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O voo das palavras pretas Mari Vieira

As autoras do livro “Palavras Pretas”

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Escrevo para festejar o voo do livro que traz em suas páginas a potência da escrita de vinte e três escritoras negras de diversas regiões do Brasil cujas vozes ecoará em breve nas bibliotecas públicas da cidade de São Paulo. Eu sou uma das autoras e a prefaciadora. Início citando um trecho do prefácio:

“As palavras pretas desta antologia foram escritas por vinte e três escritoras. Vinte e três mulheres que, plenas de sua singularidade, multiplicam as possibilidades da palavra escrita, expandem a voz e a literatura das mulheres negras. Mulheres exercendo a liberdade de ser quem são, de escrever como desejam e o que desejam. A liberdade pode ser vista como ponto relevante desta antologia onde a leitora ou o leitor encontrará estilos de escrita diferentes, gêneros diferentes e assuntos diferentes. Ela apresenta de modo significativo a quão diversa é a escrita da mulher negra, um contraponto ao imaginário racista que muito vagarosamente rompe com a ideia de vozes únicas na autoria negra.”

Faço essa menção para afirmar que uma obra com essa característica é revolucionária. E todo o processo do livro foi feito por mulheres. A organizadora é a poeta Jullie Veiga, a supervisão é da escritora Joice Aziza de Mendonça. O livro saiu pela editora Femina, uma editora voltada para a publicação de obras de mulheres. Em síntese é a força feminina expandindo as fronteiras de um mercado ainda pautado pelo machismo e racismo, questionado o perfil típico do escritor brasileiro: homem branco, heterossexual, vivendo entre Rio de Janeiro e São Paulo criadores de personagens que normalmente é quase uma cópia deles mesmos.

A literatura produzida por esses homens alimenta constantes pontos cegos na sociedade ao invés de abrir portas para a multiplicidade

do mundo em que vivemos. É inadmissível que em meio a tanta heterogeneidade em que vivemos somente um grupo esteja majoritariamente no topo da produção literária participando de modo tão incisivo da construção do imaginário social. A literatura tem importância profícua na elaboração do imaginário do país, pois colabora com o modo como toda a população se vê. A literatura que não se diversifica sustenta o padrão hetero/branco retroalimentando o racismo e o machismo.

Em uma fantástica pesquisa da professora e pesquisadora Regina Dalcastagnè lança luz sobre a autoria e as personagens da literatura brasileira. Em uma entrevista à revista Cult a estudiosa menciona que “são esses livros que estão nas livrarias, são resenhados em jornais são essas obras que dizem o que é literatura e quem pode ser chamado de escritor no Brasil”. Ter um livro com vinte e três autoras negras questiona essa regra, amplia as possibilidades do imaginário social da população brasileira e diminui o gigantesco vão cego que a literatura tradicional alimenta há décadas. A escrita da mulher negra nos ensina a ver outras nuances do mundo, oferece outros alimentos para a nossa subjetividade, lança luz nas sombras produzidas pelos velhos padrões e cicatriza as feridas abertas pelo racismo e pelo machismo. Eu sempre digo que é urgente ler mulheres. E essa urgência se faz cada vez mais necessária em um momento em que parece existir por parte de alguns

“A escrita da mulher negra membros da sonos ensina a ver outras ciedade o desejo nuances do mundo, oferece de retroceder ao um tempo em outros alimentos para a nossa que as mulheres subjetividade, lança luz nas não eram vistas sombras produzidas pelos como seres plevelhos padrões e cicatriza as nos de direitos e feridas abertas pelo racismo e capacidades. Não pelo machismo”. faço referências aqui (somente) a retomada do poder pelo Talibã no Afeganistão cujo risco para a vida das mulheres naquele país é notório. Falo do Brasil e dos absurdos que rondam a política e a internet em todo o nosso país. Veja: neste momento existe pessoas (homens até onde sei), fazendo campanha virtual para pôr fim a Lei Maria da Penha, uma conquista histórica, mas até o momento não protege plenamente

todas as mulheres, pois na prática encontra entraves no machismo estrutural.

Um livro como o Palavras Pretas é semente e pólen para germinar novas possibilidades para o país questionar o modo como se vê, abrindo espaço para elaboração de pensamentos e ações cada vez menos racistas e machistas. É resistência a barbáries do cotidiano, por isso comemoro a sua aquisição pela Secretaria Municipal de Cultura para habitar as bibliotecas da cidade.

Vá até uma das bibliotecas da cidade e desfrute da multiplicidade de pensar, narrar e poetizar de todas as autoras do livro. Nos encontramos em alguma estante. Até breve!

Para adquirir seu exemplar acesse o site da editora Feminas.

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