UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE JORNALISMO
LIVRO-REPORTAGEM PARTO: Outro Lado Invisível do Nascer
LETÍCIA DE FARIA ÁVILA SANTOS
Campo Grande MARÇO /2017
LIVRO-REPORTAGEM Violência Obstétrica em Campo Grande LETÍCIA DE FARIA ÁVILA SANTOS
Relatório apresentado como requisito para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva
UFMS Campo Grande MARÇO - 2017
Página destinada ao PARECER da banca avaliadora, que documentará a nota final da disciplina. O(a/s) aluno(a/s) e os membros da Banca assinarão após tomarem conhecimento do Parecer (aprovação, reprovação, recomendações etc).
SUMÁRIO Resumo
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Introdução
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1. Atividades desenvolvidas
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1.1 Execução
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1.2 Dificuldades encontradas
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1.3 Objetivos alcançados
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2. Suportes teóricos adotados
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Considerações finais
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Referências
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Apêndice
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RESUMO: O livro-reportagem “Violência Obstétrica em Campo Grande” aborda o cenário da violência obstétrica em Campo Grande, caracterizada como um tratamento desumanizado que impacta na qualidade de vida e sexualidade das mulheres. O relatório visa apresentar o processo de produção do livro. As atividades, que aqui constam, são baseadas em um planejamento prévio, levando em consideração as dificuldades encontradas para captação de informações. Para o desenvolvimento da narrativa jornalística foi necessário embasamento teórico, entrevistas de perfil e observação direta dos acontecimentos e entrevistas descritos.
PALAVRAS-CHAVE: Obstétrica.
Comunicação; Jornalismo; Livro-reportagem; Violência
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INTRODUÇÃO
O livro-reportagem “Parto: Outro Lado do Nascer” buscou construir uma narrativa jornalística sobre a temática da violência obstétrica em Campo Grande (MS), utilizandose de conhecimento teórico e técnico sobre o assunto e de fontes documentais e relatos de personagens sobre o tema. O objetivo foi realizar um relato humanizado de mulheres e de suas experiências, como também levantar dados, documentos e estatísticas referentes à violência obstétrica em Campo Grande, assim como fontes oficiais sobre o caso. De acordo com a Defensoria Pública de São Paulo, todo o processo que infere na dignidade e na qualidade de assistência antes, durante e após o parto é caracterizado como violência obstétrica. Um dos motivos da escolha do tema foi a necessidade de visibilidade, não apenas para que mulheres afetadas possam compartilhar suas experiências e outras entenderem seus direitos de parturiente como também para que a sociedade consiga compreender melhor as abrangências da violência obstétrica e como denunciá-la. O foco do livro-reportagem foi desenvolvido e retratado no município de Campo Grande, Mato Grosso do Sul. O objetivo foi visando a possibilidade de obter mais informações e um perfil mais detalhado sobre a violência obstétrica em Campo Grande.
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1- ATIVIDADES DESENVOLVIDAS As atividades desenvolvidas seguiram o plano de trabalho anteriormente apresentado. Os itens relatam de modo sucinto essa construção. 1.1 Execução: O processo de construção do livro-reportagem começou mediante uma ampla pesquisa acerca dos diversos espaços nos quais a violência obstétrica está inserida para ser objeto de análise. Foi destacado como imprescindível investigar e compreender a violência obstétrica dentro dos campos jurídico, médico e social, para conseguir um entendimento mais assertivo e também crítico sobre o assunto. Desta forma, relatórios, artigos, leis e produtos midiáticos foram utilizados como passo para a identificação com o tema. A pesquisa documental foi essencial para o início do planejamento e produção do roteiro para o livro, já que através dela, foi possível desenvolver uma ambientação dos conteúdos e temas propostos e uma melhor seleção dos itens a serem pautados dentro do livro-reportagem. Desta forma, relatórios, resenhas, resumos, artigos, notícias, reportagens, livros e demais fontes foram utilizadas para a elaboração do produto e construção do texto. Além das fontes documentais, a realização de entrevistas com distintos personagens e especialidades foi fundamental para o desenvolvimento de um conteúdo mais sistêmico e aprofundado. Foi através da seleção e divisão das fontes primárias que foi possível estabelecer diferentes tipos de roteiros, referentes à cada área profissional de cada personagem. As entrevistas foram divididas em fontes secundárias, técnicas, com médicas, enfermeiras, parteiras, doulas, advogadas e sociólogas e em fontes primárias com mães que sofreram violência obstétrica em Campo Grande, seja em hospitais públicos ou privados. Todas as entrevistas desenvolvidas foram gravadas para possibilitar uma melhor transcrição e assim, uma utilização futura para a construção do texto. No caso específico das entrevistas com as mães, foram realizadas também observações diretas acerca das histórias apresentadas, das personagens e da ambientação. O material foi desenvolvido através de anotações e textos colhidos durante
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e após as entrevistas. A observação direta foi realizada através de anotações sobre lugares, cores, expressões e personagens a fim de desenvolver uma escrita mais literária e com maior profundidade sobre o conteúdo proposto. O livro foi desenvolvido dentro da proposta de 11 capítulos, separados em duas vertentes: capítulos de linguagem mais literária, relatando diferentes tipos de personagens que sofreram violência obstétrica, e capítulos de linguagem mais técnica, para aprofundamento e contextualização do tema. Os capítulos foram intercalados em capítulos literários e capítulos teóricos para uma maior ambientação do leitor com o assunto ao decorrer do livro. Os seis capítulos com os relatos das mulheres foram desenvolvidos a partir dos relatos apresentados nas entrevistas, com linguagem descritiva e narrativa, assim como a utilização de falas em primeira pessoa para uma maior aproximação do leitor com as fontes. A descrição dos personagens e dos ambientes, assim como a narração do relato foram escritas de forma que a construção de cada capítulo pudesse parecer o mais conivente possível com os fatos apresentados, sem carecer do compromisso de investigação jornalística. Os cinco capítulos mais teóricos desenvolveram uma visão sistêmica acerca dos parâmetros e análise da violência obstétrica, separados por temas selecionados pelo caráter de importância de discussão de cada um deles. A divisão foi distribuída pelos seguintes tópicos a serem abordados: 1) categorização de violência obstétrica, 2) retrospectiva histórica e social sobre o ato de parir, 3) definição de parto humanizado, 4) desprotagonismo da mulher e seu reflexo e 5) possibilidade de acabar com o ciclo de violência. A construção de todos os capítulos, seja com princípios mais literários ou mais técnicos, passou pela pesquisa, apuração e aprofundamento jornalístico em relação ao tema, sem deixar de considerar os parâmetros e conceitos apreendidos durante o curso e fundamentais para a produção do material prático. Da mesma forma, a parte editorial e gráfica foi desenvolvida com apoio dos conteúdos apreendidos durante a faculdade assim como pesquisas gráficas sobre a relação do conteúdo com as tipologias e design gráfico utilizados.
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Após o fechamento e revisão dos capítulos, foi dado início à diagramação do livro. A montagem foi no formato A5 (15X21cm), resultando em um livro de 98 páginas. Em decorrência de uma questão financeira, a primeira versão a ser entregue do livroreportagem será impressa em folha sulfite A4, para após qualquer orientação da banca, ser entregue em sua versão impressa final.
1 Capa do livro-reportagem
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1.2 Dificuldades Encontradas As dificuldades foram encontradas tanto nos processos de apuração dos documentos, relatórios e materiais referentes ao tema principal do livro, violência obstétrica, quanto na seleção de fontes e construções de entrevistas, em suas respectivas especificidades. Já no início do processo de apuração e desenvolvimento do conceito do tema existiram dificuldades referentes a falta de materiais encontrados, pois o termo “violência obstétrica” é pouco trabalhado e discutido ainda hoje por periódicos, meios acadêmicos e mídias de forma geral. Em observação, a maioria dos documentos utilizados para esta pesquisa foram emitidos há pouco tempo, visto que o assunto começou a ter visibilidade midiática recentemente, através de documentários, como o Renascimento do Parto 1, de 2013, e reportagens e matérias muitas vezes envolvendo pessoas famosas e celebridades, como o caso de violência obstétrica sofrido pela chef de cozinha Bela Gil2 no ano passado. Ainda existiu a dificuldade de encontrar dados estatísticos assim como pesquisas numéricas sobre o termo, e uma das justificativas pode ser a prematuridade da discussão do tema, apesar da violência obstétrica ser frequente e infelizmente presente continuamente dentro de hospitais e maternidades pelo mundo afora. A maioria dos materiais acadêmicos encontrados que faziam referência à violência obstétrica só foram localizados através de grupos de estudo, grupos de parto e afins; mediante a busca por sites de pesquisa de forma genérica, a busca não obteve um resultado satisfatório. Da mesma forma, o conteúdo encontrado nas dependências da UFMS, de forma específica na biblioteca, não apresentaram menção alguma ao termo “violência obstétrica” em seus títulos e produções, tendo destaque apenas para livros sobre obstetrícia e pediatria de forma geral. As produções encontradas na UFMS ainda eram em sua maioria nas língua inglesa e espanhola, de emissões cronologicamente ultrapassadas (dos anos 50).
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Documentário “Renascimento do Parto”, de Eduardo Chauvet, 2013. Intervenção cirúrgica de epsiotomia que gerou lesões na chef em setembro de 2016.
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Destaca-se mais uma vez a prematuridade da discussão acadêmica dos campos que envolvem a violência obstétrica e as teorias relacionadas a esta, representando uma dificuldade no mapeamento e na construção dos termos fundamentais a serem retratados no livro, como violência obstétrica, parto humanizado, formas necessárias de intervenção e outros. A indisponibilidade das fontes, tanto especialistas quanto de mães, também foi um problema durante a apuração e a construção do material para o texto. É necessária a ressalva de que, pelo fato de o tema ser considerado polêmico e muitas vezes difícil de ser abordado, muitas mães preferem não dar o seu depoimento, ou então ficam muito indecisas sobre ceder a entrevista ou não. Todas as entrevistas com mães obtidas neste livro foram fruto de uma intermediação por profissionais da área da saúde- que também discutem a violência obstétrica dentro dos hospitais – e profissionais defensores dos direitos das mulheres, agindo como “ponte de confiança” entre a produção e as fontes. Em relação às fontes especialistas, houve muita resistência por parte dos médicos de conceder as entrevistas, marcando e desmarcando inúmeras vezes. O motivo na maioria dos casos foi alegado como indisponibilidade de horários.
1.3 Objetivos Alcançados Os
objetivos
propostos
no
pré-projeto
seguiram
em
sua
linha
de
desenvolvimento, sem necessidade de mudança e também de acordo com o cronograma proposto. Inicialmente, identificar o conceito de violência obstétrica assim como identificar o contexto histórico do tema e de suas variantes foram uns dos objetivos destacados. Através de relatórios de organizações contra a violência obstétrica e de pesquisas médicas, foi possível traçar um percurso e uma cronologia da obstetrícia de forma ampla, desde quando as mulheres pariam em casa, com parteiras, até os partos terem acompanhamento médico e serem encaminhados para o hospital. Esta análise foi fundamental para identificar a relação entre maternidade e a violência, assim como a influência da presença do médico com o desprotagonismo da mulher na hora do parto. Também foi necessário compreender os parâmetros relacionados não apenas ao tema de estudo, mas também ao produto jornalístico livro-reportagem. Desta forma, a
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pesquisa através de livros e artigos acadêmicos foi fundamental para o entendimento do conceito livro-reportagem, relativo ao ponto de vista textual e jornalístico. Para a construção do livro-reportagem sobre violência obstétrica e com um interesse de tratamento mais pessoal possível, foram identificadas fontes primárias, mães que sofreram a violência e que pudessem contar seus relatos. O planejamento do livro-reportagem sobre violência obstétrica sempre perpassou a ideia de um produto “humanizado”, ou seja, com relatos desenvolvidos de forma pessoal e que pudessem transmitir as impressões humanas sobre o tema. Diante disso, foram identificadas fontes e desenvolvidas entrevistas com mulheres que sofreram a violência e que tiveram interesse de realizar seus relatos para a produção do material. A identificação também de fontes secundárias, especialistas, como profissionais da saúde e da luta pelos direitos das mulheres, foi fundamental para desenvolver o tema de forma crítica e sistêmica, apresentando diversos lados e opiniões sobre um mesmo assunto. A análise do tema violência obstétrica e de suas complexidades dentro do ambiente de Campo Grande foi muito importante, não apenas como limitação de espaço geográfico da construção do livro, mas também para um melhor entendimento das leis e vigências voltadas para às áreas obstetrícias e relacionadas ao direito da mulher.
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2 SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS: Os materiais utilizados para a pesquisa e construção do livro estão divididos em duas bases teóricas: relacionados ao conceito de livro-reportagem e jornalismo ou relacionados ao conceito de violência obstétrica, obstetrícia e protagonismo feminino. Desta forma, é impossível produzir um livro-reportagem sem antes entender seus conceitos e parâmetros envolvidos, assim como o “fazer jornalismo” que o livro propõe. Uma das principais obras utilizadas para entender o livro-reportagem foi “Páginas Ampliadas”, de Edvaldo Pereira Lima. A partir do conceito sobre a função do livroreportagem, Lima (2009, p.40) explicita:
Na melhor hipótese, o livro-reportagem apresenta-se como aprofundamento igualmente extensivo e intensivo. No primeiro caso, o número e a qualidade dos detalhamentos enriquecem a narrativa para um grau de informação idealmente superior ao dos veículos cotidianos. No segundo, a verticalização solidifica a real compreensão do tema e de sua precisa inserção no contexto contemporâneo. Então, se cabe ao jornalismo informar e orientar, cabe a seu subsistema, o livro-reportagem, informar e orientar com profundidade, transformando-se este último papel num instrumento complementador e extensor dessa função declarada, individualizadora, do jornalismo.
Deste modo, o livro-reportagem possui um extenso conteúdo informativo, como também descritivo, narrativo e dissertativo, construindo e harmonizando os tipos textuais para a construção de uma história com aprofundamento. Como conclui Lima, o livroreportagem é notório tanto por sua variedade de conteúdo quanto por sua qualidade da informação. Em termos do próprio autor, esta produção jornalística se utiliza da horizontalização do relato como abordagem extensiva em termos de detalhes e da verticalização do relato como abordagem intensiva em termos de profundidade. Permite, desta forma, trabalhar o assunto com um maior embasamento do conteúdo, ao mesmo tempo em que a diversidade de ângulos permite uma visão mais sistêmica do objeto de estudo. É um complemento à informação que os jornais diários não são capazes de possibilitar, seja pelas rotinas extenuantes ou pelo imediatismo midiático, que prioriza o modo de produção jornalístico na forma de notícia. Os conceitos de atualidade e de
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conteúdo factual não são tão importantes quanto em outras vertentes do jornalismo, mas sim, como explicita Lima (2009, p. 40), o aprofundamento do contexto do assunto a ser desenvolvido: O núcleo central do tempo presente deixa de ser o fato desencadeador central da ocorrência em si, para ser muito mais o seu contexto, obrigando a prática jornalística dos veículos impressos não-diários a entrar cada vez mais no terreno da opinião, da interpretação, do aprofundamento dos fatos, em suma.
Para Lima (2009, p. 39), o livro-reportagem precisa ter a função de informar, orientar e explicar sobre o assunto debatido, instigando o leitor a ter mais conhecimento sobre o tema, “na expectativa de encontrar a explicação que o jornal não deu ou de ser informado das ações de bastidores, subjacentes à ocorrência relatada na revista”. A importância da produção de um conteúdo horizontalizado, ou seja, com vários ângulos, faz-se notória no sentido de possibilitar uma amostra mais sistêmica sobre o tema e permitir que o leitor receba os mais diversos tipos de lados possíveis de um mesmo assunto. Como Lima (2009, p. 39) conclui: A função aparente de informar e orientar em profundidade sobre ocorrências sociais, episódios factuais, acontecimentos duradouros, situações, ideias e figuras humanas, de modo que ofereça ao leitor um quadro da contemporaneidade capaz de situá-lo diante de suas múltiplas realidades, de lhe mostrar o sentido, o significado do mundo contemporâneo.
Impossível descrever o livro-reportagem como produto com aprofundamento e investigação jornalísticos sem pensar também em sua estrutura textual, própria, com uma qualidade não apenas informativa, mas também interpretativa. Segundo Belo (2005, p. 50), o livro-reportagem existe dentro do exercício de inserir detalhes, gestos e sentimentos através das palavras para o enriquecimento do texto: É também penetrar fundo na alma de um personagem, conhecer seus hábitos, sua cultura ou retratar com minúcias o modo de vida de uma época. É contextualizar os fatos, analisar as circunstâncias, revelar os acontecimentos, levantar dados novos. Reter-se apenas à dimensão factual presente é a maneira mais fácil de empobrecer o trabalho e transformar o que poderia ser uma grande reportagem em um amontoado de frases coordenadas e sem vida. Reportagem é feita de detalhes, de descrições, de revelações. Mas é também feita de gente.
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O livro-reportagem aprofunda um conteúdo pouco trabalhado pelos outros gêneros diários e lida com a vida de pessoas, sejam quais forem suas vivências a serem exploradas dentro do livro. Por meio da observação direta acerca das entrevistas, dos fatos e das personagens, o jornalista consegue desenvolver um texto enriquecido com detalhes que são muitas vezes deixados de lado em uma matéria cotidiana, como expressões e gestos que, quando captados, apenas acrescentam a produção do texto. Assim
como foram necessários diversos
documentos teóricos
para o
embasamento sobre os conceitos relacionados ao livro-reportagem como produto, materiais acadêmicos e relatórios independentes foram fonte de pesquisa para a fundamentação do tema a respeito da violência obstétrica. O conceito de violência obstétrica foi um dos pontos principais a ser desenvolvido, e foi trabalhado a partir de uma das documentações fundamentais para este trabalho, o Dossiê “Violência Obstétrica – Parirás com Dor”, da Rede Parto do Princípio3. O documento produz um levantamento sobre legislação no atendimento ao parto, sobre aborto, episiotomia4, manobra de Kristeller5 e outros procedimentos médicos, legais ou não, utilizados dentro de hospitais em redes públicas e privadas no Brasil. O material é fonte documental e fornece informações essenciais sobre as concepções de violência obstétrica dentro dos campos da legislação. É necessário destacar a caracterização de violência obstétrica que o Dossiê propõe (2012, p. 60 e 61): Dos atos caracterizadores da violência obstétrica: são todos aqueles praticados contra a mulher no exercício de sua saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometidos por profissionais de saúde, servidores públicos, profissionais técnico-administrativos de instituições públicas e privadas, bem como civis, conforme se segue. Caráter físico: ações que incidam sobre o corpo da mulher, que interfiram, causem dor ou dano físico (de grau leve a intenso), sem recomendação baseada em evidências científicas. Exemplos: privação de alimentos, interdição à movimentação da mulher, tricotomia (raspagem de pelos), manobra de Kristeller, uso rotineiro de ocitocina, cesariana eletiva sem indicação clínica, não utilização de analgesia quando tecnicamente indicada.
Dossiê para a CPMI da Violência Contra as Mulheres, “Violência Obstétrica – Parirás com Dor”, da Rede Parto do Princípio, de 2012 4 Intervenção cirúrgica de corte na região do períneo, entre a vagina e o ânus, para aumentar o canal de parto. 5 Técnica arriscada que consiste em aplicação de pressão na parte superior do útero para facilitar a saída do bebê. 3
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Caráter psicológico: toda ação verbal ou comportamental que cause na mulher sentimentos de inferioridade, vulnerabilidade, abandono, instabilidade emocional, medo, acuação, insegurança, dissuação, ludibriamento, alienação, perda de integridade, dignidade e prestígio. Exemplos: ameaças, mentiras, chacotas, piadas, humilhações, grosserias, chantagens, ofensas, omissão de informações, informações prestadas em linguagem pouco acessível, desrespeito ou desconsideração de seus padrões culturais. Caráter sexual: toda ação imposta à mulher que viole sua intimidade ou pudor, incidindo sobre seu senso de integridade sexual e reprodutiva, podendo ter acesso ou não aos órgãos sexuais e partes íntimas do seu corpo. Exemplos: episiotomia, assédio, exames de toque invasivos, constantes ou agressivos, lavagem intestinal, cesariana sem consentimento informado, ruptura ou descolamento de membranas sem consentimento informado, imposição da posição supina para dar à luz, exames repetitivos dos mamilos sem esclarecimento e sem consentimento. Caráter institucional: ações ou formas de organização que dificultem, retardem ou impeçam o acesso da mulher aos seus direitos constituídos, sejam estes ações ou serviços, de natureza pública ou privada. Exemplos: impedimento do acesso aos serviços de atendimento à saúde, impedimento à amamentação, omissão ou violação dos direitos da mulher durante seu período de gestação, parto e puerpério, falta de fiscalização das agências reguladoras e demais órgãos competentes, protocolos institucionais que impeçam ou contrariem as normas vigentes. Caráter material: ações e condutas ativas e passivas com o fim de obter recursos financeiros de mulheres em processos reprodutivos, violando seus direitos já garantidos por lei, em benefício de pessoa física ou jurídica. Exemplos: cobranças indevidas por planos e profissionais de saúde, indução à contratação de plano de saúde na modalidade privativa, sob argumentação de ser a única alternativa que viabilize o acompanhante. Caráter midiático: são as ações praticadas por profissionais através de meios de comunicação, dirigidas a violar psicologicamente mulheres em processos reprodutivos, bem como denegrir seus direitos mediante mensagens, imagens ou outros signos difundidos publicamente; apologia às práticas cientificamente contra-indicadas, com fins sociais, econômicos ou de dominação. Exemplos: apologia à cirurgia cesariana por motivos vulgarizados e sem indicação científica, ridicularização do parto normal, merchandising de fórmulas de substituição em detrimento ao aleitamento materno, incentivo ao desmame precoce Podem, em um mesmo fato, mesclarem-se os caráteres de violência obstétrica.
Desta forma, é possível perceber a real abrangência do que se compreende violência obstétrica, não sendo apenas agressões ou procedimentos médicos que
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derivam em erros, como também atitudes impeditivas, má comunicação ou má informação no sentido de indução à uma prática, cobranças abusivas etc. A definição do termo violência obstétrica de acordo com o Dossiê é muito importante para a identificação das formas de violência e também para permitir que através do material, o leitor seja capaz de entender melhor o assunto desenvolvido e sua profundidade. A utilização de relatos de casos de mulheres que sofreram violência obstétrica, através de entrevistas de profundidade, além de material bruto da construção dos capítulos, também foi importante para o entendimento do conceito de violência obstétrica e de como as várias formas de violência, na maioria dos casos relacionadas, acontecem dentro das maternidades. Além de fontes de pesquisa como relatórios e livros, as legislações brasileiras também foram utilizadas como embasamento teórico para a compreensão do termo violência obstétrica e pelo compromisso ético dentro da luta pelos direitos das mulheres e da parturiente, de forma específica. A lei 11.108, de 7 de abril de 2005, regulamenta que: Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. § 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente. § 2o As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.
Diante do referido e em caráter nacional, toda parturiente tem direito a um acompanhante durante os períodos de pré-parto, parto ou pós-parto imediato, escolhidos por ela e sem a necessidade de um parentesco. A lei, mais conhecida como “Lei do Acompanhante”, é a principal regulamentação nacional que explicita uma forma de violência obstétrica e explicita a necessidade de assegurar mínimas condições de dignidade da mulher no momento do parto. A lei 5.528, de 10 de março de 2015, regulamenta a presença de doulas dentro das maternidades de Campo Grande: Art. 1º Ficam as Maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres da rede pública e privada do Município de
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Campo Grande obrigados a permitir a presença de doulas no período que antecede o parto, durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, sempre que solicitadas pela parturiente. § 1º Para os efeitos desta lei e em conformidade com a qualificação da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, código 3221-35, doulas são acompanhantes de parto escolhidas livremente pelas gestantes e parturientes, que “visam prestar suporte contínuo à gestante no ciclo gravídico puerperal, favorecendo a evolução do parto e bem-estar da gestante”, com certificação ocupacional para essa finalidade. § 2º A presença das doulas não se confunde com a presença do acompanhante instituída pela Lei Federal n. 11.108/2005. Art. 2º As doulas, para o regular exercício da profissão, estão autorizadas a entrar nas maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres, da rede pública e privada do município de Campo Grande, com seus respectivos instrumentos de trabalho, condizentes com as normas de segurança e ambiente hospitalar. Parágrafo único. Entende-se como instrumentos de trabalho das doulas: I - bolas de fisioterapia; II - massageadores; III - bolsa de água quente; IV - óleos para massagens; V - banqueta auxiliar para parto; VI - demais materiais considerados indispensáveis na assistência do período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Art. 3º Fica vedada às doulas a realização de procedimentos médicos ou clínicos, como aferir pressão, avaliação da progressão do trabalho de parto, monitoração de batimentos cardíacos fetais, administração de medicamentos, entre outros, mesmo que estejam legalmente aptas a fazê-los, devendo atuar sinergicamente com a equipe de saúde em favor da parturiente. Art. 4º O não cumprimento da obrigatoriedade instituída no caput do Art. 1º sujeitará os infratores às seguintes penalidades: I - advertência, na primeira ocorrência; II - se órgão público, o afastamento do dirigente e aplicação das penalidades previstas na legislação, a partir da segunda ocorrência; III - se estabelecimento privado, multa de 100 UFERMS a partir da segunda ocorrência, dobrada em cada outra reincidência, até o limite de 2.000 UFERMS”.
A lei que regulariza a presença das doulas em maternidades de Campo Grande, apesar de recente, é fundamental para assegurar mais uma vez condutas de boas práticas relacionadas ao parto e suas condições necessárias de apoio à mãe. Pelo caráter municipal, também é ação de resistência e força dos grupos de doulas e profissionais da saúde dentro do município para consolidação da profissão.
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Produções, sejam acadêmicas ou comerciais, também foram utilizadas durante a pesquisa de embasamento para a construção do livro-reportagem. Exemplos de documentos que mostram relatos de casos de violência obstétrica são alguns vídeodocumentários que foram objetos de estudo para a pesquisa e fundamentação do livroreportagem. Entre estes, estão “A dor além do parto”, de autoria de Letícia Guedes, Amanda Rizério, Nathália Couto e Raísa Cruz, de 2013, e “Violência Obstétrica – A Voz das Brasileiras” foi produzido por Bianca Zorzam, Ligia Sena, Ana Carolina Franzon, Kalu Brum e Armando Rapchan, de 2012. Os documentos abordam casos de violência obstétrica, com relatos de experiências e também fontes documentais sobre as situações jurídicas que permeiam o parto e o direito das mulheres, como a Lei do Acompanhante e outros reconhecidos por lei. O livro “Comensais do Caos”, de Maxwell dos Santos, de 2015, conta a trajetória de quatro mulheres vítimas de violência obstétrica, desenvolvido em formato de contos. Santos (2015) traz vários relatos da violência em seu livro, como também levantamentos de humanização do parto, o protagonismo da mulher em relação ao parto através do processo fisiológico e de sua autonomia no nascimento da criança. Os materiais citados acima, assim como vários outros ao longo do processo da construção e pesquisa do livro-reportagem, serviram de auxílio e base para o processo de entender e relatar as histórias apreendidas através das entrevistas de profundidade para o livro.
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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O livro-reportagem “Parto: Outro Lado Invisível do Nascer” teve como objetivo desenvolver e apresentar o tema da violência obstétrica em Campo Grande como grande eixo central, abordando tanto o enfoque investigativo quanto o literário. A construção do livro buscou não apenas trazer a conceituação e o entendimento relacionados à violência obstétrica, como também utilizar de relatos de mulheres que sofreram violência obstétrica em Campo Grande para permitir um relato mais sensível e próximo dos fatos. Desta maneira, seis capítulos trazem a história de cinco mães que relatam suas experiências de parto e de vida em geral, já que a violência obstétrica muitas vezes é simbólica, e acontece não apenas dentro só dos hospitais, como pode ser gerada e propagada por toda a sociedade. A intenção foi permitir um espaço para que as personagens pudessem ser apresentadas da forma mais verossímil possível, dentro de uma caracterização narrativa e literária, associada à pesquisa jornalística e a fidelidade das informações. A teoria também foi fundamental para a construção do livro-reportagem, e desta forma, cinco capítulos foram desenvolvidos a partir do eixo central: violência obstétrica para permitir uma maior análise do tema em questão. Com um foco diversificado, a produção contribuiu destacando a complexidade do assunto e mergulhando em diversas questões da sociedade, como os conceitos de violência obstétrica, retrospectiva do parto, parto humanizado, desprotagonismo feminino e como acabar com a violência obstétrica.
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4. REFERÊNCIAS Incluir aqui as referências bibliográficas, de sites, filmes e outros que necessariamente foram usadas e citadas no relatório.
Livros: BELO, Eduardo. Livro-reportagem. São Paulo: Contexto. 2006. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas Ampliadas – O Livro Reportagem como Extensão do Jornalismo e da Literatura. São Paulo: Manole. 2008. 4°ed SANTOS, Maxwell dos. Comensais do Caos. Vitória. 2015. Ed. Do autor. Documentários: CHAUVET, Eduardo. Renascimento do Parto. 2013. GUEDES, Letícia, RIZÉRIO, Amanda, COUTO, Nathália, CRUZ, Raísa. A dor além do parto - Trabalho de conclusão de curso da Universidade Católica de Brasília. 2013. ZORZAM, Bianca, SENA, Ligia, FRANZON, Ana Carolina, BRUM, Kalu, RAPCHAN, Armando. Violência Obstétrica – A Voz das Brasileiras. 2012. Documentos: Ministério da Saúde - Diretrizes de Atenção à Gestante: a operação cesariana. 2016. FIOCRUZ. Nascer no Brasil – Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento. 2015. Rede Parto do Princípio. Violência Obstétrica - Parirás com dor – Dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres. 2012. Leis: Lei n. 11.108/2005 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2005/Lei/L11108.htm Acesso em: 02 de fevereiro de 2017. Lei n. 11.108, de 7 de abril de 2005. Lei 5.528, de 10 de março de 2015. Acesso em: 02 de fevereiro de 2017, pelo Diário Municipal de Campo Grande. Matérias Jornalísticas: “Não amamentar bebês na primeira hora de vida eleva risco de morte”: matéria do site O Globo, com fonte Reuters. Acesso em: 02 de fevereiro de 2017.
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http://oglobo.globo.com/sociedade/saude/nao-amamentar-bebes-na-primeira-hora-devida-eleva-risco-de-morte-19808963 “Indicações reais e fictícias de cesariana”: matéria produzida pela médica Melania Amorim. Acesso em: 02 de fevereiro de 2017. http://estudamelania.blogspot.com.br/2012/08/indicacoes-reais-e-ficticias-de.html “Partos cesáreos atingem 62% de nascimentos na rede pública em MS”: matéria do site Brasil Notícia. Acesso em 03 de fevereiro de 2017. http://www.brasilnoticia.com.br/saude/partos-cesareos-atingem-62-de-nascimentos-narede-publica-em-ms/38633
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5. APÊNDICES
1) Entrevistas: 1) Alice Inácio de Paula 2) Ana Paula Cayres 3) Aparecida Gonçalves 4) Camila Zanetti 5) Caroline Figueiró 6) Francielli Valle 7) Tatiana Marinho 8) Thaís Dominato
OBS: Foi preferível não colocar as transcrições utilizadas para a construção do livro das fontes que não quiseram ter suas identidades divulgadas.
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Entrevista 1: Alice Inácio de Paula – Enfermeira obstétrica e neonatologista
Data: 30 de novembro de 2016
Alice, você pode se apresentar e falar um pouco da sua formação profissional? Meu nome é Alice, sou enfermeira primeiramente neonatologista, fiz a primeira pós em neo, depois de um ano e meio, resolvi fazer obstetrícia-ginecologia, tenho duas pós-graduações, neonatologia, ginecologia e obstetrícia. Já trabalhei muito tempo da área da neo, da neonatologia, neonatal, um pouco na sala de parto... Não como enfermeira, mas como técnica. Como enfermeira, fiquei responsável pela UTI neonatal da Cândido Mariano, por um período de quase dois anos. E resolvi sair pra montar o meu próprio negócio, que é com parto. Hoje eu trabalho com parto domiciliar, consultas de puericultura pra criança e agora a gente está começando também com serviços de babá para as mães. A maioria são as mães que eu já atendo, né, que estão procurando. Trabalhei também um tempo na Santa Casa, vi muita coisa, aprendi muito; muito do que eu sei hoje, foi graças à Santa Casa, mas o período que eu tinha que ficar, acabou né... E atualmente eu sou professora da Pós-Graduação de Obstetrícia e Pediatria da Fanper Nova Oeste (confirmar nome), e também dou aulas na Unifej (confirmar nome), pra Obstetrícia... Sempre nessa área. Também já trabalhei como professora de estágio pra graduação de Enfermagem e pro curso técnico também. O que é violência obstétrica? A violência obstétrica é quando não se consegue deixar que a mulher tenha o seu protagonismo do parto. Falando do parto em si. Durante o pré-natal, é contestar muito ela, não deixar que ela fale o que ela gostaria de fazer, como ela gostaria de conduzir, e sim cuidar da parte clínica dela. Durante o parto, a violência obstétrica na maioria das vezes, são por esses procedimentos realizados sem a autorização da gestante, ou procedimentos nas quais ela não autoriza mas acabam sendo realizados de forma sem necessidade, ou até com a necessidade mas sem o conhecimento dela... Porque muitas vezes é necessário passar um fórceps, mas se você consegue explicar o porquê que você vai passar, já vinha tentando naturalmente, no momento tem a necessidade... Então, a má comunicação. Quando há uma má comunicação, acaba havendo a violência.
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Se você explica e define o que realmente está acontecendo, ela consegue entender e aí ela vai poder escolher: quero ou não quero. Ou se realmente há a necessidade, ela tem que estar ciente. Na maioria dos casos que a gente percebe que acontecem, a mulher não tem necessidade daquele procedimento e ele é realizado, ou ela tem a necessidade, é realizado sem a comunicação pra ela. Sem comunicar, sem falar e ela acaba achando que foi feito sem necessidade. No fim das contas, até era necessário, mas não foi explicado. Então, a gente se depara muito com esses tipos de violência aí no meio. Na maioria das vezes, você explica o que que está acontecendo, ela até entende e ela vai poder ter a escolha dela. Claro, que quando realmente é necessário, falando, explicando, a gente acaba realizando, né. Mas na maioria, 98, 99%, não tem necessidade de muitos procedimentos. A não-presença do acompanhante também, no momento de qualquer que seja o procedimento, não só no parto... Estamos aí com a nova lei em que o companheiro, ele é autorizado a ir na consulta, tem que ser liberado do serviço, do seu emprego, pra ir na consulta de pré-natal, pra poder estar acompanhando essa mulher, pelo menos uma vez no mês... É uma vez no mês, a consulta de pré-natal. Realmente, de fato. Então, não está sendo cumprido isso, pelas empresas, pelas instituições. Algumas instituições não autorizam a entrada desse acompanhante, e aí é onde a gente cai mais no momento do parto em si, que ele é proibido... Seja companheiro ou seja qualquer outra pessoa que ela escolha. E a gente tá tendo esse tipo de problema. É uma pena. Como você caracteriza o parto humanizado? Humanizado é o parto respeitoso. Porque não precisa ser necessariamente o parto normal, vaginal pra ser humanizado. Hoje, as pessoas confundem muito que o parto humanizado tem que ser aquele que passa no vídeo, lá, que você pesquisa no Youtube, a mulher parindo dentro da água. Não. O parto humanizado é o parto com respeito. Pode ser vaginal, pode ser na água, pode ser domiciliar, pode ser no hospital e pode ser uma cesariana. Desde que seja respeitoso. Tá, o que é respeitoso? É você realmente deixar ela falar e ela conduzir. Quando é o normal, vaginal; ela conduz o trabalho de parto. E você só acompanha, observa clinicamente como que ela tá, como que tá essa contração, como que tá esse organismo, como que tá esse bebê. Na cesariana, é você tentar esclarecer todas as dúvidas que ela tem sobre uma cesariana, uma cirurgia que é a
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cesariana... Cesariana é uma cirurgia, não é o parto. Então, é tentar esclarecer ela de tudo, os efeitos da anestesia, que não são falados... Muitas têm complicações pós porque ela não foi comunicada antes, então ela não sabe que anestesia ela tomou, se ela é alérgica, se não é alérgica, quais são esses efeitos colaterais dessa anestesia... Vômito, cefaleia, que é a dor de cabeça, algumas tonturas... O colostro que não desce na primeira hora... Então tá aí porque que se dá um complemento pro bebê... Aí muitas não querem que dê complemento... Então assim, você tem que explicar. O parto humanizado é o parto respeitoso, que pode ser de qualquer forma, de várias formas. E não somente aquele que a gente vê na água, na piscina... Muitas que desejam muito ter na banheira, acabam não parindo na banheira. Então, é deixar falar. Você põe tudo à disposição. E ela escolhe como ela vai querer. Na verdade, o bebê é que vai acabar escolhendo, né? Pra mim, humanizado é isso. E na sua concepção, por que existe violência obstétrica? Forte essa pergunta, né. A vaidade, né. Pra mim, é o poder. “Eu posso, eu quero e eu vou fazer do jeito que eu quero”. E esquece da pessoa em si. Eles unem a conhecimentos ultrapassados, técnicas médicas, obstétricas... Vamos falar obstétricas, no termo geral, ultrapassadas, e acabam por fim realizando algo que achavam que era certo - porque há muitos anos atrás era daquela maneira que se fazia... Porque naquele tempo, daquela forma, se fazia necessário... E com o passar do tempo, a gente se aprimora, a gente estuda, outras técnicas surgem, temos que tentar agregar. E o que não serve mais, vamos tirando. E não é o que vem acontecendo. Eles continuam trabalhando de uma maneira ultrapassada, a grande maioria, não são todos, não vamos generalizar também, mas a grande maioria continua trabalhando da maneira ultrapassada e esquecendo da pessoa em si, do foco em si, que é a gestante, a família... Então, não é mais um modelo centrado na família. É um modelo centrado na prática deles, na prática obstétrica do profissional. E é aí que acaba surgindo a violência obstétrica, porque quando a gente centra na família, no ser único que é a mãe, que é o pai, que é a criança que vai nascer... Você começa a ter as peculiaridades daquela família. E você trabalha em cima da família. Então, não tem como ter violência obstétrica se você já conhece a família, se você sabe como ela pensa, essa gestante pensa, você vai tentar fazer da melhor forma possível pra que nada de mal aconteça. Se sair da normalidade, o trabalho
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de parto está saindo da normalidade, você vai chegar e vai explicar. “Tá acontecendo isso isso e isso, nós vamos ter que mudar o procedimento”. Ela vai entender, se realmente for necessário um procedimento mais invasivo, ela vai entender. Diferente de hoje. Não se explica nada, não se fala nada, simplesmente se faz. E esquece da família em si. Então, pra mim, tem ocorrido muita violência obstétrica por não o respeito a família, e pela vaidade do profissional. Muitos profissionais estão aí se envaidecendo com o título, eu posso, eu sou o todo-poderoso, e aí acaba ocorrendo muitos problemas. Por que você acha que muitas vezes a mulher não consegue identificar a violência? Pela forma mansa com as quais muitos profissionais chegam... Então, a gente sempre tem assim... Chegam pra gente e falam, “olha, aquele profissional, ele é humanizado”. Tá, ele é humanizado até o momento em que está indo tudo bem pra ele. A partir do momento que tá saindo fora, que ele tá percebendo que tá saindo fora do controle dele, ele não vai mais ser humanizado, ele vai começar a se impor mais. “Não, mas não dá mais pra esperar, já passou, você já tá de 41 semanas”. Não... Já temos evidências de que são até as 44 semanas. Saiu num estudo tem 20 dias atrás e já se fala que até 44 semanas pode se esperar. Lógico que a partir das 40 semanas, você tem que acompanhar de perto essa gestante. Então, é fazer aquele movimento do médico da família mesmo, sabe. Ele ir à casa da gestante se for necessário. Se não, ela vem ao consultório a cada dois dias, é estar o tempo todo em contato, ligando, sabendo como que ela está e infelizmente, a vida corrida não deixa que o profissional tenha esse tipo de acesso, né, à família. Esse vínculo com a família. E aí acabam ocorrendo as divergências, as violências, a falta de comunicação, acabam acontecendo. Por que muitas vezes a mulher não denuncia a violência? Medo. Medo numa próxima vez ela não ser bem tratada... Deles tentarem piorar a situação... Muitas têm medo. Hoje, tá mudando um pouco. Alguma estão falando, mas muitas têm medo. Medo do que possa acontecer. Porque a gente sabe que é uma área que tem muita força. Independente do profissional, se é uma enfermeira obstetra, se é um médico obstetra... É uma área que tem muita força. E eles têm medo sim. Medo de represália, medo de chegar e falar que não quer de tal jeito, que quer de outro jeito, e eles não fazerem, como acontece... Quem é atendido pelo Sus e depende do plantão,
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que vai pro hospital, pra ter o bebê no plantão... Tem medo de falar, “eu quero tentar o normal”... Se ela encontra um plantonista que não faz parto normal, que o currículo dele é a cesárea, ele não vai fazer o normal. “Não, vai ser cesárea”. E você quer o normal. Então fica aquela coisa. Acaba havendo alguma divergência aí, até violência verbal. Que a gente tem muita violência verbal que acaba dando traumas dali pra frente, depressão pós-parto e tudo mais. Então, é o medo. Eu vejo o medo, na maioria delas. As que me procuram hoje, na maioria, são mulheres que já tiveram partos hospitalares... Já tive duas que tiveram partos domiciliares em outros locais do país e que não foi do jeito que elas ainda queriam que tivesse disso, da maneira respeitosa na qual elas ainda queriam que tivesse sido, e tem medo de represália... “Não, eu tenho medo de chegar no hospital e falar que eu quero normal”. Hoje, eu sei que eu não vou morrer, sei que a equipe toda de um hospital... Se eu sei que eu estou bem, eu não tenho a necessidade dela, que eu posso parir sozinha, então eu prefiro procurar uma equipe que possa me atender melhor, mais intimista. Aí elas acabam procurando domiciliar. Ainda é pouco, mas tem aumentado o número por conta disso, porque elas não querem mais passar pelo o que elas já passaram... Não querem mais sentir esse medo. De não ser respeitada. De não poder se locomover pra onde ela quiser... Não poder comer o que ela quiser, tomar água... Em alguns lugares, eles não deixam você tomar água, entendeu? De poder ter quem ela quiser na casa dela, de poder usar o telefone durante o trabalho de parto. O parto, chega um momento que ela não consegue nem falar mais... Mas até um certo momento, ela tem uma vida normal. Elas preferem isso do que ir pra um hospital. Outras já se sentem seguras em um ambiente hospitalar, também com uma equipe mais aconchegada, “ah, é ela”, né, e outras que não se importam. Então, nós estamos ainda num processo de crescimento e adaptação ainda. Temos muita... A nossa cultura é cesarista. Então, a gente tem muita gente ainda, meninas novas ainda, que pra elas, isso é normal... Então, elas não estão nem aí... Pra elas é normal ficar em posição ginecológica, é normal o médico falar assim “na hora que você tava transando, você não gritou”. Pra algumas isso é normal. “Ah, mas é o médico, ele tá me ajudando”. Então, elas não entendem, não sabem nem a fisiologia do corpo delas. Elas não sabem que não, não é normal ele falar daquele jeito. Que o corpo vai trabalhar sozinho, que nós estamos ali, todos os
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profissionais, é pra aparar ela. Caso ela precisar. Porque se ela não precisar, a gente não faz nada. Mas você acha que quando a mulher ignora uma ofensa dessas, é porque ela considera ele superior ou porque ela releva, assim... Os dois. Eu conheço pessoas que relevam, e eu conheço pessoas que ignoram. Que acham que não é importante... Não. Eu vejo assim... Você falou a questão da privação de água, de alimento, e também a questão da violência verbal... Existem muitos casos de médicos que fazem a violência, no caso de uso medicamentos, e acontecem até de forjar dados e laudos... Como lidar com isso? Como que a mãe pode ir atrás? Como que você vê essa questão do abuso do poder e a questão da fiscalização dentro dos hospitais e das clínicas, por parte eu digo mais em relação ao CRM, no caso? Você acha que existe uma política pública de fiscalização dessas ações? Eu nunca vi. Nunca vi nada, nesse sentido. Eu sei que o nosso Conselho de Enfermagem fiscaliza os nossos dados, quando há casos de óbito ou de denúncia, de algum procedimento em si, eles vão. Mas se não tem nada, se não tem nem uma denúncia, não vai. Então, há um pouco de... Ignoram. Ninguém falou, ninguém chamou, então eu não vou. Entendeu? Falta, na minha opinião. Deveria ter uma equipe que fosse semanalmente. Sabe, analisar tudo, todos os dados com relação à obstetrícia em si. Seja pré-natal, seja parto, seja pós-parto. Enquanto tá dentro da instituição, deveria ter. Mas, infelizmente, ainda não tem. Eles vão sim quando tem denúncia, isso eu sei que vão. Com relação à parte médica, o Conselho Regional de Medicina, eu sei que eles também tem uma equipe que vão mas é tudo por denúncia. Se não tem denúncia, tá tudo lindo. Não aconteceu nada.. E é uma pena. Em relação às leis que envolvem os direitos das mulheres, eu vejo assim, a Lei do Acompanhante, né, ela foi de certa forma um avanço, mas ela não tem caráter punitivo. Como é que você acha que essas brechas no sistema público influenciam na violência? O que a gente tem aconselhado muitos pais no pré-natal ainda, é que levem a lei impressa e se ele for barrado, já ligar pro promotor, né, pra Promotoria de Justiça. Muitos
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já têm alguns advogados meio engatilhados, que na hora já dão um jeito. Só de você falar que vai denunciar, aí o hospital libera. Mas já houve casos em que os pais tiveram que ir atrás de uma autorização do juiz pra ele poder entrar. Em alguns hospitais. Foram três casos que eu sei. Depois desses três casos, aí o hospital começou a deixar, as instituições começaram a deixar... Só de você falar que vai chamar. Que vai chamar a polícia, que vai chamar o juiz... Aí eles liberam. Mas liberam já com outros olhos pra aquele casal. “Chamou a polícia, tá...” Então, já te trata diferente. O profissional te trata diferente, os profissionais da enfermagem acabam te tratando com uma retaguarda, e você não fez mais nada do que o seu direito. Você está pedindo o seu direito, então você não está fora do normal... Mas é a cultura ainda, também. É isso que eu ia falar, você acha que é de certa forma uma cultura de violência; que os pais que são informados seriam melhores atendidos que os pais que não são? Uma cultura. Você citou os postos de saúde, pessoas que não tem tanto conhecimento... Você acha que a violência é ainda maior? É maior. Maior ainda. E por que você acha que isso acontece? Eles acham que não vão ser denunciados? Eles acham que não vão ter punição. Pra que que eu vou mexer se eles não vão ser punidos? Então eu não vou mexer [os pais]. Só que eles não percebem, as pessoas que recebem a violência, e que não denunciam, eles não percebem que se eles denunciarem, eles estão ajudando a gente a melhorar o sistema. Porque a cada denúncia que tem, lá na continha, vamos dizer assim, é um ponto a mais pra gente aumentar a força, pra toda a assistência se melhorar. Porque se eu não tenho denúncia, é porque tá tudo bem... A partir do momento que eu começo a ter a denúncia, que começa a sair na mídia as coisas, os gerentes das instituições, os diretores das instituições começam a acordar. Pode não ser por eles quererem, pelo querer deles, mas por obrigação e oposição de todos, eles acabam melhorando a assistência. E isso beneficia a todos. Mas falta também informação, pra essas pessoas, com relação à denúncia, o porquê que é importante denunciar... Então falta muita coisa, e principalmente no pré-natal. Porque isso a gente fala no pré-natal, ou nos cursos de casais... Casais grávidos, né. A gente
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fala, a gente comenta, a gente explica o porquê é tão bom quando se denuncia, então, falta muito, falta informação... Voltando a esse assunto da cesárea, dados do ano passado da Organização Mundial da Saúde de que o Brasil é o país com o maior número de cesáreas do mundo. Por que isso acontece? É a cultura, não tem jeito. É a cultura, é a informação, é incutir as pessoas de que está errado, sabe, que a cesárea é cirurgia, não é parto, né? Muitos traumas também, de infância, que a própria mãe coloca na menina, e a menina carrega isso pra vida adulta... Em que sentido? Violências que ela sofreu, traumas que ela sofreu no trauma daquela criança, e aí aquela criança vai ter um bebê no futuro... Ela[mãe] já vai ensinando aquela criança que aquele parto que ela teve não foi bom, daquele jeito... Que o melhor é do outro jeito, porque o outro jeito, pra ela é mais seguro, porque o dela não foi. Então, falta informação... Por que que o dela não foi? Tem que ver o porquê. Acontece só com ela? Não. Ou é um tipo de situação que aconteceu com ela devido a outros fatores, e cada um é cada um... Será que a filha vai realmente passar por aquilo? Não, não tem como você saber... Eu atendo pessoas que as mães tiveram partos naturais vaginais traumáticos. E que as filhas resolveram ter o parto normal, mas elas têm lá no fundo aquele medinho: “será que eu vou passar o que minha mãe passou?”. Então elas sentem, mas se você conversa, você explica que cada organismo é um organismo, que cada fisiologia é uma, e que não tem como a gente prever, mas que o jeito mais natural é o vaginal, e a cesárea é pra uma emergência. Eu não sou contra a cesárea; sempre fui defensora da cesárea, porque eu via muito parto normal anormal. Onde tinha manobra de Kristeller, onde tinha violência verbal... Muitos, sabe... E eu não queria aquilo pra mim. Eu não quero passar por isso. Agora você pensa: uma mãe que passou por isso e teve uma filha, que que ela vai fazer com a filha? Ela não vai querer que a filha passe aquilo. Então ela começa a por na mente da menina que a melhor forma é você ir lá, paga, hora marcada, ele tira, ele não fala com você... O médico não fala com você na cesárea. E o neném nasce, tudo lindo e maravilhoso, entendeu? E não do jeito que foi com ela. Subiram em cima da barriga dela, sabe, machucaram ela, abriram as pernas dela, amarraram ela, né... Falaram coisas pra ela... “Faz força, faz força, vai matar essa
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criança”. “Não grita que não vai oxigênio pra criança”... Você está entendendo? Então assim já vi coisas horrorosas, e eu era defensora da cesárea. Hoje, hoje não, né... Quando eu comecei a pós-graduação de Obstetrícia e Ginecologia, que a gente vai estudando, você vê que não é assim... Que pode ser diferente. O que mudou minha vida, assim, pra valer, foi o filme Renascimento do Parto... Ali realmente, eu falei, “não, a gente tem que estudar”. A gente tem que parar que uma cirurgia é o melhor. Ela é ótima, ela é benéfica, para os casos em que realmente ela é indicada. Ela salva vidas. Mas se eu não preciso dela, o melhor é o normal, né, é o vaginal. É o melhor. E hoje eu defendo o parto vaginal. Eu defendo os dois, cada um com a sua indicação. Mas falta, falta muita informação das pessoas. Você mencionou pouco, mas como você acha que essa questão do desconhecimento do corpo, do pré-natal, como que isso influencia pra essa cultura de violência obstétrica, né, da mulher que ela chega, não conhece seus direitos, não conhece o seu corpo e muitas vezes ela é submetida a um procedimento que ela não conhece, né. Como que você enxerga isso? Eu enxergo que falta um estudo melhor, lá na base, mesmo, fundamental... Noções de sexualidade, noções de você conhecer seu corpo, tirar essa vergonha da menina e do menino, que eles têm, nasce com isso... Porque muitas vezes vêm da família; a família não se fala do sexo, a família acha que não é normal você pensar “naquilo”... E ela cresce com isso... Não sabendo as peculiaridades do sexo em si, de ter um filho, de gerar um filho, como que é... Ainda se tem muito a cultura da sementinha, que coloca lá... E isso é errado, na minha opinião, eu acho que desde pequenininho você tem que mostrar como que realmente funciona... Quando a criança menor, assiste o parto, isso é muito bom também, porque ela vê que acontece, e que é natural... Falta na grade curricular das escolas falar disso, falar da fisiologia do corpo... Porque quando a gente tem pessoas que chegam no consultório já sabendo como funciona, a gente não tem dificuldade... Quando você encontra pessoas que não sabem nem onde é vagina, onde é uretra, aí você tem dificuldade. Porque se ela não sabe isso, ela não sabe nem como que vão ser as transformações dali pra frente, no organismo dela. E muitas vezes elas acabam tendo medo... E o medo acaba levando à cesárea. Muitas é por medo. A partir do momento que você explica como que funciona, como que é... Elas vão perdendo
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o medo, vão se sentindo mais confiantes até nelas mesmo. Mas é o poder público, né, que também não explica, que não leva ações educativas para as escolas... Na minha opinião, só as ações educativas não funcionam, tem que ser um processo mais contínuo, né, ano a ano... Desde criança, em casa... Pra poder realmente funcionar. Eu acredito que essas crianças que estão nascendo de uns 5 anos pra cá, que vão ser os adultos, né, daqui 15 anos... Porque com 15 anos você já acaba né, tendo filho... É que poderão estar mudando esse cenário de hoje. Mas hoje, a gente ainda vai levar um tempo. Vai levar aí, uns dois, três anos pra realmente melhorar. Em relação à legislação, voltadas pras campanhas né, as políticas públicas hoje que estão tentando dar uma maior visibilidade no que é errado e no que não é, em relação à violência obstétrica... O que que você acha que deveria ser melhorado nessas campanhas, em relação à legislação, à forma de abordagem nos hospitais... Que que você acha... Como é que você vê, como está, e como você acha que poderia ser um modelo melhor? Só isso com a educação, Letícia, não tem jeito. Porque a política, ela só está aí porque o Brasil precisa daquela necessidade. O país precisa daquela necessidade. Pra eu poder mudar, a população vai ter que mudar. Vai ter que ser no caminho da população. Nós estamos tendo avanços na política com relação à parte obstétrica, mas esse avanço já tem 10 anos. Já faz 10 anos que estamos na luta, que as pessoas estão na luta, né. E que realmente tem dado uma melhorada, é de uns três anos pra cá... Que surgiu a lei do acompanhante, que surgiu agora do pai poder ficar com a criança em UTI’s, né... Antes era só a mulher... Então, tem uns três anos pra cá, e é com a parte educativa mesmo, com a educação. E mais recursos públicos, né, investindo na educação. Mas na parte de leis, assim, como é que você avalia... Essa questão da lei do acompanhante, você acha que faltam mais leis pra assegurar o direito da mulher, falta mais caráter punitivo... Como que você vê? Mais caráter punitivo. Porque lei nós temos. As leis que nós temos, no momento, pro momento, se elas forem bem aplicadas, a gente consegue mudar o cenário. O problema é que o caráter dos dirigentes, das pessoas, é que não querem... deixar que você realmente faça valer. Lógico, que precisam ter mais leis ou melhorar as que nós já temos. Tem uma lei nova que saiu, que o pai pode acompanhar a criança nas consultas
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médicas de emergência... Essa lei poderia melhorar. Não precisa ser só na emergência. Pode ser na consulta normal, mensal. Agora: só na emergência? Algumas leis eles poderiam estar melhorando, mas eles não querem, porque se eles melhoram, eles começam a perder o controle sobre essas ações. Como você vê a efetivação da lei do acompanhante nos hospitais de Campo Grande? Péssima. Horrorosa. São pouquíssimos que realmente respeitam, ou horários. Em alguns horários, é muito bonitinho. Você entra, tá tudo certo... Durante o dia a gente tem tido uma melhora, porque tem muita gente circulando, então não tem como você, não deixar ele entrar. Outros vão acabar falando, né... E já no horário noturno, principalmente madrugada, tem dificuldade. Eles não deixam. Ou barram o tipo de acompanhante. Recentemente, eu acompanhei um parto em Coxim. Eles não queriam deixar o pai entrar no centro cirúrgico. Foi um... Eu tive uma paciente, foi um parto domiciliar, só que no meio, no trabalho de parto, eu percebi que o bebê não ia nascer. Então eu decidi junto com a família, remover pro hospital. E como nós já estávamos no trabalho de parto, ela não queria mais tentar. E não ia mesmo dar mais pra tentar, sabe. A gente estava vendo que ele não ia nascer via vaginal, não encaixou como deveria. Só uma cesárea. Mas lá, ele vai te avaliar e vai decidir pela cesárea também... Pensei comigo, né. Não, ele queria tentar parto normal ainda. E ela não quis. Ela “não, é meu plano b, e meu plano b é a cesárea, eu não quero mais”. E ele “então tá”, levou pro centro cirúrgico e não deixou o pai entrar. Disse que não, que era normal do hospital. Como se fosse uma provocação. É. É norma do hospital e você não vai entrar. Ela teve que rodar a baiana, em contração... Porque, eu também não pude entrar, fiquei lá embaixo, na recepção. Rodar a baiana pra falar “não”. Lá, ela é taxada como louca, até hoje, tem dois meses quase, que o bebê nasceu. Ela disse “Alice, todo mundo me aponta na rua, dizem que eu sou louca, porque eu briguei com o médico”. Eu disse “você não é louca. Você fez o certo. O errado foi a equipe”. “Você fez certinho”. Ela rodou a baiana e o médico deixou ele ficar. Ele ficou, assistiu, e acompanhou. E aí nos dias que se seguiram, não queriam deixar ele ficar, e sim tinha que ser uma mulher. Acompanhante, podia ficar a acompanhante. Mas tinha que ser do sexo feminino, não podia ser do sexo masculino.
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E eles mostraram a lei? Mostrou a lei. Aí eles autorizaram, ele a entrar. Mas foi, se eu não me engano, o segundo caso de pai que fica dentro da enfermaria, como acompanhante, entendeu? Então assim, aqui em Campo Grande ainda está melhor, com relação a isso; pode ficar qualquer um, né... A gente encontra certos tipos de situações, que o pai está olhando a outra do lado... Acontece, algumas situações assim, infelizmente, mas que a gente consegue contornar, chama esse pai de canto, conversa com ele... “Olha, você está acompanhando a sua esposa” Então, né... Acontece algumas situações. Infelizmente, a enfermaria da Cândido Mariano são, se eu não me ganho, 5, 7 camas na mesma enfermaria. Pensa. Sete mulheres, né... Então, acontece de rolar uns olhares. Acontece. Você pode conversar com qualquer enfermeira lá da Cândido Mariano, que ela te fala a mesma coisa, é a pior situação que a gente enfrenta é de um paizinho, um acompanhante olhar pra outra do lado, com outro olhar, né, mas elas têm conseguido contornar a situação, de conversar, explicar, que não, que ele tá ali por conta dela, e olhar pra ela, é com ela, né, pra não ter esse tipo de situação... Mas, no interior, não estão deixando muito o homem ficar, por conta disso. Acaba sendo por conta disso. Mas é porque eles ainda não conseguem contornar a situação quando ela surge. A partir do momento que eles conseguirem contornar, vão acabar liberando mais vezes, mas pra que isso ocorra, você tem que forçar. É chegar e falar ‘não, eu sou esposo e eu vou ficar’. Você tem que acabar forçando, senão o sistema não deixa. Alice, você que está acompanhando muitos partos domiciliares. Algumas dessas mulheres que você conhece já tiveram partos antes, e você acha que aumentou essa procura pelo parto domiciliar... Uma busca de conhecimento maior após um procedimento mal sucedido? Como você vê esse empoderamento do protagonismo da mulher na segunda gravidez? Elas estão melhores, bem melhores. A maioria que tem me procurado, nesse ano de 2016... Eu tive, dobrou o meu atendimento, em relação a 2015. Eu comecei em 2015, janeiro de 2015 foi o meu primeiro parto domiciliar. Em 2015, eu tive 4 partos domiciliares. Mas em 2016, praticamente dobrou... Já são 19 partos, já, em dois anos, mas só em 2016 que dobrou na verdade o número de partos, e elas vêm por conta disso, de um parto anterior que não foi da maneira que... Hoje, elas percebem que não foi o correto,
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ou que não era necessário ter sofrido aquela cesariana, por exemplo... Ou não era necessário ter sofrido um parto normal com indução... Que poderia ter esperado, naturalmente... Ou pela violência em si que elas sofreram antes... Uma manobra de Kristeller, uma violência verbal... A maioria, violência verbal, e a episio. Muitas... A primeira coisa que elas me perguntam: você faz episio? Eu faço se houver necessidade. Mas na maioria das vezes, a gente não faz, até mesmo porque é um procedimento já caindo por terra, mas se a cabeça já está ali e a única possibilidade... Não tem mais, já fiz massagem, já tentei lacear, vamos dizer assim, da maneira manual, e mesmo assim... O batimento dele está começando a cair, e não está vindo, a gente faz... Mas é último no último. Elas sempre me perguntam, porque no hospital não é o último no último... É a primeira opção. Então, você mal ficou na opção ginecológica, ele já está preparado, pra fazer a episio no momento da contração, e muitos nem dão anestesia, né... Já aproveitando a contração, porque na contração você sente dor, mesmo, e já faz a episio ali. E esses médicos fazem essa episio sem consulta, sem necessidade, você acha que pela pressa? Pela pressa e por não ter a necessidade de ficar dando pontos... Porque quando a gente tem a laceração, não é uma laceração só. Eu tenho laceração na parte superior da vagina, na parte inferior da vagina, de um lado, do outro... Muitas vezes, quando eu preciso dar uns pontinhos, eu não dou num lugar só. É um pontinho em cima, um pontinho embaixo, dois pontinhos do outro lado... É aquele pontinho pontinho pontinho. É isso que incomoda eles, entendeu? Esse trabalho... A episio, você faz um corte só, na lateral... Que o correto é na lateral, alguns fazem dois... Mas, normal, um na lateral e acabou, só vai suturar ali e acabou. Só que essa episio, pode provocar problemas pra essa mulher. Sexual, estética, muitas se sentem mutiladas... Nem sempre tem laceração? Nem sempre. Na maioria, tem de primeiro grau, que a gente fala, que é como se fosse aquele corte que a gente tem no lábio... Como se fosse um pequeno cortezinho. A maioria. Mas tem os períneos íntegros, que é quando não há a laceração, e também não tem como a gente prever se a mulher vai ter ou não. Umas têm muitas laceração, outras não tem nada. Outras tem mais ou menos, então depende. Não tem como... Muitas falam
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pra mim: “eu não vou ter não, né?” Não tem como saber... Você pode fazer tudo, todos os pilates, exercícios vaginais, que a gente pede pra você fazer, pra dar uma ajudada, mas mesmo assim não tem como eu afirmar que você não vai ter. Muitas que eu atendi que nunca fizeram nada, nem ligaram para a perereca, não tiveram nenhum tipo de laceração. Outras que cuidaram um monte, fez ioga, fez isso, fez aquilo, e lacerou bastante. Então, é o organismo da mulher. A cicatrização dela.
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Entrevista 2: Ana Paula Cayres – mãe Data: 30 de janeiro de 2017
Ana Paula Cayres, tenho 34 anos, sou fotógrafa de parto... entrei nesse ramo além da minha paixão pela fotografia, foi depois do nascimento da minha filha, por querer retratar partos respeitosos, né. Sou casada com o Julio, tenho a Clara, de 3 anos e meio e o Caetano de quase 8 meses. A Clara veio através de uma cesariana intraparto. Eu já tinha entrado em trabalho de parto, estávamos indo pra Santa Casa, eu, a doula, meu marido e a obstetra. Lá fiquei um bom tempo até falar que não tinha vaga. A obstetra era a Joana. Nós fomos pra Cândido Mariano e entrando lá eles já falaram que não tinha vaga. Que era pras cesarianas eletivas, que estavam cheio. Fomos pro Pênfigo, lá eles não estavam atendendo parto, eu já estava em parto ativo. O único que restava era o El Kadri. Só que chegando lá eles não têm equipe né, então teve que chamar a pediatra também e eu fui admitida depois de muito tempo, muita enrolação... Desde o momento que você entrou em trabalho de parto até quando você foi admitida foi quanto tempo? Em torno de 3, 4 horas. E aí eu fui admitida, cheguei no hospital em torno de 11 da noite, no El Kadri, e a Clara nasceu 8h30 da manhã. E o que aconteceu. Eu estava com a Joana, que é uma pessoa acolhedora, humanizada... E eu precisei descer pro centro cirúrgico, eles não têm sala de parto, porque provavelmente iria ter que usar o fórceps porque ela estava muito mal posicionada, não descia, começou a ter queda dos batimentos cardíacos. (bradicardia). E eu estava com dilatação total, já estava há muito tempo, e ela não nascia. Então, quando fomos pra lá, ela teve que me dar um pouco de analgesia, mas como eu já estava há muito tempo em trabalho de parto, bradicalizou muito, chegou a 30 em uma contração, o batimento dela. Nós tivemos que optar pela cesariana. Foi bem rápido, ela nasceu, veio pra mim, tudo, mas quando a minha médica terminou, ela fez a sutura, finalizou tudo... Primeiro mandaram meu marido sair e a doula sair, que eles não podiam mais ficar ali, o que já não é correto, porque o seu acompanhante... A doula tudo bem, mas meu marido não poder estar comigo eles infringiram uma lei, porque o acompanhante tem que estar no pré parto, parto e pós parto. Em nenhum momento a mãe pode ficar sozinha. Levaram minha filha pro berçário... Aí a
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médica pediu pra enfermeira me arrumar pra passar pra maca, e nisso ela saiu. Quando ela saiu, a enfermeira parecia que estava esfregando uma roupa. Parecia que ela estava com uma raiva, e desde o começo estava com uma cara de saco cheio de estar ali. Eu estava anestesiada, não sentia, mas ela estava me limpando, sangue né. Só que de um jeito super bruto. E nisso entrou outra enfermeira, super boazinha, pra ajudar a me passar pra maca. E no que a outra entrou, ela disse ‘ah ela conseguiu o parto?’, e essa enfermeira que estava limpando falou ‘não, quis normal mas não deu conta não. Olha só a bagunça que tá aqui, olha a sujeira’. Que era líquido amniótico, era sangue... E eu fiquei em choque, eu estava anestesiada, um pouco sedada, então não conseguia reagir, não conseguia falar, e eu sozinha ali, aquela vontade de chorar... Já não tinha tido o parto que eu queria... Já não sabia como minha filha tava mais, onde ela tava, se tava bem... Aí elas me passaram pra maca e aí a outra boazinha foi embora, e nisso essa que estava me tratando mal, eu reclamei pra ela que minha cabeça estava pra fora da maca, e aí ela não arrumou. Eu fiquei com a cabeça pra fora, depois da nuca. E aquilo doía. E eu pensava que ia cair, porque estava anestesiada né. Me levaram pra sala de recuperação, batendo a maca pra tudo quanto é lado, ela e uma outra. Eu fiquei na recuperação, a menina que estava na recuperação era outra enfermeira que também não arrumou minha cabeça direito, eu pedi pra ela me puxar pra baixo, ela só ergueu minha cabeça, fingiu que tinha resolvido e não arrumou... E esqueceram de mim lá, porque eu tinha que ficar no máximo 3 horas lá, e eu fiquei quatro. Sem a minha bebê. Sem ninguém. Sozinha. E como lá não era só maternidade, é um hospital que atende inúmeras cirurgias, eu acordei com um homem do meu lado, também anestesiado, se recuperando de uma cirurgia, e eu não sabia nem onde eu estava, porque dei uma cochilada... Daí ele falou ‘nossa sua cabeça tá toda pra trás hein’, dai eu falei ‘eu sei, mas não querem me arrumar’. Aí eu fiquei insistindo ‘por favor, eu quero ver minha filha, eu quero subir, quero ver minha filha’... ‘ah a gente já vai ver’, não viam, não viam, não viam... Depois de 4 horas e pouco eles me subiram, e aí que trouxeram minha filha. O restante, o atendimento foi bom, as enfermeiras lá do andar foram bem boas comigo, me ajudaram... Como era o convênio... Eu fiquei no trabalho de parto no quarto, no apartamento. Teve uma enfermeira que veio me falar ‘ai mãezinha, seu marido não me
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deixou dar banho nela,’ dai eu falei ‘mas não precisa dar banho’, dai ela revirou os olhos e falou ‘pra mim bebê bonito é bebê limpo, cheirando shampoo’. Meu marido ficou no berçário, cuidando da neném, pra ninguém dar leite artificial, não dar banho, nada. Assim que você pariu ela, colocaram já em você? Sim, a pediatra atendeu o meu pedido, que estava no plano de parto, que foi colocar ela no peito, ela teve contato comigo... Eu pedi pra soltar a mão, ela soltou... Depois que saiu a pediatra e a minha obstetra de campo, aí elas fizeram o que elas queriam. Seguiam o protocolo do hospital. As enfermeiras... A equipe foi ótima, minha médica, não tenho o que falar. Como você foi percebendo a violência, quando foi caindo a ficha e você foi assimilando o que sofreu, o que passou? Eu fiquei com depressão. É difícil a gente aceitar a questão da cesariana, hoje eu aceitei super bem, depois de um ano eu aceitei. Mas o que me deixou mais triste, eu fiquei remoendo, foi o fato de eu ter ficado esse tempo todo longe dela. Que eu cheguei no quarto totalmente... Eu não sabia direito onde eu estava. As enfermeiras viam aplicar coisas em mim, no soro, eu não sabia o que que era. Eu creio que era morfina, que eles dão pra dor, mas eu sei que eu estava muito grogue assim. Eu olhava a doula, a Tati colocou ela no meu peito, mas eu não podia sentar, colocaram ela no meu peito, eu não conseguia enxergar direito, só ouvia as pessoas falando... Isso lá no apartamento. Eu cheguei no apartamento bem sedada. Mas na recuperação eu estava sozinha. Meu marido descia lá e pedia ‘pelo amor de deus, alguém me dá notícia, ela tá bem’... ‘não, tá tudo bem, ela já vai subir’, mas não subiam nunca. E eles ficavam enrolando. Falando que era protocolo, que eu já ia subir... Daí ‘ah mas são 3 horas’, já tinha dado 3 horas. ‘mas precisa da autorização do anestesista’, só que o anestesista já tinha dado autorização, já tinha ido embora, nem estava mais ali. Porque a médica chamou ele só pra fazer a cesariana e ele foi embora. Não sei se é por maldade, eu creio que não seja... Quando eles não têm informações, não conseguem colocar um protocolo mais humanizado, baseado em evidências, não sei, não tem porquê, né. Em quem você mais se apoiou depois que percebeu a violência?
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No meu marido. Porque ele sabe como foi. No dia eu contei pra ele. Ele ficou muito triste porque ele me via triste, mas ele tentava me por pra cima, falar que nossa filha estava bem, que estava tudo bem. E eu não tive condições nem de levar pra frente, de fazer a denúncia, nada. Não sei, acho que emocional, não queria mexer mais naquilo, sabe. Não sabia o nome da enfermeira... Eu podia ter ido atrás do prontuário, mas a gente acaba não querendo mexer, sabe. Hoje eles não têm mais maternidade lá... E as vezes a gente desmotiva, porque sabe que não vai acontecer nada. Eu recebi um bom acompanhamento da minha médica, mas teve tudo isso... A falta de vagas também, foi algo péssimo. Quando eu examinei pela minha médica, no primeiro hospital, estava com 3 centímetros, e no El Kadri, cheguei com 7. No parto do Caetano, eu tinha me programado tudo e tal, e fomos pra Cândido e não tinha vaga. Lá não tinha vaga. Mas não tinha vagas entre aspas. Porque eu questionei se não tinha vaga porque os quartos estavam ocupados ou porque estavam reservados pras cesarianas eletivas. E ela falou que estavam reservados. Ou seja, tinham quartos livres mas não podiam me admitir porque estavam reservados pra cesarianas. E eu estava quase 10 já, de dilatação. Aí eu falei ‘daqui não saio’. Aí meu marido, a doula, falaram ‘calma’... Aí eu falei ‘calma nada, eu to em trabalho de parto e vocês vão me admitir, se vocês não me admitirem no hospital, eu vou chamar a polícia. Eu vou acionar o Ministério Público e vou chamar a polícia, porque daqui eu não saio. Vocês me admitem porque o meu bebê vai nascer, e se nascer aqui, o negócio vai ficar feio’. E na recepção várias mulheres sentadas, todas maquiadas, cabelos escovados, cesariana marcada, e eu lá, em trabalho de parto, em pé, porque nem cadeira tinha... E ‘não, não tem vaga, a gente não tem o que fazer, são normas do hospital, a gente dá prioridade pras cesarianas eletivas’. São normas da maternidade. E aí chegou a supervisora da recepção e falou que tinha vaga, na suíte, mas era 700 reais a mais do plano. Eles deixam a suíte livre porque sabem que tem que pagar a parte, e eles sabem que mulher em trabalho de parto vai querer ser internada, nem que for pra pagar. Aí ela falou ‘tem que deixar o cheque preenchido agora, ou dinheiro, a gente não passa cartão’, e eu fiquei ‘gente eu to em trabalho de parto’. Eles querem receber antes. ‘ah, mas o bebê dela é de menino. A suíte dela é de menina, porque é rosa’. Na hora eu ri né, de raiva. A menina que estava me atendendo, a recepcionista, falou que não ofereceu por isso. Eu não acreditei no que eu
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ouvi. Pensei que estavam brincando com a minha cara. Eu to aqui gritando, parindo e você falando que não me falou que tinha uma suíte vaga, que eu tinha que ir embora e procurar outro hospital porque a suíte era de menina. Paguei mil reais pro pediatra também, além do plano, por causa da suíte. Quando muda a acomodação, você paga a parte. Estou entrando com uma ação pra reembolso. Porque o plano é obrigado a reembolsar. Se não tem acomodação, o plano tem que oferecer uma acomodação superior, não cobrar. Do pediatra eu vou tentar também, mas não sei se eles vão aceitar porque tem que ter nota fiscal, e ele não deu recibo. Inclusive as cesarianas que são feitas pelos médicos humanizados é diferente. O atendimento à mulher é diferente. Eles desligam o ar condicionado, baixa a luz na hora de tirar o bebê, pra luz não ir no bebê, soltam as mãos da mãe, o bebê pariu ali de dentro dela, ele já deixa ali no peito, o tempo inteiro. Não precisa levar pro berçário, deixa ali. A Clara ficou muito pouquinho, uns 5 minutos, nem isso. Ela veio, mas foi muito rápido. Poderia ter deixado. E na sala de recuperação, que é onde deixam após a cirurgia, eles podem deixar o bebê ali com a mãe, e o pai junto. ‘ah mas a mãe tá anestesiada, o bebê pode cair’. Tá, por isso que o pai pode estar junto. A cesariana feita, se necessária inclusive... Acho que as mulheres estão se privando de ter um momento tão poderoso delas, é uma coisa tão incrível, elas se privam, por medo, por influencia da mídia, da sociedade, de tudo né. As pessoas gastam absurdos com festas, com aniversários, mas não querem gastar com nascimento do próprio filho. Esse é momento mais importante da vida delas, não é o casamento, não é... o filho é algo especial, sabe. Não é o primeiro ano de vida daquele filho porque ele vai fazer muitos anos de vida, é o nascimento. Não é um momento só do bebê, é seu. Esse momento não vai voltar. Então assim, se informe. Não fique naquela ilusão do consumismo de enxoval, carrinho mais caro. Não, o bebê precisa de um mínimo de conforto, o conforto está ali na mãe. Acho que deveria haver um suporte maior pra mulher que passou pela violência, pra poder fazer a denúncia. A mulher está com um recém-nascido, ela passa por um puerpério, pode ter depressão pós parto... O bebê está ali, super frágil, ela está fragilizada. Pra ela se deslocar, sem contar que muitas não tem condução, não tem como sair de casa... Ainda tem mães sozinhas, mães solteiras, e eu fico imaginando até pra
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elas como é mais difícil pra pessoa ter que se deslocar e ir até um Ministério Público, até outros lugares e ‘ah, então tá, você tem que voltar amanhã, tal dia’. Então assim, eu acho bacana que houvesse um atendimento domiciliar pras mulheres. Acho que seria incrível, a mulher ligar, falar o que aconteceu, e uma pessoa só. Ir a residência dessa mulher. Acompanhar esse puerpério. Saber o que aconteceu. Dar uma assistência, sabe. Porque as vezes ela não tem nem da família. Eu ainda tenho meu marido que se informou, minha mãe... Que também teve violência obstétrica. Ela se informou muito durante a minha gestação. É complicado pra quem não tem esse apoio nem dentro de casa. Muitas não sabem o que é baby blues. Eu tive um parto dos sonhos com o Caetano, mas tive baby blues. Você está feliz com seu bebê, mas só quer chorar. Como uma mulher dessa vai sair de casa, pegar transporte publico, pra ir atrás com um bebe recém nascido no colo? E aí chegar num lugar tipo ‘ah? Que que é violência obstétrica?’ Eu pensava nela. Eu sentia impotente. Tudo que você quer é estar com o bebê. Você esperou 9 meses pra ver a cara do bebê. E você tá ali longe, não viu nem direito o rosto do bebê. Você quer por no peito, você quer pegar, quer cheirar. É animal isso, é instinto, né. E você não pode. E você está ali, sem conseguir levantar, você fala, ninguém tá te ouvindo, você se sente totalmente impotente. Como se você não tivesse voz, nada. Não sente nada. E as pessoas naturalizam isso. Não é assim mesmo não. As pessoas acham normal aspirar um bebê, aplicar um colírio. Aspiração é só se for necessário, se o bebê não estiver respirando, uma obstrução, alguma coisa, não tem um porquê.
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Entrevista 3: Aparecida Gonçalves – Consultora, ativista e Ex-Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher nos Governos Dilma e Lula Data: 29 de novembro de 2016
Aparecida, fale um pouco de você, sua trajetória profissional... Então, eu sou Aparecida Gonçalves, sou professora do magistério, fiz Publicidade e Marketing e sou do movimento de mulheres já há alguns anos, né, aqui em Mato Grosso do Sul. Eu fiz parte do movimento popular de mulheres (ver se tem sigla), fiz parte da central de movimentos populares em âmbito nacional, fui da Coordenadoria da Mulher do governo Zeca, de 99 a 2000, praticamente 2001, 2002, e quando o Lula ganhou as eleições em março, eu fui pra Brasília então ser Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher, e saí agora com a presidenta Dilma, em maio deste ano. Fale um pouco desse período em que você foi secretária nacional, das propostas com as quais você lidou durante esse tempo. Na verdade assim, foram 13 anos, muito tempo e muita coisa, na verdade. Primeiro foi chegar em 2003, ver o que tinha, pensar quais estratégias pra serem adotadas, considerando que nós não tínhamos uma política nacional. Você tinha em cada estado e em cada município uma realidade pra atender as mulheres em situação de violência. Então, eu fui lá pra trabalhar a questão do Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. Em 2003 foi um período pra gente criar a Secretaria de Política para as Mulheres, instituir, pensar quais as estratégias e quais seriam os pontos fortes de luta e de política a ser implementada. Por isso em 2003 a gente definiu que não era possível você elaborar e pensar políticas se você não tivesse um plano nacional, então foi quando a gente deliberou de ter as conferências nacionais de política para as mulheres, e a primeira se realizou em 2004. Então, enquanto a gente organizava a conferência, você fazia um debate com o movimento de mulheres, com a população sobre quais eram as políticas prioritárias a serem implementadas nos anos de governo que nós ficamos. Então, foi isso que a gente foi construindo. Então tivemos a primeira conferência em julho de 2004, e a partir daí nós tivemos o Plano Nacional de Políticas Para as Mulheres, no Plano Nacional, a gente tinha o Eixo 4, que era o Eixo de Enfrentamento à Violência Contra a Mulher.
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Tinha o Eixo 1, que era a questão da Autonomia Econômica das Mulheres, o Eixo 2, que era a questão dos Direitos Sexuais e Reprodutivos e o Eixo 3, que é uma Educação Não Sexista e o Eixo 4, que era do Enfrentamento à Violência Contra a Mulher. Então, essas são as bases pra gente pensar toda a política. E de lá pra cá, nós montamos uma estratégia no Enfrentamento à Violência; em 2005 nós começamos um debate com o movimento de mulheres sobre a implementação da Lei Maria da Penha, que a política nacional, que que a gente pensou, você tem que ter quatro eixos estruturantes de uma política nacional de enfrentamento: a prevenção, o atendimento, o combate à impunidade e a garantia de direitos. Esses são os quatro pilares que nós fomos traçando pra política. Então em 2005 a gente criou a Central de Atendimento às Mulheres e fizemos, instituímos um grupo de trabalho pra pensar a lei Maria da Penha, em 2006 veio a lei Maria da Penha, em 2007 veio o Pacto Nacional, e 2013, nós tivemos então o Programa Mulher Viver Sem Violência e em 2015 nós tivemos então a lei do Feminicídio, e foi mais ou menos esses marcos que foram tendo, fora o dia-a-dia, o cotidiano, de implementar uma política. Você considera as leis que regulamentam as leis dos direitos das mulheres eficazes no combate à violência contra a mulher? Mais ou menos. Na verdade, eu acho que as leis são boas, o que não é eficaz é a estrutura governamental que nós temos. Na verdade, o grande problema que nós temos no Brasil é que o Estado Brasileiro, e o Estado é composto por pessoas de diversas instituições... Governo Federal, Governo Estadual, as Prefeituras, o Poder Judiciário, Ministério Público e a Defensoria Pública... O Estado não está preparado pra atender as mulheres. Então você vai ter uma Lei Maria da Penha que diz todos os serviços que tem que ter, com as ações do atendimento e a metodologia do atendimento, e você não tem serviços especializados em 10% dos municípios. Então, e os profissionais que trabalham nos serviços gerais despreparados para atender as mulheres. Despreparados não, com preconceito, na verdade. Porque se atende qualquer outra coisa, poderia atender violência contra a mulher. Então assim, eu acho que nós temos leis que são boas, que são capazes de dar o atendimento, que nós temos uma técnica, por ser a questão do aborto legal, nós temos a questão da violência sexual, se nós conseguirmos alterar o Código Penal, né, pra ampliar a questão da violência sexual, a questão do estupro... Nós temos a lei Maria da Penha, temos a lei do Feminicídio, nós temos várias leis que elas se
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complementam entre si. Porém, nós não temos um Estado que dê conta de implementar essas leis. Então, pra mim, nós temos leis boas, temos que avançar em algumas coisas, por exemplo, a lei do Feminicídio, não passou do jeito que nós queríamos. Nós queríamos que fosse com a questão de gênero; o Congresso modificou de última hora e colocou pro sexo feminino. Então, essas coisas nós precisamos alterar. Nós precisamos regulamentar algumas coisas na lei Maria da Penha, nós precisamos regulamentar algumas coisas que foram alteradas no Código Penal... Porém, nós também precisamos mudar o Estado, porque se o Estado não tiver preparado, você pode ter as melhores leis do mundo, mas ineficazes. Por que muitas leis que regulamentam os direitos das mulheres, elas acabam não tendo caráter punitivo, e de que forma isso afeta a situação da violência? Na verdade eu acho assim, a gente tem uma cultura que é ligada ao machismo, que o que é das mulheres não precisa ser tão bom assim, né? Qualquer coisa serve porque é pra quebra-galho. Essa pouca cultura que nós temos no país pra tudo, inclusive pro serviço público, então o serviço de saúde é feito para as mulheres sem acompanhantes, dos homens, dos filhos, mas não pra elas serem as usuárias. Essa é a grande verdade. Então, elas não são vistas pelo poder público como as usuárias dos serviços. Acho que essa é uma primeira questão. A segunda, no próprio sistema patriarcal e machista, que que eles colocam que é o papel das mulheres? Que as mulheres são submissas e segunda categoria. E, portanto, é dessa forma que é visto. Então, o que é punitivo para o homem, para as mulheres não vai ser. Tanto que na lei Maria da Penha, pra gente passar há 3 anos, foi muito difícil. Porque aí você vai ter a discussão da questão dos direitos humanos, “ah, mas agora que tá avançando a discussão dos direitos humanos, de diminuir o sistema penal, vocês querem aumentar o sistema penal?”, não, nós queremos que as mulheres alcancem o sistema penal. Então você tem um grande vácuo entre o que está no sistema punitivo hoje existente e as mulheres. Então o que nós precisávamos era fazer esse avanço. Porém, foi muito difícil, tanto que nós só conseguimos colocar 3 anos, na lei do Feminicídio, a grande resistência que se tinha tanto da área de direito quanto dos próprios congressistas, era que nós íamos aumentar, a gente ia terminar dobrando a pena do cara que cometeu o feminicídio, mas é isso mesmo que nós queremos. Ele assassinou, ele violentou sexualmente, ele
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tirou os olhos, ele tirou a vagina, ele tirou o seio e ele vai receber a mesma punição do cara que deu um tiro? Ele deu 54 facadas. Então você vai ter de uma dicotomia de que as mulheres são cidadãs de segunda classe, e portanto, não precisam do Estado, e do outro, a linha que eu gosto; que eu acho que nem tudo se resolve com punição... Eu não acho que a punição é prisão, tá? Quando eu defendo o aumento de punição, em nenhum momento eu estou defendendo que os caras vão pro presídio, porque o presídio não resolve o problema de ressocialização. O que eu estou discutindo é que nós precisamos ter efetivamente uma maior punição pra que de fato, e não é punição, é responsabilização, pra que de fato não cometa mais. E que tem que ter o nome sujo, seja lá o que for, seja o hospital, ou o agressor, porque a história do bom pai, né? Bom marido, vai na igreja, reza, canta... Atende bem todos os vizinhos... Acho que essa é a concepção que se tem. E para as mulheres... É a grande ideia. Por exemplo, você... A questão do parto... Humanizado, acompanhamento... O que é que a sociedade termina autorizando? A sociedade autoriza o seguinte, se o marido ficar com ela, como é que fica o trabalho? Ele trabalha. Então, a sogra? Tá com os filhos. Então ela pode ficar sozinha, não precisa de acompanhante, não se exige... Então da justificativa de estrutura familiar e não sei o quê, então quando precisa, ninguém pode, e quando ninguém pode, a sociedade e os poderes e as instituições e serviços terminam fazendo o mesmo discurso que o sistema coloca pra nós. Você vê, de certa forma, uma ligação entre a violência obstétrica e a violência contra as mulheres de forma geral? Eu acho que tem uma ligação, mas é uma ligação meio subjetiva. Na verdade, a grande ligação é o machismo. É o sexismo que está imperado, porque veja bem; você vai ter uma sociedade que diz que o papel da mulher é ser mãe, e quando ela vai ser mãe, essa mesma sociedade, através dos hospitais, através dos seus órgãos institucionais termina violentando ela. E a violência é uma cultura... A violência contra a mulher é uma cultura de que a mulher tem que ser submetida a todas as formas de tortura, e tudo mais. Então, a ligação que tem tá dentro de uma cultura machista que acha que a mulher tem que apanhar, que tem que ser castigada, que tem que ser tratada como criança, né, porque na verdade é bem isso. Quando você vai ver os depoimentos dos agressores, tanto nas DEAM quanto nos juizados, é assim “ah, mas eu só queria fazer
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um corretivo”. E no hospital é a mesma coisa. “Não fez o filho?”, é uma punição por ter tido uma relação sexual. Na verdade, a grande questão da violência obstétrica ela está na história da questão da sexualidade da mulher, né; que é proibida pela sociedade e pelos profissionais, no caso, pessoal que trabalha... e se é um caso de aborto, é pior ainda. Como você vê a relação entre esse desprotagonismo do parto e o fato da mulher desconhecer seu próprio corpo, da diminuição da sexualidade da mulher? Eu acho que são elementos que se cruzam, porque primeiro: você vai ter uma sociedade que condena o erotismo da mulher, mas ao mesmo tempo, bajula, porque na verdade, você vai ver as propagandas da televisão, você vai ver o que pensam aquelas loiras, de corpo lindo, maravilhoso, Gisele Bundchen, ou qualquer coisa assim... Então assim, de um lado você tem a idolatria pra um certo tipo de questão da sexualização do corpo da mulher, e de outro lado, para as santas, a punição. Desde criança você já cresce... “Fecha as perna, menina! Não mostra a bunda. Não corre. Não faz isso”, então você vai ter uma série de outros itens que você vai ter para as mulheres. Então você vai terminar com isso educando ela pra não ter conhecimento do seu corpo e pra não sexualidade. E pra casar, pra casamento, né, a relação sexual tem que ser pro casamento, pra ter filhos. Que é algo que a igreja coloca. Seja a igreja católica ou esse bando de igreja fundamentalista que nós temos hoje no Brasil e no mundo, na verdade. Então assim, isso faz com que a gente tenha no coletivo geral da população, uma imagem da mulher. Então se a mulher tá grávida, vai ter o filho... Ela tinha que ser a santa. Então, pra ela ser a santa, tinha que ser como a Virgem Maria? A mulher não ter nenhuma relação sexual? Então, o que ela tá sendo condenada no ato da violência é o exercício da sexualidade dela. Essa é uma coisa. E a outra, é porque de fato, as mulheres não conhecem o corpo. Na maioria das vezes do primeiro filho, ela não sabe nem como é efetivamente a gravidez. E no Brasil, nós estamos... Nesses 13 anos se trabalhou a questão do parto seguro, a questão do acompanhamento do pré-natal, mas nós ainda temos muitas mulheres que não vão fazer o acompanhamento do pré-natal. Portanto, não tem nenhuma informação. E o sistema de saúde, em nome de dizer que tá cheio, ele não usa o seu tempo pra orientar efetivamente as mulheres sobre o que que é seu direito, que que é o seu corpo, que que é a gravidez, que que é a dor que sente... Porque as
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mulheres perdem o controle na dor. Então, na verdade, pra mim, a junção das duas violências é o fato de ser mulher, questão de gênero. É única e exclusiva. Como você vê os novos movimentos feministas surgindo em relação à luta dos direitos das mulheres? A relação da visibilidade, da mobilização... Eu acho que a mobilização, ela é estratégica. Se você parar a mobilização, no caso das mulheres, a gente para... Nós já vamos, né, agora, a partir desse golpe que nós tivemos aí, golpe mesmo... O golpe que foi dado em maio, nós já vamos ter uma série de direitos, nós já estávamos perdendo, mesmo com o governo democrático popular, nós estávamos perdendo muitas coisas. A lei do feminicídio foi uma perda. Nós não conseguimos aprovar a lei... Nós retiramos da votação a lei do Fundo Nacional pra questão da violência contra a mulher... Por quê? Porque na hora de votar, o grupo fundamentalista queria dizer que o Fundo Nacional podia existir, era um recurso que vinha para a violência contra as mulheres, mas que não ia servir pra questão de serviços de abortamento legal. Você não cria um fundo já discriminando um serviço que é estratégico, que é fundamental para as mulheres que sofrem violência sexual. Aí você tem a questão do aborto legal, aí você tem a questão do contracepção de emergência, você tem... Você tem uma série... Eles excluíram? Eles excluíram. Porque pra eles a pílula do dia seguinte é abortiva... Então, efetivamente, mesmo em um governo democrático popular, o embate com os fundamentalistas, nós estávamos perdendo nos últimos 2, 3 anos. Todos os embates dentro do Congresso nós perdemos para o fundamentalismo. Então, acho que... E agora, piorou, porque agora nós vamos ter um Crivella no Rio de Janeiro, um Dória em São Paulo, então, a conjuntura política nos coloca enquanto mulheres numa situação muito complicada. Porque vai ser perda de direitos. Então as manifestações e as organizações das mulheres elas são estratégicas. Então esse movimento que veio principalmente que começou na época do projeto de lei do Cunha, né, 5069, que as mulheres foram pra rua, que elas começaram a discutir o Fora Cunha, porque o Fora Cunha quem trouxe foram as mulheres, foi a partir de mulheres, né. Depois a ocupação das meninas nas escolas, né, então você vai ter um movimento que efetivamente está lutando com força pra não ter tantas perdas. E ele é fundamental e estratégico, porque sem ele nós não vamos...
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Porque o que se quer é o conceito, né, que a Veja falou da Marcela Temer, né, “bela, recatada e do lar”. É esse o papel que eles querem para as mulheres. Mais especificamente voltado pra Campo Grande, Mato Grosso do Sul... Como você vê esse avanço de políticas públicas pelo enfrentamento da violência contra a mulher? Como a criação da Casa Brasileira em 2014, que análise você faz pro nosso município? Eu acho que a Casa é estratégica. Eu acho que a Casa foi um projeto que nós pensamos em 2013, no programa Mulher, Viver sem Violência (confirmar nome), avaliando toda a política nacional. Qual era o grande desafio que nós tínhamos na política? Num primeiro momento, ter a garantia das mulheres ao acesso à justiça. Que veio com a Lei Maria da Penha, mas que foi muito difícil a gente discutir pra dentro do sistema de justiça, a criação dos juizados especializados, a criação de defensoria, de promotoria... porque isso é uma necessidade. As mulheres chegam na delegacia, e da delegacia, ia pro TCC (ver sigla) e pra negociação. E muitas vezes, o que que acontecia? A punição era uma cesta básica. Então, a mulher saía da própria boca da família à condenação do cara. Então, a lei Maria da Penha traz outros elementos, proíbe esse tipo de coisa, mas você tem que estruturar. Mesmo no lugares em que nós damos conta de ter, que foram principalmente nas capitais, esses serviços, nós demos conta que nós perdíamos a mulher no meio do caminho. Mesmo tendo os outros serviços especializados, nós perdíamos. A mulher ia na delegacia especializada, mas dificilmente ela chegava no juizado. No centro de referência de atendimento psicológico, pior ainda. Então, quando nós íamos ter notícia dessa mulher, nós já tínhamos pelos jornais. Ela morta. Então nesse sentido, a Casa da Mulher Brasileira veio na perspectiva de fazer a integração. Então, ao invés da mulher ir em todos os serviços, todos os serviços no mesmo espaço físico a serviço dessa mulher. Então, eu acho que isso é um grande avanço do atendimento das mulheres. Campo Grande foi a primeira que recebeu, a primeira Casa, efetivamente. Tá sendo mais de cem mil atendimentos. Agora só a Casa da Mulher Brasileira não dá conta. Nós precisamos ter mais delegacias, nós precisamos ter mais serviços, nós precisamos que a equipe dos Cras e dos Creas (confirmar sigla) estejam preparados pra atender essas mulheres... Então você tem que ter uma estrutura de rede de atendimento muito forte pra dar conta. Mato Grosso do Sul tem 12 delegacias
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especializadas... Tem uma série de serviços que já vem há algum tempo. A discussão que nós temos que fazer é: como é o atendimento? Porque não basta você ter os serviços. Porque também você integrar os serviços e mandar pra aquele serviço, as pessoas com fama de castigo, também não resolve. Então assim, é um processo que tem que ser construído. Então assim, no meu retorno ao Mato Grosso do Sul, eu tenho entrado muito pouco no debate e na discussão do que são as políticas e como elas estão acontecendo aqui. Mas efetivamente, nós temos, assim, pro tamanho da população, nós ainda precisamos de mais centros de referência, nós só temos uma Casa, né, pra uma população de quantos mil habitantes? 800 mil, em Campo Grande. Se você for pegar o estado, 2 milhões e pouco. E você só tem uma Casa Abrigo em Campo Grande, não cobre nem Campo Grande, imagina o interior. Então você tem ainda uma série de demandas que tem que ser pensadas. Você considera o estado de Mato Grosso do Sul, de certa forma, mais patriarcal do que os outros, pela relação do agronegócio? Eu acho que cada estado tem um método de usar o seu patriarcalismo, sabe. Correndo esse país, vendo esse país, eu não diria que é mais patriarcal. Agora, eu diria que tem uma cultura mais ruralista, né, mais de boi. Então assim, o boi vale mais do que a mulher aqui. Então assim, isso pra mim é muito forte. Então você vai ter aí essa cultura e tudo mais. Mas assim, por um outro lado, você vai ter no Norte uma outra cultura, que não é a do boi, mas que também estupra. As mulheres lá, a violência sexual é altíssima. Roraima agora subiu pro topo de assassinatos de mulheres. Então, você vai ter... Cada estado tem a sua realidade, e eu sempre digo o seguinte, não existe um estado mais violento que o outro. Cada um tem a sua forma. Você não pode dizer que porque o Mato Grosso do Sul está no primeiro ranking de ligações do 180, ele é o mais violento. Porque ele pode ter o maior número de ligações lá e a maior violência dele ser a violência doméstica familiar. Você vai ter o Amazonas pra violência sexual. Você vai ter Roraima com assassinato. Então você vai ter vários estados no topo das diferentes tipos de violência. Fazendo uma análise geral em relação aos casos de violência ao longo dos anos, você acha que teve um aumento do número de violências ou de denúncias?
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Eu acho que teve um aumento na denúncia. Na verdade, na medida em que você vai criando mais serviços e você tem uma legislação, a partir de 2006, que é uma legislação que tem 100% de conhecimento, que você vai ter o aumento de juizado, que você vai ter uma série de criação de serviços especializados, dá mais segurança pra mulher fazer a denúncia. Então ela vai denunciar mais, ela sai mais pra fazer a denúncia. Então eu acredito muito nessa possibilidade. E a segunda é que com a Lei Maria da Penha, foi um grande momento inclusive pra imprensa falar mais. Então você vai ter uma imprensa que todo dia, pro bem ou pro mal, não vou discutir mérito, pro bem ou pro mal, mas todo dia você tem uma imprensa que está falando da lei, que está falando dos serviços, se funciona, se não funciona, mas tá falando. Então, efetivamente, eu acho que a gente teve as duas coisas, eu acho que teve um aumento de denúncia e uma maior visibilidade a partir de alguns meios de comunicação que não tocavam nesse assunto. Aparecida, por que às vezes é tão difícil para a mulher identificar a violência que ela sofre? Porque ela acha que é normal, né. Ela viu a vó, a mãe... Assim, as pessoas vão falando que é normal, então, acho que essa é uma primeira coisa. Então acho que... A segunda, que eu acho que é menos, bem menos, é a história da vergonha. Eu não acho que o maior problema de não denunciar é a vergonha. Eu acho que os dois primeiros é, a questão de ser normal, o medo, a questão do medo faz com que as mulheres não denunciem, não falem com ninguém... Medo que apanhe mais, medo que chegue nos filhos, medo de ser assassinada... Essa pra mim é a grande... O grande desafio. Então, fazer com que a mulher supere o medo, e por isso ela ir no serviço (de atendimento) é importante, porque pra ela ter passado por todos os medos pra chegar, ela tem que ser muito bem acolhida. Então pra mim, é um pouco isso. E com isso, com esses elementos, ela vai se encolhendo, se recolhendo. Então ela vai perdendo amigos, vai perdendo família, contato com a família, e portanto, vive ela, a violência e o marido. Em relação à violência obstétrica, como você enxerga isso? Eu acho que vem pela própria pose dos médicos, né, porque as mulheres, geralmente elas são as mais pobres. As que sofrem violência obstétrica, não são as ricas. Porque as ricas estão nos grandes hospitais e tudo o mais. A grande maioria que sofre violência obstétrica são as mulheres pobres. Não que não tenha nos hospitais ricos, mas
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a grande maioria são as pobres. Que são humilhadas, que são... Né. Porque as ricas geralmente o obstetra é o amigo do marido, é o marido da amiga dela, né. Então assim, são as pobres. Eu acho que tem, na maioria das vezes, essas mulheres não conseguiram ter acesso à educação, e se tiveram, também, tem a história do doutor, advogado, médico é Deus, né... Se eles não são, eles têm certeza que são deuses. E portanto é com essa arrogância que eles falam com a população. Na hora do parto é isso. É essa relação. Então elas não falam, elas sabem que estão sofrendo violência, elas não denunciam por medo, e até porque elas ficam pensando “e se a gente precisar dele depois, que que ele vai fazer?”. Então, da dependência do cara, porque depende do Sus, depende do serviço público, e aí esse mesmo profissional que vai estar lá. Então assim, tem todos esses elementos pra fazer com que a mulher fique quieta. Eu acho muito difícil, muito difícil, que uma mulher que sofra violência obstétrica, não perceba que ela está sofrendo violência. Ela percebe, ela se cala. Essa é a grande questão. Você acha que deveria haver alguma mudança em relação às políticas públicas voltadas pra violência obstétrica? Eu acho que a gente tem que reeducar os nossos profissionais e eu acho que o profissional que violentar na hora do parto, ou na hora do aborto legal, ou qualquer coisa assim, tem que ser cassado, não pode estar trabalhando... Cassado não cassado registro médico, mas não pode estar trabalhando no serviço público, não pode ser funcionário público. E eu acho, que na verdade, eu sei que ninguém gosta, mas eu acho que tinha que ter o acompanhamento das doulas, porque isso também ajuda a mulher, ajuda... e também tem uma observação dos médicos. Das doulas ou de parteiras dentro do hospital, porque isso também dá um outro nível de confiança pra mulher de intimidação pro profissional que usa de violência. Em relação a essa violência verbal que acontece dentro dos hospitais, você acha que falta uma formação mais humanizada dos profissionais de saúde? Ou você acha que é mais uma questão cultural dessa forma de inferiorizar o tratamento em relação à mulher? Como você vê isso? Eu vou te dizer, Letícia, o que eu passei falando, 10 anos no Governo Federal, quando eu era secretária. Agora eu não sou mais, mas eu vou continuar falando. Eu sou contra a gente investir tanto em dizer que nós precisamos formar e qualificar funcionário
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público. Funcionário público, quando passa no concurso, ou quando é contratado comissionado, ele tem que seguir a legislação nacional. Não é o critério dele, individual, pessoal. Quando... A crença dele, tem que ficar na casa dele. Com os amigos dele, na hora que quiser. Mas no local do trabalho, ele tem que seguir a legislação. Então, portanto, eu acho que o que falta no Brasil é você ter mais processos administrativos contra profissionais que maltratam as pessoas. Seja nos hospitais, seja nas delegacias, seja nos Cras, seja nos Creas, seja onde for. Nós precisamos criar uma cultura no país de dar processo administrativo. Eu dizia, com relação à Lei Maria da Penha, coloca um processo administrativo num delegado que atendeu mal à mulher. Ele não vai poder subir na carreira. Se nós criarmos isso em âmbito geral... Médico a mesma coisa, você cria, a hora que tiver com 25 registros administrativos, não tem jeito, o Conselho de Ética tem que sentar e discutir, tem Conselho de Ética em todas as profissões. Então assim, aí nós ficamos com a ideia, porque nós somos bonzinhos... A esquerda é muito boazinha, né? Então, ela pega e começa a discutir “vamos capacitar, vamos fazer um curso de formação”... Não, querida. Quando ele age daquela forma, ele não age porque ele não tem formação. Ele age porque ele acredita naquilo, ele quer humilhar aquela pessoa. Porque é a síndrome do micropoder. Você sabe o que é a síndrome do micropoder? A síndrome do micropoder é o seguinte: você pega o guardinha da esquina, ele não tem poder pra nada, a não ser pra dar multa e pra apitar. Então que que ele faz? Ele apita. O sinal pode estar verde; ele apita e manda a gente parar. E cria caos no trânsito. Isso é a síndrome do micropoder. Então assim, você tá nesse lugar, porque você tem uma carteirinha de funcionário público e porque a lei do funcionalismo público diz que o funcionário público é idôneo, e portanto ele pode inclusive assinar alguns documentos, requereres, e não sei o quê, então ele se sente todo poderoso pro outro que precisa dele. Mas a mesma lei do funcionalismo público, ele diz que se você tiver muita reclamação, você tem que ser punido. Então o que que acontece no Brasil? No Brasil, a gente fica passando a mão na cabeça dessas pessoas, e aí essas pessoas vão crescendo. Se fez, a primeira vez, não teve reação, a segunda não teve reação, a terceira não teve reação, na trigésima, minha filha, virou um processo natural atender dessa forma. “Ah, mas tem muitas horas de trabalho”... Não quero saber, quando decidiu ser funcionário público... O próprio nome diz, pra servir o público. Vai numa grande loja aí e atender mal alguém pra
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ver o que que acontece com você. Você é demitido. No serviço público, a gente quer entender, né. A gente acha que... não. Então, a minha posição, é um pouco isso. Não tem essa questão de “ah, tem que formar”... Não tem. Funcionário público entrou... Se não é médico, não sei o que, que já teve formação acadêmica, quando qualquer um passa no concurso, ele tem uma semana de formação, que é exatamente pra dizer qual é a função dele. Então assim, eu não sou uma pessoa... E digo porque se a gente for pensar, o que nós investimos de recurso, o Ministério da Saúde, o Ministério da Justiça, Secretaria de Política Para as Mulheres, Ministério do Desenvolvimento Social, em capacitação de profissionais, nós capacitamos três vezes todos os profissionais do Brasil em nível de recurso. E continua tudo do mesmo jeito. Então pra mim ó, é punição. Eu, agora que estou com uma empresa, se chegar uma denúncia, eu vou pra cima. Vai ter que responder. Vai ter que responder. Responsabilização. Ponto. As instituições dos direitos humanos e as instituições do atendimento de mulher, o movimento feminista tem que começar a aprender a processar esses profissionais. Por quê? Porque na hora que tiver que responder, vai ter... Porque com vinte, você já pode pegar o cara e expor publicamente, porque ele não expõe a mulher lá? Então eu acho que pra mim, a nível da tolerância, do “vamos educar, vamos formar”, vai formar como? Você vai colocar o ignorante duas horas sentado... Ele vai sair de lá com mais raiva, e com mais raiva ele vai maltratar a mulher. Então, é um pouco isso na minha avaliação. Tem que ter aptidão, tem que lutar os critérios, por exemplo... Você vai trabalhar... Você vai ser obstetra... Você vai fazer um teste de vocação pra ver se é isso mesmo, entendeu? Pra não ter que maltratar a mulher. Delegado... Você tem interesse em trabalhar na Delegacia da Mulher? Se não tiver, meu filho, não vai... Você tem que começar a limitar juiz... Você não pode botar um juiz por idade, né. Porque ele tem mais tempo de juiz, aí ele pode ir pro Juizado de Violência Contra a Mulher... Só que o cara já matou... Mas ele é juiz da Violência Contra a Mulher. Então você tem que... Na verdade, nós temos que começar a criar os fatos e os fatos têm que ser de denúncia e jurídico pra que a gente possa mudar a lei do funcionalismo público.
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Entrevista 4: Camila Zanetti – Representante da Artemis e da Parto do Princípio Data: 5 de dezembro de 2016
Meu nome é Camila Bruna Zanetti, sou jornalista, sou mestre em Direito Público, fui professora docente por 4 anos, hoje eu sou representante da Artemis aqui em Mato Grosso do Sul, que é uma ONG feminista que atua no combate a todos os tipos de violência contra a mulher, em especial a violência obstétrica. Também sou representante da Parto do Princípio, que também é uma rede de mulheres autônomas, que também atua nessa contextualização da influência de políticas públicas para a melhoria da saúde reprodutiva e saúde da mulher, e no combate à violência obstétrica... E sou empresária e sou mãe. O que é a violência obstétrica? Violência obstétrica é a apropriação dos sistemas reprodutivos da mulher. Ela é a apropriação através da violência psicológica ou da violência física, dos processos naturais de reprodução da mulher. Ela pode acontecer em vários processos, em várias etapas desse processo reprodutivo, pode ser antes dessa gestação acontecer, pode ser durante um abortamento, pode ser durante o pré-natal, pode ser durante o processo de parto, pós-parto ou nascimento. Você pode me falar um pouco sobre as leis que regulamentam o direito da parturiente? Existe a lei mais conhecida, a Lei do Acompanhante, né. É uma lei que trata, desde 2005, ela foi regulamentada antes disso, mas a última atualização dela foi de 2005, que preconiza que a gestante deve ter assistência, deve ter uma companhia durante toda a sua assistência ao parto. Então, durante a sua permanência na maternidade, no préparto, durante o parto e no pós-parto imediato, ela tem direito a um acompanhante, seja ele homem, mulher, seja... Tem que ser alguém da escolha da gestante. Com relação aos direitos relacionados à violência obstétrica, a gente tem as legislações mais amplas, dentro do próprio Código Penal, a questão da violação corporal... O Código de ética médica, que preconiza que não haverá intervenções desnecessárias ou intervenções que não estejam, com as quais o paciente não esteja acordado... Quer dizer, tem que concordar com as intervenções a não ser que haja um risco de morte. E outras
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legislações que não são leis especificamente, mas regulamentações, portarias do Ministério da Saúde... Existem diversas portarias do Ministério da Saúde, ao longo desses últimos seis anos... Todos os anos têm portarias novas que falam sobre novas regulamentações que abordam a questão da forma como a mulher deve ser atendida, e tudo que contrariar essa regulamentação, a gente pode sentir o cheiro de violência, né. Porque começa com regulamentações que falam da ambiência hospitalar... Então, como que tem que ser um hospital? Como tem que ser uma maternidade? Ela tem que ter uma sala PPP, uma sala de pré-parto, parto e pós-parto... Que é o ideal. Ou seja, a mulher entra na maternidade, ela não vai ficar zanzando entre centro cirúrgico e sala de parto, sala de pré-parto, sala de pós-parto... Não, ela vai ficar num lugar só e ali ela vai passar por todo o processo de trabalho de parto, vai ganhar o seu bebê e vai ficar com o seu bebê nos primeiros 40 minutos de vida do seu bebê ou até duas horas. Esse é o modelo ideal, porque é o modelo que favorece o processo natural do parto, a mulher não tem que se deslocar de um local para o outro.... Isso ajuda para que ela tenha uma boa vivência do parto e também no seu processo fisiológico... Muitas vezes, o ambiente hospitalar é um pouco... Um pouco não, é muito assustador. Ele é um ambiente, no qual, assim que você entra, você perde as suas roupas, você perde a sua autonomia de beber e comer, você perde a sua autonomia de ir e vir... Você perde o seu telefone celular, porque a Cândido Mariano estava até proibindo o uso de celular esses dias... Então, você perde a sua autonomia, é como se você entrasse num presídio. Então, toda a sua autonomia vai sendo retirada pelos profissionais da saúde, que estão ali, envolvidos, que estão mergulhados nesse ambiente no seu dia-a-dia... É um ambiente que pra eles é muito habitual, muito comum, rotineiro, como se fosse sua própria casa, mas pra mulher que nunca entrou numa maternidade, e que pela primeira vez, e no dia mais importante da sua vida, tá entrando, e ainda por cima está passando por um processo de trabalho de parto, que é um processo que devido a nossa cultura que retirou essa força dos processos naturais da mulher, de gestar, parir e amamentar... Ele é um processo assustador; então, a maioria das mulheres tem muito medo do trabalho de parto, elas têm medo, elas têm medo do que elas vão sentir, elas têm medo do que vão fazer com o seu filho, elas têm medo que seu filho vai morrer, a qualquer minuto... Então, tudo isso, pede para que a gente tenha um cuidado, para que os gestores públicos tenham um
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cuidado na hora de organizar essa ambiência hospitalar; que ela tenha mais cara de casa, que os quartos sejam mais aconchegantes, que seja um ambiente mais acolhedor... E agora a gente teve umas melhorias na Santa Casa e isso é uma coisa que ainda tem uma resistência, né. E aquela questão toda de que “não, você tem que parir aqui, você tem que parir em cima da cama de parto, e só aqui”. Se a mulher tiver vontade de parir no meio do corredor, ela não pode. Isso é retirar da mulher a autonomia dela, porque é muito difícil você controlar um processo que é totalmente fisiológico. Você não consegue controlar o próprio parto. Você consegue controlar a dor do parto. Você consegue controlar a vivência dele, se as pessoas a sua volta estiverem colaborando. Agora, se tiver alguém falando pra você, que você não pode gritar, que você não pode parir ali, que você tem que parir de tal jeito... O processo de parto vai ser ruim. Então, a gente tem uma portaria específica sobre, voltando na questão da legislação, sobre ambiência hospitalar. (procurar portarias) A gente tem portarias específicas sobre como que o bebê deve ser recepcionado ao nascer... Que minimiza as intervenções no recém nascido e favorece o contato pele a pele, então, a gente tem uma portaria específica sobre, que o bebê, ao nascer, não pode ter clampeado o cordão... Ele tem que esperar toda a pulsação acabar... Por que? Porque todo o volume do sangue do bebê fica em transição entre a placenta e o bebê, entre a placenta e o bebê; a hora que corta esse cordão antes do tempo, metade do sangue vai ficar na placenta antes de ir pro bebê. Então, esse procedimento evita anemia no primeiro ano de vida, evita icterícia, favorece os processos de saúde e de fortalecimento desse recém nascido. O bebê deve ir imediatamente para o colo da mãe. Então, ele deve ir pro colo da mãe, tem que ser retirado a roupa da mãe, pra fazer o contato pele a pele, porque antes de tudo somos seres instintivos, animais e é preciso fazer esse contato pra oferecer a oportunidade que se chama de imprinting, que é o primeiro contato da mãe com o seu bebê, que é o que todos nós mamíferos fazemos. Então, é a primeira lembrança do bebê e vai ajudar nos processos de amamentação e de vínculo da mãe, inclusive na prevenção da depressão pós-parto. Então, tudo isso está regulamentado já, né. Temos também agora, esse ano foi feita uma regulamentação da Agência Nacional de Saúde sobre a questão da cesariana a pedido, que é a meu ver um pouco complexo de ver como um ganho, porque acaba se tornando uma carta na manga para os profissionais que não querem modificar o status quo, da
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epidemia de cesarianas no Brasil. Seria a mãe pedir a cesariana. Porque o Brasil tem essa tradição da cesariana. Nós estamos na luta pra reverter isso e não é apenas uma luta da saúde pública, é uma luta sociocultural. Porque, você falar pra uma família que o parto normal é melhor, é um dilema. Então, ele entender que isso é o melhor para o bebê e para a mãe é muito difícil. A não ser aquelas pessoas que tem uma vontade natural, que desperte em si mesmas essa vontade de buscar informação; quando você tenta fazer o contrário, é muito complicado. É muito complicado tirar a ideia de que o parto normal é risco pro bebê, de que o parto normal gera morte, de que o parto normal vai deixar o bebê com paralisia cerebral... Então tudo isso é muito difícil de tirar. E o que acontece é: a maioria dos médicos sempre, sempre utilizaram a desculpa de que as mães não querem parto normal, de que as mães querem cesariana. Quando em 2014, 2015 veio uma ação civil pública, na qual a Agência Nacional de Saúde foi chamada pra dar satisfação dos altos índices de cesariana nos planos de saúde, saúde suplementar, inclusive essa ação foi iniciada pela Parto do Princípio e pela Artemis também, como colaboradora... A justificativa deles era essa, de que a maioria das mães queriam. Só que o que que acontece, a mãe chega no consultório grávida, de 2, 3, 4 semanas, e ela quer o parto normal; quando chega na metade da gestação, ela muda de ideia, isso tem uma pesquisa naquele dossiê Nascer no Brasil, que prova essa informação. Então, ela foi convencida nesse tempo. Seja pela família, mas principalmente pelo profissional que está fazendo o pré-natal dela. Então, ela foi convencida de que a cesariana é mais segura. E aí ela muda de ideia. E ninguém consegue tirar mais essa ideia da cabeça dela, porque o profissional que ela confia e que tá tratando da saúde dela e do filho dela disse pra ela que isso é o mais seguro. Então, é muito fácil o profissional se cercar dessa justificativa, que é uma falsa justificativa... Porque ele não fez o trabalho dele durante o pré-natal, que é mostrar pra ela o melhor caminho; porque pra ele é mais conveniente ter uma agenda pronta de cesarianas eletivas, agendadas na agenda, do que ele se submeter a surpresa da entrada do trabalho de parto, independente do resultado, se vai ser uma cesariana ou um parto normal, mas aguardar o trabalho de parto; o médico obstetra, principalmente da saúde suplementar, é uma coisa que eles não fazem, que a maioria não faz, com essa nova regulamentação que saiu esse ano, possibilitando que a mulher escolha a cesariana, é muito bom pra eles. Deveria ser bom só para nós, mulheres. Porque eu sou a favor de
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que a mulher tenha autonomia pra decidir o próprio parto, desde que ela tenha sido muito bem informada no processo, e não com falsas informações. Ninguém consegue ser livre pra decidir se você é contaminada com informações erradas. Vai ser levada a um erro, e não a um acerto. Você também não vai ser livre pra tomar sua decisão, você vai estar sendo condicionada a tomar uma decisão por argumentos falaciosos. Então, isso que acontece. Mas enfim, temos essa regulamentação e temos outras que falam sobre a mulher parir na posição fisiológica, que isso é o melhor pra ela... Pra usar as intervenções somente quando necessário... Existem incentivos inclusive financeiros da Rede Cegonha para que as maternidades cumpram determinadas diretrizes diminuindo episiotomia, diminuindo o uso de ocitocina sintética, diminuindo, abolindo um possível Kristeller... O Kristeller é uma manobra mortal que inclusive é proibido em muitos países da Europa. Então tudo isso, já existe uma política pública pra isso, o que não existe é boa vontade dos gestores nem interesse de fiscalização dos estados e dos municípios. Então, a gente tem a faca e o queijo na mão; o que a gente não tem principalmente é preparo humano. Nós temos... Porque tudo que diz respeito à boas práticas de assistência ao parto, que vão gerar uma minimização prática da violência obstétrica, diz respeito à assistência humana. E essa assistência não tem sido feita. Então durante todos esses anos de atuação dentro da violência obstétrica, eu observei isso; então eu participei de diversos seminários, foi feita campanha pela Defensoria Pública, foi feita uma ação civil pública pelo Ministério Público Estadual com a dra. Jaceguara Passos, que depois que ela se tornou procuradora de justiça, se estagnou... Que também foi outra questão que acabou sendo usada apenas pra impulsionar a mídia pra uma instituição, que é o Ministério Público, que não foi levada pra frente... Não tenho nenhum medo de dizer isso. Então, foi abandonada essa questão toda que foi trabalhada anteriormente, e iniciada pela Artemis... Os médicos não vão assistir, eles não participam, só participam aqueles médicos que já sabem o que deve ser feito. São médicos que estão mudando suas práticas ou que já mudaram suas práticas, são enfermeiras mais conscientes, mas as pessoas que estão cometendo violência obstétrica não querem nem saber disso. Porque pra eles é o certo. Então, é como se a gente estivesse numa grande bolha, é muito louco isso, quando a gente fala de violência obstétrica, a gente perceber... Eu acho que daqui 15,20 anos, a gente vai olhar pra trás e vai ver o que que aconteceu com as mulheres e
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vai entender isso como tortura, vai entender isso como crime contra a humanidade. Assim como aconteceu em outras circunstâncias da vida humana, como eram os manicômios, ou como era na década de 80, ainda se acreditava que até os 3 meses, o recém-nascido não sentia dor, por exemplo. Então, os bebês que nasceram antes disso, eles sofriam intervenções, e eles achavam que o sistema neurológico deles ainda não tinha sido desenvolvido suficientemente pra que ele sentisse dor. Então, as intervenções eram feitas, principalmente nos prematuros, sem nenhum tipo de preocupação. É uma coisa absurda hoje, se você parar pra pensar, mas foi um avanço da ciência. E a questão da violência obstétrica, não é apenas a falta de interesse com relação às boas práticas de assistência ao parto dos profissionais. É uma questão de machismo. Assim que o homem entrou na sala de parto, a violência começou a acontecer. E a mulher passou a acreditar que ela não era capaz de reproduzir e de parir com seu próprio corpo. Então, isso é muito nítido, é só você vê a escala entre a medicalização do parto e a violência obstétrica. Ela está caminhando junta, né. Agora que ela está reduzindo porque mulheres, mães, ativistas, doulas estão entrando no universo das políticas públicas pra barrar esse tipo de violência. Não foi pela ação de um homem que isso começou a acontecer, ou pela ação de um médico que isso começou a acontecer. Isso começou a acontecer pela ação das mulheres. Você como advogada, por que a Lei do Acompanhante não tem caráter punitivo e que efeito você acha que isso tem pra eficácia da Lei? Toda lei que não tem efeito punitivo é uma lei dormente. Então, foi uma falha do legislador quando ele criou a Lei do Acompanhante sem um tipo de punição e isso faz com que haja uma demanda mais trabalhosa pra mulher conseguir atingir esse direito, ou seja, ela só consegue ver esse direito acontecer com eficácia ou ir atrás de um dano, se ela ingressar com uma ação civil de danos morais. Porque como ela não é punitiva, ela não pode ingressar com uma ação penal. Como ela não tem nenhuma previsão de multa, ela também não pode ingressar imediatamente contra essa instituição, essa maternidade, pra que ela pague uma multa administrativa de imediato. Então, ela é uma lei que tem muita dificuldade de ser fiscalizada por essa razão e de ser cobrada por essa razão. Uma coisa é você ter uma lei que determina uma multa, que fosse uma multa pecuniária mas se a pessoa faz uma ligação pra Secretaria Municipal de Saúde e fala
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“olha, tal maternidade não está respeitando a lei do acompanhante”, a Secretaria teria a competência de emitir uma multa pra essa maternidade. Mas não existe essa previsão, então dificulta muito a sua eficácia. Qual que é a justificativa pra ela não ter caráter punitivo? Não tem justificativa, foi uma falha no legislativo. Eu nunca estudei a justificativa do veto... Mas é uma falha do legislativo, eu acho que eles não entenderam a redundância que cometeram, né, enfim. Mas é uma coisa que a gente precisa lutar pra reverter, toda lei sem ação punitiva, ela tende a ter muita maior dificuldade de aplicação na sociedade. Como é que você vê a aplicação dela nos hospitais e nas clínicas de Campo Grande? É muito comum, principalmente em assistências de rotina, por exemplo, consultas de emergência... A gestante chegou com sangramento na maternidade, o obstetra dela não está na cidade, ela vai pra Cândido Mariano. É muito comum não deixarem o acompanhante entrar. Extremamente comum. Ou então a gestante vai pro Centro Cirúrgico, pra fazer uma cesariana. Ou eletiva ou de emergência. O Centro Cirúrgico é mais difícil de entrar do que a sala de parto propriamente dita. Porque daí eles falam que tem muita gente, que tem instrumentador, que tem o anestesista, que tem não sei quem, que não cabe... E aí eles não deixam a pessoa entrar. Infelizmente, é rotineiro. Aí, como nós não temos uma política uniforme, nem das entidades privadas que fazem assistência à saúde, como a Santa Casa, Cândido Mariano... e um pouquinho mais, mas ainda complicado nos hospitais públicos – nos hospitais públicos como existe uma rotina mais fixa dos profissionais, eles têm uma rotina, seja lá boa ou ruim, eles têm uma rotina... Já na Santa Casa e na Cândido Mariano, depende muito do plantonista que você pegar, aí depende do plantão que você vai pegar. Então, a gente fica nessa roda viva, uma roda... Você fica numa roleta russa. Quando a gestante vai ganhar bebê, ela depende da sorte. Aí que a gente entra nessa questão do fator humano; se nós tivéssemos uma ação mais consciente das Secretarias de Saúde Estadual e Municipal, no sentido de fiscalizar quem está habilitado para fazer assistência à saúde, já que o serviço público de saúde, ele é controlado pelo setor público, né, ele não é como um comércio, que a pessoa pode fazer, administrar da forma como ela bem entende, né? Ele é um serviço público, um serviço administrativo, ele é um serviço delegado pelo ente
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público para o ente privado realizar porque ele não está dando conta da demanda... Então, as Secretarias de Saúde Estadual e Municipal tem toda a competência pra exigir determinadas formas de atendimento desses setores. Se eles quisessem, eles poderiam fazer isso. Mas como eles se sentem refém... “Ah, se a Cândido Mariano espirrar comigo, não quiserem mais seguir minhas diretrizes, eles não vão mais fazer assistência à gestante, aí vai ficar esse mundo de gestantes sem atender”. Gente, a maternidade não vai fazer isso, ela vive disso. Ela vive disso. Ela não vai parar de fazer assistência ao SUS ou ao setor suplementar, pelo contrário; é questão de falta de gestão. De ter uma gestão mais rígida no sentido de exigir que os profissionais passem por uma reciclagem, façam cursos... Porque eles até oferecem, a Secretaria de Saúde oferece, oferecem até para os médicos irem pro Sofia Feldman, que é o hospital referência em humanização do parto, em Belo Horizonte. Mas os médicos não vão. Então, se fossem impelidos a eles de que, vocês querem continuar tendo contrato nessa maternidade, vocês têm que fazer, se isso fosse feito pela Secretaria de Saúde, pelos gestores... Isso já teria melhorado muito. Muito mesmo. Mas não é, então eles não se reciclam, não existe um envolvimento, não existe uma coerência no atendimento, e aí que a gente entra dentro dessas estatísticas elevadas de violência obstétrica. Por que muitas vezes a mulher não consegue identificar a violência obstétrica? Por conta da cultura. Então, a violência obstétrica, ela não é identificada porque ela acha que tem que ser daquele jeito. As mulheres que frequentam o SUS são mulheres vitimizadas, muitas vezes são vitimizadas dentro de seus lares, que têm parceiros violentos, ou que têm famílias violentas, ou que tiveram bebês há 8, 10 anos atrás e viveram violência, então, aquilo pra elas faz parte do processo do parto... Assim como quando você vai fazer uma cirurgia de apêndice, você sabe que você vai tomar anestesia, que você vai entrar na sala de cirurgia, que você vai tirar sua roupa, vai usar a roupa do hospital... E que depois você vai ficar sem comer um tempo... Você já tem isso na sua cabeça, que se você for fazer uma cirurgia, você vai ter que passar por isso. A maioria das mulheres, quando elas vão ganhar o bebê, elas acreditam que elas vão passar por muita dor, que elas vão ser maltratadas, que elas não vão poder comer e beber, que elas vão ter que ficar deitadas e que elas vão receber o sorinho e que elas vão ter a vagina cortada, que é o famoso pique, episiotomia. E pra elas isso tudo faz parte do processo
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do parto. Elas não conseguem enxergar o parto sem isso. Então, é uma grande ilusão. Quando as pessoas da humanização falam né, que quando você sai da matriz da obstetrícia, você consegue enxergar que isso tudo tá errado. Mas quando você é mais uma mulher dentro de um contexto socioeconômico ruim, dentro de uma vida complicada, financeiramente, socialmente, psicologicamente, sem apoio, com um monte de filho, com o marido violento, com inúmeras coisas... pra ela aquilo faz parte. Então, é uma coisa cultural. E por que você acha que é tão difícil pra mulher denunciar? Nossa, muito difícil... É uma das coisas que me desanimou como ativista, porque todas as gestantes que eu soube que sofreram violência obstétrica, até mesmo dentro de partos domiciliares, eu tentei conversar, tentei convencer, de buscar Defensoria Pública... A Defensoria Pública tá louca por uma denúncia em relação à violência obstétrica, a dra. Thais Dominato, a dra. Grazielle, que são pessoas incríveis também, que estão dentro dessa luta... E nada. Então, a pessoa, ela tem a vontade logo que ela sofre a violência, e aí depois vem a mãe dela, ou o marido, e fala “pra que mexer com isso? Você só vai se estressar, você está com um bebezinho recém nascido... Não, deixa pra lá, já passou, seu bebê tá lindo, forte, saudável. Vamos esquecer”. Normalmente é o que acontece. E aí vem essa questão... Pra mim, são duas. A questão da mulher se empoderar também nesse processo dela não permitir que o corpo dela seja violentado, nem que a sua alma, o seu coração sejam violentados, quando ela sofre violência, seja ela qual for. E a questão da responsabilidade social que cada um de nós tem. Então quando a gente deixa uma denúncia passar, e quando sofremos por algum abuso de autoridade; no caso da violência obstétrica é um abuso institucional, é um abuso hospitalar, da maternidade, dentro de todo esse contexto, é um abuso da instituição, cometido dentro de uma instituição que deveria nos acolher e nos cuidar e nos proteger, quando ela deixa de fazer isso, ela também está sendo conivente com todo esse ambiente, não tem como... Não é questão de “ai você vai trazer mais uma culpa pra mulher”, não é essa a questão. A questão é que sejamos homens, mulheres, idosos, todos nós temos uma responsabilidade social, e a gente precisa enxergar as nossas vivências e essas janelas de oportunidade além de nós mesmos. Porque quando uma mulher deixa de denunciar, ela deixa de evitar que outras mulheres denunciem, não tem
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jeito. Nesse caso específico da violência obstétrica, é isso. No caso da violência individual, doméstica, tem essa questão também? Tem, porque o número dela não vai virar estatística, o Estado não vai ter outra forma de protege-la, porque ninguém soube do caso dela, ela deixou de denunciar. A violência obstétrica é a mesma coisa. Além dela não poder reverter o dano de alguma forma, porque esse dano ela nunca vai conseguir reverter dentro da alma dela... Isso é verdade, assim como um estupro. Mas ela pode reverter provocando a responsabilidade naquela pessoa que provocou o dano nela, naquele médico, naquela enfermeira, naquele gestor hospitalar, ou naquela instituição... Então, ela colaboraria pra que isso amenizasse, por que, o que eu vejo dentro dessa atuação de sei lá, décadas, que existem ativistas há décadas, lutando contra a violência obstétrica e a favor das boas práticas de assistência ao parto, é que se não houve punição, nós não vamos conseguir muita coisa, porque já foi tentado diálogo, já foi tentado campanhas de conscientização... Já foi tentado diversas coisas. Então se os entes públicos e os entes privados, que atuam dentro das instituições de saúde, na assistência à saúde da mulher, assistência à saúde reprodutiva da mulher, não se responsabilizarem, não forem responsabilizados, isso não vai mudar. Porque só vai mudar na hora que doer no bolso, só vai mudar a hora que alguém for cassado, que não seja o Henrique Jones (?), que foi cassado porque fez um parto domiciliar e o bebê veio a morrer, depois, que é uma coisa que poderia ter acontecido no hospital... Mas os médicos que estão cometendo violência obstétrica, que estão fazendo duas episiotomias de 14 cm em cada lado da vagina, e acabando com a vida sexual dessa mulher pro resto da vida dela, não estão tendo seus CRM’s cassados. Se a gente não tiver isso... É uma coisa que realmente vem aí de novo: as mulheres estão sendo tratadas de duas formas, eu vejo. Uma que é dela exigido uma capacidade homérica de se desdobrar em três, quatro jornadas. Então a jornada na família, a jornada de trabalho, a jornada doméstica, a jornada sexual, que ela tem que estar linda e maravilhosa pro seu cônjuge ou pra sociedade... Então isso gera uma culpa muito grande, dentro dela... E ao mesmo tempo que ela é muito forte, ela é muito frágil. Porque ela fica sobrecarregada e inevitavelmente alguma coisa vai dar errado nesse caminho. E de outro lado, a sociedade infantiliza a mulher. Então é a mulher que é frágil, que é fraca, que eu tenho que proteger... Que ela não pode ir atrás dos seus próprios direitos... Que ela é uma coitada, tadinha... Que ela,
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enfim, o que que ela vai saber fazer dela? Deixa ela aí, cuidando do neném, que que ela vai atrás de juiz, imagina... Foro não é um ambiente pra ela. No hospital chamam ela de mãezinha... Tiram o nome dela, a pessoa, o ser! É a Letícia... Eu sou a Camila. Entendeu? Nós somos pessoas, nós temos que ter nome! Não sou mãezinha de ninguém, eu sou mãe das minhas filhas, Stela e Heloisa. Quando você despersonifica essa pessoa, você tira a força dela. Então, tem tudo isso. O Brasil é um país com maior número de cesáreas do mundo. Por que isso acontece? Por todos esses fatores, o primeiro deles é o caminho que a comunidade médica direcionou a assistência ao parto no Brasil. Então, a falta de comprometimento dos obstetras levou a essa elevada taxa de cesarianas. O que que eu quero dizer com isso? Que os rituais obstétricos, eles sobrepujaram a ciência. Então a ciência foi deixada de lado, evidências científicas foram deixadas de lado, e o que acontece com o profissional médico, principalmente quando ele não é da área universitária, é que ele para no tempo. Ele trabalha tanto que ele não estuda mais. Ele faz aquilo todos os dias, assim como a gente come, escreve... Ele faz aquilo em modo automático, ele não para pra pensar no que ele tá fazendo, ele simplesmente faz. Ele tem que fazer. Ele tem que salvar o neném, então ele vai tirar o neném. Ele tem que atender uma gestante, então ele vai atender a gestante. Como que ele vai organizar esse ritmo frenético de trabalho? Ah. Agendar cesariana é a melhor coisa do mundo. Mas ele não vê dessa forma. O que ele vê é o que ele aprendeu lá atrás, lá na escola de medicina. Ele aprendeu que parto normal é ruim. Porque ele viu uma má prática de assistência ao parto, então essa geração de médicos que nós temos agora, fora os jovens que estão se formando agora, no Hospital Universitário... São médicos que viram muita violência. Médicos que viram partos normais serem mal feitos. Principalmente aqui em Campo Grande. Então eles não gostam desse parto, claro que eles não gostam desse parto. É um parto que gerou paralisia cerebral sim, é um parto que gerou sofrimento pra gestante... É um parto que ele não gostou de ver, então ele vai fazer cesariana. Então essa carga que ele levou, de um ensinamento ruim lá na base dele, é que levou também ele a fazer isso que a gente condena, que é uma obscuridade das informações, e a gestante não consegue escolher por si própria. Mas ele também teve isso, então é como se fosse um círculo vicioso. Não consegue sair
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disso. Então, durante a ditadura militar, o modelo de saúde pública brasileiro adotou o modelo hospitalar. Ao invés de adotar pequenos núcleos de assistência à saúde, saúde da família, pequenos blocos... que só foram feitos há menos de 15 anos atrás... Ele adotou o modelo americano, porque os militares adoravam imitar os americanos. Então eles colocaram grandes hospitais, atendendo muita gente, com todos os tipos de especialidade, todos os tipos de equipamentos que você pudesse imaginar. Então esse foi um modelo adotado na década de 70, 60, 70... E o que acontece com isso é que a gestante vai pra um hospital, e lá, ela é muito mais vulnerável do que num hospital que fosse menor, num hospital pequeno, na maternidade pequena, que a gente não tinha até pouco tempo atrás. Então, o que a gente teve, ao longo desses anos, são esses remanescentes que a gente tem aí, são as associações, a Santa Casa, é uma associação, a Cândido Mariano é uma associação... Porque a gente não tinha um grande hospital público em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Então a iniciativa privada criou uma associação pra poder socorrer as pessoas que não tinham pra onde ir, entendeu? Então esse modelo hospitalar dificultou também porque como você vai fazer uma assistência acolhedora, humana, dentro de um hospital gigante, cheio de máquina? Então, começa por aí. Em outros países menores, foram aplicadas as Casas de Parto. Então tinham... Tem né, existem, na Bélgica, na Suíça, Noruega, Suécia, na Inglaterra... Centros de Parto, Casas de Parto, lugares menores que só atendem a mulher gestantes. E isso agora, um lugar ou outro, mas nós não temos muitas maternidades pequenas e acolhedoras. São poucas. E aí esse modelo favorece a questão da violência, e a questão da cesariana, porque se eu estou em um hospital pra fazer uma cirurgia, por que que eu vou ter um parto normal?! Então, eu não estou num lugar aconchegante pra eu ganhar meu bebê num processo de parto comum. Eu tô num hospital e aí quanto maior o número de intervenções para o médico, melhor aquela gestante está sendo assistida. Porque tá sendo oferecido pra ela o melhor da ciência, o melhor da técnica. Então, a ocitocina vai ajudar, a episiotomia vai ajudar o neném a nascer mais rápido... Se o parto passar de 4,5 horas, eu vou passar logo pra uma cesariana, resolver logo esse problema... Você entendeu? É essa a questão, esse modelo que foi adotado nesses últimos 30, 40 anos.
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Como você vê a influência da inferioridade da sexualidade da mulher, que a mulher não começa mais a conhecer seu corpo, né... Como você vê a influência desse processo pra esse desprotagonismo do parto? Isso aí está totalmente relacionado. Totalmente. Porque a mulher passou a vida, né, hoje, de pouco tempo pra cá, e ainda existem muitos tabus, né, muitos... Absurdo o número de tabus que a gente ainda vivencia... em mulheres que ainda tem conhecimento. Advogadas, médicas, mulheres que estudam... Porque isso tá tão enraigado dentro da nossa vergonha que não é fácil de você... Mesmo que você tenha todas as informações do mundo, alguma coisa interna dentro de você, não consegue mudar. Então, todo esse histórico da mulher não poder se tocar, da mulher pura, da mulher não poder ter prazer, da mulher não puder se dar autoprazer, da mulher não conhecer seus genitais, da mulher não conhecer seu próprio corpo, da mulher acreditar que mestruação é algo sujo... Dela não conhecer seus processos reprodutivos, da medicalização do seu sistema reprodutivo pelo uso de anticoncepcionais... Tudo isso, dessensibilizou ela e até mesmo tirou o foco dela do seu próprio corpo. Então, isso é algo que aos poucos as mulheres estão retomando, inclusive essa questão do não uso dos hormônios, de aceitar os próprios processos reprodutivos... De aceitar sua menstruação como algo que traz a ela benefícios... Porque essa carga, essa descarga hormonal do nosso ciclo reprodutivo, a gente recebeu a seguinte informação: nossa, a mulher é uma chata quando tá menstruada, essa TPM... E aí você deixa de ver todos os outros 26 dias, que você passa por esse ciclo; e quando você entende, que você tá mais calma, quando você tá mais criativa... Que no meio do ciclo, você está muito feliz... Que você pode usar essa alegria, essa disposição pra projetos pessoais, profissionais... Que você sabe, que daqui 8 dias, quando sua menstruação estiver chegando, vai ficar mais reclusa, então... Você identificar isso vai te permitir até conciliar sua agenda pessoal, e entender que isso é natural, você não é uma chata de galocha. Você não é a sua TPM. Então, isso é uma ponta do iceberg, né. Tem um monte de outras coisas com relação a se permitir vivenciar a sua sexualidade. Quando eu falo sexualidade, eu não falo relação sexual, mas a sua sexualidade com relação à o que o seu gênero e a sua vivência biológica pode te trazer. E o parto está... O parto é isso, o parto é um grande... Quando a mulher se permite ter um parto natural, um parto dela mesma, é como se fosse um grande ritual de passagem
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da maternidade, e a maternagem e a maternidade são vivências únicas e muito intensas. E como se fosse um novo nascimento da própria mulher. Você não é mais a mesma pessoa. A sua rotina não é mais a mesma. A gente ganha muita coisa com a chegada do bebê mas a gente perde muita coisa com a chegada do bebê também... Principalmente as mulheres do século 21, que tem inúmeras funções... E o parto te ajuda a ter uma coisa que nós, homens, como seres sociais, precisamos, que são os rituais. Quando alguém te rouba esse ritual, você pula uma etapa. E aí vem coisas que você não consegue entender muito bem. Como uma depressão pós-parto muito profunda... Ou uma falta de vínculo com o seu bebê... Ou uma falta de identidade com essa maternagem... Ou uma dificuldade, uma falta de confiança na criação do seu filho... Ou uma terceirização automática dos processos de criação do seu filho, né. Até o dr. Wilson Ayach é meu amigo, ele fala, percebe no consultório dele. Quando ele vai nas festas de aniversário que ele é convidado das próprias pacientes dele, ele sabe quem são as mães que tiveram parto normal e quem são as mães que tiveram cesariana. As mães que tiveram parto normal estão sem babá, as que tiveram cesariana estão com babá. Assim, falando de uma forma grotesca assim, não preconceituosa, mas porque foi tirado dessa mulher a oportunidade dela se entregar à própria criação do seu filho. Não com intenção dela se sobrecarregar e nunca poder ter uma babá, não é isso que eu quero dizer. O que eu quero dizer é que não houve uma conexão intensa dela com seu filho no seu processo de parto. Foi retirado dela isso. E aí ela demora um pouco mais de tempo pra ganhar esse vínculo. Não estou generalizando, isso não acontece sempre, mas acontece muitas vezes que as mulheres perdem a oportunidade de ter o próprio parto. Ou de pelo menos respeitar a chegada do tempo do bebê. Então ela perde essa oportunidade. Parto é uma vivência muito dolorosa e prazerosa. E é nisso que está a sexualidade do parto. É como se fosse uma vivência corpórea que o homem não consegue entender, e eu acredito que o inconsciente coletivo, ele retirou essa oportunidade da mulher de viver o parto por uma certa inveja... Porque... é inconsciente, se você falar isso pra qualquer homem, ele vai falar: como assim, tá louca... Mas é o inconsciente coletivo. Então, foi retirado dela... “Um defeito de fabricação, ela não sabe parir. Então, eu vou parir por ela. A gente vai parir por ela”. Por que que ela não sabe parir? “Ah porque... 10% dos partos podem dar errado”. Mas gente, 10% na natureza também dão errado, isso é a natureza, lei da sobrevivência.
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Graças a Deus que a gente tem a cesariana. Isso não quer dizer que a mulher não quer parir, ou que a mulher não sabe parir. E aí entram as intervenções também. Então, se o parto não tiver bem bonitinho, amarradinho, do jeito que eles querem, eles entram com intervenção. Que reflexão você faz sobre as várias formas de violência existentes, sejam psicológicas, físicas etc nas violências obstétricas? Desde as privações, né, de água, comida, forjar laudos, e também a psicológica, como o médico dizer “ah, se você não fizer isso, seu bebê vai morrer”. Como você enxerga isso? Eu enxergo como estelionato. Porque é um uso de falsas informações pra convencimento do outro pra fazer o que ele quer. Não tem outra palavra pra dizer. Quando eu comecei a trabalhar com a Artemis, pra mim foi muito difícil, porque eu recebi muitos... A gente fez uma campanha pra receber relatos pra poder fazer a denúncia lá na ação do Ministério Público, né, fazer a ação civil pública... As audiências públicas acontecerem junto com o Ministério Público, pra fazer a denúncia. E eu, sério, acho que eu fiquei cinco ou seis meses processando aquilo. Porque, a não ser que você seja uma pessoa que não quer entrar em contato com isso, não seja muito dada a empatia, é impossível você não se comover, e se chocar com esse tipo de informação. ... Eu não sei colocar em palavras pra você o tanto que isso é... tão natural do ser humano, né? Porque você a nossa natureza, como nós somos, é você dar um pouquinho de autoridade pra ele, né, um pouquinho de poder. E isso a gente vê em todas as áreas, e com relação à violência obstétrica, e não só a isso, mas em relação a qualquer tipo de assistência à saúde, o médico está num patamar de autoridade tão grande, e as pessoas se submetem daquilo que vem de cima pra baixo com muita facilidade. Elas estão muito suscetíveis. Então, agrava ainda mais essa forma de usurpar da ingenuidade, da fraqueza, da carência dessa gestante. Porque ela tá no dia mais sensível da vida dela, ela tá totalmente fragilizada e fraca. Fraca no sentido de... Não no sentido de mulher são fracas, como a gente estava conversando, mas no sentido de que é impossível você não estar fragilizada num momento que você está na Partolândia, com dores, e pensando que o seu bebê pode morrer... Porque você não tem as... Você não é ativista, você não é uma mãe que buscou informações, você é uma mãe comum. Que foi lá pra ter o seu filho, no dia que ele resolveu nascer. E você tem medo de perder ele. Aí vem o médico e fala
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“olha, se você não deixar eu fazer pique, seu bebê vai morrer na sua barriga, e a culpa vai ser sua”. Gente, pra mim uma pessoa dessa tinha que estar na cadeia, há muito tempo. Tinha que ser presa. Tinha que perder sim seu CRM, não tem o que justificar quando uma pessoa fala isso. Pra mim é crime. Isso é um crime. É uma apropriação indébita da alma de uma pessoa. Porque ela vai ter uma vivência ruim. Ela vai perder a oportunidade de vincular-se ao seu filho. Ela vai perder a oportunidade de ter o seu corpo fisiológico respeitado, é como se alguém quisesse impedir você de fazer xixi ou cocô. É como se alguém impedisse você de comer ou de beber, porque acha que é o melhor pra você, por três ou quatro dias. A sua fisiologia está sendo toda alterada... Isso é tortura. Tortura, não tem outro nome pra isso. Então, é muito revoltante coisas simples, como deambular, que é a mulher caminhar, beber e comer, e parir sentada... Que não é permitido às mulheres, né. Eu nunca vou me esquecer da Gláucia, que o primeiro filho dela, ela foi ter na Santa Casa, e assim que ela chegou, o bebê já estava pra nascer, o bebê já com 9 pra 10 centímetros de dilatação, ela sentou na banqueta e ela não conseguia sair dali. E o médico falou “eu não vou me abaixar. Você sobe na cama”. E ela falou “eu não consigo”. “Então o seu bebê vai cair no chão”. Sim. Porque ele não podia, lorde, rei, autoridade... ajoelhar pra poder ver o que estava acontecendo lá embaixo. Então, são coisas ridículas, não tem outras palavras pra explicar o que um médico está fazendo ao negar-se a atender uma gestante porque ela está sentada e não deitada em posição como ele gostaria. É duro a gente ter que brigar pelo óbvio. Atitudes mesquinhas, totalmente mesquinhas. É uma luta de forças. Eles se veem ameaçados pela gestante, quando na verdade, eles tinham que ser meros expectadores do parto, e fazer o trabalho deles, que é auscultar o bebê, verificar se está tudo bem e deixar o processo acontecer, e acolher a mãe, e não intervir num processo que já é difícil por si só. O que a mulher tem que fazer quando identifica a violência obstétrica? Quando ela identifica a violência obstétrica, tem vários caminhos que ela pode tomar. O primeiro é pedir o prontuário médico. Prontuário do atendimento dela, pra ela se assegurar dessa documentação. Pela via administrativa, ela pode usar as ouvidorias, tanto do hospital que ela foi atendida... Se ela foi atendida pelo SUS, ela também deve usar a ouvidoria da Secretaria Municipal de Saúde e da Secretaria Estadual de Saúde. Se ela foi atendida pelo sistema suplementar, do convênio médico, ela tem que ligar na
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ouvidoria do seu convênio médico. De preferência, que ela tenha todas as informações possíveis. Se ela está dentro da maternidade, identificou que ela sofreu violência obstétrica, no decorrer da sua internação, busque o nome de enfermeiros que atenderam, de médicos, horários que ela foi atendida, pra ela ter essas informações guardadas. O meio que mais pode ser eficaz é o uso da denúncia no Conselho Regional de Medicina. Então, ela deve denunciar esse médico, no caso, se for o médico que cometeu a violência... Ela não precisa de advogado? Não, no Conselho Regional de Medicina não. Se ela for uma gestante que se for pagar um advogado, vai comprometer a sua renda familiar, não precisa ser pobre e nem ganhar um salário mínimo, basta o requisito de que se pagar um advogado, vai comprometer o cumprimento de suas necessidades básicas da família, como educação, saúde, alimentação. Ela pode procurar a Defensoria Pública. A Defensoria Pública, o Núcleo de Defesa dos Direitos da Mulher, o Nudem, tem toda a competência pra dar andamento às denúncias de violência obstétrica e aí sim, judicializar uma ação. Aí vai pro juiz, vai pro âmbito jurídico. As denúncias nas ouvidorias que eu falei antes são no âmbito administrativo, ela não precisa de nenhum tipo de intermediação com o defensor público ou com advogado. Mas essa denúncia à ouvidoria ajuda, porque vai ser feito uma auditoria por parte dos... Eles são obrigados a realizar auditoria de todas as reclamações absorvidas pelas ouvidorias dentro das instituições. Ou então se a mulher tem condições de pagar um advogado, procurando um advogado particular pra ingressar com a ação. No caso do advogado ou defensor, a denúncia é na Secretaria? Não, é pra denúncia na justiça. Pra ingressar com uma ação de lesão corporal, ou uma ação de danos morais, materiais... No Ministério Público? Não, na Defensoria Pública. O Ministério Público, ele tem uma postura de defender direitos coletivos. Então, ele vai observar a conduta de hospitais de uma forma mais global. Então denúncias coletivas funcionam bem pro Ministério Público, agora denúncias individuais... Também podem ser feitas pelo Ministério Público? Podem, mas ele não vai tratar aquilo como uma ação individual. O melhor caminho é o defensor público do estado, ou então advogado particular. Porque o defensor público, ele é igual
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o advogado, só que ele é um advogado público, a pessoa não vai pagar por ele, mas ele também é um advogado. Então, pra pessoa ingressar uma ação judicial contra o hospital ou contra o médico, quando ela sofreu violência obstétrica, pra que ele responda juridicamente e seja condenado, ou criminalmente, ou a pagar uma indenização, ela precisa fazer esse caminho jurídico através de um advogado ou defensor público. Inclusive o médico ou enfermeiro que comete violência obstétrica pode responder criminalmente. Criminalmente ou civilmente. Criminalmente, se a pessoa for fazer um boletim de ocorrência na polícia civil, ele pode responder por interrupção da gravidez antecipada, em caso de cesariana eletiva prematura... Ele pode responder por lesão corporal, grave ou não, no caso de ter feito intervenções desnecessárias, como a episiotomia, Kristeller, uso da ocitocina... Ele pode responder perante o Código de Ética Médico, porque ele não seguiu a regra de que somente deve ser feita intervenção em caso de necessidade e com autorização do paciente... E ele pode responder civilmente por danos morais. (ou cível?)... Por conta de todo o sofrimento emocional que aquela gestante passou, e aí pecuniariamente ele vai ter que pagar uma indenização que vai ser estabelecida pelo juiz. (...) O Centro de Parto Normal de Sidrolândia inaugurou esse ano, é o primeiro Centro de Parto Normal assistido por enfermeiros, que é o modelo correto de assistência às boas práticas do parto. O modelo correto de assistência ao parto é assistido, isso é comprovado que diminui os índices de violência... É assistido por enfermeiras e tem um médico para casos de emergência. Ou ele tem esse médico... E é vinculado a um hospital. Então, o Centro de Parto Normal de Sidrolândia tem um hospital aqui e tem o Centro de Parto Normal do lado, no mesmo terreno. Só que aqui no CPN são atendidas as mulheres que tem indicação pra parto normal, assistido no CPN, que não pode ter hipertensão, diabetes, não pode ter tido cesariana prévia, e alguns requisitos que a própria regulamentação do Centro de Parto Normal exige, né, pelo Ministério da Saúde... Então essas mulheres vão pra lá e elas... É lindo, a ambiência do hospital, pra você fotografar, maravilhoso. A ambiência do hospital é perfeita pra prática da humanização do parto... As salas PPP são grandes, tem cama grande, tem barra pra mulher segurar, tem banheiro...
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Isso em Sidrolândia? Em Sidrolândia, hospital público assistido pelo SUS. Você acha que deveria ter mais fiscalização, deveriam ter mais leis, o que você acha que deveria ser feito pra melhorar essa questão de políticas públicas de atendimento? Deveria haver fiscalização, denúncias e mecanismos facilitados de denúncias dentro dos próprios hospitais... Um trabalho de conscientização das gestantes que estão lá dentro... Mas principalmente, resumindo é: aumento de fiscalização e aumento de importância dos gestores públicos com relação às boas práticas de assistência ao parto. Eles simplesmente estão ignorando o que está dentro dos hospitais. Você gostaria de acrescentar alguma coisa que ache importante? Acho que o mais importante é que as pessoas que sofreram violência denunciem. Se elas pudessem voltar atrás e pensar que se alguém tivesse feito isso, poderia ter evitado a violência que ela sofreu... Então, faça que tem tempo. Demora pra prescrever, de 3 a 5 anos, dependendo do tipo de violência que ela sofreu, e eu daria esse recado... De 3 a 5 anos? Dependendo do crime que pode se enquadrar o tipo de violência. Mas você confirma esse tempo de prescrição com a dra. Thaís, que vai saber te falar com mais detalhes, mas é isso.
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Entrevista 5: Caroline Abreu Figueiró – Parteira da Tradição Data: 1 de novembro de 2016
Qual a definição de doula e de parteira? A doula, ela é uma mulher que auxilia, vou começar pela doula. A doula é uma mulher que auxilia a mulher psicologicamente e fisicamente. Psicologicamente não no sentido de ser psicóloga, mas vai ajudar no psicológico, no emocional dessa mulher, entende? Pra que ela consiga chegar até o final do trabalho de parto, né. Vai trazer informações, vai levar essa mulher de encontro ao conhecimento... Bom, então a doula é essa mulher que vai auxiliar essa gestante, né, no trabalho de parto e também orientando durante a gestação sobre os direitos dela, né, sobre informações sobre as questões do trabalho de parto, sobre a gestação, sobre o pós parto, né. Então, o papel da doula é de levar informação e de estar dando um suporte pra mulher, emocional e físico durante o trabalho de parto relacionado às questões da dor, né. Então ajudando a amenizar essa dor, trazendo também a mulher de volta a essa consciência de que é um trabalho de parto, pra ela não se perder, porque senão a mulher acaba se perdendo durante o processo de trabalho de parto por conta da dor, né, e talvez nem acaba alcançando o objetivo dela, principalmente porque o sistema estabelecido hoje não é de encontro a trazer essa mulher, de encontro à natureza dela. Ao contrário, de afastar ela da natureza dela. Então, quanto mais essa mulher estiver voltada pro movimento do sistema, pro sistema é melhor. E a doula, ela faz esse contraponto. Então, ela vai dar toda a assistência emocional, afetiva também pra essa mulher. Às vezes eu escuto muito, e quando eu era doula também, eu ouvia muito as mulheres dizendo nos seus próprios depoimentos de que foi muito bom me ter com elas e eu ouço também muitas mulheres dizendo isso das suas doulas, porque talvez ela não tenha uma mãe, entende? Ou essa mãe já faleceu, ou essa mãe não está próxima, então acaba sendo também essa presença afetiva, materna, e de força do lado dela. E a parteira... A parteira ela já desempenha um outro trabalho. A parteira, a responsabilidade dela é com a vida daquela criança que tá chegando. Então, a parteira também vai preparar essa mulher, principalmente trazendo todas as questões dela, do emocional, né,
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como você vê aqui na roda, então eu vou lá e coloco às vezes o garfo na ferida, né, por que? Porque a gente tem que auxiliar essa mulher pra que tudo que ela tenha guardado dentro dela, que possa florescer antes, pra que essa criança possa florescer também no trabalho de parto. Então, a parteira, o movimento dela já é outro, o de responsabilidade com a vida. Ela vai auxiliar essa mulher, tanto nessas questões emocionais, de maior profundidade, né, e também relacionadas ao parto em si, ao trabalho de parto, ao parto em si, porque a responsabilidade da parteira seria no lugar, como se fosse o médico, entende? Então a gente realmente vai receber essa vida. Mas a gente não faz nada, na realidade quem faz tudo é a mulher que faz. A gente só assiste e auxilia ela nesse processo de estar recebendo essa vida. Como é o movimento de doulas e parteiras na Tradição? Então. O movimento de doulas e parteiras na Tradição é um pouco mais profundo, porque a gente trabalha também a espiritualidade, como você pode ver aqui. Não só as questões emocionais e psíquicas, né, da gestante, relacional, porque você vê que aqui a gente fala sobre tudo, a gente fala sobre a vida, sobre os relacionamentos, e tudo isso tem a ver com o movimento do parto, com o movimento do nascimento e também com o movimento de chegada dessa criança, nessa família e à vida. Então, tanto a parteira da Tradição quanto a doula da Tradição ela vai trabalhar em níveis mais profundos com essa mulher. A gente geralmente, elas são preparadas, as parteiras, muito dificilmente vão entrar dentro de um hospital, vão auxiliar o trabalho de parto dessa mulher dentro do hospital. Mas as doulas sim, as doulas da Tradição, elas perambulam por esses dois lugares, sabe? Porém, dentro do hospital, as doulas da Tradição não vão desempenhar completamente o que elas desempenham, por exemplo, dentro do parto domiciliar. Porque as doulas da Tradição, elas são preparadas inclusive pra ajudar essa parteira a fazer medicinas, né, a trabalhar com homeopatia, com os florais, né? Coisas que assim, as doulas da Humanização, não fazem. Elas não têm uma formação para isso. E a gente trabalha também com banhos de imersão, com rezas, porque dentro da Tradição, nós somos rezadeiras, nós somos benzedeiras, então a gente vai trabalhar com todo esse processo, né? Um processo mais natural, assim. Como é que você, dentro do movimento, caracteriza a violência obstétrica?
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Então, você já me ouviu falando também aqui na roda, né, sobre a minha opinião... E aí, dentro da Tradição, e eu também trabalho dessa forma, pessoalmente daí falando, Caroline, né, independente da Tradição, eu sempre enxerguei assim, né. Quanto mais a gente falar sobre a violência no sentido da violência, quanto mais a gente enfatizar a violência, mais violência a gente vai ter. Porque a gente não está focando na solução, a gente está focando na violência. Então, a gente precisa focar na solução, no empoderamento dessa mulher, e na não vitimização, porque quanto mais vítima a gente colocar essas mulheres, mais vítimas elas serão do sistema, né. E a forma como eu vejo, eu não vejo o sistema tão mau assim, sabe? Porque eles também, até os próprios médicos que hoje estão a frente do sistema, né, que estão atuando, eles também sofreram violência nos seus nascimentos, entende? Então, é como se fosse uma cadeia. Eles aprenderam assim. Como é que eles vão fazer diferente se eles aprenderam assim? Então, eu não os julgo culpados, sabe? Mas também não acho que são inocentes. Mas assim como essa mulher não é assim tão vítima. Você diz então que os médicos, eles passam a violência obstétrica que eles também sofreram nos seus nascimentos. Com certeza. Com certeza. A gente só passa o que a gente recebe. Se eles tivessem recebido amor, se eles fossem criados com amor, entende? Mesmo que eles recebessem esse tipo de formação, mais fria, mais acadêmica, eles ainda assim iriam questionar. Por que existem médicos que hoje fluem voltados pra esse movimento hoje da Humanização e tal e por que que outros ainda continuam tão arraigados, né? Com tanta dificuldade. Porque com certeza eles têm essa dificuldade na vida deles, da vida relacional deles. E com certeza, dificuldades principalmente com a mãe. Então, é muito mais complexo a gente falar de violência obstétrica do que... A violência obstétrica, na realidade, ela é muito mais complexa do que esse julgamento de forma rasa, sabe? De apontar quem é culpado e quem é inocente, quem é culpado e quem é vítima. Na realidade, precisa-se de uma discussão muito mais, muito muito muito mais aprofundada sobre tudo isso. E dados mais aprofundados também. Inclusive de pegar esses médicos todos e olhar pra eles: como foi o seu nascimento? Sabe? Então assim, é muito fácil falar de uma pessoa sem você tocá-la. Então, na realidade, a gente tá falando de violência
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obstétrica quando a gente tinha que estar falando de soluções. Soluções de empoderamento. Soluções de cura, soluções de transformação, inclusive desse sistema. Você já me comentou sobre o papel que a mulher acaba representando dentro da violência obstétrica em relação às energias, né, em relação ao passado dela e tal, você pode falar mais um pouco sobre isso? Isso também tem a ver com o próprio nascimento dela, né. Com as referências que ela tem, com o print que ela tem na própria célula, né, no próprio núcleo da célula dela. Então, a mulher, de acordo com o que ela vibra, ela acaba atraindo. Por isso que eu digo que a mulher não é tão vítima assim. Então, ela é vítima no sentido... Eu nem gosto de utilizar essa palavra. Porque eu acho ela muito pejorativa inclusive pra mulher, eu acho que não cabe à mulher esse papel, sabe? Mas vamos dizer assim, ela cai nesse movimento por conta de falta de consciência, falta de conhecimento da sua vida, do seu nascimento... Hoje, se você parar e reunir algumas pessoas, e perguntar pra elas “como foi o teu parto?”: tem gente que nem sabe se nasceu de cesárea ou se nasceu de parto normal. Isso é básico, entende? Então, as pessoas não têm noção da sua própria vida. E aí vão gerar uma vida. E o movimento energético que flui por trás de toda essa questão física, porque a gente tá vendo físico, né, mas o que trabalha no emocional, que trabalha no espiritual, né, é muito maior do que a gente vive no físico, né. Então, a forma como essa mulher tá vibrando, a forma como ela vive, como ela acredita, como ela confia, ou como ela não se entrega, ou como ela se entrega, o movimento de vida dela é que faz que ela faça escolhas talvez equivocadas. A falta de conhecimento, a falta de informação, entende? E aí ela acaba caindo na mão de pessoas que vibram a realidade da mesma forma que ela. Então, a gente tá falando dos médicos, apontando os médicos, falando isso e aquilo, mas na realidade, ela tá vibrando, como ele vibra. Por isso que ela tá ali, por isso que ela se colocou nessa situação. Você já me falou muito sobre essa questão da energia e tal, mas assim, por que existe violência obstétrica? A violência obstétrica existe justamente por isso. Porque ela existe, a violência na humanidade, ela existe desde o primórdio dos tempos, né, e dentro da obstetrícia, ela começou a surgir lá no patriarcado, né, quando essas mulheres perderam o domínio sobre seus corpos, sobre suas vidas, então o patriarcado, os homens começaram a
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assumir esse poder sobre, inclusive, a vida das mulheres, né. Sobre o nascimento, e aí colocaram essa mulher deitada, ela perdeu a sua livre escolha, o seu livre movimento, né? Então, começou ali esse movimento de violência obstétrica. Mas se a gente for ver, na realidade, o movimento de violência, porque não é assim... Observa, é só violência obstétrica que a gente tem vivido nos últimos tempos? Não, é uma violência da humanidade. O mundo tá muito violento. Então, a violência obstétrica, como eu disse pra você, ela se dá no nascimento, entende? Então, a forma como aquele médico nasceu, como aquela pessoa que cuida, e aí inclusive ela vai acabar escolhendo a profissão dela por conta daquele movimento que atrai ela, entende? Que de alguma forma, ela quer resolver aquele conflito, inclusive que teve dentro dela. Só que aí aquele médico, ele não tem essa compreensão de resolver esse conflito; o que que acontece? Ele acaba repetindo aquilo que ele recebeu na vida dele. Então, é um movimento sistêmico de inconsciência. E muito perverso, entende? Muito perverso do ser humano com ele próprio. De falta de conhecimento, de falta de informação. De falta de aprofundamento do ser humano em relação a ele mesmo. Então, o movimento de violência obstétrica, ele se inicia no nascimento. Do próprio sistema. Do sistema que começa a cuidar do ser humano que atua dentro dele. Você já me comentou, assim, o conhecimento das doulas na Tradição é passado de conversa e tal, e ao longo dos tempos. Das doulas não, das parteiras. Em relação ao movimento das doulas e das parteiras ao longo do tempo, como é que você faz essa avaliação, assim, desde que as mulheres pariam antes só em casa e tal, como é que você vê isso? Então assim, pra nós, parteiras, pras parteiras milenares, inclusive, né, que a gente fala da Tradição Ancestral, né, essas mulheres maravilhosas que eu tenho verdadeira paixão e que eu honro muito a cada instante, né... Esse movimento todo nunca deixou de existir, Letícia. Se a gente for ver, nas cidades, nos ribeirinhos, nos quilombolas... esse movimento ainda existe, nos lugares mais distantes. É uma pena que hoje, aqui em Campo Grande – Mato Grosso do Sul, eu fui fazer uma pesquisa de boca, sabe, só essa coisa pra eu observar como andava o movimento, e eu cheguei pra algumas índias e perguntei, né, “quem é a parteira aqui? Cadê a parteira dessa tribo?”, né, e ela disseram “não, isso não tem mais não, a gente não precisa mais das nossas
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parteiras”. Eu disse “como não, por que isso?”, né, e elas “porque agora, graças a Deus, já tem o doutor, e a gente agora não pari mais na aldeia, a gente vem e pari na cidade, no hospital, e agora a gente faz a cesariana e leva anestesia, a hora que acorda, a criança já nasceu, é ótimo. Nem precisa mais passar por nenhum movimento de dor, nem nada”. Então assim, isso me deu uma dor no coração, de ver o quanto a influência também, né, da tecnologia, da evolução, da evolução, que diz que é uma evolução mas pra mim é uma grande involução, né. É um grande estrago da natureza. Tá tirando, inclusive, o que é natural de quem é natural, de quem vive na natureza. Tá se perdendo isso, né. Mas ainda assim, existem essas parteiras indígenas, essas parteiras quilombolas, essas parteiras ribeirinhas, né. Pelo Brasil, existem muitas... E pelo mundo também, né, ainda tem, sabe? E pra essas mulheres, isso nunca deixou de existir, esse parto por via natural, de forma livre, né, de forma instintiva, de forma respeitosa, nunca deixou de existir. Então, é isso que eu to te dizendo, sabe. Pra nós, esse movimento nunca deixou de existir. Pra essas mulheres, o movimento nunca deixou de existir. E eu acredito, assim, ao longo do tempo, conforme... a violência obstétrica, ela atingiu essas mulheres, as parteiras, quando a sociedade nega a existência delas. Quando a sociedade finge que essas mulheres não existem, não valorizam a existência delas, quando elas não podem ter uma legalização, ter um registro, sabe? Então, isso é uma violência contra essas mulheres, que trouxeram toda a humanidade até aqui. Até pelo menos 50, 60 anos atrás, quando começou a surgir o movimento de cesárea e aí no tempo do patriarcado que começou o movimento dos médicos, né. Mas até então, quem trouxe a humanidade até aqui foram essas mulheres, né. E cadê o reconhecimento? Então, isso é um tipo de violência. E com certeza, atinge essas mulheres quando uma gestante que elas estão atendendo, por alguma questão de necessidade, né, precisa ser encaminhada pra um atendimento médico, e ali ela é hostilizada, ou né... Tiram sarro, fazem graça ou quando não atendem essa mulher, ou quando atingem essa mulher de uma forma violenta, mesmo, com palavras, às vezes até mesmo com movimentos físicos, né. Então, com certeza essas parteiras também se sentem violentadas. Nós, parteiras, quando as nossas gestantes, né, são violentadas, a dor também é nossa. Nós sentimos essa dor. Porque o nosso movimento é diferente, nós temos o contato com essa mulher. E um contato afetivo, mesmo, por mais que seja um contato também profissional, mas é um contato de mulher
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pra mulher, então mesmo que não tenha o conhecimento, existe um amor, sabe? Um amor de mulher pra mulher, de respeito à vida, de respeito àquela criança, né. Ao movimento do divino, mesmo, da divindade a qual a gente trabalha, né, que é de receber vida, que é de receber luz. Como você enxerga o papel no parto: da mulher, da doula, da parteira e do médico? Bom, o papel da mulher é, a mulher... É por ela que nós todos estamos ali, né. E por essa criança. Então, a protagonista desse momento é a mulher. Quem está parindo é a mulher, e quem está nascendo é a criança. Mas junto com essa criança, nascem todas as pessoas que estão ali presentes. Porque quando a gente vê um nascimento, quando a gente entra em contato com o nascimento, a gente renova, a gente renasce junto. Então a gente entra em contato também com questões nossas, lá do inconsciente, do nosso próprio nascimento, das nossas próprias experiências, às vezes de parto, né. E a gente acaba também florescendo, também renascendo junto. Mas o protagonista é a mulher. E o bebê que também tá nascendo. Pra nós, dentro da Tradição, o bebê vem em primeiro lugar, né. E depois, a mulher. Por que o bebê e depois a mulher? Porque se o bebê tá bem, é uma certeza de que a mulher tá bem. Nem sempre, quando a gente observa a mulher bem, o bebê pode estar bem, entende? Então, a nossa prioridade é o bebê. É o bebê e aí também a mulher. O protagonista é a mulher e o bebê, né, o bebê são as estrelas daquele momento, né, é quem tá precisando do nosso olhar, do nosso amparo, do nosso carinho, principalmente aquela criança, porque ela tá chegando a vida de uma forma completamente aberta, com todos os seus sentidos puros e abertos, então qualquer movimento, qualquer impressão, ele vai assimilar isso por completo, e é esse primeiro movimento que ele vai trazer pra vida dele, pro resto da vida, na realidade, né. Então, eu costumo dizer que é da concepção, de momentos um pouco antes da concepção até os três anos de idade, é esse movimento, é esse tempo que a gente precisa cuidar do ser humano. Porque é disso que sai o ser humano do futuro. E a humanidade sai desse ser humano do futuro. Então por isso que a gente tem que ter tanta morosidade, tanto carinho, tanto cuidado, né, tanto... Preservar esse momento, da mulher e do bebê. Já a relação da parteira, do médico e da doula, é de dar assistência no que essa mulher precisa. Cada um dentro do que te cabe, né. Da doula como eu te
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disse, essa assistência física, emocional, pra ajudar a mulher, informação, né... Pra ajudar a mulher a seguir por essa jornada, né, de gestação, de parto, de pós-parto de uma forma mais empoderada, mais confiante, né. O movimento da parteira é também de fazer todo esse amparo, desde a concepção, gestação, parto, pós-parto, mas dando um suporte mais... Não é técnico, porque o da parteira a gente não é técnico, né, mais... Um suporte mais... no nascimento mesmo, de forma mais efetiva, né. Então, ela que vai apoiar realmente essa mulher, assistir, pegar essa criança. Eu digo assim “qual o papel da parteira? Pegar menino”. Aparar a vida. Então se perguntar assim, qual o papel da parteira? De aparar a vida. Então nós recebemos a vida através das nossas mãos. Na realidade, nós somos super sortudas, né. Porque a gente recebe muitos presentes da vida, o tempo todo; já pensou você receber luz nas suas mãos? Com esse olhar que a gente tem, porque tem muita gente que recebe luz mas não dá esse valor pra essas luzes que eles estão recebendo, né. E o papel do médico, eu acredito que na realidade, precisaria haver um resgate dessas parteiras, sabe, porque a parteira, ela efetivamente sabe o que fazer dentro de um trabalho de parto. Ela vai trabalhar com os remédios, ela vai trabalhar com o emocional, ela vai trabalhar com o espiritual dessa mulher, dessa família, né, ela vai aparar essa criança. Ela vai trazer pra essa criança a vitalidade, o sopro da vida que ela precisa, as informações que ela precisa pra aquele primeiro momento de vida, sabe? Então, eu acredito que deveríamos resgatar essas parteiras pra que elas pudessem fazer os partos, porque parteira sabe fazer parto, entende? E na realidade, qual o papel do médico? A formação do médico é para o quê? Salvar vidas. Então ele entra pra urgência e emergência. Então, o que acontece? Ele vai ter esse tempo pra estar ali com a mulher, deixando a vida acontecer? Não. Então, ele vai estar sempre querendo que as coisas sejam urgentes e emergentes, e parto não é urgente nem emergente. Parto é paciência. Parto é paciência. Não tem outra palavra pra parto. Entende? Sinônimo de parto é paciência. E o médico, ele não tem essa paciência, porque a formação dele é de que as coisas são urgentes, são emergentes, porque ele precisa ajudar, auxiliar no processo de salvar aquela vida. Então, são formações diferentes, né. A parteira é de estar ali, aparando a vida, preservando a vida, curando a vida; e do médico, é da urgência e emergência. Na realidade, o correto seria cada um dentro do seu movimento, né? Então assim, o médico, na realidade, ele teria que entrar aí nesses
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casos, em que a parteira não dá conta, não dá conta no sentido de que passou do movimento dela, passou do natural, passou do fisiológico, né. Algumas coisas a gente faz, inclusive. De emergência, de urgência. Mas tem um tempo que aquilo ali já não dá mais, não é suficiente, porque não é uma questão mais só humana, é uma questão inclusive de precisar de uma aparelhagem, de medicações, de coisas assim, entende? E aí quem sabe lidar com aparelhagem, com medicação, com isso e tudo, é o médico, não é a parteira. O que tá ao nosso alcance em relação à urgência e emergência, inclusive, e o que tá ao alcance das nossas mãos, que é humano, a gente faz, entende? O que transcendeu isso, e aí precisa de uma formação técnica, específica, pra mexer com medicação, com máquina, com aparelhos e tal, e aí é o movimento do médico. E nós respeitamos muito esse lugar, né. As parteiras não têm conflito com os médicos. A humanização tem conflito com os médicos. Os médicos têm conflito com os médicos. As enfermeiras têm conflito com os médicos, entende? Mas as parteiras não têm conflito com os médicos. Eu sempre fui muito bem recebida, sabe? Por isso, porque eu também respeito muito o lugar deles. Eu não quero brigar, a gente não precisa brigar, cada um tem o seu lugar especial, nessa vida, nesse mundo. Você resumindo assim, que um médico serve pra salvar vidas, e como tem esse crescimento muito grande da questão do médico dentro do papel do parto hoje no Brasil, a questão da maioria dos partos ainda serem no hospital, você vê que isso parte do princípio do senso comum de que as vezes eles consideram gravidez doença? Justamente com essa questão do patriarcado que veio, de tirar o empoderamento da mulher, né, e de transformar a mulher num ser frágil, sensível; também veio o adoecimento da humanidade. O enfraquecimento do feminino, e aí a gente não está falando só de mulher, a gente está falando do feminino, que inclusive o homem tem essa energia dentro dele. Então, quando a gente diz isso, não foi só a mulher que foi enfraquecida, o homem também tem sido enfraquecido, muito enfraquecido ao longo dos tempos, né. E aí essa questão da gravidez como doença é justamente isso, porque foram tirando o movimento instintivo, natural, a liberdade da mulher, e ela foi perdendo isso, foi se sentindo presa, né, dentro de um outro arquétipo, de um outro estereótipo, que não é o dela, né, é de frágil, é de delicada, é da princesa, não é isso? Princesa... Hoje é tudo muito superficial; a mulher não pode sofrer. Não é até isso, até a própria gestante “nossa,
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gestante, oh”... sabe, então até isso, é tudo muito delicado, e nós não somos essa delicadeza toda, né? Nós somos mulheres fortes e pra parir, precisa ser uma mulher forte, decidida, ela precisa saber o que ela quer, ela precisa ter... e reconhecer a sua força, né. E tomar pra si a sua liberdade, o seu empoderamento. Você falou essa questão das indígenas, de recorrerem ao médico que aí não tem dor. Como é que você enxerga hoje... Eu vejo muitas mulheres que não querem ter parto normal porque preferem evitar a dor. Como é que você vê isso? Na realidade, quando elas falam “não vou ter parto normal pra evitar a dor”, a dor, ela é inevitável na vida das pessoas, né. Por que que as pessoas têm tanto medo da dor, né, da solidão, dessas palavras assim que a gente coloca como tão pejorativas ou como negativas, né. Na realidade, com esse enfraquecimento que eu te disse, que veio vindo ao longo dos tempos, as pessoas foram se afastando inclusive dessa força interna. E aí com essa fragilidade, tudo é dor. Tudo é dor na vida. E se hoje tem uma anestesia... Até porque nasceu anestesiado, então é muito fácil procurar uma anestesia durante o resto da vida pra todas as dores, porque se a primeira dor, se a primeira dificuldade que eu ia passar na vida que é o meu nascimento... porque é um movimento de... o nascimento é o primeiro contato da pessoa com o movimento da vida, que ele é desafiador, que ele te traz uma porção de movimentos aonde você precisa de decisão, onde você precisa de força, né, onde talvez você passe dor sim. E aí quando a pessoa vai nascer, ela é anestesiada, ela vai procurar pro resto da vida anestesia pras dores dela. Então, essas mulheres também estão seguindo o movimento as vezes do seu próprio nascimento. Ou do seu sistema, que já é referência da sua mãe, da sua avó, entende? “Ah não, você não precisa sentir dor, você vai ali, corta a barriga...”, mas, é inevitável, em algum momento essa dor que ela corre, entendeu? A dor que ela corre dela... Essa mulher que corre da dor que está nela, entende? Ela vai sentir isso em algum momento. Ela vai sentir isso no pós-parto, ela vai sentir essa dor na cicatriz da cesárea, ela vai sentir essa dor na amamentação, ela vai sentir essa dor com uma depressão pósparto, ela vai sentir essa dor de alguma forma. E quando a gente entra em contato dentro de um parto natural, né, com essa dor, que não é a dor do parto... Porque não é a dor do parto, né. Porque nem todas as mulheres sentem dor no parto, entende? Eu costumo dizer, a dor que a mulher sente no parto, que a mulher sente no parto, não é dor do parto.
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A dor é dela, entende? Das experiências dela, das impressões que ela já teve durante o percurso de vida. Nada tem a ver com o parto. O parto é fisiológico, como fazer cocô e xixi. O que acontece... Tem um livro, que ele é muito bom... Se você... Ele chama “Parir con placer”, é espanhol e ele é bem fininho... E ele fala do útero espástico, é o útero que dá espasmos, então, esse útero que é muito enrijecido ao longo dos tempos, que é essa questão do feminino, da mulher que vai se aprisionando, que vai ficando enrijecida, dura com a vida, né? E com medo, fechada... Esse útero, essa mulher geralmente que tem também dores menstruais, cólicas menstruais, tudo isso tem a ver depois com a dor do parto. Isso começa quando menina, isso começa na verdade a se mostrar quando menina. Então, o útero espástico é aquele útero que ele é muito rígido, que ele se contrai muito. Úteros mais relaxados, mais complacentes, mais flexíveis, né... Menos enrijecidos... Eles têm uma probabilidade de ter muito menos esse movimento de dor, entende? Então mulheres que não têm esse útero espástico, têm esse útero complacente, esse útero flexível, mais relaxado, ela não vai esses processos de dor durante o parto. Essa diferenciação do útero é uma coisa hereditária? Pode ser hereditário, pode ser sistêmico, né, que a gente diz hereditário, pode vir de família, né... Como a gente... E aí sistêmico é muito interessante, porque aí a gente não tá falando só da ancestralidade, mas a gente pode estar falando do sistêmico no sentido do relacionamento do próprio gênero, do feminino, entende? Então, são tantas coisas que o feminino já passou ao longo dos tempos, que essas mulheres de hoje, a grande maioria tem útero espástico. Por quê? Por conta da cultura, que já foi inserida dentro dessas mulheres. Então, as meninas hoje, elas já nascem dentro desse movimento. As meninas nascem, elas não querem entrar em contato nem com a sua menstruação. Você viu a Luise falando, na vez passada? “Nossa, não quero menstruar, eu quero tirar meu útero, não quero menstruar”. Então isso tudo é uma negação muito grande do feminino, a mulher que nega a sua origem, que nega o seu feminino, é lógico que ela vai ter um útero espástico, é lógico que ela tem muita dor dentro dela. Das referências dela. E aí isso lógico, pode vir sim de ancestralidade, e lógico que vem de todo um sistema do próprio gênero feminino.
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Por que você acha que muitas vezes a mulher não identifica a violência obstétrica? Eu vou te falar de hoje. Hoje, a mulher não identifica a violência obstétrica, eu acho que hoje, até com essa questão da humanização, até que tá pior, pior assim, no sentido... não é que é pior, como é que eu vou te dizer pra você não compreender equivocado... A humanização é uma faca de dois legumes, eu falo. No sentido de... Ela trouxe uma outra realidade pra mulher, ela trouxe a informação, né, mas ao mesmo tempo, eu acredito que ainda é superficial. Pelo tempo. Ela ainda tá engatinhando, ela ainda tá resgatando muitas coisas, e isso não é negativo, entende? Mas a gente tá falando, a gente tá olhando sobre a ótica de hoje, né? Então, como ela ainda tem informações ainda rasas sobre o movimento, e ela já tem algum cuidado, entende? Ela acha que qualquer cuidado já é muita coisa, entendeu? Então, as vezes um médico, que na realidade as vezes ele não está nem dentro do movimento de humanização, ele se diz humanizado, na realidade, porque não são todos os médicos que na realidade hoje são humanizados. Mas têm muitos que não são humanizados e que se colocam como humanizados, né. E utilizam esse termo. E são muito gentis, né, num primeiro contato, ganham a confiança dessa mulher que não tem informação nenhuma... Ela não tem informação sobre o seu corpo, oras. Há um tempo atrás ela começou a colocar Diu, inclusive porque ela não queria entrar em contato nem com a menstruação dela. Então, qualquer coisa que esse médico vá falar pra ela, e que vai dar de segurança pra ela, ela vai confiar e vai acreditar, compreende? E aí no momento do seu parto, que é onde, na hora do vamos ver, né, as vezes esse médico acaba se revelando diferente do que ela acreditava que seria o parto dela. E aí começam a acontecer também as violências. Não só nesse sentido, eu digo que a humanização, ainda por estar caminhando, né, numa evolução, ela hoje, ela tá contando com isso, com essas falsas pessoas, e não digo só médicos, mas falsos profissionais, né, não vamos nem usar esse termo dos médicos, mas
falsos
profissionais
que
se
intitulam
humanizados,
se
aproveitam
do
enfraquecimento dessa mulher, da fragilidade dela, da falta de informação, da falta de conhecimento aprofundado, né? E aí se utilizando disso, acabam influenciando essa mulher e acaba levando ela, conduzindo ela a um universo que talvez não seja o universo que ela gostaria, entende? E ela só vai perceber isso talvez depois que ela já passou
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pelo processo. E acontece também a questão da violência obstétrica no sentido de que, principalmente as mulheres que não podem, não tem condições financeiras, delas entrarem dentro do sistema, aquele sistema já ter todo um protocolo, como ele dizem, né, e essa mulher ser obrigada a se submeter a esses processos porque ela não... pela falta de informação, pela falta de conhecimento, ela não tem uma outra forma de contar, pra poder ter o seu filho, né. Então ela se sente frágil, se sente insegura, então; é melhor passar por uma violência obstétrica do que eu perder o meu filho e vou me culpar a vida inteira, não é isso? Caso dê errado, entende? Então, tudo passa por esse movimento de vitimização, de fragilidade, compreende? Então é por isso que eu digo, não é fazendo, não é trazendo pra essa mulher a vitimização que a gente vai transformar e que a gente vai trazer soluções pra questão da violência obstétrica. É pelo empoderamento. Em relação ao número de cesáreas, né, que dados do ano passado de que o Brasil é o país com maior número de cesáreas no mundo, por isso acontece, na sua concepção? O Brasil tem esse movimento todo da cesáreas por conta justamente, como eu te disse, porque tudo começa onde? No nascimento. Nós somos um país onde a gente tem muita violência em todos os sentidos. A violência no trânsito, violência na segurança, violência nas famílias, né. Então, eu acredito, esse é o meu olhar, um olhar mais profundo, mais do que científico, inclusive, um olhar de ser humano e de parteira. De que realmente, esse movimento hoje do Brasil, ele tem a ver com os seus nascimentos de tempos atrás, né. Então, toda essa violência, acaba vindo pelo o que as pessoas já viveram até aqui. E elas só reproduzem. Eu sou também consteladora sistêmica, então dentro da sistêmica, a gente vê muito esses movimentos, a gente só passa o que a gente tem, o que a gente sabe. Então, se eu fui cuidada assim, se eu vivi assim, eu vou reproduzir isso na minha vida. Você acha que hoje existem mais casos de violência obstétrica dentro do parto normal ou da cesárea? Letícia, olha, eu estou afastada dos hospitais, né, mas dentro do universo que eu observo, eu não sei te informar, eu acredito principalmente pela falta de informação e de conhecimento dessas mulheres, eu acredito que seja equilibrado, entende? Porque violência obstétrica, ela não perpassa pela questão do corte, da cesárea, de tirar essa
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criança, entende? A violência obstétrica, como eu te disse antes, ela é muito mais profunda do que só essa questão, né? De ser verbal, ou e tirar uma criança pelo movimento da cesariana, sabe? Então, eu acredito que seja igual, não sei. Sinceramente, não vou saber te responder. Dentro do que você tem feito de reportagem hoje, o que você me diz? Eu vejo assim, uma análise em relação ao número de partos né, do Sus, do sistema privado, que o número do Sus, ele ainda é maior de parto normal; só que existe muito uma violência da mulher que chega, ela nunca foi preparada, ela nunca fez um pré parto direito, e aí o médico chega e fala “você vai ter normal sim”, e ela fica naquele desespero, né, como você falou, vira uma criança, e não sabe o que fazer. É como eu sempre digo, sabe, se a gente... Não é a gente humanizar a cesárea, porque eu não gosto nem desse termo, sinceramente... Eu acho que esse termo humanizado, eu acho que ele... Acho que ele não cabe pro que realmente significa o movimento de receber a vida, entende? Então, o que que é importante? E aí eu não posso nem... Não é a gente dizer que “ah, então é permitido fazer cesárea”, não é isso, mas talvez dependendo; se uma mulher é tão sem preparo pra um parto normal e ela não quer aquilo, a gente vai então violentar essa mulher pra fazer ela parir de parto normal, sendo que ela não está preparada pra isso, e ela quer uma cesárea? Então, talvez, a gente oferecer essa opção pra mulher, porque é preciso respeitar primeiro, né. O nível inclusive de compreensão e de entendimento dessa mulher. Se ela não está preparada pra parto normal, talvez mais amoroso seja você permitir uma cesárea pra essa mulher. Talvez ela vá sofrer menos, né, Então, a cesárea, eu acredito que ela seja indicada, e eu digo né, que ela é indicada na realidade só pra questões realmente de agravamento de saúde, né, então de necessidade, né, em casos específicos de necessidade, mas hoje, como a gente conta com essa falta de informação, ainda, porque apesar da gente ter internet, a gente tem uma porção de coisas; as mulheres continuam muito mal informadas, né, verdadeiramente falando, sobre o que elas realmente precisam se informar, sobre o próprio corpo, né. Por isso que eu digo pra você que a humanização ainda tem que evoluir muito, eles têm muito chão por aí ainda. Porque ainda não estão trazendo o subsídio que essa mulher verdadeiramente precisa pra poder parir plena.
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Porque muitas inclusive talvez possam parir sim, mas será que essa mulher tá parindo na plenitude do que significa o nascimento? Do que significa receber uma vida? Essa questão mais legal, assim, do movimento das parteiras, como é que você vê hoje a legitimidade da parteira pelo sistema público, assim, essa questão da parteira ser impedida de entrar, coisas, desse tipo, como é que você enxerga essa precariedade da questão legal? Então, a gente tá... Tem uma deputada que chama Janete Capiberibe; essa deputada, ela tá tentando defender a legalização das parteiras da Tradição, né. Porque hoje enfermeira obstétrica também usa esse nome parteira, e parteira é parteira, enfermeira obstétrica é enfermeira obstétrica. E a gente precisa legitimar as parteiras tradicionais. E realmente, a gente encontra uma dificuldade muito grande, é como eu te disse; lá no começo, que eu estava te dizendo na entrevista, sobre esse movimento mesmo, né, de ser barrado, então assim, aonde... e a própria humanidade, mesmo. A própria sociedade, será que dá o devido valor pra essas parteiras? Pra essas mulheres? Entende? Porque... principalmente nos territórios, né, mais longínquos, né, mas cidades ribeirinhas, nos quilombolas, nos indígenas, né, essas mulheres são muito desvalorizadas. São tão desvalorizadas que um tempo atrás, antes da Suely Carvalho, que é minha mestra, iniciar um trabalho pelo próprio Ministério da Saúde, que fez uma vez, desenvolver umas cartilhas pra poder inclusive levar um pouco de informação pra essas parteiras também. É um pouco mais de conhecimento pra elas, pra que elas saíssem da margem de risco; inclusive Suely Carvalho, que é essa minha mestra, é ela que tirou o risco das crianças... da morte neonatal nos partos feitos pelas parteiras, entende? Então, ela exterminou com esse índice, fazendo isso, essa cartilha pelo Ministério da Saúde, né, e levando esse conhecimento pras parteiras. Então, quando ela começou a fazer essa pesquisa, né, dessas parteiras pelo Brasil, foi muito difícil. Porque inclusive essas mulheres têm medo de dizer que são parteiras, porque elas são rechaçadas, elas são ameaçadas. Não muito diferente do que a época da Inquisição, viu? Continuam nos vendo como bruxas. E parece, não sei, enxergam como uma superioridade o conteúdo acadêmico também, em relação ao conteúdo de ancestralidade, né, como você disse... A parteira,
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ela ficou 20 anos parindo crianças na aldeia, aí chega um médico que estudou 6 anos, e parece que ele é considerado superior, né. Mas é como eu te disse, entende? Tem espaço pra cada um. Ele entende do movimento dele. Nós entendemos do movimento da vida. Então, eu acho que a gente... nem entra nesse mérito de dizer que eles sabem mais ou que eles sabem menos, na realidade, ele sabe o que é dele, o papel dele. E nós sabemos profundamente, profundamente do que é o nosso papel, o nosso lugar, o nosso exercício, né, e a nossa missão, porque parteira é missão, não é trabalho. Tanto que essas mulheres inclusive, que hoje ainda estão nas cidades ribeirinhas e tudo, hoje ainda vivem de troca. Eu faço o parto do seu filho, você me dá duas galinhas, eu te dou não sei o quê... Eu te dou... Vou fazer uma mesa pra tua casa, sabe? Eu te ajudo, sustento a tua casa... A comunidade dá alimento pra essas parteiras, sabe? Pra nada faltar pra elas, mas não tem uma qualidade de vida, né? E povoaram o mundo. Então assim, precisam honrar essas mulheres, sabe? Um dos meus propósitos, inclusive, porque quando Suely com a Organização Mundial da Saúde fez esse resgate de algumas parteiras, Mato Grosso do Sul não entrou no censo. Então, nós nem temos a estimativa de quantas parteiras a gente tem aqui. Eu sou a única parteira reconhecida pela Tradição, né, pela nossa escola. Mas a gente não tem conhecimento de outras parteiras aqui. Assim, legitimadas. A gente sabe que existe, né, mas a gente precisa fazer esse resgate. Te convido, Letícia, a fazer isso. Eu queria perguntar mais assim, em relação à definição, porque o movimento da parteira da Tradição, o movimento antigo, né, como você disse, e aí surge o da Humanização, existem mais vertentes de parteiras? A Tradição, né, que a gente diz aqui, a Tradição Ancestral, ela parte da escola Esqta (confirmar nome que isso ficou bosta), né, que é de saberes e cultura ancestral, que foi fundada por Suely Carvalho, que é essa parteira que eu estou te dizendo, foi ela que fez inclusive esse censo, junto com o Ministério da Saúde, e que reconheceu várias parteiras do país. E que levou conhecimento, um pouco mais de conhecimento, inclusive técnico pra essas mulheres, porque Suely é enfermeira. Então, existe a Tradição, que é esse resgate, essa escola, que reuniu essas parteiras e que hoje continua formando parteiras, inclusive, pelo Brasil, jovens parteiras, né, e o resgate dessas parteiras da ancestralidade. Agora, a gente está querendo fazer inclusive o censo aqui, das parteiras
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dessa região que não tem, trazendo essas mulheres pra dentro da Tradição. Mas existem parteiras pelo mundo, e também existem outras parteiras pelo Brasil que não fazem parte da nossa escola, que podem ser de outras vertentes, né, mas que a gente... não digo que a gente desconhece, nós não desconhecemos, mas que talvez não estejam inseridas dentro da nossa escola ainda, talvez em algum momento vão vir, entende? Que na realidade, a escola foi... É isso, é uma reunião dessas parteiras as quais a gente foi encontrando e foi agregando, entende? Mas existem muitas parteiras ainda fora. Existem outros movimentos. Tem uma parteira, que eu não sei se é americana, depois você entra e verifica isso direitinho, chama Inah May. E essa parteira, ela começou um movimento meio hippie, sabe, na época do movimento hippie, e ela andava com um comboio que vivia atrás delas, as comunidades todas, e ela ia fazendo os partos pelas comunidades, sabe? Mas também é um tipo de parteira, ela também resgatou isso da ancestralidade, entende? Então, acredito que na realidade, todas as parteiras vão vir do saber da ancestralidade, do saber nato, né, dessa mulher mesmo, sabe? Do feminino... e toda parteira é uma força resgatada do feminino. É uma grande sábia, é uma mestra, é alguém que traz com ela muito conhecimento. Você vê ações públicas pra acabar com a violência obstétrica? Essa questão... Eu vejo assim, de entrar com advogado e tal, e as próprias leis que estão começando a surgir no Brasil, eu vejo mais na América Latina, pra punir a violência obstétrica, essa questão do abuso do médico, mesmo. Como é que você vê isso, você acha que as ações existem? Elas são eficientes? As ações legais, eu digo. Eu acho assim, que hoje, com essa coisa da humanização, com o movimento da humanização, inclusive; que a gente fala que dentro do movimento da Tradição a gente apoia o movimento da humanização, mas a gente não faz parte. Então, esse movimento trouxe com a militância, trouxe algumas reivindicações que, lógico que fizeram algum efeito aí. Inclusive de informação pra essa mulher. Eu acredito que a maior força que tem é a informação. Não tem outra tão potente, tão forte quanto trazer informação pra essa mulher. Porque eu acredito que o movimento da humanização, o movimento do nascimento no sistema, ele vai acontecer de fora pra dentro, é o contrário. Ele vai acontecer ao contrário. Do movimento das mulheres, do empoderamento dessas mulheres, das informações, né... pra dentro do sistema. Se a gente ficar esperando que
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o sistema vá fazer esse movimento, vamos ficar esperando por muito tempo, né. E as medidas legais, eu acredito que elas são muito... Eu sinceramente, eu não acredito nisso. Eu não acho que isso seja eficaz, porque como eu te disse, daí fica reforçando a vitimização. E quando a gente reforça a vitimização, a gente tá vibrando nisso, então vai ficar sempre nessa luta. Mas esse caráter punitivo, você acha que não deveria ter? Não, eu acho que deveria ter. Mas eu acredito que tem que trabalhar de uma outra forma. Tem que trabalhar de uma forma consciente e sistêmica. Não na culpa, não no julgamento, não na vitimização, sabe? É o meu olhar, o olhar também de terapeuta sistêmica, e como eu compreendo o movimento da vida, né. O movimento da vida é de um movimento de um amor cego. De querer organizar os conflitos, mas com conflito, entende? Isso não vai dar em nada nunca, vai continuar, o movimento de correr em volta do rabo. Ótimo, “ah, tem que punir?”, tem que punir; então vai viver a vida inteira, vai ter acontecendo as coisas e a gente vai estar punindo, na realidade, a gente precisa encontrar soluções assertivas pra esses movimentos. E essas soluções assertivas, elas não são encontradas na vitimização, não são encontradas na culpabilização e nem no julgamento. Essa é a minha forma de pensar.
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Entrevista 6: Francielli Valle - mãe Data: 02 de março de 2017
Meu nome é Francielli Cristina Barbosa do Valle Rodrigues, meu marido é pastor, nós cuidamos de uma igreja e eu faço psicologia e sou do lar também, como o Pedro é novo e tal, decidimos que eu não ia trabalhar e ia mais cuidar dele, e como agora ele está indo pra escolinha, estou pensando em voltar a trabalhar. Pedro tem 2 anos e 4 meses. A Bianca tem 17 e o Ian tem 14. Como foi sua preparação do parto, quando você teve o Pedro? Do Pedro foi uma coisa totalmente diferente dos outros, porque dos outros eu fui mãe solteira, e do Pedro eu casei, né, esperamos um tempo pra que a gente tivesse um filho, vou fazer 7 anos de casado em novembro. Só que antes do Pedro eu perdi um bebê, com 4 meses, quando eu descobri que era um menino. O médico falou que com seis meses eu poderia engravidar de novo, mas esperamos nove meses. Então, o Pedro foi muito sonhado. Veio fruto de um casamento, pra mim de uma restituição de família, coisa que eu não tive com os outros, então ele foi muito sonhado. Com quase 23, 24 semanas eu tive um sangramento muito grande no trabalho aí já fiquei com medo de ser um aborto, porque eu já tive esse outro aborto. E aí fui no médico e ele fui que não, descobrimos que eu tinha um problema na placenta que não lembro o nome, e eu precisava ficar de repouso. Pra mãe, trabalhadora e tal era difícil né, foram quase dois meses. Eu fiz todo esse repouso e com o Pedro deu tudo certo. Meus outros dois filhos foram partos normais, então nunca na minha cabeça passou uma cesárea. Jamais. Você pensou na doula antes? Não, não tinha pensado na doula porque eu não conhecia. Pelos grupos do whats app e tal de mães, aí eu descobri. Eu não tinha dinheiro pra pagar uma doula, nem pedi pra elas nem nada e tal, e uma amiga até disse que poderia me auxiliar, mas só descobriu que eu estava sem doula depois e tal. Faltando umas duas semanas pro Pedro nascer, eu descobri uma doula voluntária, a Márcia. A Doula Maria que me indicou e tal, e bem quando sentamos pra conversar, eu entrei em trabalho de parto. Ela foi e me
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acompanhou, mas não conseguiu entrar o hospital. Eu estava com 40 semanas e 5 dias. Foi pela Santa Casa. Primeiro eu fui pro HU, como não tinha pediatra no HU, fui para a Santa Casa. Eles estavam em greve. Tanto é que eles nem iam me atender. A médica, dr joana, só me atendeu porque minha médica havia ligado e pedido, mas por não ter pediatra, fui encaminhada. Estava com 10 centímetros de dilatação. Falei ‘vou ganhar, né!’. Ela falou ‘não tem pediatra’, eu falei ‘não tem problema, doutora, vai assim mesmo’, e ela falou ‘não, posso, não posso’. Hoje eu penso que deveria ter ficado né, deveria ter falado ‘daqui não saio’. Mas eu tive que ir pra lá. E aí lá a Márcia não conseguiu entrar, que é uma coisa terrível mesmo. Se você não tá pagando plano de saúde, alguma coisa... Aí cheguei na Santa Casa, entrei... Por isso que eu falo, a violência já começa quando você é recepcionada, né. Porque eu lembro que entrei com uma outra amiga e meu marido ficou embaixo fazendo a papelada. A gente entrou e eu fui pra um setor que não era onde eu tinha que ficar, né. “Que que você tá fazendo aí?”, “não, eu vim pra ver né”, e aí fui voltando, e no que eu vim, essa dr. Alessandra, uma japonesa, falou assim ‘uai cadê a menina que está ganhando neném?!’, aí eu falei né ‘ué vou ter que estar gritando agora’. Eu estava muito tranquila, até porque já tive dois partos normais, então eu já sabia o que ia acontecer, o que eu ia passar. Vinha as contrações e tal... E aí ela veio me examinar. Pegou e falou ‘olha, vou estourar sua bolsa’, daí eu falei ‘não’, porque eu tinha lido, eu sabia, eu tinha estudado. Não deu nem tempo, mandou eu tirar a roupa e você fica muito a mercê, assim ‘será que o que eu to fazendo tá certo?’, ‘será que se eu falar alguma coisa, se eu brigar, se eu discutir, eles vão me ouvir, ou não vão me ouvir, ou vão me deixar penar mais por causa do sistema, né’... Aí eu lembro que eu deitei na maca, ela estourou a minha bolsa, aí já mandou eu ir lá pro pré-parto, já chegou uma enfermeira colocando ocitocina, eu falei ‘não quero’, não precisava daquilo né, porque eu já estava em trabalho de parto. Nem me examinou. Ela até estourou uma veia minha, eu até falei ‘moça, pelo amor de Deus coloca no outro braço’, sabe quando a pessoa é totalmente deixada, não olham pra você? Não estava nem aí. Lembro que ela colocou de novo, eu coloquei de novo, falei ‘não acredito que está acontecendo isso’, porque eu sonhei demais com o meu parto normal, minhas conversas eram só sobre isso, jamais passou uma cesariana na minha cabeça. Tanto é que eu falo ‘eu nem me preparei pra isso’, se acontecesse. Porque na minha cabeça, como eu já tinha tido dois partos normais, a
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minha médica, dr. Paula, falava, ‘fran, vai ser super fácil seu parto, porque você já teve dois normais’, então eu não tinha essa coisa de cesárea na cabeça. Os dois partos normais foram na Cândido Mariano. Eu não fui pra Cândido por orientação da minha médica, ela ligou pra saber quem estava de plantão e eles eram cesaristas. E ela falou ‘não vou deixar você cair nessa’, então vai pro Hu. E aí aconteceu tudo isso. Aí lá começou toda aquela coisa, vinha contração, e eu fazendo força, fazendo força, lembro que veio um estagiário, muito bacana, eles iam me apoiando e tal, eu e meu marido, a minha amiga e a doula não puderam ficar. Faz força, faz força. Eu estava sem me alimentar, não tinha tomado café da manhã, e aí você já fica fraca, né, pela dor... Aí você já tá com sua cabeça de ouvir tanta coisa... Aquelas tiração de sarro... ‘por que não foi pra um particular?’ porque eu sempre pedia que fizesse o toque pra ver se ele já estava descendo, pra acabar aquela dor, né. Aí eu fui pra banqueta, não gostei, eu fazia força, aí saía sangue, saía cocô, e você fica com vergonha daquilo... Nos meus partos normais eu fiz em posição ginecológica. E meu marido junto, e fica aquela coisa de você travar pela vergonha. Lembro que veio uma menina pra limpar, e ela falou ‘não precisa ficar com vergonha, é seu parto’, aí foi quando eu tentei relaxar, já estou aqui, né. Aí ela começou a fazer uma massagem em mim, ensinou meu marido a fazer uma massagem, e ela era da limpeza. Por isso eu acho tão importante também o pai participar dessas rodas, a gente nunca tinha ido pra uma roda, nunca tínhamos conversado com uma doula, ia ser nesse dia e tal, então pra ele era muito assustador, né, diferente. Aí essa dr. Alessandra chamou o dr. Aguilera, ele fez o toque, e falaram que tinha bossa (cabeça ovalada do bebê, não é indicação de cesárea), não sei o nome, que tinha uma parede no canal vaginal, que eles poderiam limpar, poderiam deixar no tempo acontecer e tal, e aí falava ‘olha aqui’, ai ele vinha, colocava a mão, fazia... Aí eu fui ficar de quatro, pra mim, na maca, a posição de quatro era melhor. Aí ‘não, vira, não pode ficar assim’, por causa do soro e tal, mas pra mim a posição era a melhor, mas eles não deixaram. Aí tinha que voltar pra posição... E aí foi quando o dr. Aguilera voltou de novo, falou ‘olha, viram o batimento, tá tudo certo, mas...’, ele falou pro meu esposo ‘agora tá tudo bem, mas daqui a pouco pode ser que não fique tudo bem’. Aí meu marido inexperiente, com dó, porque ele chorava junto comigo, né. Aí eu lembro que veio uma moça e falou que eu tinha que
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assinar os documentos da cesárea. E eu tendo contração, o tempo inteiro. Aí eu falei ‘não, não, não quero’. Teve um momento que eu até falei pro meu marido que queria, mas aí depois falei ‘não, já estou aqui mesmo, na partolândia né’, e a dor é insuportável. E você ouvindo de tudo... Se você tá num ambiente que você tá relaxada, que você tá tranquila, o processo vai né. Poderia sim chegar, né, realmente se não desse mesmo, se tivesse que ser uma cesárea né, por causa do bebê alguma coisa, mas no meu caso realmente foi porque não quiseram, não tiveram tempo. Eu lembro que era dia dos médicos, dia 18 de outubro, e eu até falei ‘parabéns doutora’ pra quebrar o gelo, né, ver se amolecia o coração dela. Aí a menina veio e já me levou pra cesárea. Eu fui muito contra a minha vontade, assinei, fui, no elevador tive outra contração, aí eu começava a fazer força pra ver se ele vinha, pra não chegar nem lá no centro cirúrgico. O pessoal do centro cirúrgico me tratou muito melhor que o pessoal que estava lá no pré-parto. Eu lembro que estava na maca, uma maca bem estreita, tive outra contração e eu sentei, assim, de cavalinho sabe... E a enfermeira ‘moça, você vai cair, cuidado’, e eu na minha cabeça sabe, ainda ‘Deus, me ajuda pra ter esse parto normal’ e tal, né. Dali eu não tenho nenhuma recordação boa. Eu me entreguei mesmo, fizeram meu parto, eu não tive aquela alegria; toda a expectativa que eu tinha de arrumar o quarto pro Pedro, de fazer enxoval, de fazer chá de bebê, tudo, pra mim acabou. Tiraram o Pedro, rapidinho, ele nasceu bem grande, 51cm e 4,25 kg, bem cabeludo, e meu marido todo feliz, e eu estava com muito sono. Eu vinha, voltava, vinha... Eu não queria conversar, não queria ver ele... Aquela coisa do sonho que acabou. Meu marido trouxe ele, mostrou, olhei, ‘ah que lindo’. Eu chorava, mas eu não chorava de alegria, eu chorava de tristeza, de remorso, de ‘poxa vida, não acredito que chegou nisso’. Aí fiquei pensando, porque não paguei um plano, porque... A minha médica, dr. Paula, eu pagava as consultas, mas pra eu pagar particular, eu não tinha plano de saúde, ficava muito caro, 7, 8 mil reais. Eu não tinha condições de fazer. E eu ficava pensando ‘poxa porque não planejei isso também’. De poder ter o parto respeitoso que eu sempre sonhei, que sempre quis, porque quando tive Bianca e Ian foi normal, e foi pelo sus. Naquela época, 17 anos atrás, eles quase não faziam cesárea. Pelo menos no círculo de amigas que eu tinha, era tudo parto normal. Porque era tudo pelo SUS mesmo né. Quem tinha cesárea era quem tinha uma classe social melhor e tal.
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E aí fiquei pensando ‘por que não foi desse jeito, né?’ Eu tive dois partos normais, por que não foi desse jeito? Eu lembro que eu fui pro quarto depois de horas... Colocaram o Pedro em você? Não, já levaram ele, fizeram todos aqueles procedimentos que fazem, acho que só não colocaram o colírio, mas a sonda pra limpar, tudo, colocaram. Meu marido já estava lá fora, tinham pedido pra ele sair... Ele demorou pra me ver. Só trouxeram, mostrou... Ele nasceu 13h20 da tarde, eu fui pro pós cirúrgico 17h, foi aí que eu fui ver ele. Ele não mamou todo esse tempo? Não. Eles deram leite artificial pra ele. Minha amiga pediu pra trazerem ele, porque eu não tinha ficado com ele ainda. Meu marido entrou no quarto, nisso a enfermeira trouxe ele e eu falei ‘ah, ele tá dormindo’, já estava com a roupinha que eu pedi pra colocar e tal... E aí, quer dizer, eu não dei banho, não foi meu marido que deu banho, nada daquela coisa que a gente tinha imaginado, né, foram eles. Aí a enfermeira ‘brincou’, ‘você vai descansar bastante, mamãe, porque a gente já deu um leitinho pra ele’. Como assim, eu falei ‘que leitinho?’, aí ela falou ‘ah a gente dá um copinho com leite artificial’, aí eu disse ‘mas eu não pedi pra dar leite nenhum, eu queria que meu filho mamasse em mim’. Aí saíram lá, ele dormiu bastante, não deu um pingo de trabalho, mas o meu leite não descia. Por causa de tudo isso, ele não descia. Meu leite foi descer, Letícia, sete dias. Eu estava em casa quando o leite foi descer. Pensa o desespero da mãe. Quando a gente veio pra casa, aí foi muito triste, porque as pessoas vinham, e muito mal informadas ‘ah, foi a melhor coisa, você ter tido uma cesárea’, e tal, e isso me deixa mais nervosa. Foi quando eu pedi pro meu marido suspender as visitas, não queria mais ninguém em casa, ele chegou a comprar uma lata de nan pra poder dar, porque minha mãe e minha sogra ficavam pedindo... As pegas dos outros foram normais. E ele chupava tanto, tadinho, que começou a machucar. E eu sabia que tinha que tomar sol, então eu ia, de manhazinha, tirava o sutiã, deixava tomar sol pra poder cicatrizar. E aí no sétimo dia, graças a Deus, ele mamou. Antes disso eu já tinha ido no posto de saúde com ele porque ele não fazia cocô, mas como fazer cocô se ele não estava mamando, né. Mas foi muito triste. A violência não é só o ato, é tudo, desde o primeiro momento que você chega pro atendimento, o jeito que falam com você, o jeito que tratam você, isso é
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realmente muito triste. A gente vê muitos casos mesmo. Antes eu achava que era só comigo, depois que você começa a conversar com outras pessoas, você vê que não foi a única, sabe. Você sentiu também um tratamento diferenciado por ter ido pelo sus? Muito. Muito. Muito mesmo. Porque eu vejo amigas que fizeram todo o parto, tudo, por causa de um plano de saúde, é totalmente diferente. Quando você percebeu a vo? Como foi pra você assimilar tudo isso? Eu só não entrei em uma depressão por causa da minha família. Porque estava todo mundo ali junto, e eu pedia pra eles ‘olha, não quero que fale mais sobre a cesárea’, porque era uma coisa que não tinha passado na minha cabeça... O que me ajudou muito foi minha médica, as meninas do nosso grupo de mães, todas... ‘você tá precisando de alguma coisa, quer que eu vá aí te ajudar?’ ‘não tá dando a pega?’ e eu falava ‘não é, gente, é porque não tá descendo o leite’. E eu queria ficar assim, isolada, queria ficar no meu quarto, com ele, ele só dormia, era muito bonzinho... Meus outros dois filhos chegaram a entender aquele processo todo, né. Esses dias a gente foi num aniversário e tinha uma doula, e ela perguntou como foi meu parto e minha filha respondeu ‘gente, minha mãe jamais imaginou que ia ter uma cesárea!’. Porque na minha cabeça, eu sempre ia ter parto normal. E eu era mais louca ainda, de pensar em ficar em casa e ter em casa, e eu penso em ter outro filho, e eu penso sinceramente se eu quero sair, penso em ter em casa, sozinha, igual bicho, pra não passar por tudo isso né. Quando você conhece, quando você lê, entende, vê experiências de outras pessoas, você começa a entender que a violência não é só de um jeito que pegam em você, de um soro que colocam em você, é desde o momento que você chegou, o que vão falar com você, como vão tratar você, o tratamento... Não precisava ser daquele jeito, grossa, rude, sabe. E eu fico imaginando aquelas pessoas que não tem estudo, que não tem informação. Imagina chegar lá assim e ser tratada desse jeito. Eu fico pensando, tem gente que fica com medo de falar, de dar uma má resposta e ser muito mais maltratada, porque acontece isso, a gente sabe que acontece, em tudo quanto é lugar acontece desse jeito. Você chegar e querer colocar ‘não, mas não é assim e tal’. Quando eu fui protocolar o plano de parto na Cândido Mariano, antes de ter o Pedro, eu estava com 35 semanas, aí minha médica falou pra eu ir protocolar o plano. Uma amiga passou um modelo, mudam poucas coisas
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né, aí na hora, imprimi, levei na recepção da maternidade, e aí as meninas não sabiam nem do que se tratavam. Eu falei ‘como que vocês não sabem?’. Não sabiam. Foram lá, chamaram a enfermeira-chefe, ela veio falar comigo, falou ‘olha, a gente não vai protocolar porque não tem nada a ver isso’. Depois minha médica veio me contar que o presidente do hospital chamou ela e deu um ralo nela, falou que era pra parar esse negócio de paciente ficar protocolando plano de parto, que não existia isso. Fran, você nunca pensou em denunciar? Na época, a Camila Zanetti falou comigo, acho que um promotor queria ouvir meu depoimento, mas naquela época eu ainda estava muito na emoção, sabe? Estava indecisa. Isso logo depois que ela soube, me procurou. Eu fiquei de conversar com ele, no dia não consegui ir, fiquei muito mal, não queria ficar lembrando de tudo isso, e com o tempo a gente amadurece. Conheci outras meninas, cada uma foi passando suas experiências. E depois eu comecei a pensar, porque na época meu esposo falou ‘deixa quieto, não vamos mexer com isso, não vamos falar nada, já aconteceu’. Só que com o tempo eu fui conversando com ele e falando ‘amor, mas isso pode acontecer com outras meninas, eu não gostaria que acontecesse com outras mulheres’. Se eu posso denunciar... Aí a gente foi conversando. Até quando você perguntou, né, se eu queria falar anonimamente, eu pensei, não, não vou, porque pra mim eu estou sendo curada também, sabe, não tem porque eu me esconder, eles que têm, eles que devem, eles que fizeram tudo isso. Eu tenho ainda vontade de denunciar. Eu pra conseguir falar abertamente, foi agora. O Pedro tem 2 anos. Eu não conseguia falar, eu chorava, ficava com raiva, então é um tempo, é um processo a longo prazo. Tem algo que você gostaria de acrescentar? Acho que a família, né, eu me arrependo muito de não ter ido nessas rodas junto com meu marido, as vezes o trabalho, as coisas, a gente coloca isso por cima e tal, e é importante sentar juntos, ouvir, a família tem que estar presente, os filhos, o marido, aprender sobre isso.
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Entrevista 7: Tatiana Marinho – Doula da Humanização Data: 10 de novembro de 2016
Tatiana, fala um pouco de você, há quanto tempo você é doula... Sou doula da Humanização há 12 anos. Eu comecei tendo contato com grupos de gestante num curso de shantala (confirmar palavra). Fui fazer o curso pra ser instrutora de shantala e comecei a ter esse contato com as gestantes e me apaixonei pelo meio e fui fazer o curso e não parei mais. Sou doula, sou educadora perinatal (confirmar palavra) também. Tenho graduação na área da saúde, mas que não tem a ver com o trabalho de doula, né, sou terapeuta ocupacional. Você pode definir qual a diferença de doula e de parteira? A parteira é responsável pelo parto, pela questão do bem-estar, de saúde, né, da mãe e do bebê. A doula é responsável pelo responsável físico e emocional da gestante. Então, a parteira faz os procedimentos técnicos, de aferir pressão, de monitorar o bebê, fazer toque; essas coisas doulas não pode fazer. Doula não faz nenhum procedimento técnico que cabe a outra pessoa da equipe. Então, o papel da doula é dar suporte físico emocional pra gestante. Como você conheceu o movimento e como vê a evolução da estruturação do movimento das doulas ao longo do tempo? Como eu já estou há muito tempo como doula... Mudou muito o cenário. Muito mesmo. Não só o cenário das doulas, por hoje a gente ter bastantes doulas, né, mas também a questão dos médicos, né, da aceitação das doulas, da aceitação de que a mulher seja a protagonista da história. Então, há 12 anos atrás, a gente falava “ah eu sou doula”, “você é o quê?”. Então, tem que ficar explicando, os médicos nunca tinham ouvido falar... As primeiras gestantes que eu atendi em Campo Grande foram gestantes que moraram fora, ou fora de Campo Grande ou fora do Brasil. Porque essas tinham acesso a um pouco mais de informação em relação ao parto que elas queriam, que antes não se chamava parto humanizado, apenas parto normal. Mas era esse o público que tinha, que procurava doula. E um médico que indicava em Campo Grande. Hoje, a gente já tem mais médicos que tem essa visão, que veem a importância do trabalho da doula pra
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aquela gestante, pro trabalho de parto, e hoje têm muitas doulas, né. É na cidade, então pode atender muita, tem mais gestantes tendo acesso a esse tipo de trabalho. Em relação à legislação, que os hospitais ainda barram muitas vezes a entrada da doula, como é que você vê essa falta de visibilidade, de reconhecimento desse trabalho? Existem várias coisas, Letícia, que acontecem nesse meio. Uma é: a falta de conhecimento do trabalho da doula. A outra é: a falta de querer conhecer o trabalho da doula. Assim como existem profissionais e profissionais em todas as áreas, também acontece com as doulas. E às vezes um médico teve um problema com uma doula, e aquele problema foi passado igual telefone sem fio, né, pra todo mundo, e aí ninguém gosta de doula por causa daquele caso específico que aconteceu. É a mesma coisa de eu falar, “ah então um médico, aconteceu um erro médico comigo com aquele médico, então não vou confiar em mais nenhum médico no mundo”, né, mais ou menos isso, dessa forma com que eles agem. A outra coisa é eles terem medo das doulas no parto. Por quê? Porque muita coisa que é tradicional de ser feito, que é ensinado dentro de muitas maternidades, é violência obstétrica. E as doulas são testemunhas disso que acontece. Então, eles têm medo de serem observados. Medo do que a gente está pensando, do que eles estão fazendo, e de serem julgados, porque as pessoas têm medo de serem julgadas. A outra questão também é a falta de reconhecimento sim, porque acha que doula, como a doula não precisa ter uma formação acadêmica, é uma formação técnica, ela não sabe nada. E pelo contrário, a gente estuda e muito, faz muito curso, e a gente sabe muita coisa que vai além do trabalho só da doula. Então pra você sabe o que é uma violência obstétrica, você precisa estudar muito, todo tipo de intervenção, né... Conhecer esse universo. Não dá pra ser doula sem saber o que que é parto, sem saber a fisiologia do parto. Não tem como. Então, a gente estuda e muito, não é pouco. Em relação à lei, se eu não me engano, eu fiquei sabendo que tem um projeto de lei pra ter carteirinha, algo assim, de sindicato, como que está isso? Assim, existe hoje uma lei municipal, fraca, cheia de lacunas. Muito fácil de ser derrubada. Aí nós fomos procuradas por políticos pra fazer a lei estadual. Só que dessa vez, quando foi feita a lei municipal, as doulas não foram consultadas. Então, foi feito, né... Assim... Dessa vez, as doulas foram consultadas, as doula opinaram sobre aquilo
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que foi escrito... Eu entreguei esse documento ontem lá na Assembléia, colocando, as nossas colocações frente ao que está escrito, ao que a gente acha que deve incluir, o que a gente achava que deveria ser excluído do que nos foi apresentado, então foi uma lei que foi feita em conjunto com todas as doulas, então uma lei estadual que está em andamento. Provavelmente só vai sair ano que vem né, a gente já está em novembro... E nós estamos também no processo de andamento da Associação das Doulas Estaduais, estadual. Nós acabamos de terminar de compor os membros da Associação, né, e já temos o projeto escrito, falta uma última reunião pra entregar pro advogado, pra ele dar entrada. A lei das doulas é a lei n. 5.528, 10 de março de 2015. E nessa lei está falando o quê? A lei coloca uma obrigatoriedade das maternidades, hospitais, instituições à entrada da doula, no período de parto, pré-parto, pós-parto imediato. Essa lei não é 100% cumprida. Quando o médico resolve que não quer deixar entrar, ele não deixa, não é a instituição, mas o médico. Então, têm alguns médicos que não permitem a entrada das doulas e não existe uma punição real, então a lei ficou muito fraca nesse sentido. “Ah, tem que fazer denúncia”, e aí a instituição vai ser notificada. A lei do acompanhante também não tem punição, né. Não. São falhas na lei. Por quê? Porque as pessoas não foram buscadas pra se falar sobre isso, já nessa proposta nova, nós colocamos as punições, não só pras instituições como pras doulas também. Aquelas doulas que infringirem o termo ético da doula também vão ser punidas, também vão receber punição. A gente tem que pensar dos dois lados. Mas no caso dessa lei municipal, se eu chegar com o Procon, com a Polícia, algum órgão, eu consigo a entrada? Ninguém nunca fez isso, porque é muito difícil fazer isso na hora do parto. Ninguém já chega lá com o delegado, com ministério público, não chega. E parto quando que é? De madrugada, os horários que está tudo fechado, né. Então nunca aconteceu. As meninas sempre estão falando “ah, não deixaram entrar”, “não estão deixando eu entrar”, mas ninguém nunca chegou a acionar a polícia pra isso. Essa lei estadual, no caso, ela já viria mais com esse aspecto de tentar fazer uma punição, uma vigilância?
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É, no caso de ser for infringida a lei, sim, e já existir uma punição. Porque assim, se não, não vai se valer a lei. Eu tentei fazer a denúncia quando eu fui proibida de entrar no centro cirúrgico, que seria o órgão competente, que seria a Sesau... Sesau não sabia o que fazer. Eles não sabiam. A lei que foi infringida foi a minha, não a da gestante. Quem tem que fazer a denúncia sou eu. E elas queriam o número do cartão do Sus da gestante, e eu falei “não, não é pelo Sus, é sistema privado”. “Ah, mas ela...”, “Não, a lei não é dela, é minha, eu fui impedida de exercer a minha função”. Eles não sabiam nem agir. Não. Então, até nessa lei a gente pediu pra que fossem colocados cartazes nas recepções das instituições, falando sobre a lei e falando sobre o trabalho da doula também. Como é que é o movimento de doulas e parteiras na Humanização? Dentro da Humanização, a gente trabalha dentro da medicina baseada em evidência. Que é meio que diferente das doulas da Tradição. Conheço um pouco mais do trabalho da parteira da Tradição do que das doulas da Tradição. Então, a gente trabalha nesse movimento: medicina baseada em evidência, direitos da mulher, os direitos do bebê... Então, seria nesse sentido. E vocês fazem também acompanhamento pré-parto? Pós-parto né? Aí depende de cada doula, né. A maioria acaba fazendo um acompanhamento antes do parto, sim, né, principalmente as educadores perinatais, e acompanhamento de amamentação, algumas, não são todas; quem teve amamentação nos módulos, nos cursos, faz, também o acompanhamento de amamentação depois do parto. E as rodas, como elas funcionam? Existem vários tipos de roda, né. Em Campo Grande tem a que você conheceu, nós temos a roda do Gamaal (pesquisar sigla), não sei se você conheceu o Gamaal também, tem sábado agora que vai falar sobre o parto humanizado no Sus. Onde que é? Eu vi que ia acontecer na livraria... Ah, foi do mês passado. A do mês passado foi sobre perdas... Nunca tinha acontecido durante a semana. Tem três anos, nos três anos sempre foi no sábado ou no domingo. É sábado à tarde. Depois eu te mando o link. Então, tem o Gamaal, o Gamaal é uma roda aberta, pro público, né... São temas relacionados à gestação, parto e
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amamentação. Maternidade ativa. A gente... Mês passado foi tratado sobre o tema de perdas, né, por conta de estar relacionado à gestação. Ele acontece uma vez por mês, acho que já tem uns três anos que acontece. Esse ano a gente conseguiu fazer janeiro, que a gente não conseguia fazer janeiro e dezembro, porque as coordenadores sempre estavam viajando, mas esse ano vai sair, de janeiro a dezembro, bem bonitinho. Eu faço rodas aqui com as gestantes que eu acompanho. Então as minhas rodas são pra, não que eu não queira atender outras gestantes, eu não tenho espaço físico pra isso, com as que vêm já fica cheio, porque não é só gestante, vem o casal. Então, vem os casais, pra ouvir relatos de parto. Então sempre vem o casal, que teve o parto, parto normal, e aí ela relata o parto pras outras gestantes e elas vão tirando dúvidas, e desmistificando alguns medos relacionados ao parto, tem dado certo. Tem ajudado as outras. Como é que você caracteriza o parto humanizado? O parto humanizado é aquele parto que respeita a fisiologia do parto e os desejos da parturiente. Desde que esteja tudo bem, que não precise de nenhuma intervenção, a mulher tem que ser a protagonista dessa história. E o parto, pra cada uma, ele tem um tempo diferente pra acontecer. Uma forma diferente de acontecer. E isso tem que ser respeitado. O parto, não adianta você abrir um livro e tentar seguir o parto por aquele livro. Eu em 12 anos de profissão, muitas falam assim, “Tati, pela sua experiência, que hora, quanto tempo você acha que vai demorar?”. “Olha, com toda a minha experiência, a única coisa que eu posso te falar é: não sei”. Porque a gente nunca sabe o que vai acontecer num parto. Então, é respeitar esse processo. Tem um corpo que evolui muito rápido, tem um outro corpo que demora muito pra evoluir, tem um bebê que desce diferente do outro, que demora mais pra descer... Então desde que esteja tudo bem, isso tem que ser respeitado, esse é o parto humanizado pra mim. E como é que você caracteriza a violência obstétrica? É um outro problema... É um problema assim: muita coisa que vem ensinada na medicina tradicional não é baseada, principalmente na obstetrícia, não foi baseado em evidência quantificada. Então, foi um fulano que achou que se fizesse aquilo ia ser melhor pro parto e todo mundo sai fazendo. Como a episiotomia (confirmar termo). Então assim, mutilações, aí na parte física, né, mutilações como a episiotomia sem a autorização da mulher... Porque tem mulher que acredita que aquilo vai ser o melhor pra ela e se não for
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feito, aí vai ser uma violência pra ela. E aí a gente tem que respeitar isso. Então assim, uma episiotomia que não foi consentida... O que mais eu vejo na minha atuação é a questão verbal... De “o seu bebê não pode ficar onde ele tá”, “se ele ficar aí, ele vai morrer”, “se você não deixar eu pôr a mão, seu bebê vai cair no chão, vai morrer, então vou deixar seu bebê cair”. Então muita agressão verbal. Eu vejo muito mais isso do que na parte física, pelos tipos de parto que eu acompanho e os médicos que eu acompanho. E essa coisa de fazer induções sem critério, de colocar ocitocina, que é o hormônio sintético pra acelerar o trabalho de parto... Isso é uma violência, com a mãe e com o bebê. A gente sabe que a Santa Casa foi criticada pelos altos índices de cesariana no sistema público, aumentou, agora tem um monte de parto normal, mas aumentou um monte de óbito e um monte de crianças nascendo com sequela. Por quê? Porque eles estão fazendo o parto de qualquer jeito. E o parto não deve ser feito de qualquer jeito. Se ele precisar de uma intervenção, ela vai ser feita, mas não da forma com que eles fazem. Então assim, essa falta de respeito com o corpo, com o bebê, é violência obstétrica. E isso pode começar na recepção. Então, eu já tive amigas que sofreram violência no pósparto, da equipe de enfermagem. Dela não querer ir tomar banho na hora que elas queriam que ela fosse tomar banho. Ela falou “não, não estou me sentindo bem agora, eu queria ficar aqui”. Ligaram pra médica, pintaram uma cena como se a paciente estivesse tendo um surto psicótico pós-parto. Porque ela não quis tomar banho. Porque ela não quis que dessem banho no neném. Então, essas coisas têm que ser respeitadas. E a violência obstétrica acaba acontecendo tanto no parto normal quanto na cesariana. Muito. Eu tive um caso esse ano que eu fiquei chocada. Eu não participei da cesariana, mas depois ela me contou... Ela tem obesidade, e engordou pouquíssimo na gestação, acho que 6, 9 quilos, foi pouquíssimo. Todas as gestantes obesas que eu tive engordaram muito pouco na gestação, todas. E na cesariana, ele pegou uma fita, esparadrapo lá, colocou embaixo da barriga, suspendeu a barriga dela e colocou o esparadrapo aqui em cima. “Agora sim eu consigo trabalhar”. Esse ano, aqui em Campo Grande. Porque a barriga dela estava atrapalhando ele. E eu já vi cesarianas de gestantes obesas que isso nunca foi necessário, até porque quando você deita de barriga pra cima, o acesso fica super fácil. Então sim, acontece muito nas cesarianas também. E
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o que acontece com o bebê, né. Porque o que acontece com o bebê também é uma violência; essa coisa de dar as intervenções que são feitas de rotina... O colírio de nitrato de prata, ele é feito, ele é colocado como padrão, e têm médicos, enfermeiros, que pingam inclusive em cesariana. Então assim, primeiro, ele é pra um bebê que passou por um canal de parto cuja mãe tinha gonorreia. Essa é a indicação do colírio de nitrato de prata. Só nesse caso. Tá lá na medicina baseada em evidência. Aí ela nasceu de cesárea, você pinga o colírio pra que se nem passou pelo canal de parto?! E quais os riscos que o colírio traz pro bebê? Ele arde no olho do bebê por três horas. E eu já vi entrevista na TV de uma criança que teve uma perda parcial da visão porque ele teve alergia ao componente do colírio. E como que você vai saber se essa criança tem alergia ao componente do colírio se ela nasceu tem 2 minutos?! Então, tem essas consequências. E essa violência do nascimento; você acabou de nascer, você vai receber um negócio que vai ficar três horas ardendo no seu olho, vão enfiar uma cânula (confirmar termo) no seu nariz, vai até a sua traquéia, se você passou por um canal de parto, se você tá conseguindo respirar mesmo se nasceu de uma cesariana, sem necessidade. Sem necessidade nenhuma. Então, a criança toda violentada assim que ela nasce. Você já comentou essa questão do protagonismo da mulher, mas como é que fica assim, o papel da doula, da parteira, do médico e da mulher no parto? Primeiro, durante a gestação, a gente conversa muito sobre o que que ela pensou pro parto dela. Quem tem mais ideias e mais movimentos sobre isso é quem já teve um parto e geralmente não foi tão bom, e ela queria que fosse diferente. Então assim, “o que eu não quero pro meu parto é isso, o resto, o que tiver que ser, vai ser”. Então, a gente trabalha muito em cima disso, os desejos dela, pensando... Sempre explico, a gente nunca sabe como vai ser o trabalho de parto, mas se for possível, a gente vai fazer do jeito que você escolheu. Inclusive a questão da analgesia. Porque tem gestante que fala “eu não quero, se eu pedir, não é pra dar”. Porque ela sabe que no trabalho de parto vai ser diferente. Então, tem que ser um combinado antes. “Eu não quero, sei que pode atrapalhar meu parto, eu sei que pode influenciar no meu bebê e eu não quero analgesia. Tá bom?”, tá bom. Isso eu já... Num caso recente... Tem uns 3 meses, no máximo, que esse bebê nasceu... E foi assim, ela não queria analgesia, combinou comigo, combinou
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com a obstetra dela, combinou com o marido... Então assim, “eu não quero, vocês não deixem eu tomar, se eu pedir não é pra dar”... E isso também foi conversado com a médica dela. E eu lembro que com 3 centímetros tava pedindo anestesia... E foi um trabalho de parto muito dolorido, por n questões... Analgesia atrapalha em quê? Analgesia pode parar as contrações. Se ela para as contrações, você precisa entrar com a ocitocina pra voltar as contrações; são duas intervenções. Cada intervenção pode atrapalhar o trabalho de parto porque uma coisa vai levando a outra. Uma das coisas que pode acontecer é alterar o bebê. Então, o bebê pode ter alteração no batimento cardíaco, ou pra mais, ou pra menos. Pela ocitocina? Só pela analgesia. Às vezes nem entrou com a ocitocina, mas só de ter feito a analgesia, alterou o batimento cardíaco do bebê. Ficou persistente, você já não pode mais continuar. Tem que fazer cesárea. Então... Outros partos mais tradicionais, essa mulher tem diminuição de contração, eles colocam ocitocina, eles colocam o bebê da mulher, eles vão usar um fórceps... Por quê? Porque a mulher não tem força, ela não tem estímulo pra fazer força. Com a analgesia, ela tá anestesia, ela não tem empuxo voluntário, né, que chama. Essa vontade involuntária de fazer força, ela não vai conhecer. Então, isso que atrapalha e muitas vezes acaba levando a um parto com fórceps. Então assim, essa coisa da definição que você perguntou no parto... Quando se tem parteira, não se tem obstetra junto. Pelo menos não no nosso cenário aqui. No nosso cenário por exemplo não tem médico em parto domiciliar. E a gente não tem parteira da Tradição dentro do hospital. O que pode acontecer é eles estarem num trabalho de parto domiciliar com a parteira da Tradição e precisar de uma transferência, e aí quem vai entrar e conduzir aquele parto é a médica. A parteira pode até estar lá dentro, sem problema nenhum, mas o parto a partir dali já não é mais da responsabilidade dela e sim do médico. Então, no trabalho de parto, eu nunca tive nenhum problema em relação à definição de papéis. Eu tô ali pra ajudar a gestante, ajudar a aliviar a dor dela, sugerir posições pra ajudar o trabalho de parto, a médica tá ali cuidando dela, cuidando do bebê, tem que estar fazendo a ausculta do bebê e o pediatra vai entrar na hora que o bebê nascer, entra
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nessa história. Então, tem os papéis muito bem definidos, assim, sem nenhum tipo de problema. Parto domiciliar tem a parteira e tem a doula? Sim. Exatamente por isso, porque a parteira é responsável pelo parto. Como que ela vai cuidar do parto e da gestante? Por exemplo, se ela precisa fazer uma ausculta, durante uma contração, quem que vai aliviar a dor dela durante aquela contração? Então, é cada um no seu papel. Uma doula mesmo que seja enfermeira obstetra, ela nunca deve atuar das duas formas no parto; ou ela vai como enfermeira obstetra ou ela vai como doula. Isso segue dentro das éticas da doula. Tatiana, por que existe violência obstétrica? Eu acho que as pessoas têm pressa e tem necessidade de controle. Tudo a gente quer ter controle, né, então “eu vou ser organizada, eu vou acordar tal hora, eu vou tal hora pro trabalho, tal hora eu almoço, tal hora eu faço”... E a gente tudo muito programado. O parto é uma coisa natural, uma coisa da natureza, uma coisa fisiológica. Assim como a gente não sabe que horas a gente vai sentir vontade de fazer xixi... Um parto acontece da mesma forma. Mas é muito difícil pras pessoas, porque normalmente, quando o parto passou a ser feito nos hospitais... Lógico que diminuiu o índice de morte materna quando isso aconteceu, morte materna fetal, mas também a gente tirou ela totalmente... Quer dizer, se tornou uma doença. Então é sempre procurando doença, sempre procurando um problema, sempre procurando um porquê não pode... ser parto normal, por exemplo. Então, essa pressa, essa necessidade de controle é muito grande no ser humano. Em todos. E aí você dá o poder pra pessoa e aí ela vai decidir o que vai fazer com você. E as mulheres aceitavam isso. Porque era o médico que sabia de tudo. Hoje os papéis estão se invertendo. Hoje as gestantes procuram aquele médico que vai aceitar o que ela quer, porque ela estudou e ela sabe. Então, não existe mais essa coisa de “eu sei tudo e você vai fazer o que eu quero”. Não. Nós vamos conversar. Eu sei sobre como cuidar de você e do seu bebê e você vai me falar como que você prefere, e aí a gente vai trabalhar juntos nesse papel. Por que que muitas vezes a mulher não identifica a violência obstétrica? Porque essa violência obstétrica é cultural. Eles colocaram na cabeça da mulher lá atrás que se não fizesse uma episiotomia, o bebê dela não ia nascer e ia morrer. Ou
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ia nascer com sequela, porque ele tinha que nascer rápido. Entrou no canal de parto, tem que sair. Então, o que que a mulher põe na cabeça? Se não cortar, o bebê não vai nascer, vai morrer ou vai ficar com problema. Então eu vou aceitar isso. A ocitocina... “Ah, mas colocou e nasceu super rápido, não é melhor? Porque daí vai nascer mais rápido?” Então, elas põem na cabeça que vai nascer melhor porque vai nascer mais rápido. Não interessa se vai doer, mas... Elas não sabem que aquilo pode prejudicar elas e bebê. Porque ninguém conta. Eles contam o que eles querem de resultado, que é o bebê nascer mais rápido. E a fragilidade do momento, por exemplo, a questão das violências verbais. Você está muito frágil, muito suscetível no momento do parto. Então, o que te falam, você escuta e as vezes você não tem reação. E o que a gente ouve muito das violências obstétricas, você vai conversar com a mulher, “ah, por que que...”... Do parto normal, “ah não, parto normal é horrível, porque eu tive, porque fulano teve, porque foi...”... “Não, mas como que foi?”, “ah, o médico subiu em cima de mim, empurrou a minha barriga, doeu pra caramba”, que dizer, ela não está reclamando do parto, ela está reclamando de um procedimento que é desaconselhado pela Organização Mundial da Saúde que foi feito nela que é a Manobra de Kristeller, que é empurrar a barriga pro bebê nascer. Então, aquilo foi ruim pra ela, não é o parto em si. Então, aí as pessoas criam aquela cultura de que o parto normal é ruim. Mas quando você vai conversar com elas, não foi o parto, foram as violências que ela sofreu. Abandono... Hoje a gente ainda tem a lei do acompanhante, mas e quando não podia entrar? Aquela mulher estava totalmente abandonada, no meio de pessoas que ela nunca viu na vida, fazendo com ela o que ela não sabe qual vai ser o próximo passo... Por exemplo, os hospitais-escolas, não sei como que está hoje, mas há pouco tempo atrás, eles entravam de hora em hora pra fazer toque na gestante. Porque todo mundo precisava aprender. Mas na mesma gestante?! Então assim, o toque é muito dolorido no trabalho de parto, imagina você fazer isso de hora em hora? Pra uma gestante, uma hora, parece que passou dois minutos, só. Então, esses procedimentos e as mulheres... Tem que fazer o toque? O toque, ele precisa... É a única forma de você ver a evolução do trabalho de parto, né. Por exemplo, nos partos hospitalares, acaba se fazendo na admissão pra saber se interna ou não, e de novo, se começar a demorar demais pra nascer pra saber se esse
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bebê está descendo, e se o trabalho de parto está evoluindo. Mas nada que tem que ser feito de hora ou hora, ou a cada... Às vezes demora três, quatro, cinco, seis horas pra fazer um toque de novo. Tudo depende da fase do trabalho de parto que essa mulher tá passando no hospital. No domiciliar é a mesma coisa, no domiciliar se faz ainda menos toque. Se põe ainda menos a mão numa gestante. Mas precisa saber, em determinado momento você precisa saber... Tá demorando, e aí, tá descendo mesmo? Não dá pra ver pelo olho se o bebê tá descendo ou não. Salvo as exceções, todos os bebês descem rápido demais. Como você analisa a questão da pressa; eu vejo que muitas vezes a mulher não quer sentir dor e muitas vezes ela não conhece o próprio corpo, parece que a cesárea é um passo mais rápido pra ela ter o bebê. Por que a mulher muitas vezes não quer ser protagonista do parto? Primeiro: ninguém quer sentir dor. Se a gente pudesse, a gente escolheria a mágica de parto. Saía daqui de dentro sem dor nenhuma. Ninguém quer sentir dor. Nem no parto normal e nem na cesárea. A gente ouve muito assim “ai eu vou rezar pro meu parto ser bem rápido, porque eu não quero ficar muito tempo sentindo dor”. Ninguém quer sentir dor. Eu não queria ter sentido dor. Mas faz parte do parto, a dor. As mulheres, aí elas escolhem uma cesariana porque elas não são informadas de que uma cesariana tem muitos riscos, pra ela e pro bebê, e que vai doer depois. Se o parto dói antes, a cesariana dói depois. E cada um, óbvio, que tem um nível de dor, assim como pro parto normal, assim como pra cesariana. Então, têm mulheres que não se importam com o que vão fazer com o corpo dela. “Ah, é o que o médico decidir, por mim tudo bem”. E aí elas não se importam. Uma amiga falou um negócio muito engraçado. Essa semana, inclusive, que a amiga dela falou “ah quando eu for ter filho, eu vou ter uma babá durante o dia e uma babá fica durante a noite”, aí ela falou assim “então nem tem”. Por que que você vai ter filho? Então assim, eu não quero sentir dor... Nem engravida. Porque você vai sentir dor de alguma forma. E existem vários tipos de dor, né, dor física e dor emocional. Muita coisa acontece numa maternidade. Na maternagem, né. Então, não tem como não sentir dor, e as mulheres se entregam, porque elas não se importam com o que acontece. É aquela coisa de novo, né, o dia-a-dia, tudo muito bem programado, eu vou me preocupar em sentir dor por quê? Então, vou ficar bonita, vou fazer o cabelo, vou pintar a unha e
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vou pra maternidade ganhar neném. No dia que eu escolher, pra ficar melhor pro signo dele... Enfim. Fica melhor na agenda. Existem ações públicas pra acabar com a v.o? Você acha que existe uma fiscalização real, quando as pessoas entram, dá ganho de causa? Não acontece, sabe por quê? Porque depois do parto elas desistem de fazer a denúncia. E sem denúncia, não tem fiscalização. Por quê? N razões, uma delas é o próprio puerpério, que é difícil. O pós-parto é muito difícil, é um período de transição, de adaptação, de medos, de ansiedade... E aí você acaba... Você se envolve tanto com aquilo que “ai... já foi, deixa, não vai mudar nada pra mim”. O que aquela mulher não tem na cabeça é que pode mudar pra outras mulheres, assim como ela pode ter outro filho. E ser diferente pra ela própria. E existem familiares que colocam na cabeça da mulher que “você vai ter muita dor de cabeça com isso, esquece esse negócio de fazer denúncia”. E é isso que acontece. E aí acaba passando. Nós estávamos conversando sobre isso numa reunião lá em Dourados, até... O Ministério Público tá louco pra cair em cima. Porque ele sabe que existe, mas as mulheres não fazem a denúncia, e se as mulheres não fizerem a denúncia, não vai haver fiscalização. Não vai mudar. É lógico que o que que tem que mudar... Primeiro é a formação. Dessas pessoas, não vou falar só dos médicos, porque a violência não vem só deles. Mas a formação dessas pessoas em lidar com outras pessoas. Tem que começar por aí. E a essência de cada pessoa, não adianta. Tem gente que não vai mudar. Por mais que seja falado, falado, falado... Ela é daquele jeito e ela não vai mudar, infelizmente. Enquanto não acontecer com ela. E aí não tendo denúncia, não tem fiscalização, não tem jeito. O que que você acha que poderia ser melhorado na fiscalização? Então, não adianta ter lei e não ter denúncia, e não ter punição dentro dessa lei. É igual eu falei, a lei do acompanhante existe, desde 2005. Mas se não houve denúncia... Não vai... A gente tá muito longe disso acontecer, e Deus queira que nunca precise, a gente ter um policial na porta de cada hospital pra que as leis sejam cumpridas. Imagina a gente ter que chegar nesse ponto. A questão são os gestores e os médicos, enfim, aceitarem que aquilo é uma lei, que foi feita em benefício das pessoas porque assim foi determinado, e que tem que cumprir, ponto. Igual falando das multas, que tava todo
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mundo reclamando “ah, mas falar no celular, ah, porque estacionar em estacionamento destinado à pessoas especiais... ai que saco, que dá multa, não sei o quê, que tudo é multa”, eu falei “sim. A lei existe. As pessoas simplesmente têm que cumprir. Se você cumprir, você não vai ser punido. É simples”. Só que dentro da obstetrícia, o que que acontece? Eles precisam... As coisas vão acontecendo... Eles não cumprem as leis porque não existe punição. E infelizmente, no Brasil, tudo funciona em cima de punição. E aí existe o caso de que não existem as denúncias. Também. Porque se você, por mais que não tenha uma punição prevista em lei, se você faz uma denúncia no Ministério Público, por exemplo, eles vão fazer uma investigação. E vão atrás. Tatiana, como que a mulher identifica a violência? Eu vejo assim, muitos casos em que o médico mente, ele usa do argumento dele ser médico pra falar qualquer besteira e a mulher acredita... Então assim, eu acho difícil isso, isso quando não forja laudo né. Como é que a mulher identifica essa violência? Com conhecimento. As mulheres têm que estudar sobre gestação e parto assim como se estuda matemática e português. Tem que conhecer. Você está gerando uma vida. Como que você vai ser alheio aquilo que vai acontecer com você e com o seu bebê? Então tem que parar com essa história de que “não, o médico sabe o que é melhor”. Não é. Ele sabe, mas nem sempre ele age conforme aquilo que ele sabe, porque ele vai fazer o que é melhor pra ele. Então, com conhecimento, ela vai saber o que que está acontecendo. O último parto que eu acompanhei no Sus, tem três semanas, e tava tudo muito bem, obrigada, até a equipe entrar na sala. Eu já fui assim, porque falei, “ah esse médico não vai me deixar entrar. E eu não vou bater boca”. Mas acabou deixando, não me proibiu, porém ele também não entrou pra examinar o bebê. Examinou na internação e depois não entrou mais na sala. Foi parto normal. Tipo, “a doula tá lá? Eu não vou entrar”. E aí o bebê não nasceu bem e a culpa foi porque o parto foi humanizado. Peraí, mas onde que o parto foi humanizado? Porque ela teve de cócoras? Cócoras não é um parto humanizado. Cócoras é uma posição pro nascimento. O que é humanizado é o atendimento ao parto. Mas o que aconteceu com o bebê? Ele nasceu molinho. E eu vi que muita coisa do que aconteceu ali foi cena. Assim, pra dar uma fortalecida de que ele foi um parto humanizado e que no parto humanizado,
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o bebê não nasce bem. E depois disso, ela passou a sofrer violência na questão de... “ah, é o bebê humanizado... Esse bebê humanizado não toma banho agora, o bebê humanizado só toma banho a tarde”. “Ah, esse aqui foi o bebê que nasceu humanizado, a pediatra só olhou o papel, ela nem examinou a criança”. Foi assim. É o médico que ficou falando que o bebê ia ter sequela, que ele ia ter problema pra desenvolver quando crescesse. Assim... Sem um exame neurológico, e nem foi tão mal assim que o neném nasceu, demorou pra chorar nem nada. Então assim, mas era um casal que tinha muito conhecimento. Muito. De parto, das questões do recém-nascido... Muito conhecimento. E ela não se deixou abalar por isso. Ela falou “o meu parto foi ótimo. O parto em si. Que eu pude viver”, o que ela não pode viver nos dois partos anteriores. Mas ela sabe que ela sofreu violência obstétrica. Ela sabe, porque ela estudou, porque ela procurou ler e entender antes. Então não se deixaram impressionar, porque um que não estuda, vai falar “não, esse negócio desse tipo de parto aqui não tá certo”. Mas não foi humanizado. O bebê ficou bem? Ficou... Mamando... Quando ela foi pro quarto, ele foi junto. Se ele tivesse realmente nascido mal, não ia pro quarto junto com ela, não tinha recuperado do jeito que recuperou. Mas foi muita cena, teve muita cena. Muita hostilidade, né. Também. Então assim... O médico tinha que estar ali, ele chegou a abrir a porta da sala de parto, uma vez. “Ah, esse aqui já vai nascer”. Fechou a porta e saiu! Foi tipo... Já vai nascer? Então vai lá, auscultar o bebê... Vê se o bebê tá bem” Eles não viram. E também forjaram laudos, que eu vi. Colocaram coisa que não era real lá no laudo. Em relação ao número de cesárea que eu vi dados do ano passado, que o Brasil é o país com o maior número de cesáreas do mundo. Por que isso acontece, Tatiana? A gente tem vários motivos pra uma cesariana. Quando vem da mulher, falta informação. A mulher não está informada do que que é um parto normal e do que que é uma cesariana. Os médicos não... A maioria dos médicos não fortalecem isso na mulher, que ela pode ter um parto normal, que o parto normal é melhor pra ela, que é melhor pro bebê... Tem médico que nem parto normal não faz. Por quê? Conveniência obstétrica. Eu tenho um dia no meu consultório que eu faço pré-natal, e eu tenho o dia na minha agenda que eu faço cirurgia. Eu vou poder viajar, eu vou poder fazer as festas de final de
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ano, meus finais de semana não vão ser turbulentos... Eu posso fazer o que quiser. A minha agenda não vai ser bagunçada. Vou ter uma emergência ou outra, raramente, porque antes de ter eu já fiz o neném nascer. Essa questão do controle... Então, eles se formam ótimos cirurgiões... Então o meu controle é, vou fazer cirurgia porque eu sei fazer cirurgia. Porque parto qualquer tobó pode fazer. Essa é a visão deles. De diminuir, por exemplo, outras categorias como enfermeira obstetra... Porque enfermeira obstetra, ela é qualificada pra acompanhar um parto normal. Cesariana não, só médico. Então eu vou fazer cesariana. Aí entra a questão das intervenções desnecessárias que acontecem muito, por exemplo, né, o uso indiscriminado da ocitocina... E aí mãe e o bebê não ficam bem, acabam precisando de uma cesariana... Então são procedimentos que são desaconselhados pela Organização Mundial da Saúde, que acaba levando à cesarianas, né... Algumas coisas que, por exemplo, que acontecem durante o trabalho de parto, que o médico não sabe solucionar de outra forma, ele vai levar pra cesariana, ou ele acha que o bebê está demorando muito pra descer, não respeita o tempo daquele parto, ele vai levar pra cesariana. E ainda se vendem a laqueadura conjunta com a cesariana, né, mesmo ela sendo não recomendada pela Organização Mundial da Saúde desde 2014. Por quê? Porque aumenta os riscos pra mulher. Porque ela fica mais tempo exposta, então aumenta os riscos de infecção e hemorragia pra mulher. Salvo se essa mulher tem outros problemas de saúde que vão ser piores pra ela se ela tiver que fazer uma nova cirurgia. Mas eles não contam que a laqueadura pode ser feito por vídeo, que pode ser feita depois do parto normal, ou que o homem pode optar por uma vasectomia. “Já vamos fazer a laqueadura, já tá bom de filho”... Em relação ao parto domiciliar, como é que analisam antes se essa mulher pode ter o parto domiciliar? Porque tem uma pré-análise, né, pra saber se essa mulher pode parir em casa, né, como é que funciona? Isso é muito de equipe. É lógico que existem coisas de consenso. A gente sabe que determinadas coisas são muito perigosas e que é melhor nascer no hospital. Aí eu falo que vai muito da experiência daquela equipe, né, daquela parteira, ou da enfermeira obstetra pra atender determinadas situações. Por exemplo, existem equipes que não atendem gestantes de primeiro parto. Em casa. Porque você não sabe como que corpo
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dela vai reagir no pós-parto, que é mais perigoso. O medo é sempre depois, não durante. Porque durante, aquilo que não está indo bem, você identifica e transfere antes que aquilo vire uma emergência. O problema é sempre depois que o bebê nasce; as emergências acontecem sempre depois que o bebê nasce. Cesariana anterior, por exemplo... Têm equipes que não fazem. Fazem com uma, mas não fazem com duas cesarianas anteriores, já é bem menos recomendado ter duas cesarianas anteriores e fazer parto domiciliar. Porque os riscos dessa mulher fazer uma ruptura e uma hemorragia no pósparto são maiores do que aquela que tem uma ou que não tem nenhuma cesariana anterior. Os riscos vão aumentando em pequenas quantidades. 1%. Mas tem equipe que não atende. Ou atende assim, “eu tenho que estar a 5, 10 minutos de um hospital. A sua casa é compatível com essa distância? Aí eu atendo”. Porque é tempo de transferência. Daí você tem que ter alguém lá, já, o ideal é já ter alguém lá pra te atender. Você comunicar que tá transferindo. Existem muitas situações, por exemplo, existem equipes que atendem parto pélvico domiciliar, pélvico é o que o bebê está sentado. Eu não recomendo, porque o bebê pélvico tem mais chances de ter complicação no nascimento do que um bebê cefálico. Mas não tem como virar ele? Existem algumas coisas que podem ser feitas durante a gestação, até 36, no máximo 37 semanas, você consegue. Você pode tentar. Se vai conseguir, é outra história. Tem bebê que “ih minha filha desculpa. Eu vou ficar sentada, eu não quero esse negócio... Eu não vou olhar pra lá não, vou ficar sentado”. E esse bebê pode ter complicações no nascimento porque a última coisa que nasce é a cabeça. A maioria vem bem? Vem. Principalmente se você souber posicionar essa mulher. Mas se essa cabeça ficar? Você tem que saber fazer manobra pra tirar essa cabeça. Essa equipe sabe fazer manobra pra tirar essa cabeça? Porque às vezes tem manobras que você precisa de duas pessoas pra fazer a manobra, que saibam fazer a manobra, que saibam fazer, não adianta você pegar uma doula pra fazer a manobra que não vai funcionar; até porque a doula nem é responsável por isso. E aí? Então essa equipe tem que ter muita experiência em parto pélvico e saber fazer manobra caso seja necessário, porque senão o bebê vai morrer.
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No caso do bebê que nasceu molinho, por que você falou que ele não foi um parto humanizado? Porque o atendimento não foi humanizado. Porque todo o atendimento da equipe foi com violência obstétrica. A enfermeira ficava manipulando o bebê quando saiu a cabeça, porque saiu só a cabeça numa contração, e ela “não, você tem que fazer força”. “Mas eu não tenho contração, como é que eu vou fazer força? Não sai”. E ela ficava manipulando a cabeça do bebê, e aquilo doía na gestante. E ela pedia, “tira a mão daí, tá doendo, você tá me machucando”. Porque ela sabe que aquilo não era necessário. “Ah, então vou deixar seu bebê cair no chão”. Porque ela estava de cócoras. E aí teve uma hora que ela manipulou de novo, porque ela tentou rodar o bebê com a mão e aí a gestante bateu na mão dela, mas sabe uma coisa de reflexo? Tipo, tá doendo, tira a mão daí... Daí ela falou “eu vou deixar o seu neném cair no chão então”. E o médico atrás... Isso foi a enfermeira, e o médico atrás falando, né, “esse neném não pode ficar aí, isso que dá esse tal de parto humanizado, porque não sei o quê”... A enfermeira pediu pra eu levantar ela um pouquinho, aí eu pus a banqueta pra ela sentar, pedi, “olha, vamos sentar aqui na banqueta” e tal, e a enfermeira puxou o neném. Ela não esperou o neném nascer. Segundo ela, porque o bebê não estava bem. No que ela puxou, fez uma laceração quase até o ânus. E não tinha laceração com a saída da cabeça do neném. Porque quando ela levantou pra sentar, eu vi a cabeça do bebê e vi todo o períneo dela até aquela parte até o ânus. Não tinha laceração nenhuma. Mas quando você manipula o bebê, você aumenta o índice de laceração. E ela puxou o neném. E aí lacerou. Quase até o ânus. E o médico ficou falando horrores depois, porque fez aquela laceração. Ou seja, ele ia fazer uma episiotomia, ela querendo ou não querendo. Ele só não deitou, não obrigou ela a deitar, porque na hora que ele entrou na sala, já tinha nascido a cabeça. Aliás, não deu tempo nem da enfermeira colocar ela deitada. A posição deitada não é tão boa? Ela não é anatômica, nós não fomos feitos pra parir deitados. E foi o tempo todo falando essas coisas, tipo “ah, isso que dá esse negócio de parto humanizado, nasce logo esse bebê, a gente vai perder esse bebê, anda logo, e não sei o quê”, sabe, o tempo todo assim. A mulher tendo que ouvir isso?
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Ela tendo que ouvir isso. O marido olhando pra mim depois com um olho desse tamanho, por mais que.. “Tati, tá tudo bem?”, “Tá tudo bem, tranquilo”. E aí o pediatra falou umas bobeiras mas foi mais tranquilo, mas a enfermeira e o médico fizeram muita violência obstétrica verbal com ela, a enfermeira de ter manipulado, né, essa questão física, o médico fez lavagem do útero dela... Pra que isso? É uma prática muito antiga, muito antiga... Teoricamente pra tirar todo o sangue que está ali e pra não ter nenhum risco, mas ela vai sangrar e vai sair. E é um procedimento muito dolorido; você joga o soro lá dentro e põe a mão lá dentro, e vai lavando o útero. Isso foi em qual hospital? Cândido Mariano. Então ele põe a mão lá dentro e lavava, e isso ela sentiu dores homéricas. E ela entrou, fez alguma ação? Ela disse que ia pensar no que que ia ser feito, por quê? Como eles sabem que parte ali foi muita cena do que aconteceu; a enfermeira chegou a fazer massagem cardíaca no bebê, que estava respirando. E eu conheço, eu sei que ela é capaz de fazer isso. ... E ela não quer que a família saiba do que aconteceu. Eles apagaram o vídeo... Eles filmaram, mas apagaram o vídeo... Isso era prova... Mas tá bom... É deles, né. E não contaram pra família essa parte do trabalho de parto, essa parte do nascimento. Nasceu, tudo bem, ótimo, legal, tá aqui, mamando, super saudável, super mamando... E não querem que a família saiba... Então eles estão pensando por conta disso. De não fazer a denúncia não, mas eu conversei bastante com eles. Tatiana, você gostaria de acrescentar alguma coisa? A questão que as mulheres precisam fazer denúncias. Não dá mais pra aceitar que seja feito com elas o que eles querem. Porque você... Primeiro que nem se tivesse de favor lá, ninguém merece ser tratado da forma com que eles tratam, né. Então tem que fazer a denúncia, pra que isso acabe. De uma forma ou de outra, ou por bem, ou por mal, por punições. Mas tem que acabar. Não dá. A gente já passou uma etapa assim que não está mais sendo admissível isso.
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Entrevista 8: Thaís Dominato – Defensora pública do NUDEM (Núcleo de Defesa da Mulher) Data: 12 de janeiro de 2017
Defensora pública há 11 anos, atuo na Defensoria Pública de Defesa da Mulher. Então sou integrante do Nudem, o Núcleo de Defesa da Mulher da Defensoria Pública que atende as mulheres em situação de violência de gênero. O que é violência de gênero? Aquela violência que a mulher sofre por ser mulher, e a violência obstétrica se enquadra. A violência obstétrica tem muita relação com a apropriação do corpo da mulher, de não dar autonomia e liberdade pra ela na hora do parto e até mesmo na gestação, cometido geralmente pela equipe médica, né, os profissionais da saúde. Não tem uma definição na nossa legislação. A gente tem um tipo penal previsto nas leis venezuelana e argentina, que mais ou menos descreve dessa forma, essa apropriação do corpo da mulher, essa retirada dela na hora do parto, na hora da gestação, mas na nossa legislação não tem essa definição. Então a gente define por conceito, pelo que a gente estuda. Como você vê essa falta de punição da lei do acompanhante e o caráter de cumprimento nos hospitais? Ainda são bastantes desrespeitadas essas leis, né, a gente tem que começar a brigar e a lutar pra que elas passem a ser cumpridas. A lei do acompanhante é desde 2005 e gente ainda ouve relatos de que tem maternidades e hospitais que não permitem sob a desculpa muitas vezes que ‘ah, tem que ser só a mãe, ou alguém do mesmo sexo, não pode ficar homem, por exemplo acompanhando, porque as outras mulheres teriam sua privacidade violada’, mas isso não pode ser desculpa, é uma lei, federal inclusive, que tem que ser respeitada e colocada mesmo em efetividade, e aí cabe realmente, as mulheres as vezes falta um pouco de informação, porque se tem desrespeito, a gente tem que agir. A gente tem que agir contra o hospital, contra a maternidade, contra o estado, enfim. Tem que buscar reparação por esse dano que ela sofreu, e além das leis federais, hoje, se a gente for ver, existem inúmeras portarias do Ministério da Saúde mesmo. E que devem ser obedecidas por todos os médicos, e que não são obedecidas.
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Então falta um pouco da nossa informação de saber que as leis existem. As mães, por exemplo, desconhecem. As vezes a gente vai nas palestras, vai contar, vai trabalhar um pouquinho sobre os temas, e as mães desconhecem que os bebês, quando nascem tem que ser colocado no colo, no tórax, sob o peito da mãe. Isso tem portaria falando. Não pode ser separado da mãe na primeira hora, tem que mamar na primeira hora. Isso tudo protocolo. Tem portaria do Ministério da Saúde que não é obedecido né, então falta realmente informação. As pessoas desconhecem a violência obstétrica. Acha que tá tudo bem, que tá tudo normal, que é daquele jeito mesmo. Falta de informação. Por que ocorre essa falta de denúncia da violência obstétrica? Eu acho que o primeiro motivo, essa falta de informação, porque as pessoas sofrem a violência obstétrica sem saber que sofreram violência obstétrica. Desconhecem. Porque a mãe passou por aquilo, então se eu passar também... Porque minha mãe passou, eu vou passar também...Ficou meio naturalizado. São violências que foram se naturalizando ao longo do tempo. E é uma violência institucionalizada. A mãe, a gestante quando está tendo seu filho ela não quer questionar o médico, ela acha a vida do filho mais importante, a qualquer custo, como ela vai interferir em uma decisão médica? Então, é difícil para as mulheres. Ficou naturalizado. As pessoas não têm conhecimento que aquilo que elas sofreram é violência obstétrica. A episiotomia mesmo. Todo mundo acha que é normal, você ter esse corte, o pique, popularmente falado, que é normal ter em todos os partos normais e não é. A gente sabe hoje que a OMS indica só pra 10%. E hoje no Brasil a gente tem no Brasil mais de 50% de partos com episio. É difícil você acabar de ter um filho, passar por um parto, e ter que ir buscar os seus direitos. Os primeiros dias e meses depois de ter um filho é uma situação muito complicada, então muitas vezes a pessoa acaba deixando passar. De que forma a falta de denúncia influencia na perpetuação do ciclo de violência obstétrica? Se a gente não tem denúncia, acaba que fica tudo da mesma forma, ninguém tenta mudar. Você acha que os médicos que atuam no sistema de saúde, eles não têm conhecimento das portarias? Eles têm que ter conhecimento das portarias, mas eles não cumprem muitas vezes. Se ninguém denuncia, se ninguém reivindica, vai continuar da mesma forma. O que a gente tem tentado aqui na NUDEM é levar essa informação,
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mostrar para as pessoas ‘isso pode, isso não pode’, pra isso tem portaria, pra isso tem lei. Isso não tá sendo cumprido? Vamos denunciar, pra gente tentar mudar, esse é o caminho, informação, mais que a reparação do dano. O NUDEM existe desde 2014. Quando eu vou dar palestra, eu sempre falo que eu mesma comecei a ter contato com o tema na minha gestação, porque até então eu nunca tinha ouvido falar, aí eu comecei a estudar a fundo. Então hoje a gente já vê alguns grupos de mulheres que começam a se organizar pra fazer a defesa contra esse tipo de violência, as ongs, mas ainda é pouco. Como funcionam as palestras? Do NUDEM a gente tem tentado fazer esse trabalho mais de informação mesmo. Por exemplo, a gente tem dentro da nossa escola da defensoria pública um curso que se chama ‘curso de defensores populares’, que serve pra formar as pessoas pra que depois elas multipliquem o conhecimento. Então têm vários temas, sempre definido pela população, e um deles é sempre o da violência obstétrica. Em todas as palestras, é sempre uma surpresa, as pessoas se surpreendem quando eu digo que a episio é uma violência, quando discute sobre os mitos da cesárea, as pessoas se surpreendem, quando falamos das portarias, elas não sabem que sofrem violência obstétrica. E a gente tá tentando passar essa informação. É engraçado porque a gente não recebe essa demanda, da procura para entrar com uma ação de indenização por danos materiais, morais em razão da violência obstétrica. A gente não tem tido essa demanda no NUDEM embora a gente sabe que tem um monte de mulheres que passa por isso. E por que que não tem tido? Então qual é nosso trabalho? Vamos informar primeiro o que é, pra que se acontecer, ou aquela pessoa que tá ali ouvindo que tenha alguma conhecida que passou, saiba onde buscar a partir de então. Você pode fazer a denúncia pro conselho de classe, dele, a gente pode até formular, isso até o próprio nudem pode fazer, então você pode denunciar pra secretarias de saúde, além disso a gente pode denunciar pro conselho de classe desse médico, e a gente ainda pode fazer uma ação de reparação de danos, materiais ou morais, lembrando que tem um prazo de até 3 anos. Às vezes depois de muito tempo aquela pessoa vai entender que o que ela passou foi violência obstétrica, aí já não adianta mais. E é quando
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ela se sente mais preparada pra ir atrás. Então a gente tenta informar todo mundo pra ela também ter esse apoio das outras pessoas de encorajarem pra que ela vá buscar os direitos. Se você buscar a jurisprudência no país, ainda é pouco que se acha sobre violência obstétrica. A gente tem divulgado nessas ações que a gente tem passado que o partograma também, o médico tem que usar. O partograma é tudo aquilo que é feito ao longo do trabalho de parto, enfim, ele tem que registrar tudo que foi feito ali, pra ter um prontuário daquele paciente, que isso já é uma prova. Fora isso, seu acompanhante vai servir de testemunha. Você vai pedir seu prontuário, é nisso que a gente vai se basear. Claro que esse corporativismo de médicos nem sempre a gente vai conseguir derrubar, mas a gente tem que ir por esse lado. Partograma, prontuário, testemunha pra entrar com uma ação.
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Leis:
LEI n. 5.528, DE 10 DE MARÇO DE 2015. DISPÕE SOBRE A OBRIGATORIEDADE DAS MATERNIDADES, CASAS DE PARTO E ESTABELECIMENTOS HOSPITALARES CONGÊNERES DA REDE PÚBLICA E PRIVADA DO MUNICÍPIO DE CAMPO GRANDE PERMITIREM A PRESENÇA DE DOULAS DURANTE O PERÍODO DE TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓS-PARTO IMEDIATO, SEMPRE QUE SOLICITADAS PELA PARTURIENTE. Faço saber, que a Câmara Municipal de Campo Grande, Estado de Mato Grosso do Sul, aprova e eu, MARIO CESAR , seu Presidente, promulgo nos termos do art. 42, § 7º da Lei Orgânica de Campo Grande-MS, combinado com o art. 29, inciso I, alínea q e art. 147, § 5º, ambos do Regimento Interno, a seguinte Lei: Art. 1º Ficam as Maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres da rede pública e privada do Município de Campo Grande obrigados a permitir a presença de doulas no período que antecede o parto, durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, sempre que solicitadas pela parturiente. § 1º Para os efeitos desta lei e em conformidade com a qualificação da Classificação Brasileira de Ocupações - CBO, código 3221-35, doulas são acompanhantes de parto escolhidas livremente pelas gestantes e parturientes, que “visam prestar suporte contínuo à gestante no ciclo gravídico puerperal, favorecendo a evolução do parto e bem-estar da gestante”, com certificação ocupacional para essa finalidade. § 2º A presença das doulas não se confunde com a presença do acompanhante instituída pela Lei Federal n. 11.108/2005. Art. 2º As doulas, para o regular exercício da profissão, estão autorizadas a entrar nas maternidades, casas de parto e estabelecimentos hospitalares congêneres, da rede pública e privada do município de Campo Grande, com seus respectivos instrumentos de trabalho, condizentes com as normas de segurança e ambiente hospitalar. Parágrafo único. Entende-se como instrumentos de trabalho das doulas: I - bolas de fisioterapia; II - massageadores;
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III - bolsa de água quente; IV - óleos para massagens; V - banqueta auxiliar para parto; VI - demais materiais considerados indispensáveis na assistência do período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato. Art. 3º Fica vedada às doulas a realização de procedimentos médicos ou clínicos, como aferir pressão, avaliação da progressão do trabalho de parto, monitoração de batimentos cardíacos fetais, administração de medicamentos, entre outros, mesmo que estejam legalmente aptas a fazê-los, devendo atuar sinergicamente com a equipe de saúde em favor da parturiente. Art. 4º O não cumprimento da obrigatoriedade instituída no caput do Art. 1º sujeitará os infratores às seguintes penalidades: I - advertência, na primeira ocorrência; II - se órgão público, o afastamento do dirigente e aplicação das penalidades previstas na legislação, a partir da segunda ocorrência; III - se estabelecimento privado, multa de 100 UFERMS a partir da segunda ocorrência, dobrada em cada outra reincidência, até o limite de 2.000 UFERMS. Parágrafo único. Competirá à Secretaria Municipal de Saúde a aplicação das penalidades de que trata este artigo, conforme estabelecer a legislação própria, a qual disporá, ainda, sobre a aplicação dos recursos dela decorrentes. Art. 5º Os sindicatos, associações, órgãos de classe dos médicos, enfermeiros e entidades similares de serviços de saúde do município de Campo Grande deverão adotar, no prazo de 180 dias a contar da publicação desta lei, as providências necessárias ao cumprimento da presente lei. Art. 6º O Poder Executivo regulamentará esta lei, no que couber, no prazo de 60 (sessenta) dias após sua publicação. Art. 7º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Campo Grande-MS, 10 de março de 2015. MARIO CESAR Presidente
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Presidência da República Casa Civil Subchefia para Assuntos Jurídicos
LEI Nº 11.108, DE 7 DE ABRIL DE 2005.
Mensagem de veto Altera a Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, para garantir às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde - SUS.
O VICE–PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no exercício do cargo de PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O Título II "Do Sistema Único de Saúde" da Lei no 8.080, de 19 de setembro de 1990, passa a vigorar acrescido do seguinte Capítulo VII "Do Subsistema de Acompanhamento durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato", e dos arts. 19-J e 19-L:
"CAPÍTULO VII DO SUBSISTEMA DE ACOMPANHAMENTO DURANTE O TRABALHO DE PARTO, PARTO E PÓS-PARTO IMEDIATO
Art. 19-J. Os serviços de saúde do Sistema Único de Saúde - SUS, da rede própria ou conveniada, ficam obrigados a permitir a presença, junto à parturiente, de 1 (um) acompanhante durante todo o período de trabalho de parto, parto e pós-parto imediato.
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§ 1o O acompanhante de que trata o caput deste artigo será indicado pela parturiente.
§ 2o As ações destinadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente do Poder Executivo.
Art. 19-L. (VETADO)"
Art. 2o Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília, 7 de abril de 2005; 184o da Independência e 117o da República.
JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA Luiz Paulo Teles Ferreira Barreto Humberto Sérgio Costa Lima
Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 8.4.2005.