O centenário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil na imprensa de Campo Grande (MS)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

O CENTENÁRIO DA ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL NA IMPRENSA DE CAMPO GRANDE (MS): UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Jéssika Souza Corrêa

Campo Grande, MS Março, 2016


Jéssika Souza Corrêa

O CENTENÁRIO DA ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL NA IMPRENSA DE CAMPO GRANDE (MS): UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva.

Campo Grande, MS Março, 2016




JÉSSIKA SOUZA CORRÊA O CENTENÁRIO DA ESTRADA DE FERRO NOROESTE DO BRASIL NA IMPRENSA DE CAMPO GRANDE MS: UM ESTUDO DE REPRESENTAÇÕES SOCIAIS

Monografia apresentada como requisito parcial para obtenção do título de bacharel em Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, sob orientação do Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva.

Campo Grande, março de 2016

COMISSÃO EXAMINADORA: Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva (orientador)

Profª. Drª. Greicy Mara França

Prof. Dr. Mario Luiz Fernandes


DEDICATÓRIA Aos meus pais, Marci Souza e Anisio Corrêa, por sempre me incentivarem na busca por conhecimento.


AGRADECIMENTOS Agradeço pela oportunidade que a vida me dá em poder, a partir desta monografia, encerrar minha graduação em Comunicação Social – Jornalismo, e evoluir não apenas profissionalmente, mas como ser humano, tendo voz crítica e orientação para questões sociais. Por ter a oportunidade de problematizar conceitos até então deixados de lado pelo Jornalismo, e, a partir do estudo das representações sociais, mostrar como determinados temas permanecem enraizados em nossa cultura, ocultando muitas vezes a realidade dos acontecimentos de nossa sociedade. Aos meus pais, Marci Souza e Anisio Corrêa, que sempre me incentivaram a crescer como pessoa e profissional. Agradeço pelo zelo, cuidado, amor, pela liberdade e confiança em exercer a profissão a qual escolhi e acreditei ter vocação. Ao professor e orientador, Marcos Paulo da Silva, por me auxiliar tanto na jornada acadêmica com seus ensinamentos que prezaram pela boa prática e ética do Jornalismo, além de me acompanhar, sempre muito prestativo, em todas as etapas do projeto de conclusão de curso. Aos docentes, incluindo os que já não estão mais no quadro do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), que durante a jornada acadêmica, foram os responsáveis por todo conhecimento adquirido por mim nas diversas áreas de atuação da profissão. Aos meus amigos, que me incentivaram e foram pacientes em todos os momentos em que recusei encontra-los, com a justificativa de que precisava concluir o meu projeto experimental.


RESUMO CORRÊA, Jéssika Souza. O centenário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil na imprensa de Campo Grande (MS): um estudo de representações sociais. 2016. Monografia (Graduação em Comunicação Social – Jornalismo). Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande - MS, Março de 2016.

Esta monografia tem como objetivo analisar como o centenário da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) foi tratado pela imprensa de Campo Grande (MS) por meio da cobertura dos jornais O Estado MS e Correio do Estado e das emissoras de televisão TV Morena, TV Guanandi e TV MS Record, alguns dos principais veículos de comunicação da Capital sul-mato-grossense. Ao optar pelo estudo comparativo e qualitativo, a monografia tem como objetivo contribuir para a compreensão das especificidades da abordagem de cada veículo a partir de uma análise crítica, sob os parâmetros de uma visão normativa, a respeito da publicação de informações quando em pauta esteve o centenário da Estrada de Ferro. Uma divisão metodológica foi realizada a partir da seleção de quatro matérias e um editorial divulgados pelo jornal O Estado MS e uma matéria pelo Correio do Estado, bem como quatro reportagens pela TV Morena e uma matéria cada produzida pela TV Guanandi e TV MS Record no período de maio a outubro de 2014, ano de celebração da efeméride da NOB. A pesquisa problematiza a construção histórica do lema de “desenvolvimento e progresso” estereotipado pela imprensa. Parte-se da hipótese de que apenas os ideais de avanço são ressaltados pela mídia, que muitas vezes não questiona outras as possíveis consequências da chegada da ferrovia a Mato Grosso do Sul. Palavras-Chaves: Comunicação; Jornalismo; Estrada de Ferro Noroeste do Brasil.


ABSTRACT CORRÊA, Jéssika Souza. The centenary of the Northwestern Railroad of Brazil in the press of Campo Grande (MS): a study of social representations, 2016. Monograph (Graduation in Communication - Journalism). Federal University of Mato Grosso do Sul (UFMS), Campo Grande - MS, March, 2016. This monograph have with goal analyze how the centenary of the Northwestern Railroad of Brazil was treat by the Campo Grande (MS) press, through the cover of newspapers O Estado MS and Correio do Estado and the broadcasters of television TV Morena, TV Guanandi and TV MS Record, one of the principals Campo Grande communication vehicles. To choose by this comparative and qualitative study, the monograph pretends to understand how the specificities of communication of each vehicle, to subsequently conduct a critical analysis on the parameters of a normative view concerning the publication of information when on the agenda was the centenary of the Railroad Northwest of Brazil. A methodological division was made by the selection of four materials and an editorial published by the newspaper O Estado MS and one material by the Correio do Estado, just like four reports by TV Morena and a material each produced by TV Guanandi and TV MS Record, from May to October of 2014, when was celebrated the hundred years of NOB. The research discuss the historical construction of the idea of "development and progress" stereotyped by the press. Part from the hypothesis that only the progress of the theme is highlighted by the media, which a lot of times don’t question other possible consequences of the Northwestern Railroad arrival in Mato Grosso do Sul. Key Words: Communication, Journalism, Northwestern Railroad of Brazil.


FIGURAS, GRÁFICOS, QUADROS E TABELAS

Figura 1. Mapa da província de São Paulo, 1878................................................14 Figura 2. O trajeto da ponte de Porto Esperança.................................................19 Figura 3. Traçado da NOB próximo à região central de Campo Grande.............19 Figura 4. Bilhete do ano de 1972 da primeira classe da NOB, que tinha como trajeto Araçatuba (SP) a Aquidauana (MT, hoje MS)...........................................21 Figura 5. Estação de Campo Grande, 1957........................................................25 Figura 6. Uma das construções restauradas e tombadas pela União foi a antiga casa do mestre de linha ......................................................................................25 Figura 7. Matéria 01 – Jornal O Estado MS........................................................45 Figura 8. Matéria 02 – Jornal O Estado MS........................................................46 Figura 9. Matéria 03 – Jornal O Estado MS........................................................47 Figura 10. Matéria 04 – Jornal O Estado MS......................................................48 Figura 11. Editorial – Jornal O Estado MS..........................................................48 Figura 12. Matéria Jornal Correio do Estado......................................................49 Figura 13. Abertura série especial “Cem Anos”..................................................50 Figura 14. Reportagem 01 – TV Morena............................................................51 Figura 15. Reportagem 02 – TV Morena............................................................52 Figura 16. Reportagem 03 – TV Morena............................................................53 Figura 17. Matéria TV Guanandi........................................................................54 Figura 18. Matéria TV MS Record......................................................................55 Quadro 1. Análise descritiva das matérias.........................................................56 Gráfico 1. Eixos temáticos da cobertura jornalística sobre o centenário da NOB em Campo Grande (MS).....................................................................................63


SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..................................................................................................9 1. CHEGADA DA FERROVIA NOROESTE DO BRASIL A CAMPO GRANDE: PERSPECTIVA HISTÓRICA...........................................................................13 1.1 A expansão dos meios de transporte no Brasil.........................13 1.2 A construção da NOB vira realidade...........................................14 1.3 A necessidade de integrar o interior do País.............................18 1.4 A reorganização do território do sul de Mato Grosso...............22 2. A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DA REALIDADE................................27 2.1. O conceito de “representações sociais”...................................28 2.2. Estereótipos midiáticos e construção social da realidade......30 2.3 A construção social do acontecimento jornalístico..................38

3. ANÁLISE: A CONSTRUÇÃO DO TEMA DA CHEGADA DA FERROVIA A CAMPO GRANDE PELA IMPRENSA LOCAL...........................................43 3.1 Análise descritiva.........................................................................44 3.1.1 – O Estado MS.................................................................44 3.1.2 – Correio do Estado........................................................49 3.1.3 – TV Morena.....................................................................50 3.1.4 – TV Guanandi.................................................................54 3.1.5 – TV MS Record...............................................................55 3.2 Análise temática contextual.........................................................57 3.3 Inferências a respeito das representações sociais disseminadas pela mídia....................................................................64 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................71 REFERÊNCIAS BILIOGRÁFICAS.................................................................76 ANEXOS.........................................................................................................78


INTRODUÇÃO Em 2014 foram celebrados os 100 anos da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) a Campo Grande (MS). A linha férrea, que tinha no projeto como ponto inicial e final Bauru (SP) e Corumbá (MS, MT na época), respectivamente, era a promessa de desenvolvimento da porção sul do então Estado de Mato Grosso, o que culminou na vinda de imigrantes, grande parte deles japoneses, pelo Porto de Santos e pelo Peru. As primeiras ferrovias do Brasil foram construídas em regiões economicamente desenvolvidas ou com potencial de crescimento, a exemplo do Leste do Estado de São Paulo, porção territorial economicamente forte devido ao cultivo de café. Até meados do século XIX, o objetivo central era escoar a produção aos portos, de onde partiria para a exportação. A necessidade de integrar o interior do País às regiões mais populosas e proteger a fronteira fez com que a criação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil se tornasse realidade. O ponto inicial, a Estação Noroeste de Bauru (SP), foi inaugurado em 1906. A outra frente da ferrovia sairia de Porto Esperança (MS). A ligação entre as extremidades só aconteceu em 1914, quando a linha chegou a Campo Grande. Sinônimo de progresso e desenvolvimento para a opinião pública da época, a Noroeste do Brasil fez com que a então Vila de Campo Grande – como era chamada – se adaptasse para receber um novo cenário. A circulação de pessoas, informações e mercadorias tornou-se mais ágil. As condições de trabalho e remuneração dos recém-chegados japoneses nas fazendas de café do interior de São Paulo fez com que procurassem outra forma de sobrevivência no território que seria o futuro Estado de Mato Grosso do Sul. Contudo, as obras ainda não haviam sido finalizadas, o que, conforme pesquisas históricas, obrigou a maioria a percorrer o caminho a pé com suas famílias. A mão de obra dos imigrantes japoneses contribuiu para o crescimento populacional e econômico de Campo Grande. Pode-se afirmar que os avanços sociais, econômicos e culturais que a construção de ferrovias como a Noroeste causou no Brasil contribuem para o processo de ressignificação do espaço urbano e estão relacionados indiretamente ao processo histórico de “construção social da realidade” (BERGER & LUCKMANN, 9


1974). A região Central de Campo Grande foi erguida em torno dos trilhos da NOB. Bairros e vilarejos foram criados e o setor de serviços teve um salto acelerado para atender as necessidades dos viajantes. Já no interior do Estado, em Três Lagoas, por exemplo, houve a implantação do cultivo de eucalipto, madeira que abastecia os vagões. Devido a essa importância histórica, o Complexo Ferroviário de Campo Grande foi tombado pela União em 2009. Entre os imóveis estão casas de operários, funcionários intermediários e graduados, escritórios, oficinas, escola, a caixa d’água e a estação ferroviária. Embora a celebração oficial do centenário da chegada da NOB a Campo Grande tenha ocorrido em outubro de 2014, a imprensa regional tratou a cobertura do tema de forma gradual e a partir de eventos episódicos durante o decorrer do ano. Nesse contexto, a proposta central da monografia é analisar como a comemoração do centenário da chegada da estrada de ferro foi construída por meio de matérias e reportagens da imprensa campo-grandense. O projeto tem como objetivo analisar qualitativamente a cobertura jornalística da efeméride, por meio de uma

amostragem

não

probabilística,

e

analisar

como

a

temática

de

desenvolvimento e progresso da região foi construída midiaticamente. Para tal, foi pesquisada a história de Mato Grosso do Sul e realizada pesquisa exploratória no conteúdo produzido pelos veículos, de forma a realizar um comparativo sobre os temas abordados, além de um estudo sobre a profundidade das matérias e reportagens, enumeração das fontes e análise de dados utilizados para a construção do tema histórico. Foi realizado também um estudo de representações sociais a partir da análise sobre como esses materiais jornalísticos contribuem para a representação histórica da ferrovia, com o objetivo de problematizar melhor o impacto dos cem anos de NOB no Estado. A metodologia foi desenvolvida em duas etapas principais: a pesquisa bibliográfica e a pesquisa documental. Na prática, foram desenvolvidas a pesquisa exploratória, delimitação do corpus (recorte empírico) e análise do material jornalístico coletado, onde se buscou a garantia da cientificidade do estudo a partir das reflexões contextuais e teóricas. No que tange a construção do recorte empírico, após um levantamento exploratório nos principais veículos impressos e televisivos

do

Estado,

obteve-se

uma

amostragem

não-probabilística

de

representatividade social (LOPES, 2005, p.145), na qual se privilegia a questão 10


temática e a análise qualitativa. Foram feitos levantamentos de matérias e reportagens dos dois maiores jornais impressos da Capital, O Estado MS e Correio do Estado, e das emissoras de televisão TV Morena (afiliada da Rede Globo), TV Guanandi (afiliada da Rede Bandeirantes) e TV MS Record (afiliada da Rede Record). Nesse sentido, para a garantia da qualidade do recorte empírico, foram selecionados 12 itens de análise dos meios de comunicação, veiculados entre maio e outubro de 2014. Dos jornais impressos foram extraídas quatro matérias e um editorial da edição de 11 de outubro de 2014 do jornal O Estado MS (publicações feitas no contexto da cobertura da comemoração do aniversário de 37 anos da criação de Mato Grosso do Sul) e uma matéria da edição do dia 9 de maio de 2014 do jornal Correio do Estado (sobre as comemorações do centenário da NOB). Das emissoras televisivas foram encontradas quatro reportagens da TV Morena na série especial “Cem Anos”, exibida entre os dias 14 e 17 de agosto de 2014 (em diálogo com a cobertura das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa na cidade) e uma matéria cada da TV Guanandi e TV MS Record, produzidas no mês de maio e agosto, respectivamente, sobre as comemorações do centenário da ferrovia. A reprodução das matérias impressas e as transcrições do conteúdo televisivo constam nos anexos do trabalho. O trabalho monográfico está dividido em três capítulos. O primeiro trata da perspectiva histórica da instalação da ferrovia no até então Estado de Mato Grosso, desde a chegada dos trilhos às mudanças ocorridas na época, e sobre como Campo Grande precisou se adaptar para esse acontecimento histórico, que foi interpretado

e

socialmente

disseminado

como

promessa

de

avanço

e

desenvolvimento. O segundo capítulo, de natureza teórico-conceitual, aborda os conceitos de representação social e de construção jornalística da realidade. Nesse sentido, será analisada a representação social das concepções de desenvolvimento e de progresso da cidade como decorrência da chegada da ferrovia e como permanece enraizada na cultura de Mato Grosso do Sul. O terceiro e último capítulo consiste na análise propriamente dita da cobertura jornalística dos cem anos da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande, com base nos veículos mencionados. A partir de uma análise qualitativa, foi feito o estudo sobre a profundidade das matérias e 11


reportagens, enumeração das fontes e detalhamento de dados utilizados para a construção do tema histórico.

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1. A CHEGADA DA FERROVIA NOROESTE DO BRASIL A CAMPO GRANDE: PERSPECTIVA HISTÓRICA Este capítulo tem por objetivo recuperar, a partir da história de Mato Grosso do Sul, como se deu a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil ao Estado, traçando um panorama até os dias atuais.

1.1.

A expansão dos meios de transporte no Brasil Após dez anos do início do funcionamento da primeira locomotiva, criada por

George Stephenson na Inglaterra em 1835, foi assinada a Lei Feijó, que determinava a instalação de ferrovias no Brasil. As estradas de ferro ligariam as capitais de Minas Gerais, Rio de Janeiro, Bahia e Rio Grande do Sul. “Outras propostas serão apresentadas, mas apenas em 1854 é aberto o primeiro trecho ferroviário brasileiro, inaugurado por Mauá” (GHIRARDELLO, 2002, p.18). Em 1858 é inaugurada a Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II, considerada uma das mais relevantes construídas até hoje, pois ligava as principais regiões produtoras de café do País, com o objetivo de contribuir para o escoamento do produto até o Porto de Santos. Essa ferrovia é considerada um marco por possuir claro sentido econômico: a ligação com a Província de São Paulo, passando pelo Vale do Paraíba, grande produtor de café e Minas Gerais. Inaugura, por tanto, o que deveria ser a norma em termos ferroviários no Sudeste brasileiro, e particularmente de São Paulo: a busca do café, já então o mais precioso produto agrícola do País (GHIRARDELLO, 2002, p.18).

A Companhia Estrada de Ferro D. Pedro II culminou na criação de inúmeras outras ferrovias pelo litoral do País. A partir do lucro que a produção e comercialização de café proporcionaram ao Brasil, houve a abertura de investimentos para a construção de novas estradas, “como a Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (1867), a Paulista (1872), a Ituana (1873), a Mogiana (1875) e a Sorocabana (1875)” (GHIRARDELLO, 2002, p.19). O interior do Brasil, ainda pouco explorado e com certa desatenção por parte da Coroa Portuguesa, carecia de alternativas de povoamento ou garantia de ocupação do território. A região era ofuscada pelo desenvolvimento econômico do 13


Sudeste brasileiro e necessitava de investimentos com o objetivo de integrar o País, além da proteção das fronteiras. Um mapa divulgado pelo Almanaque Cultural de São Paulo em 1878, mostrara, na época, a carência de ocupação no Oeste da então província de São Paulo e no Sul da província de Mato Grosso, tratados como “terrenos desconhecidos”.

Figura 1 - Mapa da Província de São Paulo, 1878.

(Fonte: FERREIRA, 2002. p.84 apud SILVA, 2009, p.9)

Para aquele momento histórico, as ferrovias se colocavam como potencial catalisador para a ocupação do território e o futuro desenvolvimento urbano das regiões mais afastadas das zonas litorâneas.

1.2.

A necessidade de integrar o interior do País A viabilização da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil aconteceu após a

Proclamação da República, em 1890, momento histórico em que foi criada uma comissão que elaboraria o Plano Geral de Viação Federal, conhecido também como Plano da Comissão.

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Suas intenções foram claras e inovadoras em pelo menos três aspectos: a) ligação de zonas com potencial econômico aos principais portos do País; b) favorecimento à continuidade dos traçados ferroviários existentes, pois a década de 1880 é pródiga na construção e ampliação de linhas, possibilitando o aproveitamento delas; c) forte sentido estratégico, induzindo a ocupação econômica e colonização às fronteiras com o Uruguai, Paraguai, Argentina e Bolívia, prevendo, inclusive, a continuidade desses troncos em direção ao Pacífico (GHIRARDELLO, 2002, p.21).

Foram, então, autorizadas diversas concessões para a construção de ferrovias e hidrovias por todo o País. O decreto federal no. 862, de 16 de outubro de 1890, foi essencial para o desenvolvimento da NOB (PAIVA, 1913, p.317 apud GHIRARDELLO, 2002, p.21), uma vez que: oferecia concessão de privilégio de zona ao Banco União do Estado de São Paulo para uma estrada de ferro que deveria partir de Uberaba, no Estado de Minas Gerais, em direção a Coxim, em Mato Grosso, exatamente em um dos troncos previstos no Plano de 1890. Tais concessões e as subsequentes alterações resultariam no traçado da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (GHIRARDELLO, 2002, p.21).

A construção da Noroeste do Brasil e seu trajeto já haviam sido aprovados pelo Clube de Engenharia do Estado de São Paulo, mas era preciso também a avaliação positiva do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro, composto por profissionais influentes do ramo e considerada a instituição máxima do segmento na época. Em outubro de 1904 foi divulgado o parecer do Clube de Engenharia do Rio de Janeiro:

O traçado de um caminho de ferro que partindo de São Paulo dos Agudos (ou de Bauru), transpondo o Paraná e o Urubupungá, se dirigisse a um ponto do Rio Paraguai adequado a encaminhar para o Brasil o comércio do sudeste Boliviano e norte Paraguaio, permitindo ao mesmo tempo rápidas comunicações do litoral com o Mato Grosso, independentes de percurso estrangeiro. (CUNHA, 1975, p.116 apud GHIRARDELLO, 2002, p.27).

Dando suporte ao clube de engenharia carioca, o ministro da Viação, Lauro Muller, sugeriu uma mudança na revisão da concessão estabelecida:

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Sendo o objetivo da estrada de Coxim dar viação ao sul de Matto Grosso, a mudança de seu ponto inicial parece ser um facto imposto pelas condições actuaes da viação. Com effeito, não só a Sorocabana é hoje uma linha de propriedade da União, que, recebendo o trafego de Viação de Matto Grosso, vae soffrer valorização que deverá diminuir muito ou talvez annullar o ônus da garantia dos juros das linhas a construir, como, além disso, em São Paulo dos Agudos, cruzam-se as duas grandes artérias, Paulistas, a Sorocabana e a Paulista, de modo que a linha a construir tem seu trafego sempre garantido contra qualquer interrupção que porventura possa ocorrer na Sorocabana. Estas considerações indicam Bahurú ou suas proximidades como o ponto inicial mais conveniente para o novo traçado da primitiva concessão que tinha por objetivo o sul do Matto Grosso. O caminho que elle deve seguir está naturalmente imposto: é o fértil valle do tietê, com o notável Salto do Avanhandava, que provavelmente virá a ser aproveitado como força, e o Salto do UrubúPungá como local para encontrar o Rio Paraná (RELATÓRIO DA DIRECTORIA DA CEFNOB, 1906, p.6 apud GHIRADELLO, 2002, p.27-28).

De Bauru a Cuiabá seria construído o trajeto da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, com o objetivo de ligar o interior do País e povoar a fronteira com a Bolívia e o Paraguai. De acordo com Campestrini (1995, p.111), “em 1905 começava o trecho Bauru – Itapura (SP), concluído em 1910, depois de enfrentar imensas florestas (hoje devastadas) e os Coroados, índios que procuravam, com todos os meios, impedir o avanço dos trilhos”. Até a época, o acesso para locomoção entre as cidades de Mato Grosso era feito apenas a cavalo. “Os caminhos que existiam por terra não permitiam o acesso de automóveis, e somente eram percorridos em lombo de animais [...] No começo do século XIX é que começavam a ser abertas as primeiras estradas trafegáveis por automóveis” (BITTAR, 2009, p.38). A vila de Campo Grande ainda não havia sido incluída no projeto, o que ocorreu quatro anos depois, em 1908, quando o presidente Afonso Pena decidiu abandonar o projeto Itapura - Cuiabá, optando por Itapura - Corumbá. Conforme os registros dos memorialistas,

A implantação da linha teve duas frentes: uma partiu (em 1908) de Porto Esperança, enfrentando a serrania, os charcos do Pantanal e a malária; pouco depois, começou a de Três Lagoas [...] os trilhos encontraram-se na Estação de Ligação, nos arredores de Campo Grande, em 1914, possibilitando a ligação férrea entre Bauru e Porto Esperança, fazendo-se a travessia do Rio Paraná, em Três Lagoas (CAMPESTRINI, 1995, p.111). 16


A Noroeste do Brasil era a promessa de desenvolvimento e progresso da região, ao contrário das demais ferrovias construídas em locais já desenvolvidos economicamente. A necessidade de integração do interior do País e a proteção da fronteira fizeram com que a NOB se tornasse realidade. “A eficiência da estrada na sua função política crescia na medida em que se levava em conta a defesa das fronteiras dos países vizinhos, Paraguai e Bolívia” (BITTAR, 2009, p.55-56). O avanço dos trilhos era considerado

um dos laços mais fortes que prendem o Estado ao território. Sobre incremento populacional, observa-se que foi mais considerável nas vilas, que se criaram ao longo da linha, nos nós principais das linhas férreas e nas bifurcações, como em Araçatuba, no Estado de São Paulo e em Campo Grande, em Mato Grosso (AZEVEDO, 1950, p.98 apud BITTAR, 2009, p.56).

No final do século XIX, Mato Grosso passava por instabilidade políticoterritorial. O interesse do Sul em se desmembrar do Norte já era de fato notado e ficava cada vez mais visível com a construção da ferrovia. “Dizia-se até que Cuiabá poderia perder o título de capital para Campo Grande” (BITTAR, 2009). Se desenvolvendo a partir da pecuária e da extração e produção de erva-mate, o Sul mostrava a insatisfação com o governo estadual, se queixando de receber pouca atenção e investimentos. Já no Norte, o discurso de defesa era o de que Campo Grande era beneficiada devido à proximidade com o Estado de São Paulo. Já se pode notar um tom de discórdia nas relações norte-sul, notadamente de sulistas insatisfeitos como Governo Estadual. Mas isso se aprofundou com a construção da Noroeste do Brasil. No tocante à política de povoamento do sul é possível perceber elementos de crítica à ação ou omissão do governamental, demonstrando que os sulistas se sentiam preteridos (BITTAR, 2009, p.59).

O discurso separatista cresceu mais ainda quando foi anunciada a implantação da Companhia Mate Laranjeira, que somada à construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, culminara no crescimento do regionalismo da população do Sul de Mato Grosso.

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1.3

A construção da NOB vira realidade Assim como as ferrovias de menor expressividade no Estado de São Paulo, a

Noroeste do Brasil foi construída com bitolas de um metro de distância. As obras no até então sul do Estado de Mato Grosso foram organizadas por trecho, partindo de Porto Esperança, no município de Corumbá. “A construção sofreu também vários atrasos; os operários deixaram de ser pagos, resultando em sucessivas greves” (NEVES, 1958, p.86 apud GHIRARDELLO, 2002, p.68). O trabalho de definição do percurso final durou mais de quatro meses. Além das greves dos trabalhadores da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB), a construção da ferrovia saindo de Bauru sofreu vários atrasos e a situação financeira da empresa responsável pela construção piorava. A partir disso fora criado o trecho Itapura - Corumbá, que era de propriedade da União.

O fato é que os dirigentes da CEFNOB, quando perceberam que perderiam o trecho mato-grossense, pouco fizeram para recuperá-lo. Sua difícil situação financeira e as possibilidades muito limitadas de lucros imediatos em solo mato-grossense contribuíram para que a companhia optasse pela gestão apenas no Estado de São Paulo (GHIRADELLO, 2002, p.62).

As obras da Noroeste do Brasil em Mato Grosso aconteceram a partir de dois pontos: um em Porto Esperança, em Corumbá (Figura 2), e outro às margens do Rio Paraná, na região de Três Lagoas. Entre os principais trabalhadores estavam os japoneses recém-chegados ao Brasil para trabalhar nas lavouras de café do Estado de São Paulo. Descontentes com a remuneração e as condições de trabalho, se viram obrigados a buscar uma alternativa de sobrevivência.

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Figura 2 – O trajeto da ponte de Porto Esperança

(Fonte: http://blogdecorumba.blogspot.com.br, 2015)

Em outubro de 1914, após praticamente nove anos de construção, os trechos foram unidos na intitulada “Estação de Ligação”, próxima a Campo Grande (Figura 3). O trecho com início em Bauru também estava interligado. “Dessa maneira estava completa a ferrovia que ligava Bauru a Corumbá, sendo 459 quilômetros em solo paulista

e

813

em

solo

mato-grossense,

totalizando

1.272

quilômetros”

(GHIRARDELLO, 2002, p.21). Figura 3 - Traçado da NOB próximo à região central de Campo Grande

(Fonte: www.estacosferroviarias.com.br, 2014)

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Construída com o mínimo de investimento possível, já em 1922 a Noroeste do Brasil apresentava vestígios de desgaste e destruição, segundo relatório feito pelo engenheiro Arlindo Luz, que havia assumido a presidência da NOB. Linha sem dormentes desde Bauru até Porto Esperança; trilhos fraquíssimos e em extremo gastos no trecho da antiga Bauru-Itapura; estações quase todas provisórias, de madeira já apodrecida, sem área para abrigar as mercadorias desembarcadas ou a embarcar; material de tração e de transporte insuficiente e em mau estado de conservação; falta de oficinas e abrigos para o material rodante; ausência da ponte sobre o Rio Paraná, determinando o estrangulamento do tráfego entre São Paulo e Mato Grosso; pontes provisórias sobre inúmeras travessias, em muitas das quais os trilhos são lançados sôbre simples fogueiras de dormentes (INTRODUÇÃO AO RELATÓRIO DA CEFNOB, 1922. p.3 apud GHIRARDELLO 2002, p.65).

A cidade que até então servia apenas como passagem de boiadeiros, mesmo com o cenário prematuro de degradação, passou a ser a vila mais desenvolvida do Sul de Mato Grosso. Ocorrera o crescimento populacional e territorial, que resultou no título de cidade a Campo Grande. O contrato feito entre o Governo Federal e a Companhia da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil permitiria que a empresa planejasse e interferisse na estruturação da área urbana, válido para as cidades que estavam situadas no traçado ferroviário. “As cidades ganham um traçado xadrez onde, além de reordenar a aglomeração existente, prevê a extensão urbana” (WEINGÄRTNER, 1995). Foi feita a definição do planejamento urbano onde seria construído um centro, com casas comerciais, residências, sede de alguns órgãos públicos, além da criação de bairros, entre eles o Ferroviário. Anos depois, o plano continuara, dessa vez a partir da criação do Bairro Amambaí, localizado ao lado do Bairro dos Ferroviários ou Cabreúva nos dias atuais, onde ficariam localizadas as residências militares, além da Circunscrição Militar. “A localização de Campo Grande atendia os objetivos econômicos e estratégicos da Companhia da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, por isso, a cidade é escolhida para sediar uma Diretoria Regional que atenderia todo o Sul de Mato Grosso” (WEINGÄRTNER, 1995).

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A partir daí, a Companhia precisou ampliar o planejamento urbano e construir mais imóveis para oferecer serviços e também mais residências para os trabalhadores transferidos para Campo Grande. Por garantir a locomoção de pessoas, informações e cargas, era clara a necessidade de novos trabalhadores não só na NOB, mas nos estabelecimentos e órgãos criados para atender a população. Com a instalação da ferrovia e o crescimento populacional e urbano da cidade, ocorreu a criação de veículos de comunicação regionais, além da circulação e venda de jornais de São Paulo e Rio de Janeiro para o Estado. Em 1913, foi criado O Estado de Mato Grosso; em 1916, A Ordem; e em 1917, o Correio do Sul e O Sul. “Desta forma, os campo-grandenses se inteiram dos acontecimentos ocorridos na capital federal e demais estados litorâneos” (WEINGÄRTNER, 1995). A instalação da Ferrovia Noroeste do Brasil no Estado facilitou o crescimento econômico da região, com vocação para a exportação de gado, eucalipto, ervamate, além de alguns produtos industrializados. Havia também o interesse da população em viajar pelo interior do Estado, pois a locomoção a partir dos trilhos passara a ser mais rápida, confortável e segura.

Figura 4 - Bilhete do ano de 1972 da primeira classe da NOB, que tinha como trajeto os municípios de Araçatuba (SP) e Aquidauana (MT)

(Fonte: http://tremriodoce.blogspot.com.br, 2013)

Os japoneses vindos do interior de São Paulo, além de pessoas de outros estados, foram empregados diretamente pela companhia ou em outros setores do comércio. Ocorreu também o fenômeno do êxodo rural, em que a população do 21


campo enxergava mais oportunidades na vida da cidade. “Alguns fazendeiros sulmato-grossenses fixam residência em Campo Grande, para melhor dirigir seus negócios e ao mesmo tempo, se inteirar dos acontecimentos políticos locais, estaduais e federais” (WEINGÄRTNER, 1995). No final do século XIX, mais de 1,8 mil pessoas habitavam Campo Grande. Em 1930, com a ferrovia já instalada, a cidade somava 12 mil moradores (WEINGÄRTNER, 1995). A promessa de desenvolvimento da região e as oportunidades de vida, que muito se ouvia por entre os trilhos, fomentou o crescimento da cidade.

[Em 1930] o comércio conta com mais de 200 estabelecimentos, três agências bancárias, uma agência de Correios e Telégrafos, vários estabelecimentos de ensino público e privado, iluminação elétrica, abastecimento de água canalizada, telefones e vários clubes recreativos. As propriedades localizadas no município de Campo Grande estão interligadas com a sede através de estradas carroçáveis, facilitando, desta forma, o escoamento da produção destas propriedades. O movimento na estação ferroviária, causado principalmente pela exportação de gado, madeira e outros produtos, e a importação de bens industrializados é intensa, contribuindo para que a arrecadação tributária de Campo Grande seja de 28%, em relação à arrecadação de Mato Grosso. (WEINGÄRTNER, 1995).

Ainda descontentes com o Governo do Estado e tendo em vista o crescimento populacional, econômico e social de Campo Grande, iniciaram novos rumores sobre a divisão do Norte e Sul de Mato Grosso. Em 1934, foi criada A Liga Sul-MatoGrossense, que recolheu 13 mil assinaturas favoráveis à criação de outro estado. Pressionando os constituintes para a aprovação do projeto de separação, a Liga não obteve sucesso na tentativa. Somente em 1977, o então presidente Ernesto Geisel viria a promulgar a Lei Complementar de n.º 31, que criava o Estado de Mato Grosso do Sul, tendo como capital a cidade de Campo Grande.

1.4

A reorganização do território do Sul de Mato Grosso O avanço da ferrovia pelo então território sul de Mato Grosso remete a um

processo de reorganização da região que pode receber inúmeros significados. O fato é que a NOB reorganizou o território, abriu ‘espaços vazios’, desmatou e dizimou tribos indígenas, o que possibilitou o 22


aparecimento de novos núcleos urbanos e promoveu o aprimoramento dos já existentes, possibilitando o estabelecimento de uma rede de cidades na fronteira Oeste (TRUBILIANO, 2005, p.37).

Com a chegada e influência da Noroeste do Brasil, Campo Grande atraiu além da comunidade de japoneses, turcos, sírios, libaneses e armênios, que contribuíram para a ampliação do comércio na época. A cadeia da carne ganhara valorização no mercado e a agricultura era implantada no Estado. Segundo registros históricos atribuídos a Dom Aquino Corrêa, governador de Mato Grosso em 1919, e citados por Trubiliano (2005, p.239) “bastou o prolongamento da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, que hoje atravessa todo o Sul do Estado [...] para que se iniciasse como é sabido, um movimento de vida e progresso”. A partir do avanço da agricultura na região Sul do Estado, houve a implantação do cultivo de cana-de-açúcar, café, feijão, arroz, milho, fumo, mandioca, castanhas, trigo, legumes e frutas. Após trabalharem na construção dos trilhos, muitos japoneses viram a oportunidade de se ocupar com o cultivo de alimentos e do fumo. Advindos do Peru e do Porto de Santos, estima-se que 10 mil japoneses se fixaram no Sul do Estado de Mato Grosso. É importante destacar que o Estado estimulou, a partir da visibilidade que a NOB havia dado a Campo Grande, a vinda de grupos de outras etnias, além da concessão de terras e lotes para habitação dessas pessoas. Nas primeiras décadas do século XX, mesmo com a produção de alimentos sendo praticada em maioria pelos japoneses, era preciso comprar de São Paulo produtos como feijão, arroz e café, muitas vezes por preços elevados. O Sul de Mato Grosso ainda era precário quando o assunto se tratava de organizar a produção agrícola. Carlos Trubiliano (2005, p.244) ressalta que “essas relativizações sobre os efeitos positivos dos trilhos ajudam a vislumbrar a precariedade em que se encontrava o sul de Mato Grosso nas primeiras décadas do século XX”. Contudo, é necessário reafirmar que a NOB impactou a região no que diz respeito ao incremento populacional e agrícola, ainda que não conseguisse suprir a demanda interna. Entre 1920 e 1940,

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O sul de Mato Grosso registrou crescimento demográfico de, aproximadamente, 47%, enquanto a média nacional não ultrapassou os 10%, passando de 21 mil para aproximadamente 50 mil habitantes na década de 40, equivalente a um quinto da população de todo o Estado de Mato Grosso (TRUBILIANO, 2005, p. 244).

Com o incentivo à construção de rodovias no governo de Getúlio Vargas, as ferrovias brasileiras tiveram os investimentos cortados, cenário que acompanhou o decorrer do século XX. Conforme explica o historiador Paulo Queiroz em entrevista à TV Morena, que integra o corpus de análise deste trabalho (ver Anexo 3),

o fato concreto é que o transporte rodoviário foi se desenvolvendo, o automóvel foi barateando e se tornando mais acessível. Muitas regiões que não eram atendidas pelas ferrovias poderiam ser atendidas facilmente pelos caminhões, então de uma maneira quase que “natural” os veículos foram ocupando o espaço que as ferrovias não tinham como suprir (QUEIROZ, 2014).

Mesmo com a diminuição gradual do protagonismo histórico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil na organização social, política e econômica de Campo Grande ao longo da segunda metade do século XX e do início do novo milênio, é fato que as efemérides – datas comemorativas em torno da ferrovia – continuaram a mexer com o imaginário social da capital sul-mato-grossense. Em 12 de outubro de 2014 foram comemorados os cem anos da chegada da Ferrovia Noroeste do Brasil a Campo Grande. Desativada para a carga de passageiros em 1996, a NOB transporta ainda minério e celulose, advindos do interior do Estado. Considerada até hoje um dos principais, senão o principal fator que culminou no desenvolvimento da Capital de Mato Grosso do Sul, contribuiu com o movimento separatista do Sul com relação ao Norte de Mato Grosso, além de atrair diversos povos de outros Estados e Países, que se aventuraram a trabalhar e se fixaram pela região. A Noroeste do Brasil passara a ser vista como alavanca do concreto avanço do capitalismo tardio na região. De acordo com Lídia Possas (2009, p.34), “a ferrovia, desde suas origens, como progresso técnico, foi contemplada com diversas representações, construções que lhe atribuíram sentidos diversos e significados variados”.

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Figura 5 - Estação de Campo Grande, 1957

(Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br, 2014)

Em 2009, o Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural (Iphan) anunciou o tombamento do Conjunto da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. De acordo com a entidade, o complexo possui 22,3 hectares e 135 edifícios em alvenaria e madeira, erguidos em datas a partir da ampliação das atividades e ainda mantém parte dos trilhos que não foram retirados da área urbana de Campo Grande.

Figura 6 - Uma das construções restauradas e tombadas pela União foi a antiga casa do mestre de linha

(Fonte: www.estacoesferroviarias.com.br, 2014)

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Atualmente, grande parte das construções abrigam instituições como a sede do Iphan, por exemplo, e é destinada a atrações culturais e de lazer, como a antiga Esplanada Ferroviária, que hoje em parte abrange o Armazém Cultural, espaço com palco para shows, teatro e mostras culturais. Ainda segundo o Iphan, entre os imóveis que foram tombados estão casas de operários, funcionários intermediários e graduados, escritórios, oficinas, uma escola, uma caixa d’água e a estação, ferroviária.

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2. A CONSTRUÇÃO JORNALÍSTICA DA REALIDADE A chegada, em 1914, da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (NOB) ao então pequeno vilarejo de Campo Grande, que décadas mais tarde se tornaria capital de Mato Grosso do Sul, culminou, em termos históricos, em uma mudança substancial e concreta nas concepções de vida cotidiana e urbana para a população da época e para suas gerações subsequentes. Trata-se, em termos teóricos, de um traço visível da “realidade objetiva” (BERGER & LUCKMANN, 1974) que marcou a história da cidade a partir daquela nova tecnologia de transporte (a ferrovia) e de seus inúmeros aspectos correlatos (a alteração na relação espaço-tempo para os parâmetros da época, a movimentação intensa de pessoas, produtos e capital, a rápida alteração no traçado urbano campo-grandense, entre outros). Entretanto, as alterações que configuraram a “realidade objetiva” da cidade foram também acompanhadas por uma série de traços imateriais (ideias e simbologias) que acompanharam, no plano simbólico, o avanço dos trilhos. Adotando-se a concepção de Berger & Luckmann (1974), esses traços podem ser sintetizados como parte da “realidade subjetiva. O jornalismo, como instituição social de destaque na história recente do País e de Mato Grosso do Sul, não ficou aliado a este processo, pelo contrário. Seja no próprio período da chegada da estrada de ferro, mas, sobretudo, com o passar das décadas na constituição de uma narrativa histórica do processo, os meios de comunicação contribuíram para a sedimentação e para a difusão de símbolos e “slogans” voltados à compreensão histórica da importância do transporte ferroviário na capital sul-mato-grossense. A cobertura jornalística do centenário da NOB, que será foco do terceiro capítulo desta monografia, ajuda a elucidar esses traços constituintes da realidade subjetiva. Por ora, contudo, o presente capítulo visa discutir o próprio conceito de “construção social da realidade” (BERGER & LUCKMANN, 1974) a partir da interface com o jornalismo e de seu entendimento como instituição histórica que constrói e dissemina representações sociais (MOSCOVICI, 2003; TUCHMAN, 1980) a respeito dos aspectos concretos da realidade objetiva.

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2.1 O conceito de representações sociais O conceito de “representações sociais”, apresentado originalmente pelo sociólogo francês Émile Durkheim, foi recuperado pelo psicólogo social Serge Moscovici, com o objetivo de estudar o nascimento de um sentido comum compartilhado socialmente; ou seja, a partir do questionamento sobre como as “representações científicas” são transformadas em “representações comuns”. Para o psicólogo, também francês, o modo como um grupo organiza seu “funcionamento cognitivo” contribui para o nascimento de um sentido comum por meio de orientações para modelos simbólicos, imagens e valores específicos compartilhados. De acordo com Moscovici (2003, p.208), “as representações sociais têm como finalidade primeira e fundamental tornar a comunicação, dentro de um grupo, relativamente não-problemática e reduzir o “vago”, através de certo grau de consenso entre seus membros”. Segundo o autor, tudo aquilo que não é óbvio acaba por criar novas interpretações de sentido e coloca em cheque a busca por novas compreensões e expectativas acerca daquilo que é excêntrico:

Toda violação das regras existentes, um fenômeno, ou uma ideia extraordinários, tais como os produzidos pela ciência ou tecnologia, eventos anormais que perturbem o que pareça ser o curso normal e estável das coisas, tudo isso nos fascina, ao mesmo tempo em que nos alarma (MOSCOVICI, 2003, p.206-207).

Um dos pontos principais abordados por Serge Moscovici (2003) na obra clássica “Representações sociais: estudos em Psicologia Social” é a relação das representações sociais com a comunicação. Para o autor, as representações compartilhadas têm “seus elementos construídos através da comunicação”. Por ter como centro a comunicação e as representações oriundas desta, a teoria nada mais é, do que uma modalidade de “conhecimento prático” que dá sentido aos eventos que não são normais; isto é, um tipo de conhecimento que forja as evidências da realidade consensual e ajuda na “construção social da realidade” (BERGER & LUCKMANN, 1974). Em suma, Moscovici (2003) define a representação social como o processo pelo qual se estabelece a relação entre o mundo e as coisas.

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As representações sociais comuns são construídas para que seja possível se familiarizar com aquilo que é estranho, que leva à incompreensão ou à ambiguidade das ideias: “Elas [as representações sociais] são formadas através de influências recíprocas, através de negociações implícitas no curso das conversações, onde as pessoas se orientam para modelos simbólicos, imagens e valores compartilhados específicos” (MOSCOVICI, 2003, p.208). Em outros termos, trata-se daquilo que é adquirido com base em um senso comum que, por sua vez, contribui para interpretar similarmente os eventos compartilhados pela sociedade. A partir de uma compreensão aprofundada do conceito de “representações”, a teoria de Moscovici (2003) mostra amparada em exemplos concretos os valores que introduzem uma hierarquia e seus modelos de ação na sociedade. Em outros termos, “aqui [no terreno das representações sociais] como em qualquer lugar, fórmulas e clichês são associados a fim de evocar essa ‘teoria’, de distingui-la a partir de sua origem e de distingui-la de outras” (DUVEEN & LLOYD, 1990; PALMONARI, 1980 apud MOSCOVICI, 2003, p.210). Um dos casos mencionado por Moscovici (2003) como exemplificação diz respeito às pessoas que lotam consultórios médicos e discutem sobre seus níveis de gordura no sangue, dietas, pressão sanguínea, etc., sempre com referências às teorias médicas, o que faz com que os jornalistas, com o objetivo em manter uma integração com o público, “devorem” artigos sobre o assunto.

Nada é mais difícil que erradicar a falsa ideia de que as deduções ou explicações que nós extraímos do senso comum são arcaicas, esquemáticas e estereotipadas. Não se pode negar, certamente, que existem muitas teorias que foram tornadas rígidas. Mas, ao contrário do que se supõe, isso não se relaciona com a sua natureza coletiva ou ao fato de que elas são partilhadas por uma grande multidão de pessoas. Ao contrário, isso provém da flexibilidade do grupo e da rapidez da comunicação do conhecimento e das crenças no coração da sociedade” (MOSCOVICI, 2003, p.210).

Tomando como ponto de partida o tema de estudo desta monografia – notadamente, a cobertura jornalística dos cem anos da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil feita pela mídia campo-grandense – é possível observar a disseminação de alguns valores, tais quais as ideias de “progresso” e de “desenvolvimento”, vinculadas aos avanços dos trilhos pelo território sul-mato29


grossense, representações sociais comumente compartilhadas (ou seja, ideias respaldadas no “senso comum”) e carregadas como símbolos da estrada de ferro mesmo após um século de existência – aspecto que será analisado com profundidade no próximo capítulo do trabalho. Em termos analíticos, a autoafirmação feita por jornalistas e entrevistados reforça a natureza coletiva partilhada pela população de Campo Grande. Sobre tal processo de constituição histórica de representações sociais, Moscovici (2003), citando outros autores, frisa:

Parece que não conseguimos nos desfazer da impressão de que temos uma “enciclopédia” de tais ideias, metáforas e imagens que são interligadas entre si, de acordo com a necessidade dos núcleos, das crenças centrais (ABRIC, 1988; FLAMENT, 1989; EMLER & DICKINSON, 1985 apud MOSCOVICI, 2003, p.210).

Finalmente, segundo Moscovici (2003), as representações sociais podem ser compreendidas com ênfase na Psicologia Social por três aspectos: 1) possuem um aspecto impessoal, no sentido de pertencer a todos; 2) constituem representações de “outros” e são pertencentes a outras pessoas ou a outro grupo; e 3) consiste numa representação pessoal, percebida afetivamente como pertencente ao ego. Isso quer dizer que as representações sociais penetram na vida das pessoas e a partir disso, constituem parte da realidade. As distinções entre as ideias de “realidade objetiva” e de “realidade subjetiva”, todavia, ainda merecem ser detalhadas.

2.2 Estereótipos midiáticos e construção social da realidade A abordagem dos sociólogos Peter Berger e Thomas Luckmann em “A Construção Social da Realidade”, obra publicada originalmente em 1966 e que se tornou clássica no campo das ciências humanas e sociais, estrutura-se a partir de uma compreensão densa do conceito de “senso comum”, que engloba os fatos cotidianos vividos em sociedade. É nesta perspectiva que se consolidam as concepções de “realidade objetiva” e de “realidade subjetiva”, trabalhadas pelos autores. Argumentam Berger & Luckmann (1974, p.71): “o ser humano em desenvolvimento não somente se correlaciona com um ambiente natural particular,

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mas também com uma ordem cultural e social específica, que é mediatizada para ele pelos outros significados que o têm a seu cargo”. Com base nessa linha de pensamento, a manutenção de um “ambiente estável” e a garantia da “ordem social” passam, num horizonte teórico, pelo controle das instabilidades do organismo social a partir de suas diversas instituições. Para os autores, “é preciso empreender uma análise que resulta em uma teoria da institucionalização” (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.77). Em termos conceituais, o “hábito”, a “prática” e a “repetição cotidiana” podem fazer com que uma atividade humana se torne comum aos olhos da sociedade e passe a ser reproduzida no modo padrão. Um jornalista, por exemplo, ao saber como funciona a produção do lead (parágrafo inicial de uma matéria) e devido às inúmeras vezes em que utiliza tal prática na carreira, o fará, a partir de certo momento, de maneira rotinizada. No ponto de vista dos autores, “o hábito implica, além disso, que a ação em questão pode ser novamente executada no futuro da mesma maneira e com o mesmo esforço econômico” (BERGER E LUCKMANN, 1974, p.77). Ou seja, as ações habituais acabam por se tornar parte do dia a dia e são tomadas como “o processo correto” para tal situação ou fato. Mesmo que existam diferentes formas de resolver ou de lidar com determinada situação, o caminho padrão será o escolhido na maioria das vezes, o que reforça a questão da rotinização cotidiana estabelecida no senso comum. A “tipificação”, por sua vez, acontece a partir do momento em que o indivíduo entende o papel dos outros e, consequentemente, compreende também seu posicionamento desejado na sociedade. Cada papel social é uma tipificação das condutas objetivadas – ou, em outras palavras:

As instituições, também, pelo simples fato de existirem, controlam a conduta humana estabelecendo padrões previamente definidos de conduta, que a canalizam em uma direção por oposição às muitas outras direções que seriam teoricamente possíveis (BERGER &

LUCKMANN, 1974, p.80). Ainda segundo os autores, quando se compreende que um segmento da atividade humana é “institucionalizado”, significa que se aplica a ele uma modalidade

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de “controle social” e, por conseguinte, estabelece-se a criação de regras e de leis para o convívio social.

Um mundo institucional, por conseguinte, é experimentado como realidade objetiva. Tem uma história que antecede o nascimento do indivíduo e não é acessível à sua lembrança biográfica. Já existia antes de ter nascido e continuará a existir depois de morrer. Esta própria história, tal como a tradição das instituições existentes tem caráter de objetividade (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.86).

As instituições sociais, como instâncias constituintes da realidade objetiva, detêm o poder de influência perante os indivíduos que vivem em sociedade, representando, portanto, formas de efetivação do “controle social” (muitas vezes estabelecido com base em concepções subjetivas). Numa perspectiva histórica, sempre houve (e haverá) situações em que indivíduo e sociedade travam conflitos baseados na concordância ou não de preceitos socialmente disseminados. Faz-se relevante ressaltar que a “realidade social objetiva” é construída e moldada pela ação humana, a partir dessas instituições sociais – a exemplo da imprensa, foco deste trabalho –, que, por seu turno, são consolidadas e ratificadas pela própria sociedade.

A sociedade é um produto humano. A sociedade é uma realidade objetiva. O homem é um produto social. Torna-se desde já evidente que qualquer análise do mundo social que deixe de lado alguns desses três momentos será uma análise distorcida (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.88).

É de suma importância ressaltar também que as instituições sociais, como partes constituintes da “realidade objetiva”, desempenham o papel de firmar o que se entende por “tradição” – aspecto integrante da “realidade subjetiva” –, fazendo com que as novas gerações cresçam com explicações e definições prontas acerca do mundo social. De acordo com Berger & Luckmann (1974, p.89), “as instituições devem pretender, e de fato pretendem, ter autoridade sobre o indivíduo, independente das significações subjetivas que esse possa atribuir a qualquer situação particular”. Nesse sentido, durante o aprendizado e a socialização, bem como enquanto se adquire os parâmetros conhecidos como “senso crítico” (em

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paralelo com a concepção de “senso comum”), caberá a cada ator social interpretar e compreender o significado e como cada instituição tem influência na vida cotidiana. Apesar de apresentarem como característica o “controle social”, as instituições sociais, em termos históricos, tendem a permanecer coesas, mesmo contendo suas peculiaridades e seus interesses a grupos distintos da sociedade. Nesse cenário, se faz necessário destacar a diferenciação das instituições sociais, a exemplo das diferenças sociais, religiosas e culturais presentes na sociedade, uma vez que, nas palavras de Berger & Luckmann (1974, p.92), “as instituições são integradas, mas sua integração não é um imperativo funcional do processo social que as produz, e sim é antes realizado de maneira derivada”. Partindo da ideia das ações executadas por quem vive em sociedade,

os indivíduos executam ações separadas institucionalizadas no contexto de sua biografia. Esta biografia forma um todo sobre o qual é feita posteriormente uma reflexão na qual as ações discretas não são pensadas como acontecimentos isolados, mas como partes relacionadas de um universo subjetivamente dotado de sentido, cujos significados não são particulares ao indivíduo, mas socialmente articulados e compartilhados. Somente mediante este rodeio dos universos de significações socialmente compartilhados chegamos à necessidade da integração institucional (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.92).

Ou seja, cada ação, individual ou não, faz parte de um contexto social e a soma delas integra os acontecimentos da sociedade como um todo. Ainda assim, considerados o enraizamento profundo e a disseminação de determinados valores e normas sociais, muitas legitimações tornam-se difíceis até mesmo de serem identificadas. Um desses casos é o chamado conhecimento primário, situado por Berger & Luckmann no nível pré-teórico:

É a soma de tudo aquilo que todos sabem [...] No nível pré-teórico, toda instituição tem um corpo de conhecimento transmitido como receita, isto é, conhecimento que fornece as regras de conduta institucionalmente adequadas (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.93).

O conhecimento pré-teórico estabelece o tipo de conduta institucionalizada, ou seja, “define um corpo de verdades universalmente válidas sobre a realidade” (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.93), onde qualquer comportamento à margem 33


daquilo que é instituído na realidade social será definido como “desvio social”. Nesse contexto, os indivíduos aprendem o que é a realidade social e são induzidos a reproduzir esses conceitos sob pena de, caso contrário, serem considerados desviantes – depravados, doentes ou simplesmente ignorantes, dependendo das circunstâncias sociais. Existirão, assim, diferentes modalidades de “manuais de conduta” (subjetivos ou objetivados) nos quais os indivíduos serão induzidos a seguir – como a receita de um bolo, por exemplo, onde se estabelece que é preciso separar os ingredientes sólidos dos líquidos – e funcionarão como uma espécie de força canalizadora e controladora das ações, elemento indispensável na institucionalização social das condutas. Na prática, um corpo de conhecimento é transmitido por gerações e é “aprendido como verdade objetiva no curso da socialização, interiorizando-se assim, como realidade subjetiva” (BERGER E LUCKMANN, 1974, p.95) – com destaque, uma vez mais, para o papel do jornalismo compreendido como instituição social constituinte da “realidade objetiva” que constrói representações sociais constituintes da “realidade subjetiva”. Esta última, por sua vez, tem o poder simbólico de influenciar pontos de vista e modelos de pensamento dos indivíduos. A partir de experiências no dia a dia, os atores sociais absorvem normas, valores e tradições, que passam a ser retidas na consciência; ou seja, se consolidam na memória. A sedimentação de acontecimentos se dá por meio da linguagem, que fornece os meios para que novas experiências se objetivem. Segundo Berger & Luckmann (1974), o “depósito” dessas sedimentações se dá a partir da linguagem, sem a necessidade de reconstrução do processo original de formação. Ainda assim, “a tradição pode inventar uma origem completamente diferente, sem com isso ameaçar o que foi objetivado” (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.97). Em outros termos, a transmissão de significados – parte da realidade subjetiva – passa a ter influência nos procedimentos de controle e legitimação, que, de acordo com os autores, estão ligados às instituições sociais (integrantes da realidade objetiva). Para se entender melhor a origem dos universos simbólicos, há a concepção de “legitimação”, que contribui para o conhecimento de novos significados ligados aos processos institucionais. A legitimação social não auxilia apenas no conhecimento dos valores institucionais, mas também na interpretação deles. Além 34


de conhecer esses valores, é preciso ter conhecimento suficiente para identificar o que é “certo e errado” – ou socialmente aceito – na sociedade. Para Berger & Luckmann (1974, p.129), “a legitimação não apenas diz ao indivíduo por que deve realizar uma ação, diz-lhe também por que as coisas são o que são. Em outras palavras, o ‘conhecimento’ precede ‘valores’ na legitimação das instituições”. As instituições “definidoras da realidade”, por seu turno, apesar de representarem a realidade objetiva, carregam conceitos abstratos e é de suma importância insistir na compreensão desses ideais. Na perspectiva dos autores, “sendo a sociedade uma realidade ao mesmo tempo objetiva e subjetiva, qualquer adequada compreensão teórica relativa a ela deve abranger ambos estes aspectos” (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.173). Nesse horizonte teórico, por conseguinte, a sociedade precisa ser entendida a partir de um processo dialético composto por três momentos simultâneos: a “exteriorização”, a “objetivação” e a “interiorização”. A interiorização é o ponto inicial para a compreensão do sentido subjetivo da realidade social:

Em qualquer caso, na forma complexa da interiorização, não somente “compreendo” os processos subjetivos momentâneos do outro, mas “compreendo” os mundo em que vive e esse mundo torna-se o meu próprio. Isto pressupõe que ele e eu participamos do tempo de um modo que não é apenas efêmero e numa perspectiva ampla, que liga intersubjetivamente as sequências de situações. “Agora, cada um de nós não somente compreende as definições das situações partilhadas, mas somos capazes de defini-las reciprocamente” (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.174-175).

Para se tornar membro da sociedade, o indivíduo passa pelo processo de socialização primária, que acontece durante a infância. A partir dela, aprende-se os princípios-base para a inserção na vida social. Já a socialização secundária se dá a partir do momento em que se estabelece a identificação com a sociedade em que vive, conhece e participa de novos setores sociais.

As definições dadas por estes à situação dele apresentam-se como realidade objetiva. Desta maneira nasceu não somente em uma estrutura social objetiva, mas também em um mundo social objetivo. Os outros significados que estabelecem a mediação deste mundo para ele modificam o mundo no curso de mediação (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.175-176). 35


A partir da identidade que uma criança recebe, por exemplo, há a atribuição de diversos sentidos, entre eles o de identidade subjetiva: “a apropriação subjetiva da identidade e a apropriação subjetiva do mundo social são apenas aspectos diferentes do mesmo processo de interiorização, mediatizado pelos mesmos outros significativos” (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.178). A formação da consciência no ser humano contribui, dessa maneira, para o processo de interiorização. Nele, ocorre a implicação da sociedade como realidade objetiva já estabelecida e também o estabelecimento do conceito subjetivo do processo de interiorização.

A sociedade, a identidade e a realidade cristalizam subjetivamente no mesmo processo de interiorização. Esta cristalização ocorre juntamente com a interiorização da linguagem. De fato, por motivos evidentes à vista das precedentes observações sobre a linguagem, esta constitui o mais importante conteúdo e o mais importante instrumento da socialização (BERGER E LUCKMANN, 1974, p.179).

Realidade objetiva e realidade subjetiva, portanto, caminham juntas, tanto que uma se transforma na outra a partir da interpretação de sentidos. Para Berger & Luckmann (1974, p.179), “aquilo que é real fora corresponde ao que é real dentro”. Ou seja, utilizando o exemplo do tema proposto nesta monografia, a instituição Estrada de Ferro Noroeste do Brasil integra a “realidade objetiva”, pois é concreta e suas decorrências (mudança no modo de urbanização, influência na economia regional, etc.) são também verificadas de modo concreto na realidade social. Já os conceitos de “evolução”, “desenvolvimento” e “progresso” que permeiam sua história, fazem parte da “realidade subjetiva”, uma vez que constituem ideais abstratos que envolvem a chegada da ferrovia ao território que viria a ser Mato Grosso do Sul. Num horizonte teórico, de acordo com Berger & Luckmann (1974, p.179), “há sempre mais realidade objetiva ‘disponível’ do que a efetivamente interiorizada em qualquer consciência individual, simplesmente porque o conteúdo da socialização é determinado pela distribuição social do conhecimento”. É correto afirmar, nesse cenário, que o acesso à “realidade objetiva” será mais facilmente efetivado em comparação ao acesso à “realidade subjetiva”, devido aos acontecimentos que por algum interesse deixam de ser contados ou passados para as futuras gerações. Um 36


exemplo pertinente são as descobertas na história das civilizações, que acabam por modificar os livros de história. A socialização secundária, por sua vez, pode ser definida como a interiorização de “subdivisões” do mundo social. “Podemos dizer que a socialização secundária é a aquisição do conhecimento de funções específicas, funções direta ou indiretamente com raízes na divisão do trabalho” (BERGER E LUCKMANN, 1974, p.185). Essa segunda fase de socialização exige que o indivíduo crie interpretações e forme uma crítica acerca dos assuntos que permeiam as instituições. De acordo com os autores, a socialização secundária permite que o indivíduo construa uma nova realidade a partir do conhecimento que já adquiriu na socialização primária. Sejam quais forem os novos conceitos aprendidos, eles precisam se “sobrepor” a essa realidade presente. Uma das diferenças entre as duas vertentes da socialização reside no fato de que a primária envolve um alto grau de identificação e a secundária não necessariamente, pois trata a realidade de uma maneira natural a partir do conhecimento adquirido a partir da “vida adulta”.

A distribuição institucionalizada das tarefas entre a socialização primária e a secundária varia com a complexidade da distribuição social do conhecimento. Enquanto esta é relativamente pouco complicada o mesmo órgão institucional pode conduzir da socialização primária à secundária e executar esta última em considerável extensão (BERGER & LUCKMANN, 1974, p.195).

Conceitualmente, o processo de “conservação da realidade impede que todos os indivíduos participem das matrizes do processo de socialização. Isto é, em determinados momentos da história, certos pontos de vista se tornam hegemônicos e, com tal influência, disseminam procedimentos de conservação da realidade, impedindo modos alternativos de interiorização da realidade objetiva. Nas palavras de Berger & Luckmann (1974, p.196), “há também as definições de realidade competindo umas com as outras e mais diretamente ameaçadoras, que podem ser socialmente

encontradas”.

Encontram-se

ainda

diferentes

modalidades

de

“conservação da realidade”: a rotineira e a crítica. “A primeira destina-se a manter a realidade interiorizada na vida cotidiana, a última, a realidade em situações de crise. Ambas acarretam fundamentalmente os mesmos processos sociais” (BERGER & 37


LUCKMANN, 1974, p.198). A realidade cotidiana estabelece-se, assim, por meio das rotinas dos atores sociais e de suas relações interpessoais. Por fim, entende-se que a realidade subjetiva pode ser transformada cotidianamente, uma vez que o próprio convívio em sociedade já determina esse processo. Para Berger & Luckmann (1974, p.207), “estar em sociedade já acarreta um contínuo processo de modificação da realidade subjetiva. Falar a respeito da transformação implica, por conseguinte, a discussão dos diferentes graus de modificação”. Abre-se caminho, nesse contexto, para uma melhor compreensão do processo de interiorização de preceitos, valores e tradições estabelecidos pelo jornalismo, voltando-se às dinâmicas de construção social dos acontecimentos midiáticos. Tal perspectiva será essencial para a última etapa da pesquisa, na qual se voltará o olhar para as representações sociais estabelecidas na cobertura jornalística do centenário da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande.

2.3 A construção social do acontecimento jornalístico A relação entre o conceito de “construção social da realidade” (BERGER & LUCKMANN, 1974) e o jornalismo não é recente e tem sido objeto de reflexões na história dos estudos teóricos da atividade noticiosa. Uma das críticas que recai sobre a relação refere-se ao eventual superdimensionamento do papel da atividade jornalística na formatação da vida cotidiana. Nesse sentido, Eduardo Meditsch (2010, p.25) estabelece a crítica de que o jornalismo não pode ser observado como “ator único e nem mesmo o principal” por essa complexa dinâmica. Marcos Paulo da Silva (2013, p.138), ao abordar a concepção de “construção social da realidade” a partir do campo teórico jornalístico, reforça as críticas de Meditsch e pontua a influência da obra clássica de Gaye Tuchman (1980), “Making News: a study in the construction of reality”, no processo de supervalorização do jornalismo na interpretação da realidade social:

É pertinente a crítica de Eduardo Meditsch (2010) ao fato de que este livro de Gaye Tuchman possui uma significativa influência, ainda que indireta, na interpretação indiscriminada da concepção de “construção social da realidade” como decorrência direta da prática jornalística. O autor considera a hipótese de que muitos 38


pesquisadores brasileiros tiveram o primeiro contato com a obra de Tuchman por meio de uma tradução em língua espanhola do início da década de 1980 cujo título é “La producción de la noticia: estudio sobre la construcción de la realidade”. Segundo Meditsch (2010, p.21), “embora sutil, a alteração no subtítulo na tradução (de in the para sobre la) transforma o sentido da frase”. Prossegue o autor: “E se a autora adota uma postura ambígua no texto original sobre a relação entre a construção da notícia e a construção da realidade, na versão castelhana essa relação de onipotência passa a ser um pressuposto a partir do subtítulo”. A crítica recai ainda sobre o uso sobressaltado feito por Gaye Tuchman das reflexões de Peter Berger e Thomas Luckmann (1974). De acordo com Meditsch (2010, p.22-23), é importante destacar que no famoso livro publicado originalmente em 1966, Berger e Luckmann atribuem ao jornal uma influência “menor do que as rotinas cotidianas – através das quais o indivíduo se relaciona com as instituições que lhe afetam a vida – e também menos eficaz do que as relações pessoais”.

Mesmo considerando a pertinência da crítica, a obra de Tuchman (1980) se faz essencial para a compreensão do processo de “construção social do acontecimento jornalístico”, foco desta monografia. Assim, se por um lado reconhece-se como válida a ponderação de Eduardo Meditsch (2010) de que o jornalismo não promove por si só a “construção social da realidade”, faz-se também necessário admitir que o conteúdo oriundo dos veículos de mídia representa ele próprio um tipo de realidade culturalmente construída (TUCHMAN, 1980) – como será visto no próximo capítulo. Por destacarem interesses e preocupações presentes na vida cotidiana, as notícias ajudam a definir pressupostos sociais. Da mesma forma, modificam-se de acordo com os próprios acontecimentos cotidianos: “como explica Roshco, as notícias podem desempenhar um papel na mudança social” (TUCHMAN, 1980, p.183, tradução nossa). Para a autora norte-americana, independentemente dos rumos da sociedade, a produção jornalística acompanhará esse processo a partir da cobertura dos acontecimentos que afetam a vida social. Como “construções sociais”, no entanto, as notícias também apresentam-se como espaços simbólicos que conformam pontos de vista. Temas relacionados às minorias e “grupos sociais desviantes”, por exemplo, são diminuídos e “transformadas em soft news [...] ou, quando transportados como hard news, são descritos como pessoas que reuniram-se em lugares impróprios em momentos inapropriados para 39


fins inadequados (Molotch e Lester, 1975), como ameaças à estabilidade social”. (TUCHMAN, 1980, p.184, tradução nossa).

Ou seja, o jornalismo também é responsável por atribuir ou mascarar significados – de acordo com interesses – para os acontecimentos que permeiam a sociedade a partir da disseminação de elementos simbólicos que compõem a “realidade subjetiva” (BERGER & LUCKMANN, 1974). Contribui, assim, para a formação e consolidação de conceitos, que no caso de estudo desta monografia – a cobertura jornalística do centenário da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande (MS) – são reforçados pela mídia local com base na difusão irrefletida das ideias de “desenvolvimento” e de “progresso” do então sul de Mato Grosso. A partir da utilização de diversos significados, o jornalismo é capaz de definir, redefinir, constituir e reconstiuir fenômenos sociais. Para Berger e Luckmann (1974), as significações sociais moldam o comportamento do indivíduo, criando normas e procedimentos que justificam atos, que podem ter diversos significados. Mesmo com a superação nas Ciências Sociais do paradigma do “receptor passivo”, o leitor é muitas vezes levado a não duvidar dos fenômenos sociais, mas a aceitálos a partir da difusão de perspectivas a respeito dos acontecimentos noticiados. Isso é chamado por Alfred Schutz (1979 apud TUCHMANN, 1980) de “fenômeno natural”. Cada indivíduo associa significados a partir de um sentido coletivo, que passa a ser compartilhado socialmente.

Por exemplo, embora um leitor de jornal possa contestar a veracidade de uma notícia específica, ele ou ela não coloca em causa a própria existência da notícia como um fenômeno social. O leitor pode atacar a inclinação de uma história específica ou de um determinado jornal ou noticiário. (TUCHMAN, 1980, p.186, tradução nossa).

Constituindo-se um produto histórico-dialético, a sociedade deve ser enxergada como um campo de problemas e tensionamentos a serem pesquisados e resolvidos – questões que se estabelecem como foco da mídia. “A preocupação não é mais com o que é comunicado, mas sim com a maneira com que se comunica e com o significado que a comunicação tem para o ser humano” (ALEXANDRE, 2011, p.2). 40


Com influência detectada na formação da sociedade, a mídia passou a ser estudada a partir da década de 60 pelos campos da Sociologia e da Psicologia. No interior desse movimento, a questão da “ideologia midiática” acerca do poder de dominação dos veículos de informação foi relativizada. Os Meios de Comunicação de Massa (MCM), nesse cenário, passam a ser interpretados como essenciais para a produção da “coesão social”, pois lidam com a “produção, reprodução e disseminação de representações sociais”, auxiliando a compreensão de cada grupo sobre os aspectos multifacetados da sociedade:

A questão da ideologia enquanto instrumento do poder político é praticamente abandonada, e no seu lugar ficam reflexões sobre a influência das representações sociais (definidas como a reprodução de percepções ou do conteúdo dos pensamentos comuns a uma coletividade) na tendência de dissolução das sociedades no sentido sistêmico e mesmo institucional, onde os valores eram ditados pelas estruturas sociais. (ALEXANDRE, 2011, p.6).

Os efeitos da globalização da tecnologia para grupos minoritários colocam em xeque a necessidade dos estudos sobre como os enquadramentos sociais são gerados de modo unidirecional pelos meios de comunicação de massa. Por outro lado, para compreender a maneira como o pensamento do indivíduo se enraíza por meio das representações sociais, Alexandre (2011) se baseia em Spink (1993) e sugere os seguintes pressupostos:

1. Compreender o impacto que as correntes de pensamento, veiculadas na mídia têm nas representações sociais de grupos sociais diferentes; 2. Entender os processos constitutivos das representações sociais e a eficácia destas representações para o funcionamento social, isto é, entender por um lado o papel das representações sociais na orientação dos comportamentos e na comunicação e, por outro, entender a representação social como um sistema de recepção de novas informações sociais, através dos mass media; 3. Entender o papel das representações sociais nas mudanças sociais no que diz respeito à constituição de um pensamento social compartilhado, indivíduos e mídia.

Compreendida a partir do ponto de vista das representações sociais como um fenômeno influenciável de forma recíproca, a comunicação deve ser definida com base em seus vários elementos constitutivos: o emissor, a mensagem, o código e o 41


veículo (ALEXANDRE, 2011). Isto é, por esse olhar teórico, retira-se o peso demasiado (atribuído por outras correntes teóricas) ao polo da emissão: a comunicação não somente faz parte de um amplo processo que difunde a informação com rapidez para um incontável número pessoas, mas também deve encontrar respaldo na vida cotidiana. Alexandre (2011, p.9) define que é “impossível analisar, avançar, aproveitar as tecnologias e os recursos sem levar em conta sua ética, operacionalidade e seu benefício para com a coletividade”. Dessa maneira, por influenciar o comportamento social por meio de vertentes e processos que determinam mudanças ou continuidades, a comunicação, segundo Alexandre (2011), mesmo ao separar as categorias de emissor e receptor, permite com que ambas coexistam em condições semelhantes. As representações sociais aplicadas ao amplo processo de comunicação relacionam-se a todos esses fatores. Afinal, como argumenta Moscovici (2003), o tipo e a qualidade da informação propagada para a sociedade contribuem para a formação das representações sociais. Conclui-se que o conceito de “representação social da realidade”, diferentemente de outros utilizados em momentos distintos na história das Teorias da Comunicação, leva em conta em sua dinâmica práticas culturais e históricas da sociedade.

42


3. ANÁLISE: A CONSTRUÇÃO DO TEMA DA CHEGADA DA FERROVIA A CAMPO GRANDE PELA IMPRENSA LOCAL A chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil ajudou a promover a expansão da então “vila” de Campo Grande aos parâmetros de “cidade”. Dados históricos mostram que a opinião pública do início do século XX julgava o acontecimento como um marco na história da capital do atual Estado de Mato Grosso do Sul. As estradas de ferro eram consideradas um fenômeno tecnológico na época, sobretudo por facilitarem a locomoção de pessoas e o escoamento de produtos (a exemplo do café), o que constitui uma importante alteração na relação espaço versus tempo para os parâmetros daquele momento histórico. Nesse contexto, a cidade passou por transformações nos quesitos populacional, social e econômico, precisando se adaptar a um novo cenário. De um ponto de vista teórico, a ferrovia institucionalizou-se como parte integrante da “realidade objetiva” da vida cotidiana do município, contribuindo para a difusão de um novo conceito de vida urbana para os moradores da região. Nesse processo, porém, para além da transformação concreta do espaço urbano (novas construções, nova organização do espaço público, movimentação inédita de pessoas e produtos para a época, etc.), a Noroeste do Brasil passou também a carregar diversos elementos simbólicos (significados), sendo considerado fator essencial – talvez o principal – para o desenvolvimento e crescimento de Campo Grande. Em outras palavras, a ferrovia contribuiu para o processo de transformação – concreta e simbólica – da capital sul-mato-grossense. Para compreender e problematizar como o jornalismo contribui para a apropriação dos conceitos de “desenvolvimento” e “progresso” correspondentes à chegada da ferrovia à capital (a despeito de outras ideias silenciadas historicamente), será realizada neste capítulo uma análise qualitativa de matérias e reportagens produzidas pela imprensa campo-grandense, acerca da cobertura da efeméride (o centenário da chegada da Noroeste do Brasil na região, comemorado em 2014). A construção do recorte empírico abrange os principais veículos impressos e televisivos do Estado: os jornais impressos O Estado MS e Correio do Estado e as emissoras TV Morena (afiliada da Rede Globo), TV Guanandi (afiliada da Rede Bandeirantes) e TV MS Record (afiliada da Rede Record). A data oficial de 43


comemoração dos cem anos da Noroeste do Brasil ocorreu 14 em outubro de 2014, entretanto, os veículos de comunicação escolhidos abordaram o assunto no decorrer de cinco meses do ano (entre maio e outubro) e associaram o centenário a outras datas comemorativas para a produção do conteúdo jornalístico. Por isso, optou-se por uma análise qualitativa não-probabilística de representatividade social (LOPES, 2005, p.145).

3.1 Análise descritiva Com o objetivo de garantir a qualidade do recorte, foram selecionados 12 materiais veiculados nos meios de comunicação entre maio e outubro de 2014. As transcrições das matérias televisivas e a reprodução do conteúdo impresso podem ser consultados nos anexos do trabalho. 3.1.1 – O Estado MS Para produzir matérias que abordassem os cem anos da chegada da Ferrovia Noroeste do Brasil a Campo Grande, o jornal O Estado MS valeu-se como enfoque o aniversário de 37 anos da criação do Estado de Mato Grosso do Sul – celebrado no dia 11 de outubro de 2014. No total, foram encontradas quatro matérias e um editorial na mesma edição. A primeira delas (ver Anexo 1), publicada na página A6 da editoria de Economia, é assinada pela jornalista Paula Volpe Haddad, com a retranca

1

“Geração de riqueza” e título “Na linha do

desenvolvimento, nasceu MS”. O conteúdo da matéria recebe destaque, ocupando mais da metade da totalidade da página, e apresenta como tema central o desenvolvimento do Estado a partir da influência do agronegócio e seu vínculo com a ferrovia. Foram identificadas cinco fontes: quatro de natureza secundária e uma de natureza primária2. Os entrevistados selecionados como “fontes técnicas” (fontes secundárias) são o gestor técnico da Federação da Agricultura e Pecuária de MS 1

No vocabulário jornalístico, entende-se por “retranca” uma palavra ou expressão que identifique o texto. 2 Entende-se por “fonte primária” aquela que “fornece diretamente a essência de uma matéria, como fatos, versões e números, por estar próxima ou na origem da informação. Geralmente revela dados “em primeira mão”, que podem ser confrontados com depoimentos de fontes secundárias”. Por “fonte secundária”, entende-se aquela que “contextualiza, interpreta, analisa, comenta ou complementa a matéria jornalística, produzida a partir de uma fonte primária. Igualmente, é com quem o repórter repercute os desdobramentos de uma notícia (suíte). Também consultada no planejamento de uma pauta” (SCHMITZ, 2011, p.24).

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(Famasul), Lucas Galvan; a historiadora Madalena Greco; o ex-secretário da Associação Comercial e Industrial de Campo Grande (ACICG), Roberto Oshiro; e o presidente da Câmara de Dirigentes Lojistas (CDL) da Capital, Ricardo Kuninari. A única fonte primária, tratada jornalisticamente como personagem da matéria, é a empresária Luiza Mitico, proprietária de uma das boutiques mais antigas da cidade e descendente de japoneses que imigraram para Campo Grande a partir da chegada da ferrovia. Três imagens são utilizadas na matéria: uma fotografia da historiadora Madalena Greco e outra da empresária Luiza Mitico, ambas com créditos para os fotógrafos Leonardo de França e Cleber Gellio, respectivamente. A terceira imagem consiste em um mapa com detalhamento das construções ferroviárias existentes em Mato Grosso do Sul – que, segundo o que consta na legenda, foi divulgada pelo Deputado Federal Geraldo Rezende. Em suma, o conteúdo da matéria aborda a histórica questão de insatisfação da elite da região Sul de Mato Grosso, interessada no processo de separação e criação de um novo estado, e retrata também a dinâmica de fixação da colônia japonesa e sua importância para o desenvolvimento da atual Capital de Mato Grosso do Sul. Figura 7. Matéria 01 - Jornal O Estado MS3

(Fonte: Página A6 do caderno Economia do Jornal O Estado MS. Edição de 11 de out/2014)

3

As figuras 7, 8, 9, 10, 11 e 12 possuem finalidade ilustrativa para a visualização da disposição do conteúdo nas páginas dos jornais impressos. Para leitura detalhada do conteúdo, consultar os Anexos 1 e 2.

45


Os outros três materiais divulgados pelo jornal O Estado MS foram condensados na página B5 da editoria de Cidades (ver Anexo 1), apresentando como retranca a palavra “Aniversário” e assinado pelo repórter Rodolfo César. No topo da página, localiza-se a imagem e o destaque da fala de um dos entrevistados. Trata-se do ex-ferroviário Ramão Remicio, que relata como reagiu após a interrupção do funcionamento da Noroeste do Brasil em Campo Grande. A primeira das matérias, com título “Chegada da ferrovia culminou na criação de Mato Grosso do Sul”, ocupa a parte central da página, com quatro colunas igualmente divididas e uma imagem do galpão de manutenção dos trens, creditada para o fotógrafo Leonardo de França. Os ex-ferroviários Joaquim Nazaré e Ramão Remicio são as fontes primárias da matéria e a professora e doutora em História, Alisolete Antônio dos Santos Weigartner, é consultada para falar do processo de instalação da estrada de ferro no então Mato Grosso. A matéria reforça a importância que a população atribui à ferrovia ainda nos dias atuais, identificando-a como símbolo no processo de crescimento não somente da Capital, mas de todo o estado de Mato Grosso do Sul. Figura 8. Matéria 02 – Jornal O Estado MS

(Fonte: Página B5 do caderno Cidades do Jornal O Estado MS. Edição de 11 de out/2014)

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A matéria seguinte, organizada em quatro colunas, apresenta pessoas que ainda vivem na chamada Vila dos Ferroviários, criada para abrigar as famílias dos trabalhadores da Noroeste do Brasil na época de implantação da ferrovia. Com o título “Na vila, ainda há poucas famílias de ferroviários”, a matéria apresenta o destaque de uma única imagem, creditada ao fotógrafo Marcelo Victor, retratando uma antiga rua de paralelepípedos da região central do município. Os exferroviários Joaquim Nazaré e Ramão Remicio são fonte novamente e relatam, a partir das experiências vividas no local, o êxodo de mais da metade das famílias de trabalhadores do bairro. O texto ainda aborda o argumento de que a retirada dos trilhos, em 2001, foi ocasionada pelo alto número de acidentes na região. Figura 9. Matéria 03 – Jornal O Estado MS

(Fonte: Página B5 do caderno Cidades do Jornal O Estado MS. Edição de 11 de out/2014)

Finalmente, a quarta matéria da edição de 11 de outubro de 2014 do jornal O Estado MS, distribuída em quatro colunas e localizada na parte inferior da página B5, possui como tema a mudança na natureza do transporte da Noroeste do Brasil após a criação do Estado de Mato Grosso do Sul. O título “Depois da criação do Estado, foco do transporte mudou”, o texto faz alusão ao processo de implantação das rodovias no Brasil. A matéria não possui imagens e retoma a entrevista com a professora e doutora em História, Alisolete Antônio dos Santos Weigartner. A 47


pesquisadora, identificada como fonte secundária, apresenta argumentos sobre o processo de diminuição da influência cultural da ferrovia na população campograndense ao longo do século XX, exemplificando a questão com a perda do hábito de leitura o jornal francês Le Monde, que chegava ao Estado por meio dos trilhos. Figura 10. Matéria 04 – Jornal O Estado MS

(Fonte: Página B5 do caderno Cidades do Jornal O Estado MS. Edição de 11 de out/2014)

Já o editorial, veiculado na mesma edição, localizado na seção Opinião (página A2) e intitulado “Pelos Trilhos” (ver Anexo 1), aborda dois fortes aspectos culturais para a construção da história de Mato Grosso do Sul: a chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil e a imigração em massa de japoneses e outros povos de diversas regiões do Brasil. O texto, caracterizado como gênero opinativo, ressalta o conceito de desenvolvimento do Estado a partir da instalação dos trilhos. O conteúdo também menciona que parte das matérias da edição foi produzida em homenagem ao aniversário de 37 anos de Mato Grosso do Sul e ao centenário da ferrovia. Figura 11. Editorial – Jornal O Estado MS

(Fonte: Página A1 da editoria Opinião do Jornal O Estado MS. Edição de 11 de out/2014)

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3.1.2 – Correio do Estado A única matéria a respeito da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande identificada no jornal Correio do Estado no período que compõe o corpus da pesquisa foi veiculada na edição de 9 de maio de 2014 na parte esquerda inferior da página 5 do caderno Correio B, dedicados a assuntos culturais (ver Anexo 2). Trata-se de uma nota intitulada “Centenário da Ferrovia é comemorado com palestras”, sobre o evento que marcara início das comemorações do centenário da Noroeste do Brasil em Campo Grande. Dividido em três colunas, o conteúdo aborda a realização do ciclo de palestras e ressalta sucintamente os aspectos positivos da chegada dos trilhos, reforçando a ideia de vínculo entre o acontecimento histórico e a expansão da cidade. O entrevistado e fonte secundária é o historiador da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), Paulo Roberto Cimó Queiroz, que desenvolveu estudo sobre os impactos da chegada da estrada de ferro a Mato Grosso do Sul. A imagem utilizada para ilustrar o conteúdo é assinada pelo repórter fotográfico Gerson Oliveira e retrata a Esplanada Ferroviária de Campo Grande, na Avenida Calógeras, região central da Capital. Na nota não é identificado o jornalista responsável, o que remete à possibilidade de ter sido uma sugestão de pauta da assessoria de imprensa do evento.

Figura 12. Matéria Correio do Estado

(Fonte: Página 5 do caderno Cultura do Jornal Correio do Estado. Edição de 9 de mai/2014)

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3.1.3 – TV Morena Foram selecionadas quatro reportagens televisivas da emissora TV Morena (afiliada da Rede Globo), todas integrantes da série especial “Cem Anos” ¹, exibida entre os dias 14 e 17 de agosto de 2014, em diálogo com a cobertura das comemorações do Centenário da Imigração Japonesa na cidade (ver Anexo 3). Com mais de dez minutos de duração, as reportagens buscam recuperar aspectos da história de Mato Grosso do Sul com base nos dois fenômenos: a instalação dos trilhos ferroviários e a imigração japonesa. Figura 13. Abertura série especial “Cem Anos”

(Fonte: Vinheta de abertura da série especial “Cem Anos”, produzida e veiculada pela TV Morena entre os dias 14 e 17 de ago/204)

A primeira reportagem, produzida pelo repórter Alysson Maruyama, retrata a chegada dos japoneses a partir da oportunidade em trabalhar no projeto de construção da estrada de ferro, que integraria o interior do Brasil às regiões mais desenvolvidas, e a esperança dos imigrantes por uma vida melhor na promissora vila de Campo Grande, no interior do então Estado de Mato Grosso. A reportagem possui duração de 13 minutos e 8 segundos e conta com 16 trechos na modalidade

__________________________ ¹ Link da série especial “Cem Anos”: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2014/08/serieespecial-mostra-saga-dos-imigrantes-japoneses-em-ms.html

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“OFF” (termo técnico para as narrações em áudio gravadas pelo repórter e “cobertas” por imagens), 16 trechos na modalidade “sobe som” (termo técnico do) script televisivo que indica o momento de inserção da trilha sonora da reportagem), um trecho na modalidade “passagem” (termo técnico para o momento em que o repórter aparece na reportagem em gravação geralmente realizada no local da notícia e com informações adicionais), um trecho na modalidade “chamada” (termo técnico utilizado para o momento em que o apresentador do telejornal entra no ar para informar as matérias), um trecho na modalidade “nota retorno” (termo técnico para os comentários finais realizados pelos apresentadores) e 5 entrevistas. As fontes primárias ouvidas foram o pescador Sérgio Gomes Matos, o aposentado Jorge Katurche e o ex-agente de Estação da Noroeste do Brasil, Hildebrando Ibañes de Castro. Os historiadores Celgo Higa e Paulo Cimó Queiroz são as fontes secundárias da matéria. Figura 14. Reportagem 01 – TV Morena

(Fonte: Primeira reportagem da série especial “Cem Anos”, da TV Morena, veiculada em 14 de ago/2014)

A segunda reportagem da série especial da TV Morena, também produzida pelo jornalista Alysson Maruyama, aborda a instalação dos japoneses recémchegados à região e a procura por postos de trabalho na construção da Noroeste do Brasil no trecho mato-grossense na época. Totalizando 13 minutos e 44 segundos, a reportagem apresenta 14 trechos na modalidade “OFF”, 10 trechos na modalidade “sobe som”, um trecho na modalidade “chamada”, um trecho na modalidade “nota 51


retorno”, dois trechos na modalidade “passagem” e 9 entrevistas. A reportagem apresenta oito fontes primárias: os irmãos e descendentes de japoneses, Nilo Nacao, Geni Nacao Ishikawa e Eugênio Gonsiro Nacao; o médico e também descendente de japoneses, Eurico Higa; Newton Higa (não identificado); a diretora da Escola Visconde de Cairu, fundada em 1918 pelos imigrantes de japoneses, Joelma Maria do Nascimento; o estudante e descendente de japoneses, Eric Yuji; o engenheiro, advogado e também descendente de japoneses, Jorge Tamashiro; e a neta de um imigrante, Marta Miyahira. Figura 15. Reportagem 02 – TV Morena

(Fonte: Segunda reportagem da série especial “Cem Anos”, da TV Morena, veiculada no dia 15 de ago/2014)

O tombamento pela União de boa parte do Complexo Ferroviário de Campo Grande, em 2009, é o tema da terceira reportagem da série. Com 15 minutos e 49 segundos de duração, o conteúdo produzido pelo repórter Bruno Grubertt, detalha o complexo e mostra quais construções mantêm viva a memória da ferrovia na Capital. Foram identificados 17 trechos na modalidade “OFF”, 20 trechos na modalidade “sobe som”, dois trechos na modalidade “passagem”, um trecho na modalidade “chamada”, um trecho na modalidade “nota retorno” e 11 entrevistas. Considera-se como fontes secundárias presentes na reportagem o historiador Paulo Cimó Queiroz (segunda inserção na série); a arquiteta Tathyane Sangalli; o chefe da divisão técnica e a superintendente do Instituto do Patrimônio Histórico e 52


Artístico Nacional (Iphan), João Santos e Norma Daris Ribeiro; o gerente de operações da empresa América Latina Logística (ALL), atual mantenedora do complexo ferroviário, Vinícius Beijamini; e a professora Silvia Cesco, filha do ex chefe de estação, Sylvio Cesco, homenageado em um do viadutos da Capital. Como fontes primárias, identifica-se na matéria os aposentados Roberto Teixeira (ex-maquinista), Terezinha Maria Matos e Carlos Veloso Machado. Há ainda outras duas fontes que não são devidamente identificadas. Figura 16. Reportagem 03 – TV Morena

(Fonte: Terceira reportagem da série especial “Cem Anos”, da TV Morena, veiculada no dia 16 de ago/2014)

A quarta reportagem da série “Cem Anos” coloca o tema da chegada da ferrovia à região de Campo Grande em segundo plano para enfatizar a influência da cultura japonesa em Mato Grosso do Sul. O repórter responsável é novamente Bruno Grubertt e a reportagem conta com 16 minutos e 56 segundos, com 20 trechos na modalidade “OFF”, 20 trechos na modalidade “sobe som”, três trechos na modalidade “passagem”, um trecho na modalidade “chamada”, um trecho na modalidade “nota retorno” e 18 entrevistas. As fontes primárias utilizadas foram o feirante Takeshi Katsuren; os empresários Cristina Katsuren, Dirce Kimie e Fred Guenka; a aposentada Amélia Tomoyoshi; o produtor rural Eder Aguena; a dona de casa Emília Aguena; o filho de japoneses Hiroaki Uezato; as artesãs Clarice Yoko, Myoshi e Teruko; a administradora Mércia Yamamoto; o músico Élcio Shimabuco; o poeta Tsuneyoshi Sassai; As fontes secundárias são o diretor da cooperativa 53


agrícola de japoneses, Carlos Martelli, e o presidente da Associação Okinawa de Campo Grande (associação de famílias japonesas imigrantes), Nilton Shirado. Uma vez mais, há dois personagens que não são identificados. 3.1.4 – TV Guanandi A TV Guanandi (afiliada da Rede Bandeirantes) produziu no dia 14 de maio de 2014 (ver Anexo 4) uma matéria¹ sobre o centenário da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande. Trata-se da pré-cobertura da exposição “Trilhos da Memória”, realizada pelo Museu da Imagem e do Som (MIS), que integrou a programação da 12ª Semana Nacional do Museu, realizada no mês de maio de 2014 na Capital sul-mato-grossense. São 2 minutos e 34 segundos de conteúdo produzidos pelo repórter Euclides Fernandes, identificando-se quatro trechos na modalidade “OFF”, um trecho na modalidade “passagem” e três entrevistas. A matéria apresenta três fontes secundárias, isto é, pessoas procuradas pela emissora para fornecer informações de natureza técnica: o historiador Carlos Versoza, a coordenadora da Biblioteca Estadual Isaias Paim, Juciene da Rocha; e o coordenador do MIS, Rodolfo Ikeda.

Figura 17. Matéria TV Guanandi

(Fonte: Matéria produzida e veiculada pela TV Guanandi em mai/2014) ________________________ ¹ Link da cobertura da TV Guanandi: https://www.youtube.com/watch?v=mWChSn5eHFc

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3.1.5 – TV MS Record A última matéria¹ que integra esta análise descritiva foi divulgada pela TV MS Record (afiliada da Rede Record) no dia 27 de agosto de 2014 (Ver Anexo 5). O enfoque da matéria volta-se a três datas comemorativas: além da celebração na cidade pelo centenário da chegada da Ferrovia Noroeste do Brasil, destaca-se o aniversário de 115 anos de Campo Grande e os cem anos da imigração japonesa na região. A responsável pelo conteúdo é a repórter Jacklin Andreucce. A matéria possui duração de 6 minutos e 4 segundos a partir de oito trechos na modalidade “OFF”, um trecho na modalidade “passagem”, três trechos na modalidade “sobe som” e cinco entrevistas. São fontes primárias identificadas: o aposentado Tyuske Oshiro; o engenheiro eletricista Celso Higa; as estudantes Isabele Shimabukuru e Ana Carolina de Campos; e o funcionário público Inilton Oshiro, todos descendentes de japoneses.

Figura 18. Matéria TV MS Record

(Fonte: Matéria veiculada pela TV MS Record em ago/2014)

________________ ¹ Link da cobertura da TV MS Record: https://www.youtube.com/watch?v=0bySQ2cvmak

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O quadro a seguir sistematiza a análise descritiva dos materiais jornalísticos que compõem o corpus da pesquisa: Quadro 1 – Análise descritiva das matérias VEÍCULO

TÍTULO

O Estado MS

Na linha do desenvolvim ento, nasceu MS

O Estado MS

Chegada da ferrovia culminou na criação de Mato Grosso do Sul

O Estado MS

O Estado MS

O Estado MS

Correio do Estado

TV Morena

TV Morena

Na vila, ainda há poucas famílias de ferroviários Depois da criação do Estado, foco do transporte mudou

Pelos Trilhos Centenário da Ferrovia é comemorado com palestras Reportagem 01 Série especial “Cem Anos”

Reportagem 02 Série especial “Cem Anos”

PÁGINA/ TELEJORNAL

ESPAÇO FÍSICO/ DURAÇÃO

FONTES

11 de outubro de 2014

A6 Economia

30cm X 22cm 2 660cm

Lucas Galvan, gestor técnico da Famasul; Madalena Greco, historiadora; Roberto Oshiro, exsecretário da ACICG; Ricardo Kuninari, presidente da CDL; Luiza Mitico, empresária.

11 de outubro de 2014

B5 Cidades

25,6cm X 19,6cm 2 501,7cm

Joaquim Nazaré, ex-ferroviário; Ramão Remicio, ex-ferroviário; Alisolete Weigartner, professora de História.

11 de outubro de 2014

B5 Cidades

15,11cm X 19,6cm 2 297,6cm

Joaquim Nazaré, ex-ferroviário; Ramão Remicio, ex-ferroviário.

DATA

11 de outubro de 2014

B5 Cidades

4,9cm X 19,6cm 2 96cm

11 de outubro de 2014

A2 Opinião

13cm X 17cm 2 221cm

9 de maio de 2014

5 Cultura

14 de outubro de 2014

15 de outubro de 2014

MSTV 1ª Edição

MSTV 1ª Edição

14,6cm X 10,1cm 2 148,8cm 13’08”

13’44”

Alisolete Weigartner, professora de História.

Não constam entrevistas.

Paulo Queiroz, historiador.

Sérgio Gomes Matos, pescador; Jorge Katurche, aposentado; Hildebrando de Castro, ex- agente de Estação da NOB; Celso Higa, historiador; Paulo Queiroz, historiador. Nilo Nacao, Geni Nacao Ishikawa e Eugênio Nacao, descendentes de japoneses; Eurico Higa, médico e descendente de japoneses; Newton Higa (não identificado); Joelma do Nascimento, diretora da Escola Visconde de Cairu; Eric Yuji, estudante; Jorge Tamashiro, engenheiro, advogado e descendente de japoneses; Marta Miyahira, neta de um imigrante.

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TV Morena

TV Morena

TV Guanandi

TV MS Record

Reportagem 03 Série especial “Cem Anos”

Reportagem 04 Série especial “Cem Anos”

16 de outubro de 2014

MSTV 1ª Edição

15’49”

17 de outubro de 2014

MSTV 1ª Edição

16’56”

Paulo Queiroz, historiador; Tathyane Sangalli, arquiteta; João Santos, chefe da divisão técnica do Iphan; Norma Ribeiro, superintendente do Iphan; Vinícius Beijamini, gerente de operações da ALL; Silvia Cesco, professora; Roberto Teixeira maquinista aposentado; Terezinha Maria Matos e Carlos Veloso Machado, aposentados. Há duas fontes que não identificadas. Takeshi Katsuren, feirante; Cristina Katsuren, Dirce Kimie e Fred Guenka, empresários; Amélia Tomoyoshi, aposentada; Eder Aguena, produtor rural; Emília Aguena, dona de casa; Hiroaki Uezato, filho de japoneses; Clarice Yoko, Myoshi e Teruko, artesãs; Mércia Yamamoto, administradora; Élcio Shimabuco, músico; Tsuneyoshi Sassai, poeta. Carlos Martelli, diretor da cooperativa agrícola de japoneses; Nilton Shirado; presidente da Associação Okinawa. Há dois personagens não identificados.

MIS expõe mostra dos Carlos Versoza, historiador; Juciene cem anos da 14 de SBT MS 1ª 2’34” da Rocha, coordenadora da Ferrovia maio de Edição Biblioteca Estadual Isaias Paim; Noroeste do 2014 Rodolfo Ikeda, coordenador do MIS. Brasil Cem anos de estrada Tyuske Oshiro; aposentado; Celso férrea 27 de Jornal MS Higa, engenheiro eletricista; Isabele coincidem agosto Record 6’04” Shimabukuru e Ana Carolina de com de 2014 Campos, estudantes; Inilton Oshiro, imigração funcionário público. japonesa (Fonte: Quadro elaborado pela autora para as finalidades do trabalho)

Realizada a análise descritiva, inicia-se o processo de detalhamento do tema central e das fontes de cada matéria.

3.2 Análise temática e contextual A análise temática do recorte empírico acima descrito revela o prevalecimento de três temas centrais na cobertura jornalística do centenário da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande: 1) o vínculo com outras datas comemorativas, como o centenário da imigração japonesa na cidade e os 57


aniversários de Campo Grande e de Mato Grosso do Sul; 2) o crescimento econômico, populacional e urbano ligado à implantação do transporte ferroviário na região; e 3) o cenário pós-ferrovia. De modo específico, o jornal O Estado MS trabalha editorialmente as matérias sobre a ferrovia de forma a vinculá-las à cobertura do aniversário de 37 anos da emancipação do Estado de Mato Grosso do Sul, celebrado em 11 de outubro, destacando a data pela proximidade do centenário da Noroeste do Brasil, comemorado no dia 14 do mesmo mês. A aproximação dos dois temas resulta na criação de um selo que faz alusão à proposta do veículo apresentada em Editorial, na edição de 11 de outubro de 2014. O texto, no gênero opinativo, apresenta e fornece detalhes da edição, destacando os temas propostos nas matérias comemorativas – a exemplo do crescimento urbano e do desenvolvimento econômico da cidade a partir do trabalho dos imigrantes japoneses. O editorial reforça o romantismo presente no discurso em torno da chegada da ferrovia à região e enfatiza a presença da Noroeste do Brasil no território sul-mato-grossense como sinônimo de desenvolvimento. A primeira matéria estudada na edição do jornal O Estado MS localiza-se não casualmente na editoria Economia e alinha o desenvolvimento econômico do Estado a dois fatores: o agronegócio e a instalação da ferrovia. De acordo com os argumentos presentes na matéria, Mato Grosso do Sul já “possuía grande vocação para a pecuária no início do século XX” e, com a ajuda da Noroeste do Brasil, avançou em outros setores da economia rural, como o plantio de eucalipto (que abastecia os vagões da estrada de ferro), o cultivo de erva-mate, além de hortaliças, arroz, feijão e milho. A matéria destaca que o pilar da economia do sul-matogrossense obteve maior relevância e representatividade a partir da instalação dos trilhos, responsável pelo transporte do que era produzido no Estado. Além disso, o texto faz referência à vontade da elite local de viabilizar, no decorrer do século XX, o desmembramento da porção sul de Mato Grosso, apresentando como argumento o fato de a região ter se tornado independente economicamente do Norte de Mato Grosso. A repórter Renata Volpe Haddad utiliza duas fontes secundárias para ressaltar sua afirmação: o gestor da Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul, que coloca o agronegócio como pilar da economia do Estado, e uma historiadora, que descreve o contexto histórico da época e destaca a clara intenção 58


da elite local em criar um novo Estado. Na segunda parte da matéria, a jornalista entrevista a proprietária de uma das boutiques mais antigas da cidade, Luiza Matsurita, que é também descendente de japoneses. A empresária relata que a família, assim como outras, veio para a região sul de Mato Grosso para trabalhar na ferrovia e em seguida investiu no comércio como fonte de renda. O texto é finalizado com o argumento de representantes das associações comerciais de Campo Grande sobre a importância da atuação dos imigrantes japoneses no processo de expansão da cidade. Já na editoria Cidades, na qual foram destinadas três matérias sobre o tema, o primeiro destaque aborda a influência da ferrovia Noroeste do Brasil no processo de separação da porção Sul de Mato Grosso que, no final da década de 70, se tornaria o Estado de Mato Grosso do Sul. Logo no primeiro parágrafo, o repórter Rodolfo César enfatiza a vinculação entre os dois acontecimentos e sublinha o argumento de que ambos se “misturam”, ressaltando o enfoque da jornalista Renata Volpe Haddad na matéria anterior: a contribuição dos trilhos para “consolidar a riqueza da então região Sul do Estado de Mato Grosso”. Como forma de destaque do papel social da ferrovia, são mencionados dados estatísticos: mais de 4 mil pessoas foram empregadas pela Noroeste do Brasil em 1970 e um em cada 5 moradores de Campo Grande era familiar de algum trabalhador da NOB na época. Do ponto de vista discursivo, como forma de ratificar os números apresentados, o jornalista entrevista um ex-ferroviário (fonte primária) que afirma ter tido pai, mãe, irmãos e primos com carreira profissional na malha ferroviária. No segundo momento da matéria, o destaque fica para o argumento da “ferrovia como símbolo de crescimento do Estado”, conforme afirmação de uma fonte secundária: a professora e doutora em História, Alisolete dos Santos Weingartner. O ex-ferroviário Ramão Remicio, que trabalhou 35 de seus 71 anos na Noroeste do Brasil, destaca a circulação de pessoas e de mercadorias na época, principalmente em direção a Corumbá. Na matéria subsequente, o repórter Rodolfo César utiliza o contexto histórico para narrar o atual cenário da Vila dos Ferroviários, região que uma centena de anos depois ainda abriga famílias dos ex-trabalhadores da Noroeste do Brasil. A argumentação da matéria volta-se à descrição sobre a diminuição da intensidade do transporte ferroviário a partir da década de 1950. O texto relata dois processos 59


interligados: o êxodo gradativo de ex-trabalhadores da vila e a substituição no perfil dos moradores por pessoas que não possuem ligação com a ferrovia. O argumento é reforçado pelo ponto de vista de uma fonte primária, o ferroviário aposentado Joaquim Nazaré. A questão do abandono da outrora próspera região no entorno do Complexo Ferroviário de Campo Grande segue em pauta na última matéria produzida pelo jornal O Estado MS sobre o centenário da Noroeste do Brasil. Aprofunda-se um enfoque mencionado na matéria anterior: após 1950, com o incentivo do Governo Federal para a implantação das rodovias no País e com o fomento do setor automobilístico para a compra de veículos, as estradas de ferro passam para um segundo plano. O próprio título da matéria ressalta o assunto: “O foco no transporte mudou”. O argumento é apresentado a partir da explicação de uma fonte secundária: a historiadora Alisolete Weingartner (novamente), que cita como curiosidade o fato de o prestigiado jornal francês Le Monde ter feito parte do hábito de leitura de uma parcela da população campo-grandense em meados do século XX devido ao acesso permitido pela Noroeste do Brasil. O veículo Correio do Estado destaca, nas próprias palavras de uma de suas fontes, “os efeitos positivos da chegada da ferrovia” a Campo Grande e anuncia a abertura dos eventos comemorativos do centenário da Noroeste do Brasil na cidade. O enfoque é episódico, voltado exclusivamente à cobertura de uma mostra organizada pelo Museu da Imagem e do Som (MIS). A afirmação mencionada é do historiador Paulo Roberto Cimó Queiroz, um dos palestrantes do evento. Como fonte de natureza secundária, o pesquisador afirma que não é possível comparar o significado da estrada de ferro para o interior de São Paulo com o significado para Mato Grosso do Sul, ressaltando que o desenvolvimento se concentrou apenas em Campo Grande e em Bauru (SP), onde ouve o crescimento do comércio. A matéria detalha ainda a programação da comemoração do centenário, que contou também com exposições na área literária e audiovisual. Numa perspectiva temática, a TV Morena abre a série especial “Cem Anos” com uma reportagem que vincula a história da imigração japonesa e a instalação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil em Campo Grande. Em cada cena, ambos os assuntos são alinhados. Na chamada, o apresentador do telejornal destaca o desbravamento das terras sul-mato-grossenses por parte dos imigrantes asiáticos. O 60


repórter Alysson Maruyama salienta que “chegaram a Campo Grande pelo caminho que eles mesmos ajudaram a construir”. A narração relata parte do processo de construção da linha férrea, assunto descrito no primeiro capítulo desta monografia. De acordo com a narração do repórter, muitos trabalhadores, durante o processo de construção da linha férrea, terem passado por difíceis condições, como a necessidade de enfrentar as cheias do Pantanal e a escassez de alimentos. A equipe de reportagem viajou até Porto Esperança em época de cheia no Pantanal e verificou as construções ferroviárias “em ruínas”. No percurso de retorno, percorreram o caminho da estrada de ferro até Campo Grande, onde em 1914, com a finalização das obras, a estação viabilizou a ligação entre os municípios de Bauru (SP) e Corumbá (então MT). A segunda reportagem da série é iniciada com o diálogo de três descendentes de japoneses que relembram os “bons tempos” da Noroeste do Brasil. A família Nacao, entrevistada na primeira etapa da matéria como fonte primária, relata que o patriarca foi proprietário de uma das primeiras fazendas de café de Campo Grande e pioneiro na exportação do grão. Em um segundo momento, o médico Eurico Higa, outra fonte primária, apresenta rememorações a respeito das dificuldades iniciais dos imigrantes que precisavam “percorrer o percurso da NOB a pé e se esconder durante a noite”. Enfatiza-se o argumento de que somente após o término da construção da ferrovia os japoneses se fixaram em terras campograndenses, dando início a um novo processo de expansão econômica da cidade. A terceira matéria da série mostra como foi conservado o patrimônio deixado pela Noroeste do Brasil, mesmo após ter sido desativada. Na chamada da matéria é salientado que o Complexo Ferroviário conta atualmente com “22 hectares e 135 imóveis, entre eles a Estação Central, a Vila dos Ferroviários, escritórios e oficinas”. O repórter Bruno Grubertt destaca “o nascimento de Campo Grande a partir da instalação dos trilhos”. Como fonte secundária, o historiador Paulo Cimó Queiroz afirma que os efeitos do crescimento urbano e rural se concentram em maioria na atual Capital de Mato Grosso do Sul – tal como argumentado por ele na matéria do veículo Correio do Estado. Do ponto de vista temático, a narração procura recuperar o cenário da “vila” de Campo Grande antes da chegada da ferrovia para, na sequência, enfatizar o processo de urbanização da cidade a partir da instalação dos trilhos. A matéria também procura traçar um panorama atual de preservação das 61


construções da ferrovia. Para tanto, outra fonte secundária é o chefe da divisão técnica do Instituto do Patrimônio Histórico e Cultural (Iphan), João Santos. Como fonte de natureza técnica, Santos destaca a preservação da memória para a leitura atual de como “a cidade nasceu”. O repórter destaca a necessidade de provar “a importância histórica e o valor de cada um dos imóveis para o Estado e para o País” com base na conservação deles, uma vez que “foram tão importantes para a economia do Estado”. Em outro momento, a narrativa destaca que a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) não possui levantamento sobre o que restou da Noroeste do Brasil. A superintendente do Iphan/MS, Norma Daris, define como “um sentimento triste” o fato de grande parte da história da NOB ter se perdido e que o Instituto trabalha para recuperar toda essa memória – argumento que, embora de natureza técnica, respalda o discurso nostálgico da série jornalística pelos “tempos áureos da ferrovia”. Desativada para o transporte de passageiros em 1996 e com a retirada dos trilhos em 2004, parte da linha que corta Campo Grande foi inutilizada. Em outros pontos de Mato Grosso do Sul, a Noroeste do Brasil transporta minério, grãos e celulose. A narrativa jornalística destaca a utilidade do espaço ocupado pelos trilhos após o desligamento. Localizada na região Central de Campo Grande, a Orla Ferroviária, segundo o repórter Bruno Grubertt, é um projeto que mesmo tendo sido criado para ser um corredor gastronômico, “ainda não vingou”; hoje abandonado e utilizado em maioria por dependentes químicos. O jornalista questiona ainda o “progresso” trazido pelos trilhos, que hoje, “ironicamente”, deu lugar para ruas e calçadas, considerando a interpretação de dois lados: “Pra uns, a sequência inevitável do desenvolvimento. Pra outros, um desrespeito à história do crescimento do País”. A fala da arquiteta Tathyane Sangalli, mais uma fonte secundária, reforça o argumento da narração. A profissional destaca que o “esquecimento” acontece por falta de intervenção e de “uma política que dê valor a essa parte da história”, destacando, novamente, o fato de a ferrovia ter sido importante para Campo Grande e para o Estado. A última reportagem da série apresenta as influências dos japoneses na economia e na transformação da cultura de Mato Grosso do Sul. Semelhantemente à matéria do jornal Correio do Estado que integra o corpus de análise, a cobertura da TV Guanandi é episódica e volta-se à exposição “Trilhos da Memória”, evento que marcara as comemorações dos cem anos da Noroeste do 62


Brasil em Campo Grande. A partir da temática do evento, o repórter Euclides Fernandes destaca a “importância histórica, econômica e humana” trazida pela ferrovia à região e a necessidade de relembrar “as memórias quase esquecidas” devido ao abandono. O argumento é ratificado por uma fonte secundária, o historiador Carlos Versoza, que menciona visitas do Ministério Público Federal para checar o nível de conservação das construções. O então coordenador do Museu da Imagem e do Som (MIS) de Mato Grosso do Sul, Rodolfo Ikeda, destaca a necessidade de eventos culturais “para a reflexão sobre os erros e acertos do passado”, com o objetivo de interferir no presente para o “futuro de uma sociedade melhor, mais íntegra e mais integrada com os seus anseios”. Por fim, ao discorrer sobre o processo de chegada dos japoneses a Campo Grande, a cobertura da TV MS Record destaca a necessidade de mão-de-obra para a implantação dos trilhos no Estado. A primeira fonte entrevistada, de natureza primária, é o engenheiro eletricista Celso Higa. A fonte relata que os imigrantes japoneses foram responsáveis por uma “transformação muito grande na região Sul do antigo Mato Grosso”. Numa perspectiva temática, identifica-se na parte final da matéria uma narração sobre a cultura e os costumes japoneses enraizados em Mato Grosso do Sul. Os três eixos temáticos centrais identificados no recorte empírico da pesquisa podem ser sistematizados no gráfico a seguir:

Gráfico 1 – Eixos temáticos da cobertura jornalística sobre o centenário da NOB em Campo Grande (MS)

Datas comemorativas Crescimento de Campo Grande Cenário pós-ferrovia

(Fonte: Gráfico elaborado pela autora para as finalidades da monografia) 63


Por uma questão metodológica, optou-se por elaborar um gráfico a partir dos três eixos temáticos centrais identificados nas matérias e reportagens: 1) as datas comemorativas, como o centenário da imigração japonesa em Campo Grande, o aniversário de 37 anos de Mato Grosso do Sul e o aniversário de 115 anos da Capital; 2) as modificações sociais, econômicas e urbanísticas provocadas pela instalação da NOB; e 3) o cenário após o encerramento do funcionamento dos trilhos na região de Campo Grande. Nesse contexto, a partir das opções metodológicas da pesquisa, entende-se que as análises descritiva e temática previamente apresentadas, observadas em conjunto com os capítulos iniciais do trabalho, possibilitam inferências a respeito das representações sociais (MOSCOVICI, 2003; ALEXANDRE, 2001) construídas pela cobertura jornalística regional sobre o centenário da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande.

3.3 Inferências a respeito das representações sociais disseminadas pela mídia Parte significativa dos acontecimentos elencados como de maior relevância na história de Mato Grosso do Sul possui de algum modo ligação com a instalação da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil na região. Institucionalizada socialmente (isto é, tratada como uma instituição social de importância reconhecida na história regional), a NOB pode ser interpretada como parte integrante do fenômeno definido por Berger e Luckmann (1974) como “realidade objetiva”; ou seja, uma instituição social com influência concreta na sociedade e na cultura local. Muito aguardada por quem já morava na região na época de sua instalação (os primeiros anos do século XX), a ferrovia se consolidou a partir da chegada de imigrantes, dentre eles os japoneses, que auxiliaram no processo de instalação dos trilhos e, sobretudo, no crescimento populacional, urbano e econômico da cidade. Tais acontecimentos, a exemplo daqueles descritos no capítulo inicial deste trabalho, foram essenciais para que a porção Sul de Mato Grosso se desmembrasse do domínio exercido pela região Norte, culminando décadas depois na criação de um novo Estado, como se entende ter sido desejo das elites sulistas na época. Devido às transformações originadas por meio de sua implantação, a Noroeste do Brasil integra até os dias atuais o imaginário social sul-mato-grossense 64


como um dos maiores (senão o maior) símbolos de progresso do Estado. De um ponto de vista das transformações sociais concretas, como já citado nesta monografia, houve, a partir da instalação da estrada de ferro a necessidade de criação de estabelecimentos comerciais, o incentivo à agricultura expansiva, o fenômeno do êxodo rural, o crescimento populacional e a expansão da exportação de produtos (como a erva mate), além de toda uma dinâmica de planejamento urbanístico com base na construção de bairros e de instituições ao redor da linha férrea, regiões que materializaram a maior parte da história dos trilhos e de crescimento da cidade. Todos esses processos estão presentes nas descrições (e, muitas vezes, nas adjetivações) das narrativas jornalísticas sobre o centenário da chegada da ferrovia. “Apogeu da era ferroviária”, “tempos áureos”, “época de ouro” e “símbolo de crescimento” são exemplos de expressões encontradas nos textos analisados. No entanto, compreende-se que todos esses acontecimentos, considerados históricos e de relevância para o Estado, são ressaltados em detrimento de outros – ocultados ou silenciados. O que se identifica na análise do material jornalístico é uma narrativa a respeito de como a Noroeste do Brasil representou um fenômeno histórico de natureza predominantemente (senão exclusivamente) positiva para a região. Notase que outras consequências não são problematizadas e não há questionamentos relevantes sobre a instalação dos trilhos. Alguns desses fatores ocultados pelas narrativas ajudam a evidenciar as representações sociais que são criadas em torno da estrada de ferro e dialogam com a concepção que Berger e Luckmann (1974) denominam de “realidade subjetiva” – isto é, elementos simbólicos que contribuem para a compreensão da “realidade objetiva”. Trata-se de uma espécie de silenciamento midiático a respeito de conceitos e ações camuflados na história e que resultam no pouco ou em nenhum conhecimento por parte da maioria dos consumidores de informação desses veículos. A partir do momento em que o Governo Federal aprovou, em 1908, a construção da Noroeste do Brasil partindo de Bauru (SP) com destino ao sul de Mato Grosso, com a justificativa de que o interior do País precisaria ser “desbravado”, muita expectativa foi gerada na opinião pública da época. Apesar de a construção da ferrovia ter sido “planejada” pelos Clubes de Engenharia de São Paulo e do Rio de Janeiro, nota-se, quando se busca aprofundamento em pesquisas 65


a respeito do contexto histórico, algumas incongruências em relação aos relatos memorialísticos sobre a história da estrada de ferro (relatos muito presentes nos argumentos das fontes entrevistadas nas matérias analisadas). Entende-se que existem outros aspectos relevantes que mereceriam detalhamento, muitos deles não vinculados aos imaginários de desenvolvimento e de progresso tão ressaltados desde a chegada dos trilhos ao então Sul de Mato Grosso. O relatório da Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB), abordado no primeiro capítulo, apresenta informações de destaque sobre as condições da ferrovia poucos anos após sua inauguração. O documento ressalta pontos preocupantes sobre a manutenção da linha férrea no Estado logo no início do século XX. Segundo o registro histórico da companhia, os trilhos apresentavam “condições fraquíssimas e bem desgastadas”. Nas estações provisórias, a madeira utilizada encontrava-se podre, além de ter sido identificado pouco suporte para depósito de materiais de manutenção e de abrigos para as mercadorias que precisavam ser escoadas. Ainda segundo o relatório, inúmeras travessias contavam com pontes provisórias, em que apenas eram lançados os trilhos, “sem segurança alguma”. Além disso, desde a instalação dos trilhos no percurso definido, a Noroeste do Brasil não teria recebido os investimentos necessários para sua manutenção. O primeiro exemplo que confirma esse quadro de precariedade é o fato de o Governo Federal ter definido como padrão bitolas de um metro de distância, consideradas as mais frágeis na época e utilizadas para a construção das ferrovias de menor expressividade no País. Outro fator também destacado no primeiro capítulo deste trabalho consiste nas sucessivas greves realizadas pelos trabalhadores da NOB (NEVES, 1958, p.86 apud GHIRARDELLO, 2002, p.68). Estudos mostram que os operários deixaram de receber os pagamentos em dia por inúmeras vezes, contribuindo, ao lado de outras dificuldades, para que a inauguração da ferrovia ocorresse somente nove anos após o início da construção. De acordo com Ghirardello (2002), a CEFNOB atrasou o pagamento dos operários por ter passado, naquele período, por uma grave crise financeira. O autor aponta que a Companhia, ao perceber que perderia a concessão da estrada de ferro por problemas financeiros, pouco fez questão para mantê-la (GHIRARDELLO, 2002). A empresa, então, optou por gerenciar apenas o trecho da Noroeste do Brasil no Estado de São Paulo. 66


Ainda nesse contexto, Trubiliano (2005) argumenta que no início do século XX a porção Sul do então Estado de Mato Grosso encontrava-se em estado de precariedade e que a chegada da ferrovia, tratada como símbolo de progresso para a maioria da população, acabou por ocultar fatores socioeconômicos que deveriam ser levados em consideração, uma vez que a região carecia de investimentos. Mesmo com a chegada de imigrantes e trabalhadores brasileiros de outros Estados em busca de oportunidades de emprego na ferrovia e no comércio local, que estava em expansão, a região precisava importar produtos alimentícios básicos a preços muito elevados para a realidade do período, o que colocou muitas famílias em situação de precariedade (TRUBILIANO, 2005). Outros pontos destacados pelo autor são o desmatamento e a dizimação de populações indígenas decorrentes do avanço da construção dos trilhos. Trubiliano (2005) argumenta que embora instalada no Sul de Mato Grosso para contribuir no processo de integração do interior do País, a NOB “desmatou e dizimou tribos indígenas, o que possibilitou o aparecimento de novos núcleos urbanos e promoveu o aprimoramento dos já existentes, culminando no estabelecimento de uma rede de cidades na fronteira Oeste”. Ressalta-se ainda que em poucos momentos as narrativas memorialísticas contextualizam o incentivo à construção das rodovias a partir da década de 1950 como um dos processos responsáveis pelo sucateamento da Noroeste do Brasil. Assim como ocorrera com a ferrovia no início do século XX, o transporte rodoviário foi considerado um fenômeno tecnológico estimulado no Brasil por políticas elaboradas desde o governo do presidente Getúlio Vargas. A partir daí, os incentivos para as ferrovias brasileiras ficaram escassos e o fomento à aquisição de automóveis cresceu, tornando-se mais acessível à população. Contudo, mesmo com a ausência de incentivo ao transporte ferroviário pelo governo brasileiro a partir dos anos 1950, a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, quando rememorada no contexto histórico de Campo Grande, é compreendida como protagonista para o crescimento social, político e econômico da Capital ao longo da segunda metade do século XX sem a devida problematização do fenômeno. Cem anos após sua inauguração, o romantismo em torno das ideias de progresso e de desenvolvimento ainda mexe como o imaginário social da população. O tema é tocado em uma das matérias estudadas. Como descrito anteriormente, as condições da Noroeste do Brasil já demonstravam sucateamento 67


duas décadas antes do aceleramento do processo de implantação das rodovias no país. O assunto é retratado pelo jornal O Estado MS na matéria “Depois da criação do Estado, foco do transporte mudou” (ver Anexo 1) a partir de uma fala da historiadora Alisolete Weigartner. Entretanto, o processo é tratado de modo sucinto e episódico, servindo predominantemente como complemento às matérias anteriores, que abordam o esvaziamento da Vila de Ferroviários e o esquecimento do patrimônio histórico por parte não somente da Prefeitura de Campo Grande, mas também dos Governos Estadual e Federal. O abandono do patrimônio construído pela CEFNOB em Mato Grosso do Sul é mencionado também na série especial “Cem Anos”, da TV Morena. Ao traçar um breve panorama histórico da chegada da ferrovia em Campo Grande, os repórteres responsáveis – seja percorrendo as estações de outras cidades do Estado, como Corumbá, Três Lagoas e Aquidauana, ou detalhando a atual situação “em ruínas” das construções do Complexo Ferroviário da Capital – denunciam o desinteresse dos órgãos públicos em conservar o patrimônio. O enfoque destaca depoimentos de ex-ferroviários que ainda residem na região dos trilhos, mas são entrevistados também funcionários do Iphan e uma arquiteta, responsáveis pela tentativa de recuperação do patrimônio histórico. Outro fator brevemente citado nas reportagens produzidas pela TV Morena são as condições de trabalho dos japoneses no período de construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Menciona-se que muitos imigrantes tiveram de enfrentar as cheias do Pantanal no processo de instalação dos trilhos, além da escassez de alimentos, o que os obrigou a plantar legumes e verduras para sobreviver. O tema do imaginário em torno das “memórias esquecidas” da Noroeste do Brasil é ressaltado em matérias do jornal O Estado MS (“Na vila, ainda há poucas famílias de ferroviários”) e das emissoras TV Morena (nas duas primeiras matérias da série especial “Cem Anos”) e TV Guanandi (“MIS expõe mostra dos cem anos da ferrovia Noroeste do Brasil”). O ponto em comum nas abordagens gira em torno do gradativo abandono do Complexo Ferroviário pelos órgãos estatais, o que justifica as construções “em ruínas”. É necessário ressaltar que somente em 2009 houve o tombamento do conjunto arquitetônico da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. A partir daquele momento houve o início do processo de restauração das construções da ferrovia. 68


Por outro lado, os lemas de “desenvolvimento” e “progresso” vinculados à chegada da NOB em Campo Grande são mencionados – e enfatizados – por todos os veículos analisados. Na primeira matéria da cobertura do jornal O Estado MS, publicada no caderno Economia da edição de 11 de outubro de 2014, por exemplo, o destaque ao tema é direcionado à transformação do cenário econômico regional por meio do agronegócio, promovendo destaque para como “o pilar da economia sul-mato-grossense obteve maior relevância e representatividade a partir da instalação dos trilhos”. O mesmo acontece na segunda matéria veiculada pelo jornal, na editoria Cidades, que ressalta a influência da ferrovia para “consolidar a riqueza da então região Sul do Estado de Mato Grosso”. Entretanto, entende-se que a cobertura não problematiza todos os aspectos da questão. Como descrito no primeiro capítulo, com o crescimento populacional na região, a produção agrícola tardou a suprir a demanda regional (TRUBILIANO, 2005). Segundo Carlos Alexandre Trubiliano (2005), mesmo com a instalação da Noroeste do Brasil na então porção Sul de Mato Grosso, fazia-se necessário importar produtos básicos de outros Estados a preços exorbitantes para o cenário da época, a exemplo do feijão, do arroz e do café. Por seu turno, os veículos Correio do Estado e TV Guanandi utilizam a précobertura da exposição “Trilhos da Memória”, realizada no Museu da Imagem e do Som (MIS-MS) em maio de 2014, para salientar “os efeitos positivos da chegada da ferrovia”, bem como a “importância histórica, econômica e humana” deixada pelo desenvolvimento do transporte sobre trilhos em Mato Grosso do Sul. No caso da cobertura da TV Morena, a narração sobre “bons tempos” da NOB em Campo Grande caracteriza o texto inicial do repórter Alysson Maruyama na primeira reportagem da série “Cem anos”. Já o jornalista Bruno Grubertt, também da emissora afiliada da Rede Globo, narra em diversos momentos “a importância histórica e o valor” dos imóveis deixados pela ferrovia, a “importância para economia do Estado” e a “sequência do inevitável desenvolvimento” de Campo Grande, sempre em contraponto ao sucateamento do patrimônio histórico da NOB por parte dos órgãos públicos. Questões centrais no processo histórico de construção da ferrovia em Mato Grosso do Sul, como a dizimação de populações indígenas que resistiram aos avanços dos trilhos, o desmatamento inerente às construções e a precariedade dos investimentos nos primeiros anos da NOB sequer 69


são mencionados em toda a cobertura regional sobre o centenário da chegada dos trilhos. Nota-se, assim, que desde o anúncio de sua construção, diversos significados foram atribuídos à ferrovia Noroeste do Brasil; o que, de acordo com Possas (2009), contempla “diversas representações, construções que lhe atribuíram sentidos diversos e significados variados”. A partir da compreensão de que as representações sociais em torno do tema “NOB” abrangem um conjunto de significações que constituem uma “realidade subjetiva”; e que tais representações materializam-se na configuração de pontos de vista sobre uma “realidade objetiva” (BERGER & LUCKMANN, 1974), conclui-se, com base nas análises acima, que a narrativa jornalística em torno do fenômeno histórico em questão atua como potencializadora de conceitos enraizados socialmente, reiterando pontos de vista que são repassados de geração em geração e fazendo com que outras interpretações não sejam retiradas do esquecimento.

70


4. CONSIDERAÇÕES FINAIS A análise das matérias e reportagens presentes na cobertura da imprensa campo-grandense sobre os cem anos da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande com base no conceito de “representações sociais” abre um leque para outras pesquisas acadêmicas, dentre elas uma abordagem teórico e conceitual a respeito da ideia de senso comum (por onde se disseminaram as representações sociais e os significados históricos sobre a NOB), além de estudos a respeito do próprio processo de implantação do sistema rodoviário (em detrimento do

transporte

ferroviário)

e

suas

consequências

para

o

País.

Levantar

questionamentos sobre como as rodovias contribuíram para que cessassem os investimentos voltados à malha ferroviária nacional e sobre as vantagens e desvantagens da mudança no foco do transporte brasileiro constitui um dos pontos de interesse para futuras pesquisas. Admite-se neste trabalho que o jornalismo contribui para um processo mais amplo de “construção social da realidade” (BERGER & LUCKMANN, 1974) a partir da produção e veiculação de narrativas que reforçam significados construídos culturalmente (TUCHMAN, 1980). No caso dos conceitos vinculados à Estrada de Ferro Noroeste do Brasil, boa parte das matérias e reportagens analisadas enfatizam os ideais de “progresso” e de “desenvolvimento” e deixam de lado outros pontos relevantes para o entendimento e problematização do contexto histórico no qual se desenvolveu o projeto urbano de Campo Grande. É clara a identificação da população campo-grandense com a história da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil. Em termos históricos, a Capital de Mato Grosso do Sul foi desenhada e planejada a partir do traçado dos trilhos, desencadeando o processo de povoamento do perímetro urbano e concedendo espaço para a criação de diversos estabelecimentos do setor de serviços. Empregos foram gerados e resultaram em movimentação econômica inédita para os parâmetros regionais da época, beneficiando famílias e gerações inteiras (conceitualmente, trata-se de uma manifestação concreta na “realidade objetiva” da região). Desde as primeiras décadas do século XX, Campo Grande deixou de ser uma pacata vila para se tornar cidade. Certamente, o principal fator para que a NOB seja considerada sinônimo de “desenvolvimento” e “progresso” para o Estado (significações manifestadas no 71


campo da “realidade subjetiva”) vincula-se ao desmembramento da porção Sul de Mato Grosso, divisão que culminou na criação de Mato Grosso do Sul. Relatos históricos levam a crer no desejo de boa parte da população local (sobretudo das elites econômicas e políticas) para que a separação política e territorial se concretizasse, pois a região já demonstrava relativa independência econômica e cultural com relação ao Norte no decorrer do século XX. Por esse motivo, a Noroeste do Brasil carrega até hoje diversos significados positivos a partir de sua chegada. Para cada indivíduo que nasce e cresce em Campo Grande é contada a história da importância da ferrovia no processo de criação de Mato Grosso do Sul e no desenvolvimento econômico, social e urbanístico da cidade. São conceitos difundidos socialmente e que contribuem para que as gerações futuras se lembrem do processo que foi decisivo para a comemoração – celebrada anualmente em 11 de outubro – do aniversário do desmembramento e da “independência” da região Sul de Mato Grosso. Nesse sentido, o interesse em produzir um projeto monográfico voltado ao conceito de “representações sociais” na mídia (MOSCOVICI, 2003; TUCHMAN, 1980) visa a problematização de julgamentos (e estereótipos) da “realidade subjetiva” (BERGER E LUCKMANN, 1974) que deixam de lado outros temas quando se retomam as memórias sobre a instalação da NOB em Campo Grande. Inicialmente, um dos principais pontos de interesse no desafio de estudar toda uma teoria com foco no conceito de representações sociais se deu a partir da identificação da pouca valorização das recordações deixadas pela ferrovia. No decorrer do trajeto dos trilhos em Mato Grosso do Sul, pouco restou e a maioria das construções está em ruínas. Desde o processo de implantação das rodovias, na década de 1950, as ferrovias caíram no esquecimento por parte dos órgãos públicos e pouco ou quase nada foi feito para conservar um patrimônio que é de extrema relevância na história do Estado. Além disso, em 1996 houve a interrupção do uso dos trilhos para o transporte de passageiros e, atualmente, a NOB faz o escoamento apenas de minérios e celulose para exportação. Assim, a partir da curiosidade de se compreender quais fatores estão por trás dos ideais de “desenvolvimento” e de “progresso” trazidos pela ferrovia, optou-se por trabalhar com a teoria de “representações sociais” (MOSCOVICI, 2003) e com os conceitos de “realidade objetiva” e “realidade subjetiva” (BERGER E LUCKMANN, 72


1974). Na fase do levantamento bibliográfico, foram encontrados assuntos pouco lembrados pela mídia campo-grandense, o que reforça o discurso de “avanço” legitimado pelas falas das fontes entrevistadas. Dentre os argumentos, observou-se a pouca atenção dada a acontecimentos históricos como: 1) a falta de investimentos na infraestrutura logo na fase inicial do transporte ferroviário na região, tendo sido constatado que cerca de duas décadas após a inauguração dos trilhos no Estado, boa parte das instalações já estava comprometida; 2) as condições de trabalho dos operários que também não eram favoráveis, visto que, de acordo com registros históricos, muitos passaram por necessidades básicas com a falta de alimentação e o atraso nos pagamentos dos salários; 3) o abandono precoce pela Companhia Estrada de Ferro Noroeste do Brasil (CEFNOB) no projeto de manutenção devido a uma grave crise financeira que fez com que a empresa não desse a atenção devida à conservação dos trilhos no trecho de Mato Grosso (na época); 4) o consequente abandono da concessão no Estado e a opção da Companhia por gerir a NOB somente no trecho paulista; 4) a desterritorialização, os conflitos e a dizimação de populações indígenas; 5) o desmatamento resultante do avanço dos trilhos; e 6) o abandono do projeto do transporte ferroviário a partir do incentivo para a implantação das rodovias desde a década de 1950 em todo o Brasil, fator decisivo para que as ferrovias deixassem de exercer papel preponderante no transporte nacional. Consideradas essas ocorrências históricas, buscou-se interpretá-las no contexto jornalístico de matérias e reportagens veiculadas na comemoração do centenário da chegada da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil a Campo Grande como forma de identificar quais temas são reforçados pela mídia local e pelas fontes escolhidas, e quais são silenciados (ou não selecionados como recortes noticiosos). Verificou-se em boa parte do conteúdo analisado, seja na fala dos repórteres ou das fontes, a reprodução irrefletida dos conceitos de “desenvolvimento”, de “progresso”, de “crescimento” e de “avanço”, sempre em alusão ao acontecimento estudado nesta monografia. Compreende-se que se trata de concepções vinculadas à lógica do senso comum (isto é, difundidas a partir de conceitos compartilhados socialmente sem uma devida problematização), outra hipótese de pesquisa com possibilidade de aprofundamento em trabalhos futuros.

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Entende-se

que

a

busca

por

conhecimento

acerca

dos conceitos

perpassados culturalmente de geração em geração contribui para um melhor entendimento

da

organização

da

sociedade

e

para

a

compreensão

de

acontecimentos históricos que, mesmo após anos (e décadas), ainda geram dúvidas ou deixam “em branco” parte da história regional. Esse provavelmente foi o pontochave das contribuições dadas pelo estudo da teoria de “representações sociais” e do conceito de “construção social da realidade” (objetiva e subjetiva). A partir da imersão nas reflexões oportunizadas por essas leituras, tornou-se mais clara a identificação de que o discurso histórico utilizado para tratar de determinado assunto (no caso em questão, o centenário da ferrovia) carrega muitas vezes fatores que potencializam determinados aspectos e ocultam outros. Pautado por um recorte empírico qualitativo, o conteúdo analisado (matérias e reportagens da mídia local), em maioria, reforça os conceitos de senso comum presentes no imaginário da população. A TV Morena e o jornal O Estado MS são os únicos veículos a trazer uma abordagem, ainda que pontual, sobre temas como a influência da implantação das rodovias para a paralização gradual do transporte ferroviário e o processo de esquecimento dos imóveis que fazem parte dos complexos ferroviários da Noroeste do Brasil em Campo Grande e no interior do Estado. Durante a série “Cem Anos”, exibida pela TV Morena, uma das reportagens busca recontar a partir da história do Estado e da imigração japonesa, como essas memórias foram deixadas de lado com o passar dos anos, e mostra o estado em ruínas da maioria das construções deixadas pela NOB. Entretanto, não fica explícito o motivo pelo qual os imóveis e boa parte da história arquitetônica ferroviária de Mato Grosso do Sul foram desmerecidos pelos órgãos públicos, o que é visto em parte da cobertura do jornal O Estado MS, que destaca o transporte rodoviário como responsável por esse fator. A matéria de destaque do caderno Economia do mesmo veículo, contudo, mostra como o agronegócio e a ferrovia foram responsáveis por manter a movimentação econômica de Mato Grosso do Sul ativa, embora, a partir de pesquisas sobre o contexto histórico do período, nota-se que apenas a pecuária era desenvolvida no início do século XX, o que obrigava a população a importar alimentos básicos de outros estados a preços elevados. Coberturas semelhantes, como a do jornal Correio do Estado e da emissora TV Guanandi, abordaram os aspectos positivos da chegada da Noroeste do Brasil a 74


Campo Grande e trataram da importância da manutenção das memórias deixadas pelos trilhos em alusão pontual e episódica ao nome da exposição “Trilhos da Memória”, promovida pelo MIS-MS, como programação de abertura das comemorações do centenário da chegada da NOB. São matérias com pouco aprofundamento no tema e com foco na divulgação do evento realizado. A cobertura da TV MS Record vincula a efeméride da ferrovia aos cem anos da imigração japonesa no município e concede maior destaque aos imigrantes do que propriamente ao tema ferrovia. Dessa forma, a teoria das “representações sociais” contribui para a compreensão da distinção necessária entre os vários lados de um acontecimento histórico e jornalístico, identificando-se, tal como instruído durante o Curso de Jornalismo, não somente fatores considerados positivos, mas permitindo que sejam analisados os porquês de um determinado assunto ser jornalisticamente ocultado de boa parte da sociedade em detrimento de outro. O jornalismo é capaz de reforçar diversos significados já enraizados na sociedade, entretanto, cabe a ele redefinir fenômenos sociais e expor conceitos da “realidade subjetiva” para uma melhor compreensão da “realidade objetiva”. Cabe ao jornalismo, assim, reduzir o “espaço vago” que permeia as mais diferentes relações entre os acontecimentos sociais. Os “espaços vagos” da história da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil eram desconhecidos pela autora no início do trabalho. A partir do embasamento teórico, oportunizou-se compreender não somente o processo de implantação da ferrovia, que ajudou a culminar na criação de Mato Grosso do Sul, mas também boa parte da “realidade subjetiva” (temas e relatos silenciados) deixada de lado após cem anos da instalação dos trilhos em Campo Grande.

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Anais do VII Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo. São Paulo (SP): Universidade de São Paulo, 2009. TRUBILIANO, Carlos A. Barros. Algumas considerações sobre a Ferrovia Noroeste do Brasil: migração e ocupação em Campo Grande MT/MS (1905-1940): MÉTIS: história & cultura, junho de 2015. TUCHMAN, Gaye. Making News: a study in the construction of reality. New York: Free Press, 1980. WEINGÄRTNER, Alisolete Antonia dos Santos. Apresentação, nov. de 2015. Disponível em <www.capital.ms.gov.br/arca/canaisTexto?id_can=3553>. Acesso em 29 nov. 2015.

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Disponível

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BILHETE. Disponível em <http://tremriodoce.blogspot.com.br>. Acesso em nov. 2015. BLOG DE CORUMBÁ, 2015 Disponível <http://blogdecorumba.blogspot.com.br>. Acesso em nov. 2015.

em

CASA do mestre de linha. <www.estacoesferroviarias.com.br>. Acesso em nov. 2015. TRAÇADO da NOB próximo à região central de Campo Grande. Disponível em <www.estacosferroviarias.com.br>. Acesso em nov.2015.

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ANEXOS ANEXO 1 – Cobertura do Jornal O Estado MS Todos os materiais veiculados na edição do dia 11 de outubro de 2014

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ANEXO 2 – Cobertura do Jornal Correio do Estado Matéria veiculada na edição do dia 9 de maio de 2014

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ANEXO 3 – Cobertura da TV Morena Decupagem da série especial “Cem anos” da imigração japonesa e da Ferrovia Noroeste do Brasil.

Link: http://g1.globo.com/mato-grosso-do-sul/noticia/2014/08/serie-especial-mostrasaga-dos-imigrantes-japoneses-em-ms.html

Reportagens veiculadas entre os dias 14 e 17 de agosto de 2014 Reportagem 01 – Repórter Alysson Maruyama

Chamada: E o Bom Dia MS começa a exibir hoje uma série especial que marca os cem anos da vinda dos imigrantes japoneses para Mato Grosso do Sul e também o centenário da chegada da ferrovia ao Estado. E olha, não é uma simples coincidência de datas. Muitos trabalhadores que construíram os trilhos da antiga Noroeste do Brasil eram japoneses e parte desta história não está em livros, nem tem registros em cartório. Nossas equipes de reportagem foram em busca dos descendentes dos pioneiros que desbravam as terras do Centro-Oeste no início do século passado. Vinheta – 100 anos

Sobe som

OFF 01 O ano era 1914, no início do século 20 havia um forte movimento de imigração de japoneses para o Brasil. Depois de cruzar o oceano, muitas famílias se aventuraram pelo Centro-Oeste desbravando o interior do País dentro de vagões da recéminaugurada estrada de ferro, os imigrantes viviam a expectativa de uma nova vida. Nas malas trouxeram tudo o que tinham. No caminho, dividiam o “bentor”, a refeição oriental. 83


Sobe som O destino pouco conhecido era a aposta para investir o dinheiro conquistado nos últimos anos com a construção da estrada de ferro. Chegaram a Campo Grande pelo caminho que eles mesmos ajudaram a construir, mas essa história começou alguns anos antes.

Sobe som Em 1908, a construção da Estrada de Ferro Noroeste do Brasil já estava em andamento em Bauru, interior de São Paulo. A proposta era ligar o Sudeste do País ao até então Estado do Mato Grosso. Uma estratégia que visava melhorar o escoamento da produção brasileira e facilitar o transporte de passageiros. O governo tinha pressa para terminar a obra, por isso, uma nova frente de trabalho foi em Porto Esperança no Pantanal. Imigrantes japoneses que tinham chegado recentemente ao Brasil pelo Peru e também pelo Porto de Santos navio Kasato Maru souberam da oportunidade de trabalho.

Entrevista 01 - Celso Higa (Historiador) “Esses japoneses vieram para cá trabalhar na lavoura do café, mas já no primeiro ano eles já tinham uma certa dificuldade de adaptação, porque pegaram a época de baixa colheita e aí vendo que seria difícil retornar ao Japão, já no primeiro ano, muitos começaram a fugir das fazendas de café. E muitos desses ouviram uma notícia que estava se construindo uma estrada de ferro e resolveram se aventurar para trabalhar, porque as oportunidades para se conseguir dinheiro estavam ficando difícil. Eles viam que nas fazendas de café iria ser assim quase que impossível e muitos fugiram.”

Sobe som

OFF 02 Construir a estrada de ferro numa região com situações adversas exigiu esforço dos trabalhadores, que muitas vezes ficavam com água na região da cintura. Durante 84


quatro anos de trabalho no Pantanal, foram várias dificuldades, que segundo os historiadores, os imigrantes japoneses tiraram de letra.

Sobe som

Entrevista 02 - Paulo Cimó Queiroz (Historiador) “Na época da construção, que era no Pantanal, muitos trabalhadores sofriam com falta de vitaminas, porque a alimentação era deficiente. E os japoneses não, os japoneses eles comiam verdura, inclusive verduras que eles colhiam no mato, que eles reconheciam as verduras que podiam ser comestíveis e então eles foram um grupo menos sujeito à essas doenças.”

Sobe som

OFF 03 Fomos até Porto Esperança em época de cheia no Pantanal. Encontramos a estação ferroviária inaugurada em 1912 abandonada. Os antigos galpões usados pelas empresas exportadoras no passado estão em ruínas. Alguns foram ocupados por ribeirinhos.

Passagem 01 Segundo os moradores mais antigos da região, no passado os trens carregados de mercadorias chegavam até este ponto, bem próximo da margem do Rio Paraguai. Os produtos eram transferidos para o galpão, onde ficavam armazenados à espera do navio de exportação. Era por aqui que as mercadorias brasileiras seguiam para fora do País.

Sobe som

OFF 04

85


Cenas que seu Sérgio nunca vai esquecer. O pescador profissional chegou aqui há mais de 40 anos. Hoje mora num dos antigos armazéns que ele mesmo reformou. Tem saudade da época em que o trem passava por aqui. Entrevista 03 – Sérgio Gomes Matos (Pescador profissional) “Quando eu cheguei aqui era muito bom. Era movimentado, tinha um movimento legal, sabe? A gente morou em maios ou menos 400 famílias aqui em Porto Esperança e nós tínhamos quatro trens por dia: Dois passageiros, diurno e dois trens noturnos, que tinha um movimento aqui por 200, 300 pessoas todos os dias, aqui de fora, sabe?”

OFF 05 Hoje tudo está diferente. Os trilhos que restaram são usados apenas para o transporte de minério. Retomada - Entrevista 03 – Sérgio Gomes Matos (Pescador profissional) “Com o tempo foi se acabando. Foi se acabando e hoje é o que está aqui só. Tudo abandonado. As famílias foram embora. Se tiver muito aqui é umas 30 famílias. Se tiver 30 famílias, que eu acho que a nem isso chega.”

Sobe som

OFF 06 Perto dali fica um patrimônio histórico e cultural do Brasil. É a ponte Eurico Gaspar Dutra, inaugurada em 1947 para unir a estrada de ferro nos dois lados do Rio Paraguai. Ela é importante porque permitiu que os trilhos chegassem a Corumbá. Na época a cidade era considerada estratégica para o Estado por causa da proximidade com a Bolívia.

Sobe som Entrevista 04 – Jorge Katurche (Aposentado) 86


“Eu cheguei no primeiro trem, oficialmente no primeiro trem que chegou em Corumbá em 15 de março de 1953.”

Sobe som

OFF 07 Seu Jorge Katurche guarda até hoje o bilhete daquela viagem. Retomada entrevista 04 – Jorge Katurche (Aposentado) “Essa viagem foi algo maravilhoso. Trens superlotados, a estação lotada com pessoas de Corumbá, Ladário e nossos irmãos bolivianos lotaram a estação.”

OFF 08 Seu Katurche também tem saudade do progresso que o trem trouxe para a região pantaneira. Retomada entrevista 04 – Jorge Katurche (Aposentado) “Corumbá foi campeão de venda de diversos produtos não só de Mato Grosso integrado naquela época, como de todo o Centro-Oeste. De diversas mercadorias nós levávamos mercadorias para a Bolívia. Era um movimento intenso. Você não tinha horário, não tinha nada. Era tudo em dólar, tudo legalizado com exportação.” Sobe som

OFF 09 A estação de Corumbá hoje está desativada, mas a linha continua em funcionamento. Corta o município e leva minério para várias regiões do País.

Sobe som

OFF 10

87


Em 1912, a frente de trabalho que construía a Estrada de Ferro Noroeste do Brasil saindo de Corumbá chegou a Miranda. A inauguração de mais uma estação ferroviária foi um marco para o município

Sobe som Um século depois chegamos à cidade para saber como a história está sendo guardada até hoje.

Passagem 02 Atualmente pelos trilhos de Mato Grosso do Sul só passam vagões com minério. O transporte de passageiros foi encerrado em todo o Estado há quase 20 anos. Com isso, a estação ferroviária de Miranda passou a ter pouca utilidade para o setor. Nos últimos anos ela foi reformada e transformada num prédio que abriga alguma secretarias municipais, mas aqui ainda existe um espaço que guarda parte da memória da região. Quem conta a história da estação é seu Hildebrando, filho de maquinista aqui durante 32 anos, também trabalhou na ferrovia. Entrevista 05 – Hildebrando Ibañes de Castro “Essa aqui é a coisa mais interessante, é a nossa bilheteria. Nossa bilheteria tem passagem de Bauru a Corumbá, de Ponta Porã a Campo Grande. Aqui é (lugar) de guardar os bilhetes e aqui de guardar o principal que era a grana, né?

OFF 11 A família de seu Hildebrando ajudou a preservar objetos curiosos, como esse aparelho, um tipo de telefone móvel, bem moderno para a época. Retomada entrevista 05 – Hildebrando Ibañes de Castro “Esse aqui é o telefone portátil. É o celular de hoje em dia isso aqui” Repórter – Pra que que ele era usado? Hildebrando – Esse telefone era usado pelo condutor do trem, né? Porque no trem também tinha o condutor, então o que acontecia? Aqui tinha dois fios que ligava na 88


linha física... Ai esse aqui tinha pilha aqui embaixo e o cara entrava em contato com a central lá em Campo Grande com esse aqui.

OFF 12 Mas nem tudo foi guardado. Parte do acervo se perdeu com o tempo e a história só se mantém viva na memória do agente de estação hoje aposentado. Ele atendia passageiros e era o responsável por todos os funcionários que trabalhavam na ferrovia em Miranda.

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Vestir o velho uniforme traz o passado de volta e com ele o orgulho de ter trabalhado na antiga Noroeste do Brasil. Retomada entrevista 05 – Hildebrando Ibañes de Castro “Foi um momento muito grandioso na vida gente, né? Relembrar os momentos alegres, como se diz? De experiência na nossa vida profissional, sabe? Eu nunca na minha vida esperava trabalhar de agente de estação, mas foi muito grandioso, gratificante... fantástico!”

OFF 13 Lembranças de um tempo em que a cortesia com os passageiros vinha antes do trabalho. Retomada entrevista 05 – Hildebrando Ibañes de Castro “A primeira coisa que a gente chegava nas pessoas era cumprimentar eles, bom dia, boa tarde, né e... bom, cê vai pra onde? Pra onde cê vai? Ah, cê vai lá pra Aquidauana? Tudo bem, então. Mas nós gostaríamos que cê trouxesse o dinheiro trocado pra gente porque, pra facilitar pra gente a liberação da passagem.”

OFF 14 Das boas vindas aos viajantes até o adeus da partida do trem... 89


Retomada entrevista 05 – Hildebrando Ibañes de Castro “Tchau, gente. Boa viagem pra vocês! Vai com Deus.”

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OFF 15 De Miranda a Campo Grande foram mais dois anos de trabalho, até que os trilhos se encontraram em 1914 na Estação da Ligação.

Retomada Entrevista 02 - Paulo Cimó Queiroz (Historiador) “Quando a gente fala que a ferrovia chegou a Mato Grosso do Sul em 1914, não é que ela chegou, né?! Ela já estava aqui desde 1908 quando começou essa frente em Porto Esperança. Em 1914 foi quando ocorreu a ligação entre as duas pontas: A ponta que vinha de Bauru e a ponta que vinha de Porto Esperança, que eles vão se juntar nessa conhecida Estação de Ligação perto de Campo Grande.”

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OFF 16 Era o começo de um novo tempo para o povo brasileiro e para aqueles que vieram para cá em busca de um novo lar, de novas oportunidades. Muitos japoneses que ajudaram a construir a estrada de ferro ficaram por aqui, criaram laços, tiveram famílias, deixaram descendentes. E são eles que hoje constam essa história pra gente, revivendo os passos dos ancestrais. Retomada entrevista 05 – Hildebrando Ibañes de Castro “Tchauzinho, gente, boa viagem, hein?!”

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Nota retorno 90


Que bela viagem, hein? Amanhã vamos saber quem são as famílias dos imigrantes que chegaram com a ferrovia e não foram mais embora. Descendentes que mantém viva a história dos pais e dos avós e têm muito orgulho de tudo isso que os antepassados construíram.

Reportagem 02 – Repórter Alysson Maruyama

Chamada E essa semana o Bom Dia MS está exibindo uma série especial sobre os cem anos da imigração japonesa e também da chegada da ferrovia ao Estado. Na reportagem de hoje vamos conhecer as famílias dos primeiros imigrantes, os descendentes, que são testemunhas de um tempo de pioneirismo de homens que viriam nas terras do Centro-Oeste um campo de oportunidades. Vinheta – 100 anos

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Passos lentos de quem ganhou experiência com a vida. Os trilhos hoje desativados trazem lembranças de um tempo bom.

Diálogo entre os entrevistados - Meu bem, você se lembra de quando a Maria Fumaça entrava por lá? Vinha pra cá de dia? - Eu já viajei no Maria Fumaça.

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- Dois dias até chegar em Bauru. Depois de Bauru, pegava a Paulista.

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Passagem 01 O passeio pela estação ferroviária não traz apenas lembranças das viagens do passado. Para esses descendentes japoneses, representa muito mais. Foi nesses trilhos que a história da família Nacao começou aqui em Campo Grande. O patriarca, seu Gonsiro Nakau, participou da construção da estrada de ferro. Foi daqui que ele conseguiu dinheiro para levantar o patrimônio da família.

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OFF 01 No Brasil, seu Gonsiro era issei, que em japonês significa a primeira geração de imigrantes. Aqui ele teve nove filhos, seu Nilo, hoje com 73 anos e dona Geni com 84, são nisseis, no idioma japonês significa dois, segunda geração. Eugênio, o neto, é sansei. San é três. Terceira geração. No início do século 20, a vida no Japão não estava fácil. Os irmãos lembram que o pai falava sobre uma crise política e financeira. Por isso, ele e um grupo de amigos deixaram o país natal. Viajaram pelo mundo em busca de novas oportunidades. Entrevista 01 – Nilo Nacao “O meu pai, quando ele veio, ele não veio pelo governo japonês. Ele veio por conta própria. Ele e mais uns companheiros. Desembarcaram no Peru, depois foram procurando o local onde eles queriam ficar.”

OFF 02 Antes de chegar ao Brasil, seu Gonsiro e os amigos passaram pela Argentina e depois o Paraguai. Foi lá que ficaram sabendo das oportunidades de trabalho no Pantanal. O Governo Brasileiro precisava de mão de obra para construir uma estrada de ferro partindo da pequena localidade de Porto Esperança na fronteira com a Bolívia. O ano era 1911.

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Retomada entrevista 01 – Nilo Nacao “Como ele muito dedicado como um bom soldado imperial, acostumado a receber ordem e cumprir, logo, logo ele começou a angariar a confiança e a empatia dos feitores, né?! Que antigamente chamavam... E logo foi nomeado a feitor e começou a pegar a equipe e vir trabalhando. Ele veio de lá pra cá trabalhando. E aqui quando chegou em Campo Grande, ele gostou da cidade.

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OFF 03 Os trilhos trouxeram imigrantes para Campo Grande. Na época a cidade tinha cerca de 5 mil habitantes e pouco mais de 200 casas. Entrevista 02 – Geni Nacao Ishikawa (médica aposentada) “Esse trilho foi o começo da vida do meu pai. Como imaginar aqui... Meu pai chegou por aqui. Entendeu? Hoje, desativado, eu acho que lembrar que o meu pai pisou aqui, desceu aqui pra começar a vida dele, é uma lembrança muito gratificante.”

OFF 04 Vídeo - Aproveitando a oportunidade apanhamos este flagrante onde vemos elementos da família do senhor Nacao na sacada de sede.

Repórter - Lembrança registrada no filme do cineasta Jean Manzon.

Vídeo - Agora vão em direção ao terreiro para um passeio.

Uma relíquia da história da família Nacao e também de Campo Grande. Com as economias que fez durante a construção da estrada de ferro, seu Gonsiro comprou uma fazenda onde começou a plantar café e arroz.

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Vídeo – Esta propriedade está instalada a 24 quilômetros da cidade de Campo Grande e pode ser considerada como uma das primeiras fazendas de café do município. Repórter – A fábrica de beneficiamento dos produtos plantados na fazenda ficava na cidade, pertinho da estação ferroviária. A propriedade ainda é da família. Retomada entrevista 01 – Nilo Nacao Repórter – Ali no fundo funcionava o que, seu Nilo? Nilo – Ali você pode ver ali, é o que sobrou da máquina de beneficiar café. Do lado esquerdo é a maquina de arroz e ali a máquina de café. E lá no fundo a chaminé, é a chaminé da máquina a vapor. É uma máquina a vapor bem possante, mesmo. Vídeo – Interior do grande depósito de arroz e café do senhor Nacao, que mantém sempre um grande estoque dos produtos, a fim de atender as necessidades do comércio. Retomada entrevista 01 – Nilo Nacao Nilo - Como isso aqui estava cheio de café. Repórter – Aqui era tudo cheio de café? Nilo – Daqui até lá no fundo. Repórter – Era um depósito aqui antes? Nilo – É. Era um depósito. Era o galpão de recolher café.

OFF 05 Os irmãos contam que a família Nacao foi a primeira a exportar o café produzido aqui no Estado. Entrevista 03 – Eugênio Gonsiro Nacao (autônomo) “É fora de série você ver desde o que ele construiu desde o que ele tá deixando pra gente, né? Deixou pro meu pai e meu pai deixando pra gente.” 94


Repórter – Muito orgulho? Eugênio – Muito orgulho.

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OFF 06 Os trilhos que trouxeram prosperidade aos Nacao, ajudaram o patriarca da família Tamanaha a encontrar um lugar tranquilo para viver. Seu Zenzin Tamanaha também fugiu da crise no Japão. Veio para o Brasil junto com as centenas de imigrantes no navio Kasato Maru em 1908. Trabalhou por algum tempo numa fazenda de café em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, mas viu que não teria muito futuro na região. Entrevista 04 – Eurico Higa (médico) “Naquela época era muito comum os fazendeiros donos dos cafezais... eles tinham colônias. Quando a colheita era boa, eles alegavam que o preço baixou. Eles pagavam abaixo do preço combinado. Quando a colheita era fraca, eles alegavam que não deu pra pagar.

OFF 07 Foi assim que seu Zenzin e outros imigrantes fugiram da fazenda. Seguiram a pé, guiados pela estrada de ferro até chegar a Campo Grande. Retomada entrevista 04 – Eurico Higa (médico) “Então, durante o dia, eles se escondiam nas matas e aí a noite seguiam na estrada. A estrada de ferro estava quase pronta e os trens não tavam circulando. Tiveram que vir a pé.

OFF 08 Em Campo Grande, o imigrante trabalhou vendendo frutas e verduras. Os netos não chegaram a conhecer o avô materno, que morreu aos 54 anos.

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Entrevista 05 – Newton Higa “A gente sente orgulho porque uma pessoa vem de tão longe, vem pra um país totalmente estranho... A pessoa vem se aventurar e consegue ter sucesso, considerando que meu avô veio pro Brasil sem falar a nossa língua, Português, nada disso.” Retomada entrevista 04 – Eurico Higa (médico) “Meu avô sempre teve aquela determinação de trabalhar e produzir sempre alguma coisa. E aqueles primeiros imigrantes, eles eram muito rígidos na moral, na educação. Os primeiros japoneses que vieram aqui pra Campo Grande, a primeira preocupação com os filhos era a educação. Tanto é que tem a Escola Visconde de Cairu que foi criada naquela época, no início da criação de Campo Grande e até hoje continua no mesmo pensamento.”

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OFF 09 O uniforme tradicional de camisa branca e saia de pregas é o mesmo do início do século passado. Na escola estudam crianças do Jardim ao 9º ano do Ensino Fundamental, a maioria descendente de japoneses.

Passagem 02 A escola existe há quase 96 anos. Foi criada em 1918 para atender os filhos dos imigrantes que vieram do Japão. No início, ela não funcionava neste prédio. As aulas eram num galpão, na zona rural de Campo Grande. Tudo mudou a partir da Segunda Guerra Mundial. Entrevista 06 – Joelma Maria do Nascimento (Diretora da escola) “Nesse período os japoneses ficaram impedidos de administrar a escola devido às perseguições sofridas durante a Segunda Guerra Mundial. Foi então que um professor brasileiro assumiu a escola, passando inclusive para o seu nome e

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mesmo assim houve a perseguição porque documentos, registros da época foram destruídos.”

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OFF 10 Até hoje o colégio é uma referência para receber filhos de japoneses que vêm morar no Brasil. Eric chegou há menos de um ano. Entrevista 07 – Eric Yuji (estudante) - Repórter: O que foi mais difícil de aprender? - Eric: A ortografia e ordem de palavras. Não sei muito. - Repórter: Mas com sete meses você já tá falando bem, né? (risos) - Eric: Obrigado. (risos)

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OFF 11 Com a chegada da ferrovia Campo Grande viveu um crescimento muito rápido. A população se multiplicou, as histórias dos primeiros japoneses que ajudaram a desenvolver a cidade estão sendo catalogadas por este engenheiro. Jorge Tamashiro é embaixador da boa vontade de Okinawa, região de onde veio a maioria dos imigrantes. Entrevista 08 – Jorge Tamashiro (engenheiro e advogado) “Eu sempre digo que essa história da imigração japonesa em Campo Grande com a ferrovia, é uma simbiose, uma interação muito forte. Por que? Os imigrantes ajudaram a construir a ferrovia e quando houve o término, começaram a radicar aqui na mesma data do encerramento. Então o término da ferrovia foi o início da fundação da comunidade de Okinawa, comunidade japonesa aqui em Campo Grande.”

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OFF 12 Na casa de dona Mitiko, mais histórias. Nora de seu Itiei Miyahira, ela e a filha, Marta, guardam lembranças do imigrante, que também trabalhou na construção da ferrovia.

Entrevista 09 - Marta Miyahira (neta do imigrante) “Esse período que ele trabalhou na Estrada de Ferri Noroeste, é que ele juntou meio que alguns recursos, né, e começou a construir o hotel, que era assim o orgulho dele, na época.”

OFF 13 Dona Mitiko morou e trabalhou no hotel da família. O prédio ficava na Avenida Mato Grosso, entre a Calógeras e a Rua 14 de Julho, onde funcionou durante décadas. A vida do avô é um exemplo para Marta.

Retomada entrevista 09 - Marta Miyahira (neta do imigrante) “A pessoa vem sem dominar a língua, os costumes completamente diferentes... Pra ele ter conseguido alguma coisa naquela época, é por muita força de vontade. Eu acho que isso é pra gente tirar o chapéu, sabe?”

OFF 14 Em Campo Grande os japoneses criaram 22 colônias, a maioria perto dos córregos, de onde tiravam a água para regar as plantações. Entre elas a do segredo, a Bandeira, a Ceroula e a Chacrinha, onde hoje é o Bairro São Francisco. A cidade cresceu e em 100 anos as colônias se transformaram em grandes regiões urbanas.

Sobe som Hoje, os japoneses descendentes já representam 10% da população de Campo Grande. Os olhos puxados são sim, um forte traço da cultura oriental, mas o maior legado dos imigrantes não está na aparência. Os homens e mulheres que chegaram no início do século passado, deixaram como herança uma cultura milenar

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baseada em determinação, honestidade e respeito, princípios que até hoje pautam o dia a dia das famílias nipônicas. Retomada entrevista 02 – Geni Nacao Ishikawa (médica aposentada) “Trabalhar e economizar. Ter honestidade e dignidade. E ter amor filial, porque eles sempre pensam que os velhos não podem ser abandonados. Então os filhos tem que cuidar até o fim da vida dele.”

Repórter: E foi assim na família da senhora? Geni: Graças a Deus que foi.

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Nota retorno Quantos valores, né? Que bonito. Amanhã a série vai falar o patrimônio da ferrovia. O que foi preservado e o que está sendo destruído pelo tempo.

Reportagem 03 – Repórter Bruno Grubertt

Chamada No Brasil existem apenas dois complexos ferroviários tombados pela União. O de São João Del Rey, lá em Minas Gerais e o de Campo Grande. O tombamento inclui 22 hectares e 135 imóveis, entre eles a Estação Central, a Vila dos Ferroviários, escritórios e oficinas. Mas por que é importante manter esse conjunto arquitetônico preservado? É o que vamos mostrar em mais uma reportagem da série sobre o centenário da ferrovia, hoje com o repórter Bruno Grubertt.

Vinheta

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OFF 01 A cidade que cresceu em torno dos trilhos conta boa parte de sua história pelo caminho da ferrovia.

Entrevista 01 - Paulo Cimó Queiroz (Historiador) “Os dados referentes ao

crescimento da população urbana, rural e

o

desenvolvimento agrícola, nessa área que foi cortada pela ferrovia, esses efeitos estão concentrados em grande porcentagem em Campo Grande.”

OFF 02 Quando a primeira locomotiva chegou à estação ferroviária ainda improvisada em 1914, a Vila de Campo Grande tinha menos de 2 mil habitantes. A Noroeste do Brasil impulsionou a migração de trabalhadores pra essa região do antigo Mato Grosso. Foi preciso pensar na urbanização, organizar um traçado de ruas e erguer moradias.

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Passagem 01 O que hoje tem de ser preservado, já foi a principal aglomeração urbana de Campo Grande. As casas eram construídas pela Noroeste do Brasil para abrigar os funcionários e as famílias deles enquanto eles prestavam serviço à ferrovia. Elas tinham padrões diferentes de acordo com a graduação dos trabalhadores. Maquinistas e mecânicos, por exemplo, moravam em casas menores. Já os chefes de setor e os engenheiros, tinham direito a moradias um pouco mais luxuosas. Todas eram de propriedade da Noroeste do Brasil. Hoje, apesar de particulares, são consideradas patrimônio do País e ajudam a contar história de uma época em que a ferrovia era sinônimo de desenvolvimento.

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A maioria das casas da Vila dos Ferroviários é ocupada por famílias de trabalhadores aposentados, como Seu Roberto, que foi maquinista e hoje mora num imóvel tombado. Entrevista 02 – Roberto Teixeira (maquinista aposentado) “Isso vem preservar aquilo que foi construído na década de 30. Isso é muito importante. É só lutar pra que a gente tenha essa memória viva, né?! Principalmente nós, os ferroviários que moramos nesta vila que é um sossego total.”

OFF 03 Os prédios que compõem o Complexo Ferroviário de Campo Grande começaram a ser tombados pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional há cinco anos. Dos 135 imóveis, um em especial chama a atenção.

Sobe som A casa do engenheiro chefe foi a primeira de alvenaria a ser erguida no complexo. Era a sede de um escritório bem de frente pra ferrovia. Depois foi adaptada pra servir também como moradia. Aqui, Dona Terezinha passou parte da infância. O pai dela veio do interior de São Paulo pra trabalhar na ferrovia. Entrevista 03 – Terezinha Maria Matos (aposentada) “Já tinha estruturado, porque o papai veio só pro ramal de Ponta Porã.”

OFF 04 No ano passado, a casa onde a família viveu por 25 anos, passou por uma reforma custeada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Nacional. Quase 200 mil reais pra reestruturar o imóvel. O Iphan foi acionado pelos atuais moradores, que compraram a casa em um leilão promovido pelo Governo Federal. Antes das obras, a estrutura estava danificada. A casa corria o risco de ruir. Entrevista 04 – Tathyane Sangalli (arquiteta)

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“No dia que eu cheguei aqui e olhei a casa, a casa tava caindo. O pessoal falava que eu era louca, porque eu olhava pra ela e falava assim: Eu quero fazer. Sabe? E você depois, que ela não poderia tá aqui agora. Então diante de todo o trabalho que a gente fez, que é realmente muito trabalho, mas você olha pra ela e você vê ela assim, nossa, isso não tem preço.”

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OFF 05 O projeto preservou as marcas da arquitetura da época. Os lambrequinhos de madeira, as estruturas de metal feitas com pedaços de trilhos e até o limpador de pés, usado para manter a limpeza da casa num tempo em que não havia pavimentação nas ruas.

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Lembranças que levam Dona Terezinha a uma viagem no tempo. Retomada entrevista 03 – Terezinha Maria Matos (aposentada) “Eu tenho muita saudade. Foi uma época muito boa, viu?!.”

Sobe som “Aqui era jardim. Tudo aqui. Mamãe gostava de mexer com terra. Ela plantava tudo.”

OFF 06 O encontro com as lembranças dessa época foi numa visita de fim de semana. Entrevista 05 – personagem não identificada “Aqui era a porta do escritório. Tinha uma sala.”

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Sobe som Retomada entrevista 05 – personagem não identificada “Aqui tinha uma sala e lá dentro outra. E outro quarto.”

OFF 07 A reforma preservou as estruturas, as características e as lembranças dos bons tempos da ferrovia. Retomada entrevista 05 – personagem não identificada “Aí, meu quartinho era aqui. Eu adorava. Tudo igual. Não modificaram quase nada.” Sobe som

OFF 08 E é essa a intenção do tombamento.

Entrevista 06 - João Santos (chefe da divisão técnica do Iphan) “O complexo ferroviário tombado a nível federal no Brasil... São João Del Rey em Minas Gerais e em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Outros são imóveis isolados, tombados, sem que seja essa leitura de um complexo que a gente consiga identificar onde começa a casa dos operários, onde começa a casa dos profissionais intermediários, engenheiros da ferrovia. Então, é essa leitura que a gente consegue ter em Campo Grande, que a gente não tem em outras cidades. Essa preservação dessa história, dessa memória, das características físicas dos imóveis, faz com que a gente faça essa leitura de onde a cidade começou e pra onde ela tá se estendendo até os dias de hoje.”

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Durante o processo de tombamento do Complexo Ferroviário de Campo Grande foi preciso provar a importância histórica e o valor de cada um dos imóveis pro Estado e pro País. Entrevista 07 – Norma Daris Ribeiro (superintendente do Iphan/MS) “O processo de tombamento, ele teve início em 2007/2008. Foi feito um levantamento e inventário das estações e imóveis da extinta estação ferroviária. E o objetivo desse levantamento foi justamente dar o valor histórico e cultural aos bens, móveis e imóveis. E desse levantamento descobriu-se um testemunho valioso com relação ao complexo ferroviário de Campo Grande pela sua construção e instalação.”

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OFF 10 A antiga casa do engenheiros-chefe e a estação ferroviária de Campo Grande foram as primeiras a serem restauradas. Na lista de espera, ainda estão muitos outros imóveis que fazem parte do complexo ferroviário.

Passagem 02 Desde 2009 quando o Iphan começou o processo de tombamento provisório, é obrigação da prefeitura preservar as características originais da antiga estação ferroviária de Campo Grande, por isso, o prédio passa sempre por manutenções periódicas, mas esse aqui é só um pedaço da história. Do outro lado do caminho que a ferrovia construiu estão as estações que já foram importantes pra economia do Estado, mas hoje estão abandonadas. Outros imóveis que faziam parte do patrimônio federal fugiram do controle da concessionária que hoje administra os trilhos em Mato Grosso do Sul.

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A Estação de Camisão, a cerca de 120 quilômetros de Campo Grande, funcionou durante mais de 60 anos. Com a desativação do trem de passageiros em 1996, o Distrito de Camisão perdeu a principal ligação com o restante do Estado e há pelo menos 10 anos, a estação foi ocupada. Hoje quatro famílias vivem aqui. “Tava tudo vazio. Tudo vazio. E aí as pessoas vão morando aí, vão dando pra morar... Um passa pro outro no direito de feitoria que faz aí né e um passa pro outro. Aqui ainda mora ela. É outra peça. E aquela porta de lá, o irmão dela e naquela última de lá é a última família.”

OFF 12 As outras estações também se tornaram moradias particulares. As que foram reformadas e são administradas pelas prefeituras, hoje recebem turistas na tentativa de reativar o Trem do Pantanal. A de Piraputanga era usada como ponto de venda de artesanatos. Agora com as viagens quase extintas, fica com as portas fechadas na maior parte do tempo. Passar pela estação desperta sentimentos que Seu Veloso não quer esquecer. As lembranças de quando apaixonado pelos trilhos trabalhava na ferrovia. Entrevista 08 – Carlos Veloso Machado (aposentado) “Os trem de sexta-feira era superlotado. O pessoal tanto vinha, como ia daqui pra Corumbá, né?! Era muito movimentado. Demais.”

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OFF 13 No famoso caminho do trem pra Corumbá ainda está em uso a ponte de ferro sob o Rio Aquidauana construída em 1931, a ponte foi erguida com peças trazidas da Europa de navio. Um dos grandes patrimônios concedidos pela administração privada, que faz parte de uma lista ainda incerta do que restou da ferrovia.

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Hoje o Departamento de Infraestrutura e Transportes da concessionária e a Agência Nacional de Transportes Terrestres não sabem ao certo o que restou dos bons tempos da Noroeste do Brasil. Um levantamento sobre o patrimônio da ferrovia ainda está sendo feito. Casas, estações e até móveis privatizados há 18 anos. O tombamento ajudou a recuperar poucos objetos. Estantes, escrivaninhas e outros móveis estão na sede do Iphan em Campo Grande, prédio que também foi um dos escritórios da Noroeste do Brasil. Retomada entrevista 07 – Norma Daris Ribeiro (superintendente do Iphan/MS) “É um sentimento, assim, triste que a gente tem, né?! De ver assim que com certeza se fosse feito esse tombamento antes, muita coisa não teria se perdido. Mas também no tempo em que foi feito e a partir do momento que aconteceu esse tombamento, é como eu disse, o órgão procura zelar nesse ponto de preservar o que nós temos ainda de história de memória também, né?!”

OFF 14 Ao longo dos trilhos que cortam Mato Grosso do Sul há pelo menos 20 estações. Terenos, Cachoeirão, Piraputanga, Guia Lopes, Agache, Miranda, Bodoquena. Parte da malha ferroviária continua em operação, mas só pro transporte de cargas. As locomotivas estão sendo aos poucos reformadas e substituídas pra deixar mais eficientes os trens que transportam minério, grãos e celulose do Estado.

Entrevista 05 - Personagem não identificado “Isso é controlado por GPS.” Entrevista 09 – Vinícius Beijamini (gerente de operações da ALL) “Existem projetos. São trabalhos de parceria, dado que a gente teria uma concessão, mas esses projetos ainda estão em fase de estudo tanto de mercado quanto de engenharia, né?! Então ainda leva algum tempo ainda pra executar esses dois processos e depois pensar em realmente fazer obras aqui na ferrovia do Estado.”

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Passagem 03 O trem de passageiros parou de circular em Mato Grosso do Sul em 1996 e há 10 anos, em 2004, a linha do trem foi totalmente desviada do centro da Capital. Os trilhos que ficaram aqui hoje servem só de enfeite em um projeto que foi construído para se tornar um corredor gastronômico e cultural em Campo Grande.”

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OFF 15 A ideia ainda não vingou. A Orla Ferroviária é alvo de reclamações. As lanchonetes são pouco frequentadas. O movimento de locomotivas, mercadorias e tendências, deu lugar a um espaço ocupado por dependentes químicos.

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Ainda sim, Silvia tem orgulho do que a ferrovia deixou pra Campo Grande. O pai da professora foi ferroviário. Dedicou a vida aos trilhos. Hoje Sylvio Cesco é o nome do famoso viaduto vermelho que se tornou ponto de referência na cidade. Entrevista 10 – Silvia Cesco (professora) “A saudade é um sentimento muito forte na gente. A gente precisa caminhar, sabe? O mundo tem que caminhar, porém, há que se caminhar, mas também preservando, né?! Enchendo de vida aqueles espaços que foram tombados. Por exemplo, o trem não passa mais por aqui. A gente até compreende que Campo Grande mudou, que Campo Grande cresceu, e a questão do trânsito, a gente até compreende. Porém, é um espaço tão bonito e que precisa ser muito bem aproveitado, né?!

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OFF 16 O progresso que veio pelos trilhos fez com que ironicamente o caminho do trem desse lugar a avenidas e calçadas. Pra uns, a sequência inevitável do desenvolvimento. Pra outros, um desrespeito à história do crescimento do País. Retomada entrevista 04 – Tathyane Sangalli (arquiteta) “E isso acaba se perdendo por falta de resgate, por falta de intervenção. De intervenção nem digo, mas uma política que dê valor a essa parte antiga, que dê valor a essa parte da história, tanto do município, quanto do Estado. A ferrovia foi tão importante pra Campo Grande, foi tão importante pro Mato Grosso do Sul e as coisas tão perdidas assim. Essa é a parte triste da história.”

OFF 17 Pra quem fez parte dessa construção, só uma palavra define a relação com os trilhos e com as locomotivas: Saudade.

Sobe som Entrevista 11 – personagem não identificado “Ouço ao longe o apito da locomotiva anunciando nova partida. O som chega aos meus ouvidos como um lamento. Sinto um aperto no coração sem perceber e grito em voz alta pra todo mundo escutar: Adeus minha locomotiva. Adeus! Hoje este orgulhoso maquinista aposentou-se.”

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Nota retorno Bonito, né? Amanhã na última reportagem da série vamos ver quais a influências dos imigrantes japoneses na culinária, na cultura e na economia de Mato Grosso do Sul.

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Reportagem 04 – Repórter Bruno Grubertt

Chamada E o sobá já se tornou um prato tradicional em Campo Grande. Difícil é encontrar alguém que não gosta. Mas você sabia que comer sobá já foi sinônimo de vergonha pra muitos japoneses. Essa é uma das curiosidades que o repórter Bruno Grubertt mostra hoje na série do centenário da imigração japonesa aqui no Estado.

Vinheta

Sobe som

OFF 01 É parte do roteiro turístico de Campo Grande, ponto de encontro entre famílias e amigos. Tem culinária pra todos os gostos, mas o que seria de uma visita a Feira Central se não fosse o tradicional sobá japonês? Entrevista 01 – personagem não identificada “O sobá é sagrado, né?! Aqui em Campo Grande. Quem vem pra Campo Grande já vem procurando um sobá, né? Na Feira Central... Prato principal vamos dizer que é o sobá, né? Entrevista 02 – personagem não identificada

Sobe som “Se não, é como se não tivesse vindo.”

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Passagem 01

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Ele é considerado patrimônio da culinária campo-grandense. Já foi naturalizado brasileiro, mas quem vê o sobá assim nos seus tempos de ouro, nem imagina que esse macarrão com caldo, acompanhado de tirinhas de carne, fio de ovos e muito cheiro verde, já foi motivo de vergonha para os imigrantes japoneses. Entrevista 03 – Takeshi Katsuren (feirante) “Porque o japonês tem aquele costume, né?! Quando comem sobá, eles falam que faz mais barulho, né?! Então quando a gente começou a vender sobá na feira, a barraca onde eles sentavam ali atrás era fechado com uma cortina na frente pra eles num vê eles comerem. Era fechado com uma cortina no início, né?! Depois foi acostumando e ai a gente tirou.”

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OFF 02 Nascido no Japão, Takeshi veio pra Campo Grande bem pequeno. É filho de um dos feirantes pioneiros na venda do sobá: Iroshi Katsuren. Quando a família montou a primeira banca em 1965, tudo era improvisado, muito diferente da estrutura moderna que existe hoje onde Takeshi mantém a venda do prato típico de Okinawa como a principal atividade econômica da família. Retomada entrevista 03 – Takeshi Katsuren (feirante) “Nós temos aqui em Campo Grande, nessa feira aqui toda por causa do sobá. Porque se não tivesse sobá, nós não estaríamos aqui hoje.”

OFF 03 Sucesso que toda a família comemora. Cristina, irmã de Takeshi, conta que foi o pai quem teve a ideia de vender o sobá e a mãe era quem colocava a mão na massa. Entrevista 04 – Cristina Katsuren (empresária) “Eu sou a testemunha porque eu ajudei minha mãe. Ela é batalhadora. Ela é quem fazia tudo. Na época meu pai teve essa ideia, mas foi assim, ele nunca ia imaginar 110


que pra frente poderia repercutir assim com tanto sucesso, né?! Então hoje a gente fica vendo isso, né, e fala, poxa, como é bom, né?!”

OFF 04 Um orgulho dividido com Dona Amélia. Ela é filha do imigrante Eyo Tomoyoshi, outro pioneiro no sobá. Entrevista 05 – Amélia Tomoyoshi (aposentada) “Ele tinha um comércio pequeno, então como ele era representando do Jornal Paulista. Então os okinawanos que trabalhavam no sítio, eles vinham pegar o jornal e aproveitavam e comiam o sobá. A gente fica orgulhosa com tudo isso, né? Sendo comida okinawana, né? Então sendo brasileiro, vem gente até de São Paulo, quando vêm pra cá vão pra lá comer, né? Sobá... Porque o sobá de okinawa é muito gostoso.” (risos).

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OFF 05 Sabor que virou negócio. A receita de gerações, agora é produzida em escala industrial. Hoje a família de Dona Dirce vive de vender o macarrão do sobá pra mais de dez barracas da feira e restaurantes de Campo Grande. E quem poderia imaginar que a antiga receita japonesa se tornaria assim, tão lucrativa? Entrevista 06 – Dirce Kimie (empresária) “Fazia assim, pra família, juntava as turma, fazia, cortava tudo na mão, amassava na máquina, esticava, enrolava, cortava na faca. Aí esfriava na folha de banana.”

Hoje com a produção mecanizada, Dona Dirce, filhos e nora, fabricam até 360 quilos de massa por dia, sucesso da dedicação histórica em família. Entrevista 07 – Fred Guenka (empresário)

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“Pra gente é uma alegria, até uma honra continuar essa tradição fazendo o sobá em Campo Grande. Pra gente é até um privilégio continuar essa tradição.”

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OFF 06 É também na feira que aparece também outra vocação dos japoneses. Além do comércio, um verdadeiro dom de lidar com as plantações.

Passagem 02 Desde que chegaram a Mato Grosso do Sul, muitos imigrantes japoneses que vieram de Okinawa, têm uma ligação muito forte com as atividades da terra. Começaram a trabalhar nas lavouras de café, mas ao longo do tempo, se viram obrigados a mudar de atividade. Muitos então passaram a trabalhar no cultivo de hortas. Hoje, décadas depois, é essa a atividade que ainda ajuda a sustentar muitas famílias de seus descendentes.

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OFF 07 O cultivo de hortaliças é a principal atividade da família de Eder. Foi um longo período de adaptação até chegarem ao modelo usado hoje. Entrevista 08 – Eder Aguena (produtor rural) “Teve uma época que meu pai criou, ele teve criação de frango de corte, década de 70 por aí, né?! Algum comércio... Mas a gente sempre teve o pé aqui na área rural, no cultivo.”

OFF 08 Um sistema moderno de plantio hidropônico equilibra os custos da produção. A experiência de décadas repassada pelos avós ajuda a garantir o lucro, mas nem

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sempre foi assim. A mãe de Eder lembra de um tempo em que não havia tecnologia e o sucesso do plantio dependia de sorte e de muito suor. Entrevista 09 – Emília Aguena (dona de casa) “Não tinha adubo... Assim era. A verdura saía, mas não tão bonita assim, né?! Agora tem muito fertilização, tanta coisa, né?! Só assim, plantava e pronto.

- Bruno: Era mais difícil? - Emília: Difícil. Tudo as coisa era difícil. Até pra vender

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OFF 09 Dificuldade que mais uma vez os japoneses souberam driblar com inteligência, ainda mais nos tempos do café.

Entrevista 10 - Hiroaki Uezato “Eles produziam café e quando chegava aqui pra vender, não achava preço nenhum. A ideia que surgiu foi montar a cooperativa aqui.”

OFF 10 A primeira cooperativa da região. Formada 100% por imigrantes japoneses. Eram quase 150. Criaram um estatuto, regras para um sistema pouco conhecido no Brasil. Tudo escrito em japonês. (leitura em japonês) O livro guardado até hoje tem a data da fundação da cooperativa: 1935. Unidos, os imigrantes ganharam força, agregaram outros produtores rurais que vieram da Europa, cresceram e até hoje a cooperativa agrícola de Campo Grande é referência na atividade. Entrevista 11 – Carlos Martelli (diretor da cooperativa)

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“Se não fosse a colônia japonesa, nós estaríamos importando praticamente 100% do que se consome em hortaliças. É difícil você manter as pessoas nessa atividade porque é uma atividade difícil. É de todo dia, de toda hora, não tem sábado, não tem domingo, não tem feriado. As pessoas tem que se dedicar, tem que ter perseverança e só também através de famílias unidas que você consegue atingir esse objetivo.”

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OFF 11 A perseverança é um traço forte da colônia japonesa, seja no trabalho, seja na educação. Uma herança que vem dos primeiro imigrantes.

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Passagem 03 Em cada canto da cidade está um pouco da história japonesa em Campo Grande. Esse monumento, por exemplo, inaugurado em 1968, é uma miniatura de uma casa tradicional no Japão. E é uma homenagem ao povo que atravessou o oceano, cruzou os trilhos e aqui começou uma nova vida, sem se esquecer da cultura milenar dos ancestrais.

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A arte de dobrar papéis é bem mais que uma técnica ou um passatempo. É uma tradição de família que exige paciência, persistência. Entrevista 12 – Clarice Yoko (artesã) “A gente aprende em casa, de criança, né?! A gente sempre passa, né, assim, já é dá cultura japonesa, né?!”

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“O origami ele também te ajuda na concentração, ele te ajuda no exercício das mãos, né?! Memorização. O origami não é só dobrar. Tem todo esse trabalho.”

OFF 12 Antes dos anos 800, quando o papel ainda era considerado artigo de luxo, o origami era uma diversão para as famílias de classe alta. Foi se popularizando no oriente até se tornar um dos símbolos japoneses. O tsuru é uma das formas mais conhecidas da dobradura de papel. O pássaro é sagrado e representa a paz, forma de traduzir a força do pensamento positivo. Retomada entrevista 12 – Clarice Yoko (artesã) “A lenda diz que se você dobrar mil tsurus com o pensamento voltado, você pode ter esse pedido realizado.”

Sobe som “Muitas vezes é usado assim quando uma pessoa adoece então os amigos, a família se reúne pra fazer esses mil tsurus com o pensamento voltado na saúde dele, né?! Então cria uma corrente positiva de energia. Então tudo isso ajuda também, né?!”

OFF 13 Clarice ensina a técnica do origami a descendentes de japoneses e pra brasileiros curiosos em conhecer a arte. Hoje conta com a ajuda da amiga Mércia, mestiça, nascida no Brasil, aos 18 anos ela foi morar no Japão, onde aprendeu a técnica do xodó. A forma de escrever os caracteres conhecidos como kanji. Cada símbolo tem um significado: paz, amor, sorte e pra ela, tradição. Entrevista 13 – Mércia Yamamoto (administradora) “Manter a cultura japonesam, colocar em prática tudo aquilo que nós aprendemos com nossos antepassados, pra nós é uma questão de honra. Nós temos também a 115


responsabilidade de repassar, não somente de manter, mas repassar todos os valores, todos os princípios da cultura japonesa para as gerações vindouras.”

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OFF 14 Mesmo os descendentes que nunca foram ao Japão, procuram as origens por aqui, mesmo. E às vezes, o destino encarrega de ouvir histórias bem diferentes pra preservar uma cultura única. Foi assim que Teruko e Myoshi se conheceram. Nascida no Brasil Teruko aprendeu a técnica da cerâmica japonesa e compartilhou com Myoshi, que nasceu no Japão e veio pro Brasil ainda quando criança.

Entrevista 14 - Myoshi “Dá muito trabalho, muito paciência. Mas quem gosta é bom, né?!”

OFF 15 As lanternas, vasos e outros objetos orientais, foram o pontapé pra uma criação bem maior. Com a técnica da cerâmica japonesa que nasceu há mais de oito mil anos, Teruko cria utilitários e ornamentos de todos os tipos, um dos mais tradicionais, é o casal de dragões de origem chinesa. O Xi Sá ganhou em Okinawa, no Japão, um significado especial.

Entrevista 15 - Teruko “Esse bicho é assim: Os macho de boca aberta. As fêmea de boca fechada. Diz que não tira felicidade da casa.

- Bruno: E funciona? - Teruko: Risos. Acho que funciona, né?

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É na arte que os japoneses e descendentes encontram uma de compartilhar, de trocar experiências.

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A música e a dança tradicionais embalam encontros animados onde os mais novos tem o primeiro contato com a cultura das gerações mais antigas.

Sobe som Entrevista 16 – Élcio Shimabuco (músico) “O meu pai foi praticamente o professor de todos os japoneses de Campo Grande. Ele que difundiu tudo essa dança japonesa, dança okinawana praticamente, né? Aqui em Campo Grande.”

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OFF 17 A música é um dos passatempos que Elcio mais leva a sério. Com 69 anos, ele coleciona dezenas de troféus. Campeonatos de karaokê japonês conquistados em todo o País. Mas o prêmio que mais traz orgulho não foi ele que conquistou.

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Uma das maiores alegrias do avô coruja foi ver a pequena Júlia cantar em um campeonato de karaokê. Retomada entrevista 16 – Élcio Shimabuco (músico) “Foi o maior orgulho da gente, sabe? Ela com dois anos e três meses... Dois anos e três meses cantou. Era a mais jovem cantora do brasileirão na época, né? Ela entrou no palco, eu atrás dela assim, ela com o microfone... Tocou a música dela, né? E o chinelinho saiu do pé. Então ela cantando e tentando colocar o chinelinho, 117


sabe? E a turma ria, sabe? E mesmo assim ela conseguiu. Arrumou o chinelinho e terminou a música dela certinho, sabe? É muito importante, né. É importante porque preserva, né? Preserva a cultura e não esquece nunca, né?

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OFF 18 Persistência é o que esse grupo de poetas japoneses mais leva em consideração na luta pela preservação do Hai Cai, um tipo de poesia japonesa bem particular. Entrevista 17 – Tsuneyoshi Sassai (poeta) “Hai Cai é uma cultura japonesa que já tem mais de mil anos, né? E o poema mais pequeno do mundo, composto por 17 sílabas. Dentro destas sílabas, tem que representar a estação do ano. E também não pode ser explicativa. São 17 sílabas e não dá pra falar quase nada.

OFF 19 Hoje existem nove poetas que promovem encontros como este no Estado e compartilham os escritos. Retomada entrevista 17 – Tsuneyoshi Sassai (poeta) “Uns 30 anos atrás, aqui no Mato Grosso do Sul tinha bastante. Nosso grupo tinha mais de 30. Em Dourados tinha mais de 50 haicaistas. Naviraí, Nova Andradina e Cuiabá. Acabou tudo. Tem somente aqui em Campo Grande.”

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OFF 20 Na economia, na cultura, nas artes, na educação, as influências dos japoneses ajudaram a construir Campo Grande, cidade onde o Sol, nascente ou poente tem sempre um brilho novo pra iluminar o caminho de quem escolheu viver aqui.

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Entrevista 18 – Niltom Shirado (presidente da associação dos Okiwana de CG) “Uma contribuição, uma pequena contribuição que a comunidade deu pro povo de Campo Grande, de Mato Grosso do Sul. Isso é que é importante. Nós precisamos fazer o Brasil crescer, o Estado crescer, Campo Grande se tornar uma cidade bonita como está. Isso é o orgulho pra nós.”

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Nota retorno Cultura forte, né? Parabéns aos japoneses.

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ANEXO 4 – Cobertura da TV Guanandi

MIS expõe mostra dos cem anos da Ferrovia Noroeste do Brasil

Link da matéria: https://www.youtube.com/watch?v=mWChSn5eHFc

Matéria veiculada no dia 14 de maio de 2014

Repórter Euclides Fernandes

OFF 01 Os trilhos da Noroeste do Brasil mudaram o panorama socioeconômico do velho Mato Grosso, trazendo desenvolvimento e independência da região Sul do Estado em relação à capital Cuiabá, mas a importância não é só histórica e econômica, mas também humana, porque os trilhos foram parte do dia a dia de milhares de pessoas ao longo dos cem anos de existência da ferrovia.

Entrevista 01 – Carlos Versoza (Historiador) “Quando olhamos para uma exposição dessa, a gente lembra de quando a gente era criança, de nossos pais, das nossas viagens, dos nossos avós, dos nossos parentes que vinham, que iam pela Noroeste do Brasil, né?”

OFF 02 A exposição “Trilhos da Memória” tem como função social de resgatar as memórias quase esquecidas sobre a empresa, devido à privatização a abandono do patrimônio.

Retomada entrevista 01 – Carlos Versoza (Historiador) “Estamos em visita constante a algumas estações por demanda do próprio Ministério Público, né, que nos enquere periodicamente. Nós constatamos que existe esse 120


abandono, né... total. Então não existe esse cuidado com a Noroeste, com a sua memória.”

OFF 03 Esse resgate pode ser feito em imagens e em documentos. Uma vasta e importante bibliografia sobre a rede ferroviária também está à disposição de quem quer aprofundar os conhecimentos sobre essa importante parte recente do Brasil.

Entrevista 02 – Juciene da Rocha (Coordenadora da Biblioteca Estadual Isaias Paim) “Essa mostra na verdade é uma mostra que traz não só a história de ferro em Campo Grande, mas no Brasil também. Então nós temos uma mostra com vários tipos de livros nacional e também da região.”

Passagem A exposição Trilhos da Memória está inserida dentro de uma programação bem mais ampla que faz parte da 12ª Semana Nacional do Museu e aqui em Campo Grande envolve também outros museus da cidade.

Entrevista 03 – Rodolfo Ikeda (Coordenador do Museu da Imagem e Som) “Toda a programação da Semana Nacional de Museus pode ser visualizada no site do Ibran, que é www.museus.gov.br, né, então o museu de arqueologia da Universidade Federal, o Museu das Culturas Dom Bosco, o Museu de Arte Contemporânea, cada um tem o respectivo site, a respectiva programação.”

OFF 04 A oportunidade também é importante para incentivar a cultura através da visita a todos os museus da cidade.

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Retomada entrevista 03 – Rodolfo Ikeda (Coordenador do Museu da Imagem e Som) “A visitação aos museus, bem como a reflexão os acervos das instituições vem justamente no sentido de refletir sobre os erros e acertos do passado pra gente interferir no presente por consequência no futuro de uma sociedade melhor, mais íntegra e mais integrada com os seus anseios.”

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ANEXO 5 – Cobertura TV MS Record

Cem anos de estrada férrea coincide com imigração japonesa

Link da matéria: https://www.youtube.com/watch?v=0bySQ2cvmak

Matéria veiculada no dia 27 de agosto de 2014

Repórter Jacklin Andreucce

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OFF 01 Em 18 de junho de 1908, 781 japoneses chegaram ao Brasil a bordo do navio Kasato Maru. Até 1922, outros dois navios desembarcaram no país trazendo japoneses. Entre os passageiros estava seu Oshiro. Ele tinha 13 anos. Guardou o passaporte que mudou a vida dele e da família para sempre

Entrevista 01 – Tyuske Oshiro (aposentado) No dia 29 de outubro eu cheguei aqui em Campo Grande e tá até agora.

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OFF 02 O Japão estava em crise e depois da abolição da escravatura, o Brasil precisava de mão de obra para trabalhar nas lavouras de café e muitos nunca mais voltaram, principalmente por conta da Segunda Guerra Mundial. Com a decadência das lavouras de café, os japoneses começaram a buscar novos caminhos saindo das

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fazendas de São Paulo. Os pais de seu Oshiro vieram para Campo Grande buscando melhores condições de vida e esperança.

Passagem A imigração japonesa em Campo Grande se deu pela oportunidade de trabalhar nas estradas de ferro. O assentar dos trilhos foi como um novo traço na vida dos imigrantes japoneses que se espalharam pelo Brasil nos trechos da obra e uma das paradas foi aqui no Estado, aqui na Cidade Morena, em agosto de 1914. Até hoje, 48 imigrantes que vieram no navio Kasato Maru moram em Mato Grosso do Sul. Um em Dourados, 5 em Aquidauana e 42 em Campo Grande.

OFF 03 Celgo Higa é engenheiro eletricista e um apaixonado pela história dos descendentes. Estudou toda a trajetória da imigração japonesa para o Brasil e para Campo Grande. No acervo tem até a cópia do livro de bordo com o nome dos passageiros que desembarcaram há mais de cem anos no Brasil e conta como foi a chegada à Cidade Morena.

Entrevista 02 – Celso Higa (engenheiro eletricista) Esses japoneses que estão aqui em Campo Grande, eles ficaram por aqui “enradicados”, todos em função da estrada de ferro. A estrada de ferro fez uma transformação muito grande na região Sul do antigo Mato Grosso. E eles perceberam a oportunidade que teriam de crescimento por aqui, foram chamando seus parentes, conterrâneos, dizendo que aqui é um lugar bom para se viver e de muita oportunidade no futuro, né!?

OFF 04 Japoneses e descendentes representam cerca de 10% da capital de Mato Grosso do Sul.

“Oi o meu nome é Isabele” 124


Isabele faz parte da estatística. É japonesa e está há um ano no Brasil e chegou ao Brasil de uma maneira bem diferente dos imigrantes.

Entrevista 03 – Isabele Shimabukuru Eu cheguei com avião. Avião era muito legal. Foi em cima, em baixo, foi pra lá, pra cá e eu só fiquei cansada.

OFF 05 Isabele estuda na Escola Visconde de Cairu criada em 1918 para a educação dos filhos dos japoneses vindos para Campo Grande. A escola tem a maior parte dos alunos de olhinhos puxados, mas entre os japoneses, descendentes brasileiros que tiveram que se adaptar às regras da escola.

Entrevista 04 – Ana Carolina de Campos Eles possuem uma disciplina mais rígida. Eles cobram mais dos alunos em questão de ensinamento, tarefa, educação... Eles têm um respeito muito grande pelos alunos, assim como os alunos têm pelos professores.

OFF 06 Respeito é uma palavra que combina com os japoneses. Você se lembra desta imagem que rodou o mundo durante o Campeonato Mundial de Futebol no Brasil, em que os japoneses mostraram exemplo de educação e civilidade. Pois é. Nossa pequena japonesa, Isabele, foi enfática ao responder a minha pergunta sobre o nosso País.

Retomada entrevista 03 – Isabele Shimabukuru Repórter: O que que você acha de morar aqui no Brasil? Isabele: Gostei, mas todo mundo tem que aprender a jogar lixo no lixo. Eu não jogo lixo no chão, não. Por isso que todo mundo tem que aprender isso, por que se não ó, fica uma sujeira aqui no Brasil. 125


OFF 07 Além de ensinar algo tão simples e importante, Isabele fez questão de compartilhar algumas palavrinhas. -fala em japonês- Palavras que seu Oshiro também ensinou aos filhos e netos. Inilton lembra bem os ensinamentos do pai quando todos se juntavam em volta da mesa.

Entrevista 05 - Inilton Oshiro (funcionário público) Ele sentava na mesa de jantar. Ele, minha mãe e oito filhos, né!? Era uma bagunça completa, mas sempre sobrava tempo dele contar a história dele. Às vezes até comparando com a nossa vida, né!? Às vezes até pra dar o exemplo de que a gente era muito preguiçoso, essas coisas, então ele até pra nos dar uma lição, ele dizia como que ele vivia, como que ele passou a vida dele, né? Então, isso tudo a gente foi captando, né!?

OFF 08 Seu Oshiro mora há 78 anos em Campo Grande. Aqui formou a família, criou oito filhos e viu os netos crescerem. O filho da terra do sol nascente foi acolhido pela cidade da terra morena. Sente a falta da história que deixou para trás, mas quando viu que a história dele está aqui, não teve dúvidas.

Retomada entrevista 01 – Tyuske Oshiro (aposentado) 53 anos depois eu senti que não era pra morar em outro lugar. Era pra ficar aqui , mesmo, né!?

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