4 E 5 JUNHO 2021 DANÇA M/6
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© Carlos Fernandes
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LAST: A MATÉRIA QUE DÁ FORMA E VOLUME À MÚSICA DE BEETHOVEN SÃO CASTRO E ANTÓNIO M CABRITA
Pode dizer-se que Last perdurou (em inglês, to last) nas nossas cabeças como a peça que queríamos criar, mas que não encontrava o tempo-espaço certo para acontecer. Em 2014, com Play False, elegemos Shakespeare como o anfitrião para nos orientar ao longo de uma peça em que o texto e a palavra foram a matéria para os nossos gestos e movimentos. No universo da imagem, em 2016, Henri Cartier-Bresson e o seu trabalho fotográfico, levou-nos à criação de Rule of Thirds, onde o corpo em pausa se tornou o enquadramento perfeito para um trabalho sobre movimento. A música seria a próxima protagonista. Na procura pela música/obra certa – ou talvez, inconscientemente, a mais incerta - para o ato coreográfico, aceitámos a sugestão de um amigo, Angus Balbernie, que nomeou The Late String Quartets de Beethoven, como o derradeiro desafio. Beethoven compôs estas obras nos seus últimos três anos de vida, terminando o Opus 135, seis meses antes da sua morte, no outono de 1826. Entre uma relativa convenção e a vontade de sair fora dos padrões habituais, The Late String Quartets expõe os seus últimos e mais privados pensamentos em larga escala, sendo considerada uma das mais belas e complexas peças musicais de todos os tempos. A particularidade da obra ter sido totalmente composta e permanecido na cabeça de Beethoven, sem este nunca ter conseguido ouvir uma única nota durante o processo de composição, inspirou-nos. E, desde logo, tornou-se evidente que esta obra teria de ser tocada ao vivo e que o público teria de ter a experiência de a ouvir e de a visualizar, como o próprio compositor nunca teve oportunidade de fazer. Queríamos trazer 2
como “internas”, “contemplativas” ou “visionárias”. A presença dessa dicotomia entre espaço público e espaço privado na relação da música com os ouvintes da mesma foi algo que nos inspirou na construção dramatúrgica e cénica da peça. Em palco, construímos um espaço privado entre os músicos e os bailarinos que, lentamente, se vai abrindo e alargando ao espaço público, de onde observam todos os outros presentes. O público observador, testemunha da relação entre a música e a dança: o trio perfeito! “Das ist Musik für eine spätere Zeit” (Isto é música para o futuro). Era assim que o próprio Beethoven respondia perante a incompreensão e incapacidade de aceitação por parte do público, relativamente às suas últimas obras. E essa reação do público não seria despropositada, quando num mesmo andamento de um dos quartetos, o público é confrontado com ritmos, estilos e emoções opostas. Mas ele teria razão em chamar-lhe “música para o futuro”... Mais do que a compreensão musical que a contemporaneidade permite das suas composições, hoje, a sua música reflete a inconstância, o caos, a beleza e a incerteza de um presente mundo submerso em constante dinâmica incontrolável, o conflito do indivíduo consigo mesmo, do indivíduo com o mundo e vice versa. Beethoven também acreditava que: “Die Kunst verlangt von uns, niemals still zu stehen.” (A arte exige que não fiquemos parados). Por esta razão, Last é, acima de tudo, o desafio impossível de manter os sentidos inertes, perante uma obra que o próprio compositor nunca chegou a ouvir.
a dança e o corpo em movimento para o enquadramento da obra musical, como a matéria que dá forma e volume à música de Beethoven. Foi, neste contexto, que surgiu o convite ao Quarteto de Cordas de Matosinhos, também por uma sugestão, desta vez, de Luísa Taveira, e que mereceu, de imediato, a nossa total confiança e agradecimento. Mas tudo isto ficou em intervalo de silêncio. Em 2019, muito próximo da celebração dos 250 anos do nascimento de Ludwig van Beethoven (2020), Last acontece exatamente como desejávamos, ou ainda mais do que imaginávamos: a abrir a rentrée do Teatro Viriato, no ano em que se assinalaram os 20 anos de reabertura deste Teatro ao público, como diretores artísticos da Companhia Paulo Ribeiro que é igualmente a companhia residente há 20 anos, muito bem acompanhados pela mestria do Quarteto de Cordas de Matosinhos. Quatro instrumentos - cada um com a sua própria particularidade e personalidade - acompanham cinco corpos, cinco territórios discursivos, também diferentes entre si, mas que juntos criam cumplicidades. E, em modo uníssono e dissonante, desafiam-se a encontrar o equilíbrio entre o espaço e a ideia individual, um exercício que se reflete, no final, como uma atividade conjunta intensa. Na nossa pesquisa sobre como Beethoven pensava e criava as suas obras, deparámo-nos com uma afirmação interessante em que o próprio compositor afirmava existir música pública e música privada. Especialmente, as suas peças escritas para quartetos de cordas são frequentemente descritas 3
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O MONTE EVERESTE QUARTETO DE CORDAS DE MATOSINHOS
forço: a título de exemplo, duas semanas depois da estreia do quarteto Opus 127, os músicos realizaram um concerto que consistiu apenas na interpretação, duas vezes seguidas (separadas por um intervalo) do mesmo Opus 127. Para nós, como quarteto profissional, são o Monte Evereste: um desafio fundamental, um marco no nosso percurso em relação ao qual há um antes e um depois. Um verdadeiro tour de force. E, ao mesmo tempo, ao tocá-los e vivê-los, um sonho tornado realidade. Foi por isso com grande alegria e expectativa que aceitámos o desafio da Companhia Paulo Ribeiro, na pessoa do António M Cabrita e da São Castro, para juntar este monumento da música com uma outra arte. Queríamos saber como se poderia criar dança e movimento à volta desta música tão pura e abstracta e que perspectiva nos poderiam trazer artistas de uma outra área. A parte mais difícil foi escolher quais iríamos lançar como desafio ao António e à São, e a nossa escolha acabou por recair no primeiro e último destes extraordinários quartetos.
É difícil encontrar na História da Música um conjunto de obras que tenha sido tão unanimemente aclamado e reconhecido como influente para os compositores vindouros como os últimos quartetos de Beethoven: “Arte elevada ao seu mais alto nível”, “a ilusão da Arte escondendo a Arte, de comunicação sem os adornos da Arte”, “não há nada igual em toda a Música”, “perfeito, inevitável, inalterável”. Estas cinco obras, as últimas da vida do grande compositor alemão (o quarteto Opus 135 foi a última obra completa que escreveu e o último andamento do Opus 130 o último fragmento), quando estava já completamente surdo, não são certamente as de mais fácil audição: recebidas friamente (o quarteto Opus 127 foi descrito, na estreia, por um crítico como “uma série de fantasias incompreensíveis, incoerentes e vagas (...) em que de vez em quando um relâmpago de génio emerge de uma nuvem negra”), pela sua complexidade e densidade, exigem uma imersão que, na era do smartphone, pode parecer exagerada. Mas com certeza que valem o es-
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Os autores escrevem segundo o antigo acordo ortográfico 6
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4 e 5 junho 2021 dança
LAST
DE SÃO CASTRO E ANTÓNIO M CABRITA PRODUÇÃO COMPANHIA PAULO RIBEIRO MÚSICA AO VIVO QUARTETO DE CORDAS DE MATOSINHOS Sala Luis Miguel Cintra Sexta e sábado, 20h Duração: 1h05; m/6 Direção e coreografia: São Castro e António M Cabrita; Interpretação: Ana Moreno, Ester Gonçalves, Guilherme Leal, Miguel Santos e Rosana Ribeiro; Música: The Late String Quartets, de Ludwig van Beethoven; Interpretação musical ao vivo: Quarteto de Cordas de Matosinhos – Vítor Pereira e Juan Maggiorani (violinos), Jorge Alves (viola), Marco Pereira (violoncelo); Espaço cénico, desenho de luz e figurinos: São Castro e António M Cabrita; Direção técnica e consultoria ao desenho de luz: Cristóvão Cunha; Produção: Companhia Paulo Ribeiro
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Coprodução: Teatro Viriato, Teatro Municipal do Porto e São Luiz Teatro Municipal
Direção Artística Aida Tavares Direção Executiva Ana Rita Osório Assistente da Direção Artística Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva Margarida Pacheco Secretária de Direção Soraia Amarelinho Direção de Comunicação Elsa Barão Comunicação Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Mediação de Públicos Téo Pitella Direção de Produção Mafalda Santos Produção Executiva Andreia Luís, Catarina Ferreira, Tiago Antunes Direção Técnica Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica João Nunes Produção Técnica Margarida Sousa Dias Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos, Tiago Pedro, Sérgio Joaquim Maquinaria António Palma, Miguel Rocha, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo João Van Zelst Manutenção e Segurança Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena Marta Pedroso Direção de Cena Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena Ana Cristina Lucas Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão
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