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Cynthia Paludeto Eduardo Rafael Fregatto Suelen Soares Buzinaro

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Título: Portão 2 Copyright © 2013 por Cynthia Paludeto, Eduardo Fregatto e Suelen Buzinaro. Todos os direitos reservados.

autores Cynthia Paludeto Eduardo Rafael Fregatto Suelen Soares Buzinaro fotos Cynthia Paludeto Eduardo Rafael Fregatto Suelen Soares Buzinaro orientador Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva projeto gráfico e diagramação Gustavo Arakaki contatos cynthia_paludeto@hotmail.com eduardofregatto@gmail.com suelenbuzinaro@hotmail.com

Projeto Experimental do Curso de Comunicação Social Jornalismo 2013 Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

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DEDICATÓRIA “À todas as mulheres presas, e ao querido mestre Mário Ramires”.

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AGRADECIMENTOS Primeiramente, agradecemos às circunstâncias por ter nos unido neste projeto. O companheirismo que nos guiou no caminho certo em busca do mesmo objetivo. Foi um imenso prazer desfrutar de novas experiências juntos e debater opiniões e sentimentos a cada nova história desvendada. O projeto não teria a mesma produtividade se não fossemos três. Aos familiares, que acreditaram em nossa capacidade e apoiaram desde a escolha do tema até o nervosismo quando a redação não fluía. Ao orientador, professor e amigo Marcos Paulo da Silva, que incentivou a pesquisa e nos auxiliou com seu vasto conhecimento (e bom humor). Às agentes penitenciárias que nos ajudaram com as entrevistadas. E principalmente, às personagens principais desse livro-reportagem, as mulheres que cumprem pena no Estabelecimento Penal Irma Irmã Zorzi. Agradecemos por se abrirem diante das nossas lentes e gravador e por confiarem a nós suas trajetórias marcantes, seus segredos do passado, suas angústias do presente e desejos para o futuro. Obrigado por acreditarem em nosso trabalho e em nossas intenções. Obrigado!

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SUMÁRIO Prefácio....................................................................13 Introdução...............................................................15 Um

CORRÓ...................................................................17 Dois

MANGA..................................................................25 Três

AS FORASTEIRAS..............................................33 Quatro

PARTO....................................................................41 Cinco

ROBIN HOOD.....................................................47 Seis

ARTIGO 33...........................................................57 Sete

CHUNCHO...........................................................65

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Oito

A MISS........................................................................71 Nove

O CICLO....................................................................77 Dez

PORTテグ ABERTO.................................................83 Referテェncias Bibliogrテ。ficas.........................................85

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PREFÁCIO Vem do pensador culturalista Stuart Hall uma das mais sólidas definições da noção de identidade para o entendimento das relações sociais modernas: um alinhavamento entre “sentimentos subjetivos” e “lugares objetivos” ocupados no mundo social – uma espécie de “costura” que liga sujeitos dispersos ao pano de fundo das estruturas socioculturais. Tragicomicidade à parte, é justamente sobre um desses “lugares objetivos” mais funestos e que denotam a falência de perspectivas da sociedade brasileira que as próximas páginas se debruçam: o sistema carcerário feminino. Lembro-me como se fosse ontem da abordagem de três estudantes de jornalismo em um dos corredores da Universidade. O assunto era pontual: a orientação do projeto experimental de conclusão de curso. A conversa foi breve, em pé, enquanto caminhávamos rumo a uma sala de aula qualquer. Todo esse cenário era novo – e por que não dizer confuso? – para o jovem professor então recém-ingressado na instituição. Uma coisa, porém, estava bastante decantada na ideia ainda incipiente do grupo: a vontade de retratar com um olhar humanizado o cotidiano das mulheres que vivem sob a tutela estatal no Mato Grosso do Sul. O aceite do tema foi quase imediato, embora já se esboçasse nas entrelinhas a dimensão do desafio. O motivo, evidentemente, era nobre. Mesmo não detalhada no calor e daquela conversa inicial, uma questão estava latente – ao menos aos olhos do jovem professor: a complexidade da formação identitária daquelas mulheres que sequer poderíamos imaginar quem fossem. Personagens muitas vezes renegadas pela fragilidade econômica típica de uma sociedade altamente excludente e carente de oportunidades aos ocupantes da base da pirâmide. Mas não só isso. Mulheres também relegadas à margem da sociedade por questões

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de gênero – o machismo e a violência sexual – e não raramente por questões étnicas e geracionais. Variáveis realmente complexas presentes no “alinhavamento de sentimentos subjetivos” sugerido por Hall. As etapas à frente seriam diversas, muitas delas freadas pela lentidão da burocracia. Em primeiro lugar, ocorrera a escolha do estabelecimento penal que serviria de objeto para a pesquisa jornalística: o presídio feminino Irmã Irma Zorzi, localizado na região norte de Campo Grande. Um sem número de autorizações fez-se naturalmente necessário. Somado a isso, ofícios tiveram de ser redigidos numa linguagem que não é propriamente aquela das aulas de redação jornalística. Transpostos todos os obstáculos iniciais, entretanto, tantas outras tarefas despontaram no horizonte: visitas diárias ao estabelecimento penal, dezenas de personagens identificadas, longas entrevistas realizadas e um levantamento de dados que envolveu estatísticas e a própria legislação brasileira. Ao final, chegou-se a um retrato complexo daquelas detentas – mulheres que utopicamente a burocracia estatal insiste em chamar de reeducandas – que habitam o maior presídio feminino de Mato Grosso do Sul. A despeito de todas as limitações que um projeto de conclusão de curso possui em sua natureza, as páginas a seguir configuram um documento de relevo para a compreensão das histórias de vida que estão por trás dos números e das breves notas das seções policiais do jornalismo diário. Trata-se de uma narrativa construída a seis mãos e ousadamente assinada na primeira pessoa do plural. O futuro dirá sobre a validade e a consistência do livro. O trabalho será julgado por outros professores, por leitores comuns e talvez pelas próprias personagens entrevistadas, embora todos os nomes utilizados sejam fictícios. De certo, ficará a garantia de um trabalho elaborado com dedicação, seriedade e com a pluma leve da narrativa humanizada. Marcos Paulo da Silva – professor orientador.

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INTRODUÇÃO

O desafio é olhar para baixo A escolha deste tema, a vida e rotina das mulheres presas no Presídio Irmã Irma Zorzi, em Campo Grande, tem a ver com o impacto. Desvendar a realidade de uma população abandonada nos pareceu a reportagem perfeita para dar sentido aos quatro anos na faculdade de Jornalismo. Debruçamo-nos sobre estudos e estatísticas. As dificuldades enfrentadas pelas detentas chama atenção. De acordo com dados do Ministério da Justiça, Departamento Penitenciário Nacional (Depen), em 2011 existiam 20.179 vagas para mulheres em instituições penais brasileiras, mas 34.058 mulheres estavam atrás das grades. Em Campo Grande, atualmente cerca de 400 mulheres disputam espaço em um presídio projetado para abrigar 231 detentas. O perfil da mulher presa brasileira faz parte dos grupos de vulnerabilidade e exclusão social: a maioria tem idade entre 20 e 35 anos, é chefe de família, possui em média mais de dois filhos menores de 18 anos, apresenta escolaridade baixa e conduta delituosa que se caracteriza pela menor gravidade. A maioria das mães presas é formada por mães solteiras. (Relatório Mulheres Presas - Pastoral Carcerária). Menos da metade das mulheres presas recebe visitas. Mais de 60% foi abandonada pela família (Depen). Ainda segundo o Ministério da Justiça, 60% das presidiárias brasileiras estão atrás das grades por envolvimento com o tráfico de drogas. Em segundo lugar, 23%, são os crimes contra o patrimônio e apenas 7% estão presas por crimes contra pessoas. Em Campo Grande, 90% das mulheres estão enquadradas no artigo 33, isto é, pelo tráfico.

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Entrar no “Presídio Irmã Irma Zorzi”, todos os dias às quinze da tarde, câmera e gravador nas mãos, é uma tarefa difícil. Contudo, depois de uma semana, entrevistar prisioneiras se tornou parte do cotidiano. As perguntas se tornaram automáticas. “Qual crime você cometeu?”, entoávamos casualmente à entrevistada. Na verdade, perguntar nunca foi o problema. O mais difícil foi ouvir. Ser ouvinte da trajetória da mulher presa é ser obrigado a olhar para baixo e rever muitos privilégios. Entrevistamos nove presidiárias que ganharam nomes fictícios: Carol, Sabrina, Socorro, Irene, Estela, Juliana, Moira, Baltazar e Samy. Destas, três não estavam presas pela primeira vez. Para Sabrina, Carol e Irene, as regras da cadeia são velhas conhecidas. Juliana e Estela são as únicas com a pena perto de acabar. Em dez capítulos, cada um narrando um fato marcante da vida na prisão e antes dela, desvendamos o passado e as histórias marcantes das nove mulheres. Deixamos nossos privilégios e preconceitos no portão azul de entrada. Ao entrevistar Estela, a moça jogada nas ruas de São Paulo para viver à própria sorte, não fazemos mais julgamentos. O objetivo é conhecer Estela, entender sua história e escreve-la em um livro, para que o leitor compreenda a trajetória. Certo e errado se tornaram conceitos relativos. Esperamos que entendam a complexidade dos relatos de Estela e de tantas outras presidiárias que fazem parte dessa reportagem. Será preciso reconhecer privilégios e olhar para baixo.

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capítulo 1

CORRÓ

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Corró

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CORRÓ

C

hegar à fachada de um presídio com o desejo de entrar no local é uma atitude que gera desconfiança. É preciso bater, no mínimo, três vezes no portão azul de entrada até o guarda de plantão surgir em uma janelinha e perguntar, com olhar confuso, quem somos e o que queremos. “Porque alguém está me pedindo para entrar nesse lugar?”, é como se ele questionasse em silêncio. A mulher que chega escoltada pela polícia e espera no camburão preferia estar o mais longe possível daquele endereço. Os policiais também batem, no mínimo, três vezes no portão azul de entrada e aguardam permissão para conduzir a nova presa até o interior da cadeia. O guarda da portaria não precisa fazer perguntas com os olhos quando a nova detenta passa pela sua frente. Afinal, ela é uma pessoa sensata o suficiente para não desejar entrar ali, mesmo que não tenha escolha. O Estabelecimento Penal Feminino Irmã Irma Zorzi (EPFIIZ) está situado na Rua Uruguaiana, nº 563, bairro Coronel Antonino, em Campo Grande, capital do Mato Grosso do Sul. Este, que é o primeiro Presídio Feminino da capital, foi criado em 1986 para abrigar a população carcerária que crescia consideravelmente no Estado, ocupando muito mais que as únicas 50 vagas disponíveis na época. A sede atual foi inaugurada em 1994 e só então batizada como EPFIIZ. Sua primeira capacidade era para 180 presas. Em 2005, o número subiu para 216, e atualmente são 231 vagas, mas a instituição faz o impossível e o inadequado ao abrigar uma média de 400 internas. Ao adentrar com a permissão do guarda da portaria, o 19

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Portão 2 visitante tem celular e documentos confiscados. Nome, RG, horário e motivo da visita são anotados por uma agente penitenciária em um grande livro preto. A rotatividade das agentes é grande. A cada dia, no mesmo horário, uma mulher diferente está sentada na mesa de recepção. A sala tem estrutura precária, como se uma reforma tivesse sido interrompida pela metade. As paredes foram pintadas com pouca dedicação e o pedreiro deveria estar apressado, pois construiu uma rampa de forma precária. Sacos plásticos com centenas de pães amontoados estão em um canto da entrada, como se a padaria tivesse feito a entrega há alguns minutos e não houvesse lugar melhor para depositar a encomenda. Depois das informações sobre as visitantes devidamente registradas no livro preto, chaves e celulares são guardados em um pequeno armário e resta esperar até que outra agente destranque um segundo portão azul, que parece estar ali para reforçar ainda mais a distância entre o mundo exterior e a realidade prisional. Finalmente, alguém abre a segunda barreira. A primeira vista para dentro da cadeia é a de um pátio a céu aberto, com algumas coberturas e várias entradas. Na parede do lado esquerdo, há um altar tímido. O altar traz uma imagem da Irmã Irma Zorzi, escolhida para nomear a instituição por conta do seu trabalho humanitário dedicado à população carcerária. Mais à frente ficam as salas dos funcionários, incluindo da diretora do presídio, Mari Jane Boleti Carrilho, da psicóloga, assistente social e a enfermaria. Uma grade de ferro indica que ao final do corredor está o pavilhão de celas. A entrada ali é mais protegida. Uma agente penitenciária está sentada ao lado da grade. É um dos postos que precisam de vigilância constante, com rodízio das profissionais. Conhecemos uma simpática agente que nos guia pelo ambiente. Ela é a agente responsável pelo primeiro procedimento realizado na chegada das detentas, a identificação. Diariamente, ela dá as “boas vindas” para as presas, mas dessa vez nos recebe, os três estudantes curiosos. 20

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Corró Em sua sala pequena existem duas mesas e cadeiras. Na parede, o painel onde as presas são fotografadas. É simples, com o logo da polícia e marcações para medir altura, do jeito que aparece em qualquer jornal ou site policial. A identificação é importante porque muitas mulheres dão nomes falsos na delegacia, na tentativa de manter a ficha limpa e escapar do reconhecimento em caso de fuga ou reincidência no crime. O nome é checado e cada característica da presa é anotada. O perfil entra para o banco de dados da polícia. A pessoa está fichada para sempre. A agente relata sua rotina de trabalho. Fotografa a prisioneira, seu número no sistema prisional e detalhes que a diferenciem em uma abordagem na rua, como tatuagens e cicatrizes. Nessa hora, é necessário buscar as marcas pelo corpo da mulher. Ela garante que não há grande constrangimento. “Elas são tranquilas quanto a isso”, diz. As novas moradoras do Irmã Irma Zorzi são então encaminhadas à assistência social para fazer a única ligação à qual tem direito. Normalmente elas utilizam o telefonema para avisar a família sobre o local onde estão e o que aconteceu. A maioria não receberá uma visita sequer, mesmo após o apelo por telefone. A assistente social deixa o número do presídio à disposição para os familiares buscarem contato, mas são raras as famílias que retornam. Ainda na chegada, as detentas recebem uma sacola plástica, com objetos de uso pessoal como absorvente, papel higiênico, sabão em pó, entre outros itens de higiene. É o que chamam de kit. Os produtos não duram o mês inteiro e por isso as mulheres aprendem rápido uma lição que vem do mundo exterior: quem tem dinheiro vive melhor, até dentro da cadeia. As novatas inicialmente são alojadas em isolamento, para que seu comportamento seja observado durante cerca de um mês. As agentes analisam os perfis das mulheres e decidem em qual cela cada uma será colocada. Para evitar brigas e agressões, qualquer esforço é válido, inclusive ouvir a vontade da prisioneira. 21

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Portão 2 Na maioria das vezes, são elas que optam por qual alojamento desejam morar. Ou pelo fato de já terem alguma pessoa amiga presa ou por conhecerem o perfil do lugar. Para manter organização e um ambiente equilibrado, as detentas são divididas por afinidades. Existe o alojamento onde a maioria é fumante, outro em que a maior parte é evangélica, e assim são feitos os ajustes. O isolamento é apelidado pelas presas como corró. O desconforto do local é maior que o das celas comuns. Elas relatam que não existe televisão e nem ventilador. É um período de adaptação forçada à nova vida, que não terá facilidades. O choque de realidade pega muitas de surpresa. O choro diário pode ser inevitável. Outras perdem o apetite. A mulher acorda e percebe que não há nada para fazer, ninguém para conversar, são 24 horas de tédio e solidão atrás das grades. É quando elas tomam consciência da liberdade que lhes foi tirada. A quadra do presídio fica ao lado do pavilhão de celas. No presídio masculino de Campo Grande, as celas ficam abertas durante todo o dia e o acesso à quadra pode ser feito em qualquer horário. Mas no feminino, cada grupo de mulheres tem um horário específico para o banho de sol, que dura cerca de uma hora. O rodízio de horário facilita o controle das agentes. Para trás das grades ao final do pátio, estão os alojamentos. São 13 celas divididas em um grande pavilhão de corredor estreito. A vigilância é coordenada por uma agente penitenciária sentada com imponência na entrada. “É ela quem vê e precisa saber tudo o que acontece”, explica com simpatia a agente que nos mostra o lugar. As celas são equipadas com portas de ferro. As mulheres observam com misto de interesse seguido de indiferença pelas janelinhas em forma de triângulo que ficam nas portas. É como se surgisse a curiosidade em saber quem está passando, mas logo se dão conta que a informação não fará diferença nenhuma em suas vidas. Pelas passagens pequenas, dá para observar as camas, os objetos pessoais, as mulheres entediadas e as roupas penduradas 22

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Corró no alto e seguradas por pedaços de madeira. De acordo com o relato das presas, cada cela abriga cerca de 30 mulheres. Não há cama para todas. Quem chega por último, dorme no piso frio, a praia. Assim que uma sai para a desejada liberdade, quem está na cela há mais tempo ganha o direito a dormir na cama que ficou disponível, a jéga. Na parede, a listinha da fila está pregada, para evitar confusão. O pavilhão é grande, mas fica pequeno quando se pensa que são mais de 400 mulheres divididas em 13 ambientes não tão amplos. “É só esse pavilhão? Não tem outro?”. “Não, é só esse”, responde a agente simpática. “Mas então todas as mulheres estão aqui dentro?”. “Sim”. “Mas cabe todo mundo?”. De acordo com dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), do Ministério da Justiça, aproximadamente 34 mil mulheres cumprem pena no Brasil. Porém, existem cerca de 20 mil vagas no país.

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capítulo 2

MANGA

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Manga

capítulo 2

MANGA

S

ocorro é uma mulher de 41 anos. Rugas na face, expressão preocupada, olhos lacrimejante. Antes de se ver presa no Presídio Irmã Irma Zorzi, levava uma vida tranquila em Sinop, no Mato Grosso. Livrou-se do marido agressor e vivia sozinha desde então. Com quatro filhos criados e independentes, os dias iam bem até receber um diagnóstico de câncer de mama. Sobrevivendo da renda como diarista, se desesperou. Não tinha dinheiro para bancar tratamento particular e não aguentou esperar pelo atendimento público do SUS (Sistema Único de Saúde). “O câncer de mama dói demais”, alega. Estamos em uma sala indicada pela agente penitenciária. Um ambiente pequeno, com três cadeiras e duas mesas. Há um computador de modelo ultrapassado e um ar condicionado que funciona bem no calor intenso de Campo Grande. São 16 horas, a sala está desocupada. A maior parte do expediente do presídio termina às 14 horas. Depois disso, apenas os plantões de vigilância continuam. É nessa salinha que as detentas abrem sua intimidade e revelam detalhes de suas vidas. Socorro entra confusa, sem saber por que foi chamada. Aparenta cansaço. Os cabelos pintados de loiro presos sem muito capricho, a cabeça baixa, parece ter chorado pouco tempo antes. A diarista relata que foi presa quando transportava drogas de Dourados para Cuiabá. Ganharia mil reais pelo serviço como mula. Estava de passagem por Mato Grosso do Sul na volta de uma viagem que fez a Cascavel, no Paraná, para visitar a filha e realizar exames em um laboratório de confiança. Uma estranha 27

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Portão 2 se aproximou enquanto aguardava o ônibus na rodoviária de Dourados. “Ela conversou comigo e pra que eu levasse uma mala para Cuiabá”, relata. “Eu perguntei o que tinha dentro, ela disse que era droga. Eu aceitei na precisão de ganhar aquele dinheiro”, diz, em discurso misto de justificativa e arrependimento. Foi flagrada no desembarque na rodoviária de Campo Grande, onde faria conexão até a capital do Mato Grosso. Como a maioria das mulheres no Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi, foi abordada e algemada por tráfico de drogas, artigo 33 da Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006. A pena prevista é reclusão de cinco a quinze anos. Socorro aguarda decisão judicial sobre seu caso. “O juiz ainda não me chamou, mas eu precisava do dinheiro para custear os remédios”, afirma. Dentro da instituição penal, a diarista ainda se sacrifica por dinheiro. Ela é uma manga. Depende do serviço como doméstica para ter acesso a itens básicos de higiene como sabonete, absorvente e papel higiênico. Também trabalha a troco de roupas e calçados. “Preciso voltar logo pra terminar meu serviço”, avisa preocupada. Ela lava, passa, prepara café e faz faxina para outras internas de sua cela. Ganha alguns trocados ou troca sua mão-de-obra por alguns produtos que as outras têm e ela não. “Eu tenho que trabalhar pra ganhar algum dinheiro, porque não tenho nada”, lamenta. Nos primeiros dias, passou frio, pois não tinha um cobertor que a esquentasse. A hierarquia do trabalho informal que ocorre dentro das celas é determinada pelo portão dois. Quem recebe portão dois, não precisa trabalhar. Quem não recebe, se vê encurralada. Na maioria das vezes, torna-se mais uma manga. O portão dois acontece toda quarta-feira da semana. Parentes e amigos vão até o presídio e enviam encomendas para a presa. Muitos itens, como bolachas recheados e frascos de perfume, não entram. O objetivo é evitar que drogas, celulares, armas e outros objetos proibidos entrem em meio às encomendas. As agentes revistam todas as sacolas antes de permitir a entrada para o pavilhão. 28

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Manga Os familiares aguardam em fila do lado de fora do presídio, debaixo de sol. Comida, dinheiro, roupa, calçados e produtos de higiene são entregues. Há detentas que recebem o portão dois toda a semana, outras esporadicamente. E existem aquelas que jamais receberam um objeto ou alimento sequer. Como a família está longe, dois filhos em Sinop e os outros dois no Paraná, Socorro diz não ter ninguém que possa lhe ajudar. “Eles são muito ocupados, não podem vir me ver”, explica, conformada com a sensação de abandono que carrega. O contato com a família é difícil. “Eu não lembrava nenhum número pra ligar. A psicóloga conseguiu achar minha filha, deixou o número daqui pra ela retornar. Mas tem hora que ela liga e não podem me chamar. Vou esperando, né?”. Mesmo sentindo dores nos seios, segue com suas faxinas. Vez ou outra alguma companheira de cela oferece ajuda. “Quando não tenho forças pra torcer o pano, me ajudam”. Nas noites de dores e febre alta, depende da farmácia do presídio. “Quando eles têm remédio, dão. Senão tomo um banho e espero o febrão passar”, relata. A alimentação de quem não tem portão dois também fica comprometida. Socorro depende das três refeições oferecidas pela instituição: café da manhã, almoço e jantar. Ela narra a humilhação por não ter uma bolacha salgada para comer quando sente fome. “Eu vejo as meninas comendo e me dá muita vontade. Algumas vezes me dão alguma coisa pra comer, mas não gosto de pedir, porque é delas”, declara aos prantos. Socorro agradece, ao menos, pelas marmitas contarem com comida bem preparada. As detentas mais antigas relatam que pouco tempo atrás era servida a chamada carne de monstro. Uma carne de gosto e aparência esquisita que ganhou fama com o apelido tragicômico. “Quando vinha um bife ou frango, a cadeia tremia de felicidade”, revela uma presidiária há mais tempo na instituição. Agora o presídio tem acompanhamento de um nutriocionista. 29

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Portão 2 “Na maioria dos dias, a comida é até boa”, confirma Socorro. Na cela ao lado, vive Baltazar. Seu nome de batismo é Elza, mas em seguida avisa: “prefiro ser chamado como Baltazar”. Camiseta e calção largos, cabelo curto, chinelo nos pés e boné na cabeça. A identidade masculina foi adotada dentro da cadeia. Preso, com muito pouco a perder, resolveu parar de viver um teatro. “Eu tinha cabelo grande, era uma moça reservada. Mas aí pensei ‘quer saber? Vou assumir o que eu sou e já era’”, revela, claramente orgulhoso pela decisão tomada. Ao contrário de Socorro, o falante Baltazar recebe encomendas pelo portão dois quase todas as semanas. A ajuda vem da irmã, Elba, que lá fora cuida de sua filha e administra seu dinheiro. Quando fala da irmã, Baltazar muda o tom de voz. “É ela quem cuida da minha filha lá fora”, diz numa tonalidade carinhosa, como se agradecesse Elba enquanto fala. Baltazar é aposentado por invalidez. A quantia que lhe é enviada semanalmente o coloca em posição de poder dentro do pavilhão. Muitas mulheres o procuram para pedir dinheiro emprestado. A recusa é certa. “Eu digo que não tenho. Elas não pagam. E esse tipo de pessoa quer dinheiro para comprar entorpecente”, acusa. Mesmo com a condição financeira relativamente confortável, o preso trabalha diariamente como lavador de galão para remissão de pena. A cada três dias trabalhados, menos um na cadeia. Pelas agentes, ele é descrito como “perfil problemático”. Já se envolveu em diversas brigas. “Eu sou terrível”, admite. “Tenho 34 fortes e 36 desacatos”. Possuir fortes significa ter sido enviado para o isolamento após se envolver em brigas ou atos ilícitos. O período de reclusão depende da gravidade da falta cometida. Celulares e drogas escondidos são faltas gravíssimas. Ano passado, por conta de uma confusão qualquer, Baltazar apanhou de várias mulheres a ponto terminar machucado e caído no chão. “Fui chutado como um porco”, recorda. Mas garante que mudou. “Eu me achava o rei da cocada branca, gostava de 30

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Manga desacatar as autoridades. E agora Deus mudou minha vida. Graças ao meu bom Jesus eu estou boa. Ninguém é obrigado a gostar de ninguém”, ensina. O detento avalia que o trabalho, unido à religião, mudou seu comportamento agressivo e revoltado. A depressão acabou quando passou a frequentar as “missas atrás das grades”, como descreve. “Eu me apeguei muito a Deus e a partir daquele momento comecei a mudar minha vida. Frequento a Igreja Católica. Antes eu ia ao culto da Universal, mas não sentia nada”. As missas e cultos são semanais, mas pastores, padres e grupos religiosos vão com frequência ao presídio, visitar as presas e fazer orações. Festas com grupos gospel são recorrentes. Já os trabalhos disponíveis são disputados. São poucas vagas. As interessadas se inscrevem e são escolhidas por critérios como bom comportamento e tempo de reclusão. Sabrina, uma presidiária reincidente que trabalha como faxineira, e Baltazar conseguiram suas vagas e andam quase que livremente pelo pátio, onde realizam suas tarefas. Após fazer carreira dentro do presídio com diversas brigas e confusões, Sabrina decidiu que trabalhar seria um passatempo mais produtivo. “Me deixa bem, meu psicológico tem que ficar pra fora. É aquele ditado, ‘mente vazia, oficina do diabo’, e lá dentro fica aquele zunzunzun”, justifica, ao falar das fofocas e intrigas que permeiam as celas. São os caquetas – fofoqueiros – que a incomodam. Existe o setor de artesanato, chamado por elas de caixinha. É um dos trabalhos remunerados exercidos no presídio. Apenas as trabalhadoras das caixinhas, da cozinha e da costura recebem salário, pois são empresas privadas que terceirizam o serviço. É um salário mínimo que faz muita diferença para as que recebem. As outras funções servem para a remissão de pena, além “ocupar a cabeça”, como elas destacam. Quem trabalha, sai da cela de dia e volta ao anoitecer. O presídio também oferece às reeducandas curso de manicure 31

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Portão 2 e cabelereiro, além de possuir estrutura para que cumpram o ensino escolar regular. “Muita gente se inscreve, mas desanima depois”, diz Samy, uma jovem detenta que participou de várias atividades e pretende trabalhar no ramo da beleza quando sair da cadeia. Aos 23 anos, Samy recebe apoio da família e vários produtos e dinheiro pelo portão dois. Por ficar o dia todo no trabalho no setor de enfermagem ou dedicada a cursos que lhe interessa, contrata uma manga, como Socorro, para fazer sua parte do serviço de limpeza na cela.

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capítulo 3

AS FORASTEIRAS

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As forasteiras

capítulo 3

AS FORASTEIRAS

O

presídio acorda às 5 horas da manhã. As mulheres que trabalham seguem para os seus afazeres. A outra parte continua na cela, contando os minutos e as horas, vendo o tempo passar. A exceção é aos domingos, o dia de visita. Mas não para todas. As visitas são para poucas. As penitenciárias femininas do Brasil são “um cemitério de mulheres vivas”. A descrição é da presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro (CPERJ), Maíra Fernandes, em entrevista concedida em julho de 2013 para a Rádio Agência Nacional. “Os homens quando são presos, recebem as visitas das suas mulheres, das suas mães, das suas filhas. E as mulheres quando são presas, não recebem visitas de ninguém. Ficam lá completamente abandonadas. É uma absoluta solidão”. De acordo com relatório Diagnóstico Nacional Mulheres Encarceradas, do DEPEN, 62,06% das reenducandas não recebem visitas sociais. O descaso é ainda maior em relação às visitas íntimas: 90,32% não são visitadas pelos parceiros. No Irmã Irma Zorzi, apenas uma mulher tem visita íntima. A detenta Sabrina sentiu os dois lados da moeda. Perdeu a mãe aos oito anos e desde então foi criada pela avó. Em sua quarta cadeia, já não recebe ninguém aos domingos. Mas nem sempre foi assim. Em 1995, presa pela primeira vez na vida, recebia familiares todos os domingos. “Minha vó não falhava uma semana” lembra, em um dos poucos momentos em que, por recordar a avó, a seriedade aparece em sua expressão. Sabrina é uma mulher que aparenta ter mais idade do que seus 39 anos. Acumula muitas marcas de expressão e aparência 35

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Portão 2 frágil. Os cabelos pintados em vermelho são desgrenhados e presos para cima. Apesar da fisionomia cansada, demonstra força e muito bom humor. Por vezes, a fala é desconexa. Consumiu pasta-base por muitos anos. Autodenomina-se “vida loka”. “Eu sempre tive uma vida torta”, afirma, como quem se queixa de um problema sem solução. Emociona-se ao lembrar que sua avó, falecida, já viajou o estado atrás da neta. Em uma rebelião ocorrida em 1997, Sabrina foi transferida de Campo Grande para Três Lagoas, mas a informação repassada para seus familiares foi a de que estaria em Ponta Porã. Ao chegar à fronteira, a avó foi informada do destino correto da neta, e então seguiu viagem até o presídio de Três Lagoas. O ato ainda a comove. De origem pobre, a morte sempre fez parte dos acontecimentos de sua trajetória. “A revolta por ter perdido meu irmão e minha mãe me fizeram desacreditar da vida”, diz. Ela nunca teve contato com o pai. Com melancolia, deixa transparecer a admiração e também o ressentimento que sente pela mãe, com quem conviveu pouco. “Eu acho tão bonito quem tem mãe”. De uma família de cinco irmãos, vivia com a avó e sempre fugia para ir aos bailes. Com 12 anos, começou seu envolvimento com as drogas. Aos 15, engravidou da primeira filha. Mãe de três, ela ressaltou que durante toda gravidez sempre se manteve lúcida e fez os tratamentos necessários. “Pensava que tinha um anjo dentro de mim, eu podia fazer o que quisesse comigo e com meu corpo, mas com aquela benção não, eu tinha que cuidar”, pontua com convicção. O vício jamais venceu a preocupação com a gravidez. Sabrina passou por um dos seus momentos mais difíceis no início de 2013. A filha morreu em um campeonato de tereré – bebida típica do Mato Grosso do Sul – após ingerir grande quantidade de água. O fato foi noticiado na imprensa campograndense. Em nenhum momento deixa dúvidas de que perdeu a filha preferida. “Meu anjinho”, descreve. 36

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As forasteiras A mãe conseguiu autorização para ir até o velório da filha. Ela ainda perambula pelo presídio segurando uma camiseta nas mãos. Tem na estampa a foto da filha, sorrindo. Com um filho preso por tráfico de drogas e outro que não mantém contato, a única pessoa que visitava Sabrina, seu anjinho, faleceu. Para passar o tempo, ela se distrai com o trabalho como faxineira dentro da prisão e busca força na religião. A morte da filha ainda a abala muito, mas traz novas perspectivas. Ela conheceu a neta recém-nascida no velório da filha. Quando cumprir sua pena, quer arrumar um emprego para cuidar da criança. “Ela é igual minha menina quando bebê”, destaca com a voz embargada. Quem não recebe visitas é apelidada pelas companheiras de forasteira. Irene, 61 anos, uma idosa de fala simples e terço no pescoço, é uma das inúmeras inúmeras mulheres nessa condição. A sua mãe mora no bairro Aero Rancho, em Campo Grande, mas nunca a visita. Os irmãos também não dão sinal de vida. Um dos filhos, Cristiano, costumava procurar Irene, mas sumiu. “Faz seis meses que ele não vem, eu nem sei o motivo”, comenta. Irene teve infância e adolescência difícil. Trabalhava na roça para ajudar na renda da família. Acusa o pai de explorar sua mãode-obra. “Eu era a filha que mais trabalhava. Tenho vontade de saber por que”, afirma. “Era muito maltratada quando pequena. Apanhava muito”. As histórias de infância e adolescência violentas se repetem. Baltazar apanhava dos irmãos. Era filho adotivo e sofria por ter dificuldades na escola. “Meus irmãos me batiam por eu não consegui fazer contas”, revela. Carolina, uma jovem sorridente de 24 anos, acompanhou ainda criança o sofrimento da mãe, que apanhava do pai alcoólatra. Estela, 29 anos, outra detenta, sofreu abuso sexual do padrasto. A mãe duvidou da acusação da filha e a expulsou da própria casa. Estela foi morar nas ruas. A idosa Irene lembra o pai com ressentimento. “Queria que eu 37

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Portão 2 ficasse na roça com ele”, diz, enigmática. “Quero chegar na minha mãe quando sair daqui e perguntar várias coisas”, completa, sem revelar mais do que o passado esconde. Irene, Estela, Carolina, Socorro e Sabrina são forasteiras. Elas dizem que entendem os motivos dos familiares. “Minha mãe não tem dinheiro pra vir aqui, e ela está ocupada cuidando dos meus filhos”, justifica Estela, que é de Santos, litoral de São Paulo. “Acho que eles não precisam vir me ver. Daria trabalho pra minha mãe vir aqui”, alega Irene. “Mas se fosse um filho seu que estivesse preso, você iria visita-lo?” “Todos os dias”, responde. As visitas dão forças para Samy, enfrentar os dias na prisão. “Para quem não tem visitas como eu, é mais difícil”, reconhece. A realidade da jovem destoa das outras detentas. De família com bom poder aquisitivo, a infância não é marcada por grandes traumas ou episódios de descaso e maus tratos. Aos 7 anos, presenciou a separação dos pais. Resolveu morar com o pai, pela maior afinidade. Relata a situação com tranquilidade. Quando foi presa, tinha certeza que não veria a família. “Pensei que meu pai nunca fosse vir”, admite. A surpresa a levou às lágrimas. “Ele foi o primeiro que chegou. Só estava eu e ele na quadra”, recorda. “Nunca tinha visto meu pai chorar”. A maior saudade é dos filhos. A visita de crianças acontece aos sábados, não aos domingos. Após quatro meses sem vê-los, no sábado anterior eles haviam visitado a mãe. Samy utiliza muitas vezes o recurso da mentira para as crianças. “Sempre falo que vou sair no Natal, para poupar a dor deles”. E os filhos voltam na próxima visita com cobranças. Perguntam por que a mãe não estava presente na data combinada. Juliana recebe visitas da última pessoa que esperou se importar com sua situação. A relação com a mãe sempre foi conturbada. “Nunca tive mãe presente”, afirma em tom de acusação. 38

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As forasteiras Ela credita à mãe a culpa por sua adolescência tumultuada. Aos 18 anos, Juliana está presa. Largou a escola na sexta série do ensino fundamental. Sem a mãe por perto, saía todas as noites. Aos 13, se casou com um rapaz de 33. “Uma aventura”, analisa. “Talvez ele me manipulasse”, admite receosa. A jovem reforça a todo o momento a falta de atenção que sentia da mãe, que para trabalhar a deixava na casa da avó. “Ela nem ligou quando eu falei que ia casar com um homem mais velho”. Morava com o marido quando se tornou vítima de agressões domésticas. Descobriu traições e entrou em depressão. Nas drogas, como a pasta-base, buscou alívio e fuga das suas emoções dolorosas. Conta que deixava os três filhos vendo televisão ou dormindo, e ia consumir a droga. “Nunca fumei na frente deles. Eu não faria isso”, garante. Ao ser presa, decidiu separar-se do marido, que jamais foi vê-la. Agora, suas visitas se resumem à sua mãe. A relação difícil encontrou trégua justamente no momento mais complicado de sua vida. “Eu fico muito feliz e emocionada. Quando sair daqui, vamos ter uma relação diferente. Ela provou que gosta de mim”, reflete.

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Parto

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sorridente Carolina é uma das gestantes que ocupa a cela das grávidas e das mães com bebês dentro do presídio. A enorme barriga não esconde os oito meses de gestação. Morena de cabelos encaracolados, Carol é jovial e despojada. Sentase na cadeira com as pernas abertas, abre um sorriso. Ao falar, usa gírias. As palavras saem rapidamente, como se não houvesse tempo a perder. “São oito grávidas e quatro mães que tem bebês”, conta. Descreve a cela especial, onde todas as ocupantes dormem na jéga e não na praia. Também é a única equipada com chuveiro com água quente. Até recebiam algumas regalias. A comida da copa, isto é, as sobras das refeições das agentes penitenciárias, eram entregues para as grávidas e mães recentes. Mas perderam o benefício. “Teve briga no nosso alojamento e elas (funcionárias) cortaram. Então a gente tá procurando ser mais unida pra ter essas regalias, entendeu? Porque a comida do presídio tem dias que não dá pra comer mesmo”, relata. Carolina, que logo se torna Carol durante a conversa, espera o quarto bebê. Os dois primeiros filhos que teve eram cuidados pela avó, mas foram parar em um abrigo. “O pai deles foi na casa da minha mãe e estava bêbado e drogado. A assistente social viu aquilo e deu abandono de incapaz porque eu não tava lá”, narra. A terceira criança nasceu depois e a avó ainda tem a guarda. Agora, o maior medo de Carol é de se separar do bebê que está para nascer. Ao completar seis meses de vida, os pequenos não podem mais ficar no presídio e são entregue para os familiares. Se não houver ninguém para cuidar, vão para um abrigo. A jovem 43

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Portão 2 aguarda decisão judicial sobre seu caso. “Já faz três meses que eu tô esperando resposta da juíza”, comenta. Espera ser solta antes do parto. O presídio oferece assistência para as grávidas. Um médico as atende toda quarta-feira. Em casos de exames ou emergência, são levadas para o posto de saúde que fica na esquina. Se a mulher passar mal, o socorro pode demorar. Nesses casos, a cadeia treme. Todas as presas batem nas grades até a escolta chegar e encaminhar a presa para o hospital. Nos postos, as pessoas se afastam de Carol. É comum mães puxarem os filhos pelas mãos quando ela passa algemada. Até os policiais se incomodam com os olhares de reprovação. “Quando fui fazer ultrassom, o policial ficou tão indignado que eu tive que esperar o médico chegar dentro da sala, porque tava todo mundo olhando na recepção. O policial me falou: ‘parece que você tá com penico na cabeça’”. Carol não faz ideia de como irá se virar quando seu filho chegar. “Eu não sei, as meninas ajudam, mas não é como quando você tá em casa, né”, avalia. A detenta Estela é companheira de cela de Carol. Uma mulher negra, pouco acima do peso, de expressão séria e triste. Segura nas mãos um paninho amarelo, daqueles que as mães usam para limpar a boca do bebê. Nos braços, tatuagens com o nome da mãe e dos cinco primeiros filhos. Teve seu sexto quando estava presa. Viveu momentos de angústia. Na noite anterior ao parto, foi encaminhada pela escolta para a Santa Casa de Campo Grande. Passou a noite internada e com dores. Ao amanhecer, o médico avisou que não faria a cirurgia de cesárea. “Ele falou que não ia fazer meu parto, porque não iria se responsabilizar pela bomba que poderia acontecer”, lembra. Seria a sexta cesárea de Estela. É uma operação de alto risco e o médico se recusou a executa-la. “Ele falou aquilo para mim, e eu fui me vestir cheia de dor. Foi humilhante”, define. Com dores, Estela foi encaminhada para 44

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Parto outro hospital, a Maternidade Cândido Mariano, onde seu sexto bebê nasceu por meio de uma cesárea. Mãe e filho passaram bem pela cirurgia. Os bebês não podem ficar com as mães dentro das celas durante o dia. Eles ficam em uma creche localizada dentro do presídio. São cuidados por outras detentas, que trabalham no local para remissão de pena. O espaço do berçário é garantido por lei, como local onde as mães possam amamentar as crianças. Entretanto, em 12,5% dos casos, as mães ficam longe dos filhos durante o dia. São chamadas várias vezes para amamentar, e depois retornam às celas. Estela chora ao falar da distância. “Eu queria estar cuidando, estar dando banho, estar trocando, mas a creche é o melhor lugar para ele”, afirma. Nas celas, segundo as antes, o calor é intenso e pode prejudicar a saúde dos pequenos. O espaço da creche é uma sala pequena com três berços e vários brinquedos e ursos de pelúcia. As paredes têm decoração colorida. Estela busca seu filho todos os dias às 16 horas. As detentas se despedem com carinho. Estela sorri ao pegar o pequeno no colo. Apesar das dificuldades, a sua maior angústia foi superada. Ela não terá que dizer adeus para o filho. “Minha pena é de um ano e dois meses. Vai fazer um ano agora, aí só restam dois meses e eu vou conseguir ir embora com ele”, conta, em um dos raros momentos em que esboça um sorriso. “E com fé em Deus, do tanto que chorei”. A detenta já acompanhou outras mães se despedindo dos bebês. “Parece que arranca um pedaço da gente, só de ver um indo embora, é bastante triste”, relata. E resume: “A coisa que temos de mais preciosa são os nossos filhos”.

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Robin Hood

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E

le era pequenininho. Um garoto de oito anos, magro e muito judiado, que pedia dinheiro no semáforo para comprar drogas. “Um menino que deveria estar brincando de carrinho”, mas estava jogado nas calçadas acendendo a lata para fumar pasta-base. Os viciados mais velhos não tinham pena da criança que se virava sozinha morando na rua. Aproveitavamse de sua fragilidade infantil e roubavam o dinheiro coletado pelo garoto. Viciado, dormindo no concreto, o pequenininho teve que descolar uma nova maneira para conseguir sustentar o seu vício. À noite, subia no teto das lojas da região central de Campo Grande, se esgueirava por alguma janela oportunamente deixada aberta e levava embora o dinheiro do caixa. Sem desejo de vingança, talvez pela ingenuidade típica de uma criança de oito anos, distribuía o dinheiro no chão da Praça Ary Coelho. “Fulano, toma, toma”, e jogava as moedas dentro do chafariz. Os “companheiros” da rua, aqueles mesmos que o roubavam ou o assistiam sendo roubado sem lhe oferecer ajuda, não hesitavam em aceitar o gesto de generosidade. “Tinha esse amigo que era o Robin Hood das ruas”, narra a detenta Carolina, que morou nas vias do centro de Campo Grande durante oito anos. Aliás, Robin Hood, a figura mundialmente conhecida, é um herói mítico inglês, um “fora-da-lei” que roubava da nobreza para dar aos pobres, aos tempos do Rei Ricardo Coração de Leão, no século XIII. Nas ruas, Robin Hood é o viciado que furta o comércio popular e compartilha o dinheiro para comprar a droga. O Robin Hood campo-grandense está morto. Já não era mais o garoto de oito anos quando foi traído pela mina em quem 49

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Portão 2 confiou. “Ele roubou um revólver e deu para essa mina, e ela deu o revólver na mão do marido. O marido matou o Robin Hood com o próprio revólver”, explica Carol rapidamente, com a naturalidade de quem já lidou com a morte de perto mais do que os dedos das mãos podem contar. Quando se vive na rua, a morte é mais certa que o dia seguinte. Carol presenciou o fim trágico de vários amigos e inimigos. “Sem falar dos que morreram enforcados na (prisão de segurança) máxima e de quem foi queimado na rua”, acrescenta casualmente. Foi morar nas ruas em 2004, aos 15 anos, quando abandonou a escola e conheceu a droga por meio de amigos. “Eu invernei na droga”, afirma. Relata suas histórias da rua com vivacidade, como se achasse graça em ver as reações dos repórteres a uma realidade tão distante. “Eu ficava ali vendo as pessoas entrando no serviço de manhã. Chegava seis da tarde, o povo saindo do serviço e a gente sentando, fumando, arrumando lata, pipa e cachimbo”. Resgatada pela tia, a jovem tentou voltar a uma vida tranquila, entre quatro paredes, mas as recaídas sempre a levaram de volta para o centro de Campo Grande. “Se você tem uma recaída é pior ainda”, admite. Ser incendiado vivo é o fim “comum” para quem tenta lesar um comprador. “Existe aqueles que não têm a droga, mas quer vender, então vende uma raspa. Quebra um giz e passa giz como se fosse droga... a gente chama de máfia. A pessoa que compra (a raspa) vai voltar furioso”, relata Carol, que explica calmamente a punição para quem vende droga falsa. Afinal, não existe Procon para o tráfico. Cada noite dormida na rua é um risco assumido. Os tiros podem vir de todos os lados. Dos traficantes, dos viciados ou dos que deveriam proteger os cidadãos. Mas drogado que dorme em papelão é cidadão? “Já escapei de tiro (que passou) do meu lado. Cena de louco mesmo”. Para se proteger, o ideal é encontrar uma casa abandonada, o que ainda não é garantia de acordar inteiro no dia seguinte, ou 50

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Robin Hood sequer acordar. “Você acha casa abandonada pra dormir, aí corre risco de aparecer bicho ou tarado”, avalia Carol, que felizmente não teve esse azar. E se a pessoa tiver rixa com alguém, é capaz de levar pedradas durante o sono. Despertar também pode ser uma situação desconfortável. “A polícia chega e te dá uma bicuda”. De acordo com Carol, bicudas da polícia eram corriqueiras, entre outras agressões mais pesadas. “Toda vez que me abordavam eles queriam me dar uns colo, cansei de levar uns socos, umas borrachada”, revela, como se a dor que sentiu fosse uma lembrança indiferente. A impressão é de que as presidiárias não se consideram mais cidadãs e, mais importante, não se consideram seres humanos. Isto é, elas aceitam qualquer injustiça, porque não há mais autoestima e nem forças para revidar. Segundo os relatos, os fardados dispersavam e tentavam afastar os moradores de rua do centro. Havia regiões em que os flagelados eram encurralados pela polícia. “Quando eles fechavam a rua do Camelódromo era onde (a gente) mais apanhava, eles fechavam a rua de um lado ao outro”, conta. “Você já sabia que a taca ia ser nervosa. Mas era só virar a esquina que a gente já tava lá tudo de novo”, diz Carol, que acha graça da situação gato-e-rato que se repetia diariamente. Por mais que tentassem – e ainda tentam -, as autoridades não conseguem expulsar os moradores de rua das ruas (por mais irônica que possa ser tal afirmação). Os pontos de droga mudam, mas não acabam. “Antes era na praça e na (antiga) rodoviária, aí quando fechou a rodoviária o pessoal foi tudo pra praça, aí fechou a praça e eles foram pra a Quinze (de Novembro)”, explica Carol. “Sempre tem alguém vendendo droga, não acaba”. O tráfico das ruas é de simples entendimento. O patrão (traficante) chega com as paradinhas (drogas) prontas para a venda. O viciado se oferece para vender as drogas e precisa voltar com o dinheiro do patrão. “Você vende droga, três é sua e sete é dele”, esclarece Carol. Se não entregar o dinheiro corretamente, 51

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Portão 2 é melhor desaparecer por uns dias e só retornar quando tiver a quantia certa. Caso contrário, é mais uma chance de morrer de forma trágica nas ruas. Outra forma de “ganhar” a vida nas ruas é cuidando de carros estacionados no centro. Independente de qualquer coisa, o mais importante é conseguir a droga. Comida e água são as menores preocupações. É só “dar um jeito”. A fissura pela droga e, no caso de Carol, pela pasta-base, se torna uma necessidade física e deixa de ser um ato transgressor pela busca de adrenalina e de sensações alucinógenas. “Eu tava numa situação que não fumava mais pra sentir a adrenalina da droga. Fumava, como dizia uma menina, ‘só pro sangue mesmo’”. Carol relata que todo tipo de usuário aparece no centro para adquirir drogas. Ricos, famosos, médicos, políticos e outros indivíduos que, ingenuamente, a sociedade não imagina que sejam consumidores de entorpecentes. Existe um trato não verbal entre os “figurões” e os traficantes. Nenhuma das partes tem interesse em incriminar a outra. Há muito a se perder. Para os primeiros, a reputação e o prestígio social. Para os últimos, a liberdade e até a própria vida. “A gente fica com medo, mas eles ficam com mais medo ainda da gente revelar que eles tão usando droga”, comenta, com malícia, demonstrando prazer pelos poucos momentos em que não se sente em desvantagem perto de alguém com mais poder econômico e social de que ela. Para moradores de rua e usuários de drogas, saber o segredo de um homem da alta sociedade é um verdadeiro e único privilégio. Mesmo que no final das contas não sirva efetivamente para nada e não traga nenhuma vantagem ou melhora para a vida dessas pessoas. Os ricos também são usuários, mas não precisam morar nas ruas e não sofrem preconceito no interior de seus carros de luxo. Carol parece não ter essa percepção de desigualdade e injustiça. Ela se culpa. “O viciado perde o caráter, vergonha na cara e a gente não tava nem aí...”. Seu marido, que também está preso, morou na rua desde os 52

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Robin Hood oitos anos de idade. Hoje tem 27. A infância e a adolescência fora de casa moldou a personalidade do rapaz, que é descrito como alguém “quieto e de poucas ideias”. “Eu tenho mais sensibilidade, ele já não tá nem aí pra ninguém, não gosta de ser muito caridoso com as pessoas”, descreve. Pelo modo cauteloso e reflexivo com que descreve o companheiro, ele provavelmente desperta na menina um misto de medo e respeito. A detenta não esconde as situações de violência entre o casal. “A gente brigou uma vez só de sair no soco, mas os dois ficou feio”, revela. “Depois disso a gente impôs um pro outro que não era mais pra ter agressão entre nós dois”, destaca em seguida. Mesmo morando nas ruas, Carol dava um jeito de se arrumar vez ou outra. Junto de um amigo “afeminado” (ela faz questão de destacar essa característica do rapaz) furtava roupas e cremes das lojas mais sofisticadas. “A gente anda na rua, mas a gente anda nos pano”, afirma, ao se divertir com a história. A precária higiene tinha que ser feita em torneirinhas disponíveis nas calçadas. Eles se cobriam com papelões, mas os banhos quase sempre não traziam resultados satisfatórios. “Às vezes (a gente) ficava sujo, porque tem que tomar banho, depois torcer a roupa e usar molhada, aí encosta na rua e se suja de novo”, explica. A falta de higiene e o vício em drogas trouxeram consequências sérias que são marcas para a vida toda. A perna de Carolina tem a cicatriz de um ferimento ignorado. Ela não sabe a origem das feridas. Na rua, ela não se preocupava com a própria saúde. “Minha perna tinha um buraco enorme e eu usando droga. Tinha gente que chegava e falava ‘joga uma pinga’ e eu jogava pinga no machucado. Fico revoltada porque agora não consigo mais jogar futsal”, confessa, ao demonstrar arrependimento pela negligência que teve com o corpo. O sonho de Carolina era se tornar jogadora profissional. Definitivamente, a rotina tresloucada não faz parte dos planos que a detenta guarda para os filhos. “Não quero ver minha filha fazendo correria na rua”, diz com segurança. A presidiária quer ter 53

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Portão 2 outra vida quando ganhar a liberdade. “Não quero que eles (meus filhos) falem ‘minha mãe é noiada e meu pai é drogado’”, afirma, ao deixar de lado o tom despretensioso e divertido com que antes contava as histórias da vida na rua. Carol se abre com um sorriso no rosto, consciente do abismo social que a faz parecer uma personagem exótica e atrativa. Ela sabe o quão pitoresca sua rotina nas ruas de Campo Grande nos é recebida, como se fossem relatos de uma aventura cheia de perigos e dificuldades inusitadas. “Quando teve aquelas filmagens do Balanço Geral (programa jornalístico da TV Record), nos pontos de drogas, eu tava no fervo e virei sucesso. Eu falava ‘eu sou a estrela’”, brinca. Mas, ao final, faz questão de nos puxar de volta para a dura realidade de quem viveu o inferno. “Eu destruí todos os meus sonhos”. “Sonhos destruídos” é uma afirmativa que não se encaixa na vida de Estela. Provavelmente, ela jamais sequer traçou metas reais para seu futuro. “Eu vivi momentos de terror”, conta. Essa foi uma das entrevistas mais difíceis de se conduzir até o fim. Cada palavra pronunciada por Estela continha uma carga enorme de dor, revolta e ressentimento. Dessa vez não há sorrisos e não há viés pitoresco da rotina nas ruas. A história nos arrebata. Às 16h15 de 14 de setembro, deixamos o Presídio Irmã Irma Zorzi com o maior peso nos ombros desde o início do processo de apuração. Aos 12 anos, ela foi expulsa de casa. “Minha mãe escolheu meu padrasto”, conta, em tom baixo e pausado de voz, como se ainda tentasse entender os absurdos da história que vai contar. “Eu fui falar para a minha mãe quando ele tentou abusar de mim, mas ela era muito apaixonada por ele e não acreditou”, finaliza. Estela nem de longe apresenta a vivacidade e a energia contagiante de Carolina. Aos 13 ou 14 anos, não se sabe ao certo, começou a fazer programas para ganhar dinheiro. Os tempos de prostituição a assombram. “Era uma coisa nojenta. Uma pessoa que você não gosta, você ter que encarar cada pessoa bêbada, 54

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Robin Hood horrível...”, relata com lágrimas constantes nos olhos. Assim como a maioria das entrevistadas, não demonstra nenhum tipo de consideração por si mesma ou noção da injustiça e dos abusos a que foi submetida. Ela se culpa pelo mal que outras pessoas a fizeram. “No meu, caso achava que era a única solução (se prostituir e vender drogas). Hoje eu já vejo que tem vários modos da gente sobreviver lá fora sem fazer essas coisas. Nem que seja uma faxina”, afirma, como se houvessem diversas opções de emprego formal para crianças de 12 anos abandonadas na rua pelos pais e pelo Estado. Chegou a caminhar até uma cidade vizinha distribuindo currículos e pedindo emprego. Mulher, negra, sem estudos nem experiência, nunca foi chamada. “Cheguei a andar de uma cidade a pé para outra entregando currículo e só ouvia não”, revela, sem perceber a contradição do seu discurso que outrora culpava a si própria. A morte sempre a rondou nas ruas de Santos, assim como esteve perto de Carolina nas ruas de Campo Grande. “Tem aquela história de ‘quem pode mais chora menos’, e assim a gente tem que sobreviver. Já vi bastante pessoa morrer, e a gente nem saber de onde está vindo à bala, quando vê a pessoa já caiu”, descreve. Os representantes da lei também podem ser uma ameaça à vida. “(A polícia) mata. Acontece muito em São Paulo. Já corri bastante. Nunca me pegaram, graças a Deus”. Apesar da vida no tráfico, alega nunca ter experimentado drogas, porque sua prioridade sempre foi ganhar dinheiro para comprar comida e roupas. “Eu via os efeitos que faz nas pessoas, e não queria aquilo pra mim”. O pior momento nas ruas é o fim da madrugada. Às quatro e meia da manhã, as amigas de Estela iam para suas residências. “Doía porque cada uma entrava na sua casa e eu ficava sem saber para onde”, diz. A alternativa era passar frio em bancos de praça. Vez ou outra, um estranho oferecia ajuda. Mas na maioria dos casos, pedia por sexo em troca da “generosidade”. “Me ofereciam uma 55

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Portão 2 noite de sono na casa, mas nunca foi de graça, sempre eu tinha que dar meu corpo para poder dormir em troca”, relata. O tom de voz melancólico que corta o ambiente nos constrange. “O que foi pior para você? Viver na rua ou estar presa aqui?”. Estela responde: “Na rua a gente está livre, vai para um lado, para o outro, para onde você quiser. Aqui dentro você depende de um agente para abrir a porta para você sair, e é bastante difícil”.

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e acordo com dados do Relatório de Mulheres Presas, levantado pelo Ministério das Cidades em 2010, 64,7% das detentas no Brasil são indiciadas por tráfico de drogas. No Presídio Feminino Irmã Irma Zorzi, cerca de 90% das detentas foi enquadrada no artigo 33, segundo informações das agentes carcerárias. Socorro, a presidiária que aceitou o trabalho como mula em troca de dinheiro para custear remédios do câncer de mama, nunca havia se envolvido com substâncias ilícitas. “Eu só precisava do dinheiro”, se defende. Como Socorro, a recém-mãe Estela diz que a falta de dinheiro a levou para o tráfico. Também receberia R$ 1.000 pelo serviço. “Eu estava grávida e fiquei desesperada”. Foi presa no meio do caminho. Veio até Campo Grande buscar o pacote de drogas e voltava para sua cidade, Santos, a 940 quilômetros dali, quando foi abordada e flagrada na rodoviária de Paranhos, interior de Mato Grosso do Sul. Foi a primeira e única vez que aceitou transportar droga. “Tentei dar de tudo para os meus filhos, por isso que eu entrei nessa, para eles não passarem as necessidades que eu passei. Mas sei que eu errei e devo pagar pelo o que fiz”, analisa. Irene, a idosa de 61 anos, é outra que caiu no Artigo 33. “Nunca usei droga”, avisa logo que tocamos no assunto. A detenta solta frases confusas. Por vezes, se perde nas próprias palavras. Mas, enfim, explica sua motivação para entrar no tráfico. “Eu queria abrir um bar”, justifica. O sonho estava na cabeça. Largaria a vida como empregada 59

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Portão 2 doméstica e teria um barzinho na frente de casa. A renda aumentaria, a vida seria mais divertida. Parecia perfeito, exceto pela falta de capital. Os filhos de Irene já estavam envolvidos com droga. Consumiam, alguns traficavam. “O Ricardo sempre foi o pior. Ele levou o Cristiano pelo mesmo caminho”. E levou a mãe também. Na sua rua, as bicadas eram fáceis de reconhecer. Foi até uma e encomendou algumas caixas de pasta base. Não havia vendido nenhuma quando a polícia bateu em sua porta. “Algum desgraçado me denunciou. Acho que foi o vizinho da frente. Nunca gostou de mim”, palpita ao rir de si mesma. “Não cheguei a vender nada e fui presa”. Não apresentou resistência à polícia. Apontou o esconderijo da droga e entrou no camburão conformada. O sonho do bar já foi superado. “Não sei onde eu tava com a cabeça”, repensa. A adolescente Juliana é mais uma que caiu pelo tráfico, mas alega inocência. “Eu era só usuária”, afirma. Uma denúncia de vizinho, com quem tinha relação de brigas por causa de uma árvore, levou a polícia até sua casa. “Eles entraram perguntando onde tava a droga. Eu falei, mas mesmo assim quebraram minha televisão, me xingaram”, narra. “Acho que não precisava daquela violência na frente das crianças”. A pasta base estava escondida no forro da casinha do cachorro, no quintal. O marido de Juliana também era usuário. Mais velho, foi ele quem apresentou as drogas para a mulher que ainda era menina. “Ele não gostava que eu fumava, mas ele fumava”, avalia. As denúncias diziam que a casa de Juliana era uma boca de fumo. Ela nega a acusação. Pela pequena quantidade encontrada, apenas três miligramas, diz que será absolvida. “Eu vou sair daqui”, acredita. Sabrina, a mulher de 39 anos com cabelos vermelhos desgrenhados, assume que traficou e roubou nas ruas, além de ser usuária e portadora de HIV. Pelos mesmos crimes, foi presa em 60

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Artigo 33 quatro ocasiões. Da última vez, com um agravante, o artigo 157, que é roubo à mão armada. A vida torta, como ela descreve, sustentou seus filhos. “Eles sempre tiveram de tudo”, alega orgulhosa. Carol, a gestante bem-humorada, diz ser inocente. “Eu caí por causa de um celular roubado que meu amigo travesti comprou”, explica. Ela diz que estava com o aparelho porque pretendia devolver ao dono. Mesmo assim, admite seu vasto envolvimento com tráfico e furtos, frutos da condição de viciada. A maioria das presas que praticaram essas modalidades de crimes alegam que estavam sob o efeito da droga ou de álcool quando cometeram as infrações. As estatísticas nacionais apontam que 53,8% das presas relatam uso de drogas. As mais frequentes são a maconha, a cocaína e o crack. Ainda há um elevado índice de detentas, 74,6%, que possuem familiares que são ou já foram usuários. Em relação aos casos de homicídios, minoria entre as mulheres encarceradas, dados da DEPEN (Departamento Penitenciário Nacional) não associam o crime ao consumo e efeito de drogas. Segundo os números, as indiciadas por assassinato, 16,7% das presas, não tinham contato com o ambiente prisional. Não é o caso de Moira, 30 anos, presa por incendiar uma mulher a céu aberto em Campo Grande. Morou nas ruas e conhecia o universo prisional, a polícia e os traficantes. Alega que estava chapada quando cometeu o crime. Jamais teria matado caso estivesse lúcida, garante. A mulher morta era amante de seu marido. “Era minha conhecida, por isso fiquei com mais raiva”, relata. Assim como Moira, tanto a amante quanto o marido passavam a maior parte do dia e da noite perambulando pelas ruas, atrás de dinheiro para comprar drogas. Tinham casa própria, que trocavam pelas calçadas. A mãe de Moira foi até a rua, nos pontos de droga, buscar a filha. De nada adiantou. “O vício é mais forte”, lamenta. Tinha um emprego como esteticista. Perdeu tudo, inclusive 61

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Portão 2 a guarda dos dois filhos. O marido foi o primeiro a sucumbir ao vício. A esposa em seguida. Moira diz que jamais imaginou matar uma pessoa. Se pudesse, pediria desculpas à família da mulher que incendiou. Está arrependida. Sua prisão foi em flagrante e dentro da prisão ela descobriu um distúrbio e deu início a um tratamento psicológico. “Eu tomo muitos remédios. Quando cheguei aqui, estava fora de mim. Eu era outra pessoa. Descontrolada e depressiva. A droga fez isso comigo”. A detenta aparenta mais idade do que tem. Diz ter sido muito vaidosa lá fora, mas dentro da prisão não se preocupa tanto. A aparência perdeu valor. Quer voltar a se arrumar quando estiver livre. Os cabelos pintados de loiro ganharam tons amarelos. Os dentes parecem descuidados. “Não tem pra quem se arrumar aqui dentro”, comenta. As outras detentas nutrem medo de Moira. Receiam que a colega de cela possa ter outro surto e botar fogo nas companheiras. A informação é passada pela simpática agente penitenciária que nos atende logo depois da entrevista. “Viram como ela é?”, pergunta curiosa ao se referir ao modo de falar da detenta, como se estivesse nas nuvens. “Sim, ela toma remédios, certo?”. “Claro! As outras têm medo dela, inclusive. É a mulher que botou fogo na outra”. Também preso por homicídio, Baltazar sofre ao contar sua história. O arrependimento é latente em cada frase que sai de sua boca. “Queria poder pedir perdão para a família”, repete diversas vezes. Ele matou o homem que o estuprou. Um colega ofereceu carona até seu local de trabalho, “favor” que foi aceito. Não imaginava que seria estuprado ao recusar uma cantada. Baltazar era vigia de uma empresa e por isso carregava uma arma. Decidiu se vingar quando seu estuprador voltou para rir do 62

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Artigo 33 que havia acontecido. Antes que pudesse sacar a arma, percebeu que seu agressor também estava armado e fez movimento brusco. Baltazar diz ter sido mais rápido e atirou três vezes. As últimas palavras que ouviu de seu estuprador foram fortes: “Você não gosta de mim, agora vai morrer comigo”. O homem, prestes a morrer, sabia que havia transmitido HIV para Baltazar. Por ter disparado mais de duas vezes, o crime não se enquadra como legítima defesa. Além de tudo, o preso recebeu ameaças da família da vítima na época do julgamento. As presas sabem das dificuldades que encontrarão quando saírem da cadeia. O maior medo diz respeito a quando tentarem arranjar emprego. Muitos empregadores pedem a ficha criminal na hora de contratar. Carol, que está em sua segunda prisão, sabe bem como funciona. “Deixei meus documentos em uma loja. O cara disse que ia me ligar. Eu já fui presa de novo e até agora não recebi nenhuma ligação”, diz, , com sorriso no rosto e jeito brincalhão, como se não se importasse realmente. Mas se importa.

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Chuncho

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m pedaço de ferro arrancado das grades da cela, uma gilete ou um alicate de unhas mandado para dentro da prisão pelas encomendas do portão dois. Ou ainda uma faca surrupiada durante o trabalho prestado na cozinha. Segundo os relatos das reenducandas, qualquer objeto afiado pode se transformar em uma arma perigosa utilizada em brigas e ameaças. Irene, que nunca se envolveu em confusão, diz que existem inúmeras armas improvisadas e bem escondidas nos interiores das celas. “Tem muito chuncho. Isso não falta”, afirma. “Usam pra se furar, se chunchar”, completa. As agentes carcerárias preparam inspeções surpresas para encontrar e apreender os objetos proibidos, e então responsabilizar as infratoras. Em dias aleatórios, as detentas são mandadas para a quadra do presídio. Aguardam enquanto as celas são revistadas. Se as agentes encontrarem algum chuncho, drogas ou celulares, voltam para a quadra e perguntam a quem pertence os acessórios ilegais. A responsável prontamente assume a culpa. Se não o fizer, as companheiras irão entrega-la. “Elas sempre confessam, dizem ‘isso é meu’”, confirma uma das agentes. De acordo com as presas, as agressões na cadeia são corriqueiras. “Quando chegamos, as internas já procuram saber o que fizemos lá fora e como agíamos. Dependendo do passado da pessoa, é cobrada certa atitude, como brigar”, explica Baltazar. Quem nunca participou de tumultos, ao menos já presenciou algum. Estela não apresenta perfil violento. Ocupa a cela das gestantes e mães recentes, considerada a mais tranquila do pavilhão, e ainda assim relata ter testemunhado mais de um episódio 67

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Portão 2 sangrento em menos de um ano encarcerada. “As pessoas estão discutindo, daqui a pouco uma agride a outra, e então alguém sai sangrando. Acontece bastante”, narra. “Ficar trancado em um quadrado pequeno, sendo que uma não conhece e não respeita a outra, dá nisso”, opina. Uma cela que abriga 30 ou mais mulheres de comportamentos diversos é como uma “caixinha de abelhas”. A definição vem da outrora briguenta, mas agora compreensiva Sabrina. “Já perdi a cabeça várias vezes. Em 2007, discuti com uma menina e quando vi tava agarrada no pescoço. Tava fumando minha droga e ela criticou os viciados. Pulei no pescoço dela. Chegou a sangrar”, recorda. Sabrina participou ativamente de uma rebelião ocorrida em 1997. “Quebramos a cadeia toda”. O motivo foi a superlotação. “E agora tá mais lotado ainda”, destaca. Para evitar desconfiança, esclarece na sequência que hoje não participaria de um novo motim. “Aprendi a baixar a cabeça, graças a Deus. Eu era um demônio”, alega, como se não pudesse acreditar nas loucuras que já foi capaz de aprontar. A gestante Carol, que aprendeu a se virar nas ruas de Campo Grande, também entendeu as regras da cadeia. A jovem enxerga as várias personalidades das companheiras e tenta se adequar às necessidades de cada uma. É o seu método para evitar cair em uma briga ou discussão acalorada. “Tem que saber levar, porque aqui tem mulheres de todo tipo. Têm umas que são meio surtadas, outras que são de boa, têm aquelas que têm dinheiro e gostam de pisar nas que não tem. As viciadas, tem de tudo”, exemplifica. De acordo com as presas, a diretoria da instituição é ciente das confusões eminentes. Às vésperas de eventos importantes, que trazem autoridades para dentro do estabelecimento, a exemplo do concurso Miss Penitenciária ou de shows musicais, é preciso conversar previamente com os perfis problemáticos. “A diretora, uma senhora muito linda, chama e pede ‘por favor, não estrague minha festa’”, relata Baltazar, ainda considerado uma bomba relógio 68

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Chuncho pelas agentes, apesar de jurar tranquilidade. Algumas mulheres são mais respeitadas pelas demais. “A Dona Isabela não quer dar entrevista”, avisa a agente simpática que nos auxilia dentro da cadeia. Dona Isabela é uma interna calada e discreta que cativa as companheiras. Acumula seguidoras e impõe respeito no pavilhão. Ela recusa conceder entrevista e até mesmo conversar informalmente. Baltazar revela que é leal a uma mulher do comando. Não é totalmente aceito no círculo por sua identidade de gênero (é chamado de sapatão), mas se propôs a ser um companheiro leal. Segundo seu relato, o comando tem regras rígidas e não tolera os vícios. “Aqui rola muito entorpecente, como a tal da pasta-base, sabe? E eu não gosto de coisa errada“, justifica. Juliana é uma das presas que confessa ter consumido drogas dentro da prisão. “Só maconha, para me acalmar”, conta. “Resolvi parar com tudo de uma vez”. No presídio existe acesso à internet, mas de um jeito diferente. Os bereus – recadinhos – são passados de uma cela a outra pela conexão on-line. É fácil conseguir conversar por telefone com quem está do lado de fora, diz uma das presas. Mas o risco é grande. “Não vale a pena, e se você for pega?”, questiona. A televisão é permitida nas celas. A dona da TV decide o canal que todas irão assistir (esse também é um motivo de brigas). Apenas a novela das nove é unanimidade. “Todo mundo adorava Salve Jorge”, lembra Carol. Pelos programas regionais, as detentas, assim como a população de fora, se chocam com crimes bárbaros. O caso de Breno e Leonardo, dois estudantes de classe média sequestrados e assassinados em Campo Grande, em 2012, revoltou as prisioneiras. Uma das acusadas pelo crime precisou ficar isolada. “A gente tava só esperando ela chegar. A cadeia tremeu. Se tivesse ido pro pavilhão, teria levado um pau”, garante a anteriormente tranquila Irene. As agentes identificam os possíveis casos de linchamento 69

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Portão 2 e afastam as presas controversas. Com o tempo, os crimes são esquecidos e a mulher antes rejeitada é inserida e aceita no convívio. As internas são chamadas de “reeducandas” pelas agentes e autoridades. O presídio é um espaço de reeducação. Quando perguntadas sobre a efetividade do princípio, a resposta é quase unânime. “Muda quem quer”, responde a maioria, como se tivesse ensaiado. Algumas já perderam as esperanças. “Aqui é o pior lugar que existe. Se as agentes falarem que é bom, eu que estou lá dentro e fui vítima de espancamento, digo o contrário”, declara uma das nove mulheres entrevistadas. “Depende”, reflete outra mulher. “Aprendi muita coisa ruim, mas também muita coisa boa aqui”. Em um local onde todas são rotuladas de reeducandas, a prática revela que a teoria é outra: reeduca-se quem quiser – e, sobretudo, puder.

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A MISS

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Miss é fichada por roubo e sequestro. Foi condenada a 20 anos de reclusão. Seu advogado atualmente recorre da decisão. “O caso é fraco”, alega. Trata-se de réu primária e com emprego fixo na época dos crimes. As vítimas sequer a reconheceram. O marido assumiu a responsabilidade pelos 800 gramas de maconha encontradas em sua casa. A Miss e o advogado acreditam que conseguirão a redução da pena. Criada em bairro de classe média de Campo Grande, ela teve infância tranquila. Os pais se divorciaram, mas a filha lidou bem com a separação. Foi morar com o pai, com quem sempre se deu melhor. Na adolescência, sentiu saudades da mãe. O pai é rígido, impõe limites e não oferece liberdade. A mãe sempre foi extremamente despreocupada. Mudou-se. Conseguiu a liberdade que tanto queria. De uma festa a outra, conheceu pessoas de universos diferentes. Aos 16 anos, namorou, noivou, casou e engravidou do primeiro filho. Já havia largado a escola, com indiferença da mãe. Depois de três anos, cansou-se do companheiro. Voltou para as festas e para a casa dos pais, alternando entre um lar e outro. Conheceu o segundo marido, oito anos mais velho, e engravidou novamente. Foram morar juntos. Aos 21, entrou para a rotina de crimes. Certo dia, o esposo veio com uma proposta tentadora. Amigos o convidaram para integrar uma quadrilha de roubo de caminhões. Renderia 15 mil reais por semana. Sem pensar muito, aceitaram. Dias depois, a Miss dirigia até o local do crime. Deixara o marido no ponto de encontro da quadrilha e então voltava para 73

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Portão 2 casa. As crianças dormiam no banco de trás. Parte da quadrilha sequestrara um motorista, enquanto a outra levava o veículo para a fronteira. A Miss não pensava muito sobre os crimes, nem sobre o sequestro e muito menos nas vítimas. Sentia medo da polícia, mas estava convencida de que eram roubos simples e que não haveria provas para condena-los. Nunca precisou realmente de tanto dinheiro, mas quem não deseja uma quantia dessas por mês? Sua única função era dirigir. Eximia-se da culpa. Em mais um dia comum de sequestro e roubo, escolheram a vítima errada, um coronel aposentado. Em poucas horas, a quadrilha estava na delegacia. A Miss dormia em casa com os filhos e uma sobrinha. Ouviu as sirenes e pressentiu o pior. Os policiais chegaram a sua porta. Ela abriu. A casa foi revirada e droga apreendida. A Miss e a sobrinha foram levadas para a delegacia. Ela relata que apanharam. Tapas no ouvido, socos no estômago, até assinarem o termo de confissão. A sobrinha era totalmente inocente, diz. Apanhou ainda mais. A Miss assinou a confissão. Alega que não teve opção, pois não aguentava mais ser espancada. Teve medo de ser violentada sexualmente. Conta que foi ameaçada nesse sentido. A jovem detenta chegou ao presídio Irmã Irma Zorzi e sofreu um choque de realidade. Passou dias inteiros aos prantos, recusou-se a comer, inconformada com o nível de tratamento do lugar onde foi parar. Os talheres de plásticos, a marmita intragável. Perdeu 16 quilos. Decidiu que ao menos aproveitaria as oportunidades que aparecessem. Fez cursos de manicure e de maquiagem. Gosta de trabalhar na enfermaria. Separou-se do marido. Mal se falaram depois que foram presos. A Miss apenas ficou sabendo que ele queria o divórcio. Aceitou a separação. Demonstra não haver mais nenhum sentimento positivo em relação ao ex. Como muitas mulheres presas, desenvolveu um relacionamento 74

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A Miss homoafetivo. Nunca imaginou namorar outra mulher, mas na solidão se deixou levar pelas investidas de uma colega de reclusão. “O companheirismo foi o principal motivo”, afirma. Os flertes, e depois o namoro, acontecem na quadra, no horário do banho de sol. Se estão em celas separadas, se comunicam pelos bereus. No caso da Miss, dividiam o mesmo alojamento. Vaidosa, ela recebe produtos de beleza pelo portão dois. A família nunca a abandonou. Sempre arrumada, foi indicada por suas companheiras para representa-las no concurso de beleza da cadeia. Samy é então considerada a presidiária mais bonita de Mato Grosso do Sul e recebeu o título de Miss Penitenciária 2012 com muito glamour e holofotes. Sentiu-se nas alturas. Muitas pessoas invejosas duvidavam da sua vitória, segundo relata. Branca, magra, os cabelos pintados de loiro e traços de boneca, ela se encaixa perfeitamente nos padrões de beleza, além de demonstrar simpatia e manter um jeito de olhar doce e quase infantil. O presídio realiza a competição de Miss por meio da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (AGEPEN), em parceria com a Subsecretaria da Mulher e da Promoção da Cidadania. O objetivo é “aproximar as detentas da sociedade (...) e possibilitar que elas tenham autoestima o suficiente para serem reinseridas na sociedade”, argumenta o diretor-presidente da Agepen, Deusdete de Oliveira Filho, em entrevista concedida ao portal de notícias oficial do governo. A antecipação do concurso mexe com os ânimos das mulheres da cadeia. Meses antes do grande dia, as apostas e burburinhos começam a rondar as celas. O clima de competição causa brigas que por vezes chegam a agressões físicas. Em 2013, Samy passa a faixa para a próxima Miss. Está satisfeita com seu desempenho. Perdeu o medo de aparecer na TV e em jornais. No começo, estava receosa. “Eu nem queria participar porque não queria aparecer na televisão”, relata. A diretora do presídio precisou intervir para convencê-la a se 75

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Portão 2 inscrever. “Você já está aqui, já apareceu na televisão quando foi presa”, insistiu a diretora. A Miss não tem vergonha do seu passado. Agora fica contente em mostrar aos telespectadores que além de presa, está magra e mais bonita. Não consegue explicar os reais motivos que a levaram até um presídio. É como se nunca tivesse tido real noção da gravidade dos seus atos. Inerte, mal comenta sobre os usos que fez do dinheiro que ganhou de forma ilícita. Arrepende-se de ter ignorado os limites postos pelo pai. “Eu ainda choro todos os dias”, confessa. A dura rotina trás à realidade até mesmo a mulher mais bonita e admirada do pavilhão.

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O Ciclo

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O CICLO

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u acordo já em pânico. Penso que estou na minha casa e, quando vejo, estou nesse lugar”. Socorro tem na face uma expressão de puro horror. Mantém os olhos arregalados e a cabeça baixa o tempo todo, como um animal frágil que sente medo do predador. “Vivemos como bichos, não podemos escolher quando sair e nem quando comer”, continua. Moira tenta chorar enquanto fala, mas as lágrimas não vêm. “Aqui é horrível. Não tenho nem como explicar”. Esconde o rosto com as mãos, ainda sem esboçar emoção. Os remédios afetam o seu psicológico. Os sentimentos ficam escondidos atrás dos olhos. Estela, a recém-mãe, tem discurso melancólico, como se tivesse perdido as forças. Baltazar, que foi vítima de estupro e contaminado com o vírus HIV, relata que jamais se sentirá completamente feliz. Culpa-se pelo assassinato que cometeu. Quem ganhou a liberdade antes, está de volta ao o lugar que mais detesta. Carol e Sabrina sofrem com a vida no presídio, mas se dizem incapazes de superar o vício e a pobreza quando estão nas ruas. Por isso, foram presas mais de uma vez. Seus vícios em entorpecentes são tratados como crime. A pobreza em que vivem é tratada como algo natural. Afinal, é a meritocracia que deixa cicatrizes como ferro em brasa. “A culpa é minha”, repetem. A violência está presente em quase todos os relatos. Desde a infância até a vida adulta. Impossível atravessar o portão azul às 17 horas, de volta à rua Uruguaiana, sem sentir um peso nas costas e uma compaixão que rasga o peito, mas que não surtirá grande efeito nas vidas sentenciadas que ficarão para trás. O mais terrível é constatar o estado de abandono em que 79

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Portão 2 vivem as mulheres presas no Irmã Irma Zorzi. Ao final de cada conversa, surge um sorriso e um “muito obrigado”, sintomas da carência que parece cortar a carne. “Foi muito bom conversar com vocês. Eu tava precisando desabafar”. É então surpreendente quando surge a pontinha de esperança nos rostos devastados. Mesmo em Estela, que parece ter desistido, aparece um resquício de expectativas positivas. “Eu vou sair daqui e cuidar dos meus filhos. Quero um futuro diferente pra eles”, garante. Carol está acostuma a sofrer recaídas. Vai para a casa e quando se dá conta, está morando nas ruas novamente. Mas o sonho de constituir uma família nos parâmetros em que a sociedade considera normal persiste. “Meu companheiro diz nas cartas que quando ele também sair da cadeia, a gente vai morar junto com nossos filhos. Vai ser diferente”, diz. Arranjar um emprego é o objetivo principal de quem quer ser livre. O medo de ser rejeitada, por conta da ficha criminal, as desmotiva. “Eu comento que quando eu sair vou arrumar um serviço. Aí as meninas respondem, ‘quando você sair, vão puxar a sua ficha e descobrir que você foi presa’”, lamenta Samy, a detenta que realizou diversos cursos oferecidos pela instituição, na esperança de ter carteira assinada e assim colocar a vida nos eixos. A maioria das mulheres pretende retomar os estudos, já que grande parte sequer terminou o Ensino Fundamental. Esperam que dessa forma as oportunidades apareçam e suas vidas mudem definitivamente. A instituição oferece escola, mas assim como os cursos, as vagas são limitadas. Outras reclamam que é impossível se concentrar para aprender algo vivendo nas condições precárias dos alojamentos. Samy acredita na força de vontade de cada uma. “Estou há dois anos e cinco meses e vi guria que já saiu e voltou seis vezes”, comenta com indignação. Já Sabrina, encarcerada pela quarta vez, alega que mudou seu comportamento, que aprendeu a abaixar a cabeça e a ser uma boa pessoa. Logo depois estoura. “Isso aqui 80

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O Ciclo (a prisão) não adianta, só dá mais revolta na pessoa, se alguém me aprisionar mais, vou ficar mais revoltada, aí que eu não vou querer mudar mesmo”. Umas se rebelam, outras deixam de se sentir como seres humanos. Durante a entrevista, uma agente penitenciária nos oferece um copo d’água. Perguntamos à Moira se ela está com sede. Sua reação é de susto, como se não fosse digna de receber um favor. Aceita a água e não joga seu copo descartável no lixo. Retorna para a cela segurando-o nas mãos. “Aprendi a dar valor em um papel e uma caneta”, relata Socorro. A desigualdade social opera dentro das grades. Continua a tirar oportunidades de uns e as entregar para outros. “Quem tem dinheiro compra, quem não tem fica olhando, que é o meu caso”, relata Estela. Sua trajetória nas ruas de Santos foi marcada pela miséria e continua assim no presídio. “Trabalho para ganhar cinco reais, para comprar fralda pro meu filho”, conta, aos prantos. Baltazar é mais enfático. “A lei da sobrevivência é o seguinte: aqui você vale pelo o que você tem. Se ganha mil e pouco ou ganha dois mil, todos beijam até seus pés. Você pode ser feio, horroroso, mas beijam. Agora se você não tem nada, meu irmão, então você não é nada”, conclui. As mulheres presas, a maior parte mães, enfatizam o desejo de ver os filhos seguirem rumos diferentes dos seus. A maior motivação para enfrentar cada dia é voltar para casa e traçar um destino diferente para as crianças. Para isso, sabem que é preciso retornar o quanto antes. Enquanto dão entrevista, as presidiárias têm noção que seus filhos, que moram com parentes ou em abrigo, caminham para a mesma história de abandono e descaso das mães encarceradas.

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ste é um relato breve. Tão breve quanto, cruelmente, dura muitas vezes o período de liberdade de uma ex-detenta. Da forma como disse que aconteceria, a jovem Juliana, presa aos 18 anos por tráfico de drogas, foi absolvida e ganhou a tão sonhada liberdade. O portão de ferro azul se abriu à sua frente sem limites e nem escolta em seu encalço. Determinada, havia dito que arranjaria um emprego e não mais retornaria ao consumo de drogas. Venceria o vício. Também desejava terminar os estudos e redefinir sua relação difícil com a mãe. Aproveitaria cada segundo perto dos filhos e jamais falaria novamente com seu ex-marido e agressor. Metas traçadas, como tantas outras mulheres que espessam as estatísticas, Juliana caiu no mundo exterior.

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Port達o 2

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