UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
LIVRO-REPORTAGEM Pelo Espelho Retrovisor: um olhar humanizado sobre a rotina dos caminhoneiros
ANA HECK FLÁVIA LIMA VANESSA ALBUQUERQUE
Campo Grande NOVEMBRO / 2013
LIVRO-REPORTAGEM Pelo Espelho Retrovisor: um olhar humanizado sobre a rotina dos caminhoneiros
ANA CLÁUDIA HECK FLÁVIA SILVA LIMA VANESSA ALBUQUERQUE DE OLIVEIRA
Relatório apresentado como requisito para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Comunicação Social / Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva
UFMS Campo Grande NOVEMBRO- 2013
SUMÁRIO
Resumo .................................................................................................. p. 4 1 - Alterações no plano de trabalho ....................................................... p. 5 2 - Atividades desenvolvidas ................................................................. p. 7 3 - Suportes teóricos adotados .............................................................. p. 17 4 - Objetivos alcançados ....................................................................... p. 23 5 - Dificuldades encontradas ................................................................. p. 24 6 - Despesas (orçamento) ..................................................................... p. 25 7 - Conclusões ...................................................................................... p. 26 8 - Apêndices ........................................................................................ p. 28 9 - Anexos ............................................................................................. p. 29
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RESUMO O livro-reportagem “Pelo Espelho Retrovisor: um olhar humanizado sobre a rotina dos caminhoneiros” aborda o cotidiano do profissional de carga, bem como suas condições de trabalho, suas relações familiares e suas relações com os empregadores, quando esses existem. O relatório visa apresentar o processo de produção do livro. As atividades, que aqui constam, são baseadas em um planejamento prévio, levando em consideração as dificuldades encontradas para captação de informações. Para o desenvolvimento da narrativa jornalística humanizada foi necessário embasamento teórico, viagens para observação e entrevistas pessoais.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Jornalismo; Livro-reportagem; Caminhoneiro.
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1. ALTERAÇÕES DO PLANO DE TRABALHO
Com base no pré-projeto previamente apresentado, a metodologia do trabalho possui três etapas: pesquisa bibliográfica, trabalho de campo e a construção da narrativa propriamente dita. Não houve alterações significativas na estrutura prevista. Do ponto de vista técnico, recorreu-se no desenvolvimento deste trabalho a referências bibliográficas que são fundamentais para o contato com o universo que se explorou. Tais referências, como livros, monografias e trabalhos de conclusão de curso, são relacionadas ao grupo social dos caminhoneiros e às técnicas jornalísticas em si. As referências ligadas ao jornalismo serviram de suporte para a construção da narrativa humanizada. Notícias, reportagens e estatísticas que remetem ao assunto também foram utilizadas, assim como algumas regulamentações que envolvem a prática da profissão – a exemplo do Código de Trânsito e da Lei 12.619/2012. O trabalho de campo consistiu na imersão do grupo no ambiente dos profissionais de carga. Nessa etapa, o grupo sentiu a necessidade de realizar viagens, acompanhando o universo dos caminhoneiros, além da captação de informações com os profissionais fora de seu ambiente de trabalho, geralmente em casa, onde ocorreram os diálogos das pesquisadoras com familiares. Durante toda a realização do trabalho de campo usou-se o método de observação participante, que se baseia na observação inicial e no contato posterior para entender a totalidade das práticas do grupo pesquisado. O projeto também apresentou como parâmetro o seguinte cronograma de atividades:
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MÊS/ETAPAS Fevereiro Março Abril Maio Junho Julho Agosto Setembro Outubro Novembro Dezembro Escolha do tema Levantamento bibliográfico Elaboração do anteprojeto Apresentação do projeto Coleta de dados Análise dos dados Organização do roteiro/partes Redação do trabalho Revisão e redação final Entrega da monografia Defesa da monografia Viagens
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X X X
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X
X
X X X X
X
X
Conforme previsto, a primeira experiência de observação participante deu-se no mês de agosto e, por dificuldades de encontrar fontes durante a viagem, o grupo optou por não viajar no mês de setembro e concentrou o trabalho em entrevistas previamente marcadas. A redação e a revisão final não se deram apenas no mês de outubro, como previsto, mas também durante o mês de novembro. O grupo acabou por focalizar a coleta de dados no mês de outubro – o que, consequentemente, acarretou em uma mudança no período dedicado à construção da narrativa. Nas demais demarcações, o cronograma foi seguido como o planejado.
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2. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
As atividades desenvolvidas seguiram o plano de trabalho anteriormente apresentado. Os itens a seguir relatam de modo sucinto essa construção.
2.1 Período Preparatório: As leituras foram o primeiro passo para ambientação do grupo. Reportagens, notícias e monografias sobre o assunto serviram de base para uma compreensão inicial da profissão dos caminhoneiros. Livros e textos sobre as técnicas jornalísticas usadas no desenvolvimento de um livro-reportagem também foram essenciais para que o grupo delimitasse a metodologia utilizada. Por fim, as reuniões realizadas com o orientador foram fundamentais para o encontro do foco do produto construído. Todo esse processo foi seguido de acordo com o plano traçado inicialmente. 2.2 Execução: Na fase inicial do livro, o grupo montou um roteiro de perguntas-base para as entrevistas. Também de início, foi realizada uma viagem com um profissional – pai de umas das integrantes – de Sidrolândia (MS) a Rio Claro (SP), seguindo a Ibaté (SP) e voltando ao ponto de partida, o que proporcionou uma primeira experiência nas estradas. A viagem foi realizada entre os dias 13 e 17 de agosto. Durante o percurso, o grupo percebeu algumas dificuldades do ofício de caminhoneiro, como a longa espera pela carga, estradas sucateadas, falta de segurança, lugares inadequados para que o motorista pudesse descansar, muitos pontos de pedágio, entre outros. Alguns pontos positivos também foram percebidos, como a facilidade de encontrar serviços de borracharia e mecânica, postos de combustível com boa estrutura de atendimento e até mesmo a paisagem que acompanha o motorista. Ainda durante essa experiência, houve, de maneira informal, o contato com alguns motoristas. Esse contato permitiu uma imersão parcial em suas rotinas. É 7
importante salientar que a principal contribuição da viagem foi a observação direta, que proporcionou a vivência do cotidiano nas estradas, parte substancial da observação participante, embora o aprofundamento com as entrevistas se deu em fase posterior. O primeiro contato formalizado em entrevista aconteceu com uma família em que o pai e os dois filhos trabalham como caminhoneiros. Onésio, Gedimarcos e Jérico Gelli moram na mesma casa em Sidrolândia. O pai é caminhoneiro desde os 16 anos. Os filhos tentaram outra profissão, mas acabaram seguindo o mesmo caminho. Hoje os três trabalham em família. A entrevista de mais de uma hora foi realizada na casa dos profissionais no dia 8 de setembro (ver Entrevista 1 no Apêndice deste relatório). A segunda entrevista foi com Arlindo Afonso Strack, empresário que também trabalha em família, com os dois irmãos. Atualmente, a empresa possui 13 caminhões e só Strack não dirige mais. O empresário relembrou como foi o início de sua vida de caminhoneiro, as dificuldades que enfrentou e como coordena hoje outros profissionais. Além disso, ele também é presidente da Cooperativa de Transportes de Sidrolândia – a Cootransidro. A conversa aconteceu no dia 10 de setembro na sede da cooperativa e durou cerca de uma hora e meia (ver Entrevista 2 no Apêndice deste relatório). Para que pudéssemos compreender o sentimento de quem fica em casa à espera do pai, do esposo ou do filho, fizemos contato com Andréia Orlando, filha de caminhoneiro e que nos levou a reconhecer de que maneira ocorre o convívio com um pai ao mesmo tempo presente e ausente. O diálogo ocorreu na residência da entrevistada no dia 20 de setembro e durou aproximadamente uma hora (ver Entrevista 3 no apêndice deste relatório). A entrevista seguinte foi realizada com José Paulo de Lima, funcionário da empresa de Arlindo, a Strack Transportes Ltda. Ele esteve bastante reticente a falar no começo. Estava receoso em não se lembrar de tudo e preferiu responder perguntas relacionadas ao emprego atual, por ser mais recente. Tiririca, como prefere ser chamado, falou também das condições atuais das rodovias e de alguns problemas enfrentados pelos profissionais. A entrevista foi feita no pátio da empresa, no dia 21 de setembro e durou em torno de 20 minutos. (ver Entrevista 4 no apêndice deste relatório).
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O quinto contato foi com um profissional que não está mais na estrada. Ivo Delavi, 66 anos, trabalhava a 13 anos com caminhão quando se acidentou e teve que largar o oficio. Ele e sua esposa Vanessa dos Santos Delavi, 28 anos, nos relataram uma das histórias mais interessantes do trabalho. Os dois moraram por cerca de quatro anos dentro do caminhão. A entrevista se deu no dia 29 de setembro na residência dos entrevistados, em Sidrolândia, e levou cerca de 40 minutos (ver Entrevista 5 no apêndice deste relatório). Ainda com a intenção de compreender a totalidade da profissão, o grupo buscou outros caminhoneiros. Desta vez sem agendamento. Fomos ao encontro de profissionais de carga que esperavam para descarregar o caminhão em um supermercado da cidade de Campo Grande. O grupo contou com dois entrevistados nessa ocasião: José Garcia e Fabrício Juntes. Ambos com vasta experiência nas estradas brasileiras. O primeiro tem 55 anos de idade e 15 de profissão, enquanto Juntes está com 35 anos de idade e 17 anos guiando seu caminhão. As entrevistas foram feitas no dia 8 de outubro (ver Entrevista 6 e Entrevista 7 no apêndice deste relatório). Em busca de mais histórias, o grupo locomoveu-se até a cidade de Terenos pequeno município de Mato Grosso do Sul, distante 27 quilômetros da capital. A entrevista foi com Eraldo Pereira dos Santos, que trabalha com transporte de carga a 40 anos. Eraldo, ao contrário de muitos, não herdou o ofício do pai. Ele fez relatos sobre as dificuldades de trabalhar fora do país, sobre um acidente em que se envolveu e sobre uma tentativa de assalto. Coletamos essas informações em sua casa no dia 12 de outubro, em entrevista com duração de 40 minutos (ver Entrevista 8 no apêndice deste relatório). No mesmo dia, em Sidrolândia, uma das integrantes entrevistou Carlos Augusto Marks, 46 anos, e sua esposa Maria Cleuza Maccarini Marks, 43 anos. A entrevista foi dada no jardim da casa dos entrevistados. Carlos é chamado de Caio desde pequeno e é conhecido por todos assim. Um caminhoneiro que dirigiu por praticamente todo o país e agora planeja viajar mais para conhecer o restante. Com ele foi possível perceber com bastante clareza as relações familiares e como essas são
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alteradas no interior do lar durante as viagens. A entrevista levou cerca de uma hora e 30 minutos. (ver Entrevista 9 no apêndice deste relatório). Havíamos escutado como era a vida de Celso Orlando por intermédio de sua filha Andréia, mas tivemos também a oportunidade de conversar com o próprio. O caminhoneiro de 67 anos mora em Limeira – cidade do interior de São Paulo - e fez um carregamento para Campo Grande, hospedou-se na casa de sua filha e fomos convidadas a entrevistá-lo. O grupo pôde, dessa maneira, ter mais um contato com o mundo que envolve o caminhoneiro. Celso é daqueles que gosta de contar histórias e a entrevista durou pouco mais de uma hora e meia, no dia 17 de outubro. (ver Entrevista 10 no apêndice deste relatório). Em todos os diálogos, utilizou-se gravadores e, em alguns casos, uma câmera fotográfica. Vale salientar que as entrevistas transcritas neste relatório foram corrigidas com base na ortografia, respeitando o código de ética dos jornalistas, uma vez que não alteramos o que foi dito por nossos entrevistados. Depois de coletarmos todas as informações possíveis, começamos a construir a narrativa. No primeiro momento, a tentativa foi escrever todos os capítulos a seis mãos, o que não deu certo por questões operacionais. Na sequência, optou-se por dividir as tarefas. Com a construção do sumário e a decisão de que o livro teria sete capítulos e uma introdução, o recurso foi distribuir as funções. Cada integrante ficou responsável pela construção de até três capítulos. Cada capítulo trata da humanização da profissão de caminhoneiro. A opção metodológica de envolvimento do grupo com o universo particular da profissão não permitiu, por outro lado, a abordagem verticalizada de algumas variáveis como a prostituição nas estradas e o uso de entorpecentes, embora as duas questões tenham sido tocadas em diferentes momentos da obra. Dessa maneira, tivemos no primeiro capítulo a apresentação propriamente dita do personagem complexo – um personagem elaborado a partir da pesquisa jornalística para ilustrar os diferentes dados e pontos de vista apurados. Isto é, foi neste momento em que se optou por lançar mão do fio condutor do enredo – narrativa criada com base nos dados coletados, na experiência do grupo durante a viagem, no cruzamento das informações e na observação feita em cada entrevista. Foi também 10
nessa apresentação que o grupo decidiu mostrar de maneira mais geral o universo da profissão. No segundo capítulo revelou-se a relação de trabalho entre funcionários e patrões, bem como as responsabilidades de um profissional autônomo. Foi também aqui que se apresentou o salário base de um caminhoneiro. Os dois primeiros capítulos integram a parte denominada “Eu” – uma auto-descrição da profissão. A segunda parte do livro, intitulada “Tu”, inicia-se com um desenho mais humanizado do personagem. O terceiro capítulo visa mostrar a relação do caminhoneiro com seu instrumento de trabalho: o caminhão. Além desse relacionamento, apresentamos aqui os principais modelos de caminhões. Logo após, iniciamos o capítulo Horizontes. Nele, é descrita uma viagem feita pelo personagem. Nesse capítulo, a principal preocupação gira em torno da espera para carregar e descarregar, das demoras em postos fiscais e das condições em que os caminhoneiros aguardam. Ainda integrando a segunda parte do livro, vem o quinto capítulo. Agora, questões como o estado das estradas, os gastos com pedágios e os números de acidentes em que os motoristas de transporte de carga se envolvem são evidenciadas. Inicia-se então o sexto capítulo, juntamente com a terceira parte do livro – chamada de “Eles”. A relação que o caminhoneiro tem com sua família enquanto viaja é ponto fundamental desse capítulo. Aqui também é retratada a satisfação que os motoristas demonstram ao levar suas famílias na boleia dos caminhões, uma prática comum entre eles. Finalmente o último capítulo, Roda viva, narra o retorno para casa – o fim da viagem que o personagem executou. Aqui, se ilustra a exaustão do motorista, a saga até conseguir chegar ao seu lar e principalmente como sua família o recebe e como ele volta a adaptar-se ao convívio familiar. O título do capítulo remete a continuidade da rotina de viagens dos caminhoneiros que, geralmente, passam apenas o final de semana em seu lar. Após o fechamento e revisão dos capítulos, foi dado início à diagramação do livro. A montagem foi no formato A5 (15X21cm), resultando em um livro de 113 páginas. De forma ilustrativa, as fotografias feitas durante a viagem foram inseridas no início de cada capítulo depois de passarem por um processo de edição. 11
2.3 Revisão Bibliográfica: Tal como apresentado no pré-projeto, a pesquisa teve como eixo principal o cotidiano dos caminhoneiros. Para isso, de acordo com o relatório da organização Childhood Brasil,
Ao nos permitirmos uma aproximação ao mundo dos caminhoneiros e à sua cultura, nos deparamos com uma diversidade e uma riqueza de características pessoais tão amplas quanto parece ser o número de caminhoneiros existentes em nosso país. (CHILDHOOD BRASIL, 2005, p.19).
Para Maria Luisa Scaramella (2004), a ideia de progresso foi historicamente sustentada no país pela logística de ‘abrir estradas’, o que contribuiu para um aumento de 116 mil quilômetros de rodovias em 18 anos e, consequentemente, para o aumento no número de caminhões que circulam por elas, bem como no número de seus condutores. Hoje, segundo o Registro Nacional de Transportadores de Carga da Agência Nacional de Trânsito (2013), 1.962.091 de caminhões cruzam as estradas brasileiras, sendo que a maioria pertence a 134.438 empresas transportadoras. O restante da frota está dividido entre transportadores autônomos, 889.747, e cooperativas, 14.645. O
Programa
Ambiental
do
Transporte
–
Despoluir
realizado
pela
Confederação Nacional dos Transportes (CNT)1 busca traçar um perfil do profissional que trabalha no Brasil. A pesquisa, realizada com mil caminhoneiros em 63 postos de 35 cidades, mostra que 59,7% são autônomos e 40,3 % trabalham como empregados. Mostra também que apenas 0,5% desses profissionais são do sexo feminino. A idade média desses trabalhadores é de 42,2 anos e 45,2% não possuem ensino médio como nível de escolaridade. Esses percorrem, em média, mais de 10 mil quilômetros com seus caminhões carregados com 19 toneladas. Autônomos ganham aproximadamente R$ 4.902,40 por mês ao passo em que R$ 3.166,020 são recebidos pelos empregados de frota. 1
A pesquisa foi apresentada no relatório “Caminhoneiros no Brasil: Relatório Síntese de Informações Ambientais”. Ver: Confederação Nacional dos Transportes (2013).
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Para que fosse possível abordar o envolvimento de caminhoneiros em acidentes, levou-se em conta o Anuário Estatístico das Rodovias Federais 2010 (acidentes de trânsito e ações de enfrentamento ao crime), produzido pelo Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), em parceira com o Departamento de Polícia Rodoviária Federal. No documento fica claro que os transportes de carga representam parte significativa de acidentes ocorridos nas estradas; perdem apenas para os carros de passeio. Por exemplo, em acidentes com morte, os caminhoneiros estão envolvidos em 3.343, enquanto os veículos menores representam 4.372. Parte da pesquisa consta no anexo deste relatório. A compreensão do estado das rodovias por onde passam quase diariamente os caminhoneiros se deu por meio do Relatório Gerencial – Pesquisa CNT de Rodovias 2013. Até o primeiro semestre de 2013, foram analisados 96.714 quilômetros de rodovias federais e estaduais pavimentadas em todo o país2. Os resultados mostram que 36,2% dos trechos pesquisados apresentam condições satisfatórias. Nos outros 63,8% identificou-se problemas no pavimento, na sinalização ou na geometria da via. O resultado indica a necessidade de maiores investimentos para que se possa melhorar a situação existente, seja na reconstrução ou na manutenção das rodovias brasileiras. Por outro lado, a tentativa de compreensão da complexidade da profissão dos caminhoneiros pede muito mais do que o simples entendimento do universo contado por eles mesmos. É necessário “despir-se de sua própria cultura e perceber a cultura do outro” (LAGO & BENETTI, 2008). Para tanto, utiliza-se a pesquisa de campo e a observação participante, elementos-base da antropologia, que sugerem a participação in loco daquele que estuda outras manifestações culturais, de forma que se aproprie do método para entendê-las – ou seja, de acordo com o antropólogo francês François Laplantine, citado por Lago e Benetti (2008, p.51):
Não consiste apenas em coletar, através de um método estritamente indutivo uma grande quantidade de informações, mas em impregnar-se dos temas obsessionais de uma sociedade, de seu ideiais, de suas angustias.
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Pesquisa realizada pela Confederação Nacional do Transporte.
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Quanto ao método de entrevista, o grupo traçou um perfil humanizado desses profissionais que são “condenados” a estereótipos que muitas vezes não condizem com a realidade por eles vivida. Cremilda de Araújo Medina (1986, p.18) defende essa relação humanizada no ato da entrevista jornalística, “uma entrevista aberta
que
mergulha
no
outro
para
compreender
seus
conceitos,
valores,
comportamentos, histórico de vida”. Finalmente, o livro-reportagem em questão apresenta como base de apoio viagens feitas pelo grupo. Nesse sentido, Edvaldo Pereira Lima (2004, p. 58-59) deixa claro que tal modalidade de produção difere do relato meramente turístico “por ter nítida preocupação com a pesquisa, com a coleta de dados. O conhecimento constrói-se ao longo do livro, por via da ótica jornalística”.
2.3.1 Livros BARCELLOS, Caco. Rota 66. 6. ed. São Paulo: Globo, 1992. BOAS, Sergio Vilas (Org). Jornalistas literários: narrativas da vida real por novos autores brasileiros. São Paulo: Summus, 2007. BULHÕES, Marcelo. Jornalismo e Literatura em convergência. São Paulo: Ática, 2007. CAPOTE, Truman. A Sangue frio. São Paulo: Companhia das Letras, 2003. CHILDHOOD BRASIL. O perfil do caminhoneiro no Brasil. Rio Grande do Sul, 2005. KOTSCHO, Ricardo. Do golpe ao planalto: uma vida de repórter. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. LAGO, Cláudia; BENETTI, Márcia. Metodologia de Pesquisa em Jornalismo. Rio de Janeiro: Vozes, 2008. LIMA, Edvaldo Pereira. Existem em todas... in: BOAS, Sergio Vilas (Org). Jornalistas literários: narrativas da vida real por novos autores brasileiros. São Paulo: Summus, 2007. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 2.ed. São Paulo: Manole, 2004.
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MEDINA, Cremilda Celeste de Araújo . Entrevista, o diálogo possível. 1. ed. São Paulo: Ática, 1986. PENA, Felipe. Teoria do jornalismo. São Paulo: Contexto, 2008.
2.3.4 Redes, sites, e outros: AGÊNCIA NACIONAL DE TRÂNSITO (ANTT). Registro Nacional de Transportadores de Carga. Disponível em: <http://appweb2.antt.gov.br/rntrc_numeros/rntrc_ TransportardorFrotaVeiculo.asp>. Acesso em: 9.ago.2013. BALDUSSI, Davi. Lei do Descanso: Nos EUA, o assunto é sério. Carga Pesada, Iowa e Oklahoma, edição 165, dez. 2012. Disponível em: <http://www.cargapesada.com.br/ revista/2012/12/01/nos-eua-o-assunto-e-serio.htm>. Acesso em: 28 fev. 2013. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES (CNT). Caminhoneiros no Brasil: Relatório Síntese de Informações Ambientais. Disponível em: <http://www.cntdespoluir.org.br/paginas/Pesquisas.aspx>. Acesso em: 9.ago.2013. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES (CNT). Relatório Gerencial: Pesquisa CNT de Rodovias 2013. Disponível em: <http://pesquisarodovias.cnt.org.br/Paginas/relGeral.aspx>. Acesso em: 30.out.2013. CONFEDERAÇÃO NACIONAL DOS TRANSPORTES (CNT). Simulador de Financiamento de Veículos. Disponível em: <http://www.cnt.org.br/Paginas/Simuladorde-Financiamento.aspx>. Acesso em: 01.nov.2013. CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO. Resolução nº 290, de 29 de agosto de 2008. CONSELHO NACIONAL DE TRÂNSITO. Resolução nº 210, de 13 de novembro de 2006. DAVILLA, Anna Regina. Caminhoneiros relatam pós e contras da profissão. Universidade de Araraquara (SP), Araraquara, maio 2012. Disponível em: <http://www.uniara.com.br/ageuniara/artigos.asp?Artigo=5831&Titulo=caminhoneiros_re latam_pos_e_contras_da_profissao. ?htm>. Acesso em : 28 fev. 2013. DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRUTURA DE TRANSPORTES (DNIT). Peso Máximo para Veículos de Carga. Disponível em: <http://www1.dnit.gov.br/Pesagem/peso_maximo.htm>. Acesso em: 5.ago.2013. DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRAESTRURA DE TRANSPORTE DE CARGA (DNIT): Anuário Estatístico das Rodovias Federais 2010. Disponível em: <www.dnit.gov.br_rodovias_operacoes-rodoviarias_estatisticas-de-acidentes_anuario2010> . Acesso em: 03.nov.2013 15
DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRÂNSITO. Portaria nº 63, de 31 de março de 2009. DEPARTAMENTO NACIONAL DE TRÂNSITO. Portaria nº 1207, de 15 de dezembro de 2010. HAAS, Evelyn. Atenção com a quinta-roda pode fazer toda diferença na segurança da sua viagem. Disponível em: <http://www.brasilcaminhoneiro.com.br/V4/tecnologias/atencao-com-a-quinta-rodapode-fazer-toda-diferenca-na-seguranca-da-sua-viagem/>. Acesso em: 01.nov.2013. PORTAL G1. Em uma noite, 17 caminhoneiros são presos com rebite em BRs de SC. 01 de março de 2013. Disponível em: <http://g1.globo.com/sc/santacatarina/noticia/2013/03/em-uma-noite-17-caminhoneiros-sao-presos-com-rebite-embrs-de-sc.html>. Acesso em: 15.ago.2013. PORTAL VOLVO DE SEGURANÇA NO TRÂNSITO. <http://www.pvst.com.br/>. Acesso em: 15.ago.2013.
Disponível
em:
SOUZA, José Carlos, PAIVA, Teresa and REIMÃO, Rubens. Sono, qualidade de vida e acidentes em caminhoneiros brasileiros e portugueses. Psicol. estud., Set 2008, vol.13, no.3, p.429-436. ISSN 1413-7372. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v13n3/v13n3a03.pdf>. Acesso em: 28 fev. 2013. STREIT, Rosalvo. Regulamentação da profissão de motorista começa a valer. Revista Caminhoneiro, junho de 2012. Disponível em: <http://www.revistacaminhoneiro.com.br/vida_no_caminhao/o_caminhao/o_caminhoneir o/regulamentacao_da_profissao_de_motorista_comeca_a_valer.htm>. Acesso em : 28 fev. 2013.
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3. SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS
Seguindo a proposta do pré-projeto, o trabalho tomou como base a concepção teórica de livro-reportagem, um gênero formalmente definido, sendo dividido em subgêneros. O livro em desenvolvimento tem como principal base viagens, ligandoo mais diretamente ao que Lima (2004, p. 58-59) define como “livro-reportagemviagem”.
Este difere dos relatos feitos por viajantes, geralmente conhecidos como
“diário de bordo”, já que utiliza técnicas do jornalismo para sua construção, como a pesquisa, a coleta de dados e a análise de pontos negativos e positivos. As discussões abordadas buscam enquadrar de forma sociológica, histórica e humanizada os vários aspectos da realidade do local. A narrativa em debate também pode se associar a outro subgênero definido por Lima (2004, p.53): o livro-reportagem-retrato, que “não focaliza uma figura humana, mas sim uma região geográfica, um setor da sociedade, um segmento da atividade econômica, procurando traçar um retrato do objeto em questão”. Durante a construção do livro, esses foram levados em consideração a fim de elucidar a complexidade e os problemas do grupo social em questão. No mais, a leitura de alguns livros-reportagem contribui para a construção da narrativa. Truman Capote (2003), por exemplo, em seu livro A Sangue Frio, a respeito do assassinato de quatro pessoas da mesma família nos Estados Unidos, busca envolver os leitores em um relato profundamente descritivo que remonta ao perfil dos personagens – seja das vítimas da chacina, seja dos assassinos –, traçando em ordem cronológica um fio condutor do momento do crime até a prisão e execução dos acusados. Em Rota 66, de Caco Barcellos (1992), percebe-se o aprofundamento nos relatos que estão presentes em suas páginas. O autor insere seus leitores no universo que desenha: casos de pessoas executados pela polícia de elite de São Paulo. Além de buscar informações com testemunhas dos assassinatos, Barcellos mergulha em documentos oficias para fazer o cruzamento de informações e chegar ao denominador comum dos casos de mortes.
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As formas com as quais os dois autores – Capote e Barcellos – se apropriam das técnicas de pesquisa, observação, imersão, caracterização e descrição servem de referência na construção do livro, viabilizando a criação de um enredo no qual seja possível visualizar a vivência dos profissionais de carga. Nesse contexto, embora trabalhem com dimensões diferentes – a ficção e a imediaticidade dos fatos –, a literatura e o jornalismo são formas narrativas que apresentam algumas similitudes. Argumenta Marcelo Bulhões:
É preciso, agora, chegar à sugestão da possibilidade de convergências entre gêneros literários e jornalísticos. É apropriado ensaiar um gesto que recolha diversas configurações dos gêneros do jornalismo e da literatura como fios que se movem e se lançam a um contato estreito, os quais podem revelar afinidades e entrelaçamentos. Lançados esses fios que são as distintas conformações dos gêneros literários e jornalísticos – notícia, conto, artigo, reportagem, nota, romance, entrevista, novela, editorial, etc. – pode-se reconhecer uma região de interface em que se insinuam justaposições e amarrações. Um ponto essencial da confluência de gêneros do jornalismo e da literatura, sem dúvida, atende pelo nome de narratividade. Produzir textos narrativos, ou seja, que contam com uma sequência de eventos que se sucedem no tempo, é algo que inclui tanto a vivência literária quanto a jornalística. E a narratividade possui conexão estreita com a temporalidade, o que significa dizer que se contam eventos reveladores da passagem de um estado a outro. Além disso, é bom não perder de vista que a narratividade está intimamente vinculada à necessidade humana de conhecimento e revelação do mundo ou da realidade. Aliás, não é por acaso que narrar, narrador, narrativa derivam de narro, vocábulo latino que significa ‘dar a conhecer’. (BULHÕES, 2007, p. 40, grifos nossos).
Já a emancipação da reportagem na história do jornalismo, ocorrida no século XIX, evidencia outro elemento fundamental para o desenvolvimento dos modos de narração da realidade: a necessidade de o narrador fazer emergir “a voz de quem convive estreitamente com os fatos”. Completa Bulhões:
É bom enfatizar que tal atributo essencial de portar a voz de uma “testemunha ocular” dos fatos permitirá a concessão ao desempenho de uma atitude individualizada, centrada na figura do eu que reporta, o que insinua a presença de marcas de pessoalidade na forma expressiva. É o que permite circunscrever a reportagem na viabilidade da realização de um estilo, ou seja, de uma forma verbal
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que comporta a marca da individualidade. Daí dizer-se que a reportagem é o ambiente mais inventivo da textualidade informativa. Na dilatação do evento noticioso, a reportagem pode estender-se como uma realização descritiva, na composição astuciosa de um personagem ou na coloração de um cenário. Ou desdobrar-se plenamente na narratividade, em que estão implicados personagens em processo de mudança de estado. É desse modo que ela ensaia alguma proximidade com realizações da prosa de ficção ou transporta marcas da própria literalidade. (BULHÕES, 2007, p.45, grifos nossos).
Jornalismo e Literatura, enfim. Ao construir um livro-reportagem, uma modalidade de linguagem se apropria da outra afim de melhor reportar a realidade. Para Edvaldo Pereira Lima:
Não há da literatura contemporânea aos primórdios da imprensa moderna atual a necessidade do reportar, completamente factual. E é esta tarefa, a de sair ao real para coletar dados e retratá-lo, a missão que o jornalismo exige das formas de expressão que passa a importar da literatura, adaptando-as, transformando-as. (LIMA, 2004, p.178).
Assim, a narrativa precisa encontrar formas ou técnicas que possibilitem aos leitores enxergar a realidade que se reporta. Esse aparato, como defende Lima (2004), torna-se a extensão da visão do leitor, uma vez que a elaboração do enredo “deve optar pela escolha dos olhos” pelos quais se pretende narrar o mundo a ser descrito na reportagem:
A narrativa jornalística é como um aparato ótico que penetra na contemporaneidade para desnudá-la, mostrá-la ao leitor, como se fosse uma extensão dos próprios olhos dele, leitor, naquela realidade que está sendo desvendada. Para cumprir tal tarefa, a narrativa tem de selecionar a perspectiva sob a qual será mostrado o que se pretende. Em outras palavras, deve optar na escolha dos olhos – e de quem – que servirão como extensores da visão do leitor. Essa necessidade técnica, depois do desenvolvimento ocorrido com o passar do tempo, muito imbricado com sua versão paralela na arte literária, acaba hoje direcionando-se a dois agrupamentos básicos costumeiros – a narrativa em primeira e em terceira pessoas – e a um menos habitual – a narrativa em segunda pessoa. (...) No jornalismo, praticamente não se utiliza toda a variedade de combinações que esses recursos oferecem, tal como se manifestam na literatura. É mais comum o ponto de vista em terceira pessoa, ao estilo do
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narrador onisciente neutro. Em primeira pessoa ocorre o uso do foco denominado narrador protagonista, com maior frequência. Mas o livro reportagem tem-se apropriado de outras opções disponíveis. O ponto de vista denominado onisciente intruso – em que o narrador introjeta comentários na narrativa. (LIMA, 2004, p.161-162, grifos nossos).
De tal maneira, o grupo optou pela construção de um personagem narrador – apenas aparentemente “ficcional” – que possa representar, a partir das informações coletadas, o retrato do caminhoneiro brasileiro. Essa decisão conceitual amparada nas reflexões de autores como Edvaldo Pereira Lima (2004), Sérgio Vilas Boas (2007) e Marcelo Bulhões (2007) torna-se pertinente na busca pela fluidez da narrativa, tarefa que poderia ser comprometida caso a construção fosse destinada ao relato fragmentário da história de cada fonte entrevistada. Esse personagem – denominado no livro de Claudino Pereira – agrega na complexidade de seu perfil os traços pessoais dos entrevistados que fazem parte do enredo, apresentando uma ligação de proximidade com o narrador. Nesse sentido, tome-se, por exemplo, as reflexões de Sergio Vilas Boas (2007) a respeito do cenário possível de aproximação entre as formas de apuração jornalísticas e os modos de expressão literários:
Há estudos acadêmicos relevantes e desideologizados que nos dizem que jornalismo e literatura são água e óleo, não se misturam; ou argumentam que são nutrientes da mesma porção de terra; ou algo como os dedos desiguais de uma mesma mão. Muitos giram ao redor de oposições periodísticas (o efêmero versus o duradouro); de dilemas profissionais-comportamentais (funcionário de jornal versus romancista/contista/poeta); de afãs classificatórios (gênero versus subgênero); e digressões filosófico-estéticas (a arte versus a indústria). Leio, ouço, assisto a esses estudos com preocupação e tédio. Por que não “lincar” o sentido da vida com a vivência real? Aí é que está. Eis a questão. (...) Essa união estável se chama jornalismo literário, definido por Edvaldo Pereira Lima como “reportagem ou ensaio em profundidade nos quais se utilizam recursos de observação e redação originários da (ou inspirados pela) literatura”. Ponto. Em comunhão de bens, e até que o mau senso os separe, os mais avançados métodos de reportar (jornalísticos) e as técnicas de expressão (literária) formam um par prolífico. (BOAS, 2007, p.8-9, grifos nossos).
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Completa-se, por conseguinte, com o ingrediente exposto por Edvaldo Pereira Lima (2007) para a possibilidade de construção criativa de um personagem complexo:
Tradição e autenticidade. Razão e intuição. Lógica e emoção. Os ingredientes necessários à prática do jornalismo literário formam uma constelação criativa complexa. Mas não basta só o contar. É fundamental também contar histórias com uma visão de mundo ampla, aberta, capaz de honrar a complexidade maravilhosa da vida vivida que se encontra à disposição de quem quer vê-la, senti-la, experimentá-la, expressá-la às vezes com humor e drama, noutras tantas com lágrimas e risos. O desafio é ainda mais amplo, porém. A habilidade narrativa mescla-se à visão de mundo arejada, integra-se a outra vontade-diretriz, que é a de conscientizar o autor de seu papel co-transformador da realidade. Um papel disponível, de desejar contribuir para a expansão da consciência – a sua, a do leitor, a das pessoas –, para o direcionamento do mundo a um outro estado de mais vida e menos morte, de mais luz e menos sombra, de mais amor e menos dor, de mais inteligência e menos ignorância disfarçada de sabedoria, de mais justiça e menos canalhice disfarçada de nobreza. (LIMA, 2007, p. 12-13, grifos nossos).
Finalmente, ainda como forma de justificativa da opção narrativa do livroreportagem em questão, recorre-se à técnica classificada pelo próprio Edvaldo Pereira Lima (2004) como onisciência seletiva múltipla, modalidade de narração jornalística explorada a fundo pelos autores do new journalism norte-americano. Nesse cenário, Tom Wolfe, um dos mais prestigiados jornalistas do período, é citado como exemplo capital – um dos precursores de peso – da técnica de construção de personagens complexos:
Tom Wolfe não só discute e comenta [a possibilidade de utilização do narrador onisciente e do fluxo de consciência]. Ele se apropria do preceito e o dinamiza a um nível próximo da perfeição, por exemplo, em The right stuff, posteriormente transformado em filme com o título Os eleitos e publicado no Brasil pela Rocco, em 1991, com o mesmo título. É um livro basicamente sobre homens, os primeiros astronautas americanos. Mas Wolfe não se contenta com isso e abre sua grande-reportagem da maneira mais inesperada possível: colocase na pele da mulher de um futuro astronauta, do tempo em que ele ainda era um piloto de provas da Marinha, para transmitir a angústia que as mulheres viam, de suas casas, fumaça subir da pista, na base de testes, e começam a imaginar se desta vez fora seu marido que
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despencara do céu dentro de uma infernal máquina voadora descontrolada e afundara na cratera do impacto flamejante a ponto de o cadáver tornar-se irreconhecível. Uma rotina de medo e tensão nada rara naquelas bandas. E quando o leitor mal se dá conta, Wolfe já está “vestido” na pele de um dos candidatos a astronauta, passando pelos inglórios testes clínicos de seleção como se fossem ratos de laboratório. Não demora muito, a perspectiva já é a de um terceiro personagem, um dos astronautas cuja couraça psicológica de aço, excelente para quem tem profissão tão arriscada – pelo menos naqueles tempos pioneiros – desfazia-se, incontrolável, na única situação que lhe deixava completamente inseguro, batido, como um pugilista nocauteado: a entrevista coletiva de imprensa. O ponto de vista salta célebre da terceira para a segunda pessoa, a função conotativa abrindo espaço, de súbito, para a fática, que no caso apoia-se no artifício gráfico do grifo. O leitor transita veloz de uma posição a outra, na visualização da cena, os pensamentos são de personagens distintos e o leitor está ali, aproxima-se para ver e distancia-se para compreender. Num só parágrafo. (LIMA, 2004, p. 164-165, grifos nossos).
Pois bem, as características gerais do personagem Claudino Pereira, o caminhoneiro-narrador, estão longe de ser ficcionais e aleatórias. Dentre outras fontes, são baseadas na pesquisa “Caminhoneiros no Brasil: Relatório Síntese de Informações Ambientais”, produzido pela Confederação Nacional dos Transportes (em anexo neste relatório), que traça o perfil desses profissionais. Além disso, sustenta-se em uma vasta pesquisa jornalística, com entrevistas, observação participante e o estudo de inúmeros relatórios estatísticos e legislações. Nesse cenário, Claudino tem 42 anos e é autônomo. Como grande parte dos motoristas, possui ensino fundamental completo e recebe em torno de R$ 5 mil mensais.
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4. OBJETIVOS ALCANÇADOS
Além do objetivo geral que norteou o pré-projeto – a saber, “construir uma narrativa jornalística humanizada, no formato de livro-reportagem, sobre o contexto da profissão dos caminhoneiros de modo a revelar a complexidade por trás das relações cotidianas desse grupo social” – foram apresentados seis objetivos específicos, os quais foram todos alcançados: 1) A identificação de personagens e o tangenciamento, a partir da história de vida de cada um, da complexidade por trás do universo dos caminhoneiros. 2) Por meio de uma viagem, a imersão no grupo social desses profissionais de modo a coletar dados e desenvolver a técnica da observação participante. 3) A identificação dos principais estereótipos ligados à profissão com a finalidade de que não sejam reafirmados na construção da narrativa jornalística. 4) O levantamento de dados sobre o perfil do caminhoneiro brasileiro que possam servir de base para a construção da narrativa jornalística. 5) A descrição do cotidiano da profissão a partir da história de vida dos personagens selecionados de modo a elucidar a complexidade desse grupo social. 6) A identificação dos problemas que esses profissionais enfrentam e a revelação aos leitores por meio de uma narrativa humanizada.
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5. DIFICULDADES ENCONTRADAS:
A realização de entrevistas formais durante a viagem foi a principal dificuldade encontrada, uma vez que o grupo vivenciou a rotina de trabalho propriamente dita dos profissionais de carga, período no qual tempo é escasso e precioso. Esperava-se que as entrevistas pudessem ser feitas durante os intervalos de descanso ou almoço, mas as paradas eram cronometradas, pois poderiam atrasar o tempo de viagem estipulado pelo profissional que serviu de anfitrião para o grupo. As oportunidades de conversas com os caminhoneiros ficaram restritas aos momentos em que eles também estavam descansando ou na espera pelo carregamento ou pelo descarregamento. Ainda assim, a viagem possibilitou a coleta de material fotográfico, bem como – e principalmente – a observação participante, etapa metodológica fundamental para a compreensão das relações cotidianas desses profissionais e para a integração do grupo com esse convívio, o que viabilizou contatos para entrevistas posteriores.
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6. DESPESAS (ORÇAMENTO)
As principais despesas estão relacionadas à viagem, na qual os gastos com alimentação e hospedagem giraram em torno de R$ 400,00. Já a impressão de quatro cópias do livro e do relatório custou R$ 460,00 ao grupo.
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7. CONCLUSÕES O trabalho construído conduziu à percepção do ambiente no qual os caminhoneiros trabalham e permitiu a aproximação do grupo com histórias da vida e da rotina dos profissionais de carga, ponto crucial para o desenrolar do enredo. Para o resultado final, contou com a coleta de dados, bem como com a leitura de materiais que auxiliaram na construção da narrativa.
A junção das
entrevistas, a observação participante e os suportes teóricos nos possibilitou a compreensão do universo desses trabalhadores. Como resultado da pesquisa, o grupo chegou ao livro “Pelo Espelho Retrovisor – um olhar humanizado sobre a rotina dos caminhoneiros”. Para que pudéssemos atingir a multiplicidade de aspectos que envolvem os transportadores de carga, o livro-reportagem foi dividido em três partes e sete capítulos. As principais dificuldades do grupo giraram em torno da viagem, pois se por um lado possibilitou uma gama de imagens (material fotográfico) e a experiência do cotidiano nas rodovias, por outro, devido à escassez de tempo, abreviou as possibilidades de realização de entrevistas em profundidade com os caminhoneiros – algo que teve de ser superado posteriormente com novos agendamentos. Enfim, as técnicas utilizadas na construção do trabalho, principalmente a observação participante, trouxe ao grupo a percepção de como é possível ao jornalismo adentrar a uma cultura para entendê-la, fugindo do factual ou do simples relatar dos fatos. Trabalhar também com uma linguagem jornalística que se apropria de elementos literários mostra que nem sempre é necessária a dependência do lead ou da pirâmide invertida para descrever a realidade.
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8. APÊNDICES 1) Entrevistas: transcrição na íntegra das entrevistas – família Gelli, Arlindo Strack, Andréia Orlando, José Paulo de Lima, Ivo Delavi, Vanessa dos Santos Delavi, José Garcia, Fabrício Juntes, Eraldo Pereira do Santos, Carlos Augusto Marks, Maria Cleuza Maccarini Marks e Celso Orlando.
2) Material fotográfico que consta no livro.
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Entrevista 1: Família Gelli
Onésio Gelli, pai Ivanir Moreno Gelli, mãe Gedimarcos Gelli, filho Jérico Gelli, filho
A entrevista começa com Onésio contando como teve seu primeiro contato com um caminhão. Foi aos 14 anos. Ele era ajudante de um entregador de tijolos, ajudava a carregar e descarregar. Prestava atenção na maneira que o entregador dirigia e foi aprendendo a profissão. Aos 16 anos começou a trabalhar com um caminhão mesmo sem carteira, naquele tempo não tinha problema. Gedimarcos indaga o pai afirmando que na época tudo era mais tranquilo. Onésio: É, os problemas eram menores. Existiam problemas, mas eram menores.
Pergunta: Que idade você tinha? Onésio: 16 anos.
Pergunta: Mas você tirou carteira depois? Onésio: Tirei carteira no ano de 1970 e nunca mais parei com caminhão. Trabalhei alguns anos com ele (entregador de tijolos), depois fui para uma empresa de ônibus, passei um pouco pela prefeitura e o resto da vida caminhão.
Pergunta: E você, Gedimarcos? Gedimarcos: Eu? Eu comecei como eletricista de carro, passei para vendedor de peças e depois motorista de caminhão, e estou até hoje.
Pergunta: O fato de seu pai ser caminhoneiro ajudou? Ou foi por outro motivo que você começou a trabalhar com caminhão? Gedimarcos: Eu acho que é influência. O pai nunca quis, mas a gente via, a gente gostava, a gente mexia e um dia ele perguntou para mim: “O 1
que você vai ser?” “Eu vou ser motorista de caminhão.” “Não, motorista você não vai ser.” “Então vou aprender a roubar.” (Gedimarcos fala para o pai) Você lembra? Então você arrumou serviço para mim no Valdecir. Trabalhei um tempo com o Valdecir, trabalhei no Paraná na Ford como eletricista de carro e trabalhei na Fiat, depois vim para cá de novo e entrei em uma distribuidora de peças já como motorista de caminhão, num baú, e estou até hoje. Já faz mais de dez anos.
Pergunta: O que motiva vocês a continuarem trabalhando? Onésio: Olha, o que me motiva a continuar trabalhando é a falta de opções. Porque o rendimento, o faturamento do caminhão hoje é bem pouco. Você precisa ter as coisas bem controladinhas porque senão você não progride. E a manutenção e despesa são grandes. Então é a falta de opção mesmo.
Pergunta: Você acha então que se tiver que trabalhar em outra coisa não daria o mesmo retorno que o caminhão da no caso? Onésio: Até poderia dar, mas como eu que não tive estudo, não tive nada, talvez não. Umas das profissões mais fáceis ainda é o caminhão porque você pega tudo mastigado, tudo pronto. Então com ele se tem mais facilidade, por isso ainda continuo.
Pergunta: E por que você não queria que seus filhos fossem caminhoneiros? Onésio: Porque com o caminhão é bem sofrido, a vida na estrada é sofrida. Porque passa muito tempo fora. O filho nasce e você demora 90 dias para conhecer, como aconteceu comigo.
Pergunta: Com quais dos filhos que aconteceu isso? Onésio: Com a primeira menina. A primeira filha nasceu e eu estava lá para Cuiabá. E quando a vi já estava grande. E são esses os problemas, então não queremos para os filhos o que passamos.
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Pergunta: O salário compensa o esforço? Onésio: Eu não olho tanto o salário. A gente trabalha e se sobrar o pouquinho que sobrou, você não está tirando salário, não está tirando nada porque é da casa, não é muita coisa não.
Pergunta: Vocês já pensaram em mudar de profissão? Gedimarcos: Eu vou te falar um negócio, o dia que eu puder trabalhar para mim é diferente, mas agora te falar que eu vou sair do caminhão para trabalhar para os outros de empregado de novo, não saio não.
Pergunta: Você já pensou Onésio? Onésio: Já pensei, inclusive a gente já tentou uma vez. Mas eu penso o seguinte: ser caminhoneiro é uma coisa que eu sei fazer, que toda minha vida eu fiz, então vou continuar nela. Gedimarcos: E gosta né? Onésio: É uma das coisas que eu mais gostei de fazer, na verdade gosto de fazer, faço com amor, faço porque gosto. Mas não é uma profissão que dá um bom retorno e o que sempre digo, é muito cansativo. Você cansa fisicamente e a memória porque você tem que ter muito cuidado, cuidado com você, com os outros. Como eu, 42 anos trabalhando agradeço a Deus por nunca ter acontecido um problema.
Pergunta: Como vocês trabalham, é em família certo? Cada um trabalha por si? Como é o controle? Gedimarcos: Onésio é o proprietário dos caminhões. Cada um faz o que quer e quando tem serviço para todo mundo, trabalhamos juntos. Onésio: Eles moram aqui em casa, trabalham tranquilo. Sai um serviço eles vão trabalhar, não os forço a nada. A recompensa deles é no fim ficar com a herança. Eles ganham um salário simbólico. Só que hoje eles tinham que estar registrado, mas gente não abriu firma, então tem que mexer com isso para eles terem registro e terem uma segurança para o futuro porque se nem isso não tiver está perdido “né”!
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Pergunta: Quanto tempo é proprietário? Trabalha por si? Onésio: Desde de 1976 ou 78, alguma coisa assim. É, porque em 79 eu já trabalhava na Itaipu. Gedimarcos: É, você já tinha caminhão.
Pergunta: E como que surgiu esse trabalho? Onésio: Acho que eu trabalhei de 76 a 79 na Itaipu. Esse trabalho surgiu a partir de um amigo meu e ele falou para mim que eles pegavam caminhão. Eu morava em Cianorte, fui para Foz do Iguaçu e consegui fichar um caminhão lá. Trabalhei um bom tempo, voltei e fiquei na estrada de novo.
Pergunta: Foi uma experiência diferente? Onésio: Foi! Foi bonita e feia.
Pergunta: Você pode contar para mim? Onésio: Então, de coisa bonita a construção, uma obra muito bonita. As coisas feias foram os acidentes. Tiveram vários, inclusive comigo, não tirei foto de um caminhão meu, mas bem dizer eu perdi um caminhão em um acidente lá, um Fenemê (o FNM, como também era chamado, era fabricado pela Fiat e se tornou popular na época). Um caminhão betoneira desceu de marcha ré em uma baixada, pegou meu caminhão lá embaixo e demoliu. Foi a parte ruim, mas foi um serviço bom. Nesse momento a esposa do entrevistado, Ivanir, chega na sala. Onésio: Trabalhando com caminhão arrumei está aqui, uma namorada.
Pergunta: Como vocês se conheceram? Onésio: Como nós nos conhecemos? Ivanir: Nos conhecemos na igreja! Onésio: Não eu passava lá na frente com o caminhãozinho de lixo. Ivanir: Passava! Eu já trabalhava na loja. Onésio: Eu passava lá e olhava ela.
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Pergunta: Mas depois vocês se conheceram na missa, na igreja? Onésio: Foi na igreja. Ivanir: No culto.
Pergunta: Mas você já estava de olho nela há muito tempo? Onésio: Estava. Eu passava todo dia em frente do serviço dela, que fazia parte do meu trabalho passar lá. E eu gostava de passar lá. E agora já tem 23 anos de namoro.
Pergunta: Como vocês lidam com a saudade de casa? Hoje vocês passam mais tempo fora? Qual é a média de viagem? Onésio: Não. Hoje estou mais tempo em casa porque parei com as viagens longas. Então hoje trabalho mais na região, em São Gabriel, Dourados, Campo Grande. Venho direto em casa. E se não venho passar a noite, durante o dia passo em casa.
Pergunta: Então reformulando a pergunta, como você lidava com a saudade quando fazia viagens longas? Onésio: Ah não tem nem como lidar né?! Tem que sufocar ela. Gedimarcos: Naquela época nem telefone tinha direito. Onésio: Telefone era problema, tudo na verdade. Então você amargava ela e pronto. Matava a saudade quando chegava em casa.
Pergunta: E como era para você, Ivanir, ficar tanto tempo sem ver o marido? Ivanir: Era difícil, mas valeu a pena.
Pergunta: E você, Gedimarcos, lembra quando era pequeno, como passava por isso? Gedimarcos: Quando a gente era pequeno o pai não viajava mais para tão longe. Puxava mais ali no Paraná, algodão, feijão, café... Onésio: É, eu já tinha parado de viajar para longe. Gedimarcos: Então ele começou a puxar cana também, ficava mais em casa. Viajou mais longe no começo, né pai? 5
Pergunta: Era melhor viajar para longe? Onésio: Era uma saída para você conseguir dinheiro mais rápido para pagar as prestações altas do caminhão. Você carregava longe, então o adiantamento era grande. As viagens longas às vezes duravam 25 ou 30 dias, mas chegava com um bom dinheiro em casa.
Pergunta: Você já conheceu muitos lugares então Onésio? Onésio: Já conheci bastante sim. Gedimarcos: Já ajudou a desbravar o Norte inteiro! Onésio: Aquele “Nortão” lá para cima várias cidadezinhas onde conheci era começo.
Pergunta: Para que lugares você ia? Onésio: Para aquela região eu levei várias mudanças. Para Sinop, Vera, Carmem (o nome correto é Santa Carmem), São José do Rio Claro no Mato Grosso. E depois lá para Rondônia fui para Cacoal, Vilhena, Ji Paraná, Pimenta Bueno, que antigamente não era Ji Paraná era Vila Rondônia, Jaru, Ouro Preto do Oeste, Porto Velho. Andei por vários lugares por ali. Rolim de Moura, Brasilândia (Nova Brasilândia d’Oeste). Tudo estava começando, tudo vilazinha.
Pergunta: E você levava pessoas de onde? Onésio: Da região do Paraná. De Cianorte, Umuarama, Campo Mourão, de vários lugares dessa região. Gedimarcos: Levava os desiludidos e trazia os arrependidos. Onésio: Era o que eu sempre falava. Naquela época tinha pouco ônibus. E no período das águas formava muito atoleiro, então o transporte era complicado. Eu transformava meu caminhão em um pau de arara, era liberado, você só precisava tirar licença, e carregava as famílias, que vinham embora ou vinham passear na região do Paraná. Enchia aquele caminhão e vinha embora com o povo em cima. De Guaíra para lá eu saia distribuindo. Às vezes em Guaíra, Terra Roxa, Palotina até chegar em casa.
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Pergunta: Mas a viagem demorava muito tempo, então? Onésio: Demorava. Teve viagem que demorou 30 dias para ir e voltar.
Pergunta: Mas as pessoas viajavam tranquilas em cima do caminhão? Gedimarcos: Era o único meio. Onésio: Não era questão de você andar o dia todo porque às vezes você passava o dia todo em um atoleiro. Ou mais de dias aguardando o exército vir tirar o caminhão do atoleiro, era ele que fazia isso naquele tempo. Porque assim, se você pegava o atoleiro trancado há alguns dias saia logo. Agora se você pegava o atoleiro no começo, demora mais de dois dias para o exército vir com as máquinas tampando para você passar. E isso no meio do nada. Gedimarcos: Sem contar que as estradas não eram como são hoje. Era picada no meio do mato. Onésio: Eram estradas até boas, só que na época das águas elas não aguentavam o fluxo do movimento e começavam a se deteriorar formando atoleiro. E na seca era areão, então a gente ficava neles. Bem complicado.
Pergunta: Hoje quais são as principais dificuldades? Gedimarcos: Todo mundo fala que o frete é caro, só que ninguém olha o nosso lado. O frete é caro porque o pneu é caro, combustível é caro, manutenção é caro, é tudo caro. Então, hoje é complicado. E assim, quase não tem lugar de apoio.
Pergunta: Quando você fala “as pessoas não entendem” refere-se a quem? Quem contrata o frete? Para quem vocês carregam? Gedimarcos: Tudo, desde a presidente! A presidente não vai na televisão e fala que o que encarece a comida é o frete? Começa ai. Onésio: E a insegurança também. Prejudica bastante. Vamos supor, quantos caminhoneiros são assaltados e ficam sem retorno algum? Perdem, ficam sem nada e acabam indo trabalhar de empregado, de peão para os outros. Outra hora asfalto “buraquento”, cai dentro de buraco, quebra 7
caminhão, ninguém te dá à mínima. Tinha que ter uma mudança nisso, eu acho. Gedimarcos: E pontos de apoio. Onésio: Pontos de apoio tem que ter. Hoje tem posto que nem quer que você pare nele senão for abastecer. Se você não abastece, você compra o banho. E no estacionamento não quer que você fique porque vai atrapalhar o cliente deles. Então tá complicado!
Pergunta: E o relacionamento com quem vocês carregam? Nas empresas ou nas fazendas? Onésio: O relacionamento com as empresas onde carrego é excelente. A gente trabalha tranquilo, somos bem recebidos em qualquer empresa, não posso reclamar de nenhuma.
Pergunta: O que vocês geralmente carregam? Onésio: Mais grãos. A gente faz a safra de soja, acaba a soja e começamos a fazer o transporte dos silos da fazenda para as empresas esmagadoras. Quando é o milho, puxa da lavoura para a cidade e depois já vai para as empresas consumidoras, como fábrica de ração; o governo também recebe milho. É isso que a gente faz.
Pergunta: Já tiveram problemas com estadia? Gedimarcos: Já tivemos. Onésio: Sim, mas foi resolvido facilmente. Gedimarcos: Hoje é fácil de resolver. Onésio: Tem umas empresas que quando dá o horário elas já acertam, você não precisa falar nada. E tem umas que às vezes a gente deixa passar porque são empresas trabalhamos bastante, parceiras de serviço, então a gente cuida para não ter problemas. Deixa passar para não se envolver. Mas têm várias empresas que deu horário e já pagam automaticamente. Gedimarcos: Hoje você já nem briga mais por causa de estadia, né pai. Você liga e é o advogado que briga.
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Pergunta: Então vocês tem esse tipo de assessoramento? Gedimarcos: Tem! Tem advogado. Você junta uma quantia de caminhão que deu estadia e liga. Ele cobra os 10% dele e você nem se preocupa. Onésio: É 20%. Gedimarcos: Isso, 20. Então fica por conta dele. E quando ele falar “pode descarregar”, você descarrega e já recebe.
Pergunta: Vocês já passaram por algum perigo? Tentativa de roubo ou perseguição? Onésio: Uma vez aconteceu aqui em casa. Vieram aqui, só que eu atendi bem eles (os possíveis ladrões) e despachei sem precisar me envolver com ninguém. Tentaram me tirar o caminhão aqui de casa. Era à noite, mais de meia noite. Vieram me chamar para puxar um caminhão na Serra de Maracaju (próximo ao município de Nioaque). Eu desconfiei do assunto e não quis sair. Eu creio que seria uma tentativa porque naquela noite foi roubado outro caminhão na cidade. Então com certeza aquelas pessoas queriam alguma coisa. Gedimarcos: E tinha um escondido também. Um falando com você e um escondido. Onésio: É tinha um falando comigo e outro escondido aqui na frente. Eu não sai. Despachei eles tranquilamente. A gente sempre tem medo, só trabalhamos com medo. E pela conversa eu senti que eles estavam com má intenção. Veio chamar para puxar ali na serra fora de hora sendo que um caminhão desengatado, como o meu estava aquele dia, não consegue puxar. Então foi onde eu conversei bem com eles, despachei numa boa. Complicado, porque chama a polícia pode complicar, então desisti. Gedimarcos: Uma vez também seguiram o senhor né? Onésio: Só que naquele caso só tive a desconfiança que fui perseguido, mas não tenho certeza.
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Pergunta: Agora quero saber sobre o dia a dia de vocês. Nas viagens como é a alimentação? Vocês fazem a própria comida ou comem em restaurantes? Onésio: Geralmente a gente almoça em restaurante porque o serviço que fizemos é assim: às vezes está chegando o horário do almoço e você terminou de carregar, devido à viagem ser perto, você toca até o destino e almoça no destino. Então dificilmente fizemos, só alguma e outra vez.
Pergunta: E essa alimentação nos restaurantes é boa? Há um bom atendimento? Onésio: Tem uns que tem. Têm outros, não que eles não te atendam bem, até atendem muito bem, só que o cardápio deles é sempre o mesmo devido o valor que é baixo. Então a comida é sempre aquela “costumeirinha”, tipo caseira. Uns gostam, outros não. Para mim está bom.
Pergunta: O preço é caro? Onésio: Não. Acho até que é barato pelos valores que eles cobram, geralmente, onde a gente come, nestes portões de empresa por ai. Agora restaurante de posto já muda, ai é caro.
Pergunta: Mas vocês tem tudo preparado se precisar usar a cozinha do caminhão? Onésio: É. Tem quando o Abacaxi não passa. Senão ele leva tudo.
Pergunta: Quem é Abacaxi? Gedimarcos: Um ladrãozinho da vila. Ele roubou a caixa de cozinha. Onésio: Está com o que? Um mês, dois meses? Ivanir: Está com menos. Gedimarcos: Um mês se der. Onésio: Ele passou, roubou a caixa, levou panela, levou arroz, charque, levou tudo.
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Pergunta: E vocês sabem quem é? Gedimarcos: Sabemos sim. Onésio: Mas vai fazer o que? Não tem o que fazer.
Pergunta: Vocês passam poucos dias longe de casa, mas mesmo assim precisam dormir, precisam descansar. Como é o horário de trabalho de vocês? Onésio:
Nosso
horário
agora
é
tranquilo.
Super tranquilo.
Geralmente, quando são 20h da noite mais tardar 22h a gente já chegou. Dificilmente passamos de seis ou sete horas de trabalho. O nosso é tranquilo agora. Gedirmarcos: Nosso horário é.
Pergunta: Mas você chegou a trabalhar direto o dia inteiro? Onésio: Já. Eu já cheguei viajar saindo de manha de Rondônia, andar o dia, a noite e o outro dia. Sem parar. Só parava para comer e dormir nada. Só que também nunca coloquei um rebite na boca. Não conheço o gosto daquilo.
Pergunta: E você, Gedimarcos, nunca trabalho até tarde? Gedimarcos: A gente já trabalhou, né Jérico (Neste momento o outro filho, Jérico, já estava na sala)? Mas nunca, assim, da para dizer que é uma rotina cansativa. Eu sempre tenho tempo para descansar.
Pergunta: Então, pensando na Lei do Descanso, se fosse com vocês não teria problemas cumprir a lei? Onésio: Se fosse com nós daria certo. Agora, vamos supor... Gedirmarcos: Daria e não daria. Onésio: ... no nosso serviço, o que a escolhemos para nós hoje, não tem nada a ver com o serviço dos outros caminhoneiros. Porque a carga horária dos outros caminhoneiros é alta, eles trabalham, tem muito caminhoneiro que vira a noite ainda. Não sei por que, mas vira. Nós não. Nós trabalhamos por conta, então da para fazer com que o horário seja tranquilo. Para mim a Lei não muda nada. 11
Gedimarcos: Mas vai mudar sim porque o horário de trabalho começa quando você funciona o caminhão. O horário que você fica na fila não conta como horário de parada. Onésio: Mas não muda muito não.
Pergunta: É como se fosse um trabalho fixo, com as 8 horas certinhas? Então em quanto você tiver trabalhando conta as horas de trabalho? Gedimarcos: É. A parada é a parada, é para descanso.
Pergunta: Mas na opinião de vocês, o Brasil tem suporte para todo esse horário que os caminhoneiros ficarão parados? Gedirmarcos: Não tem. Porque o Brasil não tem infraestrutura, não tem lugar de parada. Que nem, você está viajando deu a hora de fazer seus 30 minutos de intervalo, vai ter um posto daqui a 100 ou 150 quilômetros, você vai gastar mais duas horas. E daí, se um guarda te pegar nesse intervalo andando? Você para antes ou depois.
Pergunta: E parar no acostamento não dá? Gedimarcos: Causa acidente. Onésio: Mas eu até acredito, que se o Governo fizer os pontos de apoio, funciona a lei.
Pergunta: Como vocês vêem esse ponto de apoio? Já viram um? Vocês têm ideia de como vai ser? Gedimarcos: Acho que vai ser um estacionamento fechado. Onésio: Olha eu acredito que seja um posto grande que vai colocar esses pátios, para te oferecer restaurante, lugar para pessoa lavar a roupa, fazer alguma coisa né? Porque nós temos necessidades. Se tiver um ponto de apoio que não tiver uma oficina, não tiver nada para você suprir suas necessidades, não adianta também. Eu creio que serão os postos que vão se organizar e fazer pátios maiores.
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Pergunta: Em determinadas rodovias de São Paulo foram criados no acostamento um espaço maior denominado área de descanso. Qual é a opinião de vocês sobre esses espaços? Gedimarcos: Você tem coragem de parar e descansar em um lugar desses? Onésio: Enquanto você descansa, um malandro vem, limpa seu dinheiro e você fica descansado de tudo (risos). Nossas autoridades sabem disso ai. E sabem, que para valer a lei eles vão ter que fazer os pontos de apoio e não essas áreas de descanso. Essas áreas de descanso não resolvem nada porque o caminhoneiro vai encostar ali e com certeza, 100%, ele vai ser roubado. Gedimarcos: O pessoal na fila lá em Santos ou Paranaguá é roubado. Onésio: 100% que vai ser roubado. Então não adianta. Nisso ai nem um caminhoneiro vai parar.
Pergunta: E a relação com os mecânicos e borracheiros? Onésio: É tranquilo. Geralmente, todo caminhoneiro quando vai mandar fazer um serviço já tem um conhecimento do que vai fazer. Então o mecânico ou borracheiro vê e já sabe o que deve ser feito. Então tranquilo.
Pergunta: Aqui no Mato Grosso do sul a infraestrutura, as estradas são boas? Onésio: Uma grande parte é boa sim, tem umas que está meio atrapalhadinha, mas não é tão ruim também. Gedimarcos: O que falta também é ponto de apoio.
Pergunta: O ponto de apoio é um fator importante então? Gedimarcos: Acho que no Brasil inteiro é ponto de apoio. Onésio: Porque você sai, por exemplo, ali em Caarapó. Em Caarapó tem um posto e tem noite que não da para encostar caminhão. Naviraí é a mesma coisa. Esses dois são um dos locais preferidos por caminhoneiros. Em Dourados, você chega naquele posto da Base e não tem nem lugar para passar. Então é complicado. 13
Pergunta: Por que enche ou por outro motivo? Onésio: Enche! Gedimarcos: Enche. Tem umas empresas que já adotaram o horário de descanso, ai que enche mesmo. Você para e está todo mundo parado! Não tem como você parar. Para você ver. Quem vem de Dourados, quem vem de Paraná por Dourados, tem ponto de apoio em Dourados, Maracajú e depois não tem mais nada para parar caminhão até Campo Grande. Pé de Cedro não cabe caminhão (posto de gasolina localizado em Sidrolândia), tinha o posto do Pequi (no trajeto de Maracajú para Sidrolândia), mas ali nem funcionava nada. Onésio: De Nioaque à Sidrolândia são 113 quilômetros e não tem lugar algum. É complicado, porque se você tiver algum problema tem que se virar. Se estourar um pneu, além de trocar tem que trocar no meio da pista porque não tem acostamento.
Pergunta: Vocês já tiveram que trocar o pneu do caminhão? Onésio: Já! Gedimarcos: Já! Uma vez eu vinha vindo de São Paulo. Ali perto de Ribas (Ribas do Rio Pardo – MS) meu caminhão parou de fazer ar e não tinha acostamento. Tive que parar em cima da pista. Só que você tem que parar, sinalizar tudo, quebrar galho, jogar, até você conseguir um recurso para tirar o caminhão, mas também não tem apoio ali. Tem apoio em Água Clara e depois só em Campo Grande.
Pergunta: Quando acontece um problema na estrada, como esse, como vocês pedem ajuda? Ligam para alguém? Onésio: Quando a gente vê que o problema é grande tem que ligar para polícia rodoviária. Ai você já sinaliza. E quando o problema é pequeno, você sinaliza, resolve e vai embora.
Pergunta: E a polícia ajuda mesmo? Onésio: Eles dão apoio sim. Inclusive uma vez em Nioaque à noite meu caminhão pegou fogo na instalação, liguei para um “federal” e ele me deu 14
o maior apoio. Ficou ali até conseguir resolver. Lugar perigoso né. Eles sinalizaram e ficaram junto até que resolveu o problema e eu fui embora. Pelo menos quando eu precisei deu certo.
Pergunta: Vocês já enfrentaram problemas com policiais? Onésio: Não. Um policial está fazendo o trabalho dele e você tem que obedecer a lei. Ele chegou, parou, conferiu tudo e te libera. Ele não vai segurar ninguém por nada. Gedimarcos: A gente se procurou estar com tudo em dia, documentação, equipamento do caminhão. Então, diminui o risco de problema.
Pergunta: Quantos caminhões são? Onésio: Três.
Pergunta: São todos Scania? Onésio: Todos Scania.
Pergunta: Preferência? Onésio: Ah, eu toda vida gostei de Scania.
Pergunta: Mas você trabalhou com outras marcas também? Onésio: Trabalhei muito com Fenemê e Mercedes. Quando era caminhão pequeno era Mercedes e depois caminhão grande, Scania.
Pergunta: O que diferencia a Scania, em sua opinião? Onésio: Olha, eu acho um caminhão mais simples e de manutenção mais rápida, por isso que optei. Gedimarcos: E acha peça em qualquer lugar para hora que for fazer uma manutenção. Tem caminhão que você vai fazer manutenção e fica dois, três dias em uma oficina esperando uma peça. São dois, três dias que fica parado sem ganhar. Com Scania não. Você encostou, tem a peça, arruma e os dois, três dias, que o outro está parado, você está trabalhando. É o custobenefício né.
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Pergunta: Qual a opinião de vocês sobre vocês mesmo, em relação aos
estereótipos
da
profissão?
Por
exemplo,
caminhoneiro
é
sujo,
caminhoneiro não presta? Onésio: Eu acho que as pessoas que olham por esse lado estão esquecendo de olhar os outros lados. Porque existe, toda a classe tem o corrupto, o malandro, o desonesto. E no meio dos caminhoneiros não é diferente. É tudo igual. Agora você pergunta assim: são todos? Ai é diferente. Agora eu não vou deixar de falar que no meio dos caminhoneiros tem desonesto. Mas no meio de qualquer empresa tem desonesto. Até no meio da igreja, pastor, padre, tudo tem o desonesto. Então, é que o caminhoneiro é o mais criticado, mas não tem nada a ver não. Gedimarcos: Eles vêem o caminhoneiro sujo às vezes e fala “ah esse caminhoneiro não toma banho”, mas não é. Eles não sabem. Às vezes estourou um pneu na estrada, você sai limpo para trabalhar, estourou um pneu, você vai ficar trocando de roupa para trocar um pneu? Vai meter a mão na graxa, vai se sujar, vai ficar sujo. E como você viaja perto às vezes e até quem viaja longe, deu um problema, ele se suja, vai até na outra parada se limpar e coisa e tal.
Pergunta: E o que vocês acreditam que levou a essa visão? Onésio: É pela facilidade. Veja bem. Todos que querem uma carona vão no posto, certo? E quem que leva? O caminhoneiro. E ele ficou com a má fama por às vezes favorecer os outros. Mas tudo quanto é coisa, boa ou ruim, vai em um pátio de posto. Ali vai o ladrão para roubar, vai as “mulheres” também, prostitutas vão ali. Então, os outros passam, vêem aquilo ali e generalizam as coisas, mas não é dessa maneira. Mais ou menos por ai. Mas nada a ver, todos são iguais.
Pergunta: Quero saber agora alguma curiosidade das viagens, alguma história legal ou triste. Vamos começar com coisas boas, com curiosidades. Gedimarcos: Eu lembro de uma história, uma vez eu e o pai fomos puxar cana e tinha uns boias-frias comendo em cima da ponte. Bem na hora
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que a gente passou na ponte estourou um pneu. No susto, os caras caíram tudo dentro do rio, lembra? Eu estava junto com o senhor no dia. Onésio: É são coisas. Mas assim, a única coisa boa que acontece comigo é que eu estou com 42 anos de caminhão e estou vivo ainda. Mas não tem, assim, lembrança de nada. Sempre trabalhei tranquilo. Para mim foi normal, toda vida... Nunca tive altos e baixos... Sempre tranquilo. Não tive nada de muito especial.
Pergunta: Mas a história dos boias-frias é interessante. Onésio: Isso foi uma coisa que acontece. Gedimarcos: Claro que não foi por querer. Teve uma vez também que você levou um enxame de abelha para usina. Onésio: Essa foi uma brincadeira. Eu tava puxando cana e tem uma época que as abelhas soltam enxame e meu caminhão quebrou a ponta de eixo, ficou um dia na roça. As abelhas vieram e acamparam embaixo da carga de cana. Eu peguei e a levei para a usina. Foi o maior correrio. Foi a única coisa boa, bonita. Bem divertido. Não sobrou um no pátio.
Pergunta: Onde era a usina? Onésio: A usina Melhoramento, lá no Paraná.
Pergunta: Vocês moravam no Paraná? Nasceram lá? Onésio: Sou nascido em Marialva. Estrada de Mandaguari, que Marialva era comarca. Depois fui para Cianorte, com oito anos de idade. Me criei em Cianorte.
Pergunta: A senhora nasceu em Cianorte? Todo mundo nasceu? Ivanir: Sim. Gedimarcos: Só ele nasceu em Foz do Iguaçu (referindo-se ao irmão, Jérico). Jérico: Sou diferente.
Pergunta: E quando vocês vieram para Sidrolândia? Onésio: Em 86. 17
Ivanir: Foi em 88. Quando eu operei. Onésio: É. Em 88 viemos para cá.
Pergunta: E por que Sidrolândia? Onésio: Eu vim para cá por causa do trabalho. Eu achei melhor poder ficar mais perto de casa. Por isso parei de viajar para longe. Eu comecei a olhar, que nem eu fui lá para Itaipu para poder começar a trabalhar. Depois voltei a viajar por falta de opção. Ai vim aqui, comecei a puxar lavoura e vi que aqui dava para mim quietar. Ai fiquei por aqui.
Pergunta: Então desde que o senhor veio morar para cá parou de viajar para longe? Onésio: Parei. Viajei, mas por aqui. Bem dizer, para mim deu certo, parei. Estou contente.
Pergunta: Então vocês dois também preferem viajar por aqui? Gedimarcos: Melhor né. O Jérico de vez em quando da uma viajada.
Pergunta: Para onde você vai quando viajava mais para longe? Jérico: Mais para o “Paranazão”.
Pergunta: Você puxa o que para lá? Jérico: Farelo.
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Entrevista 2: Arlindo Strack
Arlindo Strack, presidente da Cooperativa dos Transportes de Sidrolândia (Cootransidro) e um dos sócios da Strack Transportes LTDA, 37 anos.
Pergunta: Arlindo, para começar você trabalhou com caminhão por muito tempo? Arlindo: Trabalhei, trabalhei 19 anos.
Pergunta: Com quantos anos começou? Arlindo: 16 anos, sem habilitação. Trabalhei dois anos sem habilitação.
Pergunta: Onde você começou, você não morava aqui, certo? Arlindo: Comecei a trabalhar com caminhão lá no Sul, dentro da lavoura, da fazenda que o pai tinha. Aí no mês de março de 1994 eu vim para o MS. Trabalhei mais um ano sem carteira, aqui em Sidrolândia, na época a fiscalização era pouca e eu puxava bastante fazenda. Aí eu parei, fiquei quase um ano sem trabalhar com caminhão, fui trabalhar em lavoura, por questões financeiras, mas depois voltei a trabalhar com caminhão. Aos trancos e barrancos, mas hoje nos tornamos o que somos, graças a Deus demos a volta por cima. Hoje nós temos a maior frota de Sidrolândia. No estado, nós estamos entre as dez empresas que tem a frota mais nova.
Pergunta: Quantos caminhões são? Arlindo: São ao todo 13 caminhões.
Pergunta: Qual o nome da sua empresa? Arlindo: Strack Transportes Ltda.
Pergunta: Você pode me contar como foi a primeira vez que você pegou um caminhão, você lembra? Arlindo: É difícil a gente lembrar assim, na época eu era novo. Eu sei que eu sempre tive o sonho de ser caminhoneiro. E eu falo assim que eu sou um 1
cara realizado. Esse ano tirei férias, ao invés de pegar e ir para a praia, eu peguei um caminhão e fiz uma viagem para o Sul. Lógico, eu cheguei lá, fui na casa dos parentes, fui com o caminhão passear. Mas eu sempre quis ser caminhoneiro. Assim, era um ideal meu, sabe? Eu sempre quis aquilo. O pai tinha na época três caminhões velhos, tinha dia que chovia e o caminhão ficava lá dentro da garagem, num galpão, eu ia lá treinar, botar trieiro para aprender. Isso é verdade. Tem gente que dá risada, que acha que é brincadeira, mas é aquela vontade da gente aprender. Eu tinha uns 14 anos. Já queria dirigir e o pai ia ensinando. O pai tinha 4 ares de terra lá no Sul, saíamos de uma fazenda pra ir na outra, ai o pai sempre deixava a gente, ele sentava num lado e incentivava, falava que não tinha perigo.
Pergunta: E mais irmãos do senhor são caminhoneiros? Arlindo: Sim, mais quatro. Dois fazem parte da empresa.
Pergunta: Você já passou por algum apuro? Uma vez eu fiquei 11 meses na Bahia sem vir em casa. Eu cheguei na Bahia, tinha comprado uma carreta nova e eu mandei fazer os freios dela. Eu carreguei para Aparecida do Tabuado, no que passa Inocência tem uma baixada e tem uma subida forte e eu tinha arrumado os freios e meu caminhão não transferiu a marcha, eu fui parar e ele não parou, e começou a voltar para trás. Na hora assim eu não sabia, eu tinha um ano mais ou menos de experiência de carreta, eu sempre trabalhava com truck. Tive uma ideia, se eu engatar pra frente vai quebrar, vou engatar a ré, onde eu voltei até embaixo. Só que cheguei embaixo eu não conseguia abrir a porta do caminhão, de tão nervoso que eu fiquei.
Enquanto eu estava
voltando, de certo eu estava nervoso, mas não sentia. A hora que eu parei o caminhão, eu tremia tanto, que daí que eu fui ver o que tinha acontecido. Só Deus. Parei o caminhão em cima da ponte, não tombei, não aconteceu nada.
Pergunta: No começo você viajava para onde, viajava para longe? Arlindo: Não, no começo a gente viajava só aqui dentro do estado. Todo mundo nos chamava de “merdeiro”, porque a gente puxava esterco de galinha. Falar a verdade era merda mesmo. Mas graças a Deus ganhamos muito dinheiro com isso. Era um serviço sofrido? Muito. Você carregava o caminhão e tomava banho, e 2
ainda ficava com o cheiro. A gente parava o caminhão, os caras tiravam o caminhão de perto, porque cheirava mal. Mas dava recurso, sabe, vinha dinheiro para gente. Onde conseguimos alavancar. Na época eu tinha três caminhões, tinha mês que faturava 70 mil reais, dava um lucro bom. Era muito sofrido, mas dava dinheiro. Eu nunca fui de ligar para o que os outros dizem. Nunca fui de ligar, se o cara fala: não, você é um desorganizado, você é um num sei o que. Eu não quero nem saber o que os outros falam. Procuro tocar do jeito que eu sei as minhas coisas. E deu certo, graças a Deus.
Pergunta: Em algum momento o senhor já pensou em parar de trabalhar com caminhão? Arlindo: Não, eu pensei em abrir outros ramos de negócio, mas nunca parar com o caminhão. Tanto é que eu sempre falo para a minha mulher que eu acho que não consigo viver. Demora muito para eu me acostumar longe do caminhão. Porque eu fui criado dentro disso aí. Depois que eu comecei a trabalhar eu só mexi com caminhão, hoje faz três, quatro anos que eu estou no escritório, mas tudo que eu mexo é para o caminhão.
Pergunta: Então é mais ou menos esse tempo que você não dirige? Por que parou? Arlindo: Isso. Porque graças a Deus nossa empresa cresceu e não conseguia mais eu trabalhar e administrar.
Pergunta: Como foi adaptar-se à rotina do escritório? Arlindo: No começo foi difícil. Hoje se eu precisar ficar a manhã inteira dentro do escritório, eu consigo. No começo, nem pensar. Eu ficava doente aqui dentro, toda hora eu saia, ia para a fazenda. Hoje não, você vai acostumando com a rotina. Mas eu sinto muita vontade de voltar para a estrada, eu gosto de voltar para estrada. Tem final de semana que tem alguma viagem perto, eu pego o caminhão e vou fazer. Sei lá, eu sempre falo que o que engorda os bois é o olho do dono, eu gosto de estar no meio dos funcionários, no meio dos caminhões, no meio da empresa.
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Pergunta: Como que é esse relacionamento com quem você trabalha? Arlindo: Eu falo assim que é muito bom. Eu sempre dou uma referência e eu cobro muito dos meus funcionários isso: união. Uma família que não for unida, que o pai e a mãe brigar, nunca vai pra frente. Assim se você pegar uma empresa que os funcionários e o patrão não são unidos, não vai pra frente, pode ter certeza disso. Tudo para ir pra frente tem que ter união, isso eu cobro dos funcionários meus, tem que ter união. E a mesma coisa eu com eles. Final de semana eu estou junto com eles, dia a dia eu estou junto com eles. Final de semana nós vamos junto com eles no jogo de bola. Outra coisa que eu faço, final do ano eu dou uma festa para os motoristas. Esse ano eu organizei uma pescaria. Eu faço muita confraternização com eles, todo final do mês eu faço um bife na chapa, uma cerveja, um refrigerante, uma mandioca, para ficar conversando, tem uns que tocam violão, cantam música.
Pergunta: Quais são as orientações que você dá para os seus motoristas na hora que eles vão viajar? Primeiro lugar: calma. Segundo lugar: prudência, hoje tem tanta coisa que se a gente for prudente evita na vida da gente, que vocês nem imaginam. Assim é na estrada, eu vivo falando que tem que ter prudência, tem que ter calma, sempre o que quer chegar primeiro que bate, que dá problema. Tem que saber respeitar os outros, se não souber respeitar, nada vai pra frente, isso aí é uma coisa que não é só na estrada não, é em tudo quanto é lugar, desde uma sala de aula. Tem que ter coerência, tem que saber compreender os outros, tem que se compreensivo. Dois anos atrás nós perdemos um motorista em um acidente. Em 15 anos que nós temos de empresa foi o primeiro acidente em que nós perdemos um motorista. E eu falo que nós fomos muito infelizes naquilo ali sabe, porque nosso motorista estava certo na pista, o outro carro tombou, bateu nele e matou. Eu fui convidado por três seguradoras para participar de uma reunião. Porque os caminhões nossos têm seguro. Em dez anos não tinha acontecido nenhum sinistro com nossa empresa. Nunca precisei usar o seguro, a não ser quebrou um eixo, vai o guincho e puxa, mas isso não é sinistro. Eles perguntaram para mim a que eu atribuía a maneira de administrar e outra empresa administrar, que tem empresa que tem em média, na quantia de caminhão que a nossa tem, dez 4
sinistros em um ano, e a nossa empresa não tinha nada. Para a surpresa de todos eles, eu disse, eu atribuo só em uma coisa a culpa, naquela pessoa que fica atrás do computador, que é o patrão. Eu falo que a maior culpa é dos empresários, porque ele vai lá escuta dois, três motoristas que entende pouco e fala assim o caminhão dá 15 mil reais por mês de lucro. O que ele faz, ele vai lá compra um caminhão, faz uma parcela de 10 mil reais, o caminhão dá quanto de lucro por mês? 3 mil, 4 mil. Aí ele precisa pagar a parcela. O cara carregou, está lá em Santos, lá no caixa prego, aí liga: acabei de carregar aqui, não estou aguentando de cansado. O que ele fala: se vira, eu preciso de você aqui, toma rebite, se vira, tenho que pagar minha parcela. Dorme no volante, sai estressado, sai querendo tirar os outros da estrada, onde dá acidente. Então eu culpo 95%, não é falha mecânica não, é o dono. O principal problema hoje no nosso país no transporte se chama: empresários, por incrível que pareça. É muita cobrança em cima de uma coisa e hoje nós temos dificuldade de mão de obra, hoje não tem mão de obra, não é só no transporte não, é em tudo. Acho que precisa de mais qualificação. Hoje eu tenho 12 motoristas mais dois irmãos, ao todo na equipe são 15 pessoas. Só tem um que não fui eu que formei motorista. O resto foi tudo eu que ensinei. Hoje mesmo eu estou formando mais um. Todo mundo me chama de louco, mas nós estamos indo pra frente, está dando certo. Todo mundo fala, não porque você é um louco, colocar um caminhão desse na mão do cara. Eu falo: não adianta você botar na mão de um cara que sabe tudo, ele sai ali e já quer te roubar. No setor que se chama transporte, dá muita brecha para o motorista fazer cabrito, que é um nome popular, porque na verdade mesmo cabrito é um roubo. Dá muita brecha.
Pergunta: Onde principalmente estão essas brechas? Arlindo: Borracharia, abastecimento, carregamento de carga, o cara fala que carrega 30 mil quilos, carrega 35 e pega três para ele. Então tem muita brecha nisso aí, porque não estou o tempo todo com eles. Outra coisa que eu falo que é muito errado, o cara contrata o motorista e o que o motorista tem que fazer? Ele tem que dirigir o caminhão, ele tem que entender do caminhão. Não, o cara contrata o motorista e ele quer que o motorista pegue o frete, faça acerto de frete, cuida de 5
comprar pneu, cuida de fazer freio, ele quer que administra o caminhão inteiro, ali dá muita brecha para o cara fazer o que? Ele tira uma notinha aqui de 50 reais, outra ali de 100, outra lá de 300 e assim vai. Dá muita liberdade, eu sempre falo, tem que contratar motorista para fazer o que? Para dirigir o caminhão, quem tem que administrar é o dono.
Pergunta: Seus motoristas fazem tudo aqui por perto, troca de pneu, mecânica? Arlindo: Não, não. Isso aí é assim. Com o crescimento da empresa, eu sempre falo assim, 13 anos atrás, 14 anos atrás, éramos os “merdeiro”, os quebrados, não tinha dinheiro. Eu pedia para o cara fazer um serviço na oficina, tinha que ir ali pedir pelo amor de Deus. Vou te pagar quando acabar e tal. Hoje todo mundo corre atrás da gente. Essa é a pura realidade, sabe. Aí o que acontece, que nem ontem, ontem eu tinha um caminhão lá em Cascavel quebrado, simplesmente eu ligo lá, falei que o caminhão deu um problema na roda, já falaram não nós estamos indo lá agora socorrer, mas quem mandou fazer isso? Eu. Não precisou do motorista ligar, sair correndo. Já manda a nota aqui, ou eu faço o depósito na hora. Eu abri cadastro em tudo quanto é lugar. Eu tenho os roteiros por onde passam os motoristas. Eu ligo na autopeça para ir lá. Esses dias atrás eu falando com outra pessoa e ele falou: rapaz meu caminhão quebrou lá em tal lugar. Falei, mas já foi mandar arrumar? Não o motorista arrumou um cara lá, ele está indo lá. Falei, você sabe quem é? Não. Você sabe o que quebrou? Não. É difícil assim o cara tentar administrar. Uns dias atrás aconteceu um caso aqui, aqui dentro de Sidrolândia, o cara carregou e falou: não é melhor você ir por aqui. O cara foi lá, tinha uma curva e tombou o caminhão. E daí, está certo o motorista passar pelo lugar se o patrão falar que é por aqui? Não está. Está errado, porque quem procura atalho, passa trabalho.
Pergunta: Você nunca lidou com pessoas difíceis, de falar: não eu vou fazer assim? Arlindo: Lidei. Lidei só que adotamos um padrão de tratar funcionário. Somos amigo do funcionário, tratamos bem o funcionário, pagamos em dia, registramos, damos férias, pagamos 13º, tudo certinho como manda a lei. Porém 6
você não está fazendo do jeito que eu quero, não serve pra mim. Tem funcionário que fez três viagens eu falei: não, vamos parar. Você é meu amigo, nos encontramos, tomamos cerveja, não tem problema nenhum, mas para trabalhar não dá certo, vamos parar. Porque uma batata podre estraga um saco inteiro. Faz um ano que nenhum funcionário pede conta. O último funcionário que pediu a conta pra mim vai fazer quase dois anos. Teve funcionário que eu dei as contas. Quer dizer que não somos patrões ruins, exigimos? Exigimos, mas damos condições de trabalho. Tem que ter condições de trabalho, tem que ter caminhão bom, tem que ter pneu bom.
Pergunta: Seus caminhões viajam para várias partes do país, ou tem lugares que eles vão com mais frequência? Arlindo: Olha, tem lugar que vão mais frequentemente. Um local que, eu nunca cuspo para cima e falo eu não vou, mas que não tenho vontade de mandar, só uma vez foi caminhão meu lá, aí eu falei: não é lugar pra caminhão. Até eu que fui lá, se chama São Paulo. Aquilo não foi feito pra caminhão, não tem lugar para você estacionar, você para e é guarda multando, tudo o quanto você faz está errado. Então eu não deixo ir caminhão meu, tem tanto lugar que tem serviço. Roteiro que mais fazem os caminhões meus: daqui para o Paraná e para o Rio Grande do Sul.
Pergunta: Para o Paraná mais para porto? Arlindo: Não, mais para o interior do Paraná. Vai para o porto também, mas eu podendo evitar, eu evito mandar. É muito sugado, o frete é muito explorado e tem muito ladroeiro. Tem aqueles “nóias”, aqueles “maconheirinhos”. Aquilo é uma imundice perto da gente, aquilo é o dia inteiro você dando dois reais, três reais. Se você não dá ele abre a bica do seu caminhão. Ao invés do policiamento que é para dar segurança para nós chegar lá e assessorar, eles chegam multando, porque você sujou a rua e foi um vândalo que fez aquilo ali.
Então é difícil. Não tem
assistência. É complicado segurança. Às vezes o que eu vou falar e chegar ao ouvido de alguém pode até os caras ficarem bravos comigo, mas eu vivo falando assim: que hoje, ao invés da
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polícia dar segurança para quem está na estrada, eles dão medo. Não tem uma relação de segurança em cima das autoridades. É uma fábrica de dinheiro.
Pergunta: E a questão da infraestrutura das estradas? Arlindo: Olha, melhorou muito, de três, quatro anos para cá. Se você andar para o lado do Nordeste, era um caos essas estradas, agora está muito melhor. Aqui mesmo, tanto para você ir para Sonora, que é uma estrada de bastante movimento; quanto para você ir para Guaíra aqui, eles arrumaram. Aqui para Bataguassu eles arrumaram também. Só que eu acho que ainda falta muito. Se você olhar a estrutura das nossas estradas hoje, foi feito quando o caminhão maior era um truquinho, hoje tem bitrem, tem rodotrem, tem não sei mais o que lá que carrega não sei quantas toneladas e é a mesma estrada. Eles tinham que fazer mais terceira faixa, acostamento mais largo, se der um problema, fazer umas áreas de descanso com segurança. Eles fizeram, que chamam de refúgio para o cara parar pra descansar, mas se o cara parar o caminhão, o que passa do lado, arranca o retrovisor, então é perigoso. Eu acho que precisa ter uns locais mais adequados, para o caminhoneiro poder descer e ter um banheiro. O caminhoneiro para nesses refúgios e se ele quiser urinar tem que ir no pneu. Cadê o banheiro, não tem qualidade de vida daí. Tem que ter suporte, apesar que eu acho que essa lei do descanso tem que ter muita mudança. Do jeito que tá aí, eles não vão conseguir tocar pra frente. O que que a constituição fala? Que a lei está em vigor, porém não está sendo fiscalizada. Por quê? Porque eles falaram que ia por a lei e dar condições. Que condições eles deram? Nenhuma, então eles não têm como cobrar. Só que o ministério do trabalho, se você pegar uma carteira e o cara comprovar que ele andou mais do que as dez horas que a lei fala e levar lá no ministério do trabalho, o empresário é multado.
Perguntas: Como você, dono de empresa, fiscaliza isso? Arlindo: Olha, tudo tem que ter coerência, sabe. É que nem eu falei antes, por causa de acidente, tem que ter limite, tem que ter horário para andar. Eu sempre falei, desde quando eu era pequeno, desde quando eu comecei a trabalhar com caminhão velho, que é um caminhão que temos, que foi o primeiro caminhão que meu pai comprou, ainda temos esse caminhão, eu sempre falei, se você 8
trabalhando de dia, não der que chega, muda de ramo, de noite não vai dar. Desde que eu me entendo por gente a noite foi feita para descanso. Então eu ponho limite nos motoristas, eu não deixo andar. Ah, mas se me deixar andar mais duas horas eu vou chegar lá. E se acontecer um acidente em duas horas? Então não pode. Logo depois dessa reunião que eu tive com a seguradora, fui infeliz porque o motorista nosso morreu no acidente, mas não foi culpa do motorista nosso. Por incrível que pareça, quando o motorista viu o outro caminhão vindo na pista, ele parou o caminhão, o outro veio e bateu de frente e matou nosso motorista. Fazia um ano e meio que ele estava trabalhando com a gente. Era daqui, o pai dele é motorista meu também. Mas faz parte da vida, tudo enquanto é lugar tem risco.
Pergunta: Depois que sofre um acidente, não fica com medo de voltar a trabalhar? Arlindo: Depende das circunstâncias do acidente. Nesse acidente lá eu não fiquei com medo. Eu fiquei com muito mais medo quando voltei de ré na estrada, porque você perde a confiança no veículo, você perde a confiança que você tem no caminhão. Eu sempre falo, o motorista e o caminhão tem que ser um conjunto. Você tem que sentir confiança no que está fazendo. Tem que sentir confiança no equipamento. E se perde a confiança é difícil você se restabelecer.
Pergunta: Como você lidava com a saudade? Arlindo: Fomos criados em 12 irmãos, é muito difícil, eu falo assim que ninguém consegue ver o vazio que a gente fica. Rapaz, você chegar em um domingo, não ter serviço e ter que ficar um domingo sentado lá sem ter o que fazer não tem coisa mais triste. Eu vou falar uma coisa para vocês, ao contrário do que muita gente fala, o único lugar, quando a gente está longe de casa, que conseguimos um carinho, mesmo sendo pago, é em boate. Estou falando a verdade disso aí, isso aí não adianta sabe. Eu era solteiro na época, não tem o que esconder de ninguém isso. É a pura verdade, é o único lugar, mesmo sabendo que é pago. Que muitas vezes o cara fala bem assim, não o caminhoneiro foi lá porque é um galinha. Não, viu, não tem coisa mais triste do que você ficar longe da família um mundo de tempo, ninguém sabe te dar um carinho. Você chega em um lugar para ser bem tratado e o cara só sabe te dar coice. Você chega em uma firma, o chefinho 9
lá só sabe te tratar mal, então é difícil. Aí onde é que ele vai se afugentar? Vai buscar um pouco de carinho? Isso acontece muito, muito mesmo. E tem muita gente que não enxerga isso aí. Muita gente só sabe criticar, não sabe olhar. A pessoa saiu, faz 10 meses que está longe de casa e todo dia só vem problema, aquilo vai vindo na cabeça da gente, às vezes é aonde vem um acidente.
Pergunta: O senhor acha que o fato de ficar muito tempo sozinho influência um pouco? Arlindo: Influência e muito, porque você fica imaginando coisas que você pensa que podem acontece. Vamos supor, imaginando o que vai acontecer amanhã. Vai passar o dia inteiro dentro de uma casa sozinha? É o jeito que fica um caminhoneiro sozinho. O que você tem? Uma cabine, é solitário. Aí o cara fala, você anda por tanto lugar diferente. Mas não conhece ninguém. Experimenta sair daqui. Não... Vai viajar para um lugar aí, sozinho, que não conhece ninguém, para você ver como é triste. O problema é assim, chega final de semana, você tem que ficar ali. Quando você está trabalhando, está andando com o caminhão ali, você está escutando uma música, vai conversando com o pessoal no rádio, não vê passar o dia. Fica em movimento. Fica cuidando a estrada. Mas você ficar, que nem eu cheguei a ficar, quatro dias parados, olha é complicadíssimo viu. Não tem uma casa de um parente teu para ir. Pra tomar banho você vai no posto, um banheiro imundo. Aí você senta lá na cabine e não tem nem uma televisão para assistir. Não tem coisa pior. Eu acho que tinha que ser mais bem visto o caminhoneiro. O país tinha que ter mais estrutura, para os empresários poder pagar melhor, ter mais condições, sabe. Valorizar a profissão. Nós vamos chegar num ponto, daqui dez anos, que você vai ter que implorar para conseguir um motorista. Porque está muito difícil, está afunilando. Uma vez você ia trabalhar com caminhão você ganhava cinco salários. Hoje não dá, hoje o empresário que pensar em pagar cinco salários para o empregado, no final do mês pode vender o caminhão. Muito afunilado. Tem muito atravessador ganhando no meio.
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Pergunta: O que conta muito, combustível caro, frete muito barato? Arlindo: É assim. Hoje o maior vilão do transporte se chama óleo diesel. Segundo, mão de obra. Muito escassa a mão de obra, falta qualificação. Poucas empresas dão oportunidade. Eu vejo assim, eu ensino uma pessoa a trabalhar, o cara vê que aquele virou um motorista bom, chega lá e fala: eu te pago 100 a mais por mês. Os fretes estão muito defasados. A concorrência é muito desleal. Está com um mês atrás mais ou menos, eu fui em Campo Grande, uma empresa tal pegou o frete por 40 reais a tonelada. Hoje o governo do Brasil, fala que a empresa, para dar documento, para fazer essas coisas, para legalizar o frete na verdade, porque o autônomo não tem documento, ele teria que cobrar 7%. Ele pegou a 40 e estava pagando 25 para quem é jurídico e 23 para quem é físico. Ele estava ganhando em cima do motorista 45%. É justo? Era para ganhar 7%. Aí os caras falam, mas o frete está caro, mas o atravessador que está ganhando tudo. As grandes empresas se chamam hoje no Brasil: ADM, ainda é melhor um pouco pra mexer, mas a Cargil, a Mosaic, a Bunge. Essas grandes empresas, eles só dão o transporte para quem é jurídico. Aí pega lá uma Lontana, a Rodomaior. Esses que ganham em cima do caminhoneiro. Às vezes o frete lá é bom, mas ganham muito em cima, para quem vai fazer o serviço é muito barato. Mas quem que tá ganhando? O que pegou.
Pergunta: E funciona como, para gente entender? Essas empresas maiores são como agenciadoras? Arlindo: É, elas repassam. Na verdade é assim, ela pega o serviço, vamos supor: uma transportadora x pegou o serviço da Cargil, subcontrata o caminhoneiro. Só que daí essa empresa, essa transportadora paga o preço que quer. Elas ganham muito em cima. Para você pegar a carga da Cargil, você tem que ser intermediado por ela, onde elas se aproveitam.
Pergunta: A cooperativa, ela não pode fazer esse agenciamento? Arlindo: A nossa cooperativa faz. Porém existe um grande problema, muita deslealdade e concorrência. Para eu conseguir pegar o serviço da Cargil ou da Seara, eu tenho que cobrir a oferta do outro. O que acontece, o outro vai lá e sonega quase todos os impostos. Aí cada um tem um entendimento dentro da 11
cooperativa. Nossa cooperativa aqui, tem 71 sócios, se eu pegar e sonegar todos os impostos, que nem os outros fazem, para poder pagar mais para o caminhoneiro e a fiscalização pegar, eu sujo o nome dos 71. Não é o CPF do presidente não, suja o dos 71. Então o que acontece, se eles pegarem lá, suja o nome de quantas pessoas? Do dono. Então é difícil. Aí o próprio sócio fala que não vai puxar pela cooperativa porque tem muito imposto. Mas se eu não pagar o imposto eu sujo o nome dele. Eles não entendem o processo. Aí é assim sabe, a gente fica de mãos atadas. Eu acho que tinha que ter mais incentivo para o cooperativismo. Porque hoje a gente paga o mesmo imposto que outra empresa do setor do transporte, mas na hora da gente pegar o frete, não tem incentivo nenhum. Só que os outros não pagam impostos. Se você pegar hoje na prefeitura aqui de Sidrolândia e vê quem recolhe imposto e ISS de transporte, vocês vão vê que só tem a cooperativa de transporte. Eu garanto para vocês. Só que se eu pedi um incentivo, eles não dão. O problema que a política hoje no Brasil é muito suja. Um não aceita o que o outro fez.
Pergunta: Você tem filhos? Arlindo: Tenho, dois. Um guri e uma menina.
Pergunta: O menino gosta de caminhão também? Arlindo: Olha, meu guri tem sete anos. Ele é pequenininho, então é difícil falar o que gosta e o que não gosta. Ele sempre fala que ele quer ser professor, professor de matemática. Ele amava viajar junto comigo, ele e a minha esposa. Minha filha é novinha, acabou de nascer, então nunca viajou comigo. Meu filho sempre gostou de ir comigo, ele chegou a ficar comigo 60 dias na Bahia, ele e minha esposa junto. Não tem coisa mais gratificante para um pai que levar a família junto. Chegava final de semana, eu assava uma carne, ia em uma praia, ia em um parque. Tinha com quem conversar, se divertir. É totalmente diferente do que ficar sozinho. Então para quem é pai, é muito gratificante. Eu era pequeno, era muito teimoso e apanhava muito do meu pai, e ele me falava isso toda vez que me surrava, que eu ia saber o que é ser pai o dia que tivesse um filho. E é a pura verdade.
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Pergunta: Você gostaria de ver seu filho dirigindo? Arlindo: Não, eu gostaria de ver ele cuidando dos meus negócios. Mas eu gostaria muito que ele para cuidar dos negócios, que ele viajasse na estrada para ele ver o sofrimento, para ele ver as dificuldades. Que esse é grande segredo para ir para frente, ver as dificuldades, achar maneiras para vencer as dificuldades. Porque hoje no setor do transporte tem muita empresa que acha que as coisas são muito fáceis na estrada. Você administrar daqui é muito fácil, mas você vencer o obstáculo que o motorista tem na estrada é muito difícil. Para você vencer isso aí, tem que ter sofrido, tem que ter passado. Por isso que tem muitos lugares que o cara sai com o caminhão, dá algum problema e o empresário não sabe o que fazer, não dá suporte. Isso é sonho de qualquer pai, ver o filho prosseguir com as coisas da gente. Isso aí não é só eu, nenhum pai quer ver um filho fracassado e como o negócio da gente ta indo pra frente.
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Entrevista 3: Andréia Orlando
Andréia Orlando, 42 anos, filha de caminhoneiro e dona de casa.
Pergunta: Como é sua relação com o seu pai? Andréia: Nossa o meu pai é a coisa mais linda que tem no mundo. É um amor assim, profundo. A gente sempre se deu muito bem.
O meu pai sempre me
tratou com muito carinho, sou a branca dele. A gente se fala muito. Só de falar dele fico assim emocionada, porque eu o amo demais. Eu acho que em tudo a gente está sempre junto, sempre quando pode entendeu? Ele é o meu companheiro, a gente fala de tudo ele é assim o meu, como que fala? É, meu confidente. Conversamos sobre tudo. Tenho a total liberdade, a gente fala besteira. Então a relação com o meu pai é única. É tudo de bom.
Pergunta: Por causa da profissão em alguns momentos ele estava ausente, como foi conviver com isso? Andréia: Era muito difícil. Só que era assim, ele teve uma época que trabalhava, mas ele não ficava muito tempo fora. Então no começo, ele começou a trabalhar com caminhão com 21 anos, ele puxava para a roça. Puxava laranja. Então até nessa fase eu estava com ele, eu ia, também as vezes. Eu ia junto com ele. É lógico que a profissão dele fez com que ele ficasse sempre ausente. Tipo numa reunião de pais e mestre, nunca levou no médico, sempre foi a mãe, mas sempre que ele pode ele estava com a gente. Sempre estava comigo, com meu irmão. Então eu falo assim, ah sei lá, ele é uma pessoa que eu não canso de falar que é maravilhoso. Eu não consegui nem sentir falta dele, porque todas as viagens dele que fosse longe, que ele chegasse a ficar uma semana, a gente se fala todo dia. No começo sim, quando era criança, ele não viajava longe o máximo que ele ia era para o Rio de Janeiro, ele ia lá para o Ceasa. Ele levava mercadoria e voltava, mas na época eu ainda não estudava ou quando estava de férias, eu estava sempre com ele. Uma coisa que eu ajudava muito ele, quando ele chegava em casa era ajudar a embrulhar o encerado, o encerado é a lona. Ele colocava na frente de casa, 1
a rua é uma bifurcação. É enorme. Ele estendia o encerado ali e eu ajudava a dobrar, então eu queria ajudar ele a amarrar o caminhão. Eu sempre queria fazer de tudo com ele, o meu irmão mais velho já não, por mais que ele é caminhoneiro, ele nunca ligava pra essas coisas, o mais novo também não é nada de caminhão, ele tem faculdade, é outra coisa a vida dele. E já eu não, sempre estive com o meu pai e queria ajudar a descarregar, eu tenho até uma cicatriz aqui, que ele estava com uma bicicleta em cima do caminhão, e ele falava assim: “não branca, não vai pegar a bicicleta que você vai se machucar”. Mas eu queria mostrar para ele que eu conseguia, pra ajudar ele, e ai fez o machucado. Então eu sempre ajudava ele, sempre tive junto com ele, sempre fiquei no colo dele, deitada do lado dele, perto dele e até hoje eu sou assim, sou ciumenta dele. Ele morre, às vezes, de vergonha porque ele liga para mim, e eu falo assim: o pai tem alguém perto? Aí ele fala: “ah tem um monte de gente aqui”. Aí eu falo assim, então fala bem alto: eu amo a minha filha, é a única filha que eu tenho no mundo. Eu brinco com ele. Sempre que estamos juntos eu falo: meu pai não é lindo? Então eu acho que se eu ficar sem ele não sei o que seria de mim.
Pergunta: Então quando ele começou a dirigir você já era nascida? Andréia: Não quando ele começou eu não tinha nascido. Tinha o meu irmão. Ai depois eu nasci. Eles vieram para Araraquara porque moravam no Paraná, ai veio para Araraquara, e ai ele comprou o caminhão do meu padrinho na época. O nome do caminhão é Chevrolet Brasil. Se a gente estivesse com ele ou na casa dele, ele teria foto. E ai ele comprou e começou a carregar. Logo em seguida eu nasci. Depois, mudamos para Limeira, eu tinha quase seis anos. Ele foi trabalhar de puxar para o Ceasa, ai ele ficou 14 anos numa firma.
Tem uma
historinha que quando ele estava na roça, que eu falei que às vezes eu ia com ele, aí ele falava com um dos ajudantes de levar as filhas, e ficávamos brincando lá.
Pergunta: E quando você viajava com o seu pai, como que era? Andréia: Muito divertido, porque eu imitava muito ele. Inclusive eu falo que aprendi a dirigir sem estar dirigindo, porque ele sempre me carregava, e então 2
eu virava o chinelo ao contrário para fazer de embreagem e acelerador, pegava alguma coisa pra fazer de volante, ficava imitando ele. Se ele buzinava, eu também buzinava. Colocava a mão e o braço para fora para cumprimentar as pessoas. Eu sempre quis fazer muito por ele, até hoje eu sou assim. Eu nunca o magoei ele também nunca ficou bravo comigo, é um amor incondicional gente. É assim, falar que ele nunca ficou triste, ficou. Quando eu fui embora de casa né. Ele não estava satisfeito quando eu saí. Eu fui com uma pessoa que ele achava que não daria certo. Então assim, foi a única coisa assim que, não só ele, mas eu também fiquei muito triste, por ele ter ficado um pouco magoado.
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Entrevista 4: José Paulo de Lima – Tiririca
Caminhoneiro da empresa Strack Transportes Ltda
José Paulo de Lima, ou Tiririca como prefere ser chamado, foi bastante contrário a falar no começo. Estava receoso em não lembrar de tudo e preferiu responder perguntas relacionadas ao emprego atual, por ser mais recente, e deixar para uma próxima entrevista as questões ligadas ao começo de sua profissão. A entrevista aconteceu no pátio da Empresa, local onde fica a casa dos pais do Arlindo Strack.
Pergunta: O senhor sempre trabalhou de caminhão? Tiririca: Trabalhei com caminhão, trabalhei com máquina. Para eu lembrar depois que entrei aqui fica mais fácil. De antes eu não lembro muita coisa.
Pergunta: Então, faz quanto tempo que o senhor trabalha aqui? Tiririca: Já vai fazer cinco anos.
Pergunta: E como surgiu esse serviço? Tiririca: Nós todos trabalhávamos com caminhão. Eles trabalhavam com caminhão deles aqui né e eu trabalhava com outro caminhão, mas sempre na mesma rotina também. Eu trabalhando com um patrão. Eles sendo donos dos caminhões deles. E nós sempre estávamos juntos para carregar e descarregar. Em um dia falei assim: “a hora que vocês precisarem de um motorista me arruma que eu quero trabalhar para vocês”. Passou um ano, passou dois anos e nada de eu arrumar esse serviço. Daqui a pouco eles bateram na minha porta para trabalhar para eles.
Pergunta: Mas você sempre trabalhou de empregado? Tiririca: Sempre trabalhei de empregado.
Pergunta: Opção? 1
Tiririca: Ah eu sempre trabalhei com caminhão, máquina. Pergunta: Você trabalhou com outras profissões? Tiririca: Trabalhei. Trabalhei em usina também. Aqui já faz uns cinco anos de registro. Mas trabalhei sem registro também. Eu fazia serviço para eles quando estava parado também, quando estava de folga ou alguém estava doente. Mas agora, graças a Deus estou aqui. Pergunta: E não pensa em sair? Tiririca: Não penso não. O dia que eu sair daqui vou chamar um advogado.
Pergunta: Sério? Tiririca: Sério. O dia que eles me mandarem embora vou chamar um advogado para não me mandarem embora. Nesse momento, seu Strack, pai de Arlindo, chega perto do local onde estava ocorrendo a entrevista. Tiririca fala para ele: Né seu Strack? O dia que vocês me mandarem embora eu vou chamar um advogado. Seu Strack: Como que é? Tiririca: O dia que vocês me mandarem embora eu vou buscar um advogado. Seu Strack: Para que? Tiririca: Para não sair. Seu Strack: Ah! Se não te mandarem embora? Tiririca: Não. Se me mandarem embora. Vou contratar um advogado... Seu Strack: Para ficar aí. Tiririca: ... para ficar. Seu Strack: Ih! Pode ficar. Tem que varrer o pátio... sempre tem alguma coisa para fazer. Isso ai nós combinamos!
Pergunta: Sua família é composta por quantas pessoas? Tiririca: Eu e minha “veia” por enquanto, e uma menina. Ela mora em São Paulo, já é casada. Aqui em Sidrolândia mora só eu e a esposa. 2
Pergunta: E ela viaja junto com você? Tiririca: Quando ela não tem médico, consulta médica, ela vai.
Pergunta: Como é o nome dela? Tiririca: Maria Orenita de Lima.
Pergunta: E ela gosta de viajar junto com o senhor? Tiririca: Gosta.
Pergunta: E como é sua rotina, seu dia a dia? Tiririca: Meu dia a dia é parar as 20h, 21h e pegar as 5h da manhã, que é a hora de acordar também. Uma vez eu acordei 8h num posto e ninguém me esperou, foi todo mundo embora. Durmo de dia também, se eu quiser dormir depois do almoço, posso parar e dormir.
Pergunta: E o que você carrega seu Tiririca? Tiririca: Soja, milho. O que tiver puxa. Para onde o patrão mandar, a gente não escolhe o roteiro.
Pergunta: Mas você tem alguma preferência? Mais perto de casa, mais longe? Tiririca: Quando a gente vem para casa tem que pegar o que patrão mandar porque é ele que escolhe a carga.
Pergunta: E você já viajou para bastante lugares, bastante estados? Tiririca: Uns quantos. Para Bahia, Minas, Rio Grande, Paraná.
Pergunta: Dessas viagens para longe o que você tem de recordação, de boas lembranças?
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Tiririca: Eu conheci uns outros lugares que eu não conhecia. Muita coisa diferente em vista daqui. Isso eu acho muito bom porque eu estava louco para conhecer o Rio Grande.
Pergunta: E gostou de lá? Tiririca: Pegamos uns frios, uma geada. Um frio de tremer.
Pergunta: E quando foi isso, esse ano? Tiririca: Esse ano teve também bastante frio. A gente estava lá em Nova Bassano no final de semana, no domingo. E os outros mais são Frederico, Santa Barbara, vários lugares ali, mas para esses lugares já faz tempo que fomos.
Pergunta: Voltando a sua rotina, o almoço você faz ou prefere ir ao restaurante? Tiririca: Prefiro fazer almoço. Prefiro mais do que comer em restaurante. Só se estiver na fila, estiver viajando, estiver chovendo, muita chuva com vento que daí não tem jeito de arrumar a loninha ali. Se for aquela garoinha só a gente faz ali, no cargueiro mesmo, na caixa.
Pergunta: Quem faz o almoço, o senhor mesmo? Tiririca: Eu mesmo. Quando eu estou sozinho eu que faço, quando minha esposa está junto ela que faz.
Pergunta: E você tem uma preferência de refeição durante a viagem? Ou é aquela comida mais rápida? Tiririca: Aquela mais rápida né, bom também para quando está na fila para carregar.
Pergunta: Seu caminhão tem geladeira? Tiririca: Não, não tem.
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Pergunta: Como você faz para armazenar as coisas? Tiririca: Olha, a gente só compra quando está parado. Saladas ou comidas do tipo, nós estamos parados para carregar amanha, então já compra hoje. Ai aguenta hoje e amanha. Você compra uma coisinha e deixa lá. Um tomate, um pimentão, carne. Compra só na hora para não estragar, as vezes da uma fritada nela, tempera e deixa lá. Pergunta: O que o senhor me diz das estradas, da infraestrutura das estradas? Tiririca: Tem estrada boa, mas tem estrada ruim, cheia de buracos, e cada vez está aparecendo mais.
Pergunta: Mas já houve melhoras? Tiririca: Eles tão ajeitando, mas falta muita coisa para melhorar. Para dormir, por exemplo, se você chegar 21h30 ou 22h não tem lugar.
Pergunta: E isso em postos? Tem postos que não deixam vocês ficaram também? Tiririca: Tem. Tem um que tocaram nós do posto. Tocaram nós porque a gente não abasteceu.
Pergunta: Você lembra onde foi isso? Tiririca: Lá em Paranaguá mesmo. E tem uns outros que não lembro mais o nome.
Pergunta: Na rodovia ou na cidade? Tiririca: Na rodovia perto do começo da cidade.
Pergunta: Em relação ao banho? Tiririca: Se você não tiver o “pila” não toma banho.
Pergunta: Não tem mais lugar que você toma banho sem pagar? Tiririca: Difícil, muito difícil.
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Pergunta: E o banheiro é digno? Tiririca: Tem uns que é bom, tem uns que é bem ruim, mas fazer o que. É sujeito a frequentar aquele banheiro, tem que ir. E ainda tem uns que é só no horário do expediente. Durante a noite não tem banheiro.
Pergunta: É religioso? Tiririca: Sou da religião católica. Pergunta: Frequenta missa? Tiririca: Sempre, sempre eu vou e todo dia eu rezo.
Pergunta: Você tem uma prece especial durante as viagens? Tiririca: Tem, tem. Sempre antes de sair ou quando chego.
Pergunta: Você escuta musicas durante a viagem? Tiririca: Gosto viu, até que gosto de uma música baixinha também não muito alta.
Pergunta: E qual estilo? Tiririca: Sertanejo.
Pergunta: E você escuta bastante rádio? Tiririca: O rádio que eu escuto, porque agora está pegando só o radinho, o aparelho de CD estragou.
Pergunta: Ajuda na viagem? Tiririca: Ajuda, ajuda. Você vai escutando o noticiário, noticia mais ruim do que boa né, então vou escutando, andando devagar e prestando atenção na pista.
Pergunta: Quais são as recomendações da empresa para viajar? Tiririca: Ah não pode passar de 90 km/h. E trabalhar até as nove da noite, para pegar é cinco horas, e parar depois do almoço para dormir.
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Pergunta: Sem pressão? Tiririca: Não, não. Quem tem que fazer a obrigação é o empregado. Se der sono depois do almoço, tem que parar e dormir porque não tem pressa para entregar a carga.
Pergunta: Há um bom relacionamento nas empresas que você carrega? Tiririca: Isso é assim, a gente é tratado que nem cachorro. Pergunta: Por que você acha que há esse tratamento? Tiririca: Isso é devido às pessoas más e as pessoas boas pagam por isso. Quando você bate na janela [da empresa] eles falam “espera aí, espera ser chamado”. Até para pegar a nota, a janelinha está fechada, aconteceu comigo mesmo. Não todos, mas tem disso aí.
Pergunta: Isso é frequente? Tiririca: Só em alguns lugares. Não todos.
Pergunta: Você acha que existe muito preconceito em relação à profissão de vocês? Tiririca: Existe. A classe mais maltratada do mundo é a do caminhoneiro. Eles tratam muito mal.
Pergunta: Você pode dar um exemplo? Tiririca: Já passei por alguns casos. Agora não lembro onde foi.
Pergunta: Mas acontece. Tiririca: Acontece sim. Pessoa muito mal né, que quer maltratar o caminhoneiro. Mas eu deixo quieto, tem que voltar ali depois para carregar.
Pergunta: Já teve problemas com estadia? Tiririca; Já, já. Umas quantas vezes.
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Pergunta: E como resolve? Tiririca: Como resolve? Eu liguei para o patrão. Ele que resolve esses problemas. Liga lá e acerta. Agora se o caminhão fosse meu mesmo eu tinha que resolver, mas é da transportadora né.
Pergunta: E o relacionamento de vocês com os policiais rodoviários? Já teve problemas? Tiririca: É tranquilo. Eles só pedem nota, documento. Se estiver tudo certinho vai embora, se não estiver leva multa. Pergunta: Quando acontece algum problema, tipo furar um pneu, como você faz? Tiririca: Ai é só pegar e colocar o triângulo, você coloca lá para sinalizar quando você está nessas estradas que não tem pedágio, quando é nessas estradas o recurso é mais fácil.
Pergunta: E quando não é como você faz? Tiririca: Ligo para o patrão para dizer o que está ocorrendo, para vir assistência.
Pergunta: Já aconteceu de você ter que resolver o problema? Tiririca: Agora não lembro porque motivo foi, mas tive que fazer uma gambiarra até chegar o recurso.
Pergunta: Você já passou por algum perigo ou acidente? Tiririca: Já, já passei. Uma vez no posto Caravágio eu enrosquei em um caminhão. Eu não sei como foi, só quando vi deu pipoco. Dentro pátio não tinha visão para ele nem visão para mim, ai quando chegou simplesmente enroscou.
Pergunta: Você escolheu essa profissão por quê? Tiririca: Ah eu escolhi porque é o que a gente gosta desde pequeno. Eu pegava tampinha e montava caminhão quando era criança e hoje estou ai. 8
Pergunta: E o senhor gosta ent達o? Tiririca: Gosto sim.
Pergunta: N達o pensa em largar? Tiririca: N達o, n達o.
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Entrevista 5: Ivo Delavi e Vanessa dos Santos Delavi
Ivo é taxista em Sidrolândia. Afastou-se do caminhão após sofrer um incidente, caiu da carga de seu caminhão enquanto arrumava a lona. Sua esposa, Vanessa, o acompanhou durante muito tempo. Eles moraram no caminhão até a vinda do primeiro filho.
Pergunta: Quantos anos o senhor tem? Ivo: Estou com 65 anos, faço 66 em outubro agora, dia 13.
Pergunta: Por quanto tempo trabalhou com caminhão? Ivo: A minha origem era de caminhão. Meu pai era caminhoneiro lá no Sul. Nós morávamos lá em Frederico Westphalen. Comecei minha profissão como caminhoneiro. Vim embora pra cá, trabalhei em fazenda muito tempo, toquei lavoura por uns 20 anos mais ou menos. Aí depois as atividades ficaram complicadas na época, hoje está mais fácil a agricultura, mas na época era mais complicado. As coisas foram ficando difícil, como a gente já era da atividade, a única coisa que sabia fazer era caminhão e lavoura. Aí eu digo: bem, vou sair da lavoura o que que eu vou fazer? Vou para o caminhão. Comprei um caminhão, viajei muito tempo, viajei 13 anos com caminhão, as coisas foram se complicando, me machuquei. Ficou difícil.
Pergunta: Quando o senhor se machucou? Ivo: Me machuquei em 2006.
Pergunta: Foi quando o senhor parou de trabalhar como caminhoneiro? Ivo: Não, eu continuei ainda. Com as dificuldades, mas eu continuei. Faz dois anos que eu vendi o caminhão, fiquei um bom tempo depois que eu machuquei. Operei, tentei ver se conseguia continuar trabalhando, mas cada vez mais difícil.
Pergunta: Como que foi esse acidente? 1
Ivo: Eu estava lá em Paranaguá, minha esposa estava junto. Fomos enlonar o caminhão e deu um vento. O caminhão estava vazio, nós fomos só jogar a lona em cima da carreta, estávamos abrindo a lona, ela em uma ponta e eu na outra e deu um vento e eu escapei do lado, e cai de costas e bati só essa parte do calcanhar aqui, quebrou toda essa parte do pé. Fiquei praticamente dois anos sem poder trabalhar. O pé inchava demais, doía muito.
Pergunta: Como é que era trabalhar sentindo dor? Ivo: Tudo é difícil né? Quando você está em uma atividade e você tem disposição, tem condições de saúde, você consegue manobrar as coisas, mas quando você fica doente. A gente viajava muito no nordeste, carregava pluma, uma carga alta, tinha que subir no caminhão para enlonar, pra amarrar a carga. Aí tudo era difícil, subir em escada.
Pergunta: Se o senhor não tivesse machucado, continuaria com o caminhão? Ivo: Teria continuado porque era minha atividade. Eu estava dentro dela, tinha meu caminhão. Mas aí como a saúde foi embora, ficou complicado.
Pergunta: Como surgiu a oportunidade de trabalhar com o taxi? Ivo: A ideia era essa porque, por exemplo, eu com a idade que eu tenho arrumar emprego é complicado. Estou dentro da atividade de motorista, continuou, só diminuiu o tamanho do carro.
Pergunta: Que caminhão o senhor tinha? Ivo: Tinha um Scania, um 112.
Pergunta: E quando o senhor viajava, ia principalmente para onde? Ivo: Eu viajava mais Paranaguá, levava soja, trazia adubo. Mas a maior parte do tempo eu viajava pro Nordeste.
Pergunta: Era mais rentável?
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Ivo: Justamente. A opção do Nordeste é que de noite você parava e descansava, dormia, levantava de madrugadinha e ia embora. Durante o dia o calor era demais, a gente parava descansava, então tinha mais opção, viagem mais longa você não trabalha tanto. Não tira lona e põe lona, dorme a noite inteira, não puxa fila, esse serviço aí é complicado.
Pergunta: Sua esposa sempre ia com o senhor? Ivo: É. Eu era casado, separei, divorciei né. Aí nós casamos, eu e ela (atual esposa), ela sempre viajou comigo. Era minha companheira. Fazia comida e lavava roupa, ajuda a enlonar e desenlonar. Moramos dentro do caminhão por praticamente quatro anos. Não tinha casa, não tinha lugar fixo
Pergunta: Vanessa, você gostava de viajar? Vanessa: No começo eu gostava, depois foi cansando, porque tinha lugares que era difícil lavar roupa, pra você fazer uma comida. Que nem nós fomos lá pra Porto Velho, aí atolou lá, aí não tinha como fazer nada, nem comida. E parava nesses lugares para carregar e era aquele poeirão. Tinham lugares que você ia pra tomar banho e era água fria. Aí depois eu cansei, falei para ele que não queria mais viajar, daí ele desanimou. Foi quando eu fiquei grávida dele.
Pergunta: Quando você descobriu que estava grávida, como que foi? Você já tinha pensado em parar de viajar? Vanessa: Acho que foi lá no Nordeste ainda que eu fui saber que estava grávida, eu tinha aquela suspeita, mas foi lá em Mossóro que eu descobri, fiz o teste e descobri que estava grávida. Depois o ladrão nos roubou lá em Mossoró, daí eu desanimei de vez.
Pergunta: Como que foi isso? Ivo: Estávamos em Mossoró, em um posto lá. O cara me deu o dinheiro do frete e ela foi fazer a janta. Ela não quis ir tomar banho sozinha, 3
disse então vamos jantar e depois vamos tomar banho. Jantamos, fechamos a caixa, ajeitamos as coisas lá. Tinha um casal que estacionado perto, eu suspeito que foi ele que roubou. Chaveei o caminhão e fomos tomar banho e o dinheiro eu deixei dentro do caminhão. Minha sorte é que eu tinha seis mil reais que estava guardado atrás do banco, no encosto do banco. O dinheiro que eu tirei do bolso e minha carteira eu botei em baixo do cobertor e fomos tomar banho. Quando voltamos, fui abrir a porta do carona pra ela entrar, a porta estava aberta. Quando eu vi dez reais no tapete, o cara deixou. Deixaram de certo para fazer um lanche. Sorte que não levou minha carteira, não levou nada, tirou o dinheiro, os documentos deixaram. Fui nos 6 mil e estava guardado lá. Mas levaram três mil reais. O frete já era ruim. Tivemos que fazer a viagem de volta de graça. Tinha que tirar dinheiro do bolso para abastecer o caminhão até chegar no destino. De Mossoró até Jataí, que dá quase 3 mil quilômetros.
Pergunta: O senhor carregava em Mossoró? Ivo: É, carregava pluma pra Fortaleza, pra Natal e de lá ia em Mossoró, que de Fortaleza dá 250 quilômetros. Ia vazio e carregava com sal. Valia a pena porque você não perdia muito tempo. Vanessa: Um ano nós estávamos viajando no Natal de lá pra cá. Chegamos na véspera. Ano Novo em Rondonópolis. Acabamos passando o Ano Novo lá. Lavei as roupas na véspera em Campo Grande, depois fomos pra lá. Ivo: Final de ano sempre dificulta. Mas como a gente tinha o conhecimento, estávamos em Campo Grande, ela tinha lavado as roupa e os caras ligaram: olha vai dar para carregar antes do final do ano. Fomos para Rondonópolis. Passamos o Natal e o primeiro do ano na estrada. E o pior que o Natal e o primeiro do ano os restaurante e essas coisas ficam fechados.
Pergunta: Como vocês fizeram? Vanessa: Comida no caminhão mesmo. Ivo: É, tinha a caixa de comida, tinha tudo bem arrumadinho. Restaurante era bem pouco mesmo. Era mais na cozinha mesmo, então a 4
gente já estava acostumado. O Natal para caminhoneiro é assim, os postos fecham, cada um vai pra sua casa e você fica em um pátio de posto abandonado. Totalmente sozinho. Aí o restaurante não abre e ninguém faz festa. Todo mundo quieto. Quando você ainda consegue algum colega que está com a família também aí você junta ali e faz um churrasquinho, alguma coisinha e comemora. Mas se não, se estiver em um lugar estranho você passa sozinho mesmo.
Pergunta: Já aconteceu com o senhor? Ivo: Já. Aconteceu muitas vezes. Você ter que passar dentro do caminhão. Sozinho ali, pensando. É complicado.
Pergunta: Então a época que sua esposa começou a viajar com você foi muito bom? Ivo: Pra mim foi ótimo, né. Porque a gente viajava e se dá bem, graças a Deus, até hoje. Pra mim era um sossego. Estranhei a hora que ela parou. Aí eu tive que continuar. Mas desanimei bastante.
Pergunta: Você sentiu falta também? Vanessa: Hoje eu sinto falta. Tenho vontade de viajar. Falo assim: que saudade do caminhão. Falo pra ele: volta para o caminhão, arruma um serviço no caminhão, arruma que eu quero viajar, quero voltar lá para o Nordeste. Ivo: É que a gente faz amizade também. E estávamos em uma linha que não era todo mundo que carregava. Tinha uma determinada equipe que carregava, então a gente fez conhecimento com esse pessoal. Conhecia outras famílias e fazia amizade. Viajamos praticamente seis anos para lá, então você já fica conhecendo os restaurantes. Aí você faz um círculo de amizade.
Pergunta: E era bom esse relacionamento? Vanessa: Era. E totalmente diferente do daqui. Vim pra cá e até hoje não me acostumo aqui. Porque dizer que você tem uma amizade, aquela amizade, não é aquela coisa. Que nem eu falo pra ele, o pessoal que você 5
conhecia na estrada parecia que era bem melhor que o povo daqui. O povo daqui é complicado.
Pergunta: Você é de onde Vanessa? Vanessa: Sou do Paraná, sou de Antonina.
Pergunta: Como se conheceram? Vanessa: Lá mesmo. Ivo: Eu puxava pra lá. Carregava lá e o irmão dela trabalhava em uma empresa lá e nos conhecemos. Vanessa: Isso, daí hoje eu estou assim. Se não tivesse as crianças acho que até hoje a gente estava na estrada. Ivo: É eu acho que se não tivesse tido filho continuaríamos, mesmo com todo o sofrimento. Vanessa: É que com criança é pior em caminhão. É complicado demais. Ivo: Carregar criança assim é sofrimento. Nas férias você fazer uma viagem, tudo bem. Mas no dia a dia é complicado. Vanessa: Tem firma que não entra mulher, você tem que ficar lá fora até a hora que sair. Uma vez ele foi descarregar, entrou duas horas da manhã, daí a mulher tem que ficar lá fora, sem comer. Ivo: Realmente não tinha lugar, lá na Vicunha em Fortaleza, nós fomos descarregar. Ela estava grávida, não podia entrar junto, me chamaram era duas horas da manhã para descarregar. Vanessa: É não tinha nada. Ele demorou pra sair de lá. Eu estava verde de fome. Ivo: Saí de lá estava clareando o dia, ela estava no bando de madeira. Isso dificulta muito e hoje dificultaria bastante também, porque essas firmas, a maioria, não deixa entrar ninguém. É só o motorista mesmo. Questão de segurança e a gente não pode reclamar muito também. O que a gente reivindicava muito nessas firmas era que a mulher ficasse em uma salinha. Com uma televisãozinha, um café, uma água.
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Pergunta: O que vocês têm de lembrança boa? Ivo: As lembranças boas é que vivíamos bem assim. Vanessa: Os lugares também que a gente conhecia. Ivo: Íamos para Fortaleza, para Natal. No final de semana íamos para a praia, aproveitava um pouco. Cidadezinhas pequenas você parava, fazia um almoço. O pessoal do Nordeste é muito comunicativo. É um povo alegre, não é arredio. Um povo muito legal. Vanessa: Cada lugar que você passava era bonito de ver. Eu falo para o Ivo que eu tenho saudade da época que viajávamos. Ivo: Muito lugar bonito. Não aproveita muito, porque você está sempre ligado no trabalho, mas quando tinha oportunidade da gente participar de alguma coisa a gente aproveitava. Vanessa: Quando parava também ia correndo lavar roupa. Vamos supor que a gente saía ali de Rondonópolis, já saía com a roupinha limpa. Ivo: Os postos do Nordeste são mais adequados para caminhão. Eles vivem do caminhão. Então eles têm cobertura pra colocar o caminhão em baixo. Tem tanque para as mulheres lavarem roupa. Lá não tem chuveiro quente por que a água sai quente. Lá em dia de calor você tem que esperar chegar bem de tardezinha para tomar banho, se não você não consegue tomar banho com o calor da água, de tão quente. Lá é aquele chuveirão grande. É só o cano e aquele chuveirão. É gostoso. Não esfria nunca. Inverno e verão é a mesma coisa.
Pergunta: Engraçado senhor Ivo, tem muito caminhoneiro que não gosta de ir para o Nordeste, pelo tempo que demora em ir e voltar, né? Ivo: É. É porque hoje aqui você viaja sempre olhando no espelho para ver quantos caminhões vêm atrás de você. E lá não, você não se preocupava com o espelho. Dizer: vou olhar para trás e ver quantos caminhões vão descarregar na minha frente, não tem isso. Aqui, infelizmente, é assim. A frota de caminhão é muito grande. Todos trabalham quase em uma rota só. Igual viagem daqui para Três Lagoas, você vê aqueles dez caminhões, sabe que aqueles dez caminhões estão indo ali. Então você não quer perder tempo, porque sabe que vai chegar lá e se aqueles dez estiverem na frente você vai 7
ficar para trás. Então é uma correria. E no Nordeste não tinha nada disso. Viagens longas de cinco, seis dias e você nem se preocupava em olhar para trás para ver se vinha alguém. Não tinha horário. Você chegava meio dia, por exemplo, e já se programava: vamos parar em tal lugar, naquela árvore assim, naquela sombra. Vamos fazer almoço. Dormir um soninho. Viaja um pouquinho durante a noite. Então era bem mais descansado. E aqui é uma correria. Uma concorrência.
Pergunta: Além do roubo, você passou por outro tipo de perigo? Ivo: Não. Graças a Deus nunca tive acidente, sempre tive sorte nessa parte. O único incidente mesmo foi o do pé.
Pergunta: Do que sentem mais falta? Ivo: Hoje, da estrada em si, eu não sinto falta. Só que o poder aquisitivo meu caiu bastante de quando eu tinha o caminhão. O caminhão você dependia de você mesmo, do seu trabalho e o táxi não, depende de outras pessoas. Então para mim essa é a grande dificuldade, porque eu tenho filho pequeno.
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Entrevista 6: José Garcia
José Garcia, 55 anos, mora em Cotia – São Paulo.
Pergunta: Quando você chegou em Campo Grande? José: Cheguei hoje, porque dormi lá em Dourados, sai de manhã pra cá.
Pergunta: Você tem alguma previsão para voltar para casa? José: A previsão é voltar sexta-feira, se descarregar tudo. Tem lá na Antonino agendado pra amanhã, porque aqui não agenda né e tem um outro lá perto do aeroporto também pra quinta-feira vamos ver se sai né.
Pergunta: Do que você está carregado hoje? José: Sucrilhos e miojo
Pergunta: Essa carga vem de onde? José: É de São Paulo mesmo.
Pergunta: Você tem família? Filhos? José: Ainda pouco eu liguei em casa, eu só fico uma semana fora, sábado eu tenho que estar em casa. Final de semana sábado e domingo eu estou em casa, só trabalho durante a semana. Tenho três, tenho um de vinte um(21), um de treze (13) e um de nove(9) tudo homem. O mais velho tá morando no Rio, os mais novos sentem bastante falta. Eu liguei em casa, ele estava se arrumando pra ir pra escola, ai atende o telefone, já começa a chorar. Mas é assim mesmo a vida é corrido. Pergunta: Como o senhor fica quando liga assim, e ele fica chorando? José: Ah da vontade de chorar também, mas tem que trabalhar né!? Tem que levar o pão pra eles.
Pergunta: Há quanto tempo você trabalha de caminhoneiro? José: Trabalho há 15 anos. Pergunta: Por que dessa profissão? 1
José: Eu nasci no nordeste, venho pro mundo do lado de cá, não deu tempo de estudar, ou você estuda ou trabalha, ai fica difícil, por isso vocês estão estudando, estuda mesmo. É isso que eu falo pros meus oh vocês estudam porque o mais velho trabalha de subgerente em uma loja lá no Rio, subgerente de uma loja estilo loja de departamento e os outros estudam ainda, o mais velho... o de treze anos está fazendo um curso de negócio de computador lá pra mexer no computador essas coisas, dois anos de durabilidade tá com treze anos. Só pra fazer esse curso eu pago R$170 por mês, só pra mexer em manutenção do computador tem que fazer o curso de dois anos de duração.
Pergunta: Você nunca pensou em trabalhar de outra profissão? José: Eu só tenho mais um ano pra mim trabalhar, to me aposentando.
Pergunta: O senhor trabalhava com outras coisas antes? José: Trabalhei, trabalhei.
Pergunta: Como foi parar no caminhão? José: Olha, eu trabalhei... não sei se vocês já ouviram falar na Mesbla, Mesbla loja de departamento que fechou, faliu, nunca ouviu falar não? Ela tinha em quase todo o Brasil, eu trabalhei lá um bom tempo ai ela fechou e eu parei ai... eu trabalhava lá de vendedor /atendente, vendedor sem comissão, mas ai como ela fechou no plano Collor, ai eles venderam pro Mappin/Mansur. Ai ele também faliu ai fechou tudo. Ai eu parti pra aquela vaga, de que não tem jeito não, agora eu vou pra estrada.
Pergunta: Quais são as vantagens e desvantagens de trabalhar como caminhoneiro? José: A vantagem é que... eu mesmo aonde eu trabalho ninguém me enche o saco, ninguém fica me enchendo o saco nem nada, nem patrão, ninguém me enche o saco. E se você ficar todo dia no pé... do serviço que você vai pra casa e volta, o cara fica toda hora no seu ouvido, te alugando, ah você sabe que é né! Se é pra trabalhar todo dia você tem que estar ali, no dia a dia só alugando os seu ouvidos.
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Pergunta: O senhor é empregado então? José: Sou funcionário da empresa.
Pergunta: Mesmo assim então o seu patrão é mais tranquilo? José: Ele, ah o patrão é mais tranquilo. Esse atual é tranquilo, muito tranquilo. Ele não enche o saco de ninguém.
Pergunta: É uma empresa grande? José: É a Amavita, indústria de alimentos. Amavita. Se você entrar ai você vê os produtos, não sei se você já viu ai os miojo, sucrilhos, as batatinha, entendeu, salgadinho. Os produto que eles fabricam lá, o suco. A firma é nova, tem cinco anos, mas tá crescendo muito, tá crescendo rápido.
Pergunta: Como funciona o senhor ganha salário mais comissão? José: Eu ganho o salário mais a diária. Não ganho comissão não. Ganho R$80 de diária por dia e o salário de R$1.060 na carteira.
Pergunta: Qual é o seu caminhão? José: To com caminhão mesmo, não to com carreta não. O meu é esse Amavita ai.
Pergunta: Você só trabalhou com caminhão assim menor? José: Não trabalho com truck também, carreta eu não quero não! Carreta é pior ainda, trabalha mais ainda, RS RS.
Pergunta: Vale a pena trabalhar com o caminhão? José: (concordou com a resposta do Fabrício) É ruim pra todo mundo né.
Pergunta: Os seus filhos viajam com você? José: Quando os meus filhos estão de férias eles viajam comigo. De férias escolar, eles não ficam em casa não. E corrida pro Paraná, aqui pra Mato Grosso do Sul, pra Minas, pra onde eu for eles querem ir.
Pergunta: O senhor gosta de levar eles? 3
José: Quando eu estou com eles ai pronto, ai eu fico feliz. Agora sozinho, sozinho é ruim. Mas é bom, já está quase acabando o tempo já... tá vencendo o tempo já e vai melhorar, ai vou ficar em casa vou viver só pra eles só. Chega de andar no mundo.
Pergunta: Você acha que eles não vão sentir falta de viajar com você nas férias? José: Se vão sentir falta? Eles gostam de viajar porque ficam perto de mim né.
Pergunta: Mas se o senhor estiver em casa pra eles é muito melhor? José: Ahhh... Com certeza né! A gente em casa é outra coisa, estar em casa é diferente.
Pergunta: Como é a rotina do senhor no caminhão? Como é o seu dia a dia? José: No meu dia a dia?! É de um lugar para o outro né. Hoje eu tava lá em Dourados, vim pra qui. Aqui vou fazer os três Atacadão, saiu daqui e vou embora pra São Paulo.
Pergunta: Mas assim o senhor gosta de acordar cedo pra trabalhar ou como que é assim? José: Ah isso ai eu gosto! Eu não sei ficar dormindo até tarde não, não me acostumei, todo dia às quatro horas da manhã eu to de pé.
Pergunta: E o senhor trabalha diretão assim muitas horas por dia? José: Não!! Só dirijo de dia, a noite não. Deu seis horas eu já estou encostando, cinco e meia/ seis horas to encostando. Pergunta: Então o senhor nunca tomou nada assim pra se manter acordado? José: Minha filha vou falar uma coisa pra você, eu sou antidroga, antiálcool e antitabaco. Graças a Deus, o meu Deus não deixa que eu use isso.
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Pergunta: E o almoço, é o senhor quem faz ou almoça em restaurante? José: Não, eu almoço em restaurante ai nas estradas.
Pergunta: Até por que o seu caminhão não tem né, cozinha? José: Não,mas eu não vou fazer comida, eu não. Paro no restaurante e almoço, janto. No posto ou na churrascaria, a firma paga! A firma paga o meu almoço o meu alimento, meu café da manhã, meu almoço, minha janta, por que eu vou cozinhar? Eu não. Vou mexer com comida? Eu vou é descansar, vou dormir, vou é descansar.
Pergunta: Quando o senhor para, o senhor para seis horas da tarde pra ir viajar só quatro horas da manhã, o que você faz durante todo esse intervalo? José: No intervalo, quando esta no restaurante fica assistindo televisão,fica conversando com os companheiros de estrada só, depois vai dormir quando dar umas nove horas todo mundo vai pra sua cabine descansar.
Pergunta: É bom o atendimento nos postos e restaurantes? José: Olha a gente procura parar nos melhores postos, onde que o atendimento é melhor, eles atendem muito bem. Eles dão um tratamento bom, agora tem posto aqueles postozinhos pequeno sai fora, tem que ser posto grande, rede, posto grande.
Pergunta: O posto grande é mais garantido? José: É, segurança, é mais seguro, é 24 horas.
Pergunta: E o senhor tem quinze anos de estrada, o senhor já conhece bastante essas estradas por ai né? José: Olha eu conheço muito pro lado do Rio e do Nordeste, pra cá eu conheço pouco. Conheço mais Rio, Minas e o Nordeste eu conheço bem.
Pergunta: Como que são as condições das estradas?
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José: Horrível, as estradas do interior... as estradas de São Paulo são as melhores do Brasil. A daqui são horrível, as que vem pra qui Mato Grosso são as piores, pra mim são as piores estradas que tem, não são duplicadas, é ruim de tudo. Não tem acostamento.
Pergunta: E pro nordeste e norte assim é complicado também? José: Não, elas não são duplicadas, mas são boas. Só que não tem movimento do que tem pra cá. O movimento, menos movimento né.
Pergunta: O senhor já sofreu algum acidente, nesses quinzes anos? José: Não, graças a Deus não. Não abuso, mas já vi muito amigo, companheiros de estrada ai morto ai.
Eu vinha agora mesmo aqui, vindo de
Dourados pra cá, ai na estrada ai tem um tombado de verduras lá, lá dentro do mato lá. Sabe o que é isso? Abuso da velocidade, às veze usa uma droga, bebe, eu tenho muito companheiros de estrada que vivem na droga mesmo, desmaiados mesmo noiado. Ai fazem besteira ai e tiram a vida de quem está tranquilo, mas é isso que acontece.
Pergunta: Você acha que esses motoristas vão por esse caminho por quê? José: Porque gosta, ele vai porque ele gosta, porque ninguém obriga eles. Porque querem, quem vai obrigar eles... alguém vai pôr uma droga dentro da sua boca e vai obrigar você a usar? Vai pôr um copo de bebidas na sua boca e vai obrigar você a beber? Não vai. Entendeu, vai porque quer, porque gosta. Safadeza mesmo. A maioria, 99% dos acidentes na estrada ou é bebida ou é droga, você pode ter certeza disso. A maioria 99%. Porque o rebite também é droga, você fica tomando o rebite pra não dormir, pra não dormir, ai o que acontece, chega uma hora que quando o sono vem é de uma vez. Você dorme no volante e não percebe, dorme e não percebe. Igual eu, eu viajo só de dia, às vezes eu acabo de almoçar assim ai eu quero adiantar, não demora assim uma meia hora só, almoço e já saiu, vem um sono e eu sou obrigado a parar. Sou obrigado a parar. O sono começa a vir eu paro, dou uma cochilada de 15 ou 30 minutos pronto ai já era, ai você vai tranquilo.
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Pergunta: O senhor nunca brigou com o sono? José: Não! O sono é traiçoeiro, o sono é mais que traiçoeiro, ninguém briga com o sono, não pode brincar. Não pode brincar com o sono, o sono veio você da um jeito, você descansou, deu uma cochilada de 30 minutos, você evita o pior, entendeu? Você evita o pior, 30 minutos você evita o pior.
Pergunta: Por que o senhor está carregando pra esses lados agora? José: É porque a firma entrega em todos os Atacadão.
Pergunta: Ela que arrumas os fretes? José: Não, não é frete, o caminhão é da empresa mesmo. Não é transportadora. Sai os pedidos da loja daqui de Campo Grande dos três, três Atacadão. Ai eu vim fazer os três e o de Dourados. Saiu pedido pra Cuiabá, Rondonópolis e Sinop, foi dois caminhão pra lá. A gente só faz esse setor Paraná, Mato Grosso, Rio de Janeiro e Minas só. E São Paulo mesmo, toda São Paulo.
Pergunta: E na volta o senhor volta carregado do que? José: Eu volto vazio, graças a Deus. Não fico procurando carga, porque placa cinza você não pode carregar de terceiros. Placa vermelha pode, pode carregar de qualquer lugar e a placa cinza só a mercadoria da empresa. Não pode. Se eu carregar uma carga ai passar na barreira fiscal fico preso lá eu e o caminhão. Só mercadoria da empresa, em nome da empresa. Placa cinza não pode transportar mercadoria de terceiros.
Pergunta: Nenhum dos seus filhos pensa em ser caminhoneiros? José: Não, e eu tiro eles de jogada logo. Eu digo oh estuda, esquece esse sofrimento que o pai vive. Uma eu não quero, não deixo. No começo o do meio falava ah quando crescer vou trabalhar igual o meu pai, eu falei você vai é estudar,você não vai ficar sofrendo no mundo ai igual ao seu pai não, você vai estudar, estudar porque eu não quero ver você sofrendo no mundo ai não ficar passando o que eu passo nas estradas não. Agora ele tiro de... esqueceu agora não quer mais não. Não ele vê agora, entende já tem 13 anos né, ai ele fala que não, não quero estudar, eu digo estuda mesmo, estuda porque é difícil.
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Pergunta: O senhor tem alguma coisa assim de interessante ou de curiosidade ou até coisas tristes que o senhor já viu viajando todo esse tempo? Que o senhor lembra? José: Curiosidade não. Triste é ver os companheiros em óbito nas estradas né, isso que é... a gente fica preocupado né. Curiosidade não. Você tá na estrada e vê um companheiro em um acidente lá em óbito ai você fica meio recioso né, fica com aquilo, pensando naquilo, no dia a dia daquilo que pode acontecer, a gente na estrada corre o risco, mesmo você procurando fazer o certo, você ta mesmo risco. O risco é grande, estar na estrada o risco é grande, muito perigoso, muito perigoso. O risco é o alto índice de risco, não tem como dizer que não tem risco é mentira. Muito arriscado, muito perigoso. Tirando isso, tem não.
Pergunta: Qual é a religião do senhor? José: Eu sou evangélico, graças a Deus e tem muito tempo.
Pergunta: Durante a viagem o senhor vai escutando música? José: Eu vou ouvindo os meu louvorzinho ai dentro, meu cdzinho, ponho lá no rádio e vou ouvindo o tempo todo. Não escuto outra música. Quando é um lugar que eu não conheço que eu ponho o GPS, ai tem que ouvir o GPS né. Vai entrar aqui, eu não conheço aqui dentro, eu vim na estrada cheguei ali no contorno que eu venho ali de Dourados né, ai coloquei no GPS pra me trazer aqui. Ai eu não ouço, tirando isso é, vou ouvindo o meu louvorzinhos direto. É uma companhia né, de certa forma? Tem melhor? Não. Não tem melhor. Não tem melhor. Um dia eu tava passando no guarda rodoviário na lá Raposa né, lá em São Paulo mesmo, fica na Raposa Tavares em São Paulo né, lá no km 30. Ai o guarda: Ah eu lhe parei porque pra mim tinha gente ai dentro com você, eu falei tem sim! Ele falou tem? Eu falei tem. Quem? Eu Jesus que anda comigo, ele tá aqui sempre comigo. Ai ele ah é? É, ai ele tá bom então pode ir embora, ai eu fui embora. Eu tava indo lá pra Sorocaba, fazer uma entrega lá em Sorocaba. Ai eu falei, ele falou pra mim eu tinha visto alguém ai dentro, eu disse tem, tem é Jesus aqui, ele anda comigo direto aqui do meu lado, ele e os anjos dele anda comigo aqui direto. E te acompanha sempre mesmo. O graças a Deus. Na igreja mesmo quando eu to em casa que eu vou ai, outro dia mesmo eu tava no interior ai eu, Deus revelou pra missionária lá que eu corria o risco de assalto com 8
morte. Na hora que eu ia na frente pra passar eu não sei o que aconteceu, eu retardei um pouco passou outro carro e pegaram outro carro ai não pegaram eu pra ser assaltado, eu ia morrer, falou que ia matar. Deus me deu o livramento da morte, de assalto com morte. Eu vinha do interior de São Paulo perto de São José do Rio Preto, fiquei três dias fazendo entrega pra lá, ai eu sai na segunda e voltei na quinta, ah do jeito que eu vim eu só deixei o caminhão, na empresa lá eu tenho uma chave do portão e o controle do portão né a gente funcionário, qualquer hora que eu chego eu ponho o caminhão. Se for pra eu ir embora eu viajo até meia noite, onze horas pra chegar, ai cheguei oito horas, pego o meu carro lá, porque eu deixo ele lá na firma, ai do jeito que eu tava assim oh, fui embora queria não fui trocar de roupa, nem pegar a minha roupa, falei vou passar na igreja ai na porta da igreja tava lá não tinha lugar pra sentar e eu tava meio sujo né fiquei na porta lá, na entrada lá, ai falou você, é você do livramento, você isso, isso e isso... em tal lugar assim, assim... ai eu falei realmente foi isso mesmo, eu passei mesmo nesse horário na Washington Luis. Isso o senhor já tinha passado por isso quando ela te falou que... já, não eu passei, eu passei e não aconteceu nada comigo, porque Deus me deu o livramento né. Não deixou que acontecesse. Agora se fosse uma pessoa do mundão ele não ia dar livramento, nah ele da pra quem ta lá, se você dúvida você vai em uma igreja evangélica que Deus fala com tua vida que você coisa que você nem acredita. Fala como é que pode? Como é que pode? Podendo, porque ele sabe todas as coisas, o imaginável ele sabe, tudo que você pensa ele sabe sem você nem abrir a boca, entendeu? Só de você pensar assim quando você pensar coisa boa pra você, você nem fala pra ninguém, você pensa contigo, fica contigo porque o inimigo ele pega você pela a boca, entendeu? Você fala, ele pega o que você falou ele ouviu você falar, no pensamento no seu íntimo só você com Deus ele não tem capacidade nem poder de entrar na sua mente, só Deus que sabe e consegue. Quando você tem um plano, uma coisa pra você fazer pense mais na sua vida, não comente com pessoal de fora não, porque você não sabe qual o pensamento da pessoa, se a pessoa tem inveja de você ou não, e a pior macumba que existe é a inveja.
Pergunta: O senhor comentou que esse é o último ano do senhor trabalhando né? O senhor vai aposentar ou o senhor vai continuar trabalhando em algum lugar? 9
José: É. Vou aposentar. Vou montar alguma coisa pra mim e vou ficar em casa.
Pergunta: Mas ficar parado totalmente o senhor não vai? José: Não, parado eu não vou né. Eu to pensando em ponhar uma lojinha de roupa eu já quis coloca uma casa de bolsa, mas a minha mulher não, não da pra mim ficar em casa e tomar conta, então eu falei as crianças, as crianças ficam em horário de... estuda de manhã, você fica de manhã e ele fica a tarde. Ai ela não, não quis, ai eu deixei pra lá. E agora quando aposentar vou ver o que vou fazer.
Pergunta: O senhor acha que vai sentir falta da estrada? José: Não, nenhum pouco. Eu tava conversando isso ontem à noite lá em Dourados, o cara falou oh quando em dezembro eu me aposentei eu não aguentei, olhava pros caminhão na estrada, me dava vontade de ir pra estrada, por fim comprei um caminhão e vim pra estrada. Eu falei você é louco! Você é louco! Você mal ta aposentado vai voltar bate lavanca, sofrer na estrada de novo rapaz? Você tá louco. Eu não venho.
Pergunta: Mas o pior é que tem bastante motorista que acaba voltando... Tem, tem muito aposentado que apaixona mesmo, mas chega um tempo que não dá mais não.
Pergunta: Não tem nenhuma paixão que aguenta? José: Não, eu gostava muito. No começo eu adorava, mas agora. É uma vida sofrida, você vive praticamente só. Você fica muito só. Eu não quero mais isso não. Acabar isso ai, só 2014 só. No meio de junho mais ou menos já vou começar a mexer com os documentos já. Era pra mim tá aposentado, porque por tempo de serviço né, é que eu fiquei dois anos sem... trabalhando com o carro pra mim e não contribui, esqueci né, passou um tempo, passei dois anos e não paguei, pagava um o carnezinho né e não paguei. To trabalhando pra cobrir esses dois anos. Então já tava descansando em casa. Se pudesse assim, me mandava pro nordeste lá. E as crianças, eu nasci no nordeste né.
Pergunta: Em qual cidade do nordeste? 10
José: Eu nasci em Natal, me criei no Rio de Janeiro e morei em São Paulo desde 94.
Pergunta: Por que se mudou para São Paulo? José: Quer saber a verdade? Quero. Então eu vou falar, eu casei lá no Rio e não deu certo. Eu tenho esse rapaz de 21 anos que mora lá porque ele mora com a mãe dele. E não deu certo e ai eu separei. Ai no final de semana ia pegar o moleque e ficava um domingo comigo e ela não deixava, ai eu ficava aborrecido. Nessa época eu não ia na igreja ainda então pra evitar problema pra eu fazer, bater nela ou outra coisa pior então eu deixei de mão. E vim embora pra cá, vim pra São Paulo. Vim pra São Paulo e fiquei até hoje, entendeu. Mas tenho contato com ele, outro dia ele fez 21 anos, daqui não tem como ligar porque eu uso nextel e esse aparelho aqui eu comprei pra usar aqui no Mato Grosso, porque eu tenho nextel – rádio e telefone. Aqui no Mato Grosso do Sul não funciona, o meu tá ali, tá morto ali dentro ali, porque não funciona. Ai eu digo, vou comprar um baratinho só pra ligar em casa né. Ai pra mim ligar pra ele lá no Rio não dá. Ai eu liguei em casa e falei: oh vocês ligam pro Danilo e é aniversário dele, ai o moleque entrou no facebook dele e conversou com ele pelo o facebook, conversaram pelo o telefone, pela a internet né. E eu falei, mandei ele fala, que quando eu voltar, quando eu chegasse eu ligava pra ele. Ele até reclamou, é você está viajando demais. Mas fazer o que, não tem o que fazer. É eu tenho que levar o pão pra casa. Eu não vou roubar, não nasci pra isso, não nasci pra mexer nas coisas dos outros. Ai eu tenho que dar o meu jeito né, tenho que me virar, tem três bocas lá que dependem de mim, e eu tenho que me virar e mandar ver. É um trabalho muito honesto, eu também não ganho tão mal também não, dá pra tirar um trocadinho bom. Se eu for trabalhar ai no mercado ou num troço desse não vou ganhar nem mil real. Então quanto mais eu viajo mais eu tiro meus três mil, três mil e pouco por mês pelo o menos tenho meu sustento. Por causa das minhas diárias e meu salário. Eu tenho um salário de mil e sessenta na carteira fixo e a minha diária de oitenta reais por dia. Quando eu viajo, quando eu fico em São Paulo eu não ganho, se eu viajar cada dia viajando eu ganho oitenta reais, quando eu chego lá eu recebo tudo.
Pergunta: Quantos dias de folga você tem mais ou menos?
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José: Sábado e domingo. Sábado e domingo eu tenho que ta lá. É por isso que eu tenho que fazer aqui e terminar e voltar sexta-feira.
Pergunta: Mas se não der pra voltar sábado e domingo é viajando também? José: Ai continua viajando, ai quando eu chego lá fico dois dias em casa.
Pergunta: Mesmo que seja durante a semana? José: Durante a semana eu também fico. É minha folga, porque o trabalho da gente lá é só de segunda a sexta. Então se não der tempo de fazer, o que tem que fazer e passar ai eu recebo como folga depois.
Pergunta: Tem umas condições boas de trabalho então? José: Não a firma eu não tenho do que reclamar. Não tenho, agora esses caras que trabalham em transportadora é igual o rapaz ai da Natal ai, sofre muito.
Pergunta: O senhor que entrega bastante em mercado é a mesma situação nos outros mercados? José: Todos são a mesma coisa, supermercado é tudo a mesma coisa. Fica parado e tem lugar que não pode nem parar, que não tem lugar de parar e você fica tomando multa, o guarda vai lá e multa. Aqui ainda, a rua atrás aqui ele não vem se fosse ali do lado ou na frente ali já tinha tomado multa.
Pergunta: Quem que arca com essas multas? José: Aqui vai pra prefeitura né, pro governo. As minhas, se eu tomar multa, eu pago a multa.
Pergunta: Mas se não tiver outro lugar pra parar? José: Ai eu ligo oh não tem lugar de parar, sou obrigado a parar e o guarda vai multar ai eles se vira. Ai a firma se responsabiliza porque eu já to passando o guarda vai multar não tem outro jeito, ai se chegar a multa lá ai já sabe.
Pergunta: Qual lugar você acha o pior pra fazer entrega?
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José: Rio do Janeiro, onde cê para o guarda já vem atrás, quer propina, se você não der propina você não descarrega porque ele não deixa se for na rua, agora se for igual nos Atacadão do Rio você entra por dentro do pátio deles. Agora se for loja de rua você para o guarda vai olhar, você tem o que por guarda? Tem outros que falam o que você tem pro guarda ai “moto”.
Pergunta: E se você falar que não trouxe nada você leva multa? José: Ai se fala oh eu não trouxe nada, mas deixo o café, ai não tudo bem. Esse café é no mínimo vinte, trinta, no mínimo vinte, saí caro, saí caro.
Pergunta: Se tem que ficar mais de um dia lá, já é um problema? José: Dependendo do lugar que você for descarregar lá é, só funciona assim. Se for na rua, se não for assim igual lá no Atacadão que tem o lugar de que se chega aqui não tem, esses aqui. Lá tem o pátio, cê já chega entra dando a nota encosta o caminhão lá dentro e fica lá.
Pergunta: Nesses lugares tem condições mínimas como um banheiro, um lugar pra você sentar? Porque aqui eu vejo que o senhor está sentado na rua, não tem lugar algum. José: Aqui não tem, não tem. Aqui não tem. Alguns em São Paulo já ainda tem alguns, não todos, é um local pra você ficar não todos. Os mais novos, as lojas mais novas tudo tem agora as mais velhas quando fizeram não pensaram nisso.
Pergunta: Você pode mandar fazer conserto no caminhão ou só com autorização do chefe? José: Esses dois pneus da frente eu coloquei sábado, ele comprou, eu fui lá e coloquei. Como o terminal tava meio ruim, folgado, então comia o pneu. Quando chegar eu vou mandar fazer o alinhamento porque eu nem fiz o alinhamento. Eu falo vou fazer isso e isso no caminhão, ai leva na oficina falo com o mecânico lá está acontecendo issso e isso e ele faz. Até na estrada mesmo eu quebrei lá em Bauru arrebentou um cano da banda adutora, que joga o diesel abriu rachou um pouquinho ai fica jogando diesel fora. Ai eu parei troquei lá já tava sem dinheiro já e liguei pra firma e disse oh to fazendo um serviço aqui, vocês depositam o valor aqui da 13
despesa, do material e mão de obra. na conta da firma, ali em lençóis paulistas ai a firma deposita na hora. Eles me reembolsam
Pergunta: Você que paga os pedágios? José: Sem parar, via fácil. Passo em qualquer pedágio direto não paro. Sem parar porque se você for pegar uma fila no pedágio você perde tempo. Ai você passa na direita e vai embora. A via fácil manda a fatura do mês.
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Entrevista 7: Fabrício Juntes
Fabrício Juntes, 35 anos, natural de Florianópolis – Santa Catarina.
Pergunta: Quando você chegou em Campo Grande? Fabrício: Cheguei ontem, seis horas da manhã.
Pergunta: Você tem alguma previsão para voltar para casa? Fabrício: Voltar pra casa? Eu já estou há 46 dias fora.
Pergunta: Do que você está carregado hoje? Fabrício: Estou carregado de leite condensado da Italac.
Pergunta: Essa carga vem de onde? Fabrício: Carreguei em Corumbaíba - Goiás.
Pergunta: Por que o senhor fica tanto tempo ou é assim mesmo? Fabrício: É porque na empresa o mínimo é trinta dias nós no caso da Natal. Na Natal é trinta dias o mínimo ai você vai pedindo carga para descer, ai vão dizendo que não tem ai você vai subindo, ai até tu descer de novo.
Pergunta: Você tem família? Filhos? Fabrício: Tenho. Não, vai nascer agora final do mês.
Pergunta: Não é muito ruim? Fabrício: É bem ruim.
Pergunta: Há quanto tempo você trabalha de caminhoneiro? Fabrício: Desde dos 18 anos.
Pergunta: Por que dessa profissão? Fabrício: Eu por causa do meu pai, do meu tio tudo. Já é de família. 1
Pergunta: Você nunca pensou em trabalhar de outra profissão? Fabrício: Agora eu vou, eu to largando mão. Vou ver se consigo né.
Pergunta: Por que essa decisão? Por causa da filha? Fabrício: É por causa do filho, é ficar mais perto da família né. Por que o senhor passa muito tempo fora de casa... Muito tempo mesmo.
Pergunta: O seu é uma empresa grande? Fabrício: É, tem duzentas carretas e está vindo mais setenta.
Pergunta: No seu caso então, eles são bem exigentes né, porque se no mínimo tem que ficar 30 dias fora. Fabrício: É, eles são bem exigentes porque fica muito tempo fora pra faturar pra eles e pra ti na verdade.. Porque ai você tira uma média de quatro a cinco mil reais por mês.
Pergunta: E como que funciona o senhor ganha salário mais comissão? Fabrício: Eu ganho comissão mais diária, agora eu to parado aqui, to ganhando R$31,20 mais R$70. Quando eu fico parado eu ganho R$70 né, por dia. Fora o R$31,20 que eu já ganho.
Pergunta: Qual é o seu caminhão? Fabrício: O meu é aquela carreta Natal ali.
Pergunta: Você só trabalhou com carreta? Fabrício: É. Eu aprendi com o meu pai, com meus tio carreta. Eu nunca dirigi caminhão pequeno.
Pergunta: A sua família também trabalhava pra outras pessoas? Fabrício: Meus tios tem carreta, o pai tinha carreta, ai ele vendeu e montou uma construtora né. Até eu vou trabalhar com ele dai.
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Pergunta: Agora que o senhor vai parar, vai trabalhar com o seu pai, é isso? Fabrício: É, vou trabalhar com o meu pai. Vou largar mão dai. O pai já tem dez anos que ele montou a construtora e ele me incomoda pra ir toda vida.
Pergunta: Por que só agora decidiu ir trabalhar com ele? Fabrício: Porque agora eu consegui fazer um pezinho de meia né e agora estou mais garantido.
Pergunta: Vale a pena trabalhar com o caminhão? Fabrício: Pra falar bem a verdade não.
Pergunta: Não? Por quê? Fabrício: Porque primeiro de tudo tu não vive, porque viver, viver na estrada a gente vive. Conhece um, fala contigo, fala com ele, fala com todo mundo, mas agora viver é a gente estar junto da família da gente, ver a mãe hoje, ver o pai, sair pra passear, vai numa praia ou pegar a esposa e passear no shopping ou sair pra comer uma pizza em um sábado à noite ou em um dia de semana né. Que vida que eu levo? E a minha esposa que vida que ela leva? Nem ela, nem eu ninguém vive, então não vale a pena. Eu não quero mais.
Pergunta: Como é pra ela viver tanto tempo assim longe de você? Fabrício: Ah, ela reclama né, muito né! Igual se tu fosse casar com uma pessoa e ficasse quarenta/cinquenta dias fora. Tu te põe no lugar dela e já tira a resposta né. É bem ruim, é ruim pra mim, é ruim pra ela.
Pergunta: Mas ela viajava com você? Fabrício: Viajava, mas agora ela ficou grávida, dai está fazendo prénatal tudo né dai toda semana tem exame, todo mês, ai ela teve que ficar em casa.
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Pergunta: E era bom quando ela viajava com você? Fabrício: Era melhor né! Bom não era, era melhor né, bem melhor!
Pergunta: Não fica tanto tempo sozinho né? Fabrício: É, é muito ruim né.
Pergunta: É muita solidão né? Fabrício: É, demais! Depressão né. Da depressão na gente. Eu de vez em quando tenho, ai tenho que ir no psicólogo e tudo. Porque muito tempo sem ninguém, porque conversar com uma pessoa, ninguém. Tu não tens um carinho de familiar, um pai, de uma mãe... um ombro pra tu chorar na hora que aperta alguma coisa. Não aqui tu tem que te virar, é tu e Deus. E motorista ainda a maioria é sem vergonha quer tirar vantagem em cima do outro. É bom, mas se for colocar em uma balança pesa mais a parte ruim. Quando estou dirigindo consigo manter a cabeça ocupada é tranquilo, mas quando eu paro é terrível... bem terrível mesmo. Ai tem televisão, eu tava ali vendo televisão tudo mais.
Foi chamado para descarregar no supermercado.
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Entrevista 8: Eraldo Pereira dos Santos
Eraldo Pereira dos Santos, trabalha na Translop. Morador de Terenos e trabalha com caminhão desde os 18 anos.
Pergunta: Quando o senhor começou a trabalhar com caminhão? Eraldo: Comecei com 18 anos. Hoje eu estou com 58. Então já faz 40 anos de estrada. A rotina é essa aqui. Eu fiz dois anos fora do Brasil. Na Argentina.
Pergunta: E como que era? Eraldo: Era difícil. Lá você tem que falar a língua deles e eu não sabia, até me adaptar não foi fácil, mas consegui, consegui superar. Ficava 30 dias longe da família. Então preferi ficar no Brasil, porque no Brasil eu falo minha língua você entende, ela entende, todos entendem, é a língua da gente. Mas, agora eu só estou no Brasil. Fazendo Terenos – Rio de Janeiro, Terenos – São Paulo.
Pergunta: Quanto tempo o senhor fica longe de casa? Eraldo: Agora é uma semana. Aí já volto para a “véia” de novo. Então a gente fica uma semana longe de casa, aproximadamente. Tem lugar que a comida não é boa. Vocês sabem, porque vocês viajaram. Temos que botar a mão na massa. Abrir a cozinha e cozinhar. Você nunca está sozinho, sempre chega alguém. Aumenta o feijão, põe um pouco mais de água. É essa jornada que a gente faz.
Pergunta: Esse tempo que o senhor ia pra Argentina foi o período mais longo que ficou longe da família, como era? Eraldo: Olha, não é fácil. Igual eu estava falando para você, a mulher aqui e você lá, não sabe como está indo. Por telefone nunca é como pessoalmente. A gente se comunicava, não vou dizer todo dia, mas a cada dois dias. 1
Pergunta: E como surgiu a oportunidade do senhor ir para a Argentina? Eraldo: A firma em que eu trabalhava pegou essa rota pra fazer. Aí tinha que fazer. A gente ia com a carga de frango para lá e trazia maçã.
Pergunta: Eram viagens bem longas? Eraldo: Quase 4 mil quilômetros. Para ir não é tão ruim, a estrada é boa. Enquanto não pagar a mercadoria você não pula para o lado argentino. Tem que pagar, é tipo um ICMS. Só entra quando está tudo pago, tudo certinho.
Pergunta: E ficava muito tempo esperando? Eraldo: 8 dias.
Pergunta: E o que fazia nesses dias? Eraldo: Comer, beber e dormir. Cozinhava, dormia. Ficava lá esperando. Enquanto não pagava, não passava. Não podia ficar indo de um lado para o outro. E você ficava lá. Juntava aquela galera, 40, 50 motoristas. Não era pouca gente. Tinha muita gente fazendo pra lá.
Pergunta: Essa vida é bem corrida, né? Eraldo: Não é que é corrida, á agitada sabe. Você trabalha agitado. É raro você estar tranquilo. Agora estamos com clientes bons, chega lá e descarrega. Quando a gente fazia outros clientes era difícil. Agora eu estou tendo problema para voltar. Demoro dois, três dias pra carregar. Por isso demoro para voltar pra casa.
Pergunta: O senhor trabalha autônomo? Eraldo: Não, sou empregado. Num translado.
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Pergunta: O pai do senhor era caminhoneiro? Eraldo: Não.
Pergunta: O senhor foi o primeiro da família? Eraldo: Fui. Eu que quis mesmo, me dediquei a isso.
Pergunta: O senhor tem filhos? Eraldo: Tenho.
Pergunta: Algum segue sua carreira? Eraldo: Não, nenhum. Um está estudando, o outro formou agora em Direito. Então não queria essa vida não. Foi estudar. Aí é o seguinte, nas férias a mulher vai comigo. Mas poucos dias e já enjoa, não quer mais. Também na cabine de caminhão. Não tem banheiro adequado. Banheiro para mulher, banheiro para homem, tem hora que não tem, é tudo junto. É uma nojeira, com o perdão da palavra.
Pergunta: Dependendo do posto que para o atendimento é ruim? Eraldo: É. Atendimento ruim, comida ruim. É uma série de coisas que tem por aí. Mas a gente vai indo. Eu faço essa linha, você já sabe os pontos para parar. Dormi a mesma coisa, aqui é mais seguro, aqui não é. Então você se programa.
Pergunta: E com essa lei do descanso tem que parar? Eraldo: Olha a gente não está seguindo. Eu comecei seguir, mas aí suspenderam. Mas a lei está aprovada, mas ninguém está obedecendo ainda. Não ninguém, não. Algumas firmas se adaptaram. Mas a nossa aqui não.
Pergunta: Quantas horas o senhor dirige normalmente? Eraldo: Umas 12 horas. Tem dia que anda mais um pouquinho. Mas com a nova lei ia quatro e parava. Eram oito horas e podia andar mais duas. Dava umas dez horas. A gente começou a seguir. Depois não.
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Pergunta: Mas às vezes não tem lugar para parar? Eraldo: Não tem lugar, realmente. Aqui você não pode parar, não vai parar no acostamento. Você chega em um posto e está cheio. Hoje está assim, se você não abastecer no posto o segurança não deixa nem você ficar. É onde você tem que ir tocando até achar um lugar pra parar. Quando a gente sai se programando, abasteço em tal lugar, chega ao lugar oito, nove horas, você já para ali. Se você toca mais pra frente, até dez horas, chega lá não tem lugar. Aí tem que ir tocando, vai tocando e acaba rodando a noite inteira. Na beira de pista é mais perigoso ainda, no posto já é perigoso. Um amigo meu essa semana passada parou duas horas da manhã no posto, ele e a mulher, pararam para dormir um pouco. O cara chegou e roubou eles. Era para roubar o caminhão, mas como estava bloqueado não conseguiu levar. Ficaram com ele e a mulher dele duas horas no caminhão. E corta fio. Mas não conseguiram. E queria só o caminhão, nem carga, nem nada. Mas o caminhão estava bloqueado, ele deu a pernoite para dormir. É rastreado e ele deu a pernoite, se não der pernoite não bloqueia. Ele veio tocando, veio tocando. Nesse posto não tinha, no outro não tinha. Onde achou uma vaguinha encostou. Quando pegou no sono, o cara quebrou o vidro, a mulher se assustou também. O ladrão assustou mais ainda quando viu a mulher do cara. Assustou mais do que ela ainda.
Pergunta: O senhor já passou por alguma coisa assim? Eraldo: Já passei. Mas o ladrão falou para mim que eu era muito desconfiado, que eu dei mole um pouquinho, mas que sou muito desconfiado. Só que ele não conseguiu me levar, não é que ele não conseguiu me levar, não conseguiu porque o caminhão era rastreado. Falaram para eu facilitar, disse que não tinha como. Eles perguntam se o caminhão era rastreado. Aí já viu que era e perguntou se tinha como facilitar, eu disse: não tenho acesso. Aí me deixaram. Não comuniquei a polícia, não comuniquei nada, porque eles falaram: você não vai comunicar a polícia não cara, você vai embora, de boa, com você não aconteceu nada.
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Pergunta: Isso foi em um posto também? Eraldo: Sim em um posto. Eu parei pra pegar uma água. Deixei o caminhão funcionando, no claro assim, todo mundo nas mesas tomando cerveja, jantando. Fui lá peguei e voltei. Quando eu voltei eu desconfiei, o cara estava dentro da minha cabine. Aí eu passei a mão nele, porque puxou a cortina, aí eu passei a mão e ele meteu o revólver em mim, meteu o revólver e eu segurei nele, assustei e segurei. Aí veio o outro e: solta o rapaz. Tive que soltar e falaram: vamos embora, vamos embora. Demorou demais aí. O ladrão falou pra mim: você é um cara muito desconfiado, né? Achei que você ia entrar, sentar e eu ia render você lá no escuro. Eu: pois é, mas foi melhor aqui no claro, porque no escuro eu ia assustar, ia tombar, ia ser pior. Eu nunca dei mole. Eu cheguei no caminhão e desconfiei. Ele perguntou se eu já tinha passado por aquilo e disse: se passar por isso novamente, não reage igual você reagiu não. Eu disse: eu não reagi, eu me assustei, é a mesma coisa de você sair de casa e a hora que você chegar ter alguém. Você assusta. Segurei porque assustei.
Pergunta: Faz tempo isso? Eraldo: Faz uns 10 anos.
Pergunta: Depois disso, nunca mais? Nunca mais. Mas também eu me programo. Saio daqui e paro lá, o lugar que for mais seguro. Carona, só se for um cara muito conhecido, mas do contrário, despisto e saio fora. Às vezes o próprio colega planeja o assalto. Mesmo com o colega você tem que ter cuidado. Isso acontece muito, principalmente se for um colega que caiu em uma contradição. Tem que trabalhar desconfiado. Igual o ladrão falou pra mim: você parou no lugar errado, na hora errada, não era você que nós estávamos esperando. Só que você chegou e parou no lugar que o cara ia parar. Então você vai embora que eu vou voltar e pegar ele. Eu fui embora, não parei mais naquele lugar, não fiquei comentando. O assunto morreu ali. Ele falou pra mim: vai embora e não aconteceu nada, 5
agora eu estou com seus dados, placa do caminhão. Graças a Deus passou, nunca mais aconteceu nada.
Pergunta: E acidente, o senhor já sofreu algum? Eraldo: A moça, realmente eu tive um acidente aí, gravíssimo. Só que infelizmente a pessoa que quis. Bateu em mim e morreu. Ultrapassagem. Estava indo carregado, vinha vindo um carro, de noite. O farol vinha em minha direção, pensei: ué, o que está acontecendo? Ainda sai da pista e fui para o acostamento da minha mão, para ele ir embora. O cara veio, eram quatro pessoas. Morreram todos. Veio o advogado do cara. Comigo não deu nada, porque eles fizeram ultrapassagem. Eu estava dirigindo, de repente um farol saiu de trás rapidinho e veio, veio, veio. Falei: vai bater! Peguei e saí para o acostamento para deixar ele ir embora, ele podia ter ido embora e não foi. Ou ele dormiu, sei lá. Ninguém sabe, porque morreram. Aí o advogado veio, conversou comigo. Falou: não, o rapaz não fez nada, deixa o rapaz trabalhar, meu cliente que fez uma burrada e morreu. Isso acontece muito. Não foi nem uma vez, nem duas, mais de mil vezes. O cara tenta ultrapassagem, você tem que facilitar, o cara passa e vai embora. Era umas dez da noite, ele veio e abraçou comigo. Ainda desci, fui prestar socorro, mas não tinha o que fazer. Deu na perícia que ele estava uns 240km por hora. Por que eu ia a 70km por hora e ele bateu a 170. Foi muito rápido. Ele se assustou, foi o que falaram, ele deve ter cochilado, se assustou com a traseira do outro e tirou de uma vez e do jeito que ele tirou ele veio, mas comigo não deu nada, o assunto morreu ali. De lá pra cá é tudo tranquilo.
Pergunta: E as estradas? Eraldo: Onde tem pedágio a estrada é boa e tem socorro. Aonde não tem pedágio nesse Mato Grosso do Sul se você quebrar você morre lá. Agora estrada “pedagiada” não. Na estrada “pedagiada” daqui para o Rio e para São Paulo é câmera para todo lado te filmando. Se alguém avisar bem, se não avisar a câmera já filmou você, já sabe e já vem alguém ver o que está acontecendo. Vem um guincho te tira dali numa boa. Custo zero. Onde não tem 6
pedágio, além de ser caro, você fica lá um dia, dois dias, até chegar o socorro. Tudo depende da sua firma também.
Pergunta: E o senhor pretende parar por agora? Eraldo: Já era para eu ter parado. Parado não, parar não para. Aposenta e continua trabalhando. Era para eu ter aposentado, trabalhei 17 anos com o cara e ele não regularizou meu INSS. Aí eu não me aposentei.
Pergunta: E o senhor gosta do que faz? Eraldo: Eu gosto. Você passa alguma raiva, algum nervoso, mas eu gosto. Se eu saí hoje do caminhão eu não sei fazer nada. Se eu for pegar outro serviço eu não sei. Tem que começar tudo de novo. A vida inteira foi em cima do caminhão. Desde os 18 anos, antes um pouquinho eu já dirigia, mas aí tirei minha carteira e estou até hoje aí.
Pergunta: E não cansa? Eraldo: Cansar, cansa um pouco. Mas hoje já não está mais cansando como antigamente. Hoje os caminhões são modernos, com ar. Antigamente não tinha isso. Agora tem conforto. Esse que trabalho agora tem cama, tem tudo. A gente manda fazer, né. Não vem, mas a gente vai num tapeceiro. Eu tenho tudo, tenho até frigobar, coloco uma água, uma carne e não estraga mais.
Pergunta: E cozinhar economiza um pouco? Eraldo: Economiza, mas se você comer sozinho. Se for cozinhar pra três, quatro é melhor comer em restaurante.
Pergunta: O senhor gosta quando vai esposa e o filho junto? Eraldo: Sim, você se distrai. Vai conversando.
Pergunta: É uma vida bem solitária? É, mas a gente escolheu. Agora tem que ir tocando. Mas está bom, não tenho o que reclamar não. Hoje é o seguinte, você tem que trabalhar, 7
trabalhou e recebeu está bom. O duro é você trabalhar e não receber. Mas você está trabalhando, está recebendo, pagando suas contas. Só que você não pode se programar. Eu estou em casa hoje porque não programei.
Pergunta: O senhor já usou o rebite? Eraldo: Eu tomei quando era novo. Quando saiu o rebite, quando lançaram, aí eu tomei. Ele estimula você bem. Em alguns faz o cara dormir, tem uns que desligam. Não é em toda pessoa que ele estimula não. O certo é você tomar e dormir um pouquinho. Dormi umas duas horas e você acorda aceso. Agora tinha uns que tomava e dormia a noite inteira. Agora droga, eu conheço, mas nunca usei. O rebite acabou, agora é só droga. É raro o cara ter rebite, raro, raro. Firma que você começa a trabalhar se você não joga no time do cara você nem entra na firma. O próprio colega já tira você.
Pergunta: Quanto tempo faz que o senhor está indo apenas para o Rio? Faz uns 25 anos. A gente conhece tudo já. Toda semana. E passou que eu nem vi esse tempo.
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Entrevista 9 Caio Marks
Carlos Augusto Marks, 46 anos, autônomo Maria Cleuza Maccarini Marks, 43 anos, do lar
A entrevista aconteceu no jardim da casa do entrevistado. Carlos Marks é chamado de Caio desde pequeno e conhecido por todos assim. A conversa começou junto com a esposa dele, Maria.
Pergunta: Você é autônomo? Caio: Sou autônomo.
Pergunta: Há quanto tempo trabalha de caminhão? Caio: Olha na realidade a minha vida inteira praticamente, porque eu me criei com meu pai sendo motorista. Com 15 anos já saia viajar para vários lugares com caminhão, junto com ele. Dirigi caminhão a vida inteira, só mexi com isso praticamente. Sempre envolvido com caminhão.
Pergunta: Nunca trabalhou com outra profissão então? Caio: Não. Praticamente não.
Pergunta: E isso há quanto tempo, mais ou menos? Caio: Eu tenho 46 anos. Quando fiz 18 anos eu peguei a carteira. Eu fiz 18 no dia 6 de outubro, no dia 20 de outubro já sai viajar com caminhão.
Pergunta: Sozinho? Caio: Sozinho já. Para o norte de Mato Grosso. Maria: Você também ia lá para cima sem carteira. Caio: E antes disso sem carteira eu já ia para o norte de Mato Grosso, ficava puxando lá e o pai vinha embora. Viajava com meu irmão sem carteira, ajudava ele a dirigir. Nós dois viajava e os dois dirigiam. Morando aqui, na safra puxava das lavouras sem carteira, sem nada, com 14, 15 anos. Maria: Não era tão rígido como hoje.
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Caio: Já mexemos uma vez com posto de gasolina, mas é envolvido com caminhão e na verdade em poucos anos já tinha o meu de novo. E sempre viajando pelo país inteiro. Quando nós casamos, essa aqui viajou muito e conheceu bastante a estrada.
Pergunta: Há quanto tempo vocês são casados? Maria: 26
Pergunta: Então, por muito tempo você acompanhou esse trabalho? Maria: Bastante tempo. Até ele tentou fazer outras coisas, mas no final volta para caminhão. Caio: A gente tenta mudar de ramo, mas acaba voltando para o caminhão de novo.
Pergunta: E por que acaba voltando? Caio: Sei lá. Não sei se é no sangue ou o que é. Nós aprendemos a fazer e parece que tem mais segurança. Se eu invento alguma coisa e começo a ter um pouco de dificuldade, parece que o caminhão me traz mais segurança porque a gente acostumou eu acho. É o que sei fazer, se pego o caminhão sei me virar. Maria: E o Caio é daqueles que entende tudo de mecânica de caminhão, tudo, tudo. Então ele não tem problema com isso. Caio: Conheço, praticamente, o Brasil inteiro.
Pergunta: Viajou para muitos lugares então? Caio: Para muitos lugares. Só tem dois lugares que eu não conheço, mas ano que vem um eu vou ir.
Pergunta: Que lugares sãos? Caio: Santarém, lá para cima. Conheço até divisa do Pará. Aquele pedaço eu não conheço, mas ano que vem eu vou. Maria: Nós vamos. (risos)
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Pergunta: Vocês têm essa vontade mesmo? Caio: Tenho, ano que vem eu vou ir. Quase que fui esse ano. Tem uma que é mais difícil, que não é meu ramo: ir de balsa de Porto Velho à Manaus com caminhão... Maria: É mais perigoso. Caio: ... é mais difícil porque nós não trabalhamos com o tipo de mercadoria que vai para lá.
Pergunta: Qual é o tipo de mercadoria? Mais ou menos coisas para Manaus, Zona Franca, e a carga sai de São Paulo. E eu não faço mais São Paulo então é difícil ter carga. Mas para Santarém ano que vem eu vou ir.
Pergunta: Carrega o que para lá? Caio: Do Mato Grosso sai soja para lá. Começou ano passado porque estão fazendo o asfalto. Primeiro era tudo chão.
Pergunta: E de resto o senhor conhece tudo? Caio: Praticamente, o resto do país eu conheço tudo. Maria: Eu acho que sim. O Rio Grande do Sul, que era uma parte que ele não conhecia, nossa filha casou e foi morar para lá, então até lá o Caio já conhece.
Pergunta: Quantos filhos vocês tem? Caio: Dois. Duas meninas. Maria: Uma é casada, já tem um filhinho. E a outra tem 14 anos.
Pergunta: As duas viajavam junto? Maria: A mais velha viajou mais e gostava mais de viajar. A Carla nunca gostou muito, né Caio? Caio: A Carla viajou bem menos. A Carol desde pequenininha sempre viajou, desde bebe de colo até começar a estudar. Maria: É! A Carol se criou dentro do caminhão. Caio: Dentro do caminhão. Ela gostava muito. 3
Maria: Até ontem comentei: nossa um feriadão desses duvido se ela não estava com a mala na frente da porta para jogar no caminhão. Mas é que a Carla, ela é diferente.
Pergunta: Deixa eu entender uma coisa, então seu pai era caminhoneiro, seu irmão também. Caio: Meu pai, meu irmão também e eu também.
Pergunta: Sua família é composta por quantas pessoas? Caio: Na família do pai são dois irmãos e duas irmãs. Uma irmã é casada com caminhoneiro também.
Pergunta: Está no sangue então? Caio: Só uma irmã que não é casada com caminhoneiro. A mais velha que é casada com caminhoneiro.
Pergunta: O que te motiva a continuar trabalhando além do fato de ser uma profissão que você conhece bem? Caio: Ah, sei lá! Isso é difícil saber, é o que a gente sabe fazer e não procura fazer outra coisa. E sei lá o que motiva. Maria: É que para quem tem caminhão é cômodo assim, eu falo que já está acostumado com aquilo. Uma hora está meio apertado, mas na safra já vira a história, já fica melhor. Assim vai passando o tempo e quando vê os anos passam... Caio: Às vezes pensa em inventar alguma coisa e acaba não inventado porque parece que tem segurança, parece que caminhão traz uma segurança de fazer alguma coisa. Parece que quando inventamos outra coisa não tem a mesma segurança que com o caminhão. Não sei o que motiva.
Pergunta: Mas é um bom motivo se pensarmos bem. E assim, o salário compensa o esforço? Caio: No caso nós que somos autônomos não temos um salário fixo, embora uma hora tenha um dinheirinho bom, uma hora já está meio quebrado, está sem. Mas o que é funcionário hoje, o salário dele não é ruim. Geralmente 4
quem trabalha como funcionário com caminhão ele não tem estudo, não tem nada e ganha mais que uma pessoa estudada, só que nunca está em casa, está sempre viajando. Mas hoje o salário de um motorista que trabalha numa firma com outro caminhão não é ruim, é um salário razoável. Muitas pessoas que trabalham com caminhão têm estudo mínimo, nenhuma é formada, nem nada e eles ganham quase como uma pessoa formada.
Pergunta: Você estudou até que série? Caio: Até a 6º série.
Pergunta: E depois disso já começou a trabalhar? Caio: Já trabalhava com caminhão e não me interessei mais por estudar.
Pergunta: E você viajava geralmente para quais lugares? Caio: Ultimamente eu to viajando mais aqui dentro do Mato Grosso do Sul ou Paraná, de vez em quando para o Rio Grande do Sul também, mas mais Paraná ultimamente. Mas já viajei muito para o Nordeste, viajei muito para os lados de Rondônia, Mato Grosso. Mas nos últimos anos estou mais envolvido com aqui perto de casa, não saio muito longe. Vou e volto rapidamente.
Pergunta: Fica mais ou menos quanto tempo fora de casa? Caio: A minha média é uma semana, 10 dias. Maria: Mas você já ficou 40 dias. Caio: Mas já faz muito tempo. Não. Ano passado fiquei 42 dias, fiquei né?! Fui fazer a safra na Bahia e fiquei 42 dias. Mas depois no resto do ano é uma semana, ida e volta. Às vezes tem semanas que fico três dias fora e dois, três dias em casa. Às vezes vou para o estado de São Paulo em três, quatro dias estou de volta. Então, agora nos últimos dias está dando uma semana, uma semana e pouquinho, mas sempre em casa.
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Pergunta: E quando você viajava para longe, como era ficar tanto tempo fora de casa? Como você fazia e faz para lidar com a saudade? Caio: Ah hoje é fácil porque tem telefone fácil, liga toda hora. Como nós ligamos todos os dias, falo todo dia em casa. Antigamente era mais difícil, não existia celular, telefone era bem mais difícil. Quando eu ia para o norte de Mato Grosso ficava uma semana sem ligar porque não tinha telefone para ligar, era bem raro. Eu tinha que ir em posto de telefone, nem orelhão você achava. Maria: Deixava recado na vizinha... Caio: Deixava recado na vizinha. Maria: ... para gente ir lá que tal hora ia ligar.
Pergunta: Por que não tinha telefone? Maria: Não tinha telefone. Caio: Hoje você pede uma linha telefônica. Antigamente eram limitadas as linhas telefônicas. Você não conseguia comprar, só quando vinha a expansão de telefono de novo. Tinha essa diferença antigamente. Então era mais difícil você ligar, não existia celular.
Pergunta: E então combinava, ligava para vizinha e falava “tal hora eu ligo”. Maria: É. Eu lembro que quando nós morávamos lá embaixo, o meu cunhado do Hotel Acácia (a casa atual fica a poucas quadras da antiga e a uma quadra do Hotel, que fica na avenida principal de Sidrolândia) tinha telefone, o Caio ligava e falava: “tal hora eu ligo”. Então eu vinha ali esperar até ele ligar. Depois de um o tempo a gente conseguiu uma linha telefônica e agora esse celular nossa, ajuda muito. Mas não é fácil. A gente vai aprendendo a conviver com o ir e voltar, ir e voltar, tanto ele na estrada quanto a gente em casa.
Pergunta: Vocês acabam se acostumando com a situação, então? Caio: Se torna uma rotina. Não adianta. Maria: Minha sogra dizia que o bom do casal caminhoneiro é que vive em lua-de-mel. Ela tinha esse ditado. A gente está sempre com saudade
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né. Ele está com saudade de chegar e a gente com está com saudade de ter ele em casa.
Pergunta: E quando chega é quase festa. Maria: Sim. Minha irmã fala que: “eu sei quando o Caio esta em casa quando a Maria não atende ao telefone”. Diz que nem o telefone eu atendo. Eu não ouço. O telefone está lá dentro. Eu to aqui envolvida com ele, aqui para fora, sempre né.
Pergunta: Então aproveita cada minuto para ficar perto. Maria: Sim, para ficar junto. Caio: E eu já não viajo mais tão longe quanto eu viajava. Geralmente ficava 15 dias quando fazia Rondônia, Nordeste. Maria: As primeiras viagens para o Nordeste aquela vez era uma eternidade. Caio: Lá no Mato Grosso carregava pra ir, para depois vir embora. Então 20 dias eram aquelas viagens, no mínimo.
Pergunta: E você sempre teve caminhão graneleiro? Caio: Sempre. Sempre mexi com graneleiro.
Pergunta: E sempre foi um Scania ou você já trabalhou com outros caminhões? Caio: Já trabalhei com quase todo tipo de caminhão. Carreta, bitrem, rodotrem, com tudo um pouco. Tanto é que o primeiro bitrem de Sidrolândia fui eu que peguei, quando começou os bitrens. E o primeiro nove eixo que teve era do meu irmão e eu que trabalhei com ele.
Pergunta: Os nove eixos é qual? Caio: Aqueles maiores com uma “montuera” de eixo para trás.
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Pergunta: Qual a diferença para trabalhar entre eles? Caio: Eu não acho que tenha diferença. Como estou sempre envolvido peguei o jeito, sempre trabalhei com caminhão grande. Quinze anos eu tinha quando o pai tinha carreta, estive sempre envolvido com carreta. Viajava junto, dirigia, acabei acostumando. Tinha o truck, tinha carreta, então você muda, vai de um para outro e nem nota a diferença.
Pergunta: E você trabalhou de empregado já? Caio: Trabalhei. Trabalhei com meu irmão uns quatro ou cinco anos de empregado. Era meu e dele o caminhão até uns anos atrás. Depois trabalhei de novo para meu irmão. E agora comprei um caminhão para mim de novo.
Pergunta: E tem muita diferença? Você gosta mais da sua situação agora ou quando era funcionário? Caio: Tem. Porque você trabalhando de empregado tem que dar satisfação. Agora, o dia que eu resolvo ficar uma semana em casa, eu fico. Como esses dias que minha filha e o neto estavam aqui eu fiquei 15 dias em casa sem viajar. Se eu sou empregado já não posso ficar. Com um dia o patrão já está achando ruim. Daqui uns dias vem o irmão dela de novo [o irmão de Maria] e eu vou ficar uma semana parado, já está certo. Maria: Que nem ele vai se organizando. Ele da uma apertada quando não tem visita para poder ficar pouco em casa. Da umas esticadas meio rapidinhas para ficar em dia e para quando chegar as visitas poder ficar sossegado. Caio: Quem é empregado não tem essa escolha. Só nas folgas mesmo. Maria: Tanto que esse caminhão, nós construímos uma casa ali embaixo e nós falávamos que nunca nós iríamos vender aquela casa, né Caio. Aí a vendemos para comprar um caminhão... Caio: Para ficar mais tranquilo também.
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Pergunta: E valeu a pena? Caio: Valeu! Pela qualidade de vida que estamos tendo agora comparado com antes, valeu. Pela tranquilidade, pelo sossego.
Pergunta: Como é o relacionamento com os outros caminhoneiros? Caio: Eu me relaciono bem, graças a Deus. Com todo mundo que conheço eu tenho amizade. Se eu encontro alguém na estrada, acabamos a viagem juntos. Sempre tenho muitos amigos na estrada, demais, demais. Graças a Deus me relaciono muito bem.
Pergunta: Já fez muitos amigos pela estrada então? Caio: Nossa senhora. Demais da conta. O Chico falava para mim, a primeira vez que saiu de viagem comigo: “onde o Caio vai tem conhecido, conhece todo mundo”. Então, é que a vida inteira viajando conhece muitas pessoas né. Maria: Você tem que ver a “velharada”, então. Os motoristas mais de idade (risos). Ele tem um Q para atrair, um dom. Caio: Pessoas que eu não conheço de idade, que eu começo a conversar na estrada, já ficam junto, já viram amigos e não esquecem, como é que pode! Mas o pior que é verdade.
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Entrevista 10: Celso Orlando
Celso Orlando tem 67 anos de idade, me concedeu a entrevista na casa de sua filha Andréia. Celso veio de Limeira, interior de São Paulo, até Campo
Grande
carregado
com
veneno.
Enquanto
aguardava
novo
carregamento, hospedou-se na casa de sua filha e seus netos.
Pergunta: Como o senhor começou a trabalhar com caminhão? Celso: Comecei a trabalhar com caminhão na década de 70. Primeiro caminhão que eu comprei foi um Chevrolet a gasolina e fui puxar cana na usina Maringá em Araraquara, foi umas três safras, mais ou menos. Três anos trabalhando com esse caminhão. Depois fui mudando de caminhão. Peguei um caminhão a óleo. Foi aumentando, foi indo. Aí a esposa achou que eu tinha que vender o caminhão e fazer uma casa, porque eu pagava aluguel. Vendi o caminhão, comprei o terreno para fazer a casa e fui trabalhar de empregado. Trabalhei 14 anos em uma firma de Iracemápolis, de carreta, aí fazia frete para a transportadora. Depois de 14 anos fiz um acerto na firma e comprei um caminhão, com dificuldade e tudo, mas estou até hoje, só que hoje eu não tenho mais caminhão. Estou trabalhando de empregado. Mas esses 43 anos foi com caminhão.
Pergunta: O que levou o senhor a trabalhar com caminhão? Resposta: Desde criança eu sempre adorei caminhão. Eu tinha oito anos, nove anos, passava um caminhão e eu ficava adorando o rastro do caminhão. Eu lembro como se fosse hoje, como se fosse agora. Se eu for marcar as quilometragens que eu rodei, dá pra dar muitas voltas no mundo.
Pergunta: O senhor já viajou para todos os estados brasileiros? Celso: Só não conheço o Piauí. Passei perto, mas não conheço. E Roraima. O resto eu conheço tudo, de ponta a ponta. Manaus, Rondônia, Acre, Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, Mato Grosso. No Nordeste eu conheço todos. Ceará, Rio Grande do Norte, Alagoas, Bahia, Minas. Conheço tudo. 1
Pergunta: Como que era a relação com a família? Celso: Olha a relação com a família era... nem telefone celular eu tinha naquela época. Então quando chegava em um orelhão eu ligava: está tudo bem! Não tinha celular para toda hora estar ligando. Às vezes passava um dia, dois dias sem notícia. Mas foi bem. A mulher ficava sozinha. Ela fala hoje que ela é viúva de marido vivo.
Pergunta: O senhor já sofreu algum acidente? Celso: Nunca. Só uma vez deu um “L” na carreta. Mas eu sozinho, não aconteceu nada, eu só quebrei o para-brisa com a cabeça. Foi a única coisa que aconteceu de acidente comigo. Andei no Acre, diz que tinha muito bandido, nunca vi nada. Só uma vez que me roubaram um pneu de estepe.
Pergunta: O senhor está trabalhando para alguma transportadora? Celso: Estou. Vai para quinze anos que estou na transportadora Covre, lá de Limeira.
Pergunta: O senhor pretende parar por agora: Celso: É duro falar que vou parar. Por enquanto eu estou bem, estou tranquilo. Eu descarrego caminhão, ajudo carregar. Não tenho preguiça. Tem muita gente que acha que eu já deveria ter parado. Já estou aposentado, mas a aposentadoria é pouca. Tem hora que eu penso de parar no final do ano, mas não, vou tocando ainda.
Pergunta: O senhor gosta do que faz? Celso: Eu gosto. Tem hora que você se aborrece com alguma coisa, mas é coisinha. Por exemplo, teve uma carga que eu fiquei dois dias lá em Rondonópolis, aí eu vim embora e fiquei dois dias para descarregar, fui descarregar em São Carlos. Então a gente perde muito tempo. Conhece muita gente, conversa. Trabalhar no caminhão está difícil. Tem muito caminhão, a procura de carga é muita. 2
Pergunta: Onde estão as piores estradas? Celso: Olha o Mato Grosso é onde tem as piores estradas. No Mato Grosso do Sul a estrada é bem melhor do que pra lá. Rondônia tem estrada ruim também. Minas Gerais tem os pedágios e a estrada é ruim. A Fernão Dias é a estrada mais perigosa que tinha antigamente, hoje é pista dupla e continua perigosa, principalmente quando chove.
Pergunta: E o senhor não fica com medo de dirigir? Celso: Não, não tenho. Eu não gosto de dirigir carro, é cansativo.
Pergunta: Sua filha me disse que viajou muito com o senhor, como era? Celso: Eu toda vida levei. Só depois que cresceu que parei. Uma vez estava ela e o irmão dela, levei para Santos. Só que não podia descer do caminhão, tinha que ficar na cabine. Desceram os dois e queriam se jogar lá no mar.
Pergunta: O senhor tem um bom relacionamento com os colegas de profissão? Celso: Tenho. Hoje lá no posto fiz amizade com quatro, eles não largavam de mim. Almoçamos juntos.
Pergunta: Quando o senhor volta pra casa fica quanto tempo descansando? Celso: Às vezes chego em um dia e já viajo no outro. Mas já aconteceu de ficar uns oito dias ali perto de casa mesmo. Vai em um lugar perto, volta.
Pergunta: Quando o senhor está dirigindo e sono vai chegando, o que faz? Celso: Paro e durmo. Porque o melhor remédio é o travesseiro.
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Material Fotogrรกfico
As seguintes fotografias foram captadas durante a viagem feita pelo grupo e usadas de forma ilustrativa no livro:
1
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9. ANEXOS • A Lei 12.619, de 30 de abril de 2012, conhecida como Lei do Descanso, que além de determinar o tempo de repouso dos motoristas, garante os direitos trabalhistas e a segurança desses profissionais; • Parte do perfil socioeconômico dos caminhoneiros que integra o relatório “Caminhoneiros no Brasil: Relatório Síntese de Informações Ambientais”, produzido pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT); • Página do Anuário Estatístico das Rodovias Federais 2010, do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT); • Parte do Relatório Gerencial: Pesquisa CNT de Rodovias 2013;
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Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos LEI Nº 12.619, DE 30 DE ABRIL DE 2012.
Mensagem de veto (Vigência)
Dispõe sobre o exercício da profissão de motorista; altera a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, e as Leis nos 9.503, de 23 de setembro de 1997, 10.233, de 5 de junho de 2001, 11.079, de 30 de dezembro de 2004, e 12.023, de 27 de agosto de 2009, para regular e disciplinar a jornada de trabalho e o tempo de direção do motorista profissional; e dá outras providências.
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Art. 1o É livre o exercício da profissão de motorista profissional, atendidas as condições e qualificações profissionais estabelecidas nesta Lei. Parágrafo único. Integram a categoria profissional de que trata esta Lei os motoristas profissionais de veículos automotores cuja condução exija formação profissional e que exerçam a atividade mediante vínculo empregatício, nas seguintes atividades ou categorias econômicas: I - transporte rodoviário de passageiros; II - transporte rodoviário de cargas; III - (VETADO); IV - (VETADO). Art. 2o São direitos dos motoristas profissionais, além daqueles previstos no Capítulo II do Título II e no Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal: I - ter acesso gratuito a programas de formação e aperfeiçoamento profissional, em cooperação com o poder público; II - contar, por intermédio do Sistema Único de Saúde - SUS, com atendimento profilático, terapêutico e reabilitador, especialmente em relação às enfermidades que mais os acometam, consoante levantamento oficial, respeitado o disposto no art. 162 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943; III - não responder perante o empregador por prejuízo patrimonial decorrente da ação de terceiro, ressalvado o dolo ou a desídia do motorista, nesses casos mediante comprovação, no cumprimento de suas funções; IV - receber proteção do Estado contra ações criminosas que lhes sejam dirigidas no efetivo exercício da profissão; V - jornada de trabalho e tempo de direção controlados de maneira fidedigna pelo empregador, que poderá valer-se de anotação em diário de bordo, papeleta ou ficha de trabalho externo, nos termos do § 3º do art. 74 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1o de maio de 1943, ou de www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12619.htm
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meios eletrônicos idôneos instalados nos veículos, a critério do empregador. Parágrafo único. Aos profissionais motoristas empregados referidos nesta Lei é assegurado o benefício de seguro obrigatório, custeado pelo empregador, destinado à cobertura dos riscos pessoais inerentes às suas atividades, no valor mínimo correspondente a 10 (dez) vezes o piso salarial de sua categoria ou em valor superior fixado em convenção ou acordo coletivo de trabalho. Art. 3o O Capítulo I do Título III da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido da seguinte Seção IV-A: “TÍTULO III ........................................................................................... CAPÍTULO I ........................................................................................... Seção IV-A Do Serviço do Motorista Profissional Art. 235-A. Ao serviço executado por motorista profissional aplicam-se os preceitos especiais desta Seção. Art. 235-B. São deveres do motorista profissional: I - estar atento às condições de segurança do veículo; II - conduzir o veículo com perícia, prudência, zelo e com observância aos princípios de direção defensiva; III - respeitar a legislação de trânsito e, em especial, as normas relativas ao tempo de direção e de descanso; IV - zelar pela carga transportada e pelo veículo; V - colocar-se à disposição dos órgãos públicos de fiscalização na via pública; VI - (VETADO); VII - submeter-se a teste e a programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica, instituído pelo empregador, com ampla ciência do empregado. Parágrafo único. A inobservância do disposto no inciso VI e a recusa do empregado em submeter-se ao teste e ao programa de controle de uso de droga e de bebida alcoólica previstos no inciso VII serão consideradas infração disciplinar, passível de penalização nos termos da lei. Art. 235-C. A jornada diária de trabalho do motorista profissional será a estabelecida na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho. § 1o Admite-se a prorrogação da jornada de trabalho por até 2 (duas) horas extraordinárias. § 2o Será considerado como trabalho efetivo o tempo que o motorista estiver à disposição do empregador, excluídos os intervalos para refeição, repouso, espera e descanso. § 3o Será assegurado ao motorista profissional intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, além de intervalo de repouso diário de 11 (onze) horas a cada 24 (vinte e quatro) horas e descanso semanal de 35 (trinta e cinco) horas. www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12619.htm
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§ 4o As horas consideradas extraordinárias serão pagas com acréscimo estabelecido na Constituição Federal ou mediante instrumentos de acordos ou convenção coletiva de trabalho. § 5o À hora de trabalho noturno aplica-se o disposto no art. 73 desta Consolidação. § 6o O excesso de horas de trabalho realizado em um dia poderá ser compensado, pela correspondente diminuição em outro dia, se houver previsão em instrumentos de natureza coletiva, observadas as disposições previstas nesta Consolidação. § 7o (VETADO). § 8o São consideradas tempo de espera as horas que excederem à jornada normal de trabalho do motorista de transporte rodoviário de cargas que ficar aguardando para carga ou descarga do veículo no embarcador ou destinatário ou para fiscalização da mercadoria transportada em barreiras fiscais ou alfandegárias, não sendo computadas como horas extraordinárias. § 9o As horas relativas ao período do tempo de espera serão indenizadas com base no salário-hora normal acrescido de 30% (trinta por cento). Art. 235-D. Nas viagens de longa distância, assim consideradas aquelas em que o motorista profissional permanece fora da base da empresa, matriz ou filial e de sua residência por mais de 24 (vinte e quatro) horas, serão observados: I - intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas de tempo ininterrupto de direção, podendo ser fracionados o tempo de direção e o de intervalo de descanso, desde que não completadas as 4 (quatro) horas ininterruptas de direção; II - intervalo mínimo de 1 (uma) hora para refeição, podendo coincidir ou não com o intervalo de descanso do inciso I; III - repouso diário do motorista obrigatoriamente com o veículo estacionado, podendo ser feito em cabine leito do veículo ou em alojamento do empregador, do contratante do transporte, do embarcador ou do destinatário ou em hotel, ressalvada a hipótese da direção em dupla de motoristas prevista no § 6o do art. 235-E. Art. 235-E. Ao transporte rodoviário de cargas em longa distância, além do previsto no art. 235-D, serão aplicadas regras conforme a especificidade da operação de transporte realizada. § 1o Nas viagens com duração superior a 1 (uma) semana, o descanso semanal será de 36 (trinta e seis) horas por semana trabalhada ou fração semanal trabalhada, e seu gozo ocorrerá no retorno do motorista à base (matriz ou filial) ou em seu domicílio, salvo se a empresa oferecer condições adequadas para o efetivo gozo do referido descanso. § 2o (VETADO). § 3o É permitido o fracionamento do descanso semanal em 30 (trinta) horas mais 6 (seis) horas a serem cumpridas na mesma semana e em continuidade de um período de repouso diário. § 4o O motorista fora da base da empresa que ficar com o veículo parado por tempo superior à jornada normal de trabalho fica dispensado do serviço, exceto se for exigida permanência junto ao veículo, hipótese em que o tempo excedente à jornada será considerado de espera. § 5o Nas viagens de longa distância e duração, nas operações de carga ou descarga e nas fiscalizações em barreiras fiscais ou aduaneira de fronteira, o tempo www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12619.htm
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parado que exceder a jornada normal será computado como tempo de espera e será indenizado na forma do § 9o do art. 235-C. § 6o Nos casos em que o empregador adotar revezamento de motoristas trabalhando em dupla no mesmo veículo, o tempo que exceder a jornada normal de trabalho em que o motorista estiver em repouso no veículo em movimento será considerado tempo de reserva e será remunerado na razão de 30% (trinta por cento) da hora normal. § 7o É garantido ao motorista que trabalha em regime de revezamento repouso diário mínimo de 6 (seis) horas consecutivas fora do veículo em alojamento externo ou, se na cabine leito, com o veículo estacionado. § 8o (VETADO). § 9o Em caso de força maior, devidamente comprovado, a duração da jornada de trabalho do motorista profissional poderá ser elevada pelo tempo necessário para sair da situação extraordinária e chegar a um local seguro ou ao seu destino. § 10. Não será considerado como jornada de trabalho nem ensejará o pagamento de qualquer remuneração o período em que o motorista ou o ajudante ficarem espontaneamente no veículo usufruindo do intervalo de repouso diário ou durante o gozo de seus intervalos intrajornadas. § 11. Nos casos em que o motorista tenha que acompanhar o veículo transportado por qualquer meio onde ele siga embarcado, e que a embarcação disponha de alojamento para gozo do intervalo de repouso diário previsto no § 3o do art. 235-C, esse tempo não será considerado como jornada de trabalho, a não ser o tempo restante, que será considerado de espera. § 12. Aplica-se o disposto no § 6o deste artigo ao transporte de passageiros de longa distância em regime de revezamento. Art. 235-F. Convenção e acordo coletivo poderão prever jornada especial de 12 (doze) horas de trabalho por 36 (trinta e seis) horas de descanso para o trabalho do motorista, em razão da especificidade do transporte, de sazonalidade ou de característica que o justifique. Art. 235-G. É proibida a remuneração do motorista em função da distância percorrida, do tempo de viagem e/ou da natureza e quantidade de produtos transportados, inclusive mediante oferta de comissão ou qualquer outro tipo de vantagem, se essa remuneração ou comissionamento comprometer a segurança rodoviária ou da coletividade ou possibilitar violação das normas da presente legislação. Art. 235-H. Outras condições específicas de trabalho do motorista profissional, desde que não prejudiciais à saúde e à segurança do trabalhador, incluindo jornadas especiais, remuneração, benefícios, atividades acessórias e demais elementos integrantes da relação de emprego, poderão ser previstas em convenções e acordos coletivos de trabalho, observadas as demais disposições desta Consolidação.” Art. 4o O art. 71 da Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, passa a vigorar acrescido do seguinte § 5o: “Art. 71. ...................................................................... ............................................................................................ § 5o Os intervalos expressos no caput e no § 1o poderão ser fracionados quando compreendidos entre o término da primeira hora trabalhada e o início da última hora trabalhada, desde que previsto em convenção ou acordo coletivo de trabalho, ante a www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12619.htm
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natureza do serviço e em virtude das condições especiais do trabalho a que são submetidos estritamente os motoristas, cobradores, fiscalização de campo e afins nos serviços de operação de veículos rodoviários, empregados no setor de transporte coletivo de passageiros, mantida a mesma remuneração e concedidos intervalos para descanso menores e fracionados ao final de cada viagem, não descontados da jornada.” (NR) Art. 5o A Lei no 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar acrescida do seguinte Capítulo III-A: “CAPÍTULO III-A DA CONDUÇÃO DE VEÍCULOS POR MOTORISTAS PROFISSIONAIS Art. 67-A. É vedado ao motorista profissional, no exercício de sua profissão e na condução de veículo mencionado no inciso II do art. 105 deste Código, dirigir por mais de 4 (quatro) horas ininterruptas. § 1o Será observado intervalo mínimo de 30 (trinta) minutos para descanso a cada 4 (quatro) horas ininterruptas na condução de veículo referido no caput, sendo facultado o fracionamento do tempo de direção e do intervalo de descanso, desde que não completadas 4 (quatro) horas contínuas no exercício da condução. § 2o Em situações excepcionais de inobservância justificada do tempo de direção estabelecido no caput e desde que não comprometa a segurança rodoviária, o tempo de direção poderá ser prorrogado por até 1 (uma) hora, de modo a permitir que o condutor, o veículo e sua carga cheguem a lugar que ofereça a segurança e o atendimento demandados. § 3o O condutor é obrigado a, dentro do período de 24 (vinte e quatro) horas, observar um intervalo de, no mínimo, 11 (onze) horas de descanso, podendo ser fracionado em 9 (nove) horas mais 2 (duas), no mesmo dia. § 4o Entende-se como tempo de direção ou de condução de veículo apenas o período em que o condutor estiver efetivamente ao volante de um veículo em curso entre a origem e o seu dest ino, respeitado o disposto no § 1o, sendo-lhe facultado descansar no interior do próprio veículo, desde que este seja dotado de locais apropriados para a natureza e a duração do descanso exigido. § 5o O condutor somente iniciará viagem com duração maior que 1 (um) dia, isto é, 24 (vinte e quatro) horas após o cumprimento integral do intervalo de descanso previsto no § 3o. § 6o Entende-se como início de viagem, para os fins do disposto no § 5o, a partida do condutor logo após o carregamento do veículo, considerando-se como continuação da viagem as partidas nos dias subsequentes até o destino. § 7o Nenhum transportador de cargas ou de passageiros, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador de transporte multimodal de cargas ou agente de cargas permitirá ou ordenará a qualquer motorista a seu serviço, ainda que subcontratado, que conduza veículo referido no caput sem a observância do disposto no § 5o. § 8o (VETADO). Art 67-B. (VETADO). Art. 67-C.
O motorista profissional na condição de condutor é responsável por
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controlar o tempo de condução estipulado no art. 67-A, com vistas na sua estrita observância. Parágrafo único. O condutor do veículo responderá pela não observância dos períodos de descanso estabelecidos no art. 67-A, ficando sujeito às penalidades daí decorrentes, previstas neste Código. Art. 67-D. (VETADO).” Art. 6o A Lei nº 9.503, de 23 de setembro de 1997 - Código de Trânsito Brasileiro, passa a vigorar com as seguintes alterações: “Art. 145. ................................................................... Parágrafo único. A participação em curso especializado previsto no inciso IV independe da observância do disposto no inciso III.” (NR) “Art. 230. ................................................................... ........................................................................................... XXIII - em desacordo com as condições estabelecidas no art. 67-A, relativamente ao tempo de permanência do condutor ao volante e aos intervalos para descanso, quando se tratar de veículo de transporte de carga ou de passageiros: Infração - grave; Penalidade - multa; Medida administrativa - retenção do veículo para cumprimento do tempo de descanso aplicável; XXIV - (VETADO).” (NR) “Art. 259. ................................................................... ........................................................................................... § 3o (VETADO).” (NR) “Art. 261. ................................................................... ........................................................................................... § 3o (VETADO). § 4o (VETADO).” (NR) “Art. 310-A. (VETADO).” Art. 7o (VETADO). Art. 8o (VETADO). Art. 9o As condições sanitárias e de conforto nos locais de espera dos motoristas de transporte de cargas em pátios do transportador de carga, embarcador, consignatário de cargas, operador de terminais de carga, operador intermodal de cargas ou agente de cargas, aduanas, portos marítimos, fluviais e secos e locais para repouso e descanso, para os motoristas de transporte de passageiros em rodoviárias, pontos de parada, de apoio, alojamentos, refeitórios das empresas ou de terceiros terão que obedecer ao disposto nas Normas Regulamentadoras do Ministério do Trabalho e Emprego, dentre outras.
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Art. 10. (VETADO). Art. 11. (VETADO). Art. 12. (VETADO). Brasília, 30 de abril de 2012; 191o da Independência e 124o da República. DILMA ROUSSEFF José Eduardo Cardozo Guido Mantega Paulo Sérgio Oliveira Passos Paulo Roberto dos Santos Pinto Miriam Belchior Aguinaldo Ribeiro Gilberto Carvalho Luís Inácio Lucena Adams Este texto não substitui o publicado no DOU de 2.5.2012
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Caminhoneiros no Brasil
RELATÓRIO SÍNTESE DE INFORMAÇÕES
AMBIENTAIS
Autônomos e Empregados de Frota
Relatório síntese de informações ambientais
1. Dados da Pesquisa OBJETIVO Ampliar o conhecimento sobre as atividades do caminhoneiro autônomo e do caminhoneiro empregado de frota para aprofundar as informações ambientais relativas ao setor de transporte rodoviário.
PÚBLICO-ALVO Caminhoneiros autônomos e empregados de frota.
LOCAL DE REALIZAÇÃO 63 postos de combustíveis.
DADOS TÉCNICOS DA PESQUISA • 11 Estados • 35 Municípios • 1.000 Entrevistas •-Amostra: Seleção probabilística sistemática segundo fluxo de caminhoneiros em 63 postos de combustíveis em estradas federais e estaduais _ 3% • Margem de Erro: Confiança = 95%; Margem de Erro = + •-Campo: 11 a 19 de julho de 2011
3
Perfil do Caminhoneiro
2. Perfil do Caminhoneiro 2.1 Sexo, Idade e Escolaridade
>> Os autônomos são maioria no mercado, sendo que 60% dos caminhões pertencem a essa classe de trabalhadores.
>> A profissão ainda é predominantemente masculina.
>> A idade média entre autônomos e empregados é de 42 anos.
CAMINHONEIROS Distribuição Amostral
JUL 11 (%) Total
Autônomos
59,7
Empregados de Frota
40,3
Total
100,0
CAMINHONEIROS Sexo
JUL 11 Autônomos (%)
JUL 11 Empregados de Frota (%)
JUL 11 Total (%)
Masculino
99,3
99,8
99,5
Feminino
0,7
0,2
0,5
Total
100,0
100,0
100,0
CAMINHONEIROS Idade
JUL 11 Autônomos (Anos)
JUL 11 Empregados de Frota (Anos)
JUL 11 Total (Anos)
Média
43,4
40,3
42,2
4
Relatório síntese de informações ambientais
>> Observa-se que não há diferença significativa entre a escolaridade de autônomos e empregados de frota, já que a diferença encontrada está dentro da margem de erro da pesquisa.
CAMINHONEIROS Escolaridade
JUL 11 Autônomos (%)
JUL 11 Empregados de Frota (%)
JUL 11 Total (%)
Não Alfabetizado
0,8
1,2
1,0
Sem instrução Alfabetizado
1,7
1,7
1,7
Primário
17,3
13,6
15,8
Ginasial
42,7
45,2
43,7
Colegial
33,8
36,0
34,7
Superior
3,7
1,7
2,9
0,5
0,2
100,0
100,0
Pós-graduação NS/NR Total
100,0
>> A renda líquida mensal dos caminhoneiros autônomos é cerca de 55% maior em relação aos empregados de frota.
JUL 11 Autônomos (R$)
>> É possível que os autônomos não considerem alguns custos de alto impacto financeiro no cálculo da sua renda líquida mensal, como despesas com manutenção, pedágios, depreciação e seguro do veículo.
Média
13.411,10
Desvio padrão
11.121,70
>> Apesar de os autônomos apresentarem renda maior que os empregados de frota, eles arcam com maiores responsabilidades, além de não terem os direitos estabelecidos pela CLT aos profissionais empregados.
AUTÔNOMOS Renda Líquida
JUL 11 Autônomos (R$)
Média
4.902,40
Desvio padrão
4.859,80
>> O desvio padrão sugere grande diferença de faturamento e renda entre os autônomos. Fato comprovado pela análise do faturamento do autônomo por tipo de carga.
5
CAMINHÃO Faturamento Bruto
Perfil do Caminhoneiro >> As cargas granel líquido, veículos, bebidas e contêineres se destacam com faturamento por volta dos R$ 12 mil/mês.
EMPREGADOS DE FROTA Renda Líquida Mensal
JUL 11 Empregados de Frota (R$)
Média
3.166,20
Desvio padrão
4.570,40
>> Por outro lado, mudança, carga frigorífica e viva, faturam em média, abaixo de R$ 8.000/mês.
FATURAMENTO POR TIPO DE CARGA
Média do Faturamento Bruto do Caminhão do Autônomo (mil R$)
Faturamento por Tipo de Carga R$ 14 R$ 12 R$ 10 R$ 8 R$ 6 R$ 4 R$ 2 R$ 0
6
Relatório síntese de informações ambientais
2.2 Faturamento e Renda Faturamento por Idade FATURAMENTO POR IDADE 30
25
R$ 20 y = 18442e-0,021x R2 = 0,50249
20
R$ 15 15 R$ 10 10 R$ 5
Quantidade de respostas
Faturamento Bruto do Caminhão dos Autônomos (mil R$)
R$ 25
5
0
R$ 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 43 44 48 50 52 Idade Quantidade de respostas
Faturamento Bruto do caminhão
Exponencial (Faturamento Bruto do caminhão)
>> O faturamento do autônomo cai com o avançar da idade dos caminhões. Esse dado tem relação com o fato dos veículos com mais idade terem menor peso PBT (peso bruto total) e rodarem menos, conforme mostrado nos itens 3.2 e 3.4, respectivamente. >> Observa-se uma diferença de aproximadamente 30% para mais entre o faturamento de um caminhão novo (com 1 ano de uso) e um com 17 anos de uso (média da frota dos autônomos).
7
5.4 – Veículos Envolvidos em Acidentes de Trânsito Segundo a Finalidade do Veículo e a Gravidade do Acidente
5.4 - VEÍCULOS ENVOLVIDOS EM ACIDENTES DE TRÂNSITO, SEGUNDO A FINALIDADE DO VEÍCULO E A GRAVIDADE DO ACIDENTE BRASIL (2008 - 2010)
Com morto
Gravidade do Acidente
2008
Finalidade do veículo
3.055
3.324
4.372
Carga
3.440
3.374
3.343
491
439
403
1.355
1.462
1.864
Coletivo Motocicleta Outros
-
Com ferido
2
749
Total
9.090
1.077 9.676
1.685 11.669
Passeio
32.935
36.951
43.042
Carga
20.452
20.351
18.873
2.505
2.212
2.144
Motocicleta
19.501
21.770
24.512
Outros
-
-
Coletivo
Não informado
3.242
Total
Sem vítima
2010
Passeio
Não informado
78.635
8 6.428
87.712
11.223 99.802
Passeio
81.103
95.079
114.184
Carga
56.472
57.584
57.032
Coletivo
7.183
6.836
6.867
Motocicleta
2.833
3.308
3.858
Outros
-
Não informado Total Não informado
2009
11
4.714
152.305
11.412 174.219
23.227 205.179
Passeio
395
492
647
Carga
146
144
126
6
8
3
Motocicleta
37
42
71
Não informado
53
85
214
Coletivo
Total TOTAL GERAL
637
771
1.061
240.670
272.378
317.711
48
Relat贸rio Gerencial
DE RODOVIAS
60
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
4. RESULTADOS DA EXTENSÃO TOTAL PESQUISADA
Joaquim Gomes-AL - BR-101 Lat. 09º 07’ 50’’ S - Long. 35º 46’ 12’’ E
61
Neste capítulo, serão apresentados os resultados para as características avaliadas na Pesquisa (Estado Geral, Pavimento, Sinalização e Geometria da Via) e uma breve análise do grupo de variáveis coletadas que compõem cada uma das características. Para cada característica avaliada, a extensão total pesquisada será distribuída em 5 categorias (Ótimo, Bom, Regular, Ruim ou Péssimo), conforme o estado das condições das rodovias, segundo a classificação obtida. As variáveis coletadas referentes aos aspectos perceptíveis pelos usuários serão apresentadas de forma detalhada. Nesta 17a edição da Pesquisa CNT de Rodovias, foram realizadas 16 rotas de campo, por 18 equipes de pesquisa e 1 equipe de checagem. A Tabela 21 traz a extensão pesquisada em cada rota e as Unidades da Federação percorridas, segundo o tipo de rodovia.
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
62
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
Extensão das Rotas da Pesquisa CNT de Rodovias 2013 Tabela 21
Rotas
UF Pesquisadas
1 RS 2 PR, RS, SC 3 MG, MS, PR, SP 4 MG, RJ, SP 5 BA, ES, MG, RJ, SP 6 GO, MS, MT, PR, SP 7 AL, BA, PE, PI 8 CE, MA, PA, PI, TO 9 AC, AM, MT, RO 10 AL, BA, CE, PB, PE, SE 11 CE, PB, PE, PI, RN 12 BA, DF, GO, MT, TO 13 AM, AP, MT, PA, RR, TO 14 BA, MG 15 DF, GO, MG, MS 16 RS, SC Extensão Total Pesquisada
Extensão das Rodovias (km) Federais Estaduais 909 3.736 1.513 3.601 5.659 1.280 2.227 3.953 2.442 4.342 1.706 5.217 1.856 4.871 1.738 4.267 879 6.046 1.591 4.120 1.307 5.030 2.242 3.480 1.326 4.069 2.174 4.593 1.822 3.785 1.880 3.053 31.271 65.443
TOTAL 4.645 5.114 6.939 6.180 6.784 6.923 6.727 6.005 6.925 5.711 6.337 5.722 5.395 6.767 5.607 4.933 96.714
4.1. ESTADO GERAL Em 2013, foi avaliada a extensão de 96.714 quilômetros de rodovias federais e estaduais pavimentadas em todo o país. Os resultados apontam que 36,2% dos trechos pesquisados (35.002 km) apresentam condições satisfatórias (Ótimo ou Bom), sendo que, em 10,2% da extensão, o Estado Geral foi classificado como Ótimo e, em 26,0%, como Bom. Em 61.712 quilômetros de rodovias, em 63,8% do total pesquisado foram identificados problemas no Pavimento, na Sinalização ou na Geometria da Via. A Tabela 22 e o Gráfico 4 apresentam a situação de deficiência na maior parte da malha rodoviária pavimentada, sendo 8% clasificados como Péssimo, 21,4% como Ruim ou 34,4% como Regular. Sendo as rodovias a principal infraestrutura de transportes disponível no país, este resultado mostra a necessidade de maiores investimentos para que se possa melhorar a situação existente, seja na reconstrução ou na manutenção das rodovias brasileiras, evitando, assim, problemas que possam gerar prejuízos econômicos para a sociedade.
63
Classificação do Estado Geral Tabela 22
Estado Geral
km
%
Ótimo
9.895
10,2
Bom
25.107
26,0
Regular
33.302
34,4
Ruim
20.676
21,4
7.734
8,0
96.714
100,0
Péssimo TOTAL
8,0%
Extensão Total
Gráfico 04
10,2%
21,4% 26,0%
Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo
34,4%
4.2. pAVIMentO Todo pavimento deve atender a determinadas características relacionadas a fatores de segurança, economia e conforto, e a superfície do pavimento é o elemento mais importante e visível aos usuários. A falta de aderência, a condição do acostamento e as irregularidades no pavimento podem ser fatores que expõem os veículos ao risco, elevando, assim, o número de acidentes nas rodovias brasileiras. A conservação e a restauração do pavimento devem ser vistas como algo constante e que necessariamente precisam de políticas adequadas que permitam a otimização da utilização dos recursos disponíveis. Pelo estudo realizado em campo, verifi cou-se que 53,1% da extensão do pavimento foram classifi cadas como Ótima (46,2%) ou Boa (6,9%); 33,1% classifi cadas como Regular; 9,6% Ruim; e 4,2% como Péssima. Um total de 13.319 km apresentam o estado de conservação crítico (Ruim ou Péssimo), sinalizando grande risco à segurança e necessidade de maior intervenção.
Classificação do Pavimento Tabela 23
Pavimento
Extensão Total km
%
Ótimo
44.672
46,2
Bom
6.667
6,9
32.056
33,1
Ruim
9.303
9,6
Péssimo
4.016
4,2
96.714
100,0
Regular
TOTAL
9,6%
4,2%
Gráfico 05
46,2%
33,1%
6,9%
Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
64
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
4.3. SInALIZAçãO A Pesquisa CNT de Rodovias leva em consideração elementos e aspectos da Sinalização vertical e horizontal, conforme defi nição do Código de Trânsito Brasileiro – CTB, de 2008, em sua avaliação. A Tabela 24 e o Gráfi co 6 mostram a avaliação da extensão total pesquisada segundo características da Sinalização.
Classificação da Sinalização Tabela 24
Sinalização
km
%
Ótimo
11.308
11,7
Bom
20.309
21,0
Regular
32.145
33,2
Ruim
20.399
21,1
Péssimo
12.553
13,0
TOTAL
96.714
100,0
Gráfico 06
11,7%
13,0%
Extensão Total
21,0%
21,1%
33,2%
Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo
Na avaliação da Sinalização, em 32,7% da extensão pesquisada, os dispositivos foram avaliados como Ótimo (11,7%) ou Bom (21,0%), mostrando que, em 31.617 km da extensão, os sinais indicativos de faixas centrais ou laterais e as placas trazem informações adequadas aos usuários, resultando em maior segurança e agilidade ao tráfego. Em 33,2% (32.145 km) da extensão, a Sinalização foi classifi cada como Regular. A Sinalização é Ruim em 21,1% da extensão e Péssima em 13%. Nestes 32.952 km (34,1%), a Sinalização não cumpre sua função, o que se deve ao fato de as pinturas das faixas centrais e laterais em sua maioria estarem desgastadas ou inexistentes em boa parte da extensão pesquisada.
4.4. GeOMetRIA DA VIA Dos 96.714 km pesquisados, em 4,5% e 17,6% da extensão, a Geometria da Via foi classifi cada como Ótima ou Boa, respectivamente, e em 27,9% esta Geometria foi considerada Regular. Os números apontam que, em metade da extensão (48.333 km), a Geometria da Via estava em situação desfavorável e recebeu classifi cação Ruim (15,8%) ou Péssima (34,2%), conforme pode ser verifi cado na Tabela 25 e no Gráfi co 7, a seguir.
65
Classificação da Geometria da Via Tabela 25
Geometria da Via
km
%
Ótimo
4.344
4,5
Bom
17.065
17,6
Regular
26.972
27,9
Ruim
15.299
15,8
Péssimo
33.034
34,2
TOTAL
96.714
100,0
Gráfico 07
4,5%
Extensão Total 34,2%
17,6%
27,9% 15,8%
Ótimo Bom Regular Ruim Péssimo
4.5. ReSUMO DAS CARACteRÍStICAS Resumo das Características - Extensão Total Gráfico 08 Estado Geral
Pavimento
Sinalização
Geometria da via
Ótimo 10,2%
46,2%
11,7%
6,9%
21,0%
4,5% 17,6%
34,4%
33,1%
33,2%
27,9%
21,4%
9,6% 4,2%
21,1%
26,0%
8,0%
13,0%
Bom Regular
15,8%
Ruim
34,2%
Péssimo
4.6. ReSULtADO pOR VARIÁVeIS 4.6.1. CONDIÇÃO DA SUPERFÍCIE DO PAVIMENTO Analisando as variáveis que compõem cada característica avaliada, verifi cou-se que a maioria da extensão pesquisada apresenta a condição da superfície de pavimento desgastada, com 43,0% (41.612 km) dos 96.714 km avaliados. Foi verifi cado que em 34,9% (33.714 km) da extensão a superfície do pavimento está perfeita. O pavimento apresentou algum tipo de defeito em 21,5% (20.797 km) da extensão, sendo identifi cada, principalmente, a presença de trinca em malha ou remendo em 18,4% (17.835 km) e afundamentos, ondulações ou buracos em 3,1% (2.962 km) da extensão.
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
66
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
Em percentual menor, foram identifi cados 591 km de extensão (0,6%,) totalmente destruídos; destacando-se as Rodovias BR-364, no Acre, com aproximadamente 60 km totalmente destruídos, seguida da BR-330 (BA) com 50 km, a BR-210 (RR) com 44 km, e a PI-141 (PI) com 41 km. Um dos fatores de maior percepção por parte do usuário é a condição da superfície, e a presença de algum tipo de defi ciência pode trazer riscos à segurança. O Gráfi co 9 traz os resultados obtidos para esta variável.
Condição da superfície do pavimento Gráfico 09
Totalmente perfeito
34,9%
Desgastado Trinca em malha/remendos Afundamentos/ondulações/buracos
43,0% 18,4% 3,1%
Totalmente destruído 0,6%
4.6.2. VELOCIDADE DEVIDO AO PAVIMENTO A velocidade em que o veículo trafega nas rodovias está diretamente ligada à condição em que o pavimento da superfície se encontra. Em 94,9% da extensão total, esta condição não obriga o condutor a reduzir a sua velocidade ao percorrer a rodovia. Em 4,4% (4.270 km) da extensão pesquisada, é necessário que seja reduzida a velocidade durante o trajeto e, em 0,7% (657 km), exige-se que o condutor trafegue a uma baixa velocidade por conta de problemas no pavimento.
Velocidade devido ao pavimento Gráfico 10
Não obriga a reduções de velocidade Obriga a reduções de velocidade Baixíssima velocidade
94,9% 4,4% 0,7%
67
4.6.3. ACOSTAMENTO O acostamento é um elemento de Geometria da Via que exerce funções importantes na pista, servindo de proteção à estrutura principal, auxiliando na drenagem e evitando a erosão, podendo ser utilizado, também, como apoio lateral e área de evasão em situações de emergência. Em pouco mais da metade da extensão pesquisada – 59,5% dos 96.714 km avaliados –, foi confi rmada a presença de acostamento (Gráfi co 11).
Acostamento Gráfico 11
Com acostamento
59,5%
Sem acostamento
40,5%
Além de verifi car a presença ou não do acostamento, é importante avaliar as condições em que eles se encontram. A Pesquisa avaliou a predominância da condição do acostamento em cada unidade de pesquisa (10 km), e esta avaliação foi feita apenas na extensão onde havia acostamento (57.582 km). Conforme apresentado no Gráfi co 12, dos 57.582 km de acostamento avaliados, 89,0% estão pavimentados e apresentam condições perfeitas; em 0,6%, embora não sendo pavimentados, eles apresentam, também, uma condição perfeita. Há, ainda, 10,4% (5.971 km) de pavimento com problemas, sendo que 4.488 km estão em más condições e 1.483 km totalmente destruídos. Este último resultado mostra uma pequena defi ciência que pode comprometer o uso seguro do acostamento.
Pavimento do acostamento Gráfico 12
Acostamento pavimentado e perfeito Acostamento não pavimentado e perfeito Acostamento em más condições Acostamento destruído
89,0%
0,6%
7,8%
2,6%
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
68
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
4.6.4. CONDIÇÃO DA FAIXA CENTRAL A verifi cação desta variável em campo é feita por meio da predominância. A cada unidade de pesquisa de até 10 km, verifi ca-se qual a condição da faixa predominante. Após apuração dos resultados, verifi cou-se que em 55,8% da extensão avaliada a pintura da faixa encontra-se desgastada (49.188 km) ou não existente (4.811 km) e, em 44,2%, a situação é considerada ideal, estando a pintura visível.
Condição da faixa central Gráfico 13
Pintura da faixa visível
44,2%
Pintura da faixa desgastada
50,8%
Pintura da faixa inexistente
5,0%
4.6.5. CONDIÇÃO DAS FAIXAS LATERAIS A avaliação das faixas laterais segue o mesmo critério de predominância em cada unidade de pesquisa. No Gráfi co 14, pode ser observada a condição em que se encontram as faixas laterais.
Condição das faixas laterais Gráfico 14
Pintura das faixas visível
36,8%
Pintura das faixas desgastada Pintura das faixas inexistente
50,2% 13,0%
Os números apontam uma situação um pouco pior em relação às faixas centrais, em que a predominância de inexistência de faixas laterais ocorre em 13% (12.583 km) do total da extensão avaliada. Em 50,2% (48.522 km), a pintura está desgastada, e, em 36,8% (35.609 km), a visualização das faixas laterais não está comprometida.
69
4.6.6. PLACAS DE LIMITE DE VELOCIDADE As placas de velocidade indicam a velocidade de segurança que o motorista deve trafegar ao longo da via. A Pesquisa verifi ca a presença de pelo menos uma sinalização a cada unidade avaliada. Da extensão total pesquisada, em 25,2% (24.408 km), não foram localizadas placas de regulamentação de velocidade, e, em 74,8% ( 72.306 km), existe pelo menos uma a cada 10 km.
Placas de limite de velocidade Gráfico 15
Presente Ausente
74,8% 25,2%
4.6.7. PLACAS DE INDICAÇÃO A identifi cação das placas de indicação segue a mesma avaliação anterior em que é verifi cada a presença de pelo menos uma placa a cada unidade de pesquisa. Em 15,9% da extensão (15.364 km), não foram identifi cadas placas de indicação, o que demonstra uma inefi ciência em relação à orientação mínima aos motoristas nesses trechos. Na maior parte da extensão avaliada, em 84,1% (81.350 km), existe pelo menos um sinal de indicação a cada unidade.
Placas de indicação Gráfico 16
Presente Ausente
84,1% 15,9%
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
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PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
4.6.8. PLACAS DE INTERSEÇÃO Em cada unidade de pesquisa, é avaliada também a presença ou ausência de placas nas interseções ao longo da rodovia. Os resultados mostram que, em 13.569 km da extensão pesquisada, onde foram identifi cadas interseções, 56,5% estão sinalizadas de forma satisfatória, com placas de advertência em todo o percurso, e, em 43,5%, não existem placas indicando a interseção.
Placas de interseção Gráfico 17
Presente em todo o percurso
56,5%
Ausência de placas
43,5%
4.6.9. VISIBILIDADE DAS PLACAS A avaliação da visibilidade verifi ca a interferência (presença ou ausência) de mato cobrindo as placas de forma parcial ou completa que, neste caso, impossibilita que o usuário consiga identifi cá-las. A análise é feita segundo a predominância na unidade de pesquisa. Na maior parte da extensão pesquisada, em 86.113 km (89,0%), não há mato cobrindo as placas. Em 7.351 km (7,6%), há o comprometimento da visualização onde o mato cobre parcial ou totalmente as placas. Foi verifi cada, também, a inexistência de placas em 3,4% (3.250 km) da extensão avaliada.
Visibilidade das placas Gráfico 18
Inexistência de mato cobrindo as placas Algum mato cobrindo as placas
89,0% 5,1%
Mato cobrindo totalmente as placas
2,5%
Inexistência de placas
3,4%
71
4.6.10. LEGIBILIDADE DAS PLACAS A legibilidade da sinalização vertical verifi ca a possibilidade de leitura em tempo hábil para que seja tomada a melhor decisão pelo motorista. A avaliação é feita conforme a predominância da condição de cada placa implantada na via, seja fi xa ou suspensa ao longo das margens das rodovias pesquisadas. Foram considerados apenas os trechos em que a visibilidade foi classifi cada como “Inexistência de mato cobrindo as placas” e “Algum mato cobrindo as placas”, onde é possível realizar a leitura visual. Em 91.042 km, foi possível avaliar a legibilidade das placas, o que mostra que, em 58,9% da extensão, equivalente a 53.663 km, as placas estavam totalmente legíveis, e, em 40,1% (36.501 km), estavam desgastadas. Em 878 km analisados (1,0% da extensão), as placas estavam ilegíveis.
Legibilidade das placas Gráfico 19
Totalmente legíveis
58,9%
Desgastadas Totalmente ilegíveis
40,1% 1,0%
4.6.11. DISPOSITIVOS DE PROTEÇÃO CONTÍNUA Nesta variável, também é considerada a predominância em cada unidade de pesquisa.
Dispositivos de proteção contínua Gráfico 20
Presente quando necessária, em todo o percurso
12,3%
Presente quando necessária, em parte do percurso
14,1%
Ausente, mas necessária, em todo o percurso Ausente e não necessária
56,2%
17,4%
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
72
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
Embora fosse necessária, devido às características do local, a presença dos dispositivos em todo o percurso, em 56,2% (54.330 km) da extensão pesquisada, a ocorrência deles não foi identifi cada, e somente em 12,3% da extensão os dispositivos estão presentes, onde necessários, em todo o percurso.
4.6.12. TIPO DE RODOVIA A Pesquisa avalia o tipo de rodovia conforme cinco confi gurações geométricas de acordo com a predominância.
Tipo de rodovia Gráfico 21
Pista dupla com canteiro central Pista dupla com barreira central
8,5% 2,5%
Pista dupla com faixa central
0,7%
Pista simples de mão única
0,3%
Pista simples de mão dupla
88,0%
Foi identifi cada uma extensão de 85.114 km (88%) de pistas simples de mão dupla. Há, ainda, 10.643 km (11%) de trechos com alguma separação física, seja barreira ou canteiro central, entre as pistas de tráfego de sentidos opostos. Em 704 km (0,7%), apenas a faixa central divide o tráfego, e as pistas duplicadas representam apenas 11,7% (11.347 km) do total.
4.6.13. PERFIL DA RODOVIA A avaliação do perfi l da rodovia é realizada segundo a predominância na unidade de pesquisa, a partir de características como aclives, declives e velocidade desenvolvida durante o trajeto. O perfi l ondulado ou montanhoso predomina em toda a extensão, sendo responsável por 67,2% (64.954 km) do total, conforme pode ser verifi cado no Gráfi co 22. Já o perfi l plano foi identifi cado em 32,8% (31.760 km) da extensão rodoviária analisada.
Perfil da rodovia Gráfico 22
Plano Ondulado ou montanhoso
32,8% 67,2%
73
4.6.14. CONDIÇÃO DA FAIXA ADICIONAL DE SUBIDA Em rodovias com um grande volume de tráfego e principalmente em trechos de subida, a presença de faixas adicionais serve de auxílio para que veículos mais lentos utilizem a faixa mais à direita, deixando a pista principal livre para aqueles mais rápidos. A presença destas faixas adicionais, além de possibilitar a redução no tempo de viagem dos veículos mais leves, pode também proporcionar uma diminuição no número de acidentes ligados a ultrapassagens forçadas, muitas vezes realizadas em locais proibidos. Desde a edição 2012 da Pesquisa, os trechos identifi cados com ocorrência da faixa adicional são registrados e mapeados por meio de sua localização por aparelhos de GPS. Pelo Gráfi co 23, verifi ca-se que foi identifi cada a presença da faixa adicional de subida em apenas 15,7% (15.158 km) da extensão total pesquisada, embora o perfi l das rodovias brasileiras tenha sido em sua maioria considerado ondulado ou montanhoso.
Faixa adicional de subida Gráfico 23
Possui faixa adicional de subida 15,7% Não possui faixa adicional de subida
84,3%
Além de verifi car a presença da faixa adicional ao longo dos trechos em análise, é realizada também uma avaliação do estado do pavimento onde há a sua ocorrência. Dos 15.158 km onde há faixa adicional, em 90,2%, a faixa adicional está em boas condições, e, em 9,5% (1.443 km), o pavimento está em estado defi ciente (Gráfi co 24).
Condição da faixa adicional de subida Gráfico 24
Faixa adicional em boas condições
90,2%
Faixa adicional em estado deficiente Faixa adicional destruída
9,5% 0,3%
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
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PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
4.6.15. OBRAS DE ARTE (PONTES E VIADUTOS) A identifi cação feita em relação às pontes e viadutos verifi ca a presença do acostamento e das defensas laterais e, assim como as faixas adicionais de subida, também são mapeados ao longo do percurso por meio de localização por GPS. Neste item, são avaliadas somente a ocorrência do acostamento e a integridade das defensas em toda a extensão da ponte ou do viaduto. Pontes e viadutos com acostamento e defensas laterais completas oferecem maior segurança ao condutor, evitando, assim, uma possível queda do veículo em caso de acidente e/ou amortecendo impactos laterais.
Obras de arte - pontes e viadutos Gráfico 25
Sem pontes/viadutos Pontes/viadutos com acostamento E defensas completas
47,3%
14,4%
Pontes/viadutos sem acostamento OU sem defensas completas Pontes/viadutos sem acostamento E sem defensas completas
33,5%
4,8%
O Gráfi co 25, mostra que, em 47,3% (45.784 km) da extensão, não foram localizados pontes e/ou viadutos nas unidades de pesquisa. Em 33,5% (32.367 km), identifi cou-se a presença dessas obras de arte, porém não havia acostamento ou defensas completas. Há de se destacar que, em 4,8% (4.637 km) da extensão, as pontes ou os viadutos não possuíam qualquer dispositivo de defensas ou acostamento, representando um risco potencial maior ao condutor durante a travessia.
4.6.16. CONDIÇÃO DAS CURVAS PERIGOSAS A presença de curvas perigosas ao logo da rodovia pode aumentar a chance de que ocorram acidentes, seja por erro do condutor, problemas no estado do pavimento ou condições de visibilidade. A análise das curvas perigosas é realizada segundo a sua ocorrência ao longo dos trechos e, havendo a ocorrência, é identifi cada a presença de placas de advertência legíveis e visíveis e da integridade de suas defensas ao longo de sua extensão total.
75
Após análise dos resultados, verifi cou-se a ocorrência de pelo menos uma curva perigosa em cada unidade de pesquisa em 42,4% (41.010 km) da extensão total.
Curvas perigosas Gráfico 26
SEM curvas perigosas
57,6%
COM curvas perigosas
42,4%
Analisando apenas os trechos onde foram identifi cadas curvas perigosas, apenas 11,2% (4.594 km) possuíam placas de advertências legíveis e visíveis, e suas defensas estavam presentes em toda a extensão – situação ideal. Um alto risco de acidente foi identifi cado ao se verifi car que, em 56,7% da extensão onde há ocorrência de curvas perigosas, não há placas de advertência nem defensas completas em sua extensão.
Condição das curvas perigosas Gráfico 27
Com curvas perigosas COM placas legíveis e defensas completas
11,2%
Com curvas perigosas COM placas legíveis e SEM defensas Com curvas perigosas SEM placas e COM defensas completas Com curvas perigosas SEM placas e SEM defensas completas
22,6%
9,5%
56,7%
RESULTADOS
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
76
PESQUISA CNT DE RODOVIAS 2013
4.6.17. PONTOS CRÍTICOS Ao longo do percurso, o condutor pode encontrar elementos que podem elevar significantemente o risco de que ele se envolva em algum tipo de acidente, além de ocasionar danos a seu veículo. Na Pesquisa CNT, esses elementos são classificados como pontos críticos, e a presença deles foi identificada, conforme Tabela 26, a seguir.
Pontos críticos - Extensão total pesquisada Tabela 26
Ponto Crítico Queda de barreira Ponte caída Erosão na pista Buraco grande
Nº de ocorrências 8 2 96 144
Foi identificado um total de 250 pontos críticos, sendo 8 quedas de barreira, 2 pontes caídas, 96 erosões e 144 buracos grandes que põem em risco a segurança de tráfego na rodovia.