Fotolivro Elas

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ELAS

Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo

DA REPRESENTAÇÃO MIDIÁTICA AO COTIDIANO DAS MULHERES CAMPO-GRANDENSES CAMPO GRANDE - 2017


Elas: Da Representação Midiática ao Cotidiano das Mulheres Campo-Grandenses

SEM AJUDA NÃO SE CHEGA A LUGAR NENHUM

Concepção, pesquisa, entrevistas e textos: Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo Fotografias: Isabela Hisatomi Coordenação editorial: Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo Tratamento de fotografias: Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo

As autoras

Capa e projeto gráfico: Isabela Hisatomi, Jacqueline Gonçalo e Renan Zacarias Coordenação executiva: Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo Revisão: Isabela Hisatomi Orientação: Marcos Paulo da Silva Confira mais informações sobre o fotolivro, acesse:

Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo

www.fotolivroelasblog.wordpress.com

Durante vários meses eu e Isabela acreditamos que nossas ideias não sairiam do papel, pelo tempo ser curto ou por serem mirabolantes demais. Mas com a ajuda e orientação paciente e inspiradora do professor Dr. Marcos Paulo da Silva conseguimos organizar todos aqueles pensamentos, que pareciam não fazer sentido, e assim concretizamos este fotolivro. Por isso obrigada Professor. Agradecemos imensamente aos nossos pais, que mesmo a quilômetros de distância tentaram estar o mais presente possível durante os quatro anos de faculdade. Obrigada pelo amor incondicional e apoio nos momentos difíceis, não apenas durante o período de graduação, mas principalmente enquanto estávamos produzindo este trabalho. Esperamos que este fotolivro orgulhem vocês, tanto quanto nós nos orgulhamos de tê-lo produzido. Gostaria de agradecer a minha amiga Isabela, parceira de trabalho e amiga para a vida toda. Obrigada por escolher trabalhar comigo e ajudar a construir este projeto, sem você nada disso seria possível. Obrigada também ao meu namorado Raphael, pelo apoio e compreensão durante todo este processo. Conjuntamente gostaríamos de fazer um agradecimento especial ao nosso amigo e colega de turma Renan Zacarias que se disponibilizou a nos ajudar na elaboração do projeto gráfico, sempre com muita paciência de tornar real o que nós duas desejávamos. E finalmente agradecer a Deus, a quem recorremos quando tudo parecia dar errado. Jacqueline Gonçalo

Projeto Experimental do Curso de Comunicação Social Jornalismo 2016 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul 7


SUMÁRIO Um longo percurso 07 Um longo percurso 11 Quem são ELAS 12 As categorias 13 Vencedora - Sheilla de Fátima 18 Estrela - Delinha 22 Pioneira - Major Carla e Major Tatiane

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Empreendedora - Bárbara Vitoriano 30 Transcendente - Sula Brunê 34 Vítima - Rosa Maria 38 Criminalizada - Edileuza dos Santos 42 Invisível 46


UM LONGO PERCURSO O fotolivro “Elas: da representação midiática ao cotidiano das mulheres campo-grandenses” é fruto de um instigante percurso de pesquisa trilhado passo a passo pelas futuras jornalistas Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo. Para além de um mero trabalho de conclusão para o Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, o fotolivro não falha em fazer jus ao conceito de um projeto de experimentação. Mostra-se experimental, nesse contexto, menos pela forma final que naturalmente tomou enquanto produto editorial e muito mais pelo percurso que marcou sua concepção meses antes dos primeiros cliques das câmeras fotográficas. Lembro-me de ter passado grande parte de uma tarde de setembro de 2016 sentado numa das mesas do corredor central da UFMS numa discussão sobre como aquela proposta seminal de fotolivro deveria ser apenas a ponta do iceberg de uma trajetória de pesquisa acadêmica mais ampla. Desde então, as autoras mergulharam em leituras acadêmicas sobre o conceito de estereótipo e a representação das mulheres na mídia; concentraram-se por semanas no mapeamento e classificação de notícias nos principais jornais diários de Campo Grande; e aportaram em oito categorias que ilustram as formas como as personagens femininas são representas pela mídia. A partir de então, a busca por personagens que pudessem dar corpo à narrativa fotográfica tornou-se a parte mais prazerosa. Ouvir, fotografar e compartilhar histórias de tantas mulheres incríveis passou a ser a premiação pelas etapas prévias de transpiração. Marcos Paulo da Silva Jornalista Professor Orientador

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AS CATEGORIAS

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QUEM SÃO ELAS?

Vencedora Vencer não é apenas sinônimo de subir no lugar mais alto do pódio. Superar adversidades na vida também é uma forma de vencer. Nesta seção apresentamos a mulher vencedora, cuja história não conhecíamos até voltarmos nossos olhos ao noticiário diário. E este é o retrato que encontramos nas notícias: a mulher colocada como vencedora em narrativas que enaltecem suas conquistas. A exaltação desse perfil de mulher não é tão simples de ser identificada. O peso de ser uma vencedora e “exemplo de vida” muitas vezes não é explícito, mas está diluído nos textos jornalísticos. Não afirmamos, porém, que se trata de uma forma negativa de representação, pois as mulheres são retratadas como vencedoras não por pertencerem ao gênero feminino, mas por terem conquistado este status a partir de suas próprias lutas. As mulheres vencedoras são fortes e suas histórias inspiradoras, como a de Scheilla de Fátima, mulher de fé que ilustra esta categoria.

m um momento em que a discussão sobre feminismo atinge protagonismo histórico no Brasil, vemos a mídia, em suas diferentes modalidades e esferas, ser diariamente atacada por ainda propagar discursos opressores com relação às mulheres. Jornais, revistas e sites, das versões noticiosas aos canais de entretenimento, nos dizem como devemos nos vestir, com quem devemos nos parecer e, até, como devemos nos comportar. Tal postura, no entanto, nem sempre é explícita e não raramente se inscreve nas entrelinhas da mídia. Para que pudéssemos verificar se este tipo de postura de fato acontece, lançamo-nos no desafio de analisar a cobertura noticiosa cotidiana os dois principais jornais de Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, e tentar encontrar os estereótipos da mulher local. Ao longo de sete semanas, selecionamos e analisamos 49 matérias cujos enfoques centrais voltavam-se de alguma forma às mulheres. Buscamos identificar nas entrelinhas (nas palavras ditas, mas também nas não-ditas) as formas como as personagens das matérias são interpretadas e caracterizadas. Da análise do noticiário diário, sistematizamos oito categorias de mulheres a partir de suas imagens midiáticas. Com a câmera fotográfica em mãos, partirmos então ao trabalho de campo e selecionamos oito personagens referentes a cada uma das categorias. Como objetivo central do fotolivro, procuramos ilustrar a contradição entre a representação dessas mulheres pela mídia diária e o cotidiano tal como ele se mostra a cada uma delas. Quem são essas mulheres? Elas se parecem com os estereótipos presentes nas categorias identificadas nos jornais? Respondemos essas perguntas com a proposta de uma narrativa fotográfica muito singular. Mergulhamos no dia a dia de nossas personagens, tentando mostrar a maneira como elas próprias querem ser representadas. Numa estratégia de convergência midiática, também disponibilizamos a história detalhada de cada uma das mulheres numa plataforma digital, que pode ser acessada pelo código ao final de cada seção. Por fim, ressaltamos que o fotolivro “Elas: da representação midiática ao cotidiano das mulheres campo-grandenses” foi construído para afirmar à sociedade e, especialmente, às mulheres que não há a necessidade de lutar por um ideal de beleza ou aparência a partir dos parâmetros colocados pela mídia. Afinal, estereótipos à parte, tudo o que a mídia nos mostra, em geral, constitui algo inalcançável e fruto de relações sociais hegemônicas.

Estrela Ser estrela não significa brilhar a todo momento. Nesta seção, voltamo-nos à representação das mulheres que escrevem sua própria história, que se aventuram a seguir uma carreira na arte e conquistam seu espaço e o próprio status de estrelas. São mulheres enaltecidas pelo talento, mas, como todas as outras mulheres que ilustram este fotolivro, que na vida cotidiana se distanciam da representação estereotipada que lhes é concedida pela mídia. Em tempos de redes sociais, aproximamo-nos com mais facilidade da vida cotidiana das mulheres que se tornam ícones para gerações inteiras. A cobertura noticiosa, porém, via de regra, ainda se restringe a mostrar apenas o glamour ou a singularidade despida de complexidade das agendas de shows. Não é por acaso que a personagem escolhida para ilustrar esta seção é a cantora símbolo da música sertaneja sul-mato-grossense Delinha. Aos 80 anos, a força dessa mulher e sua obra não podem ser resumidas nas letras frias das notícias diárias.

As autoras 12

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Pioneira Uma das representações mais latentes identificadas na cobertura noticiosa diária, quando em pauta, estão as mulheres que constituem a categoria das pioneiras. A identificação, no entanto, não ocorre livre de questionamentos. O que está por trás dessa ideia midiática de pioneirismo feminino? Por que tal categoria se faz tão presente nas páginas dos jornais em datas especiais, como na cobertura do próprio Dia Internacional da Mulher? Nas entrelinhas do jornalismo diário, infelizmente, a representação das mulheres como pioneiras ainda possui ligação bastante forte com as “aventuras” que elas enfrentam ao optar por profissões “de homem”. Quando escolhem trilhar uma atividade profissional historicamente vinculada ao universo masculino e se mostram capazes, as mulheres identificadas como pioneiras despontam na mídia. Portanto escolhemos para ilustrar esta categoria as militares Major Carla e Major Tatiane, primeiras mulheres a integrarem o Corpo de Bombeiros em Mato Grosso do Sul.

Transcendente Nossa proposta desde o início da pesquisa que deu origem a este produto foi questionar o que a mídia diária local quer dizer com a maneira com que representa as mulheres. Dentre as oito categorias está, talvez, a que a mídia menos se preocupa em representar: as mulheres transexuais. A mídia faz parecer um grande triunfo ser uma mulher transexual e conseguir um diploma, por exemplo, mostrando que ela venceu o estereótipo de cabeleireira. Não encontramos muitas matérias que falavam sobre a mulher trans, um fato curioso dado ao enorme e constante debate sobre identidade de gênero. Percebemos que nos jornais impressos o espaço reservado a essas mulheres ainda é o das páginas policiais, onde é notícia sempre que estão envolvidas em crimes e prostituição. Procuramos então uma personagem empoderada para dar voz a esta categoria, e encontramos Sula Brunê. Uma mulher que não apenas transcendeu seu sexo biológico, mas a si mesma.

Empreendedora Nada como um dado elucidativo para apresentar esta categoria. Um estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de Mato Grosso do Sul mostra que o estado teve um aumento de 20 mil mulheres empreendedoras nos últimos dez anos. Não é difícil, portanto, identificar uma mulher empreendedora pelas ruas de Campo Grande, mesmo que ela não se considere uma: pode ser a comerciante de espetinhos na calçada da própria residência ou vendedora de roupas que bate de porta em porta atrás de suas clientes. O maior problema em se reconhecer essas mulheres pela perspectiva da mídia, contudo, diz respeito à faceta quase que exclusivamente bela e idealizada que as notícias enfatizam depois que elas alcançam o sucesso profissional. Dentre os mais diversos motivos que levam uma mulher a empreender está o desejo de ter mais tempo com os filhos. A empreendedora que ilustra esta categoria, Bárbara Vitoriano, em determinado momento de sua vida, decidiu que ver as filhas crescerem era mais importante que o emprego formal.

Vítima Em nossa análise das notícias dos jornais diários de Campo Grande, notamos que dentre todas as formas de representação das mulheres, aquelas que eram subjugadas à violência, apareciam com mais frequência. Esse fato não é exclusividade de Campo Grande, mas a realidade sul-mato-grossense fez com que a Capital fosse escolhida como a primeira cidade do país para receber a Casa da Mulher Brasileira, órgão estatal que acolhe e concede apoio às mulheres vítimas de violência. O Mapa da Violência de 2015 aponta Campo Grande como a capital com maior índice de feminicídio no país – estatística alarmante que resultou em aumento de 40% na série histórica de 2013. Infelizmente, porém, essas mulheres têm seus dramas rotineiramente submetidas a meras estatísticas nas entrelinhas da mídia diária, e é o que aconteceria com Rosa Maria, personagem que ilustra esta categoria, se sua história tivesse parado nos jornais há anos atrás.

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Criminalizada Esta seção mostra a representação mais negativa encontrada nas notícias dos jornais diários de Campo Grande. A mulher criminalizada rende muita substância para as notícias que retratam o cotidiano da cidade e, particularmente, para as notas policiais. Entretanto, muito aquém da realidade dessas mulheres, o crime é o que realmente importa para as pautas policiais. Os textos são construídos a partir de algumas das mais básicas perguntas do jornalismo informativo: O que? Onde? Quando? Como? Há pouco espaço, todavia, para a complexidade da questão “quem?” – o que não costuma deixar espaço para que os leitores descubram a multiplicidade por trás das ocorrências e os motivos que levaram essas mulheres a cometer os crimes. Escolhemos Edileuza não apenas por representar esta categoria através de sua história, mas para mostrar que há muito com que a mídia se preocupar para além da singularidade do ato criminoso.

ELAS

Invisível A última seção do fotolivro foi destinada a uma mulher que não sabemos exatamente quem é, pois no conteúdo jornalístico diário ela não tem um nome ou uma profissão, ela consiste apenas um número. Ela aparece em uma pesquisa sobre quantas mulheres integram a política de Mato Grosso do Sul, quantas pessoas sofreram acidentes de trânsito ou foram assaltadas em dado fim de semana. Ela é também aquela fonte que por acaso deu entrevista para uma matéria sem muito aprofundamento. Por isso não escolhemos uma personagem para representar esta seção, devido ao fato de que qualquer mulher pode se tornar invisível dependendo da matéria jornalística em que aparece. Esta categoria também abraça as outras, pois todas as mulheres representadas tem uma faceta invisível para a mídia, que é justamente o lado que buscamos mostrar no fotolivro.

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Guiada pela rebeldia e sede de aventura ainda adolescente, Scheilla se envolveu com más companhias e conheceu as drogas e o crime. Na época era apenas uma forma de escapar da superproteção da mãe. Mas vencer seus próprios demônios que se mostrou o maior desafio de sua vida. Em Campo Grande, após fugir da casa da avó em Bauru, interior paulista, Scheilla buscou as garantias de emprego e moradia. “Uma menina que tinha tudo do bom e do melhor, de repente lá naquela rodoviária com 17 anos de idade, sem família, sem conhecer ninguém. Tive que dormir na rua”, conta. Scheilla se estabeleceu na cidade, conseguiu um emprego e uma casa, mas nada apaziguava o sentimento de abandono que sentia em seu coração. Tudo mudou quando ela passou a fazer trabalho voluntário através da igreja, tornou-se pastora e hoje conduz um centro de reabilitação para dependentes químicos fundado por ela.

“Porque a droga é boa, o pecado é bom, é gostoso, só que aquilo vai acabar com a sua vida”

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VENCEDORA

SCHEILLA DE FÁTIMA


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“Vivemos e aprendemos. Imagina-me com 80 anos, o tanto de coisa que eu aprendi?”. Delanira Pereira Gonçalves não sabe o que é viver sem ter a música ao seu lado. “Mamãe dizia que quando eu tinha quatro anos já cantava: ‘ô jardineira porque estás tão triste, mas o que foi que te aconteceu...’ ”, recorda a artista ao cantarolar os versos de Jardineira. Na infância, a pequena Delinha revezava seu cotidiano entre correr atrás dos quero-queros no campo perto do bolicho que pertencia à família e cantar no coral da igreja. O terreno em que reside ainda hoje é o mesmo onde aos oito anos viu seu pai erguer a “velha casinha”. Foi ali, também, que aprendeu a segunda coisa que considera mais valiosa além de cantar: ser dona de casa. “Mamãe ensinou-me assim”, afirma. Na completude de uma vida dedicada à arte e à família, transpassa dia após dia, com o grande reconhecimento que conquistou de seu trabalho, as dificuldades de ser ao mesmo tempo mulher, mãe e uma grande estrela. 22

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ESTRELA

DELINHA


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“Graças a Deus eu tenho glamour com os meus fãs. Todos vem me acolher, me abraçar. Mas esse negócio de dinheiro mesmo, você vai ganhando para viver. Senão eu não morava aqui, ou então a casa estava arrumadinha”

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PIONEIRA

MAJOR CARLA E MAJOR TATIANE Há 18 anos Carla Moretti e Tatiane Oliveira decidiram se arriscar em uma carreira que antes era estritamente masculina. Ainda muito jovens as duas se viram como as únicas mulheres a integrar o Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul, com o desafio adicional de superar o preconceito e o machismo dentro da corporação. Tatiane se lembra do estranhamento da corporação ao ver duas mulheres naquele ambiente. “Era muita novidade. Nós tínhamos subordinados com idade para ser nossos pais”, relembra. Porém, a vontade de se afirmar como profissional passou por cima de qualquer preconceito. “Nosso desafio é mostrar que nós somos tão competentes e tão profissionais quanto os homens”, diz. Não era apenas novidade no Corpo de Bombeiros, era novidade no Estado. As majores eram constantemente procuradas para entrevistas. “Nos tratavam como um evento extraordinário”, comenta Carla. O pioneirismo das duas mulheres inspirou outras a ingressarem na corporação.

“Sargentona, esse é o estereótipo quando se referem a uma mulher militar” Major Tatiane

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“O tempo todo trabalhando, produzindo e vivendo”. A frase auto define a consultora Bárbara Vitoriano, empreendedora, esposa e mãe de duas meninas. Bárbara deixou Salvador em 2011 com receio da violência e instalou-se em Campo Grande com o marido e a primeira filha. No início, possuía um emprego convencional: rotina das 8h às 18h e a consequente falta de tempo para dedicar-se à filha. Com o nascimento da caçula, porém, Bárbara se deu conta do tempo que esteve fora de casa e que impedira de ver sua filha mais velha crescer. A paixão pela maternidade fez surgir as ideias para os seus empreendimentos na internet. O principal deles dá cursos e consultoria de marketing para mães que decidiram justamente empreender em função de seus filhos. Contudo, a cobrança que mais incomoda Bárbara na representação midiática da mulher, mãe e empreendedora é a do sucesso constante. “Esconde-se um pouco as dificuldades, sempre se esconde o caminho duro”, adverte.

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EMPREENDEDORA

BÁRBARA VITORIANO


“Meu marido sai de casa muitas vezes sem ver minha filha. Nunca ninguém cobrou dele. Nunca ninguém o culpou por sair de casa sem ver a menina. E todos me culpam”

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A vontade de ser mulher sempre foi maior que Sula. Desde muito nova ela sabia que havia algo diferente, que ela não era apenas uma criança homossexual. Mas também se sentia diferente das amigas travestis, quem era ela? Ela era, é, e sempre será Sula. Ainda muito jovem entendeu o que significava ser uma mulher transexual, e percebeu que era exatamente como se sentia. Mas não bastava se assumir trans, faltava Sula se aceitar e se amar. Quando o amor por si mesma veio à tona, Sula se permitiu ser feliz. E ser aceita pela sociedade é apenas uma consequência do seu amor próprio, por estar tão bem resolvida com si mesma. Sula conta com os olhos marejados sobre um encontro que teve com sua mãe, uma senhora com mais de 80 anos. “Um dia ela chegou com duas rosas da roseira dela, me entregou uma e disse assim ‘essa rosa é para você colocar no seu cabelo’. Ela não entende o que é ser trans ou gay, mas ali ela estava dizendo ‘eu te amo’, e dando aquela rosa para que eu ficasse mais bonita”.

“Eu acho que nós mulheres trans temos que tomar a frente e se empoderar para a sociedade”

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TRANSCENDENTE

SULA BRUNÊ


“Eu vou optar ser trans para a sociedade me discriminar? Para os outros rirem de mim na rua? Eu realmente fiz uma opção, eu optei se feliz, somente isso”

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VÍTIMA

ROSA MARIA Diferentemente da imagem fragilizada que imaginamos que uma mulher que sofreu violência aparenta, Rosa Maria conta sua história com tanta naturalidade que espanta. Balançando-se em uma cadeira relata sobre sua pior dor. “Meu bebê nasceu vivo, chorou e morreu, e eu com ele nos braços”, relembra. Nem mesmo as agressões do primeiro marido a machucaram tanto. Casou-se muito jovem com um policial militar “extremamente bonito e bem educado”. Mas o encanto acabava quando o homem bebia e não hesitava em levantar a mão contra ela. “Apanhava a noite inteira, mas ia trabalhar com um sorriso no rosto, porque eu tinha vergonha que as pessoas soubessem”, revela. Rosa Maria viveu por 17 anos sofrendo todos os tipos de violência por parte do marido, até o fatídico dia em que decidiu se separar. “Foi o dia que eu salguei a comida, ele já bêbado, pegou um revólver e disse que iria me matar”, conta. O tiro pegou Rosa de raspão e ali ela decidiu que homem nenhum levantaria a mão para ela novamente.

“Casos de violência merecem uma repercussão, para ser um alerta, não é pra promover a destraça nem a dor da mulher. É para que outras mulheres se identifiquem e busquem ajuda”

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“Não importa o que ela fez, mesmo que ela tenha dado um tapa na cara do homem. Isso não dá o direito dele pegar ela à força e violentá-la”

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Com a mãe dona de uma casa de shows, Edileuza Francisca dos Santos conviveu desde muito pequena com o universo da prostituição. “Eu achava linda aquela vida”. Ainda criança, com 14 anos, saiu de casa para viver naquele mundo. Mesmo tendo sido espancada em sua primeira noite na rua, ela não voltou atrás em sua decisão. Foram muitas noites se prostituindo, bebendo e cheirando cocaína, até mesmo a gravidez não impedia Edileuza de fazer tudo o que tinha vontade. “Eu me achava a poderosa, que ninguém poderia me parar”, relembra. Mas acabou sendo presa por estar com cocaína e pasta base, em uma viagem de Corumbá para Campo Grande. A prisão fez efeito contrário em Edileuza, saiu muito mais revoltada com a vida do que quando entrou e acabou se tornando traficante. Da cocaína passou a fumar pasta base e a morar nas ruas. Somente passados 13 anos desde sua fuga da casa de seus pais que Edileuza se permitiu mudar de vida e foi a fé que lhe deu forças para se transformar.

“Eu era muito doida, nem a polícia me segurava”

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CRIMINALIZADA

EDILEUZA DOS SANTOS


“Eu mendigava noite e dia. Ficava seis, sete dias, fumando droga. A família atrás de mim mas eu não queria saber. Para mim não tinha vida melhor do que aquela”

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INVISÍVEL INVISÍVEL

Ao analisar os jornais nos deparamos com uma mulher sem rosto, sem história, que é apenas um número. Ela esta presente em muitas matérias e em diversas editorias. No caderno de cidades ela é a fonte que protestava por mais segurança na Cidade dos Anjos, mas mesmo integrando a notícia ela não está realmente presente. É a mulher que é só um número numa estatística de quantas sofrem por violência no estado. Esta mulher pode ter um nome, mas sua importância está limitada em ser apenas fonte de informação, afinal, não se faz jornalismo diário sem uma fonte para dar veracidade ao fato. A mulher invisível é também aquela que a mídia não se interessa em representar, aquela que está por trás da estrela, da pioneira, da vencedora, de todas as mulheres que retratamos neste fotolivro. É a mulher cuja história não é interessante o suficiente para transformá-la em protagonista ou são todas aquelas que a mídia não dá voz. 46

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Formato 27 x 21 cm Tipologia Garamond normal Garamond Bold Caviar Dreams Caviar Dreams bold Equipe e realização Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo Revisão Isabela Hisatomi Projeto gráfico da criação da capa Isabela Hisatomi, Jacqueline Gonçalo e Renan Zacari Diagramação Isabela Hisatomi e Jacqueline Gonçalo


Confira mais informaçþes sobre o livro, acesse:

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