Revista Sem Aspas

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sem aspas n°1 - abril/2017

o poder da mulher na cultura pop

De Princesa Leia à Mulher Maravilha, a Marcha das Mulheres foi marcada por figuras de mulheres fortes

Sensualidade, força e muita diversão O pole dance ganha mais espaço em Campo Grande como uma alternativa de exercício

mistura musical boA A banda Catarse Retrô prova que em um cenário musical dominado pelo sertanejo é possível inovar

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Sumário

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as mulheres resistem A Princesa Leia foi figura carimbada durante a Marcha das Mulheres,

o rei do terror está de volta O sétimo jogo da saga Resident Evil foi lançado e aqui você fica sabendo todas as novidades! 2

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folk, mpb e tudo que há de bom

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o lugar da mulher é na resistência

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de pernas para o ar estilo de vida: zumbi somos todos irmãos do jorel

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a representação da luta de classes em hollywood cinema para discutir cinema

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fábrica de sonhos bem-vindo à família, filho indie com muita ação

sem vencedores: crítica do filme assassin’s creed

EDITORIAL

Há todo momento surgem novos artistas, novos filmes, jogos, livros, músicas. Também existem aqueles que estão há tempos esperando sua oportunidade de ter sua história contada ou revivida. muita força sem perder Sem Aspas, sem róo charme tulos, sem um eixo definido, essa revista tem A prática do pole dance cresceu e provou que o como proposta aborpreconceito não está com dar e retratar assuntos nada. da cultura de massa a partir de uma perspectiva regional, trazendo para os leitores con38 teúdo próprio de temas internacionais, nacionais e regionais. Surgindo como um espaço de conhecimento e divulgação, a revista veio da inquietude de uma campo-grandense apaixo-

nada pelo mundo da cultura pop que buscava seu refúgio na internet. Essa Edição Zero visa abordar a maior amplitude de assuntos possíveis que cabem nessas 40 folhas de quadrinhos, games, filmes. novidades regionais, críticas e opiniões sempre com o objetivo de mostrar o que se esconde por trás do que consumimos. Além disso mostrando ao leitor o que acontece em Mato Grosso do Sul. Para os que lêem estas linhas, convido-os a conhecer a revista Sem Aspas, nascida de um sonho e possível graças aos que abraçaram o projeto. Isabela Domingues

Agora nas telonas Aqui você confere a crítica sobre o esperado filme Assassin’s Creed.

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música

Folk, MPB e tudo que há de bom Isabela Domingues Cheios de referências e com a mente aberta, a Banda Catarse Retrô traz para o cenário musical sul-mato-grossense uma mistura que prova que o estado não é feito só de sertanejo.

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compreendo o que encanta o público: a música que mistura sucessos da rádio e artistas consagrados com uma melodia doce e energética. Desde 2015, quando nasceu o projeto a Catarse Retrô passou por muitas formações e transformações até chegar aqui. Hoje, a banda formada por Camila Brusamarelo (vocal, violão e ukulele), Matheus Arakaki (guitarra e voz), Diego Marques (bateria), Anna Resende (baixo), Breno Mandetta (vocal) e Kézia Miranda (violino, acordeom, flauta e teclado) tras para o público sul-mato-grossense música autoral de qualidade e ganha espaço no cenário musical do

Em alguns shows, chamados pela banda de “pocket”, as apresentações são feitas com apenas alguns membros, nesse caso Camila e Matheus assumiram os vocais.

Isabela Domingues

Em uma típica e calma tarde de domingo, campo-grandenses procuram algum espaço de confraternização para renovar as energías para a semana que volta a se iniciar. Em meio ao silêncio da cidade, alguns se reunem em um espaço colaborativo para passar um final de dia diferente e cheio de música. Ao adentrar a casa de aparência antiga na rua de paralelepípedo em frente ao Armazém Cultural, encontramos pessoas de todos os tipos físicos e idades em meio à lojinhas improvisadas de trabalhos manuais, no fundo um som toma força e preenche o local. Me aproximando

estado. O grupo formado por artistas que reconhecem a importância da produção musical independente e que tiveram um contato íntimo com a música desde a infância, nasceu com a proposta de trazer uma nova vertente de MPB, mesclando em suas composições e arranjos outros estilos musicais. Dentro de um cenário regional predominantemente sertanejo, a banda mostra que é possível uma expressão artística que é o equilíbro perfeito entre folk, o MPB, indie, pop, rock e R&B. Para alguns pode ser difícil imaginar que uma mistura de elementos tão diferentes possa resultar em algo tão bom, mas segundo Matheus Arakaki essa é a fórmula para criar esse som diferente e inovador para o cenário regional. Em suas músicas e apresentações é possível identificar uma junção de vários universos musicais diferentes que se completam formando, o que os integrantes chamam de “a maior riqueza da banda”, a concliliação das influências de todos, que vão de Cícero à Johnny Cash, passando por Ney Matogrosso, Os mutantes, Edward Sharpe and the Magnetic Zeros, Trupe Chá de Boldo, Criolo, Banda do Mar, Francisco El Hombre, e muitas mais bandas. Camila Brusamarelo ex-

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plica que a tradição cultural regional acaba influenciando nos gostos e afinidades da população, assim como a industria comercial musical também acaba sendo um obstáculos para a receptividade do público. “Conhecemos nomes do estado que hoje fazem sucesso, mas normalmente estão associados à uma carreira na música sertaneja, que é o estilo que predomina a indústria musical, atualmente. Os empresários já buscam esse tipo de som para investirem. Desse jeito quem produz outros estilos acaba ficando prejudicado, não apenas pela falta de visibilidade, mas também pelo gosto do público que muitas vezes fica voltado para um tipo específico de som”.

Kézia Miranda é advogada e apaixonada por música desde a infância. Ela toca instrumentos como violino, flauta, teclado, acordeom, ukelele, piano e violão.

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Arquivo Pessoal/Kézia Miranda

““Nunca desistimos do nosso projeto, com o passar do tempo foram crescendo os espaços dispostos à dar visibilidade para essa proposta” Isabela Domingues

Os vocais variam entre os integrantes, com mais frequencia, Breno Mandetta e Camila Brusamelo assumem esse posto.

“Apesar disso nunca desistimos do nosso projeto, com o passar do tempo foram crescendo os espaços dispostos à dar visibilidade para essa proposta, surgiram convites para festivais e eventos e isso nos motivou a focar nas nossas músicas autorais”, diz Camila otimista. Inicialmente focada em covers e novas versões para músicas conhecidas, agora em nova fase a banda se prepara

para lançar o primeiro EP que contará com 6 músicas autorais, sendo o primeiro single “Frida” já lançado no final do ano passado no YouTube. Breno Mandetta explica que o processo criativo é resultado vem do “universo de bagagens culturais de cada um, geralmente quando compomos algo, passamos a letra ou o áudio primário no grupo da banda e todos ajudam a definir, ajustar, inserir alguma

coisa para garantir um resultado final bem democrático mesmo, para todos os gostos”. Segundo Kézia Miranda, nessa etapa de produção própria e indepoendente o foco é criar um material novo mas que também carregue a cultura de Mato Grosso do Sul. “A maior importância do nosso trabalho é criar uma identidade própria, sem deixar de valorizar nossas raízes históricas e culturais”. SEM ASPAS

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quadrinhos

fábrica de sonhos Apaixonados por quadrinhos e desenhos se reunem em Campo Grande e provam que mesmo com um mercado difícil é preciso investir nessa arte

Assessoria Parada Nerd

Isabela Domingues

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se reunir para trocar ideias e ajudar uns aos outros em projetos ligados ao mundo das histórias em quadrinho. Alexandre Ricartes é escultor e ilustrador, e também um dos fundadores do projeto. Ele conta que a ideia surgiu também da vontade de dar continuidade ao curso. “Nós nos reuníamos todos os sábados de manhã na XD

Comic Shop. O local tinha a possibilidade troca de ideias com o público que era muito enriquecedor. Funcionava como aulas feitas no modo conversa na varanda da casa.” Ele explica que acredita que o quadrinho seja uma ferramenta pouco explorada e subestimada, escondendo do público seu potencial. “Ele traz a possibilidade de unir em

mercado é um desafio. “Apesar de estar surgindo quadrinhistas regionais com um trabalho legal e expressivo, em Mato Grosso do Sul, ainda não temos tanta força. É por isso que o Bigorna está se re-

estruturando, para encontrar esses profissionais, ampliar e encontrar nosso espaço dentro da nossa cultura, educar o público para gostar e ler quadrinhos e desenvolver materiais de expressão nacional”.

Arquivo Pessoal/Anderson Barbosa

Arquivo Pessoal/Anderson Barbosa

Com o objetivo de aproximar os quadrinhos da população do nosso estado, aliado à paixão por produzir histórias, assim nasceu o projeto do Bigorna Ilustrada. Depois de uma oficina ministrada em Campo Grande por S. Lobo, diretor e editor da Editora Barba Negra, participantes inspirados, apaixonados por desenhos decidiram

uma única mídia a literatura e a arte e pode ser considerada as duas coisas. Além de seu poder de transmitir ideias e conceitos de forma didática, sequencial, ordenada e sistematizada”. O estudante de publicidade e propaganda, Felipe Jorge da Cunha, recentemente descobriu sua vocação para os quadrinhos. Desde então, abandonou o último semestre do curso de biologia para se dedicar à HQ. Ele acredita que essa arte pode transformar as pessoas. “A arte é a capacidade de tocar e transimitir sentimentos e pensamentos para os outros. Para mim essa é a maior qualidade dos quadrinhos: sua capacidade de incentivar a mudança e a aprendizagem, trazer ela para mais perto de todos é muito importante”. O designer gráfico e ilustrador, Anderson Barboza, é apaixonado por desenho desde a infância quando ganhou de uma vizinha livros ilustrados do Tintin e Asterix. Essa foi a porta de entrada para o universo das HQs, indo de Turma da Mônica à mangás, Anderson deu luz à sua própria história: Perfect Cheese, um rato sonhador que tem sempre um plano para resolver seus problemas. Produzir seu próprio quadrinho em um estado que ainda é fechado para esse

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games

Bem-vindo à família, filho

Isabela Domingues

Unindo o moderno e o clássico em um jogo assustador, o novo jogo da saga Resident Evil convida você a conhecer e fazer parte da família Baker. Para conseguir fugir desse pesadelo será necessário muita paciência e auto controle.

Esqueça tudo que você já conhece de Resident Evil. No novo game da saga somos Ethan Winters, “convidado” à fazer parte de uma família nada convencional. Preso em uma casa de corredores estreitos e ambientes mal iluminados, é necessário muito auto-controle para o clima de apreensão constante. Para os fãs que estavam acostumados com o modelo do jogo que manteve há mais

de 10 anos características muito parecidas, uma estrutura linear da história, com poucas modificações de personagens, pode ser difícil para o público mais antigo que acompanhou a evolução da saga, se acostumar com tantas modificações drásticas. Para os que estão dispostos a encarar o desafio, Resident Evil: Biohazard traz como novidade o modo primeira pessoa, estilo que tem se tornado comum em jogos de terror por gerar um ar mais intimista e assustador.

A imersão desse tipo de jogabilidade deixa tudo mais real e macabro, combinado com a qualidade dos gráficos e os cenários bem elaborados, o jogador pode se assegurar de estar em um survival horror (horror de sobrevivência). Andar abaixado e tentar se esqueirar entre os cômodos da casa sempre atento a alguma movimentação ou mesmo objetos que nos tragam respostas ou uma possibilidade de escapar também tornam o jogo diferente do tradicional, mas não menos interessante.

UMA NOVA HISTÓRIA DE TERROR

Fugindo dos clássicos e aclamados

essa situação mais de perto.

personagens dos jogos anteriores, .A

Entrar na casa não é uma tarefa

CAPCOM arrisca agora é a hora de

difícil, o problema é sair dela. Ainda

assumir as botas de Ethan Winters,

mais quando os Bakers parecem

que após receber uma mensagem da

gostar tanto de companhia. Jack,

esposa Mia, dada como morta há 3

o pai, Marguerite, a mãe, Lucas,

anos, resolve ir ao seu encontro sem

o filho, são os personagens mais

saber exatamente o que o aguarda.

ativos que estarão sempre prontos

Dirigindo

até

uma

fazenda

em

para deixar essa experiência ainda

Loiusiana, no interior dos Estados

mais assustadora.

Unidos, Ethan se depara com uma

Enquanto passa um tempo e

casa

abandonada

desfruta da “hospitalidade” da

e logo de cara muito assustadora,

família Baker, Ethan precisa se

propriedade da familia Baker, dada

salvar e descobrir o que aconteceu

como desaparecida há algum tempo.

com a esposa ao tentar desvendar

Mas ao encontrar documentos e

o mistério que assombra esse

pertences de Mia resolve investigar

lugar.

aparentemente

Divulgação/CAPCOM

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A sensação de não saber o que está por vir é constante, acompanhada de momentos susto bem posicionados, deixam o game com um toque a mais de realismo. Outro fator que contribui para aumentar o clima de tensão é a ausência de trilha sonora. Os efeitos sonoros são basicamente os sons dos objetos sendo movidos, passos distantes, ruídos não identificados e até mesmo seu próprio caminhar, deixando o jogador ainda mais aflito

e sem saber o que o aguarda pela frente. Assim como no primeiro Resident Evil, com o passar do tempo o jogador acaba conhecendo o mapa como a palma da mão já que é necessário passar várias vezes pelos mesmos cômodos, por existir uma sala segura, onde podemos guardar e retirar objetos, e também recursos que são desbloqueados depois de algum tempo, assim como peças que são necessárias para desvendar os quebra-ca-

beças. A estratégia de gerenciamento de munições e utilização de remédios se mantém. Ethan é um homem comum, sem super poderes ou treinos especiais em lutas e combate, por isso é importante saber quando e como usar o que se têm. Os fãs que estiverem dispostos a dar o braço a torcer parao novo modelo de Resident Evil verão que as mudanças significam a evolução do jogo. Em termos de terror a CAPCOM provou mais uma vez saber o que está fazendo. Para os novatos é um bom começo que não exige conhecimento prévio e promete uma experiência assustadora e cativante.

A mudança radical na câmera do jogo permite que o jogador desfrute a experiência assustadora com um toque a mais de realidade e tensão.

Recordar é viver Desde seu lançamento até hoje, Resident Evil prova que pode sempre arrumar um novo jeito de fazer terror

Lançado em 1996, resident evil 1 é até hoje considerado um dos melhores jogos de terror. como Chris Redfield ou Jill Valentine, é preciso encontrar seus parceiros em uma mansão misteriosa e sobreviver às criaturas cruzam o seu caminho.

Resident Evil 2 acontece em Raccoon City. Leon chega à cidade para seu primeiro dia como policial, enquanto Claire procura por Chris, herói do primeiro game. Com ruas infestadas de zumbis, eles precisam agir em parceria para sobreviver.

Inovador e tecnológico, resident evil 4, lançado em 2005, popularizou a visão em terceira pessoa por cima do ombro. Leon volta para a trama como agente secreto que busca o desaparecimento da filha do presidente em uma ilha onde coisas estranhas acontecem.

Seguindo o modelo de jogabilidade do anterior, agora Chris Redfield é enviado à África, seis anos após a destruição da Umbrella Corporation ele tem a missão de capturar um contrabandista de bio-armas, Ricardo Irving. Divulgação/CAPCOM

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review

Divulgação/DodgeRoll

indie com muita ação Isabela Domingues No começo, o game pode ter passado desapercebido no meio dos clássicos e aclamados que ganham os holofotes com facilidade, mas com certeza Enter The Gungeon merece um destaque especial. O game indie, com ar retrô é um rogue-like, nome dado ao subgênero de jogos RPG com duas características 14

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fixas: os cenários são gerados de maneira aleatória em cada level e morrer significa começar tudo de novo. Assim já da pra saber que passar de cada fase não vai ser moleza. E a tendência é piorar. Cheio de ação, poderia dizer que é uma mistura de Binding of Isaac com uma pitada de Borderlands.

O jogador pode escolher entre quatro mercenários que estão dispostos a arriscar tudo para conseguir uma arma capaz de apagar o passado. Apesar da diferença de atributos de cada um, todos podem usar as mesmas armas e a geração delas no game não é influenciada por quem for escolhido. O soldado é mais resistente e pode solicitar munição extra para as armas, já a caçadora possui mais armas e possui um cachorrinho de estimação que ajuda na hora de limpar uma sala. O piloto funciona como um ladrão, sendo capaz de usar suas habilidades para abrir determinadas portas e baús escondidos e a fugitiva tem a habilidade

de se movimentar mais rapidamente e de dar mais dano caso leve um tiro. O jogo é um bullet hell, ou seja, quando há uma quantidade excessiva de tiros na tela e é preciso esquivar para sobreviver. Logo, o player tem que virar um mestre se quiser chegar longe no game, e não vou mentir, isso pode levar a momentos de frustração no começo, mas depois será mais um reflexo. Enquanto não se torna o Neo do Matrix, também é possível utilizar os “apagões”, um item que simplesmente apaga todas as balas da tela, não preciso nem dizer o quanto isso é útil, porém o jogo só lhe da dois no começo da fase, então é preciso pensar bem quando for usar.

Conforme os inimigos e chefes vão sendo derrotados, o jogador ganha cartuchos vazios, que funcionam como moedas que podem ser trocadas por benefícios como comprar munição, chaves, armas, apagões e recuperar vida. Uma das falhas do jogo é perder todas as armar quando você morre, muitas vezes isso pode acabar desmotivando os jogadores. Resumindo, Enter the Gungeon é um jogo aparentemente simples, mas surpreende por ser divertido, desafiador e cativante. Perfeito para quem procura uma boa aventura.

NOTA

9,0

O jogador é recompensado sempre com um baú cheio de melhorias, como em Borderlands o jogo disponibiliza de uma infinidade de armas.

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comportamento

e d r a a n g lu her é a l i u c m istên s re ela Isab

ues g n i Dom

GettyImages/Sarah Morris

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Scott Winters

GettyImages/Sarah Morris

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Pouco mais de 24 horas após a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, as ruas de Washington D. C foram tomadas por milhares de pessoas insatisfeitas com a nova realidade da Casa Branca. A força da manifestação foi imensa. Mais de 500 mil pessoas, segundo os organizadores do movimento, encheram as avenidas que Donald Trump não conseguiu encher durante a cerimônia de posse. A marcha que incialmente foi convocada nos Estado Unidos, teve ecos em diversos lugares do mundo, com mais de 670 manifestações marcadas em mais de 20 países.

A mensagem do ato era clara: independente da nacionalidade, mulheres foram as ruas para dizer que não estão de acordo com a agenda ultraconservadora do novo presidente ou de qualquer líder que organize suas propostas em torno de ações excludentes, misóginas e violentas. Durante sua carreira, Trump nunca escondeu suas inclinações políticas, expondo seu pensamento em diversas declarações machistas e racistas. No mais recente áudio do presidente ele disse “quando você é uma estrela, (as mulheres) deixam você fazer o que quiser. Pode agarrá-las pela...”. Cansada e com vontade

de agir, a advogada aposentada do Havaí, Teresa Shook, convocou pelo Facebook a Womens’ March (Marcha das Mulheres) durante a posse Washington. Em questão de horas a convocação atingiu mais de 10 mil pessoas. Muitas mulheres e homens se juntaram a marcha. Celebridades como as atrizes Scarlett Johansson, Ashley Judd e Julianne Moore, as cantoras Alicia Keys e Katy Perry e o cineasta Michael Moore estiveram presentes. A cantora Madonna apareceu de surpresa e fez um discurso contra Trump. Em sua fala, Madonna abriu mão de qualquer atitude minimamente diplomática e discursou em tom enraivecido contra as ideias sexistas de Donald Trump e em apoio às minorias. Ela chegou a dizer, na ocasião, que teria sua vontade era explodir a Casa Branca ao saber que o republicano venceu as eleições em 2016. “Conseguem me ouvir? Estão prontos para abalarem o mundo? Sejam bem-vindos à revolução do amor, à rebelião, à recusa desta onda tirana, que põe não só as mulheres em perigo, mas também todas as pessoas marginalizadas”, disse Madonna em suas palavras iniciais. “Hoje é o início da nossa história. A revolução começa aqui. A luta pe-

““Hoje é o início da nossa história. A revolução começa aqui. A luta pelos direitos de sermos livres, de sermos quem nós somos, de sermos iguais. ””

los direitos de sermos livres, de sermos quem nós somos, de sermos iguais. Vamos marchar e atravessar a escuridão”, defendeu a cantora. Ao lado de Madonna, nomes importantes do ativismo político também subiram ao palco, como foi o caso da filósofa Angela Davis. Em seu discurso, ela ressaltou que a Marcha das Mulheres representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. “É um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós a resistência contra o racismo, a islamofobia, ao anti-semitismo, a misoginia e a exploração capitalista”, pronunciou Davis. A filósofa dedicou a marcha ao povo que resiste aos avanços do neoliberalismo. Ela disse “dedicamos nós mesmas para a resistência coletiva. Resistência aos bilionários exploradores hipo-

tecários e gentrificadores. Resistência à privatização do sistema de Saúde. Resistência aos ataques contra muçulmanos e imigrantes. Resistência aos ataques contra as pessoas com deficiência. Resistência a violência do Estado perpetrada pela polícia e através da indústria do complexo prisional. Resistência a violência de gênero institucional e doméstica, especialmente contra mulheres trans negras”. Apesar dos números expressivos de participantes, do apoio de muitas celebridades e militantes, a Marcha das Mulheres não fez história apenas pelos discursos em prol da liberdade. O feito mais inusitado da marcha, na verdade, está ligado as imagens que ela produziu. Podemos ver nos cartazes um verdadeiro “mar” de citações midiáticas, tendo como a principal delas a figura da Princesa Leia, líder máxima da SEM ASPAS

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resistência contra o Império Sith na saga Star Wars, ela se tornou o símbolo da marcha. Não é a primeira vez que um símbolo da Cultura de Massa se torna o estandarte de um movimento político. As manifestações de junho de 2013, no Brasil, tiveram como símbolo a mascará inspirada no revolucionário histórico inglês Guy Fawkes, que apareceu nas histórias em quadrinhos de Alan Moore, na coletânea “V de Vingança”. Na época, os jovens escolheram a máscara por sua simbologia no quadrinho. O acessório é utilizado pelo personagem V, uma espécie de super-herói que encarna o espirito de defensor da liberdade do revolucionário Guy Fawkes. Assim, V tenta destruir governo fascista que as-

GettyImages/Kevin Mazuour

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sumiu o poder na Inglaterra, da mesma forma que Fawkes tentou explodir o parlamento inglês anos antes. A fantasia de Fawkes se infiltrou na realidade política do Brasil, assim como a Princesa Leia se tornou símbolo da resistência política nos Estados Unidos. Em ambos os casos, as ideias de produtos midiáticos tomaram o lugar dos tradicionais símbolos de luta. Segundo a socióloga Nátali Bozzano Nunes que esse fenômeno de apropriação do texto nos movimentos políticos indica a crise do sistema de representações. “Diferente do ocorreu em movimentos similares, como as manifestações das mulheres na Rússia em fevereiro de 1917, a marcha não nos trouxe imagens que expressavam

a dureza da realidade social das pessoas. Não vimos os rostos das trabalhadoras, com mensagens de luta. Pelo contrário, vimos a imagem de heróis da cultura de massa, sejam eles dos quadrinhos, sejam elas da televisão ou cinema. Ficou nítido que insatisfação das pessoas não consegue mais ser representada em objetos tradicionais, uma vez que a própria natureza da política enquanto espaço de legitimação é questionado no seio das relações sociais”, explicou Nátali. Para a psicóloga Karoline Mincarone a crise de representações na política está relacionada com um esgotamento das figuras tradicionais, mas também com um processo de elaboração de sentido por parte dos grupos

““Ao levantar um cartaz com foto da princesa Leia, podemos dizer que, de certa forma, essa imagem representam os valores morais daquele grupo. No caso da Leia, ela encarna a posição de resistência política daquelas pessoas a algo que que é autoritário”” envolvidos. “Talvez ao utilizar essas imagens, as pessoas estejam reproduzindo algo que acreditam ser de maior abrangência do que seria para os fãs. Ao levantar um cartaz com foto da princesa Leia, podemos dizer que, de certa forma, essa imagem representam os valores morais daquele grupo. No caso da Leia, ela encarna a posição de resistência política daquelas pessoas a algo que que é autoritário”, ressaltou. A constelação de heroínas ampliou o sentido das palavras de ordem gritadas durante a marcha e proclamada tanto pelos organizadores como pelas milhares de participantes. Esse caldo político-semânticou mostrou, não somente o vasto leque de preocupações que gerou nessa grande metade do país que não votou em Trump, mas deixou claro o grau de

descontentamento dessas pessoas. Contra as ameaças aos direitos civis nos Estados Unidos, eles escolheram símbolos de resistência e luta que foram imortalizados sua cultura. Aqui vale uns parênteses. No universo ficcional de saga Star Wars, existe a Aliança para Restauração da República ou Aliança Rebelde um grupo de resistência civil que planejava restabelecer a paz na Galáxia durante a era do temível Império Galáctico. Da Aliança surgiu a “Resistência” uma organização militar formada por soldados e pilotos que serviram na luta contra a Primeira Ordem nos anos subsequentes da Batalha de Endor. A Resistência, comandada pela General Leia Organa, serviu para impedir as atividades da Primeira Ordem, uma junta militar que carregou o legado do Império

Galáctico. Dito tudo isso, a apropriação das mulheres pela figura da princesa Leia serve como uma modelo capaz de transmitir o conjunto de crenças partilhado pelo grupo. É como disse Karoline “temos que ir além das imagem e nos perguntar o que imagem diz em todo contexto social”. E nesse caso, ela é um símbolo máximo de um grupo de mulheres que se vê como uma resistência civil a um império machista, sexista e preconceituoso que tomou de assalto a Casa Branca. As representações sociais, como comenta a psicóloga indicam processos sociais que incluem as impressões e expectativas de um grupo. No caso da Marcha, as mulheres mobilizaram-se em torno da restauração da paz e da harmonia, desejo representado pragmaticamente pelo respeito aos direitos civis. No fundo, a convergência entre os símbolos da cultura de massa, do mundo pop, com o tecido social da política foi a maneira pela qual as pessoas puderam expressar sua voz para além da violência instituída. A brutalidade das palavras de Trump, a escuridão que caiu sobre os Estados Unidos só poderia ser combinada se a resistência bradasse pela paz através de uma cultura, porque culturas não morrem. SEM ASPAS

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De pernas para o ar Isabela Domingues

Fernanda Messas

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“A vida é muito curta para fazer exercício sem diversão” essa é a frase que as sócias e instrutoras de pole dance Lyanne Melo e Kristiane Corrêa carregam como lema estampado na parede do estúdio. Para quem nunca ouviu falar, encontrar mulheres e homens pendurados em uma barra sustentando o peso do corpo muitas vezes só com as mãos pode parecer impossível. Kristiane garante que não é, a instrutora de cachinhos ruivos se movimenta graciosamente em volta da barra e prova para as alunas novas que mesmo quem nunca tentou consegue se prender pelo menos um pouquinho. O pole dance como conhecemos hoje no ocidente surgiu durante os anos 20, no ápice da Grande Depressão Americana, durante feiras de shows viajantes. As Tour Fairy Shows levavam à várias cidades atrações de circo e espetáculos paralelos, entre eles, apresentações eróticas de dançarinas Hoochi Coochi em pequenos palcos ao redor de postes. Além disso, o pole dance também tem influências da prática Mallakhamb, uma tradição indiana do século XII, em que se praticam exercícios de força em um poste de madeira e com cordas. A maioria dos nossos movimentos é

Lyanne Melo conheceu pole dance aos 16 anos pela internet, ela ganhou sua primeira barra do pai e desde então transformou sua paixão em profissão. Fernanda Messas

derivado desse esporte que funciona como uma yoga vertical. A partir dos anos 2000 houve uma popularização da prática, de modo que permitiu não apenas maior acesso da população, como também desenvolvimento de um novo gênero: o pole dance fitness, uma modalidade que não visa a performance e sim a técnica, aumentando a resistência física, equilíbrio e coordenação motora diferente do pole dance sensual que com-

bina a força com a dança. A professora de educação física, Keli da Cruz, afirma que o exercício ativa vários músculos do corpo, gerando definição muscular, melhora na postura, maior controle e equilíbrio do corpo. “É um esporte desafiador, motivador e dinâmico. Diferente da academia em que os movimentos são sempre repetitivos e muitas vezes entediantes, o pole proporciona a oportunidade de movimentar os músSEM ASPAS

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““Quando nos deparamos com algo que parece impossível, mas descobrimos que com paciência e treino conseguimos fazer, é uma satisfação enorme. Nos tornamos mais confiantes em todos os aspectos da vida.”” Fernanda Messas

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culos de maneira diferente e divertida”. Para quem chega buscando uma novo jeito de entrar em forma, o exercício se prova um perfeito aliado da auto-estima. De acordo com a psicóloga e praticante, Nayara Farias, conseguir realizar os movimentos difíceis por si só já é um grande passo para o amor próprio. “Quando nos deparamos com algo que parece impossível, mas descobrimos que com paciência e treino conseguimos fazer, é uma satisfação enorme. Nos tornamos mais confiantes em todos os aspectos da vida.As mudanças no corpo que aparecem com o tempo são só um adicional, porque aprendemos a nos amar pelo que descobrimos que somos capazes de fazer”, explica Nayara. A instrutora Lyanne Melo conta que é comum encontrar mulheres que tem vontade de praticar mas tem vergonha do corpo. “Isso é uma das coisas que tornam o pole dance tão especial. Dentro desse ambiente a mulher percebe que existem corpos diferentes e que aqui ninguém vai julgar ela por não se encaixar em um padrão social. Seja com o pole fitness ou com o sensual, ela ganha confiança e aprende a se amar como é”. A dança praticada na barra vertical ganhou espaço,

durante a década de 50, em bares noturnos e casas de burlesque, posteriormente sendo incorporado a casas de strip-tease o que gerou um forte preconceito no esporte, associando à vulgaridade. Kristiane explica que essa origem faz com que as pessoas associem diretamente ao erotismo. “O pole dance foi disseminado e conhecido desse jeito sensual e erótico, depois ele foi ganhanhando espaço como esporte. Por isso nós trabalhamos pesado para que ele seja visto dessa forma.” Ela conta que isso impede que muita gente pratique devido ao próprio preconceito, ou preconceito do parceiro. “Nós vemos muitos namorados ou maridos não deixando as mulheres fazerem aula por conta disso, o que nos entristece muito.” Lyanne Melo é umas das pioneiras da prática no estado. Autodidata, ela conheceu o pole dance pela internet há 10 anos atrás, quando era pouco conhecido e cercado de preconceito. Ela conta que a mudança de mais ou menos uns 5 anos pra cá foi drástica. “Quando eu comecei muitas pessoas me diziam que eu não precisava disso pra ganhar a vida, se referindo à prostituição. Hoje ainda existem casos como esse, mas em menor proporção. Nós temos

Arquivo Pessoal/ Kristiane Corrêa

Kristiane Corrêa conheceu a prática quando morava em São Paulo. Voltando para Campo Grande abriu seu próprio estúdio junto com Lyanne.

lutado muito para provar que podemos ser sensuais, mas isso não precisa ser diretamente associado à um tipo de promiscuidade. Hoje já fui convidada para participar de dois campeonatos mundiais, isso prova não só a seriedade do pole dance, mas seu caráter esportivo.”

As sócias também foram convidadas para promover a Primeira Mostra de Pole Dance do Centro-Oeste durante a Expositness que aconteceu no ano passado em Campo Grande. Para elas, essas conquistas provam que a prática ainda tem muito para alcançar. SEM ASPAS

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série

estilo de vida: zumbi

Isabela Domingues

Divulgação/Netflix

A vida de uma família margarina de classe média-alta muda drasticamente quando a mãe... bem, morre. E volta a viver. Na nova comédia da Netflix somos convidados a conhecer os zumbis de uma forma que não estamos habituados em típicos seriados norte-americanos. A série criada e produzida por Victor Fresco, conhecido 26

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subúrbio, com seus problemas habituais no trabalho e na escola. Uma vida boa, conformada e sem grandes emoções. Até que sem grandes explicações Joel (Timothy Olyphant precisa aprender a reconfigurar sua vida para atender ao novo estilo de vida da esposa. Enquanto procura a cura, o casal precisa saciar a fome de Sheila sem

por Better Off Ted e roteirista de My Name is Earl, traz uma mistura entre ficção científica e comédia. Trazendo Drew Berrymore como a protagonista Sheila aprendemos que estar vivo não ter o coração batendo, mas aproveitar a vida enquanto podemos. No começo, a família Hammond vive a rotina normal do

levantar suspeitas na vizinhança e manter a pose de pais exemplares para Abby (Liv Hewson). Sheila e sua transformação representam a grande sacada da série: antes, quando viva, ela era a representação da família perfeita, mas totalmente artificial e sem graça. Depois, quando já transformada ela volta aos seus instintos básicos, satisfazendo seus desejos no impulso. Sem medo de apostar em cenas grotescas e nojentas, o espectador não é poupado de vômito, sangue, tripas e canibalismo. Logo no primeiro episódio a série mostra que não veio para agradar a todos e espanta os que tem o estômago mais fraco. O elemento cômico funciona muito bem ao trazer o absurdo para o cotidiano. A dinâmica entre Drew e Timothy ajuda na construção de personagens leves e espontâneos. Entre um diálogo e outro torna-se impossível não se identificar com eles de alguma forma ou sentir o mínimo de empatia. Entre as idas ao trabalho e reunião de pais na escola, o roteiro contrapõe o controle da impulsividade e a necessidade de ceder às exaltações. Mesmo Sheila sendo a representação do que é social e moralmente diferente e

errado, acabamos descobrindo que todos estão sujeitos à situações de impasse, dúvidas e até atitudes questionáveis. Sem nunca firmar uma linha entre heróis e bandidos, bons e malvados, a série se desenrola trazendo à tona questionamentos sobre a vida, a morte, a superficialidade e principalmente, a o sentimento de que faríamos qualquer coisa pela pessoa que amamos. Mesmo se isso quiser dizer raspar os pêlos

do corpo da sua próxima refeição. Por fim, Santa Clarita Diet se perde um pouco nos momentos finais da temporada, mesmo com algumas piadas ainda funcionando, o roteiro parece se preocupar mais em dar uma continuidade séria e cheia de absurdos para a história o que acaba deixando cansativo e repetitivo para quem assiste. Mas que no final vale a pena para quem quer sempre se surpreender.

Divulgação/Netflix

Drew Barrymore é espontânea, energética e quase nos mata de nojo ao devorar suas vítimas na nova comédia do Netflix.

SEM ASPAS

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tv

todos somos irmãos do jorel Isabela Domingues O desenho animado brasileiro virou febre entre as crianças e adolescentes conta a história do irmão do Jorel, o filho caçula de uma família nos anos 80

Quem nunca sentiu que a sua família é a mais maluca que você conhece? Ou que a

Jorel é lindo, seu cabelo é sedoso e brilha, ele é admirado por todos. Mas isso não impede seu irmão de viver algumas aventuras enquanto busca ser reconhecido pelo seu próprio nome.

sua avó é a mais carinhosa e a que mais te enche de comida? Ou mesmo foi ofuscado por seu irmão mais velho? Fugindo do modelo americano de desenhos animados, em Irmão do Jorel é difícil não se identificar em algum momento com o pequeno

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protagonista de 9 anos.

dem parecer exageradas e

a ser escrita muito antes de

protagonista. Sendo a pri-

Em um contexto que pa-

fora da realidade, de alguma

ser apresentada para o canal

meira produção original do

rece bem comum aqui no

forma sempre acabam muito

Cartoon Network no Brasil.

Cartoon Network na Améri-

Brasil, ele cresce em uma

próximas de algo que acon-

Entre colocar aparelho

ca Latina, logo em sua estreia

casa cercada de gente, com

tece com a gente. Essa é a

nos dentes, tentar chamar a

conquistou o público infantil

uma grande família e cheia

mágica do desenho.

atenção da menina que ele

e não demorou muito para

de animais. O irmão do Jo-

Juliano Enrico, criador da

é apaixonado e querer ficar

ser o queridinho de adoles-

rel vive com seu pai que faz

série, se baseou em fatos da

acordado até tarde para as-

centes e adultos.

parte da resistência contra

sua infância, de conhecidos

sistir filmes, entendemos o

A história se passa na dé-

a ditadura, sua mãe fitness,

e de amigos. Compartilhan-

que Enrico quer dizer com

cada de 1980 e conta sobre

com o incrível e centro das

do fotos antigas de sua famí-

“ a ideia é que todo mundo

a vida de um tímido menino

atenções Jorel, com seu ir-

lia na internet, ele descobriu

possa ser o Irmão do Jorel.

que vive à sombra do irmão

mão roqueiro Nico, com sua

que muitas pessoas tinham

Pode ser Pedro, pode ser

mais velho, Jorel. Por isso até

rabugenta vó Gigi e com sua

registros e histórias pareci-

Carlos, pode ser José… Ber-

o momento ninguém sabe o

adorável vó Juju.

das. Isso foi o pontapé inicial

nardinho, Átila, Jojoca… So-

para a história que começou

mos todos Irmãos do Jorel.”

nome verdadeiro do nosso SEM ASPAS

Suas aventuras que po-

SEM ASPAS

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ma

cinema

Isabela Domingues

a representação

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da luta de classe em hollywood SEM ASPAS Divulgação/ WARNER BROS

Este é o ano em que se completa o centenário da Revolução Russa. Um fato histórico que não pode ser deixado de lado. O tema é, com certeza, um daqueles assuntos que não poupa polêmica. E vale qualquer tipo de esforço coletivo para analisa-lo. Até hoje a revolução bolchevique divide opiniões. Há historiadores que a consideram como o evento político mais importante do século XX. Já os detratores de plantão, que não são poucos por sinal, consideram a revolução como um início de uma era de retrocesso onde os movimentos de esquerda implodiram pelo mundo experiências sociais violentas. Longe de debater sobre essas opiniões, o mérito dessa análise é mais simples. O centenário da Revolução Russa é citado como marco para outras questões. Depois de um século como cinema se apropria e traduz da luta de classe? Isso mesmo, já imaginou que o cinema tem algo a dizer sobre a revolução do proletariado? Por isso pouco importa são os dois lados da moeda na revolução russa. A ideia aqui é mostrar que o fenômeno pode ser entendido de uma maneira peculiar, a partir de um pequeno exercício cinematográfico. Pen-

se nos filmes de Hitchcock, por exemplo. Muitas vezes eles começam de um detalhe, como uma chave ou um copo de leite, depois o enquadramento, plano por plano, se amplia, e o espectador pode ver a situação por inteiro. Pois bem, a meu ver, o legado da revolução representa esse detalhe, esse copo de leite. Assim, chegou a hora de girar a câmera e olhá-lo de outro ângulo para vermos a cena inteira. Ou quase isso. Mas por qual cinema devemos começar? Eu diria como um bom cinéfilo que o melhor caminho seria pelo blockbusters de Hollywood. Eles são indicadores precisos da situação ideológica da nossa sociedade. Por trás do entretenimento, esses filmes constroem um ponto de vista bem interessante sobre os mais variados assuntos, incluindo, a luta de Classe. O Filme Matríx, de 1999, dirigido e roteirizado pelas irmãs Wachowski, é o primeiro grande exemplo. Para quem não se recorda, a história do filme é a seguinte: em um futuro próximo, Thomas Anderson, interpretado por Keanu Reeves, é um jovem programador de computador, atormentado por estranhos pesadelos nos quais encontra-se conectado por cabos e contra

sua vontade, em um imenso sistema de computadores do futuro. À medida que o sonho se repete, Anderson começa a ter dúvidas sobre a realidade. Motivado a descobrir a origem desse sonho ele sai em busca da verdade, até que se depara com duas figuras misteriosas, Morpheus (Laurence Fishburne) e Trinity (Carrie-Anne Moss). O encontro com eles revela uma verdade aterradora. O mundo real é, na verdade, uma simulação, uma espécie de cárcere, onde todas as pessoas são vítimas do Matrix, um sistema inteligente e artificial que manipula a mente das pessoas, criando a ilusão de uma realidade vívida enquanto usa os cérebros e corpos dos indivíduos para produzir energia. Anderson, então, é convidado por Morpheus a lutar pela liberdade da humanidade contra as máquinas. O enredo de Matrix abre a discussão da natureza do fetichismo que permeia a sociedade tecnológica do capital. Em última instância, a rebelião das Máquinas é a antecipação ficcional da dominação do Capital como sistema de controle sócio-metabólico, como diria Mészáros. Isso acaba colocando a luta de classes como uma das questões centrais da ficção-científica, SEM ASPAS

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que transformaram os humanos em fonte de energia. O segundo plano é o mundo simulado pela Matrix, um cenário urbano, com uma vida cotidiana típica, imersa nas atividades mais banais: trabalho e diversão. Essas duas realidades se chocam constantemente no decorrer do filme. A contraposição delas cria o plano motivacional que envolve a luta individual do protagonista. Vale ressaltar que o misticismo em torno da figura de Anderson, como o messias que irá salvar a humanidade, empurra a luta de classe para o fundo da narrativa. Ela acaba se tornando apenas um mero efeito da criação da Inteligência

“O que é Matrix? Controle. A Matrix é um mundo de sonhos gerado por computador... feito para nos controlar...” [Trecho da revelação feita por Morpheus a Neo]

Artificial que controla tudo. Já em Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros a luta de classe não sai do plano central de história. Em contraste com Matrix, o filme mostra como o processo revolucionário se realiza mediante a mobilização dos excluídos e oprimidos. O enredo do longa-metragem, além de revelador, é muito divertido. Lincoln vê sua mãe sendo assassinada por um vampiro. Inconformado com o fato, ele declara uma guerra sem piedade contra os seres das trevas e começa a destruir todos os vampiros e os escravos que os ajudam. Para parar Lincoln, o líder dos vampiros firma um pacto com Jefferson Davis, co-

mandante do exército confederado; os vampiros vão ajudar na luta contra o norte e em troca escravos. Ao descobrir a trama, Lincoln usa a reserva de prata dos Estados Unidos para fabricar balas de prata. Por mais ridículo que pareça a guerra é travada entre vampiros e negros. Nesse palco cômico, o risível se torna a fenda por onde o discurso ideológico assume suas pretensões reais. Portanto, a diferença de classe aparece sob o disfarce das figuras de horror: vampiros e zumbis. De acordo com o filme os vampiros são seres elegantes, aristocráticos educados que vivem entre as pessoas normais. Já os zumbis seriam

DIvulgação/ Fox FIlmes

Divulgação/ WARNER BROS

pois o confronto entre humanos e Máquinas se configura, justamente, no momento em que os humanos adquirem o que poderíamos chamar de consciência de classe, ou seja, a partir de uma compreensão acerca da condição inadequada dos sujeitos que precipita a ação política. A partir da 32

SEM ASPAS

formação da consciência de classe, um grupo consegue produzir seu reconhecimento enquanto agente social dotado de interesses coletivos que deverão ser defendidos. E o interesse coletivo dos humanos é libertar a humanidade da exploração massiva das máquinas. Ao longo narrativa do fil-

me dá para notar que o confronto de classes é o aspecto estrutural que organiza a complexa teia de ação da história. Em Matrix, a ação se divide em dois planos espaço-temporais. O primeiro é caracterizado pelo “deserto do Real”, o mundo físico, ou se preferirem a Terra após a vitória das Máquinas, SEM ASPAS

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rudes, sujos e incultos, os negros que atacam por serem brutos. Em Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros o lugar social dessas figuras na sociedade norte-americana, em pleno período de recessão, indica que o conflito estrutural da luta de classe se dá pela posição dos sujeitos na sociedade. De lado temos os “nobres”, cujo apetite vampiresco suga a vitalidade dos trabalhadores; enquanto do outro, existem as almas bestiais dos que vivem unicamente da força física. Essa oposição é tão estrutural que chega a ser cômica como nos coloca o filme. Para Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros a luta de classe nada tem a ver com a formação de uma condição sócio-histórica de dominação, ela, na verdade, representa o confronto entre posições socais distintas. Engraçado, né? É uma luta interna entre ricos e pobres. Fechando nossa jornada por Hollywood e seu entendimento sobre a luta de classe, vamos para o filme mais emblemático de todos: Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge. No último filme da trilogia Cavaleiro das Trevas, nosso herói morcego enfrenta Bane, líder terrorista e antigo membro da Liga das Sombras. O ponto alto do filme é quando ocorre a tomada de poder por parte 34

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do vlião. Bane toma o poder a partir de uma ofensiva político-ideológica que coloca Gotham em plena Ditadura do proletariado. Vemos os revolucionários, liderados por Bane, tomando a cidade que havia sucumbido a corrupção. O ponto mais interessante enquanto vemos as imagens das casas sendo desapropriada, a formação de juris populares, numa

versão “jivaguiana” pitoresca, os agentes da revolução são nos apresentados como criaturas brutais, sem nenhum respeito pela vida humana. Apesar da retórica emancipatória sobre a libertação, eles têm projetos sinistros por trás. Portanto, quaisquer que sejam as razões, elas precisam ser eliminadas. Gotham precisa do Batman. Só ele pode acabar com um projeto pervertido

de libertação. Em termos gerais, a representação da revolução popular no filme do Batman não deixa espaço para ilusões ingênuas. A luta política que foi desencadeada por Bane, o vilão e o representante organizado dos oprimidos, não gerará nenhuma mudança social. Ela é apenas a expressão anárquica de uma desordem que precisa ser eliminada. Não existe salvação. Pior

que o capitalismo seria a sua ausência, a total anarquia, a liberação da violência irrestrita que a sociedade capitalista freia em sua existência. Então, o que concluimos sobre o cinema norte-americano? Em primeiro lugar, que a ideologia dominante é um elemento muito vivo nas histórias. Em segundo lugar, Hollywood não gosta dessa coisa de revolução, classes e fim do capitalismo.

Pelo contrário, esses assuntos são tratados de forma jocosa, como em Abraham Lincoln: Caçador de Vampiros, ou como pura violência, como no Batman. Para Hollywood, a revolução tem um lugar certo nas telonas: ela serve para espalhar o terror e amargura àqueles que pensam que existe algo além do capitalismo. Vamos ter que fazer nossos próprios filmes este ano! SEM ASPAS

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cinema para discutir cinema

Isabela Domingues

Amigos cinéfilos criam cineclube em Campo Grande que mensalmente grandes diretores e obras do século XX para discutir cinema “O cinema é uma janela para o mundo”. É assim que o jornalista João Carlos Costa, um dos fundadores do CineCafé, descreve a sétima arte. Apaixonado por filmes desde a infância, ele explica que a partir deles é possível conhecer hábitos, gestos e lugares

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SEM ASPAS

de várias épocas, despertando novos olhares e pensamentos em quem assiste. Formado por amigos cinéfilos, o cineclube tem como objetivo usar cinema para discutir cinema. As exibições mensais no Museu da Imagem e do Som (MIS) são sempre

acompanhadas de discussão e uma boa xícara de café. “Muitos cineclubes de Campo Grande usam dos filmes para debater algum tema. Nós queremos falar sobre cinema, como o diretor utilizou de uma técnica para expressar a intenção dele. As

inovações, os posicionamentos de câmera, como os sentimentos são representados. Por isso após cada exibição há um debate sobre o que acabamos de assistir”, explica João Carlos. A partir dessa ideia, ele explica que a inteção é abrir a discussão para pessoas que tenham interesse em falar sobre cinema, mesmo que não sejam especialistas ou estudiosos. Passando por nomes como Pedro Almodóvar. Jean-Luc Godard, Martin Scorsese e Ingmar Bergman, as exibições que começaram em agosto de 2016 tem alcançado seu objetivo. De estudantes de colégios à estudiosos da área, o público cativo produz debates de igual para igual. De acordo com a estudante de arquitetura Déborah Carneiro, uma das fundadoras do cineclube, essa troca de conhecimentos e pensamentos diferentes é o que deixa tudo mais interessante. “Ouvir o que o outro tem a dizer pode despertar um novo entendimento sobre o filme. Às vezes passamos filmes que eu já vi várias vezes, mas um comentário muda totalmente minha visão sobre uma cena. Isso que é o bacana.” Além da programação fixa no MIS, o grupo também tem a vontade de tomar vários espaços da cidade. Segundo

Déborah, em paralelo com a agenda programada, eles estudam a possibilidade de realizar mostras com filmes que fujam da temática. “Em fevereiro nós estivemos no Drama Bar com o filme Demônio Neon de Nicolas Winding Refn e foi uma experiência com boa recepção do

público. Nós também estudamos a possibilidade de fazer na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) uma mostra de filmes sobre política.” Para quem deseja acompanhar a programação basta seguir a página do CineCafé no Facebook.

Arquivo Pessoal

Isabela Domingues

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crítica Assassin’s Creed (2017) País: EUA Classificação: 12 anos Estreia: 12 de Janeiro de 2017 Duração: 1h55 min. Direção: Justin Kurzel Roteiro: Adam Cooper , Bill Collage , Michael Lesslie Elenco: Michael Fassbender , Marion Cotillard , Ariane Labed, Michael Kenneth Williams , Brendan Gleeson

sem vencedores João Carlos da Costa Raro é o filme que, mesmo horas depois do seu final, torna difícil dizer com certeza quem é o herói e quem é o vilão. Quero dizer, eu acho que Callum Lynch (Michael Fassbender) é o cara bom em Assassin’s Creed. Ele tira a camisa e carrega uma aljava cheia de flechas sobre o ombro. Isso faria Alan Rikken (Jeremy Irons) o grande vilão do filme; naquele traje de colarinho preto, por trás não apenas de uma atuação sóbria, de poucas palavras – sobretudo quando acompanha os experimentos médicos. Mas as ações desses dois homens 38

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não tornam as coisas tão claras. Alan e sua filha, a cientista Sophia (Marion Cotillard), se dedicam a criar “um mundo sem violência”. Um mundo sem violência seria fantástico. Fassbender, entretanto, encarna dois personagens (Callum Lynch e seu ancestral assassino) que andam por aí apunhalando pessoas. Algo não muito legal, não? No entanto, ele nos comove com um ar sonhador. É um personagem cativante que deixa tudo muito complexo. No meio do filme, eu parei de tentar entender, e em vez

disso aplaudi os cenários deslumbrantes da Espanha do século 15, em plena inquisição, e dos laboratórios modernos, por onde se passa a história no tempo atual. Realmente não abro mão em dizer: é quase impossível seguir o enredo desta bagunça incoerente de imagens bonitas para quem pouco conhece sobre o jogo, mas a essência geral é algo como: Callum é o descendente direto de um grupo de guerreiros encobertos (os Assassinos), sempre em conflito com os Templários, que tentou durante séculos fazer com que

a humanidade parasse de se machucar. Os esforços dos Templários poderiam ter êxito se apenas tivessem “a Maçã”, uma esfera de prata que, por razões nunca explicadas, agirá como uma panacéia para os males da sociedade. OK. Legal. Então, onde está esse artefato tão significativo? Só os Assassinos sabem, porque a roubaram durante a Idade de Ouro da Espanha. Os Templários de hoje, entre eles Alan e Sophia, capturam descendentes dos Assassinos, esperando obter a informação deles. Sophia criou algo chamado Animus, que, quando conectado na parte inferior das costas de Callum, envia-lhe “através de seu DNA” para observar o passado. É como 12 macacos, mas com muito mais parkour. As viagens de Callum ao passado começam a afetá-lo fisicamente e talvez mentalmente. O ato final do filme, a única parte com qualquer pop real, envolve algum tipo de rebelião. O laboratório atual, que mistura tijolos antigos com vidro frio moderno, como se fosse o Hospital Bellevue redesenhado ou algo assim, se transforma em uma zona de batalha entre os capangas e os descendentes de assassinos. A súbita corrida à violência é bastante desmotivada. Talvez todos eles só querem

Divulgação/FOX Filmes

algo, qualquer coisa, para finalmente o fim da história chegar. É muito necessário, como todas as seqüências de ação definidas no passado não se ligam a história vivida no tempo presente - elas estão desconectadas de qualquer arco narrativo e cheios de personagens sem nome e aleatórios. Se Fassbender fosse Bruce Lee ou Zoe Bell, e Justin Kurzel fossem George Miller, talvez essas cenas mantivessem nosso interesse como ação em ação. Mas não é o que acontece no filme. Kurzel não é um diretor de primeira viagem. Em seu último filme, ele adaptou

Macbeth para cinema, uma versão que encantou o Festival de Cinema de Cannes. Contudo Assassin’s Creed é baseado em um vídeo game que, apesar de ter uma história muito interessante, não sei se estava preparado para receber uma versão cinematográfica sob o filtro do cinema de arte. Acho que Kurzel acabou “trollando” o público do game com esse projeto. O resultado de Assassin’s Creed acabou sendo inclusivo. É um filme onde não há vencedores. Ele é apenas a tentativa de pintar um quadro que não agrada quase ninguém. Valeu o esforço! SEM ASPAS

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