A HORA EM QUE NÃO SABÍAMOS NADA UNS DOS OUTROS 2023

Page 1

12- 21 MAI

SABÍAMOS

A HORA EM QUE NÃO NADA

UNS DOS OUTROS

DIREÇÃO OLGA RORIZ

© Alípio Padilha / João Rapozo

“O detonador da peça foi uma tarde de vários anos atrás. Tinha passado o dia inteiro numa pequena praça em Muggia, perto de Trieste. Sentei-me no terraço de um café e vi a vida a passar. Entrei num verdadeiro estado de observação, talvez isto tenha sido ajudado um pouco pelo vinho. Cada pequena coisa tornou-se significativa (sem ser simbólica). Os procedimentos mais minúsculos pareciam significativos do mundo.”

A Hora em que Não Sabíamos Nada Uns dos Outros (1992) é uma peça originalmente composta por 450 personagens, caminhando numa praça representada como uma cidade. O seu objetivo seria criar um dia na vida de uma praça seguindo um conjunto de direções de palco. A dimensão desta produção obriga a um elenco alargado, formado por sete bailarinos, oito estudantes da FOR Dance Theatre e da Escola Superior de Dança e treze pessoas da comunidade de Lisboa. Com exceção dos bailarinos da COR, o elenco será renovado em cada local de apresentação.

Nesta praça do Handke há a recorrência de uma norma de praça que parece já não existir. Assistimos a um rolar do tempo sem tempo, das histórias sem histórias, personagens sem

discurso verbal, com passado e futuro indefinido.

É uma peça intemporal na sua tradução da humanidade para o palco porque está aberta ao aqui e agora de quem a leva cena. A escrita é em si coreográfica tanto na forma como no conteúdo. Composta por didascálias, indicações de perfil e ações de cada interveniente, não deixa de oferecer uma grande liberdade de criação.

Interessa-nos questionar, trinta e um anos passados da criação desta peça, o que mudou no mundo. Parece-nos que este título nos quer dizer agora muito mais. Que o que sabemos uns dos outros e de nós próprios é um poço cada vez mais escuro e que é urgente abrir canais à transformação, à criação da utopia.

Olga Roriz , abril 2022

Visão do cenógrafo Eric Costa numa das primeiras reuniões com Olga Roriz (novembro, 2022)

Cenografia, adereços e figurinos À procura do não lugar, porém de grandes dimensões, a praça cega, negra, a gruta. A luminosidade recorta os corpos trajados sem rigor por mais de 300 figurinos. Dezenas de adereços colam-se à pele dos personagens, dando-lhes novas vidas.

2

Excertos de A Hora em que Não Sabíamos Nada Uns dos Outros, de Peter Handke (1992, tradução de João Barrento)

“A cena é uma praça aberta, numa luz clara.

A acção começa com alguém que atravessa a praça a correr.

Depois, vinda do lado oposto, mais uma pessoa, igualmente apressada.

Depois, cruzam-se duas pessoas, também em passo rápido, cada uma delas seguida, na diagonal e a uma pequena distância que se mantém, por uma terceira e uma quarta.

Pausa.

Ao fundo, alguém atravessa a praça a passo.

À medida que vai caminhando, absorto, abre as mãos e estica continuamente todos os dedos, estende e levanta ao mesmo tempo os braços, lentamente, até eles se fecharem num arco sobre a sua cabeça, volta a baixá-los, também sem pressas, enquanto vai deambulando pela praça.

Antes de desaparecer na rua estreita ao fundo, vai fazendo vento ao andar, abana-se com as mãos abertas, o que o leva a assentar a cabeça na nuca e a ficar de cara para cima. Finalmente desaparece, fazendo uma curva.” pág. 19

Pausa.

Um homem atravessa a praça, sem olhar para este último ao fundo; é um pescador à linha que vai a caminho de algum lugar.

E logo a seguir, uma mulher velha embiocada nos seus trapos e puxando atrás de si um carrinho de compras.

Ainda esta não saiu de cena, e já dois homens com capacetes de bombeiro irrompem pela praça, empunhando mangueiras e extintores -- mais em ar de exercício do que de intervenção a sério?

Colado a eles, como alguém perdido em sonhos, segue-se um adepto de uma equipa de futebol a caminho de casa, que ainda fica longe, debaixo do braço uma bandeira queimada que se desfaz à medida que ele vai andando; por sua vez, este é seguido por alguém de ar indefinido, com uma escada de mão na qual uma mulher, que entra de pois dele vestida de beldade com saltos altos, roça ao ultrapassá-lo, sem que nenhum deles ligue ao sucedido. pág. 20 ...

“Começa finalmente um incessante vaivém em todas as direcções - um homem novamente vestido de empregado de mesa esvazia um cinzeiro na praça, uma mulher passa de uma rua para a outra com uma bandeja cheia de copos de champanhe, outro homem, comerciante de folga ou meteorologista, entra e começa a olhar para o céu, e Chaplin passa flanando como quem não quer a coisa , com o passar do tempo cada uma das figuras mais não é do que um simples passante, a caminho de algum lugar, balançando os braços, representando de uma maneira ou de outra este papel de transeunte...” pág. 42

3
...

OLGA RORIZ

É a primeira vez que faz uma coreografia com uma peça de teatro. Foi diferente este processo de criação?

O trabalho de pesquisa do autor e de outros livros foi igual ao de muitos outros autores que já abordei. Esse trabalho de pesquisa foi igual com o Bergman [para a criação de A meio da noite], por exemplo, ou com o Peter Handke. Apesar de não estar a fazer uma coreografia a partir da obra do Saramago [para Deste Mundo e do Outro] ou do Beckett [para Daqui em Diante], como já fiz, mas sim sobre uma das obras do Peter Handke. Li muito para perceber o seu universo, mas, a partir de certa altura, a pesquisa centrou-se nesta peça. Gosto muito de fazer aquele trabalho de estudante de copiar o texto, é a minha maneira de entrar na peça, passei-a toda para computador, era assim também que estudava, ia escrevendo e ia entrando no texto. Também fiz um quadro em Excel com todos os personagens: o que cada um fazia, que sons existiam, que adereços traziam. Foi importante ter essa sensação da peça, que já não era só a leitura, era um dissecar da peça. Depois, no trabalho no estúdio, foi muito diferente. Costumo sempre lançar a minha ideia aos bailarinos e

trabalhar com eles sobre ela, lemos, falamos, mostro o que já tenho pensado e pesquisado. Aqui, começámos do início da peça e isso fez com que, ao contrário das outras criações, soubesse desde o princípio o que ia fazer. Não houve o material que costuma começar por ser vago, fruto de ideias e de improvisações e que depois dá origem à invenção de uma peça. Não aconteceu isso desta vez. Fomos, ao longo da peça, com improvisações obviamente, mas seguindo o que está escrito. E são cenas muito curtas, não há tempo de desenvolver personagens, eles entram em cena no seu topo e saem logo depois. Quando acabei fiquei espantada porque, num mês e meio, já tinha a peça pronta –costumo trabalhar durante quatro meses. E fomos refinando as coisas durante o resto do tempo. E gradualmente fui trabalhando com os intérpretes da comunidade. Muito rapidamente fiquei com a peça à frente. A partir daí fui acertando tempos. Isso deu-me tempo de reflexão e de afastamento e até de me chatear e de estar aborrecida no estúdio. Já com muita vontade de sair dali e de ter impacto com o cenário. Até porque as entradas e saídas são muito rigorosas, é tudo muito minucioso, é filigrana.

4
à conversa com

Diz na sinopse que lhe interessa perceber o que mudou nestes 20 anos desde que Peter Handke escreveu este texto. O que foi que mudou?

A peça tem muita liberdade de ação, não tendo eu deixado de ser rigorosa e fiel. No início, preocupei-me até onde poderia modificar e modernizar a peça, trazendo-a mais para os tempos contemporâneos, porque naquela praça de 1992 não existe um telemóvel, por exemplo… ou existe, ele fala de uma pessoa que levanta uma antena! É desse tempo! Mas ainda não era o tempo deste autismo que temos hoje nas cidades, com os auscultadores, os telemóveis, o falar para o nada como se fossemos todos tolinhos, de mãos livres a fazer muitos gestos no ar… Há um fechar, sendo que cada vez somos mais… a praça não deixou de ter vida. Há imensa vida, eventualmente mais do que antes. Mas é uma vida muito diferente. Não se procura a praça para aquilo que se procurava antes.

Deixou de ser um lugar de encontro para ser um lugar de passagem? Sim, se quisermos encontrar alguém não vamos à praça, vamos ao telemóvel ou ao computador. E até a paisagem mudou, apesar da praça continuar a ser a mesma. O Peter Handke fala sobretudo do interior humano – daquilo que se vê quando se está a olhar uma praça.

Foi um trabalho feito com os bailarinos e as suas visões, sendo que os encaminhava para um lado ou para o outro: para algo um pouco mais absurdo, um pouco mais longe da realidade, mais abstrato ou, então, para um certo realismo. Dei-me ao luxo de misturar isto tudo, que penso que é o que acontece na peça de Peter Handke, que ali pôs personagens como Moisés, porque acha que, se observarmos bem, vemos que passam nas praças muitos Moisés e outras figuras assim. Percebo exatamente o que quer dizer. Como se põe isto em cena? Como se mostra ao público alguém que pode ser o Moisés? Não queria que fosse muito claro… e fui pela ideia de duas tábuas e daí cheguei à ideia de dois livros, fui buscar a minha biografia e ele traz uma de cada lado [risos]. É por aí que a peça vai, por uma identificação direta e por coisas que o público não percebe bem o que são que lhe permitem imaginar e construir para lá do que está ali a ser mostrado. E, às vezes, são personagens que se percebem de imediato, mas que parecem estar fora do sítio. É toda esta coabitação que a peça escrita nos traz. Foi essa procura que fiz com os bailarinos e com as pessoas da comunidade para encontrar esse lugar onde tudo pode acontecer ao mesmo tempo.

E onde todos podemos imaginar histórias.

Exatamente. Tal como eu pude imaginar tudo aquilo que quis. A certa altura, por exemplo, ele começa a falar de homens que se vestem de mulheres e de mulheres que se vestem de homens e há ali uma confusão de géneros e isso levou-me para uma parada de orgulho

5
No texto há indicações precisas sobre as personagens, mas há outras que são mais abertas à imaginação. Como foi a vossa construção de todas estas que entram e saem de cena?

gay. Naquela altura e naquela praça em Trieste em que Peter Handke estava talvez não pudesse acontecer, mas hoje porque não? O texto também não diz em que praça e em que cidade estamos, a peça pode ser em qualquer cidade e em qualquer tempo. Essa liberdade foi muito interessante: poder interpretar o que ali está sem receios. Será que a minha peça faz jus ao que ele escreveu? Não tenho esse receio. Fizemos todos a nossa interpretação e montei-a de uma forma que, para mim, é muito fiel à peça, não sendo completamente direitinha. Viajámos para onde viajámos. Há toda uma zona de sonho e de memória, onde fui buscar influências do India Song, um dos meus filmes preferidos. Gosto muito da Marguerite Duras, uma das minhas escritoras preferidas também. Ouve-se esse filme e isso tem um grande impacto para mim. Haverá quem conheça e quem não, mas também esses sentirão que há ali uma banda sonora, vozes, vida, conflito… É quando eles trazem para cena todos os objetos usados até ali… diria que é um momento estranho no espetáculo, nem me recordo de onde veio, mas sei que foi algo que intuí e sinto que o Peter Handke me encaminhou para aquele sítio. E, quando mais à frente, ele diz que uns se transformam nos outros, pensei: “vamos trazer mais pessoas, vamos convidar pessoas”.

É aí que aparecem aquelas

máscaras com caras conhecidas?

Sim. Partindo dessa ideia de nos transformarmos nos outros. Quis convocar outras pessoas que não estão aqui e surgiu a ideia das máscaras. Perguntei a toda a gente, aos bailarinos e a

alguns amigos (porque gosto que o espetáculo transborde para além das pessoas que ali estão): “quem é que gostavas que passasse na tua praça?”. É uma lista de pessoas boas e queridas. Uma cena com pessoas mortas e outra só com pessoas vivas. Apareceram muitos artistas, claro… só não queria políticos. E fui fazendo uma escolha.

E este cenário tão distante da imagem romântica das praças?

Convidei o Eric [Costa] para fazer os cenários e os adereços, porque gosto muito do trabalho dele. Foi propositado, queria uma coisa arrojada e sabia que ele nunca seria linear. Logo na primeira reunião, a ideia que se lançou para cima da mesa foi a de um não-lugar, uma não-praça. O aspeto será muito perto de um fim do mundo – no sentido em que o cenário é muito pesado. É uma gruta vulcânica, quase. É quase a não existência de prédios e a não existência humana. E, ao mesmo tempo, tudo aquilo que se está a passar continuar a passar-se como se nós fossemos um bocadinho cegos em relação ao planeta. A vida continua, não se sabe muito bem como, mas já não existe praça, nem luz, é tudo escuro. E há o recorte dos personagens sobre aquela negritude. São pedregulhos enormes, a lava vulcânica que já solidificou e dali já não nasce nem uma flor.

E continuamos aqui, de um lado para o outro, sem sabermos nada uns dos outros…

… nem uns dos outros nem do planeta! O que fiz foi sempre com esse olhar para o que ia estar à volta. Acredito que esse impacto seja fortíssimo. E o cená-

6
Fotografias
de Jorge Gomes / C.M. Loulé

rio tão alto torna as personagens ainda mais pequeninas. Esse impacto com a cenografia é uma mais valia, é um outro discurso paralelo, dá ali outra camada. Ainda mais com o trabalho de luzes da Cristina [Piedade], que só pode fazer usar a parte de cima de cena, o que dá aquela ideia da luz que irrompe lá de cima, do céu. É um impacto um bocadinho futurista. A simplicidade do que está cá em baixo em contraste com algo de natureza solidificada, vulcânica, será muito importante para a leitura do público da nossa visão desta peça.

Essa será uma visão diferente da praça de há 20 anos.

Sim. A ideia de um ser humano que está sempre em evolução, em ebulição. Apesar de, às vezes, parecer que estamos todos a sentir a mesma coisa. Mas podemos estar todos a passar a mesma coisa e a não sentir da mesma forma. Este momento parece-me complexo, mas isso talvez tenha a ver com a minha idade… Acredito que temos outras preocupações que a minha mãe não teria com a minha idade. São preocupações alheias que passaram a ser também as nossas preocupações e penso que isso nos pesa. Sinto que isso é um peso para a humanidade. Sabemos tudo o que se passa, fujamos uns mais do que outros às notícias. Sofremos com pessoas que estão longe, passamos tudo em direto e isso pesa. Estamos todos muito permeáveis ao que se está a passar. Talvez a juventude tenha de descobrir como ser mais impermeável e, ao mesmo tempo, lutar para que as coisas não aconteçam e aí é que está a grande dificuldade. Hoje sinto tudo muito dorido também. Parece que não há praça sem conflito neste

momento – mesmo que ali pareça que há paz, tranquilidade, sol e quentinho. Nem é preciso olhar muito à volta, mas sabemos que cada um de nós tem pensamentos dolorosos e doridos, por nós e pelos outros. Há uma intranquilidade muito grande, acho.

Isso tem vindo a agudizar-se, não é? Se o título deste espetáculo já dizia tudo, parece que hoje diz ainda mais.

Exato. Ainda sabemos menos uns dos outros, apesar de podermos estar muito mais perto uns dos outros. Não precisamos sequer de viajar. E temos de conseguir comunicar – não podemos é deixar de comunicar. Essa reflexão de não perder a vivacidade – viva-cidade, ao vivo – de não perder o “bom dia” ao vizinho, de não nos perdermos só nas nossas coisas porque temos todo o mundo em nossa casa. Não sei o que nos irá acontecer, mas o ser humano não é uma máquina, felizmente. Vamos sempre sentir falta do calor humano, acredito nisso. E falta da arte também. Por isso, acredito que não nos iremos perder completamente. As prepotências e os perigos são imensos e daí o contraste que trouxe para esta peça –porque parece que tudo está mais ou menos bem, mas com aquele cenário não vai estar. Esse contraste é uma espécie de aviso, vai pôr-nos a pensar.

Sim, quis oferecer – como qualquer criador, acho… – alguma coisa com que o público possa criar, gostava que pudesse ele mesmo ser criador, viajar.

8
Na sinopse também fala da necessidade da “criação de utopias”.
É

o que a arte nos dá – essa possibilidade criarmos as nossas imagens, as nossas sensações, os nossos pensamentos. E as nossas utopias também.

O elenco, além dos bailarinos, tem estudantes e intérpretes da comunidade – porque precisava de muitas pessoas ou porque tinha essa vontade de trabalhar também com não profissionais?

No Insónia já trabalhei com estudantes do Conservatório e, recentemente, houve a abertura da Companhia ao projeto do Estabelecimento Prisional do Linhó [CORPOEMCADEIA, que deu origem ao espetáculo A minha história não é igual à tua] e todos ficámos mais atentos a esse trabalho com tentáculos para fora do elenco habitual da Companhia. Foi a partir daí que apareceu esta peça, na verdade. O trabalho com a comunidade não apareceu porque a peça o exige, eu é que fui procurar o que podia fazer para trabalhar com estas pessoas. E tinha esta peça na minha memória, não a descobri agora, mas foi agora que teve o lugar certo para acontecer. A peça no seu original tem 415 personagens e só poderia fazê-la com muita gente. Fiz audições e a maioria das pessoas que vieram e ficaram está habituada ao movimento do corpo, tanto os estudantes como os intérpretes da comunidade. É um elenco muito misturado, mas com pessoas muito dotadas e diversificadas, até fisicamente. Era isso que procurava. Foi com esta comunidade que se apresenta em Lisboa que criei o espetáculo, porque na estreia em Loulé fiz uma remontagem com outras pessoas da comunidade local e será assim em todos os lugares onde nos apresentarmos. Foi

bom que estas pessoas de Lisboa tivessem todas estas capacidades porque fez com que o espetáculo crescesse de uma forma mais interessante e também mais exigente para todos os outros. Há acertos que vou ter sempre de fazer consoante as pessoas que tiver.

Serão sempre espetáculos diferentes nas diferentes apresentações.

Sim, vão ter de ser. Sobretudo pela capacidade de ter mais ou menos multidão. Será mais uma questão de tempos e de dinâmicas. A peça, na sua estrutura, será exatamente igual. Mas pode acontecer, por exemplo, que uma personagem que seja um homem numa cidade seja uma mulher na outra.

Com menos pessoas sobrará mais para os bailarinos, num espetáculo que já exige muito deles.

Eles dizem que, não tendo de fazer nada extremamente cansativo dentro do palco, nunca tiveram um espetáculo tão cansativo como este. Porque saem e não respiram, não há um alívio e é preciso muita atenção aos tempos, aos personagens, ao que têm de vestir e despir. E depois têm de entrar no palco outra vez já cheios de energia. Não deve ser fácil, não, coitados… Metade do trabalho que fazem neste espetáculo é invisível, fica nos bastidores. Ainda pensei poder subir o cenário, no final, para o público perceber o que está por detrás daquilo, a confusão de roupas e adereços, mas seria muito complexo.

Nos bastidores passa-se outro espetáculo…

Sim, é incrível, a azáfama das en-

9

tradas e saídas, do vestir e do despir. Ainda por cima, consegui fazer mais personagens que o Handke, não sei como! [risos] Temos 350 figurinos e os adereços nunca os contei. Há pouco ia dizer e depois perdi-me: o que usamos aqui é o espólio da Companhia, são roupas e objetos de outros espetáculos. Não comprámos quase nada. Aqueles figurinos não só estão a vestir aqueles personagens como já vestiram muitos outros. Está cheio de outros espetáculos meus e de outras pessoas. E a reciclagem é uma coisa muito importante!

E a memória também é: um vestido de outro espetáculo não é um vestido qualquer.

Claro que não. Esse vestido já sabe coisas. Há uma cena em que pedi que trouxessem uma muda de roupa para usarem as suas próprias roupas. Queria que ali naquele momento todos tivessem a sua própria roupa.

Voltando aos trabalhos com a comunidade, que foi uma descoberta recente sua, o que lhe trazem estes projetos?

Penso que várias coisas… algumas nem sequer as sinto quando estou a trabalhar. A forma que tenho de comunicar e de tocar as pessoas – de as pôr interessadas – a maneira como as abordo é semelhante à forma de trabalhar com os profissionais de dança e de teatro. Há um lado que tem a ver com as práticas artísticas de inclusão, como foi no trabalho que fiz na prisão do Linhó… É tudo muito novo, uma descoberta. Tenho a sensação de que a dança deixou de ter os limites que lhe punha até ao momento, que se expandiu e se expan-

diu o que tenho para dar e o que as pessoas me podem dar a mim. Uma espécie de abertura da missão da dança, que é muito maior do que tinha até agora. Parece que cresci, que me expandi. Já não é só chegar ao público – é, pela dança, “curar” algumas coisas e trazer uma outra visão da vida e outras experiências. No meu trabalho, sempre pensei nas pessoas e nos conflitos, mas agora é quase como ir para o terreno e é muito interessante o que se pode fazer aí. Sempre gostei de ir à procura das capacidades e qualidade de cada um dos intérpretes e de trabalhar para as fazer sobressair e penso que isso me abriu o caminho para comunicar com a comunidade quando faço estes trabalhos. Com os reclusos do Linhó, encontrei o que de melhor tinham para me dar e construímos um espetáculo incrível. Encontrar o que cada um tem de melhor sempre me seduziu. Tenho esse instinto e essa intuição. Também acredito que este trabalho com a comunidade faz com que se vá deitando sementes em pessoas jovens e menos jovens. Acredito que essas pessoas nunca mais vão ver um espetáculo da mesma forma, depois da vivência da construção de um objeto artístico. Muitas delas nem iam ver espetáculos antes. E só por isso já vale a pena. Sempre gostei de sentir a gente no palco, sentir o conflito, o cansaço, e gosto de trabalhar com pessoas que parecem pessoas, nunca fui uma coreógrafa da plasticidade do corpo, sempre tive este lado mais visceral e real. Por isso, tem sido uma boa descoberta, esta.

Entrevista realizada em maio 2023, por Gabriela Lourenço / Teatro

10

A HORA EM QUE NÃO SABÍAMOS NADA UNS DOS OUTROS

DE PETER HANDKE DIREÇÃO OLGA RORIZ

Sala Luis Miguel Cintra

Sexta e sábado, 20h; domingo, 17h30

Duração: 1h40 (aprox.); M/16; €12 a €15 (com descontos)

Direção: Olga Roriz;

Texto: Peter Handke;

Tradução: João Barrento;

Intérpretes: António Bollaño, Dinis Duarte, Gaya de Medeiros, Marta Jardim, Marta Lobato Faria, Roge Costa, Yonel Serrano;

Participação de: Beatriz Rodrigues, Caio Almeida, Carla Moita, Catarina Loura, Diogo Alves, Eduarda Ferraz, Fernando Chainço, Giovana Sanchez, Isabel Lopes, Leonor Alecrim, Luana Ilídia Monteiro, Mafalda Cardoso, Malgorzata Sus, Marina Quay, Max Gershon, Pedro Oliveira, Rodrigo Pereira Esteves, Tiago Ferreira Martins, Tomás Fernandes, Vânia da Luz;

Banda sonora: João Rapozo e Olga Roriz; Cenografia e Adereços: Eric Costa;

Figurinos: Guarda-roupa Companhia Olga Roriz; Desenho de Luz: Cristina Piedade; Edição de Som: João Rapozo;

Assistência de direção: André de Campos; Assistência de ensaios: Victória Bemfica; Assistência de Adereços: Paula Hespanha; Assistência de Figurinos: Ricardo Domingos; Assistência de Cenografia: João Salgado, Pedro Sousa; Assistência de Direção de Cena: Ana P. Silva, Victória Bemfica; Apoio ao Guarda-Roupa (Estágio): David Duarte; Direção Técnica e Operação de Luz: João Chicó/ Pedro Guimarães; Desenho, Montagem e Operação de Som: PontoZurca

Companhia Olga Roriz – Direção: Olga Roriz; Direção de Produção: António Quadros Ferro; Gestão: Magda Bull; For Dance Theatre e Residências: Lina Duarte; Produção Executiva: João Pissarra; Coordenação Corpoemcadeia: Catarina Câmara

Coprodução: Companhia Olga Roriz, Município de Loulé, Casa das Artes de Vila Nova de Famalicão, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal

Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Catarina Ferreira, João Romãozinho, Marta Azenha Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Cláudio Marto, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Rui Lopes Operação Vídeo Filipe Silva Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Diana Bento, João Reis, Pedro Xavier

dança
12 a 21 maio 2023
teatrosaoluiz.pt

Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.