27 a 30 mar
© José Carlos Duarte
são luiz teatro municipal
teatro / estreia
hamlet
mala voado r a d e wi lliam s hake s pear e d i r e cção j o rg e an d r ad e
José Luís Ferreira
MALA VOADORA
Todos os anos há um dia a que chamamos do Teatro. Todos os anos há um dia que gostaríamos que fosse realmente mundial, que correspondesse a uma ideia partilhada sobre o valor e o lugar do Teatro nesta aventura que é a vida. Todos os anos nos perguntamos se é assim, se vale ou não a pena. E chegamos invariavelmente à conclusão de que não, não é assim, mas que não temos outro caminho que não seja o de continuar a caminhar. Todos os anos, chega a Elsinore uma companhia de actores que se estabelece em máquina de produção de verdade a partir dos mecanismos da ficção e do ensaio. Este ano, essa companhia chama-se mala voadora (assim em minúsculas porque é preciso, acima de tudo, respeitar a identidade de cada um) e a peça, vá-se lá saber porquê, chama-se Hamlet. Uma companhia que não construiu o seu percurso sobre a abordagem dos clássicos deixa-se seduzir por uma versão rápida, eventualmente menos elaborada, mas talvez mais actuante da peça mais feita e mais citada da história da dramaturgia ocidental. Se somos ou não somos, se sofremos passivamente as flechas da fortuna ou nos insurgimos e lhe damos luta, apenas cada um de nós, singularmente, pode decidir. O Teatro é a casa onde essa discussão se torna possível. Ei-la. Feliz vida mundial do Teatro!
A mala voadora faz um Hamlet – a partir da versão que chegou até nós com o epíteto “mau quarto”. Não somos uma companhia de teatro de repertório. Mas gostamos de “peças”. Com a mesma convicção com que não nos limitamos a elas. As peças, das mais ancestrais às “a estrear”, são mais uma matéria-prima – uma matéria que manipulamos com a liberdade que nos parecer favorável ao espectáculo (o texto ao serviço do espectáculo e não o espectáculo ao serviço do texto). Nunca vimos qualquer pertinência em sacralizar o “texto” e, como nos explicou Fernando Villas-Boas, Shakespeare também não. É a primeira vez que fazemos um Shakespeare. Talvez não tenha acontecido antes devido à nossa desconfiança em relação à ideia de “clássico”. Mas gostamos verdadeiramente desta peça, cheia de teatro: a companhia de teatro incluída na narrativa, uma peça (falsamente!) citada dentro da peça, Hamlet encenador, um pai que encena a própria filha que se encena para o pai, um conjunto de personagens que, com uma curiosa manha, encenam situações e representam papéis, umas para as outras. Para além da meta-teatralidade que daqui resulta, ou de um possível propósito auto-reflexivo que em Hamlet possa cumprir-se, o que verdadeiramente nos interessou foi a possibilidade, designadamente lúdica, que a peça oferece de potenciar o exercício de “fazer de conta”.
Fernando Villas-Boas
Há pessoas que acham que Hamlet existe. Não estou a pensar no guarda-livros Sr. Bernardo Soares, que acho que existe, e que achou que a figura de Hamlet existe, mas nas pessoas do teatro, do público aos actores, e até pessoas encenadoras, que acham que a peça existe. Isto é, como coisa acabada. Como um livro pode existir. Coisa a que alguns gostam de chamar “um clássico”, assim como um Bugatti, uma das Giocondas, ou um 45 rotações da Piaf. Bernardo Soares diz que nunca conheceu ninguém de carne e osso mais verdadeiro do que Hamlet. Eis uma maneira de existir que não está muito em voga: não ser carne e osso. Mas o Sr. Bernardo Soares falava da figura. No caso do texto da peça Hamlet, também ele resistiu à matéria. Não há uma só peça de Shakespeare que esteja acabada: cuja escrita tenha sido fechada com o aval do autor (ou fechada de todo). Muito menos Hamlet. E o que é mais, e mais esquecido: não sabemos em que grau a escrita de qualquer das peças de Shakespeare que nos chegaram corresponde ao que terá acontecido em palco. Sabemos que os textos eram constantemente moldados para as ocasiões, como o próprio Hamlet faz em cena, com o espectáculo variado que monta diante da sua corte, num caso escolhendo apenas uma cena e juntando-lhe texto seu – os tais “doze ou dezasseis versos, para a ocasião”. Chegaram até nós três textos diferentes da peça. Dois editados em formato pequeno, Quartos, autênticas “edições de cordel”, e um incluído na edição póstuma das obras completas, o Fólio, um livro invulgar para o tempo, por partir do
princípio de que escritos para serem gastos em ajuntamentos públicos ou divertimentos privados devessem ser preservados e atribuídos a um indivíduo autor. Num tempo muito mais próximo, tesouros do cinema impressos em película de celulóide foram derretidos para sempre, para se fazerem tacões de sapatos. E porque se haveria de estranhar a indiferença à preservação da escrita de teatro, no tempo em que o teatro profissional estava apenas a nascer (e o papel grosso de manuscrito era caro e podia ser revendido para fazer polpa nova)? O texto em que pegámos agora é o da primeira edição de Hamlet, que tem cerca de 1600 versos a menos do que a mais curta das duas outras versões. A poesia também é mais ligeira. Bastante mais ligeira. Ora, durante anos, gente na Academia apontou esta versão como uma falsificação, talvez colada de memória por actores desejosos de fazer uns cobres (Romeu e Julieta, por exemplo, tem uma história semelhante). Deram-lhe o nome de “O Mau Quarto de Hamlet”. Mas a gente da Academia pensou pouco no palco ao longo dos anos: há até “enigmas” literários que dão em nada, vistos do lado da boca de cena, sem ser pelo postigo da imaginação do escritório. Até que alguém descobriu – fazendo um mapa das dobragens de papéis – que este é de facto um Hamlet que pode ser feito por menos actores e poderia ter sido vendido a uma companhia itinerante, antes mesmo de completado o guião para a sala maior, ou, o que é mais interessante e provável, mesmo depois disso. À margem da fala, há algumas indicações cénicas que estão ausentes das versões mais “completas” e que só podem ter sido postas por quem viu, ou fez, a coisa em cena. Deste ponto de vista, o Quarto é mau ou é bom?
A mala voadora foi fundada por Jorge Andrade e José Capela, responsáveis pela direcção artística da companhia, e apresentou o primeiro espectáculo em Maio de 2003. Desde então, tem vindo a apresentar o seu trabalho em cidades de todo o país, e também na Alemanha, Brasil, Cabo Verde, Inglaterra, Escócia, França, Finlândia e Grécia. Continuamos a ser uma companhia de teatro fascinada com o artifício – a contra-naturalidade que define aquilo que é especificamente humano e que pode atingir a condição daquilo a que, artificiosamente, se chama “arte”.
27 mar Dia Mundial do Teatro entrada livre 18h30, Jardim de Inverno
Lançamento da 4ª edição do Manual de Teatro, direcção de Antonino Solmer, Editorial Planeta 21h, Sala principal
Estreia de Hamlet (levantamento do bilhete a partir das 13h de dia 26 de Março, 4ª feira)
www.teatrosaoluiz.pt
27 a 30 MAR TEATRO / ESTREIA mala voadora
hamlet
DE WILLIAM SHAKESPEARE DIRECÇÃO DE JORGE ANDRADE QUINTA A SÁBADO ÀS 21H DOMINGO ÀS 17H30 SALA PRINCIPAL; m/12
€12 a €15 (com descontos: €5 a €10,50)
30 mar Conversa com a equipa artística
domingo depois do espectáculo direcção Jorge Andrade tradução e apoio dramatúrgico Fernando Villas-Boas assistência de encenação David Cabecinha cenografia José Capela, com fotografias de José Carlos Duarte figurinos José Capela desenho de luz Daniel Worm d’Assumpção música original Rui Lima e Sérgio Martins com Anabela Almeida, Carla Bolito, Carlos António, David Cabecinha, David Pereira Bastos, João Vicente, João Villas-Boas, Jorge Andrade, Manuel Moreira e Marco Paiva apoio coreográfico Marco da Silva Ferreira fotografia de cena José Carlos Duarte imagem de divulgação Isaque Pinheiro: Bagagem de mão, 2009 (fotografia de Silvana Torrinha) vídeo de divulgação Jorge Jácome e Marta Simões
produção Manuel Poças e Joana Costa Santos assessoria gestão/ programação Vânia Rodrigues co-produção mala voadora e São Luiz Teatro Municipal residência O Espaço do Tempo apoio Depósito da Marinha Grande, Martins Alves Decorações, Servilusa, Sporesgrime, Teatro Nacional Dona Maria II, Teatro Nacional de São Carlos, Teatro Nacional São João agradecimentos António MV, Comuna Teatro de Pesquisa, Escola Superior de Teatro e Cinema, Fábio Nogueira, Luís Teixeira, Mariana Tengner Barros, Ruptura Silenciosa, Rute Carlos, Teatro da Garagem, Teatro Instável, Teatro Praga A mala voadora é uma estrutura financiada pelo Governo de Portugal / Secretário de Estado da Cultura / Direcção-Geral das Artes, e associada d’O Espaço do Tempo e da Associação Zé dos Bois