cultura de seus pais.
A preocupação da monarquia nunca foi a evolução da educação e a aquisição do conhecimento na Colônia, exceto quando, tornou-se uma necessidade econômica a mão-de-obra especializada, daí então exportada da própria metrópole. Diversas livrarias foram queimadas e fechadas pelo comércio de distribuição não autorizado pela Coroa de livros de direitos e gazetas de outros países. Reitera-se o combate histórico ao acesso a informação e a aquisição do conhecimento. No Rio de Janeiro, a população abordava navios assim que aportavam em busca de informações, notícias, papéis, gazetas e livros, vendidos pelos marinheiros ingleses no cais. “Os bons livros, os livros autênticos, entravam de contrabando”, afirma Sodré (1977). Interessante é observar a perseguição no território nacional desde sua fundação pelos meios de conhecimento e convencimento. Com a entrada do Correio Brasiliense no país, providências legais foram tomadas já na abertura dos portos em 1808, ordenando que os juízes da alfândega, por exemplo, “não admitissem a despacho livros ou papéis impressos sem que lhe fosse mostrada a licença do Desembargo do Paço”, e em outro edital da Polícia que “os avisos, anúncios e notícias de livros à venda, estrangeiros ou nacionais, só fossem publicados depois da aprovação policial”. A imprensa surgiria, finalmente, no Brasil, - e ainda desta vez, a definitiva, sob proteção oficial, mais do que isso: por iniciativa oficial com o advento da Corte de D. João. Antônio de Araújo, futuro conde da Barca, na confusão da fuga, mandara colocar na Medusa [grifo do autor] o material gráfico que havia sido comprado para a Secretaria de Estrangeiros e da Guerra, de que era titular, e que não chegara a ser montado. Aportando no Brasil, mandou instalá-lo nos baixos de sua casa, à rua dos Barbonos. (SODRÉ, Op. Cit. p.22)
Tal feito permitiu a deliberação do rei em 31 de maio de 1808, que oficializava a criação da Imprensa Régia, sob comando da junta diretora. “Dessa oficina, a 10 de setembro de 1808, saiu o primeiro número da Gazeta do Rio de
12 Janeiro” (SODRÉ,1977), de quatro páginas, narrando apenas os acontecimentos europeus, primeiramente semanal e depois semestral. Em contrapartida, o Correio Brasiliense de Hipólito da Costa, havia surgido três meses antes do jornal oficial, integrado com a imprensa brasileira, e com uma variedade de conteúdos que permitiam a reflexão e a discussão democrática. O periódico apesar de impresso em Londres, era o oposto do jornal oficial, tratando de assuntos legitimamente brasileiros. Na verdade o Correio era mais como uma revista doutrinária com mais de cem páginas, mensal. O Jornalismo Científico nasce com o próprio Jornalismo Brasileiro. Ao lançar, em 1 de junho de 1808, a primeira publicação periódica do Brasil, Hipólito José da Costa iniciou o registro sistemático de acontecimentos relacionados ao mundo da ciência e da tecnologia. Editado em Londres, o Correio Braziliense fazia a divulgação episódica de inovações científicas européias, visando naturalmente sua assimilação pelas elites brasileiras (MARQUES DE MELO, 2003).
Outros jornais se seguiram até o Brasil-Império, como A Idade de Ouro do Brasil, O contemporâneo, O Revérbero Constitucional Brasileiro, com instrumento de fomento a independência, Diário do Rio de Janeiro e A Malagueta, que figuraram o repasse do conhecimento (muitas vezes doutrinário) até a dissolução da Assembléia pelo Imperador. Tais elementos históricos, servem como elemento de entendimento e reflexão do controle da informação pelos governos desde a colonização brasileira, até a República, perpassando pelo período populista, desenvolvimentista e da ditadura, até a contemporaneidade. Afinal, ao descrever o processo histórico de evolução da imprensa, Sodré aponta rumos interessantes na reflexão quanto ao papel dos periódicos na política e na formação de opiniões durante o tempo. Jornais sempre foram responsáveis pelo repasse da informação, dentro de um contexto de interesses políticos e de capital. Entender a maneira como os elementos do jornalismo promoveram o acesso à informação, é também entender como o conhecimento circulou e formou as regiões geográficas, culturais e políticas dentro do território e fora dele.
13 Durante todo o século XIX, encontramos na História da Imprensa Brasileira evidências de ações isoladas destinadas a registrar fatos e a difundir inovações científicas e tecnológicas. Coube, porém, a João Ribeiro, no início deste século, a iniciativa de tornar o Jornalismo Científico uma atividade regular na imprensa da capital do Império. Esse seu vanguardismo foi defendido por José Reis, depois de fazer um retrospecto histórico desse segmento do nosso jornalismo especializado. Infelizmente não restou nenhum documento capaz de comprovar essa percepção de José Reis como historiador do nosso jornalismo científico. A única evidência existente é o testemunho pessoal da pesquisadora Vera Lúcia de Oliveira Salles Santos, por ele induzida a estudar a biografia de João Ribeiro, justamente por esse desempenho pioneiro. Ela o fez na dissertação de mestrado defendida na ECA-USP em 1981. Não obstante José Reis identifique o nascimento do Jornalismo Científico brasileiro na ação de cientistas que, no início do século XIX ocuparam colunas de jornais e revistas para popularizar conhecimentos novos, na verdade coube a ele próprio tornar esse trabalho permanente em nossa imprensa. (MARQUES DE MELO, Op. Cit.)
Marques de Melo (2003) outorga o fator de desenvolvimento do jornalismo científico enquanto área especializada da atividade jornalística, as atividades do pioneiro José Reis e pela motivação do surgimento da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), que marcou o início da divulgação especializada da ciência no país. O autor também expõe os primeiros trabalhos acadêmicos na área, observadas no âmbito da pesquisa da Universidade de São Paulo, o que não configura necessariamente um quadro real de que o desenvolvimento do jornalismo científico se deve as ações desta universidade, apesar de reconhecido mérito no pioneirismo em trabalhos de pós-graduação e cursos de extensão. 1981 - Defesa da primeira dissertação de mestrado sobre jornalismo científico.Trata-se do estudo feito por Vera Lúcia Salles de Oliveira Santos, sob o título João Ribeiro como Jornalista Científico: 18951934, orientada pelo Prof. Dr. Virgílio Noya Pinto. 1984 - Defesa da primeira tese de doutorado sobre jornalismo científico. Trata-se do estudo feito por Wilson da Costa Bueno, sob o título Jornalismo Científico no Brasil: os compromissos de uma prática dependente, orientada pelo Prof. Dr. José Marques de Melo. 1986 - Publicação dos resultados da pesquisa Quando a Ciência é Notícia, patrocinada pelo CNPq, comparando a cobertura de C&T na imprensa diária das cidades do Rio de Janeiro e São Paulo. 1992, cria-se o Núcleo José Reis de Divulgação Científica. Confiado inicialmente à direção do Prof. Dr. Manuel Carlos Chaparro, que havia feito experiências anteriores de jornalismo científico na própria
14 universidade, instituindo o veículo-fonte denominado Pré-Pauta. Essa unidade passou a realizar cursos regulares de especialização na área, promover pesquisas e manter acervos documentais. (MARQUES DE MELO, Op. Cit.)
A partir das considerações acadêmicas sobre jornalismo científico e os estudos da divulgação científica serem reconhecidos como parte importante na pesquisa em comunicação, diversos outros grupos de pesquisa e núcleos de estudos na área foram criados com incentivo do Ministério da Ciência e Tecnologia, a exemplo do Núcleo de Jornalismo Científico da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em 2008. O mais importante grupo da área foi criado em 1994. Trata-se do Labjor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) como órgão integrante da estrutura do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade (Nudecri), idealizado pelos professores Carlos Vogt, José Marques de Melo e o jornalista Alberto Dines. O laboratório criou o primeiro curso de pós-graduação lato sensu do país em jornalismo científico em 1998, fomentando a especialização como campo de estudos e das ações do trabalho jornalístico de mercado. Moreira (2006) afirma que a difusão da ciência para o público é tão antiga quanto
ela
própria.
Segundo
ele,
a
divulgação
científica,
a
partir
do
estabelecimento da ciência moderna nos séculos XVI-XVII, apresentou fases distintas, com finalidades e características que refletiam o contexto, as motivações e os interesses da época. Razões diversificadas para essa ação podem ser identificadas desde o século XVII: Galileu, por exemplo, exerceu um trabalho intenso de divulgação, não só da física e da astronomia, mas também dos novos métodos de pensar e experimentar. No século XVIII, as maravilhas da ciência foram exibidas ora como provas da existência de Deus, ora como meio para difundir os conhecimentos necessários ao progresso e à afirmação da razão; a ciência se tornou primeiro uma fonte de interesse e de diversão para a aristocracia e posteriormente, com o Iluminismo, foi elevada à categoria de importante instrumento político. No século XIX, com a Revolução Industrial, a ciência adquiriu um caráter econômico e político mais explícito ao se tornar símbolo e instrumento para o progresso e para a liberação social. (MOREIRA, Op. Cit.)
15 A partir do século XX, existe uma mudança geral no pensamento acerca da divulgação da ciência, considerando a aliança do desenvolvimento científico com o desenvolvimento econômico, e a divulgação das políticas de desenvolvimento científico como elemento de propaganda política e formação de opinião, de onde, segundo
Moreira
(2006),
“surgiu
também
o marketing
institucional,
a
profissionalização de divulgadores da ciência e uma inserção grande nos meios de comunicação de massa”. As motivações de hoje para a popularização da CT ocupam todo um espectro: elas vão da prosperidade nacional ao reconhecimento do conhecimento científico como parte integrante da cultura humana, passando pelo seu significado para o exercício da cidadania (na avaliação de riscos e nas escolhas políticas), por razões de desempenho econômico e pelas questões de decisão pessoal (como aquelas referentes à saúde individual). Um outro papel, de caráter mais interno, surgiu no horizonte da divulgação científica neste século, em virtude da extrema especialização nos campos científicos: é necessário divulgar a ciência entre os próprios cientistas e técnicos. (MOREIRA, 2006)
Sarita Albagli (1996), dispõe sobre a evolução do conhecimento científico no país e de maneira geral no mundo, tratando os aspectos desenvolvimentistas da popularização da ciência como elemento integrante e indispensável da ação e formação da cidadania, e lista como motivações no crescimento sistemático da divulgação científica especializada diversos elementos sócio-políticos. Para a autora - o crescimento significativo da produção científica recente; - a necessidade de maior controle social dos impactos da ciência e tecnologia na vida cotidiana e a necessidade de orientá-las para dar solução aos problemas básicos da humanidade; - a crescente complexidade da ciência e tecnologia e a necessidade de traduzi-las para não-especialistas, sejam eles tomadores de decisão (legisladores, burocratas e outros), seja o público em geral (esse aspecto tem grande importância para os países tecnologicamente menos desenvolvidos, em função da origem externa de boa parte da ciência e tecnologia neles praticada, o que demanda adaptação às condições locais); - a demanda por processos decisórios mais abertos e democráticos na aplicação da ciência e tecnologia a problemas sociais; - o crescente gap [grifo do autor] de conhecimento científico e tecnológico, entre o Norte e o Sul, e a necessidade de promover um maior fluxo informacional entre esses grupos de países (ALBAGLI, 1996)
16 Apesar dos incentivos e das motivações no desenvolvimento da divulgação científica e da popularização da ciência, outros fatores habitam a formação contextual da matriz que forma o pensamento jornalístico de ciência e tecnologia.
17 2. POPULARIZAÇÃO DA CIÊNCIA E JORNALISMO
Isaac Epstein (2007), importante pesquisador da área de comunicação, ciência e saúde, ressalta as dificuldades que a comunicação de ciência encontra no desempenho de suas funções na sociedade, dentre elas, a ignorância e desinteresse das pessoas por assuntos científicos, a desconfiança entre cientistas e jornalistas. Ildeu Moreira (2006) concorda com as afirmações de Epstein, abordando as
dificuldades
da
divulgação
científica
como
elementos
que
dificultam
necessariamente a inclusão social. Ao “analfabetismo científico” – aliás, uma expressão pouco adequada – do público pode ser contraposta, em muitos casos, uma ignorânciada instituição científica em relação aos aspectos sociais da relação com o público e aos condicionantes da ciência. (...) O aprimoramento da cultura científica não implica que ocorra uma linha de mão única na transmissão do conhecimento: do virtuoso científico ao leigo iniciado. Algumas novas iniciativas têm insistido na importância de se proceder a uma ação de comunicação que leve em conta a real complexidade do processo. (MOREIRA, 2009)
Historicamente, com as primeiras teses e trabalhos acadêmicos na área do jornalismo e da divulgação científica na década de 1980, há uma expansão significativa de ações relacionadas à divulgação científica no Brasil: criação de centros e museus de ciência; surgimento de revistas e websites; maior cobertura de jornais sobre temas de ciência, em especial aqueles ligados à genética moderna e seus impactos; publicação crescente de livros; organização de conferências populares e outros eventos que despertam interesse em audiências diversificadas por todo o país. Mas o quadro se mostra ainda frágil e limitado com amplas parcelas da população brasileira sem acesso à educação científica e à informação qualificada sobre ciência e tecnologia (CT). Como um reflexo da desigualdade na distribuição da riqueza, dos recursos em CT e dos bens educacionais, os museus de ciência estão fortemente concentrados em poucas regiões do país. Do ponto de vista da formação de profissionais na área de comunicação
18 em ciência, as iniciativas são ainda incipientes, embora haja um interesse crescente por cursos deste tipo. Faltam também estudos e análises mais aprofundadas sobre as estratégias, práticas e o impacto das atividades de divulgação e sobre as características, atitudes e expectativas da audiência. Moreira (2009) oferece em seu trabalho um quadro de diagnóstico sobre a popularização da ciência em seus aspectos educacionais e midiáticos: Do lado da mídia, a cobertura sobre CT nos meios de comunicação é no geral deficiente e freqüentemente de qualidade inferior. Na mídia impressa e televisiva, a ciência é apresentada usualmente como um empreendimento espetacular, no qual as descobertas científicas são episódicas e realizadas por indivíduos particularmente dotados. As aplicações reais ou imaginadas da ciência recebem grande ênfase, mas o processo de sua produção, seu contexto, suas limitações e incertezas são usualmente ignorados e predominam modelos conceituais simplificados sobre a relação ciência e público, como o ‘modelo de déficit’. Quanto à educação científica formal, o quadro se apresenta sombrio, com o desempenho em geral muito baixo dos estudantes brasileiros nos assuntos que envolvem ciências e matemáticas. O ensino de ciências é, em geral, pobre de recursos, desestimulante e desatualizado. Curiosidade, experimentação e criatividade geralmente não são valorizadas. Ao lado da carência enorme de professores de ciências, em especial professores com boa formação, predominam condições de trabalho precárias e pouco estímulo ao aperfeiçoamento. As deficiências graves em laboratórios, bibliotecas, material didático, inclusão digital e outras só fazem tornar mais difícil o quadro. Se nosso ensino médio sofreu expansão acelerada nos últimos anos, ainda assim uma parcela muito pequena de brasileiros conclui esta etapa. (MOREIRA, 2009)
A maior importância de popularizar a ciência em termos gerais configura estabelecer ações que incentivem a divulgação e produção do conhecimento enquanto agente de mudança da realidade e contexto das pessoas pela ação da ciência. Dessa maneira, a popularização da ciência compreende uma área de estudo e atuação muito maior que o jornalismo científico e a disseminação científica nos aspectos de divulgação, considerando seu caráter universal e político de gerenciar e promover o conhecimento para todas as pessoas, independentemente do nível de instrução, vista a ciência como instrumento de direito e cidadania. Cabe diferenciar teoricamente os conceitos que formam a matriz acadêmica das discussões na área da divulgação científica. Atualmente há algum
19 consenso na diferenciação conceitual. Albagli (1996) diferenciou em seu trabalho os termos mais utilizados e comumente aceito dentre os teóricos e pesquisadores, dos quais as definições conversam com Wilson Bueno (2001) e Graça Caldas (2000), ambos, brasileiros. Nas palavras da autora, o jornalismo científico pode ser definido como (...) Um processo social baseado em uma freqüente e oportuna relação entre organizações formais (estabelecimentos/redes de editores) e comunidades (público/espectadores) que tem lugar através da mídia (jornais/revistas/ rádio/TV/cinema) e que circula informação atualizada sobre a natureza científica e tecnológica, de acordo com variados graus de interesse e expectativa (universos culturais e ideológicos. (BUENO, 1984, apud ALBAGLI,1996).
Da mesma maneira, a autora argumenta as diferenças conceituais entre a divulgação científica, a difusão científica e a comunicação da ciência e tecnologia. Popularização da ciência ou divulgação científica (termo mais freqüentemente utilizado na literatura) pode ser definida como "o uso de processos e recursos técnicos para a comunicação da informação científica e tecnológica ao público em geral". Nesse sentido, divulgação supõe a tradução de uma linguagem especializada para uma leiga, visando a atingir um público mais amplo. [...] Difusão científica refere-se a "todo e qualquer processo usado para a comunicação da informação científica e tecnológica". Ou seja, a difusão científica pode ser orientada tanto para especialistas (neste caso, é sinônimo de disseminação científica), quanto para o público leigo em geral (aqui tem o mesmo significado de divulgação). Já comunicação da ciência e tecnologia significa "comunicação de informação científica e tecnológica, transcrita em códigos especializados, para um público seleto formado de especialistas" [grifos do autor] (ALBAGLI, Op. Cit.)
O que a autora, citando Bueno, define como ‘comunicação da ciência e tecnologia’ também é chamada de disseminação científica, considerando a informação homogênea, em código e linguagem específicos para cientistas. Trata-se do intercâmbio de conhecimentos entre científicos. Zamboni (2001), também baseia-se em Bueno (Ibidem) para tratar conceitualmente dos termos dos estudos na área da divulgação afirmando que há uma subdivisão na disseminação científica, que pode ser intrapares (informações científicas ou tecnológicas entre especialistas de uma área ou afins) ou extrapares
20 (para especialistas que se situam fora da área-objeto de estudo). Compreendemos assim a diferenciação conceitual entendendo a divulgação científica ou popularização da ciência como a grande área de estudo, e de ação, para o desenvolvimento da ciência e do conhecimento da ciência em todos os estratos sociais, independentemente do código, abrangendo todas as ações em museus, pesquisas, artigos, eventos científicos, editais de financiamento, revistas e mídia especializada ou não, e, a formação científica da pessoa seja na educação formal ou na construção do conhecimento informal. A partir deste corpus, surgem os aspectos menores da pirâmide, sendo a difusão científica o estrato em segundo plano, abrangendo o campo da divulgação mais sistemática da ciência, eliminando a informalidade, e utilizando-se de processos de mediação mais substanciais como os meios de comunicação, abrangendo especialistas ou não. No terceiro estrato está então a divisão entre o jornalismo científico e a disseminação científica, onde um consiste na divulgação ampla e especializada. O primeiro, cumprindo as mesmas funções sociais e elementos estruturais do jornalismo, destinado as diversas camadas da sociedade, cumprindo elementos de fiscalização e exposição das políticas de CT inclusive, buscando a democratização da informação científica. O segundo evidencia estrutura, corpus e público com linguagem e código próprio, focado nos especialistas, que intercambiam suas informações seja por artigos, congressos ou artigos em periódicos especializados. Cada estrato da divulgação científica tem importância e nível de atuação diferenciadas, embora o objetivo maior seja sempre a construção e desenvolvimento da ciência como elemento também de desenvolvimento do Estado e da cidadania. Em termos gráficos, Marcelo Menezes (2011) ilustra da seguinte forma a diferenciação dos campos de atuação:
21
Figura 1. Representação dos campos da divulgação científica
Divulgação Científica/Popularização da Ciência Jornalismo Científico Difusão Científica
Disseminação Científica
Ainda para Menezes (2011), o estudo da universalização da informação científica como formador do conhecimento e dos estados de consciência do conhecimento são fundamentais para a prática da pesquisa e da prática jornalística, considerando que ambas tem como função principal o desenvolvimento da sociedade e do cidadão, considerando seus direitos, sua humanidade e sua vida e cultura, a fim de reduzir e denunciar as desigualdades. Quanto a isso Moreira (2009) destaca: As profundas desigualdades na distribuição das oportunidades educacionais e do conhecimento são ainda desafios grandes para a inclusão social em nosso país. A incorporação de grandes parcelas marginalizadas da população é uma tarefa importante, cuja chance de êxito dependerá do estabelecimento de um processo coletivo suficientemente amplo, que envolva órgãos governamentais, instituições de pesquisa, universidades, entidades científicas e tecnológicas, cientistas, comunicadores, pesquisadores, professores e estudantes. No entanto, não devemos nos esquecer que a ciência, por si mesma, não resolve os graves problemas de desigualdades sociais, de desemprego, de degradação ambiental, para não falar de problemas éticos. Mais ciência e tecnologia não significa necessariamente mais justiça, maior igualdade e melhores condições de vida, particularmente no Terceiro Mundo.
22 3. A CURIOSIDADE COMO SUPERINTERESSANTE
ESTRATÉGIA
DA
NOTÍCIA
DA
REVISTA
3.1 A Revista Superinteressante Conforme explica Oliveira et. al.(2012), a revista Superinteressante da editora Abril destina-se ao público adolescente e jovem, sua linguagem é mais coloquial e a linha editorial é voltada a questões científicas e históricas, sempre acompanhadas de ilustrações e infográficos fáceis de ler e compreender. Foi criada em setembro de 1987 pela Editora Abril, uma versão brasileira do projeto do grupo multinacional Gruneer+Jar, com o nome Super Interessante. Visava tratar de assuntos de ciência e tecnologia e sua relação com o cotidiano das pessoas. A inspiração veio da revista espanhola Muy Interessante, porém, a versão brasileira pretendia tratar a ciência de uma forma séria e acessível, de maneira a ser reconhecida pela comunidade acadêmica. Diniz; Campanha & Daniel (2013) discorrem sobre o desenvolvimento e mudanças de diagramação da revista no intuito de estudar o uso da infografia na revista. Os autores atentam para a proposta de divulgação científica, voltada para um público adulto de leitores, em sua maioria pertencentes às classes A e B, com idade entre 18 e 39 anos. Com uma linguagem e um público específico, porém não limitado, a publicação periódica representa uma importância nacional, ultrapassando a sua tiragem os 450 mil exemplares mensais. Conhecida por aproximar seus leitores do conteúdo a partir dos elementos visuais, a Superinteressante afirma-se como a terceira maior revista da Editora Abril, atrás apenas de Veja e Cláudia.(Op. Cit.)
De forma provocativa, a Superinteressante consegue tratar dos mais variados temas, explorando desde as ciências naturais e exatas, às ciências humanas - da história à religião, da tecnologia ao comportamento – incorporada ao longo das edições. Diniz; Campanha & Daniel (2013) elencam as diversas transformações ao longo dos anos, apresentando novas formas de diagramação e reformulações no
23 seu projeto gráfico. Em 1994, para os autores, a publicação passa pela sua primeira reforma gráfica, consolidando a utilização de infográficos como mais um recurso de vinculação
da
matéria.
“Neste
momento
a
técnica
infográfica
se
afirma
definitivamente nas páginas da revista, tornando-se sua marca registrada”, afirmam. Dando um caráter mais informal ao impresso, “o projeto gráfico incorpora um grande número de recursos não verbais adaptando-se ao perfil do leitor, que apenas folheia a revista e já quer absorver o maior número de informações”. A virada do século trouxe novas mudanças tanto no projeto gráfico quanto editorial. Mantendo sua proposta de informalidade e proximidade com o leitor, a Superinteressante deixa de abordar apenas temas científicos pontuando grandes discussões, levantando assuntos polêmicos e registrando conflitos religiosos. O ano 2000 representa a transição da funcionalidade do infográfico, que passa a ser mais que um complemento da informação e se estrutura como corpo da matéria. Em 2005, os autores destacam que a revista passa por mais uma importante reforma. “Novas seções, formato mais linear, fontes novas e matérias curiosas ganham espaço na publicação. Essas complementações no seu projeto encadeiam em reconhecimentos através de premiações e um maior retorno do público”. Neste ano, a Superinteressante ganha medalha de ouro pela sofisticação no uso de infográficos, Prêmio Malofiej de Infografia. Interagindo com as novas mídias, a revista ganha uma nova reformulação estrutural também no meio digital –blogs, vídeos, bastidores da redação, atualizações diárias frequentes, conteúdo extra das matérias e promoções exclusivas- incorporando uma linguagem mais dinâmica e adaptada à forma de ler do público, garantindo assim, mais visibilidade 1. Afirmam Diniz; Campanha & Daniel (2013) ainda, que a mais recente reformulação gráfica ocorreu em 2009. “Novas fontes, novos desenhos de página e novos ícones são introduzidos neste projeto. Os infográficos se afirmam como elementos de informação, deixando de ser apenas complementos para se tornarem a matéria”.
1
A liderança da Superinteressante no segmento, fazia com que em 2007, a revista fosse a 7ª mais vendida do país pela Editora Abril, chegando a 316 mil exemplares, conforme mostra CORREA (2008) In: MARTINS & DE LUCA, 2008.
24 3.2 Percursos metodológicos Nesse trabalho foram examinadas as edições entre maio e agosto de 2014 da revista Superinteressante (circulação mensal). O recorte escolhido foram as reportagens de capa. A pesquisa é quantitativa respaldada no método Análise de Conteúdo, à luz de Laurence Bardin e Martin Bauer. Para Bardin, o método Análise de Conteúdo consiste em: um conjunto de técnicas de análise das comunicações visando obter, por procedimentos sistemáticos, objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produçãorecepção (variáveis inferidas) destas mensagens (BARDIN, 1977, p. 42).
Martin Bauer complementa: A análise de conteúdo é uma construção social. Como qualquer construção viável, ela leva em consideração alguma realidade, neste caso o corpus do texto, e ela deve ser julgada pelo seu resultado. Este resultado, contudo, não é o único fundamento para se fazer a avaliação do produto (BAUER, 2002, p. 203).
Para conseguir entender os assuntos tratados pela revista, a relevância que a publicação dá aos temas de saúde e a forma como esse conteúdo é transmitido, utilizamos o processo de categorização, definido por Bardin (1977), como gavetas de classificação dos elementos de significação constitutivas da mensagem, assim se coloca em ordem o processo de pesquisa e “tem como primeiro objetivo (da mesma forma que análise documental), fornecer por condensação, uma representação simplificada dos dados brutos” (BARDIN, 1977, p.119). Nas palavras da autora: Pretende tomar em consideração a totalidade de um texto, passando-o pelo crivo da classificação e do recenseamento, segundo a freqüência de presença (ou de ausência) de itens de sentido. Isso pode constituir um primeiro passo, obedecendo ao princípio de objetividade e racionalizando através de números e percentagem, uma interpretação que, sem ela, teria de ser sujeita a aval. É o método das categorias, espécie de gavetas ou rubricas significativas que permitem a classificação dos elementos de significação constitutivas, da mensagem. É, portanto, um método taxionômico
25 bem concebido para (...) introduzir uma ordem, segundo certos critérios, na desordem aparente. (BARDIN, 1977, p.37).
Sendo assim, os objetivos da análise definidos perpassam pelas as seguintes categorias: quantidade de matérias por gênero, aparição na capa, fontes de informação, recursos gráficos (figuras, tabelas, gráficos e boxe) e identificação de palavras-chave e elementos de repetição. A partir da pesquisa quantitativa dessas categorias pode-se analisar o tratamento dado pela revista à editoria, sua forma de exposição e relevância. Sobremaneira, o recorte recebe atenção na análise das categorias de conteúdo sobre como é trabalhada a curiosidade como estratégia de captação do leitor, e de que maneira ela se mantém no ritmo da reportagem. A exploração da curiosidade2 como estratégia jornalística do texto de ciência, permite o uso de ferramentas estilísticas adicionais na estética da matéria de modo a facilitar a compreensão das informações, a exemplo de comparações, metáforas, hipérboles, personificação, e outras tantas figuras de linguagem.
2
Etimologicamente a palavra curiosidade vem do latim curiosítas, curiositátis que, segundo definição dada pelo dicionário Etimológico Houaiss da Língua Portuguesa (2001), significa “cuidado, diligência em buscar uma coisa, desejo de conhecer”, e também “o desejo intenso de ver, ouvir, conhecer, experimentar alguma coisa geralmente nova, pouco conhecida ou da qual nada se conhece”, ou ainda, “vontade de aprender, saber, pesquisar (assunto, conhecimento, saber), interesse intelectual”. (HOUAISS, 2001, p.894). Sobremaneira, entende-se curiosidade, no âmbito desse trabalho como o interesse nato, constante do ser humano pelo conhecimento e pelo entendimento do que ainda não conhece, a fim de ampliar sua visão de mundo.
26 4. ESTRATÉGIAS PARA DIVULGAR CIÊNCIA: ANÁLISE DE CONTEÚDO DAS MATÉRIAS
4.1 O Corpus Para identificar o uso da curiosidade como estratégia da produção de sentido das matérias, realizou-se como exposto no tópico anterior, uma análise de conteúdo de quatro edições da revista Superinteressante de maio a agosto de 2014, privilegiando as reportagens de capa, pela importância e tratamento dados ao assunto para que este recebesse tal destaque. Tabela 1. Edições analisadas
Edição
Matéria de capa
Maio/2014 – n. 333
“Nazismo S/A – Coca-Cola, Nestlé, IBM, Warner, Bayer, Ford, GM. Entenda como as corporações ajudaram a construir o Terceiro Reich”
Junho/2014 – n. 334
“Milagre em campo – A incrível história do neurocientista que se aliou a Lula e brigou com meio mundo para fazer um paralítico levantar e andar na festa de abertura da Copa”
Julho/2014 – n. 335
“O perigo do glúten – Ele está em tudo que você gosta, age sobre o seu cérebro e pode ser a causa da epidemia global de obesidade. Afinal gúten faz mal mesmo?”
Agosto/2014 – n. 336
“Astrologia funciona (mas não como você imagina) – E mais: seu signo talvez não seja aquele que você pensa”
Para aprimorar a análise do corpus, tornou-se necessário estabelecer o recorte do tipo de informação que seria estudada, baseada então na classificação de gêneros jornalísticos que mais comumente é utilizada, compilada e reformulada pelo Prof. José Marques de Melo (2003), que classifica os gêneros jornalísticos inicialmente em três: informativo, interpretativo e opinativo. O mesmo autor, afirma que apesar dessa classificação simples, baseada no tipo e na função da informação, não se pode engedrar o entendimento do texto jornalístico em um gênero apenas. Lembra o autor que “os gêneros jornalísticos não são estáticos. Ao contrário possuem tendência híbrida e dialética” (MARQUES DE MELO, 2010, p.107).
27
Categorizando as unidades de informação da análise nesses gêneros básicos, temos a seguinte ordem: Tabela 2. Quantidade de matérias por gênero jornalístico
Edição
Informativo
Interpretativo
Opinativo
333
26
9
2
334
23
8
2
335
21
7
2
336
24
8
2
Marques de Melo & Assis (2010, p. 23) ainda estabelecem uma classificação de formatos jornalísticos a partir dos gêneros, agora mais ligados à tipologia textual da matéria, sendo elas: •
Jornalismo Informativo (Formato: Nota, Notícia, Reportagem e Entrevista)
•
Jornalismo Interpretativo (Formato: Dossiê, Perfil, Enquete e Cronologia)
•
Jornalismo Opinativo (Formato: Editorial, Comentário, Artigo, Resenha, Coluna,
Crônica, Caricatura e Carta) E ainda, em atualização dos gêneros jornalísticos 3 – em relação à primeira classificação do Prof. Marques de Melo – os autores incluem: •
Jornalismo Diversional (Formato: História de interesse humano; História colorida)
•
Jornalismo Utilitário (Formato: Indicador, Cotação, Roteiro, Serviço) Especificamente para esta análise, mapeia-se as inserções de matérias
dentro dos três gêneros já citados anteriormente, considerando que, nas edições pesquisadas, foram os três gêneros que ficaram evidenciados, estruturando-se da seguinte forma: 3
É de conhecimento do pesquisador classificações mais recentes e abrangentes, inclusive tratando na reconfiguração dos gêneros jornalísticos frente ao cenário das linguagens e tecnologias digitais, como no trabalho de Lia Seixas (2009); no entanto, para esta análise específica, a divisão do professor Marques de Melo foi a que melhor se encaixou ao perfil das perguntas que gostariamos de responder com a análise.
28
Tabela 3. Quantidade de matérias por formato jornalístico
Edição
Nota
Notícia
Reportagem
Entrevista
Dossiê
Perfil
Enquete
Cronologia
Editorial
Comentário
Artigo
Resenha
Coluna
Crônica
Caricatura
Carta
333
9
7
9
1
-
-
-
-
1
-
1
-
4
1
1
3
334 11
5
6
1
1
-
-
-
1
-
1
-
4
1
-
3
335
8
5
7
1
-
-
-
-
1
-
1
-
3
1
-
3
336
8
8
7
1
-
-
-
-
1
-
1
-
4
1
-
3
S
36
25
29
4
1
-
-
-
4
-
4
-
15
4
1
12
Unidade s de info.
135
4.2 Análise das matérias de capa 4.2.1 Edição 333 Reportagem de capa: “Os aliados ocultos de Hitler: grandes corporações alemãs patrocinaram o nazismo, enviaram funcionários judeus a campos de concentração e venderam a tecnologia que tornou o Holocausto possível. Tudo em nome de uma ideologia: o lucro”
29 Figura 2.Capa da edição 333 da revista Superinteressante
Presença de infográfico de classificação do grau de envolvimento da corporação
nas
categorias:
“ganhou
fortunas
com
o
negocio”,
“teve
diretores/presidentes afiliados ao Partido Nazista”, “financiou o Partido Nazista”, “relação
pessoal
com
Hitler
ou
algum
líder
nazista”,
“forneceu
armas/veículos/combustível para a guerra”, “antissemita/racista” e “forneceu equipamentos para o holocausto”. A reportagem de capa, trabalha a ideia de denúncia das empresas multinacionais conhecidas pelos leitores em seu dia-a-dia que tiveram relação direta com o projeto nazista. Se estabelece no campo do gênero informativo, no formato de reportagem, apesar do conjunto de elementos interpretativos e opinativos que percorrem os “Saiba mais” ou infográficos das 12 páginas de texto.
30 Não há utilização de fotografias, mas ampla exploração do visual por ilustrações que remetem no primeiro olhar à temática da 2ª Guerra Mundial. Há a exploração visual dos elementos que já são conhecidos, a exemplo das cores (vermelho, preto e branco da braçadeira com a suástica nazista), da silhueta com o bigode de Hitler, tanques de guerra com o gesto de saudação nazista com a mão direita elevada, a suástica em diversos elementos, etc. Apesar da reportagem não se basear em pesquisas científicas, encontramos um trabalho jornalístico que embora não trate de ciência, trata de indústrias que produzem ou financiam ciência e tecnologia hoje (a farmacêutica Bayer, a Siemems, IBM, entre outros). Há então uma discussão crítica, ainda que no âmbito interpretativo, sobre quem e a que preço, desenvolveu a ciência a partir da metáde do século XX no mundo com vistas no lucro e no aumento do capital empresarial-industrial. A matéria utiliza como fontes, os comunicados emitidos pelas assessorias de comunicação das empresas citadas, que assumem sua atuação no Terceiro Reich com respectivas desculpas e ações mitigadoras. É possível fazer a leitura dessa dimensão científica (de produção, de financiamento e de política público-privada de Ciência, Tecnologia e Inovação) na reportagem jornalística, mesmo que não se trate de uma matéria de pesquisa. A curiosidade aqui, é o chamariz para uma discussão política de C,T&I. As curiosidades circundam em cinco elementos principais: o envolvimento da multinacionais na empreitada nazista, o surgimento na Fanta, o aproveitamento das empresas no regime para uso de mão-de-obra escrava, o dia-a-dia de Hitler, a ligação de personalidades históricas da moda como Coco Channel e Hugo Boss com o regime e os diversos heróis do extermínio ou vários Schindlers 4. Os elementos de repetição, com pelo menos três inserções, que compõem e reforçam os sentidos dessa discussão acontecem conforme a tabela abaixo:
4 em referência ao filme internacionalmente famoso The Schindler's List, que conta a história de como um industriário do Terceiro Reich perdeu tudo o que tinha em bens e recursos para “comprar” a liberdade de centenas de judeus, salvando-os do extermínio eminente.
31 Tabela 4. Elementos de repetição de sentidos na edição 333
Palavra-chave
Repetições
Guerra
17
Nazismo
16
Empresas
12
Indústria/fábrica
11
Negócios
10
Hitler
8
Judeus
8
Lucro
7
Campos de concentração
4
Indústria Química/farmacêutica
4
Tecnologia
3
Economia
3
Escravos
3
Trabalhadores
3
Esses elementos de sentido que se repetem durante a reportagem, não demonstram apenas o apelo ou foco da matéria, mas reforçam que as informações fornecidas pela revista serão interpretadas a partir de objetos de significação já conhecidos pelos leitores. Aquilo que historicamente e midiaticamente foi falado desde o fim da Segunda Guerra Mundial e compõe o imaginário das audiências serve como base enunciativa (ou como chave interpretativa) para a denúncia e discussão sobre a mercantilização da indústria e das empresas de tecnologia e sua relação com o regime nazista. Há contextos formando a matriz interpretativa do conteúdo da reportagem. A curiosidade aqui, fornece a ligação entre esses contextos garantindo o ritmo de leitura e a fixação, a partir dos casos específicos curiosos já citados, da discussão maior sobre a relação das empresas de pesquisa e produção com os governos.
32 4.2.2 Edição 334 Diferente das demais aqui analisadas, esta edição tem sua capa verde e amarela, fugindo do padrão visual da revista. Trata-se de uma edição especial por conta da realização da Copa do Mundo do Brasil em Junho de 2014. Tema este que é explorado na matéria de capa e em todas as outras matérias (e publicidades) da revista. Figura 3. Capa da edição 334 da revista Superinteressante
33 A reportagem de capa é: “Milagre ou Truque?: Não perca. Assista ao vivo, no dia 12 de junho, ao maior espetáculo científico desde o pouso do homem na lua. (ou não)”, assinada por Leandro Beguocci e Denis Russo Bungierman. Três infográficos traçam a matriz interpretativa na reportagem, todos trabalhando em “passos” ou etapas: 1. “como vai funcionar o exoesqueleto”, 2. “Sucesso ou fracasso?” - em relação a possível qualidade de transmissão da abertura da Copa pela TV e 3. “Próximos milagres”, com as possibilidades de expansão da pesquisa que é trabalhada durante a reportagem, as quais incluem leitura de mente, telepatia e educação instantânea. Há sempre uma trama apelativa sobre o futuro da pesquisa, da tecnologia, da sociedade, o que remete a curiosidade sobre a pesquisa presente. A matéria analisada consiste em uma reportagem sobre a pesquisa desenvolvida pelo pesquisador Miguel Nicolelis, que desenvolveu um exoesqueleto que permite por meio da interação com o sistema neurológico do paciente, que o corpo movimente partes paralisadas. A revista faz desde a capa e repete durante o desenvolvimento da reportagem a comparação metaforica da tecnologia da pesquisa que permitirá que paralíticos andem com a passagem bíblica em que Jesus realiza um milagre fazendo um paralítico andar. Outra comparação de apelo que atrai a curiosidade, é a denominação de “principal evento científico desde que o homem pisou na lua”, reiterado a ideia de passo, de andar, pisar. Apesar de apelativa, a reportagem desenvolve a pesquisa desde a ideia da problemática por Nicolelis em 2009, com breve contextualização do cenário político internacional no período, seguido do desenvolvimento do trabalho e uma explicação dos pontos principais da pesquisa científica com bastante cuidado. Há referências ao fomento recebido pelo pesquisador pelo governo brasileiro e a repercussão do trabalho com utilização de cientistas de outros países como fontes. A metáfora maior que facilita a compreensão das informações mais técnico-científicas da matéria, é a constante relação e comparação dos feitos e experimentos com o futebol, mantendo a curiosidade ou ainda promovendo o sentido sobre qual seria o papel da Copa do Mundo (que é o tema da edição, e do mês de Junho como um todo, no país-sede) para a ciência e os cientistas brasileiros. É evidente o esforço em dar um significado científico ao evento
34 esportivo. Os elementos de repetição, com pelo menos quatro inserções, que compõem e reforçam os sentidos dessa discussão acontecem conforme a tabela abaixo: Tabela 4. Elementos de repetição do sentidos
Palavra-chave
Repetições
Nicolelis
30
Milagre
9
Ciência
9
Copa
8
Exoesqueleto
8
Interface homem-máquina
8
Cérebro
7
Cientista
7
Neurônio
7
Brasil
7
Pesquisa
6
Mente
5
Itaquerão
5
Governo
4
Lula
4
Espinha
4
Espetáculo
4
Chute
4 Fica claro ao cruzarmos a análise do elementos de repetição com a leitura
mais atenta da reportagem, que há no texto uma tentativa de evocar a figura de herói ao pesquisar Miguel Nicolelis, inclusive na ideia de que o fazer científico no país, por todas as dificuldades apontadas na matéria, é para heróis. O mesmo cientista é apresentado como torcedor do Palmeiras e seu trabalho é explicado sempre com comparações ao futebol, favorecendo a leitura e contextualizando a estréia da pesquisa (com os primeiros passos - e chute – de um paciente utilizando exoesqueleto) com o espetáculo de abertura da Copa do Mundo. Existe na matéria, um esforço louvável dos jornalistas em explicar a partir
35 da pesquisa, da repercussão internacional e da participação do governo do expresidente Lula no começo do financiamento do trabalho, em expor um quadro sintomático do financiamento e das políticas de fomento à pesquisa no Brasil; tema que comumente é abandonado nas editorias e meios especializados do jornalismo científico. Há a valorização da pesquisa como processo de produção do conhecimento, com a descrição desde a problemática até as possibilidades futuras (apesar da espetacularização do “milagre” ao qual o experimento foi atrelado, com a comparação do milagre de Cristo, inclusive). O espetáculo e a metáfora do milagre, associada à essa ressignificação do futebol como palco de estréia de uma “descoberta” científica formulam um cenário no qual a curiosidade novamente atrai, mantém o leitor, o ritmo do texto e valoriza as principais questões da ciência e da divulgação científica.
4.2.3 Edição 335 A reportagem de capa é “A verdade sobre o glúten – de uns tempos para cá, ele virou o novo vilão da alimentação. E pode estar por trás da epidemia de obesidade no mundo. Mas o que é o glúten afinal? E será que você deveria riscá-lo da sua dieta?”, assinada por Robson Pandolfi.
36 Figura 4. Capa da edição 335 da revista Superinteressante
Logo na abertura da reportagem, temos uma diferença visual em relação as outras matérias analisadas nas edições passadas. Temos fotos produzidas ao invés de ilustrações acompanhando o texto. A primeira tem uma cobra sobre um prato de macarrão, que na primeira olhada, sem a necessidade uma análise mas estruturada da imagem, passa a mensagem de “o gluten é um veneno”, a qual será repetida no correr da reportagem. Os infográficos, como de praxe na revista, trazem os elementos interpretativos sobre as opiniões controversas do assunto em “o glúten da discórdia” (p.29), curiosos e de serviço ao leitor – apesar de não deixar claro a necessidade da consulta médica – em “como saber se você tem alergia a glúten”, e
37 “alternativas ao glúten”, com curiosidades sobre alimentos que não possuem o elemento. A matéria traz diversas pesquisas sobre glúten para um debate junto ao leitor. Existe um esforço de contextualização que se inicia
com a história do
consumo do grão de trigo há mais de 5 mil anos atrás, na descoberta de um corpo congelado com restos de pão no estômago. São citadas instituições de pesquisa de fora do país como o Centro Internacional de Pesquisas para
Desenvolvimento
(IDRC) no Canadá, a Universidade Sheffield na Inglaterra, e outras nacionais como Embrapa Trigo e Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), permitindo a leitura global-local
do
tema
e
da
relevância
das
pesquisas
sobre
o
glúten
internacionalmente – e automaticamente sobre a sintonia das instituições brasileiras com o que é estudado fora. O foco da reportagem é a epidemia de obesidade que assola todo o mundo, e aponta no glúten uma das principais causas. O interessante, é que em vez de apelar para os aspectos estéticos que normalmente são utilizados (e ilustram) a mídia não-especializada ao tratar do tema, a revista consegue despertar a curiosidade tratando da obesidade como doença, perigosa, trazendo para o cotidiano do leitor onde está o perigo e como evitar (ou se salvar, em uma nuance mais recorrista). O elemento curiosidade aqui, é trabalhado a partir do perigo da alimentação diária, cotidiana, próxima da realidade do leitor – realidade esta que é explorada pelas pesquisas trabalhadas. Há essa contextualização de que a ciência faz parte do dia-a-dia. E mais, a reportagem estabelece dentre as comparações que facilitam a compreensão das informações científicas, principalmente quanto ao funcionamento do nosso organismo, a associação entre o prazer de comer e o prazer pelo consumo de drogas como a heroína. Os elementos de repetição, com pelo menos quatro inserções, que compõem e reforçam os sentidos dessa discussão acontecem conforme a tabela abaixo:
38 Tabela 5. Elementos de repetição do sentidos
Palavra-chave
Repetições
Glúten
35
Trigo
28
Donça celíaca
8
Pesquisa/estudo
8
Alimentação
7
Pão
7
Peso
6
Genética
6
Dieta
5
Gordura
5
Obesidade
5
Alergia
4
Comer
4
Observa-se que os elementos de repetição nos permitem responder a pergunta provocativa do subtítulo da matéria: “o que é glúten?”, em suma visualmente para o leitor leigo, trigo. E qual o principal problema que ele causa? A chamada doença celíaca. Evidente que no corpo da reportagem existe uma descrição e diversas metáforas e comparações para explicar que o glúten que ingerimos hoje, nada tem haver com o trigo de nossos antepassados, e que a mudança se deve a modificações genéticas. Percebe-se também que o vocativo nesta edição, para tratar do problema da obesidade e do glúten, reconhece a curiosidade a partir de algo comum, nada incrível ou único, como nas outras reportagens analisadas. Aqui, o que chama atenção é o alerta e o perigo da desinformação sobre o que o leitor coloca em seu prato (imagem que será reforçada visualmente na capa e no interior da reportagem). 4.2.4 Edição 336 Matéria de capa: “Verdades inconvenientes sobre astrologia – A ciência prova: não há relação entre o passeio dos astros e a sua vida. Então por que a
39 crença no zodíaco só cresce? Por que tanta gente ainda consulta o horóscopo? A verdade é que a astrologia funciona, sim. Mas não da forma como você imagina”, assinada por Karin Hueck. Figura 5. Capa da edição 336 da revista Superinteressante
Esta matéria se diferencia de todas as outras analisadas de muitas maneiras, mas talvez a principal seja a composição visual de infográficos, que traz em uma espécie de híbrido de “saiba mais” e “prestação de serviços”, mapas astrais e formas de ler o zodíaco, com a explicação de cada signo conforme o horóscopo. Nada demais, se a matéria não tivesse por foco o combate ao mito e das crenças no
40 movimento dos astros sobre a vida das pessoas. Falar de mito e crendice em uma revista de jornalismo científico, sem julgamentos, com explorações contextuais sobre o que se crê, e explicações científicas e históricas sobre a formação mitológica da astrologia em um texto, que aproveita a crendice popular para tratar da astronomia como ciência. Na identificação dos elementos de curiosidade, encontramos a busca pela “verdade” sobre o tema como vocativo, a existência de um 13º signo e a desconstrução da influência do zodíaco pela explicação científica de que o mapa astral que os astrólogos se baseiam está errado, comprovado pelo mapeamento astronômico, como se a astronomia corrigi-se a astrologia. A crendice popular, como a dos americanos cuja metade da população crê que a astrologia é uma ciência, é explorada para explicar o que é a astronomia, que entende os astros por regras matemáticas bem definidas. Estrategicamente, a crendice e a curiosidade sobre o porquê ela não funciona, permitem o cenário interpretativo para a compreensão de uma ciência dura, matemática, que geralmente não chamaria atenção do leitor médio. A demonstração do “como funciona”, incitando o processo terapêutico que se pode estabelecer na busca de consciência sobre a vida, as relações sociais e familiares do sujeito, ao invés da categoria mítica, permitem também a entrada no campo das ciências humanas, que vê o horóscopo como uma ferramenta para o autoconhecimento. Como somo do processo de conhecimento pelo qual a reportagem percorre, o leitor ainda ganha, aprendizado sobre os planetas do nosso sistema solar, sobre mitologia grega e babilônica, e ainda, um pouco sobre história da ciência. A estratégia do curioso aqui, alcança bem seu objetivo – conhecer a ciência a partir da não-ciência, ou aproximar o leitor da ciência a partir de suas crenças. Os elementos de repetição, com pelo menos quatro inserções, que compõem e reforçam os sentidos dessa discussão acontecem conforme a tabela abaixo:
41 Tabela 6. Elementos de repetição do sentidos
Palavras-chave
Repetições
Astrologia
25
Signo
12
Sol
11
Babilônico
11
Planetas
11
Mapa astral
10
Lua
9
Ciência
8
Constelações
8
Estrelas
7
Psicológico
6
Susan Muller
6
Zodíaco
5
Astros
5
Horóscopo
4
Personalidade
4
42 CONCLUSÃO
A dimensão interpretativa das reportagens da revista Superinteressante explora a curiosidade como estratégia de captação do leitor e de manutenção do ritmo do texto da reportagem, promovendo interações e contextualizações constantes sobre os temas, como se caixas maiores de compreensão se abrissem a cada nova chamada ou vocativo para o elemento curioso. No corpus analisado foi possível traças a partir da identificação dos elementos de repetição, o reforço constante na produção de sentido por termochave no desenvolvimento das reportagens. Em todo o material, os textos apresentavam clareza, objetividade, exploração de figuras de linguagem e comparação, contextualização com políticas sócio-econômicas e de conjuntura da produção e do trabalho científico nacional. Optamos por denominar a curiosidade como estratégia jornalística e não como critério de noticiabilidade, pois no decorrer da análise de conteúdo, é possível perceber que a curiosidade acaba por tornar-se a cama enunciativa na qual, outros critérios (proximidade, atualidade, impacto, conflito, polêmica, etc) se estabelecem e passam a conversar entre si. A curiosidade explorada nessa estratégia não é a do interesse do leitor médio, mas a curiosidade pelo novo, pelo funcionamento dos fenômenos e das coisas, nato de todo ser humano. O leitor não é percebido nessa análise apenas como um consumidor, mas como alguém que certamente participa dos sentidos da reportagem, se questionando, rindo, imaginando as comparações, interpretando os infográficos. A intenção, em estudos futuros, é explorar por meio de uma segunda análise de conteúdo, as unidades informativas que enunciam a curiosidade como categoria de sentido do texto jornalístico, talvez, especificamente do texto jornalístico de ciência, dada a unicidade do tratamento da informação que a especialização permite. Sobremaneira, essa discussão sobre a reportagem e o conteúdo das matérias não fica apenas nos aspectos textuais. Cresce para a função social do
43 jornalismo científico em promover o conhecimento e o desenvolvimento dos territórios pela alfabetização científica, pela democratização da informação, e pelo fomento à inovação e à formação de novos cientistas. A análise de conteúdo, tal como estabelecemos neste estudo, permite elucidar sobre a diversidade
de possibilidade de interpretação e de produtos
culturais (em gêneros e formatos jornalísticos) que a revista oferece ao seu leitor. Entendemos que essa diversidade oferecida, somada as chaves de sentido, garantem sim, o cumprimento técnico e da função social do jornalismo científico na promoção da ciência e do conhecimento, com a discussão de políticas científicas, do modo de fazer científico, e do papel e presença das ciências (e da pesquisa) no cotidiano das pessoas. A curiosidade nesse sentido, garante que as reportagens cumpram essa função, e favoreçam a fidelização do público-leitor. Encontramos também, a presença de pesquisadores e instituições de pesquisas brasileiras dialogando nas matérias principais de capa com pesquisadores de centros internacionais, valorizando a produção local, e mostrando que a ciência verde-e-amarela está antenada com os grandes temas da ciência mundial.
44 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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47
ANEXOS
48
Anexo 1. Reportagem de capa na edição 333 da revista Superinteressante (p. 24-35)
49
Anexo 2. Reportagem de capa da edição 334 da revita Superinteressante (p.40-49)
Anexo 3. Reportagem de capa da edição 335 da revista Superinteressante
Anexo 4. Reportagem de capa da edição 336 da revista Superinteressante