Valentina: Revista de informação feminina e feminista

Page 1

1ª Edição – Março/2017

Debate:

O que você sabe?

Ilustração: Thais Barros

a regulamentação da prostituição

FEMI NIS MO

Mulheres, avante!

1


Editorial O

s temas relacionados à mulher vêm sendo cada vez mais discutido pela sociedade atual, de modo a quebrar os estereótipos e os preconceitos disseminados pela história e pelo machismo. Ainda que com muitos problemas a serem enfrentados, as mulheres vêm conquistando seu espaço e buscando por mais mudanças. A desigualdade de gênero está presente não apenas em áreas como saúde, educação e mercado de trabalho, mas também em simples ações do cotidiano. O machismo mora em pequenas atitudes. Em vista disso, tem-se a necessidade de esclarecer conceitos e propor discussões em torno das relações de poder entre homens e mulheres, suas causas e consequências. Foi pensando nessa questão que a Revista Valentina surgiu. Nós buscamos colocar em pauta assuntos de interesse feminino e que acompanhem a realidade da mulher do século XXI. Queremos falar de feminismo, de saúde da mulher e debater temas de relevância para a sociedade. Queremos, sim, continuar falando de moda, cabelo e maquiagem, mas também queremos que esses conteúdos possam atender às mulheres em toda sua diversidade. Na primeira edição da Valentina você vai encontrar uma reportagem especial sobre o movimento feminista. O tema ganhou popularidade e, com isso, as informações aparecem por todos os lados. Como se orientar? O que é feminismo, afinal? Nós reúnimos aqui visões de diversas mulheres feministas que tentaram explicar um pouco mais sobre esse movimento e qual é o seu papel na sociedade. Reúnimos também outros temas direcionados à mulher sob uma ótica mais feminista e inclusiva. Nesta edição, você vai poder ler sobre maquiagem para os diferentes tons de pele, coletor menstrual e absorventes reutilizáveis, técnicas naturais de tratamento para os cabelos, empreendedorismo rural feminino, um debate sobre a regulamentação da prostituição e, na seção “Vozes Femininas”, uma entrevista com a assistente social e militante feminista Estela Scandola. Além disso, você também vai encontrar um ensaio fotográfico de moda com diferentes mulheres e estilos, uma coluna destinada a responder perguntas sobre a saúde da mulher, um artigo de opinião sobre o machismo no dia a dia, dicas culturais, e um outro lado da Astrologia. Nosso desejo é que você, mulher, que está lendo esta revista se sinta contemplada e possa se identificar de alguma forma. Dar voz às mulheres em seus diferentes contextos sobre assuntos que a elas interessam é a nossa missão.

Foto: Maria Paula Tognini

Quem somos

2

A Revista Valentina é um projeto experimental feito como trabalho de conclusão do curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS). A idealização e realização deste projeto foram feitas pelas acadêmicas Bruna Fioroni e Luana Moura, sob orientação da Profª Drª Katarini Miguel. Todo o material desta revista, exceto imagens devidamente creditadas, foi produzido pelas acadêmicas.


SUMÁRIO março17 4 12

Mulheres da terra

6

Em debate: a regulamentação da prostituição

14

Ilustração: Thais Barros

19

26

Todas por todas

Vozes femininas: Entrevista com Estela Scandola Qual é a sua moda?

Fios saudáveis

30

Tom pra todas

32

34

Viva leve com o copinho

Gineco responde

35

37

Dicas culturais

A astrologia além dos estereótipos

39

Machismo nosso de cada dia

3


Economia

Mulheres da terra Se você acha que a atividade rural é uma exclusividade masculina, está muito enganado. Há anos que as mulheres já vêm ocupando seu espaço no empreendedorismo rural sul-mato-grossense, principalmente na agricultura familiar. Porém, o cenário ainda é repleto de dificuldades e a batalha dessas mulheres para o sustento de seus lares é diária

S

er empreendedor significa ser um realizador de novas ideias através da união entre criatividade e imaginação. De acordo com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), o empreendedor, em geral, é motivado pela autorrealização e pelo desejo de assumir responsabilidades e ser independente. Empreender é botar a mão na massa, ou melhor, quando falamos de empreendedorismo rural, na terra. Mato Grosso do Sul possui uma economia baseada principalmente na pecuária e agricultura, e é nesse ramo que muitas famílias, mesmo que a duras penas, desenvolvem suas atividades e dali retiram seu sustento. Atualmente, o Estado possui quase 80 mil famílias de pequenos agricultores, mais que o dobro em 1990, quando eram 38 mil. Quando falamos de agricultura familiar, falamos do segmento mais importante na produção brasileira de alimentos, correspondendo a cerca de 70% dos alimentos consumidos. Segundo relatório do Plano Safra de Agricultura Familiar de 2016 do Ministério de Desenvolvimento Agrário (MDA), foram R$ 1,1 bilhão em alimentos da agricultura familiar pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae); R$ 2,7 bilhões disponíveis para compras diretas da agricultura familiar da União, Estados e Municípios pelo Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e previsão de R$ 500 milhões para a compra de alimentos produzidos por cooperativas e associações da agricultura familiar pelo PAA MDA, Ministério do Desenvolvimento Social e Agrário (MDS) e Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). É fato que as atividades rurais têm histórico de dominação masculina, porém, hoje, as mulheres aparecem como protagonistas em vários segmentos, principalmente na agricultura familiar. A produtora de horticultura Jacira Correa de Jesus, 73, vive no assentamento Sucuri, a 20 km de Campo Grande, e trabalha na zona rural desde os nove anos. “Eu planto de tudo. Mandioca, quiabo, abóbora, jiló, cebolinha, coentro, salsa, almeirão, cenoura, couve. Geralmente eu vendo para os mercados e prefeitura, mas eu vendo por aqui tam-

4

bém, muita gente vem comprar aqui. Quando é pra fora, tem que levar, aí eu pago frete do transporte”, relata a agricultora. A venda dos produtos para os mercados é realizada através do PAA, que tem a função de promover o acesso à alimentação e incentivar a agricultura familiar. A venda dos alimentos para a prefeitura é feita pelo Pnae, que, através do repasse de recursos financeiros, disponibiliza alimentação aos alunos de toda a educação básica e matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias. Porém, segundo a Dona Jacira, os programas têm atrasos constantes nas datas de compra dos produtos, o que gera perda na produção. A época de seca é o período de menor renda da produtora. “Quando tá faltando chuva, tenho que molhar tudo no regador, tudo manual”, conta. Para complementar a renda, a agricultora investe na produção de frangos de corte. Ela diz que, apesar dos gastos com rações e vitaminas, com o frango dificilmente há prejuízos. Dona Jacira explica que recebe assistência do programa Hortifrúti Legal, realizado pela Assistência Técnica e Gerencial (ATeG) do Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/MS), e que também participa dos cursos. As dificuldades do trabalho também estão nas certificações. A produção da Dona Jacira é inteiramente orgânica, mas não pode ser comercializada junto aos produtos orgânicos por não possuir o devido certificado. “Trabalho com orgânico durante toda a minha vida. Fiz o curso e mesmo assim ainda não consegui o certificado. Assim eu tenho prejuízo, porque os preços são diferentes”, relata. Segundo análise recente da Consumer Reports (publicação que elabora rankings e avaliações de produtos), o orgânico custa até 47% mais que os convencionais. Em 2016, as mulheres do assentamento Sucuri se organizaram em uma associação chamada “Mulheres Valentes”, com o objetivo de unir a força de trabalho feminino e oferecerem suporte umas às outras. “Tem muita mulher trabalhando com a terra, principalmente aqui no assentamento. É um trabalho mais dominado pelos homens, sim, mas aqui eu enfrento. A gente tá crescendo”, declara Dona Jacira.


Apoio à produção das mulheres rurais (Plano Safra de Agricultura Familiar de 2016) - 150 mil mulheres atendidas e 250 mil documentos emitidos pelo Programa Nacional de Documentação da Trabalhadora Rural; - 70 projetos do Programa Nacional de Infraestrutura Territorial (Proinf) para apoio a estruturação de grupos produtivos de mulheres; - Duas mil novas mulheres atendidas em Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) com foco de gênero e agroecologia; - 1,5 mil mulheres e agentes de Ater capacitadas; - Sistematização das experiências de quintais produtivos das mulheres rurais em todo o país por meio de parcerias com Universidades. Mas para quem acha que só trabalha no campo quem nasceu lá, a produtora de hortifrúti Silvia Ponce, 45, é uma prova do contrário. Ela trocou a vida de consultora ambiental em São Paulo para trabalhar com agricultura familiar, e hoje vive em Terenos, município localizado a 30km de Campo Grande. Silvia é graduada em Biologia e, após o casamento, mudou-se para o Mato Grosso do Sul, onde começou a trabalhar em uma cooperativa. O que mais planta é melancia, jiló, pimenta, berinjela e abóbora. Sua renda mensal é entre 200 e 300 reais e o maior lucro é com a melancia. “Como trabalhei com cooperativa no ano passado, ela tira 30% do seu lucro, porque na verdade ela acaba te fornecendo subsídios. Mas da agricultura mesmo eu tinha pouca renda, eu fui conseguir um pouco mais de renda no final do ano passado com a melancia”, explica Silvia. Devido ao nascimento da filha, Silvia deu uma pausa na produção, mas disse que pretende retomar as atividades assim que ela estiver maior. Sobre as dificuldades físicas do trabalho, a agricultora afirma que não sente muito, mas ainda há preconceito com a mulher no campo. “A mulher sente preconceito em todo tipo de trabalho, na verdade. Os homens estão mais presentes no trabalho rural, mas isso não é obstáculo para nós. Depende muito de como encaramos isso e do apoio de outras mulheres”, ressalta. Quando o assunto é qualificação, as mulheres também conquistam espaço. Em 2016, o Serviço Nacional de Aprendizagem Rural (Senar/ MS) capacitou 28.877 mulheres na Formação Profissional Rural (FPR) e Promoção Social. Mais de 10 mil delas estão empregadas e 6.369 são autônomas; de 18 a 24 anos são 3.914; de 25 a 45 anos são 14.127 e acima de 46 anos são aproximadamente 10 mil mulheres. Seja no norte ou no sul do Estado, uma coisa é certa: a Dona Jacira e a Silvia também representam a força do empreendedorismo rural feminino e a fibra daquelas que dentro ou fora do trabalho buscam dar o seu melhor.

5


Capa

TODAS por T DAS

O movimento feminista ganhou ampla visibilidade nos últimos anos, principalmente devido a sua manifestação na internet e redes sociais. Mas, as informações são tantas e de tantos lugares, que é normal ficar meio perdido ou até entender tudo errado. Afinal, o que é feminismo e o que ele pode fazer por você, mulher?

6

Luciana Azambuja, 43 Luciana Azambuja é advogada e subsecretária de Políticas para Mulheres do Governo do Mato Grosso do Sul. Luciana trabalha com políticas baseadas na premissa d e igualdade e cidadania plena entre homens e mulheres e, principalmente, com o fortalecimento e implantação do enfrentamento à violência contra a mulher. Para ela, feminismo é a oportunidade de homens e mulheres terem direitos iguais, e das mulheres exigirem o cumprimento dessa igualdade de direitos. “A gente precisa discutir o assunto igualdade entre homens e mulheres, a gente precisa discutir o assunto violência contra mulher como crime, a gente precisa discutir sobre a desigualdade salarial entre homens e mulheres. Por que até hoje, 2017, homens e mulheres que exercem o mesmo cargo, a mesma função, têm salários diferentes? Por que existem profissões que até hoje são vistas como exclusivamente para homens? Quando a gente perpassa todas essas situações, não só a política do enfrentamento a violência, a gente percebe que precisamos falar na base. Precisamos construir uma nova cultura”, explica a subsecretária. A Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres trabalha

Ilustração: Thais Barros

S

er mulher não é fácil. Com um histórico de discriminação e desigualdade de direitos, sempre existiram mulheres que se rebelaram contra essa condição e lutaram por liberdade. Você pode ter ouvido falar só agora, mas o feminismo remonta há mais de 200 anos, sendo marcado por diversos momentos e fatos históricos importantes. Geralmente, considera-se como marco a luta organizada das mulheres por igualdade de direitos durante a Revolução Francesa. No Brasil, a primeira onda do feminismo se manifestou mais publicamente por meio da luta pelo direito ao voto, que foi conquistado em 1932 – o que, vamos combinar, é algo muito recente. É inegável que o direito das mulheres avançou consideravelmente durante esses anos de luta, pelo menos no mundo ocidental, mas ainda não é o suficiente. Salários menores, padrões comportamentais, dupla jornada, cobranças, culpa, assédio, violência, estupro, morte. Parece absurdo, mas mulheres continuam morrendo por serem apenas mulheres. Quantas notícias lemos por dia de mulheres que foram assassinadas por seus parceiros por motivos banais? Quantas de nós somos assediadas e violentadas diariamente e, o pior, ainda nos sentimos culpadas por isso? “Mas também, com esse comportamento, essa roupa... Tava pedindo”. Esses são apenas alguns exemplos do que temos que enfrentar todos os dias, e a gente bem sabe que não acaba por aí. Porém, seguimos firmes. Lutamos e sobrevivemos. O feminismo somos todas nós. A Revista Valentina conversou com várias mulheres para saber como elas veem o movimento feminista atualmente e sua importância na garantia de melhores condições de vida para todas.


para promover assistência às mulheres e o acesso delas aos serviços públicos, proporcionando, assim, melhor qualidade de vida. Atua em conjunto com o Poder Executivo, Legislativo e Judiciário, com foco em enfrentamento a todas as formas de violência. De acordo com Luciana, a principal preocupação das políticas públicas é levantar o debate sobre o assunto e levar informação a todos, não apenas às mulheres. A violência é uma grave violação aos direitos humanos e não se manifesta apenas na forma física e sexual – é também psicológica, moral e patrimonial. “O machismo prejudica a vida em sociedade a partir do momento que a gente tem uma cultura que acha que a violência sexual é tolerável, que a gente tem o pensamento que a menina bêbada em uma festa está mais disponível que a outra. Então, são pensamentos machistas que desconstroem o senso de justiça e nós precisamos desconstruir esses pensamentos para construir um mundo de paz e livre de violências. Muitos dos meninos não acham que o que eles praticam é violência, então precisamos falar para meninos, para homens, para todos”, enfatiza.

De acordo com o portal do Governo Federal (www.brasil.gov.br), a Central de Atendimento à Mulher, mais conhecida como Ligue 180, realizou, em 2016, o recorde de 1.133.345 atendimentos a mulheres em todo o Brasil. Segundo o balanço divulgado pela Secretaria de Política para Mulheres, 12,38% do total de ligações correspondem a relatos de violência. Dentre eles, 50,70% diziam respeito à violência física; 31,80% à violência psicológica; 6,01%, violência moral; 1,86%, violência patrimonial; 5,05%, violência sexual; 4,35%, cárcere privado; e 0,23%, tráfico de pessoas. A Lei Maria da Penha prevê uma punição mais rigorosa a esses tipos de violência, porém os assédios em ônibus, nas ruas e em festas ainda acontecem com frequência e, muitas vezes são tão naturalizados, que não são pensados como uma forma de violência contra a mulher. Outro problema está na vergonha e medo que essas mulheres sentem para poderem fazer a denúncia. A falta de preparo e de um atendimento especializado e a cultura machista são motivos que levam a mulher a se sentir culpada pelo que sofreu. A dificuldade dos agressores serem identificados nesses casos também traz a sensação de impotência. A Lei Maria da Penha foi instituída em 7 de agosto de 2006 e é um dispositivo legal brasileiro que visa aumentar o rigor das punições sobre crimes domésticos. A lei leva esse nome pelo caso de Maria da Penha Maia Fernandes, vítima de violência doméstica durante 23 anos de casamento. Em 1983, o marido tentou assassiná-la duas vezes. Na primeira vez, com arma de fogo, deixando-a paraplégica, e na segunda, por eletrocussão e afogamento. Ele só foi punido depois de 19 anos de julgamento e ficou apenas dois anos em regime fechado. Em razão disso, o Centro pela Justiça pelo Direito Internacional e o Comitê Latino-Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (Cladem), juntamente com a vítima, formalizaram uma denúncia à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), ocasião em que o Brasil foi condenado por não dispor de mecanismos suficientes e eficientes para coibir a prática de violência doméstica contra a mulher.

Sarah Santos, 19 Sarah Santos, estudante de Jornalismo, conta que já sofreu diversos tipos de violência, principalmente durante a adolescência, mas que foi entender apenas depois. “Eu passei por muita coisa, violências de vários tipos, e eu não tive nenhuma orientação sobre isso. Eu também não tinha com quem conversar. Se eu fosse falar sobre essas situações, provavelmente seria apontada como culpada", relata. Pensando nisso, Sarah teve a ideia de criar o Coletivo Menina Livre, que tem o objetivo de prestar apoio às mulheres que passaram por alguma situação de violência no período da adolescência e realizar ações de conscientização. O Coletivo foi fundado neste ano e, como primeira ação, promoveu uma roda de conversa sobre a violência contra jovens e adolescentes em Mato Grosso do Sul. Além disso, Sarah é secretária e participou da fundação da Associação de Mulheres com Deficiência de Campo Grande (AMDEF-CG). Desde 2015, a Associação busca trazer visibilidade às mulheres deficientes e reivindicar pautas que não eram atendidas, como direitos básicos de acessibilidade. “A mulher deficiente já é oprimida por ser mulher, é oprimida por ter uma deficiência, e muitas das vezes, dependendo do contexto no qual ela está inserida, ela não tem como falar sobre isso, não tem como se comunicar”, ressalta a estudante. Sarah se considera mais adepta do feminismo interseccional, que, como o próprio nome sugere, diz respeito à intersecção entre diversas opressões. É uma espécie de “colcha de retalhos”, que procura conciliar as demandas de gênero com as de outras minorias e tenta perpassar todas as classificações da mulher. “O feminismo interseccional me agrada muito porque tenta atender a todas essas demandas, da mulher da periferia, negra, do campo, mais nova, velha, trans. Tenta conversar com todas essas mulheres. Eu quero trabalhar com um feminismo mais didático, com um feminismo que as pessoas entendam e possam discutir sobre”, explica.

Quando falamos em feminismo, devemos considerar uma pluralidade de mulheres. Todas sofrem opressão por serem do gênero feminino, porém, é importante considerar os chamados recortes – de classe social, etnia, sexualidade, localização geográfica, entre outros. A opressão é estrutural, ou seja, esses recortes significam levar em consideração os diferentes tipos de desigualdade que existem entre as próprias mulheres. E é aí que entram as vertentes do movimento feminista. Dentro dele, existem grupos de mulheres que tratam de pautas exclusivas daquele grupo, atendendo ao contexto em que estão inseridas. Além disso, existem opiniões divergentes sobre alguns assuntos pautados pelo feminismo, como liberdade sexual, prostituição e pornografia. É normal pensar diferente, e isso também acontece dentro do movimento, e aí está a importância de conhecer melhor sobre isso e não generalizá-lo baseado em uma opinião x ou y.

Saiba mais sobre as vertentes do feminismo no box da página 8.

7


Ana José Alves, 59 O feminismo negro chegou ao Brasil durante os anos 80, junto com o movimento negro. Ele inclui pautas como o genocídio da juventude negra e como isso tem impactado as mulheres negras, a intolerância religiosa, a valorização d a s religiões de matriz africana e a hiperssexualização da mulher negra. Em Campo Grande, um dos grupos dedicados à militância pelo feminismo negro é o Coletivo de Mulheres Negras de Mato Grosso do Sul “Raimunda Luzia de Brito”, fundado em 2011. Ana José Alves, militante feminista, cofundadora e atual diretora do Coletivo, explica que o feminismo negro veio para contestar as lutas em que se falava da mulher mas não se fazia o devido recorte. “Somos todas mulheres, mas as pautas, as discussões, as conferências, não incluíam a mulher negra. Então fizemos essa contestação. Hoje a discussão avançou porque fizemos isso, porque a gente queria pautar, discutir, arrumar, embelezar, sentar na mesa e discutir”, relata. Ana José fala da importância de discutir as necessidades específicas da mulher negra, como por exemplo na área de saúde, as doenças que mais acometem a população negra. Para a diretora do Coletivo, ser feminista é uma construção, é lutar por direitos iguais, respeitando as características particulares de cada um, homens e mulheres. “Nós não vamos deixar de sermos mulheres por sermos feministas. A gente precisa romper com esse mito de que ser feminista é ser raivosa, mal amada, não cuida de casa, não cuida de filho, não cuida de marido. Os estereótipos contra as mulheres, no geral, são muito fortes. Precisa ter estrutura pra dizer ‘sim, sou feminista, luto pelos direitos iguais, luto contra o racismo e o machismo’”. E continua. “Nós, mulheres negras, não somos padrão de beleza, nós somos cabelão, bocão, bundão, peitão, é o nosso corpo. Feminista negra numa sociedade com esse padrão tem que ter estrutura, se não baqueia”.

De acordo com o balanço divulgado pela Secretaria de Política para Mulheres, do total de atendimentos realizados pelo Ligue 180 em 2016, 60,53% são mulheres negras, representando a maioria das vítimas. Em seguida estão as mulheres brancas (38,22%), amarelas (0,76%) e indígenas (0,49%). Dados do Mapa da Violência 2015: Homicídio de Mulheres no Brasil, realizado pela Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) a pedido da ONU Mulheres, apontam que, entre 2003 e 2013, houve uma queda de 9,8% no total de homicídios de mulheres brancas, enquanto os homicídios de negras aumentaram 54,2%.

8

Entenda melhor as principais vertentes do feminismo Feminismo liberal: prega que as mulheres podem vencer a desigualdade de forma gradativa, combatendo situações injustas e conquistando cada vez mais representatividade política e econômica por meio das ações individuais. As feministas liberais acreditam que as mudanças exigidas pelo movimento devem corresponder a uma reforma que respeite as escolhas da mulher em sua vida, sejam elas quais forem, pois estará exercendo seu poder de decisão. Feminismo radical: acredita que a raiz da opressão feminina são os papéis sociais de gênero e que o patriarcado é a raiz de todas as opressões. Uma diferença essencial entre o feminismo radical e as outras vertentes é o fato de que o radfem, como também é chamado, não é reformista, mas abolicionista. Os papéis de gênero não devem ser expandidos e, sim, devem deixar de existir. Feminismo interseccional: procura fazer a convergência entre os tipos de opressão. Para essa vertente, as mulheres experimentam a opressão em configurações variadas e em diferentes graus de intensidade. Padrões culturais de opressão não só estão interligados, mas também estão unidos e influenciados pelos diferentes sistemas da sociedade.

Feminismo negro: defende que o machismo, a identidade de gênero e o racismo estão interligados. O profundo debate de raça e gênero é o que diferencia o feminismo negro de outros feminismos. Foi percebido que os problemas da mulher negra ia além de questões de gênero, e que ela sofre uma dupla opressão: por ser mulher e por ser negra.

Feminismo indígena: o movimento de mulheres indígenas começou a ser organizado no Brasil na década de 70 e 80. As indígenas reconhecem e denunciam inúmeras práticas discriminatórias que sofrem em consequência do patriarcalismo presente em suas comunidades. São questões que tornam necessário o enfoque específico e um olhar mais atento para as particularidades da cultura indígena. Informações retiradas dos sites Gelédes, Blogueiras Feministas, Não Me Kahlo e Pandora Livre.


Maria José Gomes Duarte “Baiana do Acarajé”, 54 Maria José Gomes Duarte, conhecida como “Baiana do Acarajé”, é a atual presidente do Coletivo de Mulheres Negras e membro do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher (CEDM). A história de Maria José no feminismo, e em especial no feminismo negro, vem da experiência pessoal com a violência. “Sou uma das vítimas. Fui vítima da violência e do machismo desde criança. As coisas aconteciam comigo e eu não tinha informação, não tinha um lugar pra conversar. Às vezes a gente passava por mentirosa também. Eu me lembro de quando era criança, eu tinha uns 4 ou 5 anos, eu morava num local em frente a um bar e passava muita gente por lá. Um dia me chamaram pra me dar uma balinha e eu fui, aí o homem enfiou a mão na minha calcinha e aquilo começou a me machucar. Fiquei assustada, corri pra minha mãe e comecei a chorar. Ela disse que ia falar com meu pai e me chamou de mentirosa. Isso sempre ficou marcado em mim”. Ela conta que no Coletivo encontrou apoio e orientação para que conseguisse se abrir, falar sobre o que aconteceu e entender o porquê. Foi a partir dessa convivência com outras mulheres que Maria José começou a entender melhor o machismo e outros problemas que lidava diariamente, mas não sabia ou podia questionar. “Depois dos 50 anos eu dei um passo adiante. Ganhei um novo olhar participando e conhecendo os movimentos. E eu vi que eu posso. Eu tinha um marido que falava que eu não podia conversar com as vizinhas, conversar no WhatsApp. Ué, eu posso sim. E troquei de marido”. Maria José encontrou no movimento feminista uma forma de se ajudar e passar isso para outras mulheres. A presidente do Coletivo também acredita que o homem pode ser feminista. “Na verdade, ele precisa ser. Eu criei meu filho de um jeito machista porque era a ideia que eu tinha, como fui criada. Eu cresci, eu vivi, eu vi. E por isso é importante os homens verem isso também”, salienta.

Ana Luisa Cordeiro, 33 Ana Luisa Cordeiro é historiadora e militante feminista, e participa do Coletivo de Mulheres Negras desde 2009. Para ela, feminismo é uma postura de vida. “Eu não olho só pra m i m enquanto mulher negra, mas para tudo que nos atravessa. Então enquanto existir uma mulher presa, seja pelas correntes que for, nós todas não estaremos libertas. Com essa postura de vida que eu vou pra luta. O feminismo procura igualdade de direitos e oportunidades entre homens e mulheres, mas a gente precisa ir além da luta de oportunidades. Precisamos ir pra igualdade de realização, porque não adianta ter essas oportunidades e nós continuarmos sendo interditadas porque somos mulheres”. Sobre o homem no feminismo, Ana Luisa acredita que ele tem que participar do debate, mas respeitar os momentos que são apenas das mulheres. Ela afirma que a sociedade não vai se transformar se eles não forem incluídos na pauta e também não passarem por uma transformação. “Nós estamos no processo de novas feminilidades, nos empoderando, mas eles também precisam de novas masculinidades. Então eles precisam, sim, ir pro debate, repensarem enquanto homens tudo aquilo que foi construído em relação a eles”, explica. Quando falamos de objetificação do corpo feminino, Ana Luisa explica sobre os estereótipos da mulher negra e que é necessário fazer uma desconstrução de uma cultura que negou esse corpo. “O estereótipo de objeto sexual é aquele que o homem se acha no direito de usar nosso corpo para fins sexuais, mas que não servimos para um relacionamento sério. Outros estereótipos são a empregada doméstica e a mãe preta de bom coração, aquela que tá sempre limpando a sujeira de todo mundo, boazinha, tem que obedecer, abaixar a cabeça, ficar quietinha. Tem aquele de como a mulher negra tem que ser forte. Tem também os termos pejorativos. Não sou morena, nem mulata, sou mulher negra”. A historiadora, enfim, ressalta que, independente da vertente que cada mulher se identifica, das pautas pelas quais luta e o contexto em que está inserida, é importante sempre olhar para a diversidade. “Não adianta nada eu fazer uma luta feminista enquanto mulher negra e ignorar a discriminação da mulher indígena. Isso não muda a estrutura e vai voltar contra mim. A gente precisa ter esse olhar amplo, todas nós, indígenas, negras, brancas, de forma que a gente combata a raiz das opressões”, enfatiza.

Homem pode ser feminista? A participação do homem dentro do movimento feminista é algo muito discutido entre as mulheres e as opiniões divergem. O feminismo liberal visa incorporar os homens à luta por igualdade e aceita homens que se consideram feministas. O feminismo interseccional também é receptivo quanto à presença masculina, devido a essa proposta de luta em conjunto, porém a questão não está em aceitar a definição de “homem feminista”, mas sim em buscar apoio ao movimento de modo que o lugar de fala das mulheres seja respeitado. O feminismo radical é a vertente que mais se opõe à presença de homens no movimento. As feministas radicais acreditam que o gênero masculino está sempre em posição de privilégio e, por isso, o homem não deve ter posicionamento direto no feminismo.

9


Segundo atualização do Censo Demográfico 2010 de povos indígenas, divulgada em 2016 pelo Instituto Nacional de Geografia e Estatística (IBGE), a população indígena de Mato Grosso do Sul cresceu 42% em dez anos. Com 77 mil pessoas declaradas indígenas, o Estado tem a segunda maior população indígena do país. As mulheres e meninas indígenas enfrentam problemas dentro das próprias comunidades e violências resultantes de hábitos externos introduzidos nas aldeias. Além dos casos de violência doméstica, estupro e exploração sexual, há problemáticas como as limitações de acesso à terra e limitações para organização e participação política dentro e fora de suas comunidades.

Évelin da Silva Pereira “Évelin Hekeré”, 31 Évelin Tatiane da Silva Pereira, conhecida também pelo nome indígena Évelin Hekeré Terenoe, é professora e líder feminina do Conselho Terena. O Conselho Terena é uma organização indígena tradicional constituída por caciques, lideranças, anciãos, mulheres, professores e juventude Terena. Évelin é natural de Aquidauana e reside na Aldeia Terena Aldeinha de Anastácio desde o nascimento. Para ela, feminismo é olhar para trás e ver todas as dificuldades que a sociedade impôs, e defender seu espaço legítimo que lhe foi tomado. “Nasci mulher indígena, sim, não gosto de me vitimizar e nem minhas companheiras, mas se não ocuparmos esse espaço na sociedade, cada vez mais nossa presença será dizimada, e com o passar dos tempos não existirá lideranças femininas nas áreas públicas as quais a sociedade nos oferece”, explica. Évelin conta que o contato com a ideia de feminismo veio desde muito cedo, com a própria família, onde a maioria são mulheres e, consequentemente, são o alicerce da casa. Na comunidade onde vive também não é muito diferente, e a maioria das lideranças indígenas são mulheres e professoras. “Ainda existe preconceito dos próprios parentes indígenas em aceitar que uma mulher pode tomar a frente de uma mesa de movimento indígena. Eles se sentem constrangidos, têm essa ideia de serem o ‘macho alfa’”.

10

Lindomar Lili “Linda Terena”, 42 Lindomar Lili é professora e Mestre em Antropologia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Linda Terena, como é mais conhecida, é feminista indígena e diz se identificar c o m uma vertente chamada feminismo comunitário. Linda explica que essa vertente tem sua raiz na Bolívia e define-se como um movimento sócio-político pautado na necessidade em criar comunidade. “Espelho-me nesse movimento por termos pontos convergentes, somos hermanas indígenas. É pensar em comunidade, no coletivo. Cito um forte exemplo de feminismo comunitário que pode ser considerado entre nós indígenas, a luta pela demarcação de terra. É uma luta coletiva por um bem coletivo, ali está a comunidade indígena e seus estratos. Estão os jovens, as mulheres, os homens, os anciãos”. Para Linda, o feminismo deve ser baseado no diálogo e no respeito entre os gêneros. “Quando penso em feminismo, penso na busca por bens e direitos coletivos, penso numa educação que responda às necessidades das nossas crianças indígenas, uma saúde eficaz que atenda não só as especificidades da mulher, mas que seja eficaz ao povo. Penso na terra e seu usufruto coletivo. Quando penso no feminismo, penso em não disputarmos espaços de poder com os homens indígenas, ao contrário, nos posicionarmos como soma, parceiras em prol ao bem coletivo. Quando penso no feminismo, não penso no individual. Para mim, esse é o modelo do feminismo que as indígenas abarcam”, afirma. O recorte de classe social não é considerado em algumas etnias do povo indígena. Linda explica: “Nós, Terena, somos um povo pautado no conceito de que ninguém é rico e ninguém é pobre, não temos esse problema de acúmulo de capital que vai ser um dos viés da luta pela igualdade do movimento feminista. A luta das mulheres indígenas está em torno de reivindicações que atendam a sua comunidade e o seu povo, é pautada em torno de melhorias nas condições de vida para a sua sobrevivência. É a luta pelo melhor atendimento à saúde, a educação, a produção da agricultura de subsistência, a busca para a não exploração do meio ambiente porque somos parte dela, esses são pontos diferenciais”. Além dos problemas específicos que se relacionam com sua etnia e cultura, a mulher indígena também sofre com o machismo e suas manifestações de violência diárias. É importante frisar que esse comportamento machista pode aparecer das formas mais sutis, e por isso, muitas vezes, é relativizado. São atitudes pequenas que contribuem para a manutenção de uma cultura de violência contra a mulher. Para Linda, a pior forma em que o machismo se propaga é por meio da humilhação a qual a mulher é submetida. “O ato de humilhar a mulher é uma arma mortífera na boca dos machos, ele tem o poder de afetar o psicológico feminino, de diminuir sua autoestima, de deprimi-la. A mulher que não consegue reagir a essas imposições aos poucos vai perdendo até mesmo a sua identidade de tanto ouvir desqualificações”.

Uma pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) de 2014 mostrou que 58,5% dos entrevistados concordaram totalmente ou parcialmente com a afirmação: “Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros”. Ainda segundo o Ipea, 26% concordam total ou parcialmente que mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas, 70% discordam e 3,4% se dizem neutro. A pesquisa também aponta que 27% dos entrevistados concordam total ou parcialmente com a afirmação de que a mulher deve satisfazer os desejos sexuais do marido, ainda que não tenha vontade de fazê-lo.


Em Campo Grande, existe a Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Entre os órgãos de proteção participantes da Rede, estão o Centro Especializado de Atendimento à Mulher (CEAM), conhecido como Ligue 180, que oferece apoio psicossocial às mulheres vítimas de violência doméstica e sexual; a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (DEAM), que atua no registro de ocorrências e inquéritos dos casos de violência; 1ª e 2ª Varas de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, que atuam em casos de medidas protetivas de urgência; e Casa da Mulher Brasileira, que é um espaço de acolhimento e atendimento humanizado às mulheres em situação de violência e tem como objetivo facilitar o acesso dessas mulheres aos serviços especializados, seu empoderamento e sua autonomia econômica. No total, são 45 serviços especializados em atendimento à mulher em Mato Grosso do Sul e 12 em Campo Grande.

Miriam Pereira, 47 Miriam Pereira trabalha na Subsecretaria de Políticas Públicas para Mulheres voltada à Violência Doméstica contra as Mulheres LBT (lésbicas, bissexuais e transsexuais) e, para ela, o feminismo é uma orientação política ampla e multifacetada. Seu discurso reafirma a importância de pluralizar o movimento e que as diferenças devem unir ainda mais todas as mulheres. “Se falamos de igualdade, a luta é pela mesma causa. É interessante que uma mulher cisgênero conheça a realidade de uma mulher LBT, assim como a negra e a branca, a mulher com poder aquisitivo mais alto e outra menos favorecida. O tema deve ser debatido pelo todo, mesmo uma não podendo responder pela outra. Mas é enriquecedor a troca de conhecimento para fortalecer o movimento, tendo em vista que a violência contra mulher não escolhe cor, credo, raça, classe social ou orientação sexual”. Miriam ressalta a importância de conhecer as demandas e deficiências dos segmentos específicos dentro do feminismo, pois assim facilita a construção de políticas públicas para o enfrentamento a violência e efetivação da legislação vigente. Ela defende pautas como o reconhecimento da cidadania e enfrentamento à violência doméstica contra a mulher LBT. “A violência doméstica não se limita à relação conjugal, ela pode ser praticada por qualquer familiar ou vizinho próximo da família, e pode ser um estupro corretivo no caso das mulheres LBT”, explica. A popularização do feminismo é considerada, por ela, uma vitória e mais um alcance de um movimento que só busca estar em parâmetros de equidade com o gênero masculino. O movimento feminista, muitas vezes, é visto com maus olhos na sociedade. Há uma certa “demonização” em torno da própria palavra com a propagação de estereótipos equivocados, o que resulta em muitas mulheres com receio de se autodenominarem feministas, mesmo sendo a favor de pautas feministas. “A sociedade tem medo de mudanças e principalmente os conservadores da cultura patriarcal são os que mais temem o empoderamento da mulher. A cada mulher empoderada, dona de si mesma, é menos uma para a cultura machista atribuir culpa e responsabilidades exigindo

atitudes-padrão, isso fere o orgulho machista. O movimento feminista não quer que a mulher seja tolerada. O movimento feminista quer que a mulher seja respeitada independente de cor, raça, orientação sexual e identidade de gênero”.

Francisleni de Souza, 23 Graduada em Relações Internacionais, foi na faculdade que Francisleni passou a ter contato mais profundo com o feminismo e a realizar estudos sobre. Adepta da teoria radical, ela explica que seu interesse pela vertente veio pela visão coletiva e a interpretação que tem sobre as definições de gênero. “Eu acho que o feminismo radical tem uma visão um pouco mais clara quando lida com a questão da violência contra a mulher, por exemplo. Uma pauta que eu acho super importante que o feminismo radical aborda com mais aprofundamento é a pornografia. A pornografia é vista como violência e não como emancipação. É uma indústria que abusa fisicamente e psicologicamente as mulheres”. Para o feminismo radical, a socialização feminina e masculina é o que molda uma sociedade patriarcal: ou seja, uma mulher é socializada como mulher e seus papéis de gênero são definidos desde o seu nascimento e, dessa forma, seu crescimento e amadurecimento são inerentes a esses papéis. “O feminismo radical trata o gênero de uma maneira mais abolicionista. É questão de revolução e não de reforma. Não é você pegar os papéis de gênero e expandi-los, é você tirar todo esse estigma, acabar por completo. Não se falar mais de gênero na maneira que é tratado hoje”, explica. O feminismo radical frequentemente é visto com maus olhos não apenas na sociedade em geral, mas dentro do próprio movimento. “O radical não tem forte aceitação. Aí parte de vários tipos de estereótipos, e a partir disso, as pessoas acabam tendo uma visão errada. Uma delas é que é um feminismo extremista, até mesmo pelo nome radical, mas na verdade é pela teoria de que o patriarcado é a raiz de toda opressão, daí vem o nome. Com essa visão demonizada, você tem o desinteresse das pessoas de irem atrás”. Para Francisleni, o reforço dos estereótipos da mulher feminista faz parte da permanência do sistema patriarcal e do machismo na sociedade. Na opinião de Francisleni, feminismo é revolução e, sim, toda mulher precisa do feminismo. “Tem mulheres que precisam até mais do que eu, porque eu me coloco como uma mulher privilegiada levando em conta todos os recortes. Mas o feminismo se faz necessário para todas. Muito já se conseguiu, mas você ainda tem muitos tipos de opressões que estão debaixo do tapete e precisam ser trabalhados”, afirma. Outra pauta muito recorrente dentro do feminismo radical é o discurso de liberdade sexual das mulheres. A preocupação das feministas radicais é que essa liberdade sexual seja aproveitada pelo patriarcado e sirva apenas como forma de facilitar a objetificação do corpo feminino. “Muito se fala que o feminismo é sobre liberdade e libertação, mas acho esse discurso um pouco vago e acho que abre muitas brechas e interpretações dentro dessa dita liberdade sexual. Não é errado a mulher ter liberdade sexual e a partir disso aprender com sua própria sexualidade. O problema é que, quando se fala de liberdade sexual, o mais importante é você ter a liberdade de dizer não, do que usar a roupa que quiser. A liberdade é principalmente sobre você poder dizer não quando aquilo não está te deixando confortável”. Sobre a presença masculina no movimento, Francisleni que o homem pode ter um discurso feminista, mas não se autodenominar feminista. “O feminismo é o único movimento político-social que realmente dá uma voz ativa às mulheres. Mas, por exemplo, um homem que não ajuda a divulgar fotos pornográficas, ajuda a denun-

11


ciar homens que são abusivos, sendo amigos ou não. São alguns tipos de comportamento que valem muito mais do que ele se dizer feminista”, declara.

Carlota Philippsen, 38 Psicóloga e Mestranda em Psicologia Social, Carlota vê o feminismo como política. É uma forma de analisar histórica e materialmente a condição da mulher e, com isso, emancipá-la. “Através dessas análises podemos perceber as violências e o controle que recaem sobre nós e dessa forma criar novas possibilidades e estratégias sobre nossas vidas”, explica. Carlota se identifica com o feminismo radical por considerá-lo mais materialista e anti-capitalista em suas análises de opressão das mulheres. “Basicamente, a abordagem radical está ligada às origens do movimento feminista antes da segunda onda, iniciada na década de 60 e 70, e questiona a naturalização da feminilidade, a divisão sexual do trabalho, a pornografia, pedofilia, prostituição, a naturalização do sistema de gênero, compreendendo-as como forma de controle do patriarcado sobre as mulheres, através da constituição de padrões hierárquicos dividos em masculino e feminino”. O conceito de feminilidade é uma pauta muito abordada dentro do feminismo radical, e é com base nesse conceito que discutem-se os padrões de beleza impostos às mulheres. “Tudo que é neutro em termos de apresentação é tido como masculino. Se uma mulher não performa feminilidade através de roupas apertadas, depilação, sapatos altos, cabelos tratados em salões de beleza, corpos magros, maquiagem, ela é percebida socialmente como sendo ‘masculina’. Logo, a via da libertação das mulheres em relação ao próprio corpo é ir contra a indústria da beleza, que impõe constantemente a forma como as mulheres devem se apresentar”. A psicóloga também ratifica a abordagem que o feminismo radical faz sobre a liberdade sexual da mulher. Para as radicais, a verdadeira liberdade sexual é poder dizer não, uma vez que o patriarcado quer que as mulheres sejam disponíveis sexualmente. Carlota afirma que a pornografia é uma grande aliada na objetificação dos corpos femininos. O feminismo radical defende que a indústria pornográfica perpetua a exploração e controle dos corpos femininos e cria padrões violentos de sexualidade, onde a masculinidade é o ponto central, em volta do qual gira a construção da feminilidade. “Existem várias pesquisas atuais sobre como a pornografia cria os clientes e perpetua padrões violentos de sexualidade contra as mulheres. Isso tudo, inclusive, alimenta a cultura do estupro”.

cULTURA DO ESTUPRO Cultura do estupro, segundo a ONU Mulheres, é “o termo usado para abordar as maneiras em que a sociedade culpa as vítimas de assédio sexual e normaliza o comportamento sexual violento dos homens. Ou seja: quando, em uma sociedade, a violência sexual é normalizada por meio da culpabilização da vítima, isso significa que existe uma cultura do estupro”. São utilizados argumentos sobre a conduta, comportamento e forma de se vestir da mulher violentada, o que tira o foco do fato de que há um agressor, que agiu contra a vontade dela, que agiu de forma não consentida e que cometeu um crime. São 500 mil casos de estupro no Brasil por ano, segundo estimativa do Ipea. Apenas 50 mil são denunciados. 12

ABORTO A descriminalização do aborto é uma pauta do movimento feminista que defende a autonomia do corpo da mulher e seus direitos sexuais e reprodutivos. Além disso, falar de aborto é falar de saúde pública. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS) são cerca de 1 milhão de abortos feitos no Brasil ao ano, onde cerca de 150 mil mulheres recorrem ao Sistema Único de Saúde (SUS) por complicações, e a cada dois dias uma mulher morre em decorrência de um aborto mal sucedido. É importante esclarecer que a proposta de legalização e regulamentação do aborto é garantir uma rede de atendimento médico, psicológico e social para auxiliar às mulheres na decisão de interrupção da gravidez. No Uruguai, a taxa de mortalidade por realização de abortos se reduziu a quase zero e a taxa de procedimentos realizados diminuiu 30% em 2015. É um assunto polêmico pois envolve dogmas religiosos, diferenças socioeconômicas, questões psicológicas e valores culturais.

Izabela Sanches, 23 Para Izabela Sanches, feminismo é uma forma de se posicionar no mundo. “É uma forma de dizer ‘sou mulher, a sociedade, a cultura e a história me impõem certas coisas, mas eu não concordo e luto p r a mudar’”, afirma. Jornalista e adepta do feminismo interseccional, ela busca relacionar o feminismo com outras práticas na sociedade. Izabela acredita que a principal dificuldade do movimento feminista atualmente é a organização. “Eu acho que a nossa geração é individualista. Temos muita dificuldade em nos organizar, por diversas questões, e o feminismo também tem um pouco disso. Aqui em Campo Grande, por exemplo, tem diversas organizações fazendo ações isoladas”. A jornalista também acredita que o homem pode ser feminista, mas que o lugar de ação é diferente e eles precisam se atentar a isso: a mulher fala por si. “Os homens estão acostumados a falar, até quando o assunto é a gente. O melhor homem feminista não é aquele que fica marchando com a mulher. É aquele está diariamente observando as próprias ações, e o próprio modo de estar em sociedade. As mulheres estão interessadas em saber se vão poder falar sem um homem interromper”, afirma. Sobre o machismo, Izabela acredita que a influência é diária. “As mulheres são muito objetificadas, consideradas um acessório e estimuladas a não pensar muito. Essa é uma violência muito grande. Isso tira uma gama de possibilidades das mulheres, desde crianças, define futuros”.

O feminismo é a luta das mulheres em uma sociedade que constantemente as oprime. É a luta para ser escutada, é a luta para ser valorizada, para receber salários justos, para não ser condenada pelo seu corpo, para não ser violentada. É a luta pela vida. Independente do contexto em que cada uma está inserida, da sua etnia, cor ou classe social, o respeito se faz necessário. Apesar de existirem divergências dentro do movimento feminista, é importante ter em mente que fragmentar um grupo já oprimido não é a melhor solução. Estamos todas juntas nessa e, quanto mais mulheres conosco, melhor.


A regulamentação

Debate

da

PROS

TITUI ÇÃO

A prostituição divide opiniões e sua regulamentação como profissão não poderia ser diferente. Afinal, prostituição é objetificação e exploração do corpo da mulher ou um trabalho que gera renda através do prazer, e por isso é inferiorizado? Confira o debate com diferentes opiniões sobre o tema 13


A

prostituição é um assunto que abre debate e diverge opiniões não apenas na sociedade como um todo, mas dentro do próprio movimento feminista. Com as Olímpiadas de 2016, a questão voltou a ser discutida pelo poder público devido à preocupação com o turismo sexual e, com isso, o debate sobre a proposta de regulamentação da atividade também voltou a esquentar entre prostitutas, feministas e pesquisadores do tema. O Projeto de Lei 4.211/12, de autoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ), propõe regulamentar a atividade e também sugere modificação no Código Penal, onde prostituição e exploração sexual aparecem quase associadas. O projeto tem data de 2003, mas foi resgatado em 2012 pelo deputado e discutido com as prostitutas. A Valentina conversou com três mulheres que possuem diferentes opiniões e vivências, e propõe a você, leitora, uma reflexão sobre o tema. Ivanete Pinho é presidente da ONG Dignidade, Ação, Saúde, Sexualidade e Cidadania (DASSC) e uma das fundadoras da Central Única de Trabalhadoras e Trabalhadores Sexuais (CUTS). Ivanete trabalhou como prostituta desde os 15 até os 34 anos. Hoje, com 48, ela não trabalha mais na atividade sexual, mas continua lutando pelos direitos dessas trabalhadoras. Ivanete começou na prostituição pelo dinheiro. “Você ganha muito bem. Eu tive a opção. Trabalhei em casa de família, mas infelizmente esse trabalho na casa de família não me rendeu o suficiente para manter minha casa e meus filhos. Com o trabalho como profissional eu podia manter meus filhos, dar conforto pra eles e pra mim também. Quer dizer, o trabalho de um mês como faxineira na casa de família eu tirava em uma noite. Aí eu tive a opção de escolher. Escolhi ser profissional sexual”. Hoje, mesmo tendo parado há mais de dez anos, não teria problemas em voltar a trabalhar com sexo caso houvesse a necessidade. Sobre o debate da regulamentação da atividade, Ivanete disse o quanto é preciso, antes de tudo, ouvir mulheres que estão na prostituição. “A maior dificuldade é esse estigma e a falta de humanização nas pessoas em olhar pra puta e ver que é um ser humano. A sociedade em geral nos trata como se fôssemos criminosas, e não somos. Escolhemos uma profissão e levamos ela a sério”. A violência é um dos principais motivos para a exigência da regulamentação por parte das trabalhadoras sexuais. Além disso, é uma forma de garantir os direitos humanos e trabalhistas dessas mulheres. “Eu vejo a regulamentação de uma forma diferenciada. Eu vejo que vai nos respaldar, por exemplo, quando o cliente não quer pagar, quando quiser manter a mulher presa. As casas noturnas também vão ter que ser vistoriadas, não vão poder aceitar menor de idade, o que vai ajudar a diminuir a exploração do menor. Pra nós é muito importante poder ir na delegacia e dar parte de um cliente que não quis pagar um trabalho. Então é isso, vistoriar os bordéis e também podermos ter nosso INSS, porque lá no futuro, quem vai nos manter? O governo é que não. Então a gente tem que ter o direito de pagar o nosso INSS”. Sobre a profissão ser uma forma de exploração do corpo da mulher, a resposta de Ivanete foi: “Cada um usa seu corpo como quer. O corpo é meu, eu uso da forma que eu bem quiser. A exploração sexual existe sim, mas não com as profissionais, que decidiram a profissão para sua vida. Na maioria das vezes a exploração sexual acontece dentro de casa com mulheres casadas, porque ali elas são sujeitas a tudo e têm que aceitar, nós não. Tem vários tipos de exploração, a de menores e adolescentes aí sim eu sou contra veementemente. Mas geralmente isso com a profissional não acontece, ela usa o corpo como trabalho”. 14

Pelos direitos garantidos Estela Scandola, 54, é militante feminista, assistente social, faz parte da Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Reprodutivos e pesquisa sobre o tráfico de pessoas e a exploração sexual na América Latina. Antes mesmo de falar sobre regulamentação da prostituição, Estela afirma ser a favor das mulheres serem o que elas quiserem ser. “Elas têm que ter a oportunidade de terem a profissão regulamentada. Isso não significa que todas as prostitutas vão querer escrever que são prostitutas, mas elas têm que ter direito a isso. Não estou dizendo que todas as prostitutas querem continuar sendo prostitutas, mas a gente não pode viver no faz-de-conta”. Estela defende, acima de tudo, a liberdade dessas mulheres em poderem escolher suas profissões e terem seus direitos garantidos no que escolherem. Para a assistente social, ouvir as prostitutas é muito importante para este debate, mas é algo que é deixado de lado. “Elas também querem ser ouvidas. Muitas delas dizem que ninguém vai lá conversar com elas. Escrevem sobre prostituição sem falar com elas. Eu sempre tive embates ferrenhos sobre isso. Primeiro, eu trabalho com as mulheres, então eu quero conversar com elas. Significa que eu sempre vou gostar do que elas falam? Não, mas eu tenho que considerar o que elas falam”. Estela fala da necessidade de criar um sistema protetivo para essas mulheres e, sem a regulamentação da profissão, isso se torna mais complicado. “É possível que ainda assim ocorra estupro, violência física e psicológica? Sim. Mas não é só no mercado sexual que isso acontece. Existem relações inseguras no mercado de trabalho em geral, mas esses outros trabalhos são regulamentados”. Então, por que os casos de violência com as trabalhadoras sexuais são tão inviabilizados e elas, tão marginalizadas? “Primeiro, porque temos majoritariamente uma formação judaico-cristã, em que sexo é a razão da existência ou da desgraça da mulher. A sexualidade sempre foi escondida das outras dimensões do viver. Isso não é da mulher ou do homem, é do ser humano. Há uma demonização do corpo. Outra questão, é fundamental para o machismo o controle dos corpos das mulheres. Então, quando as mulheres começam a fazer do seu corpo o que elas querem, e não o que a sociedade quer que elas façam, as mulheres vão ser demonizadas”. Segundo dados de um estudo de 2102 da fundação francesa Scelles, que luta contra a exploração sexual, mais de 40 milhões de pessoas se prostituem no mundo atualmente. Dessas, 75% são mulheres entre 13 e 25 anos. O estudo de 2011 da Fundação Mineira de Educação e Cultura (FUMEC) aponta que no Brasil cerca de 1,5 milhões de pessoas vivem em situação de prostituição. Dados da pesquisa revelam que 28% das mulheres estão desempregadas e 55% necessitam ganhar mais para ajudar no sustento da família. Dados como esses nos fazem questionar o porquê de o número de mulheres na prostituição ser tão expressivamente maior. Estela Scandola explica que, historicamente, os homens foram mais libertos para a sexualidade do que as mulheres. A mulher considerada “honesta” era a mulher cujo corpo servia apenas para a reprodução e seu prazer sexual era negado. “Nós falamos ‘as mulheres podem dizer que fazem sexo, as mulheres podem isso, podem aquilo’. As mulheres podem mesmo? ‘Olha, mulher, você pode ter vários parceiros’. Pode mesmo?”, questiona. Estela esclarece que a prostituição pode ser usada de forma machista, mas,


assim também acontece com outras profissões que fazem uso dos corpos. “É uma relação machista da organização da sociedade. Muitas dessas meninas ganham dinheiro e sustentam suas famílias. Isso não é menos desonesto. É uma relação machista? É, mas é uma organização machista da sociedade inteira. Agora, por que com as mulheres essa valoração é diferente? Aí está o machismo. A prostituição feminina e a masculina são vistas de forma diferentes. É para pensar como as relações são estabelecidas”.

no mercado de trabalho e a penalização de consumidores da prostituição. Nós conversamos com o advogado Adilson Viegas de Freitas para solucionarmos as dúvidas quanto às questões trabalhistas, caso a regulamentação seja aprovada. Segundo ele, o projeto visa proteger as pessoas que atuam no segmento, dando-lhes benefícios trabalhistas como todo e qualquer trabalhador, algo que atualmente inexiste, justamente pela ausência de regulamentação. “Sabe-se que a prostituição não é crime e possui amparo em diversos princípios insculpidos na Carta Maior, isto é, Dignidade da Pessoa Humana, livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão e etc. A Corte de Justiça da União Europeia já Para contrapor essa visão está Carlota Philippsen, 38, entende que a prostituição voluntária é um meio de trabalho psicóloga, mestranda em Psicologia Social e militante femi- lícito, o qual é tido como fonte de renda para as pessoas, nista. Contra a regulamentação da prostituição, ela acredi- portanto legal. Assim, não há motivos para a não aprovação ta que a prostituição desumaniza e inferioriza as mulheres do projeto, entretanto penso que deve haver um intenso deatravés da objetificação de seus corpos. Outro ponto que bate sobre a questão, principalmente em face das pessoas Carlota coloca como importante é o consentimento. “Existe do gênero feminino, tendo em vista que são as maiores prauma parcela ínfima de prostitutas que ‘escolhem’ se prosti- ticantes desta atividade, evitando-se o reconhecimento da tuir. Geralmente essas mulheres são inclusive universitárias mulher como simples objeto sexual”. Quando às mudanças e/ou vem de famílias com certo poder aquisitivo. A grande legais, o advogado explica que, em primeiro lugar, seriam maioria das mulheres prostituídas são mulheres pobres, reconhecidos os direitos trabalhistas, visto que atende as mulheres em situação de extrema vulnerabilidade. Mulhe- necessidades básicas destes profissionais, pois prostituição res que não tiveram oportunidade de estudar ou se qualifi- no Brasil não é crime. “No ano de 2016, o Superior Tribunal car para alguma profissão ou atividade. Não dá para dizer de Justiça reconheceu que os profissionais do sexo têm direito a proteção jurídica, motivo pelo qual, podem cobrar por que essas mulheres escolheram se prostituir”. Sobre o argumento de que regulamentação legitima a tal serviço em juízo. Nesse passo, com a legalização dos mercantilização do corpo feminino, Carlota concorda e afir- estabelecimentos, os profissionais terão seus direitos resma que a prostituição é um mercado com várias frentes. “A peitados como de um trabalhador formal. De igual forma, pornografia é uma delas, e outra, mais cruel, é a exploração os profissionais autônomos poderão recolher diretamente a de meninas para esses fins. Muitas das mulheres prostitu- previdência, a fim de garantir uma eventual aposentadoria ídas começaram ainda muito crianças através de abusos. especial no futuro”. Não acredito que a prostituição seja um trabalho. Qual seria Projeto de Lei 4.211/12 ou Lei “Gabriela Leite” seu produto além do prazer masculino? Me oriento pela viO que faz: Propõe a regulamentação da prostituição como profissão. são marxista (referente a Karl Marx) de trabalho como proO que muda: O texto especifica que só deve ser considerada exploração dução da vida e da sociedade. Qual seria o benefício social sexual a coação para se prostituir ou a prostituição exercida por menoda prostituição? Como ela dialoga com a produção de uma res de 18 anos (o que já é crime), o não pagamento por serviços sexuais sociedade livre e saudável? A prostituição não seria assim, e a apropriação de mais de 50% por parte de terceiros do serviço sexual. equivalente a venda de força de trabalho, como uma profisTambém legaliza as casas de prostituição sempre que nelas não se exersão, mas a comercialização do próprio corpo das mulheres”. ça exploração sexual e contempla a aposentadoria dos trabalhadores Quem apoia o projeto, afirma que a prostituição não deisexuais após 25 anos. xará de existir, os bordéis continuarão funcionando e, por Por que o nome: Homenagem à ex-prostituta e fundadora da ONG Daisso, é necessária a regulamentação. Sobre isso, Carlota vida (instituição que defende os direitos dos profissionais do sexo). disse que é importante pensar na questão de como a nosLembrando que: Prostituir-se é legal e reconhecido desde 2002 sa sociedade objetifica o corpo das mulheres, fazendo com pelo Ministério do Trabalho, porém bordéis, boates e clubes conque pareça natural que mulheres decidam usá-lo como figuram crime de rufianismo (exploração de sexual de terceiros mercadoria. “Pautar a discussão de forma individual, como ou terceiras visando lucro) punido com até quatro anos de prisão. uma escolha, sem atentar para todo um sistema do qual a Diferença entre legalização e a regulamentação: A legalização autoriprostituição é parte integrante, não me parece produtivo. za a profissional do sexo a prestar serviço por livre vontade mediante O projeto de regulamentação da prostituição, ao meu ver, remuneração, desde que consensual, entretanto, proíbe a abertura de não deveria ser encarado como ‘redução de danos’. Tem local para prática. A regulamentação permite a prática de ato sexual sob um ponto muito sensível nesse projeto que busca distinguir remuneração, abertura de estabelecimentos, refletindo em direitos soa exploração sexual da prostituição. Dados apresentam ciais, trabalhistas, fiscais e sujeito ao poder de controle do Estado. que muitas das mulheres prostituídas entraram por algum tipo de coerção, seja econômica, psicológica ou física. Não podemos assim considerá-la consensual. Outro detalhe do A equipe da Revista Valentina não tem consenso soprojeto é que ele pouco fala sobre a garantia de direitos das bre o assunto, mas acredita que é preciso encarar o deprostitutas, apesar da justificativa usada pelos defensores bate sobre um tema tão delicado e que envolve a vida ser essa. O projeto trata, enfim, da legalização de bordéis de tantas mulheres. E, tão importante, é ouvir o que as e prostíbulos, beneficiando, em sua maioria, homens que profissionais do sexo têm a dizer. Além disso, é preciso ganham dinheiro explorando mulheres”. Carlota falou so- estender a discussão a outras questões, como a saúde bre uma alternativa a esse projeto, o modelo abolicionista, sexual e psicológica dessas mulheres, a violência contra que foi implantado na Suécia, França, Noruega e Islândia. a mulher nesse meio e a desigualdade de oportunidades Nesses países, prostitutas não são penalizadas, mas exis- que impedem muitas delas de conseguirem um trabalho te uma rede de apoio visando a inserção dessas mulheres em outra área.

Outra visão

15


Vozes Femininas

“A origem fundamental do tráfico de pessoas está na desigualdade” 16


A

assistente social e feminista Estela Scandola inaugura a

soas acontecessem. Por esse lado, isso sempre foi meu interesse.

seção Vozes Femininas e fala sobre sua história como mi-

Eu também sempre tive muita ligação com o trabalho de rua, foi algo

litante pelos direitos humanos. Estela é graduada em Ser-

muito forte na minha atuação profissional e na minha atuação de

viço Social pela Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), Mestre

luta por direitos. Foi lá que eu conheci as prostitutas, as meninas

em Saúde Coletiva pela Universidade Federal e Mato Grosso do

em situação de exploração, o início do movimento dos travestis. A

Sul (UFMS) e Doutora em Serviço Social pelo Instituto de Ciências

rua sempre foi o meu lugar. Eu costumo dizer que uma coisa é uni-

Sociais da Universidade de Lisboa (ISCTE-IUL), além de especia-

versidade, outra coisa é você fazer movimento na rua. Quando você

lizações na área de Saúde Coletiva, Saúde do Trabalhador e Psi-

faz movimento, de uma certa forma, você acaba fazendo outra uni-

cologia Social. Há 17 anos, pesquisa sobre o tráfico de pessoas, a

versidade, que é a realidade crua, o que podemos fazer para mudar

exploração sexual e o trabalho escravo na América Latina. Hoje, com

a atual situação. Esse trabalho na rua foi me aproximando desses

54 anos, trabalha na articulação com organizações que lutam pe-

grupos. Por exemplo, quando começamos a lutar pelo Sistema Único

los direitos humanos, especialmente na região Centro-Oeste e nas

de Saúde (SUS), eu pude conhecer outras pessoas na mesma luta e

fronteiras com o Paraguai e a Bolívia, participando de ações com

com diferentes visões, o que foi muito interessante. Conheci as pes-

grupos em situação de vulnerabilidade e discriminação. Estela está

soas dos movimentos de mulheres, do movimento sanitário, dos mo-

associada à Rede Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Repro-

vimentos populares. Você vai se embrenhando nisso. É uma escola.

dutivos e participa do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas (Conatrap), onde monitora a implantação do Plano Nacional de Enfrentamento à Violência Sexual Infanto-Juvenil no Brasil. Atualmente, também trabalha como pesquisadora e professora na Escola de Saúde Pública de Mato Grosso do Sul (ESP/MS).

Como funciona o seu trabalho atualmente? Eu trabalho em algumas áreas de atuação. Na Rede Feminista, meu foco maior é a discussão do tráfico de pessoas. Outra área que estou trabalhando e que gosto muito é a pesquisa coletiva. Basicamente, eu reúno as pessoas que querem fazer pesquisa de um certo tema e trabalhar

Revista Valentina: Como começou seu trabalho na luta

isso de forma coletiva. Aqui na Escola de Saúde, nós temos um grupo

pelos direitos humanos? Estela Scandola: Eu venho de uma

de pesquisa sobre os direitos sexuais de crianças e adolescentes em

militância muito antiga, desde o final dos anos 70. Estávamos em

que trabalhamos para dar evidência a essa discussão. Eu também

plena ditadura militar e eu entrei para os movimentos de igreja.

sou membro do Comitê Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de

Na época, esses eram o único espaço que tínhamos de militân-

Pessoas, que no caso, neste governo ainda não sabemos o que vai

cia, que inclusive nem chamávamos assim. Eram grupos de ações

acontecer. Porém, nós temos um grupo de discussão e rotineiramen-

eclesiásticas. Então comecei nas comunidades eclesiásticas de

te discutimos o que está acontecendo no Brasil em relação ao tráfico

base, depois fui trabalhar com a Pastoral da Juventude, em segui-

de pessoas. Ainda existe um sensacionalismo em cima das situações

da com a Pastoral Universitária e ali participei do Centro Acadê-

de tráfico e ter cuidado com o modo de falar é importante. Nós, do

mico. O meu ingresso na militância se deu como acontece com a

Comitê, estamos sempre de olho nas notícias, pensando no que va-

maioria das pessoas da minha idade, que era ou nas universida-

mos fazer, com quem vamos falar, se vamos nos posicionar ou não.

des, nesse período de contestação à ditadura, ou era via igreja. Quando eu cheguei na universidade eu já era militante na igreja.

Qual a diferença entre exploração sexual e trabalho sexual e entre tráfico de pessoas e trabalho escravo? O

Você sempre quis trabalhar na área dos direitos huma-

Brasil trabalha com um conceito que é muito divisor de águas. Ex-

nos? Eu não sei bem. Desde muito jovem eu nunca acreditei nessa

ploração sexual ocorre com crianças e adolescentes. A partir dos

ideia de pessoas que são missionárias e heroínas. Mas eu sempre

18 anos, que é considerado o início da idade adulta, não é mais

acreditei que, de forma coletiva, você é capaz de mudar as coisas.

exploração sexual, é prostituição. Parte do princípio que essa pes-

Isso foi algo que aprendi na igreja, inclusive, essa ideia de coletivi-

soa tem algum tipo de autonomia de decisão sobre este trabalho.

dade e união em prol de um bem maior. Eu comecei nessa atuação

Isso é muito importante. Agora, o trabalho escravo é uma das fina-

e fui automaticamente ingressando nos movimentos relacionados à

lidades para o qual se traficam pessoas. Porque, além do trabalho

infância. Em 1985, houve a criação do Movimento Nacional de Me-

escravo, no tráfico de pessoas há tráfico para comercialização de

ninos e Meninas de Rua (MNMNR), em seguida começamos a fazer

órgãos, para adoção ilegal, para trabalho escravo e para outras

um movimento de luta contra a ditadura pelos direitos da criança.

formas de servidão. O tráfico de pessoas é abrangente nas suas

Quando eu me formei, em 1983, eu também fui para o Sindicato de

finalidades, sendo que a escravidão é uma forma de tráfico. Mas

Assistentes Sociais. Eu nunca tive uma militância muito focada, eu

isso mudou em outubro do ano passado. Antes da sanção dessa

sempre fui fazendo o que surgia e me interessava. Depois, por bas-

nova lei, só se considerava tráfico para fins de exploração sexual,

tante tempo, eu me dediquei à implantação do Estatuto da Criança

agora não. E é interessante que na nova lei não se coloca a pa-

e do Adolescente (ECA) e dos Conselhos de Saúde. Então, na ver-

lavra prostituição, está como “outras formas de servidão”. Atual-

dade, minha militância sempre teve esse pé nos direitos humanos,

mente, o trabalho escravo é uma das principais formas de tráfico e

em lutar por políticas públicas e fazer com que os direitos das pes-

maior número registrado no Brasil é para o trabalho nas fazendas.

17


Uma coisa importante a se deixar claro é que o perfil do tráfico mudou completamente. Antigamente, o tráfico atravessava oceanos, agora não. O tráfico interno, dentro das regiões, representa 93% dos casos. Qual é a origem do tráfico de pessoas na América Latina? A origem fundamental do tráfico de pessoas está na desigualdade. No geral, as finalidades e o perfil do tráfico de pessoas não mudaram com o passar dos séculos. Toda a origem do tráfico tem uma relação de classe, gênero e etnia. Isso é claro. E quem demanda quem vai ser traficado é quem compra o produto. Grande parte da manutenção dessas desigualdades tem a ver com o funcionamento do sistema que a gente vive. Aí as pessoas perguntam: o tráfico de pessoas vai acabar? Não. O tráfico de pessoas não vai acabar porque ele é inerente à desigualdade. As pessoas têm essa ideia de olhar caso a caso, mas não é assim que funciona com o tráfico. Você olha como isso está acontecendo nas cadeias produtivas.

Quando se fala em tráfico de pessoas, associa-se, na maioria das vezes, ao trabalho sexual de mulheres. É um pensamento equivocado? Sempre falam da novela da Globo, “Salve Jorge”, que retratava o tráfico de mulheres na Turquia. Essa novela foi um desserviço para o nosso trabalho. Deu maior visibilidade ao tema do tráfico, sim, mas, uma das questões centrais que me fazem questionar é que ela reforçou a ideia do tráfico de mulheres saindo do Brasil para o exterior e não deu a mesma importância para o tráfico interno. Uma coisa importante a se deixar claro é que o perfil do tráfico mudou completamente. Antigamente, o tráfico atravessava oceanos, agora não. O tráfico interno, dentro das regiões, representa 93% dos casos. Aqui na América Latina, internamente, temos o maior número de casos de tráfico de pessoas. Outro aspecto importante é que a novela não considerou que as finalidades para as quais se traficam mulheres são muito diversas e não apenas para suprir o mercado sexual.

aparece uma situação muito nova para os europeus, que eram mulheres brancas sendo levadas para a prostituição nas Américas. Isso foi determinante para que a Europa se mobilizasse no tema tráfico de pessoas. Mas não se chamava tráfico de pessoas, se chamava trata de blancas [tráfico de brancas]. O assunto só começou a ser discutido porque a Europa se indignou que suas mulheres brancas estavam sendo levadas às Américas para a prostituição. As negras vinham para a prostituição e ninguém lutava contra o tráfico. Os traficantes eram considerados grandes empreendedores. Isso é determinante. Agora o assunto é discutido, mas há quantos anos é vergonhoso traficar pessoas? Há muito pouco tempo. As mulheres negras não eram consideradas nessa história do tráfico de pessoas. Elas eram consideradas na política de erradicação do trabalho escravo. Mulher branca era tráfico, mulher negra era escravidão. Somente no final do século XIX é que começam as denúncias de que as mulheres estavam sendo traficadas para as Américas, enquanto na Europa isso já estava acontecendo. É no final do século XIX que vamos ter os primeiros registros dessas mulheres brancas trazidas às Américas. Há que se considerar que as mulheres negras sempre foram traficadas e que a luta contra o tráfico de pessoas é inaugurada na medida que as mulheres brancas são levadas para a prostituição. Há uma conotação de gênero, sexualidade e moralismo. Quando as mulheres eram trazidas para o casamento servil também não era considerado tráfico. Muitas mulheres também foram traficadas para o trabalho doméstico e não se falava. O trabalho doméstico esconde as mulheres traficadas dentro das casas há séculos. Em 1904, surge a primeira lei contra o tráfico de brancas e começa a ficar mais forte a questão, mas somente com o Protocolo de Palermo [instrumento legal internacional que trata do tráfico de pessoas, em especial de mulheres e crianças], em 2000, é que vamos inaugurar essa discussão oficialmente.

Qual é a participação do Mato Grosso do Sul no tráfico de pessoas, sendo um Estado de fronteira internacional? Eu participei de um estudo sobre exploração sexual nas fronteiras de Mato Grosso do Sul com Paraguai e Bolívia, de 2009 a 2011. Nele, nós concluímos que as fronteiras servem para aumentar a curiosidade das pessoas. Primeiro, não é o fato de ser fronteira que aumenta o tráfico, é o fato que entre os países há desigualdade de acesso à bens e serviços. Por exemplo, quando a Bolívia estava muito pobre, o número de bolivianos era imenso para o Brasil. Hoje isso diminuiu drasticamente. Significa que bolivianos não vêm mais ao Brasil? Não, eles continuam vindo, mas a perspectiva é outra. O boliviano sabe que na Bolívia já é possível ter qualidade de vida, pois é o país que mais cresce na América Latina. No sul do Estado, para a colheita da mandioca, temos a fronteira com o Paraguai. Primeiramente, quem inventou que isso é fronteira? Os paraguaios entram e saem para colher a mandioca todos os dias. Atravessam uma rua e é uma fronteira. Então, eu acho que essa

18

Esse pensamento comum de que o tráfico se resume ao

característica de fronteira serve mais para o imaginário da desgraça

trabalho sexual é baseado em quê? Esse imaginário foi criado

do que propriamente um aspecto vulnerabilizador para tráfico. To-

propositalmente. Nós temos uma luta para a erradicação do trabalho

das as pesquisas confirmam que as regiões de fronteiras sempre

escravo e essa luta vem de muitos séculos. No final do século XIX,

foram historicamente desprestigiadas pelas políticas públicas brasi-


leiras, sendo vistas como áreas de perigo e de um senso comum

Você chega lá na delegacia, o delegado tem 1.700 processos em

muito ruim, que é ser “terra de ninguém”. Se você conferir os re-

encaminhamento, por mês. Como ele vai dar conta de investigar?

latórios de trabalho escravo nas grandes obras, como ocorreu em

Depois da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adoles-

Belo Monte, não havia nenhum estrangeiro, só brasileiros. A situa-

centes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf),

ção interna é muito forte. O que acontece é que muitas situações de

em 2002, nós começamos a acompanhar mais os casos de tráfico de

tráfico em Mato Grosso do Sul não foram registradas. Em algumas,

pessoas. Foi a pesquisa mais abrangente que tivemos. Nós fomos

o Comitê Estadual tomou conhecimento e fez estudos de casos.

até Porto Murtinho ouvir as pessoas e, ao fazer isso, percebemos que, primeiro, há uma confusão conceitual sobre tráfico de pesso-

Quais são as ações de enfrentamento ao tráfico de pessoas no Estado? O desmantelamento das ações de políticas públicas é decisivo para o desmantelamento do enfrentamento. Se você não tem enfrentamento, você não conhece a realidade. Nós temos a Comissão Estadual de Enfrentamento da Violência

as e, segundo, muitas situações de tráfico não estavam caracterizadas como tráfico. É muito interessante perceber que as pessoas, de uma certa forma, têm conhecimento da situação. Quando fazemos capacitação no interior, é muito comum relatarem casos de tráfico. Mas aí quando você vai perguntar do registro, não tem registro.

e Defesa dos Direitos Sexuais Crianças e Adolescentes de Mato Grosso do Sul (COMCEX), que era extremamente atuante. Agora o

Agora falando sobre a sua militância feminista, como

COMCEX está muito fragilizado e a Secretaria de Estado de Direi-

começou seu trabalho na Rede Feminista de Saúde,

tos Humanos, Assistência Social e Trabalho (Sedhast) está dizen-

Direitos Sexuais e Reprodutivos? Eu já possuía um víncu-

do que não irá mais bancar a Secretaria Executiva do COMCEX.

lo com a Rede Feminista há alguns anos, mas não era um víncu-

Se o COMCEX finalizar suas atividades, não teremos mais nem

lo orgânico. Era apenas eu, como militante feminista, me articulan-

casos de exploração. A exploração só aparece quando algum caso

do com a Rede. Eu usufruía do conhecimento, da articulação e da

extremamente gritante e chocante vem à tona, senão é totalmen-

mobilização, mas não estava vinculada. Em 2012, eu fui a Gene-

te encoberta por essa naturalização que a sociedade faz. Nós es-

bra para a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de

tamos com uma fragilidade de dados imensa e isso é muito ruim

Discriminação contra a Mulher (CEDAW) e lá conversamos sobre

porque não ajuda a denunciar a realidade. O tráfico de pessoas

a possibilidade de ter um vínculo mais orgânico com a Rede Femi-

em si é a própria denúncia do funcionamento da sociedade. Então,

nista e assim acabei me filiando. A Rede Feminista possui muitas

hoje, concretamente, os dados de tráfico de pessoas ou são trazi-

organizações afiliadas, então nela eu fico com as temáticas que tem

dos por alguma comissão permanente ou pelo Ministério Público.

a ver com a nossa realidade aqui em Mato Grosso do Sul, como o

A Secretaria de Segurança Pública nunca agiu em relação ao trá-

tráfico de pessoas, discussão sobre fronteiras e sobre direitos se-

fico de pessoas. Vivemos num emaranhado de existência de nada.

xuais de meninas. Inclusive, atualmente estamos na busca por uma discussão sobre a mulher indígena, mas ainda não avançamos.

Essa falta de dados também se relaciona com o medo das pessoas em denunciarem? Com certeza. Se ela fizer a

Você acha que a saúde da mulher ainda é um tabu? A

denúncia, é perigoso ainda ser culpabilizada. Também há a falta de

mulher é um tabu. A sociedade ainda não se debruçou para ga-

conhecimento sobre o assunto. Aquele caso de 2015, em que vários

rantir direitos a ela, a nós, no caso, como um ser humano digno e

políticos foram acusados de estarem envolvidos no agenciamento

destinatário de direitos. Não é só a saúde, temos também a ques-

de meninas, é um caso muito característico. O delegado investigou, as meninas eram aliciadas por telefone e trazidas de Coxim. Quando perguntamos se havia um caso clássico de tráfico de pessoas, a resposta foi negativa, e que era apenas aliciamento de menores. Mas as meninas eram trazidas para cá, a mulher que as conseguia ganhava dinheiro, elas ficavam enclausuradas num apartamento, não podiam sair e tinham que prestar serviços sexuais. Isso é só exploração sexual? Isso é tráfico de pessoas. Houve aliciamento, transporte, alojamento, todas as condições de tráfico. O caso de homens que são trazidos para trabalhar em fazendas também não é considerado tráfico de pessoas. Então, na verdade, há diferentes situações de tráfico de acordo com o Protocolo de Palermo, mas eles não estão classificados como tráfico de pessoas e nem estão registrados na rede de justiça.

tão do trabalho, por exemplo. Começa já na universidade, onde o

Os movimentos de mulheres e essa visibilidade são um avanço. O que não é avanço? A garantia desses direitos. O que não aconteceu? Não pararam de matar mulheres”

Por que há essa “vista grossa”? Porque aí vai demandar mais investigação. Então é caso encerrado. Vamos pensar pelo outro lado.

19


maior número é de mulheres ingressas, mas quando falamos de

blemas que elas estão vivenciando. Significa que os problemas estão

lideranças, a maioria são homens. No movimento sindical, na ca-

resolvidos? Não, significa que a sociedade começou a perceber que

tegoria da educação há muito mais que 50% de mulheres, mas os

existem diferentes movimentos que estão pautando a garantia dos di-

dirigentes sindicais em sua maioria são homens. Ou seja, a mulher

reitos das mulheres. Os movimentos de mulheres e essa visibilidade

ainda não tem a garantia de ser vista como destinatária de todos

são um avanço. O que não é avanço? A garantia desses direitos. O

os direitos que são de direito de todas as pessoas. Aí as pessoas

que não aconteceu? Não pararam de matar mulheres. O feminicídio é

dizem: mas hoje a mulher já sai sozinha, vai ao cinema sozinha.

a maior chaga que temos na sociedade. É uma violação de direitos di-

Sim, algumas fazem isso, mas o conjunto das mulheres não faz isso.

retamente ligada à condição de gênero. Quando eu vejo os casos que

Temos que olhar o conjunto. Não é só a saúde da mulher, o aces-

acontecem, eu me pergunto muito: por que o feminicídio não diminui?

so das mulheres aos direitos ainda é tabu. Se juntarmos isso aos

Por que o número de estupros não diminui? Por que a violência verbal

direitos sexuais, aí temos uma dupla desigualdade na garantia de

e psicológica não diminui? O que está acontecendo na sociedade que

direitos. As mulheres pela condição de gênero e os direitos sexu-

ainda não enfrentamos de forma eficaz para diminuir essas violações

ais pelo moralismo sexista. Se forem mulheres negras com direitos

de direitos? Isso é algo que me incomoda profundamente porque são

sexuais violados, você já tem três características em questão. Não

muitos anos que as mulheres estão denunciando e são muitos anos

podemos falar da mulher, temos que falar de todas essas mulheres

que as mulheres estão organizadas. As mulheres vão lá, conquis-

e suas diversidades. No ano passado eu participei de uma reunião

tam direitos de igualdade na Constituição, conquistam a Lei Maria

com as mulheres com deficiência. Os relatos são absurdos. É de

da Penha, conquistam a Lei do Feminicídio, mas isso não significou

perguntar em que século vivemos. Mulheres com deficiência não

diminuição da violência. O que mudou é que as mulheres denunciam

conseguem acessar as macas nos postos de saúde para fazerem

mais. A ameaça nunca era assumida pelas mulheres como motivo

um exame preventivo. Nós temos uma quantidade imensa de viola-

para denúncia. O que é central em mudar é o processo de educação.

ção de direitos. As mulheres são diversas, as situações são diver-

Existem três instituições fundamentais na manutenção da desigual-

sas, não é possível fazer uma valoração única sobre as realidades.

dade de gêneros: escola, igreja e família. A manutenção da desigualdade tem nessas três instituições o pilar do machismo e de outros

O que você considera um avanço nestes últimos dez anos em relação aos direitos sexuais e reprodutivos femininos? O que você percebe ainda como uma grande dificuldade? As próprias mulheres estão trazendo à tona os pro-

20

preconceitos, seja pela doutrinação dogmática das igrejas que estimulam as mulheres a ficarem quietas e manterem seus casamentos, ou seja porque a escola, mediante seus ensinamentos, define papéis de homens e mulheres na sociedade. Onde temos o poder de intervir? Educação. A educação é a base da nossa intervenção política.


Caderno fotográfico

Qual é a sua moda?

A Revista Valentina fotografou sete modelos e buscou retratar a individualidade e estilo de cada uma.

Fernanda Nogueira

Esse sapato eu comprei com meu primeiro salário. Ele parece aquelas sandálias da Rouge. Eu sempre quis uma e minha mãe nunca comprou pra mim porque ela achava feio” 21


Fernanda Graciolli

Eu gosto de usar essa blusa porque é confortável, não amassa e a cor combina com tudo. Ela também me traz boas lembranças”

22


Jackeline Aguiar

Gosto muito de usar peças de cintura alta e com estampas florais. Me sinto confortável e se encaixa em um estilo mais antigo, que é o meu preferido. E tudo que tenho foi e é comprado em brechós, onde é mais fácil encontrar peças que eu goste”

23


Vitória Cristine

Eu gosto bastante de usar saias. Me maquio pouco, no máximo um batom. Geralmente uso poucos acessórios, os meus preferidos são os anéis”

24


Elen Cristina

Gosto de usar sapatilhas, são bem confortavéis. Costumo usar poucos acessórios, mas às vezes uso um brinco mais diferente como esse”

25


Thailini de Souza

Shorts são meus preferidos. Também gosto bastante de me maquiar, pra todo lugar que eu vou eu passo alguma maquiagem,nem que seja leve”

26


Larissa Melo

Eu gosto muito de usar shorts confortáveis combinados com a ocasião. Se é mais informal, gosto de usar estampa, mas costumo ficar em tons mais escuros do que os coloridos, combinando com tênis ou sapato mais clássicos”

27


Beleza

Fios

saudáveis

Você já ouviu falar em No Poo e Low Poo? São técnicas criadas pela inglesa Lorraine Massey e pelo brasileiro Denis Silva que te ensinam a cuidar dos cabelos com o uso de produtos naturais. E quem faz, confirma: dá certo!

O

cabelo está diretamente ligado a nossa autoestima. Muito mais que uma parte do corpo, é um adereço e um reflexo do nosso estilo e personalidade. E nós sabemos

como às vezes é difícil manter um cabelo bem cuidado e saudável com todas as mudanças capilares que fazemos, sem falar na correria no dia a dia e no alto custo dos cosméticos. Acontece que, de uns tempos pra cá, muitas mulheres estão buscando produtos mais naturais para tratarem dos cabelos. E é no meio dessa busca que elas descobriram as técnicas No Poo e Low Poo. Os nomes parecem complicados, mas a gente garante que é mais fácil do que você pensa. O No Poo e o Low Poo são técnicas de limpeza e tratamento capilar sem fazer uso de aditivos químicos, como sulfatos e derivados de petróleo (petrolato, óleos minerais, vaselina, parafina líquida). De acordo com os criadores da técnica, Lorraine Massey e Denis Silva,

A cabeleireira Valéria Menegazzo, 52, é dona do salão Universo

os sulfatos são agentes limpantes altamente agressivos que retiram

das Cacheadas e lá faz uso das técnicas. Valéria se especializou há

a proteção natural dos fios. Já os derivados de petróleo e silicones

quatro meses e a motivação foi pessoal: após oito anos de progres-

produzem uma espécie de “capa” no fio conferindo brilho e sedosi-

siva, ela sentiu que seus cabelos precisavam de uma recuperação

dade artificiais. Ou seja, com o uso de condicionadores com deriva-

mais intensa. “Eu busquei conhecimento para tratar do meu cabelo e

dos de petróleo, as substâncias tratantes não penetram nas cama-

me encantei. Falam que o cabelo cacheado é um cabelo difícil, mas

das internas do cabelo para recuperar os danos que os shampoos

não é, é um cabelo que tem vontade própria na verdade, e que pre-

com sulfato forte causaram. Os silicones solúveis e insolúveis são

cisa de cuidados diferentes de um cabelo liso simplesmente porque

permitidos apenas para quem faz Low Poo, pois nessa técnica ainda

ele é diferente”, explica. Após livrar-se da progressiva, a cabeleirei-

se utilizam shampoos com sulfatos fracos que são capazes de fazer

ra se tornou 100% adepta dos produtos naturais. Ela trabalha com

a limpeza desses compostos. Além dos cuidados na lavagem, as

cosméticos de origem botânica e orgânica e as chamadas ‘receitas

usuárias de No Poo e o Low Poo fazem cronogramas de tratamento.

caseiras’. “Às vezes a cliente não quer levar o produto, ou está fora

Tem o momento da hidratação, da nutrição e da recuperação, e aí

do orçamento no momento, e eu passo as receitas com produtos

vai depender do que cada cabelo está precisando.

que elas têm em casa”, conta Valéria.

28


Elas fizeram e aprovaram! A estudante de Psicologia Vitória Machado, 20, faz Low Poo há cerca de um ano e meio. Ela começou a transição capilar para recuperar os cachos e, pesquisando dicas de tratamento, descobriu a técnica. A melhora foi imediata! “Em duas semanas eu já percebi que meu cabelo começou a ficar bem hidratado e também começou a definir mais os cachos”, afirma. Fã das receitinhas caseiras, a Vitória contou pra gente que usa bastante azeite, mel, açúcar, óleo de coco, de amêndoas e de Foto: Júnior Flores

abacate para tratar os cabelos. Perguntamos se dava muito trabalho seguir a técnica, e se liga na resposta: “Eu continuo gastando quase o mesmo tempo, a diferença é que antes eu gastava o tempo no salão fazendo escova, e agora eu gasto cuidando, e em casa mesmo. Meu cabelo está saudável, antes ele só estava liso”. Boa, Vitória!

Vitória Machado

A Jéssica Apacite, 19, também estudante de Psicologia, faz Low Poo há cerca de dois anos. E olha só que legal, ela e a Vitória são vizinhas e, além de compartilharem dicas e produtos, costumavam se reunir no fim de semana para fazerem receitas de máscaras de tratamento. “A gente vê essas coisas em comum e acaba se reunindo, uma ajuda a outra. Domingo à tarde era dia de fazer máscara, uma dava o mel, outra o azeite, e assim vai”, conta. Falando nisso, a receitinha natural favorita da Jéssica para abaixar o frizz é amido de milho e água. “Você mistura os dois, leva ao fogo, e aí vira uma pastinha. Também dá para colocar ovo, azeite, óleo de coco. O ovo, para não ficar cheiro, usa a gema peneirada. Azeite também não fica cheiro”, explica. A Jéssica é um exemplo de que você não precisa de produtos caros para cuidar dos cabelos. Mas se engana quem pensa que só quem faz uso das técnicas são

Jéssica Apacite

as cacheadas! Apesar de terem sido criadas pensando nesse público, o No Poo e o Low Poo são acessíveis a todas as mulheres. A estudante de Jornalismo Mylena Rocha, 21, faz Low Poo há cerca de quatro meses. “Meu cabelo estava muito agredido por causa da descoloração e da tintura. Ele estava seco, com pontas duplas, até tive que cortar mais de Foto: Arquivo pessoal

um palmo de comprimento”, conta. Depois do corte, ela decidiu investir na técnica para tentar recuperar a saúde do cabelo. E deu certo! O cabelo da Mylena ficou com mais brilho, mais macio, sem queda, com menos fios elásticos e pontas duplas. Quanto ao frizz, fez tanta diferença que ela diz nem reconhecer como era antes. Já a estudante de Publicidade e Propaganda Júlia Estevam, 19, recorreu ao Low Poo por um motivo diferente. Fã dos cabelos colo-

Mylena Rocha

ridos, ela percebeu que a cor desbotava muito rápido com a lavagem, e queria saber se havia algum truque para evitar isso. “Eu encontrei um blog falando sobre os benefícios de usar shampoos sem sulfato para manter a cor, e aí pesquisando sobre quais não tinham esse componente eu conheci as ténicas”, explica. Os sulfatos fortes têm um efeito limpante muito agressivo e isso faz com que as cores fantasias desbotem bem mais rápido. A Júlia entrou pro Low Poo Foto: Arquivo pessoal

faz um ano e agora a cor do cabelo dura muito mais! De bônus, o cabelo também ficou mais saudável. Os produtos naturais favoritos da Júlia são os óleo de coco e rícino, e misturados nas máscaras de hidratação, ela usa mel, leite, maisena, glicerina ou d-pantenol. O d-pantenol é uma substância rica em vitamina B5 que ajuda os cabelos a reter a umidade natural. Para selar as pontas, a Júlia dá a dica de misturar condicionador e vinagre de maçã.

Júlia Estevam 29


E aí, se interessou?

Bateu a vontade de começar a seguir uma das técnicas? A Valentina te explica como! Primeiro, há diferença entre o No Poo e o Low Poo. Na técnica No Poo, não se usa shampoo nas lavagens e para realizar a limpeza dos frios se faz o Co-wash, que é a lavagem com condicionador. Mas atenção: o condicionador não pode conter nenhum derivado de petróleo, nem silicones. Já no Low Poo, pode utilizar o shampoo, mas sem sulfatos fortes. E o condicionador? O Low Poo permite o uso de condicionadores com silicones pois utiliza shampoo com sulfatos fracos ou com um componente limpante chamado Cocomi-

30

dopropyl Betaine, mas os derivados de petróleo ainda são proibidos. Importante: para começar qualquer uma das técnicas, você deve lavar o cabelo com um shampoo contendo sulfato forte, para limpar todas as impurezas e “capas” que os derivados de petróleo deixaram. Também é indicado higienizar os utensílios de cabelo. A dica da cabeleireira Valéria é colocar tudo de molho em uma solução com vinagre, água sanitária e sabão em pó. Feito isso, aí sim você pode começar!


Para o tratamento, você pode seguir um cronograma básico e, a partir dele, alterá-lo de acordo com o que perceber que o seu cabelo precisa.

Quando o cabelo está muito ressecado e necessitado de nu- cabelo não está dando certo e a pessoa está seguindo a técnica, trientes, a cabeleireira Valéria Menegazzo indica fazer a umec- calma. Muita calma. O cabelo está reagindo à mudança. É uma tação, uma forma de nutrição profunda. A umectação é, basica- fase de adaptação”, finaliza. mente, umedecer os cabelos com óleos vegetais. O ideal é fazer nos cabelos secos e deixar o óleo agindo por uma noite – sim, O salão Universo das Cacheadas está localizado em Campo você coloca uma touquinha e dorme com ele no cabelo! – mas é Grande, na Avenida Júlio de Castilho, nº 3308, sala 21. possível deixar por menos tempo. Os óleos mais indicados são: O salão é especializado em arquitetura dos cachos, mas quem possui cabelo liso ou ondulado e tem interesse nas técnicas, coco, amêndoas, abacate, rícino e azeite. também pode entrar em contato. A cabeleireira alerta que também é preciso ter paciência. Cada O telefone é (67) 99155-5005. cabelo vai responder em um tempo diferente. “As pessoas acham que o No Poo e Low Poo vão dar resultado imediato. Quando o 31


Make

T OM PRA T O DAS A

maquiagem faz parte da vida de algumas mulheres. É claro que sempre tem exceção. Tem gente que gosta da make completa a qualquer hora do dia, tem gente que fica só no batom na hora de sair. E pra qualquer caso, está tudo certo, o importante é se sentir bem. O poder da escolha entre os inúmeros itens como blush, sombra e delineador é ótimo. Mas ter uma base ou um pó que é exatamente da sua cor é melhor ainda. Tem gente que quer sim se jogar na make, seja todo dia ou não, e ter essa possibilidade disponível. Nós, brasileiras, somos uma mistura de etnias – e todo mundo sabe. Mas mesmo assim nos deparamos, por exemplo, com corretivos que possuem apenas três classificações: claro, médio e escuro. E é ganhar na loteria quando qualquer um desses se encaixa. Sua pele pode não ser clara, mas tem um subtom amarelado, e mesmo assim nem o médio serve. E agora? Pois bem! Talvez nem todo mundo saiba que a nossa gama de tonalidades é gigantesca. Conversamos com Stefanny Veiga, 23, maquiadora há dois anos, consumidora desde sempre. Ela expõe o problema das mulheres que possuem a pele negra. As marcas estão em processo de avanço, mas há poucas que atendem os tons mais escuros. “Estão melhorando muito em questão de base, mas o corretivo e o pó ainda são um problema” conta. Ela explica que optar por uma base que não está de acordo com sua pele pode ser ruim, por isso que é preciso haver um leque mais extenso de cores. “A pele negra varia muito de tom, tem pele negra para o amarelo, para o acinzentado, então se você usar uma base diferente, às vezes a olho nu não vai ver o erro, mas lançou um flash aí acabou” explica Stefanny. “Aí influencia na autoestima das mulheres também, porque é péssimo. Já aconteceu comigo”. De acordo com Stefanny, a problemática é discutida entre as mulheres. “Eu participo de um grupo de Feminismo Negro, e quando se debate maquiagem lá elas sempre falam disso, da dificuldade em achar o tom de pele. Já ouvi relatos de gente que não gosta de ir à maquiadora porque já ficou com rosto acinzentado. Porque aí como ela não tem uma gama de cores de base para poder atender aquele cliente, ela passa uma base só porque precisa atender”. O Brasil é um país miscigenado, tem o tom dos indígenas, das orientais, e a mistura entre todas as etnias. Stefanny ressalta que é muita cor pra dividir apenas em três tons, por exemplo. “Para quem tem a pele negra escura não atende a demanda. Hoje em dia as pessoas estão se interessando mais. As pessoas pesquisam e querem consumir. Aí as que não são atendidas por essas marcas se sentem excluídas, discriminadas, porque não conseguem consumir”.

32

A partir dessa questão, a Revista Valentina selecionou as marcas que pensam em todas as mulheres. Veja só:

RUBY ROSE 10 tonalidades R$ 10

MAYBELLINE 19 tonalidades R$ 25 - 30 VULT 16 tonalidades R$ 27 - 30

MAC 41 tonalidades R$ 125

O que as marcas brasileiras têm a dizer?

Entramos em contato com as mais famosas no mercado brasileiro pra saber o que elas acham e fazem sobre essa questão. A veterana O Boticário nos contou que a linha Make B possui produtos desenvolvidos para se adaptarem aos mais diversos tipos de tons de pele, proporcionando um aspecto uniforme e natural a make. Já a Vult, explicou que estão buscando ampliar cada vez mais a cartela de cores, tanto nos tons mais escuros quanto nos tons bem clarinhos. Inclusive acabaram de lançar a Base HD, que além de possuir muitos requisitos e tecnologia High Definition, possui uma cartela de 16 cores, visando exatamente em poder atender a mulher brasileira. A Natura e a Tracta infelizmente não nos responderam, e a Quem Disse Berenice não pôde divulgar essas informações.


DICAS 1 7 2

6

3

Fotos: Reprodução e divulgação

5

4 1. Sombras individuais Quem Disse Berenice? R$ 25,90 2. Máscara para cílios Bobastic Volume Vult R$ 28,68 3. Delineador Tracta R$ 37,90 4. Dailus Color Quarteto para Sobrancelha R$ 23,90 5. Batom Lápis Extreme Matte Maybelline R$ 16,25 6. Blush NYX R$ 36,90 7. Iluminador Natura R$ 48,90 33


Saúde

Viva leve com o copinho Sim, há vida sem os absorventes sintéticos e ela pode ser mais segura e com mais liberdade. Entenda como

V

ocê já ouviu falar do coletor menstrual? Sendo sim ou não, é imprescindível que você permaneça nessa página para desbravar um pouco sobre a alternativa aos absorventes populares. O coletor é um pequeno copo usado para coletar o fluxo durante o período menstrual. As primeiras impressões podem causar estranheza. “Como assim coleta a menstruação? Como eu vou colocar? Não tem perigo?” A partir dessas perguntas, seguem várias outras e é por isso que viemos esclarecer de uma vez por todas o copinho. Resumindo sua história, o coletor surgiu na década de 30, e passou por diversas modificações desde então. Várias marcas interromperam a produção durante esses anos pela sua impopularidade, já que as mulheres não compravam. Mas, em média, de dois anos para cá, o número de adeptas vem aumentando. Atualmente várias marcas vendem aqui no Brasil, como a Inciclo, Fleurity, Lunette, Meluna, Korui e outras. Com um formato afunilado, os tamanhos podem variar visando atender cada tipo físico feminino. Podem ser mais ou menos maleáveis também. O seu material é silicone cirúrgico, que esterilizado da maneira correta permite que você use sem se preocupar com bactérias ou infecções, ou seja: ele é seguro sim! De acordo com o ginecologista Lucinaldo Basso, o silicone cirúrgico pode ser fervido e é bem liso, o que evita acúmulos de secreções e bactérias. Mas é necessário ressaltar, por ser um produto reutilizável, a esterilização precisa ser feita todo mês. “Se não for feito uma limpeza eficiente, pode levar a uma infecção e outros problemas sérios. Tudo por causa da higiene”, alerta o médico. Sustentável e econômico, o copinho pode ser utilizado por até dez anos consecutivos. Comparado com os absorventes descartáveis, você poupa dinheiro e polui menos o ambiente. Atualmente, os preços variam entre 40 a 80 reais. Mas lembre-se, esse é o valor que você irá pagar uma vez e usar por muitos anos. A estudante de Psicologia Thais Barros, 21, comprou o seu há dois anos e o usa desde então. “Num auge do calor de Campo Grande, eu não queria mais usar absorvente, e aí resolvi comprar o coletor. Ele é confortável, eu me habituei bem a ele. Consigo ir pra faculdade com tranquilidade, passar o dia

Atenção!

Vai utilizar pela primeira vez? Pegue um recipiente que não seja de metal ou alumínio e que possa ser fervido, panelas de cerâmica ou porcelana são algumas opções. Deixa-o ferver por cinco minutos contados! Deixou mais que isso? Adeus, coletor – ele pode derreter. Repita esse procedimento ao final de cada ciclo. Fácil, fácil.

34

todo e me sinto segura”, conta a estudante. Ela também explica que a alergia aos absorventes a motivaram a ir para o time do copinho. “Eu optei pelo absorvente interno pra ver se minha alergia passava, mas não deu muito certo. Os motivos iniciais foram esses. E assim, todas as consequências reforçadoras disso. Tem a questão do ambiente, você produz menos lixo e você gasta menos dinheiro”. Os primeiros dias de uso podem ser um pouco desafiadores, mas é apenas uma questão de paciência e de conhecimento do próprio corpo. Para introduzir o coletor, é necessário ficar em uma posição em que se sinta relaxada, então dobre o copinho e coloque até entrar por completo. Para encaixar dentro do canal vaginal de maneira correta, é preciso que forme o vácuo, pois assim o sangue não vaza. Uma dica importante é dar uma “giradinha” pelo cabinho. Assim você retira o vácuo exagerado, que pode causar incômodos similares à cólica. Quando não der mais para girar, pronto! Está bem colocado! Para ter sucesso na introdução do coletor, é preciso entender seu corpo e ver se o colo do útero é baixo ou alto, por exemplo. Ter esse conhecimento também facilita na hora de comprar o modelo correto para você. Incomodou? Corre para o banheiro e tente reposicioná-lo, caso não resolva, é porque você precisa testar outro que se encaixe melhor. Para tudo isso acontecer, você precisa se explorar. De acordo com o ginecologista, algumas mulheres não conhecem o próprio corpo decorrente do tabu em nossa sociedade. “Há mulheres que têm medo de colocar o dedo dentro da vagina, então para ela utilizar, tem que ter esse conhecimento, não tem que ter medo, tem que ter cuidado”, explica.

Quem usa

Sara Maria Sguissardi, 24, graduada em Gestão Ambiental, adepta do coletor há três anos, cita outra questão em relação ao sangue da menstruação. “As pessoas têm muito tabu com a menstruação, têm a ideia que é uma coisa suja, mas é algo supernormal, que todas as mulheres vão passar ou já passaram. Quando você usa o coletor, você precisa encostar no seu sangue, então existe esse tabu por conta do sangue mesmo”, explica. Você pode permanecer com o copinho por até doze horas. Dependendo da sua rotina e do seu fluxo, dificilmente terá que tirá-lo em locais públicos. Sara conta que desde que começou a usar, o máximo que ficou foi dez horas e nunca precisou trocar fora de casa. Mas caso aconteça, a dica é andar com uma garrafinha de água e sabonete neutro por precaução e lavar ali na hora de esvaziá-lo. Mas quer saber da melhor parte desse contato com o sangue usando o coletor? É que ele não produz odor! O forte cheiro que conhecemos tem relação com o absorvente. Interessante, não? Para quem possui um fluxo intenso, o coletor surge como a melhor opção. Foi o caso da economista Nathalia Escobar, 24. Ela ficou sabendo da sua existência por um grupo do Facebook, e após sofrer muitos anos com o absorvente externo e interno, optou pelo copinho. “As


meninas estavam indicando para quem tem fluxo muito forte, e como eu sempre tive problema com isso, achei legal procurar mais. Faz uns dois anos que eu uso e desde o primeiro ciclo eu me entendi, aí nunca mais comprei absorvente”, conta. Ela lista diversos benefícios que encontrou com o seu uso. “A primeira vantagem é a liberdade. Absorvente é uma prisão. Segundo, você pode fazer qualquer coisa. Eu vou pra academia, malho normal, já fui pra piscina, e se tiver que viajar você não precisa se preocupar quanto tempo vai ficar dentro do carro”. Entretanto, Lucinaldo afirma que existe uma série de fatores que precisam ser levados em consideração, por isso se atente. “Há mulheres que têm infecção urinária recorrente e que têm alergia ao silicone, apesar de ser mais difícil haver essas alergias. Para mulheres que não terão o cuidado de fazer a higiene correta do coletor, eu também não recomendo. Quem tem, por exemplo, o colo o útero muito baixo e que não tem a vagina tão profunda pode incomodar”, explica o ginecologista. Atualmente, o coletor é vendido nos sites das próprias marcas e por revendedoras. Em Campo Grande, há pouco tempo que começou a ser comercializado em farmácias e revendido por representantes. Denya Teixeira dos Santos, 37, ficou encantada com o seu primeiro copinho, há dois anos, e resolveu espalhar a informação para as mulheres. “Comecei a falar para as amigas e as amigas para as outras. Criei a página no Facebook e as procuras cresceram. Meu primeiro pedido foi em maio de 2015”, relata. Revendedora da marca Inciclo, ela já vendeu 77 coletores no total. Independente de suas vantagens e desvantagens, a informação da existência do coletor é necessária. Muitas mulheres às vezes sofrem com o uso dos absorventes sintéticos e não sabem que podem recorrer a outro método. Por isso ressaltamos: é preciso desprender-se dos tabus e se jogar naquilo que é melhor para você, mulher!

Sustentabilidade

Em média, o coletor dura 10 anos. Quanto você poupa ao optar pelo seu uso? Nós fizemos a conta! Cada mulher usa cerca de 10 absorventes descartáveis em cada ciclo menstrual. São 12 ciclos por ano, totalizando 120 ciclos em 10 anos. Nesses período, uma mulher utiliza cerca de 1.200 absorventes. Por exemplo, em Campo Grande, um pacote de absorvente interno com 10 unidades da marca OB custa R$ 11,20*. São R$ 1.344 gastos em 10 anos. Já um pacote de absorvente externo com 8 unidades da marca Sempre Livre custa R$ 4,50*. São R$ 675 gastos em 10 anos. Além disso, um absorvente sintético demora cerca de 100 anos para se decompor na natureza. * *Os preços podem variar de acordo com o tipo do absorvente e o lugar .

Fotos: Inciclo e Meluna / Reprodução e divulgação, arquivo pessoal

Outras alternativas Além do coletor, a marca brasileira Korui também produz absorventes reutilizáveis. Desenvolvidos para proporcionar conforto, não contêm nenhum tipo de gel ou produtos químicos. O formato é anatômico e o ajuste feito por botões. Eles podem ser lavados da mesma forma que você lavaria suas calcinhas! Para maior durabilidade e resistência a manchas, é indicado retirar o excesso de sangue após o uso e deixar de molho em água fria. Pode ser lavado na máquina ou à mão. Em geral, os absorventes Korui duram cerca de 5 a 10 anos.

Korui com a palavra

“A estranheza sempre existe, viu? A primeira reação é dizer: “que nojento”. Nós respondemos sempre explicando os benefícios. Nosso trabalho é bem educacional. É natural que as pessoas tenham resistências às coisas novas, principalmente quando vivem em um mundo onde menstruação é tão tabu. Você sabia que o cheiro ruim que sentimos quando usamos absorventes descartáveis vem na verdade de uma reação do sangue com os químicos presentes nestes absorventes? Experimenta um Korui e você vai ver! O incentivo à mudança social neste sentido faz parte do nosso trabalho. Nós queremos resgatar um mundo no qual o natural é belo e o corpo feminino mágico”.

Elas usam: Nathalia Escobar

Coletor Korui Preço: R$ 82 Onde encontrar: www.korui.iluria.com

Coletor Inciclo Preço: R$ 79 Onde encontrar: www.inciclo.com. br ou com a revendedora de Campo Grande pela página Thais Barros do Facebook @coletorinciclocpogdems

Sara Maria

Coletor Meluna Preço: R$ 75 Onde encontrar: www.meluna.com.br

Modelos TIPOS

A: menos que 30 anos e sem filhos B: mais que 30 anos e com filhos

ESTRUTURA

Mais maleável: para quem não pratica esportes ou para quem possui o músculo pélvico mais fraco Mais rígido: para quem pratica exercícios físicos intensos ou para quem possui mais força no músculo pélvico

35


Saúde

Gineco responde Perguntamos às mulheres que dúvidas elas tinham em relação à saúde feminina e elas nos mandaram suas perguntas. O ginecologista Lucinaldo Basso respondeu cada uma, confira

Colocar o DIU é menos prejudicial para a saúde da mulher do que tomar pílulas anticoncepcionais? Thais Barros, 21

Colocar DIU é 100% seguro? Quais as vantagens e desvantagens? Anônimo, 21

Depende do DIU. A indicação do DIU tem que ser precisa. Às vezes você vai indicar o DIU porque a pílula faz mal, ou esquece de tomar. Não existe uma coisa melhor que a outra, existe aquela indicação precisa para aquela pessoa específica. Tem o DIU de cobre e tem o que possui medicamentos, que é o Mirena.

O DIU tem que ser colocado com um profissional médico, porque é invasivo. A inserção é extremamente segura. É um método seguro também, mas tem suas indicações. Vantagens: você não esquece. Desvantagens: é um corpo estranho, é uma substância que você coloca no seu organismo. Se não tiver indicação precisa, pode se tornar um problema. Para pacientes que têm múltiplos parceiros também não é recomendado. Eu não recomendo porque é maior a chance de ter uma infecção, ginecológica, e muitas vezes você tem que tirar. Não causa câncer de colo. O DIU medicado, o mais famoso é o Mirena, também diminui o fluxo menstrual.

Quais os riscos para a saúde na utilização do anticoncepcional? E quais os outros métodos contraceptivos mais indicados que não causem nenhum tipo de risco à saúde da mulher? Agatha Rodrigues, 24 Os riscos são muitos. Como todo medicamento, existem riscos em pacientes que tem algum tipo de doença. Os anticoncepcionais são à base de hormônios sintéticos. Há risco de trombose. Os riscos são baixos, mas para quem tem pré-disposição, aumenta muito o risco. Mulheres que tem histórico de câncer, dependendo dos anticoncepcionais, os que são a base de estrogênio, essas pacientes correm um maior risco. Por isso a existência de vários tipos. O que realmente não oferece riscos à saúde são métodos de barreiras e os naturais. Os de barreiras são a camisinha masculina e feminina. Os naturais são coito interrompido, tabelinha, ver a viscosidade do muco cervical e medir temperatura. Mas são métodos que exigem um enorme conhecimento do corpo por parte da mulher e muita responsabilidade em seguir. Mesmo assim, são métodos que não possuem 100% de garantia contra a gravidez.

Por que os exames de rotina são necessários? Quando fazer? Anônimo, 21

Ilustração: Thais Barros

Toda mulher tem que fazer o preventivo. Quando começa a vida sexual, é extremamente importante. Quando não se tem nenhum problema, a mulher deve fazer anualmente. Se surgir algo, ou se a mulher tem múltiplos parceiros, recomendo fazer mais frequentemente. É verdade que anticoncepcional engorda? Emmanuelle, 17 Não é que engorda, ele incha um pouco e por isso dá essa sensação. Os hormônios interferem, a progesterona causa esse inchaço. Quando a mulher está no período pré-menstrual ela também sente o mesmo sintoma.

36

O DIU é um método contraceptivo seguro o suficiente para abandonar a camisinha? Anônimo, 18 Na questão da contracepção, sim. Mas a camisinha ajuda na prevenção de doenças. Como método contraceptivo, é um método seguro, mas muito menos seguro que o DIU. A proteção do DIU é muito similar que um anticoncepcional oral, até mesmo maior.

É possível, uma jovem, que nunca teve filhos (e não deseja) fazer alguma cirurgia ou procedimento para não engravidar e poder parar de tomar hormônios? Anônimo, 21 Tudo é regido por lei. Existe uma lei sobre a laqueadura, em que a mulher tem que ter mais de 25 anos ou, no mínimo, dois filhos. Ela não pode fazer durante o parto. Mas uma paciente que nunca teve filhos, jovem, e não quer ter filhos, pelo SUS digo que não é possível. Particular, eu não faria. Por quê? É preciso primeiro analisar o psicológico, se não é um trauma que pode ser tratado, ou se a pessoa não irá se arrepender. A laqueadura é reversível, mas depois que você faz dificulta muito para engravidar. A não ser que seja fertilização in vitro, mas também é difícil.

A ninfomania é doença ou distúrbio? Psicológica ou biológica? Existe tratamento? Julyene Dorneles, 19 Ninfomania é distúrbio psiquiátrico. Um profissional especializado na área deve fazer a avaliação.


Dicas culturais

livros GIRLBOSS, SOPHIA AMORUSO

S

ophia Amoruso passou a adolescência viajando de carona, furtando em lojas e revirando caçambas de lixo. Aos 22 anos ela havia se conformado em ter um emprego, mas ainda estava sem grana, sem rumo e fazendo um trabalho medíocre que assumiu por causa do seguro-saúde. Foi aí que Sophia decidiu começar a vender roupas de brechó no eBay. Oito anos depois, ela é a fundadora, CEO e diretora criativa da Nasty Gal, uma loja virtual de mais de 100 milhões de dólares e com mais de 350 funcionários. Além da história de Sophia, o livro cobre vários outros assuntos e prova que ser bem-sucedido não tem nada a ver com a sua popularidade.

MAS VOCÊ VAI SOZINHA?, GAÍA PASSARELLI

CLARICE NA CABECEIRA: JORNALISMO, CLARICE LISPECTOR

C

larice Lispector, uma das maiores escritoras brasileiras, manteve intensa atuação na imprensa enquanto trabalhava em suas obras literárias. Escreveu cerca de cinco mil textos, entre fragmentos de ficção, crônicas e colunas femininas, para diversos jornais e revistas, e realizou mais de 100 entrevistas, a primeira delas, em 1940, com o poeta Tasso da Silveira. Organizado pela pesquisadora Aparecida Maria Nunes, Clarice na Cabeceira − Jornalismo é uma amostra dessa atividade. Com textos inéditos, a coletânea traça um panorama do jornalismo brasileiro, a partir da produção de Clarice Lispector para a imprensa.

M

ulheres que viajam sozinhas com certeza já ouviram essa pergunta. Seja em outro continente ou na cidade vizinha, é sempre um ato de coragem decidir conhecer um lugar por conta própria. Neste livro, Gaía Passarelli fala com sinceridade e bom-humor sobre suas aventuras sozinha pelo mundo. Ela não vai te dizer pra largar tudo e sair por aí, nem te dar dicas de como ser cool em Nova York. Estas são histórias sobre ser consolada por um xamã andino, molhar os pés nas águas do mar do extremo sul da Índia e dormir debaixo de uma mesa de bar no Texas. É sobre viajar e voltar pra casa. Acima de tudo, este é um livro que fala sobre ser mulher e, ao mesmo tempo, ser livre pra viajar por aí sem companhia, sem medo e sem preconceito.

Fotos: Getty Images / Reprodução e divulgação

filmes&docs SHE’S BEAUTIFUL WHEN SHE’S ANGRY, 2014

D

ocumentário que aborda os principais movimentos feministas da década de 60 e 70 nos Estados Unidos, mostrando como eles ainda refletem na sociedade atual. Sua narrativa é construída através das vozes de várias mulheres que criaram os principais movimentos feministas nos Estados Unidos.

C

AQUARIUS, 2016

lara, 65 anos de idade, é uma escritora e crítica de música aposentada. Ela é viúva, mãe de três filhos adultos, e moradora de um apartamento repleto de livros e discos no Bairro de Boa Viagem, num edifício chamado Aquarius. Interessada em construir um novo prédio no espaço, os responsáveis por uma construtora conseguiram adquirir quase todos os apartamentos do prédio, menos o dela. Por mais que tenha deixado bem claro que não pretende vendê-lo, Clara sofre todo tipo de assédio e ameaça para que mude de ideia.

37


televisão JESSICA JONES, 2015 - ATUALMENTE

D

esde que sua curta vida como super-heroína acabou de forma trágica, Jessica Jones (Krysten Ritter) vem reconstruindo sua carreira e passou a levar a vida como detetive particular no bairro de Hell’s Kitchen, em Nova York, na sua própria agência de investigações, a Alias Investigations. Traumatizada por eventos anteriores de sua vida, ela sofre de Transtorno de Estresse Pós-Traumático, e tenta fazer com que seus superpoderes passem despercebidos pelos seus clientes. Mas, mesmo tentando fugir do passado, seus demônios particulares vão voltar a prossegui-la, na figura de Zebediah Kilgrave (David Tennant), um obsessivo vilão que fará de tudo para chamar a atenção de Jessica.

GIRLS, 2012 - ATUALMENTE

G

irls narra a história de Hannah Horvath (Lena Dunham), uma aspirante a escritora que precisa se virar sozinha depois que seus pais decidem retirar a ajuda financeira. Com 24 anos, a protagonista é acomodada, insegura, mimada e que tem sérios problemas de autoestima, compondo um personagem complexo e que pode evoluir bastante ao longo da série. A série também aborda a vida das outras três amigas de Hannah, Marnie (Allison Williams), Jessa (Jemima Kirke) e Shoshanna (Zosia Mamet). O trabalho, o sexo e a pretensão artística de cada uma é abordada.

música H

HAIM

AIM é uma banda de indie rock de Los Angeles, Califórnia. É formado pelas irmãs Este, Alana e Danielle. As irmãs deram seu sobrenome como nome à banda (a pronúncia rima com “time”, de acordo com elas). Elas cresceram em San Fernando Valley, ouvindo os clássicos do rock dos anos 1970, e músicas do gênero americano influenciadas por seus pais. À medida que cresciam, as meninas tornaram-se mais interessadas em incorporar pop e R&B às suas músicas. Em 2006, elas decidiram formar sua própria banda. Ouça: “Don’t Save Me”, “Forever” e “If I Could Change Your Mind”

38

MY MAD FAT DIARY, 2013-2015

R

ae (Shaaron Rooney), uma jovem inglesa de 16 anos, sofre de excesso de peso e relata em seu diário sua experiência em lidar com o próprio corpo, seus relacionamentos com amigos e sua mãe. Ambientada na Lincolnshire (Inglaterra) de 1996, a série conta a trágica, porém bem-humorada história de Rae, que acabou de sair de uma instituição psiquiátrica, onde passou quatro meses após uma tentativa de suicídio. Ela então retoma sua amizade com Chloe (Jodie Comer) e seu grupo de amigos, que desconhecem os problemas de Rae com sua própria imagem e acham que ela apenas passou o tempo na França.


Astrologia

A astrologia além dos estereótipos

Q

uando falamos de Astrologia, precisamos partir do princípio que uma pessoa possui todos os signos em seu mapa astral. Esse mapa mostra a posição dos astros e dos signos do zodíaco em relação à Terra no exato momento de seu nascimento. No mapa astral de qualquer pessoa existem energias masculinas e femininas, independente de sua sexualidade e identidade de gênero.

Signos masculinos: Áries, Gêmeos, Leão, Libra, Sagitário e Aquário Signos femininos, Touro, Câncer, Virgem, Escorpião, Capricórnio e Peixes Planetas masculinos: Sol, Marte e Júpiter Planetas femininos: Lua e Vênus Planetas neutros: Mercúrio e Saturno*

(*há divergências quanto à polaridade de Saturno)

A astróloga Rosângela Oliveira explicou sobre as chaves de pulso de cada signo, que seriam as energias principais, e como se manifestam de acordo com o mapa astral. Outro ponto importante é que cada signo está relacionado a um elemento da natureza e, assim, esses elementos também possuem diferentes características.

Signos de água: Câncer, Escorpião e Peixes (sentimento) Signos de ar: Gêmeos, Libra e Aquário (pensamento) Signos de terra: Touro, Virgem e Capricórnio (sensação) Signos de fogo: Áries, Leão e Sagitário (intuição)

Fotos: Freepik / Reprodução e divulgação

E o horóscopo do dia, é verdade ou mentira? Rosângela afirma que o horóscopo vai ter diferentes interpretações de acordo com o mapa astral de quem o lê. Ela indica ler sobre a posição dos astros no céu e, então, fazer a relação com o seu próprio mapa. A astróloga também lembra que mapa astral não é desculpa para o comportamento não, viu? “É uma fonte de autoconhecimento e autoajuda. É um modo de você se desenvolver e, inclusive, sair de pontos estagnados na vida, aprendendo a lidar com seus karmas”, afirma. Um karma é, basicamente, o que você carrega de influência das vidas passadas e o que você precisa aprender e melhorar nesta vida. A astróloga reforça que para entender melhor a manifestação de cada chave, é importante conhecer o próprio mapa astral e ver onde cada uma se encaixa. “Ao se lidar com Astrologia, você tem que lidar com o todo”, esclarece. O mapa astral é formado por 12 Casas Astrológicas, cada uma representada por um signo do zodíaco, e os planetas aparecem distribuídos ao longo do mapa.

Você pode fazer seu mapa astral acessando sites especializados em Astrologia, como: Personare (em português): www.personare.com.br Astro (em inglês): www.astro.com

Para entender: Casas Astrológicas representam onde acontece a ação e abrangem todas as principais áreas de nossa vida. Os signos definem qual será a natureza da ação. Os planetas são energias diferenciadas que representam funções da personalidade.

Casa 1/Ascendente: a identidade, a personalidade, a aparência, o corpo físico Casa 2: as posses, as finanças, os recursos, os talentos Casa 3: a comunicação, o conhecimento, as pequenas viagens, os próximos Casa 4: o lar, a família, as bases emocionais, os últimos anos de vida Casa 5: o prazer, a diversão, o amor, os filhos Casa 6: o trabalho, a rotina diária, a responsabilidade Casa 7: o casamento, a sociedade, a saúde Casa 8: a transformação, o renascimento, o subconsciente, o sexo Casa 9: a sabedoria, a filosofia, a religião, a ética Casa 10: o status social, as aspirações, o sucesso, a reputação Casa 11: os projetos futuros, as relações em grupo, as amizades Casa 12: as dificuldades, os medos, os karmas, o inconsciente

As chaves de pulso de cada signo Áries (21 de março a 19 de abril): poder de dar início e renovar Onde você encontra esse signo em seu mapa, é aí que você dá o início, toma o primeiro passo. Por exemplo, você nem precisa ser ariano, mas se possui Áries na Casa 6, você terá iniciativa nessa área da vida.

de abril a 20 de maio): capacidade de plasmar obras Touro (20 superiores na vida material

Essa chave não está relacionada à dinheiro nem a bens materiais. Significa magnetismo para poder concretizar. Com Touro na Casa 2, por exemplo, há boa fluidez dos assuntos em questão.

de maio a 21 de junho): aproximação entre forma Gêmeos (21e energia O trabalho do signo de Gêmeos é unir matéria e espírito. Gêmeos não está “nem lá, nem cá”, como dizem os estereótipos da Astro-

39


logia, ele está no ponto de união, no interregno – é o local depois do fim de algo antigo, mas ainda antes de algo novo, onde os sistemas antigos caem, mas os novos não se erguem. Por exemplo, com Gêmeos na Casa 1, que corresponde também ao Ascendente, você é extremamente flexível e mutável, hoje está aqui, amanhã já se foi.

Câncer (22 de junho a 22 de julho): confirmação da meta O signo de Câncer é voltado para dentro, e quando dizemos que uma pessoa está voltada para dentro, você diz que ela está em casa. Mas atenção: não é a casa física, e sim espiritual. Onde Câncer estiver no mapa, a pessoa terá tendência a essa busca eterna por confirmação da meta espiritual. Por exemplo, Câncer na Casa 6 trará muito envolvimento com a carreira, mas sempre com a necessidade de confirmação: isso me traz felicidade? Eu realmente gosto do que faço? Eu pertenço a esse lugar?

Leão (23 de julho a 22 de agosto): reconhecer-se no mundo abstrato Significa reconhecimento espiritual. Ao contrário do estereótipo que coloca Leão muito ligado ao egocentrismo, o verdadeiro Leão, quando se reconhece, é um signo muito espiritualista. Nesse caso, o egocentrismo muitas vezes está puramente ligado ao materialismo. Assim, por exemplo, o Leão na Casa 9 faz da pessoa um grande apaixonado pela verdade e pelo idealismo. Todas as áreas da mente superior ficam em ascensão.

de agosto a 22 de setembro): devotamento à obra Virgem (23 criadora

O próprio nome Virgem já tem essa conotação relacionada à criação. Esse devotamento significa a rendição que o signo tem diante da criação. Quando relacionam Virgem ao metodismo e excesso de organização é, na verdade, porque a devoção atrai um certo ritual, o que demanda organização. Virgem na Casa 10, por exemplo, traz promessa de sucesso em quase qualquer área de atividade, mas principalmente onde seja necessária a organização. Além disso, a devoção natural de Virgem deixará tudo mais fácil de ser alcançado.

Libra (23 de setembro a 22 de outubro): equanimidade e síntese Da mesma forma que Gêmeos, que não está “nem lá, nem cá”, Libra está num ponto de união de polaridades, de negativo e positivo. Nesse caso, positivo não é “bom” e negativo não é “mau”, trata-se de uma polaridade tal qual no magnetismo, no qual ambos se atraem. Ou seja, a característica principal é a neutralidade. Assim, Libra na Casa 3 traz um senso natural de justiça e cooperação. Além disso, há facilidade em manter bom relacionamento com os próximos (irmãos, primos, etc).

de outubro a 21 de novembro): entrega Escorpião (23 incondicional

O signo de Escorpião está inteiramente ligado à transformação. Para você se transformar, você precisa se entregar por completo ao processo. Ser escorpiano é ser entregue ao processo de transformação. Até mesmo sem ter Escorpião no signo solar, ter Escorpião na Casa 12, por exemplo, significa que há necessidade de aprender a se regenerar, mas isto só é possível através dos seus próprios esforços de entrega.

de novembro a 21 de dezembro): a cura e a Sagitário (22 ascensão pela sabedoria

Sagitário, representado pelo Arqueiro, faz uma forte ligação entre corpo e alma, alma e espírito. Nessa ligação ocorre uma espécie de elevação a um nível superior e é como se pudesse observar tudo de outro ângulo, também superior. Por exemplo, com Sagitário na Casa 11, essa inteligência superior do signo confere à pessoa capacidade de assumir uma abordagem direta e impessoal da vida.

40

de dezembro a 19 de janeiro): abundância Capricórnio (22e impulso iniciativo

O signo de Capricórnio está ligado a leis superiores e é isso que significa essa abundância. O contato com leis superiores traz sabedoria e, consequentemente, o magnetismo da abundância. Isso não significa riqueza, e sim ter o que precisa. Com Capricórnio na Casa 4, por exemplo, será uma pessoa com forte apreço familiar e com tendência a demorar para deixar o lar.

de janeiro a 18 de fevereiro): serviço e doação Aquário (20 desinteressados

Aquário é desprendido. Quando você tem o magnetismo do serviço, você serve a tudo e a todos, sem discriminação e sem esperar nada em troca. Não há escolha no serviço e nem busca por recompensas. Por exemplo, esse signo na Casa 11 confere um instinto humanitário e muito altruísta em relação às pessoas.

de fevereiro a 20 de março): dissolução da individualidade Peixes (19na totalidade

Peixes é a manifestação total da espiritualidade. Na Casa 8, por exemplo, Peixes se manifesta de forma extremamente sensitiva e intuitiva. O sexo pode não ser muito importante para essa pessoa, que pode deixa-la em segundo plano em função do que considera mais significativo, como um relacionamento profundo.

A Era de Aquário

C

om o fim da Era de Peixes e a aproximação da Era de Aquário, as estruturas conhecidas vêm sendo destruídas para dar lugar a novas formas de contato. A Era de Aquário é a era do serviço. Nela, vamos ter que despertar dentro de nós, seres humanos, a ideia de que é servindo um ao outro que evoluímos. É considerado um momento espiritual decisivo para a sociedade, mas principalmente para cada indivíduo. O potencial da Era de Aquário é de união, e, a partir disso, a capacidade de avanços inimagináveis até a criação de um novo sistema de vida, rompendo integralmente com o que de negativo vivemos até aqui.

A regência de Saturno

O

s planetas são responsáveis por regerem cada ano e um grande ciclo na Terra. E Saturno vem aí para reger o próximo ciclo – e o ano também! De acordo com a astróloga, a partir de 20 de março de 2017, Saturno volta a entrar no céu e irá reger a Terra pelos próximos 36 anos. Desde 1981 estamos na regência do Sol, ou seja, vivemos numa época de magnetismo, voltados para o ego e o individualismo. Saturno vem para mostrar o que está errado e colocar em ordem. “Saturno te dá prazos, mas sempre cobra. Será uma época para rever os erros e corrigi-los, e de acontecimentos muitos fortes, tanto bons, quanto ruins”, explica a astróloga Rosângela. Saturno exigirá de todos nós mais responsabilidade e comprometimento, de forma global e individual. O planeta Saturno é conhecido pela sua severidade e cobranças, mas também pelas suas importantes e transformadoras lições. “Saturno é, acima de tudo, justo. Será uma época de acontecimentos muitos fortes, tanto bons, quanto ruins. Os erros serão cobrados e os acertos recompensados”, afirma. Saturno é um planeta de karmas. Segundo a astróloga, quem não conseguir se adaptar a Saturno, pode sentir o peso de sua mão. É hora de perceber qual a mensagem que Saturno traz para nossas vidas, quais os caminhos que ele aponta e quais devemos seguir.


Opinião

Machismo nosso de cada dia por Isabela Domingues

À

s vezes gosto de imaginar que possam existir lares diferentes do que cresci. Durante minha infância, fui lentamente inserida nas atividades domésticas, aprendendo “onde era meu

lugar”. Apesar de meus pais incentivarem o estudo e a independência, ainda assim fui inserida no universo multitarefas, enquanto meu irmão podia assistir televisão e dormir sem nenhuma responsabilidade a mais. Durante muito tempo, achei que o machismo gritava na nossa cara a grande diferença que a sociedade impõe entre ser homem e mulher. Com o advento do feminismo parecia ainda mais claro que por muito tempo estivemos caladas para situações que parecem tão óbvias, mas pareciam tão penosas para tantos entenderem. Então, percebi que o machismo fez sua morada no nosso dia a dia. Como um vírus, ele se alojou na nossa sociedade e logo se espalhou e multiplicou em todas as casas e famílias. Como uma doença que não percebemos, os sintomas sutis foram crescendo e se tornando cada vez mais difíceis de serem detectados. Engolimos e reproduzimos o machismo em formas tão miúdas que às vezes não enxergamos que ele está nos detalhes. Recentemente assisti uma comédia romântica em que o cara é um conquistador, mas, ao se apaixonar, ele muda completamente o estilo de vida. Quantos filmes, livros, séries e novelas não carregam esse roteiro, de uma forma ou de outra? Em meio às piadas e cenas cômicas, somos arrastadas para uma ideia de que a mulher consegue (e, me arrisco a dizer, precisa) mudar um homem. É uma nova roupagem para os contos de fada. Logo, me vi sufocada em um mar patriarcal que parece impossível de fugir. Estamos presos a situações cotidianas e sociais que, se analisadas minuciosamente, carregam significados fortes que me fazem questionar se, em algum momento, estamos realmente livres dessa teia de comportamentos e imposições.

Foto: Arquivo pessoal

Sabemos que o machismo está presente quando somos agredidas dentro e fora de nossas casas por sermos mulheres. Sabemos que o machismo está quando nosso corpo é propriedade do Estado e não podemos decidir sobre ele. Sabemos que o machismo está quando nossa capacidade intelectual é questionada ou usurpada por um homem. Sabemos que o machismo está quando somos as únicas responsáveis pela casa e filhos. Passamos tanto tempo em onde sabemos que ele está, que muitas vezes perdemos a oportunidade de ver onde ele pode estar. O ideal de força e virilidade que o patriarcado impõe aos homens cria uma cadeia que afeta todos que estão dentro do padrão, fora do padrão e em volta desse universo. Penso, então, em tantos garotos que logo no início da vida reprimem sua sensibilidade e nas mulheres trans que não conseguem emprego. Penso nos homossexuais que não podem andar de mãos dadas e nas mulheres que não têm seus trabalhos reconhecidos. O machismo está aí, em tantos lugares que vemos, mas em muitos mais que não vemos. Desejo à todas e todos nós muita força para enfrentar esse inimigo quase-invisível.

41


42


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.