IMPRESSÕES Leitura
Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 4 - Nº 26 - Novembro de 2013
Era uma vez...
Histórias estimulam a aprendizagem através da contação Fotos: Thinayna Máximo
Contações de histórias garantem a diversão e podem ser um estímulo à criatividade e ao hábito de leitura. Grupos existem em Fortaleza para levar as histórias a crianças e adultos Página 8 e 9 Foto: João Marcelo Sena
Prosa literária
Remição de pena
Foto: Rosana Reis
Presos cearenses poderão ter direito a reduzir pena através de leitura Página 6
Leitura itinerante
Escolas públicas
Projetos de incentivo à leitura
Academias e clubes são espaços para a apreciação coletiva da Literatura Página 3
Da educação infantil ao ensino médio: os desafios do incentivo à leitura no ambiente escolar
Página 4 e 5
Leitura acessível
Formas de leitura que vão além do Braille Audiobooks e ebooks ampliam o acesso à leitura das pessoas com deficiência visual Página 12 e 13
Bibliotecas itinerantes ampliam as fronteiras do conhecimento Página 14 e 15
Iniciativas individuais
O meu livro nosso: entre a doação de acervo e a vontade de democratizar a leitura Página 10
Impressões Leitura
IMPRESSÕES LEITURA
Jornal-laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)
Tema da edição: Projetos de incentivo à leitura
Repórteres: Amanda Araújo, Ari Areia,
Carolina Esmeraldo, Caroline Portiolli, Débora Lopes, Eduarda Talicy, Gleyce Any Castro, Isabele Câmara, João Marcelo Sena, Mikaela Brasil, Paulo Renato Abreu, Rachel Gomes, Renan Vidal, Rosana Reis, Saulo Lucas, Taís de Andrade, Tamara Lopes, Thinayna Máximo, Vicente Neto e Victor Ramalho
Editorial
Academia Cearense de Letras: situação delicada e falta de apoio
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situação vivida pela Academia Cearense de Letras é ilustrativa dasdificuldades enfrentadas pelos equipamentos culturais no estado. Carregando o peso de ser a primeira agremiação do gênero do Brasil, herdeira da Padaria Espiritual, a ACL vive um momento delicado, no qual sua sede necessita de reformas e em que o apoio governamental é pouco. Nesta edição do Impressões, na qual são abordados projetos de leitura, torna-se imperativo chamar atenção, no editorial, para uma das instituições culturais com mais história no Ceará. A ACL se sustenta, atualmente, pela contribuição dos sócios e pelo apoio de algumas entidades privadas. No entanto, de acordo com o presidente da Academia, José Augusto Bezerra, o valor mal cobre os gastos com pessoal e manuten-
ção do prédio. A sede também abriga uma biblioteca, que, felizmente, será reformada, em uma obra custeada pelo setor privado, com apoio da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará (Secult). As parcerias, porém, não vão além disso. O descaso público com a sede da Academia revela muito sobre como a preservação da memória é compreendida no Ceará. O Palácio da Luz é tradicional por si só, sendo construído no século XVIII e tendo abrigado o Governo do Estado até os anos 70 do século XX. Hoje, acolhe uma agremiação também importante como patrimônio imaterial. A partir do momento em que a ACL se enfraquece, corre-se o risco de perder parte significativa da história cultural do Ceará, que se antecipou aos outros estados do país na constituição de uma associação literária. A valorização da memória
e do patrimônio histórico, entretanto, passa por uma concepção de políticas culturais duradouras, na qual elas não somente façam parte de projetos de governo. É necessário que nossos governantes entendam que a área da cultura demanda políticas públicas. O fato de o presidente da ACL ter ido a Brasília conversar sobre a reforma da sede com a bancada cearense na Câmara dos Deputados dá sinais de que as melhorias ainda dependem do jogo político e dos interesses circunstanciais. Tal configuração não favorece a autonomia das instituições e dos projetos necessitados de apoio, além de comprometer a continuidade das ações que poderiam ser desenvolvidas. O zelo pelo patrimônio passa, portanto, por uma questão de vontade política. Muitas vezes, parece ser esse o grande problema.
R$ 5 podem custar uma vida inteira Por Regina Ribeiro* * Jornalista, mestre em Literatura Comparada (UFC) e editora das Edições Demócrito Rocha
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que vem crescendo cada vez mais a quantidade de livro ruim que é vendido para as crianças. É comum ver as pilhas de livros infantis vendidos a R$5. Livros com capa cartonada, coloridos, fofinhos, com recortes de bichos e coisas. Tudo feito na China. A questão não é custar R$ 5 nem ser colorido ou em diversos formatos. O problema é achar que livro para criança pode ser apenas isso. Modelagem para criança. E muita gente acha que é preferível comprar 4 livros de R$ 5 a levar para casa uma obra que faça diferença na cabeça do filho ou da filha. Na minha última Bienal, comprei vários desses livros
de R$ 5, R$ 3, até de R$ 2, para ler e depois doar. Conversei com vários distribuidores para entender como eles conseguem esses preços. Então, aos poucos fui montando o quebra-cabeça que inclui o baratíssimo custo de imprimir livros na China, um tipo de produção editorial que foca num produto que o custo seja o menor possível e um estoque sem rotatividade. No fim das contas, milhares desses livros encalhados são comprados por vários distribuidores e jogados no rés do chão das feiras de livros. O que é lástima, porque formar um leitor para a vida inteira exige um pouco do que isso.
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Vicente Olsen
Juliana Braga, Marcella Macena, Tamara Lopes, Thamires Oliveira
Editora Geral: Camila Mont’Alverne
Impressão: Impressa Universitária
Professor orientador: Edgard Patrício
Tiragem: 1.000 exemplares
Projeto gráfico e diagramação: Aman-
As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.
da Araújo, Clarissa Augusto, Ed Borges,
Charge Por Juh Braga
Crônica
Quando o percurso também é chegada Por Eduarda Talicy
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Artigo
os pavilhões gigantes, as editoras fazem o que podem para atrair a atenção dos visitantes. Montam castelos e labirintos de papel, tiram a roupa das moças que sorriem, lindas, com livros nas mãos na porta dos stands ou as vestem de personagens de livros infantis. O negócio é atrair olhares e carteiras. As crianças, via de regra, são o principal alvo das feiras. Há tempos, frequento bienais e feiras de livros em alguns lugares do país. Elas são todas iguaizinhas, até porque há poucas empresas no Brasil que montam feiras de livros, então o modelo que vai pra uma, está muito bom pra outra. Nessas andanças, percebo
Editores: Cris Lima, Jully Lourenço e
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ndando pelos sebos e livrarias da cidade pensei sobre o que de fato me remetia ao ato de ler. Lá, no sebo da Avenida 13 de Maio, percebi que a minha relação mais estreita com a leitura era nos ônibus. E já faz tempo. Desde que mudei de escola na 7ª série. Era no percurso que a mágica da leitura acontecia. O trajeto do Araturi, bairro da cidade de Caucaia, para o Colégio da Polícia Militar é de 40 minutos, em média. Nessa “migração pendular”, como costuma dizer meu amigo Paulo Renato Abreu, eu comecei a traçar o meu acervo de livros nos ônibus. Muitos diziam que eu não deveria fazê-lo pois trazia sérios riscos à visão. Imagine só! Sempre me orgulhei de ter uma ótima visão. Ainda assim, passou batido. Como boa sagitariana que sou - metade mulher, metade égua - me aventurava sempre. E quanto mais interessante fosse, mais difícil era colocar o livro de volta na bolsa, ele crescia, não cabia, me pedia pra ficar agarrado ao peito enquanto passávamos a catraca. A expectativa sempre vinha a dois minutos da chegada, o fim do capítulo, se lesse rapidamente poderia terminar a tempo de descer. Minha curiosidade também me fez querer saber quais livros liam os outros passageiros. Os de auto-ajuda, a Bíblia, o texto da faculdade, o livro da escola, o paradidático, os best-seller’s, e tinha pra todo gosto. Hoje, guardo apenas os melhores para os ônibus. A expectativa ainda é de que o capítulo termine a tempo, mesmo com todas as dispersões de movimentação, de conversas, de olhar pra fora do ônibus pra se localizar... Aí a leitura me inunda, me tira de lá e aqueles dois minutos já não são mais um fim, porque novamente tudo volta a ser percurso. Passou do ponto. Cabeça atordoada. “Na próxima desce”. 150 metros de caminhada. Capítulo findado.
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Grupos literários
Recanto de leitores, fonte de autores: espaços de prosa literária em Fortaleza Academias literárias e grupos de leitura interativa têm ajudado a reviver a Por Gleyce Any Castro e Rosana Reis tradição dos saraus e a estimular a leitura em Fortaleza
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or vezes, a leitura presume um ato introspectivo. Os silêncios das bibliotecas parecem pedir discrição. Do outro lado, o burburinho de reuniões e encontros de grupos literários cultivam as mais diversas reflexões. Retirando a conversa das entrelinhas e transformando a quietude em interação. A cidade de Fortaleza já teve bem mais evidente a tradição de saraus literários e musicais. Há registros de que, nas décadas iniciais do século XIX, como reflexos da Belle Époque, não havia noite de sábado em terra alencarina que passasse sem um encontro de poetas e boêmios, com leitura de poesia e toada de violão. Embora a tradição dos saraus não faça mais parte da cultura local como outrora, grupos de estudos e de incentivo à leitura ainda resistem na cidade, tentando repassar às novas gerações a paixão pelos escritores da terra e pela produção literária. Pioneirismo A Casa de Juvenal Galeno, referência no acolhimento a poetas, escritores e demais artistas locais, recebe, desde o ano de 1919, as mais diversas discussões e produções literárias
Foto: Tamara Lopes
e folclóricas. De portas abertas à cultura, o espaço passou do particular ao público. Para Antônio Santiago Galeno, bisneto de Juvenal Galeno e atual diretor da Casa, a história do espaço se confunde com a própria trajetória da literatura cearense. “Diversas associações surgiram aqui, tendo contribuído de forma direta para a sociedade”, destaca. Atualmente, mais de dez associações e entidades mantêm reuniões na Casa. Entre elas estão a Associação Cearense de Escritores (ACE) e a Academia de Letras Juvenal Galeno (ALJUG), considerada a mais recente academia literária cearense, fundada oficialmente no final do mês de setembro deste ano. Para Eliane Arruda, presidente da ALJUG, valorizar os escritores conterrâneos é primário. Íntima da família Galeno e graduada em Letras pela UFC, Eliane conta que, após o falecimento de Alberto Galeno, neto do poeta, o desejo de estudar e divulgar a obra daquele que foi considerado o “pioneiro da poesia folclórica” tornou-se mais forte. “Foi preciso passar tanto tempo para que alguém tivesse a ideia de fundar a Academia de Letras Juvenal (no Ceará), porque ela já existiu no
Rio de Janeiro...”, relata. Depois de dois anos de estudos sobre vida e obra do poeta e dos seus escritores contemporâneos, como os da Padaria Espiritual, a Academia de Letras Juvenal Galeno é oficialmente criada e já conta com 35 membros em seus quadros. Segundo a presidente, os trabalhos da academia, após a resolução de entraves burocráticos, entre eles o registro da associação em cartório, devem se focar na divulgação das obras de Juvenal para as novas gerações. A recém-criada ALJUG procura seguir os passos de outras academias mais maduras no que diz respeito à interação com os jovens leitores. Exemplo para a atuação da Academia de Letras Juvenal Galeno é a Associação Cearense de Escritores, atualmente presidida por Francisco de Assis Ferreira, que compõe ambas as associações literárias. Há dois anos, a ACE, que já entra no seu sexto ano de existência, desenvolve projetos de incentivo à leitura junto a escolas públicas e privadas de pequeno porte. O trabalho consiste em praticar a leitura orientada e voltada à posterior produção de textos com vistas à publicação. “Imagina-se que es-
tamos formando grupamentos de futuros literatos”, argumenta Ferreira, sem esconder o orgulho que sente pela instituição. Outra ação típica é o fomento da criação de academias juvenis literárias dentro das escolas. Hoje, a Associação Cearense de Escritores acompanha as atividades das academias juvenis dos colégios Maria Ester, Sete de Setembro e Militar do Corpo de Bombeiros. De leitores a autores O mesmo intuito de aproximar o livro e o leitor é encontrado, também, em projetos desenvolvidos pelo Sesc, tais como o Bazar das Letras e o Abraço Literário. Ambos trabalham com a ideia de converter a leitura em conhecimento de mundo, mediando o compartilhamento letra a letra entre os membros dos grupos. Em atividade há quase dez anos, o Bazar das Letras tem como principal atividade o lançamento de livros, promovendo o encontro entre leitor e autor. Com periodicidade mensal, as reuniões auxiliam na formação de plateia cultural, além de estimular a produção na área. Para Carlos Vasconcelos, supervisor regional de literatura do Sesc, a reflexão que o encontro pos-
sibilita é fundamental, mencionando, ainda, a apresentação de novos trabalhos. Já o Abraço Literário reúne mais de 40 pessoas em encontros semanais realizados na galeria do teatro Emiliano Queiroz. Sem temas fixos para o debate, a conversa é iniciada a partir da leitura de textos compartilhados pelos participantes. Carlos Vasconcelos, principal coordenador do projeto, não mede entusiasmos em dizer que foi o primeiro a assinar a lista do grupo. Para ele, também escritor, um dos maiores benefícios dos encontros é o afastamento dos meios virtuais ao qual nos propomos, estando “apenas com um livro ou um texto na mão”, destaca. Fora a formação de plateia que os grupos mediam, ainda há a possibilidade do surgimento de novos autores. Dona Eudismar Mendes, de 74 anos, é um exemplo de como grupos citados anteriormente auxiliam na produção literária. Participante ativa dos projetos, além de membro da Associação Cearense de Letras, a professora aposentada já publicou quatro livros, com lançamento através do próprio Bazar das Letras.
SERVIÇO Projeto Abraço Literário Quando: Toda terça-feira Horário: Às 19h Local: Galeria do Teatro Sesc Emiliano Queiroz Enderço: Rua Clarindo de Queiroz, 1740 – Centro
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A Casa de Juvenal Galeno (...) recebe, desde o ano de 1919, as mais diversas discussões e produções literárias e folclóricas
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IMPRESSÕES – LEITURA
Escolas públicas
Prazer ou obrigação? Os desafios do incentivo à leitura nas escolas Visando tornar a leitura um hábito prazeroso para os jovens estudantes, programas, como o Alfabetização na Idade Certa, levam livros para dentro das escolas
Por Ari Areia, João Marcelo Sena e Paulo Renato Abreu Foto:João Marcelo Sena
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O que queremos realmente é ter seres humanos que, com a leitura, reconheçam sua identidade, valorizem sua cultura, se emocionem com o mundo e construam com delicadeza as relações
A biblioteca da escola pública Adauto Bezerra reúne diversos títulos e conteúdos visando aproximar os jovens do ensino médio à leitura
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vellyn Oliveira tem dez anos. A aluna do quarto ano da escola Patronato Pio XI não sabe, ao certo, quantos livros já leu na vida. Ela lembra bem a última leitura, que, segundo ela, foi um “livro maravilhoso”. O título? O Ratinho, o Morango Vermelho e o Grande Urso Esfomeado, escrito pela norte-americana Audrey Wood e ilustrado por Don Wood. Do alto de sua década de vida, Evellyn garante que “adora ler e acha muito divertido conhecer novas histórias”. Apesar de querer ser veterinária quando crescer, ela diz sentir vontade de ser escritora após ler um bom livro. Ao responder se leitura é prazer ou obrigação, Evellyn é categórica: “só sei que eu gosto”.
A menina e os outros 33 alunos do quarto ano tiveram contato com a história do Urso Esfomeado por meio do Programa Alfabetização na Idade Certa (Paic). Os alunos da escola Patronato Pio XI, que integra o projeto, recebem livros didáticos de português e matemática, livros de ficção e acompanhamento de profissionais formadores de leitura para auxiliar os professores. Desde 2007, o Paic é realizado pelo Governo do Estado do Estado, por meio da Secretaria da Educação (Seduc). Escolas participantes nos 184 municípios cearenses recebem apoio técnico e financeiro para formação de professores, aquisição de material didático e apoio pedagógico. Dentro do projeto Alfabe-
tização na Idade Certa, está o Eixo de Literatura Infantil e Formação de Leitor, setor responsável pelo incentivo à leitura nas escolas. Fabiana Skeff é coordenadora do Eixo e diz que ter mais livros nas escolas é fundamental para a formação de adultos com “leitura de mundo própria e original”. “Democratizar o acesso ao livro é permitir que a criança tenha acesso à cultura, se reconheça como ser que pensa, constrói e transforma por meio da ação criativa e da capacidade de sonhar e buscar”, conta Fabiana. Ela aponta como medidas do Paic para o incentivo da leitura na escola ações como o Cantinho da Leitura e a coleção Paic, Prosa e Poesia, além da revista Pense.
Ações do Paic O projeto cantinho de Leitura objetiva que cada sala de aula tenha um espaço especialmente reservado para leitura, como um armário de livros. “É um momento para a criança livremente pegar, folhear, brincar e ler o livro, ou seja, marcar os livros com suas impressões digitais”, explica o educador Fabiano dos Santos, que ajudou a idealizar o Eixo nos anos de 2007 e 2008. Já a coleção Paic, Prosa e Poesia, que já está na 12° edição, reúne textos de escritores cearenses visando resgatar os contos da tradição oral cearense. Mesmo os livros estando na sala de aula, uma pergunta permanece: e o professor? “Foi com essa pergunta que iniciamos, em 2010, as oficinas de dinamização dos acervos de
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literatura infantil do Paic e passamos a oferecer formadores para ajudar os professores a pensar práticas que motivem à leitura, como contação de história, a imagem dos livros, o teatro”, conta Fabiana Skeff. A coordenadora do Eixo de Formação do Leitor e Literatura Infantil cita também a revista Pense, que é distribuída quatro vezes ao ano entre os professores do Paic. A publicação se propõe a ser um instrumento de leitura e é composta por contos, poesias e artigos sobre a formação de leitores e alfabetização de criança. “O que queremos realmente é ter seres humanos que, com a leitura, reconheçam sua identidade, valorizem sua cultura, se emocionem com o mundo e construam com delicadeza as relações”, afirma Fabiana.
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IMPRESSÕES – LEITURA Foto:Paulo Renato Abreu
Livros x Enem: incentivo à leitura no ensino médio
Evellyn Oliveira recebe material didático de português e matemática, além de livros de ficção
Desafios da leitura Apesar das ações do projeto, apenas 29% dos alunos das escolas cearenses que fazem parte do Paic concluem o 5° ano do Ensino Fundamental com desempenho satisfatório na disciplina língua portuguesa. Os números divulgados pelo programa são referentes ao ano de 2012. E, para Lucineudo Machado, doutor em Linguística, o mau desempenho em português é reflexo da falta de prazer dos alunos ao ler. “Na escola, a leitura deve ser tudo, menos obrigação e, infelizmente, é o que tem sido em muitas escolas até hoje”, afirma Lucineudo, professor formado pela Universidade Federal do Ceará
e que leciona Letras na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. “Os professores devem tentar ser – mas nem sempre isso é fácil, diante das exigências curriculares que as escolas impõem as docentes – os divulgadores da ideia de que ler é uma atividade bacana”. Lucineudo ressalta que “ler deve ser, antes de tudo, sinônimo de prazer”. Para o doutor em Linguística, o contato dos pequenos com os livros desde cedo pode significar, para eles, o mesmo prazer que ter contato com brinquedos. “As crianças, se cercadas por livros, aprendem desde cedo que é possível sim ser feliz com a leitura”.
Conciliar os estudos para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) com o hábito da leitura nem sempre é fácil para os jovens estudantes. Esse desafio se estende também aos educadores que tentam despertar nos adolescentes o interesse pelos livros, além de ajudá-los a ingressar na universidade. Coordenadora pedagógica da Escola Estadual de Ensino Médio Adauto Bezerra, Otávia Marreiros crê que a escola deve funcionar como um facilitador na tarefa de conciliação entre conteúdos do Enem e outras leitura. “Por se tratar de uma escola de Ensino Médio, queremos funcionar como uma ponte para a universidade. Procuramos orientar que a leitura seja feita em diversos gêneros”, afirma. Para o professor Lucineudo Machado, o incentivo à leitura na infância exerce influência na formação do adolescente, mas esse não é um fator preponderante. “Há uma influência, mas não se trata de um fator necessariamente condicionante para ser um bom leitor na adolescência ou na vida adulta ter sido um bom leitor na infância. Se a leitura chega à criança como um elemento de felicidade, não um fardo, é possível que ela siga sendo assim na adolescência ou na vida adulta”. Um exemplo de criança leitora que se tornou jovem apaixonada pelos livros é Marina Braga, aluna do 2º ano do ensino médio no Colégio Adauto Bezerra. “Sou novata na escola e estudava anteriormente em colégio particular. Criei lá, desde pequena, o hábito de ler. Já li nove livros só este ano e pretendo ler outros dois ainda. Acho que aqui na escola eles incentivam muito a leitura. Sempre me sinto estimulada a frequentar
a biblioteca e alugar livros”, explica a estudante enquanto devolvia à biblioteca da escola ‘O Grande Gatsby’, do autor americano F. Scott Fitzgerald. Redes sociais: Vilãs ou aliadas? Além do tempo investido nos estudos para os exames, outras coisas acabam tirando dos jovens horas de leitura. Estéfani dos Santos, 17, estudante do 3º ano do Adauto Bezerra, reconhece gastar algumas horas do dia navegando pelas redes sociais e vê isso como empecilho para desenvolver de maneira mais eficiente o hábito da leitura. “O Facebook atrapalha um pouco porque acaba sendo um meio de alienação e às vezes não temos tempo de ler tudo que queremos”, explica a estudante, confessando não ler muitos livros fora da sala de aula, preferindo conferir o caderno de Política no jornal deixado na portaria da escola. Entretanto, nem sempre o Facebook e outras redes sociais podem ser considerados os grandes vilões para o cultivo do hábito de leitura entre os adolescentes. É o que pensa Otávia Marreiros. Ela acredita que as redes sociais são apenas mais uma ferramenta de entretenimento e cabe ao educador incentivar o uso correto delas. “Creio que a Internet é uma ferramenta pedagógica importantíssima. Não fosse o Facebook, teríamos outros entretenimentos que nos tirariam da leitura, como jogar bola na rua ou, simplesmente, ficar em casa sem fazer nada. Cabe a nós, educadores, educar para o uso correto das Redes Sociais. Devemos sempre promover o acesso à informação”, afirma Otávia.
MAIS INFORMAÇÕES
Projeto Eu sou cidadão Outro exemplo de programa de incentivo à leitura nas escolas é o Eu Sou Cidadão. O projeto é desenvolvido há mais de uma década pela Associação Pelo Desenvolvimento dos Municípios do Estado do Ceará (APDMCe). As ações do projeto consistem basicamente na formação de agentes chamados “amigos da leitura”, que ficam responsáveis por contagiar o maior número de colegas possível com o gosto pelos livros. Segundo Marcele Pinheiro de Melo, assessora técnica da APDMCe e uma das responsáveis pelo projeto, atualmente, pelo menos, 1,5 mil crianças são contempladas diretamente por essas ações formativas. Ela comemora os frutos do projeto no decorrer dos anos. “Tem ex-participantes do Eu Sou Cidadão que hoje são secretários de cultura e outros até exercem cargos no legislativo municipal das suas cidades”, conta. Marcele explica que a intenção do projeto é formar leitores potencializando um aspecto crítico em sua visão de mundo a respeito da realidade da cidade onde eles vivem e impulsioná-los a assumir posturas modificadoras.
Foto:João Marcelo Sena
PONTO DE VISTA Por Socorro Acioli* *Escritora cearense de literatura infanto-juvenil Cada vez mais os estudos sobre leitura e formação de leitores tem apontado a necessidade de entregar livros para crianças desde o berço. Os livros de banho, de tecido, de papel cartonado tem a função de apresentar esse objeto mágico que se usa passando páginas, olhando para cada um, descobrindo que as palavras têm significados e emoções. É comum que grandes leitores lembrem da presença de um adulto na infância que proporcionou o contato com os livros. Professores, pais e parentes são essenciais nesse momento de formação fazendo a ponte entre o texto e a criança. A fórmula para estimular a leitura entre crianças é simples: ler junto, ler em voz alta, compartilhar a leitura e fazer disso uma parte da vida. Quanto mais acesso aos livros e estímulo para ler, mais é possível que a criança torne-se uma grande leitora no futuro. Aluna do 2° ano Ensino Médio, Maria adora ler na escola. Só esse ano, a estudante já leu nove livros
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Páginas que libertam
Lei pode trocar dias de prisão por leitura de livro no Ceará; projeto segue tendência no Brasil Se for aprovado, o texto que tramita na Assembleia Legislativa do Ceará irá permitir a redução de quatro dias de pena por cada livro lido e resenhado pelos detentos Por Vicente Neto e Victor Ramalho tório da leitura. O texto do interno deve ser produzido de forma individual, presencial, em lugar providenciado pela direção prisional, e perante um professor de português. A produção recebe nota de zero a dez e é aprovada se atingir no mínimo seis pontos. Inscrições, pré-seleção de livros, avaliações de resenhas, tudo fica a cargo da Secretaria da Justiça e Cidadania do Ceará (Sejus). O limite anual é de 12 livros, o que pode reduzir a pena em até 48 dias. “A leitura dará um novo sentido às pessoas que estão ali para serem ressocializadas” defende o autor da proposta, deputado estadual Professor Teodoro (PSD). O projeto é de indicação, pois somente o Executivo pode deliberar sobre o tema (o Legislativo apenas indica). Antes de ser sugerida ao governador, a proposta ainda passará pela análise das comissões parlamentares da AL-CE, processo sem prazo para terminar. “Estamos lutando pra agilizar, mas depende da presidência da Assembleia”, aponta Teodoro. Fora do Ceará A remição de pena por leitura não é ideia inédita. Existe nas penitenciárias federais desde junho de 2012. Mas o pioneirismo coube à penitenciária federal de Catanduvas (PR), em 2009. O benefício também chegou aos apenados das penitenciárias estaduais paranaenses no ano passado. Segundo informou ao ImFoto: Victor Ramalho
Biblioteca itinerante estimula leitura entre detentas
Foto: Victor Ramalho
“É
preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”. O trecho é do livro-poema “Assim falou Zaratustra”, de Friedrich Nietzsche, obra que Cynthia Corvello, 42, reencontrou enquanto cumpria sua pena, em regime fechado. A necessidade do homem transcender a si mesmo, tema recorrente daquele autor alemão, ganhou novos significados para Cynthia, nos dias no presídio. Hoje, em regime semiaberto, ela busca parir sua estrela como aluna do curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC) e não larga mais os livros: “a pessoa que lê está propensa a fazer outra leitura do mundo, outra leitura dela mesma e do papel dela no mundo”, diz. Enquanto interna no Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa, em Aquiraz (CE), Cynthia pôde se beneficiar da existência de uma biblioteca dentro do presídio. A leitura nas penitenciárias cearenses, entretanto, poderá gerar benefícios mais concretos que os filosóficos. É que os detentos cearenses poderão ter o direito de reduzir quatro dias de pena a cada livro lido, se aprovada proposta que tramita atualmente na Assembleia Legislativa do Ceará (AL-CE). A ideia do projeto “Leitura que Liberta” é a seguinte: o preso se inscreve e escolhe uma, entre várias obras literárias pré-selecionadas. Tem até 30 dias para ler o livro e apresentar um rela-
Biblioteca do Instituto Penal Feminino Des. Auri Moura Costa já conta com mais de 6 mil livros pressões a coordenadora de Educação, Qualificação e Profissionalização de Apenados da Secretaria de Estado e Justiça do Paraná (Seju-PR), Glacélia Quadros, 2.725 detentos sob custódia da Seju-PR participam hoje do projeto, uma adesão de 15% da população carcerária. Embora o Ceará ainda não conte com nenhum projeto de remição por leitura, ações que estimulam a prática entre os detentos têm se mostrado importantes para a ressocialização. Esse é o caso da biblioteca da unidade prisional onde Cynthia, personagem do início desta reportagem, cumpriu pena. Biblioteca Marieta Cals A biblioteca do Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa tem seis anos de existência. Segundo a diretora adjunta, Mônica Damasceno, começou em 2007, com cerca de 800 livros, e hoje já tem mais de 6.000 exemplares, todos adquiridos através de doações. O acervo sempre foi gerenciado pelas próprias internas. A diretora se diz favorável ao projeto de remição de pena por leitura. “É bacana porque a gente sabe que ler tem que ser incentivado. O livro, para elas [as internas], é um alento e eu já ouvi muitos conselhos das famílias, dizendo para elas lerem quando estiverem se sen-
tindo sozinhas ou tristes”, conta. Danielle Domingos, 31, e Daniele Cunha, 24, são as internas que atualmente tomam conta do acervo do presídio. Elas afirmam estar bastante atarefadas com a catalogação e organização do material. “Estou até sem tempo de terminar o livro que estou lendo. Estou há 15 dias com o mesmo”, relata Daniele Cunha. Ela revela a preferência do público que aluga livros por lá. “Os que mais saem são Zíbia Gasparetto e Augusto Cury”, autores de espiritismo e autoajuda, respectivamente. Para Daniele Cunha, o projeto “Leitura que Liberta” deve estimular mais as presidiárias: “se já lemos muito sem remição, imagine com remição!”. Biblioteca itinerante e faculdade no presídio A Biblioteca Marieta Cals fica em uma ala específica da unidade prisional. As detentas articularam uma biblioteca itinerante para disponibilizar livros para outras alas. Um carrinho, dividido em oito categorias, para agradar aos mais diferentes gostos, dá mobilidade ao acervo. “A cada semana, alugam de 35 a 40 livros da biblioteca itinerante. É um ótimo meio de fazer empréstimo porque seria bem mais difícil ter controle se todas as internas de outras alas viessem para cá”, acentua Danielle Domingos. Outra ação é o curso de Fi-
losofia, ministrado no próprio Instituto Penal. Sydia Marques é uma das internas alunas. Ela diz que, antes de entrar no presídio, lia apenas jornais. “Eu passei a ler mais depois que entrei aqui. Ajuda a ocupar a mente”, ressalta. Sydia diz estar se dedicando mais, atualmente, às leituras para a faculdade, como os pensadores Aristóteles e Platão. Para estudo formal, já existe lei que garante remição: a cada 12 horas de estudo no curso de Filosofia, Sydia diminui um dia de pena.
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Acho muito interessante ver que o livro é, para elas, um alento. Escuto muitos relatos de família que dizem: quando você não estiver bem, quando estiver triste, vá ler...
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Leitura por conveniência
Ler ou não ler: a conveniência de um hábito instigado por esperas compulsórias Revistas, jornais, informativos ou qualquer coisa ao alcance dos olhos serve como paliativo à espera certeira em certos locais fadados a filas, como consultórios e salões de beleza Por Carolina Esmeraldo e Débora Lopes Foto: Carolina Esmeraldo
Para enfrentar a espera, Eduardo se arma de uma revista disposta na mesa do salão
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m meio à fumaça provocada pelo aquecimento dos secadores de cabelos, existem alguns olhos conformados e preguiçosos, que passam rapidamente por algumas páginas. A leitura é rápida e, basicamente, de imagens. Mas não deixa de ser um tempo perdido (ganho?) ou aproveitado, já que se tem que esperar mesmo. É a leitura por conveniência: aquela que precisa ocupar os olhos e a mente com alguma coisa, afinal o tédio é constante em salas de espera. Muitas vezes, a leitura acaba sendo uma escolha em meio à televisão e a conexão de internet wireless gratuita. É o caso do fotógrafo Eduardo Macedo, 32 anos, flagrado no salão de beleza Cheiro Cheiroso esperando a namorada fazer o seu tratamento de beleza semanal. Após algum tempo com os olhos no smartphone, Eduardo não resistiu à tentação de dar uma chance para as revistas de moda e beleza que estavam postas à mesa de centro da sala de espera. “Sempre que eu che-
go num local que tenha revista de moda, de beleza, eu procuro para ver como a fotografia está sendo tratada”, afirma o leitor. Escolher a informação que se deseja obter é um fator importante na procura pela leitura, seja ela de passagem ou não. “Acho que tem uns oito anos que eu não vejo televisão. Ou é internet ou é revista: eu escolho o que eu quero ver. A televisão está ali, ela passa o que ela quer. Eu não, eu prefiro escolher o que eu quero ver ou ler”, afirma o fotógrafo. A palavra do dono A estratégia de Marciano Carneiro, cabeleireiro e dono de salão de beleza, é atingir as clientes indecisas. Na escolha entre a televisão e a revista, a opção das clientes fica no meio tátil. “As mulheres olham mais para a revista. Principalmente as que têm fofoca! Elas gostam porque têm uma referência de cabelo”, conta Marciano. Segundo o hair stylist, o plano é, também, entreter os fregueses quando o tempo está
apertado. “De repente, eu estou com uma cliente na cadeira e eu estou com os meus minutos atrasados. Para a outra cliente não ficar chateada por estar esperando, a gente tem a revista como um entretenimento para ela. Dá conta da espera”, diz. No consultório Da ansiedade de quem está na iminência de uma cirurgia, a uma mera consulta de rotina, outro cenário se constitui movido pela leitura de conveniência. É o que vivencia a mãe Camila Vegas, de 32 anos, e o filho Pedro, de 13 anos, ao aguardar o atendimento do tão esperado e temido dentista. Neste momento, não importa qual seja a faixa etária, os costumes igualam-se na sala de espera e ambos apresentam as mesmas expectativas, direcionando os olhares para aquela que por um instante é a melh or das distrações: a cesta de revistas ao lado do sofá. O hábito de ler se sobrepõe assim às demais formas de entretenimento, predominando até em locais em que as revistas
e jornais impressos já não são mais tão vistos, por terem sido trocados por informações em formato digital, como é o caso de alguns consultórios privados que propuseram inovações, introduzindo telas informatizadas nos ambientes receptivos aos pacientes. Não importa a ferramenta utilizada, quando se busca mecanismo para passar o tempo, a leitura serve como refúgio, dando a impressão de que se está concentrando em algo que não seja o tic tac do relógio ou o entre e sai da porta do consultório. Com opções variadas, entre entretenimento, beleza, saúde, bem estar ou cotidiano, o leitor procura se distrair por aquela que mais o atrai e o identifica, como constata Camila: “Em meio a tantas alternativas, há sempre algo que me chama a atenção e me mostra algum fato ainda desconhecido”. A leitura por conveniência não se limita, entretanto, a consultórios e salões de beleza. Leitores podem ser instigados em
diversos lugares. Quem nunca ouviu referências, como “Para ler no banheiro”. Esse cantinho é cobiçado por muitos como espaço de leitura. “São sinônimos de sossego e privacidade. É lá que conseguimos concentrar em instantes desviando toda a nossa atenção para o que está no papel”, caracteriza a educadora social Maria das Graças. Nesse sentido, seja em casa, no trabalho, ou nas atividades do dia a dia, o hábito pode ser perceptível, variando conforme a realidade do ambiente, mas sempre visando estimular umas das formas fundamentais para se adquirir conhecimento: a leitura. E quando a cabeleireira, enfim, finaliza o serviço no salão, a atendente lhe diz: “Pode entrar, é a sua vez”, o costume não se encerra, e sim, se estende para aquele que terá por um determinado motivo que esperar por algum serviço em ciclo contínuo na qual a distração será sempre reflexo de leitura.
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Arte
Contação de histórias: o lúdico que desperta emoções e alimenta sonhos Além de garantir a diversão, ouvir histórias pode ser um eficiente estímulo à criatividade e um incentivo à leitura. Praças, escolas, bibliotecas, livrarias... Todo canto é lugar de dar asas à imaginação Por Eduarda Talicy, Isabele Câmara e Thinayna Máximo Foto: Divulgação
E agora,
minha gente, Uma história eu vou contar Uma história bem bonita
Todo mundo vai gostar
No Passeio Público, mais uma apresentação do grupo Costureiras de Histórias, em que a oralidade permeia o universo da leitura infantil
“E RÊ
RÁ
RÊ RÊ
RÁ
RÁ
agora, minha gente/ Uma história eu vou contar/ Uma história bem bonita/ Todo mundo vai gostar/ RÊ RÊ RÊ/ RÁ RÁ RÁ”. Ao ouvir essa canção, os alunos da professora Jéssica Prata, 22 anos, já sabem que vai começar a história. Nesse momento, o mundo da literatura ganha forma e as palavras ganham corpo e emoção. A contação de histórias faz parte de uma tradição milenar repassada de geração em geração. Atualmente, a prática surge como um forte elemento de incentivo à leitura. O estímulo carregado de ludismo é capaz de despertar emoções e instigar a imaginação. Segundo Rebeka Lúcio, atriz e contadora de histórias, “a contação contribui amplamente para a aprendizagem, pois fomenta o interesse pela leitura. São passaportes à inventividade, ao conhecimento”. Paula Yemanjá, também atriz e contadora de histórias, explica que, antigamente, a li-
teratura era usada de forma menos lúdica, como ferramenta de teste do domínio da língua. “A professora pegava o texto, lia e falava: ‘tire daqui uma oração coordenada subordinada adversativa e não sei o quê’”, exemplifica rindo. Para ela, atualmente, a utilização da literatura está ligada à diversão e ao prazer, como se fosse uma brincadeira. Influência do público A contação de história não é feita somente pelo ator que conduz a narrativa. O público é um elemento responsável por contribuir com as características que compõem a narração. Uma plateia menor pode tornar a atividade mais intimista, por exemplo. Dessa forma, as histórias variam de acordo com o público que as assiste. “Conto história olhando no teu olho, sentindo a tua resposta, porque a tua resposta vai contribuir para a formação do tempo que eu quero dar à história”, explica Paula Yemanjá. Esses especta-
dores podem ser “crianças de 0 a 110 anos”, brinca Rebeka Lúcio. Segundo ela, “para se ouvir histórias não há lugar, não há idade. Basta ser receptivo”. Um público que pode passar despercebido, mas ávido, não perdendo nenhuma contação, são os pais. Pensando nisso, Paula Yemanjá criou o projeto Conta Comigo. A atriz ministra oficinas que ensinavam os pais a contarem histórias para os filhos. Essa atitude pode incentivar a criação dos laços familiares, segundo Paula. “É importante para incentivar o gosto pela leitura. Mas é uma coisa que precisa continuar em casa mesmo”, conta Sandra Castro, mãe de Artur, de seis anos, que costuma levar o filho a eventos de contação de histórias. Em Fortaleza alguns espaços se destacam ao incluir a atividade de contação de história na programação. Paula Yemanjá pontua como principais espaços o Centro Cultural do Banco do Nordeste (CCBNB), o Passeio Público e o Centro
Dragão do Mar de Arte e Cultura. A atriz cita também os circuitos das livrarias. “É um espaço legal, mas acaba sendo tumultuado porque é uma livraria. O foco principal não é a contação”, confessa. “Incentivar as crianças à imaginação e também ao incentivo à leitura, para ir além de livros” é um dos principais objetivos da contação de histórias, afirma Rildete Ribeiro, consultora cultural do CCBNB. Atualmente o equipamento está em processo de mudança de sede. Com a transferência, as atividades de contação acontecem com menor frequência. Segundo Rildete, “Havia na antiga sede um espaço reservado para as contações nos fins de semana. Dessa vez, a gente fez já no novo endereço. Iremos retomar essa frequência quando a biblioteca estiver instalada.” O CCBNB funciona atualmente no Centro de Referência do Professor, na Rua Conde d’Eu, 560, Centro. As escolas também adotam
IMPRESSÕES – LEITURA Foto: Thinayna Máximo
Foto: Divulgação
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À esquerda, Grupo Encantos, cujas contações misturam narração, dramatização, improviso e música. À direira, apresentação do grupo Costureiras de Histórias, que, além de performances, estuda e pesquisa as contações a iniciativa de contação de histórias, tanto no âmbito privado quanto público. Um dos eixos do PAIC (Programa de Alfabetização na Idade Certa) é a promoção de treinamento e formação de professores para que trabalhem a literatura dentro da perspectiva de salas de leitura. O programa disponibiliza a coleção de livros PAIC, Prosa e Poesia, fomentando a literatura como instrumentalização da língua dentro de uma perspectiva lúdica. Eis um contador Histórias de infância são sempre inspirações para os contadores de hoje. Estes convidam crianças de todas as idades para adentrarem o mundo encantado que conheceram então pequenos. “Minha mãe contava muitas histórias para a gente. Muitas vezes não eram histórias que estavam dentro dos livros. As histórias surgiram na minha vida antes do processo de letramento”, re-
“
As histórias apresentam situações que sempre têm um desfecho voltado para a valoração. Então, é um instrumento interessante também no sentido da formação do caráter
”
lembra Paula Yemanjá. Logo que aprendeu a ler, a atriz adquiriu hepatite e teve que ficar um mês em casa. Devido ao contágio da doença, Paula ficou afastada de todos da família e ganhou muitos livros do pai. “Eram os mesmos princípios das histórias que minha mãe contava, mas agora era eu quem escolhia o que ler. Então, o meu processo de formação como leitora também perpassou a contação de história.” À beira de fogão à lenha, o cantor Marcos Melo escutou as primeiras histórias de reis, princesas, heróis e assombrações. Para Marcos, o processo de contação foi natural. “Escuto histórias desde criança, e, principalmente, leio desde os três anos, então a contação sempre fez parte de minha vida.” Com Rebeka Lúcio não foi diferente. Foi na “super” biblioteca do avô que a atriz aprendeu algumas das histórias as quais conta até hoje, revela. “Desde pequena, sou apaixonada pelo mundo mágico das palavras! Passei a maior parte da minha infância e adolescência entre livros e gibis. Fui o que se pode chamar de ‘ratinha de biblioteca’”. Desenvolvimento infantil Além de divertir as crianças, a contação de histórias funciona como um elemento motivador e desafiador que contribui para a aprendizagem. Psicólogos e pedagogos defendem que a prática ajuda no desenvolvimento infantil e é importante para a construção do imaginário da criança. Jéssica Prata é professora da educação infantil e usa a técnica para estimular seus alunos. “Eu sento as crianças em uma rodinha no chão, mostro a capa do livro, falo o nome do autor e do ilustrador. Durante a leitura, eu vou fazendo a entonação de voz e passando a
emoção para eles”, conta. Para a professora, através de um livro a criança pode desenvolver vários aspectos. ‘‘A literatura infantil ajuda no desenvolvimento cognitivo – como aprender a ler e escrever – e no desenvolvimento emocional, porque, por meio das emoções de uma história, as crianças podem resolver conflitos internos que elas têm”, explica. Além de estimular a imaginação e expandir o vocabulário, as histórias contribuem no desenvolvimento da parte emocional e cognitiva das crianças. Eveline Rodrigues, psicóloga infantil e psicopedagoga, elucida: “as histórias têm um caráter tanto simbólico quanto projetista. Por isso, são importantes para o desenvolvimento geral da criança”. A psicóloga acrescenta ainda que as histórias também apresentam valores. “As histórias apresentam situações que sempre têm um desfecho voltado para a valoração. Então, é um instrumento interessante também no sentido da formação do caráter”, conclui. Grupos que encantam A arte de contar histórias envolve encenação, uso de acessórios, roupas coloridas, música e também paixão. É assim que o Grupo Encantos atua. Formado pela professora Carol Bittencourt e mais três músicos, o grupo, que surgiu da proposta de uma mãe que queria uma apresentação no aniversário da filha, transforma as histórias infantis em espetáculos de contação. Para esse grupo, a música é um elemento que complementa a história e prende a atenção da criança. Carol explica que somente a narração, muitas vezes, não é suficiente para atrair a atenção, sendo preciso a utilização de recursos musicais e cênicos. A intenção, no entanto, não é só produzir um belo
espetáculo. “O grupo não tem essa ideia de fazer a contação só pela contação, o espetáculo pelo espetáculo, mas que a experiência traga algum fruto pra aquela criança”. Carol acredita que a contação de histórias contribui para mostrar que existem produções de qualidade voltadas pra crianças. “Serve também pra quebrar um preconceito, que muita gente está acostumada com coisa pobre pra criança mesmo, muito rasa, que não tem uma elaboração, um zelo, mas ela (criança) pode receber algo bem mais trabalhado, uma palavra bem mais cuidada”, defende. Há também o Costureiras de Histórias, que, além de atuar com contação e com formação de mediadores de leitura, promove estudos e pesquisas sobre narrativas orais e escritas. A integrante Tâmara Bezerra explica que o nome surgiu da necessidade de estabelecer ligações, “costuras” entre as histórias, por meio de músicas, personagens ou temas que se repetiam. Os resultados dessas pesquisas são partilhados através das formações promovidas. Tâmara afirma que os encontros formativos ajudam a difundir a arte de contar e ouvir histórias e favorecem o trabalho de formação do leitor literário. “Nosso maior público é composto por educadores dos diversos segmentos e vários outros profissionais que usam as narrativas como instrumento mediacional de sua atuação profissional”, declara. A contação faz o público, sem perfil ou idade definida, viajar para lugares distantes, é o que acredita Tâmara. “Vamos assim, conto a conto, ponto a ponto, alinhavando personagens, lugares e acontecimentos”. E finaliza: “contamos para quem gosta de ouvir histórias, e assim, vamos indo, felizes para sempre!”.
ara sem p s e p re iz l e f !
Ilustrações: Juliana Braga
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Iniciativas Individuais
Plebeu Gabinete de Leitura: uma forma de incentivo à leitura e de ser mais plebeu em Fortaleza A iniciativa da professora e historiadora Adelaide Gonçalves proporciona uma maneira diferente de se relacionar com os livros e com os espaços de leitura no Centro de Fortaleza Por Caroline Portiolli Fotos: Caroline Portiolli
Fernanda Meireles e Amanda Sampaio acreditam que o Plebeu Gabinete proporciona um relacionamento mais próximo com a leitura em Fortaleza. Além de incentivar à leitura, o Plebeu Gabinete também publicou um livro junto à Imprensa Universitária, “O Demolidor”
E
m meio ao comércio do Centro de Fortaleza, o Plebeu Gabinete de Leitura reside no terceiro andar do prédio da Associação Cearense de Imprensa (ACI) como um refúgio para os amantes dos livros. Inaugurado no dia do trabalhador, ele leva no nome toda a força dos movimentos operários, dos trabalhadores do Centro da cidade e, acima de tudo, carrega a paixão de compartilhar o conhecimento contido nos mais de dez mil livros doados pela professora do curso de História da Universidade Federal do Ceará (UFC), Adelaide Gonçalves. O Plebeu Gabinete é uma iniciativa que propõe um acervo rico e de fácil acesso aos interessados por leitura. “Todo o acervo da biblioteca vem do acervo pessoal da professora Adelaide Gonçalves. Era um
“
Porque livro bom é livro vivo, livro que as pessoas possam pegar, possam ler, possam discutir, possam consultar
”
acervo que ela tinha em casa, que sempre circulou muita gente”, afirma a jornalista Amanda Sampaio, que trabalha no Gabinete junto com a historiadora Adelaide desde o início do projeto. Não é só o acervo rico em história social que faz o Plebeu Gabinete ser um recanto na Rua Floriano Peixoto. É um espaço de encontro com os livros e com a mais variada forma de conhecimento. Para a socióloga Joana Schroeder, “o Plebeu, por não ser uma biblioteca, oferece um outro tipo de relação com o espaço da leitura. Porque a gente não tem, em Fortaleza, gabinetes de leitura, que é um espaço para onde você vai, não para escolher um livro, como são as bibliotecas, mas onde você vai para ler.” Além disso, ela ainda acredita que ali é possível encontrar livros que, em outros lugares, não estariam disponíveis. Disponibilizar conhecimento está completamente ligado à iniciativa da professora Adelaide. O Gabinete de Leitura é um local de compartilhamento de ideias, “ele quer impulsionar isso do amor ao livro e à leitura. Quer proporcionar às pessoas de Fortaleza uma experiência mais próxima a acervos”, conta Amanda. Esse pensamento é compartilhado por Fernanda Meireles, mestre em comunicação, que acredita serem poucos os lugares em que as pessoas podem ficar perto dos livros sem ter uma relação comercial. Por Fortaleza não ter tan-
tos locais isentos da relação comercial com os livros, o Plebeu Gabinete é uma forma de resgatar a leitura na vida das pessoas, incluindo desde os trabalhadores do Centro até os estudantes das Universidades. “A importância dessa iniciativa do Plebeu é de fazer que os livros circulem, porque livro bom é livro vivo, livro que as pessoas possam pegar, possam ler, possam discutir, possam consultar”, acredita Amanda. A iniciativa da professora Adelaide proporciona ao leitor de Fortaleza uma nova maneira de relacionamento com os livros. Uma relação construída através do acervo de livros compartilhados para serem lidos sempre que possível. “É um trabalho de formiguinha, que a gente vai fazendo porque acredita mesmo nisso de que um livro vivo tem que ser compartilhado. Não adianta nada ter uma biblioteca preciosíssima que fique trancada”, detalha Amanda. Porém, por ser uma iniciativa individual e completamente voluntária, a maior dificuldade do Plebeu Gabinete é manter um horário fixo para o funcionamento. Além disso, também não é possível alugar os livros do acervo, já que não há um bibliotecário trabalhando no local. “Um acervo público, mas para consulta local”, diz Amanda. Ela pondera que, se o local fosse estimulado e se estivesse funcionando em diversos horários, as pessoas apareceriam mais.
Leitura libertadora: a imaginação alçando voo nas praças Por Saulo Lucas Na lógica do consumo em que vivemos, conseguir equilibrar ações de manutenção e de doação ao próximo é uma tarefa nada fácil. É com essa reflexão que o produtor cultural e jovem empresário William Mendonça avalia a sua trajetória profissional de cerca de dez anos. Hoje, proprietário e fundador da WM Cultural - agência que criou em 2009, ele prova que, “apesar dos riscos”, é possível se manter no mercado sem abandonar o engajamento social. Foi assim que, no último dia 11 de outubro, em uma praça do bairro Bom Jardim (SER V), William viu o seu sonho dar à luz ao projeto sem fins lucrativos Mercadores da Imaginação, resultado de uma inquietação dele em levar para comunidades uma ressignificação dos espaços públicos. Para ele, a cultura deve ser descentralizada dos equipamentos culturais, bem como dos investimentos públicos ou privados na área. Partindo dessa ideia, o empresário idealizou o Mercadores para ser um projeto que
desenvolve ações artísticas e informativas, tendo como espaço físico as praças, e como ponto de partida o incentivo à leitura. “Eu vi que a leitura era uma porta para tudo. Ela é, na verdade, começo; ela não é final”, considera. O projeto trata-se de uma ação itinerante e conta com um trailer que funciona como uma biblioteca móvel e também como um palco para apresentações culturais. Acontece sempre nas praças e, apesar de ser voltado para o público de 8 a 12 anos, é pensado para envolver toda a família e a comunidade. A programação dura um dia inteiro, começando às 9h e segue até as 19h, oferecendo contação de histórias, oficina pedagógica, cinema, teatro de rua e shows artísticos infantis. Com esse projeto, William Mendonça espera desenvolver no público contemplado um sentimento de merecimento da Cultura e que a semente do gosto pela leitura possa crescer em cada indivíduo, tornando-os mais livres.
SERVIÇO Plebeu Gabinete de Leitura Endereço: Rua Floriano Peixoto, 735, 3º andar – Centro Telefone: (85) 3226 6260
WM Cultural – Projeto Mercadores da Imaginação Contatos: (85) 3046 2744/ (85) 9926 9393 Site: wmcultural.com.br
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Ex Libris N
N
Espaço de resenhas, contos, poesias e tudo o que a criatividade permitir
Conto
Uma pena Por Giuliana Saragiotto
C
omo toda história com final feliz (embora o relato abaixo não exatamente o seja), esta começa com um fato bastante clichê: ela se apaixona por ele. Clichê porque, como a esmagadora maioria das jovens, ela era uma daquelas pessoas idealistas que procurava nos braços do amor uma resposta para a mediocridade do mundo, como se sentimentos magicamente se transformassem em ações e fossem capazes de trazer uma solução para seus anseios irrequietos. Tola, eu diria, mas ela me derrubaria com os olhos de esperança e me convenceria de que, talvez, haveria uma chance para os dois. No entanto, minhas preocupações se confirmaram e houve uma divergência dolorosa na procura da menina: ela encontrou o amor, mas não foi encontrada por ele; ele, por sua vez, sofreu do mal contrário.
Mesmo assim, eram grandes amigos, daqueles que a vida fez questão de unir por corredores misteriosos. Quando lhe perguntassem o motivo pelo qual ela resolveu calar sua adoração no princípio, ela diria que era porque o conhecia muito bem e sabia que ele não sentia o mesmo,
“
Preferiria nutrir um fiapo desgastado de esperança a suportar a certeza negativa
”
Ilustrações: Juliana Braga
pelo menos não no momento em que o que eu estou contando se passa. Porém, a verdade é que ela se conhecia muito bem e, nessa condição, sabia que o peso de uma possível rejeição seria insustentável. Eu contei para ela em sonhos que achava engraçado como o medo aprisiona os seres humanos - ela arrastou o sofrimento da incerteza por meses apenas por causa da agonia que seria o não. Preferiria nutrir um fiapo desgastado de esperança a suportar a certeza negativa (que, dispensando a necessidade de mistérios narrativos, viria de fato num futuro próximo). Já eu, que sempre observei os dois com certa imparcialidade, passei a acreditar que eventualmente ele seguiria o curso natural das coisas e retribuiria o amor dela. Olhando de longe, sempre acreditei que eles formariam um belo casal. Aqui, vale uma ressalva: espero que ninguém tenha adquirido qualquer gota de compaixão pela garota. É tarde demais para ajudá-la, e vocês não gostariam de carregar o fardo de salvar uma vida há muito em estado decadente. Mas não se preocupem: hoje, ela continua com a inércia habitual, dona de uma satisfação superficial toda vez que olha para ele - atualmente só pelo cantinho do olho, para ele não notar. Torna-se um clichê desgovernado: suas pernas fraquejam, o coração acelera, o fôlego falta. Por pouco não era sintoma de doença, e sim só de amor. (E, no fundo, não é a mesma coisa?) Só sei que quatro meses se passaram antes que ela se cansasse daquela situação de não-correspondência. Era impossível viver com paranoias no bolso. Cada vez que ele lhe sorria, vinha a ela uma inda-
gação indecifrável: será que havia alguma chance de ele amá-la também? Será que os dois algum dia chegariam a realizar tudo o que ela tinha pintado em cores vívidas dentro de seu cérebro? Ela descobriria naquele fatídico, fatídico dia. Pensou muito nas palavras certas ao se declarar. Suas mãos suavam, as famosas borboletas dentro de seu estômago nunca haviam voado tão desgovernadamente. No final, o cansaço e o esforço foram desnecessários. Ele disse não. Só assim, sem explicação mesmo. E até hoje ela fica todas as tardes pensando em tudo que mudaria no passado. Me diz cheia de arrependimento que a hora da declaração foi inoportuna, que o clima não estava propício, que ela deveria ter vestido uma roupa mais bonita. Inútil, viu? O fato inquestionável é que ele nunca teria gostado dela, nem antes nem cem anos depois. Uma pena. Ainda hoje sou favorável da crença que eles teriam formado um lindo casal.
PERFIL Giuliana Saragiotto, 19, largou a faculdade de Direito e estuda para passar em Medicina, mas é escritora de coração. Conquistou centenas de leitores e alguns bons amigos como autora de uma fanfiction de Harry Potter (Lílian Evans no Limite) aos 13 anos e não parou mais. Ao ser convidada para escrever para nosso jornal, Giuliana disse “Adorei você ter me chamado pra isso, fazia tempo que eu não escrevia e ter um motivo pra isso me relaxou um monte.”
Poesia
Impressões Por Gleydson Moreira Certo dia resolveu andar de saia. Não agradou. Nada, nada. Nem ninguém. Ser alguém. Ele mesmo, não decidiu. É tão difícil ser. Qual das saias eu não posso usar? [ele só queria experimentar] Conheceu o medo. No desespero, despiu-se de si. Agora é qualquer um. Privatizou-se. Pequenas doses de controle. Deixou o topo da lista. O ódio bate menos em sua porta. Agora torta, ele ali não mora mais. Gleydson Moreira, 24, é publicitário e poeta. Acompanhe suas sensíveis criações na fanpage: migre.me/gBa1d
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Livro falado
Novas tecnologias levam a leitura para quem tem deficiência visual Com a evolução da tecnologia e da boa vontade de voluntários, ferramentas como os audiolivros e os e-books ampliam o acesso à leitura para quem possui deficiência visual Por Mikaela Brasil e Taís de Andrade Foto: Taís de Andrade
Antes armazenado em fitas cassete, os audiolivros são guardados em CDs, deixando o espaço mais vazio para novos materiais
A
leitura pode abrir portas para novos conhecimentos e novas experiências. Mas quando não se é possível enxergar, o ato de ler torna-se um desafio maior, porém não impossível. A tecnologia tornou a leitura para cegos uma realidade que vai além da escrita em Braille. Com as versões mais recentes de audiolivros para CD e no formato MP3, além de livros digitais e audiodescritos, o ato de ler se torna mais uma realidade do que um sonho para muitas pessoas com deficiência visual. É disso que se trata o Projeto Livro Falado, da Sociedade de Assistência aos Cegos. “É um trabalho muito útil para eles e muito enriquecedor para nós”, argumenta Sílvia de Paula, exvoluntária e atual responsável
pelo projeto. “Nós temos acesso à leitura e damos essa possibilidade a eles”, conta. O projeto funciona desde 1994, com a colaboração de voluntários que emprestam a voz para gravar um livro inteiro em formato digital. Desta forma, é possível ouvir o livro sem precisar do acervo em Braille. Com a facilidade de armazenagem das novas tecnologias, não é preciso muito espaço para guardar o livro que varia de estantes ao disco rígido de um computador -, além de não sair caro, se for levado em conta o custo de gravação de um CD. Para ser voluntário, é preciso ligar para a instituição e depois comparecer pessoalmente para conversar com uma assistente social. Desta maneira, o voluntário escolhe os dias que pode
se comprometer com o projeto e também se informa sobre a postura dentro da Sociedade de Assistência aos Cegos. Vantagens e desvantagens dos audiolivros “Quando se trata de audiolivro, para gente é o mais prático porque são pessoas voluntárias que leem. O material de impressão, que é o CD, tem um custo barato”, avalia Andréa Barros, professora responsável pela Biblioteca Braille Josélia Almeida, da Sociedade de Assistência aos Cegos. Uma das formas de leitura mais conhecidas, criada em 1827 pelo francês Louis Braille, o braile é um sistema utilizado pelos deficientes visuais para ler textos, em que as letras são pontos em alto relevo, identificados através do tato.
Para quem considerava que a leitura em Braille era uma opção mais viável, Andréa Barros hoje pondera que os audiolivros têm uma facilidade maior de reposição no acervo, se forem danificados pelos usuários. “Para o Braille você vai ter que digitalizar todo aquele livro, vai ter que codificar, imprimir em material e isso leva muito tempo. Então, para gente, realmente, o livro falado é uma grande evolução”, detalha a professora. Mas enquanto otimiza o espaço para a armazenagem e o custo de produção, os livros em áudio apresentam uma falha em um quesito. “O que é que fica a desejar no livro falado? Justamente porque o cego não vai tocar nas palavras, isso vai afetar na produção textual. No audiolivro, o deficiente vis-
ual perde muito em relação a isso”, acentua Andréa. A audiodescrição como ferramenta para leitura Com o objetivo de possibilitar aos estudantes com deficiência visual uma maior autonomia e acesso aos conteúdos necessários às atividades acadêmicas, a Universidade Federal do Ceará (UFC) realiza um projeto para tornar livros e textos acessíveis. A iniciativa, que existe por meio de uma parceria entre o sistema de bibliotecas e a Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui, é exclusiva para deficientes visuais e tem como finalidade transformar material impresso em arquivo digitalizado, permitindo o acesso dos alunos. Muitas vezes, porém, o conteúdo é ilustrado por figu-
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IMPRESSÕES – LEITURA ras e gráficos, essenciais para a compreensão do assunto, sendo necessário realizar um processo de descrição. “Audiodescrição é uma técnica para transformar o que é imagem em texto”, explica a bibliotecária Clemilda dos Santos, responsável pelo serviço de conversão e edição de documentos da UFC. Textos acadêmicos que não possuem versão online são digitalizados em um laboratório da Secretaria de Acessibilidade, voltado apenas para a realização desse serviço. Quando as páginas contêm gráficos, imagens e tabelas, a equipe responsável pela digitalização retira esses elementos e acrescenta textos no local deles, descrevendo o conteúdo visual retirado. Imagens de histórias em quadrinho que aparecem em alguns materiais, por exemplo, são eliminadas e, no local delas, são colocados textos descrevendo os personagens, o ambiente no qual estavam e as falas de cada um. Após passar por esse processo, os textos podem ser acessados por deficientes visuais através de programas eletrônicos. “Existem alguns programas de computador, como o DOSVOX, que fazem uma leitura do material”, cita Davi Cândido, técnico de assuntos educacionais da Secretaria de Acessibilidade da UFC. A descrição e edição do conteúdo são realizadas porque os recursos eletrônicos não leem imagens e fazem uma leitura incompreensível de páginas com mais de uma coluna de
texto ou com notas de rodapé. Ao precisarem do acesso a um determinado conteúdo, são os próprios alunos com deficiência visual que levam o material à Secretaria de Acessibilidade para ser digitalizado. A digitalização é realizada por uma equipe de bolsistas, composta por estudantes de diversos cursos de graduação da UFC, que passam por um processo de preparação para desempenhar esse trabalho. Eles também são constantemente estimulados a pensar sobre estratégias de acessibilidade voltadas para a área de estudo de cada um. A bibliotecária Clemilda dos Santos explica que a audiodescrição é diferente dos audiolivros. De acordo com ela, audiodescrição é uma técnica que pode ser aplicada não apenas em textos escritos, mas também em filmes, peças teatrais, campanhas publicitárias e até mesmo nas obras de museus. Já audiolivro é outro formato e não apresenta cada elemento de modo detalhado. A transformação de um texto em audiolivro, por exemplo, consiste apenas na gravação da voz de alguém lendo aquele material. “O audiolivro não tem nadavisível no computador. É apenas som”, diz Clemilda. A bibliotecária afirma ainda que, na UFC, os audiolivros somente são utilizados em último caso, pois os alunos não gostam de utilizar esse formato em literatura científica. Segundo Cremilda, os deficientes visuais preferem
os livros digitalizados, porque é mais fácil quando desejam retomar a leitura de algum trecho do arquivo. “Manipular o arquivo em áudio é muito diferente de ir com a seta e clicar. É muito difícil voltar para o ponto que quer”, relata. Com os arquivos digitalizados, a produção de trabalhos acadêmicos também é facilitada, já que os alunos podem copiar e colar os nomes científicos ou estrangeiros que não sabem como se escrevem. Eles não usam o braile “Não usamos o braile porque a maioria dos cegos que são atendidos aqui não sabem braile”, informa Clemilda dos Santos. A bibliotecária justifica que a maioria dos alunos deficientes visuais da UFC perdeu a visão após a idade adulta, tendo sido alfabetizados com o código escrito. “Eles não têm nenhuma familiaridade com um braile e tem uns que não querem ter”, enfatiza. A escolha pela digitalização do material também ocorreu devido à presença de alunos com níveis distintos de deficiência visual, pois alguns estudantes não possuem comprometimento total da visão, sendo necessária apenas uma cópia ampliada do material que desejam utilizar. “Como o perfil é muito heterogêneo, a gente teve que criar um formato meio “coringa”, que possa se adequar ao público mais diverso”, revela Clemilda dos Santos, explicando ser a digitalização um recurso eficiente em ambos os casos.
Livros digitais: outra opção? Enquanto ocorre a discussão acirrada entre defensores de livros físicos e os que preferem e-book, é preciso considerar, ainda, a questão sob outro aspecto. Com a ajuda de programas de computador que fazem a leitura de livros digitalizados, como o DOSVOX, os e-books se tornam uma opção para além dos audiolivros e também para quem quiser acompanhar alguma obra de literatura em lançamento ou que ainda não foi gravada em áudio. Além da possibilidade já mencionada com a audiodescrição, o direito aos livros digitais é garantido por lei. De acordo com a diretriz XII da Lei nº 10.753, sancionada em 29 de dezembro de 2003, é preciso “assegurar às pessoas com deficiência visual o acesso à leitura”. A professora responsável pela Biblioteca Braille Josélia de Almeida, da Associação de Assistência ao Cego, Andréa Barros, considera a importância dos livros digitalizados na instituição, mas diz que a aquisição é complicada: “Os livros publicados eram para serem fornecidos para as instituições digitalizados, para que (a gente) não tivesse o trabalho de digitar, até pela fidelidade. É difícil a gente conseguir. A nossa instituição não consegue parcerias com editoras porque não compra livros, então a gente não recebe visita de ninguém”, confessa, ressaltando também que a instituição não é maisvinculada ao Governo do Estado do Ceará.
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Para o Braille você vai ter que digitalizar todo aquele livro, vai ter que codificar, imprimir em material e isso leva muito tempo. Então, para gente, realmente, o livro falado é uma grande evolução.
”
Foto: Taís de Andrade
SERVIÇO Associação de Assistência ao Cego: A instituição foi criada em 1942 e reúne escola para pessoas com deficiência visual, especialização para professores nessa área, cursos de desenvolvimento profissional de cegos ou com baixa visão, além da Biblioteca Braille Josélia Almeida. Endereço: Av. Bezerra de Menezes, 892 - São Gerardo Telefone: (85) 3206 6800 Fax: (85) 3206 6836
Bolsistas da Secretaria de Acessibilidade UFC Inclui trabalham na audiodescrição de livros e textos
14 Quando o conhecimento bate à sua porta: as bibliotecas itinerantes e sua função social
IMPRESSÕES – LEITURA
Os projetos de bibliotecas itinerantes levam um pedaço das bibliotecas às pessoas de lugares distantes, que não têm condições de frequentar esses espaços
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Foto: Renan Vidal
Por Rachel Gomes, Amanda Araújo e Renan Vidal
EM NÚMEROS
Biblioteca Volante: Possui um acervo de cerca de
3 mil
livros e transita no bairro Praia de Iracema Livraria Chico Xavier:
30
O micro-ônibus da livraria Chico Xavier chama a atenção de quem passa pela Beira-Mar
S
Biblioteca Volante Levar conhecimento às pessoas do Interior e, até mesmo, a bairros distantes da própria Capital é a proposta do projeto Biblioteca Volante. O projeto foi criado em 2006 e é vinculado à Biblioteca Pública Governador Menezes Pimentel, que funciona no bairro Praia de Iracema. Previsto para durar apenas um ano, foi bem aceito e até hoje realiza seu trabalho, de acordo com a bibliotecária Isabela Rocha, responsável pelo projeto. O “ônibus-biblioteca” foi adaptado pra adquirir a função de levar o conhecimento para pessoas de todos os municípios do Interior do Ceará e Região Metropolitana, além de bairros da própria Capital, diz a funcionária. O acervo de aproximadamente três mil livros é distribuído entre obras de referência, literatura estrangeira e brasileira, obras gerais, literatura infantil, in-
fanto-juvenil, e até mesmo acervo em braile. O objetivo é claro: difundir a leitura e o conhecimento àquelas pessoas que desejam e precisam. São pessoas que moram longe e não têm condições financeiras de ir até uma biblioteca, ou mesmo que nunca foram a uma e não sabem como funciona o equipamento. Além da visitação, a Biblioteca Volante oferece os serviços de oficina de origami e contação de histórias, com o objetivo de despertar o interesse das pessoas pelos livros. A intenção da biblioteca volante é também incentivar pessoas de outras localidades a visitar a Biblioteca Pública, para que a população conheça e saiba usufruir de seus serviços. “O projeto serve como uma ponte, para que as pessoas não esqueçam a biblioteca principal”, diz a bibliotecária.
Dinâmica A instituição, escola ou ONG, que desejar ter acesso aos serviços da biblioteca volante deve fazer o agendamento de visitas e aguardar. Geralmente, diz Isabela, o ônibus demora entre 15 a 30 dias pra atender ao pedido. A cada semana a Biblioteca Volante visita um local diferente e lá permanece durante cinco dias. Além de ter acesso gratuito a todo o acervo da biblioteca volante, os usuários podem fazer empréstimos e ficar com o livro durante a semana, com exceção do Interior, onde esse serviço não é fornecido devido à dificuldade em retornar a todos os municípios. O cadastro para empréstimo é feito gratuitamente no próprio ônibus e no momento da entrega do livro o usuário recebe a carteirinha da Biblioteca Pública. Isabela conta que a solicitação pela visita da Biblioteca
Agentes de Leitura:
280
agentes da Secult percorrem
43
municípios do interior, promovendo a leitura
}
e o cearense não vai até a biblioteca, a biblioteca vai até o cearense. Este é o lema das bibliotecas itinerantes, responsáveis por levar cultura e informação a lugares distantes da Capital, onde muitos nunca tiveram contato com uma biblioteca de verdade. Vários são os problemas que ainda permeiam a população de baixa renda no que diz respeito à educação no nosso Estado. Um dos fatores que mais contribui com os números da alta taxa de analfabetismo entre as comunidades carentes é o pouco ou nenhum contato dessas pessoas com os livros. Não existem limites nem idade para o alcance do conhecimento, e os projetos de bibliotecas que viajam os bairros e municípios tem essa missão social: expandir cultura, sabedoria, diversão, e, quem sabe, novos horizontes.
ônibus circulam no país. Em Fortaleza, um micro-ônibus se localiza na Avenida Beira-Mar
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IMPRESSÕES – LEITURA
Foto: Renan Vidal
“
Temos a visão de leitura de Paulo Freire, a leitura de mundo procede à leitura da palavra
”
Volante é muito grande, tendo em vista que é o único projeto que oferece o serviço no Interior do Ceará. Atualmente, em Fortaleza, são apenas dois profissionais que viajam junto com o ônibus: Isabel, a bibliotecária responsável, e o motorista. No Interior, uma pedagoga da Biblioteca Pública fica responsável pela parte da oficina de origami e contação de histórias. Para Isabela, além de um trabalho remunerado, ela vê o projeto como um trabalho social. “As pessoas têm a expectativa da leitura, principalmente no Interior, onde a
A modesta estrutura e a arquitetura improvisada são marcas da livraria itinerante Chico Xavier
leitura é muito difícil”, conta. Livraria Chico Xavier Em 1986, Chico Xavier leu um evangelho para um homem que teve seu filho sequestrado. O caso terminou bem, e o homem, em gratidão, decidiu dar um micro-ônibus de presente para Chico, já vislumbrando a ideia da divulgação da doutrina através do veículo. Chico relutou no início, mas juntos construíram a primeira livraria itinerante Chico Xavier. Hoje são cerca de 30 ônibus rodando pelo Brasil todo. Parada na movimentada
Avenida Beira Mar, o pequeno trailer chama a atenção dos passantes. Com uma estrutura simples, a livraria itinerante Chico Xavier é conhecida pelo acervo de livros espíritas. A principal função da iniciativa, segundo Francisco Klelio Cavalcante, responsável pelo ônibus da Beira Mar, é a divulgação da doutrina. A venda de livros é para despesas como combustível e energia. A livraria ainda conta com outro ônibus, que circula na periferia. Apesar da satisfação de trabalhar no que gosta, Klelio se queixa da dificuldade
em comercializar os livros. “A venda de livro não é fácil. Vender livro no Brasil já é difícil. Espírita, então, é mais difícil ainda.” O acervo é sempre atualizado, e grande parte dos livros vem de doações. Para os interessados em espiritismo, a modesta biblioteca é um deleite para a alma. Klelio ainda conta com satisfação ter conhecido Chico Xavier em 1958. E completa: “Sou espírita desde criancinha. É um prazer trabalhar aqui.” Ele também relata a experiência como rezador. “Tem muita gente com problema no espírito. Doença na alma mes-
mo. A gente reza para a pessoa melhorar.” Renata Almeida, turista, elogia a iniciativa: “Sou católica, mas achei incrível a ideia do ônibus. Tenho uma queda pelo espiritismo. Até me interessei mais depois de ter visto isso.” A livraria abriga desde livros da escritora Zíbia Gasparetto, a quem se destina uma prateleira inteira, até o próprio Chico Xavier. A livraria funciona todos os dias, das 17 às 22 horas.
Agentes de leitura: Projeto da Secult incentiva contato com os livros Alcançar quem não vai à biblioteca física: esse talvez seja o objetivo maior das bibliotecas itinerantes. Mas para além desse contexto de acervos volantes, um projeto de proporções, à primeira vista, despretensiosas, amplia o conceito de democratização da leitura nos confins do Ceará. Com 280 pessoas percorrendo 43 municípios do Interior, o projeto “Agentes de Leitura”, da Secretaria da Cultura do Estado do Ceará, promove o acesso e apropriação de livros para famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza. O idealizador do projeto, um antigo técnico da Secult chamado Fabiano dos Santos, não pertence mais à Secretaria. Porém, o legado de sua ideia,
concretizada em 2006, perdura até hoje. Neste ano, o projeto, já consolidado e com objetivos delimitados, forma profissionais que visitam mensalmente famílias beneficiadas pelo Bolsa Família e com algum membro em idade escolar, oferecendo a eles o empréstimo de livros de literatura, desde o gênero infantil até os escritos populares de cordel. Com uma bicicleta, os agentes de leitura fazem cada um o acompanhamento, por cerca de dois anos, de 25 famílias leitoras, como são conhecidas. Conforme Marlia Aguiar, funcionária do apoio administrativo da Secult, os agentes selecionados vão às casas de moradores do Interior do Ceará para cadastrar, levar ativida-
des e promover o “gosto pela leitura”. Cada agente recebe, além da bicicleta que será seu meio de transporte, uma bolsa mensal de R$ 400 e até 256 livros, os quais serão emprestados para as famílias leitoras ao longo dos meses. O critério utilizado para seleção dos municípios que vão participar do programa é baseado, primeiramente, no índice de focalização de leitura; este leva em conta o índice de desenvolvimento humano (IDH), a incidência do Bolsa Família e analfabetismo naquela localidade. Segundo Marlia, as cidades com os piores resultados são então selecionadas para formarem agentes de leitura. Para concorrer à vaga de agente, os candidatos devem
ter entre 18 e 29 anos e possuir ensino médio completo. Para Marlia, o diferencial do trabalho dos agentes de leitura é justamente o vínculo criado entre eles e as famílias visitadas. “Eles ficam amigos da família, são mesmo os agentes de informação delas, pois mostram opções de alfabetização no município e funcionam como ponte para a biblioteca e, assim, para a leitura”, explica. Marlia lembra o caso de um senhor que deixava de ir para a roça trabalhar no dia da visita do agente de leitura. “No dia que o agente ia, esse pai não ia pra roça, queria ficar e ouvir as histórias de literatura apresentadas”, disse. Embora o projeto esteja em constante aperfeiçoamento, ele
conta com um instrumento de controle: os testes de proficiência para as famílias leitoras. Essas provas são realizadas no início e término do acompanhamento do agente de leitura, para medir os conhecimentos em literatura e interpretação de texto das famílias beneficiadas com o projeto. Marlia destaca que para criar o gosto pela leitura, é preciso desmistificar a ideia de que leitura é coisa obrigatória “de escola”. “Temos a visão de leitura de Paulo Freire, leitura de mundo procede à leitura da palavra. Ou seja, queremos é mostrar uma leitura prazerosa, que seja não apenas uma atividade de aprofundamento intelectual, mas uma forma de lazer”, completa.
16 Ensaio Fotográfico
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Outras formas de ler Por Tamara Lopes
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omo foi visto nesta edição do Impressões, o hábito da leitura está em todo lugar. Para entreter ou informar, as pessoas buscam a palavra. Durante um passeio na Praça do Ferreira, por exemplo, encontrei vários senhores enriquecendo suas mentes com a leitura de jornais (foto 4). Nesse dia, em especial, haviam painéis contando a história da praça e da cultura cearense (foto 5). Saindo do Centro e chegando ao Benfica, conheci um pouco da história do comerciante Paulo Roberto de Castro Almeida (foto 2). Ele há seis meses desenvolve o seguinte trabalho no cruzamento da Av. da Universidade com Av. Treze de Maio: compra livros e revistas, lê-os e, se achá-los interessantes, revende-os. O dinheiro adiquirido é utilizado para comprar novos exemplares e, assim, retomar o ciclo (foto 1). A maioria dos livros tem teor histórico e divulga as ideologias defendidas pelo senhor Paulo. Outra forma que ele achou para exibir seus pensamentos foi mostrando cartazes em sua bicicleta personalizada (foto 3).
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