VIDA DE ARTISTAS 2022

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23 MAR 10 ABR 2022 TEATRO/ESTREIA

© Jorge Gonçalves

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VIDA DE ARTISTAS ARTISTAS UNIDOS

DE NOËL COWARD

ENCENAÇÃO JORGE SILVA MELO

teatrosaoluiz.pt



LEO Eu amo-te. Tu amas-me. Tu amas o Otto. Eu amo o Otto. O Otto ama-te. O Otto ama-me. Noël Coward, Vida de Artistas

Noël Coward escreve Vida de Artistas para cumprir um pacto celebrado 11 anos antes entre o próprio e os seus dois amigos, Alfred Lunt e Lynn Fontanne. “Os Lunt”, como eram conhecidos, tornaram-se o mais celebrado casal do teatro na América mas, em 1921, quando Coward os visitou em Nova Iorque, estavam a começar a viver num alojamento barato para atores em dificuldades. Coward também ainda era relativamente desconhecido, mas partilhava com Lunt e Fontanne uma fome por fama e sucesso. A produção estreou na Broadway em 1933 e, depois, em Inglaterra, com imediato sucesso crítico e comercial, apesar das suas personagens amorais e da proclamada bissexualidade. Dela disse Coward: “Gostaram e detestaram, odiaram e admiraram, não sei se realmente a amaram. São criaturas superficiais, sobre-articuladas e amorais movidas pelo impacto das suas personalidades uns sobre os outros, são traças à volta da luz, incapazes de tolerar a escuridão solitária e igualmente incapazes de partilhar a luz sem colidirem constantemente, ferindo as asas uns dos outros.” “A frivolidade só é frívola para aqueles que não são frívolos”, diz a Madame De na obra-prima de Max Ophüls. E podia aplicar-se a este teatro de dinner jackets, champanhe, rosas, camélias e muita malícia. Quanto veneno, quanta maldade, quanto amor perdido? Um grande autor “menorizado” e fundamental. Depois de Pinter, Williams, Miller, quem? E com um sorriso de compreensão pelas fraquezas humanas. Ah, como eu gosto de Noël Coward. Como quem “não quer a coisa”, com um brilho único, anda connosco há quase um século, despistando, contrariando ideias feitas, na curva da História. Frívolo? Ou realmente profundo? Fantasista ou realmente realista? Olha: teatral, aposto. Jorge Silva Melo 3


COWARD, LYNN E ALFRED Na sua autobiografia Present Indicative, Coward recorda o seu tempo juntos: “A partir daqueles quartos pobres, mas simpáticos, projetámo-nos numa iminência futura. Partilhávamos, os três... os nossos mais secretos sonhos de sucesso. Lynn e Alfred deveriam casar-se. Esse era o primeiro plano. Depois tornar-se-iam definitivamente ídolos do público. Esse era o segundo plano. Então, tudo isso tendo sido concretizado com sucesso, deveriam atuar exclusivamente em conjunto. Este era o terceiro plano. Ficou a meu cargo o quarto plano, que consistia em, quando os três nos tivéssemos tornado estrelas de suficiente magnitude, podendo contar com o público individual de cada um, então, posicionados serenamente naquele plano invejável do sucesso, nos encontraríamos e representaríamos triunfantemente juntos.” Em poucos anos, alcançaram o estrelato que sonhavam, mas com o sucesso vieram os horários de trabalho febris e as oportunidades de todos os três trabalharem juntos tornaram-se

escassas. Em 1932, Coward perguntava-se se o projeto alguma vez se concretizaria, mas ao viajar pela América do Sul de barco, recebeu um telegrama de Lunt e Fontanne dizendo: ‘contrato com a [theatre] guild em junho – estaremos livres – que tal?’ Coward passou os restantes meses da sua viagem a testar ideias para um meio adequado para os três, rejeitando cada uma, frustrado. Finalmente, ao viajar num barco norueguês do Panamá para Los Angeles, as personagens e a estrutura de Vida de Artistas cristalizaram-se na sua mente e escreveu a peça em dez dias, trabalhando apenas de manhã. A produção estreou na Broadway em 1933. A percentagem de bilheteira dos Lunt foi muito maior na América do que em Inglaterra e Coward, provavelmente, terá antecipado que a peça – com as suas personagens amorais e o subtexto da bissexualidade – poderia não passar de Lord Chamberlain, o então censor oficial do teatro na Inglaterra. Foi um imediato sucesso crítico e comercial, levando Coward a relaxar 4


© Jorge Gonçalves

na sua regra habitual de não representar uma peça por mais de doze semanas e a estender a carreira para um total de cinco meses. Na última semana de carreira, a polícia teve que ser chamada para controlar as multidões que pediam bilhetes. Apesar disto, Coward sentiu que a peça nunca teve o respeito e compreensão merecidos. Na introdução de Play Parade Volume 1 escreveu: “Tem sido apreciada e desapreciada, odiada e admirada, mas nunca, na minha opinião, suficientemente amada por alguém para além destes três atores principais. Talvez isto fosse completamente expectável, visto que o seu tema central, do ponto de vista da maioria das pes-

soas, seja definitivamente anti-social… e pareça a muito desagradável.” Ao falar sobre as personagens de Leo, Otto e Gilda, Coward revela os seus próprios pensamentos sobre os mecanismos da relação central da peça: “Estas criaturas loquazes, excessivamente articuladas e amorais, forçam as suas vidas a assumir formas e problemas fantásticos porque não o conseguem evitar. Principalmente impulsionadas pelo impacto das suas personalidades uns sobre os outros, eles são como traças em torno da luz, incapazes de tolerar a solitária escuridão em redor e de partilhar a luz sem colidir constantemente, ferindo as asas uns dos outros.” 5


UM MARTINI NUMA MÃO E EXEMPLOS DE MORALIDADE NA OUTRA como uma apologia, por parte de Coward, da privilegiada amoralidade do artista e um ataque ao conservadorismo burguês. Mas a produção de Page mostra algo mais complexo. Para começar, Gilda não é uma mera femme fatale, mas antes uma mulher selvagem, inquieta e infeliz que se sente marginalizada pela sua falta de sucesso material e por ser uma forasteira sexual num mundo de afeto masculino. O que mostra, com grande élan, é a crescente independência de Gilda e a constatação de que é apenas quando o trio enfrenta a verdade sobre si próprio que Gilda pode ser uma igual. Leo, uma criança demasiado crescida e dada a birras. As palavras tropeçam da sua boca em torrentes quando a sua vontade é contrariada. Otto, sugere também uma criatura requintadamente mimada que só pode existir com o apoio emocional dos outros dois. (…) Certa vez, sugeri que Coward era um dandy puritano com um Martini numa mão e exemplos de moralidade na outra; e esta produção perspicaz e animada sugere que pode haver mais do que um grão de verdade nessa observação.

A última vez que a comédia de 1932 de Noël Coward foi revisitada numa grande produção, no Donmar em 1994, foi apresentada como um hino atrevido à bissexualidade e às maravilhas de um ménage à trois. Mas a revisitação de Anthony Page, infinitamente mais subtil e divertida, relembra-nos que o hedonismo cosmopolita de Coward foi sempre igualado por um puritanismo estrutural e que a peça oferece um autêntico concurso entre a talentocracia boémia e a ortodoxia moral. O que reparamos primeiro é a sua perfeita simetria. Começa num estúdio em Paris e estabelecem-se claramente as principais linhas da ação: Gilda, uma decoradora de interiores, que vive com o artista Otto, mas é igualmente atraída pelo dramaturgo Leo. Os dois homens, claramente, terão também desfrutado de uma intimidade apaixonada que antecede Gilda. À medida que a ação se move para Londres e Nova Iorque e que as personagens ascendem no mundo, as permutas e combinações sexuais intensificam-se, perante a crescente reprovação de Ernest, negociante de arte e amigo do trio. É perfeitamente possível ver a peça

Michael Billington, in The Guardian, 16 de setembro de 2010 6


“AS NOSSAS VIDAS SÃO DIAMETRALMENTE OPOSTAS ÀS CONVENÇÕES SOCIAIS HABITUAIS” Vida de Artistas pode não ser uma das peças mais conhecidas, mas é uma das mais características e, por vezes, extremamente engraçada. Esta revisitação / redescoberta convoca um magnifico tríptico de cenários e representações. Coward escreveu a peça para criar um meio que lhe permitisse passar um tempo selvagem em cena com os seus grandes amigos, o casal Alfred Lunt e Lynn Fontanne. É de uma liberdade de “sexo para todos” que, embora tenha sido menos realizada de forma pouco explícita presumivelmente, deveria ter a sensação de grande modernidade, quase até à ofensa de Lord Chamberlain aquando da sua primeira produção nos anos 30. Se Vida de Artistas tivesse que ser sumariado numa linha, Gilda fá-lo-ia quando descreve as motivações do trio central: “As nossas vidas são diametralmente opostas às convenções sociais habituais”. O primeiro dos três atos passa-se em Paris, no estúdio do artista Otto. A confusão instala-se quando a sua musa (ou deveria ser sua amante?) Gilda dá as boas-vindas a Ernest, um negociante de arte claramente estúpido, embora a interpretação o transforme subitamente num Basil Fawlty num dia mau. O problema de Gilda é que, em vez de partilhar a sua cama não-conjugal com o habitual titular, trocou-o pelo seu melhor amigo Leo, interpretado como um precioso ansioso à laia de Stan Laurel.

Tudo é revelado com o regresso de um devastado Otto e a vida nunca mais será a mesma. Depois do primeiro intervalo, mudamo-nos para o luxuoso apartamento art deco de Leo em Londres. Ele mora com Gilda, mas, numa repetição invertida do primeiro ato, Otto reaparece para colocar o lobo entre as ovelhas. Contudo, há diferenças, como a presença da julgamentosa empregada Miss Hodge. Rapidamente, todas as variações são testadas, à medida que Leo e Otto se juntam para um típico número de music-hall bêbados, depois de aliviarem a sua mútua depressão, mandando abaixo uma garrafa de conhaque. Passamos então para uma penthouse em Nova Iorque, repleta de arte e luxuosa mobília com uma vista espantosa sobre o centro de Manhanttan. Esta é a casa de Ernest e Gilda, que agora estão casados. Embora a sua felicidade seja abalada pela chegada dos rapazes, praticamente gémeos, de pijamas a condizer, e continuando a manter um domínio inexplicável sobre Gilda. Vida de Artistas é uma peça corajosa que explora atitudes nada ortodoxas relativamente à ambiguidade sexual de vários ângulos. É também hilariante frequentemente, embora por detrás desse humor esteja o seu âmago, sendo que Gilda, por sua vez, dececiona e devasta cada um de seus homens e, ao fazê-lo, a si mesma.

Philip Fisher, in British Theatre Guide 7


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© Estelle Valente


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AINDA NÃO ACABÁMOS, JORGE Os teus atores continuam a dizer as palavras que com eles combinaste. O Pedro Domingos a desenhar a luz que com ele discutiste. A Rita Lopes Alves continua a ocupar o espaço da cena com o saber que sempre lhe admiraste. E o Nuno Gonçalo Rodrigues mantém-se atento a tudo, conhecedor das instruções que lhe deste. E à noite, seja na Politécnica, seja no São Luiz ou no futuro, noutros lugares, as luzes acendem-se e os espetáculos continuam, como no fim desejaste. E os espectadores, aqueles para quem sempre trabalhaste vêm viver connosco esses momentos. Como dizias: “É hoje que vivemos a vida que vivemos.” E é isso que estamos a fazer, que vamos continuar a fazer. E sabemos que, se aqui estivesses, estarias a fumar e a sorrir à saída do Teatro. Feliz pela vida que nos deixaste. Artistas Unidos

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OBRIGADA, JORGE Há muitos anos que o Jorge Silva Melo era uma presença constante no São Luiz. Lembro-me bem de o termos aqui na primeira temporada programada por Jorge Salavisa, com o espetáculo O Meu Blackie, de Arne Sirens, em 2003. Seguiram-se Baal, de Bertolt Brecht, Onde Vamos Morar, de José Maria Vieira Mendes, Stabat Mater, de Antonio Tarantino, Seis Personagens à Procura de um Autor, de Luigi Pirandello, Hedda Gabler, de Henrik Ibsen, o ciclo Tennessee Williams: Doce Pássaro da Juventude, Gata em Telhado de Zinco Quente e A Noite da Iguana. Em 2015, faríamos aqui o ciclo A Palavra aos Artistas, juntamente com o Museu Nacional de Arte Contemporânea do Chiado, uma mostra dos filmes realizados pelos Artistas Unidos sobre vários artistas cujas obras integram a colecção deste Museu, e o Jorge, ao longo dos anos, havia de estar connosco organizando várias leituras e participando em debates e conferências. Do Alto da Ponte, de Arthur Miller, foi a última peça que trouxe a este palco, em 2019. Perdemos uma das nossas referências e o país perdeu uma das suas maiores referências culturais, que nos deixou um legado imenso. Lembraremos tudo o que com ele aprendemos e não esqueceremos a curiosidade inquieta de quem sempre procurou buscar no teatro um modo de ver e viver a vida. Não sabíamos que estrearíamos aqui o seu último espetáculo – não queríamos que este fosse o seu último espetáculo. Precisávamos de mais. Numa entrevista, dada aqui mesmo nesta casa, Jorge Silva Melo disse: “O teatro tem uma coisa extraordinária: é um local onde as pessoas vão para ver outras pessoas vivas. Hoje em dia, parte das salas grandes enchem porque as pessoas sentem necessidade de sair de casa para se sentirem vivas enquanto veem outras pessoas vivas à sua frente, e isso é uma função muito importante numa sociedade tão mediatizada.” O Teatro São Luiz está de luto. Aida Tavares, diretora artística do Teatro São Luiz

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ENTRE A PLATEIA E O SEGUNDO BALCÃO do segundo balcão, já era mais crescido. O São Luiz era uma das salas chiques de Lisboa, a mais opulenta. Tinha filmes que estreavam em exclusivo ali. E, claro, foi onde vi Os Verdes Anos, do Paulo Rocha, inesquecível. Não fui à estreia, porque ainda não tinha idade para sair à noite, mas vi quatro ou cinco dias depois e lembro-me que estava a Isabel Ruth [protagonista do filme] a passear-se no foyer e a dar autógrafos. Fiquei fascinado com os sapatos dela: eram grenás, com um salto Luís XIV, muito bonitos. Mais tarde, a Isabel contou-me que tinha sido uma loucura que fizera em Florença, tinha gasto todo o dinheiro que levava. Não eram extravagantes, mas eram marcantes e de uma grande elegância.

Era um ritual vivido em família. No primeiro dia do ano, pais e filhos adolescentes rumavam ao Teatro São Luiz para assistir ao filme em cartaz. Jorge Silva Melo ia sempre entusiasmado – há muito que anunciara que um dia seria realizador de cinema, ele que, aos seis anos, quis saber o nome dado a quem fazia filmes. Para trás ficara o desejo de ser Bispo, como o vizinho: Jorge queria mesmo era criar – e ver – imagens no grande telão. Para mim, o São Luiz é sobretudo um cinema. Era onde ia com os meus pais e a minha irmã mais velha no dia 1 de janeiro, porque ali havia sempre filmes para maiores de 12 anos e eu devia ter uns 14 quando comecei a ir com eles. No antigo foyer, onde agora existe o restaurante, comiam-se umas sandes de pão de leite com fiambre e manteiga. Deliciosas, mas caríssimas. Ficávamos sempre na plateia, que era onde a minha mãe gostava de se sentar – o meu pai preferia o primeiro balcão – e lembro-me de ver dali grandes filmes. Era sempre assim a matinée do primeiro dia do ano. Foi no São Luiz que vi, em adolescente, filmes que me marcaram para sempre. Como o Hatari!, do Howard Hawks, o Deus Sabe Quanto Amei, do Vicente Minnelli, ou, mais tarde, Os Pássaros, do Alfred Hitchcock – esse já vi sozinho,

Primeiro em família, na plateia, e depois quase sempre sozinho, no segundo balcão, Jorge Silva Melo ganhou o hábito de ir ao São Luiz. Apanhava o elétrico e chegava ao Chiado para as sessões da tarde. Recorda que, no colégio católico dos Maristas, onde andava, não havia ninguém que lhe fizesse companhia nestas suas andanças. Era tudo mais virado para o desporto... Só a irmã o acompanhava algumas vezes e, mais tarde, nos anos finais do liceu, também Luís Miguel Cintra, com quem haveria de fundar o Teatro da Cornucópia, em 1973. 12


© Paulo Cintra

'O Misantropo', de Molière A peça que viu no São Luiz, em 1964, levou Jorge Silva Melo a escrever a primeira crítica teatral, aos 15 anos. O texto marcou-o tanto que, em 1973, foi também esse o primeiro espetáculo que criou e interpretou (fez de Oronte) com o Teatro da Cornucópia, fundado por ele e Luis Miguel Cintra

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piadas e tinha serpentinas e bombinhas de mau cheiro... Era aquilo a que agora se chama a stand up comedy... A primeira crítica de teatro que fiz foi a um desses espetáculos que vi no São Luiz e foi publicada no Diário de Lisboa, no Caderno Juvenil, ao Le Misanthrope, de Molière, uma encenação do Pierre Dux, com o Dany Robin. Fiz uma boa crítica, tinha uns 15 anos. Depois, foi o primeiro espetáculo que vim a fazer com o Teatro da Cornucópia, O Misantropo, por isso, aquilo marcou-me bastante.

No teatro, apresentavam-se no São Luiz os grandes atores e os grandes textos. Havia os Festivais de Teatro Parisiense, as chamadas galas Karsenty, cujo nome vinha de um tourneur, um senhor que organizava tournées, partindo de Paris e indo até Casablanca e fazendo as costas do Atlântico. Eram 10 espetáculos em todas as temporadas: os dois últimos eram peças intelectuais, os oito primeiros era comédia de Boulevard para maiores de 17 anos, por isso essas não vi. Era muito engraçado. Até a plateia falava francês, embora fossem só senhoras da Lapa... “Quel est le numéro?” Era o público do São Luiz. O sotaque não era grande coisa, mas riam e reagiam à deixa. Os atores franceses ficavam encantados com uma plateia inteira a reagir ao que diziam. Era um acontecimento social grande. Quando se vendiam as assinaturas, eram filas até à Brasileira. Já as peças finais éramos nós, os pretensos intelectuais, que víamos. Vi tudo do último balcão, lá em cima. Comprava os bilhetes avulsos e ficava no meio dos meninos do Colégio Militar e das Meninas de Odivelas. Eles tinham bilhete de graça para as acompanhar. Por isso, aquele terceiro balcão eram só fardas, deles e delas. E eu lá no meio. Assisti a grandes peças do Paul Claudel, como o Pão Duro, por exemplo, que eram grandes sucessos em Paris e depois durante um ano iam em digressão e passavam por cá. Marcou-me muito a Daniele Delorme, que era uma grande atriz e que veio com a peça L’Annonce Faite à Marie. Não havia muito teatro português no São Luiz, nessa altura, exceto os recitais do João Villaret... também vi alguns. No Carnaval, havia um senhor brasileiro que era um entertainer, Ivon Curi. Dizia

No seu texto, publicado a 28 de janeiro de 1964, Jorge Silva Melo dava largas à opinião, com uma liberdade surpreendente e uma prosa assertiva, que vale a pena espreitar nas páginas do jornal. Foram muitos os espetáculos que viu no São Luiz antes do 25 de Abril de 1974, mas na memória guarda também as histórias daqueles que não viu. Com a Pide a funcionar no edifício colado ao Teatro, era normal ver-se pelo Chiado “as correrias” dos agentes da polícia política de Salazar, mas o encenador não se recorda de os ver na sala de espetáculos ou pelo foyer. No entanto, a sua ação de censura sentia-se com frequência. O espetáculo mais marcante que houve no São Luiz foi um espetáculo que não vi: A Voz Humana, de Jean Cocteau, com a Maria Barroso, em 1966. Não podia ir à estreia, mas ia ver a segunda representação, que já não aconteceu porque a Pide tinha proibido o recital. Ainda hoje penso que aquela sala se devia chamar Maria Barroso em homenagem ao que ela fez ali naquele dia. Outro espetáculo 14


© José Mariano Gago

que não vi foi A Mãe, de Stanislaw Witkiewicz, feito pela Companhia do Teatro Municipal São Luiz, com a Eunice Muñoz e o João Lourenço, que também foi proibido pela Comissão de Censura poucos dias antes da estreia, em 1971. Façamos um salto no tempo para ver Jorge Silva Melo passar da plateia e do segundo balcão para o palco e os bastidores. A primeira vez que o encenador apresentou aqui o seu trabalho aconteceu no final do século, ainda antes das grandes obras do São Luiz, com um espetáculo que tinha estreado em julho de 1998 no Festival Internacional de Teatro de Almada: Aos que Nascerem Depois de Nós – Canções do Pobre BB, de Bertolt Brecht, juntava em cena Lia Gama, Jorge Palma, Manuel Wiborg, Miguel Borges, Pedro Assis, Bruno Bravo e João Meireles, numa coprodução dos Artistas Unidos e da Companhia de Teatro de Braga. E quando o Teatro reabriu em 2002 encontrou a sua companhia sem casa.

© Luis Miguel Cintra

No final dos anos 60, Jorge Silva Melo ainda não tinha começado a fazer teatro, mas era espectador atento ao que se apresentava por cá e não só (na foto de baixo, em Avignon)

O Jorge Salavisa tornou-se diretor do São Luiz na mesma altura em que a Câmara Municipal fechou a Capital, o espaço dos Artistas Unidos. E o Jorge fez questão de levar ao São Luiz os espetáculos que tinham sido estreados na Capital. Era um gesto simbólico de protesto contra a estupidez do fecho da Capital. Foi nessa altura que fizemos no São Luiz O Meu Blackie, de Arne Sierens. E, a partir daí, temos feito um espetáculo, mais ou menos, de dois em dois anos no São Luiz, vai dependendo: fizemos o Stabat Mater, do Antonio Tarantino, com a Maria João Luís, o Seis Personagens à Procura de Autor, de Luigi Pirandelo, o

Hedda, de novo com a Maria João Luís... o Doce Pássaro da Juventude, o Gata em Telhado de Zinco Quente, A Noite da Iguana, todos do Tennessee Williams, mais recentemente estreámos ali o Do Alto da Ponte, do Arthur Miller... Aqui se estreia agora a sua última encenação, Vida de Artistas, de Noël Coward. Jorge Silva Melo não estará na plateia nem no segundo balcão – estará, para sempre, no Teatro inteiro. Texto publicado na edição janeiro-março da Revista São Luiz 15


23 março a 10 abril 2022 teatro / estreia

VIDA DENOËLARTISTAS COWARD DE

ARTISTAS UNIDOS ENCENAÇÃO JORGE SILVA MELO

Sala Luis Miguel Cintra Quarta a sábado, 20h; domingo 17h30 Duração: 2h (aprox.); M/12 €12 a €15 (com descontos) 10 abril, domingo 17h30

De Noël Coward; Tradução: José Maria Vieira Mendes; Interpretação: Américo Silva, Ana Amaral, Antónia Terrinha, Jefferson Oliveira, Nuno Pardal, Pedro Caeiro, Pedro Cruzeiro, Raquel Montenegro, Rita Brütt e Tiago Matias; Cenografia e Figurinos: Rita Lopes Alves; Coordenação Técnica: João Chicó; Som: André Pires; Luz: Pedro Domingos; Assistentes: Nuno Gonçalo Rodrigues e Noeli Kikuchi; Encenação: Jorge Silva Melo Coprodução: Artistas Unidos, Teatro Nacional São João e São Luiz Teatro Municipal

O Teatro São Luiz/EGEAC é parceiro no Projeto Europeu Inclusive Theater(s) Rede de desenvolvimento de novos públicos através de ações inclusivas para pessoas com necessidades específicas Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Marta Azenha, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Cláudio Marto, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Camareira Rita Talina Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, João Reis

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