pátria
mariana moreira
Copyright © 2020 Mariana Moreira Azambuja Batista Todos os direitos reservados. Informações Técnicas Autora | Projeto Gráfico e Diagramação Mariana Moreira Azambuja Batista Orientação Prof. Dr. Rodrigo Sombra Sales Campos
Projeto Experimental do Curso de Jornalismo 2020 Faculdade de Artes, Letras e Comunicação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
Pátria é um nome, uma palavra, e é forte; tão forte, que nenhum mágico pronunciou feitiço maior e nenhum espírito respondeu a um chamado mais forte. - Charles Dickens
Fotografias de imigrantes e descendentes tiradas entre setembro e novembro de 2020 Campo Grande (MS).
uruguai
ISLA
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mercedes isla.
Sou uruguaia, e morei por 50 anos no Peru. Mas, antes, eu estive por um ano em São Paulo, com uma bolsa de estudos para gravuras. Nessa ocasião, Brasília ainda não tinha sido inaugurada e o Itamaraty organizou uma viagem para nós, bolsistas. Durante essa visita, conheci meu futuro marido e logo casamos. Eu aprendi a falar português com o violão, eu o trouxe para me acompanhar, e comecei a praticar o novo idioma naquela época, cantando. Os únicos discos que eu tinha eram os de Inezita Barroso. Neste tempo, se deu ainda um encontro muito lindo, fiz um grande amigo que me introduziu ao começo da Bossa Nova, que foi o Vinícius de Moraes. Eu tinha muita curiosidade em conhecer o que se falava como América Índia e América Negra, que era a Bahia. Cheguei lá com uma carta de Vinícius para os amigos, e eles me introduziram na cultura de verdade.
haiti
bernard e james
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FEFE BERNARD. Tenho
saudade de tudo! Estou aqui há cinco anos, e ainda, não fui para a praia.
JEUDY JAMES. Estou nessa vida de viagens há cinco anos. Do Haiti eu fui ao Chile fazer faculdade, e lá eles me olhavam diferente, tem racista tá! Depois fui para a Argentina, voltei ao Chile, fui até a Bolívia, e entrei no Brasil por Corumbá.
ALEMANHA e itália
kohlhase roda
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elisabety kohlhase roda.
Vovô João Fritz Kohlhase morou em Frankfurt, era um judeu alemão e por ter vindo para o Brasil perseguido após a Primeira Guerra Mundial, não falava muito sobre o passado. Já papai, italiano, foi sempre muito amoroso conosco. Ele lutou por quatro anos na Segunda Guerra Mundial e nunca foi ferido. Chegou ao Brasil em 1952, e casou em 1956. A mamãe durante sua vida, sempre foi uma máquina de trabalho e papai costumava dizer que ela era o melhor tanque de guerra alemão que ele já havia conhecido. Ele era apaixonado pelos alemães, e costumava falar para a gente que, se não a tivesse conhecido, não teria se casado. Ele só iria casar se fosse com uma “Tedesco”, que é como os italianos chamam os alemães.
líbano
IBRAHIM
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zuhair michel ibrahim. Meu pai, Michel Saouma
Ibrahim, libanês, foi o pioneiro no ramo de condimentos árabes em Campo Grande. Ele fundou a Confeitaria Árabe, e ajudou a disseminar a nossa culinária e iguarias aos campo-grandenses.
itália
roccati
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Rosãngela roccati.
Meu avô chamava-se Caetano Roccati, nasceu em Migliarina, na Itália. Ele veio para o Brasil na esperança de uma vida melhor, como todo imigrante. Constitui família e se casou com a minha avó Adelaide, que é espanhola. Minha mãe sempre contou que ele era uma pessoa à frente de seu tempo, muito amigo e parceiro dos quatro filhos. Ele foi preso porque falava demais em uma época em que não existia liberdade de expressão. Costumava ainda, pregar que, na bandeira do Brasil, o certo era escrever “desordem e retrocesso”. Isso em 1940 era considerado um escândalo. Acredito que tenho muito de sua personalidade e me orgulho da nossa história e família.
uruguai
ramos calves
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argeu ramos calves.
Meus avós vieram do Uruguai, se estabeleceram primeiro no sul do Brasil e depois vieram ao então Mato Grosso. Foi uma época muito díficil, em que a terra não tinha lei. Era muito comum os donos das fazendas serem enganados pelas famílias poderosas da região. O único cartório era em Nioaque [MS], uma longa viagem no lombo de um cavalo. Os “fortes” e “poderosos” registraram nossas terras como deles. De um dia para o outro tínhamos tudo, e, de repente, ficamos com nada!
japão
shakihama
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luciano shakihama.
Crescer com a cultura japonesa foi muito interessante, já que meus pais são do Japão. Sempre frequentamos a Associação Okinawa e, desde cedo, aprendi os valores empregados na cultura: obediência, respeito aos mais velhos, e lealdade. Se você não pisar na bola, o japonês sempre será seu amigo e estará disposto a te ajudar.
argentina
saves
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MARIA FLORÊNCIA SAVES.
A minha mãe é de Corumbá, e meu pai é de Buenos Aires. Eles se conheceram em Bariloche e namoraram cinco anos por cartas. Quando casaram, logo foram morar na Argentina, em Longchamps. Eu vivi até os meus cinco anos nessa cidade, e em 1991, nos mudamos para o Brasil. Eu me lembro que aqui, não entendia nada do que as pessoas falavam, e eu achava tudo muito esquisito, o idioma, e as pessoas eram muito diferentes fisicamente. A primeira vez que tomei coca-cola aqui em Campo Grande, achei um nojo, porque na Argentina, a minha mãe esquentava a bebida no fogão por conta do frio. Quando nos mudamos, meu pai não conseguiu trabalhar de imediato como médico. A revalidação do diploma dele demorou um ano, e foi bem sofrido. Ele passava 15 dias trabalhando de graça, como se fosse uma nova residência, e os outros 15 dias, ele exercia a medicina na fronteira, em Puerto Iguazú, para juntar dinheiro e nos manter.
líbano
anbar
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eid toufic anbar.
Os primeiros libaneses chegaram em Campo Grande, em 1906. Tiveram grande influência na política, na construção civil e foram os pioneiros na televisão, telefonia fixa e na medicina. Eu vim para o Brasil com 10 anos de idade, fui vendedor de vela em porta de cemitério, vendi pães na carroça e com muito esforço, me formei em engenharia, anos mais tarde. O povo brasileiro é acolhedor de uma forma impressionante, e me sinto mais à vontade aqui, do que no Líbano. Tive o privilégio de me naturalizar brasileiro e escolher fazer parte deste país.
haiti
MATHURIN e pierre
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WICHEQUINN MATHURIN.
Eu trabalhava em uma empresa de construção. Depois de um mês, quando chegou a hora de receber meu dinheiro, não quiseram dar salário para um estrangeiro. Todo dia cinco do mês os funcionários recebiam normalmente, e eu como haitiano, não recebi nada, mesmo trabalhando como todos os outros. Vim para o Brasil para trabalhar e ganhar mais. Meu país é cheio de zonas de perigo, troca de tiros, tem mortes, e eu não gosto da insegurança. Me deixa triste.
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espanha
perez
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michelly perez.
Minha família paterna é de Vigo, município da província de Pontevedra, localizado nas proximidades de Portugal. Em 2005, meus pais decidiram que nos mudaríamos para lá, e eu com 8 anos, vivenciei aquela experiência como uma brincadeira. A cultura, as pessoas, a forma de vida, tudo girava em torno do mar. Em 2015, retornei para o Brasil com a minha família, deixando para trás os amigos, as tias e os primos, mas, carregando uma bagagem imensa de conhecimento.
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japão
shakihama
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hidehiko shakihama. Eu cheguei no Brasil com 17
anos, entrei pela Bolívia e vim direto para Campo Grande. Trabalhei como fotógrafo até aposentar. Quando tinha 23 anos, estava em busca de uma esposa, e fui na feira livre em um domingo chuvoso. Só a Tsikako estava na barraca, sozinha. Nem a conhecia, perguntei onde morava, e avisei que a visitaria, bem direto. Quando cheguei em sua casa, toda a sua família já estava me esperando. E de lá para cá, já se vão 51 anos de casamento.
bolívia
ayca
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mônica ayca. Eu vim para o Brasil em 2000, pela
primeira vez. Retornei para a Santa Cruz de la Sierra e lá conheci o meu marido, noivei e casei. Ele era paranaense, e como os pais dele ficaram doentes, voltamos para o Brasil. Foi um período muito difícil e eu não queria ficar aqui, queria retornar para a Bolívia. Acabamos voltando para minha terra natal e, como meu esposo quis me agradar, propôs morarmos no meio do caminho entre a Bolívia e o Paraná, em Campo Grande.
japão
muta
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sérgiomuta. Sou da terceira geração [sansei], meus
avós Kame Akamine e Shinhei Akamine, vieram do Japão no primeiro navio que desembarcou no Porto de Santos [SP]. Depois da Segunda Guerra Mundial, que destruiu o país, a fome e as promessas do governo brasileiro os trouxeram até aqui. O intuito era trabalhar e retornar para Okinawa o mais rápido possível. Mas, quando chegaram no Brasil, as condições apresentadas não eram as prometidas, e como muitas famílias que deixaram parentes no país de origem, eles nunca mais tiveram contato com seus familiares.
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portugal
thomé
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EMILCY THOMÉ GOMES.
Através dos depoimentos do meu avô Manoel Secco Thomé, em cartas, destinadas à sua irmã, pude reconstituir a nossa história. A minha família foi considerada como a de maiores construtores dos anos 1930 em Mato Grosso do Sul. Eu vejo o meu avô no Relógio da 14 de Julho, no Obelisco, nos prédios dos Correios, do Colégio Dom Bosco, nos cinemas que foram demolidos, na vila dos oficiais na rua Barão do Rio Branco. Eu sinto a sua presença, em todos os cantos da cidade.
japão
shakihama
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tsikako shakihama. Eu vim direto de Okinawa para
Campo Grande em 1954. Na época, estava com quatro anos de idade. Sempre me senti brasileira, e meus filhos, para falar a verdade, nem japonês falam. São bem campo-grandenses mesmo.
colômbia
álvarez
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manuel fernando ossa álvarez. A vida na Colômbia
é difícil, o salário para os profissionais é muito baixo e não é um bom país para trabalhar. Eu mudei para o Brasil há um ano e meio. Inicialmente, era para morar aqui por apenas um ano, mas, por conta da pandemia, fiquei mais um pouco. Os primeiros dois meses no país foram os mais difíceis, aprendi o português com as músicas sertanejas, conversando com as pessoas e com tutoriais no YouTube.
senegal
gueye
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BABACAR GUEYE.
Eu era alfaiate no Senegal, aprendi com o meu avô. Nossa empresa produzia uniforme, boinas e caps militares para o Governo. Quando a fábrica fechou, vim até a Bolívia para imigrar para o Brasil. De Corumbá fui para Porto Alegre [RS] e lá fiquei 10 meses. Prefiro morar em Campo Grande, aqui é mais tranquilo, menos perigoso e tem menos racismo. Depois de trabalhar como ambulante, agora tenho minha loja de costura na Feira Central. Aprender o português foi muito complicado porque no Senegal falamos francês, a língua mais bonita do mundo, além de alguns dialetos.
paraguai
cafure
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ricardo zelada cafure.
As universidades brasileiras são bem conceituadas. O sonho de qualquer aluno é estudar na melhor faculdade e eu vim de Concepción em 1985 por conta disso. Estudei engenharia civil por dois anos em Salvador [BA], e terminei a graduação na UFMS [Universidade Federal de Mato Grosso do Sul]. Como fui direto do Paraguai para a Bahia, a adaptação não foi fácil. O Brasil é um país continental e cada estado possui suas gírias e seus costumes. Quando fui obrigado a aprender o português de forma rápida, tive realmente um choque cultural com tantos sotaques diferentes.
haiti
pierre
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carline pierre.
Tentei me comunicar em três idiomas diferentes com Carline, em português, inglês, e francês com a ajuda do Google Tradutor. Entretanto, por conta de sua insegurança com o português, Wichequinn (seu marido) assumiu o papel de tradutor e interlocutor, na sala de estar da residência do casal. Ao mesmo tempo que a língua abre portas, ela também as fecha, com respostas de sim e não, o que fica é um ambiente de solidão, impotência e silêncio! A comunicação passa a ser por meio do olhar, marejado, ao relembrar da filha que não vê há anos. “Ela foi morar com o pai nos Estados Unidos”. E após esse instante de nostalgia, o silêncio se fez presente na sala mais uma vez.
japão
seiji nishi
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eduardo seiji nishi. Sou da segunda geração [nissei]
e na minha casa a influência japonesa sempre foi muito presente, com a culinária, a língua e a filosofia seicho-no-ie. Os princípios éticos que herdei do povo nipônico são muito fortes e tenho orgulho e gratidão pelos meus ancestrais.
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japão
higa nishi
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isabela Saemi higa nishi.
Faço parte da terceira geração [sansei]. Acredito que a cultura japonesa influenciou bastante a minha vida por meio da música, do karaoke, dos festivais, da comida, da religião e da língua. Eu tenho muito orgulho dos meus antepassados que tiveram coragem de migrarem para um país muito diferente, na busca de uma vida melhor.
Agradecimentos
Mãe, pai e tia Kátia, sem vocês, eu não teria o privilégio de fazer o que eu amo. Mônica, Carol e Mateus, minha vida só faz sentido por tê-los como irmãos. À Helena, razão dos meus sorrisos todos os dias! Aos amigos que me acompanharam durante a longa jornada da graduação, saibam que vejo muitos de vocês em cada retrato que eu tiro, e em cada história que eu conto. Gratidão ao professor Rodrigo Sombra, que aceitou orientar este projeto e demonstrou entusiasmo pelo mesmo. Suas palavras de apoio, me fizeram acreditar que mesmo em meio à todas as adversidades, chegaríamos em um bom resultado de trabalho. Pátria é para a vó Dalva, que sempre acreditou em sua futura e preferida jornalista, te amo na mesma proporção que sinto a sua falta! Por último, agradeço aos imigrantes e descendentes que compartilharam comigo, uma parte de suas histórias e permitiram que eu transformasse em fotolivro.
Mariana Moreira
PÁTRIA
1º Edição [2020]