IMPRESSÕES Leitura
Jornal Laboratório da Universidadde Federal do Ceará - Ano 4 - Nº 25 - Outubro de 2013
Bibliotecas Públicas
Legado de falta de investimentos revela condições precárias Foto: Tamara Lopes
Desde 2002, a principal biblioteca pública do estado do Ceará, a Governador Menezes Pimentel, não passa por reformas. Já a Biblioteca Municipal Dolor Barreira sofre com a falta de bibliotecários Página 8 e 9 Perfil: Ricardo Guilherme Foto: Tamara Lopes
Foto: Silveira Neto
Acessibilidade
Usuários com deficiência têm dificuldades para usar bibliotecas públicas Página 6
Incentivo à leitura Casa Brasil
Espaços de leitura abandonados Com acervo amplo e contando com profissionais adequados, as unidades do Projeto Casa Brasil têm bibliotecas sem manutenção
“O que importa é Página 4 e 5 a informação em Escolas si”, afirma, sobre o acervo pessoal de teatro que doou para a UFC Nas escolas estaduais, faltam bibliotecários, e as bibliotecas estão
Bibliotecas dividem espaço com projetos paralelos
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integradas ao Centro Multimeios
Diversão extrapola as brincadeiras e invade o mundo da literatura Página 11
Biblioteconomia
Entre a catalogação de livros e a preservação de documentos raros
Página 12 e 13 Página 14
Impressões Leitura
IMPRESSÕES LEITURA
Jornal-laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará - UFC
Tema da edição: Condições de funcionamento de espaços de leitura
Repórteres: Amanda Araújo, Bárbara
Danthéias, Carolina Areal, Cris Lima, Débora Lopes, Felipe Martins, Gleyce Any, Isabele Câmara, Mikaela Brasil, Paulo Renato Abreu, Rachel Gomes, Raissa Sampaio, Renan Vidal, Rosana Reis, Saulo Lucas, Taís de Andrade, Vicente Neto e Victor Ramalho
Editorial
Infraestrutura também é, ou deveria ser, política pública
O
Impressões deste semestre propõe quase um meta-tema. As quatro edições irão se debruçar sobre a leitura, nos mais variados aspectos. Nesta, estará em foco a infraestrutura dos espaços públicos destinados à leitura em Fortaleza. Passeamos pelas conhecidas Biblioteca Estadual Governador Menezes Pimentel e pela Biblioteca Municipal Dolor Barreira, por espaços mais reservados, como as bibliotecas de escolas estaduais, até por equipamentos que sofrem com o desconhecimento por parte do público, como a Casa Brasil. Em cada um deles, houve o esforço de identificar carências e pontos positivos, abrindo espaço para a voz dos envolvidos com os espaços, sejam frequentadores ou funcionários, sem esquecer de cobrar o Poder Público, responsável pela manutenção da maioria dos ambientes visitados. Ainda deu tempo de descobrir a situação de acervos de obras raras em Fortaleza, conversar com o professor Ricardo Guilherme, doador de vasto acervo sobre artes, conhecer o sebo do Geraldo – e as pessoas que o fazem – e o
programa Ceará Cresce Brincando. Também houve fôlego para acompanhar o cotidiano de bibliotecárias e entender, de forma mais profunda, a função de tais profissionais. Nesta edição, abrimos espaço para um autor local publicar um texto e a encerramos com um ensaio fotográfico. Sobre a infraestrutura das bibliotecas públicas, não há muito a ser elogiado, infelizmente. Quando não sofrem com a falta de profissionais, o problema é a manutenção, seja do espaço físico ou do acervo. O troca-troca de chefia dos equipamentos e a ausência de concursos públicos para contratação de especialistas no assunto indicam a forma amadora com a qual as gestões públicas têm lidado com as bibliotecas. A impressão é de que não há política pública para a área. Ao contrário, são adotadas medidas paliativas e de efeito a curto prazo quando a situação está praticamente insustentável, mas não se pensa a utilização e manutenção dos equipamentos de forma duradoura, deixando os usuários à mercê dos projetos de governo, sem garantia de continuidade no mandato seguinte, indepen-
dentemente do sucesso, ou não, das ações. Ao mesmo tempo em que alguns espaços contam com frequentadores assíduos sofrendo com condições inóspitas, há equipamentos, como a Casa Brasil, vivendo praticamente abandonados, apesar do acervo. Não leva a lugar nenhum, no entanto, culpabilizar o usuário, responsabilizando o acesso a internet ou um suposto baixo nível cultural do brasileiro pela ausência de visitantes. É preciso tornar os espaços de leitura mais atrativos. Isso passa pela própria concepção dos equipamentos e da sua função social, o que está estritamente ligado à visão dos administradores sobre cultura e leitura. Passa, também, pelas condições físicas do lugar, exigindo vontade política para pensar na área como prioridade – ou, pelo menos, com alguma importância. Com essas reflexões, o Impressões abre a primeira edição do semestre e lhe convida à leitura das matérias, permitindo ao leitor tirar as próprias conclusões – e incrementar as ideias apresentadas neste editorial – a partir do contato com os textos.
Artigo
Biblioteca: espaço de leitura, convite à informação e ao conhecimento Por Zilsa Maria Pinto Santiago* *Arquiteta e Professora do Curso de Arquitetura e Urbanismo da UFC. Doutorado em Educação – linha de pesquisa: História da Educação – Arquitetura e Instrução Pública. Membro do Grupo de Trabalho da Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui biblioteca é, antes de cobertura wireless, computaambientes de funcionamento tudo, um espaço de fordores com acesso à internet, versus flexibilidade, layout, mação. Na escola básica, terminais de consulta, espaços manutenção e segurança precideve ser considerada um eixo para exposições, salas de vídeos sam ser analisados na estrutuestruturador do currículo. Na ou videoconferência. ração destes edifícios, para que universidade, a biblioteca deve Lembrando que deve ser se tenha melhor desempenho desempenhar o papel de garan- acessível a todos, ter a condida edificação, tanto fisicamente tir a disponibilização da inforção de receber e atender aos como de satisfação e conforto mação de qualidade. No curso alunos com deficiência física do usuário. de Arquitetura e Urbanismo ou sensorial, tendo acessibiliEspaços convidativos, funda UFC costumamos dizer que dade e comunicação no acesso cionalmente bem distribuídos a biblioteca é o “coração da externo, circulações, balcões e adequadamente iluminados, escola”. e sanitários adequados, com confortáveis, equipados com Com as novas tendências recursos humanos capacitados novas tecnologias são elemene mudanças de paradigmas, a a dar apoio aos alunos com tos motivadores que podem, biblioteca, além dos espaços deficiência visual e auditiva. juntamente com acervos destinados aos acervos (livros, Nas questões de concepção atualizados, atrair e proporcioperiódicos, DVD, CD) e obras do espaço, fatores como vennar aos alunos um espaço de raras, salão de estudo individu- tilação, luz natural, condicioqualidade e de investigação do al e em grupo, auditório para namento ambiental, acessibilisaber. eventos, deve abrigar espaços dade física e de comunicação, para as exigências atuais, como condicionamento espacial dos
A
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Editoras: Carolina Esmeraldo, Caroline Portiolli e Thinayna Máximo
ges, Juliana Braga, Marcella Macena, Tamara Lopes, Thamires Oliveira
Editora Geral: Camila Mont’Alverne
Impressão: Impressa Universitária
Professor orientador: Edgard Patrício
Tiragem: 1.000 exemplares
Projeto gráfico e diagramação: Aman-
As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira respondabilidade de seu autores.
da Araújo, Clarissa Augusto, Ed Bor-
Charge Por Juh Braga
Crônica
De acolhimentos e abandonos
Por Ed Borges
N
ão existe melhor abrigo que as bibliotecas. Percorrer seus corredores é quase uma viagem transcendental, em que o silêncio logo se povoa pelas vozes que emanam de cada um dos títulos sobre as prateleiras. Foi nessa busca por novos eus possíveis contidos nas páginas que descobri a Menezes Pimentel. Mas com ela a experiência foi completamente diferente. À primeira vista, a Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel não passa qualquer senso se acolhimento. Localizada na Avenida Presidente Castelo Branco (famosa Leste-Oeste), o caminho até sua entrada é desértico. Naquele prédio de cinco pavimentos, cuja última grande reforma fora em 2002, antes de sentir ali um abrigo, observo um abandono crônico. Percebo que somente por causa dos frequentadores, esporádicos ou assíduos, e, principalmente, dos funcionários, é que o espaço se mantém sofregamente vivo. Desde 2012, o forte calor, devido à falta de ar-condicionado, lidera nas reclamações, o que, além de prejudicar quem ali estuda ou trabalha, também ajuda na deterioração do acervo. Somando-se a isso o mofo e a poeira, o lugar se torna uma caixa sufocante. Ao adentrar o espaço, nossa respiração fica pesada, como se entrasse em sincronia com os pulmões arfantes do prédio. Ao mesmo tempo, é impossível não se encantar com a quantidade de volumes ali guardados ou com a solicitude de alguns funcionários. Quantas obras cearenses que não tomamos nem conhecimento, quantos jornais antigos do início do século, quantas biografias e romances relativamente novos não lá estão disponíveis? É em meio a alegrias miúdas e a desejos gigantescos que, claudicantemente, a Menezes Pimentel vai tentando se manter de pé, à revelia da Secretaria de Cultura do Estado (Secult). O projeto de nova reestruturação existe desde a gestão do ex-secretário Francisco Auto Filho, que deixou o cargo no final de 2010. O gestor seguinte, Francisco Pinheiro, entrou e saiu da Secult deixando o problema intacto. E no vai e vem de secretários, a Menezes Pimentel persiste na expectativa por novos tempos, livres de abandonos e repletos de acolhimento, que parecem nunca chegar.
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Perfil
Fotos: Tamara Lopes
O desejo em gerar conhecimento deu origem ao maior acervo sobre teatro do Ceará
Ricardo Guilherme, autodidata confesso, afirma que os livros foram os principais responsáveis pelo seu interesse em construir um acervo histórico sobre teatro Por Victor Ramalho Universitário, na sede atual do Instituto de Cultura e Arte da UFC, sempre prezando pelo espaço público. Ricardo afirma que, mesmo dentro da universidade, o “Doc. Teatro” é uma instituição amadora. “Boa parte da sala fui eu quem pintou. A Universidade ainda não abraçou o projeto. A criação de núcleos específicos não é incentivada”, afirma. Fazer com que essa biblioteca se junte a um grande acervo geral seria um desrespeito para o ator, que tem muita resistência a essa união. De acordo com ele, a universidade deveria incentivar a criação desses núcleos paralelamente ao crescimento da biblioteca geral. Atualmente, o projeto do acervo recebe monitores, mas não tem, por exemplo, os exemplares catalogados cientificamente, o que não permite o empréstimo aos usuários devido à ausência da garantia de retorno, restringindo o acesso a consultas locais e cópias. Todo o conjunto de
Doc Teatro é o acervo pessoal de documentos sobre teatro de Ricardo Guilherme que foi doado para UFC
obras e itens foi organizado por Ricardo. “Seria um perigo para a dissolução do material. Tenho coisas do século XIX, peças de 1861!”, fala. Usuários do acervo Hoje, o público-alvo do “Doc. Teatro” são os alunos. Quando não estava ligado a uma instituição de ensino, era aberto ao público geral, e Ricardo diz ter visto pessoas crescerem em relação ao teatro, inclusive ele mesmo, quando percebeu que o queria mesmo fazer era um Centro de Pesquisa em vez de um Museu. “Porque o que importa é a informação em si, não o culto fetichista à raridade do objeto. O acesso à informação é importante, não o suporte” diz o historiador. O acervo já serviu como base para dissertações de mestrado, teses de doutorado e livros acadêmicos. Edwaldo Cafezeiro e Carmen Gadelha (autores de “Memória brasileira e mitos do teatro colonial”), José Dias (vice-reitor da UniRio, doutor em teatro), professor Gil Brandão (doutorado na UFMG), Marcelo Costa (doutorado na UFMG), Pascoal Carlos Magno (fundador do Teatro de Estudantes do Brasil), entre muitos outros são exemplos de pesquisadores do patrimônio. Avaliação do MEC Ricardo Guilherme e Ângela Linhares são os dois proponentes da criação da licenciatura em teatro na UFC. O professor se orgulha da mais recente visita de avaliação do MEC, feita nos dias 19 e 20 de setembro deste ano. Segundo Ricardo, as duas avaliadoras
tiveram impressões extraordinárias em relação aos alunos e ao curso em geral. Além disso, consideraram impressionante o fato de o curso ter um centro de pesquisa com um acervo gigantesco. No entanto, a avaliação ainda não foi liberada oficialmente. Continuidade do trabalho O professor afirma estar perto de outro momento de despedida: mais uma vez, pensa em doar seu acervo particular. Uma ameaça de câncer e o nascimento de uma filha aos 50 levou Ricardo a pensar em parar. “Preciso dar essa minha contribuição a uma instituição que independa de mim. Não posso ficar responsável por isso sozinho. Sou frágil, humano, perecível em relação à tarefa que eu estou me dando, e a universidade é o melhor lugar, é onde ocorre a formação das novas gerações”, fala. O ator fala também da necessidade de conseguir profissionais para o projeto. E ao lembrar que, ao mesmo tempo em que o trabalho amador é essencial para trabalhos como esse, acentua o lado ruim disso. “É necessário que outros Ricardos Guilhermes aconteçam para cuidar da nossa história. Nós teríamos que fazer projetos para colocar profissionais para isso: biblioteconomistas, bibliotecários, técnicos em conservação de papel, técnicos em digitação, uma página virtual também precisa ser criada. O projeto é amador no bom sentido, mas não podemos trabalhar com amadorismo. Reconheço a minha incapacidade de abarcá-lo”, desabafa.
Ao reconhecer que o sonho é maior que ele, Ricardo fala que tão importante quanto ter todos os exemplares é não estar guardando tudo isso. “Me despedi do meu acervo às lágrimas, foi um processo bastante doloroso. Mas a dor passou e eu espero que tudo isso gere conhecimento, porque não adianta oferecer tudo isso sem que não seja aproveitado para a criação de mais conhecimento”, ressalta. Além disso, insiste na ideia de que nada deve ir embora quando o ICA mudar de local. “Os espaços que transcendem a universidade devem ser mantidos, e o acervo deve continuar aqui”, fala Ricardo, que ainda sonha com a ideia de que a Universidade crie uma filial do Doc. Teatro em outros campi.
“
Entre as centenas de milhares de títulos do acervo, não se encontram somente obras voltadas ao teatro. Os títulos também abordam literatura, antropologia, história, teatro, dança, circo e ópera, refletindo a interdisciplinaridade presente na formação de Ricardo
“
A
vocação para colecionador está no sangue. Ricardo Guilherme é herdeiro de uma biblioteca linda (onde ele dizia morar), neto de um avô que colecionava lápis e bichos de madeira e de outro que juntava livros de cordel. Era natural que, mesmo com pouca idade, os primeiros exemplares do que se tornaria o “Doc. Teatro/Acervo Ricardo Guilherme” começassem a aparecer. O acesso fácil às mais diversas obras permitiu que Ricardo se tornasse professor, teatrólogo, historiador, jornalista, entre outros vários ofícios não menos importantes. O acervo, que hoje contém mais de 350 mil itens (com temas que abordam literatura, antropologia, história, teatro, dança, circo e ópera), tem uma história itinerante. Devido ao tamanho, teve de deixar a residência de Ricardo quando ele completou 20 anos. Os destinos passariam a ser lugares como o Teatro São José, o Teatro José de Alencar, o Teatro Radical e, hoje, atrás do Teatro
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Em Fortaleza
Sobram livros, falta gente: o cenário do projeto Casa Brasil
Foto:Silveira Neto
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As bibliotecas do projeto Casa Brasil têm acervo amplo e diverso. Esses espaços de leitura, espalhados por três bairros de Fortaleza, entretanto, estão praticamente abandonados Por Paulo Renato Abreu
EM NÚMEROS Até 2009 foram criadas mais de
80
unidades do Casa Brasil no país. Na biblioteca da Casa Brasil Granja Portugal são quase
3 mil
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livros catalogados e outros mil sem catalogação
Apesar do amplo acervo da biblioteca, os livros da unidade do projeto Casa Brasil no bairro Vila União ainda não foram catalogados
É
uma Casa muito engraçada: tem teto, paredes e livros – muitos livros – só não tem gente. O projeto Casa Brasil, idealizado pelo Governo Federal em 2003, chegou a Fortaleza em 2007, com a inauguração de três unidades, nos bairros Vila União, Granja Portugal e Antônio Bezerra. Articulado entre órgãos públicos, bancos e empresas estatais, o projeto trabalhou na construção de espaços públicos em periferias, onde os moradores pudessem ter acesso à informação, unindo Internet e livros. Hoje administrada pela Prefeitura de Fortaleza, a realidade das Casas é curiosa: há livros e computadores, só não há, de fato, o acesso. A situação de abandono pode ser notada desde as fachadas mal cuidadas. Ou
mesmo antes, no desconhecimento dos moradores do entorno sobre esses espaços. Moradora do Vila União, a funcionária pública Cintia Lima desconhece o projeto. “Na verdade, eu nem sabia da existência”, afirma. Mesmo discurso do universitário Daniel Holanda, que diz não ter “muito conhecimento do que acontece na Casa Brasil”, e da estudante Jeísa Fontenele, que não sabia que o projeto no Vila União ainda estava de portas abertas. Localizada nos arredores da Lagoa do Opaia, a unidade do bairro Vila União está sob os cuidados do coordenador Paulo Castro desde janeiro deste ano. Apesar de o espaço estar quase totalmente desabitado, sem estudantes ou funcionários, Paulo garante que a Casa está “aberta à co-
munidade”. O coordenador é também o guardião das chaves da porta da biblioteca, que permanece fechada, segundo ele, para evitar “badernas” entre os alunos. “Não temos uma pessoa fixa para cuidar da biblioteca, mas esse espaço é público, é bom e tem as mesas de leitura”. Na unidade Vila União, a biblioteca não tem ar-condicionado, que seria o mais adequado para a conservação dos livros. No lugar, apenas quatro ventiladores, estando dois quebrados. A sala é organizada. De um lado estão livros infantis, em prateleiras mais baixas, e os livros adultos estão no centro e no meio. Segundo o responsável pela coordenação, apesar da pouca circulação de gente, eles procuram sempre manter a sala limpa e organizada.
O acervo é rico, mas os livros ainda não foram catalogados. Há variedades de livros infantis, enciclopédias e livros clássicos da literatura mundial, brasileira e cearense. Entre as obras, desde a antiga edição da enciclopédia Barsa até uma nova coleção – lançada em 2012 – com grandes títulos brasileiros de nomes, como José de Alencar, Machado de Assis e Clarice Lispector. Muitas obras, entretanto, estão guardadas ainda dentro de suas embalagens, como, por exemplo, O Sertão Dentro de Mim, dos cearenses Gilmar de Carvalho e Tiago Santana. Quando perguntado sobre o porquê de livros intactos, Paulo Castro afirma que isso se deve ao cuidado com o acervo e a falta de interesse pelas obras por parte do
“
O acervo é rico, mas os livros ainda não foram catalogados. Há variedades de livro infantil, enciclopédias e livros clássicos da literatura mundial, brasileira e cearense.
”
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Onde ficam as unidades do Casa Brasil em Fortaleza? Casa Brasil Antônio Bezerra Endereço: Complexo de Cidadania José Carlos da Costa Ribeiro, na Rua Pio Saraiva, s/n, Antônio Bezerra. Telefone: 3105.1274
Centro
Granja Portugal
Antônio aNTÔNIO bEZERRA Bezerra
Vila União
Regional III
público frequentador. “Você fala ‘ah, tem livro que está fechado’, mas vai interessar um livro desse, por exemplo, de Machado de Assis, para uma criança de cinco anos?”, indaga. Livros x Inclusão Digital O coordenador da Casa Brasil Vila União não é otimista quanto à integração entre livro e computador, uma das propostas iniciais do projeto. “Infelizmente a Internet comeu a cultura”, diz. Ele conta que a internet não é liberada para a casa toda e que, quando for, será com o acompanhamento de um profissional. “As crianças chegam aqui e perguntam ‘tem internet gratuita?’ Tem na minha sala, mas eu não digo. Só libero se for para pesquisa”. Como possíveis motivos para o abandono da Casa, Paulo aponta a falta de interesse das escolas do entorno, de divulgação na mídia e de pais bem formados que instiguem seus filhos a buscar informação para além da web. Para ele, também falta gente que “queira colocar esse projeto para frente”. Ele acredita que a Casa vai ficar “100% em funcionamento” com os cursos de qualificação profissional que serão promovidos pela Secretaria de Trabalho, Desenvolvimento Social e Combate à fome de Fortaleza (Setra) “em breve”.
Secultfor e Setra A responsabilidade sob o projeto Casa Brasil em Fortaleza é dividida entre as secretarias municipais de Cultura e Trabalho. A manutenção das bibliotecas do projeto é da Secretaria de Cultura de Fortaleza (Seculfor). “A Secultfor é responsável apenas pelas bibliotecas que integram a ação Casa Brasil, uma vez que elas fazem parte da Rede Municipal de Bibliotecas”, diz Nixon Araújo, Assistente Técnico da Coordenação de Criação e Fomento da Secultfor. Segundo Nixon, a Secretaria está trabalhando na ampliação e valorização do espaço. “No momento, estamos finalizando o processo de licitação para compra de acervos que faz parte do Programa Mais Cultura de Modernização de Bibliotecas em parceria com a Biblioteca Nacional. Serão em torno de 1.800 exemplares para cada uma das bibliotecas”, afirma. Já a Setra é responsável pela manutenção do restante das instalações das Casas. Segundo Priscila Borges, coordenadora do Trabalho da Setra, “pretende-se fazer alguns reparos quanto à estrutura, bem como existe a possibilidade de ampliação de mais salas”. Ela reafirma que serão ofertados cursos de qualificação em “diversas áreas e horários, bem como a reabilitação de laboratórios de informática”. O início dos cursos e as reformas, entretanto, não têm data definida.
Regional IV
Regional V
Fotos: Silveira Neto
O Casa Brasil surgiu para unir livro e computador. A situação de descaso vai da biblioteca às salas de informática
Granja Portugal: acervo amplo, VIDA DE REPÓRTER boa vontade e mais abandono A tristeza de A Casa Brasil Granja Portugal ocupação do lugar. Ainda este repete a mesma fachada aban- ano, ela conta, escritores, como, uma casa donada da unidade da Vila União o cearense Raymundo Netto, usae tem um agravante: os portões ram o espaço para lançamentos. desabitada
fechados. Do lado de dentro, estão um segurança, a coordenadora Margarida Gurgel e a auxiliar de coordenação Rosângela Silva. “Já tivemos muitos casos de alunos armados aqui dentro da Casa”, explica Margarida, justificando o cadeado. A biblioteca do espaço, entretanto, difere da Vila União. Quase três mil livros catalogados e outros mil ainda sem identificação. Além disso, dois aparelhos de ar-condicionado e televisão compõem o espaço. Os condicionadores de ar foram conseguidos junto à Regional V e a TV foi “doação” da Secretaria de Desenvolvimento Econômico de Fortaleza. Margarida está há três anos à frente da Casa. A arte educadora e pedagoga, entretanto, trabalhou como voluntária durante seis me– Durante uma semana, foi tentado contato com a ses deste ano. “Com a mudança Casa Brasil Antônio Bezerra. A unidade, entretanto, de gestão (da Prefeitura Municipal), só em junho que eu passei não atendeu ligação ou respondeu email. a receber”. Com saudosismo, – A Casa Brasil também uma unidade na Região Metro- ela lembra quando a biblioteca politana da Fortaleza. Em Caucaia, a realidade do prédio era bem movimentada, mostra e da biblioteca é semelhante a das unidades da Capital. fotos do espaço cheio de jovens e crianças e diz buscar meios de
MAIS INFORMAÇÕES
Casa Brasil Vila União Endereço: Rua Celso Tinoco, 1374, atrás do Colégio Haroldo Jorge Vieira, Vila União Telefone: 3433.5958
Casa Brasil Granja Portugal Endereço: Rua Humberto Lomeu, 1220, Granja Portugal Telefone: 3105.2308
A tentativa de ocupação, entretanto, não foi tão bem sucedida. Na unidade, é possível realizar empréstimos de livros. “Faz um cadastro e traz um comprovante de endereço. A gente não teve problema ainda com menino que não devolve livro”. O espaço também deveria ter acesso à internet, mas Margarida conta que a rede não está funcionando. “Temos a sala e os computadores, mas estamos sem internet e alguns computadores têm de ser reparados”. Margarida diz que o ar-condicionado ajuda a evitar poeira e que os livros são limpos sempre que possível. “Pode manusear sem precisar de luva, sem precisar de máscara, sem precisar de nada. A gente só está com problemas de serviços gerais, pois é uma pessoa para casa toda”. Assim como na unidade do Vila União, faltam profissionais capacitados para a biblioteca. “Eu deixo de fazer outras coisas aqui na Casa pela biblioteca, porque eu acho que é de grande importância ela estar aberta para a comunidade”.
A situação de abandono do projeto Casa Brasil chamou minha atenção, sobretudo, pelo paradoxo que é ter o prédio, livros, computadores e não haver pessoas usando. É possível ver boa vontade em ações como a de Margarida, coordenadora da unidade Granja Portugal, que diz querer que a Casa fique aberta, inclusive, no turno da noite. Ela, entretanto, esbarra no problema da falta de profissionais da segurança e em outras tantos problemas de administração por parte das secretarias responsáveis. Assim como ela, acho uma pena ver vazios a biblioteca e outros espaços, como auditório, anfiteatro e estúdio musical cheio de instrumentos. É um custo ainda maior imaginar o que estarão fazendo as crianças e os jovens que deveriam estar habitando esses equipamentos construídos com dinheiro público.
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IMPRESSÕES – LEITURA
Acessibilidade
Estrutura das bibliotecas públicas dificulta acesso a pessoas com deficiência Foto: Vicente Neto
Instalações físicas inadequadas são o principal problema de acessibilidade em bibliotecas públicas em Fortaleza. Por outro lado, há ações para garantir o acesso à leitura Por Vicente Neto
U
sar as bibliotecas públicas de Fortaleza não é
Estrutura física e funcionários Na Biblioteca Dolor Barreira, um cego terá dificuldade em transitar da recepção ao setor braile porque a rampa que liga os dois espaços é íngreme. Esse usuário poderia ter o deslocamento facilitado também
Foto: Vicente Neto
tarefa fácil para cegos, surdos e pessoas com deficiências motoras. É verdade que, nos últimos 13 anos, a legislação avançou. Desde o ano 2000, com a sanção da lei 10.098, construções e reformas em prédios públicos passaram a ser obrigadas a levar em consideração as necessidades de acesso de todos os cidadãos. Mas a adequação à lei tem sido lenta. Nas duas principais bibliotecas públicas da capital cearense, as estruturas ainda têm obstáculos que dificultam o acesso a usuários com alguma deficiência. O Impressões visitou a Biblioteca Pública Estadual Governador Menezes Pimentel, localizada na Praia de Iracema, e a Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira, no bairro Benfica. Em ambas, há problemas que vão da estrutura física inadequada à falta de pessoal especializado. Por outro lado, a reportagem
também registrou ações já em execução nesses equipamentos, para garantir o direito à leitura. Rampas, piso tátil, plataformas elevatórias. Esses elementos são essenciais para possibilitar às pessoas com deficiências visuais e motoras a mobilidade em edificações. As benfeitorias precisam estar de acordo com as definições da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT). Uma rampa, por exemplo, não pode exceder o percentual de inclinação de 12,5%, considerando-se seu comprimento e a altura do desnível. Já é lei, mas ainda não é realidade.
Dolor Barreira: rampa íngreme é obstáculo para deficientes visuais e motores que utilizam a biblioteca municipal
caso o edifício dispusesse de piso tátil, com marcações indicativas de direção e de alerta. Já um cadeirante que deseje utilizar o acervo Geraldo Nobre ou a Gibiteca, ambos no piso superior, não conseguirá acessar os espaços porque faltam plataformas elevatórias. Segundo a diretora da Dolor Barreira, Herbênia Gurgel, a Prefeitura já identificou as deficiências do prédio, por meio da Coordenadoria da Pessoa com Deficiência (Copedef). “Tem inclusive projeto da Secretaria da Infraestrutura (Seinf) para a reforma da biblioteca e estamos no aguardo para fazermos as alterações”, diz a diretora. De acordo com a Seinf, contudo, a próxima reforma da Dolor Barreira, prevista para iniciar em novembro, ainda não contemplará obras de acessibilidade. Os usuários com deficiência podem ter que esperar até 2016. Essa é a meta estabelecida no Plano Municipal de Cultura para que todos os equipamentos culturais do município atendam aos requisitos legais de acessibilidade, segundo informou à reportagem a Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). A situação é semelhante na Biblioteca Menezes Pimentel. A universitária Leni Alves, que é cadeirante, precisou usar o equipamento e teve dificuldades. “Tem um elevador lá, mas não existem rampas. Quando o elevador quebra, o acesso é
só pela escada e fica inviável a gente subir”, reclama. O pedagogo João Bosco possui deficiência visual e já trabalhou no prédio. Ele reforça a necessidade de reforma. “Sentia falta de piso tátil lá. Se houvesse, facilitaria bastante”, afirma. A diretora da biblioteca estadual, Enide Vidal, explica que, quando o prédio foi construído (1975), não se levava em conta a acessibilidade. “Sempre existiram as pessoas (com deficiência), mas hoje é que isso foi conquistado como direito”, justifica. Um projeto de reforma geral da biblioteca, incluindo acessibilidade interna, está em elaboração pelo Departamento de Arquitetura e Engenharia do Ceará (DAE) e deve ser enviado à Secretaria de Cultura do Estado (Secult) até novembro. Porém, ainda não há datas definidas para licitação e início das obras. A garantia de acesso ao acervo para as pessoas com deficiência não se limita às instalações físicas das edificações. O atendimento a essa parcela do público também carece de pessoal especializado. Germana de Lima trabalha no Instituto Cearense de Educação de Surdos. Ela tem deficiência auditiva e reclama da falta de intérprete de libras (linguagem brasileira de sinais) nos equipamentos. Na Biblioteca Menezes Pimentel, apenas um funcionário sabe se comunicar em libras. Já na Dolor Barreira, nenhum dos
oito funcionários está capacitado para atender uma pessoa surda. Conquistas Apesar dos problemas, as duas bibliotecas apresentam algumas conquistas quanto à acessibilidade. A Menezes Pimentel mantém há mais de três décadas um setor com obras em braile (codificação de leitura para pessoas com deficiência visual). Criada em 1979, a seção tem 3.530 livros impressos em braile registrados no acervo, a maior parte disponível para empréstimo, e 334 audiolivros. Também presta serviço gratuito de digitalização de textos, para que estes possam ser ouvidos por usuários que disponham de um computador com programa leitor de tela. O setor conta, ainda, com funcionários treinados para atender usuários cegos. Uma boa notícia também para as pessoas com deficiência visual vem da biblioteca municipal. Um funcionário acaba de ser designado pela Prefeitura para trabalhar na seção braile da Dolor Barreira. Ele é cego e domina o método braile. Além de atender os usuários, o reforço especializado vai realizar uma importante missão no setor onde as obras ainda não foram indexadas. “(Ele) vai nos ajudar a decodificar o que não estiver em capa para os bibliotecários poderem catalogar e classificar esse material”, comemora a diretora Herbênia Gurgel.
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IMPRESSÕES – LEITURA
Coleção de memórias: a história de grandes nomes do Ceará em acervos
Foto: Isabele Câmara
Patrimônio
Livros que passaram de artigos pessoais a patrimônios públicos de Fortaleza. Conheça a história dos acervos Djacir Menezes e Geraldo Nobre Por Felipe Martins e Isabele Câmara
“A
minha biblioteca deverá ser entregue ou vendida a uma universidade do Ceará (caso interesse)”. A frase está escrita em um documento de Djacir Menezes, dono de um patrimônio de aproximadamente 16 mil volumes. A citação foi a pedra fundamental para o que hoje é o Acervo Djacir Menezes, pertencente à Universidade Estadual do Ceará (Uece). Quase treze anos após a aquisição, e depois de um minucioso processo de restauração, a Universidade deve finalmente abrir as portas do acervo ao público no próximo dia 24 de outubro. O acervo se divide em 3.500 obras raras e 10 mil não raras, que incluem 2.400 revistas e jornais antigos. Segundo Vasco Robson Soares, bibliotecário responsável pelo etiquetamento das peças do Acervo Djacir Menezes, para uma obra ser considerada rara, ela deve ser datada de antes do século XX, ter poucas edições e não ser possível encontrá-la no mercado. Entre as obras encontradas na coleção, estão livros sobre assuntos diversos. Filosofia, Sociologia, Direito, Literatura, periódicos, obras autorais de Djacir Menezes, incluindo algumas escritas à mão. Djacir escreveu sobre Economia, Sociologia, Filosofia e Direito, além de produzir poemas
e críticas. Um dos livros mais famosos dele é “O Outro Nordeste”, crítica à obra “Nordeste”, de Gilberto Freyre. Segundo a bibliotecária do acervo, Ana Néri, a demora de quase treze anos para disponibilizar as obras ao público aconteceu por conta das propostas de restauração recusadas por colaboradores e pela falta de periodicidade dos editais voltados à cultura. “Foi apresentada uma proposta ao BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social), que foi negada. Só fomos contemplados em 2009”, conta. Quem quiser ter acesso ao acervo Djacir Menezes terá de cumprir regras específicas. “A pessoa vai ter que marcar hora e usar uma série de paramentos. Avental e luvas, por exemplo, para manusear os livros. É uma questão de segurança tanto humana, como material”, explica Ana Néri. O acervo conta ainda com armários especiais que vedam a entrada de pó. O custo de um conjunto desses equipamentos foi de aproximadamente 152 mil reais. A verba destinada ao acervo vem do BNDES, que apoiou o projeto de restauração, o estudo bibliófilo e a informatização. O dinheiro vem também do Monitoramentos de Ações e Projetos Prioritários (MAPP). O MAPP 19 foi destinado a gas-
tos com livros e o MAPP 18, com equipamentos. Os MAPPs são ligados ao Governo do Estado do Ceará, Secretaria de Planejamento e Gestão. Acervo Geraldo Nobre Outro acervo de grande importância encontrado em Fortaleza é o do jornalista, professor e economista Geraldo Nobre. O cearense é considerado um dos mais importantes historiadores do Estado. Entre as contribuições dele estão diversos livros e artigos sobre cultura, política e economia, responsáveis por traçar um panorama da história do Ceará desde o período colonial. A coleção com cerca de seis mil livros foi doada pela família de Geraldo em 2006 - um ano após a morte dele - à Biblioteca Pública Municipal Dolor Barreira. Tamanha importância, no entanto, parece ser negligenciada pelo poder público. O acervo, que guarda grande parte da memória de Geraldo Nobre, é conservado, mas não pode ser acessado. Segundo a diretora da biblioteca, Maria Herbênia Gurgel Costa, o acervo de livros de Geraldo Nobre não está “tecnicamente preparado para empréstimo”. As obras estão em conservação no primeiro andar do local e esperam o processo de separação e catalogação informatizada. Outra dificulda-
de que torna inviável o acesso público a essas obras é o estado precário de alguns dos volumes, que precisam de mão de obra especializada para serem restaurados. Para Herbênia, um dos maiores problemas que impedem o acesso a determinados acervos é a falta de bibliotecários. “Temos uma questão séria de servidor. Faz muito tempo que não tem concurso no Município e nós somos sacrificados porque não temos bibliotecários para fazer esse trabalho agora”, conta. “Nossa expectativa é que a gente esteja fazendo isso, pelo menos, até o fim da gestão do prefeito Roberto Cláudio, porque é muita coisa para fazer”, espera a bibliotecária.
“
O acervo traz uma ampla contribuição para as atividades de pesquisa e de cultura. Além da disseminação da cultura clássica
”
Foto: Isabele Câmara
Os livros do acervo de Djacir Menezes são sobre Filosofia, Sociologia, Direito, literatura, periódicos, além de obras autorais
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IMPRESSÕES – LEITURA
Condições estruturais
Entre o esquecimento e o reavivamento: como estão as nossas bibliotecas? Um breve passeio pelas principais bibliotecas de Fortaleza revela o abandono e a falta de investimento público nesses equipamentos nos últimos anos. Secretarias de Cultura Estadual e Municipal anunciam mudanças que prometem reverter o quadro Por Gleyce Any, Renan Vidal e Saulo Lucas um problema para os frequentadores. O estudante Lucas Ferreira é incisivo na crítica. “Desde quando eu comecei a estudar aqui, e isso já vai fazer uns dois anos, está sem ar-condicionado. A gente estuda no sol quente mesmo. Aí eu mudei o turno e venho estudar agora final de tarde, que é mais fresco”. A prometida reforma na biblioteca apresenta alguns entraves. Segundo a diretora da Biblioteca Menezes Pimentel, Enide Vidal, a reforma precisa passar por processos licitatórios que burocratizam todo a ação. A assunção da vaga de secretário da Cultura por Paulo Mamede reavivou as esperanças dos que almejam a reforma da biblioteca. “O novo secretário assumiu com o propósito de colocar em execução a reforma. Ele tem consciência de que a biblioteca é um espaço importante, e precisa estar agradável ao público”, expõe Enide. Sobre o vazio dominante na biblioteca, Enide justifica que “o grande problema são as novas tecnologias”. E, logo após, completa com as causas estruturais. “Esse momento que a biblioteca está passando, esse problema nas instalações elétricas, afasta os usuários também. A gente espera que, com a reforma, esse local seja novamente habitado, e com certeza trabalharemos nesse sentido, com projetos e tudo mais”.
A falta de funcionários não é um dos principais problemas da BPGMP, pois cada setor possui um bibliotecário para auxiliar o usuário. Infelizmente, o mesmo não acontece nas outras bibliotecas do Estado onde, segundo a gerente Aparecida Lavor, apenas 30 dos 184 municípios possuem bibliotecas equipadas com profissionais da área. “Boa ou ruim, tem em todo município. Na gestão do FHC (Fernando Henrique Cardoso), eles (os prefeitos) recebiam dinheiro e ia para todo canto, menos pras bibliotecas. Depois do Lula, eles passaram a mandar todo o acervo já pronto. Melhorou, mas ainda falta muito”, reforça Aparecida. Mais olhos para Dolor Barreira Ao todo, sete equipamentos compõem a Rede Municipal de Bibliotecas, sendo a Dolor Barreira o principal espaço mantido pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor). A Biblioteca possui um acervo de, aproximadamente, 16 mil livros, os quais dividem-se em áreas como Psicologia, Filosofia, Literatura Estrangeira e Brasileira, além de muitos outros. Vale ressaltar, ainda, que no expressivo número do acervo não se contam as diversas caixas com obras a serem catalogadas e os títulos voltados especialmente para a Gibiteca. Em funcionamento há mais de 40 anos, o equipamento
EM NÚMEROS
Na Menezes Pimentel: Há
115 mil
volumes e 15 bibliotecários, 7 concursados e 8 terceirizados No Estado do Ceará: Há
190
bibliotecas cadastradas, em 182 dos 184 municípios Em Fortaleza:
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equipamentos compõem a Rede Municipal de Bibliotecas
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do. Desde 2002, o equipamento não passa por reformas. O legado da falta de investimento em cultura é sentido nos dias de hoje pela circulação cada vez menor de pessoas nesses espaços, que deveriam estar abarrotados. “Hoje o nosso público é mais ‘concurseiro’. Até porque, com essas novas tecnologias, ninguém vem mais pegar enciclopédia nem dicionário aqui”, relata Aparecida Lavor, gerente do Sistema Estadual de Biblioteca Públicas do Ceará (SEPB). Até mesmo nos locais antes mais frequentados predomina um incômodo silêncio, como o Setor Infantil, que é arquitetado e enfeitado com livros e fantoches. “Aqui vem mais excursão de escolas públicas e particulares. Mas vez ou outra fica assim, meio vazio”, confessa Beth Gondim, administradora responsável pela ala infantil. Ela ainda enfoca outro público. “Os meninos do Poço da Draga (comunidade próxima à biblioteca) também vêm é muito. Só que eles andam meio sumidos, não sei o que aconteceu”. Mesmo não aparentando sucateada, a BPGMP passa por algumas dificuldades que vêm se arrastando por anos. A principal, constatada em todos os setores, é a falha no funcionamento do sistema de refrigeração. O incessante calor, atrelado à presença de pernilongos, é
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P
rojetadas para serem um dos principais espaços públicos, as bibliotecas funcionam como santuários onde acontecem as mais variadas interações entre as pessoas e os livros. Não deveria ser diferente com as bibliotecas de Fortaleza. Porém, basta visitar os mais importantes equipamentos dos sistemas de bibliotecas públicas estadual e municipal da Cidade para ter um panorama do atual estado desses lugares. Há pelo menos uma década sem receber investimentos significativos para reformas ou contratação de profissionais qualificados, esses espaços não têm se renovado e, por isso, vêm perdendo destaque na capital cearense. No entanto, mudanças anunciadas pelas secretarias de Cultura do Estado e de Fortaleza reacendem as esperanças e as discussões sobre o reavivamentos das nossas bibliotecas. Fundada em 1867, a Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel (BPGMP) é a mais expressiva e extensa biblioteca do estado do Ceará, contando com acervo de, aproximadamente, 115 mil volumes e cerca de 300 mil periódicos. A área, privilegiada pela vista para o mar, ocupa 2.272 metros quadrados, e é dividida em cinco pavimentos. Todo o acervo cultural, no entanto, encontra-se debilita-
Foto: Saulo Lucas
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IMPRESSÕES – LEITURA conta com uma equipe de mais de 12 pessoas, entre profissionais e estagiários. Embora o espaço tenha ganhado cada vez mais atenção, resultado visível nos mais de dois mil visitantes mensais, a diretora Herbênia Gurgel afirma não haver concurso para bibliotecários há cerca de dez anos, fato que contribui com a carência das bibliotecas públicas, entregues à livre iniciativa dos que abraçam a causa. Segundo o assistente técnico da Coordenação de Criação e Fomento da Secultfor, Nixon Araújo, até agora, não há previsão para a realização de concursos voltados para a área de biblioteconomia. Mesmo com as deficiências comuns aos equipamentos públicos, a Biblioteca Dolor Barreira recebe visitantes de todas as idades. Seguindo o exemplo dos irmãos, Francisco Lemos Tomé Junior, 32, estudante de Contabilidade, utiliza o espaço para estudo e pesquisa no acervo. Preparando-se para prestar o exame de suficiência para exercer a profissão, Tomé afirma que “o ambiente é bastante favorável para estudar”, além de disponibilizar os livros necessários. O cenário é um pouco diferente para a estudante Fátima Souza Lima. Segundo ela, embora o espaço seja muito bom para a concentração nos estudos, o acervo necessita de atualização. “Estudo para concurso, preciso de livros de Gramática que estejam atualizados, mas nem sempre encontramos”, afirma. Ressignificar para atrair Perto de completar 40 anos de existência, o Instituto Municipal de Pesquisas, Administração e Recursos Humanos (IMPARH) abriga mais uma das sete bibliotecas que compõem a Rede de Bibliotecas Públicas Municipais de Fortaleza. O equipamento da Secultfor atende a um público interno de cerca de cinco mil
estudantes. São jovens e adultos que participam de cursos e atividades de extensão, oferecidos pelo IMPARH, ou que estudam na Universidade Aberta do Brasil (UAB) e no Centro de Línguas (CLI), equipamentos que também compõem o campus da instituição. A Biblioteca do IMPARH, bem como toda a instituição, não passa por um bom momento. Os nove anos que ficou sem receber reformas deixaram o campus em um estado que beira ao sucateado. No entanto, obras de melhoramento e projetos reestruturantes começados no início deste ano prometem reverter essa situação. De acordo com o diretor administrativo financeiro do IMPARH, Laurence Bisol, foi lançado, recentemente, o Plano Plurianual (PPA) do Governo Municipal para os próximos quatro anos, o qual inclui as diretrizes para a captação de recursos destinados a várias reformas no campus. A principal a ser realizada é a restauração do casarão da década de 1930, que abriga a parte administrativa do IMPARH. A obra está orçada em cerca de R$ 1 milhão, incluindo apenas a reforma. Tombado desde 2005, o prédio se tornará um espaço cultural que incluirá a Biblioteca, além do memorial em homenagem aos 40 anos da instituição e do Plantão Gramatical. “Esse espaço precisa ser ressignificado para transformá-lo em um espaço cultural. O seu valor histórico e o seu posicionamento estratégico, na entrada do IMPARH, vai garantir maior visibilidade”, declarou Bisol. Até o último mês de abril, a biblioteca funcionava em um prédio separado do Centro de Línguas (CLI). O espaço encontrava-se com uma série de problemas estruturais, como queda de reboco e rachaduras no piso. Por esse motivo, teve de ser interditado para reforma e os livros da Biblioteca foram
Foto: Saulo Lucas
A Biblioteca Municipal Dolor Barreira chega a receber cerca de dois mil visitantes por mês. transferidos, provisoriamente, para uma sala audiovisual do CLI. Ainda de acordo com Laurence Bisol, mesmo depois da conclusão da reforma, no fim de agosto, o equipamento não deve voltar a funcionar lá, pois no espaço passará a funcionar o Departamento de Concursos e Seleções do IMPARH (DCS). Assim, os livros devem permanecer onde estão até a mudança da biblioteca para o casarão após a restauração. Apesar de o equipamento seguir funcionando em um lugar menor e improvisado, Bisol diz estar surpreso com a compreensão dos usuários. Inclusive, depois da mudança para o Centro de Línguas, o número de usuários por semana mais que triplicou. “Antes tinha uma média de 35 alunos visitando a Biblioteca. Hoje, esse número ultrapassa aos 110 alunos. Percebemos uma mudança positiva que se deve a visibilidade e acessibilidade; a Biblioteca está ao lado das salas de aulas”, avalia o diretor administrativo financeiro do IMPARH. A Biblioteca do Instituto funciona de segunda a sexta-feira em dois turnos, das 7h às 13h e das 15h às 21h. De acor-
do com o auxiliar administrativo, Nicolau Pereira, há mais de dois anos o espaço está sem bibliotecário, ficando apenas sobre os cuidados dele e de duas servidoras de nível médio. Trabalhando na biblioteca há cerca de dez anos, Nicolau explica que o sistema ainda não é informatizado, a relação de livros e de usuários continua sendo na base das tradicionais fichas. Problemas que, de acordo com a administração do IMPARH, devem ser resolvidos nos próximos meses. “Até o início de 2014, a Biblioteca deve ser informatizada e haverá compra de mais livros. Também solicitaremos a transferência de duas bibliotecárias para cá. A abertura de concurso exigiria mais tempo e a demanda é urgente. Em relação à restauração do casarão, devemos enviar o projeto até o fim do mês (de setembro) e, se tudo der certo, as obras devem começar em 2015”, informou Laurence Bisol. Atualmente, além do IMPARH e da Dolor Barreira, compõem a Rede Municipal de Bibliotecas os espaços: CUCA Barra (Regional 1), Casa Brasil Antônio Bezerra (Regional 3),
Casa Brasil Vila União (Regional 4), Casa Brasil Granja Portugal (Regional 5) e Vila das Artes (Regional 4). Segundo a Secultfor, este número deve aumentar em breve, pois estão sendo finalizadas as obras de mais duas bibliotecas, localizadas nos bairros Autran Nunes (Regional 3) e Conjunto Ceará (Regional 5), além da inauguração dos novos CUCAs. Conforme a Secretaria, fora as construções, o único projeto voltado para os equipamentos citados é a compra de 1.800 títulos para cada biblioteca, cujo processo de licitação já se encontra em fase final.
SERVIÇO
Horários de funcionamento: Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel Segundas as sextas-feiras, 8h às 21h Sábados, 9h às 17h Biblioteca Municipal Dolor Barreira Segundas as sextas-feiras, 9h às17h Biblioteca do IMPARH Segundas as sextas-feiras, 7h às 13h/ 15h às 21h
LINHA DO TEMPO DA BIBLIOTECA PÚBLICA MENEZES PIMENTEL Menezes Pimentel, a maior biblioteca pública do Ceará 1978 1867 Em 25 de março de 1867 é criada a Biblioteca Provincial do Ceará, mais tarde batizada de Menezes Pimentel, em homenagem ao político cearense que foi governador entre 1935 e 1937.
Em 6 de fevereiro de 1975, o Presidente Ernesto Geisel inaugura o prédio atual da biblioteca.
1975
Em 22 de maio de 1978, o então governador do Estado, Waldemar Alcântara, muda o nome da Biblioteca Pública do Estado para Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel.
2013 A biblioteca passa pela última reforma geral, quando é feita a modernização dos sistemas e da estrutura e a integração física com o Centro Cultural Dragão do Mar.
2002
Dentro da reforma anunciada pelo atual secretário da Cultura, Paulo Mamede, está incluso uma passarela que interligará externamente o Dragão do Mar e a Bilioteca.
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IMPRESSÕES – LEITURA
Espaços alternativos
O maravilhoso mundo dos sebos: a paixão de quem vende e compra livros usados Livreiro há mais de 46 anos e dono de um dos maiores sebos de Fortaleza, seu Geraldo conta como iniciou no ramo de livros usados e explica como funciona o espaço Por Bárbara Danthéias e Carolina Areal son Pandeiro – e confessa que livro ele não pega, não, mas deixa de vender os LPs de que gosta para guardá-los para si. Tudo em família O negócio de compra e venda de livros usados perpassa por toda a família; mulher, filhos e cunhados ajudam bastante. Um exemplo disso é Stela Alves, cunhada do livreiro, a quem ele sempre recorre para pedir ajuda no atendimento aos vários clientes que adentram o local durante o dia, interrompendo a entrevista. “Eu aqui não sei quase de nada, quem sabe mesmo é a Stela. Ela que guarda, anota preço, faz tudo”, comenta seu Geraldo a respeito da responsável por catalogar todos os exemplares que chegam ao sebo. Stela explica que costuma organizar os livros por assunto, mas, às vezes, também os separa por editora. “Alguns livros que tem menos títulos de uma determinada editora, dá até para separar por ela. Companhia das Letras, Rocco... dá pra separar por título, por editora. Agora, esses outros livros aleatórios, a gente coloca só no assunto mesmo”. Segundo ela, os livros mais vendidos no sebo são os com a temática esotérica, espírita e de autoajuda. “Mas o romance não tem pra ninguém, não. Toda hora vende”, acrescenta.
Foto: Bárbara Danthéias
Consumidores Engana-se quem pensa que a única atratividade nesses espa-
O acervo de Seu Geraldo conta com mais de 100 mil livros
Foto: Bárbara Danthéias
Q
uem passa pela Rua 24 de maio, no centro de Fortaleza, não imagina a infinidade de mundos que se encontra no número 950. Localizado entre barraquinhas de água de coco, o sebo do Seu Geraldo conserva mais de 100 mil exemplares de livros usados – que vão desde volumosas enciclopédias até os romances mais açucarados. O livreiro Geraldo Paulo Duarte – mais conhecido como seu Geraldo – está no ramo de venda de livros há mais de 46 anos. A história tem início no ano de 1966, quando ele começou a vender revistas velhas na calçada da Rua Guilherme Rocha, no turno da noite. Antes de chegar ao atual ponto de comércio, onde permanece há onze anos, Seu Geraldo também vendeu livros usados nas ruas Senador Pompeu, Floriano Peixoto, Pedro Pereira e Tristão Gonçalves, todas situadas no Centro da cidade. Se, a princípio, o livreiro contava apenas com doações, hoje a maioria dos livros é adquirida por meio da compra. “A compra aqui é diária, todo o tempo, mas aqui e acolá uma pessoa oferece à gente, e a gente vai buscar”. Além das obras, seu Geraldo também trabalha com a venda de discos de vinil. “Roberta Miranda, Genival Santos e Luiz Gonzaga é o que eu mais tenho. Músicas tipo isso aqui.” Nesse momento, seu Geraldo sobe o volume do rádio – que toca o forró de Jack-
Entrada do sebo do seu Geraldo na Rua 24 de Maio ços são os preços acessíveis. Para Markus Markans, professor de filosofia e frequentador de sebos há mais de 15 anos, o livro usado tem um valor especial. “Eu gosto muito do livro que já foi manuseado por outras pessoas, que tem uma história impressa nele: uma mancha de café, um risco de uma criança...”, revela. Outra fiel – e bastante tímida, pois se recusou a posar para fotos e a dar mais detalhes sobre si – cliente do sebo do seu Geraldo é a estudante de Letras Doralice. Frequentadora do local há cerca de sete anos, Doralice afirma que já comprou mais de 300 livros do sebo para ela e suas filhas. “Quando eu não posso vir, eu fico doidinha. Eu vivo ligando pra Stela: ‘e aí, Stela, chegou alguma coisa?’”, comenta a compradora, entre risos. A atenção com os clientes é outro fator que conta bastante para quem costuma frequentar o recinto. Doralice, por exemplo, destaca que Stela já conhece o tipo de livro de que ela gosta. “Eu amo esse sebo e gosto deles também. A gente cria um laço de amizade”, confessa. Segundo Stela, para trabalhar em sebos é preciso, antes de tudo, gostar do que está fazendo. “Tem que tratar o livro com carinho, colar se tiver que colar, limpar se tiver sujo... dar atenção a ele, né? O livro tem sentimento, o povo não acredita, mas ele tem sen-
timento. Todo livro tem seu dono”, declara. “Pode subir, tem mais” E o que dizer de um espaço onde livros novos e usados convivem praticamente juntos? Localizada no bairro do Benfica, região universitária e boêmia da cidade, a livraria “Arte e Ciência” começou as atividades como sebo e até hoje não esquece as origens. Para ter acesso ao acervo, com aproximadamente 50 mil livros usados, é necessário se dirigir até o balcão da livraria, guardar bolsas e pertences e subir as escadas em direção ao primeiro andar do prédio, aparentemente pequeno e modesto. A escada íngreme recepciona os amantes da leitura com quadros coloridos e estantes repletas de livros. Inúmeras obras, separadas por categorias, vão se espalhando e ganhando território, ocupando os espaços do que um dia já fora uma casa. Adriano Fernandes, gerente da livraria “Arte e Ciência”, é o responsável pela recepção e confidências sobre a história do local. “O dono trabalhava com o pai, que já tinha experiência com a venda de livros, e resolveu abrir uma loja de livros usados. Com o tempo, o negócio transformou-se em livraria e ele teve que comprar dois apartamentos para alojar o sebo”, comenta. Segundo ele, a livraria não prejudica o comércio de livros
usados. “Uma coisa complementa a outra: tem gente que dá preferência ao livro novo, pela questão da higienização. Já quem quer um preço mais barato, ou então livros esgotados, que não estão mais nas livrarias, procura no sebo mesmo”. Com uma clientela marcada por universitários, o acervo é formado – na sua maioria – por livros acadêmicos, que são organizados e mantidos por oito funcionários que trabalham exclusivamente para o sebo. “Nós catalogamos todos os livros e separamos por categorias e sessões, isso facilita na hora de procurar uma obra”, afirma Adriano Fernandes, confidenciando que a livraria “Arte e Ciência” também passou a aderir as novas formas de comércio. “Vendemos também pela internet e sempre procuramos outros meios de divulgação”, complementa.
“
Eu gosto muito do livro que tem uma história impressa nele: uma mancha de café, um risco de uma criança...
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IMPRESSÕES – LEITURA
Infância
Canto de ler, canto de brincar: como a literatura é incentivada no Ceará Cresce Brincando Foto: Reprodução
Projeto do Unicef atua no Ceará há sete anos viabilizando espaços que efetivam o direito fundamental à brincadeira e à leitura Por Cris Lima e Rosana Reis
Educadores do Ceará Cresce Brincando passam por formações desenvolvidas pelo Projeto Incluir Brincando,da Unicef, que tem o objetivo promover a inclusão das crianças
T
oda criança tem direito à leitura. Pelo menos é isso o que garante as entrelinhas da Constituição Federal, no seu artigo 227, e também o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, quando determinam que é obrigação da família, do Estado e da sociedade assegurar aos pequenos o direito ao “lazer”, compreendido, aqui, em sua plenitude. Em pelo menos vinte espaços distribuídos no Ceará, a diversão tem extrapolado os limites do brincar e invadido o mundo da imaginação projetado pela leitura. O lazer literário começou a ser levado o sério quando a Uunicef, em parceria com a Associação para o Desenvolvimento dos Municípios do Estado (APDMCE), iniciou a organização das Brinquedotecas do programa “Ceará Cresce Brincando”. A principal meta do programa, nascido em 2006, é efetivar o direito ao “brincar” como uma necessidade básica e fundamental de toda criança e adolescente – tão essencial quanto saúde, mo-
radia ou educação. Bárbara Janiques, uma das coordenadoras do Ceará Cresce Brincando, vinculada à APDMCE, a meta inicial e a curto prazo era instalar as brinquedotecas. Hoje, quase sete anos de trabalho depois, já existem vinte brinquedotecas, em diversos municípios cearenses – incluindo Fortaleza –, contemplando, desta maneira, todas as regiões do Estado. Agora, após o amadurecimento do programa, o foco é manter a formação continuada dos “educadores sociais brinquedistas” – profissionais indicados pelo município que recebe o programa. No total, quatro educadores são distribuídos por brinquedoteca, tornando-se responsáveis pela mediação das atividades e pela conservação dos espaços. A brinquedoteca do programa é dividida em quatro diferentes setores que se complementam: o Canto da Leitura, o Canto do Fazer, o Canto do Canto e o Canto de Artes. “O Canto da Leitura tem o objetivo de despertar
o prazer mesmo, o encantamento. A criança vive no simbólico, e aí, quando a gente traz uma narração, uma história contada, que a gente tira do livro e dá vida, a gente possibilita que ela viaje. O objetivo é mesmo despertar o imaginário, o prazer da leitura”, pontua Bárbara, que não faz questão de esconder a satisfação que tem em trabalhar com o imaginário infantil. As estruturas Tapetes estantes e cores, muitas cores. Os títulos, que variam entre os diversos clássicos da Literatura, como Monteiro Lobato, ou que abordam questões sociais mais delicadas – realidade vivida na pele pelas crianças atendidas pelo projeto – estão dispostos no chão ou nas paredes. A questão central é que os olhos das crianças estejam fixos neles. Se não os olhos, pelo menos os ouvidos. A contação de estórias é uma das atividades mais trabalhadas no Canto da Leitura, que, aos poucos, vai se transformando numa espécie
de campo da escuta. É incentivada também a participação e a presença dos pais das crianças, de forma que o interesse literário passe a ser um ponto cada vez mais familiar. O espaço é feito para se deliciar com os livros, sentar-se ao chão e agarrar-se a eles. Assim, folhas, letras, ilustrações e histórias, que naquele ambiente dividem a atenção das crianças com outros brinquedos, passam a constituir mais um elemento do imaginário infantil, mais um objeto que desperta curiosidade e interesse. Os desafios O projeto constantemente precisa se superar e procura se adequar à realidade de cada município. A estudante de pedagogia Géssica Monteiro já trabalha em outras atividades semelhantes em Croatá e atualmente se prepara para ser educadora social do Ceará Cresce Brincando. O programa está em vias de ser definitivamente implantando no município, e Géssica já começa a participar de oficinas
de contação de histórias e de varais literários, mas sabe que não vai dispor de uma brinquedoteca ou de um canto da leitura para trabalhar. “Para trabalhar com o Ceará Cresce Brincando, nos foi dito que não necessariamente teríamos que ter um espaço físico. Os municípios que têm mais dinheiro têm espaços para a realização”. Esse não é o caso de Croatá. Pelo menos, não por enquanto. Entretanto, para Bárbara Janiques, a falta do espaço físico não seria bem um problema, e sim uma das modalidades em que o programa escolheu trabalhar. Após implantar as vinte unidades de brinquedotecas, segundo Bárbara, o projeto precisa “extrapolar as barreiras físicas”, e se deslocar para outras comunidades – e até mesmo municípios – de maneira itinerante. No “Ceará Cresce Brincando Itinerante”, as estantes do Canto da Leitura se transformam em varais de livros e em baús para chegar até crianças que moram longe da estrutura física da brinquedoteca. “A gente sabe que tá conseguindo levar realmente o brincar pra essas crianças, que têm uma realidade muito dura, muito difícil. Muitas têm a questão do trabalho infantil, outras estão fora da escola, outras estão ligadas com as drogas... O programa vem como oportunidade de oferecer algo de direito pra essas crianças”, defende Bárbara.
“
O espaço é feito para se deliciar com os livros, sentar-se no chão e agarrarse a eles
”
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Ambiente escolar
Bibliotecas de escolas estaduais lutam para suprir necessidades dos alunos em meio às dificuldades O Jornal Impressões visitou três escolas públicas da rede estadual e constatou o funcionamento das bibliotecas, a dificuldade de renovação do acervo e a falta de concurso para bibliotecário Por Débora Lopes, Mikaela Brasil e Taís de Andrade Foto: Mikaela Brasil
Sala de Multimeios, recursos audiovisuais e livros em um só lugar
“E
u amo literatura. Estou fazendo o que eu gosto”. É o que diz Christiane Magalhães, regente da Sala de Multimeios do Colégio Juarez Távora, no qual trabalha há um ano. A frase pertence a essa professora, mas o seu significado pode se ver estampado no rosto de outras duas regentes das escolas estaduais visitadas pela reportagem. O amor pelo trabalho é inegável, mas as condições dos locais são um desafio. A biblioteca não funciona sozinha. Ela está inserida na Sala de Multimeios que agrega também sala de vídeo, laboratório de informática e sala de leitura. O responsável pelo espaço é chamado de Regente, que trabalha com outros funcio-
nários, denominados Apoios. De acordo com a Secretaria de Cultura do Estado do Ceará, todas as escolas têm uma Sala de Multimeios. “Aqui a gente atua como suporte pedagógico, não é uma biblioteca”, conta a pedagoga Cleonice Nascimento, regente do espaço Multimeios na escola de Ensino Fundamental Centro dos Retalhistas. Neste colégio, uma sala pequena abrigava as estantes com os livros, além de uma televisão de tela plana e um notebook. O mesmo espaço se transforma em sala de vídeo quando alguma turma vai para lá assistir algum filme passado pelo professor. “Não há como fazer só uma biblioteca, por conta da estrutura” afirma a professora, que
está há dez anos na instituição. E não é somente o espaço físico que é dividido entre a biblioteca e os equipamentos. De acordo com a assistente financeira do Centro dos Retalhistas, Luana Silveira, o Governo Federal, em 2013, através do PDDE (Plano de Desenvolvimento da Escola), repassou 12 mil reais à escola. O valor é repassado para as escolas uma vez ao ano. O dinheiro é enviado com base no número de alunos matriculados na instituição, de acordo com o Censo Escolar do ano anterior e serve para aquisição de material, manutenção e reparos na unidade escolar. Luana Silveira calcula que 70% do valor foi para a Sala de Multimeios, para os equipamentos como o datashow e no-
tebooks. Dessa porcentagem, a assistente financeira analisa que aproximadamente 20% foram repassados só para as questões da própria biblioteca, como a compra de livros. Com a nova gestão de diretoria da escola, Cleonice Nascimento disse que a atual diretora já pediu para que ela elaborasse novos projetos envolvendo a leitura. A biblioteca pode disputar espaço com outros equipamentos, mas nesse quesito ela é fundamental: “Quanto mais o aluno lê, mais ele vai ter compreensão em sala de aula”, diz Cleonice. A leitura pode facilitar que o aluno compreenda melhor textos, o que é essencial em avaliações como no Índice de Desenvolvimento em Educação Básica (Ideb), em que a es-
“
Quanto mais o aluno lê, mais ele vai ter compreensão em sala de aula
”
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IMPRESSÕES – LEITURA por meio da avaliação e distribuição de obras de cunho teórico e metodológico. Este investimento é de ação própria do Ministério da Educação. Devido a isto, o governo estadual não apresenta autonomia diante da solicitação de demanda. Faltam bubliotecários Um dos maiores desafios encontrados nas escolas estaduais é a falta de bibliotecários. De acordo com a psicopedagoga Olga Suely de Moraes, regente da sala de Multimeios no colégio Adauto Bezerra, o Estado não faz concursos voltados aos profissionais da área de Biblioteconomia, nomeando professores para exercer essa função. Olga afirma não ter recebido nenhuma capacitação ao ser convidada pelo diretor da escola, em 2009, para assumir a função de regente. A pedagoga explica que adquiriu algumas noções básicas sobre biblioteca, pedindo informações com uma amiga, bibliotecária de colégio particular. “Eu conversei com uma colega minha bibliotecária. Ela me deu essa ideia de arrumar por autor, em alamedas”, explica. O único suporte fornecido pelo Estado são as reuniões de capacitação realizadas pela Seduc, mas estas não ocorrem com frequência. O problema é apontado também pelas demais regentes entrevistadas. Segundo a pedagoga Cleonice Pinheiro, todos os dados que obteve sobre organização dos livros foram aprendidos a partir de manuais, explicando o modo de classificar as obras. A regente afirma ainda que uma grande ajuda tem sido a recepção, na sala de multimeios, de alguns estagiários do curso de Biblioteconomia, enviados pelos professores da Universidade Federal do Ceará (UFC), permitindo um maior conhecimento para melhorar a dinâmica do local. A maioria dos funcionários das bibliotecas são professores readaptados devido a problemas nas cordas vocais, algo que os impede de continuar na sala de aula. Olga de Moraes não concorda com o retorno dos professores às salas, após um curto período na biblioteca, como ocorre no sistema municipal de ensino. “Eu acho uma falta de, se couber o termo, caridade. Você pega uma pessoa que está sem corda vocal nenhuma, tira um ano e coloca ela numa biblioteca. Depois de um ano, essa corda vocal melhorou? Não
Foto: Taís de Andrade
cola, segundo a regente da Sala Multimeios, não obteve boa pontuação. Uma pontuação abaixo da média no Ideb significa um menor repasse de verbas federais no PDDE. De acordo com o portal do Fundo Nacional de Desenvolvimento em Educação (FNDE), em escolas com média abaixo do nível nacional do Ideb em 2007, o valor pode ser de apenas dez mil reais para escolas com até 99 alunos. O Centro de Retalhistas possui 647 alunos matriculados e recebeu a verba de 12 mil reais. Assim, o investimento na leitura tem origem direta com questões financeiras que mantém a escola funcionando. No momento, “nenhum projeto específico de incentivo à leitura está sendo realizado”, é o que afirma Marta Leuda, Orientadora da Célula de Desenvolvimento do Currículo e Aprendizagem da Seduc. Nesse sentido, para as bibliotecas se firmarem como locais estimulantes de leitura, é preciso depender de ações das Salas de Multimeios, que através dos Regentes e Apoios recebem amparo do governo para executarem projetos. Entretanto, devido ocuparem os mesmos espaços e compartilharem dos mesmos recursos, os conceitos de Salas de Multimeios e biblioteca se confundem. Essa atenção maior à sala, justifica-se principalmente por ser o foco primordial de investimento do governo estadual. O suporte que é realizado por parte do órgão nas bibliotecas escolares é através da disponibilização esporádica de acervos tanto no que diz respeito a paradidáticos quanto a livros didáticos. “Na última aquisição, realizada este ano, cerca de R$ 5 milhões de reais foram investidos”, afirma a orientadora. Visando suprir as necessidades destes espaços com ações assertivas de incentivo à leitura, as bibliotecas públicas são apoiadas por dois programas do Governo Federal: o Programa Nacional de Livro Didático (PNLD), que propõe a cada dois anos a atualização dos livros didáticos, e o Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), que realiza a distribuição de acervos de obras de literatura, de pesquisa e de referência a alunos. Neste último, inclui-se também a disponibilização de material de amparo à prática pedagógica dos professores da educação básica e também da Educação de Jovens e Adultos
Christiane Magalhães, Regente da Sala de Multimeios do Colégio Juarez Távora e responsável pelas ações no local melhorou!”, aponta. As regentes entrevistadas defendem a contratação de bibliotecários para auxiliar nas atividades referentes ao aluguel e classificação das obras, possibilitando uma organização mais profissional do local. Olga de Moraes afirma que trabalha na biblioteca por ter interesse pelo assunto, mas confessa não possuir um conhecimento real sobre a área. “Se me perguntarem se está funcionando esse setor da biblioteca, para mim está. Se está correto? Eu não sei”, admite. Público X Privado A realidade nas escolas privadas é bem distinta. “Em cada sede tem uma biblioteca e tem sempre um bibliotecário responsável”, explica a bibliotecária Daniele Oliveira, responsável pela biblioteca de um dos maiores colégios particulares da capital, o Ari de Sá Cavalcante. Com maior investimento e contratação de profissionais da área de biblio-
teconomia, os alunos são constantemente estimulados por meio de projetos e da aquisição de novos livros. “Tem de enciclopédia até todo tipo de literatura”, afirma Daniele, referindo-se ao acervo do local, que conta com aproximadamente 30 mil livros somente em uma das sedes da escola. Segundo a bibliotecária, praticamente toda semana chegam livros novos, muitos sugeridos pelos próprios alunos. Os projetos de leitura também são diversos e alguns são realizados juntamente com os professores, nas salas de aula. A escola organiza os livros por faixa etária, evitando que os alunos tenham acesso à obras inadequadas a idade deles. Diferentemente das escolas públicas visitadas, há espaços apropriados tanto para leitura individual como para os estudos em grupo, proporcionando um ambiente mais adequado aos estudantes. De acordo com Daniele Oli-
veira, um bibliotecário faz toda a diferença nas bibliotecas, pois permite não apenas uma classificação apropriada das obras, mas também tem maior facilidade para indicar e localizar os livros solicitados pelos alunos.
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A maioria dos funcionários das bibliotecas são professores readaptados devido a problemas nas cordas vocais
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Foto: Mikaela Brasil
Organização e classificação de livros garantem a conservação dos acervos
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IMPRESSÕES – LEITURA
Biblioteconomia
Foto: Reprodução
Mais que arrumar estantes, bibliotecários têm um cotidiano cheio de atividades Os bibliotecários organizam, cuidam, auxiliam em pesquisas e incentivam a leitura. Eles gerenciam algo muito valioso: a informação Por Raissa Sampaio
T
erezinha Maciel trabalha há 32 anos na biblioteca pública estadual Menezes Pimentel. Ela é responsável pelo setor do Ceará, que abriga as publicações de autores cearenses ou publicadas no estado do Ceará. A bibliotecária cuida do atendimento aos frequentadores, além de realizar a parte que nomeou como “técnica”, que englobaria os processos de verificação da existência do exemplar, catalogação, classificação e indexação. Para ela, trabalhar na biblioteca significa unir seu amor pelos livros e pelas pessoas. “Eu sempre gostei de trabalhar com o público, então poder trabalhar com essa parte de atendimento é muito bom. Além disso, cada livro que você pega é a possibilidade de aprender, de encontrar coisas novas”, conta. Já Tatyana Cardoso trabalha zelando pela informação do Colégio Pedro II, no Rio de
Janeiro, desde 2008. A bibliotecária passou um ano na Biblioteca Central São Cristovão, destinada aos alunos; e em 2009 foi transferida para o Núcleo de Documentação e Memória do colégio, o NUDOM. Hoje, Tatyana é uma das responsáveis por gerenciar um arquivo histórico que inclui fotos da família imperial, a prova de admissão do ator e compositor Mário Lago e o registro de professor do escritor Joaquim Manuel de Macêdo. O NUDOM é um centro de documentação, voltado para pesquisadores de graduação, mestrado e doutorado, que procuram se informar sobre a história da educação brasileira. Com um acervo tão diversificado, seria fácil o interessado se perder no meio do caminho. “No meio daquele universo todo de informação, como a gente faz para encontrar aquilo que a gente precisa? É aí que
A utilidade e facilidade do serviço de referência nas bibliotecas Por Amanda Araújo e Rachel Gomes Além do simples auxílio sobre localização de materiais no acervo, o bibliotecário realiza um atendimento especial para diversas pesquisas: o serviço de referência. Trata-se de um serviço de atendimento ao usuário que deseja realizar uma pesquisa, mas de forma ainda mais minuciosa, em que o profissional indica livros e periódicos disponíveis naquele acervo sobre o assunto buscado. De acordo com a diretora da biblioteca de Ciências Humanas da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ana Elisabeth Albuquerque, o serviço de referência é o primeiro contato que o usuário tem com a biblioteca e ele é imprescindível para o bom desempenho do aluno e pesquisador. “Às vezes, o usuário chega com um tema e não consegue achar nada, o que nós fazemos é investigar as dúvidas e orientar como esse assunto deve ser buscado para que a pesquisa seja encontrada”, explica. Para incrementar o serviço de
referência, algumas bibliotecas federais e estaduais contam com o Comut, um programa brasileiro de comutação bibliográfica. Através dele, os usuários podem solicitar cópias de periódicos, teses, anais de congresso, relatórios técnicos, e parte de documentos, disponíveis nas principais bibliotecas nacionais. Para acessar os documentos de outros acervos, deve-se dirigir a uma biblioteca pertencente à rede Comut. Na UFC, todas as bibliotecas são integradas ao Comut, diz Ana Elisabeth. Portanto, qualquer usuário, estudante ou não, pode solicitar o serviço de comutação, tendo apenas que pagar uma taxa – em média, de 2 reais por página – referente à cópia de páginas e transferência de material. A bibliotecária conta que o serviço já foi muito mais procurado, mas com a Internet, a prática diminuiu. “Agora, só aqueles periódicos mesmo que ainda não foram digitalizados”, completa.
o bibliotecário é fundamental, na organização, na recuperação da informação.”, explica Tatyana. Além de cuidar da organização, a bibliotecária também atende os pesquisadores. O núcleo possui três tipos de acervo: o arquivístico, o bibliográfico e o iconográfico, cada um contando com um tipo de organização diferente. O arquivístico contém os documentos institucionais produzidos em função das atividades do colégio. Tatyana conta que a colega Elisabeth Monteiro catalogou os documentos segundo a arquivologia, uma área além da biblioteconomia, que os divide em série e subséries. Os acervos bibliográficos e iconográficos - que contam com livros didáticos e que tratam da memória da instituição, além de fotos de diversas épocas - foram catalogados e classificados de acordo com o assunto. A bibliotecária conta que é pre-
Priscila é responsável por digitalizar os documentos do Colégio Pedro II ciso ser minucioso para saber lidar com esse tipo de material, característica que ela considera própria da profissão. Priscila Côrbo também é bibliotecária e trabalha com Tatyana, mas realiza uma função bem diferente. Ela é responsável pelo Laboratório de Digitalização de Documentos do Colégio Pedro II, e trabalha gradualmente digitalizando o acervo, visando sua preservação. Priscila trabalha com documentos que datam do ano de
1838 - um ano após a fundação do colégio – até 1994. “Além do núcleo de documentação, o colégio também possui coleções especiais, doadas por famílias de ex-professores do colégio, após suas mortes; então, aqui no laboratório, eu também atendo essa demanda das coleções especiais, depois que ela é selecionada”, afirma Priscila. Apesar da grande demanda, a bibliotecária conta que adora trabalhar ao redor do conhecimento.
Por que fazer biblioteconomia? O que é? O bibliotecário é o profissional que analisa, organiza e classifica as informações de diversas instituições. Isso incluiu bibliotecas, banco de dados, centros de documentações, sistemas de informação, entre outros; tudo visando o melhor acesso do público à informação. O que faz? Ele atua no atendimento aos frequentadores do local; e no planejamento e organização dos acervos, através dos processos de catalogação, classificação e indexação. É responsável também pela conservação e preservação do acervo. Além disso, outra função do bibliotecário é promover a leitura, através de projetos de incentivo. A Biblioteconomia hoje: “Hoje, o bibliotecário trabalha com qualquer fluxo de informação registrada. Só para arrumar livros numa estante, realmente não se precisa fazer o curso, mas para ser capaz de gerir a informação, é extremamente necessário”, explica a professora Adriana Nóbrega, vice-coordenadora do curso de Biblioteconomia da Universidade Federal do Ceará (UFC). Ela explica ainda que a procura pelo curso tem aumentado nos últimos quatro anos, recebendo especialmente pesquisadores. Fonte: site da Universidade Federal do Ceará
O que é...? Catalogação: descrição do livro, informações como nome do autor, título, editora e ano com o fim de recuperar a informação. Classificação: Divisão do livro por assunto, traduzida em códigos numéricos para indicálos. Nas bibliotecas que realizam empréstimos, são utilizados dois tipos de classificação: a Classificação Decimal de Dewey ou a Classificação Decimal Universal A Classificação Decimal de Dewey é utilizada em biblioteca mais simples, como as bibliotecas escolares. A Classificação Decimal Universal é mais usada em bibliotecas específicas, como o setor do Ceará, na Menezes Pimentel. Indexação: é a representação temática do livro através de palavras-chaves. Fonte: Tatyana Cardoso
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IMPRESSÕES – LEITURA
Ex Libris N
N
Espaço de resenhas, contos, poesias e tudo o que a criatividade permitir
Conto
A Queda do Imperador Por Alan Santiago
A
o cair no chão, atingido pelo soco do desconhecido, percebeu que não trazia as chaves de casa, esquecidas no cinzeiro sempre vazio da mesinha de centro, junto com a chave do carro antigo, enguiçado na garagem. A mulher deveria ter voltado para a cama após ter-lhe feito o café forte demais, as torradas muito queimadas e os ovos pouco mexidos enquanto o menino lhe fazia perguntas irrespondíveis. Levantou para não ter a cabeça pisoteada e para lembrar a conta de telefone que chegara com uma ligação para o Haiti sem que ele, a esposa ou mesmo o filho tivessem qualquer parente ou amigo naquele país e decidiu que por tudo isso levaria aqueles números à sede da empresa a fim de resolver o problema, Já havia deixado a conta sob o jarro de flores, na mesa do jantar, perto da porta de saída e, mesmo assim, esquecera, como esquecera as chaves. O sujeito jogou sua cabeça na parede e, a despeito da tontura passageira, da crise nos labirintos que começava a atacá-lo, se maldisse por sua memória. Decerto, chegaria no trabalho repreendido pelo atraso; sem os papéis e os livros que levava na pasta, agora aberta
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Perdemos nosso rabo, estamos perdendo nossos dentes. Evolução da espécie.
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em leque e esvaziada pelos chutes. Tentou correr para pegar o ônibus, mas a joelhada na genitália inviabilizou muita coisa. Inclusive ficou sem pensamentos por instantes, até a dor passar levemente e ele ouvir, da mal sintonizada AM da vizinha, a notícia crise do petróleo. Pensou no plástico que iria encarecer, porque se preocupar com a gasolina de um carro nunca utilizado seria extravagância. Mais uma bordoada no rosto e cuspiu sangue e pedaços de dente, talvez coláveis novamente. Ontem à noite, antes de se deitar ao lado da mulher e dormirem sem dar boa noite nem desligar a televisão, ensinara ao filho que o homem, ser humano, perde dentes, ao correr das eternidades, porque deixa de empreender força para mastigar. - Perdemos nosso rabo, estamos perdendo nossos dentes. Evolução da espécie. E o filho parecia deliciado e aliviado com o seu sorriso banguela: os dentes de leite que lhe foram subtraídos, segundo sua mãe, por Deus. O pai pensou nas conclusões sobre o céu, inferno e dentes que o menino espontaneamente faria e dormiu acreditando no dia de sempre que viria em seguida, no beijo de travesseiro pela manhã. Tentou revidar da maneira mais violenta que conseguiu, mas continuou a ser violentamente massacrado. E os jornais acumulados no quartinho de empregada, aquela pilha imensa junto com a estante de livros herdados de duas gera-
ções, nunca abertos até então, que guardavam poeira, ácaros, serpentes e um tropel de histórias que o menino irrompia assustado para contar à mãe ao pé da pia, enquanto ela se sujava com a carne para o almoço. Depois de ouvir da sala, o pai ia conferir a biblioteca inteiramente esmiuçada. A cabeçada que lhe atingiu o olho e os chutes que lhe marcaram as costas lembraram-lhe os recados escritos pela mulher e deixados no criado-mudo, ao lado da cama do casal. A mulher revelava suas homéricas traições, e ele descia para tomar café, fingindo que nada sabia, e ela dissimulando que nada dissera e tudo parecia velado como o casamento dos dois e a lua de mel, em silêncio, em que assumiram o pacto de infidelidade eterna, unidos por um filho e somente um. Nunca houve amor, e a calça puía nos joelhos.
O desconhecido mordeu, pela última vez, a mão dele e saiu rápido. O homem pegou sua pasta, os livros que molharam na lama da sarjeta, os papéis que ainda estavam próximos, os óculos estilhaçados; o sangue escorrendo feito suor. Estendeu a mão porque já era tempo de um novo ônibus que o levaria para casa, onde chegaria sem saber explicar o que havia acontecido, colocaria compressas de gelo nos ferimentos, pés na água, tomaria um bom banho e deitaria ao lado da mulher sem dar boa noite, nem desligar a televisão e leria os bilhetes de morte no dia seguinte, esqueceria a conta e não mais as chaves e seria espancado novamente antes de ir para o trabalho.
PERFIL Alan Santiago, 25, é escritor e jornalista. Atua como repórter do Caderno Vida & Arte do Jornal O Povo. O conto “A Queda do Imperador” foi extraído de seu primeiro e único livro: “A lua de Ur num Prato de Terra”, publicado pela editora 7Letras, em 2009, quando ele ainda cursava Jornalismo na Universidade Federal do Ceará
16 Ensaio Fotográfico
IMPRESSÕES – LEITURA
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Registros de um espaço de leitura Por Tamara Lopes
E
m algumas fotografias, busco revelar o meu olhar sobre da Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel. Adentrei o espaço como quem visita pela primeira vez um ponto turístico. Andei por todos os setores, até no subsolo, local reservado para, dentre outras atividades, a restauração de livros e encadernação de periódicos. Percebi que poucas pessoas utilizam o espaço (foto 1). Muitas janelas possuem o aviso em destaque na foto 2, além disso, algumas estruturas já estão corroídas pela ferrugem. Há muita poeira e registrei um espanador em cima de um dos livros do acervo (foto 6). Mesmo com a precariedade física, a biblioteca possui uma sessão voltada para pessoas com baixa visão ou cegas, na qual existem exemplares em braile e vários áudio-livros (fotos 3 e 4). O local também possui um setor direcionado para a leitura no idioma inglês (foto 5). Mesmo com todos os bons livros lá presentes, acredito que ao ambiente precisa de uma reforma imediata.
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