UNIVERSIDADE FEDERAL DE MATO GROSSO DO SUL CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL - HABILITAÇÃO EM JORNALISMO
LIVRO-REPORTAGEM SUBVERSIVOS A BORDO: A HISTÓRIA DO NAVIO-PRISÃO GUARAPUAVA EM CORUMBÁ (MS)
ALLINE RIBEIRO DE GOIS RICARDO MAIA DOS SANTOS
Campo Grande 2015 / 2
Subversivos a bordo: a história do navio-prisão Guarapuava em Corumbá (MS)
ALLINE RIBEIRO DE GOIS RICARDO MAIA DOS SANTOS
Relatório apresentado como requisito parcial para aprovação na disciplina Projetos Experimentais do Curso de Comunicação Social / Jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Orientador: Prof. Dr. Marcos Paulo da Silva
UFMS Campo Grande 2015/2
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SUMÁRIO
Resumo ......................................................................................... p. 06 1 - Alterações no plano de trabalho .............................................. p. 07 2 - Atividades desenvolvidas ........................................................ p. 09 3 - Suportes teóricos adotados .................................................... p. 18 4 - Objetivos alcançados ............................................................. p. 37 5 - Dificuldades encontradas ....................................................... p. 37 6 - Despesas (orçamento) ........................................................... p. 38 7 - Conclusões ............................................................................ p. 40 8 - Apêndices .............................................................................. p. 41 9 - Anexos ................................................................................... p. 150
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RESUMO O livro-reportagem “Subversivos a bordo: a história do navio-prisão Guarapuava em Corumbá (MS)” relata histórias de personagens que testemunharam e tiveram de alguma forma suas vidas influenciadas pelo golpe civil-militar de 1964 na cidade pantaneira. O trabalho busca reconstruir uma parte da história, contada por meio de jornais e arquivos oficiais, além de diversas entrevistas, sobre os reflexos da ditadura militar em Corumbá – na época munícipio do Estado de Mato Grosso. As atividades presentes neste relatório são baseadas em um planejamento prévio, levando-se em consideração as dificuldades encontradas para a captação das informações sobre um dos períodos mais delicados da história recente do país. O trabalho procura também relatar os métodos teórico-conceituais adotados para a realização da pesquisa e, posteriormente, para a construção da narrativa inspirada nas técnicas do jornalismo literário.
PALAVRAS-CHAVE: Comunicação; Jornalismo; Livro-reportagem; Golpe civil-militar; navio-prisão Guarapuava; Corumbá; Mato Grosso do Sul.
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1. ALTERAÇÕES DO PLANO DE TRABALHO Com base no pré-projeto previamente apresentado, a metodologia do trabalho baseou-se nas seguintes etapas: pesquisa bibliográfica, trabalho de campo e construção da narrativa jornalística propriamente dita. Não houve nenhuma alteração significativa na estrutura com base na proposta inicial. Do ponto de vista da pesquisa exploratória, recorreu-se a referências bibliográficas sobre o período da ditadura militar, leituras que foram fundamentais para o contato com o universo que se buscou reconstruir. Para tais referências, o uso de livros, artigos, documentários, teses, revistas e jornais ajudaram a contextualizar o período histórico e apresentar os principais acontecimentos que mergulharam o país na repressão militar e no cerceamento de liberdade de expressão. Os periódicos, em especial, contribuíram para identificar os desdobramentos do golpe militar de 1964 em uma cidade do interior do Brasil, distante dos grandes centros urbanos, mas que por se localizar em uma região de fronteira possui grande influência das instâncias militares constituídas. O trabalho de campo foi preponderante para a realização do projeto, pois permitiu a imersão no ambiente social da região, marcado por uma forte influência militar e onde, por se tratar de um município relativamente pequeno, o convívio social mostra-se intenso e estreito. As entrevistas contribuíram para a construção da narrativa utilizada no livro-reportagem, mas trouxeram muitas dúvidas a respeito da cronologia dos acontecimentos, a exemplo da data exata em que ocorreram as prisões e quando o navio Guarapuava começou a funcionar como cárcere para os presos políticos.
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escassez de documentos oficiais e a proximidade histórica dos acontecimentos (que resultou, em diferentes momentos, em resistência das fontes para relatar os fatos ocorridos) dificultaram a pesquisa. Decidiu-se, portanto, por meio de várias entrevistas, cruzamento de dados e checagem de informações com fontes de diferentes esferas, optar pela versão que mostrava-se mais incidente.
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Embora não significativas para o desenvolvimento do projeto, ocorreram algumas alterações no cronograma do trabalho devido às dificuldades de acesso às informações e à distância entre Campo Grande, sede da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), e Corumbá, local de realização da pesquisa de campo. O cronograma proposto foi o seguinte: MÊS/ETAPAS Out.2015 Nov.2015 Dez.2015 Jan.2016 Fev.2016 Mar.2016 Escolha do tema Levantamento bibliográfico Elaboração do anteprojeto Apresentação do projeto Coleta de dados Análise dos dados Organização do roteiro/partes Redação do trabalho Revisão e redação final Entrega do livroreportagem Defesa do livroreportagem Viagens
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2. ATIVIDADES DESENVOLVIDAS As atividades desenvolvidas estão em consonância com o plano de trabalho previamente apresentado.
2.1 Período Preparatório: O período preparatório envolve a pesquisa exploratória, que se estrutura em duas etapas: a pesquisa documental e a pesquisa bibliográfica. Primeiramente, foram pesquisados arquivos, tais como o jornal corumbaense Folha da Tarde, que possui um acervo no Instituto Luiz Albuquerque, localizado no próprio município. Foram pesquisados os periódicos do segundo semestre de 1963 e do primeiro semestre de 1964. Por se tratar de documentação histórica e das dificuldades de conservação do material, foram encontrados no instituto jornais arquivados referentes ao período de janeiro a julho de 1964. Recorreu-se também ao campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, em Corumbá, local que permitiu a pesquisa em um pequeno acervo do jornal local A Tribuna. Outros jornais, como O Comércio, foram cedidos pelo historiador Valmir Correa, uma das fontes entrevistadas.
Por meio de consulta ao
banco de dados do site Brasil Nunca Mais Digital (bnmdigital.mpf.mp.br) encontrou-se a pasta referente ao Estado de Mato Grosso, arquivo que continha os Inquéritos Policiais Militares (IPMs) instaurados na região no período pós-1964. Essa documentação contribui para a identificação dos cidadãos corumbaenses que foram indiciados pelas Forças Armadas. Também foi realizada uma pesquisa nos arquivos da Câmara Municipal de Corumbá, onde se obteve acesso às atas das sessões legislativas realizadas no período. Já a pesquisa exploratória de natureza bibliográfica (ver item 3.3, “Suportes teóricos adotados”) se estruturou em duas partes: uma pesquisa inicial sobre os temas Ditadura Militar e a história de Corumbá; bem como um levantamento bibliográfico sobre o formato “livro-reportagem” e sobre as técnicas do jornalismo literário.
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2.2 Execução:
O projeto de execução do livro-reportagem estruturou-se em dois pilares: o trabalho de campo e construção da narrativa propriamente dita. O trabalho de campo envolveu a realização de entrevistas e o desenvolvimento da observação participante. Para as entrevistas, foram identificadas inicialmente fontes primárias (personagens que ilustram a narrativa) e fontes secundárias (pesquisadores e técnicos habilitados a conceder explicações sobre os acontecimentos estudados). Após a identificação das fontes, foram realizadas abordagens em profundidade com base na técnica das entrevistas intensivas (MEDINA, 1986; LIMA, 2004). Sobre a discussão teórica a respeito das técnicas de entrevistas utilizadas, consultar o item 3.4 (“Suportes teóricos adotados”). Como fontes primárias identificaram-se os seguintes personagens:
Waldemar Dias da Rosa – suplente de vereador em 1964 e um dos presos políticos do navio Guarapuava;
José Apolônio Gomes da Silva – filho do militante comunista Guinemer Gomes da Silva (Juca) que ficou preso no navio Guarapuava;
Pedro Paulo de Araujo Lins – Vereador mais votado do município de Corumbá e que foi cassado após o golpe civil-militar;
Ênio Vila da Nóbrega – soldado da 2ºCompanhia de Fuzileiros do 17º Batalhão de caçadores, personagem que presenciou toda a movimentação no quartel após o golpe civil-militar;
Salomão Francisco Amaral – advogado que trabalhava no Ministério de Viação e Obras Públicas no Rio de Janeiro, onde foi preso e mandado para o navio Guarapuava, em Corumbá.
Carlos Grez – fotojornalista que fez relatos sobre o Major Luiz Calvente Aranda.
Yulssef Iunes – sobrinho do militante Ibrahim Ismael, do Partido Comunista Brasileiro, que fez relatos sobre o envolvimento do tio com
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outros militantes, bem como retratou o cenário da cidade após o golpe.
Renato Santos – um dos integrantes da Câmara Municipal de Corumbá no período e que esteve presente na elaboração do projeto que cassou os políticos corumbaenses.
Farid Iunes – estudante secundarista na época, pode relatar suas impressões após a tomada de poder pelos militares.
Francisco Ibanhez – funcionário do Serviço de Navegação da Bacia do Prata.
Giovanni Del Monte – engenheiro naval que reformou o navio Guairacá.
Moises Amaral – irmão de Salomão Amaral, fez relatos sobre sua experiência após o golpe militar.
Como fontes secundárias foram entrevistados:
Tenente Hugo Leonardo Machado de Araujo – responsável pelo navio Paraguassu na época da entrevista (2015). Disponibilizou os documentos guardados no arquivo do navio e relatou a trajetória da embarcação desde que foi adquirida pelo Comando do 6º Distrito Naval.
Ahmad Shabib Hany– historiador e professor da UFMS, relatou os episódios e a reação da sociedade corumbaense pós-golpe civilmilitar.
João Carvalho – historiógrafo.
Lairson Palermo – advogado e membro do Comitê Memória, Verdade e Justiça de MS. Disponibilizou documentos por ele pesquisados.
Valmir Correa – historiador e pesquisador. Concedeu acesso a uma investigação
em
curso
acerca
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tema.
Apontou
possíveis
entrevistados e explicou a estrutura social e política na qual a cidade estava inserida.
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Passou-se então ao processo de transcrição, tarefa que contribuiu para localizar algumas contradições nas entrevistas e diferenças nas datas mencionadas. Para equacionar essas questões, voltou-se aos entrevistados com vistas a esclarecer tais pontos. Outra etapa significativa do trabalho de campo consistiu na observação participante e na imersão realizada a partir de viagens realizadas a Corumbá. Durante as viagens, foram visitados o Comando do 6º Distrito Naval em Ladário (local no qual teve-se acesso ao navio Paraguassu – antigo Guarapuava), o 17º Batalhão de Fronteira, o Instituto Luiz Albuquerque, o Porto Geral de Corumbá, o campus da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e o aeroporto local. A segunda parte de execução do trabalho envolveu a construção da narrativa propriamente dita. Para tanto, com base na pesquisa exploratória documental e bibliográfica e no trabalho de campo (entrevistas e observação participante), deu-se a construção do enredo (estrutura da narrativa) a partir da técnica da construção cena a cena (LIMA, 2004). Sobre as opções conceituais para a construção da narrativa, ver o item 3.5 (“Suportes teóricos adotados”). Finalizada a redação e a revisão, partiu-se para o processo de planejamento gráfico e editoração. Para a editoração optou-se pelo formato 15x21 e utilizaram-se as seguintes fontes: Títulos: Patua One Numeração: Droid Sans Parágrafos: Lora Subtítulos: Letter Gothic
Optou-se também pela inserção das fotografias e dos documentos em fac simile sempre após a menção aos mesmos pela narrativa. Tal opção teve o objetivo de permitir ao leitor coadunar texto e imagem para melhor compreensão dos fatos.
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2.3 Revisão Bibliográfica: Tal como antecipado no item 2.1 (“Pesquisa exploratória”), a pesquisa bibliográfica estruturou-se em torno de dois principais aspectos: tema e formato. Sobre o tema, foram consultados livros que versavam sobre a Ditadura Militar. Foram estudados autores como Elio Gaspari (2002), Nelson Werneck Sodré (1984), Borges Filho (1994) e Dom Paulo Evaristo Arns (1985). As obras foram fichadas e os principais pontos constam no item 3.1 (“Suportes teóricos adotados”). Sobre o formato livro-reportagem, foram consultadas obras que conceituam o tema, bem como materiais sobre as técnicas do jornalismo literário. Para tanto, voltouse o olhar a autores como Edvaldo Pereira Lima (2004), Oswaldo Coimbra (2002), Felipe Pena (2006) e Eduardo Belo (2006). A discussão conceitual de a respeito do formato livro-reportagem pode ser consultada no item 3.2 (“Suportes teóricos adotados”) Além disso, foram estudadas técnicas de pesquisa da área da história, a exemplo das técnicas da história oral, bem como reflexões teóricas sobre o uso de jornais e de outros documentos como fontes históricas (ver itens 3.3 e 3.4, dos “Suportes teóricos adotados”). Finalmente, como forma de observação das técnicas adotadas para a construção de narrativas, foram consultados livros-reportagem que tratam de temas históricos. Destacam-se, nominalmente, Olga e Corações Sujos, de Fernando de Morais; O caso dos noves chineses: o escândalo internacional que transformou vítimas da ditadura militar brasileira em heróis de Mao Tsé-tung, de Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo; e A aventura de Miguél Littin, clandestino no Chile, de Gabriel Garcia Márquez. Uma breve discussão sobre as influências dessas obras na construção do livro-reportagem em questão pode ser conferida no item 3.5 (“Suportes teóricos adotados”).
2.3.1 Livros: ARNS, Dom Paulo Evaristo. Brasil: Nunca Mais, 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1985. ANDRADE, Auro Moura. Um Congresso contra o arbítrio: diários e memórias. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1985.
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BORGES FILHO, Nilson. Os militares no poder. São Paulo: Ed. Acadêmica, 1994. BELO, Eduardo. Livro-reportagem. São Paulo: Contexto,2006. COIMBRA, Oswaldo. O texto da reportagem impressa. São Paulo: Editora Ática, 2002. GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada: as ilusões armadas. São Paulo: Companhia das Letras, 2002. GUEDES, Ciça; MELO, Murilo Fiuza. O caso dos nove chineses: o escândalo internacional que transformou vítimas da ditadura militar brasileira em heróis de Mao Tsé-Tung. Rio de Janeiro: Objetiva, 2014. LIMA, Edvaldo Pereira. Páginas ampliadas: o livro-reportagem como extensão do jornalismo e da literatura. 2.ed. São Paulo: Manole, 2004. MEDINA, Cremilda Celeste de Araújo. Entrevista, o diálogo possível. 1. ed. São Paulo: Ática, 1986. MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. A aventura de Miguel Littín, clandestino no Chile: uma reportagem. 4º Edição. Rio de Janeiro: Record,2014. MORAIS, Fernando. Corações Sujos. São Paulo: Companhia das Letras, 2011. MORAIS, Fernando. Olga. São Paulo: Editora Alfa- Omega, 1985. PENA, Felipe. Jornalismo Literário. São Paulo: Contexto, 2006. PINSKY, Carla Bassanezi (Org.). Fontes históricas. São Paulo: Contexto, 2010. RODRIGUES, Mariana Duenha. Ditadura Militar no Estado de Mato Grosso do Sul e a censura em Campo Grande. Campo Grande, 2012. SOUZA, Sandra Regina Barbosa da Sillva. Os sete matizes do rosa ou o mundo contaminado pela radiação comunista: homens vermelhos e inocentes úteis. Salvador, 2009 SODRÉ, Nelson Werneck. Vida e morte da ditadura: vinte anos de autoritarismo no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 1984. ROUSSO, Henry. A memória não é mais o que era. In: AMADO, Janaína; FERREIRA, Marieta (Orgs.). Usos e abusos de história oral. Rio de Janeiro: FGV, 2002, p. 93-101.
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THOMPSON, Paul. A voz do Passado: Historia Oral. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992. 2.3.2 Redes, sites, e outros: ACERVO DA RÁDIO NACIONAL. Marechal Castelo Branco toma posse como presidente. Disponível em: <http://www.ebc.com.br/50-anos-do-golpe/galeria/audios/2014/03/marechal-castellobranco-toma-posse-como-presidente>. Acesso em: 12 dez 2015. AGUIAR, Maria do Carmo Pinto; KRENISK, GIslaina Carla. O jornal como fonte histórica: a representação e o imaginário sobre o vagabundo na imprensa brasileira. Anais do XXVI Simpósio de História, São Paulo, julho 2011. Disponível em: <http://www.snh2011.anpuh.org/resources/anais/14/1300663138_ARQUIVO_artigovaga bundos-1.pdf>. Acesso em: 08 dez 2015. ARQUIVO DA DITADURA MILITAR. A madrugada que a nação ficou acéfala. Disponível em: <http://arquivosdaditadura.com.br/documento/audio/madrugada-quenacao-ficou-acefala> . Acesso em: 12 dez 2015.
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Disponível
em:
<https://univesp.br/novidades/programa-1964-fala-sobre-o-
governo-de-castelo-branco-apos-o-golpe-militar>. Acesso em: 10 dez 2015.
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3- SUPORTES TEÓRICOS ADOTADOS A pesquisa voltada aos parâmetros teórico-conceituais que nortearam o livroreportagem “Subversivos a bordo: a história do navio-prisão Guarapuava em Corumbá (MS)” perpassou as diferentes etapas de construção de um produto jornalístico desta natureza, notadamente: a pesquisa exploratória, o trabalho de campo e a construção propriamente dita da narrativa. Em outros termos, buscou-se um embasamento teóricoconceitual para as diferentes opções adotadas. Os suportes teóricos, nesse sentido, transcorrem sobre questões históricas (a temática do livro), teórico-conceituais (as técnicas do jornalismo literário e o formato do livro-reportagem) e metodológicas (as técnicas da história oral e de entrevistas em profundidade, a utilização de fontes documentais e os processos de angulação e construção narrativa). 3.1 – Breve panorama sobre o Golpe Militar de 1964. Considerando que o foco do livro-reportagem recai sobre as semanas que precedem a tomada do poder pelos militares e os meses subsequentes ao golpe, a pesquisa bibliográfica a respeito do tema versou sobre os conturbados primeiros meses de 1964. Nesse sentido, um autor de destaque foi Elio Gaspari com a obra Ditadura Envergonhada: as ilusões armadas. Especificamente sobre o recorte empírico da pesquisa, isto é, o município sulmato-grossense de Corumbá, localizou-se pouca bibliografia sobre o tema. Um dos trabalhos encontrados foi a pesquisa experimental de conclusão de curso da historiadora Mariana Duenha Rodrigues (2012), que descreve o fato de a cidade pantaneira ter apresentado, na década de 1960, uma maior concentração de militantes esquerdistas em relação a outras regiões do país, o que teria levado ao episódio que ficou conhecido como “navio-prisão”. Cerca de 40 presos políticos, metalúrgicos, marinheiros, mineradores e vereadores permaneceram por mais de 30 dias na embarcação. O navio era responsável pela navegação no Rio Paraná e no Rio Paraguai, com sede na cidade de Corumbá. Para o historiador Carlos Fico, citado por Suzana Arakaki (2011, p. 1),
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A ditadura militar, de algum modo, continua assombrando, tanto são os ‘cadáveres insepultos’. Isso talvez decorra do fato de que o modelo brasileiro de retorno à democracia (talvez disséssemos melhor de ‘saída da ditadura’) se baseou em satisfações incompletas: a anistia dada aos torturadores [...] tudo decorrente por vezes celebrado topos da cultura brasileira, a conciabilidade.
Suzana Arakaki (2011, p. 1) pontua que muito se tem pesquisado sobre o regime militar nas diversas regiões brasileiras, Todavia, em Mato Grosso do Sul, muito ainda se tem a conhecer. Nos entraves para a produção do conhecimento, ainda se faz sentir a mão forte do Estado dificultando o acesso a arquivos oficiais e, consequentemente, impedindo pleno conhecimento do período ditatorial.
Para uma melhor compreensão do período histórico no qual se insere o objeto de pesquisa, considera-se relevante ressaltar alguns pontos sobre o governo militar instaurado em abril de 1964. Para isso, fez-se necessário várias leituras sobre o tema de modo a criar uma visão holística a respeito dos acontecimentos nacionais pós-golpe, e dessa forma, identificar e reconstruir narrativamente a repercussão ocorrida na cidade pantaneira localizada a 425 quilômetros de Campo Grande. De uma perspectiva econômica, um dos pilares nos quais os militares se sustentaram para justificar a tomada de poder foi a crise inflacionária: “A elevada inflação da época e a instabilidade do quadro político favoreciam a pregação da direita, junto às classes médias, em favor de mudanças que trouxessem um governo forte. A inflação pulava de 30%, em 1960, para 74%, em 1963” (BRASIL NUNCA MAIS,1985). De acordo com Elio Gaspari (2002, p.48):
A inflação fora de 50% de 1962 para 75% no ano seguinte. Os primeiros meses de 1964 projetavam uma taxa anual de 140%, a maior do século. Pela primeira vez desde o fim da Segunda Guerra a economia registrara uma contração na renda per capita dos brasileiros.
Com a economia debilitada e o medo do chamado “perigo vermelho” difundido pelas propagandas anticomunistas, uma parcela representativa da classe média e de setores importantes dos trabalhadores rurais e urbanos passaram a apoiar
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a tomada do poder pelos militares. Segundo Celso Castro (2014), o golpe militar foi saudado por importantes setores da sociedade e por grande parte do:
Empresariado, da imprensa, dos proprietários rurais, da Igreja Católica, vários governadores de Estados importantes (como Carlos Lacerda, da Guanabara, Magalhães Pinto, de Minas Gerais, e Ademar de Barros, de São Paulo) e amplos setores de classe média pediram e estimularam a intervenção militar, como modo de pôr fim à ameaça de esquerdização do governo e de se controlar a crise econômica. O golpe também foi recebido com alívio pelo governo norte-americano, satisfeito de ver que o Brasil não seguia o mesmo caminho que Cuba. Os Estados Unidos acompanharam de perto a conspiração e o desenrolar dos acontecimentos, principalmente através de seu embaixador no Brasil, Lincoln Gordon, e do adido Militar, Vernon Walters, e haviam decidido, através da secreta “Operação Brother Sam”, dar apoio logístico aos militares golpistas, caso estes enfrentassem uma longa resistência por parte de forças leais a Jango.
Assim, com o aval de parte significativa da sociedade brasileira e o apoio do governo norte-americano, em 1º de Abril de 1964 os militares depuseram o presidente João Goulart. O líder do Senado, Auro Moura Andrade, visando conceder uma aparência de legalidade e de constitucionalidade ao golpe, empossou no dia 2 de abril de 1964, às 2h40, o deputado Ranieri Mazzili como presidente da República. Somente no dia 11 de abril de 1964, em Brasília, convocou-se eleições presidenciais indiretas. De acordo com Elio Gaspari (2002):
[...] depois de um conciliábulo de governadores e generai destinados a evitar a coroação de Costa e Silva, o general Humberto de Alencar Castello Branco foi eleito presidente da República pelo Congresso Nacional, como mandava a Constituição. Prometeu entregar, ao iniciarse o ano de 1966, ao meu sucessor, legitimamente eleito pelo povo em eleições livres, uma nação coesa. Em 1967 entregou uma nação dividida a um sucessor eleito por 295 pessoas. (GASPARI,2002, p.125).
Após a deposição do presidente Jango, totalizou pouco mais de cinco mil pessoas presas, segundo dados da embaixada norte-americana. Geravam-se no núcleo da máquina repressiva métodos eficientes de limpeza contra o comunismo, entre eles o Ato Institucional número 1, elaborado por Francisco Campos – conhecido como Chico
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Ciência – e por Carlos Medeiros Silva, que desde o dia 5 de abril de 1964 apontara um Ato Constitucional Provisório que previa uma fornada de cassações de mandatos e suspenções de direitos políticos pelo prazo máximo de cinco anos.
Ligeiramente
modificado do Ato Institucional Provisório de Medeiros, o AI -1 possuía onze artigos que expandia os poderes do Executivo, limitava os do Congresso e do Judiciário, e dava ao presidente sessenta dias de poder, como também seis meses para demitir funcionários públicos civis e militares (GASPARI, 2002, p.124). O saldo dos primeiros anos de perseguição aos cidadãos considerados “subversivos”, segundo levantamento realizado pelo Projeto Brasil Nunca Mais sobre o período entre 1964 e 1966 (que coincide om o Governo Castello Branco), foi de 2.127 pessoas processadas. O exército foi o principal agente da repressão, sendo responsável direto por 1.043 prisões, além de outras 884 efetuadas pelos DOI-CODIS – contexto que envolve também a região de Corumbá, foco deste projeto. A “operação limpeza” colocada em prática pelo Comando Supremo da Revolução, formulou outros dispositivos para intensificar a caça às bruxas – termo utilizado por militares durante o regime para titular o movimento de apreensão a todos os cidadãos contrários à ideologia da “revolução”. Um deles foi o Inquérito Policial nº 709 (IPM-709), coordenado pelo coronel Ferdinando de Carvalho, e auxiliado por outros vinte oficiais, para apurar atividades do Partido Comunista Brasileiro1; ou seja, tratavase de um documento destinado a explorar crimes de subversão (SOUZA, 2009, p.11) Segundo o relatório do Projeto Brasil Nunca Mais, o IPM-709 fora “formado para apurar atividades do PCB até a queda de Goulart, chegou a reunir 889 cidadãos na qualidade de indiciados, além dos exíguos 16 que a promotoria considerou merecedores de ação penal” (ARNS, 1985, p.88). De acordo com Nilson Borges Filho (BORGES FILHO, 1994 apud SOUZA, 2009), dos diversos IPMs instaurados de 1964 a 1968, foram baixados 40 atos punitivos que atingiram 3.720 pessoas com perda de direitos políticos. No ano de 1964 foram 27 atos punitivos com 3.464 pessoas atingidas. Os primeiros dispositivos constitucionais instaurados pela ditadura militar, foco da pesquisa, ajuda a entender a partir de uma perspectiva ampliada como os diversos
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Souza, Sandra Regina Barbosa da Sillva. Os sete matizes do rosa ou o mundo contaminado pela radiação comunista: homens vermelhos e inocentes úteis. Salvador, 2009.
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métodos atingiram vários cidadãos no território brasileiro. Ao encerrar suas atividades, em novembro de 1964, o Comando Geral de Investigação (CGI) examinara 1.110 processos envolvendo 2.176 pessoas e recomendara punições para 635 (GASPARI, 2002, p.135). O saldo final da “caça às bruxas” do governo de Castelo Branco, que assinou três Atos Institucionais, mas que supostamente intencionava que as cassações se limitassem a uma ou duas dezenas de dirigentes do regime deposto, cassou cerca de 500 pessoas e demitiu 2 mil (GASPARI, 2002, p. 137). 3.2 – Jornalismo Literário e livro-reportagem Adota-se como embasamento teórico para o desenvolvimento do livroreportagem a concepção de “jornalismo literário”. Segundo Edvaldo Pereira Lima (2004), essa modalidade “híbrida” de narração da realidade penetra em um território novo, com potencialidade de transcender o jornalismo (ao menos em sua concepção mais conservadora). Gera-se, dessa maneira, um novo campo de construção narrativa ao qual os teóricos norte-americanos já denominavam de “literatura da realidade”. Nesse sentido, numa perspectiva sistêmica, o livro-reportagem é potencialmente um veículo multidisciplinar de comunicação, capaz de integrar elementos do jornalismo, da literatura, da antropologia, da história e da psicologia (LIMA, 2004). Para Felipe Pena (2006), esse gênero potencializa os recursos do jornalismo diário, pois ultrapassa os limites dos acontecimentos e proporciona visões amplas da realidade. Belo (2006), todavia, desenvolve uma ressalva:
[...] não entenda por visão ampla um pleno conhecimento do mundo que nos cerca. Qualquer abordagem, de qualquer assunto, nunca passará de um recorte, uma interpretação, por mais complexa que seja. A preocupação do jornalismo literário, então, é contextualizar a informação de forma mais abrangente possível – o que seria muito mais difícil no exíguo espaço de um jornal. Para isso, é preciso mastigar as informações, relacioná-las com outros, localizá-las com outros fatos, compará-las com diferentes abordagens e, novamente, localizá-las em um espaço temporal de longa duração (BELO, 2006, p.14).
O jornalismo literário passou a valer-se de técnicas literárias já utilizadas na corrente denominada de “realismo social” difundida na Europa no século XIX, que teve como escritores destacados Dostoiévski, Tolstói e Balzac, entre outros. Para Tom Wolfe
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(apud LIMA, 2004, p. 181), “os romancistas aceitavam rotineiramente a desconfortável tarefa de fazer reportagem, ‘cavando’ a realidade simplesmente para reproduzi-la direito. Isso era parte do processo de escrever romances”. Entende-se que ambos os profissionais – escritores de ficção e jornalistas – que compartilham o ato da escrita com o almejo de narrar o real compartilham entre si técnicas inerentes a suas áreas de conhecimentos. Sobre esse intercâmbio, Lima (2004) explicita: Num primeiro movimento, o jornalismo bebe na fonte literária. Num segundo, é esta que descobrem no jornalismo, fonte para reciclar sua prática, enriquecendo-a com uma variante bifurcada em duas possibilidades: a de representação do real efetivo, uma espécie de reportagem – com sabor literário – dos episódios sociais, e a incorporação do estilo de expressão escrita que vai aos poucos diferenciando o jornalismo, com suas marcas distintas de precisão, clareza, simplicidade. (LIMA, 2009, p.178)
Esse influxo, nas palavras do crítico Boris Schineiderman (apud LIMA, 2004), emerge a exemplo do movimento acontecido na década de 1920 na União Soviética: Os anos 20 foram um momento de ênfase nisso. Havia na literatura do fato real, a literatura fática, que era justamente o resultado de um certo desencanto com a ficção e uma vontade de apreender aquela realidade muito rica, muito nova que estava surgindo. Mas isso vem de mais longe. Vem do fim do século XIX. Tólstói, nos diários, diz que estava enjoado de inventar fatos que não aconteceram. O que ele queria era apreender a realidade viva. O próprio Dostoiévski foi um grande jornalista. (SCHINEIDERMAN apud LIMA, 2009, p.179).
No cenário norte-americano, são muitos os elementos dos quais o chamado “novo jornalismo” – movimento encabeçado por nomes como Truman Capote, Tom Wolfe e Gay Talese – se apropria da literatura para propiciar que o jornalista que se propõe a escrever um livro-reportagem amplie o seu relato. Como exemplos, pode-se destacar as características das cenas, dos diálogos, dos pontos de vista e dos fluxos de consciência. Na concepção de Lima (2004, p. 208), o atual jornalismo literário redundou em avanços ao permitir a construção de relatos com base na utilização de cenas, nas escolhas variadas de perspectivas, na angulação mais abrangente e no aproveitamento mais dinâmico do diálogo e das vozes dos personagens, bem como no uso significativo do ambiente (LIMA, 2004, p.208).
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Schineiderman (apud LIMA, 2009) ainda promove observações sobre essa aproximação entre as duas áreas e desaprova a barreira outrora intransponível entre o jornalismo e a literatura ao enfatizar que o literário não deve ser apenas um ornamento: “Em termos modernos, a literatura e o jornalismo são vasos comunicantes, são formas diferentes de um mesmo processo” (SCHINEIDERMAN apud LIMA, 2009, p.179). Com base nas perspectivas dos autores mencionados e com o intuito de emprestar elementos literários para a criação da narrativa, decidiu-se, por meio do formato do livro-reportagem, construir um relato sobre os reflexos da ditadura militar em Corumbá, na época município pertencente ao estado de Mato Grosso. De acordo com Lima (2004), o livro-reportagem desempenha:
A função aparente de informar e orientar em profundidade sobre ocorrências sociais, episódios factuais, acontecimentos duradouros, situações, ideias e figuras humana, de modo que ofereça ao leitor um quadro da contemporaneidade capaz de situá-lo diante de múltiplas realidades, de lhe mostrar o sentido, o significado do mundo contemporâneo. (LIMA, 2009, p.39).
Para Eduardo Belo (2006), o formato do livro-reportagem não possui uma “data de nascimento”. O autor acrescenta, no entanto, que é possível estabelecer um ponto de partida aproximado, uma vez que a reportagem em livro começou a ganhar força como um subgênero da literatura na Europa do século XIX. Segundo Belo (2006), o produto é um instrumento aperiódico de difusão de informações de caráter jornalístico; ou, em suas próprias palavras: “É o veículo no qual se pode reunir a maior massa de informação organizada e contextualizada sobre um assunto e representa, também, a mídia mais rica – com exceção possível do documentário audiovisual” (BELO, 2006, p.41). Além da linguagem diferenciada, o autor destaca que, em termos técnicos, para uma obra ser considerada um livro no Brasil é necessário ter no mínimo 48 páginas. De acordo com a classificação de Lima (2004), o livro-reportagem desenvolvido neste projeto experimental pode ser definido como um “livro-reportagem-história”. Tal denominação: Focaliza um tema do passado recente ou algo mais distante no tempo. O tema, porém, tem em geral algum elemento que o conecta com o presente, dessa forma possibilitando um elo comum com o leitor atual. Esse elemento pode surgir de uma atualização artificial de
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um fato passado ou por motivos os mais variados. (LIMA, 2004, p. 54).
Explicitada a classificação do trabalho segundo a definição de Lima (2004), ressalta-se que outros motivos que levaram a escolha desse gênero estão relacionados ao conjunto de liberdades disponíveis vinculadas ao formato livro-reportagem. Entre tais parâmetros, nota-se a “liberdade de angulação”. Para Lima (2004, p 83), por se tratar de uma obra autoral, o único compromisso do idealizador é com sua própria cosmovisão e com o esforço de estabelecer uma ligação estimuladora com o leitor, valendo-se, para isso, dos recursos que considerar mais conveniente, escapando de fórmulas institucionalizadas nas redações. Outros elementos fundamentais que se acrescentam à liberdade de angulação constituem: 1) a liberdade de fontes, uma vez que o livro-reportagem permite a fuga ao estreito círculo de fontes jornalisticamente legitimadas e a abertura para um coral de vozes variadas; 2) a liberdade temporal, considerando-se o avanço para um relato da contemporaneidade que possa recuperar no tempo algo mais amplo que o conceito de “atual” do jornalismo convencional; e, finalmente, 3) a liberdade do eixo de abordagem, pois, em termos teóricos e metodológicos, não se faz obrigatoriamente necessário girar em torno da concepção clássica de “factualidade do acontecimento” (LIMA, 2004, p.85). Ainda no âmbito do conceito de “liberdade temporal”, considerando-se que este projeto experimental trabalha com um período histórico decorrido nas semanas que antecederam e nos meses que sucederam o golpe civil-militar de 1964, buscou-se uma problematização da concepção de “atualidade”. De acordo com Lima (2004), quando se trata da construção de uma reportagem cujo objetivo é o aprofundamento da pauta, a definição da apuração e da construção da narrativa pelo critério da atualidade pode revelar-se inócua, uma vez que muitos fenômenos que afetam as relações sociais contemporâneas escapam a uma interpretação restrita da ideia de “atual” e relacionamse com uma concepção dilatada de “tempo presente”. Para tanto, o autor vale-se das reflexões de Dulcília Buitoni (apud Lima, 2004) a respeito do conceito de contemporaneidade. Valoriza-se, assim, a “possibilidade de estabelecer relações pertinentes aos dias de hoje, pois não se trata de estabelecer uma ancoragem histórica, mas descobrir o passado que ainda existe no presente” (LIMA,2009, p.65).
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3.3 – Jornais e outros registros documentais como fonte de pesquisa Na tentativa de compreender-se os reflexos causados pela instauração em âmbito nacional de um regime militar de exceção nas relações sociais locais de Corumbá, então uma pequena cidade fronteiriça localizada na porção sul do vasto território de Mato Grosso, entendeu-se como fundamental a pesquisa em jornais e outros arquivos da época que pudessem conceder o embasamento necessário para o entendimento dos fatos históricos em foco. No âmbito específico dos periódicos, as historiadoras Kresnisk e Aguiar (2011) argumentam que: O estudo da imprensa vem se constituindo num dos elementos fundamentais para a reconstrução histórica, que através do seu intermédio pode aproximar-se das práticas políticas, econômicas, sociais e ideológicas dentro dos diversos setores que compõem uma sociedade de forma dinâmica. Dessa maneira a imprensa tornou-se uma fonte rica e diversificada de conhecimentos, não apenas para construção de uma história da imprensa, mas abrindo a historiografia para outras possibilidades de estudo, fugindo, assim, da historiografia tradicional. (KRENISK & AGUIAR, 2011, p.2).
Todavia, em termos metodológicos, a utilização de jornais e revistas como fontes para o conhecimento da história viu-se por muito tempo relegada a um segundo plano em detrimento dos “documentos oficiais” pelo peso da tradição historiográfica predominante no século XIX e nas décadas iniciais do XX que apregoava, sob influência do positivismo na ciência, a busca da “verdade” dos fatos históricos. Diante disso, explicita Pinsky (2010, p.111), caberia ao historiador valer-se exclusivamente de “fontes marcadas pela objetividade, neutralidade, fidedignidade, credibilidade, além de suficientemente distanciadas de seu próprio tempo”. Complementa a autora:
Nesse contexto, os jornais pareciam pouco adequados para a recuperação do passado, uma vez que essas “essas enciclopédias do cotidiano” continham registros fragmentados do presente, realizados sob o influxo de interesses, compromissos e paixões (PINSKY, 2010, p.112).
Esse panorama começou a modificar-se nas pesquisas brasileiras a partir da década de 1970, período em que, sob impulso das alterações metodológicas promovidas pelas escolas europeias, o jornal tornou-se objeto de pesquisa histórica.
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Para Pinsky (2010, p.118), “a tese de doutoramento de Arnaldo Contier, Imprensa e ideologia em São Paulo (1973), já indicava esse caminho ao valer-se da Linguística e da Semântica para estudar o vocabulário político-social presente num conjunto de jornais publicados”. Segundo as observações da historiadora Vavy Pacheco Borges (apud PINSKY, 2010), esse fenômeno é significativo nas pesquisas históricas no Brasil, pois:
O pequeno uso da imprensa como fonte, apontado no início dos anos 1970 [...], inverteu-se completamente; nota-se hoje nos resumos [das teses e dissertação consultadas] um frequente uso da imprensa, seja como meio fundamental de análises das ideias e projetos políticos, da questão social, da influência do estado e da censura etc., seja como fonte complementar da história do ensino, dos comportamentos, do cotidiano. (BORGES apud PINSKY, 2010, p.130).
O papel desempenhado por jornais e revistas em regimes autoritários (a exemplo do Estado Novo e da ditadura militar no Brasil), seja na difusão de propaganda política favorável ou como espaços que abrigaram fontes de contestação, resistência ou projetos alternativos, tem encontrado eco nas preocupações contemporâneas de pesquisa inspiradas na renovação da abordagem dos fenômenos políticos (PINSKY, 2010, p.129). Conforme argumenta Pinsky (2010): O historiador Jean-François Sirinelle bem observou que “uma revista é antes de tudo lugar de fermentação intelectual e de relação afetiva, ao mesmo tempo viveiro e espaço de sociabilidade”, observação extensiva aos jornais. De fato, jornais e revistas não são, no mais das vezes, obras solitárias, mas empreendimentos que reúnem um conjunto de indivíduos, o que os torna projetos coletivos, que agregam pessoas em torno de ideias, crenças e valores que se pretende difundir a partir da palavra escrita. (PINSKY, 2010, p.140)
A pesquisa para o presente projeto experimental focou-se no uso dos jornais com circulação em Corumbá em 1964, notadamente o periódico Folha da Tarde, que, segundo informações prévias dos historiadores consultados, possuía uma linha editorial conservadora e inclinada aos ideais da direita política da época.
Por meio das
informações veiculadas no jornal, pôde-se ambientar os fatos que permeavam a sociedade corumbaense naquele momento, além de identificar-se a própria ideologia
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pregoada pelo veículo (que em suas manchetes saudava a “revolução vitoriosa” instaurada pelos militares). Outra técnica de pesquisa utilizada para a construção do livro-reportagem foi a análise de documentos oriundos de fontes oficiais, a exemplo das atas dos arquivos da Câmara Legislativa de Corumbá e dos Inquéritos Policiais Militares instaurados pela 9a Região Militar de Campo Grande e pelo 17º Batalhão de Caçadores, encontrados no arquivo do Projeto Brasil Nunca Mais Digital. Segundo o historiador Carlos Bacellar (apud PINSKY, 2010, p.32), tal acervo tem sido intensamente pesquisado, o que ajuda a revelar os bastidores da ação repressiva do Estado contra grupos ou indivíduos considerados perigosos e subversivos no regime militar. Esses documentos têm permitido análises históricas sob variados enfoques. Sobre a utilização de atas de sessões legislativas como fontes históricas, vale-se da observação de Bacellar (2010) de que o mais interessante nessas consultas é poder acompanhar as discussões dos variados projetos legislativos em diferentes âmbitos políticos, como os pontos de vista de vereadores, deputados e senadores em distintos momentos históricos. No entanto, os levantamentos realizados nesse tipo de documentação – no caso em questão, as atas da Câmara Municipal de Corumbá – impõem alguns desafios que os historiadores estão acostumados a encontrar nas pesquisas em arquivos: a ortografia e a caligrafia. De acordo com Bacellar (2010, p.55), as tentativas de leitura de um documento de arquivo explicitam ao pesquisador a necessidade de se “moldar” a uma ortografia e a uma gramática diferenciada. Documentos e jornais datilografados apresentam características distintas que devem ser apontadas e problematizadas pelos pesquisadores. Quanto à caligrafia, objeto da técnica da transcrição paleográfica, exige-se cuidados mínimos, uma vez que, ressalta Bacellar (2010), recomenda-se transcrever fielmente o original, reproduzindo a grafia, as abreviaturas e as características textuais da época. No caso deste trabalho, optouse por transcrever os documentos com a grafia da época.
3.4- Entrevistas, história oral e observação participante como recursos de captação de informação.
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A utilização de entrevistas para a captação de informações constitui uma das técnicas essenciais da apuração jornalística e, compreendida em sua natureza mais densa, representa uma forma rica de trazer à tona vozes escondidas ou silenciadas socialmente. Para Cremilda Medina (2005, p.18), a entrevista jornalística, em primeira instância, consiste em uma técnica de obtenção de informações que recorre ao plano das particularidades. Na maior parte das circunstâncias do cotidiano jornalístico, vale-se de fontes individualizadas e atribui-se crédito sem preocupações científicas. A autora acrescenta que:
Por uma distorção do poder nas sociedades, muitas vezes se atribui crédito apenas a fontes oficiais, vale dizer, fontes do Poder, seja ele político, econômico ou cientifico ou cultural. Enfatiza-se, com isso, a unilateralidade da informação: só os poderosos falam através das entrevistas. Mas o que não se pode negar é que existe na entrevista a possibilidade de um diálogo democrático, do plurálogo. (MEDINA, 2005, p18)
Cremilda Medina (2005, p. 7) defende que a entrevista, em suas diferentes aplicações, deve constituir “uma técnica de interação social, de interpretação informativa, quebrando assim isolamentos grupais, individuais, sociais”, bem como deve servir “à pluralização de vozes e à distribuição democrática da informação”. Especificamente no âmbito dos livros-reportagem, Edvaldo Pereira Lima (2004, p.107) argumenta que a entrevista desponta como uma forma de expressão por si, dotada de uma individualidade, força, tensão, drama, esclarecimento, emoção, razão, beleza. O autor enfatiza que a captação não se resume à entrevista e à observação, pois envolve também a documentação, no sentido de coleta, exame, classificação e uso de dados registrados disponíveis na sociedade moderna. Adotando-se como parâmetro a classificação apresentada por Edgar Morin (apud Medina, 2005), entende-se que as entrevistas realizadas neste projeto experimental valeram-se da técnica da “entrevista intensiva”. De acordo com Medina (2005, p. 11), tal forma de captação permite o enriquecimento informativo, uma vez que a “entrevista aberta” permite do desprendimento da “camisa-de-força do questionário fechado”. Dessa forma, o centro do diálogo se desloca para o entrevistado e pode encaminhar para a liberação e para o desbloqueio que são inerentes às relações inter-humanas.
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Nesse sentido, com o objetivo de deixar as fontes livres para narrar suas experiências e memórias sobre o golpe civil-militar de 1964, optou-se pela técnica, também denominada por Carl Roger (apud Medina, 2005) de “entrevista não-diretiva”. Na perspectiva de Morin (apud Medina, 2005), o método: Antes de tudo, dá a palavra ao homem interrogado, no lugar de fechá-lo em questões preestabelecidas. É a implicação democrática de nãodiretividade; em seguida ela pode ajudar a viver, provocando um desbloqueio, uma liberação; enfim, ela pode contribuir para uma autoelucidação, uma tomada de consciência do individuo. (MORIN apud MEDINA, 2005, p.13).
De forma complementar, Dulcília Buitoni (apud LIMA, 2005, p.93) identifica nas “histórias de vida” e nas “histórias livres”, acompanhadas da técnica da “observação participante”, um poderoso recurso para a melhoria dos processos de captação jornalística. A autora enfatiza que:
Uma entrevista do tipo aberta se define como história de vida uma vez que utiliza a vivência do entrevistado de maneira longitudinal, buscando encontrar padrões de relações humanas e percepções individuais, além de interpretações sobre a origem e o funcionamento dos fenômenos sociais. (BUITONI apud LIMA, 2005, p.93).
No caso do presente livro-reportagem, que objetiva mostrar como o golpe civilmilitar influenciou não somente a sociedade corumbaense em sua forma genérica, mas a própria vida cotidiana dos cidadãos que tiveram suas rotinas interrompidas, as histórias de vida constituíram um importante suporte de pesquisa, uma vez que representam “o principal suporte elucidador das redes de relações sociais” (LIMA, 2005, p.94). Em outros momentos da pesquisa de campo, recorreu-se à técnica da “entrevista-conceitual”, ou seja, buscou-se por meio de especialistas (notadamente de historiadores) interpretações sobre o assunto abordado no livro-reportagem. Para Medina (2005, p.16), a entrevista conceitual pode dispor ao entrevistador a busca de bagagem informativa; desde que este, no entanto, “por curiosidade e espírito aberto”, deixe-se abrir à compreensão de conceitos que a fonte domina.
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Para uma captação mais aprofundada de informações, colocou-se também em prática a “observação participante”. A técnica, inspirada em experiências da Antropologia, teve seu ápice nos livros-reportagem no movimento do New Journalism, na década de 1960, nos Estados Unidos. Segundo Tom Wolfe (apud Lima, 2005), o jornalismo descobre que não há como retratar a realidade senão com cor, vivacidade e presença. Faz-se necessário, assim, o exercício do mergulho e do envolvimento nos próprios acontecimentos e situações (LIMA, 2005, p. 122). Para Wolfe, essa técnica consiste:
No registro dos gestos cotidianos, hábitos, maneiras, costumes, estilos de móveis, vestuário, decoração, estilo de viagem, comida, de cuidar da casa, modos de comportamento para com os filhos, os empregados, os superiores, os inferiores, os colegas, mais os vários olhares, poses, relances, estilos de caminhar e outros detalhes simbólicos que pudessem existir numa cena. [...] O registro de tais detalhes não é mero ornamento em prosa. Está tão perto do centro do poder do realismo quanto qualquer outro recurso da literatura. (WOLF apud LIMA, 2005, p.124). Para construção do livro-reportagem “Subversivos a bordo: a história da navioprisão Guarapuava em Corumbá (MS)”, o processo de imersão foi realizado a partir de seis viagens realizadas à cidade pantaneira, onde foram visitados o Comando do 6º Distrito Naval e o próprio navio Paraguassu (antigo Guarapuava), o 17º Batalhão de Fronteira (antigo 17º Batalhão de Caçadores) e o Porto Geral de Corumbá, assim como foram observados detalhes estruturais da cidade. Por meio do exercício de observação e do apoio de depoimentos e de fotografias da época, buscou-se reconstruir os cenários narrados no livro-reportagem. Para Lima (2005, p. 373), a imersão é vital. Considera-se que o processo motriz do jornalismo literário é a compreensão da realidade e existe somente uma maneira de um repórter reconstruí-la narrativamente: mergulhando na própria. Entende-se que o jornalista precisa partir a campo, ver, sentir, cheirar, apalpar, ouvir os ambientes por onde circulam seus personagens. Finalmente, como o trabalho envolve a reconstrução dos reflexos de um fato histórico, buscou-se na história oral instrumentos para dar respaldo à realização da pesquisa. De acordo com Paul Thompson, citado por Mattos e Senna (2011, p. 2):
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A história oral pode dar grande contribuição para o resgate da memória nacional, mostrando-se um método bastante promissor para a realização de pesquisa em diferentes áreas. É preciso preservar a memória física e espacial, como também, descobrir e valorizar a memória do homem. A memória de um pode ser a memória de muitos, possibilitando a evidência dos fatos coletivos.
Para a historiadora Verena Alberti (2010, p.155), a história oral permite o registro de testemunhos e o acesso a “histórias dentro da história”. Dessa forma, amplia as possiblidades de interpretação do passado.
A História oral é uma metodologia de pesquisa e de constituição de fontes para o estudo da história contemporânea surgida em meados do século XX, após a invenção do gravador a fita. Ela consiste na realização de entrevistas gravadas com indivíduos que participaram de, ou testemunharam, acontecimentos e conjunturas do passado e do presente. (ALBERTI, 2010, p.155).
O marco técnico do início da chamada “história oral moderna” é o ano de 1948, quando foi inventado o gravador com fitas e constituiu-se em Columbia University Oral History Reasearch Office, centro de pesquisa fundado por Allan Nevins e Lous Starr, em Nova Iorque, nos Estados Unidos. A preocupação principal inicial dessa metodologia foi possibilitar o uso de materiais com base em entrevistas para o uso historiográfico de gerações futuras. Nos primeiros momentos, a técnica foi utilizada para entrevistar personagens destacados da história norte-americana, como homens públicos que tiveram participação reconhecida na vida política, econômica e cultural do país. Na década de 1960, tornou-se frequente as entrevistas de história de vida com membros de grupos sociais que, em geral, não deixavam registros escritos de suas experiências. Esse novo enfoque ficou conhecido como “história oral militante”. De acordo com Pinsky (2010, p.157), a partir desse momento a história oral passou a dar voz às minorias e possibilitou a compreensão historiográfica da denominada “história vinda de baixo”. Passou-se a reconhecer, nesse contexto, a existência de múltiplas
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histórias, memórias e identidades em uma sociedade, constituindo, ao mesmo passo, um descentramento metodológico das pesquisas históricas tradicionais. Segundo o historiador Lutz Niethammer (apud Pinsky, 2010), a “história da experiência” possibilita uma aproximação empírica com uma espécie de “significado da história dentro da história” e permite questionar de modo crítico a aplicação de teorias macrossociológicas sobre o passado. Desse modo, a capacidade de a entrevista contradizer generalizações sobre o passado é ampliada, possibilitando mudanças de perspectiva sobre as interpretações da história (PINSK, 2010, p. 166). Entre as várias possibilidades de aplicação da história oral, encontra-se o estudo das formas como as pessoas ou grupos efetuaram e elaboraram suas experiências cotidianas, combinações que permitem entender as vivências individual e coletiva
do
passado.
Com
isso,
torna-se
possível
questionar
interpretações
generalizantes de determinados acontecimentos e conjunturas. No caso do trabalho realizado para compreender o modo como os corumbaenses vivenciaram a tomada do poder pelos militares em 1964, buscou-se ouvir ao mesmo passo militantes do Partido Comunista Brasileiro e cidadãos que testemunharam os acontecimentos, bem como pesquisar o que se emanava no centro do poder do novo regime instituído. Com base na classificação dos tipos de entrevistas realizadas na história oral, o processo de captação de informações deste trabalho focalizou-se nas chamadas “entrevistas temáticas”. De acordo com a historiadora Verena Alberti (2010), tal técnica é adequada para o estudo de temas que têm estatuto relativamente definido na trajetória de vida dos depoentes, como um período determinado cronologicamente, uma função desempenhada ou o envolvimento e a experiência em acontecimentos ou contextos específicos (ALBERTI, 2010, p. 175). Em relação ao conceito memória, trabalhou-se no processo de realização das entrevistas com o entendimento de Henry Rousso (2002, p.94), isto é, a memória como uma “reconstrução psíquica e intelectual que acarreta de fato uma representação seletiva do passado, um passado que nunca é aquele do indivíduo somente, mas de um indivíduo inserido num contexto familiar, social, nacional”. Entende-se, portanto, que a memória coletiva é resultante também de memórias individuais. No mais, considera-
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se importante a compreensão de que a memória constitui um processo de construção contínua. Nas palavras de Lima (2004):
Cada vez que visitamos uma memória importante do passado, pode acontecer de enxergarmos um lado diferente, que não tínhamos percebido antes. Podemos localizar novos detalhes. Podemos mudar o significado que damos ao episódio. Quer dizer, o sentido que damos a um acontecimento pode mudar ao longo do tempo, pois o nosso entendimento muda. (LIMA,2005, p.391).
De um ponto de vista prático, diante de eventuais inconstâncias nos depoimentos dos entrevistados, considerou-se uma vez mais as colocações de Lima (2004): Cabe ao autor de jornalismo literário, então, mergulhar no seu assunto com o máximo de honestidade possível para apurar, pesquisar, investigar, comprovar situações. Porém, jamais pode se esquecer que, na maioria, das histórias, o fator humanização o leva a procurar um caso de acordo com a perspectiva central de seu protagonista e de seus personagens, em princípio. O autor esta embarcando numa missão de compreensão. Assim, não lhe interessa, em princípio, a verdade absoluta, isenta, imperial, pois essa, no nível dos seres humanos comuns (quase todos nós), não existe. O que lhe move é compreender um tema a partir das perspectivas dos personagens nele mergulhados. Quando os personagens esposam perspectivas muito diferentes, até mesmo conflitantes, é seu papel expor suas múltiplas visões, se possível encontrando um ponto central que lhe permita colocar tudo em perspectiva maior, englobalizadora (LIMA, 2004, p.392).
Desse
modo,
considerando
o
embasamento
teórico-conceitual
aqui
apresentado para a captação das informações na pesquisa de campo, buscou-se que os entrevistados, por meio de histórias de vida e reconstruções de memórias, pudessem narrar suas impressões sobre o golpe civil-militar e sobre as prisões no navio Guarapuava, temas que permearam a sociedade corumbaense. 3.5 – Narrativa Como anteriormente mencionado, a leitura de alguns livros-reportagem contribuiu para a construção da narrativa pretendida neste projeto experimental. Destaca-se, nesse sentido, o autor Fernando Morais, com seu livro-reportagem Corações Sujos, a respeito dos integrantes da seita japonesa Shindo Remmei, no qual
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busca envolver os leitores em um relato descritivo a respeito de um tema histórico. O autor estabelece uma narrativa detalhada, leve e fluida, arquitetada de modo a inserir o leitor sob a ótica social e política da época. Outro livro-reportagem de Fernando Morais sobre o qual a pesquisa se debruçou foi Olga, uma biografia que narra a vida de Olga Benário, uma judia comunista entregue a Hitler pelo governo do presidente Getúlio Vargas. Ainda no âmbito de livros-reportagem sobre temáticas históricas, analisou-se a estrutura narrativa da obra A aventura de Miguél Littin, clandestino no Chile, de Gabriel Garcia Márquez. O livro relata a trajetória do cineasta Miguél Littin, exilado político da ditadura chilena que, anos depois, por meio de um projeto cinematográfico, retornou a seu país de origem para retratar a realidade nacional após o golpe militar. Nesse contexto, sob influência das obras estudadas, optou-se no livro “Subversivos a bordo: a história do navio-prisão Guarapuava em Corumbá (MS)” por uma narrativa cronológica. De acordo com Muniz Sodré e Maria Helena Ferrari, autores retomados por Edvaldo Pereira Lima (2005, p.147), a ordenação dos fatos, de natureza diversa, bem como dos acontecimentos situados no nível de uma sequência temporal, constitui uma narrativa no texto comunicativo. Dessa forma, buscou-se na construção da narração ressaltar ao leitor os seguintes elementos: 1) a situação, que compreende as unidade básicas do acontecimento estruturadas em torno do que ocorre, quando, onde, como e, eventualmente, o porquê;
2) a intensidade, ressonância de ordem
emocional derivada do acontecimento narrado; e 3) o ambiente, a descrição de traços concretos e abstratos acerca do fato (LIMA, 2005, p.148). No que tange a angulação da narrativa do livro-reportagem, considerou-se, numa perspectiva teórico-conceitual, a concepção construída por Glaudêncio Torquato (apud Lima, 2005, p.157): “escolher uma abordagem, uma palavra, uma imagem, cores; angular é saber onde e como colocar determinado componente do texto, de maneira que a ideia apresentada seja a mais próxima daquilo que se pretendeu”. Nesse cenário, buscou-se na construção narrativa do livro-reportagem ressaltar termos como “caça às bruxas”, “subversivos” e “Revolução Vitoriosa/Democrática”, dentre outros, de modo a destacar a ótica militar hegemônica no período da tomada do poder (ver item 3.1 acima). Da mesma maneira, procurou-se apontar contradições no discurso militar da
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época ao evidenciar declarações das Forças Armadas que justificavam a tomada do poder com o objetivo de “promover a paz e a democracia na nação”. Finalmente,
recorreu-se
às
técnicas
da
“construção
de
cenas”
e
da
“humanização dos relatos”. Nas palavras de Lima (2005, p. 361):
A humanização que se procura no jornalismo literário, colocando-se as pessoas como eixo da narrativa, encontra guarida bastante apropriada no livro-reportagem. É o fator humano que permite, enquanto autor, abordar narrativamente qualquer tema de aventura do homem na Terra, mesmo que pareça a princípio árido, de difícil tratamento literário, ou de baixo interesse jornalístico. Onde há a pessoa humana, poder haver uma história maravilhosa a ser contada.
Diante dos procedimentos teórico-conceituais aqui expostos, o livro-reportagem “Subversivos a bordo: a história do navio-prisão Guarapuava em Corumbá (MS)” objetivou retratar histórias de vários cidadãos que tiveram suas rotinas interrompidas com a propalada “Revolução Democrática” levada a cabo pelas instâncias militares. Durante a pesquisa, notou-se que, ainda hoje, decorridas cinco décadas, o silêncio e a desconfiança permanecem presentes entre as pessoas que testemunharam os fatos ocorridos em 1964 na cidade pantaneira. Justifica-se assim, uma vez mais, a pertinência da pesquisa jornalística e da construção da narrativa no formato de livroreportagem como forma de evidenciar e registrar histórias que, com o passar do tempo, podem se perder nas vicissitudes da vida cotidiana.
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4- OBJETIVOS ALCANÇADOS Como previsto no anteprojeto previamente apresentado, a construção do livroreportagem “Subversivos a bordo: a história do navio-prisão Guarapuava em Corumbá (MS)” (objetivo geral) atingiu os seguintes objetivos específicos:
1) Identificação de cidadãos corumbaenses que sofreram perseguição política quando o regime militar foi instaurado em 1964. 2) Pesquisa sobre a estrutura social e política do Estado de Mato Grosso do Sul (na época, região sul do Estado de Mato Grosso), identificando os governantes, generais, entre outros, que participaram ativamente do período. 3) Verificação de como os atos institucionais assinados pelo general Castelo Branco (primeiro general da ditadura militar) interferiram na ordem social do Estado de Mato Grosso e particularmente de Corumbá. 4) Levantamento de fatos ocorridos em Mato Grosso do Sul a partir da efetivação do golpe militar. 5) Análise de notícias veiculadas pelos meios de comunicação que relataram os acontecimentos ocorridos na região de Mato Grosso do Sul em 1964. 6) Identificação e captação de entrevistas com pessoas (e descendentes) que foram
perseguidas
politicamente
e
estiveram
presas
no
navio-prisão
Guarapuava. 7) Estudo da estrutura social vigente na cidade de Corumbá no ano de 1964 de modo a explorar o episódio do navio-prisão que manteve mais de 40 presos.
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5- DIFICULDADES ENCONTRADAS: Conforme já mencionado, foram encontradas dificuldades com as fontes pesquisadas pelo receio que algumas demonstravam em relatar os fatos ocorridos, principalmente devido à estrutura social e política de Corumbá no período do golpe. Outra dificuldade que merece destaque vincula-se ao pequeno número de documentos oficiais sobre o período. Notou-se que, mesmo com a instalação da Comissão da Verdade pelo Ministério da Justiça, o Exército e a Marinha ainda relutam em lançar luz sobre o período. Tentou-se ainda, sem sucesso, buscar material em outros órgãos de imprensa do período, mas deparou-se com a precariedade e a dificuldade de acesso nos acervos históricos de maneira geral. Outra dificuldade traduziu-se nos entraves para conseguir fontes ligadas ao regime militar, principalmente de integrantes do Exército e da Marinha.
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6- DESPESAS (ORÇAMENTO) Obteve-se despesas principalmente relacionadas às viagens, como combustível, pedágios, hospedagem, alimentação, impressões e cópias. Em média, gastou-se R$ 600,00 por viagem, o que totaliza R$ 3.600,00 nas seis incursões realizadas a Corumbá. Ainda estão previstos custos com a encadernação do relatório e a impressão do livro-reportagem, valores estimados em R$ 400,00.
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7- CONCLUSÕES A pesquisa realizada foi fundamental para a compreensão do período histórico em que se deu o golpe civil-militar e a ditadura que se seguiu no país. Em meados da década de 1960, Corumbá constituía-se uma típica cidade do interior, distante dos grandes centros urbanos do país. Apesar disso, por conta da forte presença militar na fronteira, o regime militar foi muito sentido na cidade. Verifica-se que logo no início do golpe a Marinha tomou a frente do regime de exceção na região, iniciando o período de repressão e prisões. Parte da sociedade, a exemplo do que ocorreu ao redor do país, aprovou prontamente as medidas, ratificando o argumento do “medo comunista” propagandeado pelos órgãos locais de imprensa que aderiram ao golpe. A pesquisa levou à constatação de que uma parte representativa das pessoas presas em solo corumbaense não possuíam uma relação direta com os cidadãos considerados subversivos
pelo
Estado,
possivelmente
caracterizando-se
como
vítimas
de
informações equivocadas propagadas por personagens que pretendiam se aproximar do poder constituído na região. Nota-se uma forte presença militar na cidade devido à localização privilegiada em região de fronteira. Tal peculiaridade contribuiu com o prestígio que os militares possuem em parte da sociedade corumbaense. Identificou-se que muitas prisões se deram por denúncias, na maioria das vezes infundadas. Uma curiosidade histórica – ou paradoxo – reside no fato de que muitas das pessoas que foram presas no período terem, posteriormente, se aproximado de organizações civis próximas às forças armadas. Não foram registrados relatos orais de torturas físicas cometidas contra as pessoas presas, apenas menções de tortura psicológica e abuso de autoridade. Percebeu-se que existe um silêncio muito grande no seio da sociedade corumbaense que resulta em um incômodo para relatar as histórias dos personagens envolvidos no período.
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8- APÊNDICES 1. Entrevistas transcritas: 1.1) José Apolônio Gomes da Silva 1.2) Pedro Paulo de Araujo Lins 1.3) João Carvalho 1.4) Ênio da Vila Nóbrega 1.5) Farid Yunes 1.6) Waldemar dias da Rosa 1.7) Yulsef Iunes 1.8) Salomão Amaral
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Entrevista 1.1 Nome: José Apolônio Gomes da Silva
Alline Gois (A.G) - Onde e como era a casa que vocês viviam? José Apolônio (J.P) - A nossa casa era na rua Cáceres, nº 575, no bairro do Sossego, são duas quadras e meia acima do 17º batalhão de caçadores. Nos tínhamos ali, era uma quadra para a família e dividida entre os herdeiros. Era uma casa de pedra, alta, depois meu pai construiu uma varanda grande. Tinha um quarto, era conjugada a sala com a cozinha. Atrás tinha uma varanda grande com uma mesa que dava para sentar quinze pessoas.
No canto era conjugada a sala com
cozinha, com um fogão de ferro à lenha, e atrás dessa parte do fogão, tinha dois quartos. Um servia para banheiro da casa, naquela época não tinha porta, nos usávamos aquelas redinhas. E do lado esquerdo tinha outro quarto. No fundo tinha um quintal, onde tinha um tanque para lavar a roupa e um deposito de água. Tínhamos pé de laranjeira.
A.G- Quantos irmãos o senhor teve? J.A.- Eu tive quinze irmãos.
Ricardo Santos (R.S)- Vocês dormiam tudo no mesmo quarto? J.A- Não. Minha mãe e o meu pai dormiam numa cama de solteiro. Numa cama de casal, dormia a minha mãe com os menores. E num quarto que ficava os meninos e no outro ficava as meninas. Tínhamos uma sala grande onde o meu pai tinha costume de chegar à tarde para almoçar, tomava banho, enrolava uma toalha na cintura e deitava naquele cimento para descansar. O calor se combatia assim. As cassas eram altas e o chão de cimento queimado.
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A.G- O senhor lembra o nome do soldado que foi procurar o teu pai no sítio? J.A- O soldado chamava Francisco, o apelido dele era Chico. e o pai dele chamava-se Anésio.
R.S - Como era o seu pai na intimidade? A relação com os filhos? J.A- Conosco ele foi sempre um bom pai. Muito austero. Na vida dele, ele começou... Depois que ele foi boiadeiro... Ele tinha uma região que chamava Lagoa seca, que tinha uns posseiros que grilava as terras. Ele grilou 90 hectares de terras, griladas do Nelson Chamas. O meu pai juntou a região... Ele juntou madeira e montou uma serralheria.
A.G- No ano de 1964 o seu pai trabalhava de carpinteiro? J.A-Ele produzia aboboras, melancia, banana, caju, amendoim, batata doce, cana (fazia melado) tudo que pudesse ser produzido na terra. Então com isso ele gerava dinheiro para sustentar as famílias empregas dele. A.G- As pessoas em Corumbá conheciam o seu pai como carpinteiro? J.A- Não, isso foi depois. Conheciam-no como Juquinha. A.G- No dia que o foram buscar no sítio, em quem os soldados bateram? J.A- Os soldados bateram no senhor Nicola, que era boliviano. Ele era empregado. Bateram nele com a prancha do facão. A.G- Para falar onde que estava o seu pai? J.A- Onde esta o comunista? Porque eles colocaram o meu pai quando houve isso ai, como terrorista. “Onde é que estão as armas aqui escondidas?”. Daí ele (Nicola) falou assim: - As únicas armas que tem aqui é essa linchester que mos usamos para matar veado, tatu, para a nossa subsistência. E eles já colocaram aqui lá como um lugar de treinamento. Esse advogado Amorésio fugiu da casa dele, e foi encontrado na rua pedindo pelo amor de Deus água para beber. Então, eram pessoas que não tinham nada a ver com essa historia ridícula que fizeram no pais mentindo que eram revolucionários.
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A.G - Então o dia que eles foram procurar o teu pai, eles ficaram perguntando onde esta o comunista? J.A- Naquela época nos tínhamos os toneis, onde colocávamos a garapa para azedar e fazer vinagre. Daí, um daqueles tenentes chegou lá e disse assim: ei, isso ai é para munição? Ai meu primo Ercílio Gomes da Silva (o chamávamos de Ercilinho), tinha uns doze anos. R.S- O senhor lembra quantos soldados foram? J.A- Foi mais ou menos dois pelotões, em torno de 60 pessoas. Eles achavam que lá era um aparelho comunista e que ali treinava guerrilheiros. R.S- Mas alguém fez alguma denuncia? J.A- Tiveram denuncias, tinham algumas pessoas que queriam aparecer. E mentiam para sair na mídia. Teve um comunista, o “linguiçeiro”, que ficou dentro de um carrinho azul, onde vendia as linguiças dele. Daí, ele se escondeu dentro.
A.G- A que horas os soldados chegaram lá no sítio? Eu lembro que eu estava lá no sítio, era umas 10hr30min, porque lembro que lá tinha a dona Maria que fazia o almoço lá pelas 11h30min. Precisamente umas 9hr, porque eu tinha estilingue e gostava de caçar pombas e estava sozinho lá no pomar quando olhei no carreador. Onde o carro sobe e tem umas “palmeirinhas” no meio e na lateiral. Ai eu olhei e vi de longe as palmeirinhas se mexendo. Ai tem uma ave que se chama Gralha, os índios ensinaram que toda vez que a gralha começa a gritar é porque o território dela esta sendo invadido. E eu, olhei aquelas gralhas gritando e olhei pra lá, foi ai que avistei e pensei: será que esta subindo o caipitu ( é o porco do mato né)? Ai que olhei bem e vi o capacete dos soldados que vinham andando, ai, corri. Estava comigo lá o Nicola, daí falei: Nicola corre lá, avisa teu pai e avisa meu pai que esta vindo um monte de soldado ai. Algum deles (soldados) entraram por outro lado para evitar fuga. E o Chico viu quando o meu pai passou correndo. Ele contou para nós: eu tive a chance de atirar no seu pai, não atirei porque... o meu companheiro queria atirar. Mas eu disse não, ele é pai dos meus amigos, não faça isso, ele é trabalhador.
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A.G- Quando seu pai voltou da reunião no RJ, ele já estava sendo procurado? J.A- Quando ele voltou do RJ a ordem era prender todos os do RJ. Eles vieram de trem (do RJ). só que avisaram meu pai que estavam prendendo todos que estavam nessa reunião. Ai meu pai deduziu: alguém vai estar me esperando para prender. Então ele desceu na estação do Urucum, que é antes. E de lá foi a pé até o sitio. Ele conhecia aquilo lá tudo. Porque ele tirava lenha, conhecia a região. Então ele desceu e foi a pé até o sítio. E lá no sítio, ele ficou. Depois, me chamou e disse que o quê estava acontecendo. A gente sempre estava levando compras para ele. Nesse período que ele ficou no sitio prosperou. Lembro que na quarta-feira, produzíamos 40 bolsas de mandioca e no sábado 60. Bolsas estas que eram levadas na feira e vendia-se tudo.
A.G- O senhor lembra a data que ele se entrou no quartel? J.A- Era uma segunda-feira. Ele entrou à noite, no meio dos soldados, barbado. Entrou em casa. Ninguém conheceu ele. Ai, ele foi lá, tomou banho, jantou, dormiu em casa, de manhã cedo tomou café, fez a barba e ai ele desceu para se entregar no quartel. Diz-se lá no quartel, que quando ele chegou o oficial do dia estava perto do sargento e perguntou: - O quê o senhor quer? E ele disse assim: eu estou aqui porque estou sendo procurado por vocês. La na porta da minha casa há um Piquet de soldados. Ai o escândalo do sargento lá: - Ele é um perigo, tem um guerrilheiro comunista aqui. Meu pai: - Meu senhor, eu estou me apresentando aqui para saber o que você querem na minha casa. Ai veio o oficial do dia, todos aqueles tramites. E o levaram para conhecimento do comandante. Ai, ele conversou com o comandante. - Por que o senhor veio aqui? Porque eu estava numa viagem ao RJ, como sindicalista que eu sou. Pertencente ao sindicato dos motoristas, eu fui representar o meu sindicato. Essa reunião lá era só sindicato do país todo (foi onde ele falou que seria o levante comunista). E quando eu
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voltei aqui, a minha casa estava invadida de soldados. Eu vim saber o que estava acontecendo.
A.G- Em um dos IPMs eu vi que seu pai era acusado de fazer reuniões em casa, certo? J.A- Sim, sim, meu pai fazia reuniões sim. Era reuniões do sindicato dos motoristas e também de preços. A.G- Como eram essas reuniões? J.A-Então vinha o linguiceiro, o Doutor Amorésio, o advogado Ibrahim. Amorésio era amigo dele, chamava-o de Juca, iam à pescaria juntos. Era uma mesa grande que nos tínhamos lá fora, e eles trocavam ideias. Nos aprendemos uma coisa, de que quando os adultos se reunião as crianças ficavam... A.G- O senhor lembra quantas pessoas participavam dessa reunião? J.A-De doze à catorze pessoas. As reuniões eram feitas de vez em quando.
A.G- O senhor lembra do Major Aranda? J.A-
Prepotente e tratava todo mundo como comunista. Todo mundo como era
comunista. Ele tinha mais um oficial, o Beranger, era tenente oficial. Ele era meu professor, Sr. Beranger, um dos homens mais violentos. Ele que acompanhava o Major. Quanto à violência por parte do major, eu não vi, só sei que ele era prepotente.
A.G- Quantas vezes o senhor foi visitar o teu pai no navio? E o que vocês levavam? J. A- Três vezes. Ia minha mãe, minha irmã pequena (Deise), que era de colo, a minha Mirian, Norma, todos nós que éramos menores. De maio só ia meu irmão Epaminondas e Ramão. Levávamos bolo, guloseimas que ele gostava. Minha mãe fazia e nos levávamos. E era tudo revistado para ver se não tinha arma no meio.
A.G- E em que horário vocês iam visitá-lo? E quanto tempo vocês ficavam lá? J.A- Era umas 11hr, no domingo. Não me lembro... talvez uma ou duas horas.
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Conversávamos sobre como ele estava, porque ele estava amarelo? O que esta acontecendo ai com o senhor? Estão batendo no senhor?
A.G- O que ele contava quando os encontrava? J.A- Contava que estava com saudade de nós. E que ele era sai dessa. Mas um dia ele se jogou do navio. Ele se jogou do navio porque ele escutava nas cabines do lado, batidas, o cara gritava: . Ahh, não! -Confessa que você é comunista. E aquele desespero. Ai ele ficou... e no outro dia falaram: Vamos pegar aquele grandão lá. Ai ele aproveitou que... Quando eles foram pegá-lo, ele voou por cima e ... eles levavam uma escotilha, mas não batiam. Não eram loucos, porque isso ia marcar a pessoa. Então eles faziam, para os outros escutarem que estão sendo agredidos. Para fazer confessar alguma coisa. A. G- Então ele pulou do navio? J.A- Pulou (ele é um gigante, numa ponta do navio e saiu lá embaixo. Daí, iam atirar, mas falou: Não atira não. Vamos de barco e pegamos ele por lá.
** Paulo, amigo de Apolônio, seus pais eram compadres (pai de Paulo era padrinho da irmã de Apolônio). Paulo um dia disse: ei não quero ficar com você não, você é comunista. Ele que gritou no colégio, “você é filho de comunista”.
R.S-O que aconteceu com a chácara? J.A- A chácara foi vendida para o dono do Bradesco. Ele vendeu porque meus irmãos queriam dinheiro, e forçaram.
A.G- Como era teu pai fisicamente? J.A- Meu pai é uma pessoa de dois metros de altura, bem alto. ( minha mãe baixinha). Ele bebia, e quando bebia e ultrapassava os limites ele corria atrás da minha mãe e conosco. A gente sai correndo até Ladário. Nos íamos para Ladário, na casa da um tio,
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ficávamos um a dois dias lá. Depois, ele vinha: ah foi a bebida, foi a bebida... Mas minha mãe é uma mulher de fibra, heroína para aguentar tudo isso. RS –Seu pai sempre bebeu? J.A - Nunca faltava nada para nós, os filhos dele. Ele procurava nos orientar. Mas em alguns momentos... Criação dele. Foi criado livre. Era um homem muito inteligente.
Entrevista 1.2 Nome: Pedro Paulo de Araujo Lins
Pedro Lins (P.L) - Eu era o delegado geral da previdência, para prestar assistência, consegui ambulatório médico.
Ricardo Maia (R.M) - Mas pelo seu sindicato? Pedro Lins - Sindicato nada, a previdência era uma autarquia, a aposentadoria do pessoal dos marítimos. Eu era o delegado dos marítimos.
R.M - E nessa época em Corumbá tinha muitos marítimos? Pedro Lins - Ah! A Classe era forte, tinha sete sindicatos. P. L – Esse aqui era carpinteiro, Juquinha, esse aqui. R.M – Ele era carpinteiro, mas tinha algum envolvimento político? P. L – Tinha ligação política, esse realmente era militante comunista. Ele, o Ibrahim. Era militante. R. M – Militante do PCB? P.L – É, chamava de Juquinha, conhecido como Juquinha. E tem um filho dele que se chama Stalin. Ele é professor, foi vereador, agora é pastor da igreja.
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Alline Gois (A.G) – Ah! Agora é pastor, e ele continua no PT? Será que conseguimos falar com ele? P. L – Faz hora que não o vejo. Deixa eu lembrar aqui... Waldemar, esse aqui morava aqui perto. Esse é o Vicente, ele morava aqui pertinho da minha mãe. Esse aqui é um carroceiro, esqueço o nome dele. R. M – Que tinha também ligação com o partido? P. L – Não, eles indicavam as pessoas só porque liam um jornal, “A voz operária”, essa coisa toda vinculava, vinculava o camarada. Você é de outra facção, por exemplo, aqui não está o Amorésio de Oliveira. O Amorésio daqui ele foi para Cuiabá, morreu lá na... como funcionário da Assembleia, foi deputado. R.M – Ele foi preso aqui, mas ele não morava em Corumbá? P.L – Ele morava aqui, era militante aqui, morava em frente ao Comando Militar, ali na avenida. R. M – No depoimento dele que nós tivemos acesso pelo site “Brasil nunca mais”, ele fala que era do PCB, era comunista e fala que ele ajudava no jornal “O democrata”, que era um jornal comunista, ligado ao partido em Campo Grande, só que ele fala que estava em Corumbá só trabalhando como advogado, que não tinha militância. P.L – Aí ele já partiu para a defesa. Eu não, o cara não pode me acusar de subversivo porque eu não tinha nenhuma ponte, só o Comando Militar que achou que eu mantinha contato com Moscou, me honrou com essa, eu fiz um pronunciamento na Câmara, você está entendendo? Colocar um hospital dentro de uma base de guerra, certo, os navios para que? Se o Paraguai e a Bolívia são nossos amigos, uns navios obsoletos, então eles achavam que era contra a segurança nacional meu pronunciamento para homenagear a Marinha tinha que homenagear o João Cândido, que era um almirante preto, certo, aí não pode dizer essas coisas, vou voltar para a vida pública, como? Na ditadura que você tem que chegar a fazer um pronunciamento, entregar a Polícia
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Federal, para ser registrado e ir lá para a PF então o regime é de cerceamento... não é de liberdade, não é de democracia, isso disse o Ulisses Guimarães em umas bodas de um tio meu em Campinas(SP), ele era... a irmã dele era casada com um primo irmão meu, do Ney. Falei você vai me desculpar, os americanos mandou dizer para você abrir dois partidos, a Arena e o MDB para falar que esse país é democrático, e agora nós estamos vivendo uma ditadura, só de corrupção. A.G – O Sr. foi eleito vereador quando? Em 1962. P.L – Em 1963.
(Telefone toca) P.L – Alô, é o próprio, oh Liliane eu tô aqui numa entrevista, um pessoal de Campo Grande, sabe o que? É negócio de... eles são acadêmicos de jornalismo e querem que eu fale sobre o golpe militar de 64, dorme com um barulho desses, é um prazer, tchau. P.L – Tô aqui. Ela falou: “Você quer ir preso de novo?”. A.G – O Sr. foi eleito em 63, mas o senhor já tinha sido vereador? P.L – Não, não eu tinha feito casa para os trabalhadores, eu fui no Rio de Janeiro(RJ) e de lá vim com essa ideia de fazer justiça social, então as casas que tinham em... Eu reivindiquei para construir em Corumbá, só tinha lá no Rio de Janeiro e no Ceará do Armando Falcão. Quando eu cheguei aqui me lançaram candidato, naquela época você se afastava sem salário, como é que eu ia fazer campanha? Se eu tinha que dar o de comer para a minha família. R.M – E o Sr. era delegado? P.L – Delegado dos marítimos, eu era funcionário do quadro e fui comissionado para ser delegado, foi quando eu trouxe o Nelson Trad em 1956 para cá, para ser meu funcionário, o Nelson Trad pai. Eu fui nomeado em 1956... R.M – Aí, quando o Sr. foi eleito por conta dessa representação sindical...
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P.L – Não era sindical, eu fui indicado politicamente pelo Wilson Fadul, que foi prefeito de Campo Grande, ele nem me conhecia, aí quando eu fui para o Rio, a chamado, eu fiquei na casa de uma tia minha no Leblon, ele morava na Sá Ferreira, em Copacabana, aí ele me pegou e disse assim: “mas aqui mora fulana”’, eu falei: “É meu primo irmão, ele crente que eu estava em um hotel, lá no centro do Rio, tal, funcionário, quando ele viu que eu estava num casão daquele, ele chegou lá e falou para o Waldir Simões, que era presidente, líder sindical no Rio: “Waldir, esse é o menino”, Eu era o delegado mais moço do Brasil tinha 32 anos. Hoje eu estou com 85... Aí em vez de ficar três dias eu passei trinta, aí eu trouxe ambulatório médico para Corumbá, autorizou para fazer as casas dos marítimos, isso era 1958.
R.M - E como era o nome da previdência? P.L – Instituto de Aposentadoria e Pessoal dos Marítimos, IAPC... A.G – O Sr. foi indicado vereador por esse trabalho meio assistencialista, Sr. Pedro? P.L - Não foi a convenção que indicou meu nome, eu fui indicado, eu não me apresentei como candidato. R.M – O Sr. já tinha feito um trabalho importante e... P.L – Eles acharam que eu fiz um trabalho importante e deveria participar do partido, eles queriam me testar, agora testar como? R.M – E o Sr. se filiou ao PTB quando? P.L – Em 1954, na época da morte do Getúlio. A.G – E o Sr. morava aqui em Corumbá? P.L – Eu cheguei aqui com cinco anos, eu sou filho de Cáceres (MT). R.M – E aqui em Corumbá quais eram as principais lideranças do PTB ?
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P.L – Era o senador Vicente Bezerra Neto, foi deputado estadual e depois de lá ele veio e candidatou a senador e ganhou, aí já houve a renovação, porque antigamente era só o Muller (Filinto), Fernando Correa que representava Campo Grande, o apelido dele era Fernando Mão Inchada, só sabia demitir, mandar embora, então têm uma série... R.M – E aqui o PTB tinha muita ligação com o sindicato? P.L – Não era essa luta sindical. R.M – Não tinha uma movimentação sindical o PTB aqui? P.L – Não, assim de vinculação partido sindicato não. R.M – Os sindicatos aqui tinham alguma ligação com o partido comunista? P.L – Assim ideologicamente não, não havia essa ligação, que a pregação era outra, principalmente na época as lideranças, ás vezes, queriam chegar dentro da administração e comandar a administração.
Eu sou do quadro.. “se vocês têm
elementos capazes, colocam no meu lugar, eu sou funcionário do quadro da instituição, fui indicado politicamente, eu não posso dar nada a não ser trabalho, então fazer o que? Fazer virar para os trabalhadores que tá lá, tem o retrato do Getúlio, a época que eu inaugurei, foi uma ideia minha ué, não é isso, então minha proposta naquela época, no santinho, era justiça social, dinheiro público aplicado, lá na vereança eu sempre combati essa parte, os pronunciamentos eram contra a exploração do minério, que levava matéria prima e eles não traziam o plástico, esses eram os pronunciamentos, eu era muito mais nacionalista que muita gente.
R.M- E o PTB tinha uma linha nacionalista na época? P.L – Claro.
A.G– E quantos vereadores do PTB tinham? Era o Sr. ... P.L – Tem quatro, dois suplentes que sempre fazia o rodízio, eu como líder da bancada, eu afastava do cargo por que o outro colega não era remunerado. Nós éramos 5.
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R.M– E o prefeito aqui era de outro partido? P.L – De outro partido. Era do PSP - do Adhemar de Barros, Edmir Moreira Rodrigues. Ele ficou satisfeito quando eu fui cassado. Eu falei: “agora pode voltar aquilo que vocês querem, a farra com dinheiro público, meu cunhado foi quinze anos prefeito aqui, meu irmão foi prefeito”. R.M – Então era o Edmir que era prefeito? P.L – Na época. R.M – Quando foi dado o golpe, ele aderiu? P.L – Automaticamente. Ele deve ter participado desse esquema de cassação. A.G – E como foi a reação na sociedade corumbaense? P.L – Eu impetrei mandato de segurança contra o ato, aí o judiciário ficou impedido de julgar. A.G – Contra qual ato? P.L – É claro, porque veio o 1 e quando houve cassação ilegal, porque a Câmara não tinha o poder para cassar, ele fez esse expediente para a Câmara.
R.M - A sociedade corumbaense apoiou o golpe? P.L – Apoiou, porque a sociedade aqui era estritamente conservadora. A.G – Aqui teve a Marcha da Família com Deus? P.L – Não teve não. A.G – Teve algum outro tipo de manifestação em apoio ao golpe em Corumbá? P.L – Não, o povo aqui é apático a essas coisas, aqui quem levantou o povo foi a Campanha pela Legalidade. R.M – Do Jango?
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P.L – Do Jango, do Brizola, do Lott... Agente falava diretamente com o Palácio Piratini (sede do governo gaúcho). A.G – Fizeram a Campanha da Legalidade aqui? P.L – Com ato, com tudo. R.M – Fizeram ato público? P.L – Ato público no Jardim, ali na praça em frente à igreja, porque é difícil... Quando eu requeri perseguido político eles negaram, diz que não houve perseguição, Mas como: se eu fui preso, fui cassado? Então até hoje eu não voltei, o advogado não era bom e não recorreu do ato dentro do próprio ministério. O que adianta a Comissão da Verdade. R.M – O Sr. não chegou a perder o cargo que o Sr. tinha de delegado? P.L – O cargo era de confiança. Sim, minha exoneração do cargo de confiança. Fui exonerado. R.M – Mas continuou no quadro de pessoal? P.L – Continuei no quadro de pessoal, mas com outro cargo de confiança. Eles podiam aproveitar aquela época para quebrar, cortar meu pescoço de vez, nessa candidatura a vereador que eu fui o mais votado, eles falaram daqui ele vai para deputado estadual tranquilo. R.M – O Sr. era uma liderança política que estava nascendo? P.L – Então vamos cortar esse cara. R.M – Antes do golpe estavam havendo muitas agitações, sindicato, greve dos marítimos... P. L – Mas isso foi antes do golpe, que botaram Cabo Anselmo na jogada, ele veio a mando do americano para cá. Ele teve no Rio.
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R.M – Mas aqui havia essa movimentação política do sindicato? P.L – Tinha o sindicato e apoio ao Rio que paralisava... Tava junto com essa agitação que acontecia no Brasil inteiro. A.G – A Campanha da Legalidade aqui em Corumbá teve o apoio de que classes? P.L – Todas as classes participaram, todas as classes na Campanha da Legalidade.
R.M - Mais o pessoal do PTB? P. L – É, os sindicatos não sabiam conduzir a própria classe, tinha sindicato de taifeiro, sindicato de marinheiro, sindicato de conferente, sindicato de trafego, certo, então formou aquele grupo, só que era como falavam na época, era um bando de pelego, só queriam viajar para o Rio de Janeiro por conta do sindicato, a navegação aqui era diretamente ligada, Corumbá, Porto Murtinho, Assunção, Uruguai, Argentina, aquela coisa toda para levar o minério, depois que vieram as balsas de embarcar boi, se tá entendendo? A única riqueza que nós temos aqui que saí é o minério...Aí saiu em um jornal de Campo Grande: “Vereador Pedro Lins de Corumbá combate o Truste americano”, eu falei: “Tô preso”. R.M – O Sr. era vereador ainda? P. L– Vereador. Fui lá, estava eu, o Plinio Barbosa Martins, essa raça toda lá. Foi lá no Rádio Clube. No pronunciamento não vai dar outra coisa, é bonito né, saiu no jornal essa coisa e tal. R.M – O Sr. falou que o Amorésio tinha uma militância política em Corumbá? P. L – Tinha. R.M – Tinha um grupo político comunista, mas eles não conseguiram eleger nenhum vereador? P.L – Não, mais na época não tinha vereador, mas antes eles conseguiram, tinham três deputados, ele era deputado, o Tutu Pedroso, da família Pedroso - era deputado, certo.
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A.G – O Sr. lembra como foi o dia do golpe em Corumbá? P.L – Sabia da notícia e sabia que eu seria o primeiro a ser preso. A.G – Mas como o Sr. soube do golpe? P.L – Eu vinha acompanhando, eu vinha acompanhando aqui.... Cidade pequena... o da fotografia é o Francisco Barros Por Deus. Era Deputado. Esse era o Juquinha, o Percy não estava nessa fotografia, porque ele tinha grana, houve essa distinção aqui. A.G – Mas muitos dos presos que ficaram nesse navio... P.L – 82. A.G – Não era somente que tinham algum, um... P.L – Não havia prova nenhuma. A.G – Com o partido nem nada... P.L – Nenhuma. A.G – Estavam lendo alguma coisa e eram mandados para lá... P.L – Era isso, prendiam... A.G – Mas porque mandavam para o navio, Sr. Pedro? P.L– Onde que iam colocar? Eu, por exemplo, não fui lá. A.G – O senhor lembra o dia que foi preso? P.L – Lembro ué, foi dia... Foi após a revolução, nos primeiros dias já.
A.G– Já nos primeiros dias, no começo? R.M – Pois ato institucional n. 1 veio no dia 09 de abril. E O Sr. foi preso? P.L – Mas ficou a briga pela cassação, mas antes eu fui preso. R.M – O Sr. estava na sessão da cassação?
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P.L – Não, eu ia lá para quebrar o pau, o comandante do inquérito policial militar, o major vai lá, mas minha mulher tava tendo o neném, e o médico me botou na parede: “entre a saúde da tua mulher e o problema político”. A.G – Quem era o major? P.L – Major Aranda. Ele que foi o comandante do inquérito policial militar. Apresentei: R.M - Aí teve a sessão de cassação, foi cassado o Sr. Waldemar... P.L – E o Paraíba, João Teixeira e Silva, Waldemar era suplente, Luís Antônio era suplente, os efetivos, você vê que o primeiro nome da lista era o Pedro Lins. R.M – E aí quando o Sr. foi cassado, logo depois você foi preso? P.L – Não eu fui preso antes, aí tiveram que me liberar. A.G – E o Sr. foi mandado para onde? P.L – O 17, eu me apresentei ao general: “Olha eu tô sendo procurado desde quintafeira, eu sou fulano de tal”. Sabia que ia ser preso, que o comandante da patrulha era meu amigo. R.M – Porque em cidade pequena, todo mundo se conhece. P.L – Se conhece ele falou: “Pedro Lins se ele quiser ir para a Bolívia, pode ir”. Eu fui muito boêmio aqui, ele achou que eu estava na casa das mulheres aí e tal. A.G – Voltando como se fosse ontem, não que seja uma coisa boa, o que o Sr. estava fazendo nesses dias? Quando foi dado o golpe, o Sr. Já pensou que ia ser preso? P.L – Procurado porque eu representava uma liderança, não é.... R.M – E aí o Sr. teve a informação também...Vieram pegar o Sr. em sua casa? P.L - Não, primeiro eu me apresentei, mas eles queriam... Eu fui preso na rua Dom Aquino, em frente a uma padaria, chamada João Pessoa, em frente a padaria. Eu
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tomava uma cerveja na esquina da rua 7 com a Dom Aquino - hoje Dom Aquino, que era João Pessoa. R.M – Era rua João Pessoa? P.L – Aí chegou um oficial, bateu nas minhas costas e falou: “Cê não viu o Pedro Lins?” Eu com o copo aqui, não dei bola para ele... até o apelido dele era Pedro... porque ele era grande. Aí ele falou assim: “não saí comigo porque a qualquer momento vou ser preso”.
R.M - O Sr. não lembra o nome do oficial que te prendeu? P.L – Miguel, Tenente Miguel. Quando ele chegou lá no quartel, o médico era muito meu amigo da... chegou lá... “Atesto que o Sr. Pedro Lins é meu cliente”. Aí começou o negócio lá, tinha um capitão do exército, Paulo Aníbal, chegou lá e falou: “Se era para prender o Pedrinho porque não falou comigo?”. Eu falei: “Porque estamos em plena revolução!”, e levantou a companhia. Aí foram dizer, o almirante: “Tira o homem de lá, ele está sentado lá nos cassinos oficias, tão tomando cerveja e ele tá abraçado com o Major Aranda”, que era o chefe dos IPMs, continuava: “Tem que liberar esse homem mais rapidamente possível, não tem nada contra ele”. Revolução de disco aqui, a repressão mesmo, de tortura, foi em Aquidauana... Aqui foi difícil de fazer o mesmo, falar que botou em pau-de-arara. Nada! As famílias iam lá visitar [no navio], levavam comida, parecia hotel. Eu fui para o quartel e me liberaram no sábado, domingo, segunda-feira na sessão da Câmara para perguntar porque que tava passando lá, isso tem na ata, eu tenho na ata. A.G – O Sr. pode mostrar? P.L – Posso. A.G – Quando o Sr. foi preso pelo tenente, foi à tarde? P.L – Foi de dia, 10h da manhã. A.G – Você estava bebendo perto da padaria...
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P.L – Saí do buteco, passando... e passou uma escolta, com um major da PM e o delegado da época, Monteiro, que falou: “Olha o Pedro Lins, ele foi se apresentar para mim e eu não o prendi”, eu tive aqui no aeroporto, tava o Sílvio que é tenente... O Waldemar foi beneficiado... R.M – Quando o Sr. foi preso, tinha mais gente? P.L – Eu fui o primeiro. A.G – E quando o Sr. saiu, não tinha chegado mais ninguém lá? P.L– Aí começou a chegar o pessoal, eu não estava mais lá, eu fiquei na enfermaria, incomunicável. A.G – O pessoal que ficou preso, primeiro eles ficaram presos no 17º Batalhão? P.L – Lá não tinha como ficar, por isso criaram o nosso presídio. R.M – Não tinha nenhuma prisão? P.L – Não, na época não tinha espaço físico, aí que removeram os camaradas e estavam preocupados. Eu falei: “Não vai haver nenhuma, pega e bota no avião e joga lá de cima, não vai haver...”, “Não vai ter morte, essa revolução foi feita pra toca disco, tem que ser frio nesse momento”. Os vereadores quando foram lá na minha casa, os vereadores estavam..., como de recalque, o pessoal caiu tudo no bueiro, quando viu o médico lá do batalhão para na frente de casa, pegar minha mulher e meu filho para ir me visitar. Você pode, eu preocupado com o médico, eu falei: “Olha, você não pode fazer isso rapaz, esse negócio vai dar problema, e o responsável sou eu”, já imaginou levar familiares do preso dentro do quartel, lá na enfermaria, o Tenente Miguel ficava apavorado, porque ele tava no apartamento que eu fiquei... A.G – Então o Sr. ficou preso na enfermaria, Sr. Pedro? P.L – É, na enfermaria.
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R.M – E o Sr. podia receber a visita da família? P.L – O médico, que eu passei sábado, domingo, segunda, porque tinha uma sessão da Câmara e queriam saber por que eu fui preso. 0]Olha em plena revolução eu tinha que estar é morto, não preso. R.M – Esse navio prisão era do... P.L – Do Bacia do Prata.
R.M– Era o Guarapuava? P.L – O Guarapuava, o Tupi, tinha o navio Tupi também. A.G – Tinham dois navios? P.L – Que foram oitenta e poucas pessoas presas.
A. G– Assim, depois do senhor que começou realmente... P.L – Ah!! Depois começou as prisões de deputado, essa coisa toda. A.G – E toda a pessoa que era considerada subversiva... P.L – É esse time aqui. (olha a foto) A.G – Nós estávamos conversando... e muitas pessoas foram delatadas, por qualquer motivo. Como que foi isso? P.L – Ah! Foi o pessoal que era informante, então o informante chegava lá e via a atividade... A.G – E quem era o informante? P.L – Por exemplo, participei de uma reunião na rua XV, que era do Adolpho Cunha, ele era o líder comunista aqui, eu particpei e no momento que eles me interrogaram eu disse: “Eu não tenho jornal, eu tenho o original”, ele achou desacato isso... Eu participei na rua XV dessa reunião, participei...
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R.M – Mas isso eles te interrogaram? P.L – Interrogaram. R.M – Eles já sabiam disso? P.L – Já, eu falei: “Tá aqui o original do documento que vocês não tinham. “O Sr. não foi ao Rio de Janeiro no comício lá no Ministério da Guerra?”, Eu não fui porque a Sra. de um inspetor que veio me inspecionar, eu cedi a passagem para ele se tratar e ver a mãe dele que tava passando mal. “O Sr. iria?”, “Eu iria como o Sr. iria, porque o governo era legal”. A.G – Sr. Pedro, essas pessoas que foram delatadas... e presas. Como que foi essa história da prisão no navio? P.L – Era porque não tinha vaga, por exemplo, o vereador João Teixeira e Silva, que era militante, não comunista, era um sujeito que não tinham um grau de escolaridade, como o Luís Antônio, Waldemar e eu, certo? Ele foi preso na Marinha. A.G – O Waldemar também? P.L – O Waldemar não teve lá na base. O Waldemar teve já direto no navio, ele era parente desse Messias aqui, certo, então ele tinha sua... trabalhava na Itaú. O Waldemar, e de lá.... Ele sempre foi inteligente e tal, filho de gente humilde também. Hoje não, hoje ele parece mais criança que eu. A.G – Foram usados dois navios? P.L – Tinham dois. A.G – Como era o nome do outro? P.L – O outro era Tupi, navio tupi. A.G – E também ficou atracado no rio Paraguai? P.L – No meio do rio. E, depois, voltou a ficar, você já subia pela... que falava para amedrontar e jogava tambor no rio. Não jogou ninguém.
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A.G – Ou seja eles faziam essas simulações... P.L – Simulações. A.G – E o Sr. conheceu alguém que ficou preso nesse navio? E soube o que acontecia lá dentro? P.L – Deram injeção de verdade, o Jonas Ribeiro, que tá aqui nesse time também, esse era presidente do sindicato também. A.G – Ele ainda esta vivo? P.L– Tá morto. A.G – A maioria das pessoas... P.L – A maioria já foi. A.G – Quem era Jonas Ribeiro? P.L – Era presidente do sindicato dos marinheiros. A.G – O Sr. sabe quanto tempo essas pessoas ficaram presas? P.L – 50 dias. A.G – Incomunicáveis? P.L – Não, livre acesso, levadas lá como se fosse um presídio e depois mudaram... A.G – Qual era o critério para liberar? P.L – Por exemplo, o deputado ficou mais tempo preso do que eu, e não era comunista nem nada, o deputado estadual - o Por Deus era presidente do partido. Ele era da elite corumbaense, conservador, mãe fazendeira.
A.G - O Francisco também não esta vivo? P.L – Ele já faleceu.
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A.G – Depois do golpe houve algum tipo de vigilância militar? P.L – Teve. A.G – Aqui era uma região muito visada? P.L – Depois eu fui fiscalizar o grupo do minério. A.G – Eles consideravam o senhor como... P.L – Um elemento perigoso. A.G – E colocaram o Sr. para fiscalizar... P.L – Não, aí onde eu trabalhava no INSS eu fui fiscalizar a mineradora. Para acabar, quando o Fragelli foi governador, o secretário dele, que também não tá aqui, foi preso, o Salomão Amaral, esse não pode nem falar, o irmão dele era médico, servia no gabinete do Wilson Fadul, o Moisés Amaral. Eles eram militantes, não comunista, era do PTB... Tinha a turma intelectual e essa turma aqui, a maioria de sindicatos, essa coisa toda, mas sem militar. R.M – Todos esses foram soltos. O Sr. falou que mais ou menos ficaram 50 dias, 80 pessoas mais ou menos. P.L - Foi diminuindo, diminuindo. R.M – Alguns deles foram enviados para outro... P.L – Não. R.M – Até o Amorésio... Ele também esteve preso? P.L – O Amorésio foi pego aqui, eu falei: “Bolívia é pra cá”, ele foi para uma fazenda desse que tá aqui, do Messias, ele ia morrer de sede, aí prenderam ele e tiveram que traze-lo para o hospital, para reanima-lo, ele se apavorou, eu tava lá no aeroporto, falei : “Amorésio se você quer ir para lá (Bolívia), eu não posso ir que eu tenho que prestar conta”, eu era chefe da previdência.
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A.G – E teve alguém daqui que foi mandado para Aquidauana? P.L – Não, tudo aqui. O golpe militar aqui foi cômico. R.M – E mesmo no navio as famílias podiam visitar? PL – Podiam, chegava uma data histórica, primeiro de maio - que é dia das manifestações, por medida de segurança, mandavam prender um ou outro. Como preventivo. Eu também tive uma dessas, o cara falou: “Vão prender”. Eu falei para o major que eles tinham prendido a pessoa errada. Esse meu tio é general, tava em plena ditadura, ele no jantar perguntou: “Cadê o Brizolinha?”,que era eu. Ele falou que precisa me ver, eu fui no aeroporto, ele me abraçou, foi tanto nego dando a mão para mim. R.M – Quando teve o golpe, o partido não mandou nenhuma ordem do que se deveria fazer? P.L – Nada, porque nós estávamos em plena revolução, por exemplo, o dia que a Câmara reuniu, foi feita uma visita para mim, lá dentro do quartel e eles disseram.... A.G – Como era conhecido o Major Aranda aqui? P.L – Era conhecido como jogador de baralho, então uma turma que tava lá, subornava ele. Eu falei que se dependesse de mim eu ia morrer preso, porque não tinha dinheiro...
A.G– Houve algum tipo de perseguição? P.L – Não, nenhuma. A.G – Depois de solto, o Sr. continuou trabalhando? P.L – Continuei, normalmente, como fiscal da previdência. R.M – O Sr. não era mais delegado, tinha perdido o cargo? P.L – Em comissão, e voltei para o quadro, fui secretário lá em Campo Grande. A.G – Mas o Sr. não sofreu mais nenhum tipo de repressão durante...
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P.L – Não, só foi o ato de um aparato de me prender publicamente. Eu me apresentei a autoridade, e eles saíram já em uma escolta, que eu sabia quem tava comandando a escolta, eu sabia de toda a movimentação, eu era ligado a esses troços. R.M – Mas o Major Aranda não era uma pessoa temida aqui em Corumbá? P.L – Não... O Guarapuava era mais confortável, ele fazia Corumbá-Assunção, eles ficavam nos apartamentos. A.G – O Sr. lembra de algum que prenderam pessoas que não tinha nenhum envolvimento com o comunismo? P.L – A maioria, só os dedo-duro. A.G – Então por que eles prendiam? P.L - Prendiam por ouvir dizer. R.M – E nessa época prenderam algumas pessoas da Bacia do Prata? P.L – Prenderam o Álvaro Monteiro.
A.G - Por que prenderam essas pessoas? P.L – Eles tinham cargo de confiança lá. Eram ligados ao sistema do João Goulart. R.M – O Sr. sabe se na época havia militares que eram ligados ao partido comunista? P.L – Aqui teve a mulher de um coronel, ele foi preso aqui. A mulher dele era jornalista, R.M – Ela trabalhava em um jornal aqui em Corumbá? P.L – Ela escrevia para um jornal do Rio. Ele tava aqui, o Moraes. R.M – Ele foi preso? P.L – Foi preso, lá no exército...
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R.M – Vocês sabiam quem eram os dedo-duro? P.L – Sabia. A.G – O Sr. lembra o nome de algum? P.L – Eram os próprios vereadores da minha cassação. Eles que levaram lá para o almirante, aí teve um que falou: “Que que faz o Pedro Lins aqui?”, só tira ele da vida política. Ricardo – O Sr. era Boêmio na época, gostava da noite? Pedro Lins – Boêmio.
Entrevista realizada no dia 12/11/2015 com Pedro Lins
Alline Gois - O dia que o senhor ficou sabendo que ia ser preso, o senhor estava trabalhando? Pedro Lins - Não, eu estava em via pública, quando o tenente Miguel, na época, hoje foi servir em Campo Grande. Mas eu procurei as autoridades na época, porque o General... pra eu me apresentar pra ele. AG – O senhor estava em via pública resolvendo... PL – E fui fazer uma compra e estava voltando pra casa. AG- Quando o senhor estava voltando pra casa o... PL – Estava voltando e chegou uma escolta, que estava com o delegado, que era o Major da PM. Era o Major Gonçalo, que era da Polícia Militar. E ele já falou para o tenente: “ele esta te procurando para se apresentar”. Apresentei-me para o general Aguiar, na época..., depois foi o Aguiar. Na época do golpe Militar era o Wallestein. Eu falei: “tem uma escolta a minha procura, e eu estou me apresentando a vossa excelência”. A.G - Isso onde, na polícia civil? PL - Na civil, eu fui lá, e na época era o major da PM, me apresentei às autoridades. AG – Então o senhor foi primeiro a delegacia para saber... PL – Primeiro eu fui à delegacia. “O Pedro Lins, não tive comunicação nenhuma a respeito de você”.
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AG – E o que eles disseram para o senhor? PL – O major foi perto da minha casa. Eu estou para prender... Eu respondi: “Eu estou procurando vocês desde quinta-feira, para me apresentar” (3:30) . Daí eles me deixaram lá no 17º, daí o médico do batalhão me deu um atestado para ficar na enfermaria, como eu fiz tratamento com ele. Eu fui bem recebido no comando militar (4:00) que eles se apressaram para me liberar. AG – Então o senhor estava fazendo compra e ficou sabendo que a policia estava procurando o senhor para prender, dai o senhor foi à delegacia para se apresentar... PL – Quem estava me procurando não era a polícia, era o exército. AG - Daí o senhor se apresentou a polícia e dai foram para o 17º? PL – Porque o tenente ele recebeu a ordem lá. Da mesma maneira que eu adentrei (4:40) AG – Em que momento o senhor vai para o aeroporto, quando encontrou o Amorésio? Isso foi depois que o senhor foi solto? PL – Eu encontrei o Amorésio lá no aeroporto. Eu falei pra ele, “Amorésio você não pode passar aqui”. Eu já me apresentei aqui para o capitão Silvio. Mas o Silvio não quer me prender porque é ligado a família. O Amoresio era líder comunista, na época, aqui em Corumbá. AG – Então antes de ser preso lá no 17º BC, o senhor foi ao aeroporto? PL – Eu fui. Eu andava livremente aqui. AG – Mas em que sequencia aconteceu isso? Primeiro o senhor foi à delegacia, depois... PL – Na delegacia eu conversei com o delegado, eu já sabia pela própria escolta, um amigo meu fazia parte da escolta. Então eu falei: “vou à delegacia me apresentar”. Se for pra prender... Eu procurei as autoridades da época, que estava comandando o processo do golpe militar. AG – Sr. Pedro, o que eu não estou entendo é a ordem dos acontecimentos. Primeiro o senhor foi para a delegacia e depois para o batalhão, mas em que momento chegou ir ao aeroporto? Foi depois que o senhor foi solto?
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PL – Ah, foi antes. E o capitão Silvio, era casado com uma sobrinha do meu cunhado. Ele falou: “vai ficar na estória que o Silvio, marido de dona Edna, que prendeu você. Procure outro”. AG – Então primeiro o senhor foi para a delegacia ou foi para o aeroporto? PL – Eu passei cedo na delegacia e falei com o Gonçalo. Fui para o aeroporto para ver o movimento, saída de avião. Estava num boteco, tomei uma cerveja, a 50 metros falei para a pessoa que queria me acompanhar: “olha eu estou sendo procurado. Possivelmente eles vão me achar a qualquer momento, e você pode ser envolvido”. AG - O senhor disse isso para o dono do bar? PL - O dono do bar me serviu, entrou um oficial lá, e ele me confundiu com o meu irmão, o Zé. Ele me chamou de zé. AG – Então o senhor estava na via pública , daí foi procurado pelo tenente Miguel, daí senhor foi na delegacia... PL – Não, não, dai partimos direto para o batalhão. AG- Então antes de ser procurado, o senhor foi ao aeroporto? PL – Fui ao aeroporto, encontrei o Silvio. Eu era muito conhecido aqui na cidade, né! O Silvio estava de serviço no aeroporto. “A única coisa que eu estou aqui, eu estou comandando o aeroporto e você for pegar um avião, eu posso te impedir de pegar o avião”. (8:40) AG – Mas quando o senhor encontrou o Silvio no aeroporto, já sabia que estava sendo procurado? PL – Já sabia, por isso que eu fui me apresentar pra ele. AG- Dai ele não quis prendê-lo, porque o senhor era da família... PL- Ele disse: “Escuta, você procure outro menos eu”. Ele esta vivo até hoje, esta morando no Rio de Janeiro, entre Ipanema e o Leblon. AG- Para onde o senhor foi depois que saiu do aeroporto? PL – Eu saí do aeroporto e vim aqui para a cidade, aqui tudo é perto. De onde eu moro, são três quarteirões. AG – Quando o senhor sai do aeroporto e vai para a via pública e encontra com o tenente Miguel e já vai para o 17º?
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PL – É. Ai, eu já sabia por intermédio da escolta. Porque o sargento é meu amigo, disse: “Fala para o Pedro Lins que se ele quiser ir para a Bolívia, pode ir”. Eu era delegado dos marítimos, eu tinha valores para prestar conta, eu não poderia pedir exilio politico e deixar o problema da administração. Você esta entendendo? Eu esperei... no momento que eu cheguei no quartel eu pedi para falar com o general, porque eu tinha que ir lá entregar aos oficiais, para deixar a responsabilidade com eles enquanto eu estivesse enquadrado. AG – Quando o senhor estava sendo procurado e não sabia o porquê, como o senhor se sentiu? Nervoso ou estava tranquilo? PL- Não porque eu sabia que... o meu pronunciamento na câmara era estritamente nacionalista, você esta entendendo? Eu fiz um pronunciamento sobre o João Candido. Quem era João Candido? Um almirante negro que acabou com o a chibata nos convés dos navios. A minhas palavras eram de subversão nessa época. AG – Na câmara o senhor era considerado um nacionalista? PL – Claro. Eu combati o truste do minério, que até hoje ... AG – Quando o senhor estava na via pública e o senhor foi procurado pelo tenente Miguel, o senhor estava no bar? PL - Eu tinha saído do bar e estava a uns 50 metros do bar. AG - No bar, é quando o oficial chega e bate nas costas do senhor para... PL – É... é o Lucio. Eu estava de costas com o copo na mão e ele disse: “Zé, você viu o Pedro?”. E eu disse: “quer que eu dê um recado?”. Mas eu não me virei pra ele. Ele nem me viu. Lá fora ele falou: mas eu encontrei com ele... era você? E eu: “é que você me chamou de Zé, eu me chamo Pedro”. AG – E o senhor estava no bar tomando cerveja? PL – Tomando uma cervejinha gelada, na parte da manhã. AG - E isso era umas 10 horas da manhã? PL- Umas 10h. Estava no balcão. AG- Como que era esse bar? PL- O dono do Bar? Não, era filho de russo, eu acho que eles vincularam a minha presença naquele bar porque... AG - O senhor lembra o nome do dono do bar?
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PL – Era Bonifácio. AG – O senhor era conhecido dele? PL - Conhecido. Ele era garçom, ai ele montou o boteco. AG – Foi pra ele que o senhor disse “não sai comigo que eu posso ser preso a qualquer momento”? PL – Foi para outra pessoa ,que era marítimo. O Pedro falou para mim: “eu vou sair com você”. Eu: “olha, eu devo ser preso a qualquer momento. E você tem pouca cultura para conversar com esse povo”. AG – O senhor sabe me dizer como que era o bar? PL – Era pequeno, tinha duas portas, uma dava para a rua 7 de setembro e a outra para a rua João pessoa. Era numa esquina. Era pequeno. AG – No dia que o senhor estava lá tinha muita gente? PL – Não, nesse momento que eu estava lá, tinha o dono do bar e ... (15mim) quando chegou o capitão Lucio e perguntou: “Zé, você viu o Pedro Lins?” Eu disse: “não vi não, mas se você quiser eu dou o recado pra ele”. AG – E o senhor saiu de lá, deu uma andada e encontrou o... PL – Assim, de frente a padaria popular,... Ele saltou do Jipe :” você veio prender um homem que esta desarmado. E eu já me apresentei para o seu superior, o general Wallestein. Ai chegou no batalhão, o médico me deu um atestado de que eu era cliente dele. Ai começou a mordomia. AG - Então o senhor foi abordado na via pública e já foi levado para o 17º, no jipe? PL – Para o 17º, onde fui muito bem tratado. Eu fui no jipe da polícia. O tenente Miguel.. o Gonçalo disse: “olha, eu conheço o Pedro muito bem ... 16:20 AG – Assim que o senhor chega no 17º, o que eles te disseram? PL - Quando eu cheguei lá eu fui direto para o gabinete do comandante. AG – Na casa de ordem? PL – Na casa de ordem, o gabinete é anterior a entrada do gabinete do homem. AG – E o senhor entre lá para falar diretamente com ele? PL – Diretamente não foi, porque o momento que eu fiquei na casa de ordens, o médico apareceu lá é me deu o laudo e entregou para o Coronel Moraes.
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PL – O médico... tinha o capitão Anibal, que também estava lá. (17:00) “ Se fosse para pegar o Pedro Lins, você telefonaria e pediria para ele vir. AG - O que o coronel disse quando o senhor chegou lá? PL – O Moraes nada. Porque ele sentiu que a tropa me conhecia, ele estava cumprindo uma missão, que era ordem de um superior. Foi no momento que eu também pedi para verificar na repartição que eu trabalhava que era delegado dos marítimos, e de indicar o patrimônio que estava sob a minha responsabilidade. Eu tive que passar a responsabilidade do meu trabalho para o comando que e prendeu. AG - E de quem veio a ordem para prender o senhor? PL – A ordem... de um encontro que teve na rua 15, que era de liderança de esquerda, você esta entendendo? AG – Onde que estava o Adolpho? PL – É, o Adolpho Cunha, na rua 15 de novembro. AG – Então essa era a acusação que estava contra o senhor... PL – Porque eu participei de uma reunião. Ele disse: quem é que tem o jornal? 18:50 Eu disse: “eu tenho o documento que prova”. AG- O senhor mostrou isso para quem? PL – Para o cara que fazia o Inquérito Policial Miltar. AG – O Major Aranda? PL – É... o Aranda que era o chefe do IPM. Só que depois que ele me deu um abração lá na... daí falaram: “tira o homem de lá.. AG – E essa reunião que o senhor participou lá na rua 15 de novembro, era o que? PL – Era militância comunista, e fizeram uma reunião lá... mas não era para subverter, não era para protestar, você esta entendendo? AG - Então te procuraram porque o senhor já tinha esse contato com os comunistas? PL – Era líder dos marítimos, tinha muita força na época. AG – No mesmo dia que o senhor chegou no 17º e o doutor Xavier disse que o senhor era cliente dele...
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PL – É, deu um atestado como garantia de qualquer lesão. Foi medida... isso tem escrito, tem a ata. Visto que eu não tive direito a anistia, porque eu sai de um cargo de confiança e passei para outro cargo de confiança. Só foi negado o direito de ser despedido... AG - No mesmo dia que o senhor ficou preso no 17º, o senhor recebeu... PL - Eu não fiquei preso, porque eu fiquei no apartamento... Eu fiquei na enfermaria, no quarto do apartamento que estava o tenente Miguel. Ele foi para a cama de campanha e eu fiquei lá. AG – No mesmo dia o senhor recebeu a visita da sua família? PL – Foi o próprio médico. O médico pegou a ambulância, à noite, e saiu do quartel e foi apanhar minha família para me ver lá no batalhão. O problema foi o seguinte: eu achei que ele estava excedendo da liberdade, né! E que podia ser prejudicado por minha causa. AG – E o que ele falou? PL – Ele disse: “escuta, eu vou lá na sua casa, trazer a sua senhora pra cá”. AG – E como foi o encontro com a sua família? PL – Nah, ficou à vontade. Foi a minha família e dos outros que foram lá. AG – E a dona Ruth, como que ela estava? PL – Mulher se preocupa, né. AG – E o que o senhor disse pra ela? PL – Que eu sai para fazer compra e me avisaram: “olha, o Pedro esta preso, por modo de dizer, ele esta lá hospedado”. Ela estava grávida da minha filha... AG – A Olívia? PL – É, a Olivia. A gente ia colocar o nome dela de Liberdade... AG – Então a sua esposa ficou nervosa? PL – Ela estava bem atendida, porque não sabia que ia ser tão rápido assim. AG – E o que o senhor disse pra ela? PL – Esse negócio ai e do capitão Ivo, que esta fazendo essa gentileza, eu não estou prejudicado. AG – Depois do encontrou com o senhor, ela ficou mais tranquila?
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PL – Ficou, porque os vereadores que foram lá em casa, quando viram o Jipe chegar, pensou que era eles... AG- O senhor passou uns três dias no batalhão e foi liberado pois não tinha nenhuma acusação contra o senhor. PL – Não, não tinha não. Acusação do que? Eu não respondi nem inquérito policial militar. Houve umas perguntas que eu respondi. Certo? AG - Então o senhor foi liberado e não teve que prestar mais nenhum esclarecimento para as autoridades militares? PL – Não, nada. Não voltei. Houve um pedido de cassação que era político também. AG – Isso foi em maio, quando a filha do senhor estava nascendo? PL – Em maio. Fui afastado, dai mandaram a carta renuncia. Eu: “Não assino. O mandato não é meu, é de quem votou em mim”. AG – Onde que o senhor estava quando levaram a carta renuncia? PL – Eu estava na maternidade, minha filha estava nascendo. AG – Ai que chega os vereadores para pedir a renuncia do senhor? PL – É os vereadores. (27:30) AG – O senhor não quis renunciar, e foi cassado. PL – Então, dai partiram para outra. “O homem não é de renuncia”. AG – Porque cassaram o senhor? PL – Depois que foram descobrir que ... AG – Eu peguei umas atas da câmara, e teve uma sessão que falaram da prisão do senhor. Falaram que ai na casa o senhor nunca tinha manifestado ideias comunistas e que estava sendo bem tratado no batalhão. Então o senhor não tinha nenhuma divergência ali na câmara? PL – Não, eu era líder de bancada. Eu pedia prestação de conta do dinheiro público, naquela época. Minha posição na prefeitura era da moralidade administrativa. AG – Porque o apelido do senhor era Brizolinha? PL – Brizolinha porque eu pertencia ao Grupo dos Onze na Campanha pela Legalidade. Eu participei diretamente em contato com o Rio Grande do Sul. AG – Mas o senhor movimentou essa campanha ai em Corumbá?
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PL – Teve o movimento da campanha da legalidade, comandada pelo Lott. Então eu sofri um certo perigo. AG – Qual foi a participação do senhor nessa campanha da legalidade? PL – O movimento da Legalidade a gente aglutinou o povo, e fomos para o Jardim Público [Praça da Independência], para fazer pronunciamento da legalidade. Nos juntamos o povo, o Jardim Público aqui e ficou toda a tropa em volta. Não acabaram com o movimento. O vereador (senador? 29mim) aqui, o Bezerra Neto, foi fazer discurso, levamos o Bispo pra lá. Chamamos toda a sociedade para participar. Tinha um livro, para que era a favor da legalidade. Tinha um livro para pegar a assinatura de quem era a favor do governo. AG – Em Corumbá o grupo dos onze tinha membros? PL – Dentro do Partido Trabalhista tinha a ala que era Brizolista. AG - E o senhor era um deles? PL – Eu era um dos componentes. Na campanha da legalidade nos fomos na rádio, ficamos na rádio. “não sai dos quarteis a sua mãe e o seu pai estão aqui conosco”, essa era a mensagem. AG – Então depois dessa campanha que o senhor ficou conhecido na cidade como Brizolinha? PL – O Brizolinha. Ele era um contestador.
Entrevista 1.3 Nome: João Carvalho
Alline Gois (A.G) - Em 1964 o Sr. tinha quantos anos? João Carvalho (J.C)- Em 1964 eu tinha 20 anos, eu servi na 18º Brigada de Infantaria, que era 2º Brigada Mista - depois mudou para 18º Brigada [Brigada Ricardo Franco]. Em 1962, eu era soldado, eu me lembro, que, em termos nacionais, já havia um certo clima para tomada de posição, a implantação de um novo regime, não se sabia o que era, mas já havia qualquer comentário. Em 1964 estourou a revolução, em 31 de março de 1964, muito bem, Corumbá recebeu uma atenção especial, por se tratar de uma
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cidade localizada em faixa de fronteira. Todos o mecanismos militares foram voltados aqui para Corumbá, na época a situação política era vigiada, era monitorada pela ditadura militar, então aqueles vereadores que eram mais entusiastas, que eram mais combatíveis dentro da Câmara Municipal começaram a receber uma certa vigilância na Câmara através do serviço, não vamos dizer serviço secreto, mas do serviço de monitoramento do próprio exército, e, alguns deles, foram declarados presos pelo regime militar. Deveriam ser transferidos para um local de segurança, uma espécie de presídio, cadeia ou coisa parecida. Então, foi aí que se descobriu a oportunidade para colocar esses vereadores em uma espécie de navio que pudesse dar maior garantia, e que esses presos não tivessem condições de fugir, não tivessem condições de trazer problemas maiores para o próprio regime militar, então o navio Guarapuava, que se tornou um símbolo, inclusive da prisão desses vereadores, eu me lembro de alguns vereadores, o nome de alguns vereadores que foram presos, por exemplo, o Sr. Pedro Lins, foi um deles, o Dr. Amoresio foi outro que eu me lembro, tinha um tal de Irio Claro da Luz, esse ai também era um dos vereadores combativos. Ricardo Maia (R.M) - Pelo PTB também? Eu acho que era pelo PTB..., aqui, na época do golpe de 1964, haviam quatro partidos fortes, havia a UDN, o PDS, o PTB, e tinha mais outro partido que eu não estou me lembrando agora. Ricardo
-
João, nessa época,
em
1962,
já existia
no quartel um
certo
descontentamento? Já haviam determinados comentários, entende... da situação nacional, de como estava acontecendo a situação política no país, que o país poderia cair na mão do regime de esquerda, do comunismo. A.G - Quando o Sr. entrou no quartel já era o Aranda? J.C -O Aranda era o comandante, já era o comandante. A.G - Como era o Aranda? J.C- O Aranda era muito ligado ao esporte, era uma pessoa muito querida, mas ele tinha um defeito, um defeito muito grande, ele era mulherengo e gostava muito de jogar baralho, entende. A.G - Mas ele não era um cara da linha dura?
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J.C - Não, é tranquilo, tanto é que o pessoal que foi colocado no navio, no meio do rio, ficou ancorado aí, eles declararam posteriormente que foram muito bem tratados, havia uma guarnição permanente, se eles tentassem uma fuga, caíssem do barco e nadassem para o outro lado do rio, imediatamente seriam presos novamente, então eles ficavam lá, recebiam o tratamento que devia ser recebido, entende. A.G - Primeiro eles foram (levados), pelo menos essa foi a informação que tivemos, que eles foram (levados) para o 17. Batalhão. Eles foram levados para lá? J.C- Certo, de lá que eles foram. A.G - A quem pertencia esse navio Sr. João Carvalho? Esse navio pertencia ao Serviço de Navegação da Bacia do Prata. A.G - E foi solicitado pela Marinha? J.C - Foi requisitado pelo Exército através da Marinha, porque a Marinha está ligada a navegação, então o Exército intercedeu junto a Marinha para que o navio fosse requisitado para alocar os presos nesse navio. A.G - O Sr. comentou que em 1962 já tinha essa vigilância. Aqui teve a Campanha da Legalidade também? J.C- Teve. A.G - O Sr. Sabe dizer como foi essa campanha aqui? J. C -Foram passeatas, manifestações, entende? Ricardo Maia - Nessa época, em 1960, quais eram as famílias tradicionais em Corumbá? Que tinham influência política? J.C- Eu posso citar uma família de uma pessoa que foi até compadre de meu pai, ele chegou a ser deputado estadual, era uma pessoa que tinha muita influência política com o Dr. João Leite de Barros, Dr. Gabriel Vandoni de Barros, já falecido. O Dr. João Leite era um fazendeiro muito rico, situação muito estável, entende? Tem uma filha que é casada com um almirante... R.M - Tinha envolvimento dessas famílias tradicionais com pessoas do Exército ou da Marinha? J.C- Tinha, o próprio Percy, como é que é o nome dele, Percy Por Deus, foi um político atuante. Nessa época já começava a se manifestar o próprio Augusto Cecílio de Jesus
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Gaeta, o Cecílio... foi deputado, tanto pelo Mato Grosso integrado, como pelo Mato Grosso do Sul, ele têm duas aposentadorias... R.M - Segundo os jornais da época, antes do dia 31 de março, havia uma certa agitação aqui, greve de marítimo? J.C- Tinha o IAPC, IAPEPEC, IAPM. O IAPM era o sindicato dos marítimos, os marítimos tinham certa força, porque ali estava infiltrado o pessoal da esquerda. Então já havia certos movimentos de greve ou coisa parecida. Mas as greves de antigamente.... A.G - Na época que foi dado o golpe o Sr. fazia o que? J.C- Eu estava trabalhando e estava estudando, estava terminando o meu 2 Grau, e, depois, eu entrei para a faculdade. A.G - O que o Sr. lembra desse período? Quando foi dado o golpe militar, houve alguma manifestação em Corumbá? Houve a campanha do ouro para o Brasil? O Sr. se lembra como foi essa campanha aqui? J.C - Não, essa campanha do ouro foi muito bem aceita pela sociedade, muitas famílias doaram correntes, objetos de estimação, para tirar o país de uma situação caótica que estava na época, houve participação, o povo sentiu que tinha uma justificativa... A.G - O Sr. consegue se lembrar do dia do golpe, dia 01 de abril? Como Corumbá ficou sabendo do golpe? Qual foi a reação? As pessoas comentavam nas ruas? J.C - Não, dias antes, quando começaram as manifestações, o próprio João Goulart tinha feito um discurso que jamais poderia ter feito. O país podia cair nas mãos da esquerda, entende? O comunismo, isso daí era uma tentativa, que isso era uma tentativa de derrubada, o povo já estava atento para o que estava acontecendo, não aqui, mas lá, através dos rádios, nessa época ainda não tinha televisão, aqui chegou em 72, 60 e pouco, entende... Quando chegou a televisão o povo passou a ter maior acessibilidade as informações. A informação que tinha era através do rádio, era o chamado “Repórter Esso”, era ouvido aqui, eu me lembro que meu pai tinha um rádio e ficava na “Hora do Brasil”, atento, escutando tudo que estava acontecendo. A.G - As notícias chegavam por esse programa, “Hora do Brasil”? J.C - A “Voz do Brasil” e o “Repórter Esso”. A.G - Como ficou o clima depois do Golpe Militar?
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J.C - Ficou um clima tenso, mas o povo começou a se acostumar pelo seguinte: eles acreditavam que o militar estava fazendo uma coisa boa para o país. Eu vou dizer para você com toda franqueza, dei aula durante trinta anos, e os alunos, várias vezes, perguntavam pra mim: Professor porque você é favorável ao golpe militar, a ditadura? Eu falava para eles: Eu vou explicar porque, se você analisar todo o contexto do militar, além deles serem atuantes, eles foram um grande bem para o país. O grande desenvolvimento do país na época, o militar construiu quatro grandes usinas hidrelétricas, e, que se não fossem construídas, nós estávamos com um apagão hoje. O militar descentralizou, ele procurou ramificações de estrada pelo centro do Brasil, o militar deu maior segurança, o banditismo no Brasil não era tão aflorado como existe hoje, na época, nós tínhamos as chamadas patrulhas militares, que eram compostas por militares da Marinha e do Exército, e eles percorriam a pé, andando, observando tudo, eles iam no alto meretrício, lá em cima, onde tinham aquelas casas de tolerância e lá eles entravam e pediam documento. R.M- Isso depois do golpe? J.C - Depois do golpe, no período do regime, ou depois, com o tempo foi acabando. Fizeram uma sessão na Câmara, à noite, para cassar. Isso deve ter mexido com a cidade, as pessoas mais representativas que foram presas, qual era o comentário na cidade? Porque, de alguma maneira, por exemplo, o Waldemar (Dias Rosa) tinha uma influência, não era uma pessoa do povo, como o Pedro Lins também não era, eles tinham influência. Qual era o comentário na cidade? O comentário era que nós estávamos vivendo um regime de força, ditatorial, e que quem mandava eram os militares. Agora uma coisa tem que ser muito bem esclarecida, com os militares o civil temia qualquer deslize, porque sabia que o militar vinha em cima. Eu conheço excidadãos de Corumbá que se destacavam, eram médicos, engenheiros, que depois que o regime militar foi extinto, eles passaram a se aproximar do militar, como se nada tivesse acontecido, com medo de um segundo acontecimento, uma segunda leva, então esses aí, quando o militar não estava no poder, eles batiam na mesa e falavam que eram de esquerda e que precisavam fazer uma reforma política, faziam um estardalhaço, depois que o militar tomou o poder afrouxaram, a gente sentia isso.
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A.G- Muitas dessas prisões eram feitas por denúncia? J.C- Essas denúncias eram feitas a um serviço, chamava-se E1 e E2, era um serviço do Exército localizado na Brigada, era E1 e E2.
R.M- Quem cuidava dessa parte era o Aranda? J.C - Não, estava ligado ao Aranda, porque o Aranda exercia uma função de Comandante e era o coordenador dessas prisões de políticos que foram acomodados lá no vapor Guarapuava.
A.G - O Sr. sabe dizer quem eram os delatores daquela época? J.C - Tinham várias pessoas. R.M - Civis?
R.M - Civis, eles passavam informações, eu tenho um amigo meu, que hoje está na reserva, e, outro dia, a gente estava conversando e ele disse: “Puxa João, na minha época eu recebi tanto telefonema de gente dando informação, é porque fulano é isso, fulano é aquilo”. Pessoas que não se identificavam, para fazer uma certa média, ou com raiva das pessoas, aqui em Corumbá tem muito disso, tem pessoas que tem inveja, raiva, você pode, por exemplo, chegar em um setor aí e falar: “Eu fiz uma entrevista com o professor João Carvalho, lá no porto e eu gostei da entrevista dele, ou se não, eu não gostei dessa entrevista, não vai faltar um para falar.
A.G - Esse seu amigo é de onde mesmo? J.C - Ele era da Brigada Mista, era da 2. Brigada Mista, hoje 18.
A.G - E ele trabalhava na época? J.C- Ele trabalhava nesse setor.
R.M - Teriam dois navios? J.C - Não, o Tupi não era, só o Guarapuava, quem deu essa informação para vocês estava errado, só o Guarapuava.
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R.M - Vocês sabiam do dia a dia dentro do navio? Eles (os presos) ficavam só recolhidos? J.C - Ficava lá, um pegava a linha de pescar e ia pescar, outros ficavam lendo, a mordomia deles lá era boa lá, eles comiam, dormiam, tinha um camarote, cada um em um camarote, um navio cheio de camarote, dormiam tranquilamente, com segurança.
R.M - Os inquéritos e os interrogatórios já tinham sido feitos? J.C - O interrogatório era feito lá na Brigada, foi feito o primeiro e consequentemente um a um, era levado para lá, para complementar o interrogatório.
A.G - Você se lembra quanto tempo esse navio ficou com essas pessoas (presas)? J.C - Ficou mais ou menos..., 4 a 6 meses, é, por aí.
R.M - Aí aos poucos foram soltando (os presos)? J.C - Depois, que se constatou que não representavam risco nenhum, foram soltos.
R.M - Não existia um movimento forte de esquerda (em Corumbá)? J.C -Não, não tinha. Eram pessoas comuns, “pessoal” do povo.
R.M- Nós percebemos que muitos desses vereadores, que foram cassados, depois (de algum tempo), eles tinham relação com o Exército, com a Marinha. J.C - Depois a coisa foi se acomodando de uma tal forma que se constatou que não havia nada que comprometesse a idoneidade, a moral das pessoas, que aquilo ali devia ser corrigido, e, hoje existe uma integração, inclusive os próprios militares, que são mais abertos...
R.M - Quem era o Comandante da Marinha?
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J.C - Não lembro, mas havia um pessoal rigoroso na Marinha aí, que era do serviço de informação. Se sabe que a Marinha foi muito mais presente na revolução que o próprio Exército. O Exército tomou as rédeas mas o serviço de informação da Marinha era muito mais atuante.
R.M - Depois das prisões continuou havendo uma vigilância das pessoas aqui em Corumbá, dessas pessoas que tinham algum envolvimento? J.C -Não, a coisa foi muito passageira, no primeiro momento, depois a coisa começou a acomodar, acomodar...
A.G - Tem um envolvimento muito forte da Marinha e do Exército na sociedade corumbaense? J.C - Tem, todos os Almirantes que vem para cá, eles mostram um sinal de felicidade. O corumbaense e o ladarense são muito abertos, muito recíprocos, recebem bem.
R.M - O que os jovens faziam na época? Tinha algum clube? J.C- Tinha o Corumbaense, o Riachuelo, tinha o La Barranca, que hoje é a boate 1054, e haviam muitas festinhas familiares, muitas festinhas, na época o que dominava aqui era a Polca Paraguaia, não era o Chamamé, a polca paraguaia, o bolero. As casas em Corumbá são focadas na Art Nouveau, é a chamada arquitetura Art Nouveau, Belle Époque, então se ver as casas de Corumbá têm esses bordados, subindo a XV se você olhar um sobrado na esquina ele é todo decorado, com aqueles floretes, aquelas rosas bordada, isso aí é um trabalho da arquitetura trazida pelos portugueses, pelos italianos, pelos espanhóis, então você vê a influência, é uma influência europeia.
R.M - Nessa época os filhos das famílias tradicionais iam estudar no Rio de Janeiro? J.C - No Rio de Janeiro, não para São Paulo, a influência nossa é toda do Rio de Janeiro. Já sentiu isso? O nosso forte aqui em Corumbá sempre foi a pecuária, mas com as inundações no Pantanal, as enchentes no Pantanal, muita gente começou a quebrar, conclusão, muita gente começou a mudar de ramo, a mudar de atividade.
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R.M - O porto também diminuiu bem o movimento? J.C - Tranquilo, essas casas aqui (no porto), eu cansei de usar camisas de linho, cambraia de linho diretamente da Holanda, calça LS 120, não existe mais, a seda que as mulheres vestiam, eram importadas, vinham da França, da Alemanha, sedas finíssimas, perfumes, até doce vinha da Inglaterra, aquelas latas de goiabada...
R.M- Tudo trazido pelos navios? J.C - Pelos navios, então caiu um pouco isso daí, essa frequência de navios de outras bandeiras, aqui era um porto internacional, começou a diminuir, toda a cultura sofre uma mudança
Entrevista 1.4 Nome: Ênio Vila da Nóbrega Professor aposentado Nascimento: 02 de Janeiro de 1945
Ênio Nóbrega (E.N) - Eu pregava a reforma agrária, e fui contra os princípios da família. Morava em Rio Grande do Norte e mudei para a casa do meu irmão no RJ. Logo em 1962 mudei para Corumbá, na casa do meu outro irmão (Lamartine da Nóbrega), inspetor da receita federal. Ingressei em março de 1964 com 19 anos no 17º Batalhão de Caçadores, na segunda companhia de fuzileiros e terceiro pelotão que era integrado por corumbaenses. Na época o nosso comandante era o Coronel Moraes do 17º BC. E o Comandante da nossa companhia era o Capitão Neves. Sempre tive meus ideais ligados à esquerda. Depois que eu entrei no exercito eu vi que não ia me adaptar ao regime militar. Às vezes ia um sargento semianalfabeto lá dar ordens, não conhecia a realidade brasileira. E eu como sempre fui esclarecido, gostava de ler jornal, sabia o nome de todos os comandantes do exercito na época.
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Diziam que eu tinha ideologia de esquerda. Certa vez um sargento me perguntou o que eu achava de Carlos Lacerda. Um sargento vindo lá de Campo Grande. Eu o acho um grande demagogo. E isso quase que me deu cadeia. Porque Carlos Lacerda estava ao lado da Ditadura Militar.
Alline Gois- Quando te fizeram essa pergunta? E.N – Em 1964.
A.G- E quando o senhor entrou no exercito aqui? E.N- Em Janeiro de 1964. Quando estourou. Eu cheguei em casa,
o Comício
da Central do Brasil
que foi
organizado pelas entidades da sindicalistas, do qual o Jango ia participar. Isso foi o estopim. Então quando cheguei lá no quartel deram uma ordem. Ninguém podia sair do quartel. Ai o que fizeram, tinha um oficial chamado Teles Pires, apreenderam esse oficial, acho que ele era capitão. Só que ele não era do quartel, acho que ele estava visitando, mas prenderam-no. Porque disseram que ele não era do sistema. Daí ninguém podia sair do quartel, a gente tinha que dormir fardado. Isso foi em abril.
A.G -O que o senhor estava fazendo no dia 1 de abril? E.N- Foi feriado. Só sei que eu não fui ao quartel. Não sei se foi feriado. Voltamo-nos dia 2 e quando entramos ficamos aquartelados. O quê que é aquartelamento? Você tem que permanecer no quartel fardado, você dormia fardado. E os armadas emparelhadas. São três fuzis em pé. Mosquetão. Ai começou a entrar e sair “jipão” do quartel. Bom, ai eu passando pela casa das ordens, eu escutei: vamos apreender todos os comunistas de Corumbá- o primeiro alvo seria o pessoal que trabalhava na Bacia da Prata. Eles falavam que era o foco de esquerdistas. Não era o foco, eram pessoas que mal sabiam ler. Eu entendo que o socialismo são pessoas intelectuais. Na bacia não tinha intelectuais, tinham umas pessoas sem estudo. E um lá liderava e dizia que apoiava o Jango. E quem apoiava o Jango era suspeito.
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A.G -Onde fica a casa de ordens? E.N- Fica dentro do quartel. É uma sala lá. Saiamos do quartel às 17:00 e voltávamos às 5:30 da manhã no quartel. Porque os paulistas que moravam no quartel, dormiam lá. E os corumbaenses não podiam dormir lá porque não tinha cama. Então íamos para casa e voltávamos às 5:30 para o quartel. Porque o quartel são quatro companhias. E cada companhia tem 120 homens. Então tiveram que arrumar cama, cama de lona, bicamas, porque ficamos aquartelados. Ai começou a entrar gente lá, ai, notei que entrou um agente da Polícia Federal, o Tarci viu tudo com a turma lá. E logo nomearam o Major Aranda como se fosse responsável pelo IPM. E o Major Aranda era um oficial assim muito bonachão. Ele falava palavrão, falava mal a gente. E ao mesmo tempo o pessoal gostava dele. Passava lá : banda de cabeça de )... você ai filho de uma puta. E o pessoal gostava dele porque era bonachão. Não tinha que fazer continência com ele nada não. E ele ficou. O Major Aranda, fardado, tinha uma 45 do lado, ao nesses bailecos dançando. E às vezes, a gente na patrulha, olhava, via ele lá. “O Major Aranda, então vamos dar cobertura. A patrulha é para dar cobertura”. Porque naquela época A patrulha saia à rua.
Ricardo Santos (R.S) - Fazia Policiamento? E.N- Fazia policiamento. Saia o sargento, o cabo, tudo com metralhadora ??? (13:31) E os soldados tudo de cassetete e revolver 45.
A.G -Quem dava as ordens para a patrulha sair às ruas? E.N - O coronal Moraes. Havia escalas. É que no quartel é o seguinte: todas as 16:30 reunia todos os batalhões, cada um da sua companhia. Eles ficam em frente. Ai ele lê assim: boletim interno. O quê que vai acontecer naquela companhia? Fulano de tal foi promovido... etc. Ai vem a quarta parte: justiça e disciplina. Soldado tal, tal... pegou 15 dias de cadeia, etc. Relação de serviço. Cada dia uma companhia ficava de serviço dentro e fora da quartel.
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Porque eram dados reforços para a Brigada Mista? Porque eles corriam risco de serem sequestrados os oficiais? Todos ali ficavam sabendo qual turma era responsável. E não podia faltar, senão ia para a cadeia.
A.G- Como o senhor ficou sabendo da concretização do golpe? E.N- Porque eu estipulei quando eu vi o movimento nos corredores. E porque eu tinha escutado na rádio Difusora de Corumbá. E porque tinha dado na televisão o grande comício da central do Brasil.
R.S- Antes do Golpe eles já faziam essa patrulha? E.N – Já faziam. Com o golpe teve continuidade. Ai a marinha junto com os fuzileiros navais, nas festas que tinham na cidade, a marinha enviava os fuzileiros navais para integrar a patrulha junto com o exercito. Tinha a patrulha lá em Ladário, marinha e exercito, e em Corumbá. E nós tínhamos autorização para prender o civil. A gente prendia o civil e levava para o quartel.
R.S- Não tinha a policia ainda? E.N- A polícia era pequena. Era ali na rua D’Lamare, onde é o instituto da mulher negra. Só tinha quatro policiais.
R.S- O senhor saia na patrulha? E.N – Eu saia na patrulha do exército. Ai a gente saia, por exemplo, quando via briga... até de civil, prendia. Ai o sargento tinha um rádio e chamava o caminhão e levava lá para o quartel. Às vezes ele estava de fogo, dávamos um banho nele e liberávamos. No quartel funcionou a enfermaria como se fosse uma cela, um presídio.
A.G- Vocês foram para o quartel no dia 1 de abril, lá houve algum pronunciamento? E.N- Não, não podíamos falar nada.
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A.G- Tinha algum comentário sobre a revolução? E.N- Não, só entre os oficiais.
E.N- Vocês conhecem como é um quartel daqui? O quartel aqui é um salão, e tinha as camas igual internato, beliches, só que é de lona. Tem os beliches, armários, e na frente colocavam as armas ensarilhadas. E dormíamos fardados. Ai tocava acelerado [a campainha] às 2hr para treinar a gente. O tenente Estorélio criou um grupo chamado: grupo contra distúrbio. Era o seguinte: era mais ou menos uns 15 soldados, eles iam à frente, com o mosquetão apontado- o mosquetão é tipo um fuzil, na época, mas não tinha balas. Era o treinamento deles. O capacete deles era branco, diferente, porque o nosso era verde.
A.G- Quando começou esses treinamentos contra distúrbio? E.N- Assis que estourou o golpe. A.G- Quando ouve o golpe, no quartel, as atividades seguiram normais? E.N- A gente ficou lá dentro e escutando instruções. Era proibido falar do golpe lá dentro. E eu sabendo que tinha oficiais de ultra-direita lá, fiquei quieto. Esse sargento me testou. Esse sargento era de fora.
Era mais
esclarecido. No dia do golpe a gente só via o movimento. De entrar jipão e vinham alguns civis lá na portaria. Ai começou a vir gente e me chamaram lá. Disseram: você vai tomar conta dos presos lá na enfermaria. Eu não tinha feito o concurso de cabo ainda. Até o concurso foi suspenso por causa da confusão A.G- De quem o senhor tomou conta na enfermaria? E.N- Eu tomei conta do... acho que era o senhor Jorge. Eu mandei comprar duas dúzias de banana., porque ele não comeu o bandejão do quartel. Porque na época a comida era ruim. Era “ abobrão”, era uma carne gordurosa, sebosa, o arroz se você jogava na parede ele pregava. Às vezes saia feijão, frango .Até eu não comia no quartel, eu vinha para casa.
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Depois que eu fiquei lá dentro, fui obrigado a comer, não podia sair. A comida era ruim, não tinha sabor. Ele era dono de um hotel, aqui no Lincoln. Era o senhor Jorge, escreveu um livro. Eu vi lá em Campo Grande na casa do artesão. Eu me lembro dele, Jorge, mas não sei o sobrenome. Cuidei dele e mais dois presos, que eu não lembro o nome porque eram desconhecidos. Mas desse foi mais, porque ele era idoso. “Ai ele come a banana e coloca a casca debaixo da cama”. Daí quando chegava o oficial de dia (porque trocava todo dia). Olhava assim e: “Oh Nóbrega abri ai”. Ai eu abria o quarto, abria o outro, estava lá o outro sentado, deitado. Os outros comiam, mas esse velhinho não. Ai eu olhava, não tinha ninguém, daí eu ia lá catava e colocava tudo no bolso e jogava do outro lado.
A.G- Porque ele ficou preso? E.N- Porque falavam que ele tinha ideias socialistas. A.G- Os outros dois também? E.N- Os outros porque eram da Bacia (Serviço de Navegação da Bacia do Prata). Bastava ser da Bacia.
A.G- Como que o senhor fez para levar a banana até o Jorge? E.N- Ah, eu peguei um soldado, eu estava comandando ele. E disse: “vai lá naquela esquina e compra duas dúzias de banana. Pula o muro e traz”.
Eu que estava
comandando, ninguém via. Daí ele trouxe as bananas, eu comi um pouco. Entrei na cela e dei um jeito de colocar o cacho debaixo da cama. Depois ele foi para o navio.
A.G- Quanto tempo ele ficou no 17º Batalhão para depois ao navio? E.N- Ah, ficou mais ou menos uma semana. Depois ele foi transferido para o navio.
A.G- Qual a trajetória que eles faziam para chegar ao navio? E.N- Eles iam na Kombi do Batalhão. Eu não sei a trajetória porque eles nunca me escalaram para acompanhar os presos. Eu tomava conta só lá dentro.
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R.S- Logo depois do golpe começou a chegar gente? E.N- Em seguida, no dia dois já começaram a fazer as prisões.
R.S- E o navio ficava no meio do rio? E.N- É lá no meio.
A.G- Era o navio Guarapuava? Ou tinha algum outro? E.N- Eu fui impedido de descer, porque se eu descesse lá, eu tinha que descer sem farda, e se eu andar sem farda eu ia ser preso. Então preferi não arriscar. Porque iam me perguntar o que eu estaria fazendo lá.
R.S- E como que eles levavam os presos até o navio? E.N- Ah, em barco pequeno. É porque a brigada tem barco pequeno. Eles iam direto para o porto. Quando chegava o barquinho levavam para o navio. E ficavam lá dentro. Era navio boieiro.
R.S.- O senhor sabe se esse inquéritos, depoimentos, eles eram feitos
exercito
ou no navio? E.N- Eu acho que inicialmente nos quartéis e depois passaram para o navio. Porque o inquérito é demorado.
A.G- Mas essas pessoas que chegavam ao quartel elas eram fichadas? E.N- Olha eles entravam na CO (Casa das ordens). E como fechavam as portas a gente não tinha acesso.
A.G- E quem interrogava essas pessoas? E.N- Eram os oficiais lá de dentro, tudo escondido. Eles não deixavam a gente ver. Mas eu sei de um caso interessante, esse rapaz chama Wilson Dinis, ele é topografo. Ele me contou que o pai dele tinha o apelido de vermelho. Então ele foi chamado pelo capitão dos portos, daqui de Corumbá, para ele prestar esclarecimento porque o apelido dele era vermelho. Ai ele chegou lá, era ignorante, o pai do Wilson Dinis, e
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disse que era por causa da cor dele que era vermelha, que tinha nascido assim. Ai ele foi liberado.
R.S- As pessoas que ficaram presas, o que eles comentavam? E.N- Eles ficavam quietos, não falavam uma palavra comigo. Quando eu conversei com ele, falei: olha o senhor não esta se alimentando, porque eu vi as placas base (bandeja) tudo em cima. Tinha três placas bases lá. Daí, depois eu mandei pegar as placas base lá e jogar a comida fora. Peguei uma pia lá, dei uma jogada de água e mandei deixar lá na cozinha, para dar a entender que ele tinha comido. No exército quedo você recusa comida, ele judia da pessoa. Igual para um soldado, se ele pegar a placa base e entregar, e o oficial ver, vão perguntar: porque você rejeitou a comida do exército?
R.S- Como era a cela? E.N- Na cela tinha um banheiro frio, fedido, feio, escuro. Não tinha água lá dentro, tínhamos que levar água para os presos. E nesta cela um dos soldados suicidou-se. R.S- A cela era aproximadamente 4x4m? E.N- É. R.S- Quantas celas tinha? E.N- Tinha só uma cela. Porque a cela era para os soldados, por isso eles saíram de lá e foram para o navio. R.S- Na cela tinha cama? E.N- Depois eles mandaram tirar as bicamas e colocaram colchonetes. Cabia uns seis colchonetes.
A.G- Quem ficou na cela? E.N- Na cela não tinha como ver. Porque era outro oficial que tomava conta.
A.G- A enfermaria como era? E.N- Era no máximo 4x4 m e tinha cinco peças. Tinha quartos que era para os doentes. Muitas vezes vinha sargento transferido, e não tinha casa para morar. Então ele morava
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na enfermaria. Então uma semana utilizaram para colocar os presos. E não tinha ventilador, era um calor desgraçado lá.
A.G- Então o Sr. Jorge ficou na enfermaria e os outros dois presos na cela? Não, nos quartos da enfermaria. Os quartos foram transformados em cela. Era quartoenfermaria. Os outros dois eu não sabia quem era, eles nãos e identificaram, não falaram o nome, nem nada, Eu também não perguntei, não sabia se tinha ordem para perguntar.
A.G- Estes dois comiam a comida do exército? E.N- Estes dois comiam. A comida era ruim, não tinha sabor. Eu fiquei no quartel mais um ano, depois pedi para sair. Em março de 1965.
R.S- Você lembra se até 1965 continuava chegando presos? E.N- Não, porque já mandava direto. A gente já não tinha mais acesso. E eu se descesse lá (no porto onde os navios estavam atracados), eu tinha vontade, mas tinha que ir fardado, ai iam me perguntar o que eu estava fazendo se a minha área não era lá?
A.G- Depois que eles foram levados para o navio o senhor não cuidou de mais nenhum preso? E.N- Não. Ai me tiraram de lá. Eu fiquei dentro do alojamento, fazia serviço ali, depois um pouco na guarda.
A.G- E continuava com as patrulhas? E.N- Sim, quando era escalado, era obrigado a sair. A.G- O senhor fez alguma patrulha nesse período? Em algum evento? E.N- Nas patrulhas andávamos a pé. Sai do quartel a pé. Ia um sargento, um cabo e oito soldados. Ai, por exemplo, tinha um baile lá no grêmio, a gente ia lá. Daí, chagávamos e o sargento: - Oh liberados para tomar água, ir ao banheiro.
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Ai liberava a gente. Entravamos no clube, todos fardados, com arma, com tudo. De vez em quando tinha um sargento que gostava de cerveja ai, chegava ao balcão e: - Uma cerveja ai para nós dois, pedia o soldado. - Para nos dois, disfarçadamente confirmava o sargento. Tinha um soldado de caça... o Nazareno. Ele escondia e tomava cerveja lá. Dizia: -Mas você vai pagar né poh? Os outros não viam, era tudo escondido lá. Daí, quando é daqui a pouco, falava: - Chama a turma aí para entrar em forma. Vamos lá ao Corumbaense! Aí, entravamos no jardim, via algum suspeito lá e pedíamos o documento.
A.G- Suspeito em que sentido? E.N- Assim, estava lá, sentado às 22:00. Fazendo o que lá no banco do jardim? Como a policia faz hoje em dia.
A.G- Que horas vocês saiam para fazer as patrulhas e que horas voltavam? E.N- Às 18hr e ficávamos a madrugada todinha na rua. Dependia do sargento, se ele dissesse para voltar às 6hr, a gente voltava. Teve um que nós voltamos às 4hr. Andávamos a cidade inteira a pé.
R.S- Mas tinha um jipe que ia com o cabo fazer as patrulhas? E.N- Não, foi depois. Depois de tanto de tanto reclamarem, liberaram o “jipão”. Mas o “jipão”, deixava a gente lá no centro da cidade, depois saiamos a pé. Tinha sargento que dizia: -Vamos ficar perto do corumbaense ali. Às 1hr todo mundo aqui de novo. Chegávamos lá, e liberava todo mundo. Ai, ficávamos andando por ali. E ele (sargento) ficava conversando com um vizinho que ele conhecia lá. Depois íamos lá, no trevo, onde tinha outra festa. E o sargento liberava. Ficávamos sentados lá.
Era para marcar presença nas festas, se ocorresse alguma coisa,
prendíamos. A gente prendia quem estava sem farda. Às vezes víamos alguém sem farda, ai, ficávamos quietos. E o sargento:
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-Aquele lá não é militar não? - Não sargento, aquele lá era, o senhor esta enganado. Aí ele liberava, nos íamos perder colega. Todo mundo tinha medo, porque o exército prendia. Quem que ia brigar lá na frente. Tinha uma feira boliviana na Rua Frei Mariano. Entre o porto carreiro e a Joaquim Murtinho, era uma promiscuidade, era chamado de baixo meretrício. Ai, um dia saiu uma briga. E alguém telefonou para o exercito, que mandou o “jipão” e uns trinta soldados armados. Ficou quinze numa quadra e os outros quinze na outra e o sargento foi lá dentro, pedir documento. Boliviano que não tinha documento ia para o jipão. Encheu o jipão. Ai levou lá para o quartel a primeira leva, depois voltou e levou todo mundo para o quartel.
A.G- Essas patrulhas serviam para manter a ordem?! E.N- Manter a ordem. A.G - Mas depois que começaram as cassações e as prisões no navio, como que ficou a população? E.N- Ai, o pessoal tinha medo de fazer reunião.
A.G- Chegava lá pedia os documentos e? E.N- Documentos, ele mostrava. O cara ficava chateado e ia embora.
R.S- E o comandante Moraes, como ele era? E.N- Olha, bonachão. O coronel Moraes era uma pessoa boa. Tinha um detalhe, os sargentos me convidaram para apitar uma partida de sargentos e oficiais.
A.G- O senhor lembra como que foi a Campanha do Ouro para o Brasil aqui em Corumbá? E.N- Era no jardim (Praça da Independência de Corumbá). As pessoas entregavam anéis, brinco.
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A.G- O major Calvente Aranda era do 17º Batalhão de Caçadores, e quem era o comandante do Batalhão? E.N- Era o coronel Moraes.
A.G- O senhor soube como foi o curso de Segurança Nacional aqui? Quem podia participar? Quem participava mais era a classe média civil com ensino superior. Chamaram-me para participar. O pessoal que era simpático ao golpe participava disso.
A.G- Sabe quem pediu o navio para ser utilizado como prisão? E.N- Não, o próprio exército, o comando lá de Campo Grande. Jña vinha a ordem do Ministério dos Transportes, porque ai já era federal. Ai vinha à ordem de ceder o navio, e pronto. A.G- Então essa solicitação pode ter vindo tanto da 9º Região Militar quanto do Coronel Moraes (do 17º Batalhão de Caçadores)? E.N- Ah, não, da Brigada aqui, porque a brigada é general e o quartel é coronel. A.G- Quem era o comandante da brigada mista nessa época? E.N- O apelido dele nessa época era vaca de presépio entre os militares. (não lembrou). O general nunca foi lá no quartel. Quando ele precisava falar com o coronel ele mandava chamar lá na brigada.
A.G e R.S- Então o 17º Batalhão era subordinado a Brigada Mista, e a Brigada Mista da 9º Região Militar. E a 9º Região ao 2º Exército e ao Ministério de Guerra. E.N- Ao 2º Exército de São Paulo e ao Ministério da Defesa, agora, na época era o da guerra.
A.G- E para a gente descobrir de onde veio a solicitação para utilizar o navio Guarapuava? E.N- Ah, isso eles não vão falar. Porque o exército requisitava na hora. Ex.: chegavam na prefeitura e pediam cinco viaturas e saiam. Era o exército que estava mandando. O cara tinha medo de ser preso pelo exercito. Era só falar que era subversivo e pronto.
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Você não precisava nem provar. Ele é subversivo! Bastava falar isso. O pessoal dizia que se eu não estivesse no quartel eu ia ser preso. Diziam: - Você deu sorte em cara. 2º Entrevista – Ênio Nóbrega (03/05/2015)
A.G- Depois que o senhor saiu do exército, trabalhou em que? E.N- Fui trabalhar como gerente de jornal e fui terminar de estudar.
A.G - Que caminho o senhor fazia para ir ao 17º BC? E.N - Eu morava na rua Teodomiro Serra, casa 26, lá na popular velha. Eu pegava a rua sete de setembro e passava pela ponte, onde passa o trem, e descia. E de lá eu pegava a rua cabral e vinha direto para a rua Cáceres, que é a rua do quartel, ai eu descia. Eu estrava no quartel às 5h30.
A.G - O senhor ia caminhando? E.N - Não eu ia de bicicleta. Tinha 18 anos, não sabia dirigir carro. Então terminava o expediente eu pegava a bicicleta de novo, pegava a rua Cáceres e subia a rua Cabral até a 7 setembro. Como já tinha bandido naquela época, eu ia de sabre, que e um facão que o exército põe na ponta do fuzil. Ai eu saia de lá com o sabre, caso alguém viesse me atacar. Só que saia escondido com o sabre do quartel, porque não podia sair com ele. E também não podia sair com o fuzil, era tudo controlado.
A.G - O senhor acordava que horas para ir ao quartel? E.N- Cinco horas. Eu tomava café lá no quartel.
A.G - Qual bicicleta o senhor tinha? E.N - Era uma Philips, uma bicicleta preta. Naquela época, a Philips era famosa porque era importada da Inglaterra. Eu comprei de segunda mão. Ai tinha um vizinho que comprou um carro e disse: “Você não quer comprar essa bicicleta?”. Ai eu comprei dele. Era pesada. Pesava uns 30 kilos. Era ferro.
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A.G- Então o senhor acordou cinco horas, colocou o uniforme... Que cor era o uniforme do senhor, verde-oliva? E.N - Chama-se farda de instrução. Aquele comprido, porque tinha a farda de passeio, que era verde-oliva quente. Esse eu não usava. A.G – Então o senhor usava a farda de instrução? E.N – De instrução. A.G – Mas como que era esse uniforme? E.N – Era o antigo uniforme do exército. Depois que surgiu esse camuflado – não existia isso na época. Era verde, só que mais claro. Usava pala mole e o coturno. A.G- O que é pala mole? E.N – Pala mole era aquele chapeuzinho de bico. Tipo o da polícia militar. A.G – Ênio, então você acordava às 5h, colocava o uniforme, pegava a bicicleta Philips, e descia para o quartel. Nesse horário o senhor já estava bem desperto? E.N – não, quando eu tirava serviço... porque assim, são três militares que tiram serviço. Tira 2 h e descansa 4h. A.G – Estar de serviço é o que? E.N – É ficar em pé no quartel. Exemplo: corpo de guarda. Quem ficava no corpo da guarda no quartel ficava com o fuzil, com ele em pé, de arma cruzada ou em bandoleira – quando põe nas costas pendurado.
A.G- Então o senhor pegava a Philips e descia para o quartel. Quando chegava lá como que era? E.N- Descia da bicicleta, batia continência para o corpo da guarda. Daí eu ia pra fila para tomar café. Era café puro, um pão com manteiga. A.G – Isso no refeitório do 17º ? E.N – era um canecão, ai tomava a coisa lá às 6h até às 6:30h
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A.G – Às 5:30h o senhor tinha que entrar? E.N – Sim, às 5:30h já estava lá. E às 5h já tocava a alvorada, e acordava todo mundo. Bom, isso no período que liberaram a gente para ficar em casa. Depois, no regime do golpe, a gente dormia fardado, com coturno, tudo, e com as armas ensarilhadas. Eram 3 fuzis. Ai tocava acelerado [o alvorada], às 3h da madrugada para trainarmos. Tocava acelerado, e entravamos em forma, cada um pegava o seu fuzil, e treinávamos. Formávamos fila, o comandando olhava tudo e falava: “descansar, fora de forma”. E depois voltávamos a dormir. Isso era só para treinar. A.G - O golpe foi dia 31 de marco, e o senhor disse que no dia 1º de abril não foi ao quartel. Dia 1 era uma quarta-feira. Porque o senhor disse que no dia 31 vocês voltaram pra casa e dia primeiro o senhor não lembra direito. E dia 2 de abril disse que já ficaram aquartelados. E.N – Foi no outro dia. A.G – Dia dois? E.N – É. Mas não falaram golpe. Disseram: “O quartel esta em prontidão”. Lá não falava em golpe. A.G – Que é o aquartelamento? E.N – É. E antes disso, uma semana antes, eles falaram que o quartel ia ficar de sobreaviso – que é quando você fica no quartel até às 22h, e depois que saímos. É sobreaviso. A.G – Como assim? E.N – No sobreaviso você ficava até às 22h, e depois liberavam a pessoa para ir embora. Porque ás 22h tinha a revista, que era o seguinte: as pessoas que estão em detrimento, tem que responder chamada, quem estava preso, e
quem estava em
serviço também, para poder tomar o candola – era um chá de alfafa. Eu trabalhava no armazém depois que fui liberado do curso de cabo. Então eu que atendia as pessoas. Geralmente ia a mulher do coronel Moraes. A.G- Coronel Moraes era o comandante do 17º? E.N – É, comandante geral. A mulher dele ia lá, e me dava à lista, e um oficial acompanhava ela.
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A.G – Ênio, você pode me contar com detalhes as atividades no quartel. Por exemplo, o que vocês faziam depois do café da manhã? E.N – Vamos para a instrução. Ficamos sentados no chão. Quando é de manhã ficávamos sentados na grama e um sargento vinha dar as instruções. Por exemplo, como que faz para subir um morro onde tem um inimigo lá encima, qual a técnica que tem para ir e prender o inimigo. É uma aula que se chama instrução. A.G – Então dia 02, você saiu da sua casa, desceu de bicicleta, bateu continência, tomou café da manhã , e foi para o pátio, onde recebeu instrução? E.N – É. Cada companhia tem o seu instrutor. Uns dão aula no alojamento. Sentam ali e vem um oficial ou sargento para dar aula pra gente. Sobre armamento, munição. A.G – Mas nesse dia que vocês ficaram aquartelados, como que foi? E.N – Foi de tarde. A.G – Mas o senhor chegou às 5am no quartel, tomou café e foi fazer o que? E.N – Fomos para a instrução. Mas de manhã ninguém falou nada. A.G – Foram saber à tarde? E.N- À tarde. A.G – O sargento deu as instruções, e depois? E.N – Daí liberava. Íamos tomar água. Mas às 10 horas vinha outro instrutor, falar sobre infantaria, explicar o que era uma cavalaria. Isso até 11 horas, ai eles liberavam para ir almoçar no quartel. Dai deram uma ordem: “Ninguém irá almoçar em casa hoje. Almoçar tudo dentro do quartel”. Eu sabia do golpe, mas não podia falar. A.G – E à tarde, o que vocês faziam? E.N – Instrução. Era o dia todo de instrução. E nos levaram para a parte de trás do quartel, e liam as coisas do exército, que fazia parte da constituição. Lia a constituição. E foi à tarde que leram A.G – Quando leram as instruções e disseram que o batalhão estava aquartelado, como que foi? E.N – Foi às 5h. Cada companhia tinha 120 soldados. E ficávamos em fila, um do lado do outro fardado para lerem o boletim. Todas as companhias tinha um boletim. Por
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exemplo, se aquela companhia fosse entrar em serviço, ele lia: “Corpo da guarda, soldados: Araujo, Fernandes, Silva...”. A.G – E quando ele disse do aquartelamento, como que ele falou? E.N - Falou: “ A partir de hoje, o 17º Batalhão de Caçadores está em prontidão –não falou aquartelado, usou uma palavra que usavam na época . A.G – Mas eu posso dizer aquartelado? E.N – Hoje em dia é aquartelado. A.G – Se eu colocar aquartelado não esta errado? E.N – Não. A.G – E depois desse pronunciamento, o que vocês fizeram? E.N – Ficamos dentro do quartel, ficávamos livres, formávamos umas rodinhas, depois fomos tomar banho. Enxugávamos, vestíamos a farda, o coturno, e ficávamos dentro do quartel. Qualquer emergência a tropa estava lá dentro. A.G – Depois jantava... E.N – jantávamos e ficava lá dentro conversando. A.G- E qual foi o comentário depois do pronunciamento do sargento? Seus companheiros comentaram alguma coisa? E.N – Não. Só nós corumbaenses que sabíamos. Eu levava um radiozinho, e ficava escutando as notícias lá dentro. Quem sabia era, eu, e quem mais? Eu falava para o Torres. A.G – Um companheiro seu? E.N – É, servia comigo. Ele passou no concurso do banco de São Paulo, e foi pra lá. Quem era o outro de confiança? Era o Ledulino, que estava no Amazonas. Ele é economista, trabalha para governo do Amazonas. A.G – E vocês escutavam as noticias no rádio que levava... E.N – Levava escondido. Ai eu passava o rádio para eles. Olha, escuta: “O exército levantou em São Paulo, em Minas”. Ai ele falou: ”Quem que chegou preso ai de civil?”. Disse: “Estão trazendo ai uns civis tudo preso ai, vão levar lá para a enfermaria”. Daí eu cai de serviço lá na enfermaria. Era eu e mais dois. Mas como eu estava no curso de cabo, eu mandava nos dois. Na hierarquia eu era mais do que eles. O Ledulino, hoje
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em dia ele é economista. E a gente era os mais esclarecidos da turma. E acompanhávamos, e eu sempre estava falando com ele. Bom, então só nos dois que trocávamos uma ideia. O resto não conhecia, era ignorante. Não sabiam o que era golpe de Estado. A.G – E os oficiais não comentavam nada? E.N – Não, era silêncio profundo. A.G – E o senhor só se deu conta do Golpe quando os civis começaram a chegar na guarita? E.N – Do jornal que eu tinha lá. No jornal estava assim: “O grande comício da Central do Brasil... poderá ter novidade”, e não sei o que. Ai, quando cheguei a casa, fardado, papai disse: “olha, vai ter golpe militar”. Meu pai era super inteligente. Ele falava inglês e francês. Meu pai: “vai ter golpe militar, você se prepara ai, você pode ser preso, por causa das suas ideias. Não abre a boca dentro do quartel”. Ele falou isso pra mim, quando eu estava em casa.
Bom, foi tudo isso que ele falou, e eu ficava quieto.
Porque meu pai era getulista, e apoiava o Jango. Eu também apoiava o Jango quando era estudante. Eu sabia as coisas pelo jornal também. E à noite eu pegava a rádio tupi. Ele era pequeninho [o rádio] e ia para longe, debaixo da caixa da água e ficava lá escutando. Quando vinha um oficial eu desligava o rádio e ficava. A.G – Então o senhor já esperava que acontecesse o golpe? E.N – Já, já esperava. Ai aquele negócio da “Família com Deus pela Liberdade”. A.G – Ênio, as prisões começaram a ocorrer no segundo dia depois do Golpe? Dia primeiro foi quando concretizaram o golpe e no segundo dia é que os civis começaram a se identificarem no 17ºBC e os jipes saíram para prender as pessoas? E.N – É, as prisões dos civis. A.G – As pessoas que ficaram presas, elas tomavam banho? E.N – à tarde, era em fileira. Iam escoltados no banheiro dos soldados. Tomavam banho e voltavam escoltados. Mas como a cela era pequena, eles passaram os presos para a enfermaria, onde eu fui escalado.
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A.G - Era sempre o mesmo esquema? O oficial do dia chegava, pegava os presos e levava para o banheiro ... E.N – Depois trocava, todo dia, às 8 horas da manha troca a guarnição. Entra outro. A.G- O senhor disse que não tinha torneira nem água dentro da cela, certo? Como os presos faziam? E.N – Não. Depois eles colocaram um pia, onde o pessoal lavava a mão e aproveitavam para tomar água dentro da cela. A.G – Mas quando o pessoal ficou preso não tinha essa pia? E.N – Não, porque quebraram a pia. Um soldado ficou bravo e a quebrou. Mas ai mandaram consertar. A.G – Então quando essas pessoas ficaram presas não tinha essa pia ainda, e quando eles sentiam vontade de tomar água, pediam para os soldados? E.N – É, lavavam agua para eles. Na enfermaria não, lá tinha pia, banheiro. A.G – Vocês prenderam alguma pessoa considerada subversiva nas rondas que faziam? E.N – Quem prendia era o sargento. Todo mundo que trabalhava na bacia era suspeito. A.G – Na SNBP? E.N – Todo mundo votava no Jango. E achava que todo mundo era comunista. Então eles pegavam a lista – já tinha uma lista – e ia a casa, prendia e levava pra lá. O cara chegava lá, fazia interrogatório e liberava, não tinha nada. Não entendiam de esquerdismo, nem nada. A.G – Então a ronda que vocês faziam não chegou a prender ninguém que era considerado comunista? E.N – Não. Era outro grupo que saia pra prender, era um sargento e um oficial. A patrulha era separada. Tinha um grupo que saia para prender eles, era diferente. A.G – Ênio, qual era o clima no quartel depois do golpe e com as prisões? E.N – Não falava. A maioria que servia lá era paulista. Nossa companhia tinha três pelotões, o pelotão de Corumbá, e pelotão dos paulistas. E o pelotão de Corumbá, que estava lá servindo. O pessoal de Corumbá que estava servindo, um e outro sabia de alguma coisa. Mas também não queriam saber quem que estava preso no corpo da
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guarda. De vez em quando a gente via e: “Poh, esses civis, todos sendo presos. Vamos levar para a enfermaria”. E morria o assunto. É que a maioria não tinha esse espirito de saber as coisas. A.G – O senhor lembra quantos dias vocês ficaram aquartelados? E.N – ficamos, mais ou menos, uns dois meses. A.G – Quantos soldados faziam o corpo da guarda? E.N- Corpo da guarda tinha três, e tinha a patrulha que ficava lá e era formado por dez: oito soldados, um cabo e um sargento. A.G – Isso mudou quando houve o sobreaviso? E.N – Não, continuou igual. A.G - As pessoas aqui em Corumbá ficaram com medo com as prisões que estava ocorrendo? E.N – Quem não mexia com política, pra ele tanto fazia. Quem estava preocupado era quem era vereador, prefeito, mexia com política. Diretório de partido. Mas quem não tinha nada, estava tranquilo.
Entrevista 1.5 Nome: Farid Yunes
Alline Gois - O que o senhor lembra quando houve o golpe militar? Farid Yunes – Quando o diretor da época Padre Antunes reuniu a gente na sala de aula e falou: “Avisa os seus pais que esta tudo calma, tudo tranquilo. Essas coisas, a gente via, como aqui na rua 7, a gente ouvia muitos tiros. Eles vinham aqui na casa de um cara todo dia com o caminhão do exército. Todos os dias. Foram cassados oito vereadores.
A.G. Quando foi dado o golpe o senhor tinha 11 anos e estava no colegial, isso?
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F.Y – É, estava no último ano da classe São Bento. Eles... tinha muita gente que era amigo da sociedade, deles. E outros não. Outros eram removidos, outros viam e outros até se enturmavam. Mas violência assim, não houve.
A.G. O senhor pode contar de como ficou sabendo quando ouve o golpe militar.
F.Y A patrulha de segurança era mista, exército e marinha. Eles saiam juntos. Iam nos clubes, nos cinemas, em todo lugar. Para nós era estranho, porque aqui exercito e marinha não pareciam para nada. Ai nesse período começaram a aparecer e muito. As escolas, por exemplo no santa Teresa apoiavam o regime militar, davam conselho para respeitar, para isso e aquilo, sabe?... Os padres também eram favoráveis. Fatos de violência eu me lembro de tiros, deles (marinha e exército) iam nos bordeis, desarmavam quem estava armados.
A. G - E eles capturavam alguém nessas rondas? F.Y- Ah enchia os caminhões verdes deles.
A.G- O senhor conhecia alguém que foi capturado? F.Y- Eles prendiam instintivamente. Amigos meus que moravam por aqui, lembro que chamava João (que já morreu), ele entro no caminhão umas dez vezes. Ele só vivia na rua. Eles falavam que os estudantes que explodiram o gasômetro... no Rio de Janeiro. Eles faziam os atos para incriminar os possíveis revolucionários.
A.G. O senhor estudava em qual colégio nessa época? F.Y – Salesiano de Santa Tereza. Eu estudei ali desde o primário.
A.G– No dia do golpe o senhor estava em aula normal? (Quarta-feira, 1 de abril de 1964) F.Y – Não suspenderam as aulas. “Fiquem em casa”.
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Na verdade diante do acontecido, foi um recado que eles deram. Aqui não teve violência, teve prisão.
A.G- Qual era a rotina do senhor?
F.Y- Eu vivia normalmente. No carnaval eles eram mais rigorosos. Inclusive, por duas vezes eles me tiraram do clube por causa da fantasia que eu usava. O nome mais perseguido em Corumbá na ditadura para mim foi o advogado chamado Amorésio de Oliveira. Esse foi. Ficou refugiado em um mato por dois meses. Ai chuva,frio, porque nessa época faz frio né? Ele foi preso, foi torturado. O filho dele que podia contar, ele mora em Cuiabá. O nome do filho dele é Amorésio de Oliveira Filho.
A.G - As aulas seguiram normalmente? F.Y – Sim, depois de alguns dias voltou. Eles falaram: Falem para os seus pais ficarem em casa. E perseguia quem eles suspeitavam. Faziam cada absurdo de perseguição. A cidade é pacata e imprevista! A.G – E os tiros que eram dados, era perto da sua casa? F.Y – Era aqui, uma quadra acima. Na rua 7 de setembro. Eu não lembro o nome do cara. Mas o irmão dele parece que era do exército. A última casa amarela do lado esquerdo.
A.G- Qual foi a reação dos seus pais com a consolidação do Golpe? F.Y – Meu pai era totalmente desligado, ele era árabe e não tinha envolvimento. Eles vieram para cá em 51/50.
A.G - Qual é a sua idade? F.Y – 71 anos, nasci em 15 de abril 1973. Ricardo Santos (R.S) – O senhor conhece o Ibraim Ismael? F.Y – Ele era um daqueles comunistas fiéis!
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A.G- A festa que o senhor participou foi em que ano? F.Y - Foi em 1965. Eu fui vestido de bombeiro e com uma placa escrita: “em caso de emergência puxe a alavanca”. Eles disseram que era pornografia.
A.G- Eles tiraram muitas pessoas da festa? F.Y- Foi tirando pela cara.
A.G- O senhor lembra-se do Major Aranda? F.Y- Lembro. Eu fui amigo dos filhos dele. Marcos e Luiz. Nós estudávamos juntos. O Aranda era linha dura. Ele era bravo. As pessoas falam certas coisas dele que eu desconheço. O pessoal falava que ele batia, prendia. Ele era da corporação. (17º Batalhão de Caçadores).
A.G- O senhor lembra de alguma prisão realizada pelo Aranda? Ou sobre os comentários em relação a ele? F.Y- Não faziam nenhum comentário ruim. As pessoas tinham medo. Em relação à suspensão da aula no dia 1 de abril. O padre mesmo chamou a gente e mandou a gente ficar em casa. Eu fui à aula.
R.S- O senhor lembra quanto tempo o navio-prisão ficou aqui atracado no porto? F.Y- Não lembro. Mas o porto ficava cheio de soldados.
A.G- A vigilância dos militares em festas e boates eles faziam com frequência ou foi por pouco tempo? F.Y- Não eles que faziam o patrulhamento. Todos os dias. O Jipe deles vivia rodando ahi (na cidade). Me falaram que há um locutor, poeta, professor muito famoso aqui. É o Clio Proença, o pessoal falava que ele era dedo duro. Não sei se verdade ou não. Naquele tempo só existiam duas rádios aqui, a difusora (do Clio Proença) e a rádio clube (que era da igreja). As rádios tinham muita audiência aqui, mais que a televisão. R.S- A população corumbaense ouvia rádios de fora, nacionais?
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F.Y- A tupi de São Paulo, Bandeirantes, Rádio Globo. Rádio Nacional. A audiência era muito grande.
R.S- O senhor conhece o Ibraim? F.Y- Ele era comunista fiel mesmo. Outro que era ex- secretário de administração era o Fábi A.G. – A vigilância e as rondas feitas pelo exercito aconteceram o ano inteiro, após o golpe de 64? F.Y- Começou. Para mim não tinha razão de ser. Vetar as músicas. Um dia eles entraram em uma rádio para ver o que tinha lá, e levaram um compacto: “pare de tomar a pílula. Tinha um locutor aqui que era muito corajoso, o senhor Serapião. Ele era crítico.
A. G– De qual rádio ele era? F.Y- Eu me lembro dele na rádio Clube.
A.G- O senhor lembra da Campanha do Ouro para o Brasil aqui em Corumbá? F.Y - Me lembro sim. Eles falavam que era para evitar que o Brasil fosse uma ilha de Cuba neh?!
Entrevista 1.6 Nome: Waldemar Dias da Rosa Waldemar Rosa (W.R) - As unidades da época…Existiam só três: exército, marinha e aeronáutica. Em Corumbá nunca teve nada da aeronáutica. Era marinha e exército. Então não tinha lugar para separar as pessoas, as personagens que foram detidos... Porque era uma historia de “fulano de tal também tem qualquer envolvimento”, e ia lá buscar. “Fulano de tal também participava disso e daquilo...”. Eu dei uma zebra, porque na época eu era amigo, não do presidente João Goulart, eu era amigo de um primo da Maria Tereza. Então quando eu ia a Brasília, eu entrava tranquilamente no Palácio da
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Alvorada. E esse oficial foi designado para servir aqui no quartel da brigada militar. E eu sempre ia bater papo com ele. Então a gente tinha certo relacionamento. Então quando houve o negócio do navio... Porque a cela lá no quartel, daqui de Corumbá, não cabia mais de oito, nove pessoas, e eu sentia um certo constrangimento. Em torno de dois, três dias, todo mundo entrou. Eu fui um dos primeiros as ser preso, por uma razão muito simples: na época eu era membro do diretório do PTB. E quem era considerado petebista era obrigado, obviamente... tinha alguma razão de ser... E minha razão de ser era porque eu era amigo da Maria Tereza Goulart - isso não pode nem sonhar de publicar viu? Eu era amigo da Maria Tereza Goulart. Eu a conhecia pessoalmente em função desse primo dela lá de Brasília. Então eu naquela situação desagradável, todo mundo amontoado, igualzinho a bandidos, e eu tinha também amizade com o diretor da Bacia do Prata, que era dono das embarcações.
Alline Gois - Era o Sandoval ? W.R- Era um militar da ativa e foi nomeado diretor da Bacia do Prata. Chamava-se Paulo Tostes de Souza. Falei: “Comandante, tem dois, três navios ai, que poderiam servir como acomodação”. Será que a Bacia do Prata não poderia... E eu não sei como que aconteceu, tipo de relacionamento que levou ele a falar com o Generalcomandante da Região lá de Campo Grande. A região militar daqui é subordinada, naquele tempo, a Campo Grande. Ele vai e conseguiu um navio da Bacia do Prata. Por sinal ficou muito chato pra mim, e chato para o presidente do diretório regional do PTB, chamava-se Francisco de Barros por Deus, o Percy. Eu falei: Percy, eu falei isso assim, assim... e parece que nós vamos ser mandados para o navio. E o pior de tudo que nós fomos mandados para o camarote. E eu mesmo falei: não fica agradável. E Moyses Amaral nunca ficou no navio, o irmão dele sim. Ele chegou até ser sequestrado pelo Estado de Mato Grosso no governo Fragelli. Chama-se Salomão Francisco do Amaral. E o Salomão era queixo muito duro, muito autoritário, diferente do Moyses. Ai, o que aconteceu? Na época o Salomão estava no Rio de Janeiro e foi preso lá no RJ e foi mandado para Corumbá. Então ele já veio pra cá e foi direto para o navio. Mas nós, como todos aqui que estava e... Eu... no segundo dia me mandaram para a enfermaria,
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eu e o Deputado Estadual, que era o Barros por Deus, que era presidente do Diretório Municipal e do Regional do PTB no Estado de Mato Grosso. Não tinha Mato Grosso do Sul em 64. Então nós fomos mandados para o camarote dos oficiais do navio. Então ficou eu, esse Barros por Deus e puseram lá um terceiro. Esse eu não posso revelar o nome - na cadeia não se pode revelar o nome-, que ficava no camarote numa cama ao lado da nossa cama. E os outros eram tudo... Ficavam onde deu, sei lá o que faziam com eles. Eu sei que no fim da história, como eu era secretário do Diretório Municipal de Corumbá e o presidente do diretório de Corumbá era o Barros por Deus, que era vice-presidente do diretório regional, nos dois tínhamos que ficar preso todo o tempo, até serem ouvidos todos os apreendidos. A principal pergunta quando chegava preso moderno, lá dá 9º Região militar. Chegavam presos.... Tinham que ser ouvidos pelos interrogadores. De uma forma assim: “O senhor conhece fulano de tal”? Perguntavam para os caras neh?! Alguns que me conheciam e que conheciam o Percy... -“Ah conheço”. -E qual o seu relacionamento? Aquela conversa normal de interrogatório. Outros: - Ah, nunca vi esse homem, eu nunca conversei com esse homem. Enquanto não foram ouvidos todos os indiciados, e que tinha os acaguetes, os puxasacos de medo, tinha os profissionais que também faziam parte da ultima . Em toda a vida humana tem isso. Então enquanto não fosse ouvido todo esse pessoal... No final da historia teve aqueles que eram oriundos, de uma época que você não era nem nascido, do antigo PCB (Partido Comunista Brasileiro, ainda do tempo de Luiz Carlos Prestes e outros antigos membros, que sempre contestaram o processo democrático. Inclusive o Luiz Carlos Prestes passou a ser amante daquela mulher que iria com ele. Mas na verdade ele não era amante, ele era subalterno daquela mulher. Então o que aconteceu? Enquanto não foram ouvidos todos os que estavam envolvidos no antigo PCB, não foram liberados. Foram liberados quando do navio-prisão – como eles falavam-, a medida... Mas eu e o Percy ficamos até o final, até ser ouvido o último. Então eu passe 36 dias para ser ouvido ao longo de toda a... não sofri nenhuma sevicia, nenhum
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constrangimento. Eu ficava meio triste porque eu via lá as pessoas que tinham nada a ver com... relacionadas com o PTB. Entraram no PTB por amizade ou, como muitas das pessoas da cidade tem relacionamento com a camada de todas as classes sociais. Então enquanto não fosse ouvido. Tinha pessoas [que diziam]: -Não eu nunca vi esse homem na minha vida, na minha frente. E sempre tem uns assanhados, em todo classe humana tem uns assanhados. E nesse meio dessas pessoas designadas de fazer os interrogatórios, todos oficiais do exercito, excepcionalmente alguns da marinha, muito pouco, a maior para era do exército, fazia questão de forçar o cara falar: - Mas o cara nunca deu ordem para você? - Não, eu não conheço esse cidadão, não sei quem é.
Primeiro que a minha classe social é totalmente diferente da maior parte daqueles pobres, simples e humildes que eram levados pelas circunstâncias da vida. E enquanto não ouvissem todos, nós não podíamos ser liberados.
Quando acabou o processo eu não respondi nenhuma audiência na área do civil. Como o Percy também. Nós não respondemos. Ai eu sai da atividade que estava respondendo, eu sai de uma função que não tinha nada haver com a Segurança Nacional
para ser o dirigente máximo de
telecomunicações daqui de Corumbá, para depois Mato Grosso e Mato grosso do Sul. Como que um homem sobre o holofote de 64, como se fosse participante de um processo de derrubada de governo, assume um cargo de alto significado e de altos interesses que manipulava todas as comunicações no Brasil. Na cabeça do povo, hoje contraditórios, achava que eu era muito arrogante, essa coisa toda, mas eu não me preocupava com que os outros pensavam.
R.S- Depois que os militares chegaram ao poder, teve aquela sessão na Câmara Municipal que cassou os mandatos de vários vereadores inclusive o senhor. Que lembrança que o senhor tem desse episódio?
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W.R- Por quê de cassação? Todos que eram do PTB e tinham algum relacionamento com Jango, em todo o Brasil, não foi só em Corumbá, e isso eu tenho certeza, foi em Corumbá, Ladário, Campo Grande. Todo mundo era obrigado a ser ouvido. E por qual razão? Eu era presidente da Câmara na época da Cassação. Eu era secretário da Câmara e todas as coisas, de qualquer instituição o secretário passa por ele. E o Percy era o vice-presidente regional. Então para os inquisidores era primeiro as pessoas de relacionamento e segundo conhecer todos os políticos, militantes de seus respectivos partidos. Naquela época nos tínhamos três ou quatro partidos, era UDN, PTB, PSD e PSP. Então como nós éramos dirigentes do partido, para acusar a pessoas teria que ter alguém que tivesse conhecimento de quem eram essas pessoas. Eu falei:
“não
conheço quase ninguém aqui de Corumbá, não tinha muito relacionamento com as pessoas, e não tinha interesse de ter também”. Mas eu tinha outro amigo, que foi Deputado Federal, foi ministro do governo de Jango, chamava-se Nilson Fadul. Então o azar da gente é ser conhecido e se relacionar com pessoas. Então o que acontecia? A grande amizade que eu acabei tendo com Fadul, foi por causa do Deputado Estadual, Barros por Deus. Ele sim que me apresentou o Nilson Fadul na época da inauguração daquele projeto que tem perto da fábrica de cimento. Foi o primeiro conjunto que o PTB construiu aqui. E nos pegamos amizade. Azar de quem era amigo do Fadul, porque ele também foi cassado. Ele não sofreu consequência porque ele era Deputado Federal. Então com essa situação, eu e o Percy fomos vítimas. Não de atividades, mas os delatores, os adversários falavam que eu e o Percy estávamos presos por isso... Daí eu ficava numa situação, como que vou desmentir esse povo? Não posso desmentir porque senão vai prejudicar. Tem muita gente inocente que nem sabia o que era política, nem sabia porque estava presa. Na revolução quem ganha manda, quem perde se arrebenta né, isso é normal.
R.S- O senhor estava na sessão que fez a cassação do mandato? W.R- Não. O meu mandato eu estava lado. Veio a ordem do Comando Militar.
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A.G- O senhor foi cassado nos primeiros dias? W.R- Não, ficaram mais ou menos uns 40 dias para concluir meu inquérito. Só depois da conclusão do inquérito é que deu os casos de prisão, para os que tiveram, realmente, razão de ser. Os casos que foram cassados. Porém me pagaram, porque naquele tempo eu ganhava, eu era membro da mesa, mas vereador não tinha salário. O Deputado Barros por Deus recebeu até o fim do mandato.
R.S- Mas a cassação do mandato foi bem no começo? W.R – Foi mais ou menos uns 15 ou 20 dias depois da prisão. R.S – O senhor estava preso então, e depois ocorreu a cassação. W.R – Exatamente, porque ninguém sabia quais eram os membros que seriam presos.
A.G- Quando que o senhor foi para o Navio? Nas primeiras 72 horas da libertação. Quando todos os dirigentes do diretório municipal e do estadual do PTB de Mato Grosso que moravam aqui. |Os membros regionais do PTB, e do municipal, todos que estavam envolvidos com o PTB. Tem um cidadão que não vou revelar o nome, que era do PTB, era boca quente e acho que, hoje, ainda é, mas hoje está meio decrépito, este gritou: - Eu não tenho nada haver com isso. Depois eu tive que salvá-lo da função que ele tinha no governo federal. Todos os do PTB, mesmo os suplentes foram cassados. Não interessava se participava ou ia participar. Era lei. Depois teve quatro ou cinco que foram afastados da função, acabaram ganhando um beneficio de nomeação pelo governo federal. Reconhecimento do próprio governo do presidente Castelo Branco.
A.G - O senhor se apresentou primeiro no 17º Batalhão de Caçadores antes de ir para o navio? W.R – Nós éramos doze a quinze pessoas antes de ir para o navio. Agora, por favor, não fale que fui eu que sugeri a ideia do navio. Eu conversei com o presidente da Bacia do Prata... porque onde ia colocar aquele povo, e a cada dia chegava aquele monte de gente. Mas ele (diretor da SNBP, Paulo Tostes), ele era da marinha, mas esta lá.
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R.S- O senhor se apresentou ou vieram na tua casa? W.R- Não me tiraram de dentro do serviço. Eu vim de São Paulo para trabalhar na fábrica de Cimento Portland. Eu vim transferido de são Paulo para ficar uns quatro meses, ai perdi meu pai aqui e resolvi ficar até o final do ano. Ai, conheci minha atual esposa e resolvi ficar aqui. Foi um oficial lá e se apresentou, era menos de um mês depois da revolução. Daí ele se apresentou ao gerente da fábrica de cimento e me chamaram. Ai, ele me apresentou o oficio de detenção. De lá fui só para pegar a minha roupa. Eu fui no jipe deles para o quartel.
R.S - E eles passaram na casa do senhor? W.R- Não eu morava lá na fábrica. Eu tinha casa lá na fabrica.
A.G - Então o senhor só pegou as coisas e foi com o oficial... Lembra o nome do oficial? W.R – Eu só peguei a roupa. Não estava preocupado com a detenção, porque eu sabia que... eu não tinha nenhum compromisso de responsabilidade. A única coisa que eu tinha é que eu era vereador do PTB e uma pessoa ligada com Maria Tereza Goulart. Mas eu não podia falar que minha relação era em função de um oficial do exército, que é primo da Maria Tereza. Eu falava: “não eu sou amigo de João Goulart, não posso envolver pessoas inocentes”.
A.G - O senhor foi para o 17º BC com o oficial? E por quem o senhor foi ouvido? W.R - Todos eram levados para o 17º. Eu fui o terceiro ou quarto a ser ouvido [pelo oficial do 17ºB.C]. Quem recebia lá era o oficial do dia. Não tinha relacionamento, não podia falar com ninguém. Eles nem tinham interesse de conversar com sargento, tenente... eles não tinham interesse de conversar, eles estavam cumprindo ordem.
R.S- O senhor não lembra o nome do oficial que foi busca-lo na empresa? A.G - Não lembro... o que eu sei é a patente dele. Ele era tenente. Porque eu não podia ser preso por praça né?
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R.S - O senhor foi levado pra lá e já foi direto para a cela? Como que foi lá? W.R – Não, fomos para a cela do 17º BC. Fiquei um dia lá na cela com todo o povo que estava chegando naquele dia. Quando saímos da cela devia ter umas quatorze pessoas. Logo, no dia seguinte, que foi providenciado a enfermaria. Os cursos superiores e as pessoas que achavam que tinha que proteger ficava... Não sei se vocês conhecem o 17º BC. Mas lá tem uma enfermaria muito ... lá tem oficiais e praças do exército. Daí já não tinha mais lugar para por... foi passando os dias. Daí que surgiu a historia do navio, lá não tem como fugir e não tem jeito de ninguém sofrendo, se precisar de outro navio, pega outro navio e põe.
A.G- Quantos dias o senhor ficou no 17º B.C. para depois ir ao navio? W.R- Não passou de oito dias. Não passou porque estava prendendo, uns eram liberados imediatamente.
R.S- O senhor chegou a ser interrogado lá no 17º B.C ? W.R- Não. Que eu saiba ninguém foi interrogado lá. No navio que começou. Ai que foi instituído o grupo de trabalho dos IPMs. R.S – E lá no batalhão, como que era? W.R- Não era só para a pessoa ficar, porque não estava formado nada, foi tudo de última hora. Lá no batalhão não houve inquérito, ninguém foi ouvido, lá não deu tempo, porque não passou de uma semana para já conseguirem o navio para poder mandar o pessoal. Não é que houve uma ação. Teve alguns ... alguns oficiais da época, todos já morreram, capitão Lucio, outro era major do Exército, Aranda - gostava de jogar truco. Eu ficava olhando... não sentava lá porque... O presidente do inquérito militar, ele era meio a pá virada. Uns excelentes oficial. Nunca houve agressão verbal com nenhum deles. Eu e o Percy. O prefeito de Ladário que sofreu bastante, já é falecido. Os que tinham a mania de chamar os milicos de macaco, esses sofreram bastante. Sofreram moralmente né?! Fisicamente não me lembro de ter presenciado nenhuma agressão física. Havia os sargentos truculentos que ia lá e levava aqueles pau... eu não me lembro de ter visto ação truculenta. Pra dizer que não houve, teve um cidadão,
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chamava Juquinha. Ele tentou fugir do navio, pulou do navio de noite, nadando, mas ele ao invés de ir para a barranca (risos) ele foi para o meio do rio. Se não salvasse ele, ia morrer afogado. Um cidadão com mais de quarenta anos de idade. Mas mesmo assim, não houve nenhum tipo de sevicia. Não houve nenhuma agressão, a não ser ética e moral, porque eles pegaram a gente assim e confessaram que... O pior não era o pessoal... os civis que começam ser subservientes.. já morreram todos, graças à Deus. Morreram porque aprontaram muita maldade, não de agressão, mas de dizer: “fulano fez isso, fulano fez aquilo”. A delação. Isso ai tinha muito viu! Nem sabia de quem ele estava falando. Eu não, eu era presidente, primeiro secretário da câmara. Então, eu era conhecido aqui. Ainda bem que aconteceu a revolução, por que se não eu poderia ter enveredado na política.
A.G- Do 17º BC vocês foram com o jipe até o navio? W.R- Sim. Saímos do quartel, pegávamos a condução e vínhamos até o porto e embarcávamos. Tem o cais no porto embarcava já no navio. A.G- Lembra o horário que vocês foram levados para o navio? W.R- no começo, quando foi o primeiro grupo, pode-se dizer que mais ou menos 30 pessoas, no terceiro, quarto dia que estávamos no quartel ... no começo foi uma etapa só, saiu todo o pessoal do quartel e foram transportados de ônibus, Kombi, mais ou menos top de linha, pegava carros da companhia de oficial, pegava viaturas do próprio exército e transportavam o pessoal lá para o navio. Descíamos da viatura, embarcava na prancha e entrava no navio. O navio estava encostado no cais. Ele não ficava no meio do rio.
A.G- O senhor lembra o nome do navio, se era o Guarapuava ou o Guairaçá? W.R- Esses dois nomes tinha. Eu não saberia distinguir qual que é. Ficamos mais tempo no navio, e eu dei a zebra porque era secretário geral.
A.G- Foi utilizado mais de um navio? W.R- Teve dois. Talvez em algum momento, não posso te falar porque você não tem acesso visual dentro do navio, é como se você estivesse dentro de uma prisão. Dentro
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da cabine onde era destinado para o pessoal dormir, se era coletivo você não tem nem acesso durante a noite quando você esta dormindo, o que esta acontecendo no contexto da situação. Não tinha como fazer isso. E nos, no camarote, não tínhamos permissão para sair e ver o que estava acontecendo. Tinha que entrar e ficar como se estivesse dentro de uma cela. Essa cela era um camarote, um colchão...
A.G-No camarote tinha lugar para duas pessoas? W.R- Alguns tinham lugar para duas pessoas e não sei se tinha algum maior com mais cama, como beliche né?! Quantas camas tivessem ficava... Tinha camarotes que cabia quatro pessoas.
A.G- Como que era lá dentro? W.R- Normal, não era um hotel de luxo. Você só não tinha liberdade para sair de noite.
R.S- Como que a sua família ficou, quando você foi levado? W.R – desde o primeiro momento, no meu caso no caso do Percy e de algumas outras pessoas, eu não saberia dizer nomes. No meu caso nos tínhamos liberdade de sair, de ficar andando dentro do navio com toda liberdade como se fossemos passageiros.
R.S- Assim que você foi preso sua família deve ter ficado assustada com aquilo?! Quantos filhos o senhor tinha na época? W.R- Tinha quatro ou três filhos. Não... mas eu recebia visita da minha esposa quando ela queria ir, eu tinha uns irmão que moravam aqui em Corumbá, eu tinha um irmão que era marítimo...
A.G- Quais dias o senhor recebia visitas? W.R- Eu não posso dizer o dia... tinha o dia que eu queria. Porque eu era o secretário e todo mundo tinha apreço. Iam lá ao camarote me tiravam para identificar o cidadão que estava preso naquele momento, conversava, conversava e eu voltava novo para o camarote. A maior parte era para identificação das pessoas. “Você conhece? Ele participou de alguma atividade extra politica?
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Claro que ninguém conhecia, e se conhecia ninguém ia falar.
R.S- E eles colocavam vocês frente a frente? W.R - Sim. É igual um tribunal de júri. Tinha um cidadão que era secretário e registra as atas, terminado aquilo lá, cada um assinava a sua parte correspondente. Daí a pouco vinha outra pessoa. Não me lembro, em nenhum momento, algum tipo de agressão física. Algumas vezes a agressão verbal para as pessoas, mas é lógico que ele não vai falar isso pra mim, para um deputado, para um advogado. O único que sofreu um pouco foi o irmão do Doutor Moysés [Salomão]. Ele também chamava o pessoal de milico, macaco. Era o troco né. Esse ai realmente sofreu constrangimento, o irmão do Moysés sofreu. R.S – Como era a rotina no navio? W.R – O dia a dia... quem gostava de ler, podia ler, tinha liberdade. E eu não posso me posicionar como um igual, nem eu nem o Percy. E até o próprio Salomão Amaral e alguns outros que foram detidos, porque conforme a classe social da pessoa e o tipo de atendimento, isso em qualquer setor da vida. Eu não posso servir de modelo, porque lá prenderão o Joaquim da Silva, por exemplo, de falar um monte de asneira na rua... Eu não sei o que cada um falava quando estava sendo inquirido, porque quem era inquirido, só se ele citasse o nome de alguém, ai buscava aquele alguém para confirmar aquela afirmação. Eu não me lembro de nenhum tipo, digamos assim, de agressão física. Verbal houve alguns casos, não comigo, porque a pessoas falava uma inverdade, daí começava aquela serie de contraposição. R.S – E o senhor almoçava, jantava lá? E a comida era boa? W.R- Boa porque... Esse é outro detalhe que não pode escrever. Tinha uns caras que tinham medo, inclusive um que vocês devem ter ouvido falar, que era uma família que era proprietária de uma casa de comércio atacadista. Forneciam tudo de graça para não deixarem prender a família dele, e não tinha nenhuma razão para isso. Mas o medo de... porque ninguém sabe o que vai acontecer. Então esses caras colaboravam com a
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doação de arroz, feijão, farinha e outras coisas mais. Outros com carne. Porque o exército não tinha recurso para comprar o suficiente para atender o caso assim, especial. Não posso falar nada em relação ao quartel porque nós em seguida fomos mandados para a enfermaria, e era a mesma alimentação que fornecia lá, para nós, e éramos em uns seis/sete. Para nos o tratamento era como se fossemos doentes, porque o doente de lá almoçava ou jantava... tínhamos todas as refeições diárias, o café da manhã, o cara tocava a alvorada lá cedo, e não estávamos acostumados a acordar cedo.
R.S- E lá no navio o senhor tia um horário para acordar? W.R Sempre 7h. No mínimo 7h. Tocava o sino a bordo, que chama a atenção do pessoal que esta a bordo, blaa blaa... O sino fica dentro da sala de comando do navio. É um sino que chama a atenção, blaa blaa, chamando para o horário do almoço, tudo.
R.S- O senhor conheceu as outras dependências do navio? W.R- Sim, a parte de baixo que era coletivo, tinha cama improvisada dentro dele. R.S- E era muito quente lá embaixo? Devia ser, porque em cima é ferro e por baixo é aço. Ar refrigerado só nos camarotes. No meu camarote tinha ar condicionado. Se não fosse a proibição não poder ir lá fora, para a terra, era um lugar de repouso.
R.S- As pessoas que ficavam lá embaixo podiam circular pelo navio? W.R- Quem quisesse podia. Não é todos, depois de serem ouvidos todos podiam. A.G- O senhor lembra quantos oficiais cuidavam do navio? W.R- Ah o navio tinha capacidade para umas 70 pessoas. Tinha o rio, que não precisa de mais de três pessoas, cada uma numa ponta do navio. Mas sempre tinha guarnição de pelo menos de umas cinco ou seis pessoas. R.S- E no porto também ficavam militares? W.R- Não, não ficava não. Ficava andando ali, andando no porto, mas não dentro do navio. Não houve, eu não me lembro de nenhum tipo de agressão física dentro do navio, a não ser aqueles caras que são meio agressivo, que acham que são os donos
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da verdade e tal. E sempre tem os subalternos que querem vingar de alguma coisa que não pode fazer porque o cara é da vida civil... isso tem de todo tipo. Mas o tratamento eu não posso dizer que houve... Eu que já vi até prisão no exterior...
A.G- O senhor lembra o nome do oficial que tomou o seu depoimento dentro do navio? W.R- Era o presidente da comissão, Luiz Calvente Aranda. Ele às vezes, excepcionalmente, tinha lá o seu oficial que mediava ele, quando ele saia, não me lembro do nome dele. Sempre, de vez em quando, chegava um oficial de Campo Grande para ouvir algumas pessoas que eles consideravam importante, e era uma encrenca danada no meu caso e do Percy. Esse Salomão era ouvido porque ele falava de todo mundo, então, esses ai, eles procuravam ouvir.
A.G- O senhor foi chamado quantas vezes para prestar depoimento? W.R- Meu depoimento foi só uma vez, mas a fase do interrogatório quase sempre nos éramos chamados para dizer se conhecíamos ou não. Alguns falavam que conheciam: “Qual seu relacionamento?”. Esse era o tipo de pergunta. A.G- Essa era a rotina do navio? W.R- Sim. Quando você esta no meio coletivo todo pessoal que é acusa ele passa a ser ouvido para ver se é real ou se é invenção. A gente que tinha posição de destaque na sociedade... Você passa a ser conhecido mesmo de pessoas que você nunca viu na sua frente. Eu fui presidente da liga de esporte de Corumbá, fui presidente da ordem maçônica, diretor dos três clubes sociais de Corumbá. Então, todo mundo me conhecia, mas eu não tinha como conhecer todo o povo. Eu era secretario da Câmara, na verdade eu não era presidente, porque o presidente chamava-se Geraldino Martins de Barro, era um velho que já morreu. Na verdade o presidente é o secretário.
A.G- O senhor ficou 36 dias no navio? W.R – Não eu fiquei 31 dias e 5 dias eu fiquei no quartel. R.S- O senhor lembra como foi o interrogatório, o que ele perguntou?
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W.R- A pergunta era mais de rotina. Você conhece isso? Você conhece aquilo? Você participou disso? Eu estava de saco cheio daquilo. Mas ele não se preocupava porque cada vez era um. Imagina você ficar privado do seu relacionamento social, familiar. E eu ate achava bom, porque ninguém vinha me encher o saco para quebrar o galho né.
Eu era secretário geral do partido. Tudo que acontecia no partido, na ala administrativa passava na mão do secretario executivo. Não tem como dizer que não sabe do que esta acontecendo.
R.S- Depois que o senhor saiu como que foi o contato com a sociedade corumbaense? W.R- Eu sai e a primeira coisa que fiz foi passear lá em Campinas. Depois voltei para Corumbá, não houve nenhum constrangimento, ao contrário, eu comecei a ter mais encrenca, porque o presidente da comissão de inquérito era o Major Luiz Calvente Aranda, ele foi eleito presidente da liga de esporte corumbaense e me convidou para ser o primeiro vice-presidente dele na liga de esporte em Corumbá. Como é que você quer que eu diga que houve algum tipo de constrangimento de relacionamento. Mas é lógico que houve um oficial, esse cara que morreu no acidente em Campo Grande, Até eu se estivesse de carro ia fazer que não vi, esse era mau, não comigo mas...
A.G- Tiveram pessoas que ficaram presas na Marinha? W.R- É porque no primeiro momento houve prisões que o pessoal levou para a Marinha e o pessoal de Ladário era locado também lá na Marinha. Mas isso não passou de uma semana.
A.G- Então os IPMs foram feitos dentro do navio? W.R- Concluído a parte do inquérito e enviado para o Ministério Público para ver se vai abrir processo, para ver se vai ter continuação, punibilidade ou se vai ser liberado. Todo mundo do navio foi liberado quase que simultaneamente. Os que precisavam de esclarecimento ficaram mais tempo, eu não sei quantos foram punidos. Mas fora isso,
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que eu sei, os que foram enquadrados e denunciados pelo Ministério Público, são os promotores que fazem a denuncias, esses ai ficaram respondendo inquérito na fase processual. Encerro o IPM os que foram liberados não tinham obrigação de aparecer... Teve gente que pegou esses processos e inclusive pegou certidão negativa. R.S- porque se o promotor não oferece denuncia para no inquérito, como foi o caso do senhor, agora se oferece denuncia. W.R- Ai já é o Ministério Público, ai é a parte civil.
R.S- O senhor se lembra do Amorésio lá dentro do navio? W.R- Eu era amigo do Amorésio. Ele era advogado, bem relacionado, foi Deputado Estadual de Mato Grosso.
A.G- O senhor ficou no mesmo navio que ele? W.R- Não, quando eu saí, ele ainda estava hospitalizado. Ele fugiu, sumiu. Depois que foi preso, depois de mais de 15 a 20 dias o encontraram semimorto na estrada que sai de Corumbá. Ele chegou a ir para o navio, mas ele ficou pouco tempo antes de ir para o navio ele ficou no hospital. R.S- mas quando ele chegou ao navio o senhor ainda estava lá? W.R- Eu estava lá. Mas não tinha contato com ele. Ele não tinha contato com ninguém. R.S- Ele ficava isolado? W.R- Eu não sei se ele ficava isolado ou se colocava ele isolado, eu não sei. Porque ele tinha um comportamento... ele era do Partido Comunista Brasileiro dos anos 40. Ele foi político pelo PCB da época de Luis Carlos Prestes. Esse deve ter sofrido horrores nas mãos deles na época que o prenderam, não sei porquê. Nos só ficamos sabendo que ele foi preso depois que ele foi hospitalizado. “Prenderam o Amóresio. Ele está no hospital”. Eu não sei qual foi o tipo de tratamento, não tive a oportunidade de conversar com ele.
R.S- Sabe se ele foi solto junto com o senhor?
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W.R- Não me lembro se foi na mesma época. Mas ele não deve ter sido solto porque ele deve ter ficado junto daqueles que foram considerados... enquadrados para responder junto com o Ministério Público. Eu não sei quando que ele foi solto.
A.G- Sabe se ele ficou no mesmo navio que o senhor? W.R- Ele deve ter ido. Eu não posso afirmar porque... eu acho que fazer falsa afirmação foge a ética. Ele deve ter ficado lá no navio fazendo visita, eu tive a oportunidade de vêlo lá no meio do pessoal. R.S- No navio? W.R- Não, saindo do barco. Mas eu o vi no fórum, porque tivemos amigos que foram envolvidos e que tiveram que responder inquérito, chama-se inquérito civil, para poder se ia ou não. Não me lembro de alguém que tenha sido penalizado pelo tribunal do júri.
A.G- Eu consegui o IPM do Amorésio que fala que ele ficou no navio Guairaca... W.R- era muito navio, um do lado do outro. Eu não sabia quem chegava ao navio, a não ser aqueles que... porque o primeiro navio que pegaram lotou, ai colocaram outro navio. Os casos mais delicados eram num navio separado. Agora o que acontecia no outro navio eu não posso dizer.
A.G- A nossa dúvida é se houve dois navios? W.R- tinha quanto fosse necessário. Eu sei que teve ação de presença nesses dois. Um chamava Guarapuava, que era maior. Tinha camarote para a tripulação, camarote para passageiro não tinha. Meu irmão nessa época estava trabalhando na Bacia do Prata, se ele quisesse me visitar ele podia. Não tinha nenhum constrangimento de recebermos visitas. Não havia, no meu caso, de 80 pessoas pelo menos umas 10 pessoas tinham direito de receber visitas duas a três vezes por semana. Eu não gostava de receber visita porque o pessoal vinha me pedir coisas.
A.G- O que o senhor fazia para passar o tempo no navio? W.R- como eu não gosto de pescar, eu lia. A.G – O que o senhor lia?
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W.R- A maior parte das vezes lia qualquer coisa que caia em minhas mãos. Alguns livros... não gostava de ler revistas, tirando a revista cruzeiro. Mandava meu irmão comprar, quando não tinha pegava revista em quadrinhos: Tarzan. Você tem que preencher... você não consegue ficar sem fazer alguma coisa. Não dá para você ficar o dia inteiro lendo também. Depois que eu cansava andava no navio, dormia. Não havia constrangimento em relação a eu andar no navio, não podia é entrar na sala de audiência onde o pessoal estava sendo ouvido. Mas andar em torno do navio podia.
R.S- Quantas pessoas ficavam com vocês na sala de depoimento? Tinha o escrivão... W. R- Tinha o presidente do inquérito, o escrivão, o secretário, o pessoal de apoio, no mínimo tinha seis pessoas do exército e algum da marinha. A.G- Então tinha pessoas do 17º BC e da Marinha? W.R- Excepcionalmente quando o assunto tinha relacionamento militar da Marinha ou reserva da marinha, não me lembro de ver nenhum oficial, e não graduados como cabo. A.G- Ninguém da SNBP ficou dentro do navio? W.R- Não a tripulação do navio tinha. Eles eram apenas militares aquartelados dentro do navio. O navio era da Bacia do Prata. A tripulação, comandante, tudo era pessoal funcionário da Bacia do Prata, não era navio prisão como a gente vê eles falar. Eram todos funcionários da Bacia do Prata.
Os funcionários eram todos civis. Para ser
funcionário tem que ter carteira tirada pela capitania dos portos. O marinheiro do navio ou o moço do convés, o cozinheiro é tudo... Eles ficaram lá, não foi colocada gente de fora para fazer o serviço de copa, cozinha, era a própria tripulação do navio. Eram três navios, um dos marinheiros do navio era meu irmão, tinha gente da marinha como se fosse guarda. Mas tripulação da marinha servindo lá, dentro do navio, fazendo serviço de tripulante não. Era o pessoal da Bacia. E o comandante da Bacia, que era diretor-presidente, era oficial da reserva da marinha, chamava-se Paulo Tostes.
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A.G - Em 1963 o diretor da SNBP era o Rubens Sandoval, depois que os militares chegaram ao poder muda-se o diretor, o senhor conheceu ele? W.R- ele era presidente ainda, quando o PTB mandou no Brasil, no tempo de Jango. Eu só me lembro do Sandoval, e o outro era Paulo Tostes que foi diretor da Bacia do Prata, não era o comandante do navio, era o diretor-presidente. O Sandoval era civil e foi presidente da Bacia do Prata. A.G- Na noticia de 2 de abril fala: “Ao meio-dia de hoje assumiu o cargo de diretor do Serviço de Navegação da Bacia do Prata o senhor Edmir Barreto Baltazar. W.R- Esse assumiu interinamente, ele era funcionário da Bacia do Prata, não sei se é vivo, mas ele já era funcionário da Bacia do Prata. Eu acho que Paulo Tostes entrou no lugar dele.
A.G- Para tirar todas as dúvidas...o que você comiam de café da manhã, almoço, janta? W.R- O ruim é que nós comíamos de mais. Quando passou lá no navio, tinha fartura, não tinha qualquer tipo de restrição. Comíamos qualquer tipo de alimentação que você pode imaginar numa alimentação coletiva. Tinha café da manhã. A.G- Tinha leite, pão? W.R- Não leite e pão não, ai é um pouco difícil. E eu não posso me pautar, vamos dizer assim, na minha alimentação com a alimentação do comandante que é outra. Então eu não posso pautar a minha alimentação como se fosse igual, porque eu tinha tratamento vip, pelas minhas funções, atividades. Então alguma coisa era diferenciada, não a massa principal. Às vezes vinha alguma sobremesa para mim que não ia para o pessoal mais humilde, bravo. A.G -Mas como era a sua alimentação lá dentro? W.R- Tudo o que eu comia era o que o oficial, comandante comia. De vez em quando tinha peixe, carne tinha de fartura, não tinha constrangimento. Eu não posso pautar o meu tratamento... o que eu comia era o que os oficiais comiam. Cansei de almoçar junto com o presidente do IPM que era o Luiz Calvente Aranda. “Vamos almoçar junto hoje”, ele pegava alguns amigos... Por isso que eu falo: acabou o inquérito; ele veio falar, “Você vai ser o vice-presidente da Liga de Esportes de Corumbá”.
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A alimentação eu até cansava de comer, é normal até em casa. Lá não tinha esse negocio de restrição, comigo não tinha isso. Eu só nunca sentei na mesa junto com esse tenente que chamava Beranger, esse não. Esse morreu de acidente. Ele pensava que era dono da verdade. Eu não gosto de gente prepotente. E também tem mais uma coisa, que tivesse, não é o meu caso, quem quisesse levar marmita para algum familiar preso não tinha nenhum tipo de restrição. Eles revistavam para ver o que tinha dentro.
A.G- Como era a tua relação com o Aranda? W.R- Aranda? Meu relacionamento começou lá dentro do quartel, ele era subcomandante do batalhão.
A.G- desde quando o senhor o conhecia? W.R- Desde quando ele chegou aqui em Corumbá. Acho que é 1962 ou 1961 que ele veio para Corumbá. Eu já o conheci logo em seguida, porque ele foi um homem muito ligado ao esporte aqui em Corumbá. Ele era subcomandante daqui do 17º. Alias não foi muito feliz, a esposa se suicidou em São Paulo, e ele morreu logo depois, mas não foi por causa matrimonial.
A.G- Os livros que o senhor lia no navio era alguns que já estavam lá e os que o teu irmão levava? W.R- Não me lembro de ter... Revistas sim, mas livros eu que pedia para o meu irmao levar. Não era ninguém que dava. Era muito raro eu ficar lendo também, eu tinha preguiça de ler. R.S- O senhor passava mais tempo dormindo então? W.R- Não, andando, pescando, não tinha o que fazer. A.G- Então o senhor pescava lá? W.R- Podia ter direito de pescar. E outra, não era só eu não. Tinha as linhas lá, jogava sca no rio e ia pescar. Não havia constrangimento, no meu caso e de alguns. Não era só eu que era privilegiado. Pelo menos 10% do pessoal podiam fazer, porque é a parte social de uma cidade, isso ai não pode massacrar porque alguém tomou...
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R.S- E os outros não ficavam meio chateados de vocês terem um tratamento especial? W.R- Na minha faixa social, todo mundo tinha o mesmo tratamento. O pessoal (humilde) não tinha nem coragem de ficar perto da gente R.S- Tinha um afastamento? W.R- Sempre houve o afastamento natural. Raramente eu recebo gente na minha casa. Vocês são... é difícil porque o que esse povo tem para mostrar? Principalmente a classe política, o quê tem para mostrar para mim? Nada. De conversar comigo? Nada. Parte social? Nada.
A.G- Onde era o local que o senhor morava nessa época? Nome da rua.. W.R- La dentro da fábrica. Ah eu não sei (nome da rua). Não tinha essas casas na frente da avenida que vai para Ladário. Só tinha da diretoria de São Paulo quando vinha passear. Então só tinha uma casa lá na frente e as casas da administração eram na parte principal da avenida. Ai parece que tinha mais três filas de casas funcionais. Eu morava bem na casa da frente. Era um lote grande, e foi feita a construção dentro deste lote, não tinha número.
R.S- Waldemar aconteceu muita de uma família delatar a outra porque às vezes tinha algum problema e o exército ir lá e prender. W.R- Não acredito, tinha delatores profissionais de tirar proveito da situação. R.S- Mas eram civis? W.R- Tinha gente da sociedade que queria aparecer, mas dizer assim, que eu tenha conhecimento de alguém que tenha prejudicado, simplesmente por maldade, eu não tive este tipo de relacionamento. Conheci alguns que brigavam com a pessoa fora e: ah fulano fez isso, fez aquilo. Isso é normal no meio social, principalmente em vilas.
A.G- A casa do senhor ficava longe do 17º BC? W.R- É lá perto de Ladário. Do batalhão deve dar uns 2 km de distância. Tem coisas que não podem ser ditas, não é que não podem ser ditas, porque é coisa negativa. É coisa que pode até prejudicar a família de algum oficial que participou do processo.
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A.G- O senhor lembra de algum oficial que participou da Revolução que esta vivo? W.R- Lembro-me do Ary. Os generais já são falecidos. O Ary esta lá em Campo Grande, talvez você consiga alguma informação dessa pessoa na Academia de Letras Maçônicas, ele é presidente. Na época ele serviu aqui como major ou capitão.
A.G - O senhor conhece o Arani Serra? W.R- O Arani, quando aconteceu isso, ele era sargento. Ele foi meu colega de trabalho, ele foi funcionário da fabrica de cimento. Ele era do exército e mora em Campo Grande. Quem pode te dar informação dele é o Mario de Abreu, ele foi diretor no ex Banco Financial. Não me lembro se o Arani já era oficial na época da revolução. A.G- E o Adolpho Jorge da Cunha? W.R- Ele foi, se não me engano, foi dentista, e foi presidente do PCB na época de Luiz Carlos Prestes. Ele deve ter morrido a muito tempo. + A.G- O Ibraim Ismael? W.R- Ele era um psicopata, devaneia o passado. Ele era comunista bravo. A.G – A quem pertencia o Jornal Folha da Tarde? W.R- Um dos fundadores está falando com você. É que meu irmão era jornalista, eu era só um dos donos. O primeiro dono chamava José Feliciano Batista Neto. A linha editorial: “era de pecuarista, para vender boi e carne aqui na cidade”.
R.S - Quando houve o golpe, o senhor lembra onde estava e como que ficou sabendo? W.R- Eu estava trabalhando. Estava acompanhando... na época eu era vereador e a minha política era contrária aos pensamentos de Jango. Estava muito bagunçado, Brizola estava colocando fogo no Brasil. O principal agitador da época. Eu nunca simpatizei com ele. Já ouviram falar no nome: Pedro Paulo de Araújo Lins? Esse era brizolista, mas brizolista de carteirinha. Ele falava: Para qualquer coisa tem que receber ordem de Brizola. “É o meu chefe Brizola”. Não aconselho você falar com ele, porque
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ele esta falando coisa com coisa. Se vocês já o entrevistaram, não é confiável. Não é por maldade, é por questão mental.
Entrevista 1.7 Nome: Yulsef Iunes Y.I - Na rua 15 de novembro,181.Fica a duas quadras do 17° Bfron. Então, esse Guinemer, ele falava: que quando eles foram presos, o nosso amigo também foi preso no 17° BC, e ele de raiva não queria comer a comida, então, o Juquinha pegou a comida dele e comeu. Em 1964, nós corumbaenses que não gostávamos do partido comunista e nem dos esquerdistas que apoiavam esse povo, primeiro, tinha gente que da “solidarizarão” que ia à rádio difusora ás vezes criticava os militares dizendo que nem para macacos eles serviam. Serviam de outra forma, criticavam. Então, para nós que gostávamos de democracia. Quando foi feito o regime militar, no começo nós batíamos palmas, porque queríamos a moralização do país, não aceitávamos que gente, por exemplo, eu servi o exercito em 51, aprendi numa hierarquia: soldado respeita o cabo, o cabo ao sargento, o sargento ao tenente, o tenente... e assim sucessivamente. E lá no RJ insuflado pela turma do presidente deposto Joao Goulart, aplaudia e gostava. Tanto é que João Goulart foi no comício lá na central do Brasil, porque os sargentos achavam que podiam ser mais que oficiais... Então, nós, quando houve a passeata em São Paulo de Deus com a família nos batemos palmas porque foi mais de um milhão de pessoas. Então, houve o golpe militar, quando o general Mourão saiu de Minas Gerais e ocasionou toda essa revolução, ainda teve alguns militares que tentaram contrapor a estes fatos. Por exemplo no Rio grande do Sul, Leonel Brizola pediu para o general de lá ajudar a combater esse regime que surgia. Houve excessos, porque nós advogados sofremos com... Eu mesmo em 64 era advogado de muitos ‘embarcadistas” que queriam aumento salarial e foram para o meu escritório pedir. Aqui em Corumbá houve o Major Aranda, subcomandante do 17°BC, e também o capitão Lucio.
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O capitão Lucio, por sua vez, foi ao meu escritório exigir que cada procuração dada por esses “embarcadistas” ele queria. Ai eu falei que só podia dar a eles se cada “embarcadista” viesse e pedisse. Ai cada dia o capitão Lucio trazia determinada pessoa. E mesmo nós que defendíamos qualquer tipo de pessoas... não sei se éramos bem vistos, talvez não... porque houve excessos. Teve muitos advogados que se prestavam a delatar seus colegas que não faziam partes desses conluios. Eu no começo participava da revolução. Aqui tiveram dois advogados, Sebastiao Viana, advogado brilhante. José Batista Feliciano Neto que foi ao meu escritório para solidarizar-se com o |Almirante no dia 1° de abril de 1964. Ai eu falei que não podia ir porque tinha compromisso com outros clientes. Mas eu fui favorável, mas houve excessos. O Amóresio teve que ficar escondido aqui na mata, em Corumbá, comendo não se sabe o quê. Diziam na época que ele comia até grama. Advogado brilhante, pai de família direita. Agora, tem essas ideias que nós não apreciamos. O meu tio, Ibraim Ismael, eu não sei se ele virou comunista, porque, acredito que no ano de 1944 ele era sargento do exercito, do 17° BC. Ele foi convidado para ir ao RJ para embarcar para Itália para combater os regimes deles lá. Ai desembarcou e voltou com essa ideia. Quando surgiu em 45 o regime democrático, quando expulsaram Getúlio Vargas do poder... Eu era contra comunistas, e sou até hoje. Sou contra o governo Lula. Esse povo que tinha essa ideia, como Amóresio e o meu tio Ibraim e muitos outros que foram presos... agora eu tenho a faculdade de falar deles... os dois foram bons, mas pelas ideias que eles tinham, não se sabe o que poderia acontecer. O Ibraim tinha essas ideias, brigava com o pai dele. O pai dele era sírio e a mãe paraguaia. A mãe ficou cega, diabética, toda vez que o filho era preso. Ricardo Santos (R.S) - Ele foi preso várias vezes? Y.I - Ah, durante o regime militar foi. Várias vezes. R.S- E o que ele contou sobre o período que ficou dentro do navio-prisão? Y.I- dizia que muita gente gritava. Gritava, dava aquela maltratada, mas que ele nunca foi maltratado. Uma vez, esse Juquinha se lançou no rio Paraguai para tentar escapar. Entendeu?
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Alline Gois (A.G) - O senhor sabe quando que ele foi preso? Logo após o Golpe? Y.I- Ah, depois de uns dias. Não foi no mesmo dia, porque foram cassando um por um. A.G- E quantos dias ele ficou no navio? Y.I - Vários meses. Um que foi deputado aqui, Francisco por Deus- Percy-, ele foi deputado duas vezes pelo PTB, não era comunista era pecuarista, foi preso.
R.S- O senhor chegou a visitar seu tio no navio? Y.I- Tentei uma vez, mas disseram que naquela hora não podia. Então, nunca mais fui. R.S- O senhor sabe quantos navios foram usados? Porque nos disseram do tupi, que era um navio maior. Y.I - Eram só dois, o mais utilizado era o guairacá. R.S- As pessoas iam ver os navios? Y.I - Quando eles deixavam podia, porque às vezes não podia. A.G- Tinha segurança lá no porto? Y.I - Tinha. E todo mundo respeitava, ninguém queria ser preso. Ficaram com medo. Mas nenhum preso sofreu, nenhum preso suicidou-se, nenhum preso foi morto. Aqui em Corumbá, acredito que foram bem tratados. Quer dizer, bem tratados entre aspas, porque você não sabe o que aconteceu lá dentro. E o meu tio mesmo nunca falava nada. Quando que acabou o regime militar? 1984 para 85. O meu tio morreu em junho de 80. Amorério morreu em Cuiabá, família de gente boa, o Amorésio, advogado brilhante, honesto, mas tem essas ideias. Que eu acho que o regime militar fez mais bem, porque na época precisava, porque nós não sabíamos para onde nós iríamos. Seriamos uma nova Cuba? Porque até hoje com o regime que esta ai... hoje os militares não podem se expandir, falar, porque estamos numa democracia. Mas quando houver excessos pode acontecer coisas que a gente não quer... porque a democracia por pior que ela seja, ainda é melhor. Agora, com essa roubalheira.
A.G- O senhor lembra como que foi o dia do golpe aqui? Por que logo começaram as cassações...
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Y.I - O Waldemar dias das Rosas parece que era suplente na época. Aqui foi cassado Pedro Paulo de Araujo Lins, como chamava o Paraíba? João Teixeira, do PTB.
A.G- O senhor lembra como que foi o dia 1 de abril? Y.I - Aqui não houve reação de ninguém. Os militares tomaram conta e todo mundo aceitou tranquilamente. A.G- Tinha algum comentário assim que começaram as prisões? Y.I- Ah, nós não podíamos falar nada filha. Eu sou sócio do Corumbaense há 63 anos, como que alguém vai falar alguma coisa? Ditadura é ditadura. No regime militar muita coisa errada acontece, mas muita coisa certa também acontece. Por exemplo, no regime militar, quem pensaria um dia em ter a ponte Rio- Niterói? Quem pensaria? Mario Andreazza, coronel do exército, ministro dos transportes. Eles fizeram muitas coisas boas, agora houve excessos. Mas há excessos.
A.G- O grupo dos onzes o senhor sabe alguma coisa? Conheceu alguém que era do grupo? Y.I - Se eles se organizavam aqui era sigilosamente, não houve manifestação. Era só gente pobre, gente desconhecida. Houve muitos advogados delatores, não vou citar nomes, porque Corumbá é uma cidade pequena e vou dizer praticamente, que todos já morreram. O advogado mais velho de Corumbá, vivo, sou eu. Depois de mim tem Adelmo, João quintilho, ai só advogados novos. A.G - Tinha muita gente que se propunha a serem delatores? Y.I – Muita gente não sabia quem é que delatava. Aqui tinha gente da Marinha que tinha o SNI deles, que alguns civis daqui participavam, e do exército também. A.G- Falaram pra gente que o Clio Proença era um delator, o senhor sabe se é verdade? Y.I – Ele era como eu amante da democracia, foi vereador da UDN, ele deve ter morrido em 1982. não chegou a 85. ele tinha programa na radio. Não acredito que ele tenha chego a ser delator. Agora, talvez ele pudesse ser, mas a gente não sabia, como que você vai saber quem era delator. Ele tinha coragem de se expor na sociedade. Às vezes era só acusações infundadas. Ele era uma pessoa de bem, tem irmã viva aqui
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em Corumbá. Constâncinha é irmã do Clio Proença. Eu não acredito que o Clio Proença tenha sido delator. A.G- O senhor lembra a idade do seu tio no ano de 1964? Y.I- 32 anos. A.G- Ele participava do partido comunista aqui? Y.I- É o Ibraim e o Amorésio. A.G- O Amorésio era o líder do PCB aqui em Corumbá? Y.I - É, era um homem culto. A.G- O senhor sabe como funcionavam as reuniões aqui? Y.I- Era tudo sigiloso. Por exemplo, o Paraíba- João Teixeira-, e o Waldemar Dias da Rosa não eram comunistas eram petebistas. Então, você não pode avaliar a conduta de cada um por ter sido preso. Waldemar era uma pessoa do bem, o Paraíba também foi uma pessoa do bem. O Pedro Paulo de Araujo Lins, vereador na época, também, família tradicional de Corumbá, eram todos de Cáceres a família Lins. Mas o Pedro Paulo nunca foi comunista, era PTB, só que era alinhado a eles. Porque o partido comunista apoiava eles (PTB). R.S- O senhor conheceu o Aranda? Y.I- conhecia. A.G- E como ele se relacionava aqui na sociedade? Y.I- Era bem visto na sociedade, porque era major. O militar sempre é bem vindo aqui. Tanto almirante como general, todos gostam deles. Porque o corumbaense é como o carioca, trata todo mundo bem, como se fosse um de nós.
A.G- Então o Aranda era respeitado aqui em Corumbá? Y.I- Olha, ele tinha pouco contato com a sociedade. Mas as reuniões que eles frequentavam ninguém constavam nenhum... Agora, no regime militar, ele não pode fugir do regime, filha. Se ele fugir ele tem essas ações contra ele. Ele era soldado e já tinha virado cientifico em São Paulo. Quando eu serviu
no
exército, tinha cabo analfabeto. Eu tinha que dar continência para ele, pois respeitava a hierarquia. Não se sabe se os comunistas ganhassem os sargentos iam mandar no
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quartel, eu não acredito que ia acontecer isso. Mas vamos permitir que acontecesse, o que seria do país? Uma Cuba? A.G- Verdade que eram realizadas patrulhas feitas pelo exército? E como que era? Y.I- Eu mesmo participei de muitas patrulhas, exército e marinha. Era quatro, cinco do exército e quatro/cinco da marinha. Ai, saiamos em todas as ruas, íamos nessas casas de prostituição para ver se tinha algum soldado, porque soldado não podia andar a paisana, naquela época era proibido. Aqui tinha um lugar que chamava Saroba, no final da rua 13. Adentrávamos muitas vezes lá. Eu conheci tudo que coisa aqui em Corumbá. Agora, meus amigos, vocês não podem criticar uma coisa que esta certa ou errada. Por exemplo, hoje o assaltante ou bandido, se você não tem dinheiro ele te mata... A.G –As patrulhas aconteciam todos os dias? Y.I - Mas não tinha nada a ver com esse regime. Eu servi em 51... não sei se em 64 continuava.
R.S- O Ibraim, quando foi preso, era casado? Y.I- Ele vivia com uma mulher e os filhos. Tinha três ou quatro filhos. Um virou sargento do exército, muito inteligente. Teve uma que trabalhou na caixa e depois se formou em advocacia. E outra, que de vez em quando, a encontro por aqui, acho que é casa.
R.S- E quando ele saiu... Y.I- Quando ele saiu, casou-se como uma senhora chamada Áurea. Já não teve filhos. Ele casou, tanto é que ela recebe uns vencimentos, recebia, porque ela faleceu, um salário da prefeitura. R.S- E como a sociedade recebia essas pessoas depois (que eram liberadas do navio)? Y.I- Recebia bem, eram membros da sociedade. A.G- Não sofreram nenhum preconceito? I.Y- Não, não, por exemplo, o Waldemar foi preso, Pedro Lins foi preso, são gente da sociedade. Nunca foram repudiados pela sociedade. Todos eles eram bem-vindos. O próprio Lico de Ladário... nunca teve preconceito.
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R.S- O senhor lembra como Ibraim foi preso? Iam à casa? Y.I - Todos eles foram na casa. Podia ser o Aranda, o sargento. Houve, uma vez, aqui, uma briga entre o Capitão dos Portos, agora esqueci o nome dele, com o Promotor de justiça o Dr. José Mir, e depois da revolução, esse comandante da capitania dos portos pegou um ônibus cheio de fuzileiros, marinheiros, e prenderam o promotor. É aquilo que eu disse, houve excesso. Aqui, havia um Juiz chamado Castelo Branco que pediu para nós promotores, advogados, irmos lá na marinha conversar com o almirante para liberá-lo. Aconteceu excesso. José Mirra, não sei se quando não havia revolução, ele fez alguma coisa contra esse militar, então houve uma... a troca né. R.S- E o Salomão... Y.I- Homem inteligente, culto, mas ele ia na rádio difusora criticar (os militares). R.S- E ele estava no RJ quando foi preso né? Y.I- Ele veio lá do aeroporto para a cidade, um homem culto, inteligente, direito, sério. A.G- Ele que chamava os militares de macacos? Y.I- Símios, né! “Não servem nem para ser macacos, são símios”. A.G- E porque ele falava isso para os militares? Y.I- O PTB excedia no palavreado. o Salomão era uma pessoa de bem, mas como ele era do PTB... a gente não sabe em que direção ele falava. Por isso que eu estou falando que o Waldemar, todos eles, são pessoas de bem. O Salomão tem um irmão chamado Moyses, uma pessoa culta, intelectual. Então, você não pode: porque foi preso, não presta. São gente boa. Agora, pertencia a um partido que nós éramos contra. O Salomão foi preso na década de 60, o José Fragele, governador honesto, em 71 foi eleito governador e nomeou o Salomão secretário de justiça. Por ai você a capacidade do Salomão. A.G- Falaram pra gente que como ele chamava os militares de macacos, ele acabou sofrendo mais com a repressão... Y.I Não, ele parece que veio a pé do aeroporto para a cidade. Mas eu não vi isso, porque estamos no escritório trabalhando não sabe de alguma coisa, mas ouve o comentário. Cheguei a escutar na difusora que ele falou isso. A.G- Salomão ficou no Guairacá?
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Y.I - Se ficou foi por pouco tempo. Homem de bem,culto, já deve estar aposentado em Campo Grande. Casou-se com família de Aquidauana, família Trindade. É gente muito séria. Quando ele veio para Corumbá, ele e a família dele, ficou aqui na rua Major Gama. O pai dele era esses evangélicos... Agora na política, filha, se você não gosta dele vai preso. O Salomão excedeu no palavreado. Então, eu acho que o militar agiu certo o prendendo. Mas acredito que ele não tenha sido maltratado na prisão. Para você ver, em 71 ele foi nomeado secretário de justiça. Sinal que nós gostávamos dele. R.S- E o Ibraim nunca comentou com você o tempo que ele ficou preso? Y.I- Não, não comentava, porque sabia que éramos contra a ideologia dele. R.S- Mas ele era bem integrado na família? Y.I. Era bem aceito. Mamãe morreu em 2009, ele morreu em 1980 ... 90? Acho que não tinha nem 60 anos. R.S- E até o final ele tinha uma ideologia de esquerda? Y.I- Sempre foi. Ele morreu de acidente, impacto, aqui na rua DeLamare entre a 15 e a 7. Ia visitar a mamãe. Eu estava numa festa na maçonaria, eu era presidente e ia ter uma iniciação lá. A.G- E ele sempre morou em Corumbá. Y.I- Sempre, e o Amoresio veio de Cuiabá e morou aqui. Morava na rua Delamare, perto da silva de matos. E o Pedro Lins mora em frente do onde mora o general, um pouquinho a cima. Ele foi meu colega de ginásio em 45, o nome dele era Pedro Paulo de Araujo Lins. A.G- O pessoal falou que ele era conhecido como Brizolinha na época. Y.I- Ele sempre foi, nunca negou. Ele ficou viúvo agora.
Entrevista 1.8 Nome: Salomão Francisco Amaral