Por dentro da Força Aérea Ucraniana

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| ENTREVISTA |

Por dentro da

Força Aérea

Ucraniana Tecnologia & Defesa entrevistou o seu comandante, coronel-general Sergii Drozdov Kaiser David Konrad

urante muitos anos a Força Aérea Ucraniana (FAU) sofreu com o baixo orçamento, drásticos cortes pós-soviéticos e uma rápida perda de pessoal qualificado. Hoje, está tentando se reerguer como uma poderosa força de combate. A missão agora é evitar que a Rússia, a segunda maior potência aérea do mundo, interfira na integridade e independência do país. Com enxames de aviões de guerra russos cada vez mais próximos das fronteiras da Ucrânia, a instituição está treinando mais pilotos e modernizando suas aeronaves. Mas a frota envelhecida está chegando perto do fim de sua vida útil. Na próxima década, ela precisará de uma nova frota de aviões modernos capazes de conduzir um espectro completo de operações. Em 1991, a 10 TECNOLOGIA & DEFESA

Ucrânia independente emergiu como a terceira maior potência aérea do mundo, atrás dos Estados Unidos e da Rússia. A Ucrânia herdou uma impressionante quantidade de mais de dois mil aviões de guerra, incluindo 44 bombardeiros estratégicos pesados ​​Tu-22 e Tu-160, divididos em quatro comandos aéreos operados por 122.000 militares e 27.000 civis. Era capaz de cumprir todos os tipos de tarefas, incluindo o fornecimento de armas nucleares táticas e armas convencionais guiadas e não guiadas. Contudo, os anos seguintes não trouxeram nada além de decadência e cortes. Em conformidade com o Memorando de Budapeste, de 1994, a Ucrânia se livrou de seu estoque nuclear e eliminou seus bombardeiros estratégicos em 1998, sob garantias de segurança da

Rússia, dos Estados Unidos e do Reino Unido. Somente a Ucrânia cumpriu sua parte nos acordos. Outras aeronaves foram vendidas em dúzias. Entre 2007 e 2017, de acordo com dados fornecidos pelo Serviço Estatal de Controle de Exportação, foram vendidos até 65 jatos de combate (Su-27s, Su-25s e Su-22s, MiG-29s e MiG-21s), 41 L-39 Albatros de instrução, seis aeronaves de transporte militar An‑72, An‑74 e An-12, três tankers Il‑78, 50 drones de reconhecimento Tu‑143, 44 helicópteros Mi‑24 e 802 mísseis de vários tipos (principalmente mísseis ar-ar R-24, R-27 e R-73 e o míssil de cruzeiro lançado no ar Kh‑59). Isso trouxe milhões de dólares, mas desde 1991 a FAU não recebeu uma única aeronave nova.


Fotos do autor

Cortes severos de pessoal e o fechamento de comando aéreos começaram a acontecer. De acordo com o Ministério Público Militar, até 19 unidades da FAU foram desmanteladas apenas em 2012–2014. Isso acabou levando o poder aéreo da Ucrânia a ficar totalmente paralisado após a invasão da Crimeia pela Rússia, no início de 2014. A rendição foi um golpe devastador para a FAU, que perdeu sua melhor infraestrutura na península e 126 aeronaves. A Ucrânia mais tarde conseguiu recuperar apenas 92 dos aviões - os russos decidiram manter o resto. Mas a eclosão de guerra por procuração do Kremlin no Donbas mostrou que o pior ainda estava por vir e, apesar das deficiências ocasionadas por anos de desmantelamento e baixos orçamentos, o poder aéreo ucraniano

desempenhou um papel importante nas primeiras batalhas de Slovyansk e Kramatorsk, na primavera de 2014, bem como na luta sangrenta pelos aeroportos de Donetsk e Ilovaisk. A pior parte aconteceu na noite de 14 de junho de 2014, quando um avião de transporte Il-76MD foi derrubado pelas forças lideradas pela Rússia sobre o aeroporto de Luhansk. Todos os 49 homens a bordo, incluindo 40 paraquedistas e 9 tripulantes, foram mortos. O envolvimento ativo da FAU na guerra terminou efetivamente no início de setembro de 2014, quando, após a derrota esmagadora e o massacre das forças ucranianas pelas tropas russas regulares em Ilovaisk, Moscou proibiu totalmente o uso do poder aéreo como pré-condição para o primeiro Acordo de Paz de Minsk,

que mais uma vez só foi respeitado pela Ucrânia. Durante a guerra, a Força Aérea Ucraniana perdeu 51 membros, entre esses 16 pilotos. Atualmente, cerca de 50 mil funcionários atuam na FAU, com sede em Vinnytsia, uma cidade de 370 mil habitantes localizada a 200 quilômetros a sudoeste de Kiev. A Força Aérea tem 125 aeronaves disponíveis na linha de voo, prontas para combate. O acervo conta com 37 caças MiG‑29 e 34 Su‑27, 14 aviões de ataque Su‑24M, 31 aviões de apoio aéreo Su‑25, nove Su-24MR e três aviões de reconhecimento Antonov An‑30, 31 jatos de treinamento e ataque leve L‑39, cinco aeronaves de transporte Ilyushin Il-76 e três An‑26. Estão ainda disponíveis 14 helicópteros Mi‑9, 30 Mi‑8 e dois Mi‑2. O céu ucraniano também é TECNOLOGIA & DEFESA 11


Sgt. Bianca Viol / FAB

| REGISTRO |

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KC-390 entra em operação no Brasil

Ao todo, 28 aviões de transporte tático multimissão foram adquiridos da Embraer pelo Brasil João Paulo Moralez

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| MODERNIDADE E TECNOLOGIA|

A prรณxima fronteira Joรฃo Paulo Moralez

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Fotos do autor

Em 10 de setembro de 2019, o primeiro Saab Gri pen E do Brasil foi entregue numa cerimônia nas instalações em Linköping, na Suécia. A ocasião celebrou um dos mais importantes marcos do programa F-X2 até o momento.

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| ESPECIAL |

Braço Forte

Mão Amiga As Operações de Controle e Acolhida em Roraima Albert Caballè Marimón

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Fotos do autor

crise humanitária em Roraima, no extremo norte do Brasil, desencadeada pelo fluxo migratório de venezuelanos em busca de melhores condições de vida, expôs mais uma faceta dos problemas vividos no país vizinho. Para atender à esta demanda humanitária, foi necessário recorrer às Forças Armadas sob a forma de uma Força Tarefa Logística e Humanitária (FTLH). Com a participação das três Forças e coordenada pelo Exército, a iniciativa transformou-se em exemplo para o mundo e mais uma vez mostrou que o mote “Braço Forte, Mão Amiga” não é apenas um slogan e representa muito bem a atuação da Força Terrestre. Com atividades iniciadas a partir de março de 2018, a FTLH, “coração” da Operação Acolhida, em Roraima, atua em esquema de rodízio de contingentes e o sexto desses assumiu em agosto passado. A convite do coronel Urubatã Muterle Gama, chefe do Estado-Maior Conjunto do 6º Contingente, a reportagem de T&D seguiu para aquele Estado para conhecer de perto a Operação, as atividades e sua infraestrutura.

ANTECEDENTES Possuidora de uma das maiores reservas de petróleo do mundo, a Venezuela tem nesse insumo sua principal fonte de receitas, responsável por mais de 80% das exportações. A partir de meados de 2014, a queda nos preços

contribuiu significativamente na deterioração da economia local. Ao mesmo tempo, o fraco desempenho da PDVSA (a estatal petrolífera venezuelana), decorrente de insuficiente nível de investimentos em infraestrutura, resultou em declínio na produção. Em outros setores econômicos o país apresenta uma baixa produtividade e assim tornou-se altamente dependente de importações para atender necessidades básicas de bens de consumo. O cenário adverso levou a Venezuela a viver uma grave escassez de alimentos e medicamentos. Com a morte de Hugo Chávez, em 2013, Nicolás Maduro assumiu o governo esperando manter os mesmos caminhos de seu antecessor e padrinho político. Entretanto, a realidade encontrada foi bastante distinta. A combinação de diversos fatores – o autoritarismo e a instabilidade, a hiperinflação, o alto desemprego e o desabastecimento de insumos básicos – resultaram em miséria e no colapso socioeconômico, levando milhares de pessoas a buscar melhores condições de vida em outros países.

MIGRAÇÃO EM MASSA Entre 2015 e 2016, com o aumento das proporções da crise, o fluxo migratório de venezuelanos ao Brasil se intensificou, sofrendo um aumento dramático a partir de 2017. Em janeiro de 2018, a prefeitura de Boa Vista, capital de Roraima, estimou que havia cerca

de 40 mil deles na cidade, a grande maioria em condições muito precárias. O número era equivalente a mais de 10% da população de pouco mais de 300 mil habitantes. Em Pacaraima, município de fronteira com 12 mil habitantes, a situação era ainda mais difícil. Isso, evidentemente, acabou gerando problemas na prestação dos serviços essenciais; hospitais e escolas não tinham meios para fazer frente ao aumento da demanda. Além disso, sem ter onde viver e trabalhar, muitos refugiados passaram a ocupar praças, marquises e outras estruturas, o que resultou no agravamento da saúde e segurança públicas.

O BRAÇO FORTE: OPERAÇÃO CONTROLE Diante de tal quadro, o Exército, através da 1ª Brigada de Infantaria de Selva, sediada em Boa Vista, sob o comando do general-de-brigada Márcio Bessa Campos, intensificou, no início de 2018, a Operação Controle em Roraima, com os objetivos de combater os crimes transfronteiriços e apoiar o controle migratório. Dessa forma os militares realizam patrulhamentos e estabelecem Postos de Bloqueio e Controle de Estradas (PBCE) nas rodovias que dão acesso ao País, a BR-174, que liga a Venezuela ao Brasil, passando por Pacaraima, e a BR401, que passa pela cidade de Bonfim na ligação com a Guiana, entre outros pon-

Dados de entrada de imigrantes venezuelanos (Fonte: R4V/Operação Acolhida) TECNOLOGIA & DEFESA 45 79 75


| ARMAMENTOS |

Dynamit Nobel Defence: armas sem recuo de alta tecnologia para a Infantaria Roberto Caiafa duelo entre a Infantaria e os carros de combate (e demais veículos blindados) dentre outros alvos como fortificações e casamatas, ganhou um impulso durante a Primeira Guerra Mundial com a invenção da “Arma de Davis” ou “Davis Gun”, um tubo contendo uma munição, o propelente e uma contra massa, de modo que, ao se premir o gatilho de disparo, a ogiva sai em uma das extremidades da arma e a contra massa sai pela outra, anulando as forças de recuo e permitindo aos soldados disporem de 56 TECNOLOGIA & DEFESA

um grande poder de fogo portátil para uso em pequenas distâncias. Atendendo ao convite da Dynamit Nobel Defence (DND), Tecnologia & Defesa voou até a Alemanha para conhecer os famosos RGW ou Recoilles Grenade Weapons, fabricados em Burbach, próxima à cidade de Siegen. Reconhecidos na atualidade como os mais modernos e poderosos armamentos sem recuo disponíveis, os RGW da DND aliam baixo peso e alta portabilidade, grande poder de penetração e tecnologia de ponta em sua concepção e fabricação. A visita,

dividida em duas etapas, constou de um amplo tour pelas instalações da empresa e, a seguir, uma campanha de tiro real realizada no campo de provas de Unterlüß, município da Alemanha localizado no distrito de Celle, na Baixa Saxônia.

ALTA TECNOLOGIA Burbach abriga três instalações fabris: a linha de montagem da Dynamit Nobel Defence, uma fábrica de explosivos para emprego civil (Eurodyn*) e uma indústria voltada para sistemas de


Fotos: Dynamit Nobel Defence

prevenção e extinção de incêndios (Dynameco). O RGW 90, versão referência desse artigo, nasce de um tubo de alumínio de alta qualidade, com dimensão e diâmetro padrão da arma, submetido a processo de reforço com fios sintéticos produzidos pela própria DND (um segredo muito bem guardado). Máquinas especiais realizam um complexo enrolamento/trançamento desses fios em diversas direções e camadas, de modo a conferir ao tubo maior resistência com acréscimo mínimo de peso. Após um processo de cura em autoclaves especiais, os tubos, já revestidos com uma característica capa verde, são testados um a um em equipamentos de aferição, tanto mecânicos quanto por ultrassom/ raios-X/holografia. Aprovados, seguem para a próxima etapa, o brunimento a frio da superfície interior, tornando-os aptos para receberem a ogiva, o propelente e a contra-massa plástica. Após nova rodada de testes de qualidade, cada tubo recebe seu número serial de controle e vai para uma máquina que faz o enchimento com a contra-massa plástica, essencial para garantir o efeito que anula o recuo, e o propelente sólido responsável por “expulsar” a cabeça de guerra do tubo quando ocorre o disparo. Esses dois componentes vitais são “prensados” por um equipamento enorme cujos êmbolos, para seu correto funcionamento, demandam quatro andares de uma edificação especialmente criada para esse fim, garantindo que cada tubo esteja com a densidade desses materiais executada de forma perfeita (a carga da prensa gira na casa de muitas toneladas). A seguir, são adicionadas as extremidades dianteira e traseira dos tubos com o emprego de prensas hidráulicas horizontais. Após essa importante fase, furos nas posições de montagem do sistema de gatilho/apoio de ombro/mira são feitos com alinhamento a laser. Começa a tomar forma o sistema de armas RGW 90. Com o tubo quase pronto para receber sua mortal cabeça de guerra (war-head), é chegada a hora dos testes de temperatura, onde um equipamento dotado de resistências elétricas circulares gera calor em partes específicas do tubo, tudo acompanhado por sensores infravermelhos do tipo FLIR, de grande sensibilidade. Esses testes garantem a estabilidade e a densidade da carga propelente e da contra-massa plástica após a prensagem. O próximo passo é a colocação da ogiva no tubo. Previamente montadas por pessoal altamente qualificado que

Abertura: a reportagem de T&D atira com o RGW90: zero recuo, alvo atingido! Enrolamento do tubo e acoplamento das extremidades: alta ecnologia de fabricação garante a efetividade do armamento

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| EXÉRCITO BRASILEIRO |

Os desafios da defesa antiaérea de média altura Uma das maiores carências que o Exército Brasileiro enfrenta é a capacidade de defesa contra vetores que operem de média altura, que podem ser aviões, helicópteros, misseis ou veículos aéreos não tri pulados. Algumas soluções já estão sendo estudadas Paulo Roberto Bastos Jr e João Paulo Moralez

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a atual estrutura do Exército Brasileiro (EB), a defesa antiaérea está organizada de duas maneiras. A Força possui hoje seis grupos de Artilharia Antiaérea (GAAAe) que são subordinados à 1ª Brigada de Artilharia Antiaérea (1ª Bda AAAe), criada em 1980 e sediada no Forte dos Andradas, no Guarujá (SP). Os grupos, por definição, possuem a missão de realizar a defesa de zonas de ação, de áreas e pontos sensíveis e de tropas, estacionadas ou em movimento. Seu espectro de responsabilidade inclui alvos que estejam voando a baixa altura, ou seja, a no máximo três mil metros, e a média altura, chegando a 15 mil metros. A partir daí, a responsabilidade seria da Força Aérea Brasileira (FAB). Cada um dos grupos é equipado com canhões, ou as chamadas armas de tubo, e os mísseis de curto alcance portáteis, ou man-portable air-defense systems (MANPADS). As armas de tubo são os canhões automáticos M985 Bofors L70, de 40mm, comandados por diretoras de tiro EDT FILA, e alguns poucos canhões automáticos geminados Oerlikon C90, de 35mm, orientados pelos Super Fledermaus 214UX-1, mas já em processo de desativação. Para o segmento dos mísseis contra alvos voando a baixa altura fazem parte do inventário os sistemas teleguiados e com guiagem a laser RBS 70 Mk.2 e RBS 70 NG, da Saab Defence and Security. O sistema foi adquirido em 2014, sendo os primeiros RBS 70 Mk.2 empregados diretamente na proteção e segurança durante a Copa do Mundo de Futebol. O escopo do contrato incluiu simuladores, meios de visão noturna, sobressalentes, ferramental, equipamentos de testes e treinamentos específicos através de cursos. O RBS 70 tem alcance de 9 mil metros e com teto máximo de 5 mil metros de altura. Sua velocidade é de Mach 2 (cerca de 2.470 km/h) com guiagem por feixe laser, que impede que o míssil sofra qualquer tipo de interferência. Em testes realizados pelo Exército, em mais de uma ocasião, os acertos foram de 100%, embora a Saab divulgue que a média de acertos é de 94%. O remuniciamento é feito em até seis segundos e o conjunto é leve e fácil de ser montado.

Em 2015 RBS 70 já estava operacional, sendo amplamente usado na proteção dos locais de competição dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos em 2016, no Rio de Janeiro. No ano seguinte o EB fez mais um pedido para a Saab, com as encomendas sendo entregues em 2017 e 2018, abrangendo também camuflagem multiespectral. Em 2019, o RBS 70 NG foi adquirido, ampliando um pouco mais essas capacidades. O sistema realiza o acompanhamento automático do alvo, resultando no aumento do alcance de utilização do míssil Mk.2 para 8 mil metros, podendo ser operado remotamente e cumprindo a missão de defesa antiaérea estática. Pode, ainda, ser empregado contra alvos terrestres com blindagem leve. O EB tem, juntamente em serviço, os mais antigos e menos modernos KBM 9K338 Igla-S (SA-24 Grinch) guiados por calor e alguns poucos lançadores duplos 203-OPU Djiguit (foto de abertura). Desenvolvido no auge da antiga União Soviética e incorporado em 1983, o tipo é o mais vendido da história em todo o planeta, sendo empregado em mais de dez conflitos. Sua concepção visava a uma arma capaz, mais resistente às contra medidas e melhor capacidade de engajamento.

Um míssil telecomandado RBS 70 Mk.2 durante a Operação Escudo de 2017. A sua versão NG é sistema antiaéreo mais eficiente e moderno em uso no Brasil TECNOLOGIA & DEFESA 63



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