A Àrea Cinza

Page 1

UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL COM HABILITAÇÃO EM JORNALISMO

A ÁREA CINZA UM DOCUMENTÁRIO SOBRE ASSEXUALIDADE

ANA CAROLINA PLANEZ

Campo Grande OUTUBRO/2017


A ÁREA CINZA/UM DOCUMENTÁRIO SOBRE ASSEXUALIDADE ANA CAROLINA ARGUELHO PLANEZ DINIZ

Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Orientadora: Profª. Drª. Taís Marina Tellaroli Fenelon

UFMS Campo Grande OUTUBRO – 2017


SUMÁRIO Resumo

3

Introdução

4

1. Atividades desenvolvidas

6

1.1 Execução

6

1.2 Dificuldades encontradas

7

1.3 Objetivos alcançados

7

2. Suportes teóricos adotados

9

Considerações finais

17

Referências

18

Apêndice

19


RESUMO: O assunto abordado nesse trabalho é a assexualidade, uma orientação sexual caracterizada pela falta de atração sexual. É tratado o que é assexualidade, como foi o processo de se identificar com essa orientação sexual para pessoas assexuais e que tipos de pressões e preconceitos essas pessoas sofrem. Foram feitas entrevistas com pessoas que se identificam como assexuais e profissionais da área de psicologia e sociologia. Foi produzido um documentário com essas entrevistas, mostrando a vivência de pessoas assexuais e comentários de fontes técnicas sobre o assunto.

PALAVRAS-CHAVE: Assexualidade.

Comunicação,

Jornalismo,

Documentário,

Sexualidade,


4

INTRODUÇÃO Assexualidade é um tema que começou a ser discutido mais recentemente, a partir do começo do século 21, principalmente por causa da Internet, onde se encontram diversas comunidades assexuais. Ainda assim, é um tema que já foi estudado antes. Um exemplo é a Escala Kinsey, uma pesquisa feita na década de 1940 pelo biólogo Alfred Kinsey que visava medir o comportamento sexual das pessoas. Em sua dissertação em que fez uma revisão bibliográfica sobre assexualidade, Valéria Konc dos Santos identificou os estudos de Kinsey como um dos primeiros a identificar assexualidade. 1% dos entrevistados responderam à pesquisa de Kinsey dizendo não sentir desejo sexual e o pesquisador acabou interpretando esse grupo através de diagnósticos médicos, não incluindo-a na escala. Mais tarde, porém, Kinsey inclui na escala um grupo que havia se “identificado como aquele que é indiferente sexual, abrindo as portas para um novo entendimento sobre o assunto”, (SANTOS, 2016, p. 27). O espectro da sexualidade humana é algo que vem sendo abordado de diversas formas conforme o passar dos anos. Essas discussões são muito promovidas por movimentos LGBT (Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis, Transexuais e Transgêneros), que buscam aumentar a visibilidade para temas relacionados a isso, procurando veicular o assunto de diversas maneiras, geralmente recorrendo mais comumente a redes sociais ou a Internet, pela maior acessibilidade. Contudo, a assexualidade ainda costuma ser vista por algumas pessoas como algo incomum. Além disso, ela é tratada por muitos como distúrbios hormonais ou problemas de saúde. A pedagoga e doutoranda em sociologia, Elisabete Regina de Oliveira, uma das principais pesquisadoras sobre assexualidade no Brasil, disse em uma entrevista que, por nós vivermos em uma sociedade altamente sexualizada, quem não se encaixa nesse parâmetro pode se sentir pressionado, ou até mesmo ter a sua sexualidade questionada. Esse tipo de questionamento e a insistência e pressão de familiares ou amigos para que as pessoas que se identificam como assexuais tenham o comportamento considerado “normal”, além de gerar um apagamento da identidade de assexual, gera um preconceito contra essas pessoas. Na verdade, ainda há muitos equívocos sobre o que essa orientação sexual é, muitas vezes gerado pela falta de


5

conhecimento e informação no assunto; como acontece muitas vezes de confundirem assexualidade com celibato, quando na verdade há diferença, pois a primeira é uma orientação sexual, enquanto a segunda é uma escolha, que pode ser influenciada por fatores como religião. A assexualidade não é um tema muito abordado pelos meios de comunicação. Em sua tese de doutorado sobre assexualidade, Elisabete de Oliveira (2014) entrevistou diversas pessoas que se identificam como assexuais e a maioria disse não ter entrado em contato com o termo “assexualidade” pela primeira vez através da mídia, mas por pesquisas que fizeram na Internet, onde geralmente acabavam achando conteúdos sobre o assunto em fóruns ou redes sociais. A abordagem escassa sobre o tema pode levar a conclusões errôneas sobre o que é assexualidade. Este documentário buscou trazer esclarecimento para o assunto, explicando o que é assexualidade, mostrando como é a vida de pessoas que se identificam com essa orientação sexual, o que elas classificam como assexualidade, como foi sua descoberta sobre esse tema e como a falta de informação sobre esse assunto afeta ou afetou suas vidas. Além disso, foi abordada a opinião de especialistas sobre o tema da sexualidade e da sociologia, para ajudar a compreender mais sobre esse tema.


6

1. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS 1.1 Execução: Para a execução do projeto, primeiramente foram feitas leituras relacionadas, sobre assexualidade, documentário e entrevista. Os autores utilizados nessa fase do projeto foram Elisabete Regina Baptista de Oliveira, Mauro Brigeiro e Valéria Konc dos Santos, que produziram trabalhos sobre assexualidade; Bill Nichols, Jorge Duarte e Juares Bahia, sobre documentário, entrevista e técnicas de jornalismo. Não houve muita dificuldade em encontrar materiais de leitura sobre esses assuntos. Ao mesmo tempo, estava sendo feita a procura das fontes. Como foi levantado pelas pesquisas sobre o tema, grande parte das comunidades de assexuais se encontram na Internet, e é onde procurei as fontes personagens para o documentário. Após encontradas as fontes, foi feita uma pré entrevista com elas, para coletar algumas informações previamente, para então construir o roteiro de perguntas que seria usado para a gravação do documentário. Essa pré entrevista tinha um roteiro simples de perguntas abertas, que serviam mais para guiar uma conversa. Todas as entrevistas foram gravadas. Após isso, as gravações foram ouvidas e analisadas, para construir um roteiro de perguntas, que seria o utilizado nas gravações do documentário. O roteiro consiste de onze perguntas, todas sobre temas que foram abordados nas conversas anteriores com as fontes. A próxima fase foi a de filmagem do documentário, onde foram gravadas as entrevistas de todas as fontes. Seguido da decupagem das entrevistas. Logo após foi montado um roteiro, estruturando o documentário em blocos de assuntos. O primeiro bloco consiste na apresentação das fontes personagens, uma explicação do que é assexualidade e os entrevistados contando como foi crescer durante infância e principalmente adolescência como assexual, mas sem ainda ter se identificado. No segundo bloco, os entrevistados contam como descobriram sobre a assexualidade. Todos eles descobriram o termo pela internet e depois vieram a se identificar com isso. Também falam sobre como foi o processo de identificação dessa orientação sexual. O terceiro bloco é sobre o preconceito que essas pessoas assexuais sofrem e as pressões que passam por conta das famílias e amigos para que ajam de uma forma diferente da


7

que agem por sua orientação sexual. Também foi incluído nesse bloco o depoimento de um professor de Ciências Sociais que estuda sobre sexualidade, nós vivemos em uma sociedade que cria expectativas sobre a sexualidade das pessoas e que a assexualidade não se encaixa nessa expectativa, e da psicóloga, dizendo como se sentir pressionado por essas cobranças afeta as pessoas. O quarto bloco é sobre a representatividade e informação sobre assexualidade, onde os entrevistados assexuais disseram acreditar que há uma grande falta de informação sobre esse assunto e que isso afeta suas vidas. E o fechamento do documentário se deu com esses entrevistados dizendo o que para eles é assexualidade.

1.2 Dificuldades Encontradas A maior dificuldade encontrada na execução do trabalho foi a busca pelas fontes. As comunidades assexuais se encontram em sua maioria na Internet, em alguns fóruns, mas principalmente nas redes sociais. Uma forma fácil de encontrar pessoas assexuais pela Internet é através de grupos fechados do Facebook, onde o mais conhecido, chamado Assexuais Brasil, tem mais de 4.500 membros. Porém, poucos desses membros moram em Campo Grande. Algumas pessoas de outros estados até chegaram a entrar em contato dizendo que estariam dispostas a dar uma entrevista, mas como esse documentário está sendo produzido em um contexto mais local, os entrevistados teriam de ser pessoas que moram em Campo Grande. Foi preciso que recorresse a outros meios, como perguntar para pessoas conhecidas em grupos de conversa se conheciam alguém que se identifica como assexual, para encontrar as fontes.

1.3 Objetivos Alcançados O objetivo desse projeto foi fazer um documentário explicando o que é assexualidade, mostrando como é a vida de pessoas que se identificam com essa orientação sexual, como foi sua descoberta como assexual e como o desconhecimento de terceiros sobre o assunto afeta suas vidas. Originalmente o documentário iria abordar mais sobre a falta de informação por parte da mídia sobre a assexualidade, mas após


8

realizadas as primeiras pré entrevistas decidi mudar o foco para explicar a assexualidade do ponto de vista das pessoas que se identificam como assexuais, mostrando como elas lidam com o processo de identificação, preconceitos e pressões que sofrem por ser assexual e como a falta de informação sobre esse assunto as afetou durante a vida. O foco do documentário mudou porque todos os entrevistados falaram em suas pré entrevistas que havia poucos materiais disponíveis, como reportagens ou documentários, sobre o tema, explicando sobre o assunto e mostrando o ponto de vista de quem é assexual. Então decidi falar mais sobre a assexualidade em si, do que sobre a representação dela nos meios de comunicação. Acredito que esse novo objetivo do projeto foi cumprido, pois o documentário produzido trouxe essas informações sobre assexualidade a partir do ponto de vista de pessoas assexuais, que explicaram e contaram suas vivências, tecendo assim uma explicação sobre a assexualidade. Além disso, foram cumpridos os objetivos de achar fontes, fazer pré entrevistas, montar um roteiro de perguntas, gravar as entrevistas, decupar e editar o documentário.


9

2. SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS 2.1 Assexualidade

A assexualidade é uma orientação sexual caracterizada pela falta de atração sexual por qualquer gênero, pela pouquíssima sensação de atração sexual ou pela sensação de atração sexual só em circunstâncias específicas. É diferente de abstinência sexual ou celibato, comportamentos geralmente motivados por crenças pessoais ou religiosas. O termo assexualidade é considerado um termo “guarda-chuva” porque abrange os vários espectros dessa orientação sexual, que pode ir desde repulsa ao sexo até a favorabilidade, separadas em várias subclassificações, como demissexual, gray-a, anti-sexual e sexo-positive. Um fator que se associa à assexualidade é o entendimento de que existe uma diferença entre atração sexual, atração romântica e atração estética. A primeira é de orientação libidinal voltada para o ato sexual. A segunda é voltada para a intimidade emocional, sem envolver sexo (por exemplo, casais que mantém um relacionamento de profundo compromisso, respeito e amor sem a necessidade de performance sexual ou casais que perderam o interesse sexual, as não o vínculo afetivo. Já a atração estética é voltada para a exaltação de algo atraente puramente no plano físico (SANTOS, 2016, p. 34).

Dentro dessas três classificações de atração, a assexualidade diz respeito à atração sexual, que no caso é pouca ou até inexistente. Mas dentro da assexualidade, é possível haver outros tipos de atração, como a romântica ou a estética. E dentro da própria assexualidade, o nível de atração sexual pode variar, como é o caso dos demissexuais, uma sub orientação da assexualidade onde só há atração sexual se a pessoa estiver fortemente envolvida afetivamente com o seu parceiro. Assim como as outras orientações sexuais dentro do movimento LGBT, a assexualidade possui símbolos que a identifica, como a bandeira que é composta pelas cores preto, cinza, branco e roxa. Essa orientação sexual está começando a ser mais conhecida e discutida, principalmente devido à Internet. Um dos movimentos mais conhecidos, que é uma referência para todos que pesquisam sobre assexualidade, é o site da AVEN, Asexual Visibility and Education Network (Rede de Visibilidade e Educação Assexual, em tradução livre). O site foi criado em 2001 com o objetivo de gerar aceitação e discutir o


10

assunto, facilitando o crescimento da comunidade assexual. Além de possuir sites com versões em diversas línguas e ter fóruns para conversa e debate, a AVEN também é responsável por campanhas de conscientização, como a Asexual Awareness Week (Semana da Visibilidade Assexual, em tradução livre), que acontece todo ano no mês de outubro e que, apesar de contar com eventos em lugares físicos, acontece principalmente na Internet. Oliveira (2014) analisou o site e concluiu que ele foi um dos grandes responsáveis pelo aumento da discussão do tema, além de ajudar pessoas a se identificarem com essa orientação sexual. Pela falta de cobertura sobre o assunto por outros meios, como foi observado por Elisabete de Oliveira, a Internet acaba sendo a forma como muitas pessoas se educam sobre isso, para conhecer mais sobre o assunto ou para se identificar dessa forma. Além do site da AVEN, as formas mais utilizadas por essas pessoas para se informar sobre assexualidade são fóruns e redes sociais. Brigeiro (2013) também analisou o site da AVEN, verificando que muitos pesquisadores o procuram como forma de entrar em contato com pessoas que se identificam como assexuais para fins de pesquisa, pois a Internet é a forma mais fácil de encontrar pessoas que se identificam com essa orientação sexual, através de comunidades ou páginas, e a AVEN é uma referência no assunto. Elisabete de Oliveira (2012) analisou também como foi a cobertura de mídia americana quando o tema assexualidade começou a ganhar mais destaque por causa da AVEN em 2006 e 2007. Seis programas foram analisados, todos eles continham entrevistas com o fundador da AVEN ou algum outro membro. Desses seis programas, quatro contavam com a presença de psicólogos ou terapeutas sexuais. Alguns desses profissionais reforçavam a ideia de que assexualidade é um distúrbio que deveria ser tratado com remédios ou com terapia. A autora chegou à conclusão de que a maioria dos terapeutas sexuais levados aos programas não procuraram

compreender a

assexualidade a partir do que as pessoas assexuais relataram como suas experiências nos programas, mas a partir de conhecimentos próprios que já tinham, de que a falta de desejo sexual deve ser analisada a partir de um âmbito médico ao invés de ser considerada uma orientação sexual. Parece existir uma preocupação por parte destas terapeutas em proteger e defender a importância de sua prática profissional. Se a assexualidade


11

pode ser a resposta para a falta de desejo sexual de parte dos indivíduos, isso pode significar perda de parte do poder dos profissionais da scientia sexualis, envolvidos como estão no tratamento e cura das chamadas disfunções sexuais (OLIVEIRA, 2012, p. 11).

No Brasil, esse tema é, como foi dito por Elisabete de Oliveira, apenas ocasionalmente abordado pela mídia. Existem poucas pesquisas e o que é publicado geralmente tem o mesmo conteúdo, dando uma visão de fora sobre o que é assexualidade e comparando com as pessoas que não são assexuais. Esse tipo de abordagem e a falta de uma maior cobertura sobre esse assunto, por não promover uma busca maior de conhecimento sobre o assunto, acaba perpetuando uma única noção sobre o que é assexualidade, que é a vinda de pessoas que não são assexuais, o que pode criar estereótipos ou noções erradas do que essa orientação sexual é. O termo assexualidade é algo que começou a entrar mais em discussão a partir dos anos 2000, com o avanço das tecnologias e da Internet, que ajudou muito a propagar informação sobre o tema. Como parte de sua tese de doutorado chamada “Minha vida de ameba: os scripts sexo-normativos e a construção social das assexualidades na Internet e na escola”, Elisabete de Olveira entrevistou, tanto presencialmente quanto por e-mail, diversas pessoas que se identificam como assexuais. Foi observado que praticamente todas essas pessoas tiveram acesso ao termo “assexual” como forma de orientação sexual pela primeira vez através da Internet, por meio de pesquisas, fóruns de discussão e redes sociais. Depois disso, algumas dessas pessoas até procuraram se aprofundar mais no assunto, através de livros, artigos científicos e pesquisas. Poucos dos casos relatados por ela mostra os entrevistados tomando conhecimento do assunto através de meios jornalísticos, como por reportagens, matérias ou documentários. Antes da popularização da internet, as pessoas assexuais viviam socialmente isoladas, sem dar-se conta de que havia outras pessoas com experiências e dificuldades similares àquelas enfrentadas por eles e elas, como por exemplo, a pressão de uma sociedade que valoriza o sexo e os relacionamentos amorosos como prioridade e principal objetivo de vida. Por constituir um grupo de proporções reduzidas, a probabilidade de interação face a face de forma não planejada entre pessoas assexuais é estatisticamente pequena, devido, entre outros fatores, a sua esparsa distribuição geográfica. Portanto, a chamada comunidade assexual, em seus primórdios, tem sido, predominantemente, virtual (OLIVEIRA, 2014, p. 60).


12

Por não ter conhecimento a respeito da assexualidade como uma forma de orientação sexual, muitos dos entrevistados para a tese de Elisabete de Oliveira contaram que tiveram dúvidas, perguntando-se se havia algo de errado, biológica ou psicologicamente, até o momento em que entenderam e assumiram sua orientação sexual. Esse tipo de comportamento registrado em uma maioria dos entrevistados, demonstra que a falta de conhecimento e informação disponível sobre o assunto afetou diversos aspectos de suas vidas. Essa falta de cobertura sobre assexualidade afeta também a forma como outras pessoas viam e reagiam aos entrevistados quando eles contavam ser assexuais, sendo que a confusão e falta de compreensão foram as reações mais recorrentes. Além disso, na Internet a produção de conteúdo sobre o assunto não é algo tão restrito como em outros meios de comunicação, qualquer pessoa pode publicar um texto sobre assexualidade, sem ter uma certeza de que aquilo é considerado certo pelas pessoas que partilham dessa orientação sexual. Os entrevistados contam que tiveram acesso ao termo “assexual” geralmente através de redes sociais, por depoimentos e postagens de outras pessoas que também se identificam como assexuais, não por reportagens ou artigos científicos.

2.2 Documentário “Na televisão, o jornalismo salta da letra para a imagem”, (BAHIA, 2009, p. 163). Com a televisão, o jornalismo adquiriu um novo formato, o da imagem. A novas tecnologias também beneficiaram o jornalismo, com a possibilidade de adicionar imagens à som ambiente, usar câmeras que filmam em cores, até o uso de satélites para melhor comunicação e distribuição. A imagem pode descrever coisas que não seriam descritas por palavras, no jornal impresso por exemplo, como imagens de um acontecimento ou reações de uma pessoa quando está sendo entrevistada. O documentário surgiu junto com o cinema, mas foi tomando forma e criando sua própria voz com o passar dos anos. A tradição do filme documentário está ligada com a sua habilidade de passar uma impressão de autenticidade. Ele sempre trata da realidade, respeita dados conhecidos e disponibiliza dados verificais. Em seu livro, Introdução ao documentário, Bill Nichols (2005) diz que a diferença entre os filmes


13

documentários e os filmes de ficção é que nos documentários os personagens são atores sociais, eles não estão interpretando algo para a câmera. Apesar das pessoas costumarem agir de forma diferente quando sabem que tem uma câmera por perto, o documentário ainda se diferencia da ficção, pois não há papeis pré-determinados para esses personagens, nem lhes é dito o que dizer ou o que fazer. O documentário fala de pessoas reais e histórias reis. São representações, não reproduções, da realidade. A separação entre documentário e ficção depende do grau em que a história corresponde fundamentalmente a situações, acontecimentos e pessoas reais versus o grau em que ela é principalmente produto da invenção do cineasta. Sempre há um pouco de cada, é uma questão de grau (NICHOLS, 2005, p. 35).

No livro “As técnicas do jornalismo”, Juarez Bahia afirma que “o cinema é jornalismo à medida que informa, documenta, influencia e diverte”, (BAHIA, 2009, p. 184). Era comum que, até os anos 50, as salas de cinema atraíam as pessoas pelas notícias e não somente pelos filmes. O cinema pode criar formas de jornalismo, como documentários, reportagens filmadas e jornais cinematográficos. O documentário no cinema e, depois, na televisão, assemelha-se à grande reportagem que, no jornal e na revista, desenvolve elementos de investigação, interesse, curiosidade e análise, associando aspectos humanos, históricos, científicos, religiosos, educacionais, pitorescos, etc. E é provavelmente a técnica de informação que o cinema melhor executa (BAHIA, 2009, p. 184).

Apesar de ter um pouco da invenção do cineasta, os documentários fundamentalmente mantem a representação de algo real. Distorcer fatos coloca em risco o status de documentário, podendo fazer com o que o filme passe a ser considerado ficção. O cinema documentário independente, começando na década de 1980, trouxe uma nova visão à que havia na época sobre o que era e como era feito o documentário. Os meios de comunicação não inovavam, apenas reciclavam histórias sobre os mesmos assuntos, seja por compromissos com patrocinadores ou por sua agenda política, que acabava limitando o que esses meios faziam na época. Mas o documentário independente surgiu para trazer um novo olhar sobre o que estava acontecendo no mundo (NICHOLS, 2005). Os temas abordados costumam tratar de pessoas reais, alguém falando de um fato acontecido consigo mesmo ou alguém que representa um grupo; histórias que


14

aconteceram, baseados em fatos e dados reais; ou de situações que envolvam pessoas que querem transmitir uma proposta ou acontecimento. O documentário fala de situações e acontecimentos que envolvem pessoas reais (atores sociais) que se apresentam para nós como elas mesmas em histórias que transmitem uma proposta, ou ponto de vista, plausível sobre as vidas, as situações e os acontecimentos representados. O ponto de vista particular do cineasta molda essa história numa maneira de ver o mundo histórico diretamente, e não numa alegoria fictícia (NICHOLS, 2005, p. 37).

Outras formas de caracterizar o documentário, segundo Nichols (2005), são pela estrutura institucional, quando a instituição que produz e distribui afirma que o produto é um documentário; pela comunidade de profissionais, os filmes feitos por documentaristas podem ser considerados documentários; e pelas convenções que distinguem o gênero, todas as características específicas que dão voz ao documentário e o diferenciam de outros gêneros, como entrevistas e comentários em voz over, e pelo conjunto de espectadores, já que o público que vai assistir a esse tipo de produto já tem ideias e predefinições de como esse gênero se desenvolve e ao ver essas características no filme, já assume que se trata de um documentário. “Um documentário não só documenta os acontecimentos como também transmite uma perspectiva ou proposta distinta sobre eles”, (NICHOLS, 2005, p. 138). A forma de passar essa perspectiva é pela voz do documentário. A voz do documentário está relacionada à maneira como o vídeo e o filme documentário falam do mundo que nos cerca, mas de uma perspectiva singular. Quando um documentário faz uma proposta ou apresenta um ponto de vista, a “voz” é a maneira como o faz (NICHOLS, 2005, p. 133).

Essa “voz” dita por Nichols se refere forma como o criador do documentário apresenta o tema; quando cortar uma cena, como fazer a montagem, como enquadrar uma imagem, quando gravar com som direto ou acrescentar som posteriormente. São todas normas técnicas que garantem como a mensagem que o criador quer passar chegue ao público. Com essas escolhas é possível separar o que vai ser mostrado ou não, e a forma como o conteúdo será disponibilizado. Isso cria um ponto de vista e uma opinião. A voz pode ser mais discreta, não tão óbvia, mas também pode ser algo mais aberto e direto. Outros meios em que a voz do documentário toma forma são pelos discursos, que podem ser tanto direto quando indireto. O discurso direto é a fala dirigida ao público, algo claro e objetivo, pode ser feito com o recurso de voz over ou com falar


15

das fontes. O discurso indireto demonstra a opinião na forma como o filme é feito, com toda a parte técnica que já foi mencionada anteriormente. O cinema documentário independente a partir da década de 1980, começou a explorar muito temas sociais, falando sobre temas poucos falados ou conhecidos, trazendo uma forma de voz para as minorias étnicas, sociais e sexuais. Documentários com esse tipo de tema utilizam muito de sua voz para passar uma mensagem sobre o que está sendo abordado.

2.3 Entrevista “O uso de entrevistas permite identificar as diferentes maneiras de perceber e descrever os fenômenos”, (DUARTE, 2005, p. 63). A entrevista é uma forma de levantar informações, conhecer pessoas ou situações, descobrir um ponto de vista. No livro “Métodos e técnicas de pesquisa em comunicação”, Jorge Duarte categorizou as entrevistas em fechadas, abertas e semiabertas. As entrevistas fechadas são mais objetivas, não há muito espaço para que o entrevistado desenvolva suas respostas. As entrevistas abertas são o contrário, há um espaço maior para discutir e aprimorar sua resposta. Já as entrevistas semiabertas são um meio termo entre as outras duas. Há um roteiro de perguntas a ser seguido, questões guia para o entrevistado, como na entrevista fechada, mas são tratadas como perguntas abertas, dando uma maior liberdade de espaço para as respostas. Antes de realizar a entrevista, o jornalista deve estar preparado, “conhecer o assunto que vai abordar; saber perguntar; ter senso suficiente para conduzir o diálogo nos limites do interesse humano”, (BAHIA, 2009, p. 72). É necessário que haja um preparo sobre o tema ou a pessoa que será foco da entrevista, para que as perguntas abordadas possam ter mais profundidade. No livro As técnicas do jornalismo, Juarez Bahia chama a entrevista de reportagem provocada. Ela é feita de perguntas e respostas, mas significa que a função do repórter é apenas registrar o que está sendo dito. Porque a entrevista “deve refletir uma interação com dois ou mais indivíduos exercendo recíprocas influências”, (BAHIA, 2009, p. 72).


16

As fontes escolhidas para a entrevista devem ter grande familiaridade com o assunto e propriedade para falar sobre o tema. “Uma boa pesquisa exige fontes que sejam capazes de ajudar a responder sobre o problema proposto. Elas deverão ter envolvimento com o assunto, disponibilidade e disposição em falar”, (DUARTE, 2005, p. 69). A escolha certa de fontes é importante para a pesquisa, para que as pessoas saibam do assunto que está sendo tratado. Outro fator na hora de escolha das fontes são os diferentes pontos de vista que elas podem dar sobre o assunto, para diversificar o fato que está sendo levantado e dar uma abordagem mais variada ao tema. “É importante obter informações que possam dar visões e relatos diversificados sobre os mesmos fatos”, (DUARTE, 2005, p. 69). De acordo com Jorge Duarte, as entrevistas também têm que ser sempre registradas de alguma forma. As entrevistas em profundidade principalmente, pois elas geralmente são mais extensas, já que o intuito desse tipo de entrevista é aprofundar-se em um assunto, não podendo ser apenas algo superficial. Anotações e gravações deverão sempre ser feitas em entrevistas. As entrevistas também podem ser um processo de aprendizagem para o entrevistador, que durante a própria entrevista pode conhecer mais sobre o tema que está sendo abordado. “Mais do que uma técnica de coleta de informações interativa baseada na consulta direta a informantes, a entrevista em profundidade pode ser um rico processo de aprendizagem, em que a experiência, visão de mundo e perspicácia do entrevistador afloram e colocam-se a disposição das reflexões, conhecimento e percepções do entrevistado” (DUARTE, 2005, p. 81)

As fontes usadas, forma de perguntas e as próprias questões que serão tratadas na entrevista, devem ser pensadas de forma a enriquecer o tema que está sendo tratado, para que o assunto seja melhor abordado e a informação seja levada de forma eficaz.


17

3. Considerações finais

Esse trabalho buscou trazer mais conhecimento sobre a assexualidade, caracterizando-a de acordo com o ponto de vista das pessoas que são assexuais, mostrando sua vivência, seu processo de identificação e preconceitos e pressões que sofreram por serem assexuais. Foi feito primeiramente um levantamento de informações relacionadas à assexualidade, assim como ao processo de entrevistas e produção de documentário. Em seguida foi feita a procura das fontes, tanto de fontes personagens, pessoas que se identificassem como assexuais, quanto fontes que ajudassem na compreensão do tema, como uma psicóloga especializada em sexualidade humana. Após foram realizadas entrevistas, filmagens, decupagem e edição. Acredito que esse trabalho trouxe mais entendimento sobre a assexualidade. Não só para explicar o que essa orientação sexual é, mas para trazer mais clareza sobre as opiniões e dificuldades que pessoas assexuais passam, como as pressões e expectativas para que ajam de forma diferente da sua orientação ou como a falta de informação sobre esse assunto pode dificultar o processo de identificação desses indivíduos, o que gera problemas para suas vidas.


18

4. REFERÊNCIAS

BAHIA, Benedito Juarez. Jornal, história e técnica: As técnicas do jornalismo. 5. ed. Rio de Janeiro: Mauad X, 1009. 275 p. v. 2. BRIGEIRO, Mauro. A emergência da assexualidade: notas sobre política sexual, ethos científico e o desinteresse pelo sexo. Sexualidad, Salud y Sociedad, n. 14, p. 253.283, ago. 2013. DUARTE, Jorge. Métodos e técnicas da pesquisa em comunicação. 6. ed. Campinas, SP: Papirus. 2016 NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. 2ª ed. Brasil: Atlas Editora. 2006. OLIVEIRA, Elisabete R. B. Assexualidade e medicalização na mídia televisiva norteamericana. In: VIEIRA. T. R. (org) Minorias Sexuais: direitos e preconceitos.1 ed. Brasília: Editora Consultex, 2012. OLIVEIRA, Elisabete R. B. “Minha vida de ameba”: Os scripts sexo-normativos e a construção social das assexualidades na internet e na escola. 2014. 225 p. Tese (Doutorado em Educação) – Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo. 2015. OLIVEIRA, Elisabete R. B. Saindo do armário: a assexualidade na perspectiva da AVEN – Asexual Visibility and Education Network. In: Seminário Internacional Fazendo Gênero 10, 2013, Florianópolis. Anais Eletrônicos. SANTOS, Valéria Konc dos. (AS)Sexualidades: Processo de Subjetivação e Resistência. 2016. 81 p. Dissertação (Mestrado em Psicologia Clínica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo. 2016. THE ASEXUAL visibility and education network. Disponível em: <http://www.asexuality.org/>. Acesso em: 27 jul. 2017.


19

5. APÊNDICES 5.1.

Roteiro de perguntas utilizado nas entrevistas

1. Se apresentar (nome, idade, ocupação, orientação sexual e romântica) 2. Como foi crescer (infância/adolescência) como assexual? 3. Como você descobriu o termo “assexual”? Por que você procurou isso? 4. Quando e como foi que você se identificou com assexual? 5. Você procurou algum tipo de profissional, como psicólogo, quando ou antes de se

identificar como assexual? Como foi isso? 6. Você já sofreu algum tipo de preconceito ou exclusão por ser assexual? 7. Você sofre algum tipo de pressão (das pessoas a sua volta, amigos, família...) para

que você aja de uma certa forma? No dia a dia, em relacionamentos, com amigos, etc. Como isso se relaciona a ser assexual? 8. Você se sente incluído na comunidade LGBT, como assexual? 9. O que você acha da representatividade (ou falta de representatividade) sobre esse

assunto? Como você acha que isso afeta a vida de quem é assexual? 10. Você acha que há uma falta de informação sobre a assexualidade? Como isso te

afeta ou afetou? 11. Para você, o que é ser assexual?

5.2.

Decupagem das entrevistas

5.2.1. Marianny Arguelho

Pergunta: Se apresente. Resposta: Meu é Marianny de Jesus Arguelho, eu tenho 23 anos. Eu faço Psicologia, falta dois meses para eu terminar. Minha orientação sexual é assexual e minha orientação romântica é heterorromântica. Pergunta: Como foi a infância e adolescência, crescendo sendo assexual? Resposta: Quando a gente é criança, eu posso dizer daquilo que me trazia estranheza. Porque quando eu era criança tinham certas coisas que para mim eram estranhas de ser porque eu não era que nem as outras crianças. Na verdade, ninguém é igual a ninguém.


20

Eu não me sentia confortável em ser igual o que as pessoas queriam que eu fosse. E é uma coisa que a gente acaba sempre vivendo porque é algo que os amigos impõem, que a família impõe. Então quando eu era criança, eu era uma criança que sempre foi muito focada em estudar, sempre gostei muito de ler, sempre fui focada em conhecimento. Eu não era ligada a questões de relacionamento, eu podia gostar de alguém, mas não era uma questão de relacionamento. É bem complexo. Pergunta: Como você descobriu o termo assexual e por que você procurou por isso? Resposta: Eu sempre fui uma pessoa distante de questões de relacionamentos. Sempre foi uma questão dos meus amigos falarem, da minha família, de não estão num relacionamento. Uma vez assistindo, eu sou viciada no YouTube, tudo que eu quero aprender é no YouTube, e eu assisto um canal, Fatos Desconhecidos, e eles fizeram uma postagem sobre assexuais. Eu assisti, achei legal. Eles falaram dos demissexuais e eu pensei “talvez eu seja demissexual”, porque eu pareço me enquadrar no demissexual. E aí eu fui procurar mais sobre o assunto, eu conversei com uma amiga minha e ela falou “faz sentido”. Eu fui procurar mais coisas para ler, mas antes disso aconteceu algo anteriormente. A última vez que eu fiquei com uma pessoa eu tinha quinze anos de idade, e aí no ano de 2016 eu fiquei com um menino. Falei assim “ah, vou ficar com esse menino”. Para mim foi a experiência mais horrível da minha vida. Eu não falo isso para as pessoas, falo que foi ok, mas foi horrível. Odiei. Eu lembro até muito bem o que aconteceu. Eu fui dormir na casa dessa minha amiga e no dia seguinte eu falei para ela que eu não gostei e que eu pensava que era assexual em relação a isso, porque eu já tinha visto o vídeo, mas eram coisas que eu pensava não que eu procurava com tanto afinco. E ela falou para mim “eu não acho, eu acho que você é reprimida”. Eu fiquei brava. Era um momento em que eu queria que ela me escutasse e me acolhesse, não que ela pegasse e jogasse conclusões em cima disso, como se toda a explicação do meu ser estivesse ligada ao fator psicológico. Só que ela meio que me diagnosticou, “você é reprimida, você não é assexual”. Em nenhum momento ela parou para escutar a minha história, para realmente saber como é a minha vida, como eu segui todo esse percurso. E eu não aceitei isso. Comecei a procurar bastante coisas, comecei a ler. Procurava vários vídeos, sempre procurava vários documentários, quase não tem nada. Tentava ver vários canais que falassem sobre o assunto. Procurei artigos para ler. Procurei as páginas no Facebook, porque as redes sociais são aquilo que está mais acolhendo os assexuais do que a própria família, do que os próprios amigos. E eu comecei a me comunicar com essas pessoas nas redes sociais e elas me ajudaram bastante até a pensar em que espectro eu estava, como poder falar e comunicar para as pessoas os assuntos. Eu peguei e comecei a ler, falei assim “não, não me identifico com isso”. É engraçado porque por mais que a gente tente


21

fugir de uma norma, de uma normativa da sexualidade, a gente também tem certos tipos de normativas na assexualidade, que eu acho interessante. Eu acho engraçado, a gente tenta fugir dessa norma, mas ainda estamos presos a essa norma. Eu sempre pensava assim, não deveria existir essa coisa de divisão da assexualidade. Mas são coisas da minha cabeça. Devia existir os assexuais e os sexuais, muito simples. Aí teriam as orientações românticas. Pergunta: Quando e como você se identificou como assexual? Resposta: Foi essa questão de eu ter ficado com esse menino. Como a última vez que eu tinha ficado com alguém eu tinha quinze anos de idade, eu peguei e pensei assim “eu preciso tirar essa dúvida da minha cabeça”. Eu pensei que iria ficar com esse cara e eu até gostei do cara, eu achava ele legal e engraçado. E fiquei com ele, para tirar a dúvida. Quando eu fiquei com ele e foi horrível, aí que eu pensei assim “eu realmente não sou desse jeito”. Eu não sou esse tipo de pessoa que sai para baladas e vai ficar com alguém, eu não me identificava com isso por mais que as minhas amigas sejam assim. E foi assim que eu claramente comecei a falar que sou assexual, e eu falava para as pessoas que sou assexual. Pergunta: Você procurou algum tipo de profissional, psicólogo ou algo do tipo, quando ou antes de se identificar como assexual? Como foi isso? Resposta: Por causa das coisas que eu fui estudar, que eu fui procurar, os artigos científicos de psicologia, eu comecei a perceber que artigos de psicologia que fazem criticas ao fato de dizerem que assexualidade seja um tipo de transtorno. E eu pensava que tem tanta coisa no mundo que a sociedade fala que é doença, mas não é doença, como a própria homossexualidade, a transexualidade, a própria questão dos queers. Claro que teria um momento que a própria assexualidade seria considerada um tipo de doença porque ela foge de qualquer padrão, qualquer norma. Quando eu comecei a estudar sobre assexualidade, eu já pensava que assexualidade não é doença, que ela é uma conduta normal das pessoas, justamente por causa dos autores que eu estudo na psicologia. Como eu já tinha esse estudo anteriormente eu nunca pensei que aquilo que eu demonstro ser hoje para as pessoas seria considerado como doença. Pergunta: Você já sofreu algum preconceito ou exclusão por ser assexual? Resposta: Eu acredito que não por causa da questão de como eu me apresento, porque eu sou assexual, mas eu sou heterorromântica. Talvez se eu fosse birromântica ou homorromântica seria diferente, porque tem outras coisas que atravessam a minha existência. E as pessoas com quem eu ando são pessoas totalmente compreensivas. Elas têm alguma dificuldade, mas também tentam compreender. É algo que causa estranheza para elas, algo que elas não conhecem. Minha família mesmo, quando eu falei para minha mãe “eu sou assexual, até falei para o meu irmão; só que para eles é tudo brincadeira, “isso não existe”. Não que eles


22

façam um preconceito comigo, eu acho que eles teriam muito mais preconceito comigo se eu fosse lésbica, se eu fosse trans. É bem diferente. Eu não considero que tenha sofrido algum tipo de preconceito. Mas têm pessoas que são assexuais e heterorromânticas que sofrem realmente preconceito, porque nos locais que elas andam têm pessoas que não vão compreende-las, diferente do local onde eu ando. Eu acho que a questão de eu fazer psicologia e andar com pessoas que fazem psicologia possibilitou eu pensar dessa forma e possibilitou essas pessoas me compreenderem de outra forma. Pergunta: Você sofre algum tipo de pressão para que aja de certa forma e como isso se relaciona a ser assexual? Resposta: Eu sofro, sim. Isso é horrível porque as pessoas, a primeira coisa, elas não acreditam em você. Se você chega para elas e fala que é assexual, elas vão fazer assim: “mas você é mesmo? Mas como que é?”. Ainda mais se eu gosto de uma pessoa, porque isso aconteceu comigo, perguntam assim: “mas você não sentiu alguma coisa?”. Claramente você percebe que eles estão falando em questão de excitação sexual. E eu falo assim: “não, não senti isso”. Eu sou assexual, eu nasci assim, eu sei que sinto que é isso, porque eu voltando atrás pela minha história eu percebo como era meu comportamento. Quando eu era criança e préadolescente, quando as pessoas começam a pensar sobre sexualidade, sobre relacionamento, e sempre há uma pressão. “Porque você tem que ficar com fulano de tal, você tem que se relacionar com fulano de tal, você tem que fazer isso, tem que mostrar que você é isso”. E muitas vezes teve pessoas que eu fiquei e eu não queria ficar, eu fiz por uma questão de “eu tenho que mostrar para elas que eu sou assim”, mas por mim eu nunca faria. E é uma coisa que eu brigo até hoje, eu não sou assim, e eu não sou desse jeito. Eu não gosto, eu não sou uma menina para fazer isso e isso não sou eu. Isso me causa pânico, me causa stress, me causa desespero. Eu agir de uma forma de um jeito que eu não sou eu já fico sem saber o que fazer. Eu preciso ser verdadeira comigo mesma, de entender que eu não sou assim e eu tenho que fazer isso porque as pessoas querem que eu faça. As pessoas elas sempre tentam me colocar em uma situação, justamente por questões de desconfiança porque elas não acreditam em mim, elas demoram para acreditar em mim, e elas sempre tentam formular questões e problematizações para que eu me enrole. Mas agora que eu me entendi, me compreendi e estou bem com isso, vocês querem enrolar toda a minha cabeça só para vocês se sentirem melhor porque vocês não conseguem aceitar isso que eu sou? É bem complicado isso porque essa questão de aceitação está relacionada com muitas outras questões, não é só questões de sexualidade; é questões de corpo, questões econômicas, sociais, culturais. De como as pessoas, para se sentirem melhor, elas tendem a colocar os outros numa posição em que elas acham que estão fazendo o melhor para


23

aquela pessoa, mas na verdade não. Elas estão reprimindo. Algumas amizades minhas acabam me reprimindo pelo o que eu sou, dizem que eu tenho que agir desse jeito, porque eu vou ser trouxa se agir desse jeito. Já eu penso que eu posso ser trouxa, mas estou em paz com isso. Acho que é muito mais pela maneira como se lida com essas coisas. Eu acho que lido muito bem. Acho que tem pessoas assexuais que não vão saber lidar, e elas vão ficar irritadas e vão ser intolerantes com pessoas que também estão sendo intolerantes com elas. Pergunta: Você se sente excluído da comunidade LGBT, como assexual? Resposta: Eu tenho muitas amigas minhas que são bissexuais, que são lésbicas, em nenhum momento elas me excluíram em relação a isso. Uma dessas amigas minhas até me disse “nossa, Mari, você sempre quis ser da comunidade LGBT, os assexuais estão lá também”. Até hoje a gente não vê muita informação veiculando a assexualidade com a comunidade LGBT, ainda há muito espaço, a gente ainda é meio invisível, meio transparente para as pessoas, na comunidade LGBT. Eu até entendo porque a gente no meio é invisível, não deveria ser, mas eu entendo. Até pela questão do total abuso, da total violência que eles recebem, eu não vou excluir isso deles. Mas a partir do momento que eu não excluo isso deles, eles acabam não incluindo a gente nessa questão. Porque se fosse uma comunidade que a gente conseguisse visualizar realmente os assexuais nela, isso só iria fortalecer, fortificar. Justamente porque eles se diferenciam da gente por uma questão sexual e não por uma questão só romântica, ainda há um entrave. Porque na nossa comunidade assexual, a gente também tem as pessoas que são birromânticas e homorromânticas, e elas de certa forma acabam sendo um pouco mais acolhidas do que outras pessoas. E a gente pensar também que existe muito adoecimento na questão da escolha sexual, da mesma forma que tem muita gente que é homossexual e entra em depressão porque não é acolhido por sua escolha sexual, também tem muitos assexuais que sofrem de ansiedade, de depressão porque não são acolhidos pela escolha deles. Pergunta: O que você acha da representatividade sobre esse assunto? Como você acha que isso afeta quem é assexual? Resposta: Eu penso que ainda falta muita representatividade em relação aos assexuais. A gente está num grupo de quatro mil pessoas [no Facebook], e semana que vem já é a semana da visibilidade assexual e a gente não tem essa união do grupo de se manifestar. A gente vê o trabalho de poucas pessoas querendo correr atrás dessa representatividade. Uma outra coisa que eu penso que a gente poderia representar muito mais é essa questão de fazer documentários, de escrever artigos científicos, de escrever ciência através disso, porque a gente tem que pensar, tem que trazer isso que é pensando em forma de senso comum para um outro tipo de olhar, de outras pessoas que estão emergindo no cenário atual. A gente necessita que


24

tenham essas pessoas que façam esses artigos, esses documentários para até que evite qualquer tipo de violência. A nossa sociedade conforme questões, histórias de como ela está agindo hoje, acaba se tornando muito mais intolerante em alguns contextos e é aí que vem a questão da nossa representatividade. Sobre a questão de estar bem representada, eu acho que a representatividade não tem que estar só na comunidade, tem que estar em mim mesma, porque eu também tenho que me representar, eu também tenho que lutar e criticar e falar “não é assim, eu não penso assim, eu não ajo assim e acho que vocês também têm que respeitar isso”. Essa representatividade também começa a partir de nós mesmos e não somente a partir do grupo. Pergunta: Você acha que há uma falta de informação sobre assexualidade? Como isso te afetou ou te afeta? Resposta: Eu penso que ainda já uma falta de informação, sim, sobre assexualidade e sobre os assuntos que envolvem, atravessam a assexualidade. Porém a gente não pode pensar que essas informações têm que vir do nada, elas vêm de alguém e esse alguém pode ser nós mesmos. Nós também podemos veicular essas informações, nós também podemos ser esses geradores de informação. A partir do momento que você pega para estudar, para acompanhar, para pensar sobre assexualidade, também cabe a nós pegar essa informação e distribuir para que as pessoas possam tentar compreender isso. Porque é muito complicado quando você vai nas redes sociais e olha os comentários terríveis que fazem, quando sai alguma notícia falando sobre assexualidade ou alguém fala que é assexual, começa os comentários “nossa, porque nunca alguém que te comeu bem”. Várias coisas bem ofensivas. Falam “não, na verdade você é gay, isso é tudo para você se esconder”. As pessoas tentam até ofender por questões que nem deveriam ser ofensivas. E a partir do momento que você propaga essas informações, as coisas se transformam. Elas podem não se transformar de forma muito rápida, mas a partir do cotidiano mesmo, dessas formas mais micropolíticas de ação. Dessas pequenas ações, quando a gente faz uma pequena postagem, fala para um amigo. As pessoas geralmente ficam interessadas por aquilo que elas não conhecem. Eu acho que vale a pena as pessoas que se consideram assexuais contribuírem com essas pequenas informações no cotidiano. Pergunta: Para você, o que é ser assexual? Resposta: É ser totalmente normal. Uma pessoa qualquer, porque não tem nada de especial em ser assexual. Não tem essa coisa de “sou melhor do que os outros porque sou assexual”. Eu acho que o mais legal de ser assexual é a questão da diferença, de como as pessoas podem ser totalmente diferentes, elas podem ter suas peculiaridades, suas particularidades. De como no nosso podem existir pessoas completamente heterogêneas para que haja esse processo de inclusão, das pessoas entenderem que essa diferença faz parte do


25

nosso ser, da nossa humanidade, do nosso mundo. De que as pessoas pensam de forma ética, de como elas vão pensar essas diferenças que as pessoas têm. Eu acho que para mim, aquilo que a gente pode considerar de melhor na questão da assexualidade é a questão da diferença. De como as pessoas vão olhar essa diferença, como vão trabalhar e compreender essas diferenças, de como elas vão ter uma questão totalmente relacionada a questão da alteridade, de reconhecer a diferença do outro, de respeitar e cuidar da diferença do outro. E isso é agir de forma ética nas nossas relações. Então para mim, ser assexual não me faz uma pessoa especial, mas me faz querer pensar que eu sou diferente e eu tenho que entender que te pessoas que são diferentes de mim e eu tenho que compreender a diferença delas.

5.2.2. Fer Shimabukuro

Pergunta: Se apresente. Resposta: Meu nome é Fer, eu tenho 26 anos. Eu não estou trabalhando agora, mas já fui estudante de Redes de Computação. Minha orientação, eu sou panromântico e demissexual. Pergunta: Como foi crescer, a infância e adolescência, como assexual? Resposta: Minha infância, eu não sabia muito bem o que era isso. Eu fui crescendo fazendo as mesmas coisas que as outras pessoas faziam, porque era normal, tinha que fazer isso. Eu gostava de outras pessoas da sala, sabe como é criança? E conforme eu fui crescendo e me abrindo para o mundo, via a internet, eu fui me abrindo um pouco mais para saber os tipos de orientações que existiam, e eu não sabia que existia o termo assexual. No caso, eu fui me aprofundar mais quando eu fiquei mais velho, com uns 24 anos, por aí. Porque até então eu não sabia o que eu era. Eu ficava “fuçando”, por que não é normal isso? Por que eu não gosto de sexo? Essas coisas. Na adolescência foi praticamente Maria-vai-com-as-outras. Pergunta: Como você descobriu o termo “assexual”? Por que você procurou por isso? Resposta: Foi na internet também. Eu fui me aprofundar sobre questões sexuais, bissexual e essas coisas do tipo. Parei na página de assexuais. Aí eu fiquei lendo todas as sexualidades que tinham no meio, e falei “poxa, isso parece comigo”. Aí eu falei “ah, não, eu sinto atração intelectual pela pessoa, primeiro eu preciso conhecer ela para depois ter algum tipo de envolvimento emocional” e foi o qual eu me identifiquei. Foi pela internet. Pergunta: Quando e como você se identificou como assexual?


26

Resposta: Quando eu pesquisei sobre e falei “eu sou parecido com isso”, eu levei isso para a minha vida. E eu segui, não como uma regra porque eu acho que não tenho que seguir regra nenhuma, mas o que eu sentia. E quando eu conhecia uma pessoa, eu mais que conhecia ela, eu me envolvia mais de um lado sentimental. Queria conhecer mais as pessoas, porque hoje em dia as pessoas estão mais individualistas, não deixam se abrir. E eu gostava disso. E foi quando eu levei isso para a minha vida. Foi em torno de uns dois anos pra cá, mais ou menos. Pergunta: Você procurou algum tipo de profissional, psicólogo ou algo do tipo, quando ou antes de se identificar como assexual? Como foi isso? Resposta: Não procurei. Eu fazia terapia, e conforme eu fazia eu fui descobrindo. Porque eu falei para a minha psicóloga “eu não gosto de toques sexuais, certas coisas eu não gosto de fazer”. E minha psicóloga falou “você tem algum tipo de trauma?”. Como alguns psicólogos não têm muita informação, lógico porque não tem muita informação sobre isso, eles vão achar que é coisa da minha ou eu passei por algum trauma quando era criança. Ela achava que era isso. Então eu falei para ela que eu não sinto certa atração e foi quando eu descobri o termo na época. Eu levei isso comigo e comentei com ela, sobre ser assexual. Ela achou interessante e diferente, na época. Então para ela foi “de boa” levar, porque eu levei até ela a informação. Pergunta: Você já sofreu algum tipo de preconceito ou exclusão por ser assexual? Resposta: No meu meio, GLS [gays, lésbicas e simpatizantes; atualmente conhecido como LGBTQIA], sim, muito. Porque a maioria das pessoas fala que você está praticando celibato, ou você não encontrou a pessoa certa, ou a pessoa não fez direito com você. Essas bobagens. Então eu sempre me dei muito bem com brincadeiras sexuais, eu acho que não tenho que excluir isso, porque a gente é a minoria então se eu ficar falando “ah, não, não vou falar sobre isso, vão me excluir do grupinho”, eu tenho que acabar conversando sobre certos assuntos que eu não gosto, mas que as outras pessoas falam. Para não me sentir excluído eu faço isso, acabo falando sobre aquela coisa, não gostando daquilo, não lidando da mesma maneira que eles lidam para não me sentir excluído. Mas eu era bastante antes, as pessoas achavam que eu estava com problemas psicológicos, me chamavam de doido. Pergunta: Você sofre algum tipo de pressão para que aja de certa forma e como isso se relaciona a ser assexual? Resposta: Pressão, agora não mais. Mas antes, no meio em que eu vivia, sim, eu lidava com certas pressões, por exemplo, em balada, porque eu sempre gostei de dançar. Então vinha uma pessoa e uma amiga minha falava “fica com essa pessoa”. Ou então teve vezes que


27

eu saí uma vez e uma guria me agarrou, me beijou e eu fiquei com nojo depois, me senti muito mal depois porque eu nem conhecia a pessoa. Eu não sabia de onde ela tinha vindo, o que ela gostava de fazer, por que eu beijei aquela pessoa? Eu me senti muito mal, como se eu tivesse feito algo de muito errado, para mim. Lidar com a pressão dos amigos é muito desconfortante. Então eu acabei me afastando um pouco, não saía mais como saía antigamente com essas pessoas. Pergunta: Você se sente excluído da comunidade LGBT, como assexual? Resposta: Sim, porque como o meio é muito hipersexualizado e eles lidam muito abertamente com sexo como se fosse prioridade, nos quesitos de você conhecer uma pessoa no primeiro dia e acabar indo para cama com ela. “Ah, como que foi? O encontro com aquela pessoa? Vocês foram pra cama?”. A partir do momento em que eu me abri como assexual para as pessoas na época, deu uma brecha para que elas acabassem se afastando de uma certa maneira de mim, porque além de eu ter alguns outros problemas eu tinha essa parte sexual minha que não era muito expansiva então muitas pessoas se afastaram de mim e, enfim, é aquele julgamento. Então eu acabei me afastando desse meio, por causa disso. Eles excluem muito. Pergunta: O que você acha da representatividade sobre esse assunto? Como você acha que isso afeta quem é assexual? Resposta: Representatividade quase não tem, na internet, se for parar para pensar, nos sites brasileiros. Existe mais nos sites estrangeiros, nos sites europeus e ingleses. Então não tem muita informação. Essa falta de informação acaba levando com que a pessoa se sinta excluída e não saiba o que realmente ela é com o tempo que ela vai se descobrindo. Hoje em dia, com Facebook e outras redes sociais, acabou tendo uma certa visibilidade, então as pessoas procurando mais, mas antigamente não existia muita visibilidade. Isso afeta porque a pessoa não sabe quem ela é e acaba lidando com um conflito dentro dela, porque como os amigos de escola e as pessoas lidam com isso, não é muito legal. Ainda mais quando você é mais velho e seus pais cobram de você que se case, que tenham filhos, que conheça uma garota legal, conheça um cara legal. É uma certa pressão, não só social, mas de família também. Pergunta: Você acha que há uma falta de informação sobre assexualidade? Como isso te afetou ou te afeta? Resposta: É uma falta de informação, sim. Como eu te disse acaba te afetando também pela família cobrar muito a pessoa assexual de ter uma família, fora a que ela tem, de ter filhos, de casar. É uma cobrança constante. Hoje em dia não me afeta muito, até porque eu estou namorando e a pessoa é igual a mim. Então, não afeta muito, não. Mas as pessoas que eu


28

vejo na internet e lidam com esse tipo de conflito, é mais para o lado da família mesmo. Eu também tenho uma certa pressão da minha família em relação a essas coisas, então não é fácil. Pergunta: Para você, o que é ser assexual? Resposta: Ser assexual para mim é ser um tipo de ser humano diferente. Não diferente, porque todo mundo é igual, mas é só uma sexualidade diferente. Eu acho que não tem um bicho de sete cabeças aí, eu sou uma pessoa igual outras pessoas, eu faço coisas igual as outras pessoas; eu saio, brinco, eu dou risada, eu namoro. Para mim, ser assexual é ser normal, é ser uma pessoa como qualquer outra.

5.2.3. Yndi Paola

Pergunta: Se apresente. Resposta: Meu nome é Yndi, tenho 22 anos. Sou estudante de Publicidade. E sou demissexual e pansexual Pergunta: Como foi a infância e adolescência, você crescendo sendo assexual? Resposta: Até a infância foi “de boa”, porque criança não tem muito esse negócio sexual. Mas a adolescência foi mais complicada, enquanto minhas amigas ficavam todas loucas com os hormônios a flor da pele querendo uns menininhos, eu estava sem nada. E tinha toda a pressão delas, que eu tinha que beijar alguém, eu tinha que transar com alguém. Sempre teve pressão. Pergunta: Como você descobriu o termo assexual e por que você procurou por isso? Resposta: Eu descobri por acaso no Facebook, se não me engano. Eu estava pesquisando sobre gênero. Quando a gente joga no Google aparece um monte de site e apareceu uma página no Facebook. E tinha gênero, não binário, etc, e no meio tinha assexual. Como era o único que eu não conhecia, eu fui pesquisar. Foi meio aleatório mesmo porque eu estava pesquisando sobre gênero. Quando eu achei lá, meio por acaso, eu me identifiquei, mas não por completo porque eu sou demi[ssexual], mas eu estava mais próximo do que eu sou do que o resto. Aí eu fui pesquisar para saber mais sobre o assunto, mas tem pouca coisa na internet. Pelo menos na época em que eu fui pesquisar, em 2012, não tinha praticamente nada Pergunta: Quando e como você se identificou como assexual? Resposta: Foi em 2012 que eu me identifiquei como assexual, porque eu achei por acaso e fui pesquisar e achei que tinha a ver. Eu nunca fui muito sexual, eu nunca vi sexo como uma coisa necessária para viver, não como as outras pessoas, porque a sociedade é muito


29

sexual. E como eu não me identificava com isso, como eu nunca vi necessidade no sexo, eu me identifiquei como assexual. Pergunta: Você procurou algum tipo de profissional, psicólogo ou algo do tipo, quando ou antes de se identificar como assexual? Como foi isso? Resposta: Eu procurei na minha adolescência, fiz terapia por bastante tempo. Só que o psicólogo nunca usou esse termo. Ele só falou que não tinha nada de errado, que isso era normal, que algumas pessoas eram assim, mas nunca usou o termo assexual. Depois de adulto, eu procurei psicólogo e aí sim a nova psicóloga usou o termo, falou que era comum, ela me ajudou a me identificar como demissexual também. Mas o primeiro psicólogo nem... Eu fiquei achando como se eu fosse uma aberração. Todo mundo que eu conhecia estava com os hormônios a flor da pele e eu não. Eu achei que tinha alguma coisa errada, tanto que eu ainda pedi para a minha mãe me levar no médico para fazer exame de hormônio, para ver se tinha alguma coisa errada. E eu tive que passar por uma bateria de exames porque eu achava que não era normal, sendo que um psicólogo poderia muito bem ter falado “não, não é assim, é esse termo, é normal”. Pergunta: Você já sofreu algum preconceito ou exclusão por ser assexual? Resposta: Preconceito na raiz da palavra, não, mas sempre tem aquelas piadinhas sem graça. Você não pode conversar com uma pessoa, você não pode sair com uma pessoa, você não pode dormir com uma pessoa que tudo remete a sexo. Sempre tem aquelas piadinhas. Principalmente quando fala que é demi, sempre vem a piadinha da Demi Lovato. Mas preconceito de ofensivo, não, só essas piadinhas sem graças. E eu não lido com isso, a pessoa começa a falar e eu ignoro. Ou se eu realmente conhecer a pessoa, se for um amigo meu, eu já falo “pô, você me conhece, vai ficar fazendo piada sem graça? Piada repetida ainda? Se fosse uma piada nova, uma piada engraçada, a gente aceitava. Piada repetida você acha que ninguém nunca fez?”. Geralmente é assim, melhor do que levar na ignorância, gerar conflito. Pergunta: Você sofre algum tipo de pressão para que aja de certa forma e como isso se relaciona a ser assexual? Resposta: Pressão, sempre. Desde adolescente. Porque a gente tem que transar, tem que falar de sexo, tem que gostar. Você não pode preferir ir num cinema do que transar com a pessoa, se você preferir isso, você não é normal, não. Pergunta: Você se sente excluído da comunidade LGBT, como assexual? Resposta: Cem por cento. Porque a comunidade LGBT é muito sexual.

É

extremamente sexual. E eu acho também, não é que o sexo é mais fácil, mas você é LGBT você provavelmente não tem o risco de engravidar, não é? Então fica tudo mais livre. E como isso é


30

um pouco mais liberal, eles são extremamente sexuais. Ninguém fala sobre assexual, pelo menos não no meio que eu vivo. É até motivo de piada. Tanto que não deixaram colocar a sigla do assexual no LGBT, não foi aceito senão iria ficar uma sigla enorme. Pergunta: O que você acha da representatividade sobre esse assunto? Como você acha que isso afeta quem é assexual? Resposta: Eu acho que não tem representatividade. Se tem é uma coisa pequena e não muito conhecida, se tiver algum youtuber ou algum vlogger. São pessoas que não são muito conhecidas. Isso afeta como me afetou. Demorar para descobrir o que eu era, ficar pensando que eu era ou não era normal. Isso pode afetar as futuras gerações, se não tiver mais conteúdo sobre isso, vai afetar do mesmo jeito. Elas vão continuar achando que não são normais. Vai ficar em toda essa confusão mental. Pergunta: Você acha que há uma falta de informação sobre assexualidade? Como isso te afetou ou te afeta? Resposta: Não é que falta informação, é que não tem mesmo. Não é pouca, é zero. Ultimamente está tendo mais, mas se você pesquisar, não tem praticamente nada sobre assexual. Não é só assexual, tem vários ramos dentro disso e não tem nada falando sobre. Isso me afetou bastante porque eu queria saber o que eu era, eu achava que tinha algum problema. Se desde o começo eu pesquisasse e aparece isso eu ia ficar “de boa” o resto da minha adolescência, mas eu passei a adolescência inteira pensando o que tinha de errado. Eu perdi um pedaço da adolescência por uma bobeira, por falta de informação. Por parte dos outros também afeta, porque sempre que a gente comenta que é assexual, demissexual no meu caso, tem que explicar e ainda assim as pessoas não entendem, acham que isso não é normal. “Como assim você não gosta de sexo? Como assim você prefere comer um bolo do que transar?”. Ninguém entende, não é muito visível. Pergunta: Para você, o que é ser assexual? Resposta: Eu acho que é aproveitar mais. A gente não perde uma, duas horas transando, a gente vai fazer outras coisas. Vai ler um livro, vai comer, vai engordar um pouquinho, vai assistir um filme, conversar, conhecer realmente a pessoa com quem você está se relacionando. Acho que é aproveitar mais.

5.2.4. Caroline Santos Cruz (psicóloga especialista em sexualidade humana) Pergunta: Como não conseguir se identificar afeta a pessoa?


31

Resposta: Uma pessoa que não consegue se identificar, se aceitar da forma como ela é, ela tem vários sofrimentos, porque ela não consegue se encaixar em lugar nenhum na sociedade por não saber, ela fica sem rumo. Uma pessoa que não consegue se identificar pode até ter dificuldade de achar uma carreira, de arrumar um emprego. Num âmbito sexual, o assexual quando não consegue se identificar, até por ser uma coisa nova e que não tem muita bibliografia ou muitos artigos e pesquisas, a pessoa tenta se encaixar e ela acaba se achando doente. Isso causa um sofrimento para ela. O sofrimento não é a nível sexual porque na parte sexual ela está ok com ela mesma, com a consciência dela, mas é a nível social, a nível familiar. Porque a sociedade cobra muito que você tenha aquele kit família feliz; namorar, casar, ter filhos, ter uma casa. E o assexual não quer se instituir, numa coisa às vezes... Existe o assexual que nem se interessa em ter um relacionamento e existe o que não se interessa por fazer sexo. Mas é muito difícil ter um relacionamento sem sexo no mundo em que a gente vive, que a gente vende o sexo na televisão, nas revistas, na internet. O mundo é muito sexualizado, as músicas falam sobre sexo. Então para o assexual é muito difícil se encaixar. E quando eu não me encaixo em lugar nenhum, eu sofro. Imagina como se fosse uma criança num colégio que tem vários grupinhos e ela não tem grupo nenhum, é assim que uma pessoa que não se identifica com nada, não consegue se encontrar se sente perante ao mundo. Existem vários grupos de vários contextos e ele não se sente em grupo nenhum. A assexualidade é muito difícil até de ser detectada na pessoa, porque os médicos têm pouco conhecimento ainda, os psicólogos, os psiquiatras; então eles tentam encaixar em transtornos, transtornos sexuais, transtornos de falta de desejo, o do desejo hipoativo, e a pessoa se torna um doente, mas ele está ok com aquilo. O que causa sofrimento no assexual é o mundo exterior, o interior com a sexualidade dele está legal. Mas de tanta cobrança de todos os âmbitos, da família, do trabalho, existem até empregos que pedem para que a pessoa seja casada. Então se eu não quero casar, não tenho interesse, eu já não me encaixo nesse emprego. A sociedade é muito rotuladora, então se encaixar num rotulo é muito difícil, não só para o assexual, mas para várias pessoas. Porque não existe um padrão correto de como agir, existem os grupos e aí eu me encaixo ou me sinto deslocado e isso gera muita angústia. Pergunta: Muitas vezes a família, a sociedade espera que as pessoas ajam de certa forma, como isso afeta quem é assexual? Resposta: A gente espera que tenha um padrão. Existem vários padrões, tem padrão religioso, e vamos entrar em outro nicho que está se formando na atualidade e tem muito preconceito em cima: ou você é cristão, católico, evangélico, espirita. E se você não for nada? Aí você é ateu, e quem é religioso tem um preconceito enorme em cima do ateu. Até por


32

desconhecer o que a pessoa pensa. Aí é um outro nicho de eu não me encaixo. Imagina dentro de uma família religiosa, que se espera que todo mundo seja, vamos dizer assim, evangélico, aí a pessoa vai e fala “não, eu sou ateu”. Da mesma forma imagina uma família patriarcal, que é a base da maioria das famílias no Brasil, porque as famílias desconstruídas estão aparecendo agora, família que tem duas mães, família que só tem um provedor que é só a mãe ou só o pai, famílias que são só os avós e os netos, essas famílias estão se consolidando agora porque antes nem se falava em divórcio; então imagina chegar um assexual e dizer “olha, eu não me interesso”. Se você for pesquisar em artigos tem pessoas que saem de casa. Imagina você não ser aceito pela própria família. A nossa família é nossa primeira base de vinculo. A gente estuda na psicologia que o primeiro vinculo afetivo que a gente tem na vida é o nosso vinculo com a mãe, então imagina a primeira pessoa que é o seu foco de amor na vida não te aceitar. Isso causa muita dor, muito sofrimento. Se a sua mãe não te aceita, quem é que vai te aceitar? E é muito difícil para o ser humano se aceitar sozinho, sem aprovação. Muita gente tem que fazer terapia só para isso, porque tem que aprender a se amar, aprender a se dar valor, porque dá mais valor ao outro e à palavra do outro. Não tem aquelas pessoas que tem que levar a amiga para comprar roupas para ver se a roupa está bonita porque ela não consegue se aceitar. Então a família entra com esse papal, de vínculos amorosos e afetivos, e quando a pessoa não tem essa aceitação do seu vínculo afetivo, ela sofre. Ela acaba se isolando. Aí começam a gerar os problemas para quem é assexual, porque aí vem a depressão, a angústia, a ansiedade. Ansiedade por que? Porque pensa o que vai fazer para os outros aceitarem. E muitos assexuais acabam casando para cumprir tabela, casando para se encaixar em um padrão. Faz sexo obrigado, casa obrigado, mas na realidade está sendo impositivo pela família, pela sociedade, pelos amigos, pelo trabalho. A juventude hoje em dia saí, vai na balada para ficar, para transar. E o assexual? Ele não pode ir na balada para se divertir? Porque ele tem que se encaixar naquele padrão? E fica muito difícil, quando a criança começa a fazer uns sete, oito anos já começam as perguntas “e os namoradinhos da escola?”. O assexual não tem esse interesse. Na infância isso vai passando para a frente, porque o nosso despertar sexual nasce com a gente. Segundo as teorias Freudianas, a gente já nasce com a nossa sexualidade. Hoje a gente sabe que a sexualidade, e a assexualidade, faz paste da formação do ser humano. A pessoa não é doente, ela se constituiu sem um interesse por sexo. Não é sem um interesse afetivo, ela sente amor e carinho, mas não tem vontade de transar. É isso que é ser assexual. Então isso vem sendo constituído desde o começo. Quando é criança, deixa passar. Quando começa a entrar em uma fase de 14, 15 anos todo mundo começa a namorar e quem é assexual não tem esse interesse, é aí que começam os problemas porque começam a se empurrar e chega nos 18 anos e se confunde o papel. “Ele


33

não quer contar para a gente que é homossexual”. Mas não tem nada a ver. Não é a orientação, temos que entender que a orientação afetiva do assexual pode ser hétero ou homossexual, mas a orientação sexual dele é nula, ele não sente vontade de fazer sexo em nenhum momento, não tem desejo, não tem pensamentos. Quando um assexual chega para um médico e fala “eu vim aqui porque eu não tenho vontade de fazer sexo”, o que o médico pensa? Ele tenta remeter há quando teve. Porque se você nunca teve, aí você é assexual, as se você já teve aí você tem um transtorno. E quando você fala para uma pessoa leiga que não tem vontade de fazer sexo, ela pensa que está acontecendo algum problema, porque inatamente você tem que ter vontade de fazer sexo. A pessoa pensa assim, “como todo tem por que você não tem?”. A população assexual é muito mínima ainda, na verdade ainda não conseguimos calcular. É como o homossexual há anos atrás, é uma coisa que tem muito preconceito, muito estigma. Para os homens, ele sai com uma mulher, gosta dela, acha ela bonita, gosta de abraçar, de estar perto e de conversar, mas não quer fazer sexo e a mulher não aceita. Tem todo um padrão social da reprodução, do passar sua geração para frente, e o assexual não tem esse interesse. E a gente ainda não sabe realmente classificar; tem o assexual que não quer fazer sexo e não quer se relacionar, tem o assexual que só não quer fazer sexo, mas quer se relacionar. Ainda não existem padrões certos e encaixados, porque se tiver aí vai se transformar em uma doença. Se eu conseguir te enquadrar em um critério de diagnóstico, você vai virar um doente. E não é esse o objetivo do assexual, ele só quer ser aceito e é isso o que a gente precisa fazer como sociedade, como família, como ser humano, aceitar o outro independente das diferenças. Porque todo mundo é diferente, ninguém é igual a ninguém, cada um gosta de uma coisa aqui e desgosta de uma coisa ali, e o ser humano precisa aprender a aceitar isso. Pergunta: Pode falar um pouco o que você sabe sobre assexualidade? O que já leu ou pesquisou sobre o assunto? Resposta: O que eu sei é que o assexual geralmente sofre calado. Ele nunca vai procurar uma ajuda para aquilo, porque para ele o fato dele não se relacionar sexualmente é ótimo, ele não tem nenhum sofrimento. Diferente da pessoa que sofre de um transtorno sexual, que já teve vontade e lhe causa um sofrimento muito grande não ter agora. Então o que eu tenho conhecimento disso? Que essa pessoa tenta viver normalmente e ir se encaixando, só que chega um momento em que ela trava. Dentro de um relacionamento, essa pessoa não chega para você e fala “sou assexual”; ela vai levando aquele relacionamento até que fica insustentável para ela, então ela foge. Foge do relacionamento sexual, então ela leva o relacionamento até certo ponto. O assexual se sente muito pressionado pelos amigos quando ele já é adulto. “Ah, e a namorada? E o namorado?”. A pessoa não sabe nem o que responder, porque como ela vai explicar para um


34

amigo que ela não sente atração sexual, porque sabe que isso não é bem visto, não é compreendido pela sociedade. É muito pequeno ainda. Então o assexual é uma pessoa que não procura tratamento por isso, procura tratamento por outros sofrimentos. Essa parte é bem resolvido com ele mesmo; é sadio e seguro, sadio fisicamente e seguro de que não quer fazer sexo, por N motivos, não sente vontade, aquilo não é uma necessidade na vida dele. Assexual é uma pessoa que tem uma vida normal, como qualquer outra, só que é calado por não ter com quem conversar sobre isso. E é por isso que hoje em dia estão surgindo essas redes na internet, páginas no Facebook para que eles possam conversar. São poucas pessoas, poucos grupos, porque até a pessoa “cair na real” que realmente ela é assexual e não que tem algum transtorno, ela já passou por médico, por psiquiatra, por psicólogo, já passou por tudo quando quer descobrir a sexualidade dela. E aí ela procura no Google, lê alguma coisa e se desperta ali naquele grupo, mas é pela internet. Imagina aqui, nós moramos em Campo Grande, Mato Grosso do Sul; quantas vezes você já ouviu falar de uma pessoa que é assexual? Eles não falam. É aquela pessoa que geralmente a que “ficou para a titia”, não casou, nunca esteve com ninguém. Agora dentro de um relacionamento, o assexual tem muito medo de falar para o parceiro dele que não gosta, então acaba fazendo sem gostar. É como se fosse uma agressão mental, fazer sexo sem gostar; mas ele faz porque ama a pessoa e quer continuar no relacionamento, e não consegue falar, muitas vezes por medo do que o parceiro vai pensar. O não querer fazer sexo se confunde com o não ter interesse pela pessoa, mas são duas coisas diferentes. É muito difícil porque isso não foi aprendido em lugar nenhum. É um sofrimento calado, por ignorância, por desconhecer.

5.2.5. Guilherme Passamani (doutor em Ciências Sociais)

O campo dos estudos sobre a sexualidade ainda é um campo bastante restrito no caso das pesquisas brasileiras. Mas mesmo se a gente pensar em alguns países mais centrais, como Estados Unidos e alguns países da Europa, essa não é ainda uma discussão extremamente consolidada até porque, por exemplo, o movimento dos assexuais é um dos movimentos mais recentes no que diz respeito a essas dissidências no campo da sexualidade. E isso é muito interessante porque nós vivemos em uma sociedade que cria uma determinada expectativa sobre a sexualidade das pessoas, nós compulsoriamente temos uma sexualidade, compulsoriamente somos obrigados a desenvolver certas expectativas que são criadas pela nossa cultura sobre a sexualidade. Não precisa nem dizer que essas expectativas giram em torno da heterossexualidade, que é onde tem todo um discurso consolidado que está na ciência, está na Justiça, na religião, na própria educação. Outras orientações, outras manifestações da


35

sexualidade também já têm algum tipo de discurso elaborado, como a própria homossexualidade, que de maneira geral ainda é vista como problemática pela sociedade mais hegemônica, mas tem um discurso elaborado, num sentido principalmente da evitação, de que as pessoas têm que evitar ser homossexual, porque a homossexualidade não seria correta. Agora, no que diz respeito à assexualidade, isso embaralha muito a cabeça das pessoas. Inclusive nem desperta muito interesse acadêmico, os movimentos acadêmicos são muito pontuais especialmente em se tratando do Brasil. Por que confunde muito a cabeça? Porque seria justamente a não vivencia disso que a sociedade toma como base para viver em sociedade, que é o exercício da sexualidade. É uma outra forma de comportamento que não passa obrigatória e compulsoriamente pelo desenvolvimento de uma sexualidade nos moldes que se pensa a heterossexualidade, a homossexualidade, a bissexualidade, enfim. As práticas, os arranjos passam por outras dimensões que não necessariamente as aproximações sexuais; pelo campo dos afetos, pelo campo do romance, do carinho. E também nessas manifestações da heterossexualidade, da homossexualidade, da bissexualidade também passam por esses campos, mas um campo decisivo é o do sexual. E aí a cabeça da nossa cultura fica em polvorosa. Você tem que começar a elaborar uma série de explicações novas, porque esse é um problema da sociedade, é uma questão que afeta a sociedade. Não exatamente alguns integrantes dessa sociedade que se colocam no lugar de assexuais, porque para eles a vida está normal e eles conseguem se explicar tranquilamente. Agora, todas as relações que vão se desenvolver com outros sujeitos que não fazem parte desse conjunto, quando você tem que elaborar uma explicação sobre si, as pessoas de fato não entendem porque desconhecem, porque é novo, porque ignoram, porque ainda é bastante invisível no nosso tempo. Mas a expectativa que se tem é que no correr do tempo, nas transformações pelas quais a cultura invariavelmente passa, quem sabe se elabora um discurso sobre assexualidade no futuro e esse discurso pode não ser um discurso de opressão, de criminalização ou de chacota, de graça, de desconfiança; mas só mais um discurso como todos os outros discursos que concorrem na vida em sociedade.

5.3.

Roteiro do documentário

Vídeo Entrevistas fontes personagem Título – A Àrea Cinza: Um documentário sobre assexualidade

BLOCO 1 (parte 1 – introdução) Áudio Apresentação (nome, idade, orientação sexual e romântica) Música


36

Explicação sobre assexualidade (palavras chave)

Vídeo “Crescendo como assexual” Entrevista Yndi Entrevista Mariany Entrevista Fer Entrevista Psicóloga

OFF: Assexualidade é uma orientação sexual caracterizada pela falta de atração sexual por qualquer gênero, pela pouquíssima sensação de atração sexual ou pela sensação de atração sexual apenas em circunstâncias específicas. Assexualidade também incluí os chamados “gray-a”, que é quem está entre a pessoa sexual e assexual; ela pode não sentir desejo sexual, mas experimenta de vez em quando, limitadamente, em situações específicas. Também inclui os demissexuais, que só conseguem sentir atração sexual por alguém se tiverem uma forte ligação emotiva com a pessoa. Ser assexual não significa não sentir nenhum outro tipo de atração. Assexuais também podem sentir atração romântica, que varia de acordo com a orientação romântica da pessoa, que pode ser heterorromântica (quando há atração por pessoas do gênero oposto), homorromântica (quando há atração pelo mesmo gênero), birromântica (quando há atração por mais de um gênero), panromântica (quando há atração independente do gênero), ou até arromântica (quando não há atração). A bandeira que representa a assexualidade é composta por quatro cores; a cor preta representa a ausência de desejo sexual, a cor cinza, o estado intermediário e a cor branca, o desejo sexual. Essas três cores representam a gradação da sexualidade humana. E a cor roxa representa a comunidade assexual. BLOCO 1 (parte 2 – entrevistas) Áudio Música

“Até a infância foi de boa” [...] “Sempre teve pressão” “Quando eu era criança tinha certas coisas” [...] “que a família impõe” “Minha infância eu não sabia muito bem” [...] “não sabia o que eu era” “Um assexual é uma pessoa com uma vida normal” [...] “se desperta ali naquele grupo” BLOCO 2 (descobrindo a assexualidade e se identificando) Vídeo Áudio Descobrindo sobre Música assexualidade Entrevista Mariany “Eu sempre fui uma pessoa distante de” [...] “os próprios amigos” Entrevista Yndi “Eu descobri por acaso no Facebook” [...] “não tinha praticamente nada” Entrevista Fer “Então, foi na internet também” [...] “me identifiquei assim, foi pela internet” Entrevista Psicóloga “Uma pessoa que não consegue se identificar” [...] “a nível familiar” Entrevista Yndi “Foi em 2012 que eu me identifiquei” [...] “a sociedade é muito sexual” Entrevista Mariany “A última vez que eu tinha ficado com alguém” [...] “e eu falo para as pessoas que sou assexual” Entrevista Fer “Quando eu pesquisei sobre e falei que sou parecido” [...] “foi quando eu levei isso para a minha vida”. BLOCO 3 (preconceitos e pressões) Vídeo Áudio “Você já sofreu algum Música tipo de preconceito?”


37

Entrevista Yndi Entrevista Mariany Entrevista Fer Entrevista Professor “Você sofre algum tipo de pressão?” Entrevista Mariany Entrevista Yndi Entrevista Fer Entrevista Mariany Entrevista Psicóloga

Vídeo “Sobre representatividade e informação” Entrevista Yndi Entrevista Fer Entrevista Mariany Entrevista Professor Entrevista Mariany Entrevista Yndi Entrevista Fer Entrevista Yndi Entrevista Mariany

Vídeo “Para você, o que é ser assexual?” Entrevista Fer Entrevista Mariany Entrevista Yndi Créditos

“Preconceito assim na raíz da palavra, não” [...] “melhor do que levar na ignorância, gerar conflito” “Eu acredito que não por causa da forma como” [...] “É bem diferente” “No meu meio, GLS, sim, muito” [...] “me chamava de doido” “Nós vivemos em uma sociedade que cria” [...] “a homossexualidade, a bissexualidade, enfim” Música “Olha, eu sofro, sim” [...] “por mim eu nunca faria” “Pressão, sempre” [...] “você não é normal, não” “Pressão, agora, não mais” [...] “é muito desconfortante” “As pessoas sempre tentam me colocar em uma situação” [...] “aceitar isso que eu sou” “O assexual se sente muito pressionado” [...] “aquilo não é uma necessidade na vida dele” BLOCO 4 (representatividade e informação) Áudio Música “Eu acho que não tem” [...] “ficar em toda essa confusão mental” “Então, representatividade quase não tem” [...] “as pessoas estão buscando mais” “Uma outra coisa que eu penso que a gente poderia representar” [...] “Acaba se tornando muito mais intolerante em alguns contextos” “O campo dos estudos” [...] “diz respeito a essas dissidências no campo da sexualidade” “Eu penso que ainda há uma falta de informação” [...] “questões que nem deveriam ser ofensivas” “Sempre que a gente comenta que é assexual” [...] “ninguém entende” “É uma falta de informação, sim” [...] “é uma cobrança constante” “Não é que falta informação, é que não tem” [...] “por uma bobeira, falta de informação” “A partir do momento que você propaga essas informações” [...] “contribuírem com essas pequenas informações no cotidiano” BLOCO FINAL Áudio Música “Ser assexual pra mim é ser um tipo de ser humano diferente” [...] “É ser uma pessoa como qualquer outra” “É ser totalmente normal” [...] “e que eu tenho que compreender a diferença delas” “Eu acho que é aproveitar mais” [...] “Acho que é aproveitar mais” Música


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.