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comboio das 21:37h reGina brito
cOMbOIO daS 21:37h*
cOntO de ReGIna bRItO cOletIvO cUltURal bORbOletaS vOadORaS
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Este meu amigo contou-me algo interessante de sua adolescência.
Morava ele em Aveiros (Portugal) e namorava uma menina na cidade do Porto.
Era um romance às escondidas, ora pois.
Antes eram amiguinhos de bancos escolares, mas a pequena cresceu, os seios desabrochavam tal uma papoula. Ah, que encanto!
Tudo era muito discreto, somente beijinhos, beijinhos e bilhetinhos apaixonados.
Que paixão!
Havia um grande probleminha: a volta para casa, pois sua mãe não dormia enquanto ele não chegava. O tal era filho único.
A viagem demorava em média 55 minutos...
Mesmo morando em terras portuguesas, ele conhecia a música brasileira como poucos brasileiros...
Outro facto de suma importância para a nossa história, aqui narrada, é que tinha parentes em Santos.
Vez em quando vinha ao Brasil e o conheceu de norte a sul.
Dizia-me ele um dia, faz pouco tempo que se casou com uma nordestina e levou-a para sua terra. Em outra viagem namorou uma paulista e se tornaram amigos próximos.
Voltemos ao namorico dos velhos tempos.
Aprendi que o MANJERICO, o nosso manjericão, era ofertado às meninas como forma de presente no dia dos namorados.
E foi em um dia, desses que nunca esquecemos, que ele quase perdeu o comboio.
Ela o agarrava tanto em um total apego e aperto que ele cantou: “NÃO POSSO FICAR NEM MAIS UM MINUTO COM VOCÊ/ SINTO MUITO AMOR, MAS NÃO PODE SER/ MORO EM JAÇANÃ/ SE EU PERDER ESSE TREM/ QUE SAI AGORA ÀS ONZE HORAS/ SÓ AMANHà DE MANHÔ.
* Homenagem ao compositor Adoniran Barbosa, autor de Trem das Onze.
ReGIna bRItO
Professora de Literatura, contista, escritora, poeta e atriz. Nascida na cidade do Rio de Janeiro.
bOtafOGO / cOca-cOla
newtOn nazaReth
Rio de Janeiro, primeiro dia útil de 2031. Paulino Neves, jovem executivo bem sucedido, pega o metrô no Jardim Oceânico com destino à estação Botafogo / Coca-Cola.
Como diretor de marketing da empresa líder do mercado de refrigerantes ele enfrentara na última semana de 2030 uma maratona de reuniões. As medidas da nova estratégia de vendas teriam início a partir daquela quinta feira. Exausto, Paulino adormece no vagão assim que a primeira estação fica pra trás.
Subitamente, o seu telefone celular sinaliza a entrada de uma mensagem. O jovem acorda e vê o ícone do seu chefe. Ao ler o texto, empalidece: as vendas da empresa continuam a despencar e já se igualam às do concorrente. A ansiedade aumenta quando ele lembra que o Coca-Cola F.C. fora rebaixado para a segunda divisão. O jogo começou a virar há cinco anos quando os papéis foram invertidos com a mudança do nome do clube. O patrocínio era coisa do passado e a empresa lutava para manter seu nome em alta.
Mais uma estação se vai. O messenger toca novamente. O diretor administrativo enviara uma péssima notícia: O Coca-Cola Praia Shopping não abrirá as portas já que os lojistas não aceitaram as condições propostas. O que fazer com a garrafa gigante na calçada? “Tira logo esse traste daí!”, digitou o diretor.
Faltam três paradas e o cansaço psicológico se impõe. Adormecendo novamente, Paulino revisita o passado: no primeiro dia de 2021 ele festejara com os colegas, inocentemente, o nome “Botafogo / Coca-Cola” escrito em todas as placas daquela estação. O tempo voara e o chefe ressurgira: “Quem quer uma marca com nome de estação de metrô?” Paulino pensa: “Se eu pudesse voltar atrás”...
O sistema de som o acorda. “Próxima estação: Botafogo. Desembarque pelo lado direito. Next stop: Botafogo”...
Ele grita: — Ainda há uma chance!
Correndo pela plataforma, quase atropelando os passantes, o jovem cruza a bateria de catracas e ruma ao escritório.
Ao chegar, revoga todos os contratos. A mudança de nome da estação Botafogo estava cancelada.
Ele abre a geladeira do corredor, pega uma lata e toma um gole do seu refrigerante preferido.
Tudo está em seus devidos lugares. O publicitário arremata: — É isso aí!