UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO CURSO DE JORNALISMO
DOCUMENTÁRIO RADIOFÔNICO: HISTÓRIAS DE VIDA DOS IDOSOS DO ASILO SÃO JOÃO BOSCO
LORRAYNA FERREIRA DE FARIAS
Campo Grande NOVEMBRO /2018
FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
DOCUMENTÁRIO RADIOFÔNICO: HISTÓRIAS DE VIDA DOS IDOSOS DO ASILO SÃO JOÃO BOSCO
LORRAYNA FERREIRA DE FARIAS
Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projeto Experimental II do Curso de Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Orientador(a): Profa. Dra. Daniela Cristiane Ota
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SUMÁRIO Resumo
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Introdução
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1. Atividades desenvolvidas
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1.1 Execução
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1.2 Dificuldades encontradas
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1.3 Objetivos alcançados
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2. Suportes teóricos adotados
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2.1 O idoso
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2.2 Representação dos idosos em asilos
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2.3 Entrevista
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2.4 Documentário radiofônico
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Considerações finais
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Referências
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Anexos
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Apêndice
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RESUMO: Este trabalho consiste em um documentário radiofônico sobre as histórias de vida de idosos que residem no asilo São João Bosco, em Campo Grande, Mato Grosso do Sul. Também objetiva mostrar a vivência e relação de cada um desses personagens com a instituição e suas atividades oferecidas. O formato radiofônico foi escolhido por permitir ao ouvinte, através dos recursos da sensorialidade, criar imagens dos personagens e do espaço físico da instituição. A partir da convivência e entrevistas realizadas, o documentário radiofônico apresenta as principais histórias de vida desses idosos e seu vínculo com a instituição.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Documentário radiofônico; Idosos; Instituição de longa permanência/ asilo.
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INTRODUÇÃO A população idosa cresce no país a cada dia. Segundo dados do envelhecimento no Brasil do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2011), o número de idoso acima dos 60 anos cresceu 55% em dez anos, representando 12% da população brasileira (observar tabela número 1, em anexos). No cenário atual, segundo a Projeção da População do Brasil e das Unidades da Federação, do IBGE, em 2018, os idosos de 65 anos ou mais representam 9,22% da população, em 2060 esse número tende a chegar a 25,49%. Já em Mato Grosso do Sul em 2018, a população idosa corresponde a 8,32%, podendo chegar a 22,65% em 2060 (observar tabelas de número 2, 3, 4 e 5 em anexos). Com os dados do aumento da população idosa com o passar dos anos, notase a necessidade no debate e melhor entendimento sobre o tema. Atualmente, 65 idosos residem no asilo São João Bosco, em Campo Grande, Capital do estado de Mato Grosso do Sul. Este documentário radiofônico retrata, mais do que números, as histórias de vida desses idosos e quem são essas pessoas. Além disso, apresenta como é a convivência deles na instituição. O Conselho Municipal do Idoso (CMI) explica que as instituições de longa permanência para idosos (ILPI) são de cunho residencial e domiciliar para idosos a partir de 60 anos de idade, com o papel de dar suporte, cidadania, condição social e dignidade para os atendidos, pois deve funcionar como uma casa. Segundo o Conselho, Campo Grande atualmente conta com cinco instituições de longa permanência para idosos cadastradas, sendo asilo São João Bosco, Sirpha Lar do Idoso, Associação dos Amigos da Casa de Abraão, Hospital São Julião e Angeluz Hotel Residência para Idosos. Não é possível contabilizar o número de instituições de longa permanência tem ao total em Campo Grande, pois muitas delas não são cadastradas. A escolha do asilo São João Bosco se deu devido sua importância em Campo Grande. Com 95 anos, ele é o maior e mais antigo da cidade e de 1996 a 2015, já foram acolhidos mais de 1.105 idosos, atualmente, 65 idosos vivem ali. É cadastrado FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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no CMI e recebe fundos municipais por idoso, mas como grande parte dos atendidos não tem benefícios salariais, o asilo se mantém majoritariamente por doações. O asilo conta com 104 funcionários, dentre eles nutricionistas, farmacêuticos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, médico como prestador de serviço, e mesmo com o auxílio governamental a maioria dos gastos e pagamentos de funcionários é feito pela instituição com o auxílio das doações. O formato documentário radiofônico foi escolhido como produto, por permitir mostrar através da voz dos personagens, trilha e locuções todo o sentimento dessas pessoas, através das suas histórias de vida. O rádio sendo um produto auditivo, conta com recursos como a voz, sonoras, músicas, silêncio e ruídos. Com eles, é possível o ouvinte criar imagens sensoriais e fazer o uso da imaginação. Desta forma, cada um poderá imaginar as dependências do asilo e cada um dos personagens, com o auxílio das características citadas. Além disso, é um veículo tradicional da época desses personagens que fizeram seu uso e fazem até hoje.
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1- ATIVIDADES DESENVOLVIDAS
1.1 Execução: Em anos anteriores, visitas voluntárias já foram realizadas no local, desta forma, a escolha do tema se deu pelo interesse pessoal em conhecer mais sobre a rotina no asilo e as histórias dos idosos que residem ali. Quais suas dificuldades causadas pela idade, seus gostos e vontades, como é a vivência no asilo, e principalmente suas histórias e lições de vida. O formato escolhido é representativo na vida dos personagens, já que todos eles tiveram a presença do rádio em suas vidas e alguns apresentam certo gosto pelo veículo de comunicação. Após a definição do tema, começaram as pesquisas exploratórias. Foi realizada a leitura de bibliografias relacionadas ao tema e formato: idosos, instituições de longa permanência, gêneros radiofônicos, rádiodocumentario, entrevista, trabalhos acadêmicos relacionados ao tema, reportagens sobre a instituição e dados sobre idosos. Em seguida teve início a parte prática. Na primeira visita ao asilo, após agendamento por telefone, uma conversa com a assistente social foi fundamental para a entrega do projeto e autorização da instituição. Também foi importante o conhecimento geral sobre o asilo e possíveis personagens na conversa com a assistente social, em que definimos os critérios a serem seguidos na realização do trabalho. Com a companhia de uma voluntária, foi realizada uma caminhada pelos aposentos e cômodos do asilo, fator importante para o conhecimento estrutural e físico do local. Também foram apresentados pela voluntária alguns idosos caracterizados como mais lúcidos e com melhor dicção na fala, já que o formato exige um bom entendimento das palavras. O primeiro contato e conversa com esses idosos, auxiliou FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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na escolha definitiva dos personagens. De início três idosos foram selecionados como fontes, todos homens. Em conversa com a orientadora, se viu a necessidade de ter pelo menos uma mulher como personagem, visto que a instituição engloba os dois gêneros. Por fim, foram realizadas quatro entrevistas com personagens e uma entrevista com as duas assistentes sociais do asilo. A primeira entrevista foi com Jorge Luiz Ayrolla, o mais animado de todos os personagens. O dialogo aconteceu em um banco localizado em baixo de uma grande árvore, uma das várias que tem ali, e que proporcionam uma refrescante sombra por todo o pátio. Jorge tem 79 anos, é natural do Rio de Janeiro e apresenta ser o mais saudável de todo o asilo, cheio de brincadeiras, ele gosta de conversar. Com muitas histórias, ele direcionou a entrevista por si mesmo, durou cerca de uma hora e meia e cinco cigarros. Também diferente dos outros personagens, Jorge parece ter mais conhecimentos teóricos e oportunidades de vida. A segunda entrevista foi no mesmo banco, mas desta vez, com o mais tímido dos personagens, porém muito lúcido. Lino Lima tem 68 anos e nascido em Amambai. É calmo, tem a voz baixa e fala menos. Aqui o bate-papo durou 15 minutos, mas o suficiente para saber as histórias do idoso. Ao fim da entrevista, Lino me acompanhou até seu quarto para mostrar os trabalhos artísticos produzidos por ele, parte das atividades oferecidas pelo asilo. José Sebastião de Brito, o Zé Pretin, foi o terceiro entrevistado. Ele tem 67 anos e é de Minas Gerais. A conversa aconteceu na área de lazer, em frente à mesa de sinuca enquanto outros idosos jogavam. No início se mostrou tímido, mas ao passar do tempo contou suas histórias e deu boas gargalhadas. Ele e Jorge são companheiros de quarto e garantem o humor do asilo. A entrevista com as assistentes sociais Paula Alencar Castro e Josinete de Oliveira Pereira foi importante para esclarecer assuntos sobre o asilo e também as histórias dos idosos. Segundo elas, os idosos já não são mais totalmente lúcidos como FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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algum tempo atrás e com isso acabam contando coisas que podem ser uma projeção do que eles gostariam que tivesse sido suas vidas, mas não o que realmente é. A maioria dos homens que residem no asilo foram alcoólatras, um dos motivos que os levaram até lá. Também tem vícios em cigarro, que carregam consigo desde a infância. A última entrevista foi com Ana Ferreira. A senhora de muita idade, 92 anos é de Campo Grande e já tem dificuldades para falar e pouca lucidez, porém uma das mais saudáveis na ala feminina. As mulheres do asilo são visivelmente mais debilitadas que os homens, quase não se vê lucidez por ali, a maioria já voltou a ser criança, principalmente nos últimos anos. A conversa aconteceu durante a festa de aniversariantes do mês, no salão localizado na lateral direita do asilo. Devido à idade, Ana tem dificuldade para entender as perguntas e contar sobre sua vida. O documentário radiofônico apresenta as histórias de forma otimista. Na edição foram selecionados trechos em que os idosos narram sua infância, trajetória de vida e até mesmo a chegada ao asilo na projeção do que é real para eles (muitas coisas ditas pelos idosos podem ser criação e projeção dos seus pensamentos, mas nem tudo. Suas histórias se dividem em real e imaginação). As de alcoolismo, conflitos familiares e vícios, revelados pela assistência social, foram descartados do produto. Desta forma a imagem que fica dos idosos se torna positiva, apesar das lutas de seus trajetos de vida. O equipamento utilizado para a captação das entrevistas foi um gravador e os programas de edição foram Sound Forge Pro 12.0 e Vegas Pro 15.0.
1.2 Dificuldades Encontradas O contato inicial com o asilo foi uma das principais dificuldades presentes no trabalho. As ligações por telefone foram realizadas várias vezes, sem conseguir a comunicação com a equipe de assistência social. Foi passado o contato de uma responsável pelo assunto que intermediaria esta conversa, mas esta também não respondia. Foram dias de tentativas entre conseguir a comunicação e agendar a visita. FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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Foi
seguido
um
roteiro
com
poucas
perguntas,
uma
entrevista
semiestruturada, para guiar o que se pretendia usar da história de cada um. Mesmo assim, devido as condições da idade, a senhora Ana Ferreira teve dificuldades em suas respostas. A parte da entrevista utilizada no documentário foi pequena, mesmo assim mantida, devido a necessidade de uma personagem mulher e a dificuldade em encontrar uma personagem feminina com lucidez para falar. Os idosos fazem as coisas em seu devido tempo e só quando querem. Uma das idosas moradoras do asilo é considerada lúcida (a mais lúcida das mulheres) e com boas histórias para contar. Ela foi procurada por várias vezes, mas em nenhuma delas aceitou dar entrevista e nem iniciar uma conversa informal, não gosta de falar e nem se mistura muito com os outros idosos, passa a maior parte do tempo em seu quarto, sozinha. Na edição, a ideia inicial era fazer o documentário todo narrado apenas pelos personagens, o que não se tornou possível. Devido a dificuldades dos idosos até mesmo de lembrança e na compreensão de algumas perguntas. Desta forma, foi necessário criar uma narração em locução para descrição das fontes e também de certa parte de suas histórias. Assim como a descrição da estrutura e sensações do local. A questão de os projetos terem se tornado obrigatoriamente individuais causou dificuldades em relação ao tempo para realização do trabalho. Com os projetos individuais o número de bancas se torna maior e exige determinado tempo para sua realização, desta forma, o tempo dedicado a produção do trabalho se tornou curto.
1.3 Objetivos Alcançados Os objetivos iniciais se cumpriram conforme as histórias sobre a vida de cada um dos personagens foi contada, de forma a gerar resultados que agregaram ao produto, enriquecendo o documentário. Também como esperado, estiveram presentes as atividades realizadas pelo asilo, para o desenvolvimento e interação desses idosos. FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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Tanto as festas e bailes, como as atividades lúdicas e artísticas que proporcionam aos moradores realizar pinturas, artesanatos e estimulam seu intelecto. A pesquisa teórica foi enriquecedora para o melhor entendimento dos temas, auxiliando na realização prática do documentário radiofônico. As explicações e teorias, reforçaram a importância do assunto e foram bibliografias de fácil acesso. O objetivo foi contar as histórias da vida desses personagens e a rotina deles no asilo de forma positiva, descartando as relações conflituosas que foram até mesmo motivos que o levaram a estar na instituição. O resultado final e a vivência com essas pessoas e suas histórias de vida trouxeram realização e sensação de dever cumprido. Os idosos merecem e querem ser ouvidos. Eles fazem parte e devem ser inseridos na sociedade.
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2- SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS: 2.1- O IDOSO Para a autora Ana Amélia Camarano (2007) a população brasileira se torna cada vez mais uma população idosa. Segundo ela, as taxas de fecundidade e mortalidade estão diminuindo e com isso tornando a população mais velha. Ela explica que, “apesar de esse crescimento estar acompanhado por uma melhora das condições de saúde desse segmento populacional, o número de idosos com fragilidades físicas e/ou mentais tende aumentar” (2007, p. 170). Ainda para Camarano (2007), essa nova população idosa, além de se tornar maior, as mulheres terão um perfil diferente das idosas da atualidade.
Serão mais escolarizadas, mais engajadas no mercado de trabalho e com menor número de filhos, características compatíveis com o fato de fazerem parte da coorte que participou da revolução sexual e familiar ocorrida a partir de meados da década de 1960. Em síntese, espera-se que aumente o número de idosos dependentes de cuidados e que a oferta de cuidadores familiares se reduza”. (CAMARANO, 2007, p. 170)
Este fato traz a questão dos asilos e instituições de longa permanência e de quem oferecera os devidos cuidados a esses idosos. A autora explica, que os asilos eram vistos como um abandono de idosos, e que os principais responsáveis por essas pessoas são as famílias. Em contrapartida disto, a autora discorre que “muitas vezes o cuidado
de
longa
duração
empreendido
pelos
próprios
familiares
não
é
necessariamente adequado aos idosos. Além disso, há de se reconhecer a existência de pessoas que envelhecem sem familiares próximos” (2007, p. 170). A autora Guita Debert (2002), escreveu o artigo “O Idoso na Mídia”, onde fala sobre a forma como o idoso é representado na mídia. Segundo ela, até os anos 70 a literatura passava uma imagem que “na sua maioria, eram negativas e desrespeitosas com os idosos, acentuando os estereótipos da dependência física e afetiva, da insegurança e do isolamento”. Ela destaca que com o passar dos anos, no Brasil, os FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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idosos vem ganhando novo espaço na mídia e chamando atenção da publicidade por representar ações que antes, eram designadas aos jovens. Chama, no entanto, a atenção na publicidade brasileira o espaço cada vez maior que ganham as propagandas que associam ao idoso um outro conjunto de significados que remete à valorização de práticas inovadoras e subversivas de valores tradicionais, especialmente no que diz respeito à vida familiar, à sexualidade e ao uso de novas tecnologias. (DEBERT, 2002, s/p.)
Ainda para Debert (2002), assim como na publicidade, nas novelas os idosos têm representado papeis que antes eram associados a personagens jovens e que para os publicitários o sucesso dessa nova imagem da terceira idade se deve ao choque que ela pode causar. A expressão do abandono e da solidão nas novelas tem certamente nos velhos um elemento forte, mas eles agora são também apresentados como ativos, capazes de oferecer respostas criativas ao conjunto de mudanças sociais, reciclando identidades anteriores, desenvolvendo novas formas de sociabilidade e de lazer e redefinindo as relações com a família e os parentes. (DEBERT, 2002, s/p.)
No artigo “A Representatividade Social do Idoso Diante da Mídia”, as autoras Maristela Araujo e Priscilla Moreira (2015), também apresentam um comparativo de representação dos idosos em papeis que antes eram considerados dos mais jovens. Para elas, a terceira idade ganhou visibilidade na mídia e se tornou um público consumidor da publicidade, devido as responsabilidades e compromissos realizados por eles, que se comparam e agora se igualam ao dos jovens, que são apresentados como pessoas que não tem grandes compromissos. (...) os jovens são vistos socialmente como indivíduos que não possuem compromissos duradouros e obrigatórios e, com isso, são considerados ávidos consumidores dos produtos oferecidos pelos anúncios publicitários. Os idosos já não possuem mais esses compromissos, visto que se pressupõe que já “educaram e encaminharam” seus filhos. (ARAUJO, MOREIRA, 2015, s/p.) FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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Para Araujo e Moreira (2015), a terceira idade é um grupo populacional que cresce a cada dia no Brasil, assim como o mercado consumidor de produtos e recursos para a beleza, qualidade de vida e jovialidade. A publicidade e a propaganda se apropriam dessa nova ideia mercadológica, buscando mediante o uso desse mercado, que apresenta um grande potencial de lucro, transmitir e reforçar a imagem de idosos sadios e saudáveis. Entretanto, observa-se que sob essa lógica capitalista, as pessoas adquirem o status de mercadorias e os idosos que não conseguem interagir com esse pensamento são reduzidos a condições severas, como, por exemplo, serem considerados como “produtos descartáveis”. (ARAUJO, MOREIRA, 2015, s/p.)
Segundo as autoras, a nova representação do idoso apresentada pela publicidade e as características citadas, fazem com que os idosos que não se encaixem nesses padrões, e não estejam à procura de rejuvenescer acabem sendo excluídos da sociedade.
2.2 - A REPRESENTAÇÃO DOS IDOSOS EM ASILOS A autora Eliane Brum (2008), na reportagem “A Casa de Velhos”, no livro O Olho da Rua, escreve histórias de alguns idosos de um asilo no Rio de Janeiro. Na reportagem ela apresenta essas pessoas, mostrando quem são, o que fazem na casa, como foram parar lá, suas histórias. Ela também descreve o lugar, as sensações, o dia, de forma que leve o leitor a estar imerso na história. Para escrever essa reportagem Brum (2008) se manteve no asilo por uma semana, hospedada assim como os idosos que ali estavam, dormindo em um quarto como os seus e se recolhendo em mesmos horários, comendo as mesmas refeições, afim de poder caracterizar e descrever de forma mais clara o ambiente e personagens. A leitura da reportagem foi fundamental na medida em que a elaboração do trabalho FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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teve semelhança a este produto. No projeto experimental “Velhas Histórias: Livro-Reportagem com perfil de idosos do asilo São João Bosco”, a autora Luana de Paula Afonso (2017), conta em formato perfil, a história de cinco moradores do asilo São João Bosco, em Campo Grande. Afonso descreve em um de seus capítulos o asilo, detalhando todas áreas, paredes, camas, jardim, quartos, com a intenção de levar ao leitor a imagem do local. Esse trabalho se assemelha ao desenvolvido por também ser realizado no asilo São João Bosco, assim, se tornou o teórico mais importante dentre todos estudados. 2.3 – ENTREVISTA No livro Entrevista: O Diálogo Possível, a autora Cremilda de Araújo Medina, discorre sobre os tipos de entrevista e suas finalidades. Ela explica que uma entrevista se inicia com a escolha de fontes e de quem se deve ouvir, e que para isso acontecer são necessários antes realizar uma pesquisa, observação e estudo de campo. Segundo ela, “A entrevista jornalística, em primeira instância, é uma técnica de obtenção de informações que recorre ao particular; por isso se vale, na maioria das circunstâncias, da fonte individualizada e lhe dá crédito, sem preocupações científicas” (2005, p. 18). Para Medina, as sensações despertadas por uma entrevista é a mesma para os três usuários da mesma (entrevistado, jornalista e receptor). O resultado e tratamento dado durante a entrevista será sentida também pelo receptor.
Um leitor, ouvinte ou telespectador sente quando determinada entrevista passa emoção, autenticidade, no discurso enunciado tanto pelo entrevistado quanto no encaminhamento das perguntas pelo entrevistador. Ocorre, com limpidez, o fenômeno da identificação, ou seja, os três envolvidos se interligam numa única vivência. (MEDINA, 2005, p. 5 e 6)
A entrevista escolhida e realizada no projeto foi a semiestruturada e humanizada, a melhor para as fontes trabalhadas. Os idosos contam suas histórias de FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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vida e gostam de ser ouvidos, por isso, segundo Medina, “esta é uma entrevista aberta que mergulha no outro para compreender seus conceitos, valores, comportamentos, histórico de vida” (2005, p. 18). Os idosos, devido à idade, misturam em suas histórias o real e imaginação. Medina explica, que toda magia e imaginação de uma história se tornam emoção ao ser transferida para o texto jornalístico. Para ela, “É preciso resgatar essa energia que vem do próprio ser humano tomado como fonte de informação para uma entrevista. A expressão dramática do real e do imaginário, até mesmo implícita no modo de dizer conceitual, transborda emoção” (2005, p. 82).
2.4 - DOCUMENTÁRIO RADIOFÔNICO O rádio é um veículo que atinge muitas pessoas e regiões entre todos os meios de comunicação de massa. Segundo a autora Gisela Swetlana Ortriwano, em seu livro Informação no Rádio: Os Grupos de Poder e Determinação dos Conteúdos, “o rádio é, sem dúvida, o mais popular e o de maior alcance público, não só no Brasil como em todo o mundo, constituindo-se muitas vezes, no único a levar informação para populações de vastas regiões que não tem acesso a outros meios” (1985, p. 78). O autor André Barbosa Filho (2003), em seu livro Gêneros Radiofônicos, apresenta a importância do rádio na formação de imagens, a sensorialidade. Segundo ele, diferente dos recursos audiovisuais, onde são trabalhados imagem e som, no rádio o único recurso utilizado é a voz. Isso, fatalmente, desperta a imaginação do ouvinte que logo irá criar na sua mente a visualização do dono da voz ou do que está sendo dito. Se na televisão a imagem já vem acompanhada da voz ou aparece mesmo sozinha, no rádio o ouvinte tem a liberdade de criar, com base no que está sendo dito, a imagem do assunto/pessoa/fato. (BARBOSA FILHO, 2003, p.45)
Ainda para Barbosa Filho (2003, p. 47), “o rádio dispensa todo o aparato comum nos meios visuais (câmera, luzes e outros recursos)”. Segundo ele, a FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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simplicidade que o rádio carrega consigo permite trabalhar com pequenas estruturas e se torna flexível. O rádio sendo um produto auditivo, conta com recursos como a voz, sonoras, músicas, silêncio e ruídos. Com eles, é possível o ouvinte criar imagens sensoriais e fazer o uso da imaginação. Para o autor Armand Balsebre (2005, p. 327), “o rádio é um meio de comunicação, difusão e expressão que tem duas metas importantes: a reconstituição e a recriação do mundo real e a criação de um mundo imaginário e fantástico”. Com os recursos permitidos pelo rádio, os ouvintes terão a possibilidade de criar imagens de acordo com a descrição dos personagens e suas características. O documentário radiofônico permite contar histórias de formas profundas e pode apresentar diversas sonoras. Geralmente é apresentado com uma hora de duração. A locução do apresentador pode contar uma história que será completada com as sonoras que foram gravadas. Para os autores Paul Chantler e Sim Harris (1998, p. 165-166), “as palavras das outras pessoas causam mais impacto do que as suas, e que há sons muito mais importantes do que palavras. Essa é a essência do documentário”. Segundo eles, a edição do documentário deve ser feita com cautela e antecedência para que gere bons resultados. As características e recursos do rádio citados acima, se tornaram importantes para o projeto ter sido realizado com o formato desta mídia, pois permitem ao ouvinte criar imagens dos personagens a partir das características narradas em locução e também com as sonoras, que trazem a voz do próprio entrevistado. As particularidades que o rádio apresenta, se tornaram justificativas para criar o projeto com esse formato.
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3- CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este projeto experimental teve como principal objetivo dar voz a pessoas que muitas vezes são esquecidas. O “Documentário Radiofônico: Histórias de vida dos idosos do asilo São João Bosco”, mostra as histórias que esses idosos protagonizaram ao longo de toda sua vida, suas conquistas, lutas, perdas, alegrias e tristezas. Os idosos nem sempre são ouvidos, até mesmo em experiências próprias de reuniões familiares, cada um se junta em seu grupo etário, enquanto o idoso fica isolado. Mas, a maioria deles está sempre disposto a ser ouvido e compartilhar um pouco de sua vida, gostam de uma boa conversa e distribuem carinho a quem lhe oferece um pouco de atenção. No asilo, tanto as condições físicas como as mentais são fatores que já se encontram bem debilitados nesses idosos. Ali, somente alguns idosos se encontram em estado de lucidez, mesmo assim podem projetar ações e falas de sua imaginação, devido à sua idade e vontades. A maioria também depende de cadeira de rodas, mesmo que andem, as pernas já estão cansadas, não aguentam muito tempo e precisam de um apoio. Os que ainda se dispõe a continuar andando e não usar a cadeira de rodas, caminham de forma lenta e tranquila, os que se ouve é o barulho dos chinelos arrastando pelos corredores do asilo. Assim acontece com uma das senhoras que sempre está caminhando por lá. Em todas as semanas de visitas, observações e entrevistas, ao final de cada dia eu me sentava em um banco na varanda em frente a recepção que dava para a rua. Todas as vezes que ali estava, a senhora de vestido florido caminhava em minha direção arrastando seu chinelo, parava, me olhava, e então se sentava ao meu lado. Eu a fazia perguntas, conversava, mas nunca ouvi o som de sua voz. Pouco depois se levantava e ia embora. A senhora que já não tem clareza em sua mente, apenas me olhava, mas era um olhar que tinha muito o que contar. No último dia das entrevistas, enquanto eu esperava, ela mais do que me olhou, nesse dia se incomodou com as formigas do chão FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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que subiam em seu pé e começou a pisoteá-las, depois me olhou, sorriu discretamente, parou a minha frente e com as duas mãos acariciou meu rosto, e novamente se foi. Nunca disse nada, mas essa foi sua forma de agradecer o pouco de atenção recebida. A questão física e mental dos idosos foi uma das dificuldades enfrentadas, também a questão da fala, devido ao produto ser rádio e exigir um bom entendimento das palavras. Apesar disso, o produto teve um bom desenvolvimento e resultado, trazendo as histórias de suas vidas narradas por eles mesmos, e apresentando ao ouvinte, junto do composto de trilha sonora e as funções imagéticas que o rádio permite criar na imaginação de cada um, as sensações e emoções compartilhadas por esses idosos. Toda a criação e desenvolvimento do produto, além de gerar bom resultado, trouxe muito aprendizado e ensinamentos com quem tanto sabe e já viveu, desta forma, desperta um olhar mais humanizado, que acrescentará também na caminhada como jornalista. As bibliografias e todo o material teórico utilizado, permitiu um melhor conhecimento acerca do tema. Com um fácil acesso, tanto na biblioteca da faculdade, na internet e com a autora Luana de Paula Afonso, que disponibilizou seu livroreportagem feito como projeto experimental, os estudos contribuíram de forma clara no entendimento do assunto atualmente e como esses idosos são vistos pela sociedade e mídia. Os dados utilizados trouxeram comparação do envelhecimento no Brasil e no estado ao passar dos anos, apresentando uma projeção dessa população idosa e o quanto ela vem crescendo. O Conselho Municipal do Idoso (CMI), também foi importante como fonte de informação para saber a quantidade de instituições de longa permanência em Campo Grande. Por fim, o projeto teve um resultado positivo e esperado, os teóricos acrescentam no conhecimento do tema e complementam a parte prática, onde histórias de vida e informações jornalísticas juntas, trazem emoção e informação.
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4- REFERÊNCIAS AFONSO, Luana de Paula. Velhas histórias: livro-reportagem com perfil de idosos do asilo São João Bosco. Campo Grande, 2017. ARAUJO, Maristela Poubel; MOREIRA, Priscila Poubel. A representatividade social do idoso diante da mídia. [s.l.], 2015. Sem paginação. Disponível em: https://psicologado.com/atuacao/psicologia-social/a-representatividade-social-do-idosodiante-da-midia Acesso em: 18 de abril de 2018. BALSEBRE, Armand. A linguagem radiofônica. In: MEDITSCH, Eduardo (org.). Teorias do rádio: textos e contextos. Florianópolis: Insular, 2005. p. 327-336. BARBOSA FILHO, André. Gêneros radiofônicos: os formatos e os programas em áudio. São Paulo: Paulinas, 2003. BRUM, Eliane. A casa de velhos. In: O olho da rua: uma repórter em busca da literatura da vida real. São Paulo: Globo, 2008. CAMARANO, Ana Amélia. Instituições de longa permanência e outras modalidades de arranjos domiciliares para idosos. In: Idosos no Brasil: vivências, desafios e expectativas na terceira idade. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2007. CHANTLER, Paul; HARRIS, Sim. Radiojornalismo. São Paulo: Summus, 1998. Dados sobre o envelhecimento no Brasil. Disponível em: https://www.mpba.mp.br/sites/default/files/biblioteca/direitos-humanos/direitos-dapessoa-idosa/publicacoes/dadossobreoenvelhecimentonobrasil.pdf Acesso em: 31 de outubro de 2018. DEBERT, Guita Grin. O idoso na mídia. Unicamp, 2002. Sem paginação. Disponível em:http://www.comciencia.br/dossies-1-72/reportagens/envelhecimento/texto/env12.htm Acesso em: 18 de abril de 2018. IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/apps/populacao/projecao/ Acesso em: 31 de outubro de 2018. MEDINA, Cremilda de Araújo. Entrevista: O diálogo possível. São Paulo: Editora Ática, 2005. ORTRIWANO, Gisela Swetlana. A informação no rádio: Os grupos de poder e a determinação dos conteúdos. São Paulo, Summus, 1985. FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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5- ANEXOS Tabela 1
Fonte: IBGE – Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2011
Tabela 2
Fonte: IBGE – Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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Tabela 3
Fonte: IBGE – Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação
Tabela 4
Fonte: IBGE – Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO Cidade Universitária, s/nº - Bairro Universitário 79070-900 - Campo Grande (MS) Fone: (0xx67) 3345-7607 http://www.ufms.br http:// www.jornalismo.ufms.br / jorn.faalc@ufms.br
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Tabela 5
Fonte: IBGE – Projeção da população do Brasil e das Unidades da Federação
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6- APÊNDICES
Como apêndice 1, segue na próxima página o roteiro desenvolvido para a edição do produto.
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Lauda:
1 Data:
Apresentador: Lorrayna Farias
Novembro/2018
Programa: História de vida dos idosos do asilo São João Bosco
Redator: Lorrayna Farias
Tempo: 20:56
Retranca: Documentário Radiofônico
SONORA PAULA
////////////// Sonora Paula Alencar Castro- assistente social /////////////
TRILHA SONORA
O trem das onze – Adoniran Barbosa (fade out) // (fade in) idosa cantando
LORRAYNA
As instituições de longa permanência para idosos, mais conhecidas como asilo, são de cunho residencial e domiciliar para idosos a partir de 60 anos de idade, com o papel de dar suporte, cidadania, condição social e dignidade para essas pessoas// Em Campo Grande existem cinco instituições de longa permanência para idosos, a principal delas é o asilo São João Bosco// Na movimentada avenida, um local parece se perder da agitação// A calmaria do Asilo São João Bosco traz consigo muita história e anos de vida// Em tempos de correria, onde as horas parecem cada vez mais curtas, no asilo elas passam devagar// Na ala masculina, a maioria dos idosos usam relógio de pulso, cuidam as horas como se contassem cada minuto que ainda lhe restam de vida//
SONORA LINO
////////////Sonora Lino Lima
LORRAYNA
SONORA LINO
Lino Lima tem 68 anos e é natural de Amambai, localizado a cerca de 350 KM da capital, Campo Grande// Nascido e crescido em fazenda, veio para o asilo em 2006 por causa de um reumatismo no joelho// ///////////Sonora Lino Lima
SONORA ZÉ PRETIN
//////////Sonora Zé Pretin
LORRAYNA
José Sebastião de Brito, o Zé Pretin, tem 67 anos e é de Minas Gerais// Zé Pretin gosta do melhor da vida, de um rádio pra escutar suas músicas preferidas e anda sempre com seus dois fiéis companheiros: um chapéu preto e sua cadeira de rodas que empurra para ter apoio ao caminhar// Nunca estudou, mas aprendeu com a vida a escrever seu nome e fazer contas// Após sofrer um AVC e ser encontrado caído na rua, foi levado para o asilo em 2009//
Lauda:
2 Data:
Apresentador: Lorrayna Farias
Novembro/2018
Programa: História de vida dos idosos do asilo São João Bosco
Redator: Lorrayna Farias
Tempo: 20:56
Retranca: Documentário Radiofônico
SONORA ZÉ PRETIN
/////////// Sonora Zé Pretin
SONORA ANA
//////////Sonora Ana Ferreira
LORRAYNA
Ana Ferreira tem 92 anos, nascida em Campo Grande, sempre gostou de cuidar dos serviços domésticos// É vaidosa, e está no asilo desde 1996//
SONORA ANA
///////////Sonora Ana Ferreira
SONORA JORGE
////////Sonora Jorge Ayrolla
LORRAYNA
Jorge Ayrolla, o Carioca, tem 79 anos// É nascido em Nova Friburgo no Rio de Janeiro// Aposentado da marinha, apaixonado pela esposa, contador de histórias e piadinhas, ele vive sempre de bem com a vida// Seu companheiro de quarto é Zé Pretin, uma dupla de humor dos corredores do asilo//
SONORA JORGE
//////////Sonora Jorge Ayrolla
LORRAYNA
A população brasileira está a cada dia mais velha, e assim também é no Mato Grosso do Sul// Hoje os idosos representam 8,32% da população no estado, em 2060 esse número pode chegar a 22,65%// O Asilo São João Bosco foi fundado em 1923// Sua sede já passou por outros locais e terrenos e em 1976 mudou para o local atual// Nos registros, de 1996 a 2015, mais de 1.105 idosos já foram acolhidos// Hoje, 65 deles residem ali// O local que carrega consigo tanta idade, é também cheio de vida e histórias// O aconchego de uma casa se faz presente nos corredores, quartos, refeitórios e na área externa, onde grandes árvores, também antigas moradoras, trazem sombra e ar fresco e dividem as alas masculina e feminina// A instituição conta com 104 funcionários, dentre eles, nutricionistas, farmacêuticos, enfermeiros, técnicos de enfermagem, cuidadores, administrativo e duas assistentes sociais//
SONORA PAULA
////////////Sonora Paula Alencar Castro
Lauda:
3 Data:
Apresentador: Lorrayna Farias
Novembro/2018
Programa: História de vida dos idosos do asilo São João Bosco
SONORA JOSINETE SONORA PAULA
Tempo: 20:56
Redator: Lorrayna Farias
Retranca: Documentário Radiofônico
//////////Sonora Josinete de Oliveira Pereira /////////Sonora Paula Alencar Castro
SONORA JOSINETE
////////Sonora Josinete de Oliveira Pereira
SONORA PAULA
///////Sonora Paula Alencar Castro
LORRAYNA
Nem só de calmaria e conversas vivem os idosos// Na área de lazer uma mesa de sinuca é na maioria das vezes ocupada pelos mesmos jogadores, o carioca Jorge Ayrolla está sempre entre eles// As cartas de baralho também acompanham os homens nos cinzentos bancos de cimento em que jogam, atividade preferida do seu Zé Pretin// Além disso, diversas atividades são oferecidas para o desenvolvimento dos idosos// Eles aprendem a bordar, pintar, fazem trabalhos artísticos, grande qualidade e ocupação para seu Lino// Todo mês, se divertem em festas de aniversariantes, bailinhos cheios de música, dança e comida, onde estão sempre bem arrumados// As mulheres são vaidosas, se enfeitam com colares, anéis e brincos, acessórios que contrastam com os olhos de Ana Ferreira// Outras festas também acontecem, como a de primavera para comemorar a chegada da estação//
TRILHA SONORA
//////// Trilha da festa de primavera/ambientação
SONORA JOSINETE
/////// Sonora Josinete de Oliveira Pereira
SONORA ZÉ PRETIN
////// Sonora Zé Pretin
SONORA LINO
////// Sonora Lino Lima
SONORA ANA
SONORA JORGE
////// Sonora Ana Ferreira ////// Sonora Jorge Ayrolla
Lauda:
4 Data:
Apresentador: Lorrayna Farias
Novembro/2018
Programa: História de vida dos idosos do asilo São João Bosco
TRILHA SONORA
LORRAYNA
LORRAYNA
Tempo: 20:56
Redator: Lorrayna Farias
Retranca: Documentário Radiofônico
O trem das onze – Adoniran Barbosa (fade out) “Não sei se a vida é curta ou longa demais para nós// Mas sei que nada do que vivemos tem sentido, se não tocarmos o coração das pessoas”// Cora Coralina// Este foi o documentário radiofônico: Histórias de vida dos idosos do Asilo São Bosco// Produção, reportagem, locução e edição: Lorrayna Farias// Orientação: Professora Doutora Daniela Cristiane Ota// Trilha sonora: O trem das onze - Adoniran Barbosa, Pagode em Brasília – Tião Carreiro e Pardinho e Boate azul – Joaquim e Manuel// Projeto experimental do curso de Jornalismo 2018 da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul//
APÊNDICE 2 – DECUPAGEM
ENTREVISTA 1- JORGE LUIZ AYROLLA (CARIOCA) Pergunta: Seu Jorge, pra começar fala pra mim o nome completo do senhor. Resposta: Jorge Ayrolla Luiz, Jorge Ayrolla Luiz. É Jorge Luiz Ayrolla, eles mudaram o negócio ai. Pode ver na porta ali. Pergunta: aqui no asilo? Resposta: Sim. Esse é meu parceiro de quarto, gente boa, conheceu ele também? Pergunta: conheci, vou conversar com ele mais tarde também. Qual sua idade, seu Jorge? Resposta: 79 Pergunta: o senhor é natural de onde? Resposta: Nova Friburgo, estado do Rio, lá na montanha, no Rio de Janeiro. Maravilhoso. Pergunta: o senhor morou lá a vida inteira? Resposta: a vida inteira. Adorava, adoro aquilo lá. Muito lindo. Se você for, ou você ver mesmo, você gosta. Lá é uma cidade, lá na montanha, industrial. Lá é coisa muito selecionada, só fica os bons, os ruins eles mandam pro Mato Grosso do Sul. Pergunta: e com quantos anos o senhor veio para Campo Grande? Faz quanto tempo que o senhor está aqui? Resposta: eu vim pra cá, passei cinco anos ali na Maria Pedrossian, perto do Comper da Brilhante, pertinho. Da minha casa da ver o Comper da Brilhante. Cinco anos. Ai minha esposa montou a marmitex, vendia pra Base Aérea. A Base Aérea ia pegar comida lá em casa, Sargento, Tenente, Soldado, iam pegar comida lá na minha casa. Ai a esposa faleceu né, eu conversei com minha nora, ela falou “ih, vou te arrumar um lugar bacana, seu Jorge, não fica assim isolado”. Ai doei minhas coisas e falei “vou lá ver”. Ai vim aqui dar uma olhada e adorei né, de cara eu adorei isso aqui. Ai despachei minhas coisas e no dia seguinte estava aqui. Mala e cuia, só eu e alguns paninhos melhorzinhos né. Pergunta: faz quanto já que o senhor está aqui? Resposta: está marcado lá no meu catalogo, todo mundo aqui, todos nós temos uma ficha, né Lino?! Fica na cama amarrado, ou na parede, como você quiser. Nas portas fica só o nosso nome e de quem mais tá acompanhando na suíte nossa. Eu tiro a maior onda, suíte, mas é suíte realmente. Se eu for pagar uma suíte dessa lá fora tá roubado, porque é bacana. Hein, menina. Tem mais de um ano já, está escrito lá no nosso catalogo, não tem como mentir. E nem porque não havia razão para isso né, nós estamos conversando, eu vou mentir? Uma coisa que não rende nada. Pelo contrário, pode é denegrir minha imagem perante a você. Na realidade não gosto muito desse negócio de mentira não, eu sou mais ‘ou tudo ou nada’, não quero saber se vai doer, depois eu curo. Pra toda doença tem um remédio. Então eu penso assim, não gosto desse negócio de mentira comigo não. Pergunta: e a infância do senhor, como foi? Resposta: não foi muito fácil não, menina. Eu ia fazer 17 anos fiz um exame pro corpo de fuzileiros navais. Eu passei na Marechal Floriano, lá no Rio, perto da Central do Brasil, e tava escrito uma tabuleta enorme “precisa de dois mil homens pro corpo de
fuzileiros navais. Prestar concurso no edifício Laundres”. Ai eu parei, falei “oh cara, eu vou prestar exame. Não vou pra esse negócio de Exército, Aeronáutica não. Eu vou prestar exame pra Marinha, pro corpo de fuzileiros”. Ai os cara, “e rapaz, mas você é doido?”, os cara do colégio né, mas eu ia prestar exame. Ai fui lá e prestei exame, 500 e poucos homens, eu fui o 15° colocado. Ai rapaz, quando eu falei pra minha mãe, a minha mãe disse assim “não fala nada pro teu pai não”, eu falei “mas mãe, nós temos mais dois irmãos, tem o Luiz Carlos e tem o Paulo César, e tem a Sandra (que é a única irmã que eu tinha), que tem gabarito de fazer isso com o meu pai”. Pergunta: seu pai não queria? Ele não gostava? Resposta: meu pai nunca foi pra um colégio, ele falava assim “eu fui conhecer um sapato no pé, eu já tinha 11 anos”, é assim que ele falava coma gente. Mas nunca impediu ninguém de estudar e nem nunca negou de pagar. Eu estudei em colégio bacana, o colégio alemão. E dali eu sai, foi quando eu fiz o exame, passei e falei que ia pro corpo fuzileiro, fui. Dali eu sai, e fui ser paraquedista porque ganhava 25%. Eu nem queria muito ser paraquedista, eu queria era os 25% do meu salário. Os cara do exército falava assim “rapaz, a Marinha é muito boa, você ta ganhando uma grana boa hein. O que é isso ai, ta retirando seu dinheiro?” eu falei pra eles, “não, isso é meu pagamento”, eles ficavam tudo olho grande em cima né. “Põ, lá no Exército a gente ganha uma merrequinha”, eu falei “ah mas, problema de cada um”. Ai depois que eu fui aposentar, conheci África, Angola, passei pela Argentina, só conhecia Mato Grosso pela geografia, agora não estou aqui no Mato grosso? Olha que beleza. Tô aqui, acho uma maravilha, tenho um crédito muito bom aqui, meus cartões de crédito tão tudo preso ai, acho muito bom isso aqui, me dou muito bem com as pessoas, eu só tive coisa boa aqui. Pergunta: e por que o senhor veio morar aqui em Campo Grande? Resposta: Porque eu vim ver minha neta. Meu filho veio pra cá e falou, “papai, lá é uma maravilha. O senhor é aposentado, a mamãe tá cansada de fazer marmitex, abandona isso ai e vai pra lá descansar”, ai eu vim pra cá, gostei realmente, aluguei uma casa lá perto do Comper da Brilhante, já te falei, e fiquei. Adoro isso aqui, gosto muito daqui, não é só daqui do asilo, eu gosto de Campo Grande. Pergunta: e o filho do senhor está morando onde hoje? Resposta: no Rio. Minha neta mora aqui na Maria Pedrossian porque a avó tava muito mal e só tinha a filha pra tomar conta, então ele liberou a mulher e a minha netinha. Pergunta: mas ele é casado com a mãe dela? Resposta: não. Ele amasiou com ela. Ela já tinha dois filhos e era separada do marido e aconteceu essa neném. Ele tem muito respeito por ela, deu um carro, deu uma moto, e ela respeita muito ele. Respeitou muito a minha esposa e a mim. Eu sou uma coisa, o seguinte menina: seja com quem for, podia ser até com minha mãe, o seu direito merece ser respeitado. Eu não aceito que ninguém tente destruir isso. Agora o meu, respeite também, pelo amor de Deus. Você entendeu qual é a minha filosofia de vida? Não gosto que muda isso comigo, é simples assim. “Ah o carioca é meio estourado”, não sou estourado nada rapaz, eu sou uma dama, depende como vem lhe dar comigo. A educação é uma coisa, o abuso é outra. Mas hein, criatura. A minha maneira é simples assim, eu respeito e espero ser respeitado. Só isso, é simples. Eu sou um camarada muito simples. E outra, muito leal. Pra mim a lealdade é uma coisa muito boa, em primeiro lugar. Essa coisa de falsidade vai lá pro diabo, não vem comigo não, que eu não sou chegado. Eu fico bob a pessoa não entender e querer ensinar. Você já
imaginou? É igual um burro olhando pra um palácio, não significa nada, ele não sabe o que é, mas quer ensinar. Eu fico revoltado, tem hora que eu saio, finjo que vou no banheiro e não apareço mais. Quando eu tô jogando sinuca ali e o cara aparece querendo dar esse tipo de aula eu falo “da licença moçada, eu vou no banheiro”, e não vou nada. Chego lá ligo minha televisãozinha, fico tranquilo, abro a geladeira, pego uma fruta, eu fico lendo, tem um livrinho lá. Mas eu saio, não aguento ver papo furado. Sou carioca, não gosto de papo furado. Pergunta: e o senhor recebe visita? Sua nora te visita aqui? Resposta: vem. Minha netinha “ah, meu avô querido. Tudo bem? O que você tem de bom pra mim ai?”, mas é uma gracinha, rapaz. “Meu avô querido, olha, vim ver o senhor. Depois nós vamos jogar baralho, snooker”, ai eu falo “vamos sim”. Ela vai lá brincar comigo, senta e fala “meu avô querido, o que você tem de bom pra mim ai?” é uma gracinha. Quando eu não tenho nada, eu meto a mão na carteiro e digo “toma”. Ai ela “vovô da licença”, corre lá no carro e mostra “olha o que o meu avô me deu, pra mim comprar Bis em mamãe”, mas é uma gracinha. Seis aninhos, “vovô, já sei escrever, sei assinar seu nome, do papai, da mamãe. Vou trazer meu livrinho pra ler uma historinha pro senhor”. Eu falei “ah que o vovô vai ficar tão feliz, Beatriz, eu to tão feliz com você, vou até arrumar presente pra você”, você sabe como criança é interesseira, e eu já sabendo disso eu provoco. Eu sou feliz com as coisas mais simples do mundo, eu acho que as coisas melhores do mundo, por incrível que pareça estão nas coisas simples. A vida é muito bela menina, ela dá oportunidade a todos nós, porém muita gente, não aprende, não quer aprender. Depois sente dificuldade na vida. “Ah a vida é ruim”, a vida não é ruim pra ninguém, ela se oferece de uma forma maravilhosa para todos. Eu tinha minha esposa, ai eu perguntava a ela “o que você gosta? Como você quer as coisas? Olha, eu também gosto disso, também não gosto. Então nós vamos separar isso aqui, nós vamos viver dentro daquilo que a gente acha que tem proveito, que é bom. Eu agrado você, você me agrada e vai haver reciprocidade”. E a vida nossa foi maravilhosa, tem que chegar num acordo e simplifica a vida. E eu não vim aqui pra explicar, eu vim aqui pra confundir. Pergunta: e como o senhor conheceu sua esposa? Resposta: no ônibus. Eu vinha chegando da marinha e eu estava uniformizado. Ai eu olhei aquela menina e rapaz, mas foi bacana. O coração bateu mais forte, acelerou. Eu olhei aquela criatura e digo “o rapaz, eu vou ver se chego junto ali”, ai eu olhei e falei “o criatura, gostaria muito de falar com você”, ela falou “nunca namorei e meu pai vem me buscar aqui no ponto do ônibus”, eu digo “eu não quero saber do seu pai não, eu vou falar com ele”, ai ela desceu e falou “não me acompanha não”, ai fui seguindo ela. Ela tava falando com o pai eu disse “oh senhor”. Ela tinha me falado o nome do pai dela, Jorce. Ai eu falei “seu Jorce, gostaria de falar com o senhor”, ele ficou me olhando, não me conhecia né, ficou cabreiro, mas eu falei o nome dele e ele parou. Eu falei assim “o senhor é pai da Célia Marília e eu gostaria de falar com o senhor em relação a ela. Eu simpatizei por ela e não é brincadeira, não é coisa de moleque não. Eu sou um militar, um fuzileiro naval, eu não sei quanto tempo eu vou ficar, mas eu queria levar a sério esse compromisso que eu quero assumir agora na sua presença”. Ele falou “ah então você vai na minha casa domingo que nós vamos ver isso”. Ai ele chamou os irmãos tudinho pra ver se me trancava né, porque eles são tudo presbiteriano e eu não tenho religião, filha. O mais velho, manézão, afim de querer tirar onda com a minha cara disse assim, “qual sua religião?” digo “não tenho não, compadre”, ai ele falou assim “mas
você sabe que nós somos todos presbiterianos”, eu digo “edai? Seu Deus é mesmo do meu. Eu não tenho religião, eu creio numa criatura que vocês chamam de Deus, que criou tudo essa natureza, que tudo é criado”. Ai o cara ficou meio assim comigo, mas depois no final ficaram tudo meus amigos, depois que eu casei. Mas foi difícil pra mim construir minha tenda, porque eu não fico com esse negócio de esconder as coisas das pessoas. Porque tem gente que come ovo e quer arrotar caviar, não da menina. Come um picolé brabo que ta caído no chão e fala que ta comendo sorvete, eu não gosto desse tipo de coisa. Pergunta: e o senhor conheceu ela, tinha quantos anos? Resposta: eu era novo. Pergunta: fazia pouco tempo que o senhor estava na marinha? Resposta: fazia pouco tempo, já tinha uns quatro anos, eu já tinha engajado. Pergunta: ela era mais nova que o senhor? Resposta: bem mais nova. Uma gatinha, terminando o normal, uma caligrafia linda. Uma pessoa pra aturar 30 e poucos anos junto, tem que gostar. Se não gostar, não tem jeito. Nunca tivemos aquele arranca rabo. Menina, você casar por dinheiro ou posição, isso é burrada. Não entra nessa não que quebra a cara, eu tenho experiência, já vi muito amigo meu quebrar a cara. Não entra também em qualquer chulé, que quando a fome bate na porta o amor sai pela janela. Pergunta: do que a sua esposa faleceu, seu Jorge? Resposta: ela começou a sentir umas dores no peito e eu não sou médico, eu levei no médico. O médico falou que não era nada e que ia fazer uns exames mais completos, mas não descobriu nada, não apresentava nada. E de repente ela morreu, foi rápido. Muito rápido. E me deixou um vazio, se eu falar uma coisa pra você, você pode não acreditar. Eu senti mais do que a minha mãe, eu adorava minha mãe, ela foi uma criatura maravilhosa pra mim. Mas não sei se foi o convívio, o tempo que eu passei com ela, eu passei mais com ela do que com minha mãe. Eu senti mais a morte da minha esposa. E prometi a ela e vou te repetir aqui, ela está lá, não deve ter nem mais ossos. Se eu sentir necessidade eu sei onde eu vou, mas mulher misturar a escova de dente comigo, nunca mais. Até eu morrer, nunca mais, só uma. Chama-se, chamava, Célia Marília. Aquela foi a que balançou a estrutura do velho. Olha aquele ali é um amigo meu, gente bacana, policial, vem sempre aqui visitar a gente. Depois você os alojamentos ai, minha suíte. Eu tiro a maior onda, suíte. É bom, o ego vai lá em cima. Pergunta: a sua nora te leva pra passear, seu Jorge? Resposta: ás vezes ela me convida, mas eu não vou não. Eu não sou muito chegado nela. Pergunta: só na netinha? Resposta: ah, a minha netinha eu adoro, minha netinha é meu porto seguro, rapaz. Se algum nego fizer algo com ela, eu vou embora aqui do asilo e faço burrada. Eu já não tenho nada pra perder mesmo. Eu já falei com ela, “eu não quero saber que a minha neta vai entrar no ritmo da sua filha ai não”. A filha dela não tem namorado, não tem nada, e não é muito legal não, é vadia. Enquanto o velho aqui for vivo, eu tenho muito respeito pelo meu filho e pela minha neta, não deixa eu perder esse respeito não em. E ela tem um medo de mim danado, ela sabe que eu não brinco não, menina. Mas ela me respeita pra caramba. Mas, olha, o princípio da vida é o respeito. Eu to conversando aqui com você, eu to brincando, mas com o maior respeito. Você pode crer, de coração.
Eu tenho respeito por você, como tenho pela minha netinha. Você pode apostar em mim, na nossa amizade que começou a pouco tempo, mas eu espero que você seja muito feliz. Uma senhora bem de idade, freira do asilo, chegou nesse momento da conversa para fazer uma oração. Todos os dias ela faz a oração em todos os moradores, fez em mim também. “Em nome de Jesus, eu vou atrapalhar vocês. Em nome de Jesus, que sua vida seja curada, as dores, as enfermidades, seja curado. Obrigado, senhor Jesus. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo. Como era no princípio, agora e sempre, amém. Deus te abençoe, querido irmão. Seja feliz.” Resposta: e a senhora também, vai com Deus. Pergunta: então a marinha te aposentou por causa do seu acidente? O senhor tinha quantos anos? Resposta: 20 e poucos anos, ia fazer 30 anos. Foi cedo. Eu fui aposentado cedo. Pergunta: e como foi o acidente do senhor? Resposta: paraquedas. Não era pra saltar do avião, tava chovendo muito, uma ventania violenta. O cara jogou o rolo de papel higiênico pra ver e desapareceu. Não era pra saltar, mas o tenente mandou saltar, o cara era autoridade máxima né, ele saltou e se ferrou todo. Arrancou a tampa da cabeça. E a maioria se quebrou todo, inclusive eu né. Eu achei que o meu acidente foi micharia né, perdi umas veia aqui na tibial, cortei o tendão fora e um buraquinho na cabeça. Ficaram com sequela violenta, não era pra saltar né. Pra você mandar tem que saber muito, menina. Pergunta: e o senhor gosta de fumar? Fuma faz quanto tempo? Resposta: comecei a fumar já ia fazer 15 anos, agora vou fazer 80. Ai a senhora chegou ali e fez uma gracinha comigo “seu Jorge, para de fumar, isso mata devagar”, eu digo beleza, quem disse que eu to com pressa de morrer? Se mata devagar eu vou fumar, não tenho pressa de morrer. Pergunta: até hoje nunca deu problema nenhum? Resposta: nenhum. Chapa, eu tiro de seis em seis meses. Nunca tive problema de pulmão. Zero bala. Pergunta: e quantos cigarros o senhor fuma por dia? Resposta: as vezes uns 20. Se eu estiver nervoso eu fumo mais. Pergunta: e aqui no asilo, o que o senhor mais gosta de fazer? Resposta: tudo. Olha, tudo que eu quero dizer, eu jogo baralho, pife, eu jogo snooker, tem uma mesinha de sinuca ali, já viu? Não, mas vamos ver. É aqui atrás dessa caixa da água. Então os funcionários jogam comigo. Gosto de conversar. Nós somos a dupla dinâmica. Piadinha, jogar snooker, jogar baralho. Eu não sou Ave Maria mas sou cheio de graça. Zé pretin: a gente tenta fazer a felicidade de alguém, mas nem todo mundo será feliz por alguém. Resposta: eu vou levando assim na brincadeira, porque a vida, tristeza não paga dívida, começa por ai. Então eu gosto muito de ser alegre, pra que triste? Não vale a pena você atrair coisa ruim, tem que ter pensamentos bons para que as coisas boas aconteçam.
ENTREVISTA 2- LINO LIMA Pergunta: me fala o nome completo do senhor. Resposta: Lino Lima Pergunta: quantos anos o senhor tem? Resposta: 68 Pergunta: o senhor tá aqui no asilo faz quanto tempo? Resposta: eu entrei aqui em 2006 Pergunta: o senhor é natural de onde seu Lino? Resposta: Amambai Pergunta: e mudou para Campo Grande com quantos anos? Resposta: é que lá o pai mexia com erva-mate né, ai a argentina não comprou mais, ai vendeu e comprou em Bela Vista mil equitares lá, mexia com gado. Edai que ele faleceu, a mãe faleceu também. Ai repartimos tudo, o meu não acabou em nada né. Eu comprei uma chácara bonita perto da cidade, tinha de tudo lá. E ai minha mulher adoeceu, foi, foi, até que eu vendi a chácara. Tinha que trazer ela para cá e tem que ter um dinheirinho pra poder trazer né. Ai eu vendi a chácara, ela faleceu. Lá mesmo, no hospital. Ai eu comprei uma casa depois daquilo. Ai tinha Maria Rita né, mora aqui. Ai ela trouxe uma filha mais velha que tinha, foi a primeira. Ai ela trouxe e foi recolhendo tudo as outras. Cinco meninas e um guri. O guri ficou comigo, se criou na fazenda, mas agora tá bem graças a Deus, trabalhando bem. Ele tá morando em Goiânia, e dai ele veio e me levou pra lá. Fiquei três meses, dois meses lá. Ele queria que eu morasse lá com ele, mas eu falei “aqui eu não vou acostumar não”, ai ele mudou pra cá, pra me tirar. Pergunta: ele tá aqui agora, em Campo Grande? Resposta: tá, tá ai. Pergunta: e o senhor vai morar com ele? Resposta: vou morar com ele, lá fora fica mais à vontade né. Aqui é muito bom, eu não tenho do que reclamar, mas a gente fica meio trancado aqui né, não sai. E lá fora a gente fica à vontade né. Pergunta: como foi a infância do senhor? Resposta: foi muito bom. Arteiro demais. Tinha uma escola, ficava 12 km longe de
casa, 13 km. Nós tinha que ir cedo pra escola, na hora de voltar de lá já era duas horas da tarde. E ai combinamos com a gurizada, “não vou mais na escola não, vamos se esconder aqui no mato e ficar ai”. Ai foi assim, uma semana foi bem, na outra não aparecemos de novo na escola. Ai a professora mandou um portador lá em casa pra perguntar o que aconteceu que não aparecemos mais. O pai ficou quieto, não falou nada. Ai fomos de novo, ele seguiu nós, já foi no nosso acampamento, e aquele tempo batia né. E eu ó, não me pegou. Eu cheguei em casa e falei “mãe o pai tá batendo em nós”, ela falou “vai lá ajudar ele, que ele não vai te bater”. Ai eu fui chegando e comecei a ajudar ele, ele começou a prozear comigo e acabou. Ai eu falei pra ele “eu não vou na escola não, muito longe. E outra, não tem merenda, não tem nada lá. Fica meio dificil pra nós”, de tarde a gente tá lá varado de fome, comia cedo né. Ai ele trouxe a professora em casa mesmo, ai que aprendemos um pouco. Eu fui pro quartel, fiz curso pra Cabo, mas não tirei a nota. Tinha que tirar 0,7 e eu tirei 0,6. Mas graças a Deus foi tudo bem. O pai vendeu lá, comprou em Bela Vista. Eu casei né, teve cinco meninas e um guri, a mulher teve, e ai ela faleceu né. Ai viemos tudo pra cá. Pergunta: qual era a doença que deu na sua esposa? Faleceu do que? Resposta: ela foi operada já três vezes, o doutor queria fazer a operação e achou muito nova ela e não fez. Ele falou “ela não pode ficar mais grávida, cuida”, ai eu comprei remédio, ela tomou, ai descuidamos na fazenda e engravidou. Ai faleceu né. Faleceu ela e a criança. Mas graças a Deus eles se criaram bem, tão tudo bem Pergunta: o senhor sempre trabalhou em fazenda? Resposta: só em fazenda Pergunta: fazia o que lá na fazenda? Resposta: tudo os serviços. Cerca, mexia com gado. Fazenda do seu Zé Maia, no pantanal. Trabalhei 12 anos pra ele. Ai que me deu esse problema, lá é pantanal né, só água. Eu fui cedo pro serviço, falei pro companheiro “vamos tomar um tereré”, sentei e não consegui levantar mais, sem dor, nada. Eu falei pro companheiro “me leva pro barraco, eu não posso andar”, ai eles me trouxeram e m elevou direto no médico. Tiraram raio-x, falaram que ia ter que ser um tratamento longo e me enviaram pra cá. Pergunta: pro asilo, pra cuidar? Resposta: pra cuidar Pergunta: o médico falou que era o que? Resposta: ele falou que era um reumatismo bravo, mas agora já to bem graças a Deus, em vista do que tava aqui. Eu andava de cadeira de rodas, ai passei a usar dois e agora to usando só um (muletas). Pergunta: o senhor faz fisioterapia todo dia?
Resposta: agora parei, faz mais de mês já que nós estamps parados. Mas no começo fazia direto, ai era bom, um dia sim e um dia não. Pergunta: E o que o senhor mais gosta de fazer aqui no asilo? Resposta: eu tenho minhas tarefas que eu faço. Pintar, fazer os botãozinhos com fita, vou enrolando e colando, fica redondinho e coloca na folha. Fica bonito. Vamos lá ver. Pergunta: o senhor é mais quietinho no seu canto, não se mistura muito? Resposta: não. Eu gosto de fazer meus desenhos, os serviços que eles me dão pra fazer.
ENTREVISTA 3- JOSÉ SEBASTIÃO DE BRITO (ZÉ PRETIN) Pergunta: seu Zé, fala pra mim o nome completo do senhor. Resposta: meu nome? José Sebastião de Brito. Pergunta: quantos anos o senhor tem? Resposta: 67 Pergunta: ta qui no asilo faz quanto tempo? Resposta: uns seis anos já Pergunta: como foi a infância do senhor? Resposta: a minha infância não foi muito boa não. Sempre doente e trabalhando, filho de pobre você sabe como é né, tem que trabalhar. Pergunta: começou a trabalhar com quantos anos? Resposta: onze anos de idade, trabalhar fora de casa né. Em casa, quando tinha oito anos já trabalhava. Pergunta: e quando o senhor começou trabalhar quando tinha 11 anos, trabalhava com o que? Resposta: mexia com animal, com tropa, cavalo, burro, vaca. Em fazenda. Pergunta: e o senhor é natural de onde? Resposta: Minas Gerais
Pergunta: veio pra Campo Grande com quantos anos? Resposta: pra Campo Grande, eu vim pra cá eu tava com 21 anos. Pergunta: e por que o senhor veio pra cá? Resposta: eu tava com vontade de dar uma andada, e vim andando por ai. Sai de Minas, passei por São Paulo, Paraná e vim pro Mato Grosso. Pergunta: e o senhor veio sozinho? Resposta: de Minas até São Paulo eu vim sozinho. Ai vim pro Paraná, sozinho também. Chegou no Paraná eu arrumei um serviço já direto pro Mato Grosso. Pergunta: serviço do que? Resposta: era serviço braçal, roçar mato, em fazenda. Ai eu vim pra cidade e arrumei uma esposa que morou junto comigo cinco anos, depois ela sumiu e ficou eu e uma filhinha, tivemos uma filhinha. Pergunta: quantos anos tem sua filha? Resposta: agora ela está com 29 anos. Pergunta: ela é casada? Tem filhos? Resposta: ela já casou e agora ta morando sozinha. Tem três filhos. Três netinhos, tem duas meninas e um menino. Pergunta: outro dia o senhor falou pra mim que já trabalhou vendendo coisas, o que o senhor vendia? Resposta: é, eu tinha um barzinho né. Ali na nossa casa que eu tenho ali no Itamaracá, eu tenho uma casinha ali. Pergunta: vendia de tudo lá? Resposta: ah, vendia. Pinga, pão. Pergunta: o senhor tem alguma lembrança da sua infância, que o senhor goste? Resposta: é que eu não gosto muito de trabalhar mas a gente precisa. E minha infância foi trabalhar, e doente. (Ao fundo seu Jorge entra na conversa): a única verdade que ele falou foi essa ai.
Resposta: que eu não gosto de trabalhar? Mas é verdade, eu trabalho por necessidade mas não é porque eu gosto. Tem tanta coisa melhor de fazer na vida a não ser trabalhar, né. Se você pudesse viver sem trabalhar, ganhando dinheiro e olhando os outros trabalhar não era melhor? A gente trabalha por necessidade. Falar que gosta de trabalhar, isso ai é uma coisa que não entra nas minhas ideias. Eu gosto de mulher e ganhar dinheiro, isso eu gosto muito, mas eu não estou tendo nenhum dos dois. Você gosta de uma coisa mas não pode ter, fazer o que né? Mas vai saber, nunca é tarde pra ser feliz. Pergunta: e o senhor veio aqui para o asilo porquê? Resposta: ah, aqui pro asilo eu fiquei sozinho, ai deu um problema nas minhas ideias e eu sai de minha casa e fui pra um... ai me acharam e trouxeram pra cá, o povo da assistência social que me trouxe. Pergunta: o senhor estava morando sozinho? Resposta: estava. Pergunta: e sua filha vem te visitar aqui? Resposta: vem, agora ela está trabalhando e não veio, domingo ela não apareceu aqui, mas sempre ela vem. Agora ela começou a trabalhar sabe e eu estou precisando ir pra casa, pra cuidar dos meus netinhos pra ela trabalhar. Porque ela está pagando R$300,00 por mês pra cuidar das crianças. E eu estando em casa, as crianças ficam junto comigo e eu vou continuar vendendo minhas coisinhas né e cuidando das crianças né. Esse dinheiro que está pagando para as crianças serve pra outra coisa né. Pergunta: então o senhor quer ir morar com ela? Resposta: quero. Não vou morar com ela, eu vou pra minha casa. Ela não tem casa, a casa que ela tem é a minha. É minha e dela, que eu fiz pra ela. Mais por ela, se você tem família, tem que ter lugar pra abrigar eles né. Se eu morrer hoje, amanhã ela tem o cantinho dela. Pergunta: então o senhor vai embora daqui. Resposta: se Deus quiser! Mas está só nas minhas ideias por enquanto. Pergunta: e aqui no asilo, o que o senhor vê de positivo? O que gosta de fazer? Resposta: aqui é muito bom, eu não tenho o que reclamar. (Outra vez seu Jorge falando ao fundo): aqui o que tem de melhor sou eu, que moro ali na mesma suíte que ele. Resposta: imagina só, hein Jorge, você é mais positivo que tem aqui? Imagina o resto, que situação. Acabou com o pessoal do asilo pô. Se esse é o melhor, imagina o resto. Mas hein, aqui é bom, mas na casa da gente é melhor. Pergunta: o que senhor sente mais falta lá de fora? Resposta: lá de fora o que eu sinto mais falta é a liberdade que a gente não tem aqui né. Aqui não pode sair a hora que quer, é a hora que eles deixam a pessoa sair né. Mas está certo isso, porque é uma responsabilidade né. Se sai assim, sem a solução de alguém aqui e acontece qualquer coisa, eles ficam sendo culpados né. Então, eles
podem deixar sair sozinho, tem que ser acompanhado com alguém. Mas eles deixam, se você fala que precisa ir em tal lugar eles dão o carro e a pessoa para ir. Aqui é muito bom. Pergunta: e esse chapéu do senhor? Eu vejo que sempre o senhor ta com o chapéu. É o de estimação? Resposta: isso aqui é um presente que eu ganhei. Pergunta: ganhou de quem? Resposta: desse rapaz que está ali ó. Esse, foi ele que me deu. Eu uso sempre. Tem esse e tem mais três, mas eu gosto mais desse aqui, compete com a cor né, que é pretinho. Pergunta: eu vi também que o senhor anda pra lá e pra cá com a cadeira de rodas né? Anda com ela, para e senta. O senhor tem algum problema nas pernas? Resposta: se eu soltar e largar a cadeira pra andar sozinho, eu vou cair. As pernas estão dormentes, não dói, mas está dormente. As mãos dormentes também. Pergunta: e o senhor faz fisioterapia aqui? Resposta: sempre. Pergunta: Então o senhor quando para já senta na cadeira. Prefere ela que muleta? Resposta: quando eu paro eu sento nela. Muleta já é pra aleijado né, eu não gosto muito daquilo não. A muleta é mais comportada né, você entra em qualquer lugar com ela. Mas se eu chego em lugar que não tem lugar pra sentar, a cadeira já é meu banco. Pergunta: faz quanto tempo que o senhor usa ela? Que começou a ficar com a perna dormente? Resposta: foi recém que eu cheguei aqui já deu esse problema nas pernas. Mas durmo bem, estou alimentando bem. Só esse probleminha nas pernas. O pensamento já está normal, que eu penso até coisa que não deve. Pergunta: o que o senhor pensa que não deve? Resposta: eu pensaria que nem deveria viver assim né, do jeito que eu estou empurrado pelas mãos dos outros. Assim não é muito bom, não. Quer dizer que eu não sou independente, estou dependendo dos outros mais do que de mim. Queria andar igual os outro sem precisar de cadeira. Pergunta: e aqui o senhor gosta de fazer mais o que? Eu vi que você só fica olhando eles jogarem sinuca e não joga. Resposta: baralho, nós joga baralho um pouco. Pergunta: maioria dos dias faz o que? Resposta: dormir, comer e beber e não pagar. E conversar. Eu gosto de música caipira essas coisas assim. Pergunta: gosta de ver música caipira na TV? Resposta: ah eu adoro, mas meus rádios sumiram tudo, tinham quatro rádios. Pergunta: e o senhor fuma também, seu Zé? Resposta: fuma um pouquinho, agora estou meio parado, acabou o cigarro, tem que mandar comprar. Uma carteira de cigarro vai em dois dias. Pergunta: com quantos anos o senhor começou a fumar? Resposta: seis anos de idade. Com seis anos eu já trabalhava, tinha que fumar pra espantar os mosquitos que fica pegando a gente, aquele tal de porvinha. E ai eu acostumei. Pergunta: o senhor estudou até que idade?
Resposta: eu nunca estudei. Eu sei escrever meu nome, faço bem conta. Eu aprendi. Primeiro serviço que eu arrumei de empregado foi mexer com dinheiro. Eu vendia lenha pra turma na cidade, tinha que mexer com dinheiro, ai aprende conta rápida. Aquilo pra mim foi a maior escola que eu tive, meu trabalho foi contar dinheiro. Mas dinheiro dos outros né, não era meu não. Vendia lenha na cidade e o dinheiro era pro patrão. Meu pagamento era mensal, mas nunca recebi também. Foram seis ano de serviço trabalhando de graça. Trabalhando a troco da comida né. Pergunta: e o senhor acha que a gente está aqui na vida com alguma missão? Que tem algum propósito? Resposta: Deus quem dá a proposta, não adianta querer variar que a proposta é Deus que dá. O sentido é porque Deus permitiu, se Deus não permitisse você não fazia. Você poderia pensar em estar em outro lugar, mas quis que você viesse pra cá, você está aqui. E daqui você vai pra outro canto, mas é Deus que está te guiando. Não tem outro, pode crer. Pergunta: então o senhor é um homem de muita fé. Resposta: graças a Deus, eu tenho fé nele. Nunca vi ele, mas já vi as providencias dele em mim, porque só de eu estar vivo, eu agradeço muito a ele. A paz é com Deus, a agressão não é de Deus.
ENTREVISTA 4- ANA FERREIRA Pergunta: como é o nome completo da senhora? Resposta: Ana Ferreira. Pergunta: o que aconteceu com a senhora que está triste? Resposta: eu choro. Pergunta: então hoje a senhora acordou triste? Resposta: acordei. Eu lembrei da minha mãe. Pergunta: por que a senhora veio para asilo? Quem te trouxe? Resposta: eu vim porque a mulher que trouxe, pra eu ficar ai com eles. Pergunta: e a sua família? Resposta: eu tenho três filhos. Tenho Priscila, tenho Antônia, tem a Francisca. São três meninas. Pergunta: elas vem visitar a senhora?
Resposta: vem. Pergunta: e a senhora disse que tava com saudades da sua mãe, como foi a sua infância? Resposta: ela morreu né. Pergunta: e ai a senhora está com saudade dela? Resposta: eu to com saudade dela. Pergunta: mas como era na sua infância? Era bem amiga dela? Resposta: era amiga. Pergunta: e o que a senhora fazia na sua infância? Resposta: ah, fazia cozinhar, fazer comida, essas coisas. Pergunta: a senhora nasceu aqui em Campo Grande? Resposta: nasci em Campo Grande. Pergunta: sempre morou aqui? Resposta: morei aqui. Pergunta: e o que a senhora gosta de fazer aqui no asilo? Resposta: gosto de trabalhar, fazer limpeza, fazer faxina. Pergunta: você gosta de se arrumar? Tá de colar, brinco, bonita. Resposta: eu gosto de usar, fica bonita. Pergunta: e a senhora sente falta de alguma coisa lá fora? Resposta: cozinhar, fazer limpeza, fazer faxina, varrer. Pergunta: e a senhora tem amigas aqui? Resposta: tenho muitas amigas. Ai ó, amiga minha, essa ai me trouxe. Pergunta: ela te trouxe aqui pra festa de aniversário? Resposta: meu aniversário já passou. O meu é dia sete de junho, do outro mês. Festa e mais festa.
Pergunta: a senhora gosta de festa? Resposta: eu gosto Pergunta: a senhora tava fazendo o que antes de vir pra cá? Resposta: não faço nada, tava deitada. Pergunta: e a senhora gosta de fazer o que aqui? Resposta: faço tudo, faço desenho, faço tudo.
ENTREVISTA 5 – ASSISTENTES SOCIAIS PAULA ALENCAR CASTRO E JOSINETE DE OLIVEIRA PEREIRA Pergunta: qual é a média de idade dos idosos do asilo? Paula: a média está entre a faixa dos 70, 80. Mas nós temos bastante idosos com 90 também. Pergunta: a partir de qual idade pode entrar aqui? Paula: tem que ser a partir dos 60 anos, tem que ser considerado idoso pela lei. Pergunta: quem são essas pessoas que estão aqui? Qual o perfil? Como vieram para aqui? Resposta: os nossos idosos vem encaminhados através da Secretaria de Assistência Social, a SAS. São idosos que tem vínculo rompido com a família, está em situação de vulnerabilidade, ou as vezes não constituiu família. A maioria dos nossos idosos aqui, não é que eles foram abandonados pela família, eu posso te garantir, nós temos idosos que abandonou a sua família, ele abandonou quando ele saiu pra viver o mundo igual eles falam. Decidiram pela bebida, outros decidiram não ter filhos, não casar, e ai não constituiu uma família. Envelheceram os pais, envelheceram os irmãos. Pergunta: seu José de Brito me falou que estava perdido na rua e deu algo na cabeça dele e ele não se lembra o que aconteceu. Vocês que encontraram ele, como foi? Josinete: na realidade ele teve um AVC. Ele bebia muito, era alcoólatra, e ai realmente teve um AVC e caiu na rua, foi encontrado por algumas pessoas e trouxeram pra cá. Ele ficou aqui um tempo até se recuperar e foi curatelado porque no momento não tinha condições de responder por ele mesmo. Ele continua curatelado com alguém respondendo por ele. Até porque a gente sabe que o alcoolismo é uma doença e que não tem cura. A preocupação nossa é, a gente sabe que o idoso também tem sonhos, principalmente o José Sebastião de Brito que é uma pessoa lúcida, e ele tem sonhos de sair daqui. Ele pensa em ir morar com a filha e com os netos. Só que a gente também preza pela saúde dele. Hoje ele está bem, só que necessita de cuidados. E essa filha, a gente sabe também que ela precisa trabalhar, que ela precisa cuidar dos filhos, e qual momento ela vai ter pra cuidar desse pai?
Paula: E ela também se encontra em situação vulnerável, financeiramente, emocionalmente, não tem condições de arcar com esse pai. A gente monitora, deixa ele ir aos finais de semana, deixava, está de suspensão, porque ele foi e consegue comprar bebida, ela não consegue frear. Ai ele bebe e fala o que não deve pra ela, passa mal. Então a gente sabe que ele não tem condições de ficar lá fora. Pergunta: então pra sair não é só ele querer e a família concordar? Paula: não. Pra sair a gente tem que fazer um levantamento social, um estudo pra saber se ela tem condições, porque é responsabilidade nossa a partir do momento que está aqui dentro, a gente tem que estar monitorando essa família. É tipo assim, como eu vou deixar uma criança sair e quem é que vai cuidar? O idoso é a mesma coisa. E depois a gente desabriga ele, dá um outro AVC, ele fica acamado e a família fala que não tem condições de cuidar, e ai onde vai cuidar? E ai não tem vaga, porque abre vaga entra outro. Nós tivemos um caso. Pergunta: seu Jorge e seu Lino também falaram que pretendem ir embora daqui, entra na mesma situação? Paula: situações diferentes. O Jorge e o filho dele não combinam. O Jorge tem transtorno de personalidade, nossos idosos tem graus de demência, demeência alcoólica aqui é a maioria, e o Jorge é um, só que ele tem transtorno de personalidade, ele incorpora uma outra personalidade, é como se criasse uma história, um personagem, que eu gostaria de ser. Você vê que ele é muito falante, mas se você conversar com ele hoje e amanhã de novo, você vai ver que algumas brincadeiras são as mesmas. Ele fala que o filho dele é policial, que mora no Rio de Janeiro. O filho dele não é policial e não mora no Rio de Janeiro, mora no Rio Grande do Sul. Ele falou pra gente que é funcionário público, só que a esposa falou que não, que ele trabalhava como autônomo, ele também tem problema com o álcool. Então não dá pra saber, ele nunca veio aqui, em Campo Grande, dentro do asilo pra se apresentar e falar que é o filho do Jorge. Semana passada o Jorge falou que ele veio né, mas não é verdade. Eles tem problema lá atrás, os dois bebiam, os dois brigavam. Isso também foi informação da ex-nora. Ela mora aqui, traz a neta, isso é verdade. A neta vem, ele sempre fica eufórico, compra bala, a gente já arrumou boneca pra ele dar pra neta, põe terno, fica bonito pra ver a neta. É muito bonito de ver. Do seu Lino a gente já tentou uma vez, ele foi pra Goiânia e ficou três meses pra ver se ia funcionar. Josinete: a gente tentou o desabrigamento dele, ai a filha dele que mora na divisa com o Paraguai ali, ele foi viajar esses tempos atrás pra lá também, está com uns 15 dias que ele chegou. Ela queria muito fazer essa experiência, só que os outros irmãos dela não aceitaram, disseram pra ela que se ela levasse ia ficar sozinha nos cuidados com ele, que se ele viesse ter algum outro problema de saúde eles não assumiriam com ela. Ela morava com uma irmã, trabalhava pra essa irmã cuidando dos sobrinhos. Emocionalmente ela não construiu também a própria história dela. E quando a gente começou a conversar com ela, a gente viu que não daria, então são situações diferentes. O Lino a gente tentou, mas foi o próprio Lino que não se adaptou em Goiânia, não quis de jeito nenhum. Ai o filho dele veio morar aqui em Campo Grande, mas ele tem vontade de morar só, e o Lino também não pode morar só, ele não tem o controle financeiro, se ele tiver acesso a bebida ele ai beber. Ele gosta de mulher, ainda é ativo sexualmente e ele tem as visitas dele, ele sai, a gente falou para o filho que o levasse pra namorar, sair. A responsabilidade é do filho dele fazer essa parte com o pai, porque ele tem vontades, graças a Deus é saudável e isso é um ponto muito positivo. A
sociedade não consegue enxergar que a pessoa envelhece mas continua ativa sexualmente, e isso mostra que ela está bem saudável. Então dos três o que você poderia confirmar a história, é a do Lino. Mas não pode ir morar sozinho, tem que ser monitorado. O Jorge fala com jeitinho sempre consegue uma bebida, sempre tem uns probleminhas de pessoas que dão bebida pra ele. Josinete: a gente já teve que sair correndo atrás do Jorge, nessa avenida aqui. Ele foi comprar cigarro não sei aonde aqui, saiu correndo. Paula: e diferente do que as pessoas pensam, em nenhum momento nós não somos uma prisão, nossos idosos tem a liberdade de sair, só que tem que estar acompanhado porque se acontecer qualquer coisinha nesse idoso lá fora, a mídia e a sociedade vai ser a primeira a falar assim “olha o asilo, coloca a vida do idoso em risco em vez de cuidar”, ela não vai entender que o idoso tem direito de sair, andar. Vai sair tudo quanto é nota, cadê os profissionais que não estavam cuidando daquele idoso? Então a gente tem uma preocupação muito grande, sempre que vai sair tem que assinar um termo de responsabilidade. A gente nunca negou, a pessoa tem que ter responsabilidade de levar e trazer no dia combinado, senão a gente aciona a polícia. E outra coisa “ah eu nunca vim no asilo, não conheço os idosos, vou lá e levar o idoso pra minha casa”, não. Você tem que ter um vínculo com esse idoso, ele já tem que conhecer, nós já temos que conhecer seu perfil. Saber que você já veio aqui, que vem direto. Agora, sair lá não sei de onde e falar que vai levar? Eu nunca te vi. A entidade conhecendo, a pessoa assinando o termo, ainda assim se acontece alguma coisa a gente é penalizado. A cobrança em cima da entidade é muito grande, e em cima de nós profissionais de assistência social, é muito grande. Nós somos a porta de entrada e saída do idos aqui dentro, tudo passa por nós aqui dentro, então a responsabilidade da assistência social aqui na entidade é muito grande. Temos que estar muito atentas a tudo. Se deu certo nunca foi a assistente social, mas se deu errado foi ele, ele que não fez a parte dele. Pergunta: você falou que ele saiu pra comprar cigarro né, e eu vejo que aqui a maioria fuma, isso vocês permitem? Josinete: até porque o idoso já vem com esse hábito, ele já fumou a vida inteira. Paula: e aqui é uma casa, não é hospital. Aqui é a casa dele. Josinete: então se ele quer fumar a gente permite o fumo. O que a gente não permite é o álcool, porque muitos dos nossos idosos tomam muitos medicamentos que são controlados, surtaria metade da ala. Então isso a gente não permite, mas o cigarro a gente permite mas controlando. A gente vem controlando bem essa questão do cigarro. Paula: e visita não pode dar cigarro pro idoso, não pode dar bebida pra idoso, porque as vezes a gente vem no controle diminuindo, segurando e se alguém dá uma carteira, ele vai fumar em uma sentada. Josinete: a gente tem idoso que é compulsivo no cigarro, então a gente controla, vai fazendo um controle até pra poder ir diminuindo essa quantidade de cigarro. E uma outra coisa que eu acho muito importante aqui também, são as atividades. Quando você envolve o idoso nas atividades, você também vai tirando essa vontade de fumar, de querer beber. Ele não fica ocioso, só pensando nisso. Então você entrete o idoso com as atividades e você vai tirando o idoso desse ciclo de querer ficar fumando, bebendo a todo momento. Então eu acho isso muito importante. Paula: a gente percebeu que quanto mais atividades ele tiverem envolvidos, menos eles querem estar no vicio. E também lembrando, como casa eles tem direito, nós não podemos implantar. Aqui não é quartel, não é presidio, não é hospital, porque as vezes
as pessoas falam quando a gente vai acolher “ah, mas o idoso pode sair?”, eles não cometeram crime, não estão retidos da sociedade, eles fazem parte da sociedade. Por isso a gente faz questão que as portas sejam abertas pra que a sociedade venha. A gente leva no mercado, leva pra fazer as compras, a gente só não leva mais por falta de verba, por falta de vontade nossa não é não. Josinete: se a gente tivesse por exemplo, uma van, se a gente tivesse um micro-ônibus adaptado, pra poder estar andando com eles, a gente andaria muito mais. Paula: ano passado a gente levou pra boliche, pra cinema, teatro, foi a maior diversão. Teve idoso nosso que nunca tinha visto a torneira do shopping, ficou encantada, foi a coisa mais linda de ver pra nós, a alegria dela. E eles comendo batata frita e bife na praça de alimentação, não tem igual, todo mundo parava pra ver a alegria deles. Josinete: a gente não faz mais, por conta da mobilidade mesmo. Paula: sobrecarrega o cuidador. E quando vem, veio um ônibus pra nós que não era adaptado, e a gente teve que agradecer ainda, porque a pessoa disponibilizou o ônibus né. O coitado do cuidador, que era o mais forte teve que pegar cadeirante por cadeirante. Coitada da coluna dele. E nossos idosos diga-se de passagem estão bem fortinhos. E a maioria é cadeirante. Isso é um agravante. A mobilidade é problema pra sairmos com eles. As políticas públicas não vê dessa maneira, é como se quando ela faz o mínimo da parte dela, que é colocar o idoso em uma ILPI, porque a gente é considerado uma ILPI, uma instituição de longa permanência para idosos, então eu já fiz a minha parte quanto governo, já está lá dentro, lavo minhas mãos, eu faço um repasse mínimo e acho que aquilo vai dar uma qualidade de vida pra aquele idoso e estou com minha consciência tranquila. Mas não vai, porque ele não se preocupa que aquele idoso faz parte da sociedade, ainda tem aquela visão antiga, excludente, põe lá de baixo do tapete. Não é bonito, imagina nossos idosos cadeirantes, na cabeça deles isso dá voto? Não é bonito, só que nós lidamos com pessoas que tem vontades, que tem desejos, que estão vivas. E ai olha, você vê o rádinho do Sebastião, sempre tocando música alegre, vê televisão. É igual quando as pessoas vem aqui e quer ficar com conversas tristes com eles, eles não querem saber, eles querem saber o que está acontecendo, eles são mais antenados que a gente. Josinete: quando o Bolsonaro foi esfaqueado eu estava aqui nesse computador, a vó veio de lá ventando contar, “Josi, Bolsonaro foi esfaqueado”, ai eu “como é que é? Sério isso?” ela “abre ai que você vê”, ai eu abri o Globo.com e estava lá notícia que o Bolsonaro tinha sido esfaqueado. Paula: se os voluntários vem aqui e as vezes começam a contar histórias tristes, vem reclamar, “ó não quero mais aquela pessoa comigo não, ta pensando que meu ombro é o que? Só choradeira, chora na casa dela. Eu não quero ouvir”. E quando eles falam não, é não. A gente sempre respeitou. Mas eles estão bem melhores do que a forma em que a gente pegou, isso eu posso garantir. O Jorge pra você ter ideia, quando eu acolhi ele, acolhi lá do Centro Pop, ele dormia no Cetremi, que a palavra combina, você treme quando vê aquele lugar, é horrível. Eu fui acolher ele, ele veio com uma sacolinha de mercado, descalço porque não tinha sapato, tinham roubado lá no Cetremi, sem roupa. Mas na cabeça dele, ele veio cheio de malas, roupas e vários sapatos. Pergunta: já que você falou dessa situação que o asilo vive de doação, me explica como vocês vivem. Paula: a situação nossa hoje, nós temos convenio com a prefeitura, o município. Então, a gente recebe verba da política da assistência do município, eles fazem um repasse de
R$1.900,00 por idoso. A entidade, regida pelo instituto do idoso, a gente tem direito de usar até 70% do benefício do idoso, essa é a renda que nós temos. Só que nem todos os nossos idosos tem benefício, e nem todos os nossos idosos recebem do órgão gestor. Nós estamos financiados só por 60 idosos, hoje nós estamos com 65 idosos, mas nós já tivemos 120 idosos aqui dentro. Então quando eu falo pra você que nós vivemos muito de doação, eu posso falar que é. A frauda que é caríssimo, a alimentação é doação, toda a nossa alimentação. Nós não temos repasse pra pagar a folha da saúde, por isso estamos diminuindo o quadro da saúde. Mas imagina se você trabalha com um público de idoso e todo mundo sabe que quando a gente vai envelhecendo o que mais a gente precisa? Saúde. Então aqui a gente tem a nutricionista, farmacêutico, técnico de enfermagem, todos esses são da folha da saúde, nós não temos verba. Então a entidade que tem que arcar com o salário deles. Nós temos um médico que é prestador de serviço, ele vem pra nós, ele atende todo mundo e faz tipo uma tabela social, mas ele cobra, ele doa um tanto mas um tanto ele cobra. Com isso a gente teve que demitir profissionais, só que isso ao meus olhos é muito ruim, porque lá não fala que eu preciso ter enfermeiro. Legalmente eu fico amparada, não preciso ter legalmente. Mas e ai? Meu idoso precisa, a entidade preza sempre pela qualidade de vida, então a entidade arca com esse funcionário. E como a entidade consegue fazer isso? Através da sociedade civil, das doações, da captação de recursos, através da Energisa, só que poucas pessoas doam através da Energisa. Até hoje ela não conseguiu juntar um valor que pague a conta de luz nossa, e as doações é de R$2,00 a quanto a pessoa quiser fazer mensal. As vezes as pessoas falam que não podem doar, mas ninguém é tão pobre que não pode doar um sorvete por mês. Eu não falo doação grande, porque doação grande as vezes a pessoa vai dar uma vez, é aquela pequena quantia, aquela pequenininha que vai ser a certinha. Essa faz a diferença. A sociedade civil reconhece a entidade como uma extensão, tem essa credibilidade. Os idosos estão aqui, não pra negar e falar que não existe, eles precisam das coisas. O que aconteceu com isso? Nós tínhamos muitos idosos, conforme os idosos veio a óbito a gente não foi acolhendo mais. Pergunta: e tem muita procura? Resposta: muita, muita procura. E a nível de Campo Grande a procura é grande. A população está envelhecendo muito, só que a sociedade não conseguiu entender, ela ainda está com aquela imagem da família margarina que é um país de pessoas jovens, e não é verdade. A maioria da faixa etária já está dos 40 em diante, daqui a pouco está uma população velha. É uma coisa que nós brasileiros não paramos para pensar, não temos um plano de vida. De que o que você vai fazer se planejar pra quando envelhecer, nós não temos isso. O que acontece no nosso país? As pessoas vão envelhecendo e vão sendo amontoadas, nas festas em família você vê os idosos comunicativos? Não. As pessoas passam por ele, pede benção e vai se juntar com os seus grupinhos jovens, ele é um acessório ali. Ele não faz parte do contexto, eu fiz essa análise na minha própria família. É uma conscientização que a gente tem que fazer, a gente tem bagagem. E tem que ser ouvido, quando você pega uma idade, eu converso com os idosos aqui eles tem uma sede, uma necessidade de passar aquela informação. Por mais que eles podem não ter aquele conhecimento acadêmico, mas eles tem uma coisa que nós não temos ainda, conhecimento de vida, vivência. Eu posso ter a teoria, mas eles tem a prática, eles tem a vivência. Se eu tiver um pouquinho de paciência, eu vou aprender muito mais com ele, do que ele comigo.