© joão gambino
São L u i z T e at r o M u n i c i pa l
PEDRO e o CAPITÃO 23 j u n—2 j u l 2017
t e x to
mário benedetti E n c e n ação
Marta Carreiras Romeu Costa
NÃO, CAPITÃO
Estas quatro imagens fazem parte de uma campanha de divulgação do espetáculo em parceria com a Amnistia Internacional.
Quando Mário Benedetti escreveu em 1979 Pedro e o Capitão, João Paulo II era o líder mundial da igreja católica. Hoje, passados 38 anos, o atual papa é sul-americano. O mundo é hoje um sítio diferente, já não se divide entre soviéticos e ocidentais. Mas continua dividido, entre Pedros e Capitães. Mas este espetáculo não é sobre o Uruguai. Não é sobre a Operação Condor. Não é sobre a América do Sul. Não é sobre um regime político opressivo em particular. Não se passa durante uma ditadura militar. Não é sobre o bem e o mal. Não é sobre duas pessoas que representam dois coletivos. Não é sobre a tecnologia em oposição à natureza, ou a ciência em oposição à humanidade. Este espetáculo não é uma luta só de homens. Não é uma visita aos 48 anos da nossa história recente. Ou é. Porque nele cabe a Palestina, a Venezuela, a Chechénia, Guantánamo, os campos da Europa, as prisões norte-americanas e o mar do Mediterrâneo. Neste espetáculo estão todas as pessoas que nunca regressaram e que nos morreram antes de morrer.
Parte da receita total da bilheteira reverte a favor desta associação.
Romeu Costa
ESPAÇOS DE EXCEÇÃO
© joão gambino
Uruguai, 1979 O espetáculo inscreve-se num tempo e num lugar específicos. O tempo é o da guerra eterna entre ideologias políticas e o lugar é o da concretização de um espaço que não existe oficialmente, onde as regras do estado de direito estão temporariamente suspensas. Um lugar improvisado, que se edifica da melhor forma possível para se provar que nunca existiu. Um lugar função. Faz-se prova da sua existência apenas através dos corpos testemunhas da sua matéria. A casa amarela, a sala violeta, o quarto de hóspedes, o escritório das máquinas, uma sala de teatro. Nesta peça de Mário Benedetti, o quartel militar reclama as honras de lugar, mas a natureza temporária e invisível destes lugares de exceção torna-os capazes de se instalar em qualquer sítio do mundo. O tempo dramático é incerto, 3 meses, 6 meses, no fundo é o tempo que dura um corpo sujeito 2
tal não significa que ambos dela sejam igualmente vítimas ou que as suas posições sejam equiparáveis. O Capitão é o torturador, Pedro é o prisioneiro: as situações não são simétricas. Pois se as palavras do Capitão têm o condão de dizer que nada daquilo alguma vez aconteceu, rebatendo o estatuto de verdade do acontecimento, já o corpo torturado de Pedro atesta o contrário. Mais do que um encontro entre torturador e torturado, o que Mário Benedetti retrata em Pedro e o Capitão é a própria lógica que lhe é inerente tornando-a estranhamente familiar, ou familiarmente estranha, levantando com isso a possibilidade de a rebater, porque nada disto tem de ser. Como aqui se procura também.
a constantes investidas de uma violência cirúrgica, testada e comprovada que se tornou disciplina científica. Se o espetáculo fosse uma ópera veríamos apenas os intermezzos, as pausas onde se improvisa entre dois atos. Nestes intervalos usa-se apenas a palavra, a dialética, o argumento. Lisboa, 2016 Numa sala de teatro, monta-se um dispositivo que vai ser testemunha de qualquer coisa, durante um tempo específico criam-se condições únicas para cumprir um objetivo concreto. Um lugar função. Estabelecem-se as regras. Trabalha-se o engano, a manipulação, a vida e a morte. No fim as testemunhas vão para casa apenas com as suas palavras, não fica nada, desmonta-se tudo, lavam-se os cheiros e as manchas e nunca nada para além disto aconteceu. Monta-se tudo noutro sítio, noutro dia. A grande diferença está no que eu diria, diz o corpo.
Ana Bigotte Vieira
PROCESSO DE TRABALHO
Marta Carreiras
Este projeto teve início em novembro de 2016 com uma residência artística no Centro de Artes e Cultura de Ponte Sor, resultando numa apresentação pública. Em dezembro dessse ano, demos início a um processo de trabalho sobre a Declaração dos Direitos Humanos, em parceria com o Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa e jovens da Adroana, Casal da Mira, Casal dos Machados e Cova da Moura. Paralelamente organizou-se É a Guerra. Mas não tem de Ser, um ciclo de debates em parceria com o Museu do Aljube e curadoria da Ana Bigotte Vieira, que se estendeu entre abril e maio. Procurou-se com este ciclo discutir e contextualizar violência e tortura hoje. Cada sessão contou com a participação de um convidado de uma área disciplinar distinta. Assim, depois da Amnistia Internacional abrir o ciclo com uma visão geral sobre tortura hoje, foi a vez das Historiadoras da Arte Giulia Lamoni e Cristiana Tejo falarem sobre Arte e Política na América Latina nos anos 1960/1970, ajudando a compreender o contexto de onde Mário Benedetti fala – e que não é assim tão distante do nosso, como na semana seguinte deu conta Irene Pimentel abordando a PIDE e as suas práticas. O investigador Gianfranco Ferraro abordou a questão da violência no séc. XX de um ponto de vista filosófico para, por último, Rui Pina Coelho enquadrar o teatro de Mário Benedetti no contexto de violência sistémica a que muitas vezes tenta responder.
É A GUERRA. MAS NÃO TEM DE SER. “Faz parte da guerra”, diz a dada altura o Capitão enquanto insiste com Pedro para que fale. O momento é o do interrogatório, intermezzo entre sessões brutais de espancamento. “Aqui, nesta guerra, todos nos desprezamos um pouco” dirá um pouco depois enquanto fala sem parar, procurando obter de Pedro informações, uma confissão, algumas palavras, uma resposta que seja. A exasperação deste capitão que fala sem parar e que por esse falar traça o desenho nítido de uma situação que é a sua (e a que com a lucidez do desespero chama guerra) deixa claros os pólos em que tudo se joga: corpo, verdade e violência são aqui dados a ver num jogo de reflexos em que cada imagem, refletida, influencia a seguinte, compondo todas juntas a guerra, a tal, em curso, de que o capitão se dá conta – e que aqui aparece menos como um conflito específico do que como uma lógica, fundamento da recorrência de situações como a em que ele próprio se encontra. Mas se é à guerra, ou seja, à lógica específica da situação, que há que remeter as causas mesmas do encontro entre torturador e torturado de que aqui se dá conta, 3
teatro estreia nacional
23 jun-2 jul
PEDRO E O CAPITÃO Mário Benedetti Encenação Marta Carreiras Romeu Costa
Quarta a sábado, 21h; Domingo, 17h30 Sala Mário Viegas; m/14 €12 (com descontos €5-€8,40)
25 jun — conversa com a equipa artística após o espetáculo moderada por Pedro Neto, diretor da Amnistia Internacional
25 jun
VAIS FALAR, PEDRO? Este é um espetáculo de teatro que pretende explorar os limites da comunicação cénica através das ferramentas do teatro e do vídeo, jogando com a ação em palco e a ação projetada em tela. A prática da tortura enquadra a temática de fundo e a grande manipulação, psicológica e visual, estabelece as regras do jogo. Um texto do uruguaio Mário Benedetti, escritor emblemático da literatura da América Latina. Texto: Mário Benedetti; Tradução: Romeu Costa; Encenação: Marta Carreiras e Romeu Costa; Assistência de encenação/produção: Filipa Braga Cruz; Assistência do processo criativo: Reginaldo Spínola; Apoio dramatúrgico: Ana Bigotte Vieira; Elenco: Ivo Canelas e Pedro Gil; Videasta: João Gambino; Música e espaço sonoro Pedro Salvador; Cenografia e figurinos: Marta Carreiras; Assistência de Cenografia: Luna Rebelo; Desenho de luz: Daniel Worm d’Assuncao; Direção de produção: Maria Folque; Designer gráfico: André Machado Coprodução: Teatro Municipal de Matosinhos Constantino Nery e São Luiz Teatro Municipal Parceiros: Amnistia Internacional, Câmara Muncipal de Lisboa, Centro Comunitário de Desenvolvimento do Bairro dos Lóios, Museu do Aljube e Teatro da Terra Agradecimentos: Anabela Rodrigues, APCEN, Carlos Ademar, Casa da América Latina, Cue One, Grupo de Teatro do Oprimido de Lisboa, Irene Pimentel, Jesus Cornejo Rojas, Jorge Gonçalves, Luís Farinha, Miguel Cardina, Samara Azevedo e Teatro Meridional Projeto financiado por Governo de Portugal – Cultura/ Direção-geral das Artes
Bilhete Suspenso No São Luiz pode comprar um bilhete por sete euros, sendo o valor restante suportado pelo Teatro. Um bilhete que fica suspenso para usufruto de pessoas apoiadas por diversas entidades às quais o São Luiz se associou. Saiba mais junto da nossa bilheteira, todos os dias entre as 13h e as 20h.
São Luiz Teatro Municipal — Direção Artística Aida Tavares Direção executiva Joaquim René Programação Mais Novos Susana Duarte Relação com os públicos Inês Almeida Adjunta direção executiva Margarida Pacheco Secretária de direção Olga Santos Direção de produção Tiza Gonçalves (Diretora), Susana Duarte (Adjunta), Andreia Luís, Margarida Sousa Dias Direção técnica Hernâni Saúde (Diretor), João Nunes (Adjunto) Iluminação Carlos Tiago, Ricardo Campos, Sara Garrinhas, Sérgio Joaquim Maquinistas António Palma, Cláudio Ramos, Paulo Mira, Vasco Ferreira Som João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Responsável de manutenção e segurança Ricardo Joaquim Secretariado técnico Sónia Rosa Direção de cena Marta Pedroso (Coordenadora), José Calixto, Maria Tavora, Ana Cristina Lucas (Assistente) Direção de comunicação Ana Pereira (Diretora), Elsa Barão, Nuno Santos, Margarida Santos (Estagiária) Design gráfico SilvaDesigners Bilheteira Ana Ferreira, Cristina Santos, Soraia Amarelinho Frente de casa Fix Chiq Segurança Securitas Limpeza Astrolimpa
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