A FILHA DO TAMBOR-MOR 2019

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SÃO LUIZ 125 ANOS

© Estelle Valente

DIREÇÃO MUSICAL E DE ORQUESTRA CESÁRIO COSTA ENCENAÇÃO ANTÓNIO PIRES

SÃO LUIZ TEATRO MUNICIPAL — 22 A 26 MAIO 2019 DE JACQUES OFFENBACH

A FILHA DO TAMBOR-MOR


125 ANOS DEPOIS, REGRESSA AO TEATRO SÃO LUIZ A ÓPERA QUE O INAUGUROU.

Diário Ilustrado, 23 de maio de 1894


O Teatro D. Amélia por Rafael Bordalo Pinheiro (O António Maria, 17 de maio de 1894)

Olhar a memória, criar o futuro

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Acreditamos que por estes jovens passa o futuro das artes do nosso país e é necessário que tenham oportunidade de se apresentarem publicamente. Porque a ocasião exige uma equipa criativa de excelência, convidámos Cesário Costa para a direção musical e como maestro da orquestra, António Pires para encenar esta versão de 2019 de A Filha do Tambor-Mor, Paulo Vassalo Lourenço como maestro do coro, Dino Alves para criar os figurinos, Aldara Bizarro para dirigir o movimento do espetáculo, e A Tarumba – Teatro de Marionetas para conceber a cenografia. Voltando a assumir a produção de um espetáculo, o que já não acontecida há muito tempo, quisemos, ainda, que estas cinco récitas tivessem entrada livre, sempre com interpretação em Língua Gestual Portuguesa e Audiodescrição. Gostamos sempre de lembrar que somos um Teatro para todos e que estas palavras não são vazias. Assim, neste palco que ao longo de mais de um século viveu momentos únicos e outros de grande incerteza, e neste dia 22 de maio, podemos dizer que somos felizes e que damos palco a tantos e talentosos jovens que irão continuar a fazer a história deste lugar. Longa vida ao Teatro São Luiz!

Este é um ano especial para todos os que fizeram e fazem parte da história deste Teatro. No dia 22 de maio, o São Luiz – que começou por se chamar D. Amélia e depois Teatro da República – comemora 125 anos. Quisemos, precisamente nesta data, recordar a inauguração de 1894 e levar à cena a ópera que o estreou, A Filha do Tambor-Mor, de Jacques Offenbach. Decidimos comemorar o passado, defendendo, desde o início, que esta festa nos deve remeter também para o que aí vem. Aqui, o futuro é protagonizado por jovens intérpretes de todo o país, numa relação que estabelecemos com diversas escolas artísticas que, assim, se decidiram juntar a esta celebração. Temos jovens cantores da Universidade de Aveiro; Universidade de Évora; ESART – Escola Superior de Artes Aplicadas, de Castelo Branco; jovens músicos da Orquestra Clássica Metropolitana de Lisboa; jovens atores da Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa, jovens bailarinos da Escola Superior de Dança de Lisboa. Participa, ainda, o Coro Participativo do Festival de Verão, uma forma de aqui estar também a cidade de Lisboa e de dar eco a outras vozes, nesta relação que sempre valorizámos com os nossos mais diversos públicos.

Aida Tavares

Diretora artística do Teatro São Luiz

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22 a 26 maio

A Companhia Gargano por Bordalo Pinheiro (O António Maria, 12 de junho de 1894)

ópera estreia

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A Filha Do Tambor-Mor de Jacques Offenbach Quarta a sábado, 21h; domingo, 17h30 Sala Luis Miguel Cintra; m/12 Entrada Livre sujeita à lotação da sala

22 a 26 maio, quarta a sábado, 21h; domingo, 17h30

Direção musical e de Orquestra: Cesário Costa Encenação: António Pires Maestro do coro: Paulo Vassalo Lourenço Movimento: Aldara Bizarro Figurinos: Dino Alves Cenografia: A Tarumba – Teatro De Marionetas / Luís Vieira e Rute Ribeiro (Direção Artística), Diana Costa, Jimmy Grimes, João Rapaz, Luís Vieira, Paulo Duarte, Rodrigo Pereira, Rute Ribeiro, Vítor Estudante (Marionetas e Objetos), Janaína Drummond (Assistência) Apoio à elocução: João Henriques Maestrina assistente do coro: Fátima Nunes Pianistas correpetidores: Bernardo Sousa Marques e Iryna Monteiro Assistentes de encenação: Manuela Sampaio e Martim Guimarães (Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa), Miguel Bartolomeu (Apoio) Assistente de figurinos: Margarida Sales

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Solistas: Stella – Ana Filipa Leitão (Universidade de Aveiro), Monthabor, Tambor-Mor – José Corvelo; Tenente Robert – João Merino; Claudine – Beatriz Maia (Universidade de Aveiro); Griolet – Alberto Sousa; Duque Della Volta – Miguel Reis; Duquesa Della Volta – Mariana Sousa (Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco), Marquês Bambini – Almeno Gonçalves; Lorenza – Carla Martins (Universidade de Évora) Atores: Isaías Viveiros e Laura Aguilar (Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa) Bailarinos: Catarina Rosa Moita, Cristiana Pardal, Inês Coelho Duarte, Inês Coimbra, Joana Franco, Lara Maia, Mafalda Tereno, Raquel Silveira, Rita Carmo e Sofia Portugal (Escola Superior de Dança de Lisboa)


Coro Participativo do Festival de Verão: Sopranos – Ana Catarina Coelho Mendes, Ana Marta da Costa Kaufmann, Ana Simões Tavares, Ana Sofia da Silva Lima, Angélica Manuela Benedetti Conde de Sousa Lima Correia, Aurora Maria Fernandez Sanches, Carla Sofia de Jesus Martins, Catarina Delgado Vaz, Catarina Margarida Agostinho de Sousa, Dália Alexandra Mourão Godinho Martins, Daniela Cristina Vinha Pereira, Francisca de Lara Everard Braga, Joana Antónia Ribeiro Gomes Ferreira, Liliana Sofia Soares Carvalho, Margarida Isabel Pires Faustino Moreira Teixeira, Margarida Maria Teixeira de Morais de Moura, Maria do Rosário Pavia de Magalhães Feijóo, Marta Almeida Augusto, Marta do Val Lourenço, Maya Al-Kadri, Sara Sá Damásio de Azevedo e Castro, Sofia Beatriz da Ressurreição Morgado, Virginia Ulfig; Contraltos – Ana Carolina Maya, Ana Cristina Fernandes de Madureira Proença, Ana Isabel Leal Mansoa, Ana Luísa de Carvalho Pissarra Russo, Angelina Maria da Silva de Morais, Carolina da Costa de Moura Coutinho Torrinha, Catarina Lourenço de Carvalho, Cecília Gonçalves Moreira Teixeira, Helena Rosa da Encarnação Lopes Guerreiro, Helena

Tapp Barroso, Isabel Maria de Sousa Tomé de Andrade, Lígia Alexandra de Sousa e Sousa Veloso, Maria Clara dos Anjos Ramos, Maria de Melo Belo, Maria Helena da Conceição Ribeiro Gomes, Maria João de Freitas Martinho Simões Andrade e Sousa, Maria José Stromp Morais, Maria Manuel do Nascimento Cabrita, Rita Assis Santos, Rita Isabel Proença Florêncio Isidro Praça, Tânia Pereira; Tenores – Alberto Carvalhosa Marcolino, André de Paula Nogueira Marques, António José Ribeiro dos Santos Morgado, Carlos Eduardo de Castro Fernandes, Carlos Manuel de Aguiar Marques, Daniel Almeida, Filipe Pires Faustino Moreira Teixeira, Francisco Gentil Berger Hamard, João Paulo Rodrigues Pinheiro Carmelino, Miguel Rodrigues Monteiro, Nuno Gonçalves Pereira, Osvaldo Daniel Costa de Sá, Pedro Miguel de Magalhães Felgueiras, Roberto Felipe Câmara Correia; Baixos – Francisco da Cunha Ribeiro, Gianmarco Caruso, Gonçalo de Carvalho Pissarra Russo, Hélio Nunes Tavares, Hugo David Nogueira Reis e Sousa da Silva, João Manuel Pinto Coelho Ogando dos Santos, Jorge Domingues Nogueira, Pedro André Salgueiro de Assunção, Pedro Manuel Duarte Ferreira Dias, Rui

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Henrique de Figueiredo Escudeiro, Rui Miguel Pais Pimenta de Castro Orquestra Clássica Metropolitana: Flautas – Hélio Santos, Ricardo Cardoso; Oboés – Matilde Reyes; Clarinetes – Anna Davis, Miguel Moura; Fagote – Sílvio Almeida; Trompas – Gonçallo Damil, César Luís; Trompetes – Alexandra Caeiro, Marcelino Medina; Trombones – Tiago Pagaimo, Tomás Gonçalves, Marcos Cominho; Tímpanos / Percussão – Duarte Pacheco, Madalena Rato, Joana Duarte, Paulo Amendoeira; 1ºs Violinos – César Nogueira Professor, Cristiana Herculano, André Leal, Diogo Mateus, Paula Galiana, Nuno Rodrigues, Inês Avelar, Angélica Fonseca, Xavier Pereira; 2ºs Violinos – Sónia Figueiredo, Pedro Rodrigues, Carolina Correia, Ian Palazov, Leonardo Martins, Abril Gomes, Carolina Pardal, Diogo Parreira; Violas – Sandra Martins Professora, Patrícia Trabuco, Diogo Lopes, Íris Almeida, Claudino Mendes; Violoncelos – Tatiana Leonor Professora, Lívia Fernandes, Tiago Henriques, Sara Oliveira; Contrabaixos – Fábio Pascoal, Guilherme Reis, Constança Silveira

Agradecimentos: Professores António Vassalo Lourenço (Universidade de Aveiro), Ana Telles e Liliana Bizineche (Universidade de Évora), José Filomeno Raimundo (Escola Superior de Artes Aplicadas de Castelo Branco), António Salgado (Escola Superior de Música e Artes do Espetáculo do Porto), João Fernandes e Madalena Xavier (Escola Superior de Dança de Lisboa), Álvaro Correia e Luca Aprea (Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa), Ana Paula Russo (Escola Artística de Música do Conservatório Nacional), Joaquim René, João Mendes Ribeiro, Junta de Freguesia do Lumiar, Museu Nacional de Teatro e Dança, Serviços Sociais da Câmara Municipal de Lisboa, SHOWPRESS, Teatro do Bairro, Teatro do Bairro Alto, Teatro Nacional de São Carlos e Teatro Praga. Uma Produção São Luiz Teatro Municipal em Coprodução com Universidade de Aveiro, Universidade de Évora, Esart de Castelo Branco, Escola Superior de Dança de Lisboa e Escola Superior de Teatro e Cinema de Lisboa

São Luiz Teatro Municipal Direção Artística: Aida Tavares Direção Executiva: Ana Rita Osório Programação Mais Novos: Susana Duarte Assistente da Direção Artística: Tiza Gonçalves Adjunta Direção Executiva: Margarida Pacheco Secretária de Direção: Soraia Amarelinho Direção de Comunicação: Elsa Barão Comunicação: Ana Ferreira, Gabriela Lourenço, Nuno Santos Direção de Produção: Mafalda Santos Produção Executiva: Andreia Luís, Catarina Ferreira, Mónica Talina, Tiago Antunes Direção Técnica: Hernâni Saúde Adjunto da Direção Técnica: João Nunes

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Produção Técnica: Margarida Sousa Dias Iluminação: Carlos Tiago, Tiago Pedro, Ricardo Campos, Sérgio Joaquim Maquinaria: António Palma, Paulo Lopes, Paulo Mira, Vasco Ferreira, Vítor Madeira Som: João Caldeira, Gonçalo Sousa, Nuno Saias, Ricardo Fernandes, Rui Lopes Operação Vídeo: João Van Zelst Manutenção e Segurança: Ricardo Joaquim Coordenação da Direção de Cena: Marta Pedroso Direção de Cena: Maria Tavora, Sara Garrinhas Assistente da Direção de Cena: Ana Cristina Lucas Camareira: Rita Talina Bilheteira Cristina Santos, Diana Bento, Renato Botão


Apresentação de A Filha do Tambor-Mor em 1891, num desenho de Bordalo Pinheiro (O António Maria, 4 de dezembro de 1891)

A FILHA DO TAMBOR-MOR Jacques Offenbach Libreto de Alfred Duru e Henri Chivot 1879

Ópera-cómica em três atos e quatro quadros

Personagens

A cena passa-se em Itália, em 1800: no primeiro ato, num convento em Biella; no segundo ato, no palácio do Duque Della Volta em Novare; e no terceiro ato, em Milão.

Monthabor, tambor-mor Tenente Robert Duque Della Volta Griolet, tambor Marquês Bambini Clampas, estalajadeiro Grégorio, jardineiro do convento Stella Duquesa Della Volta Claudine, cantineira Prioresa Francesca, alunas do convento Lorenza Soldados, religiosas, alunas do convento, fidalgos, damas da nobreza, homens e mulheres do povo.

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Primeiro Ato A cena representa o jardim de um convento.

I — Cena 1

Zombemos da reprimenda E mordamos o fruto proibido!

Prioresa Ainda bem!... Grégorio!

Coro Zombemos da reprimenda E mordamos o fruto proibido!

Grégorio, aproximando-se Madre?

Stella II Em tempos foi uma maçã Que Eva trincou com vontade, Eu trago outra coisa – em suma, É preciso trincar o que se tem! (Comendo uma laranja.) Seja uma maçã... ou uma laranja, Sim, mordamos o fruto proibido!

Prioresa, Lorenza, alunas, depois Stella, depois Grégorio. As alunas do convento rezam à Madona. À direita, num banco de jardim, a prioresa dorme com um livro grande aberto sobre os joelhos. Coro das alunas Recebe, santa Madona A homenagem dos nossos corações, Tu, que és a nossa padroeira, Aceita estas flores. Foste sempre tão bondosa Para os pobres pecadores, Recebe, santa Madona A homenagem dos nossos corações.

Lorenza É a Stella!... (Para Stella que se aproxima.) Caluda!

Prioresa, acordando Este barulho... que fazem... hem? O quê?

Sai com passos lentos, lendo um grande livro.

Prioresa, que se levantou, admirando-as Perfeito! Assim se vê os sentimentos das boas italianas... Muito bem, meninas, fico feliz por vo-lo dizer... (A Stella) principalmente a vós, Stella, que sois por vezes tão indisciplinada, tão turbulenta...

Stella Acabo de saquear o jardim e o pomar Para vós... (Abre o avental que está cheio de flores, uvas, figos e laranjas.) Olhem… Stella Prudência! Colhi tudo isto para vós, Flores, frutos para todos os gostos... Coplas I Peguem nos cachos rubros Destas belas uvas suculentas, Peguem nestas laranjas douradas, Peguem e regalem-se com elas! Tudo isto é contrabando Mas, como no paraíso... perdido,

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Lorenza Como é que a conseguiste? Stella Foi na minha última ida a casa... Estava na sala do meu pai... Fingia folhear um álbum mas estava à escuta. O meu pai comentava indignado com dois amigos (imitando o pai): “Acreditariam, que alguns italianos chamam com grandes gritos os malditos franceses, é como vos digo, e olhem, tenho ali, na minha secretária, vários exemplares de uma canção que circula de forma misteriosa na cidade...”

I — Cena 2

Lorenza (com vivacidade) É essa que aí tens?

Stella, Francesca, Lorenza, Lucrezia e todas as alunas

Stella Sem dúvida... trouxe um exemplar.

Stella, alegremente, logo que a prioresa desaparece Uff! Foi-se embora!... Pensei que o sermão não acabava... Ah! Viva a alegria e a liberdade! Divirtamo-nos, meninas, riamos, cantemos e dancemos!...

Stella, num tom submisso Eu, madre...

Lorenza + Todas Sim, sim... temos de dançar.

Prioresa Sim, vós, minha filha... não esqueçais que sois a filha do duque Della Volta, um dos maiores fidalgos da Lombardia e que, consequentemente, deveis servir de exemplo a todas as vossas companheiras.

Lorenza Quem é que sabe uma dança de roda ou uma canção? Parece que há uma que se canta agora em toda a parte.

Stella, no mesmo tom Não me esquecerei, madre.

Todas Ah!

Grégorio Muito obrigado... Então aproveito para ir à cidade comprar sementes para a horta (À parte.) e beber um copinho! Prioresa Isso... vá Grégorio... vá! (Grégorio sai; dirigindo-se às jovens.) E vós, minhas filhas, diverti-vos mas com decência, e como convém a meninas da vossa idade.

Stella e as suas companheiras prostram-se diante da Madona.

Stella Impossível!... Ora essa. (Puxando um papel da algibeira.) Ei-la.

Prioresa Hoje é dia de festa... o jardineiro do convento deve descansar como toda a gente... dou-lhe folga.

Todas Seja uma maçã... ou uma laranja, Sim, mordamos o fruto proibido!

Stella, em voz baixa Está a acordar... façam como eu...

Stella surge ao fundo

Lorenza Portanto é proibido falar nela e parece mesmo que é impossível obtê-la.

Lorenza E o que diz a canção? É assim tão horrível? Stella Oiçam. Pequeno francês, bravo francês Vem libertar a nossa pátria, Pelos filhos da Itália Serás bem recebido… A prioresa aparece ao fundo.

Stella Sim, mas em voz baixa, porque é uma canção que diz respeito aos franceses. Lorenza + Todas Os franceses!...

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I — Cena 3

Prioresa, tapando os olhos com a mão É horrível!

As anteriores, a prioresa.

Prioresa, furiosa Mau! Mau!… Pequena rebelde!... A pão seco e água! Ouvis?

Prioresa Que oiço?...

Lorenza + Todas as alunas Pobre Stella!

Lorenza (assustada) A prioresa!...

Prioresa, impondo-lhes silêncio Silêncio, meninas!... Ou castigo toda a gente... (Ouve-se soar as duas horas.) Chegou a hora da merenda, vamos para o refeitório...

Todas Aqui!...

No momento em que se dirigem para a esquerda, Grégorio entra rapidamente pelo fundo; está pálido e desfigurado e treme por todos os lados.

Grégorio Então agarrei na minha coragem... Não que a tivesse, mas agarrei-a mesmo assim... fiz um desvio e regressei pela porta da horta para vos prevenir...

Prioresa, pegando na canção que Stella segura. Dê-me isso, menina... O quê!... Stella... ousa cantar semelhante canção! Stella Madre, não sabia que era errado! Prioresa Cale-se menina! Sabia-o muito bem!... Mas é horrível!... Pede auxílio aos inimigos do seu país!... Ah! Minhas filhas, não conheceis os franceses! ... São bandidos que não respeitam nada!... Pilham as igrejas!... Chicoteiam as criancinhas!... E às mulheres!... Ah! Às mulheres!... Lorenza, aproximando-se Às mulheres... então? Prioresa Não sei muito bem... mas parece que é horrível!... Todas, entreolhando-se com terror Ah!

Stella, com grande alegria Ora!... Não hei-de morrer por isso... um dia passa depressa. Adeus, meninas... Afasta-se, trauteando. Zombemos da reprimenda E mordamos o fruto proibido!...

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Voz de Griolet, no exterior Ajudem-me a subir, amigos...

Prioresa, a tremer Virgem Santa!... Será possível?

I — Cena 4 As anteriores, Grégorio

Ouve-se o som do tambor ao longe

Grégorio, com voz entrecortada Se... nhora prioresa... me... ninas... parem!...

Todas, assustadas (Precipitando-se para a superiora.) Madre!... Madre!... Fujamos!

Prioresa, saindo das filas e rodeando-o O que se passa?... Que vos aconteceu? Fala Gregório.

Prioresa Esperem... esperem... não gritem... Vamos refugiar-nos a uma légua de aqui... no convento de Santa Maria... não se negarão a dar-nos asilo...

Todas, aterrorizadas Os franceses!...

Prioresa Portanto, Stella merece um castigo exemplar. Ficará na lavandaria até logo à noite, a pão seco e água.

Grégorio Sim… e tomaram a estrada que vem direta para aqui.

Prioresa, de cabeça perdida Que fazer?

Grégorio Que São Gregório, meu patrono, nos proteja!... (Com voz abafada.) Os franceses chegaram!

Grégorio, cambaleando Ei-los!... A caminho!... E que todos os santos do paraíso olhem por nós!... (Desaparecem todos pela esquerda enquanto se continua a ouvir pancadas na porta do fundo e vozes que gritam: Abram! Abram!... Não há aí ninguém?)

I — Cena 5 Griolet, uma companhia de soldados franceses, um sargento, Monthabor, depois Robert Griolet, surgindo no topo do muro e escarranchando-se sobre o mesmo Abram, por favor!... Pode-se entrar?... Sim... obrigado! Não se incomodem, conheço a escada. (Salta para o chão.) Cá estou! (Olhando à volta.) Entrem, camaradas. Entram todos Coro dos soldados Com um calor tão grande Não nos abrem a porta, Na verdade, não se faz! Aqui estaremos à vontade, E protegidos da fornalha, Poderemos repousar um pouco.

Gréorio É isso... (Apontando para a esquerda.) Fujamos pela horta...

Monthabor, olhando em redor Ficaremos perfeitamente aqui. (A Robert que entra.) Não é verdade, meu tenente?

Som do tambor mais próximo.

Prioresa É impossível!…Tendes a certeza?

Lorenza, a tremer Aproximam-se!...

Grégorio Ah! Conheço-os bem, vá... já os vi em 96... Era um regimento completo... tambores a tocar, uma vivandeira com o seu carro... puxado por um burro... e corneteiros que tocavam trompete...

Prioresa, a tremer também Juntem-se todas à minha volta, minhas filhas.

Todas Deus do céu!

Grande ruído de passos, tinido das espingardas lá fora. – Batem à porta do fundo.

Robert Muito bem, – e, na verdade, Ganhámos bem este momento de repouso. Coplas I Todos perseguimos a glória Mas estamos exaustos, esfalfados, Sem ter de comer ou beber, Ora assados, ora gelados! E quando progredimos rapidamente,

Todas Sim, madre...

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Monthabor, limpando o suor da testa Com os diabos! Que calor!

Com a espingarda e o sabre na mão É preciso abrir caminho Através da metralha que nos atinge! Pif! Paf! Cheios de ardor guerreiro! Pif! Paf! Para a frente, apre! Pif! Paf! Como bons militares, Pif! Paf! Atiramo-nos ao fogo!

Griolet, limpando o suor da testa Eu idem, tio Monthabor... é este sol atrevido que nos queima a mioleira... Robert Ora bem! Chamem a vivandeira... Griolet, com vivacidade Quem... sim... chamemos por ela, a bela, a soberba Claudine, rainha das vivandeiras… Monthabor Ora, olhem-me para isto... não é que se está a entusiasmar, aqui o tambor?

II Mas quando entramos numa cidade Oferecem-nos coroas de flores E de forma muito cortês Recebem-nos como vencedores; O marido, inflamado pelo zelo Vai buscar o seu vinho velho E durante esse tempo a sua mulher Faz-nos olhos doces disfarçadamente. Pif! Paf! No amor, na guerra, Pif! Paf! Para a frente, apre! Pif! Paf! Como bons militares, Pif! Paf! Atiramo-nos ao fogo!

Claudine, fora Upa, Martin, upa!... Griolet É ela! Oiço a sua voz encantadora... (Corre para o fundo.) Ei-la! Ei-la com o burro!...

I — Cena 6 Os anteriores, Claudine seguida por alguns soldados.

Robert, olhando à sua volta Ora esta! Que lugar é este?... Parece-me um convento.

Todos Viva Claudine... e viva Martin.

Monthabor A bem dizer, uma caserna de donzelas... não é verdade, Griolet? Griolet É a minha opinião, tio Monthabor... mas onde estão elas, as donzelas? Monthabor Voaram, suponho eu... a gaiola está vazia. Robert Bem me parece. Pousem as mochilas e descansem… Sargento faça uma pequena visita às instalações.

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Hi han! Bela voz! Como é bonito!

faculdade de nos servir um copinho de pinga?... Claudine Lamento, meus amigos... mas seca geral... não há nada no barril... Mesmo espremendo bem, mal poderei tirar de lá um copo... (Inclina a pipa o mais que pode e extrai um copinho de aguardente.) Este é para o meu tenente.

Hi han! Não é um burro, É um amigo! II É bem-comportado como uma donzela, É valente como um velho soldado, É delicado como uma rola E galante como um oficial! Devia receber uma coroa de virgem Pois o seu coração... ainda é puro! Há muitas mulheres na terra De quem não se pode dizer o mesmo!

Oferece-o a Robert. Griotel, à parte Pois cuida bem dele, do seu Robert! Robert Obrigado, Claudine... mas não aceito... Claudine Ora essa, porquê?

Hi han! Bela voz! Como é bonito!

Robert Porque somos todos iguais perante a sede... e se só há para um, não há para ninguém... é essa a minha maneira de ver...

Hi han! Não é um burro, É um amigo!

Monthabor, apontando-o Ora aqui está a nata dos superiores. (Pega no copo de aguardente.) Mas não há-de se desperdiçar por causa disso... (Aponta o burro.) Será para Martin... como não é do mesmo sexo que nós, não haverá ciúmes.

Claudine Bom dia rapazes... Estou encantada por voltar a estar junto de vós, com o meu burro... (Acaricia o dorso do burro). Como tem calor, o pobre querubim...

Claudine Obrigada por mim, meus filhos... (Apontando o burro.) e obrigada por ele, pelo meu bravo Martin, rei dos jericos.

Griolet, com vivacidade Espere, Claudine... vou enxugá-lo com o meu lenço... (Puxa do lenço e enxuga o burro; à parte.) Não é que cometo atos vis para lhe agradar...

Coplas I Não é um burro vulgar, Um pachorrento, um burro chapado, Martin domina a arte de agradar, Tem encanto e beleza! Dotado de bom caráter, É leal, submisso, constante... Há muitos homens na terra De quem não se pode dizer tanto!

Claudine Ora então está tudo bem por aqui... em geral... (A Robert.) e o senhor, meu tenente, em particular?

Robert Boa ideia!... Monthabor, dirigindo-se ao burro Pega, meu filho, engole... vai fazer-te bem. Fá-lo engolir o copinho. Claudine Vamos, deixe-o em paz...

Robert Muito bem, Claudine...

Monthabor Com tudo isto, os camaradas não regressam da visita domiciliária... o estômago já começa a repuxar e confesso que uma bela pitança...

Monthabor Excepto, com a breca, que estamos lateralmente cheios de sede... Teria a

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Robert, apontando para a esquerda onde se vê reaparecer os soldados Ei-los... Vamos saber se descobriram alguma coisa...

Somos alegres e sem maneiras, Mas juro-lhe que está a lidar Com rapazes bons e valorosos! Nem mais uma nuvem na vossa face, Certa da nossa lealdade, Tal como convém à sua idade Recupere depressa a sua alegria!

Monthabor, olhando Olha! O que é que trazem com eles... Uma rapariguinha... Robert, olhando Uma freirinha!... Apre!... Como é bonita!

Stella, alegremente. Acabou. Não... Já não tenho medo, E tenho mesmo que vos dizer Que sinto no fundo do coração Algo que me atrai em vós!

I — Cena 7

Robert Ainda bem, que encanto...

Os anteriores, Stella trazida pelo Sargento e pelos Soldados

Monthabor Agrada-me consideravelmente.

Stella Por amor de Deus, tenham piedade de mim! Piedade, senhores militares!...

Claudine, com ciúmes, à parte Ora vejam a delambida Como faz de lambisgóia!

Robert Minha filha, acalme-se, Não somos corsários!

Stella, alegre Já que estou aqui sozinha, Vou receber-vos – e quero, Se me permitem, fazer As honras do mosteiro! Vou levar-vos ao galinheiro!

Stella De certeza, não são malvados? Todos Não, não somos malvados, Somos muito boas pessoas.

Coro Vai levar-nos ao galinheiro! Stella Depois conduzir-vos ao pomar!

Robert Que aventura surpreendente: Porque está aqui sozinha?

Coro Depois conduzir-nos ao pomar!

Stella Não sei de nada, juro, Eu própria estou admirada... Estava de castigo, As irmãs, assustadas, Devem ter fugido, penso eu, Sem se lembrarem de mim... Por isso estou a tremer...

Stella Abrir-vos-ei a cave! Coro Abrir-nos-á a cave! Stella E vamos saquear tudo!

Robert Ora essa!... E porquê? Tenha confiança em todos nós!... Temos a cabeça oca,

Coro E vamos saquear tudo!

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Coro geral Rápido, rápido, ao galinheiro! Com os coelhos e aves, Com o vinho da cave Vamos fazer uma patuscada!

atenção... Estou apaixonada por um pedaço de gelo... consumo-me por uma pedra... é duro! Griolet De facto! Sempre lhe disse que perde o seu tempo com o tenente... é um ser incombustível... ao passo que eu...

Robert Vão lá então, mas com moderação... Somente o necessário!...

Claudine Você! Deixe-me lá tranquila... Não é um homem suficientemente bonito, meu caro...

Stella, alegremente, fazendo continência Entendido, meu tenente... (Aos soldados) Sigam-me, soldados, avançar!

Griolet Apesar de não ter seis pés de altura, tenho belos talentos... para começar, sou tambor... e além disso sou alfaiate de profissão, o que não é pequena distinção! Ah! Veja, Claudine, não faz ideia do que é um alfaiate apaixonado.

Stella sai com Monthabor, Robert e os soldados. — Claudine prepara-se para os seguir com burro.

I — Cena 8 Coplas I Enquanto puxo a minha agulha Penso em si, e quando a vejo A minha pupila arregala-se, Coro, empalideço ao mesmo tempo.

Claudine, Griolet. Griolet, retendo Claudine Uma palavra!... uma palavra, bela Claudine. Claudine Deixe-me... não vê que ele se vai embora com a rapariga.

Há de amar-me, espero eu, Pois saiba, sobre a terra Nada é mais vaporoso Que um alfaiate apaixonado!

Griolet Quem?... O seu Robert?

II Ao ver que eu a adoro Ficará, certamente, comovida Se não lhe agrado por enquanto, Aos poucos isso acabará por acontecer.

Claudine Sim, o meu Robert! Griolet Ah, pois! Decididamente tem um fraquinho por ele.

(Com entusiasmo.) Ah! Claudine! Claudine! Se soubesse do que sou capaz para lhe agradar... Veja, um exemplo... Aqui está o seu fato de vivandeira que começa a rir e que exige um substituto, não é verdade?... Pois bem! Estou a fazer-lhe um às escondidas, nas minhas horas vagas... Conto oferecer-lho no dia dos seus anos... como se fosse um ramo de flores... não é uma delicadeza?

Claudine E se assim for? Não é ele o mais valente e o mais belo homem do regimento? Griolet, à parte Oh! Desisto! Claudine Infelizmente, não me presta qualquer

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Claudine Meu Deus! Griolet... Não digo que não... é um bom rapaz... Mas o que quer, por mais que eu tente, sinto que não lhe tenho amor...

Claudine Ah!... Então é viúvo?...

Claudine E nunca mais a encontrou?

Claudine, a Monthabor Conte-nos lá isso!

Griolet Isso acontecerá... já se viu coisas mais estranhas... Sim, isso acontecer-lhe-á com o tempo...

Griolet E eu acaricio voluptuosamente a hipótese... e então, que boda!... (Entra Monthabor.) Casar-nos-emos!...

Monthabor, a Claudine Oh! É muito simples... (Dá-lhe alguns pratos.) Ajude-me a pôr a mesa... (Enquanto põe a mesa com Claudine.) É preciso ver que isto se passou há dezanove anos... eu era tintureiro em Paris... travei conhecimento com uma sedutora lavadeira... linda como os amores (tirando-lhe a salada da mão) Deixa a alface em paz... Declaro-me, ela aceita e desposo-a ostensivamente... (A Claudine.) Ponha as facas...

Monthabor Nunca mais!... Compreende... quando se é soldado não se vai para onde se quer... (Com uma emoção que o vai tomando pouco a pouco.) Pensar, no entanto, que tenho algures uma filha que tem hoje dezoito anos... que deve ser bonita e bem constituída, se sai ao pai... e que não posso abraçar! Dá um aperto no coração!...

Monthabor Imbecil!...

Griolet, comendo folhas de alface Sortudo do tambor-mor!

Claudine, no fundo Camaradas para a mesa

Monthabor Sortudo!... Ah! Isso sim!... Ao fim de seis meses, o nosso casamento tinha se transformado num inferno... e alguns anos depois divorciávamo-nos... de comum acordo! Era a primeira vez que tínhamos a mesma opinião!

Durante a cena, Monthabor e Claudine acabaram de pôr a mesa.

Claudine Tenho dúvidas...

I — Cena 9 Os anteriores, Monthabor e vários soldados. Monthabor usa um avental de cozinha, tem na mão uma saladeira e algumas alfaces; quatro ou cinco soldados entram atrás dele. Usam também aventais de cozinha, dois deles transportam mesas, os outros cestos com loiça.

Claudine Então correu tudo pelo melhor...

Griolet Imbecil porquê? Mothabor Porque falas em casamento, meu inútil... (Dá-lhe as alfaces.) Olha, trata da salada. (Retomando o assunto.) O casamento... vê tu, não é sempre divertido... Sei algo sobre o assunto... dado que passei por isso... Griolet O senhor, tio Monthabor? Monthabor Eu próprio... (Aos soldados que entraram com as mesas, mostrando-lhes o meio do palco.) Ponham isso ali…

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Estão dispostos à mesa. Robert Felizmente temos vinho... Vamos, dêem-nos de beber, depressa!

Monthabor, muito comovido Sim... pobre tambor-mor...

Todos Vinho! Vinho! Enchem os copos. Robert, levanta-se com o copo na mão e aponta Stella Amigos, bebo à saúde Da fada amável e encantadora Que nos oferece hospitalidade De forma tão benévola!

I — Cena 10 Os anteriores, Stella, Robert, os soldados.

Monthabor Sim, se não tivesse havido uma criança... Griolet, comendo folhas de alface Tem um filho?...

Todos Bravo! Bravo!

Monthabor Uma linda menina... (Tira-lhe as folhas de alface da mão.) Deixa a salada em paz...

Claudine, à parte Esta pequena não me agrada!

Monthabor Ah! Aí é que está o problema!... Tinha sido obrigado a alistar-me como toda a gente para correr à fronteira... Quando regressei, não havia notícia da minha ex-mulher... tinha desaparecido com a menina.

Coro Visto que está tudo a postos Para este memorável festim, Sentemo-nos, meus amigos. Vamos depressa para a mesa!

Griolet, comendo folhas de alface Pobre tambor-mor!...

Stella Tinha prometido fazer-vos as honras do convento, cumpri a minha promessa... o jantar espera-vos.

Claudine E o que é feito dela?...

Claudine. Os outros militares comem de pé à volta de duas mesas pequenas colocadas à direita e à esquerda da mesa grande. – Cada soldado tem à sua frente a sua ração de pão.

Todos, brindando À nossa fada amável e encantadora! À sua saúde! Monthabor Sejamos alegres como tentilhões, Está na hora de entoar canções, Cada um vai cantar a sua... (A Stella.) Tenha a bondade... Stella Só sei uma. É uma canção proibida que encontrei aqui, Uma canção que até fala de vós...

Monthabor Para a mesa! Todos Para a mesa!

Robert De nós, a sério!... Mas que encanto!

Sentam-se durante o coro que se segue. – Robert está no meio da mesa, com o sargento à direita, seguindo-se Monthabor e depois Stella. – À esquerda de Robert está um soldado, depois Griolet, depois

Coro Cante-a para nós, bela menina...

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Coplas I Há muito tempo que o italiano Quer tornar-se o seu próprio dono. Gritamos, ninguém nos ouve, Só nos mandam passear; Bom francês, vem, imploramos-te, Enquanto esperamos esse dia festivo, O dia em que voltaremos a ver-te, Cada um de nós repete baixinho:

Com os diabos! Obedeçam, Ou terão de se haver comigo.

Robert É a chamada.

Sargento e soldados Está bem, tenente, ficamos calados...

Monthabor Despachemo-nos.

Stella e Claudine, cada uma com um sentimento diferente Ah! Quanto ardor em minha/sua defesa.

Os soldados saem todos pelo fundo à esquerda, depois de pegarem nos sacos e nas espingardas.

Monthabor, piscando o olho Ora, ora, ora! Creio compreender.

Francesinho, bravo francês, Vem libertar a nossa pátria; Sabes que serás bem recebido Pelos filhos de Itália, Bravo francês.

Robert, aos soldados Não falemos mais disso... é a vez De Griolet cantar uma cantiga.

Coro Francesinho, bravo francês, Etc.

Griolet, falado É a nossa vez, Claudine... a lenda do soldadinho.

Stella II O francês tem o coração ardente, Já deu mais do que uma prova disso; Pois deixou em Milão Lembranças da sua passagem. Sempre, nos meigos combates A sua vitória foi tão completa, Que as damas dizem baixinho, Pensando numa paixoneta:

Canção I Claudine Era uma vez uma grande princesa... Griolet Era uma vez um soldadinho... Claudine Ela era muito rica...

Francesinho, gentil francês, Vem libertar a nossa pátria; Sabes que serás bem recebido Pelas mulheres de Itália, Gentil francês.

Griolet Ele era um simples fuzileiro... Claudine A princesa viu o soldado...

O sargento e alguns soldados rodeiam Stella.

Griolet O soldado viu a princesa...

Sargento Bravo, bela menina! (Quer agarrá-la pela cintura.) É encantadora, palavra de honra.

Claudine Eis que se toma de amores por ele... Griolet E comprometeram-se de papel passado!

Stella, assustada Ah! Senhores, senhores, deixem-me!

Os dois Isto, meus filhos, é história, As princesas adoram os soldados, Podem crer, sem hesitar, Pois consta de todos os almanaques.

Robert, afastando bruscamente os soldados Nem mais uma palavra, acabem com isso, Respeito pelas mulheres, é a nossa lei!

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Duque Uma Madona... acha que sim?... (Põe as lunetas.) É verdade, palavra de honra... sou muito distraído... Por causa disso, até há quem pense que tenho vista curta... Bambini Que disparate... (À parte.) É míope como uma toupeira...

Robert, que ficou Está então completamente tranquila, menina?

Duque Ninguém... e nenhum ruído... Provavelmente estão todas no ofício...

Stella Completamente... e olhe, parece-me que se tivesse sido homem, teria querido ser soldado.

Bambini Provavelmente...

Robert A sério...

Duque Ah! Ah! Stella nem suspeita que venho buscá-la para a casar...

Stella Mas estão à sua espera... (Faz uma reverência.) Adeus, meu tenente... adeus.

Bambini Acha que ela consentirá... Duque Em tomar-vos como esposo... seria estranho que ousasse resistir às ordens da marquesa e às minhas... Sois o marquês Ernesto Bambini, eu sou o duque Della Volta, dois grandes nomes, duas árvores genealógicas que querem enlaçar os seus ramos?...

Entra à esquerda, primeiro plano. Robert Decididamente é adorável, esta jovem... Daria uma encantadora esposa... (Ouve-se no exterior o ruído de um carro e a voz de Della Volta.) Chega alguém!... Vamos ao encontro dos meus soldados.

Bambini Oh! Sim, o meu desejo é enlaçá-la...

Sai pelo fundo, à esquerda.

Duque Aliás, é um caso de força maior... este casamento é absolutamente indispensável para pôr fim ao processo que separa as nossas velhas famílias...

I — Cena 11 Duque della Volta, Marquês Bambini. Duque, no exterior Chegámos… Eis-nos no convento onde a minha filha Stella foi educada... vou pedir para falar com ela... (Olha para a estátua que está à direita.) Ah! Aqui está justamente a superiora...

Bambini Processo que já perdeu antecipadamente, confesse... e que o arruinaria completamente... Duque Não se sabe... os advogados são hábeis... Mas, de resto, pouco importa visto que introduz nos presentes de casamento uma renúncia a qualquer pretensão sobre os meus bens...

Avança e faz uma saudação. Bambini, interrompendo-o Não... É uma Madona.

23


Bambini Sim, faço esse disparate... estou tão apaixonado...

Os franceses!... Bambini, batendo os dentes Mas então, meu sogro...

Duque, com vivacidade Faremos o casamento o mais depressa possível...(À parte.) Não fosse mudar de ideia... (Mudando de tom.) Mas como se está bem aqui num asilo de piedade e recolhimento... Que calma... que tranquilidade... que serenidade...

Duque, igual O quê?... Bambini, igual O que aconteceu... às... Duque, igual Às alunas...

Bambini Nem um ruído!

Bambini, igual E às religiosas...

Duque Nem um sopro! (Ouve-se trautear.) Ah! Sim... sim... oiça... parece-me que oiço cânticos sagrados...

Duque, igual Não ouso pensar nisso!... é... é horrível!...

Uma voz, no exterior, à esquerda (tenor) para a frente!

Bambini, igual Assustador!...

Duque É a superiora... parece-me bastante constipada...

Nesse momento entram a correr, pela esquerda, as alunas do convento perseguidas por soldados.

As duas vozes cantam em simultâneo, muito alto. Bambini Mas são vozes de homens...

I — Cena 12 Os anteriores, as alunas do convento perseguidas por soldados, depois a prioresa.

Duque Homens! Ora essa...

Conjunto

Bambini Vejamos... vejamos... (Olha para a esquerda e solta um grito, recuando rapidamente.) Oh!...

Alunas Senhores militares, Por favor, deixem-nos; Diremos orações Em vossa intenção.

Duque, da mesma maneira Ah!...

Soldados Gentis comadres De olhos negros tão doces, Sejam hospitaleiras Connosco.

Encontram-se, costas com costas. Bambini, a tremer Está cheio de soldados!... Duque Militares...

Duque, à prioresa que entra apavorada Até que enfim, graças a Deus! De onde vem, a correr assim?

Os dois, mal se aguentando

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Prioresa A estrada está cheia de soldados

II Peço que no regimento Se recordem simplesmente

Duque Meu Deus, não vejo a minha filha!...

Ao serão

Prioresa Pobre Stella Esquecida neste lugar!

Que, como ajudante do regimento, Passei com ele, alegremente, Um dia inteiro!

Duque O quê! A minha filha ficou Nas mãos de um corpo do exército!... Onde pode estar a minha Stella? O que fizeram eles dela?

Soldados deste bravo regimento, Vigésima meia-brigada, Não esqueçam que desde esse momento, Fui a vossa pequena camarada!

Stella, entra seguida de Robert, Monthabor, Griolet, Claudine e dos outros soldados. Aqui estou!

Ah! Em troca, pelo regimento Que se expõe aos perigos da guerra, Todas as noites a Deus clemente Farei devotamente

I — Cena 13 Os anteriores, Stella, Robert, Monthabor, Griolet, Claudine, soldados.

A minha oração! Duque, a Stella Vamos, vamos, Despachemo-nos E partamos!

Stella I Para receber um regimento, Estava só neste convento

Alunas, rodeando Stella Amiguinha, Não esqueças nunca, Ao afastar-te, Este velho convento. Aqui ninguém, Querida pequena, Podes crer, Te esquecerá!

E muito aflita! Mas quando vi este regimento Do meu coração bani logo Um vão receio! Soldados deste bravo regimento, Vigésima meia-brigada, Perto ou longe, desde esse momento, Sou a vossa pequena camarada!

Robert, igual Está de partida... é pena. Duque, da mesma maneira Pode ser... mas deixe-a!

Ah! A partir de agora, pelo regimento Que se expõe aos perigos da guerra, Todas as noites a Deus clemente Farei devotamente

Monthabor, igual Está de partida... isso aborrece-me. Duque, da mesma maneira É suficiente... Vamos, já chega!

A minha oração.

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Robert Deixe-nos, visto que assim o ordenam.

Segundo ato Em casa do duque Della Volta Um rico salão dando para um terraço à italiana. – Ao fundo vê-se a copa das árvores do parque e muito ao longe as casas da cidade de Novare.

Duque Per Bacco! Deixe-a lá! Alunas Amiguinha, Não esqueças nunca, Etc.

II — Cena 1

Robert, Monthabor e Griolet Deste dia passado entre nós, Recorde-se.

Duque Della Volta, duquesa, outros fidalgos italianos.

Stella Sim, prometo-vos, Stella Recordar-se-á! (Aos soldados.) Ao dizer-vos adeus esta noite, Amigos, conservo a esperança De um dia podermos reencontrar-nos.

O duque abre uma volumosa correspondência, a duquesa está à sua esquerda. Duque Está tudo bem… as novidades que chegam aqui, a Novare, são excelentes. Duquesa No entanto, correm rumores...

O duque, furioso, pega-lhe pela mão e leva-a para o fundo durante a repetição do coro.

Duque Absurdos... as minhas informações são rigorosas.

Coro Francesinho, gentil francês, Etc.

Duquesa No entanto não dizíeis vós que ao ir buscar a nossa filha ao convento, há poucos dias, havíeis encontrado franceses? Duque, encolhendo os ombros Ora!... um punhado de soldados que o primeiro cônsul manda à frente para fazer crer que tem um exército... um amontoado de velhos e estropiados. Os fidalgos saem.

II — Cena 2 Duque, duquesa, depois Bambini. Duquesa Tanto melhor. Os convites estão feitos. Tudo corre às mil maravilhas.

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Duque Espero que Bambini não mude agora de opinião... ficaríamos arruinados...

temos necessidade de ter convosco uma conversa confidencial. Ouve-se, ao fundo, dois tiros.

Duquesa Tendes sempre medo, Ascanio... não há perigo, está perdidamente apaixonado por Stella.

Duque, assustado Mas o que é isto? Bambini Algum guarda que caça coelhos no parque.

Duque É mesmo com isso que conto. (Em voz baixa.) Mas, aliás, aqui está ele, vamos ficar a saber com o que contamos. Bambini, entrando Bom dia, caro duque. ( Faz uma vénia à duquesa e beija-lhe a mão.) Duquesa!

II — Cena 3

Duquesa Bom dia, marquês!

Stella, entra com uma caçadeira na mão Bom dia mamã... bom dia papá...

Bambini Como se sente esta manhã?

Duque Com que então é a menina que faz todo este barulho! De onde vem?

Os anteriores, Stella em roupa de caça.

Duquesa Fraca... muito fraca.

Stella Da caça!... é tão divertido caçar... montar a cavalo... saltar sobre as sebes... dar tiros...

Bambini Isso não é nada, é a indisposição de uma bela dama.

Duquesa Stella, pouse a espingarda... e oiça...

Duquesa, fazendo trejeitos Cale-se, far-me-á esquecer que tenho uma filha crescida.

Stella Sim, mamã... (Pousa a espingarda. – Regressando.) Então do que se trata?

Bambini, muito galante Não tem importância, pois parece ser irmã dela.

Duquesa Do seu casamento com o senhor marquês Bambini...

Duquesa, fazendo trejeitos Muito simpático!

Bambini faz uma vénia.

Duque E se nos ocupássemos agora dos nossos negócios?

Stella Do meu casamento... mas eu já vos disse que não quero casar-me...não amo este senhor...

Bambini Com todo o gosto. Sempre assinamos o contrato hoje à noite?

Duquesa Isso é um detalhe...

Duque É esse o nosso projeto..., No entanto, antes de ir mais longe, a duquesa e eu

Duque Sem importância...

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Bambini Evidentemente...

Com casamentos destes O que acontece, ó imprudentes? É que em todos esses casais Vê-se muitos... acidentes!

Duque É da nossa conveniência... é essencial...

Duquesa, a Stella Chega, menina... nem mais uma palavra e prepare-se para nos obedecer.

Duquesa Aliás, é por a amarmos que fazemos questão deste casamento...

Duque Assinaremos o contrato esta noite.

Stella Por me amarem?

Stella Não, não, não! Mil vezes não! Vou fechar-me no meu quarto e não sairei de lá.

Rondó Ah! Declaro verdadeiramente Que os pais são espantosos, Adoram os seus filhos De uma maneira bizarra!

Bambini Corro... até logo.

Os três É uma carta de aboletamento.

Sai pela esquerda.

Robert O que nos faz falta?... Uma bagatela, Bem pouca coisa, certamente.

II — Cena 5

Griolet Um lugar à lareira e à luz da vela.

Duque, Robert, Monthabor e Griolet.

Sai pela esquerda.

Duque Sou eu. (Vira-se e encontra-se face a face com Robert.) Han! Vocês aqui?

Duquesa, furiosa Ora já se viu isto!

Robert, reconhecendo-o Olha!

Duque Corra atrás dela.

Monthabor, igual O pai da pequena.

Durante a sua infância Ficam felizes por lhes obedecer Falam, e antecipa-se O seu mais pequeno desejo!

Duquesa Eh! Deixe-me em paz! Sei bem o que tenho de fazer. (Afasta-se.) Ah! Vai ter de me obedecer!

Griolet, igual Isto é que é um encontro!

Sempre preocupados com eles, Estragam-nos com mimos, tal o medo De lhes causar um incómodo, Ou o mais pequeno desgosto.

Sai atrás de Stella.

Mimam-nos, acarinham-nos Quando são pequeninos, São tesouros de ternura E cuidados que não abrandam;

II — Cena 4

Mas quando uma jovem Chega aos dezoito ou vinte anos Vê surgir na sua família Mudanças surpreendentes.

Duque, Bambini. Bambini É a equitação que a põe neste estado?

Para se livrarem dela, Mesmo que seja preciso sacrificá-la, Dizem-lhe: minha menina Tem de se casar depressa!

Duque Não ligue, é infantilidade... Espero que isto não o faça perder o interesse… Bambini A mim? Não me conhece de todo. Ao contrário, entusiasma-me, excita-me.

Quer lhe agrade ou não, que importa, Aqui está o seu marido, passe bem! Siga caminho com ele, E até à vista!

Duque Muito bem meu amigo, vá ao notário e não se preocupe com todos esses disparates.

Sem piedade pelos seus receios, Não ouvem os seus gritos, Não veem as suas lágrimas, Respondem-lhe: obedece!

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Monthabor E muita... consideração!

Robert O senhor duque Della Volta?

Duque Não, dar-vos-ei dinheiro Para que saiam da minha casa. Os três O quê! Dinheiro! Duque Irão gastá-lo na cidade... Os três Nem pensar, leia o documento, É uma carta de aboletamento. Etc.

Duque O que desejam?

Duque Ah! Querem alojar-se em minha casa!...

Robert, saudando e apresentando um papel Dê uma vista de olhos a este papel.

Pois bem! Tenho o que vos convém: Duas mansardas magníficas Lá em cima.

Monthabor Leia!

Soldados, encolerizados Lá em cima!

Quarteto

Duque Ficareis bem agasalhados, Com os meus velos criados. Lá em cima!

Robert É uma carta de aboletamento! Os três É uma carta de aboletamento!

Soldados Lá em cima!

Griolet E vai, evidentemente... Robert Com muita solicitude...

Duque Em minha casa, não façam cerimónia, Encontrarão a cantina Lá em baixo.

Griolet Receber-nos cortesmente.

Soldados Lá em baixo!

29


Duque E farão as refeições, Meus amigos, na cozinha Lá em baixo. Soldados Lá em baixo! Monthabor Arre! Faz pouco de nós?

II — Cena 6

II — Cena 7

Robert, Monthabor, Griolet.

Os anteriores, Claudine, dois criados.

Robert Arre!... é que tem mesmo ar de quem faz pouco de nós!

Claudine, ao fundo, para os criados que tentam impedi-la de entrar. (Levanta a mão, os criados recuam.) Digo-vos que tenho que falar com o soldado Griolet... (Apontando Griolet.) Ali está ele... (Afasta vigorosamente os dois criados que tropeçam.) Deixem-me lá passar, suas lesmas!... (Aproxima-se.) Se já se viu isto!…

Monthabor, furioso Ah! Com mil diabos! Se não me contivesse, que prazer teria em afagar as costelas dum fulano desta espécie.

Griolet e Robert Chiu! Acalme-se!

Robert, segurando-o Calma, Monthabor, calma...

Monthabor Vou virar tudo de pernas para o ar!

Monthabor Eu domino-me, meu tenente... compreendo os sentimentos internos que o agitam... É o pai da pequena... é o bastante! Respeitaremos o anfíbio.

Griolet e Robert Chiu! Acalme-se! Robert Monsenhor quer, realmente, Insultar o nosso regimento?

Robert O pai da pequena... que queres dizer com isso?

Griolet, ao duque Engana-se certamente, Torne a ler o documento.

Monthabor Por Deus!... Quero dizer que ela lhe agradou, a bela pomba do convento... é visível a olho nu.

Duque Que documento? Os três, apontando o papel Este documento! É uma carta de aboletamento, Etc.

Robert Ora pantomineiro, cala-te... nada de gracejos de mau gosto. Monthabor Está bem, fecho o bico... (À parte.) mas fico com a minha.

Duque, com ironia Pois bem, militares, teremos para convosco a maior deferência. (Afasta-se. – À parte.) Rápido, um recado ao coronel Badanowitz para o avisar que os franceses chegaram. (Em voz alta, ao fundo.) A maior deferência.

Ouve-se, lá fora, o ruído de duas vigorosas estaladas. Robert, Monthabor e Griolet levantam-se de um salto e gritam: Hem? Griolet O que é isto?

Desaparece com ar de escárnio.

Robert, a rir Por Deus! É Claudine... Reconheço-lhe o estilo.

Zás! Trás! Guarda esta na algibeira, Zás! Trás! Apanha mais esta! Robert, rindo Arre! Vejo que é melhor não a provocar. Claudine Oh! É melhor não! Griolet Com que então está à minha procura?

Coplas I Ora bem! Que maneiras são estas! Querem impedir-me de passar. Pois saibam que as cantineiras Nunca souberam recuar. Fazem questão de me receber Como a um caniche num jogo da malha, Vamos, desapareçam Ou, por Deus, hão de ver!...

Claudine Sim, meu menino... só para saber se acabou o meu fato. Griolet, tirando-o parcialmente do saco Aqui está!... Só me falta dar-lhe mais um ponto. Senta-se e começa a coser.

Si algum se aproxima, Acho que vai ter aborrecimentos Pois a minha resposta será esta:

Claudine Despache-se... pretendo estar toda bem posta no dia em que entrar-mos em Milão.

Faz o gesto de dar bofetadas.

Robert Oh! Oh! Em Milão... vai com muita pressa... As mulheres não têm dúvidas... ainda não chegámos lá.

Zás! Trás! Guarda esta na algibeira, Zás! Trás! Apanha mais esta!

Monthabor Então não vê, meu tenente, que todas estas patranhas não passam de um pretexto para vir ter consigo...

Os criados saem. II No amor é a mesma coisa, É melhor não tocar em quem me agrada. Não é por ter mau caráter Mas por ter o coração ao pé da boca. Suponhamos que um dia me apaixono Por um rapaz com ar de vencedor, Ah! Se por acaso alguma sirigaita Ousasse disputar comigo o seu coração,

Griolet Oh! Pica-se e põe o dedo na boca. Robert Diabo do Monthabor, não sei o que tem ele hoje... quem o ouvisse pensaria, palavra de honra, que eu sou um Don Juan do regimento.

Não a recriminaria, Sou demasiado bem educada para isso, Mas gritaria: alto aí!

30

Claudine

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Monthabor Sim, sim.

Vim principalmente para ver se não vos falta aqui nada... (À parte.) e para vigiar a ingénua do convento. (Alto.) Onde estão alojados?

Sai pelo fundo, à direita no momento em que os convidados entram dançando a valsa.

Monthabor No sótão! Griolet Com os ratos... Robert, alegremente Ah! Deixem lá! Já vimos coisas piores... Parece-me que não temos o hábito de ser mimados em camas de plumas... Por acaso estarão a tornar-se indolentes? Claudine Vamos ver. (À parte.) Vou ficar atenta. (Em voz alta.) E quando quiserem enfiar-vos numa coelheira, digo-lhe, meu tenente, que graças aos meus cuidados, vai lá ficar como um amor... (Olhando-o apaixonadamente.) como um amor...

Duque O quê!... a minha mulher desmaiou!

Duque, duquesa, Bambini, fidalgos e damas, depois Monthabor.

Bambini, gritando Um copo de água...

Coro Dancemos E valsemos! Para a festa Ser completa, Dancemos E valsemos!

Monthabor Água, infeliz! Que amarga brincadeira! Pega no cantil. Para isto o rum é muito melhor... Beba!

Criado Está ali a senhora duquesa.

Ouve-se música de dança numa sala ao lado.

Monthabor Está bem... Vou pedir-lhe explicações. (Avança para a duquesa.) Perdão, duquesa, se a enfrento, Mas, com os diabos! Querem enfiar-nos Numa espécie de barraca E venho... (A duquesa vira-se e ele recua soltando um grito!) Ah!

Monthabor Olha, olha!... estão a ouvir? Robert, afastando-se Alguém está a dançar. Griolet, igual É uma festa. Claudine, da mesma maneira Um baile!

Duquesa, igual Ah!

Griolet, São os convidados do duque, vêm para esta sala, não deveríamos ficar aqui.

Monthabor Com mil raios! Margot!

Robert Muito bem... retirar-nos-emos... venha, tambor-mor!

Duquesa Bernard! Cambaleante. Mal posso respirar!

Sai pelo fundo, à direita.

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Não se fala mais nisso... já esqueci!... (Ouve-se a orquestra do baile. – Aos convidados, alegremente.) Vamos, vamos dançar E recuperemos a nossa alegria!...

Todos A duquesa sente-se mal! No fundo, isso é-nos indiferente!

II — Cena 8

Monthabor, entrando furioso pela direita Alojar-nos desta maneira!... isto ofende-me? A um criado que está perto dele. O patrão? Queria falar-lhe.

Griolet, à parte Mas é uma loucura... está apaixonada pelo homem!

Desmaia nos braços de Bambini que a coloca numa poltrona; o duque e todos os convidados acorrem.

Todos Vamos, vamos dançar E recuperemos a nossa alegria!... Duquesa, tomando o braço de Bambini Marquês, a valsa espera-nos. Duque, oferecendo o braço a uma dama Valsemos, valsemos minha amiga.

Faz beber a duquesa diretamente do cantil.

Coro, com o tema da entrada Dancemos E valsemos! Que a festa seja completa Dancemos E valsemos!

Duquesa, erguendo-se de um salto Ah! Que nojo!... mas que infâmia!

Afastam-se todos pela esquerda, em passo de valsa. Monthabor fica só.

Monthabor Ora vê, já se restabeleceu!

II — Cena 9

Bambini, apontando Monthabor Este soldado acaba de se atrever... Num tom cheio de grosseria...

Monthabor, depois a duquesa. Duquesa, fechando a porta da esquerda Feche as portas... Bernard...

Monthabor Chega!... Vou pedir desculpa... Duas palavras à senhora duquesa... (Afasta com um gesto os convidados e aproxima-se da duquesa.) Ora bem! Aqui estás tu, Margot!

Monthabor Sim!... (Depois de ter fechado as portas.) Pronto... estamos completamente sós... Duquesa Diga lá, agora... o que me quer?

Duquesa, a meia-voz Por amor de Deus, nem uma palavra!

Monthabor Já não me tratas por tu... Está bem, está bem... Compreendo, é por causa do outro, do número dois... Com que então tornaste-te duquesa, nada menos!... É um pouco mais chique do que quando passavas camisas a ferro...

Monthabor, a meia-voz Está bem, não farei escândalo Mas é preciso que voltes aqui, Onde ficarei à tua espera. Duquesa Pois sim!... voltarei!... mas nem uma palavra! (Em voz alta, sorrindo.) Perdoo-vos a ofensa,

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Monthabor Quanto ao meu sucessor, a bem dizer, Margot, não posso cumprimentar-te... É um belo contraste... Preferes os duques aos tintureiros... não tenho nada com isso… se te pedi para vires foi para te perguntar o que fizeste da nossa filha.

Duquesa Pois sim... mas com uma condição, Bernard...

Monthabor, olhando para a duquesa que pôs logo um dedo em frente da boca Não... nada... Senhora duquesa, apresento-lhe o Senhor Robert, o meu tenente, um valente que não tem medo de nada...

Monthabor Vejamos...

Duquesa, com uma leve saudação Cavalheiro!

Duquesa É que não dirá a ninguém que é o meu primeiro marido…

Robert, inclinando-se Minha senhora!

Monthabor Em França... A morada?... Dá-me a morada?...

Duquesa, à parte A nossa filha... (À parte.) Se lhe digo... impedirá o casamento, será um escândalo... Monthabor Então! Estou à espera...

Monthabor Por Deus!... desde que torne a ver a minha filha, é tudo o que eu quero... A tal morada?

Duquesa, à parte Não ouso dizer-vos... Monthabor, acometido de uma ideia Não ousas... (Num grito.) Margot! A nossa filha... está viva... existe... não é verdade?...

Duquesa, à parte Ah!... palavra de honra... ao acaso... (Em voz alta.) Em Paris... nas beneditinas, rua de Sèvres...

Duquesa, com vivacidade Sim... sim...

Monthabor Em Paris... Estava tão perto dela... e não imaginava... Ah! Com um raio!... Tomara agora que a campanha acabe depressa para regressar... para correr à rua de Sèvres... para dizer à minha filha: abraça-me, minha querida... Ah! Que estupidez, maldito cão, que estupidez!...

Monthabor, aliviado Ah!... Com mil diabos... pregaste-me um susto... Monthabor Onde está ela?... Diz... Oh!... Espera lá... essa jovem, Stella... será por acaso?...

Duquesa, olhando para ele Pobre Bernard!...

Duquesa, com vivacidade Não! Não!... Engana-se... Monthabor Ah!...

II — Cena 10

Duquesa Stella é filha do meu marido... filha do duque Della Volta...

Os anteriores, Robert, Griolet, depois o Duque. Robert, entrando pela esquerda seguido de Griolet Estamos instalados!... Claudine está a fazer-nos as camas...

Monthabor É pena... Pensei... por causa da idade... e depois porque... Não sei... a simpatia... Enfim!... a nossa... a nossa?... Duquesa A nossa... há-de perdoar-me... Bernard... Deixei-a em França... num grande colégio interno...

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Duque Mas... Duquesa, com ar imperioso Assim o quero, Ascanio!... Duque, suavemente É indiferente... permita-me, no entanto, fazer notar que... por causa do baile, da festa... Monthabor Sim, a festa... Justamente, caríssimo... estávamos a falar nisso... a senhora duquesa dizia: Alguns uniformes militares farão muito efeito... por isso... convidou-nos...

Griolet, à parte Ora essa! E eu?... não me apresenta... Duque, entrando a correr Ah! Duquesa, procurei-a por toda a parte... as pessoas estranham a sua ausência... (Vendo os soldados.) Oh! Oh! Ainda aqui estão! Já vos indicaram o quarto... parece-me que não têm nada a fazer aqui...

Duque, estupefacto Convidou!... Vocês!... Robert, a Griolet Vai mandar pôr-nos na rua!

Monthabor, detendo-o Perdão, meu caro... perdão, caríssimo... Estava a conversar com a senhora duquesa...

Griolet, à parte Está doido... Monthabor Não é, minha senhora?... (Em voz baixa.) Não é verdade, Margot?...

Duque, com ar de escárnio A conversar?

Duquesa Sim... sim... com certeza...

Monthabor Amigavelmente... É uma mulher simpática... Estava a dizer-lhe que nos tinham posto no sótão... e ela dizia-me: É impossível, o meu marido revelou falta de tato... Penso que devem ficar alojados no primeiro andar, num dos mais belos aposentos do palácio...

Robert, estupefacto Como!... Consente! Duque Mas, minha cara amiga... Duquesa, com ar imperioso Assim o quero, Ascanio!...

Robert, surpreendido, a Griolet Que conversa é esta?

Duque, estupidificado É indiferente... (À parte.) não compreendo nada... (À mulher.) Ao menos explique-me...

Duque, admirado, à mulher Haveis dito tal coisa?

Monthabor, com vivacidade Ah! Meu tenente... se soubesse...

Duquesa, com vivacidade Sim, sim... Devemos receber o melhor que pudermos estes bravos militares...

Robert, admirado O quê?

Robert, admirado Como?

Duquesa, em voz baixa, ao duque Tratemo-los com cuidado... Não se sabe o que pode acontecer...

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Duque, à parte É verdade... (Para si próprio.) Que diplomata!... É muito forte!

Griolet Vamos... lá estarei à vontade para dar o último retoque ao uniforme de Claudine.

Duquesa, mostrando aos soldados a porta da direita Este será o vosso quarto... Vou dar ordens... para que nada vos falte. (Saúda com graciosidade.) Senhores!

Monthabor, a Robert que regressou e olha atentamente para a esquerda Vem, meu tenente? Robert, preocupado Sim, sim... vou já.

Monthabor, fazendo uma saudação grotesca ‘nhora!... Os outros dois inclinam-se. Duquesa, ao duque Vinde comigo, Ascanio...

Robert, sempre a olhar para a esquerda É ela!... É mesmo ela que vejo ali... mil vezes ainda mais bonita do que com o uniforme do convento... Ah! Porque sou eu apenas um simples tenente, sem vintém... Stella, entrando pela esquerda em vestido de baile Consegui escapar... Sufoco no meio do baile. Enxuga os olhos com um lenço.

Griolet É fantasticomagoria!...

Robert, aproximendo-se Mas o que tem ela?

Robert Ora esta! Monthabor, então agora é feiticeiro?

Stella, erguendo-se (Muito surpreendida.) Senhor Robert! Aqui!

Monthabor, modestamente Sabe, são pequenas prendas de sociedade... Mas agora não se trata disso... é preciso aprumarmo-nos para o baile.

Robert, com alegria Lembra-se do meu nome?... Stella, com vivacidade Oh! Sim!... (Interrompe-se, um pouco envergonhada por aquilo que acaba de dizer.) e do dos seus camaradas também... Durante as horas que passei junto de vós, foram todos tão bons

Griolet Sim, é preciso representar bem o regimento…

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Stella Estive a chorar...

Stella Oh! Não é segredo... vou casar-me...

Robert, depois Stella.

Robert Mas é magia...

Robert Perdão!... deste amor funesto Saberei curar-me... em breve ficarei Estendido num qualquer campo de batalha – de resto Para isso farei tudo o que puder...

Saem dançando a valsa e fazendo salamaleques.

Duque Sim... minha cara amiga... Espantosa!... É espantosa!...

Monthabor, Robert, Griolet

Robert Com efeito, parece-me ver hoje no vosso rosto...

Robert, com vivacidade Esteve a chorar? E qual é o motivo do seu desgosto?…

II — Cena 12

II — Cena 11

Stella Tal confissão...

Monthabor, segurando Griolet pela mão Griolet, vamos desenferrujar as pernas.

Sai pela esquerda.

Sai.

para mim... (Com um suspiro.) Ah!... nesse dia estava feliz, ao passo que hoje...

Stella, impulsivamente Ah! Proíbo-o! Robert Stella! Querida Stella! Terei ouvido bem o que dizeis?

Robert Casar!...

Stella Perante tão terna confissão, Digo-o em voz muito baixa, Deveis compreender O meu grande embaraço. Os meus lábios estão selados, Receio falar Pois há coisas Que é preciso adivinhar.

Stella Com um homem que detesto... Ah! Senhor Robert, que hei-de fazer? Robert, com tristeza Obedecer! Stella, tocada pela inflexão de Robert Diz-me isso num tom…

II — Cena 13

Dueto

Sai pelo fundo com muito embaraço.

Robert Olhe, serei franco consigo, Parto amanhã... é preciso, Stella É preciso que lhe diga hoje O que sinto aqui.

Monthabor, que acaba de chegar, chamando-o Robert!... Robert!... Ora esta! O que tem o tenente?... Stella, muito comovida Ah! Senhor Monthabor, o tenente Robert tem um coração valoroso e nobre!

I Ouso dizer-vos, Anjo radioso, Ah! Que só respiro Pelos vossos doces olhos. Sim, vi-vos, E desde esse dia A minha alma vencida Abriu-se ao amor. Ouso dizer-vos, Anjo radioso, Ah! Que só respiro Pelos vossos doces olhos.

Monthabor Gosta-se imediatamente dele, não é verdade? Peço desculpa... digo isto... não é por vós, é por mim... porque vós, uma menina de nobre ascendência... a filha de um duque... (À parte.) É estranho... há qualquer coisa que me perturba o cérebro... quando olho para esta jovem, parece-me que... será que, por acaso, Morgot me enganou?...

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Stella, que se dirigiu para a esquerda Vamos, é preciso regressar ao baile!...

Stella Umas vezes amarelas... outras azuis...

Monthabor, vendo-a afastar-se Vou tirar isto a limpo... (Em voz alta.) Perdão. Menina... uma palavra...

Monthabor Umas vezes verdes... um tintureiro!... (Com força.) Ah! Tinha a certeza!

Stella, com vivacidade Diga!...

Stella O que tem?

Monthabor, com embaraço É que não é muito fácil... se calhar vai dizer: o que tem este fanfarrão com isso? Mas, sabe, nós, os tambores-mores, temos por vezes ideias... Enfim! Aqui vai: é só uma pergunta... quando era criança foi criada no meio da seda e do veludo?

Monthabor O que tenho... Oh! Não estou doido... Escuta... a tua mãe divorciou-se... eu era o número um... o outro, este macaco velho, é o falso... o verdadeiro, sou eu!

Stella Meu Deus! Tenho uma recordação vaga da minha infância... mas parece-me, pelo contrário, que nessa época os meus pais não deviam ser muito felizes...

Monthabor O que quero dizer... (Pegando-lhe nas mãos.) Olha para mim... olha bem para mim, na menina dos olhos.

Stella O que quer dizer?

Stella, olhando para ele e compreendendo Sim!...

Monthabor E... o seu paizinho?... Nessa época... tinha roupas bordadas?...

Monthabor O tintureiro, o polichinelo, o tambor-mor, não fazem mais do que um... e esse um, sou eu...

Stella Oh! Não... é mesmo bastante estranho... Nestas recordações longínquas vejo-o muito diferente do que é agora... tinha outro aspeto.

Stella Vós... Meu Deus!... Meu Deus!

Stella Trazia-me todas as noites bolos, brinquedos...

Cambaleia e cai desmaiada nos braços de Monthabor. Monthabor, de cabeça perdida E agora!... que fiz eu... fi-la bonita... Minha filha, minha filha... vamos... acorda.

Monthabor, com lágrimas na voz Um polichinelo?... Stella Sim, um grande polichinelo... mas o que era mais estranho, aquilo de que me lembro muito bem, é que quando me entregava os bolos e os brinquedos, nunca tinha as mão da mesma cor...

Stella, reabre os olhos, olha longamente para Monthabor, segura-lhe a cabeça entre as mão e beija-o Meu pai!

Monthabor Ah!...

Monthabor Ah! Coriscos!... Há muito tempo que espero essa palavra... Ah! Olha, já te amava antes de saber... mas agora é completamente diferente. Uma bela rapariga como esta... minha... Com mil raios!... estou estupidificado! (Enxugando os olhos.) Quando não se está habituado...

II — Cena 14 Os anteriores, Claudine, depois Griolet. Claudine, entrando a correr pela direita Monthabor!... Monthabor O quê?... O que se passa?

Stella Há-de habituar-se meu pai pois agora nunca mais nos separaremos.

Claudine Chamam por si no aquartelamento... rápido, rápido...

Monthabor Não posso ficar aqui... não há lugar para dois pais... Aliás, sou soldado e é preciso continuar em frente.

Monthabor Está bem... vamos a isso... (a Stella, apontando Claudine.) Repara naquela vivandeira, se fosses comigo serias assim.

Stella, impulsivamente Sim... mas eu posso seguir-vos.

Sai pelo fundo.

Monthabor, comovido Bom, minha filha... obrigado!... mas não aceito.

Griolet, entrando pelo fundo Ah! Claudine… (A Claudine.) O seu uniforme está pronto, completamente pronto.

Stella Porquê?

Stella, ao fundo, ouvindo, à parte Um uniforme...

Monthabor Porque foste educada como uma princesa…comigo serias obrigada a contentar-te com a ração do soldado.

Griolet, a Claudine Está catita!... é só o que vos digo. (Apontando para a direita.) Estendi-o ali, sobre duas cadeiras.

Stella O pão da caserna... adoro-o!

Durante o segunda copla, Stella entra rapidamente no quarto da direita.

Monthabor Mas eu não quero que sejas infeliz. Ficarás com a tua mãe... virei beijar-te de tempos a tempos e regressarei contente.

Coplas I Ali está o belo uniforme, Elegante, brilhante, recém-acabado, Ao dar-lhe uma bela forma Era nas vossas que pensava! Sim, querida Claudine, enlevado, Ao fazê-lo para vós, Via apenas, confesso-o, Aquilo que estaria por baixo dele!

Claudine, chamando de fora Monthabor! Monthabor! Monthabor, rapidamente a Stella Vem aí alguém!... Já não te conheço... afasta-te...

II O corpete é o que me preocupa, Vai moldar-se sobre o vosso busto; As pregas desta bela saia

Afasta-se com a filha.

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Vão espalhar-se sobre as vossas ancas. Ao pensar que talvez em breve Ele vá envolver os vossos atrativos, Dizia para mim que bem gostaria de ser Este uniforme que não sou. (Falado.) Então! Vejamos, Claudine, está satisfeita? (Soltando um grito.) Ui!

Duquesa, surgindo ao fundo com o notário Venha, venha, senhor notário, é aqui que se vai assinar o contrato.

Claudine Griolet, estou contente convosco.

Monthabor Da men... (Emendando rapidamente.) da burguesinha?...

Monthabor O contrato!... De quem? Robert Da menina Stella!

Griolet Ora bem!... Aí está finalmente uma palavra simpática.

Robert Sim... (Com esforço.) Partamos...

Claudine Sim, com este uniforme acabarei, talvez, por agradar a Robert.

Monthabor, segurando-o Um instante... tenho de ver isto...

Duquesa Onde poderá estar? (A Bambini que entra.) Então? Duque, a Bambini Então? Bambini Nada... absolutamente nada!

II — Cena 15 Os anteriores, Robert e Monthabor, depois a duquesa e o notário.

Sobe com um ar risonho e vai receber os convidados.

Claudine É o meu fato...

II — Cena 16

Claudine Então? O que se passa, meu tenente?

Os anteriores, fidalgos e damas, depois o duque e Bambini.

Robert O que se passa é que Monthabor vem do aquartelamento e que é preciso estar preparado.

Coro Passe, senhor notário, Vamos assinar o contrato Da bela e rica herdeira Dos nobres duques Della Volta!

Monthabor Sim... o estado-maior está reunido... não sei o que se passa mas parece que há más notícias no ar.

Duquesa Sente-se... a minha filha está a chegar... Aqui está o duque que no-la trás... (Ao duque que entra.) Então?

Griolet Ah, ora! Dissipar-se-ão... Entretanto, estamos convidados para o baile e eu sinto necessidade de tasquinhar qualquer coisa.

Duque Não a encontrei!...

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Monthabor Sou eu o seu pai! Não mais mistério! Venho declara-lo bem alto, E espero Que nada na terra Nos possa vir a separar.

II — Cena 17 Os anteriores, Stella, vestida de cantineira.

Robert, entrando seguido de Monthabor Griolet!... Claudine!... Ah! Aqui estão!

Duque O quê! É o seu pai! Triste mistério. Que subitamente me aterra! À minha cólera, Nada na terra Poderá comparar-se!

Todos os coros O quê! A prometida não aparece! Chamemo-la... Stella!... Stella!

Duquesa, que se aproximou da boca de cena, à parte Estou tão inquieta... não sei o que aconteceu a Stella... Bambini e o duque procuram-na por toda a parte... e não há meio de regressarem... Aqui estão os convidados, não deixemos transparecer nada...

Griolet, zangado Outra vez!... E foi para isso que o cosi com tanto amor.

Stella Sim, é o meu pai! Não mais mistério! Venho declara-lo bem alto! E espero Que nada na terra Nos possa vir a separar.

Stella, vestida de cantineira Chamam por mim...

Robert O quê! É o seu pai! Não mais mistério! Stella acaba de o declarar. Ah! Espero Que nada na terra Nos possa vir a separar.

Todos Que vejo eu!

Duque O que é isto! Minha filha...

Duquesa Deste mistério Efémero véu, Quando acabas de te rasgar, Desespero, E vejo na terra Tudo conjurar-se contra mim.

Stella, com força Não! Não sou vossa filha... Todos Deus do céu! Que quer isto dizer?...

Griolet O quê! É o seu pai! Que raio de negócio! Quem podia imaginar! Nada, espero, Nesta terra Poderá vir a separá-los!

Stella, dirigindo-se a ele e pegando-lhe na mão O meu pai... aqui está!... Todos Ah!... Monthabor, comovido, à parte Com mil diabos! Sinto o coração aos pulos!

Claudine O quê! É o seu pai! Mau negócio! Pois vão poder adorar-se! Desespero

Conjunto geral

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E vejo na terra Tudo conjurar-se contra mim. Bambini O quê! É o seu pai! Triste mistério. Que subitamente me aterra! Desespero E vejo na terra Tudo conjurar-se contra mim.

Monthabor, entusiasmado, abraçando-a Bravo! Bravo! Minha filha, Reconheço o meu sangue! Deixa a tua nobre família E partamos imediatamente!

O duque retira o papel de seda que reveste a sua espada.

Terceiro ato

Robert, de sabre na mão Formemos um quadrado!...

Robert Então, a caminho!

Formam um quadrado, Stella e Claudine no meio, Robert, Monthabor, Griolet e o sargento Morin à volta delas, enfrentando os fidalgos de sabre na mão.

Estalagem do Leão de Ouro em Milão A cena representa uma sala de hospedaria. – Ao fundo uma porta larga e grandes janelas guarnecidas com trepadeiras e dando para a rua. – Portas laterais. – Um pequeno baú ao fundo. – No meio da cena, um caixote.

Afastam-se os cinco.

Coros O quê! É o seu pai! Triste mistério. Quem podia imaginar! Mau negócio, E que vai fazer O nosso caro duque para sair desta!

Duque, a quem um dos fidalgos veio falar ao ouvido Não! Não!... Não sairão!... Robert E porquê?

Duque Stella, que pretende fazer?

Duque Os franceses de Novare a esta hora Já partiram...

Stella Deixar-vos... e seguir o meu pai!...

Robert, Monthabor, Griolet, etc. Que diz ele?

Coplas I Que me importa um título deslumbrante, O luxo de que me rodeiam, Por um destino bem menos brilhante Abandono-os sem pesar! Não, a partir de agora já não sou Uma nobre e rica herdeira, Troquei esses dons supérfluos Pelo humilde traje de cantineira! Ah! Sou a menina Monthabor, Filha do tambor-mor!

Duque Partiram todos! Estais sozinhos na minha casa E faço-vos meus prisioneiros.

Conjunto Franceses Venham, – venham lá! Daremos conta de vós, Quem anda à chuva, molha-se! Meus senhores, a bem ou a mal, A nossa formação em quadrado Sai fazendo pouco de vós!

III — Cena 1 Clampas, italianos e italianas, homens e mulheres do povo, depois Robert e Claudine. Ao levantar do pano, Clampas está no meio da cena, rodeado pelos italianos e italianas. Clampas Chiu! Ninguém pode ouvir-nos? Ninguém pode surpreender-nos? Uma Italiana Não há perigo! Clampas Sois bons patriotas?

Desembainha a espada que está envolta em papel de seda.

Clampas, enquanto a música continua na orquestra. – Mostrando a caixa Pois bem então, escutem-me atentamente... Vêem este caixote, dirigido ao Senhor Palamos, rua Bonifacio, 27... um dos nossos... um entusiasta... O que pensam que ela contém?

Stella Prisioneiros!... Monthabor Estás a brincar, amigo... Robert, aos fidalgos que puxaram das espadas Deixem passar...

II Digo-vos com toda a franqueza, Sentia-me deslocada entre vós, Pois sob estas roupas sinto Bater o coração de uma francesa! Eis os meus verdadeiros, os meu únicos amigos Alisto-me sob o seu estandarte, É a bandeira do meu país, E, com mil raios, orgulho-me dela! Ah! Sou a menina Monthabor, Filha do tambor-mor!

Uma italiana, olhando Está escrito na tampa... (Lê.) “Massas alimentícias”.

Italianos Não! Não! Não!...

Clampas Está escrito na tampa... mas lá dentro há... (Baixando a voz.) há bandeiras francesas.

Robert, a Monthabor e Griolet Então, sabre na mão!...

Todos Bandeiras!

Monthabor, puxando do sabre Vamos dançar, Quem começa?

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Clampas Que Palamos me envia... secretamente ... e que vos distribuirei no dia em que os nossos libertadores entrarem em Milão. O caixote é levado para o fundo.

Robert Bom dias meus amigos.

Estávamos sós no grande bosque! Mas de manhã...

Uma Italiana, a Robert e Claudine Mas como vieram aqui ter?

Vede que aventura, Eis que um carro Se aproxima... (Repete-se a entrada. – Um momento de silêncio.) Para junto de nós, Claudine levanta a cabeça... Ouvem-se dois gritos... (Outra vez o mesmo.) Meu tio!... Minha sobrinha!... Dois gritos de alegria! Era Clampas!…

Claudine A história é simples.

Clampas Posso confiar em vós, não é?

Robert Foi assim:…

Todos Sim... sim...

Clampas, aos coros Esperem!...Tenho uma ideia. Por prudência façamos de conta Que dançamos uma tarantela Enquanto ouvimos!

Clampas Se vos dissesse que escondo aqui... na minha hospedaria... dois franceses... Todos Dois franceses!...

Fazem de conta que dançam enquanto Robert conta.

Clampas Um soldado... e uma vivandeira...

Robert Estávamos em Novare Alojados num castelo, Eis que sem mais nem menos, De súbito, Vejam que aventura, De repente um monte de fidalgos Atira-se a nós com a espada Na mão!

Uma Italiana Queremos vê-los... Clampas É muito perigoso... há patrulhas que passam a todo o momento... Enfim... seja!... Mas ao menor perigo... Todos Sim... sim...

Nessa altura defendemo-nos Contra esses trangalhadanças E esgrimimos Para fugir às suas garras! Pensavam que nos tinham Dominado... queriam!! Em formação quadrada Fazemos uma retirada!

Clampas, cheio de precaução, vai abrir a porta da direita, primeiro plano. Clampas, fazendo entrar Claudine Em primeiro lugar, eis a minha sobrinha, Francesa e ainda por cima cantineira.

Mas enquanto, pela sombra, Fugíamos a correr, Num bosque a noite sombria Surpreende-nos! Ao fugir das criaturas, Apontando Claudine. Encontramo-nos os dois Separados dos outros três Companheiros!

Claudine, entrando e apertando as mãos dos presentes Para vos servir! Clampas, fazendo entrar Robert Além disso, um bravo tenente, Oficial do mesmo regimento: O senhor Robert! (A Robert.) Não tenha receio, Pode corresponder às saudações.

Grito em vão... em vão chamo, Ninguém responde à nossa voz! Claudine e eu, sorte cruel,

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Claudine E Griolet, onde está ele?... Desde que não o tenho à mão para o importunar, parece-me que me falta qualquer coisa... Robert Não podemos ficar aqui... Logo à noite, Claudine e eu temos de ter voltado ao regimento... Clampas Deixar Milão... é impossível... Robert Porquê?

Robert, retomando a narrativa Por fim, traz-nos com ele, E bem escondidos de todos os olhares Sem temer que nos surpreendam, Aqui estamos ambos em Milão!

Clampas Porque acaba de ser afixado em todas as paredes um novo decreto... A partir de hoje, não se pode sair da cidade sem um salvo-conduto do governador.

Coros Ah! Que felicidade!... Trá-los com ele E bem escondidos de todos os olhares Sem temer que os surpreendam, Aqui estão ambos em Milão!

Claudine Ai! Robert Não importa!... Ultrapassaremos a ordem... logo se vê o que acontece... Claudine Vamos à sorte!... O tenente tem razão... Não há... temos de ir ao encontro dos nossos...

III — Cena 2 Robert, Claudine, Clampas. Clampas, depois de ter fechado cuidadosamente a porta do fundo Como vêem, meus amigos... a minha hospedaria é o ponto de encontro dos bons patriotas e estais em segurança em minha casa.

Clampas Esperem um pouco! Veio-me uma ideia... (Apontando o caixote que está colocado no fundo.) Palamos... um dos meus amigos... mora numa casinha... Claudine, lendo na caixa “Rua Bonifacio, 27...”

Robert, apertando-lhe a mão Obrigado, senhor Clampas...

Clampas No topo da periferia... perto das portas da cidade... Se consentisse em receber-vos em sua casa, a partir daí ser-vos-ia fácil aproveitar uma ocasião e escapar.

Claudine, beijando-o Meu querido tio!... Robert Salvastes-nos... mas os nossos pobres camaradas, o que lhes terá acontecido?... Onde está Monthabor?... Onde está Stella?...

Robert Bravo! Claudine

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III — Cena 3

Excelente ideia... e vou eu própria perguntar-lhe se consente em dar-nos asilo...

Clampas, duque Della Volta, depois Bambini.

Robert Vós, Claudine... com essa roupa...

Robert, pegando na capa e pondo-lha sobre os ombros É para já...

Duque, entrando pela esquerda e falando para os bastidores Ousar levantar a voz depois de me ter ridicularizado... é de mais!... Que vergonha!... Eu um nobre duque, ter casado com uma ex-lavadeira!... mulher de um tintureiro!... E ainda tem a audácia de me dizer que perdeu com a troca! (Voltando-se para a esquerda.) É indecente, minha senhora!...(Vendo Clampas. Dirigindo-se a Clampas.) Até que enfim, Bambini...

Robert Mesmo assim... tenha cuidado...

Clampas Perdão, signor, engana-se...

Claudine Não tenha medo, meu tenente, sou espertalhona...

Duque Não é possível!... (Pondo as lunetas.) Olha, é o estalajadeiro...

Voz do duque Della Volta, lá fora Sim, minha senhora... sou eu quem manda, ouvis!

Clampas, vendo aparecer Bambini ao fundo Mas parece-me que está ali a pessoa por que espera...

Claudine Esteja tranquilo... Não nasci ontem... Já vai ver... (Dirige-se a um baú e tira de lá uma touca e uma capa de camponesa.) Isto serve. Vamos, com mil raios, ajudem-me!

Robert Este voz... parece-me...

Afasta-se e sai.

Clampas É um senhor de idade que veio ontem alojar-se aqui com a mulher... Estão o tempo todo a discutir... têm má pinta... (A Robert.) Retire-se depressa para o seu quarto...

Bambini, ao fundo, avistando Della Volta e aproximando-se dele Ah!... Caro duque... Duque Aproxime-se... começava a temer que tivesse renunciado aos seus projetos de casamento.

Robert, entrando à direita Sim...

Bambini Eu?... de todo... Não me conhece... as dificuldades excitam-me... Preciso de Stella, quero-a!...

Clampas, a Claudine E tu... raspa-te a galope... Claudine sai.

Duque Sim... estou convencido que quem no-la roubou, o tal Robert, se refugiou em Milão. Se o apanhamos fica o caso resolvido...

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Bambini É evidente...

Bambini Corro a anunciar a boa nova ao governador... não poderá recusar-nos mais nada.

Duque Ah! Bom, e vós?... Vindes de casa do governador de Milão... ele deu-vos o salvo-conduto que agora é necessário para circular sem ser incomodado?

Duque É isso... vá, vá... Eu corro a vestir uma casaca e a receber esse jovem... poderá ser-nos útil.

Bambini Vai enviá-lo daqui a pouco. E é tanto mais simpático da sua parte quanto o pobre governador está, ele próprio, mergulhado em grande inquietação...

Bambini Perfeito... até já. Sai rapidamente pela esquerda, segundo plano. – o duque sai pela esquerda, primeiro plano. – Gritos e aclamações lá fora:

Duque Ora! E porquê?

Viva monsenhor!...

Bambini Por causa do sobrinho. Devia chegar hoje a Milão... e não há notícias!... Teme-se que tenha sido atacado no caminho...

III — Cena 4 Griolet vestido de monsenhor, Monthabor em hábito de capuchinho, Clampas, criados e criadas da hospedaria.

Duque Seria lastimável... (Grande ruído no exterior, som das rodas de um carro. – Aplausos.) Han? O que é isto?

Griolet Pronto, meus amigos, pronto!

Bambini, olhando para o fundo É uma carruagem que pára à porta.

Monthabor, no fundo dirigindo-se ao grupo Ide, meus irmãos, e que a paz do Senhor esteja convosco... Dominus Domino...

Duque Uma carruagem...

Clampas, inclinando-se perante Griolet Monsenhor... quanta honra para a minha casa!...

Clampas, entrando a correr Sim... e nessa carruagem vem o sobrinho do governador!...

Griolet, com ar de grande senhor Chega, estalajadeiro... dizei ao meu cocheiro para vir receber as minhas ordens...

Duque e Bambini Ah! Ora! Clampas Vem para o meu estabelecimento... que honra!... (Aos gritos.) Beppo!... Josepha!... Catarina!... Rápido, rápido!...

Clampas Sim, monsenhor... Sai com os criados.

Acorrem vários criados.

Griolet, com a voz natural, a Monthabor Já está!...

Duque, a Bambini Então sempre apareceu...

Monthabor, da mesma forma Aqui estamos!

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III — Cena 5

Põem-se em frente um do outro, olham-se e começam a rir.

Monthabor, Griolet, Della Volta de casaca, depois Stella.

Griolet Raio de tambor-mor!... Sabe que teve uma ideia de génio?

Duque, entrando, em traje de cerimónia Onde está ele?... (Olhando de soslaio.) Ah! Ali está!... Que ar nobre. (Saudando.) Monsenhor!

Monthabor Assim o creio, meu rapaz... enfim! Tínhamos sabido que Robert estava em Milão, era preciso vir ter com ele.

Griolet, à parte O velho do palácio!

Griolet Sem dúvida... mas como?... esse era o busílis!

Monthabor, à parte (A Griolet.) Aguenta-te...

Monthabor Sim... dávamos volta ao miolo quando, de repente passa na estrada uma carruagem conduzida por um jovem cocheiro inglês... Na carruagem estava o sobrinho do governador acompanhado por um gordo capuchinho.

Griolet Não tenhas arreceio... (Ao duque.) A quem tenho a honra?... Duque, inclinando-se O duque Della Volta, para vos servir.

Griolet Como alfaiate... sempre! Stella Dê sumiço às lunetas, eu trato do resto. Duque, aproximando-se Ah!... É o cocheiro? Monthabor, entretendo o duque enquanto Griolet se movimenta Sim, meu querido irmão... é o cocheiro... aquele que nos conduz... conductor omnibus... um rapazote muito inteligente. Griolet, por trás do duque, corta o cordão das lunetas que caem no chão, à parte Já está... (Pegando nas lunetas.) Apanhei-as! Duque, respondendo a Monthabor Deve ter cara de maroto... (Apalpando-se.) Onde diabo meti as minhas lunetas?

Monthabor Com requintada delicadeza... e pedimos-lhes as roupas emprestadas...

Griolet Ora essa, caro duque, muito gosto, com os diabos! (Monthabor dá-lhe uma grande cotovelada.) Oh!... (Ao duque admirado.) Perdão, uma cólica de estômago. (Em voz baixa, a Monthabor.) Depressa! É preciso prevenir Stella...

Griolet Com requintada delicadeza...

Monthabor, em voz baixa Vou já...

Griolet, sem pensar Cinquenta e três anos.

Monthabor Vestimo-las... e Stella de chicote transformou-se em cocheiro!

Stella, entrando disfarçada de cocheiro inglês Monsenhor querer falar comigo...

Duque, admirado Como?

Griolet Disparamos a galope... enquanto os três desafortunados viajantes...

Monthabor Está tudo estragado!... (Em voz baixa a Stella, apontando para Della Volta.) O duque...

Griolet Obrigamos os três a descer.

Monthabor, rindo Ficavam na estrada...

Stella, reprimindo um gesto de terror Oh!... (Em voz alta a Griolet.) What are the orders of monsignor? [Quais são as ordens de monsenhor?]

Griolet, rindo Com uma roupa... leve, leve... Monthabor, igual Ora! Faz tanto calor! (Vendo abrir-se a porta da esquerda.) Oh! Vem aí alguém! Silêncio nas fileiras!

Griolet Ya... (À parte.) Que quer ela dizer? Stella, em voz baixa a Griolet Tem a sua tesoura?...

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O rei Dos beautiful cocheiros! [Dos belos cocheiros!] Aoh! Yes, o gentil Pretty [Belo] Pequeno cocheiro! If you please [Se fizer favor] não tenho rival Conduzo com elegância e força Um horse, Um cavalo, Dois horses, três horses All right [Pois sim], cinco, seis, é-me indiferente! Nunca tive uma única queda, Sou hábil; Yes, comigo Não há cambalhotas! Conduzo break, dog-cart, mail-coach, Brougham, landau, bus, stage coach, Buggy, berlin, cab, hackney-coach Sou o pequeno cocheiro Etc. Monsenhor gostava das belas misses, Mas tinha um temperamento inconstante, Conduzi mais de dez E todas de cor diferente, Umas black, [negras] Umas fair, [claras] Umas brown, [castanhas] Umas white, [brancas] Umas green, [verdes] Umas blue, [azuis] As red carrot! [cor de cenoura] Pois sim! Pois sim! Hip! Bip! Hip!

Duque, continuando a apalpar-se Ainda agora as tinha... (A Griolet.) Tendes este rapaz ao vosso serviço há muito tempo, monsenhor?...

Stella, com vivacidade Cinquenta e três anos de pai para filho... éramos todos cocheiros na família de mim.

Sou o pequeno cocheiro Etc.

Coplas Sou o pequeno cocheiro, A very nice cocheiro [Um cocheiro muito simpático] Corro Sempre, sempre, Corro Sem parar! Yes, sou eu, Creio,

Duque É muito engraçado... muito engraçado... (Apalpando-se e continuando a procurar as lunetas.) Monthabor, dando-lhe um murro Mas vós, senhor duque, com que fim dais às gâmbias por aqui?

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Duque, admirado Às gâmbias?

Duque, muito inquieto Continuai... continuai... e então?

Griolet dá um murro a Monthabor.

Stella Oh! Então monsenhor fez subir a linda miss para a carruagem e disse a mim, baixinho, para a levar para o seu pequeno casa dos subúrbios.

Monthabor Quero dizer, às sandálias. Duque Estou à procura de uma jovem...

Duque Deus seja louvado, é a minha filha!

Monthabor, em voz baixa a Stella É a ti que procura... tens de afastar-te rapidamente...

Monthabor, Griolet e Stella, fingindo-se espantados Vossa filha!

Stella, em voz baixa Eu trato do assunto... (Em voz alta ao duque, retomando a pronúncia inglesa.) Oh! Ser muito engraçado... Monsenhor ter encontrado giustamente esta manhã uma jovem miss...

Duque E suplico-vos que ma devolvais... a minha fortuna depende disso... Griolet Basta... Ou somos trovadores ou não somos... (Ao duque.) Restituo-vo-la...

Duque, a Griolet De verdade... conte-me lá então...

Griolet Mas lamento-o... assentava-me como uma luva... (Reparando em Stella que lhe traz uma pena e papel.) Vou escrever um bilhete.

Stella Bom! Yes... Esta manhã conduzia eu monsenhor a Milão... quando, no momento de entrar na cidade, o meu amo vê, pela portinhola, uma jovem menina que estava sentada em cima da estrada e que chorava. Era muito linda no seu fato de vivandeira...

Escreve. Monthabor Muito bem, meu filho... (Ao duque.) Basta-vos entregar este bilhete à aia.

Duque, com vivacidade Vivandeira... estava vestida de vivandeira?

Griolet, entregando o bilhete ao duque Aqui está a carta...

Stella Oh yes... vivandeira francesa... dezassete ou dezoito anos... cabelo loiro e olhos negros...

Duque Obrigado. (Olhando para ela.) Perdão... haveis esquecido a morada...

Duque, à parte A descrição de Stella... (Com vivacidade.) Continuai...

Devolve-lha. Griolet, embaraçado, fazendo-a girar nas mãos Ah! Pois... pois... a morada...

Stella Então monsenhor desce da carruagem para consolar a pequena... e ela confissar-lhe que ela ter fugido de casa dos seus pais... que tinha perdido os companheiros de viagem e que não sabia o que iria acontecer-lhe.

Monthabor, à parte, a Stella Que morada havemos de dar?

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Stella Não sei... (Olhando para o caixote.) Ah! Ali está uma, no caixote... (Lendo e segredando a Monthabor.) “Rua Bonifacio, 27.”

Robert, correndo ao seu encontro Vós!... vós aqui... Ah! Meus amigos! Mas o que aconteceu?... estas roupas? Stella Explicaremos tudo mais tarde...

Monthabor, segredando a Griolet Rua Bonifacio, 27.

Griolet, a Robert E Claudine... Claudine... onde está ela?

Entrega a carta ao duque.

Robert Regressará dentro de instantes...

Duque Ah! Monsenhor, mil agradecimentos, fico a dever-vos mais do que a vida, fico a dever-vos a minha fortuna... (Saindo.) Vitória! Tenho-a na mão!

Entra Clampas. Monthabor, tossindo ao ver Clampas Hum!... Hum!... Alguém!

Sai rapidamente pelo fundo.

Robert Oh! Não tenham receio... (A Clampas.) Clampas, estes são os meus amigos...

III — Cena 6

Clampas Ah! Ora! Se são teus amigos também são meus.

Monthabor, Stella, Griolet. Stella Até que enfim, foi-se embora!

Monthabor Meus filhos, cheira a esturro... o tempo urge.

Griolet Que alívio!

Stella, a Robert A nossa carruagem está lá fora... partireis connosco...

Monthabor Uff!... (Atirando com o capuz e abrindo o hábito.) Abafo com isto vestido...

Griolet Temos de esperar por Claudine...

Stella Agora, toca a agir... Griolet Trata-se de saber se é aqui que o nosso tenente está escondido

Robert Partir!... Mas não é possível sair da cidade sem um salvo-conduto...

III — Cena 7

Clampas Ah!... e o governador que acaba de mandar um ao duque Della Volta! Stella Tem-no consigo?

Os anteriores, Robert, depois Clampas. Robert, entreabrindo a porta da direita Já não oiço nada...

Clampas, pesaroso Não!... Como ele não estava, acabo de o entregar à sua mulher.

Os três, reconhecendo-o É ele!...

51


Griolet E agora, que havemos de fazer?

Duquesa Preciso de vos consultar sobre um caso de consciência e peço-vos o favor de me ouvir.

Duquesa, nos bastidores Ascanio!... Onde estais, Ascanio?

Monthabor Com certeza... (À parte.) Vai confessar-se a mim, vou ouvir das boas... (Cruzando as mãos sobre o estômago.) Comece, minha filha!

Agitação. Monthabor É a voz de Margot... vem para aqui. (Com voz forte.) Meus filhos, deixem-me com a minha ex... ela tem o salvo-conduto... nós precisamos dele!... e eu obtê-lo-ei!... (À parte.) nem que tenha de a estrangular.

Duquesa Primeiro é preciso que saiba que fui casada duas vezes. Monthabor Não é de mais.

Robert Mas...

Duquesa Depende. Porque recentemente…

Monthabor Digo-vos que me deixem... eu trato do assunto.

Monthabor Então... falai... recentemente…

Robert, empurrando Griolet Vamos, Griolet... obedeçamos.

Duo

Stella, empurrando Clampas E nós vamos certificar-nos que a carruagem está pronta.

Duquesa Perante mim, contra toda a expectativa, Comparece o meu primeiro marido...

Robert e Griolet saem pela direita. – Stella empurra Clampas e desaparece com ele pelo fundo.

Monthabor Desperta-me um grande interesse, Continuai, minha filha. Duquesa O seu gorro de pelo, pitoresco, Tinha um penacho gigantesco!

III — Cena 8 Monthabor, duquesa.

Monthabor Faz parte do equipamento, Continuai, minha filha.

Duquesa, entrando pela esquerda Ascanio!... Como! Não está aqui!... Já não tem qualquer consideração. Um reverendo!... Ah! Preciso de pedir-lhe conselho... (Aproximando-se.) Senhor padre...

Duquesa Devo dizer-vos que quando vi O grande penacho, comovi-me!

Monthabor, com compunção O que desejais, minha filha?

Monthabor Compreende-se facilmente, E aprovo-vos absolutamente.

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Conjunto

Duquesa, cobrindo os olhos com as mãos Ah! É horrível... não é verdade?

Duquesa Senhor padre, senhor padre! Não penso senão nele, Veja, por mais que faça... É tão agradável!

Monthabor Não, não... é bastante natural. Duquesa Natural!... o que diz?

Monthabor Compreendo, minha cara! Não pensa senão nele E, por mais que faça... É tão agradável!

Monthabor Digo... (Atirando de repente o capuz para trás e estendendo os braços à duquesa.) Eh! Com mil raios, Margot, vem cá que quero beijar-te!

Duquesa Desde esse dia, confesso, Estou sempre a ver o meu Bernard.

Duquesa, atirando-se para os seus braços Bernard!...

Monthabor Isso explica-se naturalmente, Continuai, minha filha.

Monthabor, beijando-a Safa!... Duquesa Tu aqui!... Em Milão!...

Duquesa Acho que tem um belo aspeto, Presença distinta, porte másculo.

Monthabor Sim... Estou aqui com a nossa filha...

Monthabor É um ser cheio de encanto, Continuai minha filha.

Duquesa Com Stella?

Duquesa E nas minhas longas insónias, Revejo os seu adereços militares.

Monthabor, com vivacidade Sim, mas precisamos de fugir o mais depressa possível... e visto que agora és dos nossos, vais dar-me o salvo-conduto que tens na algibeira.

Monthabor Faz parte do equipamento, E aprovo-vos absolutamente.

Duquesa, hesitando Mas... mas o duque!

Conjunto

Monthabor, intensamente Vejamos! Queres salvar-nos, sim ou não?

Duquesa Senhor padre, senhor padre! Não penso senão nele, Veja, por mais que faça... É tão agradável!

Duquesa, entregando-lhe o salvo-conduto Pega... Bernard! Aqui está! Monthabor, beijando-a Em boa hora!... Decididamente, Margot, és uma boa rapariga... (Dirigindo-se à porta da esquerda e abrindo-a.) Griolet... mau tenente... venham!

Monthabor Compreendo, minha cara! Não pensa senão nele, E, por mais que faça... É tão agradável!

Robert e Griolet, entrando O que se passa?

53


III — Cena 9

Monthabor, à parte Não é possível!

Monthabor, duquesa, Robert, Griolet, Clampas, depois o duque com quatro esbirros, depois Stella.

Duque Vestida de vivandeira... não há engano possível...

Monthabor, mostrando o salvo-conduto Já o tenho, já o tenho!... A caminho, meus filhos.

Griolet, em voz baixa a Monthabor Mas então, é Claudine.

Robert E Stella?...

Monthabor, em voz baixa Chiu!

Monthabor Não pode estar longe... vamos procurá-la.

Duque E conduziram-na imediatamente ao palácio do governador! Trata-se do meu triunfo!... (À duquesa.) Agora tenho a certeza que desposará Bambini. Encontrei um meio irresistível... mas para isso preciso de vós... Vinde, vinde e vereis...

Afasta-se com Griolet, o duque Della Volta aparece ao fundo. Clampas, a Robert Senhor Robert...

Desaparece com ela pelo fundo.

Duque, aos esbirros apontando Robert Prendam aquele homem!

Monthabor Que quer ele dizer?

Todos Ah!

Stella, entrando pela direita Está tudo pronto... podemos partir... (Olhando à volta.) Mas onde está Robert?

Robert, à parte Apanhado!... mas sozinho! (Fazendo um sinal aos outros.) Silêncio. (Aos esbirros.) Aqui estou!

Monthabor e Griolet Preso! Stella Preso!... Que dizem?

Afasta-se com eles até à porta do fundo. Duque, à duquesa, esfregando as mãos Vamos, hoje tudo me corre bem... a nossa filha reapareceu... os meus homens acabam de a deter. Ah! Monsenhor!... Ah! Reverendo padre!... Que grande serviço me prestaram...

Monthabor Mas nós temos o salvo-conduto, estamos livres e salvá-lo-emos... Venham, venham!

Monthabor Um serviço?... nós?

Quarto quadro

Griolet, pasmado Ah! Ora!

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case com Bambini.

Clampas, italianos e italianas.

Bambini E ela consentiu?

Clampas, entrando Conhecem a novidade Que se repete em voz baixa?

Duque Imediatamente, sem hesitar.

Italianos Não, falai... qual é? Nós não a conhecemos...

Bambini, suspirando Eu que tinha sonhado com um casamento de amor.

Clampas Os franceses, Dentro em pouco, Entrarão em Milão...

Duque Então?... De que vos queixais, ela casa convosco por amor. Bambini Por um outro... não é a mesma coisa.

Todos, mostrando as bandeiras escondidas sob as roupas Que venham!... Estamos à sua espera!

Duque É sim, vai dar ao mesmo... tomei imediatamente todas as medidas necessárias. Neste momento, a duquesa veste-a... pois eu declarei que queria vê-la apenas no momento da cerimónia... e daqui a pouco haveis de a conduzir ao altar... mas devem estar à nossa espera. Vamos, venha...

Clampas, vendo entrar o duque e Bambini Chiu! Cuidado E calai-vos! Observam-nos, Separemo-nos! Os italianos separam-se e afastam-se. O duque e Bambini avançam, conversando um com o outro.

Bambini Não interessa, preferiria ser desposado por mim próprio.

III — 4º Quadro — Cena 2

Sai com o duque.

Os anteriores, duque, Bambini, um esbirro. Duque, ao esbirro Leve esta ordem à prisão e que este oficial seja conduzido imediatamente para fora da cidade.

III — 4º Quadro — Cena 3

O esbirro saúda e sai.

Italianos ao fundo, Clampas, Robert vestido com um casaco comprido e com um grande chapéu na cabeça chega pela direita conduzido por dois esbirros.

Uma praça pública em Milão

Bambini Vai então dar liberdade ao tal Robert?

Robert, vendo Clampas Clampas... Ah! Meu amigo...

À direita, em primeiro plano, a estalagem de Clampas. – Em segundo plano, o pórtico de uma igreja. – À esquerda, em primeiro plano, uma casa com uma varanda, depois uma rua em perspetiva. – Ao fundo à direita uma ponte real.

Duque Eh! Sem dúvida... um rasgo de génio!... era o único meio de obrigar Stella a obedecer. Encarreguei a minha mulher de lhe dizer simplesmente isto: Robert está nas nossas mãos, se quer salvá-lo,

Clampas, estupefacto Robert!...

Saem todos pela esquerda.

Duque Sem dúvida, os meus esbirros encontraram logo a minha filha na morada que me indicaram.

III — 4º Quadro — Cena 1

Robert Sim, sou eu... Estou livre sem que me tenham dito porquê;

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Robert Pois bem, quero ver a sua face. (Afasta o véu da noiva.) Claudine!

Mas tenho de sair imediatamente da cidade... Clampas Para vós é a salvação...

Claudine Está descoberta a marosca!

Robert A minha salvação... pouco me importa. Stella!... que fizeram dela?...

Todos Céus! Que vejo eu? Não é Stella!

Clampas Ignoro-o... parti!

Claudine, a Robert Que Deus o abençoe! Julgava-o bem longe daqui, Ia aguentar o meu papel... Até ao momento de dizer: sim!

Robert Não... não... quero saber... Ouve-se o som dos sinos.

Coros Ora esta! Era Claudine!

Os sinos... escutai...

Duque Faziam pouco de mim!

III — 4º Quadro — Cena 4

Bambini Vai, imagino, Vingar-se...

Robert, esbirros, duque dando a mão a Claudine coberta com um véu e em vestido de noiva. Bambini dando o braço à duquesa. Cortejo de fidalgos e damas, Clampas, povo.

Duque Pode crer que sim. (Aos esbirros, apontando Robert e Claudine.) Agarrem-nos Imediatamente, E castiguem-nos Neste instante!

Coro do cortejo Dirijamo-nos à igreja, E, segundo o costume, Felicitemos os esposos Pelo seu casamento. Duquesa, à noiva Vamos, minha filha... vamos Stella.

Povo e Clampas Não, não! Saberemos defendê-los.

Robert, fugindo aos esbirros Stella! Diz ela... Ah! Ei-la!... Sim, compreendo... casam-na E é para me salvar a vida... (Avançando e tirando o casaco e o chapéu.) Parem!...

Robert, libertando-se Amigos, obrigado!... Devo render-me. Vai, com Claudine, entregar-se aos esbirros. Duque Depressa, para a prisão!

Todos Um francês!...

Duquesa Não há mais esperança!

Duquesa, a Robert Enganais-vos, juro-vos.

Claudine, a Robert O que está a fazer?

Griolet É certo... Desposai-me... sou eu que vos convenho...

Robert O meu dever!

Claudine Tendes razão... aqui está a minha mão!

Robert, erguendo-se vibrante Oiçam!...

Monthabor, à duquesa Margot, só há uma coisa a fazer, (Apontando Robert e Stella.) Casemos depressa estes dois jovens...

Todos, estendendo a orelha Oiçam!... Claudine Esta entoação militar...

Duquesa De bom grado...

Robert É o Chant du départ!... Ah! Reconheço-o.

Duque Mas...

Todos Silêncio!...

Monthabor, ameaçando-o com o seu bastão Tu, cala-te!

Clampas, ao fundo, gritando São os franceses!

Duque, aterrado Estou arruinado!... Patifes!...

Todos Os franceses... nossos amigos, nossos irmãos! Ah! Recebamo-los aqui como salvadores!

Robert, a Monthabor Faremos uma só família, Pai Monthabor... Stella E viva a filha Do tambor-mor!

Todos os italianos Aqui estão!... Viva!... Aqui estão! Duque É tempo de fazer Uma reviravolta. Viva, viva os franceses! Meus amigos, esperava-vos!...

Copla (Ao público.) Para vos divertir Combatemos a torto e a direito, Se quiserem aplaudir, Teremos ganho a batalha. O barulho nunca me meteu medo; Se têm dúvidas, experimentem!... Batam, meus senhores, com vigor, Batam com força... nada me assusta!... Sou a menina Monthabor, Filha do tambor-mor!...

Robert, a Stella Nos meus braços, que enlevo, Aperto-vos. Stella Não mais haverá tristeza, Serei vossa, Robert, para sempre! Claudine, olhando Robert e Stella Vamos, percebo... a coisa é clara, Jamais me amará...

Fim

Tradução: Adriana Latino (janeiro 2019)

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CHRONICA OCCIDENTAL 1 de junho de 1894

A inauguração do theatro de D. Amelia, o novo theatro da rua do thesouro Velho, a que já nos referimos largamente na nossa última chronica, foi, como era de prever e como de justiça era, o acontecimento culminante da semana.

A curiosidade que essa inauguração despertou foi tão grande, que fez com que se cobrisse quasi que totalmente a assignatura para os 15 primeiros espectaculos d’ esse theatro, apesar dos preços elevados d’ essa assignatura e de se tratar d’ uma companhia d’ opereta italiana, genero que entre nós nunca teve grande successo. Mercê do bom gosto de Guilherme da Silveira, o ilustrado director gerente do novo theatro, e dos seus distinctos conhecimentos artisticos, essa companhia sahiu boa, mas o publico cobriu a assignatura sem saber se ella seria boa ou má – porque em Portugal não se sabe nada do que se passa lá por fóra em teatros, excepto nos de Paris e ignorava-se portanto se

Em toda a parte, mesmo nas cidades mais populosas e movimentadas, a inauguração d’um theatro novo é sempre um caso que dá nas vistas e atrae as attenções do publico; é fácil de imaginar portanto o que seria a inauguração de um grande theatro, d’um theatro que vem trazer uma nota nova aos teatros de Lisboa e do qual se diziam maravilhas, n’um cidade como a nossa, onde as attenções da população não teem muito que fazer e onde uma muar do americano, que escorrega na calçada, ou um empregado dos telefones que anda pelas ruas da baixa encarrapitado nas suas escadas altissimas a concertar os fios escangalhados, tem a miudo as honras de acontecimento sensacional. 59


enthusiasmos – o que não admira dada a friesa e gravidade solemne e systematica, com que o nosso publico, ha um tempo para cá, assiste as primeiras representações e dada também a escolha da peça de abertura, que nunca teve grande successo em Lisboa – a Filha do tambor mór. De todas as operetas de Offenbach que se tem dado na nossa terra a Filha do tambor mór é a que menos tem agradado sempre e nem o seu poema, nem a sua musica tiveram nunca entre nós successo comparavel ao da Gran Duqueza Barba Azul, Perichole, e Brigauds. O desempenho que lhe deu a companhia foi regular, mas não teve nada de notavel. Teve um exito de ensemble, de boa mise en scéne, mas não teve successo accentuado de estrellas. Não houve nenhum artista que desafinasse no conjuncto do desempenho, mas tambem não houve nenhum que se evidenciasse notavelmente, que entre todos desse nas vistas e d’ ahi a ausencia de grandes enthusiasmos. A sr.ª Soares, a actriz que fez o papel de filha do Tambor môr, e o actor que fez o papel de tenente Roberto foram os dois artistas que mais agradaram na peça da estreia, este pela sua bonita voz e pela arte com que cantou, aquella já como cantara tambem; mas principalmente como actriz, porque tem graça, vivacidade e alegria.

os artistas que figuravam no elenco tinham ou não boa cotação no mercado teatral – e correu a tomar lugares para essas recitas unicamente pelo interesse e pela curiosidade de assistir á inauguração do novo theatro. Essa inauguração que, quando nós escrevemos a nossa ultima chronica, estava annunciada para o dia em que essa chronica se devia publicar, segunda feira 21, realisou se no dia immediato, terça feira 22, anniversario do casamento de Suas Magestades El-Rei D. Carlos e rainha D. Amelia e ainda bem que se realisou n’ esse dia, porque tratando-se d’ uma recita de gala, todos os espectadores, senhoras e homens, foram para o theatro vestindo toilette de gala, o que deu á elegantíssima sala do theatro de D. Amelia um aspecto verdadeiramente festivo e distincto. O theatro teve uma enchente enorme e a impressão produsida pela formosa sala, pelo elegante jardim envidraçado que serve de botequim, pelo artistico e riquissimo foyer da 1ª ordem fez em toda a gente a mesma impressão de deslumbramento, em que já aqui tinhamos fallado, todos estavam maravilhados, encantados, com o novo theatro e todos tinham rasão de estar, porque, como já dissemos, o theatro de D. Amelia é o mais elegante e bonito de todos os nossos theatros. A companhia italiana agradou, sem despertar comtudo grandes 60

Lisboa com aquelle formoso theatro, que é o mais elegante e mais luxuoso não só da capital como do paiz inteiro. Pois na primeira noite, o publico todo entregue á sua preoccupação de ser austero, grave, reservado, nem sequer se lembrou que devia a esses heroicos emprezarios e a esses excellentes artistas decoradores o prazer que os seus olhos estavam gosando n’ aquelle theatro, que excede tudo o que por cá havia. Felizmente a imprensa remediou esse esquecimento do publico, não poupando elogios, elogios que elles merecem bem, tanto a Rossi e a Manini, os dois distinctissimos artistas que derigiram a decoração do theatro e do jardim, como a Guilherme da Silveira, Visconde de S. Luiz de Braga, Miranda Ramos e Celestino da Silva os corajosos empresarios que se abalancearam a esse arrojado commettimento.

Os comicos fizeram rir por vezes mas pareceram-nos um pouco exaggerados n’esta peça, procurando os seus effeitos pelo feitio buffo italiano a que nós não estamos muito habituados. As operas cantadas nas outras noites – a Perichole e a Mascotte, operas a que não assistimos, agradaram muito mais que a primeira, o que não admira porque alem d’ essas operas serem muito mais do agrado do nosso publico, os artistas estão já muito mais á vontade, sem as hesitações inherentes a uma estreia perante um publico completamente desconhecido e porque o publico já despiu a solemne toga de juiz severo que ultimamente entendeu ser elegante adoptar como toilette para assistir ás primeiras representações. E foi essa toga de juiz que o obrigou a praticar na noite da inauguração do theatro de D. Amelia uma injustiça flagrante, não se lembrando de chamar á scena e de applaudir, com os applausos a que eles tinham incontestável direito, os artistas ilustres que tão distinctamente decoraram o theatro D. Amelia, e os cinco emprezarios d’ aquella nova sala de espectaculos, que mais por amor da arte que por amor dos seus interesses – porque é claro que fazendo um theatro d’ aquellas mesmas dimensões, mas sem aquelle luxo, aquella elegancia, ganhavam o mesmo dinheirto gastando muito ménos – dotaram

Gervasio Lobato

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A FILHA DO TAMBOR-MOR, DE JACQUES OFFENBACH DE 22 A 26 DE MAIO, SEMPRE COM ENTRADA LIVRE.

Diรกrio Ilustrado, 13 de julho de 1894


© A Tarumba

A FILHA DO TAMBOR-MOR SÃO LUIZ 125 ANOS O Theatro D. Amelia, projeto do arquiteto francês Louis-Ernest Reynaud, modificado em Lisboa por Emílio Rossi e com um fresco do cenógrafo Luigi Manini, é inaugurado em 22 de maio de 1894, no dia do oitavo aniversário do casamento da rainha com D. Carlos I, que não faltam à ocasião. Os jornais da época noticiam a “enchente collossal” na estreia de A Filha do Tambor-Mor, de Jacques Offenbach, pela Companhia Gargano, com os espectadores “vestindo toilette de gala”.


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