Escravos do Carvão

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL FACULDADE DE ARTES, LETRAS E COMUNICAÇÃO CURSO DE JORNALISMO

ESCRAVOS DO CARVÃO: O TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES EM MATO GROSSO DO SUL

CAROLINE DE ALMEIDA CARVALHO

Campo Grande NOVEMBRO/2017


ESCRAVOS DO CARVÃO: O TRABALHO EM CONDIÇÕES DEGRADANTES EM MATO GROSSO DO SUL CAROLINE DE ALMEIDA CARVALHO

Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Comunicação Social com habilitação em Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

Orientador (a): Prof. Dr. Edson Silva

UFMS Campo Grande NOVEMBRO - 2017



SUMÁRIO Resumo

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Introdução

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1. Atividades desenvolvidas

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1.1 Execução

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1.2Dificuldades encontradas

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1.3 Objetivos alcançados

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2. Suportes teóricos adotados

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2.1. Trabalho escravo: violação do princípio fundamental à dignidade

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humana 2.2. O trabalho infantil à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente

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2.3. Grande-reportagem multimídia

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Considerações Finais

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Referências

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RESUMO: Este relatório apresenta resultados finais do Projeto Experimental “Escravos do Carvão: o Trabalho em Condições Degradantes em Mato Grosso do Sul”, que trata sobre o trabalho análogo à escravidão praticado em algumas carvoarias sul-mato-grossenses. O objetivo da pesquisa é apresentar o desenvolvimento da atividade carvoeira no estado, com foco na região de Ribas do Rio Pardo, a partir da constituição do Maciço Florestal de Eucalipto de Mato Grosso do Sul na década de 1970, e os seus reflexos sociais negativos e duradouros para muitos trabalhadores e trabalhadoras. Os referenciais metodológicos utilizados para a consecução do trabalho incluem análises qualitativas e a pesquisa jornalística, considerando as fontes documentais, entrevistas de profundidade semi-estruturadas e observação direta, com imersões no cenário onde ainda se constata a violação dos direitos humanos. A construção de narrativas se deu com base nos recursos narrativos, dissertativos e descritivos. O suporte é a grande reportagem multimídia em formato long-form. A reportagem, dividida em quatro capítulos, pode ser acessada no endereço: <http://projetil.ufms.br/2017/11/30/escravos-do-carvao/>.

PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; ciberjornalismo; long-form; trabalho escravo; carvoaria; Mato Grosso do Sul;


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INTRODUÇÃO O presente projeto experimental é uma grande-reportagem multimídia em formato long-form sobre o trabalho análogo à escravidão praticado nas carvoarias sulmato-grossense a partir da década de 90 e seus impactos sociais duradouros para o município de Ribas do Rio Pardo, local de maior expressividade da produção carvoeira do estado, distante 102 quilômetros de Campo Grande. O trabalho é resultado de um exaustivo trabalho de pesquisa, que teve como objetivo contextualizar as causas e origens do fenômeno analisado, que foram fortemente denunciados na década de 90, além de apresentar as suas consequências atuais. A expansão da atividade carvoeira em Mato Grosso do Sul é resultado da falência dos ideais industrializadores do regime militar que, a partir das Políticas de Desenvolvimento Nacional, deram sustentação para a constituição do Maciço Florestal de Eucalipto na Microrregião de Três Lagoas1, que, a priori, deveria abastecer as indústrias de papel e celulose do Sul e Sudeste do país. Como o empreendimento não cumpriu com o seu propósito inicial, a área de reflorestamento com eucaliptos foi reaproveitada para a produção de carvão vegetal, servindo ao setor siderúrgico, sobretudo às indústrias de Minas Gerais. O empreendimento acabou tornando-se altamente rentável pois teve como base a superexploração do trabalho, servidão por dívida e falta de registros trabalhistas, além de péssimas condições de moradia e de saúde em que estavam submetidos os trabalhadores carvoeiros, que eram em sua maioria migrantes de outros estados. De acordo com Pereira (2005), os trabalhadores eram aliciados de seu estado de origem pelos “gatos”, seduzidos por promessas de melhores condições de vida, que na prática não se cumpriam. Ao chegar nas carvoarias, tinham que enfrentar jornadas extenuantes de aproximadamente doze horas diárias, sem descanso no fim de semana, e com remuneração proporcional à produção, o que levava ao emprego da mão de obra infantil, já que os pais almejavam um ganho maior.

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A microrregião de Três Lagoas inclui os municípios de Água Clara, Brasilândia, Ribas do Rio Pardo, Santa Rita do Pardo e Três Lagoas, localizados na região leste de Mato Grosso do Sul.


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Além disso, outra prática comum nesta atividade, característica da escravidão contemporânea, era a servidão por dívida, já que tudo era cobrado dos trabalhadores: o transporte, os precários alojamentos, as ferramentas de trabalho e até a água que bebiam. Sendo assim, com tantos descontos no pagamento, muitos ficavam devendo o patrão, impedindo-os de deixar o local de trabalho (OIT, 2003). As formas contemporâneas de escravidão representam grave violação dos direitos humanos, sobretudo ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, previsto na Constituição Federal de 1988. O artigo 149 do Código Penal brasileiro (1940) apresenta quatro elementos para a caracterização do trabalho análogo ao de escravo: trabalho forçado, jornada exaustiva, servidão por dívida e condições degradantes de trabalho. A configuração do crime não requer que todas essas situações sejam identificadas, sendo a presença de um único elemento já suficiente para a tipificação do mesmo. Como forma de denunciar esta prática e considerando a natureza social e a finalidade pública da atividade jornalística, descritos no artigo 6º do Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros (2007), foi produzida uma grande-reportagem multimídia no formato long-form sobre a temática. A escolha do suporte on-line para consolidação dos resultados, justifica-se pela ausência das barreiras geográficas ou temporais do meio, que pode ser acessado a qualquer hora em qualquer lugar do mundo. Sendo assim, a reportagem longform de temas socialmente urgentes encontra no ciberjornalismo um terreno fértil para sua ampla divulgação, em vista de suscitar o debate público em torno do assunto. O trabalho seguiu os procedimentos da pesquisa jornalística para a constituição do Documento de Pesquisa2, plataforma necessária para a construção de narrativas complexas, bem como consideradas as potencialidades do ciberjornalismo na criação de narrativas de caráter mais imersivo e interativo, observando a linguagem 2

O Documento de Pesquisa serviu como base para a escrita da reportagem. Compõe as estratégias orientadas pelo professor-orientador e constitui a plataforma necessária para a construção de gêneros complexos como o é a grandereportagem multimídia. Estão anexados no referido documento todos os produtos relacionados à pesquisa como: projeto, carta de aceite do orientador, desenho da pesquisa, desenho da reportagem multimídia, relatórios de orientação, fontes pessoais, clipping de notícias, fotografias produzidas do trabalho de campo e entrevista ou cedidas pelos entrevistados e relatórios de observação direta.


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e as características próprias da Web. Dessa forma, a construção da reportagem seguiu o padrão de leitura tanto verticalizado quanto horizontalizado, e integrou diversos formatos midiáticos – como imagem, vídeo, áudio, e texto – que se conectam e complementam em uma mesma narrativa.


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1. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS A

metodologia

utilizada

para

composição

do

trabalho

seguiu

os

procedimentos da pesquisa jornalística, que compreende a consulta de livros, artigos e trabalhos acadêmicos para fundamentação do tema e preparação para o trabalho de campo. Também foram consultadas outras fontes documentais, como matérias de jornais e revistas acerca das carvoarias de Mato Grosso do Sul, sobretudo no que tange ao trabalho escravo e infantil. Após a etapa inicial, foram realizadas entrevistas com personagens-chave no combate ao trabalho escravo e infantil nas carvoarias, como sindicalistas e auditores fiscais do trabalho, com objetivo de, além de discorrerem sobre o assunto proposto, avaliarem a situação atual da atividade carvoeira em Mato Grosso do Sul e auxiliarem na aproximação às fontes primárias, ou seja, os trabalhadores e ex-trabalhadores do carvão. Depois desse contato introdutório, foi agendada uma visita ao município de Ribas do Rio Pardo, onde foram entrevistadas famílias de ex-trabalhadores, que relembraram o período e explicaram como o cotidiano nas carvoarias ainda impacta suas vidas. Nesta mesma viagem, observou-se que mesmo após mais de duas décadas de seu ‘auge’, o trabalho nas carvoarias ainda traz impactos sociais negativos profundos ao município que perduram até hoje. Por último, com todo o material coletado até então, e com a intensificação das leituras e entrevistas, o trabalho começou a ganhar corpo. A partir disso, foi elaborado o desenho da reportagem, ou seja, a construção do enredo das partes e capítulos, e iniciado a redação do trabalho. Além disso, com o desenho dos capítulos e o detalhamento do que seria trabalhado em cada um deles, foi feita uma relação de novas fontes a serem consultadas, para completar as informações já coletadas, além de previstos os elementos multimídia que seriam utilizados na reportagem long-form. Os resultados parciais da pesquisa foram apresentados no IV Colóquio Internacional de Pesquisada Universidade Federal de Mato Grosso do Sul/Campus do Pantanal (UFMS/CPAM), em parceria com a Universidade Autônoma Gabriel René


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Moreno (UAGRM), realizado no período de 04 e 05 de agosto de 2017, em Corumbá, na forma de Apresentação Oral; e no Congresso Internacional de Direitos Humanos (CIDH), no período de 14 a 16 de agosto de 2017, na Universidade Católica Dom Bosco (UCDB), na forma de Banner. 1.1 Execução: Como já mencionado, e com base no pré-projeto previamente apresentado, a metodologia do trabalho baseou-se nas seguintes etapas: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, prospecção de fontes pessoais, trabalho de campo, redação da narrativa jornalística, edição e diagramação dos conteúdos. A pesquisa bibliográfica foi baseada em livros, artigos, documentários, teses e dissertações tanto sobre o tema mais amplo (trabalho análogo ao escravo), que serviu para a conceituação do termo e caracterização das formas contemporâneas de escravidão, bem como a revisão da legislação brasileira, e de normativas internacionais sobre o tema, e análise dos atuais mecanismos jurídicos de combate a esta prática; como também sobre o tema específico (trabalho nas carvoarias de Mato Grosso do Sul), que auxiliou na contextualização do período que compreendeu desde a constituição do Maciço Florestal de Mato Grosso do Sul até as primeiras ações de combate ao trabalho degradante nas carvoarias do estado. Por último, foi feito um levantamento bibliográfico sobre o formato da grandereportagem multimídia e das potencialidades do ciberjornalismo para construção de narrativas híbridas e complexas. Para a construção do texto jornalístico, também foram estudas as técnicas descritivas, narrativas e dissertativas, caracterizadas por Coimbra (1993). Do ponto de vista da pesquisa documental, recorreu-se a reportagens de jornais e revistas sobre o tema tratado, levando-se em conta não só a cobertura na imprensa local, mas também a repercussão na mídia nacional e internacional. Tais reportagens foram encontradas no acervo de trabalhos vencedores do Prêmio Vladimir


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Herzog de Anistia e Direitos Humanos3, escritos na década de 1990, e no acervo da Comissão Permanente de Investigação e Fiscalização das Condições de Trabalho em Mato Grosso do Sul (CPIFCT-MS). A partir disso, foi montada uma grade de fontes principais que poderiam auxiliar na execução do trabalho. Neste primeiro momento, foram consultadas autoridades envolvidas diretamente na fiscalização e combate ao trabalho degradante nas carvoarias. As entrevistas foram registradas em áudio, vídeo e fotografia. As fontes consultadas foram: 1. Marcos Marin, presidente do Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores de Extração, Mineração e Carvão de Mato Grosso do Sul; 2. Iracema Ramalho do Valle, ex-presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Ribas do Rio Pardo; 3. Antônio Parron, auditor fiscal do trabalho e coordenador do setor de Fiscalização Rural da Delegacia Regional do Trabalho; 4. Jair do Valle, filho da Iracema Ramalho do Valle e ex-diretor do Programa de Erradicação ao Trabalho Infantil (PETI) em Ribas do Rio Pardo, em 1997. Cada entrevista deu origem a três documentos: degravação e tratamento da entrevista completa, texto síntese a partir da identificação das principais ideias e informações contidas na entrevista e relatórios de observação direta, isto é, anotações feitas durante a entrevista, considerando sobremaneira o cenário, a pessoa (física e psicológica) e objetos de significação. Estes arquivos foram anexados no Documento de Pesquisa, onde está registrado todo o material coletado durante o trabalho de apuração e pesquisa. A primeira viagem para o município de Ribas do Rio Pardo foi preponderante para deslanchar o projeto, pois permitiu a imersão no ambiente social da região, que ainda hoje sofre sequelas do trabalho degradante nas carvoarias. A ida ao município 3

Uma das reportagens que denunciou o trabalho escravo degradante, inclusive infantil, na região e que ofereceu base para a localização de fontes da época foi Trabalhadores do Carvão – A luta pela vida no MS, de autoria de Edson Silva e Luiz Taques, publicada pelo jornal Folha de Londrina (25/julho/1991). Disponível em: <http://premiovladimirherzog.org.br/busca-resultado-autor.asp?id=275&letra=E>.


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contou com o apoio da UFMS que concedeu veículo e combustível. Na ocasião, foram entrevistados a assistente social da Secretaria Municipal de Assistência Social, Trabalho e Habitação de Ribas do Rio Pardo, Rita Helena Freitas, o padre e exconselheiro tutelar Luis Fatin, personagem da reportagem Trabalhadores do Carvão (Folha de Londrina), e duas famílias de ex-trabalhadores do carvão no município. Foram realizadas mais duas viagens no período de apuração da reportagem, sendo que a seguinte teve como objetivo principal a análise mais detalhada das repercussões socioeconômicas negativas que o processo econômico das carvoarias trouxe ao município de Ribas do Rio Pardo, que já haviam sido observadas na ida anterior. Durante o período de três dias, foram realizadas as seguintes atividades: prospecção das fontes já entrevistadas na viagem anterior, realização de entrevista em profundidade com um médico do trabalho sobre os problemas de saúde enfrentados pelos ex-trabalhadores de carvoarias, entrevista com um morador de rua da cidade, observação direta de carvoarias desativadas, com o acompanhamento de uma extrabalhadora, e observação direta do bairro São Sebastião que, conforme informações levantadas durante a pesquisa, ainda concentra grande quantidade de trabalhadores egressos de carvoarias. Todo o material coletado durante a viagem foi examinado e transformado em Relatório de Observação Direta e em seguida anexado no Documento de Pesquisa. A partir de então, foi elaborado o desenho da reportagem e, em seguida, iniciada a redação do trabalho. A última viagem, realizada em novembro de 2017, teve como objetivo a coleta de material audiovisual, na forma de fotos e vídeos, que seriam necessários para construção da grande-reportagem multimídia. A grande-reportagem foi dividida em quatro capítulos, cujos títulos apresentam metáforas baseadas nos elementos característicos da produção de carvão vegetal a partir da combustão de madeira. O primeiro capítulo, “Cortina de Fumaça”, apresenta as condições de vida e trabalho nas carvoarias durante a década de 90, a partir do depoimento de famílias que viveram o período. O segundo, “Onde Há Fumaça, Há Fogo”, resgata as primeiras denúncias de trabalho escravo no carvão, que alcançaram destaque internacional. O terceiro, “Ribas, Uma Cidade às Sombras do


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Carvão” discute as consequências atuais que o processo econômico das carvoarias trouxe ao município em que estava instalada a maior parte das carvoarias na época. E por último, o quarto capítulo, intitulado “A Floresta que Virou Cinza”, busca reconstituir o histórico de formação do maciço florestal de eucalipto até a sua utilização para as indústrias produtoras de carvão. 1.2. Dificuldades Encontradas O objetivo inicial do projeto, apresentado em dezembro de 2016, era abordar a exploração do trabalho infanto-juvenil na produção de carvão vegetal em Mato Grosso do Sul, que ganhou destaque na mídia nacional e internacional durante o início da década de 1990. Cabe destacar que o primeiro PAI (Programa de Ações Integradas), programa de transferência de renda para retirada de crianças do mundo do trabalho e sua inserção nas escolas, foi implantado nas carvoarias do estado, em 1995. Esse mesmo programa serviu de base para a criação do PETI (Programa de Erradicação do Trabalho Infantil), em 1996. Porém, desde o início encontrou-se grande dificuldade em localizar crianças e adolescentes que ainda permanecem nesta atividade. Após entrevistas com fontes especialistas no assunto, foi constatado que com o aumento da fiscalização na região e implantação de políticas públicas para coibir o trabalho infantil, o mesmo foi praticamente erradicado, sendo encontrado somente em carvoarias clandestinas. Por isso, decidiu-se ampliar o tema para o trabalho análogo à escravidão realizado no universo carvoeiro, seja realizado por adultos ou crianças e adolescentes. Contudo, mesmo com o ajuste no foco do trabalho, a ideia inicial de lançar um olhar sobre a violação de direitos de crianças e adolescentes está embutida na investigação, considerando que fontes entrevistadas como o senhor José Luiz Catarino, hoje com 40 anos, trabalharam em carvoarias quando crianças e ainda hoje carregam marcas psicológicas profundas devido às lembranças da época. Além disso, foram observados casos em que as crianças, apesar de não estarem trabalhando nas carvoarias, já tinham seus direitos violados só de permanecerem naquela região, longe da orientação de adultos e submetidas a diversas situações de risco, como é o caso de


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Claudia Pimenta, que se envolveu em vários acidentes junto de seus irmãos no período em que moraram em carvoarias. Assim, é possível verificar os desdobramentos da exploração e violação de direitos ocorrida há mais de 25 anos. Ainda em relação às fontes, outra dificuldade que merece destaque refere-se ao estado de saúde de um dos personagens chaves no combate ao trabalho escravo e infantil nas carvoarias sul-mato-grossense: a fundadora e ex-presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Ribas do Rio Pardo, Iracema Ramalho do Valle. Hoje com 80 anos, tem quadro avançado de Alzheimer, o que a impede de relembrar grande parte dos acontecimentos em que esteve à frente. A entrevista foi realizada em dezembro de 2016 no Centro Especializado para Idosos (CEI), em Campo Grande, onde ela se encontrava internada. Atualmente, ela retornou para a casa de um dos filhos, José do Valle, em Ribas do Rio Pardo. Outro desafio ocasionado justamente pela escolha do tema foi em relação à distância entre Campo Grande, sede da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, e os municípios que compõem a área do Maciço Florestal, principalmente Água Clara, Ribas do Rio Pardo e Três Lagoas, onde a princípio seria feita a pesquisa de campo. Porém, em virtude da dificuldade de locomoção a todas as cidades mencionadas, decidiu-se manter a pesquisa apenas no município de Ribas do Rio Pardo, por ter sido o local de maior expressividade na produção de carvão vegetal no estado. Também encontramos dificuldades para agendar visitas às carvoarias ainda ativas no estado, por estarem localizadas em áreas distantes do perímetro urbano de Ribas do Rio Pardo e por terem o acesso restrito. Por conta disso, optamos por reconstituir as condições de trabalho e vida enfrentadas nessas regiões a partir do depoimento de ex-trabalhadores. Da mesma forma, as fotografias de carvoarias utilizadas para composição do trabalho provêm dos arquivos pessoais desses personagens, concedidas para ilustrar a pesquisa. 1.3. Objetivos Alcançados Os objetivos propostos no anteprojeto foram cumpridos satisfatoriamente, conforme a sua linha de desenvolvimento e seguindo as etapas da pesquisa


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jornalística. De forma geral, o projeto cumpriu com o seu propósito de evidenciar a violação de direitos humanos no âmbito das carvoarias de Mato Grosso do Sul, tendo como suporte a grande-reportagem multimídia no formato long-form. Inicialmente, identificar o contexto histórico do desenvolvimento da atividade carvoeira no estado, bem como avaliar a legislação nacional e normativas internacionais que dispõem sobre o trabalho análogo ao escravo foram uns dos objetivos destacados. O estudo do processo de formação do maciço florestal e sua utilização posterior para a produção de carvão vegetal foi realizado principalmente através de trabalhos acadêmicos que pesquisaram o assunto. A partir das viagens a Ribas do Rio Pardo e entrevistas com as famílias de ex-trabalhadores, pudemos reconstituir as condições de vida e de trabalho nas carvoarias durante a década de 90, bem como analisar as atuais consequências que o processo econômico das carvoarias trouxe ao município, conforme os objetivos propostos. O recurso da observação direta foi fundamental para o reconhecimento dessas sequelas socioeconômicas no município, a partir da participação ativa do repórter no local dos acontecimentos. De acordo com LIMA (2009, p.96): Não há como retratar a realidade senão com cor, vivacidade, presença. Isto é, com o mergulho e envolvimento total nos próprios acontecimentos e situações, os jornalistas tentando viver, na pele, as circunstâncias e o clima inerente ao ambiente de seus personagens.


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2. SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS: 2.1. Trabalho escravo: violação do princípio fundamental da dignidade humana Segundo disposto no art.1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), “todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos sendo dotados de razão e consciência, devendo agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade”. Da mesma forma, a Constituição Federal de 1988, também em seu art.1º, elenca a dignidade da pessoa humana como um dos princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito. De acordo com Silva (2010), o significado jurídico da dignidade humana baseia-se na concepção kantiana, que, por sua vez apoia-se na natureza racional do homem. Conforme o filósofo Immanuel Kant, enquanto as coisas possuem um valor relativo, e podem ser substituídas por outras de igual valor, os seres humanos possuem valor em si mesmos, não podendo ser substituídos por algo equivalente. Possuem, no entanto, dignidade. Sarlet (2007, p. 62, apud MIRAGLIA, 2008, p. 64-65), define a dignidade como: A qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos.

Dessa forma, o homem, ao ser submetido a formas de trabalho análogas à escravidão, tem a sua dignidade violada, pois é reduzido à posição de mera mercadoria, utilizado apenas como um meio para consecução de lucro, e não tem seus direitos fundamentais respeitados. O artigo 149 do Código Penal Brasileiro classifica o trabalho análogo à escravidão a partir de duas formas: o trabalho forçado, quando o trabalhador não se apresenta voluntariamente ao trabalho ou é impedido de se desligar do serviço


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mediante ameaças ou violências físicas e psicológicas; e trabalho degradante, quando é exposto a condições sub-humanas de trabalho, alojamento, alimentação e segurança, que podem pôr sua vida em risco e são incompatíveis com a dignidade humana. Por outro lado, de acordo com a concepção da Organização Internacional do Trabalho (OIT), o trabalho análogo ao escravo se manifesta somente quando há restrição do direito à liberdade do trabalho, ou seja, quando há trabalho forçado ou obrigatório. Não considera, portanto, que somente a redução do contratado a condições degradantes possa se configurar como trabalho escravo. Segundo a Organização: Toda forma de trabalho escravo é degradante, mas o recíproco nem sempre é verdadeiro. O que diferencia um conceito do outro é a liberdade. [...]. Estamos falando de homens, mulheres e crianças que não têm garantia de sua liberdade. Ficam presos nas fazendas durante meses ou anos, por três principais razões: acreditam que têm que pagar uma dívida ilegalmente atribuída a eles (alimentação e transporte), estão distantes da via de acesso mais próxima, o que faz com que seja impossível qualquer fuga, ou são constantemente ameaçados por guardas que, no limite, lhe tiram a vida numa tentativa de fuga. (OIT, 2006, p.11).

De qualquer forma, utilizamos na concepção desta pesquisa o entendimento de que o trabalho análogo ao escravo se constitui tanto pelo trabalho forçado, em que o profissional não se ofereceu voluntariamente ou que mesmo após seu consentimento a sua continuidade no serviço lhe foi exigido sob ameaça de punição; quanto pelo trabalho em condições degradantes, em que o trabalhador é excluído de condições mínimas de dignidade, trazendo prejuízos a sua integridade física e psíquica. Cabe lembrar que o termo “trabalho escravo” não é mais utilizado juridicamente pela escravidão ter sido abolida no Brasil em 1888, com a Lei Áurea, não sendo mais admitida legalmente. Portanto, o que existe atualmente são práticas análogas. Porém, segundo Silva (2010, p.13): A proscrição jurídica da escravidão não foi suficiente para impedir a exploração do trabalho análogo ao de escravo, consubstanciado em práticas igualmente discriminantes e supressoras da liberdade do trabalhador, principalmente no meio rural brasileiro, profundamente marcado pela desigualdade tanto no acesso quanto na distribuição da


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terra, e que tem na violência contra o trabalhador uma característica endêmica de sua estrutura.

Mesmo assim, o termo “escravo” no título da pesquisa decorre de uma decisão editorial, devido ao peso da referida expressão. Mesmo pela sua incorreção do ponto de vista técnico e científico, a prática o trabalho análogo ao escravo utiliza-se de mecanismos igualmente discriminatórios e nocivos da escravidão tradicional, reduzindo o homem à posição de mero objeto. Além disso, o termo “trabalho escravo” ainda é utilizado por órgãos governamentais brasileiros, expressão que aparece inclusive nos dois planos nacionais para erradicação do trabalho escravo4. A instalação das carvoarias em Mato Grosso do Sul foi um empreendimento altamente rentável justamente por empregar mão de obra escrava, em sua maior parte composta por migrantes de outros estados, que fugindo da pobreza, e seduzidos pelas promessas dos aliciadores de mão de obra, popularmente conhecidos como ‘gatos’, de melhores condições de vida, acabavam por aceitar o trabalho no carvão. Chegando ao estado,

os

trabalhadores

tinham

que

enfrentar

jornadas

extenuantes

de

aproximadamente doze horas diárias, sem descanso no fim de semana, e remuneração proporcional à produção, o que levava o emprego da mão de obra infantil, já que os pais almejavam um ganho maior (PEREIRA, 2005). Além disso, outra prática comum nesta atividade, característica da escravidão moderna, era a servidão por dívida, já que tudo era cobrado dos trabalhadores: o transporte, os precários alojamentos, as ferramentas de trabalho e até a água que bebiam. Sendo assim, com tantos descontos no pagamento, muitos ficavam devendo o patrão, impedindo-os de deixar o local de trabalho (OIT, 2003). 2.2.O trabalho infantil à luz do Estatuto da Criança e do Adolescente

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Os dois planos nacionais de erradicação do trabalho escravo foram lançados respectivamente em 2003 e 2008. Os documentos estabelecem diversas medidas para o enfrentamento e repressão do crime do trabalho escravo, que devem ser realizadas por diversos órgãos dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, além de entidades da sociedade civil e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). O tempo para o cumprimento das metas está dividido em curto e médio prazo, além de atuação contínua. Os planos estão disponíveis nos endereços <http://reporterbrasil.org.br/documentos/plano_nacional.pdf>, e <http://www.reporterbrasil.org.br/documentos/novoplanonacional.pdf>.


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A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei nº 8069/1990 (ECA) apresentam as bases do Direito da Criança e do Adolescente no Brasil contemporâneo. Este é constituído sob a ótica da Doutrina da Proteção Integral, ou seja, a partir do “reconhecimento de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e, ainda, direitos especiais decorrentes da condição peculiar de pessoa em desenvolvimento”. Ambos que “se articulam, produzem e reproduzem de forma recíproca” (VERONESE, 2003, p. 439 apud CUSTÓDIO, 2008, p. 33). Também merece atenção o princípio da prioridade absoluta à efetivação dos direitos fundamentais da criança e do adolescente, que segundo o artigo 227 da Constituição Federal e o artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, é responsabilidade da família, da sociedade e do Estado. O art. 4º, Parágrafo Único, do ECA (1990), apresenta o alcance do princípio: A garantia de prioridade compreende: a) primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias; b) precedência do atendimento nos serviços públicos ou de relevância pública; c) preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. (BRASIL, Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990).

A Constituição Federal de 1988 e o ECA surgem em um momento de reabertura democrática, com grande contribuição da sociedade civil, que se organizava na luta pela garantia de direitos sociais, econômicos e civis. Nesse contexto, “os movimentos sociais assumiam o papel de protagonistas na produção de alternativas ao modelo imposto”. (CUSTÓDIO, 2008, p.27). Segundo o ECA, é proibido o trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, que pode ser exercido a partir dos 14 anos. Ou seja, os jovens entre 14 e 16 anos “devem ser devidamente qualificados para o trabalho, e não simplesmente autorizados a exercer uma atividade laborativa qualquer, de maneira desqualificada”. (DIGIÁCOMO, 2010, p. 98). Sendo assim, o trabalho é considerado educativo quando privilegia a formação pedagógica em relação ao aspecto produtivo.


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Por outro lado, o trabalho realizado por adolescentes a partir dos 16 anos também tem as suas restrições, em função do princípio protetivo de respeito à sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Dessa forma, segundo o artigo 67 do ECA (1990), é vedado o trabalho: I - noturno, realizado entre as vinte e duas horas de um dia e as cinco horas do dia seguinte; II – perigoso, insalubre ou penoso; III – realizado em locais prejudiciais à sua formação e ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; IV – realizado em horários e locais que não permitam a frequência à escola.

A escolha do Estado Brasileiro em fixar a idade mínima para o trabalho produtivo em 16 anos reflete uma forma de garantir que o adolescente cumpra a escolaridade obrigatória, isto é, o ensino fundamental, antes de entrar para o mundo do trabalho, estimulando-o a se tornar um profissional mais qualificado. Em tese, o ensino fundamental seria cursado até os 14 anos, porém é preciso contemplar da mesma forma aqueles que entraram tardiamente nas escolas ou mesmo aqueles que reprovaram. No caso do trabalho no processo produtivo de carvão vegetal é considerado uma das piores formas de trabalho infantil, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), sendo proibida a realização dessa atividade por qualquer menor de 18 anos. Conforme o Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008, que regulamenta a Convenção 182 da OIT, o trabalho infantil realizado nessas condições pode trazer como prováveis riscos ocupacionais: Exposição à radiação solar, chuva; contato com amianto; picadas de insetos e animais peçonhentos; levantamento e transporte de peso excessivo; posturas inadequadas e movimentos repetitivos; acidentes com instrumentos pérfuro-cortantes; queda de toras; exposição à vibração, explosões e desabamentos; combustão espontânea do carvão; monotonia; estresse da tensão da vigília do forno; fumaça contendo subprodutos da pirólise e combustão incompleta: ácido pirolenhoso, alcatrão, metanol, acetona, acetato, monóxido de carbono, dióxido de carbono e metanol.

O trabalho precoce realizado antes da idade mínima legalmente permitida deve ser combatido, uma vez que traz inúmeros prejuízos ao desenvolvimento físico,


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cognitivo, social e emocional das crianças e adolescentes, subtraindo a sua infância e desrespeitando a sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Segundo Elias Meldevich (1980, p. 44, apud CUSTÓDIO, 2007): A exploração do trabalho infantil compromete a infância, circunstanciando constrangimentos múltiplos, gerando alienações múltiplas e, desencadeando, dessa maneira, o dilema e o impasse de ser amplamente alienado, ou seja, ser criança, adulto e velho e não dispor de tempo para o lúdico; ser criança adultizada envelhecida; ser de forma precária incluída no sistema educacional; ser criança por pouco tempo, perder o resto da infância e a juventude, saltando em seguida para a curta idade adulta e imediatamente para a velhice, sem futuro, isto é, sem possibilidade de inserção no mundo do trabalho e no mundo das novas tecnologias.

Porém, a eliminação do trabalho infantil não é tarefa fácil, uma vez que não adianta apenas retirar a criança ou o adolescente daquele ambiente, sem combater as origens e as causas que levam o jovem a trocar o seu tempo de infância pelo mundo do trabalho. O trabalho infantil é ancorado na miséria, na desigualdade e nas contradições do sistema capitalista, bem como é legitimado pelos reforços culturais e ideológicos do trabalho como dignificante. Nesse sentido, as crianças acabam apenas reproduzindo a realidade dos pais, única que conheceram, e assim sucessivamente, alimentando o ciclo vicioso da pobreza, sem possibilidade de inserção profissional na vida adulta. Para MELLO (1999), a pobreza é uma experiência familiar: “O trabalho duro e sem esperança é vivido pela criança como destino, como a continuação de uma sina que atinge o grupo familiar e todos os pobres igualmente”. 2.3. Grande-reportagem multimídia A reportagem SnowFall – The Avalanche at a Tunel Creek5 de John Brach, produzida em 2012 para o jornal The New York Times, inaugurou um novo formato de reportagem que revolucionou os modos de produção jornalística para Web. Mais do que apenas transpor o conteúdo produzido do meio impresso para o on-line, ou somente 5

Pode ser acessado em: <http://www.nytimes.com/projects/2012/snow-fall/?mcubz=0#/?part=tunnel-creek>


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incorporar algumas das potencialidades do novo meio embora respeitando o cânon formal dos gêneros tradicionais, conforme era comum nas primeiras fases do ciberjornalismo, o novo modelo cria a sua própria linguagem. Este formato é caracterizado pela exploração integral das potencialidades do ciberespaço ─ como a hipertextualidade, a multimidialidade e a interatividade com o leitor ─ para criação de uma narrativa híbrida e complexa. De acordo com Longhi e Winques (2015), a grande-reportagem multimídia em formato long-form se consolida a partir da década de 2000 enquanto “gênero específico do webjornalismo, herdeiro da grande reportagem do impresso”, promovendo o retorno da qualidade do jornalismo de profundidade, a partir da excelência na apuração e no tratamento estético. Segundo as autoras: O jornalismo longform vai muito além do texto longo. A abundância do texto verbal sinaliza um resgate da qualidade, apuração e contextualização já conhecidos do jornalismo impresso, especialmente consagrados pela reportagem. Vários autores têm se debruçado sobre o gênero na internet, apontando sua reconfiguração e remodelação. A grande reportagem multimídia, neste sentido, tem sido marcada, dentre outras características, pelo jornalismo longform. (LONGHI; WINQUES, 2015, p. 8).

São também características do formato: utilização de um padrão de leitura verticalizado, dado pela barra de rolagem, em contraponto à horizontalidade da imprensa escrita que se organiza em páginas sequenciais; convergência de diversos elementos multimidiáticos que, ao mesmo tempo em que possuem valor próprio, nãoredundante, são dotados de unidade comunicativa e interagem entre si, realçando a imersão do leitor no conteúdo apresentado; e utilização de narrativas não-lineares, a partir da construção de menus interativos, por exemplo, que dão autonomia para o leitor escolher qual capítulo ou sessão da reportagem quer ler primeiro, sem prejudicar o entendimento do texto. Segundo Canavilhas (2014, p.7): As características da Web, nomeadamente o seu caráter multimídia, as rupturas da sequencialidade e da periodicidade, a interatividade e a legibilidade (Diaz Noci, 2001), juntamente com a inexistência de barreiras espaciais, fazem dela um meio de excelência para este gênero. A possibilidade de usar todo o tipo de conteúdos (texto, imagem


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fixa, imagem em movimento, som) e de ligar estes conteúdos através de hipertexto, criando vários processos de leitura, são elementos diferenciadores da reportagem Web.


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3. CONSIDERAÇÕES FINAIS Os resultados da pesquisa sobre o trabalho análogo à escravidão na região de Ribas do Rio Pardo indicam que, efetivamente, esta prática era rotina nas relações trabalhistas no auge da produção de carvão na década de 1990. Na época, milhares de trabalhadores e trabalhadoras eram submetidos diariamente a condições desumanas de trabalho, o que violava frontalmente a Constituição Federal de 1988, além de normativas internacionais de proteção aos direitos humanos. A proliferação das carvoarias em Mato Grosso do Sul, sobretudo nos municípios que compõem a microrregião de Três Lagoas, está ligada ao fracasso dos projetos desenvolvimentistas para a região, instituídos pelo governo militar na década de 1970. Na época, a constituição do maciço florestal de eucalipto deveria atender as indústrias de papel e celulose, mas que acabou sustentando a produção de carvão vegetal para o abastecimento das indústrias siderúrgicas de Minas Gerais. Observamos também que a prática trouxe consequências socioeconômicas negativas ao município de Ribas do Rio Pardo que perduram até hoje, que podem ser constatadas junto aos órgãos assistenciais da Prefeitura Municipal, bem como diretamente nas ruas da cidade e através das falas de atores sociais entrevistados. Com isso, concluímos que a atuação imediata e paliativa no combate ao trabalho escravo, sem se atentar às raízes da questão social, relacionada com o desenvolvimento do capital e a precarização das relações de trabalho, é insuficiente.


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4. REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Promulgada em 5 de outubro de 1988.Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituição/constitui%C3%A7ao.htm>. Acesso em: 30 nov. 2017. ______. Decreto nº 6.481, de 12 de junho de 2008. Regulamenta os artigos 3o, alínea “d”, e 4o da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT) que trata da proibição das piores formas de trabalho infantil e ação imediata para sua eliminação aprovada pelo Decreto Legislativo no 178, de 14 de dezembro de 1999, e promulgada pelo Decreto no 3.597, de 12 de setembro de 2000, e dá outras providências. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato20072010/2008/decreto/d6481.htm>. Acesso em: 30 nov. 2017. ______. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1940-1949/decreto-lei-2848-7dezembro-1940-412868-normaatualizada-pe.html>. Acesso em: 30 nov. 2017. ______. Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências... Diário Oficial da União, Brasília, DF, 16 jul 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/L8069.htm>. Acesso em: 30 nov. 2017. ______. Presidência da República. Secretaria Especial dos Direitos Humanos. II Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo Brasília: SEDH, 2008. Disponível em: <http://www.sdh.gov.br/assuntos/conatrae/direitos-assegurados/pdfs/pnete-2>. Acesso em: 30 nov. 2017. CANAVILHAS, J. (2014). A reportagem paralaxe como marca de diferenciação da Web. In Paula Requeijo Rey y Carmen Gaona Pisonero, Contenidos innovadores en la Universidad Actual, pp. 119-129. Madrid: McGraw-Hill Education. COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem impressa: um curso sobre sua estrutura. São Paulo: Ática, 1993. CUSTODIO, A.V. Teoria da Proteção Integral: pressuposto para compreensão do direito da criança e do adolescente. Revista do Direito, v.29, p.22 - 43, 2008. CUSTÓDIO, A.V., VERONESE P. R. J. Trabalho Infantil: a negação do Ser Criança no Brasil. OAB Editora: Florianópolis. 2007. CRUZ, Claudia Ferreira. Trabalho forçado e trabalho escravo no Brasil: diferença conceitual e busca da eficácia em seu combate. 2013. 289 p. Tese (Doutorado em Direito). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo. DIGIÁCOMO, M.J., DIGIÁCOMO, I.A. Estatuto da Criança e do Adolescente. 1a. ed. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2010. v. 1. 487p.


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FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS. Código de ética dos jornalistas brasileiros. Disponível em: <http://fenaj.org.br/wp-content/uploads/2014/06/04codigo_de_etica_dos_jornalistas_brasileiros.pdf> Acesso em: 30 nov. 2017. LIMA, P. E. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. Barueri: Manole. 2009, 470 p. LONGHI, Raquel; WINQUES, Kérley. O lugar do longform no jornalismo online. Qualidade versus quantidade e algumas considerações sobre o consumo. In: Estudos de Jornalismo do XXIV Encontro Anual da Compós. Universidade de Brasília: Brasília, 2015. MELLO, S.L. Estatuto da Criança e do Adolescente: É possível torna-lo uma realidade psicológica? Psicologia USP, São Paulo, vol.10, n.2, 1999. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-65641999000200010>. Acesso em: 16 mar. 2016. MIRAGLIA, Lívia Mendes Moreira. Trabalho escravo contemporâneo: conceituação à luz do princípio da dignidade da pessoa humana. 2008. 178 p. Dissertação (Mestrado em Direito) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2008. MTE (2003). Plano Nacional para Erradicação do Trabalho Escravo. Disponível em: <http://reporterbrasil.org.br/documentos/plano_nacional.pdf>. Acessado em 30 nov. 2017. ONU. Declaração Universal dos Direitos Humanos. 1948. Disponível em: < http://www.ohchr.org/EN/UDHR/Documents/UDHR_Translations/por.pdf>. Acesso em: 30 nov.2017. ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. A experiência de Mato Grosso do Sul. In: OIT (Org.). Boas práticas de combate ao trabalho infantil. Brasília: OIT, 2003. p.81-102. ________. O custo da coerção. Relatório global no seguimento da declaração da OIT sobre os direitos e princípios fundamentais do trabalho. Relatório I (B), Conferência Internacional do Trabalho, 98ª Sessão. Portugal, 2009, tradução de AP Portugal. ________. Trabalho Escravo no Brasil do Século XXI, Brasília: OIT, 2006. PEREIRA, A. A relação capital x trabalho nas carvoarias de Mato Grosso do Sul. Pegada, São Paulo, v.6, n.1, p. 19-27, jun.2005. SILVA, Marcello Ribeiro. Trabalho análogo ao de escravo rural no Brasil no século XXI: novos contornos de um antigo problema. 2010. 280 p. Dissertação (Mestrado em Direito Agrário). Universidade Federal de Goiás. Goiânia.


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