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DISCRIMINAÇÃO E ESTIGMA CONTINUAM ASSOCIADOS À DOENÇA DE HANSEN

SEGUNDO DADOS DO PROGRAMA NACIONAL DE CONTROLO DA LEPRA, NO FINAL DE 2021, ANGOLA REGISTAVA MAIS DE 1.800 CASOS DE HANSENÍASE. JÁ A ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE (OMS) DÁ CONTA DE 797 NOVOS CASOS, EM 2021, A INFORMAÇÃO MAIS RECENTE DISPONÍVEL, O QUE REPRESENTA UM SALTO CONSIDERÁVEL FACE AOS 420 REPORTADOS NO ANO ANTERIOR. DE ACORDO COM OS ESPECIALISTAS, ESTE MENOR NÚMERO DE NOVOS CASOS, QUE É TRANSVERSAL A VÁRIOS PAÍSES, PODE SER ATRIBUÍDO À PANDEMIA DE COVID-19, QUE INTERROMPEU A IMPLEMENTAÇÃO DOS PROGRAMAS DE COMBATE À DOENÇA E CONDUZIU A UMA REDUÇÃO DA DETECÇÃO DE NOVOS CASOS EM 37%, A NÍVEL MUNDIAL, EM COMPARAÇÃO COM 2019. A LEPRA, TAMBÉM CONHECIDA POR DOENÇA DE HANSEN OU HANSENÍASE, É UMA DAS DOENÇAS MAIS ANTIGAS DE QUE A HUMANIDADE TEM CONHECIMENTO. APESAR DE CURÁVEL, SÃO MUITAS AS PESSOAS QUE AINDA PADECEM DESTA PATOLOGIA, QUE A SI TRAZ ASSOCIADO O FARDO DO ESTIGMA E DA DISCRIMINAÇÃO.

pretendeu chamar a atenção para algumas mensagens-chave: é possível acabar com a doença, já que o mundo dispõe das ferramentas necessárias para travar a sua transmissão, mas tem de se agir o quanto antes, sendo necessários recursos e compromissos, e tem de se chegar a todos os doentes, já que a Lepra pode ser prevenida e é tratável.

Doença infecciosa

As doenças tropicais negligenciadas (DNT) são generalizadas nas regiões mais pobres do mundo, onde a água potável, o saneamento básico e o acesso aos cuidados de saúde são inferiores. Afectam mais de mil milhões de pessoas em todo o mundo e são causadas, principalmente, por uma variedade de agentes patogénicos, incluindo vírus, bactérias, parasitas, fungos e toxinas.

Uma destas doenças é a Doença de Hansen, ou Lepra, cujo dia mundial, instituído pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1954, se assinala no último Domingo de Janeiro.

Este ano, o Dia Mundial da Lepra coincidiu com o 29 de Janeiro. Com o tema “Aja Agora. Acabe com a Lepra”,

A Lepra é uma doença infecciosa crónica causada por um bacilo, o Mycobacterium leprae (M leprae). Como este se multiplica lentamente, o período de incubação da doença é longo, em média, de cinco anos. Os sintomas podem ocorrer após um ano, mas também pode demorar até duas décadas ou mais para se manifestarem. Conhecida por ocorrer em todas as idades, desde a infância até à velhice, a Lepra afecta principalmente a pele, os nervos periféricos, a mucosa do trato respiratório superior e os olhos. Os sinais clínicos são fáceis de observar: a lesão cutânea tem geralmente uma pigmentação diferente da pele normal circundante (menos pigmentada, avermelhada ou cor de cobre) e pode ter vários aspectos (plana, levantada ou nódulo). A lesão pode ser simples ou múltipla e pode ocorrer uma perda de sensação na pele. Não se sabe exactamente como a doença se dissemina. Actualmente, pensa-se que poderá acontecer quando uma pessoa infectada tosse ou espirra e uma pessoa saudável respira as gotículas que contêm obacilo. Devido aos longos períodos de incubação e para desenvolver sinais da doença, muitas vezes, é muito difícil localizar o foco da infecção.

Estratégia da OMS

A Lepra é uma doença antiga, com, pelo menos, quatro mil anos. Ao longo da história, os doentes têm sido frequentemente ostracizados pelas suas comunidades e famílias. Acredita-se, porém, que esta pode ser a geração que, finalmente, terminará a transmissão da Hanseníase. A OMS estabeleceu como objectivos alcançar, até 2030, 120 países com zero novos casos de Lepra autóctone, uma redução de 70% no número de casos detectados anualmente, de 90% na taxa por milhão de novos casos com deformidades de grau 2, assim como de novos casos em crianças.

A Estratégia Global para a Lepra 2021-2030 orienta os países a acelerarem o progresso rumo aos zero casos, em linha com os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável.

A optimização das ferramentas existentes, tais como o rastreio de contactos, a detecção activa de casos, a profilaxia pós-exposição com uma dose única de rifampicina e a prestação de terapia multifármaco são

Lepra em Angola, OMS (dados de 2021)

Número de novos casos:

2021: 797

2020: 420

2019: 721

2018: 847

2017: 605

2016: 619

2015: 823

Taxa de detecção de novos casos por um milhão de pessoas: 23.099

Número de casos registados para tratamento (prevalência): 13

Taxa de prevalência de casos registados por milhão de pessoas: 0,377

Número de novos casos com deformidade de grau 2: 187

Proporção de novos casos com deformidade de grau 2: 23,5

Número de novos casos em crianças (menos de 15 anos): 93

Proporção de crianças entre os novos casos: 11,7

Número de novos casos em mulheres: 197

Proporção de mulheres entre os novos casos: 24,7 medidas críticas para interromper a transmissão.

Em 2020, foram detectados, a nível mundial, 127.558 novos casos de Lepra, segundo dados oficiais de 139 países das seis regiões da OMS. Desse total, 8.629 referiam-se a crianças abaixo dos 15 anos. Entre os novos casos, foram reportados 7.198 com deformidades de grau 2. Contudo, a doença é curável com terapia multifármaco e o tratamento precoce pode prevenir a incapacidade. No final do ano de 2020, a prevalência era de 129.389 casos em tratamento, correspondendo a 16,7 por milhão de habitantes. Mas a pandemia de Covid-19 interrompeu a implementação dos programas de combate à doença e conduziu a uma redução da detecção de novos casos em 37%, em comparação com 2019. O maior decréscimo foi no número de novos casos entre crianças, cuja detecção reduziu em 42,3%.

Desde a introdução da terapia multifármaco, a prevalência registada diminuiu substancialmente. Contudo, os novos casos continuaram a ocorrer, indicando uma transmissão contínua da infecção. Em 2021, foram reportados 140.594 novos casos, a nível global, com a taxa de detecção a aumentar 10,2%, em relação a 2020. Tal como acontece com a maioria das doenças tropicais negligenciadas, a eliminação da Lepra ocorrerá em várias fases. A OMS constituiu um grupo de trabalho e desenvolveu orientações técnicas para facilitar a verificação da interrupção da transmissão e posterior eliminação da doença. As metas baseiam-se na detecção de novos casos autóctones, ou seja, aqueles que se presumem resultar de transmissão local.

A detecção precoce de casos e a administração oportuna da terapia multifármaco continuam a ser os princípios básicos do controlo da Doença de Hansen. Os novos casos continuam a ocorrer e a sua diminuição tem sido muito gradual, em 2% ao ano.

Estigma

A estratégia da OMS pressupõe também eliminar o estigma e a discriminação ainda associados à doença, que afecta sobretudo as populações mais pobres, com maiores dificuldades de acesso aos cuidados, devido às longas distâncias das unidades de saúde e ao custo elevado. Por esse motivo, apesar do programa da OMS fornecer tratamento gratuito, muitas pessoas afectadas não o concluem ou não o recebem.

Além disso, devido ao estigma contínuo, muitas das pessoas que contraem a Doença de Hansen podem não procurar ajuda aquando dos primeiros sintomas, o que atrasa os diagnósticos e potencia o desenvolvimento das incapacidades. Note-se que, em alguns países, quando o cônjuge contrai a doença, é permitido o divórcio. Como consequência, muitas mulheres e meninas afectadas pela doença ainda enfrentam o problema adicional de discriminação de género e social, que potencia, ainda mais, o atraso nos diagnósticos.

Persistem, assim, os desafios para endereçar o problema da discriminação relacionada com a doença e Angola não é excepção, facto destacado por Alice Cruz, Relatora Especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a eliminação da discriminação contra as pessoas afectadas pela Hanseníase e seus familiares, que entre Abril e Maio de 2022 visitou o país. “Saúdo o compromisso assumido pelo Governo de Angola de se envolver activamente com o sistema internacional de direitos humanos e eliminar a discriminação relacionada à Lepra, mas as autoridades devem redobrar seus esforços para alcançar esse objectivo”, disse a especialista da ONU, no final da sua visita oficial, onde se encontrou-se com representantes do Governo, incluindo os ministérios competentes e a Provedoria, bem como com representantes de organizações da sociedade civil, academia, profissionais de saúde e especialistas.

Alice Cruz também visitou o Dispensário de Tuberculose e Lepra e vários centros de saúde em Funda e Benguela, tendo escutado valiosos testemunhos de várias pessoas afectadas pela Hanseníase e seus familiares.

Uma das preocupações da Relatora Especial, que irá entregar o relatório desta visita ao Conselho de Direitos Humanos da ONU no próximo mês de Junho, é o facto de muitas pessoas estarem sujeitas ao diagnóstico tardio, o que pode causar danos irreversíveis, e com a falta de provisão de reabilitação, cirurgia reconstrutiva e dispositivos assistivos.

“Os dados da Hanseníase não são confiáveis. Como o Governo reconhece, é muito provável que haja uma subnotificação considerável no país, o que aumentará a transmissão e a deficiência, inclusive em crianças. Além disso, muito mais precisa de ser feito para prevenir, monitorizar, prestar contas e remediar efectivamente a discriminação e as violações dos direitos humanos contra pessoas afectadas pela Hanseníase e seus familiares, dada a persistência da discriminação institucionalizada e interpessoal. Ainda assim, a questão mais importante que impacta a vida das pessoas afetadas pela Hanseníase e seus familiares em Angola diz respeito à discriminação substantiva, que exige políticas redistributivas e a garantia de direitos sociais e económicos fundamentais, mas também direitos relacionados à deficiência”, acrescentou.

Outro dos aspectos destacados por Alice Cruz após a sua visita a Angola relacionase com a perda de capacidade de alguns sistemas de saúde para diagnosticar a doença, após esta ter sido eliminada como problema de saúde pública pela OMS, em 2005. Tal pode ter contribuído para a ideia preconcebida e generalizada de que a doença não existe, o que não corresponde à verdade, como se pode avaliar pelos 140.594 novos casos reportados, a nível global, em 2021. Mas é possível acabar com a doença e, desse modo, cumprir o sonho de Gandhi, que afirmou que eliminar a Lepra foi o único trabalho que não conseguiu completar na sua minha vida. É em sua honra que o Dia Mundial da Lepra se assinala no último Domingo de Janeiro, coincidindo com a data da sua morte.

EM 2020, FORAM DETECTADOS, A NÍVEL MUNDIAL, 127.558 NOVOS CASOS DE LEPRA, SEGUNDO DADOS OFICIAIS DA OMS. DESSE TOTAL, 8629 REFERIAM-SE A CRIANÇAS ABAIXO DOS 15 ANOS. ENTRE OS NOVOS CASOS, FORAM REPORTADOS 7.198 COM DEFORMIDADES DE GRAU

2. CONTUDO, A DOENÇA É CURÁVEL

COM TERAPIA MULTIFÁRMACO E O TRATAMENTO PRECOCE PODE PREVENIR A INCAPACIDADE.

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