Revista Sobre Elas

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Cara leitora,

A Revista Sobre Elas é feita para você conhecer e entender um pouco mais sobre seus direitos e liberdade. Nossa intenção é mostrar que, independente das imposições da sociedade, você é capaz de ser a protagonista de sua história. Nesta edição você irá encontrar histórias de superações, conquistas e lutas de mulheres de Mato Grosso Sul. A editoria Especial desta primeira edição é sobre feminismo e a importância dele na vida de nós mulheres. Além dela, você encontrará orientações sobre os direitos da mulher, violência doméstica numa conversa com a subsecretária de Políticas Públicas para Mulheres do Estado, Luciana Azambuja. Você conhecerá também Zoe Ibanês, uma garota transexual de 19 anos, que conta suas conquistas numa sociedade patriarcal. E outras histórias de mulheres que lutaram por seus direitos e conseguiram o seu espaço.

Desejamos que após a leitura desta você tenha se identificado de alguma maneira e que possa levar esses conhecimentos adiante. Você poderá encontrar a Revista Sobre Elas gratuitamente, na versão on-line, por meio do site: issuu.com/revistasobreelas.

Ju

juucristinaa@hotmail.com

Gabi

gabrielasdecastro@gmail.com

Quem Somos

A Revista Sobre Elas é um projeto experimental feito como trabalho de conclusão do curso de Comunicação Social – Habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). As acadêmicas Gabriela de Castro e Juliana Cristina sob orientação da Profª Drª Rose Mara Pinheiro elaboraram e realizaram este projeto. Redação: Gabriela de Castro e Juliana Cristina | Ilustração: Ana Carolina Sandim | Fotos do Editorial: Meryelle de Oliveira | Fotos: Arquivo Pessoal | Ilustrações ‘Coisa de Mulher’: Raquel Vitorelo | Projeto Gráfico: Samuel Nogueira | Impressão: Futura Impressões


ÍNDICE 02

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Mulheres no esporte

// Feminismo em Pauta

// Arbitrando o Machismo // No futebol // No Judô // No Boxe

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Mulheres empreendedoras

12 16

Mulheres na Engenharia

43

Artigo // Nunca Desistir. Nunca se Render

22

Editorial Empodere-se // Fotógrafa Oliveira

32

Meryelle

Sem Tabu // Transexualidade com Zoe Ibanês // Mini Dicionário LGBTQIAP

// Desconstruindo o preconceito

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Perfil // Sarah Santos

// Fabiana Cabral // Maria Fernanda // Ludmilla Azambuja // Renata Kelen

Especialista responde

Feminismo

de

Mães Solos // Da Joia à Corrente Ana Carolina Sandim


2 Sobre Elas

Esportes

“E

Arbitrando o Machismo

sporte não é coisa de mulher.” Esse é um dos pensamentos machistas que ainda nos persegue desde séculos passados na Grécia Antiga, onde se acreditava que as mulheres ficariam masculinizadas se fizessem exercícios como os homens, e isso era abominado. Como se não bastasse, além de não poderem praticar os esportes, e sob pena de morte, as mulheres ainda não podiam assistir aos jogos, pois geralmente os atletas ficavam nus durante as competições.

Apesar de todos os rótulos de “sexo frágil” e de ainda vivermos em um mundo que favorece os homens, graças à luta de mulheres que preferiram não dar ouvidos às afirmações machistas alheias, a nossa realidade melhorou. Chegamos aos campos de futebol, às quadras, piscinas, tatames e todo complexo esportivo que antes não podíamos usufruir. Com toda nossa garra e força, nos tornamos campeãs e vencedoras de nossos próprios limites, rompendo preconceitos. Asaléa de Campos Micheli, mais conhecida com Léa Campos, nascida em 1945, exatamente na época em que as mulheres eram proibidas por lei de praticarem esportes, foi a primeira árbitra no mundo de que se tem conhecimento. Formou-se em 1967, após encontrar uma brecha no decreto-lei nº 3.199, de 1941, que dizia não ser “permitida a prática feminina de lutas de qualquer natureza, futebol, futebol de salão, futebol de praia, polo, halterofilismo e baseball”. Após muitas dificuldades vencidas, ainda não chegamos ao ideal. O preconceito persiste no dia-a-dia da mulher e principalmente em meio às profissões esportivas. Ser árbitra não é mais uma utopia, mas e o machismo? Até quando irá durar?

Futebol

J

éssika de Oliveira Cheverria tem 22 anos e sempre teve amor pelo futebol, foi quando decidiu que iria fazer a faculdade de Educação Física. Durante a faculdade, em 2013, participou de um curso de arbitragem, de início para ganhar horas complementares da graduação, mas logo se viu apaixonada. Este ano faz quatro anos que está na arbitragem. Jéssika relata que muitas dificuldades surgiram em seu caminho, inclusive o machismo, que é presente em sua vida profissional até hoje. “Eu sou um pouco mais nervosa, então se algum homem falava alguma coisa eu já retrucava e batia de frente, sempre fui muito assim. Hoje já sei lidar melhor, às vezes escuto e não falo nada, mas dependendo do que eles falam eu bato de frente.” Durante sua atuação pela Federação de Futebol de Mato Grosso do Sul (FFMS), Jéssika enfrenta grandes desafios e não diferente de outras mulheres, o machismo está presente em sua carreira. “Quanto ao machismo acho que é uma coisa que nunca vai acabar, e nós temos de saber lidar com isso, não podemos nos deixar abater”, encoraja. Jéssika conta que muitas vezes voltou para casa chateada pensando nas


Mulheres no Esporte 3 palavras que jogadores e técnicos disparavam contra ela, mas que nunca pensou em desistir. “O machismo vem de todos, jogadores, técnicos, torcedores, mas principalmente torcedores, já ouvi muito ‘Vai lavar louça!’, ‘Futebol não é para a mulher!’. Jogador dizendo ‘Tinha que ser mulher!’ Todos!”. Outra dificuldade que enfrenta são os testes físicos. Jéssika explica que existem dois testes, o feminino e o masculino. De início as árbitras passam pelo teste feminino para arbitrar jogos femininos. Para participar de nível nacional pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF) e arbitrar jogos masculinos, é necessário passar no teste feminino e masculino, o que exige mais do físico de uma mulher, os testes também são separados para árbitro e árbitro assistente. O curso que realizou para atuar pela FFMS na categoria de árbitro assistente foi de 120 horas de 15 em 15 dias e durou 6 meses. O curso tem parte teórica e prática com treinamentos com e sem jogadores, depois fez estágio arbitrando jogos de categorias de base, e a partir do desenvolvimento como árbitra entrou para a FFMS. Jéssika ainda não chegou a fazer o teste na CBF por conta de uma inflamação no principal osso da canela, a tíbia. Mas neste ano começou a melhorar, voltou a treinar para fazer o teste físico feminino em dezembro e assim que passar do teste, em março de 2018 fará o teste pela CBF para arbitrar jogos masculinos, como os jogos do Brasileirão, começando pela Série D até crescer profissionalmente e chegar na arbitragem da Série A. “A minha dificuldade na arbitragem é o teste físico mesmo, até porque eu me machuquei e exige muita preparação.” Hoje, Jéssika é professora em escola particular na educação infantil e coordenadora de projetos pelo Programa Esporte e lazer da Cidade (Pelc) da Prefeitura de Campo Grande. Aos finais de semana é árbitra e se prepara para chegar na Confederação Brasileira de Futebol.

Judô

L

ilian Trovatto, de 34 anos, começou cedo no judô. Primeiro acompanhava sua irmã judoca em treinos e campeonatos, foi quando se interessou pelo esporte. Com a paixão pelo esporte, cursou a faculdade de Educação Física e iniciou sua carreira dando aula de judô em academia. Lilian como judoca participava de campeonatos e para fazer o exame de faixa era preciso ganhar pontos como atleta e árbitro, foi quando a arbitragem entrou na sua vida. Quando começou a arbitrar, Lilian conta que era apenas ela e uma amiga, as únicas mulheres árbitras da época. Um episódio que marcou o início de sua carreira foi quando ela e sua amiga foram ao banheiro de um ginásio para colocar o uniforme de árbitro, que era bastante masculino, blazer, gravata, camisa, calça social e sapato preto, e ficaram com vergonha de sair, talvez por conta da roupa ou mesmo porque havia só elas de meninas. Além da roupa masculinizada, Lilian conta que sofreu machismo em suas arbitragens, principalmente por parte dos técnicos, que diziam “Ah! Vai lavar roupa!”, “Lugar de mulher é no fogão!” Mas isso não a fez desanimar. Uma vez em Maracaju/MS, a árbitra passou por uma situação que não a deixou calada. Em uma seletiva, Lilian estava arbitrando na lateral, havia um árbitro central e um no meio. Durante a luta um técnico reclamou muito, mesmo tendo outros árbitros, ele insistia em gritar com ela. A luta deu empate e os árbitros decidiam na bandeirinha, o central deu uma cor


4 Sobre Elas e ela e o outro lateral deram outra cor, que no caso, era contra o técnico que a estava pressionando. Nesse momento o técnico falou ainda mais coisas a ela, como “O que você está fazendo aqui? Lugar de mulher é no fogão!” Lilian sempre foi de ouvir e ficar calada, mas dessa vez foi diferente, no fim da luta foi até o técnico e conversou com ele. “Chamei ele para conversar e falei ‘Olha, eu não te conheço e você não me conhece. Você não tem o direito de ficar gritando comigo na frente de todo mundo. Se você acha que eu roubei, se eu errei, chega em mim e fala, não precisa ficar gritando, ainda mais falando para eu ir cozinhar. Eu sou mulher, cozinho, com maior prazer e gosto, só que também amo o que eu faço e estou aqui. Por que você não foi questionar

com o outro árbitro? Não foi só eu que dei contra o seu aluno. Você acha mais fácil vir falar comigo, só que aqui não! Eu dou aula também, eu não iria roubar de um aluno seu, porque não gostaria que roubassem dos meus. Eu posso errar, mas usar de má fé jamais.’ Daí ele me pediu desculpas.” Hoje, Lilian não arbitra mais, não por conta do machismo, porque isso nunca a afetou. “Eu não ia deixar de fazer o que eu gosto, por causa dos outros”, afirma Lilian. Foram mais ou menos seis anos atuando como árbitra, mas atualmente ela é técnica e professora em uma escola municipal há sete anos.

No Boxe

F

lávia Ferreira, de 39 anos, começou sua carreira como atleta. Desde musculação, kung fu, até chegar ao boxe, que no começo serviu para melhorar suas técnicas na arte marcial. No início, a aula de boxe era apenas uma vez na semana, mas Flávia foi pegando gosto pelo esporte e quando viu, já estava fazendo três aulas e desistido do kung fu. Logo, Flávia foi convocada para participar de um campeonato em Cuiabá/MT onde acabou sendo campeã. “Eu achei isso superinteressante daí eu larguei mão de vez do kung fu e comecei a me dedicar ao boxe, participando de vários campeonatos”.

Na época em que Flávia havia começado a competir, não haviam campeonatos brasileiros femininos, apenas estaduais. Conforme o tempo foi passando, Flávia acabou tendo uma lesão no ombro e no cotovelo, fazendo com que ela não pudesse mais lutar. Após esse fato, ela voltou a fazer musculação para fortalecer os músculos como forma de fisioterapia e para não se afastar da modalidade, que já gostava muito A convite do presidente da federação de boxe, Marcelo Nunes, Flávia começou a trabalhar na equipe. “Fiquei um tempo na Federação ajudando e logo depois o Marcelo me chamou para ser diretora técnica. A partir daí eu comecei a fazer vários cursos para dar aula de boxe feminino e


Mulheres no Esporte 5

Fiquei um tempo na Federação ajudando e logo depois o Marcelo me chamou para ser diretora técnica. A partir daí eu comecei a fazer vários cursos para dar auladeboxefemininoemasculino,cursos para arbitragem e logo comecei a arbitrar

masculino, cursos para arbitragem e logo comecei a arbitrar”, conta. Em 2009, durante um seminário em Mogi das Cruzes/SP, Flávia foi representante da Federação Brasileira de Boxe e teve a oportunidade de trabalhar como juíza, que são as laterais do ringue. A partir dessa atuação, Flávia foi chamada para trabalhar no Campeonato Brasileiro e em 2013, ganhou o prêmio de melhor juíza, seguido do prêmio de melhor árbitra do Campeonato do Centro-Oeste, em 2014. O t e s t e p a ra e nt ra r n a A s s o c i a ç ã o Internacional de Boxe (Aiba) surgiu e Flávia não deixou a oportunidade escapar, tornando-se árbitra internacional em meio a vários norteamericanos. Em 2016, Flávia foi convidada para atuar em um Campeonato Sul-Americano Feminino que aconteceu em Santa Cruz de la Sierra, na Bolívia. “Essa foi a minha primeira

atuação pela Aiba e em junho deste ano eu recebi um e-mail da Confederação Americana de Boxe (AMBC), me convocando para arbitrar em um Campeonato da Juventude no Chile, no final de setembro”, comenta. Flávia sempre contou com o apoio de seus familiares e em relação ao preconceito ela conta que ouvia nos eventos perguntas como “Você é mulher ou sapatão?”. “Passei por várias situações em que eu estava atuando e me falaram ‘mulher não sabe de nada!’. Mas hoje, o pessoal já me respeita bastante. A nossa equipe da Federação é bem bacana, eles respeitam bastante todas as mulheres que atuam lá”. Hoje, além de ser formada em educação física, trabalhar como personal, professora de boxe, Flávia é diretora e vice-presidente da Federação Brasileira de Boxe.


66 Sobre Elas

E

@streetbags_br

/streetbagsbr

Mulheres Empreendedoras

m 11 anos, o número de mulheres que são chefes de família e possuem o próprio empreendimento cresceu de 6,3 milhões para quase 8 milhões, um aumento de 25% de acordo com os dados do Anuário das Mulheres Empreendedoras e Trabalhadoras das Micros e Pequenas Empresas (2014-2015) feito pelo Sebrae Nacional e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), no Brasil. Do total de empreendedoras do país, cerca de 15% possuem ensino superior. No Centro-Oeste, segundo informações do Sebrae/MS, há mais de 523 mil empreendedoras, um crescimento de 34% em dez anos.

Fabiana Cabral, de 39 anos, dona da Empresa Street Bags, é ganhadora do Prêmio Sebrae Mulher de Negócios na categoria Microempreendedor Individual (Mei) em 2015. Fabiana representou Mato Grosso do Sul (MS) e disputou com 17 mil empreendedoras de todo país. Como recompensa, além de troféus, títulos, placas e reportagens, a nossa representante ganhou uma viagem com tudo pago pelo Sebrae para Nova Iorque, juntamente

com as venc edoras das c ateg o ria s Microempreendedor (ME) e Agronegócio. “Fomos visitar negócios, fashion truck em Nova Iorque semelhantes aos meus. Nós fomos não com intenção de turismo, mas com intenção de negócio, business”, conta Fabiana. Fabiana é formada em Administração e tinha como objetivo ser professora de universidades, fez pós-graduação em Recursos Humanos e deu aulas para cursos profissionalizantes da Prefeitura e Estado, e iniciou também um mestrado. Tudo mudou quando seu marido foi transferido para Araçatuba/SP e ela o acompanhou, mas continuou seu mestrado a distância. Quando souberam que iriam retornar para Campo Grande/MS, Fabiana foi a Birigui/SP, que é pertinho da cidade em que morava, entrou em uma loja e ficou na dúvida se comprava oito bolsas para vender em seu retorno para a capital sul-mato-grossense. O marido a incentivou e ela acabou trazendo as bolsas para vender para as amigas. Fabiana relata que quando estava na loja escolhendo as bolsas, começou a se identificar com o negócio. Quando chegou em Campo Grande as oito bolsas foram vendidas rapidamente. Entrou em contato com a loja em Birigui e eles começaram a


Mulheres Empreendedoras 7 enviar mais bolsas. Em 2013, Fabiana começou a ter sua cartela de clientes, e além das bolsas, comercializou outros produtos, como sapatos e carteiras. A ideia inicial de Fabiana não era ter uma loja física, por conta dos gastos com funcionário, local, água, luz, e também pelo fato de estar com filhos pequenos, de 3 anos e um ano. Mas surgiu a opção de ter uma kombi, que era um veículo mais barato para adquirir. “Fui em Birigui comprei a kombi, trouxe para Campo Grande e mandei customizar”, descreve Fabiana. Mesmo diante das críticas, como o que as pessoas diziam que seu carro um dia iria deixá-la na rua, por considerarem um carro velho, Fabiana continuou firme em sua proposta. A kombi foi um forte aliado em seu empreendimento, era o meio entre seu trabalho e suas clientes, bastava uma ligação ou mensagem que Fabiana ia ao encontro da clientela. Como administradora por formação, Fabiana criou todo seu plano de negócio e em 2014 fez seu Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ). Este ano, Fabiana decidiu abrir sua loja física, mesmo com as dificuldades que poderia encontrar, já que com a kombi a venda era garantida, resolveu arriscar e escolheu o bairro onde mora, Vila Planalto, para começar. “É um bairro na região central, um bairro bom e está dando certo, graças a Deus as clientes estão vindo”, declara Fabiana. A empreendedora destaca que montou a loja sem empréstimo e sem usar dinheiro de terceiros, foi tudo com capital próprio e explica que a kombi será usada apenas para ocasiões especiais, como eventos para mulheres de negócio, feiras etc. “A questão do dinheiro, do investimento dá certo se você for devagarinho, com o que você tem, é a melhor coisa. Hoje eu não me arrependo de nada. É pequeno ainda? É, mas está sobrevivendo a crise, está expandindo, está crescendo gradualmente e eu considero um crescimento sadio.” Fabiana conta que em meio a crise a estratégia de marketing é importante A empresária aposta nas redes sociais e diz que o instagram e facebook são os maiores aliados.

Outro ponto importante, segundo Fabiana, é conhecer o seu cliente e entender o que ele procura, fidelizando assim sua clientela. “Tenho cliente desde quando comecei como ambulante, que agora vem aqui na loja. Você conquistar novos clientes é mais caro para empresa do que você reter o que você já conquistou”, conta. A empresa Street Bags possui apenas uma concorrente na capital, o que faz ser ainda melhor a aposta no ramo de bolsas, sapatos de modelos rústicos, ousados e diferentes.

Maria Fernanda, de 23 anos, é chefe de cozinha e dona do ateliê Sweet Maria. Aos 18 anos engravidou e casou. Logo após seu casamento, iniciou os estudos no curso de Arquitetura, mas não se identificou. Até que um dia passou em frente a Escola de Gastronomia (Iga) e surgiu a ideia de começar o curso gastronômico. Com o apoio do marido e da família, em especial do seu pai, que é advogado, mas sempre teve o desejo de ter um restaurante, Maria ingressou nas aulas. Ao iniciar o curso no Iga, Maria sabia que a instituição não era reconhecida pelo Ministério da Educação (Mec) e que era preciso fazer uma graduação e se matriculou


88 Sobre Elas na Unicesumar, que na época só havia em São Paulo. Foram concluídos os dois anos de faculdade e também o seu curso no Iga. Maria conta que durante o seu curso no Iga havia um módulo de confeitaria e em uma das aulas era preciso que ela fizesse um brownie, só que ela mudou alguns ingredientes, pois com estudos anteriores já sabia quais ingredientes poderia substituir. Sua receita rendeu elogios do professor. Depois, Maria começou a fazer seu brownie para as amigas, até que uma amiga fez o pedido e disse que pagaria pelo doce. Foi assim que o negócio surgiu, não houve propaganda, apenas o boca a boca. O nome Sweet Maria foi ideia de uma amiga que sugeriu que ela abrisse uma conta no instagram para a divulgação do seu trabalho. O ateliê de doces surgiu de um dia para o outro. Maria relata que seu pai estava reformando a casa e disse a ela que construiria uma cozinha para que ela pudesse trabalhar, já que em seu apartamento já estava inviável. O fato de não ter um chefe fez com que Maria não desistisse de seu sonho e por ter um filho pequeno teria uma flexibilidade maior de horários. “Eu sempre gostei muito de ter minha independência, foi uma das questões que eu escolhi, ser dona do meu negócio. Eu tenho vários projetos para noivas, buffets, faço parcerias e cresceu assim, do nada.” Ter o próprio espaço ajudou em muitos aspectos, um deles, em relação ao seu convívio familiar. O marido trabalha fora e antes do ateliê Maria trabalhava em casa. Nos finais de semana, Maria queria sair, passear com a família, já o esposo queria relaxar em casa. “Hoje eu tenho prazer de ficar em casa, ficar com eles, curtir a família, porque agora tenho o meu espaço e acho que

foi a melhor coisa.” Há quatro meses Maria é dona do ateliê. Como qualquer empreendedora, algumas dificuldades apareceram em seu caminho. A primeira delas, foi com a família do esposo, que é turca e tem como cultura a mulher que cuida apenas da casa, marido e filhos. Maria conta que algumas pessoas não acreditam que uma mulher é capaz de construir seu próprio negócio, até mesmo seu marido, que sempre a apoiou, já questionou se ela estaria dando conta. “Ele está assustado porque estou conseguindo levar tudo sozinha. Mas é lógico que dou conta. (risos)”. Maria acredita que as mulheres estão conseguindo mostrar que são donas de seus empreendimentos, principalmente em Campo Grande/MS. Maria não sonha em uma loja grande de doces, pois acredita que assim como está, no ateliê ou em alguma loja pequena, não perderá a originalidade dos seus doces e o toque caseiro. Alguns buffets propuseram que ela fizesse os doces de casamento, como bemcasados, trufas etc, mas ela ainda analisa as propostas e continuará produzindo seus doces e dando cursos para outras pessoas. “Eu vejo muitas histórias de pessoas que não se acharam e eu posso tentar dar uma ajuda nisso. Não tive uma conversa com ninguém, então se eu puder proporcionar isso para as minhas alunas, irei fazer”, conclui a empresária. A fidelização de sua clientela se dá pela qualidade de seus doces. “As pessoas pagam pelo meu doce porque sabem o que estão comendo. Eu sinto que tem muita concorrência, mas não me afeta, por causa da qualidade.” @sweetmariacg


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Mulheres Empreendedoras 9

udmilla Azambuja, de 26 anos, proprietária da Loja Dalu, começou faculdade de Letras e era apaixonada pelo curso. Como a maioria dos acadêmicos, durante a graduação procurou uma forma de ganhar dinheiro extra. Foi quando Ludmilla teve a ideia de vender roupas, já que em sua turma só havia mulheres. A empresária conta que tinha uma tia que morava em São Paulo, então ela combinou com a tia que mandaria algumas peças de roupa para que ela pudesse vender na universidade.

@lojadalu_

De 15 em 15 dias a tia ia mandando as roupas, até que chegou um momento em que toda semana era preciso mais peças. Em uma ocasião, a tia teve de se mudar de São Paulo e a Ludmilla pensou: “E agora?” A jovem conta que já estava gostando do ramo e que estava vendendo muito bem e não pensava mais em parar, então decidiu que ela faria as viagens a São Paulo e conseguiu conciliar o trabalho e a faculdade. Como estava estudando na federal, acabou sendo atingida por duas greves. Na segunda, já estava em seu último semestre. Sempre foi boa aluna, mas a parte prática do curso a desanimou e ela preferiu ficar com a venda das roupas. No começo Ludmilla vendia na faculdade mesmo, as roupas ficavam no porta-mala do seu carro e quando alguém pedia para ver, ela e a pessoa iam para o banheiro experimentar as roupas. Fora da universidade atendia em casa ou em domicílio, o que tornava as coisas mais difíceis e ter uma loja física era uma boa alternativa. Em 2013, Ludmilla abriu sua loja física, Loja Dalu. A empreendedora afirma que não se arrepende de ter parado a faculdade e que não se vê mais como uma acadêmica ou trabalhando na área de letras. “Eu me encontrei na venda sem querer”, relata a empresária. Um dos maiores desafios que enfrentou foi antes da abertura da loja. A venda em casa ou na faculdade dava as clientes uma certa liberdade em pedir fiado ou promissória, mas a jovem declara que nunca teve calotes muito grandes. Já com a loja não acontece, dá uma certa credibilidade e confiança, a cliente já vê a maquininha e paga. Ludmilla ressalta que com loja física é importante ter sempre novidade toda semana ou de 15 em 15 dias, e que a rede social, mais especificamente o instagram, é onde

mais vende e sua divulgação é apenas por lá. “Às vezes quando estou em São Paulo eu vou postando as roupas e coloco ‘em breve na loja’, e as pessoas já começam a me procurar”, declara Ludmilla. A empresária conta que vê como diferencial o fato de sempre comprar as roupas que usaria e que não induz a cliente a comprar algo que não tenha ficado legal. “Eu acho que isso seja um diferencial, porque eu não consigo mentir, se não está legal a roupa eu falo.” Sua clientela expandiu desde que abriu a loja, mas destaca que clientes que estavam com ela desde o início permanecem até hoje. Sua mãe é seu braço direito no empreendimento, a mãe fica no caixa e Ludmilla atende as clientes. “Eu gosto muito de atender, às vezes quando a loja está muito cheia, eu não consigo atender do jeito que eu queria, mas eu gosto muito de montar look para cliente”, conta a jovem, e afirma que se não tivesse aberto a loja física, talvez o seu negócio não teria ido adiante.


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enata Kelen, de 32 anos, dona do Studio Renata Kelen é empresária, mãe de dois filhos, esposa e dona de casa. Natural de Belo Horizonte/MG, antes de entrar para o ramo de maquiagem, Renata era corretora de imóveis. Por hobby, sempre maquiou as amigas e gostava de se maquiar. Quando houve o estouro de blogueiras e tutoriais no youtube foi quando começou a se interessar mais, até porque sua profissão exigia estar sempre bem arrumada. Então durante a semana trabalhava e nos finais de semana maquiava as amigas, mas ainda puramente por hobby. Sua trajetória começou quando uma amiga pediu que Renata a maquiasse para o casamento. “Eu fiquei super nervosa, mas ela fez questão, porque ela gostava mesmo da forma como eu fazia e eu acabei a maquiando para o casamento”, conta. Durante o momento em que estava maquiando a amiga, ela indagou: “Re, porque você não leva o ramo a sério? Você gosta do que você faz, as pessoas gostam, você tem produto, você tem cliente, você tem tudo na mão”, lembra. Foi quando, segundo Renata, a amiga

tocou em um ponto crucial: filhos. “Eu já estava planejando ter o meu primeiro filho, mas a minha dificuldade era o ramo de corretagem, por ser um ramo muito instável, a hora que dá para o cliente, você tem que sair correndo.” Com a dica da amiga, Renata pediu as contas e entrou com tudo no mercado de maquiadora. Mesmo sem ter cursos na área, participou de uma seleção para trabalhar em um salão renomado de Campo Grande/MS, a dona amou o trabalho e já começou a trabalhar. Trabalhando em salão, era preciso o registro em carteira, então a Renata estava na mesma situação da corretagem. Depois de uma conversa, a dona do salão aceitou que ela fosse somente freelance, assim também ela poderia atender outras clientes por fora. Em determinado momento, já havia tantas clientes por fora, que Renata não conseguia mais atender no salão, foi quando percebeu que não precisava mais de um salão para sobreviver na profissão. A partir disso, Renata decidiu abrir um espaço para atender suas clientes. Primeiro iniciou atendendo em seu apartamento, mas em apenas um ano já começou a ficar impraticável o atendimento, pois atendia muitas noivas e normalmente, junto com as noivas, vinham fotógrafos, cerimonialista, madrinhas, mãe, irmãs.


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“Tinha sábado que meu marido saia com meu filho e os clientes tomavam conta até da sala. (risos).” Foi quando surgiu o sonho de ter um estúdio focado para o ramo de noivas. “Ramo de noivas é de muita responsabilidade e a gente tem de oferecer muita qualidade”, declara a empresária. Neste ano faz um ano desde que Renata começou com o estúdio e mais de quatro anos que se encontrou na especialidade de maquiagem. O atendimento inicialmente era cabelo e maquiagem mas, por conta da demanda e pedidos das próprias clientes, os serviços foram ampliados para manicure, sobrancelha, corte, hidratação e quartos de noiva. O principal diferencial está na forma em que trabalha no estúdio, que não se parece nem um pouco com um salão, que normalmente é cheio e tumultuado. A ideia é trazer aconchego, ambiente mais calmo e familiar. Uma das dificuldades encontradas foi pensar na ampliação, porque tudo que vai crescer exige um investimento, principalmente na área estética. Outra dificuldade apontada pela empresária é achar profissionais capacitados e comprometidos para montar a equipe. Hoje, o Studio Renata Kelen já conta como uma equipe qualificada e treinada. “Foi todo um caminhar para conseguir montar minha equipe. Eu treinei minha equipe,

são pessoas de confiança, até porque é o meu nome que está em jogo”, destaca. Para Renata, ser mãe, esposa e empresária às vezes pesa, porque não há tempo para ela ficar um pouco sozinha, relaxar. Mesmo esgotada de atender o dia inteiro, ao chegar em casa ainda atende aos filhos. “Chego em casa, meus filhos estão com saudades e querem brincar comigo e não tem como negar. Eles gostam que eu corra atrás deles, que eu faça cosquinhas e eu não quero deixar passar essa fase sem participar dela, então eu me esforço ao máximo.” Renata resume sua vida de empreendedora em uma analogia que ouviu. “Um avião para alçar altos voos, a primeira coisa que faz é colocar toda a força no motor, ele coloca 80% da força do motor ali e vai e faz toda a força na pista, e depois que ele alça o voo ele consegue fazer toda a viagem a 30% da capacidade da força do motor. Só que ali ele já foi, o primeiro esforço ele já fez, então ele consegue chegar a qualquer lugar que ele quiser. Então é a mesma coisa com a empresa, no começo você coloca toda a força, investimento, a força física, força mental, força emocional, em todos os sentidos para conseguir dar o máximo e conseguir alçar esse voo, alçando esse voo vai naturalmente e sem fazer muito esforço. E isso é legal, entender que é momento, é fase, é início”, conclui. @studiorenatakelen


Especialista Responde

12 Sobre Elas

com Luciana Azambuja

Dúvidas frequentes sobre os direitos da mulher

De acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) a cada uma hora e meia uma mulher é morta pelo simples fato de ser mulher. O Datasenado constatou que uma em cada cinco mulheres declara já ter sofrido algum tipo de violência e em 70% dos casos o agressor é o ex ou o atual parceiro. A Lei Maria da Penha (Lei Federal de nº 11.340/2006) existe e de acordo com a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (SEDHAST/MS) é a mais importante ferramenta de proteção às mulheres que sofrem violência doméstica e familiar no Brasil. Mas você sabe quais são os tipos de violência reconhecidas por ela? A advogada Luciana Azambuja, que está à frente da Subsecretaria de Estado de Políticas Públicas para Mulheres (SPPM/MS), é a nossa Especialista da edição e responderá essa e outras dúvidas que ainda não foram esclarecidas para nós, mulheres.

Quais os tipos de Violência que a Lei Maria da Penha reconhece? A Lei Maria da Penha prevê cinco tipos de violência contra mulher, sendo violência física e sexual, as que deixam marcas, consideradas violências visíveis; além da violência psicológica, moral e patrimonial, que nós temos chamado de violências sutis, que não deixam marcas. Mas

além dessa lei, e das violências que deixam marcas, a gente também trabalha com a violência de gênero, pelo tráfico de mulheres, assédio moral, assédio sexual, violência sexual não decorrente do ambiente doméstico ou familiar, os estupros, violência obstétrica e várias outras violências que se a gente for parar para pensar no porquê delas ocorrerem, chegaremos a conclusão que é em razão da condição feminina.

Quando a violência for feita a uma menor de idade, o que muda? Quando uma menor de idade sofre a violência, são duas situações que a menina pode passar. A primeira é a violência doméstica/familiar, decorrente da negligência ou do abuso dos pais e responsáveis, que é caracterizado como uma violação de direitos tipificado no Estatuto da Criança e do Adolescente (Eca), nesse caso a menor de idade é levada para Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA). A segunda é a violência de gênero, quando ela pode ser vítima do namorado ou violência sexual de algum familiar, que daí não é a violação de direitos que o Eca tipifica, do papel de protetor e prioritário de interesse da criança e do adolescente.

Já houve casos desse tipo em Campo Grande/MS?


Especialista Responde 13 Já tivemos casos aqui com meninas de 12, 13, 14 anos, vítimas de violência doméstica por parte do “namorado” com quem ela teria um “relacionamento”. Quando a gente questiona que tipos de relacionamentos meninas dessa idade estão iniciando e se submetendo a algumas situações violentas é bastante preocupante, por isso a necessidade de falar sobre o assunto, a necessidade de discutir gênero, discutir desigualdade de gêneros, violência de gênero e estratégias do poder público para combater essas violências. Mas, de qual forma, a sociedade pode participar disso, a ponto de sensibilizar outras pessoas a mudar esses comportamentos, esse é o desafio.

No caso da violência ser feita a uma maior de idade, quem ela deve procurar? A mulher vítima de violência doméstica ou familiar, ou vítima de qualquer violência de gênero deve procurar em Campo Grande a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), que é na Casa da Mulher Brasileira. Já no interior, qualquer delegacia de polícia ou as delegacias de atendimento à mulher. Quando a gente quer registrar a ocorrência procura a Polícia Civil, em caso de urgência ou emergência, que uma mulher está sendo vítima de agressão, a violência que viola a integridade física dela, qualquer pessoa pode acionar o 190, chamar a Polícia Militar, os Bombeiros e a viatura que estiver mais próxima vai fazer esse socorro por esse número.

O que é a Casa da Mulher Brasileira? Quais são os serviços para as mulheres lá dentro? A Casa da Mulher Brasileira é um local que concentra todos os serviços voltados à mulher. Caso sofra algum tipo de violência, ela pode ir para a Casa da Mulher Brasileira, lá ela vai ser acolhida por uma equipe psicossocial e vai


14 Sobre Elas ser orientada sobre os serviços que estão à disposição dela. Às vezes ela não quer fazer a denúncia da violência doméstica, mas ela quer sair de casa e preservar o direito a guarda dos filhos, então ela tem a defensoria que vai orientá-la. Na Casa da Mulher Brasileira a mulher tem toda a orientação, atendimento e acolhimento necessário para conseguir o que precisa.

Se alguém ouvir barulhos estranhos em algum local, gritos de socorro ou até mesmo ver alguma violência contra a mulher, o que pode fazer para ajudar? Quando isso ocorre, a pessoa pode ligar no 180, que é a Central de Atendimento à Mulher do Governo Federal, é um disque denúncia, um serviço de informação e orientação, funciona 24 horas, todos os dias e não precisa se identificar. Quando a gente fala do 180, é importante a gente frisar que a pessoa que está denunciando tem que dar todas as características do agressor, agressora ou a vítima, por exemplo: Eu posso ligar no 180 agora e falar que na Rua Pedro Celestino, número 437 tem uma casa amarela que todo dia que eu passo lá eu escuto uma mulher gritando e eu imagino que ela seja vítima de violência, o 180 registra e manda para as Delegacias de Polícia dos Estados, daí essas delegacias tomam essas atitudes de procurar saber, de averiguar.

Quando a mulher sofre violência, mas tem medo de denunciar e não quer que ninguém ajude, há alguma outra opção que não a prejudique? Há sim outro tipo de atendimento. Isso ocorre porque ela não está preparada para encarar sua realidade ou ela pode estar tão fragilizada e anulada que já não se vê mais como vítima de violência. O número que estamos divulgando é o 0800 671 236 do Centro Especializado de Atendimento à Mulher (Ceam), funciona de segunda a sexta no horário comercial, das 7h30 às 17h30, e nós temos atendimento continuado, terapia, psicólogas e assistentes sociais, absolutamente gratuito e sigiloso. O Governo do Estado oferece vale transporte

para essas mulheres que são atendidas, temos também uma brinquedoteca na parte da manhã e da tarde com pedagogas que ficam com as crianças enquanto as mães são atendidas. Essas pedagogas também foram capacitadas para perceber se as crianças manifestam algum sinal de que já sofreram alguma violência, conforme o caso, a gente aciona a Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) ou o Conselho Tutelar.

Em sua opinião, o Feminismo é importante para a mulher? Tenho que deixar claro que o feminismo e o machismo não são antagônicos. O machismo é a pessoa que acredita no poder do homem sobre a mulher. Homens e mulheres são considerados machistas porque acreditam que mulheres são inferiores e devem ser dominadas pelos homens. O feminismo não acredita e nem prega que a mulher é superior aos homens, que eles não devem ser escutados nunca. A mulher feminista não é a que não se depila, não é a que não se penteia ou a que deixa de sair maquiada ou de usar perfume. O feminismo é um movimento importante que busca a igualdade de direitos, oportunidades e de responsabilidades entre homem e mulher. Temos ainda uma sociedade muito machista, ainda patriarcal, não só em Mato Grosso do Sul, não só no Brasil, não é uma exclusividade nossa. Porém, em relação a alguns países, nossos jovens discutem feminismo, igualdade de gênero, há uma participação maior dos jovens na política, então eu acredito que a gente tem duas formas de mudar culturas e comportamentos, através da educação e através da política, política sem educação não funciona. A partir do momento que a gente tiver mais mulheres, mais jovens discutindo esse assunto, a gente tem homens e mulheres dispostos a fazer a defesa das pautas específicas das mulheres nos parlamentos e nas casas legislativas.


Especialista Responde 15


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Mulheres na Engenharia

história das mulheres são devido à sua presença ser frequentemente apagada, seus vestígios desfeitos e seus arquivos destruídos.

Desconstruindo o preconceito

Realidade de mãe e filha na Engenharia Civil

O

livro História da Engenharia no Brasil, de Pedro Carlos da Silva Telles, conta que em 1873 foi originada a Escola Politécnica no Rio de Janeiro. Naquela época, as mulheres ainda estavam impedidas de estudar em cursos universitários, algo que mudou a partir de 1879. A única aluna na Politécnica de São Paulo foi registrada em 1893, se chamava Eunice Peregrino de Caldas e frequentava as aulas apenas como ouvinte. Nada mais foi encontrado a respeito dela nos arquivos da Universidade de São Paulo (USP). A pesquisadora Michelle Perrot afirma que as dificuldades vivenciadas para escrever a

Engenheiras começaram a se formar no início do século XX. De 1919 a 1922, receberam diplomas Edwiges Maria Becker, Anita Dubugras, Iracema da Nóbrega Dias e Maria Esther Corrêa Ramalho. Ou seja, em quatro anos, apenas uma engenheira formou-se por ano na Politécnica. Edwiges, conforme Telles, foi a primeira mulher a se matricular naquela escola. Mas foi Iracema, graduada em 1921, que se tornaria a primeira professora da Escola Politécnica do Rio de Janeiro. Na história, as mulheres eram minoria na engenharia, mas, conforme os anos foram passando, o cenário foi melhorando. De acordo com dados do Sindicato dos Engenheiros do Estado de São Paulo, em 2003, as engenheiras recebiam 75% do valor do salário de seus colegas homens, número que subiu para 81% em 2013.


Mulheres na Engenharia 17 Aqui no Mato Grosso do Sul, Jania Maria Rosa Acorsi, de 53 anos, é uma das mulheres que ultrapassou as barreiras estipuladas pela sociedade e hoje é uma das engenheiras mais renomadas da capital. Thaís, sua filha, decidiu seguir os seus passos e dar continuidade à história que construiu. O que levou Jania a escolher a profissão Tecnologia da Construção Civil e Engenharia foi o gosto que tomou por obras no meio de seu primeiro emprego, aos 16 anos. “Quando vim morar em Campo Grande, arrumei meu primeiro emprego na Cobel - Construtora de obras Ltda., onde comecei como arquivista. Vendo a movimentação dos muitos profissionais engenheiros, ficava encantada e comecei a amar a profissão, sempre me perguntando ‘Será que um dia vou conseguir ser uma engenheira?’ E por incrível que pareça, eu consegui. Fiz duas faculdades na área e estou atuante até hoje”, comemora. Sua família a apoiou de imediato, mas como eram em seis irmãos não tinham condições de ajudar financeiramente. Então, em sua primeira faculdade, Jania trabalhava de dia e estudava à noite. “Foi muito puxado, mas como eu me dedicava muito aos estudos me formei sem pegar nenhuma DP. Na segunda faculdade, como era em uma Federal (UFMS), tive de sair do emprego só para estudar e graças a Deus me formei em quatro anos, sendo que o curso é de cinco anos”, conta. Jania afirma que a engenharia é, em sua maioria, ocupada por homens e que até hoje a situação é a mesma. “Na época da faculdade, a média era de 70% homens contra 30% de mulheres”. Diariamente, tanto em seu ambiente escolar quanto nos estágios, Jania afirma ter sofrido com o machismo de seus colegas. “O que eles mais gostavam de falar para nós mulheres, é que estágio seria bem mais fácil de ser encontrado para as bonitinhas, isso nos deixava furiosas!”, lembra. Apesar da raiva momentânea, situações como essa não intimidavam a engenheira, muito menos a fazia pensar em desistir da profissão. “Sempre tive convicção de que seria uma excelente profissional, porque estava fazendo o que eu amava. Sabia que se eu trabalhasse assim, poderia ser melhor que eles. Desistir da engenharia jamais passou pela minha cabeça”, afirma.

Na faculdade, as maiores dificuldades que Jania sofria eram financeiras. “A falta de dinheiro complicava as coisas para mim. Tinha de sair às 5 horas da manhã de casa, tomar dois ônibus e ficar na faculdade até a noite, porque dependia dos livros da biblioteca e, como tinha aula o dia todo, somente a noite tinha tempo para fazer pesquisas, trabalhos e estudar. Daí vinha a pior parte, porque além do cansaço tinha que comer bandejão por não ter dinheiro para almoçar em outro lugar. Porém, tudo isso eu encarava com tranquilidade porque sabia o que eu queria para meu futuro”, diz. Outro problema enfrentado por ela foram as greves da Universidade Federal. “Enfrentamos duas greves dos professores e funcionários, mas como nossos professores eram verdadeiros mestres, quebravam a greve e vinham dar aulas. Para podermos estudar, nós, os próprios acadêmicos, limpávamos as salas de aula e banheiros que usávamos”. Sempre certa do que queria para seu futuro, Jania nunca deixou de falar ou agir por receio de não ser levada a sério pelo fato de ser mulher e estar em meio a homens. “Sempre fui muito ativa nesta questão, inclusive quando há licitações sempre somos nós, as mulheres engenheiras, que fazemos os questionamentos, e os homens apenas seguem nosso raciocínio”. Jania entrou para a área da engenharia ainda na primeira faculdade, no quinto semestre em 1985. “A Prefeitura Municipal havia solicitado que a Faculdade, na época Cesup, hoje Anhanguera, enviasse para o setor de recursos humanos o histórico dos melhores alunos. Então, foram selecionados dois alunos, sendo um homem e uma mulher, e essa mulher era eu. Fiquei imensamente feliz em poder entrar para um órgão público e ser contratada como fiscal de obras ainda tão nova”, conta. O preconceito existia desde essa época, segundo Jania, que trabalhava em meio a 40 fiscais homens contra cinco mulheres. “Era quase normal a gente entrar na sala e ouvir boatos maldosos, mas nunca baixei a cabeça para esses tipos de atitudes”. Durante 12 anos, Jania trabalhou como funcionária e após o nascimento de sua primeira filha, Thaís, em 1994, resolveu dar mais atenção a ela. “Depois da minha filha nascer, eu tive de trabalhar por conta própria para


18 Sobre Elas dar mais atenção a ela, então pedi minha demissão na Cobel, uma das maiores construtoras do MS e sai com a cara e a coragem começando a participar de pequenas concorrências”. Após alguns problemas financeiros, a engenheira foi se erguendo e fazendo com que sua empresa crescesse cada vez mais. “Fui pegando cada vez mais obras, mudei meu escritório que era em uma sala na minha residência para uma sede própria, fui ampliando o número de funcionários e com muita garra e apoio do meu marido fomos crescendo e conquistando nosso espaço no mercado da construção civil, que a cada dia ia crescendo organizadamente, sem dívidas e com um número sempre maior de obras. Iniciamos com um funcionário registrado e em 2016, no auge da construção, chegamos a ter mais de 100 funcionários”, relembra orgulhosa. Quando sua filha Thaís resolveu também entrar para a engenharia, Jania nem acreditou. “Foi muito engraçado essa decisão dela, porque em um dia ela dizia que ia ser pediatra, no outro veterinária e, de repente, num belo dia ela ficou de recuperação no segundo ano e eu fiquei indignada, porque ela só estudava e mesmo assim ficou de recuperação. Então, como castigo, eu disse que ela iria trabalhar no período da tarde no escritório e a coloquei para fazer ordem de compras, atender telefone, ajudar a secretária a fazer cotações de preço. Em um dia qualquer, ela me disse ‘mãe, já sei que faculdade quero cursar! Engenharia!’. Fiquei surpresa e sem entender a decisão, mas ela disse que havia gostado dos serviços que estava fazendo no escritório. Então pensei em como foi bom esse castigo, ajudei minha filha sem interferir na escolha da profissão dela”, pondera. Jania aconselha às meninas que pretendem seguir nessa carreira, para que primeiramente façam tudo com muita garra e amor ao que escolheram. “Se um dia vierem a sofrer assédio, machismo ou preconceito que elas se defendem, nunca se calem! Hoje existem leis contra esse tipo de atitude”. Para Thaís, de 23 anos, formada há pouco tempo em engenharia civil, na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), o machismo não foi predominante.

“Na minha sala era 50% homem e 50% mulher. Tinha bastante mulher se você for comparar com alguns anos atrás, então respeitavam bastante”, diz. A jovem conta que no estágio, em meio às obras, era respeitada principalmente pelo fato de estar sempre com sua mãe. “Como minha mãe está há muito tempo na área, quase todos os estágios foram com ela sendo engenheira, mas é claro que quando a gente faz visitas em obras diferentes, os empregados da obra sempre olham”, conta. Thaís em nenhum momento se sentiu inferior a seus professores e colegas e acredita que o respeito vindo deles seja pelo fato de sua mãe ser também engenheira. “Mas eu já escutei sim várias amigas minhas falarem que elas não iam ter autonomia na obra, que os homens não iam respeitar, que eles iriam faltar com respeito por conta de elas serem mulheres”. Desistir do curso já passou várias vezes pela cabeça de Thaís, mas o motivo não foi o machismo ou o receio de conseguir ser bemsucedida. “Para ser bem sincera, quase todos os semestres eu tive vontade de desistir, mas essa vontade não foi por conta do machismo, nem pelo preconceito e, sim, pela dificuldade do curso, muito puxado. O curso de engenharia civil não é um curso fácil. Tem de ter muita força de vontade, tem de estudar muito, não é um curso que você consegue levar na barriga”, afirma. Thaís agora trabalha com sua mãe, mas Jania já pensa em sua aposentadoria. “Daqui uns 3 ou 4 anos, minha mãe pretende se aposentar, então, eu vou assumir o cargo dela na empresa. Vou continuar fazendo o que ela faz”, planeja. A jovem engenheira, como sua mãe, nunca baixou a cabeça em meio a discussões com colegas de profissão. “Eu nunca deixei de colocar as minhas opiniões nas discussões em sala. No estágio, a mesma coisa, independentemente de ser homem ou mulher, todos devemos respeito. Então, eu acho que não é porque eu sou mulher ou porque sou homem que eu tenho que deixar de impor minha opinião”, considera.


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Nunca

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desistir.

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Angel MagalhĂŁes

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E d i t o r i a l

Fotógrafa Meryelle de Oliveira

ais conhecida como Mery, sou fotógrafa especializada em fotografia feminina. Nasci no estado de Rondônia e atualmente moro em Campo Grande/MS. (PS: Amando ser pantaneira!). E falar de nós mesmos não é uma tarefa fácil, né? Desde sempre a fotografia feminina queimou meu coração e senti no meu interior algo muito forte, que por meio da fotografia seria e faria muita mulher feliz. Logo de cara pensei em desistir, mas a força de vontade foi maior. Desvendei muitas coisas e segredos da fotografia sozinha. Tive também inúmeras dificuldades quando morava em Rondônia, era tudo muito distante e foram diversas dúvidas e erros. Até hoje não sei lidar com a fotografia como um comércio, não sei vender fotos, porque vejo a minha profissão como uma forma de impactar vidas, ajudar de alguma maneira com essa arte de eternizar, que trabalha tanto com o nosso sentimento. Retrato a essência feminina e proporciono às mulheres uma experiência diferenciada. Nada é um impedimento para realizar um ensaio fotográfico, somos muito mais que estética, temos valores e histórias. Além disso, somos uma infinidade de corpos e formas diferentes. Somos seres livres e possuidoras de uma beleza única.

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Mães Solos

Da Joia à Corrente Com Tayana Vaz e Barbara Lima

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uita gente pode até fingir que não, mas o modelo de famílias monoparentais lideradas por mulheres é tão tradicional quanto a definição clássica de família compostas por casais. Em 2014, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), quase 28 milhões de lares brasileiros eram chefiados apenas por mulheres. O número já demonstrava que 40% das famílias no país seguiam essa formatação. No entanto, mesmo sendo um modelo familiar muito comum no Brasil, ainda são muitos os preconceitos, os olhares invertidos, as frases ambíguas e os desafios que as mulheres que criam sozinhas seus filhos enfrentam diariamente. Ou vai dizer que nunca ouviu alguém se referir a uma mãe solo como uma mãe “solteira”? E o que significa ser mãe solo? É quando a

mãe é a principal responsável pela criança, seja financeiramente ou por disponibilidade de tempo. Em resumo, não tem nada a ver com ser casada, solteira ou divorciada. Existem muitas supermães que, apesar de casadas, são as principais ou até mesmo as únicas responsáveis pela educação dos pequenos. Criando seus filhos sozinhas e matando um leão por dia, Tayana e Bárbara, ambas de 23 anos, contaram que muitas vezes são tratadas como se fossem interesseiras ou irresponsáveis e frequentemente são questionadas sobre por que estão longe dos seus filhos, por exemplo. Tayana Cristina de Melo Vaz é mãe de Maria Júlia. Aos 20 anos, com nada planejado, após um ‘flashback’, sua gravidez foi descoberta. Desde então, ela casou, foi morar junto com o pai da


Mães Solos 33 criança e assim ficaram por sete meses. Faltando pouco para a bebê nascer, decidiram terminar o relacionamento. “Desde a gravidez e depois que ela nasceu ele nunca foi um super pai. O que me ajudou e ajuda muito até hoje é a mãe dele. Maria Júlia mora comigo e, além da avó paterna, minha irmã me ajuda também. São pessoas sempre presentes”, diz. Quando soube de sua gravidez, Tayana não queria mudar sua realidade e pensou em abortar. Após conversas com os pais, mudou de opinião e decidiu assumir sua responsabilidade. Pensando em largar a faculdade e começar a trabalhar, ela sabia que sofreria problemas, devido ao preconceito com grávidas no mercado de trabalho. “Eles não falam diretamente, mas quando uma mulher tem um cargo em alguma empresa, se o filho fica doente ou qualquer outra coisa é a mãe que normalmente falta. Na faculdade mesmo, em aula, já me pediram para eu me retirar porque eu tive de levar ela. Então, são situações complicadas e que não conseguimos contornar”, conta. Ela sabia que o relacionamento não iria dar certo, pois as brigas eram constantes, e não poderia haver dependência alguma da parte dela. Então, Tayana continuou a faculdade, foi as aulas até dois dias antes de ganhar sua filha e quando tirou a licença maternidade, não parou, continuou com os trabalhos em casa e, com a ajuda da irmã, conseguiu conquistar seus objetivos. Para Tayana, foi difícil se adaptar a esse novo mundo, ainda mais durante a gravidez quando ouvia várias histórias, e acabava cada vez mais confusa e assustada. Por mais que ela tivesse todo o apoio da família, eram muitas informações dferentes para digerir. A dificuldade em ser mãe nova, de acordo com Tayana, é devido ao preconceito existente no mercado de trabalho, além do problema em sair para se divertir e ser criticada. “Querendo ou não você acaba tendo alguma coisa presa, não dá pra ficar pedindo, porque é chato e ninguém também tem obrigação, então você fica naquela super responsabilidade”, considera. Tayana sofreu durante a gravidez com as

desconfianças do pai de sua filha. “Ele suspeitou que ela não era dele o tempo todo durante a gravidez. A gente não tava juntos quando aconteceu e por isso ele desconfiou de mim. Só quando ela nasceu, que ele parou com isso, porque ela era a cara da mãe dele”, admite. Tayana teve uma gestação de risco, tendo que tomar anti-abortivos durante os nove meses. Desde os cinco, já sentia constrações, passava muito mal e acabava indo para o hospital. Após o nascimento da bebê, ela demorou quase um mês para se adaptar a essa nova fase. “Não dá para romantizar, é assustador! Porque enquanto está na barriga é mais fácil, a vida está normal praticamente. Quando ela nasceu, eu realmente assustei, nem sabia pegar a neném! Tive de aprender tudo, porque eu não ficava perto de crianças”, confessa. O início da amamentação também foi um momento complicado para Tayana. Ela conta que doía muito, machucava e até saía sangue. Mas era devido à falta de técnica e pouca prática. Depois de aprender, tudo foi melhorando e hoje, com três anos, Maria Júlia ainda mama. Suprir todas ou pelo menos a maioria das necessidades de uma criança não é tarefa fácil. Tayana conta que, conforme o tempo passa, você acaba descobrindo, pois não é padrão, hoje é uma coisa e amanhã outra. A criança vai crescendo e cada dia é uma novidade. Na parte da educação, Tayana confessa que já é complicado por si só, e fazer isso sozinha complica ainda mais. É necessário ter uma boa base familiar. Maria Júlia recebe pouca assistência do pai, segundo Tayana. Após problemas e ameaças de retirar a criança da mãe, a Justiça teve de ser acionada para a regularização da pensão e para que a guarda fosse feita e respeitada. “Quando eu preciso que ele fique com ela, até hoje ele fala ‘Ah já que você não dá conta, passa a guarda dela pra mim!’ e mesmo assim não fica com ela, toda vez é isso! Ele não tem noção da dificuldade que é criar uma criança. Ficar um dia ou dois, não é nada! Ele já ficou quase três meses sem ver ela, um absurdo”, revela. O preconceito na vida social de Tayana ainda é constante. Em uma noite, ela estava no bar e um cara


34 Sobre Elas perguntou seu nome e foi procurar no Facebook. Ao ver uma foto na rede social, ele comentou que ela era muito linda, mas que estava ‘de boa’ de pagar pensão. “Isso já aconteceu várias vezes! Comentários do tipo: ‘Sua filha não está precisando de um pai?’ Totalmente desnecessários. Tive de mudar minha rotina, me adaptar, porque antes minha vida na faculdade era só festa. Amadureci muito e penso sempre que preciso ser alguém pela minha filha. Ela vai descobrir o mundo e eu preciso mostrar alguma coisa pra ela”, diz. Há dois anos, a jovem entrou com um processo de violência contra o pai de sua filha, devido a uma ameaça que ele havia feito para as duas. Este ano, a audiência saiu e devido ao desespero e pedido da avó da criança, ela retirou a medida protetiva. Tayana conta que estavam em uma ‘guerra’ e a que mais sofria era a bebê, apesar dela gostar e chamar sempre pelo pai, ele não se importa com a filha. Ela afirma que abandono afetivo também é crime e que retirou o processo pensando na melhora dele como pai, mas até agora, nada mudou. Barbara Santiago Lima é estudante de Engenharia Civil, nascida em Bela Vista e que veio para Campo Grande para cursar o Ensino Médio. Em seu terceiro ano, 2010, começou a namorar um garoto do colégio e eles se davam bem, mas havia um conflito em Barbara, pois sua família é católica e seu namorado não é da mesma religião. Os costumes e crenças do jovem casal afetava a relação de Barbara com os amigos da igreja e com os pais. “Eles não aceitavam muito, mas sempre respeitaram a minha escolha”, relata. Barbara sempre participou das atividades da igreja e em uma das viagens para um acampamento cristão em São Paulo, a fé de Barbara foi fortalecida e aprendeu a orar em línguas. Na viagem de volta

para Campo Grande, quando todos estavam dormindo, um rapaz procurou a estudante e disse que havia uma mensagem muito especial para ela, mas que ainda não iria contar para não assustá-la. Nove meses depois, Barbara descobriu que estava grávida. “Foi um susto muito grande, nunca imaginei que essas coisas aconteceriam comigo”, lembra. Antes da descoberta da gravidez, Barbara conta que estava em um churrasco na casa do namorado, quando o pai do garoto, que era muito fervoroso em sua religião, conversava sobre coisas que a deixavam desconfortável, mas nesses momentos sempre tentava mudar de assunto. Quando a jovem foi embora do almoço, ela conta que o namorado ligou e disse que precisava conversar com ela, dizendo que o pai dele havia sentido que haviam cinco pessoas no almoço, sendo que no dia só estavam os pais do namorado, o namorado e ela. “Foi quando juntamos as peças e caiu a ficha de que era uma gravidez. Foi um desespero, porque eu era muito nova, mãe com 19 anos, ele com 20, tínhamos acabado de entrar na faculdade e não queríamos aquilo naquele momento”, conta. No dia seguinte, B a r b a ra fo i a o médico para fazer ultrassom e a gravidez foi co nf i r m a d a , j á estava com seis semanas. Com a descoberta, a jovem pesquisou na internet alguns chás abortivos, até que uma semana depois, o casal aceitou a situação e foi comunicar aos pais. A notícia foi dada a mãe de Barbara quando ela chegou na capital para acompanhar a filha no final de semana do Enem, pois a jovem ainda iria tentar uma universidade federal. No domingo, depois da prova, pouco antes de dormir, Barbara contou sobre a sua gravidez para a mãe. “Choramos muito, porque tudo iria mudar e veio à tona toda aquela polêmica de ser mãe nova, de contar para uma família tradicional, da aceitação deles, e principalmente do meu pai”, relata.


Mães Solos 35 Quando a mãe de Barbara voltou para Bela Vista foi quando a jovem realmente se sentiu sozinha, perdida e sem imaginar como seria dali para frente. Durante aquela semana a notícia foi contada para os pais do namorado e eles decidiram que não iriam se casar por sempre muito novos, mas que iriam dar do bom e do melhor para a criança. Depois de uma conversa com os pais, o jovem casal alugou um apartamento e foram morar juntos. Barbara lembra que os dois primeiros meses foram muito difíceis, pois os amigos da igreja e da faculdade se afastaram, quando percebeu quem realmente estava ao lado dela. “As pessoas julgam sem saber o que se passa na sua vida. Pessoas que eu mal conhecia me estenderam a mão e me ajudaram de uma forma que eu devo muito a elas.” A ajuda que a estudante fala é mais do que a financeira, e sim, emocional, um ombro amigo, ajudas que a fizeram amadurecer. Os familiares também a acolheram e estavam com ela sempre que precisava, a auxiliavam com médico, ultrassom, faculdade etc. Neide, a avó paterna do seu filho, foi uma segunda mãe para Barbara. Quando o pequeno Gabriel nasceu, a relação com o namorado ainda era boa, mas quando as responsabilidades com a criança, trabalho e faculdade começaram a bater na porta as coisas começaram a desandar. “Tivemos que nos adaptar a vida corrida e diferente dos outros jovens da nossa idade. Era muito difícil dizer um ‘não posso’ quando os amigos chamavam para sair ou não ter mais ‘amigos’ por perto.” Essas situações começaram a trazer muitas intrigas para o casal. Barbara ficava muito emotiva, pois não era daquele jeito que havia imaginado uma relação com um filho e os pais. “Tive princípios de depressão, ia ao psicólogo, tomava alguns remédios, mas nada me fazia muito sentido”, ressalta. Com seis meses de vida do Gabriel, o casal

terminou o namoro e o garoto voltou para a casa dos pais e a jovem ficou no apartamento por mais dois meses para cumprir o contrato imobiliário. Barbara afirma que foram os piores dois meses da vida dela, se via perdida, sem rumo, parou de frequentar a igreja e com falsos amigos ao lado começou uma vida de balada. Nos finais de semana em que os pais dela não vinham para Campo Grande, Neide, avó paterna de Gabriel, ia para o apartamento da estudante. “Eu deixava Gabriel dormindo com ela e saia para rua. Não me orgulho disso e me arrependo amargamente de como fui capaz de tanto egoísmo”, admite. Em 2013, Barbara vo l to u a m o ra r com a irmã e aos poucos a vida foi tomando forma, voltou no ritmo da faculdade, escolheu melhor suas amizades e é assim até hoje. “Não sou a mãe perfeita, mas me esforço toda manhã só para poder ver um sorriso daquela criança que me acorda todos os dias.” O contato de Barbara com o pai de Gabriel é apenas em relação ao filho. Hoje, a guarda do Gabriel é da mãe e aos finais de semana a criança fica com o pai e quanto às questões de pensão, a jovem afirma que não se preocupa e não cobra, pois sabe que ela não deixará faltar nada para o filho. Para Barbara ser mãe é pensar sempre no filho primeiro, é fazer tudo em dobro, é voltar a ser criança, saber todos os desenhos atuais e se pegar cantando músicas infantis no trânsito, é pensar que existe uma vida acima da dela. “Deus já tinha tudo planejado para mim, desde quando nasci, de quando vim para Campo Grande, de quando fui naquele acampamento e não há forças no mundo que possa mudar as vontades d'Ele", acredita.


Feminismo em Pauta

36 Sobre Elas

A

palavra feminismo muitas vezes assusta porque dentro da sociedade que vivemos foi criado um conceito errôneo. Precisamos sim falar de feminismo e é necessário entender o contexto do movimento para então formar uma opinião sobre o assunto. Feministas não são mulheres que odeiam os homens, mas sim mulheres que lutam para que todas as outras mulheres sejam protagonistas de suas histórias.

Fernanda Reis, de 37 anos, é graduada e mestre em História e doutoranda em História, tendo como linha de pesquisa: Identidade, Fronteira e Representação. Natural de Pelotas/ RS, há 12 anos mora em Campo Grande/MS. Com 15 anos começou a militar nos movimentos sociais e se encontrou no movimento feminista. Em Pelotas ajudou na formação do Grupo Autônomo de Mulheres de Pelotas (Gamp) e, desde então, sua trajetória tanto pessoal quanto acadêmica tem base nos estudos feministas. Fernanda explica que o feminismo é um movimento plural, desde o feminismo mais tradicional até o transfeminismo. São movimentos de mulheres que lutam pela libertação, emancipação das mulheres em todos os sentidos, em relação ao trabalho, à violência contra a mulher, em relação a igualdade de gênero. Nas palavras de Fernanda, ser feminista não é a mulher deixar de se depilar, é poder usar batom se quiser, maquiagem, salto, poder ser casada, ter filhos, para ser feminista não é preciso deixar de ser feminina. O feminismo luta pela questão da igualdade de salários e pelo direito de acesso a determinadas funções dentro da sociedade. O feminismo discute a questão da sexualidade feminina, o direito sobre o corpo, as decisões, a desconstrução da

ideia da natureza feminina, da sensibilidade, maternidade, a emancipação, libertação da mulher enquanto sujeito histórico, em que a mulher possa ser a protagonista de sua história. Como historiadora, Fernanda em seu campo de estudo questiona sobre o papel da mulher dentro da história. “Durante muito tempo a história foi escrita por homens, inclusive homens brancos e ricos, enquanto as mulheres permaneciam confinadas ao silenciamento do lar, do espaço doméstico. Ao longo do período escolar ouvimos rapidamente sobre Joana D’Arc, mas quantas outras mulheres fizeram história e não as conhecemos? Grandes conquistas que vieram a partir do movimento feminista. Com o decorrer da história, dos movimentos que ocorreram na Inglaterra, posteriormente sendo espalhados pela Europa e chegando ao Brasil, as mulheres estão tentando apenas ocupar o seu espaço, construir a sua história. É preciso desconstruir a ideia que as mulheres querem ser superiores aos homens, de que querem dominá-los”. Segundo ela, o movimento não anseia uma troca de papéis. “A luta é para que nós, mulheres, possamos ser vistas dentro da sociedade que vivemos, nos lugares que trabalhamos. Não queremos ser silenciadas em nossas opiniões ou silenciadas por meio de violência de todo tipo, psicológica, física ou material”, afirma. Fernanda explica que historicamente a sociedade foi constituída pelo patriarcado, que nada mais é que o homem ter o poder primário de liderança política, autoridade moral, privilégio social e controle de propriedades. Em outras palavras, o homem branco e rico tem o poder sobre qualquer outra classe social ou gênero.


Feminismo em Pauta 37 Esse patriarcado foi instituído de pai para filho de uma forma tão forte dentro da sociedade, que muitas mulheres e homens reproduzem e afirmam o machismo, no qual a mulher tem de casar, ter filhos, ser do lar, ser submissa ao marido. “O feminismo não quer ensinar as mulheres a não se casarem ou a não terem filhos, mas ensiná-las que podem escolher se querem casar ou ter filhos”, pondera. Isso significa libertação, emancipação, autonomia de suas escolhas. Fernanda acredita que o momento político que vivemos causa o silenciamento das questões de preconceito, do machismo, do patriarcado. “As pessoas estão reclamando que tudo hoje é politicamente correto”, declara. Mas há uma tentativa, por meio dos movimentos

sociais, de ensinar a sociedade a repensar os seus conceitos. “O avanço conservador do cenário político do Brasil e um fundamentalismo religioso tomou conta do cenário social e estão desfazendo todo um trabalho feito há anos. Agora é preciso ensinar tudo de novo. Não, você não pode tratar uma mulher assim. Você não pode tratar um negro desse jeito. Você não pode matar um gay por ele ser gay. É assustador como tais crimes estão se tornando comuns e justificados pela lógica patriarcal. Essa relação de poder faz com que um homem bata em uma mulher porque o jantar não está pronto, e ele entende que isso é normal. Você acha isso normal?”, questiona. A estudante de serviço social Nuala Lobo, de 23 anos, faz parte do Coletiva Avante Negra,

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38 Sobre Elas um coletivo on-line que trabalha com todo tipo de informação e conteúdos voltados para a comunidade negra. Nuala se auto rotula feminista e defende o feminismo interseccional, em que acredita que o fato da mulher ser mulher traz ainda outros fatores que influenciam em sua vivência na sociedade, como raça, classe, peso etc. “Uma mulher branca, magra, loira, rica não vai ter a mesma vivência, ela não vai sofrer as mesmas coisas que uma mulher periférica, gorda, negra, mãe solteira”, explica. O feminismo que defende parte da luta por equidade e não igualdade, pois acredita que antes da mulher ser tratada como os homens, é preciso que as mulheres sejam tratadas igualmente, partindo da ideia de que uma mulher negra não sofra racismo, uma mulher gorda não sofra gordofobia ou que uma mulher por ser transexual não sofra transfobia. Em relação aos movimentos feministas de Campo Grande/MS, a estudante declara, comparando aos movimentos de São Paulo/SP, por exemplo, que a capital sul-mato-grossense está atrasada na questão de mobilização e união das forças femininas. “Temos pouquíssimos coletivos e os poucos que temos são de maioria partidárias que acabam excluindo várias mulheres”, afirma. Para um crescimento desses movimentos, Nuala acredita que as rodas de conversa são importantes, mas os trabalhos dos movimentos devem sair dessas rodas e partirem para a ação. “Ato é uma coisa que não acontece, temos vários casos de machismo escrachadas, machismo pelos vereadores, dentro da câmara, casos de pedofilia que aconteceu com os vereadores e até agora não aconteceu nada, e provavelmente não vai acontecer”, lamenta. A estudante pensa que é necessário mudar a cultura da mulher sul-mato-grossense, fazer com que elas tenham coragem de lutar mais ativamente pelos seus direitos. Nuala lembra que Mato Grosso do Sul está no topo do ranking da violência contra a mulher e que o estado tem uma das maiores populações indígenas do país, sendo que as mulheres indígenas também sofrem com a violência e por morarem em regiões afastadas, muitas vezes

nas áreas rurais, o acesso a uma delegacia, por exemplo, se torna muito mais difícil. “Sabemos que antes da Casa da Mulher Brasileira, as indígenas vinham do interior, ficavam sentadas e todas as outras mulheres passavam na frente delas. Muitas vezes elas voltavam para a aldeia sem ter nenhuma resposta ou denúncia pronta”, conta. O feminismo, de acordo com a estudante, é uma palavra que assusta, principalmente o homem. As pessoas têm a impressão de que as feministas odeiam os homens, de que as mulheres são superiores aos homens, mas para ela a ideia do feminismo é acreditar que as mulheres possuem as mesmas capacidades que os homens, e por esse motivo não devem ganhar um salário inferior. O feminismo acredita na liberdade da mulher poder ir a uma padaria, por exemplo, e durante o seu caminho não ouvir assobios ou comentários, pois os homens ainda têm o pensamento de que dominam o corpo de uma mulher. O feminismo defende que as mulheres devem escrever sua própria história. Juliana Benfatti, de 26 anos, é advogada e juridicamente defende os direitos das mulheres e o feminismo. Juliana explica que o feminismo é um movimento político e social que tem por objetivo a equidade entre homens e mulheres, a ideia é tratar da desigualdade social para então conseguir uma igualdade de fato. Segundo ela, a partir desse pensamento é que surgiram medidas afirmativas, que são projetos para atingir a equidade, como por exemplo, cotas em universidades, programas de acesso de populações carentes e também, no âmbito do direito, a Lei Maria da Pena (Lei nº 11.340/06). Segundo a advogada, as mulheres foram vítimas dos mais variados preconceitos, muitos deles justificados por conta dos costumes machistas e da sociedade patriarcal. Dentre as formas de preconceito, Juliana destaca a violência física, o abuso sexual e psicológico, que ocorrem, muitas vezes dentro do próprio lar da vítima, tendo como agressor o namorado, marido, companheiro ou, até mesmo excompanheiro. Juliana destaca que a cada 15 segundos uma mulher é violentada no Brasil,


Feminismo em Pauta 39 onde violência é considerada para esse contexto qualquer conduta que cause morte, dano, sofrimento físico, sexual, psicológico, material ou moral que tenha resultados traumáticos. A violência contra a mulher está tanto na esfera pública quanto privada, independentemente de sua cor, idade ou classe social. A violência contra a mulher, relata Juliana, g a n h o u d e st a q u e d e p o i s d o i n í c i o d e movimentos feministas que conseguiram trazer à tona discussões sobre relação de poder. Depois de décadas de lutas em razão da discriminação sofrida, em 2006 as mulheres conquistaram a Lei Maria da Penha (lei n° 11.340/06), que garantiu amparo contra a violência de gênero. A Lei Maria da Penha decorre da forma histórica com que as mulheres brasileiras alcançaram progressos na estrutura da sociedade. A advogada ressalta que, na maioria das vezes, a violência decorre de relação íntima de afeto, que expõe as vítimas a um lar violento, marcado por agressões. É um problema complexo, que requer muita cautela, devendo-se respeitar e conhecer cada caso, para que haja a solução adequada. Foi após a criação da referida lei que o estado brasileiro conseguiu punições mais rigorosas para os agressores. Em termos jurídicos, Juliana esclarece que a Lei Maria da Penha é um mecanismo de prevenção, proteção e punição aos crimes contra as mulheres que sofrem violência doméstica, na intenção de fazer com que essas mulheres entendam o contexto em que vivem. Mas lembra que para o cumprimento da Lei, outras medidas públicas são necessárias, como o combate à violência doméstica e familiar. Para isso é preciso o apoio de políticas públicas para se alcançar de fato um empoderamento feminino, que beneficiem o crescimento intelectual e profissional das mulheres, dando a elas condições para construir um futuro com as próprias mãos. Essa realização deve ser compreendida como direito de cidadania atingindo a todas as mulheres, sem restrições de raça, crença ou classe social, tendo uma repercussão social de direitos adquiridos pelo gênero, se distanciando dos picos de modelos individuais.

Juliana explica que é preciso um real envolvimento e comprometimento do Estado e da sociedade para que uma agressão física, que faz parte de um círculo vicioso de violência, seja estancada. “É necessário enxergar com bons olhos, olhos de quem quer ver, o quanto constitui importante marco a implementação de políticas públicas destinadas à promoção da igualdade de gênero, fazendo superar desigualdades socialmente construídas, mediante a discriminação positiva em favor do gênero feminino”, conclui a advogada.


40 Sobre Elas

Perfil

Sarah Santos

M

ulher, feminista, deficiente, dona de si (e de um sorriso cativante). Ela tem 19 anos, é estudante de Jornalismo e se você pensa que acaba aí, está enganada! Sarah tem cara de menina, mas é uma mulher cheia de força e voz, além de ser secretária da Associação de Mulheres com Deficiência de Campo Grande e estagiária da Subsecretaria de Políticas Públicas para as Mulheres de Mato Grosso do Sul. Aos 15 anos o feminismo entrou na vida de Sarah, digamos que ciberneticamente. Havia uma comunidade na internet chamada “Coisa de Meninas”, onde jovens do Brasil inteiro conversavam de tudo um pouco, desde o primeiro beijo a assuntos mais sérios. “Eu tinha uma amiga que sempre me falou muito sobre feminismo, ela era muito à frente da idade dela, tinha umas ideias que eu achava bem absurdas na época. Eu era bem conservadora e nem queria debater com ela sobre o assunto, mas eu sempre fiquei ouvindo o que ela falava até que comecei a ver que o feminismo fazia falta na minha vida e comecei a estudar e a ler sobre o assunto”, conta Sarah. No ensino médio, Sarah já se considerava feminista, mas, segundo ela, o meio em que vivia era totalmente diferente, as pessoas não aceitavam, não tinham conhecimento nem davam abertura para debater o assunto. Foi em 2015, quando Sarah entrou para a faculdade e sua mãe, Rosa Maria, entrou para a Associação de Mulheres com Deficiência Física em Campo Grande, que ela se firmou na luta feminista, com um empurrãozinho de sua mãe.

A deficiência de Sarah é de nascença, mas ela nunca havia parado para pensar sobre isso de uma maneira coletiva, dos direitos de uma pessoa com deficiência. “Nunca precisei de muito, sabe? Nunca precisei de uma rampa, de um corrimão, elevador, então eu não tinha essa noção. Participar das reuniões da associação me fez conhecer as histórias das mulheres de lá e isso fez com que eu ampliasse meu conhecimento”, afirma. As pautas da Associação de Mulheres com Deficiência Física, de acordo com Sarah, eram diversas. Desde violência obstétrica, ginecológica, falta de acessibilidade etc. “Depois de debater assuntos que não eram do meu cotidiano, eu parei para pensar ‘Caramba! Eu tenho um meio de comunicação, eu tenho uma oralidade fácil e eu não luto pela minha própria comunidade! Pela minha própria classe!’ Foi quando eu comecei, aos pouquinhos, a ter essa consciência e a estudar sobre direitos, participar de conferências”. O cargo de secretária veio por acaso. Sarah conta que numa das reuniões comentaram


Perfil 41 que estavam precisando de uma secretária e a presidente da associação pediu para ela ficar no cargo. “No começo não quis muito, por eu ser a mais nova de lá, porém, eu aceitei e fiquei. O cargo de secretária é mais administrativo, é toda aquela parte de representar a associação”. Em umas das reuniões, Sarah foi convocada para ir a Brasília representar as mulheres com deficiência de Mato Grosso do Sul. “Fui sozinha e foi a primeira vez que eu viajei sozinha. Eu já tinha estudado muito, porque sempre me interessei por esse assunto, mas eu nunca tive vivência para poder falar sobre isso, sabe? Nunca precisei de muita coisa eu sempre fui privilegiada tive educação, tive tudo adequado. Fui nessa consulta conhecer mulheres incríveis com histórias incríveis.... Eu estava lá na presidência da República! Eu não estava acreditando! ”, lembra. Nessa consulta, Sarah conta que iriam separar sete mulheres que estavam lá para ir a uma Conferência Nacional. Devido à idade dela, além do tema sobre ‘a menina com deficiência’ que abordou, ela chamou a atenção de todos, fazendo com que fosse uma das sete mulheres convocadas. Foi aí que ela sentiu essa responsabilidade de lutar pela própria classe. Um mês após a consulta em Brasília, Sarah seguiu para a Conferência Nacional, onde conheceu a ex-presidente Dilma Rousseff. “Na conferência nacional haviam mulheres negras, mulheres brancas, mulheres do campo, enfim, todas mulheres de movimentos sociais. Era muita gente, tinham 3 mil mulheres e foi muito bacana ver suas pautas e histórias”. De lá, Sarah voltou mais empoderada e militante possível. Logo surgiu um convite para um ensaio sensual do Projeto Blackout. De início, ela teve receio, mas logo cedeu e viu que aquilo seria essencial para sua autoestima. Uma conhecida de Sarah havia feito um ensaio com o fotógrafo que coordena o projeto, e ele havia comentado com essa menina que estava procurando uma jovem que tivesse uma história de vida interessante e logo o nome de Sarah entrou na conversa.

“Ele veio conversar comigo e eu contei minha vida inteira, foi quando ele comentou sobre o projeto de ensaio sensual. De imediato disse que não, porque a gente tem uma ideia de ensaio sensual, ensaio nu, daquelas meninas peitudas, bundudas, maravilhosas, sem deficiência, loira, então eu disse que não iria fazer. Primeiro porque eu acho que eu não tenho perfil e depois porque a minha família não iria gostar. Daí ele falou que a ideia não era a que eu estava imaginando e sim uma coisa mais delicada. Na época eu namorava um menino, mas o namoro acabou dois dias antes do ensaio e eu estava bem mal então eu pensei ‘ah quer saber? Eu vou fazer o ensaio sim’ e fiz”. Sarah conta que estava meio insegura no ensaio, mas que isso foi um desafio, afinal, como ela mesma disse, de que adianta empoderar várias meninas, falar para um grande público de mulheres o quanto elas são bonitas, fazer de alguma forma elas se sentirem bem consigo mesmas se você não estiver completamente confortável com seu próprio corpo? O ensaio, segundo Sarah, foi uma forma de fazer algo por ela mesma. “Quando eu vi o resultado foi quando me toquei o quanto sou linda e foi muito legal porque foi uma forma de me ajudar e, ao mesmo tempo, ajudar outras meninas a se aceitarem.”, reflete. Além de ter seu momento como modelo fotográfica, Sarah também passou pela experiência de ser modelo de passarela em um desfile de moda inclusiva. “O desfile foi com o tema da Frida Kahlo, o que achei muito bacana. Eles fizeram peças acessíveis para nós, deficientes. No meu caso, era um vestido que tinha uma fenda na cintura que amarrava com velcro, porque usar roupa com botão é horrível”, confessa. Sarah se orgulha ao dizer que onde trabalha não é somente feito leis e distribuição de panfletos, mas que o contato físico também existe. “Uma coisa que me agrada muito na subsecretaria é que fazem feira com coisas que mobilizam as mulheres para que todas possam ser alcançadas. É algo que eu tento colocar muito no meu feminismo, não adianta nada eu


42 Sobre Elas ser feminista e só ficar lá no meu computador fazendo textão, eu tenho que conversar com as mulheres da periferia, conversar com mulheres deficientes, com pessoas que não têm acesso à internet, dividir o meu conhecimento”. A estudante de jornalismo conta que, logo quando entrou na Subsecretaria, fizeram alguns projetos “bem legais”, como o Seminário de Enfrentamento à Violência contra Mulher com Deficiência, evento sobre Empreendedorismo para Mulheres com Deficiência e nos meses de abril e maio deste ano, houve um evento na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) sobre a Mídia e a Mulher, onde explicava como a mulher é retratada na imprensa. “Em janeiro eu conversei co m a l g u m a s a m i g a s e e st ava p e n s a n d o q u e existe muita política pública para mulher, mas a gente não tem alguma pensando nas meninas, crianças e jovens. Se a gente não educar as mulheres mais novas a gente não vai ter uma sociedade justa. Então, tivemos a ideia de criar o ‘Coletivo Menina Livre’ que é um grupo de empoderamento de meninas onde fazemos ações práticas, por exemplo, uma roda de conversas, aula de defesa pessoal. Em nossa última roda, a conversa foi sobre a menina e a igreja, a relação, criação religiosa e foi uma oportunidade de ver essas meninas, falar com elas”. Sarah explica que ainda há muita dificuldade em alcançar esse público e que normalmente fazem esses encontros em locais abertos, como em praças e divulgam pela internet, por meio de uma página do Facebook chamada ‘Menina Livre’. Ela admite que são poucas meninas que realmente participam do Coletivo, mas quando há eventos o público é maior. “Por exemplo, eu sou menor de 18 anos, mas já sofri assédio

na rua. Daí fica a dúvida se eu vou na Casa da Mulher Brasileira ou se vou na Delegacia da Criança, dúvidas como essa são frequentes, daí a gente levou a Luciana Azambuja para poder debater”, conta. A única autocrítica que Sarah e o próprio Coletivo tem é a de por não poder alcançar meninas de 13, 14 anos, somente de 16 anos para cima. “Eu queria muito conversar com essas meninas mais novas, mas a gente vai fazendo, vai tentando criar novas ideias para tentar atingir esse público. Eu fiz um blog onde eu escrevo sobre o empoderamento feminino e faço publicações sobre autoestima, machismo, relacionamentos abusivos, comecei a colocar coisas que eu via e vivia. Foi uma forma de colocar todos os meus conhecimentos para ajudar outras meninas”, considera. Sarah conta que o blog dá um resultado bacana, as meninas leem, comentam e entram em contato. E l a a c re d i t a q u e o feminismo está caminhando, mas algumas vertentes ainda o prende. “Por exemplo, quando uma menina ataca a outra, como uma menina pode ser feminista e outra menina não pode, se homem pode ser feminista ou não pode, enfim, eu acho que essas não são as questões mais importantes de agora, tem muita mulher ainda sofrendo violência, tem muita mulher ainda sendo assediada, tem que colocar isso como prioridade e não essas discussões pequenas. Feminismo é diálogo acima de tudo, é uma ideologia, mas tem que ter diálogo. É um movimento onde todas as mulheres devem se sentir bem-vindas, onde todas as mulheres possam discutir, conversar sobre e de forma mais acessível”, ensina.


Sem Tabu 43

Sem Tabu

Transexualidade Nua e Crua com Zoe Ibanês

T

ransexualidade. Ao ler essa palavra, o que vem à mente? Para você, qual o significado? Será que isso que está pensando é o correto? Que tal ampliar sua mente e aprender um pouquinho mais com o que vamos contar? Valerá a leitura!

(Caso algumas palavras diferentes sejam desconhecidas, ao final desta matéria, você encontrará um dicionário com as definições de cada uma delas).

A LGBTfobia, de acordo com a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, existe na nossa sociedade devido à construção de um senso comum que se impõe como se fosse só normal/ natural nascer com um sexo biológico que, de forma mecânica/binária, pode ser homem ou mulher heterossexual. Quem foge a essa “norma” vive com os seus direitos ameaçados e isso se agrava, se além de LGBT, for negra/o, pobre, mulher, indígena, pessoa com deficiência, idosa/o, criança/adolescente, gorda/o, não


44 Sobre Elas alfabetizada/o, desempregada/o, homem afeminado, mulher masculinizada, pessoa em situação de rua, entre outras características. A coletividade se faz presente quando o assunto é diversidade sexual, uma vez que, quando se pensa nisso, se incluem diferentes formas legítimas de se viver a orientação sexual, sem hierarquias e julgamentos de valores morais. O mesmo pode-se dizer em relação à identidade de gênero. Afinal, sexualidade e gênero não são atributos rígidos ou eternos nas nossas histórias, mas sim experiências culturais flexíveis e transitórias. A partir de agora, você irá conhecer a história da Zoe Ibanês. Uma garota transexual de 19 anos. A transexualidade é caracterizada como a pessoa que se identifica com um gênero diferente daquele registrado no seu nascimento. Não tem nada a ver com a orientação sexual, ou seja, por quem ela sente ou deixa de sentir atração sexual. Zoe desde pequena já se considerava uma criança diferente das outras com quem convivia, sentia que não se encaixava no padrão que a sociedade impunha às pessoas. “Quando criança morava em um apartamento e embaixo morava uma menininha e eu era cheia de bonequinhos, e ela gostava de brincar com os meus bonequinhos e eu brincava com as barbies dela, mas eram só crianças brincando com o que as interessava, com o que tinha mais afinidade”, relata. Aos 12 anos, entrando na puberdade e com as mudanças no corpo, a estudante percebeu que não gostava tanto das suas partes íntimas e que se identificava mais com o corpo feminino. Já com 15 anos, Zoe começou a ter mais conhecimento sobre orientação sexual, com o mundo LGBT, foi quando ela se reconheceu inicialmente como uma adolescente gay. A jovem não assumiu a sexualidade logo de cara. Assim como muitas adolescentes, ela tinha um diário e nesse diário havia um personagem inventado, um garoto que se cortava, caracterizando aquilo que ela vivia. A mãe de Zoe acabou lendo o diário. “Quando eu cheguei em casa depois da escola, ela estava bem estranha. Recitou algumas coisas que eu havia escrito no diário e eu percebi na hora do

que ela estava falando. Foi esse o momento que eu me assumi”, conta. O pai de Zoe nem sempre foi presente em sua vida. Segunda ela, os pais tinham uma relação instável, separavam e voltavam, por isso o contato com o pai foi pouco. Depois dos 16 anos, começou a ter ainda mais conhecimento sobre sua própria identidade de gênero. Inicialmente se identificava como uma pessoa não-binária, ao mesmo tempo que usava roupas femininas, sutiãs e tinha comportamento de menina, ainda amava manter sua barba. É como poder misturar os dois gêneros. Apesar da possibilidade dessa mistura, Zoe afirma que o não-binário sempre tem um gênero predominante e o dela era o feminino, prefere ser chamada por pronomes femininos, respeitada e vista como uma mulher. A jovem conta que aos 16 anos a pressão, por parte dos amigos, para que fizesse o tratamento da mudança de sexo foi grande. Aos 17 anos resolveu iniciar o tratamento hormonal, mas devido aos efeitos colaterais, o interrompeu. Ainda aos 17 anos, Zoe conta que fugiu de casa e morou por dois meses na casa de amigas em Brasília (DF). O motivo de sair de casa foi pelo fato de a mãe não aceitar sua sexualidade. Para se manter a estudante ajudava as amigas, que participavam de uma banda, carregando instrumentos para ganhar um dinheiro. Ela confessa que esse tempo foi crucial para saber o que realmente queria, foi um momento de auto aceitação. “Foi quando eu falei: a Zoe vai nascer aqui e vai viver eternamente”. A


Sem Tabu 45 escolha do nome, segundo ela, foi por se identificar com personagens de um filme e um seriado que gostava. O relacionamento de Zoe com a sua mãe não era dos mais fáceis, segundo a j ove m , n ã o h av i a diálogos, aceitação ou afeto. Por não aceitarem sua sexualidade, a família de Zoe a colocou em uma psicóloga para que o “problema” fosse resolvido. Depois de algumas terapias, a psicóloga percebeu que o convívio familiar afetava a jovem e, então, resolveu fazer sessões com cada membro da família até que todos entendessem toda a situação e a aceitassem como ela realmente era. “A partir disso, minha família começou a entender mais sobre o mundo LGBT. Minha mãe me aceita, respeita, e até compra roupas femininas comigo. Hoje a considero minha amiga, somos mais próximas”, declara a estudante. Zoe conta o quanto o apoio dos familiares é essencial para a vida de uma pessoa trans e o quanto tem sido importante dialogar com sua mãe e se diz privilegiada, quando comparada a algumas de suas amigas transexuais da periferia de Campo Grande. “Minha mãe paga meu tratamento hormonal, o que não é barato, além de ir na psicóloga comigo. Ela teve todo um processo de desconstrução, para entender que o que vivo não é fácil, para a gente caminhar juntas”, admite. Arrumar um emprego será um dos obstáculos que Zoe terá de enfrentar, já que ainda há uma resistência muito grande a pessoas trans para o ingresso no mercado de trabalho. “Não vai ser fácil arrumar um emprego, a não ser que as pessoas olhem para mim e não pensem em nenhum momento que eu sou trans”, acredita.

Zoe passa também por constante assédios de homens, como ir a uma padaria às 8h da manhã e a pararem pedindo programa. A jovem se incomoda com os olhares e ainda se sente julgada pela sociedade. “É nojento! Eu me sinto um lixo, isso mexe muito comigo. Na minha cabeça, se um cara está me olhando é porque ele está pensando ‘Nossa! Você é uma trans!’. Eu fico pensando em milhões de coisas ruins”, relata. Segundo ela, muitas de suas amigas preferem sair de casa à noite, pelo fato das pessoas não olharem muito para elas e não as julgarem. Há mais de cinco meses, Zoe voltou ao seu tratamento hormonal e se diz realizada e feliz com os resultados. Para ela, as pessoas já a reconhecem como uma garota cis, mas os olhares mudaram do julgamento para um olhar de desejo, de fetiche, mas que isso não a agrada. “Os olhares mudaram, mas ainda são uma bosta”, confessa. A jovem explica que toma ‘Perlutan’ mensalmente e mais alguns anticoncepcionais. Com o tempo, o espaço entre as doses vai aumentando, passando de mensal para a cada dois meses. Ela espera que seu corpo mude naturalmente com os hormônios e não pretende seguir os conselhos das amigas de colocar silicone. As pessoas ainda questionam sobre tirar ou não sua genitália, mas como o processo só pode ocorrer depois dos 21 anos é algo que ela ainda irá pensar. “Eu me sinto bem com meu órgão genital, apesar de não gostar dele”, esclarece. A parte mais burocrática, segundo a estudante, é a mudança do nome social, pois é necessária uma comprovação de um psicólogo de que a pessoa realmente é trans e mais uma documentação que prove um ano de realização de terapia. No caso de Zoe, o processo seria mais fácil, uma vez que ela já que está há dois anos em terapia. Em Campo Grande, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho (SEDHAST/MS) mantém o Centro de Referência em Direitos Humanos de Prevenção e Combate à Homofobia (CENTRHO), que tem por atribuições o desenvolvimento das políticas de defesa e


46 Sobre Elas cidadania voltadas ao público de gays, lésbicas, bissexuais, travestis, transgênero, transexuais e intersexuais do Estado de Mato Grosso do Sul. Os serviços oferecidos são acolhimento, atendimento psicossocial inicial – individual e grupo, orientação jurídica, recebimento de denúncias referentes a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero, encaminhamento a serviços oferecidos pela rede, realização de palestras e cursos sobre diversidade sexual, emissão de carteira de identificação por nome social e encaminhamento para retificação de registro civil. O CENTRHO foi criado em junho de 2006, a partir de uma parceria entre o Governo do Estado de Mato Grosso do Sul e a Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, no âmbito do Programa Brasil Sem Homofobia. Em dezembro de 2006, foi publicado o decreto 12.212, que regulamenta a Lei 3.157, de 27 de dezembro de 2005, que dispõe as medidas de combate à discriminação devido à orientação sexual no âmbito do estado do MS, que oficializa o CENTRHO ligado a Superintendência de Direitos Humanos (SUPDH). Após todas essas informações, algo mudou em sua mente? O respeito deve sempre vir em primeiro lugar, independente das diferenças, somos todos seres humanos. Temos problemas, erramos e acertamos e precisamos sempre ampliar nosso conhecimento, ouvindo e difundindo informações, além de compreensão para com todos.

MINI

DICIONÁRIO LGBTQIAP por Bianka Carbonieri

L

Lésbicas: Mulheres homossexuais. Mulheres que sentem atração sexual por mulheres.

G

Gays: Homens homossexuais. Homens que sentem atração sexual por homens.

B

Bissexuais: Mulheres e homens que sentem atração por mulheres e por homens, igualmente.

T

Transgêneros / Transexuais / Travestis: Pessoas que se identificam com um gênero diferente daquele registrado no nascimento. Não tem nada a ver com a orientação sexual da pessoa, ou seja, com por quem ela sente ou deixa de sentir atração sexual. Quando nasceu foi registradx como ‘Mulher’, porém identifica-se como ‘Homem’ e, portanto, é homem. Exemplo: Thammy (Thommy) Gretchen. HOMEM TRANS

Quando nasceu foi registradx como ‘Homem’, porém identifica-se como ‘Mulher’ e, portanto, é mulher. Exemplo: Laverne Cox. MULHER TRANS


Sem Tabu 47

Q

Queer: Um termo guarda-chuva que abraça uma variedade de preferências, orientações e hábitos sexuais das pessoas que não se encaixam na maioria heterossexual e cisgênera. O termo Queer inclui mas não é exclusivo de lésbicas, gays, bissexuais, trans e intersex. Tradicionalmente o termo seria pejorativo e ofensivo, mas muitas pessoas o usam para se auto identificar de uma maneira positiva e orgulhosa.

I

Intersex: Pessoas que nasceram com genitália ambígua (antes eram chamados de hermafroditas, mas foi descoberto que esse termo não deve ser utilizado para humanos). As pessoas intersex podem vir a ser não-binárias, mas também podem se identificar apenas com um gênero. Pode incluir outras características de dimorfismo sexual como aspecto da face, voz, membros, pelos e formato de partes do corpo.

A

Assexual: Pessoas que não sentem atração sexual por nenhum gênero, nem ninguém. Não se interessam por relações sexuais, o que não significa que não se interessam por relações e vínculos emocionais, por isso pessoas assexuais podem ter orientação sexual hetero/homo/bi. Por exemplo, um homem que não sente desejo sexual, porém se envolve romanticamente (sentimento) apenas com homens, é um homem assexual gay.

A

Ally = Aliado: Pessoas que não se identificam como LGBTQIA, porém apoiam e lutam junto pelos direitos da sigla. Termo substituto para o antigo S de ‘Simpatizante’.

P

Pansexual: Pessoas que sentem atração sexual por pessoas de todas as orientações sexuais e identificações de gênero, ou seja, toda a gama LGBTQIA, em adição H – heterossexuais. Frequentemente – e erroneamente – é confundido com atração por objetos, animais, plantas etc (o que é mentira). Também erroneamente confundida com bissexualidade, o que também é mentira pois nem todo bissexual sente atração por pessoas trans e/ou intersex. Pansexualidade já foi descrita como um meio de evitar os polos binários (homem/mulher) e o essencialismo da bissexualidade. Por que querem tirar o T da sigla? A sigla, que começou como GLS, veio para identificar


48 Sobre Elas u m gr u p o d e p e sso as co m o rie nta ç ão sexual diferente da heterossexual. Quando adicionaram a letra T (trans) essa sigla foi misturada com identidades de gênero. O problema é que, para a sociedade em geral, a sigla continua sendo apresentada apenas como LGBT e como uma sigla que fala sobre pessoas ‘não-heterossexuais’, ou seja, não fala sobre gênero. A sigla completa é apenas utilizada de maneira correta por pessoas mais envolvidas com ativismo e estudos da diversidade. Muitos ativistas de orientação sexual (lésbicas, gays, bis etc) acreditam que as lutas são extremamente diferentes e que juntá-las na mesma sigla pode atrapalhar tanto um lado quanto o outro, afinal, na maioria das vezes causa dois problemas: 1. A confusão de que trans é uma orientação sexual e não uma questão de gênero / 2. A invisibilidade das questões de gênero, já que são confundidas e não reconhecidas no todo. Essa decisão provavelmente não será tomada por meio de nenhuma votação oficial, mas sim de maneira orgânica, com o passar do tempo, assim como a adição das outras letras pós-GLS. Outros termos da diversidade sexual e amorosa: Também é muito importante entender toda essa diversidade de outros termos, como:

C

Cisgênero ou ‘Cis’: Contrário de Transgênero, ou seja, pessoas que se identificam com o gênero com o qual foram registradas no nascimento. Não tem nada a ver com a orientação sexual da pessoa, ou seja, com por quem ela sente ou deixa de sentir atração sexual.

M

Mulher Cis: Quando nasceu foi registrada como mulher e continua se identificando como mulher.

H

Homem Cis: Quando nasceu foi registrado como homem e continua se identificando como homem.

N

Não-Binários:

Pessoas

cujas

características físicas e psicológicas não se categorizam exclusivamente como ‘masculino’ ou ‘feminino’. A pessoa pode em um dia se identificar e se apresentar como um gênero e no dia seguinte como outro. Também costumam usar o termo “Fluido” para se definir.

M

Monogamia: Pessoas que mantêm relacionamentos exclusivos, ou seja, quando está namorando com uma pessoa, tem acordo de fidelidade, de não ter envolvimento físico e/ou emocional com outras pessoas além daquela.

P

Poligamia / Poliandria: É quando uma pessoa retém o direito de se relacionar com mais de uma ao mesmo tempo. Por exemplo, uma mulher com direito de namorar/ casar com outros cinco homens de sua escolha. Já esses homens escolhidos por ela não têm direito de se relacionar com outra pessoa que não ela. A poligamia está frequentemente relacionada com relacionamentos fixos, ou seja, namoro e casamento. Ela também é muito comum em diversas culturas de diversos países.

R

Relacionamento Aberto: É quando duas pessoas envolvidas em um relacionamento sério fixo (namoro/ casamento) têm o acordo de que elas podem ter envolvimento físico com pessoas fora desse mesmo relacionamento. Geralmente, o acordo inclui regras como conversar antes para falar sobre o interesse em uma terceira pessoa e avisar previamente sobre esse envolvimento; também pode incluir a exigência de que sentimentos não sejam envolvidos com terceiros.

P

Poliamor: Frequentemente confundido com Poligamia, significa, na verdade, a exceção. É quando mais de duas pessoas se envolvem fisicamente e/ou emocionalmente num relacionamento conjunto. Por exemplo, quatro pessoas que mantêm um relacionamento fixo entre si, sendo que as quatro se amam, se tocam, se beijam, mantêm relações sexuais etc. Sabe o famoso “triângulo amoroso”? Ele é um poliamor.


Sem Tabu 49

A

Amor Livre – Relações Livres: O RLi defende a prática de todo tipo de relação amorosa – inclusive a monogâmica – não atrelada a quaisquer registros formais. Ou seja, pessoas que se relacionam sem intitularse “namoradxs” ou “casadxs”, pois consideram isso uma forma de controle e submissão. Surgiu

como uma forma de embate à legislação das uniões amorosas.

http://sapatomica.com/2015/09/guiacompleto-de-termos-de-sexualidade-genero-erelacionamentos/ Fonte:



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