Impressões Leitura - Terceira Edição

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IMPRESSÕES Leitura

Jornal Laboratório do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) - Ano 4 - Nº 27 - Dezembro de 2013

Mercado editorial

Quanto vale um livro? Livraria:

Editora:

Leva 50% do valor da venda do livro

Leva 50% do valor da venda do livro

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Custos:

Em geral, a venda da 1° edição de um livro paga apenas os custos de produção, e o autor não tem lucro

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Autor:

10% dessa quantia são destinados a direitos autorais

Ilustração: Juliana Braga

Conheça os processos que influenciam no preço final desses produtos e a sua trajetória de produção, partindo dos autores para as editoras e finalizando nas livrarias Página 8 e 9 Foto: Tamara Lopes

Entrevista: Gilmar de Carvalho

Literatura local

Foto: Tamara Lopes

Os desafios do processo editorial para autores cearenses Página 11

Literatura infantil

Literatura e audiovisual

Por que as adaptações fazem sucesso? Adaptações de livros para o cinema e televisão ajudam a divulgar as histórias e atrair leitores

Página 10

“A gente lê pouco. Os livros são caros, aí cria um ciclo vicioso” Página 12 e 13

Educação

Escolas particulares produzem o próprio material didático Os professores passam a ser responsáveis por produzir o material. A prática divide a opinião de alunos e pais Página 4 e 5

Como estimular a leitura dos pequenos? Página 14

Biografias

A controvérsia que gira em torno do gênero biográfico Página 6


Impressões Leitura

IMPRESSÕES LEITURA

Jornal Laboratório produzido pela turma do 7º semestre do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC)

Tema da edição: Mercado editorial

Repórteres: Amanda Araújo Frota,

Ari Areia, Bárbara Danthéias, Bruna Luyza Forte, Carolina Esmeraldo, Carolina Areal, Caroline Portiolli, Criselides Lima, Débora Lopes, Eduarda Talicy, Fátima Babini, Felipe Martins, Gleyce Any Castro, Mikaela Brasil , Rachel Gomes, Raissa Sampaio, Renan Vidal, Rosana Reis, Saulo Lucas, Taís de Andrade, Vicente Neto, Vicente Olsen e Victor Ramalho

Editorial

Desafios e responsabilidades do mercado editorial brasileiro

A

terceira edição do Impressões deste semestre aborda um tema que perpassa todo o contato do leitor com as publicações: o mercado editorial. Muito se discute sobre um suposto desinteresse do brasileiro pelo mundo dos livros e não se pode deixar de mencionar o papel do próprio mercado como um ator nesse processo. Se ainda há controvérsia sobre se o preço do livro é realmente alto, ela é mais fraca ao discutir se o país tem um público-leitor aquém das possibilidades. A pesquisa Retratos da Leitura no Brasil de 2011, do Instituto Pró-Livro, revela que apenas 50% dos brasileiros leu um livro, inteiro ou em partes, nos últimos três meses. Se a proporção não parece tão alarmante, a mesma pesquisa indica que 56% dos brasileiros nunca comprou livros.

As razões para o nível insatisfatório de leitura no Brasil podem ser várias – e não há sentido em procurar um vilão –, mas o fato é que este é o cenário com o qual o mercado editorial se depara. Para sobreviver, precisa traçar diversas estratégias e se utiliza de alguns artifícios, como aproveitar as adaptações de livros para o cinema ou televisão para fortalecer a venda, assunto debatido nesta edição do Impressões. É preciso levar em conta a necessidade de se aproximar do público leitor, a fim de despertar o interesse dele, pois, de acordo com a pesquisa citada acima, 78% das pessoas que disseram ler menos atualmente do que já leram no passado o fazem por falta de interesse. É essencial divulgar a produção e oferecer diversidade ao leitor, e isso nem sempre é encontrado nas livrarias.

Sobre diversidade na produção, um dos textos do Impressões chama a atenção para a dificuldade dos autores cearenses em publicar seus trabalhos. Muitas vezes, a editoração depende de editais do governo, e este também não pode arcar com a publicação de todo e qualquer escritor. Além de iniciativas de autores lançando seus livros de forma independente, como o perfilado desta edição, o poeta Carlos Augusto Lima, as próprias editoras têm de abrir espaço para os artistas locais, ainda que tal abertura não seja tão rentável monetariamente. A importância de se fomentar o contato com diferentes formas de fazer literatura não pode ser suplantada pela busca de criar um produto lucrativo, mesmo que sem muita variedade em relação aos outros existentes no mercado.

Artigo

Pode haver leitura sem incentivo a publicações de livros? Por Tadeu Feitosa* *Chefe do Departamento de Ciências da Informação da Universidade Federal do Ceará (UFC)

S

empre convidado e estimulado a escrever sobre leitura e práticas leitoras, acerca das complexidades das ações que transformam leituras em posturas críticas diante do mundo, hoje desejo falar sobre o descompasso entre fomentar leituras, estimulando leitores e a saga que é publicar no Brasil. A política editorial no Brasil ainda patina entre não saber o gosto das demandas e cobrar caro por publicações que nascem de políticas editoriais atordoadas frente à concorrência das publicações eletrônicas e digitais, apenas para manter viva a oferta de livros. Isso afora as publicações diárias que pululam na

Internet, mudando a dinâmica da relação leitura e leitor. Por sua vez, o editor deixa de ser um mero executor de políticas editoriais previamente definidas e dele é exigido que repense todo o seu fazer editorial, pois a panacéia digital/eletrônica não substitui a produção bibliográfica impressa. Isso requer dele o papel de gestor de políticas de publicações, mais do que de políticas editoriais. Sim, porque, estando as demandas cada vez mais dispersas e os interesses dos leitores cada vez mais difusos, cabe a ele se antecipar a essas demandas e promover o encontro entre as demanda de leituras e a oferta de publicações.

Essa análise parece simplista, mas dependerá de um olhar do mercado editorial de livros para o estabelecimento de novas modalidades de políticas de informação, que contemple, entre outras coisas, repensar a fúria mercadológica das editoras por mais dividendos e pôr no seu lugar políticas de incentivo à publicação, inclusive com subsídios para isso, pois, assim como não há mais espaço para ganhos exorbitantes com a publicação livresca, não há como negar que autores têm cada vez mais espaço nas redes de compartilhamento eletrônico de informações e estas são uma demanda real para as editoras de livros impressos.

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Editores: Isabele Câmara, João Marcelo Sena e Paulo Renato Abreu

Editora Geral: Camila Mont’Alverne

Ilustrações: Juliana Braga Impressão: Impressa Universitária

Professor orientador: Edgard Patrício

Tiragem: 1.000 exemplares

Projeto gráfico e diagramação: Aman-

As opiniões expressas em artigos assinados são de inteira responsabilidade de seus autores.

da Araújo, Clarissa Augusto, Ed Borges, Juliana Braga, Marcella Macena, Tamara Lopes, Thamires Oliveira

Charge Por Juh Braga

Crônica

Não sou grande e outros dramas de um jornalista bipolar

Por Paulo Renato Abreu

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screver não dói. Foi o que eu pensei dia desses, após terminar mais uma matéria de mais um dia diferentemente parecido da minha rotina jornalística. Ao me deparar com essa verdade sobre mim, foi impossível não me lembrar de Angela Gutiérrez. Estive com ela em fevereiro, numa tarde de conversa na casa da escritora de O Mundo de Flora. Após mais de três horas de conversa, toda essa troca de informação rendeu a matéria “O Mundo de Ângela” publicada no jornal O Povo (Vida & Arte de 22 de fevereiro de 2013). A tal matéria começava assim: Angela Gutiérrez costuma dizer que não se considera uma grande escritora. O motivo? Segundo ela, os grandes escritores contam que sofrem para escrever. Discordo! Angela, você é, sim, uma grande escritora. Por outro lado, me aproprio da sua teoria e concluo: estou longe de ser um grande jornalista. Escrever o factual de cada dia não dói em mim. Sabe o que dói? Ter a consciência da dependência do outro durante a apuração. Esperar horas pela resposta monossilábica da fonte. Dói ver conversas incríveis com uma personalidade espetacular virar uma nota. Dói o sofrimento de tentar inovar no lead. Dói não achar sinônimos, não recorrer a chavões, não perceber que está assassinando o paralelismo. Ruim é pensar títulos que não sejam enormes ou vagos com jogo escroto de palavras. Tudo isso pesa, meu irmão. Sabe o que machuca também? Construir discurso com uma teoria e depois se contradizer. Escrever dói sim! Doeu pensar este texto. O saborzinho narcisista de ver um texto pronto é o que acaba fazendo crer que escrever não faz sofrer. É tudo mentira. Então, já que me dói escrever, segundo Angela Gutiérrez, ainda posso sonhar em ser grande? Talvez não. Quiçá mude de ideia e deixe disso de escrever. Posso encontrar um oficio que doa menos. Não procuro, seria fácil achar. P.S.: Ao ler esse texto pronto, volto a pensar: escrever não dói. E seguirá não doendo até eu começar o próximo.


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Perfil

Artesanato de palavras: a poesia independente do escritor Carlos Augusto Lima Através da experimentação, o poeta cearense abraça a liberdade – mas também as dificuldades – de ser editor dos próprios livros

Por Fátima Babini

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uem tem em mãos o envelope de “Três poemas do lugar” é puro encantamento. A rosados-ventos que enfeita a frente do papel parece nortear não somente a escrita do cearense Carlos Augusto Lima, mas apontar quais caminhos a literatura no estado – principalmente a poética – pode seguir em um espaço mercadológico onde os ventos nem sempre sopram a favor das histórias impressas. Na estante da sala do apartamento 601, porém, elas ainda reinam absolutas. São muitos os livros que Carlos coleciona. Os que escreveu, já somam seis: dois publicados com a supervisão de pequenas editoras; os outros, resultados de dedicação individual. “Editar livro é muito caro no Brasil”, afirma. “Além disso, nós não temos no Ceará uma editora que ajude a pensar o livro, que tenha um trabalho editorial profissionalizado. Aqui não existe mercado. A maioria das editoras são apenas editoras gráficas. Há sim, algumas outras iniciativas, mas são ações muito pontuais”.

Se o ditado popular defende que “quem não tem colírio usa óculos escuros”, a máxima pode ser adaptada para a cena literária cearense: quem não tem editora usa a criatividade. E foi exatamente isso o que Carlos fez. Quando questionado sobre quais as vantagens de se aventurar em um mercado independente, ele abre um riso largo e fácil: “Olha, as vantagens eu não sei, mas as desvantagens são todas!”. Depois completa: “Acho que poder experimentar a própria linguagem é uma vantagem. Dá para trabalhar com novas possibilidades, produzir publicações divertidas, mais agradáveis, mais personalizadas”. País de poucos leitores Uma grande vilã que dificulta a publicação de livros no Brasil é a falta de leitores. Sem consumidores, não há produto que se aguente no mercado. Conquistar amantes de prosa já é tarefa que exige esforço – e o que dizer então de conquistar um público fiel para a poesia, geralmente de difícil leitura? “A poesia se coloca num eixo de liberdade que pode até causar o afastamento

das editoras”, supõe Carlos. E o escritor tem razão. Estar inserido em um território que não proporciona um mercado seguro acaba transformando o ato de manter uma editora em uma missão desleal. Poucas são as empresas dispostas a investir no novo. Para os que escrevem e desejam compartilhar sua produção com o próximo, o esforço é duplicado. “É muito doloroso, porque tudo é muito sazonal”, admite Carlos, suspirando com o peso e a leveza de quem assume o risco dos próprios anseios. “Tem que criar o caminho que se busca seguir. Não há um território sólido de leitura. Às vezes, é muito cansativo ter que sempre pensar a permanente invenção desse território”. Tempo, investimento e interesse público são medidas que, somadas, talvez solucionem a equação do desinteresse pela leitura. Inventar bibliotecas e um circuito literário efetivo são sugestões que Carlos defende. “O problema é que não há uma elite econômica interessada nesse processo. Nós devemos sair da esfera do Estado, buscar instituições que Foto: Tamara Lopes

Para Carlos Augusto Lima, a poesia se coloca num eixo de liberdade que até pode afastar as editoras

realmente queiram patrocinar esses trabalhos”, ele avalia. “Os editais de cultura ainda eram alguma chance de publicação, mas onde eles estão hoje em dia? Com a falta de novos editais, até a circulação de dinheiro em algumas editoras fica comprometida. Temos que pensar em novas alternativas”. Editar é preciso? Afinal de contas, por que há essa necessidade toda dos autores de serem publicados? “Eu acho que é um processo natural de quem produz”, explica Carlos. “Você quer que aquilo que fez circule de alguma forma. O x da questão não é nem necessariamente ser publicado, mas fazer aquele material circular”. O livro, a priori, parece o meio mais simples de se fazer isso, já que um grande número de pessoas pode ser alcançado através dele. No entanto, a era digital e as redes sociais também vêm se mostrando grandes ajudantes na hora de divulgar os escritos. O próprio Carlos tem um blog, onde já estabeleceu diálogos com leitores e criou contatos Brasil afora. Sobre o futuro, Carlos aposta nas pequenas editoras para continuar o processo de editoração no país. E o escritor, que começou a passear de mãos dadas com a poesia na década de 80, através de fanzines, também acredita na publicação de livros de forma independente – no seu caso, artesanal, até – para manter as tais histórias impressas enquanto a era digital não assume tudo de vez. “Sabe qual é a maior empresa distribuidora de livros? Os correios!”, brinca. “Assumir esse trabalho mais autônomo não te exige uma massa leitora, apenas um público fundamental para suas experimentações”. E por falar em experimentações, diante do futuro incerto de um mercado literário quase inexistente, Carlos é certeiro: “Eu quero continuar produzindo, me colocando dentro de um determinado espaço, da forma que puder”. E a produção do

autor cearense segue com seu próximo projeto, “Motociclista do globo da morte”, que deve ser distribuído assim como seus livros anteriores. Qual é o formato do livro dessa vez, Carlos? “É surpresa! Não posso adiantar muita coisa, não, senão estraga”, confessa, com cara de quem está aprontando alguma boa nova. Durante a conversa, Carlos pediu licença e saiu da sala, voltando com alguns livros de sua autoria em mãos. O mais inusitado deles, “Três poemas do lugar”, citado no começo desta matéria, conquista logo pelo formato. O envelope, costurado, atiça a curiosidade. E não desaponta quando é aberto. Se o futuro da literatura cearense depender da criatividade de Carlos, estaremos muito bem acompanhados.

SERVIÇO Blog de Carlos Augusto Lima Link: memoriaeprojeto. wordpress.com

Nós não temos no Ceará uma editora que ajude a pensar o livro, que tenha um trabalho editorial profissionalizado. Aqui não existe mercado. A maioria das editoras são apenas editoras gráficas


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Educação

Escolas particulares apostam em sistemas de ensino e produção própria de livros

Foto: Tamara Lopes

A prática de ter os próprios professores como autores do conteúdo lecionado é cada vez mais comum na rede privada e a tendência é que o número de escolas que a adotam cresça. Estudantes e pais divergem sobre o assunto Por Amanda Araújo Frota, Rachel Gomes, Renan Vidal

O colégio Ari de Sá começou a implantar livros didáticos próprios há dez anos. Hoje, os livros do Sistema Ari de Sá (SAS) são adotados do Infantil até o Ensino Médio

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e antes eram responsáveis poSe antes eram responsáveis por apenas ensinar o conteúdo aos alunos, agora os professores têm uma nova função. Eles são os próprios autores dos livros didáticos usados em sala. E não são somente esses profissionais que assumem novos desafios. Uma nova tendência de ensino, ou mesmo de mercado, vem sendo apropriada por escolas do país. Tornando-se editoras, os colégios de Fortaleza também adotam livros didáticos produzidos por eles mesmos. Exemplo disso, o colégio Ari de Sá possui coleções de livros didáticos desde a Educação Infantil até o Ensino Médio. O Sistema Ari de Sá de Ensino (SAS) surgiu há quase dez anos e começou a ser implantado nas séries iniciais até ser ado-

tado em toda a escola. Bruno Veras, coordenador de produção editorial do SAS, explica que a ideia surgiu a partir dos sistemas de ensino de São Paulo. Segundo ele, no começo não era algo que trazia credibilidade, mas que foi conquistando espaço aos poucos no Nordeste. Ele crê que uma das vantagens de se contar com um sistema de ensino próprio é a garantia da qualidade do material, que passa por diversas pesquisas, conta com um trabalho metódico e exaustivo de pesquisa de conteúdo e possui maior foco no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Os livros são editados e atualizados todo ano, garantindo maior qualidade aos conteúdos. Além disso, saem mais baratos. É vantagem para escola e para o aluno”, afirma.

Pais e alunos divergem sobre métodos adotados A adoção de sistemas de ensino e produção própria de livros didáticos não é unanimidade entre pais e alunos. Renata Guerra, ex-aluna do Colégio Christus, não vê muitas vantagens nos métodos atualmente adotados por muitas escolas da rede privada na capital cearense e afirma que a questão econômica acaba exercendo papel preponderante. “Os colégios só querem lucrar com isso. Lembro que na minha época só o livro de Inglês era do colégio. Agora minha irmã tem quase todos: física, química e mais um monte”, informa. Já para Bruna Furtado, aluna do 8° ano do Colégio Christus, a produção dos próprios livros dentro da escola é benéfica, pois de acordo com ela,

“o colégio pode direcionar a matéria que vai ser estudada”. Clarice Furtado, mãe de Bruna, corrobora a opinião da filha: “É mais prático, né? A gente compra logo metade dos livros aqui na tesouraria”, avalia. Opiniões discordantes de Bruna e Clarice têm Gislene Cavalcante, aluna do 9° ano da mesma escola, e seu pai, Claudio Benício. A estudante se mostra preocupada com a qualidade do material e diz que “encontra alguns erros muito ruins de vez em quando”. Enquanto isso, o pai não se incomoda em gastar mais para ter qualidade. “Não se pode comparar um livro feito por uma editora, com todo o preparo de conteúdo e tudo mais, e um livro feito pelo colégio. Eu pagaria mais para ter uma qualidade garantida”, revela Claudio.

Não se pode comparar um livro feito por uma editora, com todo o preparo de conteúdo e tudo mais, e um livro feito pelo colégio. Eu pagaria mais para ter uma qualidade garantidas


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Eu, particularmente, prefiro um conteúdo local a outro produzido por um autor de São Paulo, por exemplo. É Ilusório achar que o material ótimo terá uso ótimo em qualquer cultura ou escolarização

investir na publicação de professores renomados, é preciso capacitar os professores das escolas que ainda deixam a desejar no ensino. “A gente pode pensar que um material de uma grande escola particular vai aumentar o nível daquelas menos tradicionais, mas eu mesmo, quando lecionava em cursinhos, percebi que nem sempre aquele que seria o melhor material vai funcionar com alunos de diferentes escolas”, lembra o ex-professor. De acordo com Idevaldo, os materiais considerados “melhores” pressupunham uma trajetória de ensino mais desenvolvida pelos alunos dos grandes colégios. Ele constatou que, para um aluno que não teve uma educação de qualidade, é preciso um material com outra abordagem, que traga os princípios básicos. “É Ilusório achar que o material ótimo terá uso ótimo em qualquer cultura ou escolarização”, conclui. Conteúdo de qualidade Em Fortaleza, o colégio Antares adota o sistema de ensino próprio ATS. No entanto, o material produzido pelo método é voltado apenas para o público infantil, atendendo alunos até o Ensino Fundamental II. Com exceção do 3º ano do Ensino Médio, as outras séries adotam livros didáticos de editoras nacionais. De acordo com a diretora do colégio e também pedagoga, Vera Guimarães, a

Foto: Divulgação/ Colégio Antares

Especialista analisa nova tendência Para o ex-professor da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Idevaldo Bodião, essa prática não é nova nem traz grandes perdas do ponto de vista pedagógico. “Pelo menos quanto aos livros de Física e Ciências, posso afirmar que são muito parecidos e a matriz, desde os anos 70, são as apostilas dos grandes cursinhos Pré- Vestibular de São Paulo”, explica. Segundo ele, o que está sendo feito no Ceará é apenas uma reprodução do modelo de ensino do Sudeste, que já investe em material próprio há quase vinte anos. “É interessante que o usuário final tenha um material didático mais próximo com sua realidade local. Eu, particularmente, prefiro um conteúdo local a outro produzido por um autor de São Paulo, por exemplo”, diz Idevaldo. Entretanto, o ex-professor da UFC crê que essa tendência não tem o objetivo exclusivo de atender as especificidades do aluno. “O mote é vender o material para outras escolas, até mesmo de outros estados. E se esse processo cresce, é porque é movido também por interesses econômicos”, explica. Em São Paulo, os sistemas de ensino são um negócio que incluem, inclusive, escolas da rede pública. Para Idevaldo, em um futuro próximo, isso vai ser realidade também no Ceará e a venda dos livros didáticos de escolas particulares para a rede estadual e municipal de ensino pode ocorrer com mais frequência. “Os livros de grandes editoras estão de olho em um grande e rentável consumidor, o Ministério da Educação (MEC). Não é de se espantar que essas editoras de escolas virem referência a ponto de também angariarem esse cliente”, opina. Localidades diferentes, necessidades também diferentes. O professor acredita que mesmo o mercado tornando-se lucrativo economicamente, os alunos não ficam prejudicados do ponto de vista pedagógico. “Claro que existem aqueles conteúdos universais, mas é natural que a compreensão de quem mora na selva amazônica seja diferente de alguém que mora no sertão. Se esse material for bem produzido pelo mesmo professor que vai lecionar aquele conteúdo, é vantajoso”, diz Idevaldo. E como não deixar o ensino do aluno ser prejudicado? Segundo Idevaldo, não basta

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O colégio Antares adota o Sistema de Ensino ATS nas séries do Ensino Fundamental II. As demais séries, com exceção do terceiro ano do Ensino Médio, ainda adotam livros didáticos de editoras nacionais vantagem de se trabalhar com o livro didático é poder oferecer aos alunos o conteúdo completo dos melhores autores do país. “O custo pode ser maior para o aluno, mas ele vai ter a garantia de estar recebendo o conteúdo de melhor qualidade do mercado”, certifica. Vera afirma que apesar dessa vantagem, a tendência do mercado é que os colégios produzam seu próprio conteúdo ou comprem dos sistemas de ensino. Para o professor da pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Ceará (Uece), Jacques Therrien, o fato de as escolas estarem produzindo seu próprio conteúdo é, de antemão, uma coisa boa, se partirmos do pressuposto que este conteúdo seria lecionado aos alunos pelos profissionais que o produziram e, assim, seria mais facilmente dominado em sala de aula. “A diferença entre este material e os livros das editoras é que esse conteúdo vai ter mais sentido para o professor e, consequentemente, vai ser mais acessível para os alunos”, explica o professor. Jacques acredita, contudo, que o conteúdo dos livros produzidos pelas grandes editoras não pode ser desperdiçado. “É, sem dúvida, um conteúdo que deve ser reaproveitado, mas devemos ter cuidado com os interesses dos produtores, para não interferir no aprendizado dos alunos”, pondera. A atualização anual das apostilas e livros dos sistemas de ensino extingue a prática antiga de “reaproveitamento” de livros entre os alunos. “Aquilo de você usar o livro do sobrinho para o filho não existe mais. Até mesmo algumas editoras produzem novas impressões, tornando aquele escambo impossível”, explica

Maria Isabel Filgueiras, diretora da faculdade de educação da UFC. Isabel acredita que existem pontos positivos e negativos com a produção didática das escolas. “O livro de uma editora segue o que é previsto nas diretrizes de cada série. Os colégios não podem fugir muito dos conteúdos que devem ser abordados, mas em suas apostilas eles podem complementar o que não foi atendido pelos livros”, diz Isabel. Apesar de não recriminar essa cultura de apostilas, Isabel entende que os livros de editoras especializadas tem maior rigor na revisão, pois alguns passam pela aprovação do MEC e contam com profissionais de ilustração mais experientes.

Aquilo de você usar o livro do sobrinho para o filho não existe mais. Até mesmo algumas editoras produzem novas impressões, tornado aquele escambo impossível

MAIS INFORMAÇÕES Atualmente o SAS atende escolas em todo o país. Apenas três estados no Brasil não possuem nenhuma escola que utilize os serviços do sistema. O Ceará é o estado do Brasil que conta com maior número de escolas conveniadas. Até o fechamento da matéria, a equipe do SAS não divulgou quantas e quais escolas utilizam os serviços do sistema. As equipes do SAS que trabalham em conjunto para produzir o material didático são quatro: equipe pedagógica, responsável pela produção do conteúdo dos livros, pesquisa de autores e estudo de mercado; equipe de edição de arte, que produz todo o layout e conceito gráfico dos livros; equipe de revisão, que analisa o material e verifica possíveis erros e sugere mudanças; e equipe de controle de qualidade, etapa em que todos os estágios anteriores são analisados para evitar falhas no material. Os colégios Ari de Sá e Antares, que ilustram a matéria, não quiseram divulgar os preços de suas apostilas e informaram que o valor muda a cada ano, tendo várias possibilidades de pagamento. Muitas vezes, é diluído no valor da mensalidade dos alunos.


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Biografia

O gênero literário que se tornou vilão e gerou polêmicas no País Entre controvérsias e debates sobre invasão de privacidade, censura prévia e liberdade de expressão, inúmeros livros seguem confinados e sem circulação pelo Brasil à espera de uma mudança constitucional Por Bruna Luyza Forte e Rosana Reis

Foto: Divulgação

“Roberto Carlos em detalhes” gera tanta curiosidade no público que, nos sebos, o livro chega a custar até R$ 800

Foto: Divulgação/Editora Planeta

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aetano Veloso, Chico Buarque de Holanda, Gilberto Gil, Roberto Carlos. O que poderia ser um grande encontro de nomes consagrados da música brasileira é, na verdade, a dor de cabeça dos biógrafos nacionais: os cantores fazem parte do grupo Procure Saber, o qual defende a necessidade de autorização prévia para publicação de biografias. Comandado pela empresária e produtora Paula Lavigne, o movimento se baseia nos artigos 20 e 21 do Código Civil Brasileiro, de 2002. O primeiro dispõe que o uso da imagem de uma pessoa pode ser proibido ou gerar a “indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais”. Já o artigo 21 determina que “a vida privada da pessoa natural é inviolável”. Quem ligou a televisão ou leu o jornal entre outubro e novembro de 2013 descobriu que a questão das biografias ganhou dimensão nacional e foi parar no Supremo Tribunal Federal (STF). No ano passado, a Associação Nacional dos Editores de Livros (Anel) entrou com uma ação questionando os dois artigos do Código Civil alegando censura prévia. No último dia 21 de novembro, a audiência pública no STF instruiu o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815 sobre biografias não autorizadas, apresentando material para

Jornalista, historiador e biógrafo, Paulo César de Araújo é autor do livro “Roberto Carlos em Detalhes’”, biografia publicada sem autorização prévia do artista que, mais tarde, foi retirada de circulação e que se tornou o símbolo da polêmica entorno do gênero o juiz julgar o processo. Mas a decisão ainda cabe ao Plenário, que pretende se pronunciar até o fim do ano. Enquanto isso, diversas biografias continuam sem circular pelo País. Dos embalos do iêiêiê às salas de justiça “Menino que sai de Cachoeiro de Itapemirim (ES) com uma mala, uma muleta e um violão e vai para uma estação de trem com um sonho: ser um cantor de música brasileira”. Essa é a forma como o jornalista e biógrafo Paulo César de Araújo sintetiza a sua principal - e mais polêmica - obra. O escritor baiano, que deu início no final da sua graduação em Jornalismo às pesquisas do que se tornaria o livro “Roberto Carlos em Detalhes”, não imaginava que um trabalho de fim de curso se converteria, 15 anos de pesquisas e entrevistas depois, em motivo para processos judiciais e apreensão dos últimos exemplares publicados. O livro, que tinha tudo pra ser um sucesso - e até chegou a ser, com 22 mil exemplares vendidos em 2006, ano da publica-

ção - acabou se transformando em uma grande celeuma para o autor, para a hispânica Editora Planeta e, por que não dizer, também para o biografado. “Escrevi sobre o Roberto por uma motivação afetiva. Ele foi o meu primeiro ídolo na infância. Foi uma pesquisa histórica, autônoma e sem financiamento, realizada nos intervalos entre meu trabalho como professor e nos finais de semana”, relatou o jornalista em entrevista ao Jornal Impressões durante a estadia em Fortaleza para o I Festival Internacional de Biografias (FIB), realizado entre 14 e 17 de novembro. A polêmica começou ainda em 2006, quando Roberto Carlos declarou que a trajetória pessoal é patrimônio privado de cada pessoa. “Pessoas têm dito que eu sou contra biografias por causa do meu acidente, que foi contado, essas coisa toda. Não é isso, não. Ninguém poderá contar do meu acidente melhor que eu. Ninguém poderá dizer aquilo que aconteceu com todos os detalhes que eu posso”, esclareceu o cantor em entrevista ao programa

global Fantástico no último mês de outubro. Paulo César rebate: “Só o Roberto Carlos para dizer o que sentiu, mas o que aconteceu do outro lado é pesquisa, é testemunha”. O biógrafo entrevistou mais de 200 personagens ao longo da apuração, mas nunca conseguiu conversar com o cantor. Segundo Paulo César, que continua compilando extraoficialmente os passos do “Rei” da MPB com o intuito de reeditar a obra algum dia, Roberto Carlos mantém os livros apreendidos e sob vigilância desde abril de 2007, quando um acordo judicial definiu a proibição de venda e distribuição da obra. Acusada de invasão de privacidade, ofensa à honra e uso indevido de imagem, a Editora Planeta retirou os livros de circulação. “Nova no mercado brasileiro, a Planeta foi minha perdição e minha salvação. Certamente, outra editora que conhece o mercado, a lei brasileira e o Roberto Carlos não publicaria sem autorização. Mas aí eu teria um livro fundamental, um trabalho monumental e só meus amigos iriam

saber”, relatou o escritor. O livro “Roberto Carlos em Detalhes” nem sequer é a primeira obra não-autorizada retirada de circulação pelos advogados do artista, que também é um dos fundadores do controverso “Procure Saber”, grupo que abandonou no início de novembro. O “interesse histórico” seria a mola propulsora do biógrafo, e, pelo mesmo motivo, a história de vida de determinada personalidade não é um bem de propriedade privada, mas sim coletiva e social. Esse é o argumento de Paulo César e de tantos outros biógrafos quando a intimidade da celebridade estudada entra em choque com o interesse histórico envolvido. Mas, por enquanto, o raciocínio não passa de uma opinião pessoal. No Brasil, a lei ainda estabelece que a obra biográfica não-autorizada é passível de proibição. Otimista quanto à mudança na legislação, Paulo César garante: “Meu livro vai voltar atualizado. Roberto Carlos não sabe ainda, mas eu sou terrível”.


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Troca de livros

Feiras garantem economia aos pais e criam mercado paralelo Eventos são realizados informalmente em diferentes escolas da Capital; no Centro, livreiros se especializam e lucram com o vai e vem dos exemplares

Foto: Divulgação

}

Por Vicente Neto

EM NÚMEROS

40 mil

pessoas passaram pela feira Ecolivros na edição 2012-2013

Até 70% No Colégio Santa Cecília, escola na Aldeota, também há troca-troca de livros usados

L

ivros usados e bem conservados na mão, somados a paciência e um pouco de sorte, resultam em economia certa. Essa fórmula tem sido usada por pais de Fortaleza com filhos em idade escolar, que aprenderam a trocar livros didáticos e paradidáticos para escapar dos preços praticados por livrarias. As permutas entre os pais acontecem tanto informalmente, em feiras organizadas pelas escolas, quanto em um mercado especializado, no qual livreiros transformam em lucro a intermediação do vaivém das publicações. O Colégio da Polícia Militar do Ceará, no bairro Antônio Bezerra, integra a rede pública estadual e está entre as escolas que realizam feiras de trocas de livros. Apesar de a maior parte do material ser fornecido gratuitamente aos estudantes, algumas publicações adotadas pela instituição precisam ser adquiridas pelos pais dos alunos, como dicionários, gramáticas e livros de idiomas. Para facilitar a vida dos pais, a escola realizou em 2011 a primeira feira. De lá

para cá, o evento vem se repetindo com adesão maior a cada edição. “Na primeira vez tivemos público tímido: só 30 pais apareceram, mas na última, quase triplicou. 80 pessoas vieram trocar livros na escola”, relembra Íris Machado, funcionária da escola encarregada de coordenar a feira. Funciona assim: a escola cede a quadra, organiza o espaço por séries e faz a divulgação. A partir daí é com os pais, que fazem diretamente as trocas. De acordo com Íris Machado, o evento já atrai também alunos. “Os pequenos têm vindo e aproveitado para trocar também gibis entre eles”, diz. Antônio Ferreira é pai de duas estudantes do Colégio da Polícia Militar e participou da última edição da feira, no início de 2013. Ele trocou quase todos os livros que precisava e comprou os que faltavam. “É excelente. Sou funcionário público e o orçamento é apertado. Os livros [da feira] estavam em bom estado e as meninas só tiveram que apagar o que estava riscado [as anotações dos donos anteriores], comemora.

Escola privada também promove trocas Economizar é verbo conjugado por pais de alunos de qualquer escola. No Colégio Santa Cecília, na Aldeota, bairro da área nobre de Fortaleza, também existe feira de troca de livros. Realizado há oito anos, o evento já conta com a participação de 40% dos pais, segundo estimativa de Joyce Baima, bibliotecária da instituição e organizadora da feira. Para ela, a iniciativa cumpre duplo objetivo: “ajudamos os pais, que reclamavam dos preços dos livros, e também a conscientizar os alunos, para que preservem o material, ajudando na questão ambiental”, explica. As trocas no Santa Cecília acontecem no final do ano, durante dois ou três dias. Joyce diz que a escola consulta os pais e estabelece os valores dos livros, para balizar as trocas. “Os paradidáticos, neste ano, valerão R$ 10. Livros do ensino fundamental e do ensino médio valerão R$ 25 e R$ 50, respectivamente”, afirma. Com isso, os pais podem reduzir em até 70% o custo da lista solicitada pela instituição. “Cheguei

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de economia são alcançadas pelos pais na troca de livros nas escolas

a economizar quase R$ 500 só em paradidáticos”, atesta Carmem Botelho, mãe de aluno. A feira da escola da Aldeota teve demanda dos próprios pais. Alguns deles já participavam de outra feira, realizada na Praça dos Leões, no Centro de Fortaleza. Bom negócio A feira da Praça dos Leões começou informalmente há 16 anos com a troca de livros entre pais. O aumento do fluxo de pessoas no local transformou o negócio em atividade. Hoje, o evento tem até nome. A Feira Ecolivros ocorre de dezembro a fevereiro e está cada vez mais profissional. Na última edição, os exemplares saíram do chão e foram parar em 70 estandes espalhados pela praça. Além disso, lojas no entorno dispõem de boxes que funcionam tanto no período da feira, quanto no resto do ano. Ao todo, são 180 livreiros envolvidos nas trocas, compras e vendas de livros novos e usados. “A troca é dois [livros] por um, dentro da mesma categoria. Dois livros do ensino médio são trocados por um

do ensino médio”, exemplifica a livreira Margareth Oliveira. Segundo ela, existe ainda outra modalidade de negociação chamada ‘um livro e uma volta’, através da qual troca-se um livro usado, em bom estado, por outro usado ou por um novo. O exemplar é recebido pelo livreiro por um valor que varia de 20% a 40% do preço do novo ou 70% do usado. A diferença [a volta] é paga pelos pais em dinheiro. Outra opção é comprar. Mãe de dois estudantes, Rosana Arruda adquiriu dois livros na Praça dos Leões, um de Matemática e outro de Ciências, por R$ 30, cada. “Na livraria custavam a partir de R$ 99”, relata. Nesse mercado, há quem aproveite até para prestar serviço para outros pais. É o caso de Dona Antonieta Jataí. Já no mês de novembro, ela foi à procura dos livros da lista do neto. Mas conta que voltará à praça na época da feira para trocar livros com outras mães. “Conheço muitas [mães] que me pedem pra vir aqui trocar ou comprar porque não têm tempo. Aí elas me dão um agrado”, sorri.


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Mercado editorial

Entre

GRANDE$ e pequenos: $ ideias inovadoras no mercado dos livros

Enquanto grandes redes de livrarias invadem o mercado, firmam contratos mais rentáveis para as editores e as livrarias pequenas tentam se manter no páreo, ideias que visam prioritariamente a leitura aparecem como alternativas para quem quer gastar pouco

Por Saulo Lucas e Victor Ramalho

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uando Albanisa Pontes, diretora do Armazém da Cultura, é questionada sobre a movimentação do mercado editorial, ela é categórica: “É um trabalho constante de apostas”. Isso é exemplificado pelo que a editora resolveu fazer com o livro da escritora Maria da Penha, no ano passado. “Nós lançamos na bienal de São Paulo, onde encontrei com um dos maiores distribuidores do Brasil e, a partir daí, consegui esse distribuidor nacional, anun-

ciamos na Folha de S. Paulo, mas a distribuição não foi bem sucedida. Entretanto, abri outras oportunidades com outras distribuidoras de São Paulo.” Albanisa afirma ainda que a maior parcela do pagamento de um livro se deve ao valor cobrado pelas gráficas, as responsáveis pela impressão do material. “Mandamos o arquivo para a gráfica todo pronto, do jeito que nós queremos, determinamos o papel, a gramatura, a aba, o número de cores e o acabamento: tudo

isso interfere no valor do livro”. Outra parcela grande de um investimento em um livro se encontra no contato com as distribuidoras ou diretamente com as livrarias de rede. No caso das últimas, a parcela cobrada por cada livro vendido é, geralmente, de 50% do valor final dele, segundo a diretora. “O autor recebe, por cada livro vendido, 10% destinados aos direitos autorais”, aponta. As primeiras edições não originam grandes margens de lucro, segundo Albanisa.

“A partir da segunda, o único preço pago é o da impressão, então o lucro começa a surgir”, diz. O Armazém da Cultura faz tiragens, na maioria das vezes, de 1.000 a 1.200 exemplares, de acordo com a diretora. “Apenas quando a certeza de vender é absoluta, aumentamos para 2.000 ou 3.000”. Ao ser questionada sobre o preço dos livros no mercado brasileiro, Albanisa não considera ser alto e afirma: “O preço do livro em si eu não sei se é caro. Você compra tan-

tas outras coisas que são mais caras que o livro e que não te proporcionam as leituras e os momentos que os livros proporcionam. Eu acho essa reclamação de que o livro é caro se deve ao nosso hábito de não ler tanto. No Brasil, temos uma taxa de leitura per capita muito pequena. Nossa média é entre um e dois livros por ano por pessoa, enquanto em outros países essa taxa chega a ser de dez livros por pessoa por ano, então, como a demanda é alta, o preço cai”, informa.

A VIAGEM DE UM LIVRO ANTES DE SAIR DO PAPEL Daniel Dantas Lemos é graduado em Comunicação Social/Jornalismo na Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), mestre e doutor em Estudos da Linguagem pela mesma universidade, professor do curso de Jornalismo da Universidade Federal do Ceará (UFC) e autor do livro “Discurso e argumentação no Blog ‘Fatos e Dados’ da Petrobras”, uma versão de sua tese de doutorado. Ao passar pelas etapas para que a publicação ocorresse, o professor afirma que as vendas talvez não paguem o investimento independente que foi feito no livro, mas que a publicação é fundamental para os avanços da academia. Confira, a seguir, as “estações” da jornada que Daniel precisou percorrer para que seu livro fosse publicado e chegasse às mãos dos leitores.

Plataforma de embarque

Estação n° 2

2008

2010 e 2011

Coleta de dados e início da análise Revisão bibliográfica (leitura de livros) e início da escrita

2009 Estação n° 1

Infografia: Ed Borges | Ilustrações: Juliana Braga

Análise de dados e redação final do trabalho


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Eu acho essa reclamação de que o livro é caro se deve ao nosso hábito de não ler tanto. (...) Nossa média é entre 1 e 2 livros por ano por pessoa, enquanto em outros países essa taxa chega a ser de 10 livros por pessoa por ano, então, como a demanda é alta, o preço cai

falta de público, segundo Andreia. “O livro ainda precisa fazer parte do universo cultural do brasileiro”. Para tentar recuperar o público que costumava ter, Elisa ainda conta com lançamentos em sua livraria assim como com os autores locais que se relacionam diretamente com ela, sem uma editora como intermediária. “Quando o livro é de algum autor daqui, mas quando é publicado por uma editora, como a Cia. Das Letras, eu tenho que comprar para revender.”

“Pague quanto acha que vale” Foto: Saulo Lucas

A sobrevivência dos pequenos “É um momento crítico pelo qual eu passo”, afirma dona Elisa Saraiva, proprietária da Livraria Lua Nova, após ser questionada sobre como vão as vendas. Elisa afirma que sentiu o primeiro baque na saída de estoque quando a Livraria Saraiva, uma das maiores no mercado de Fortaleza, teve suas filiais inauguradas. “Quando a (livraria) Cultura veio depois, eu percebi muito mais claramente o quanto as vendas diminuíram.” Elisa afirma não ter esperado que o movimento diminuísse tão drasticamente, porque, apesar da chegada das grandes concorrentes, ela ainda se sentia segura pela localização do estabelecimento; a livraria se encontra próxima ao Centro de Humanidades da Universidade Federal do Ceará. “A gente tinha um movimento relativamente bom que caiu em 80%. Eu sempre achei que a gente tinha uma clientela fidelizada e que o pessoal não ia migrar, mas migraram mesmo”. Embora o preço dos produtos não tenha aumentado, o lucro da proprietária chegou a ser reduzido em 90%. “É muito difícil lidar com essa concorrência. Todas as editoras que eram relacionadas com esta livraria recolheram quase todo o material. Eu comprei praticamente todos os livros que vendo aqui.” Porém, de acordo com Andreia Gurjão, especialista em mercado editorial e professora do Departamento de Educação da UFC, o mercado funciona com grandes conglomerados de empresas e inclusive as livrarias pequenas funcionam em associações entre si. Uma das problemáticas para o alto preço dos livros é, ainda, a

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Máquinas de livros espalhadas pelo Metrô de São Paulo deixam o cliente a vontade para escolher quanto quer pagar Em meio ao vai e vem frenético nas estações do metrô paulistano, é possível ser surpreendido com uma iniciativa inovadora que visa garantir a distribuição de livros novos a preços baixos, além de tornar mais prática e acessível a compra dos mesmos. Há pelo menos uma década, “máquinas-livrarias” – semelhantes às automáticas que vendem doces e refrigerantes – estão presentes nas principais plataformas do transporte metroviário de São Paulo, levando aos cidadãos da maior cidade do Brasil um incentivo a mais à compra de livros e à leitura. O projeto nasceu de uma proposta diferente: deixar o consumidor livre para escolher quanto quer pagar por um livro. As máquinas aceitam apenas notas de R$ 2, R$ 5 e R$ 10. Filosofia, literatura infantil e culinária são os livros que fazem mais sucesso. Grandes pensadores como Nietzsche, Maquiavel, Platão, Diderot e Sun Tzu estão no topo da lista dos mais vendidos, junto com livros de oratória, manuais de informática e outros de utilidade prática. O começo Tudo começou ainda no ano 2000, quando o idealizador das

máquinas, o empresário Fábio Bueno Netto, até então empregado da empresa Páginas Amarelas, entrou em um projeto da Editora Expressão e Cultura (Exped), cujo objetivo era vender livros bons e baratos. No entanto, ele encontrou desafios para comercializar e distribuir o produto em produção de grande escala com baixo custo unitário. “Passei muito tempo quebrando a cabeça para tentar resolver a questão da viabilidade econômica do projeto”, lembra. Foi então que, diante de uma máquina que vendia café, refrigerante e salgadinhos na sede da Fiesp (Federação das Industrias do Estado de São Paulo), surgiu a ideia: “Por que não livros?”, pensou Fábio Bueno Netto. A partir daí foram vários estudos, testes e experimentos até que, em 2003, começou a operar a primeira máquina automática de venda de livros. Junto com ela, surgia também a empresa 24x7 Cultural, mais uma ideia do empresário. O segredo do sucesso Hoje, consolidada, a empresa conta com 26 máquinas distribuídas pelas estações do metrô de São Paulo e chega a vender cerca de 100 mil exemplares

por mês e aproximadamente 1,3 milhão ao ano. Netto comprova, através da 24x7 Cultural, que é possível manter a lucratividade sem abrir mão do engajamento social ou ter de se render às lógicas comerciais das grandes editoras e livrarias. O volume de vendas é, segundo ele, o segredo para conseguir disponibilizar os livros a preços baixos. Feito que ele consegue, por exemplo, ao comprar e distribuir livros que estejam fora de catálogo nas editoras. “A gente tá na mão do usuário e quebrou com a equação do mercado: é mais barato por que vende muito, vende muito porque é mais barato”, explica o empresário. A gerente de loja, Nubya Magnani, ficou impressionada com a diversidade de livros que as máquinas oferecem, desde assuntos do dia a dia a temas acadêmicos. Cliente fiel, ela já comprou mais de quatro volumes, cada um a R$ 2,00. Entre os títulos estavam “A Imaginação: do sensualismo epicurista a psicanálise” e “O mau gênio do cérebro: o impacto da doença neurológica”, materiais que lhe serviram de auxílio para realização de trabalhos da faculdade de Psicologia.

A VIAGEM DE UM LIVRO ANTES DE CHEGAR AO LEITOR Busca por uma editora. A catalogação e o registro em ISBN foram feitos na editora de um primo, que cobrou um valor simbólico de R$ 700 pelo serviço

Estação n° 4

2012: parte 2

Impressão do material. O custo da impressão é o mais alto. Daniel teve de fazer empréstimo de R$ 10 mil para cobrir os gastos com a impressão de mil cópias

Estação n° 6

2013: parte 2

Vendas. Livrarias, geralmente, adotam taxa de consignação de 50%, de acordo com o professor. Desse modo, de cada livro, ele recebe metade do preço de venda

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2012: parte 1 Estação n° 3

Montagem e diagramação. O alto preço pela publicação, sem o convite de uma editora, fez Daniel pedir ajuda a um amigo, que aceitou diagramar o material. Segundo Daniel, o preço desse serviço gira em torno de R$ 5 mil a R$ 10 mil

2013: parte 1 Estação n° 5

Lançamento do livro. Numa produção independente, o autor tem de dar um preço acima do custo. O livro de Daniel custou R$14 a unidade. Para obter o mínimo de lucro, o preço de venda passou a ser R$ 28

Atualmente Plataforma de desembarque


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Adaptações literárias

Das páginas para as telas, obras literárias que viraram filme fazem sucesso As adaptações dos títulos para o cinema e televisão ajudam a divulgar os livros e atrair leitores, inclusive para outras publicações do mesmo gênero. As histórias de super heróis das HQs também costumam virar filmes de ação Por Bárbara Danthéias e Raissa Sampaio

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se não estiver interessado na história. É impossível saber que existem detalhes e explicações que ficaram de fora e não querer descobri-los. Ou comparar as adaptações, me divirto muito nesses debates.” Andressa considera a adaptação da obra para o cinema uma coisa positiva, já que muitas pessoas passam a conhecer a obra dessa forma. Para as editoras e livrarias, a adaptação é um negócio igualmente vantajoso. Alexandre Martins Fontes, diretor executivo da editora WMF Martins Fontes, explica que ocorre um aumento nas vendas dos livros que viram filme. O Senhor dos Anéis e O Hobbit já venderam mais de um milhão de exemplares no Brasil, com picos de venda em épocas próximas aos lançamentos de seus filmes. Com um filme do Hobbit marcado para estrear em dezembro, a editora aproveita para relançar duas edições do livro - uma com a capa do filme, outra de colecionador, ilustrada - um guia ilustrado do filme e mais dois livros de Tolkien. “Não há dúvida que o sucesso dos filmes impacte nas vendas. Os filmes ajudam as pessoas a descobrir os livros. As Crônicas de Nárnia (também editadas pela WMF) eram completamente desconhecidas pelo público brasileiro antes do filme” , afirma o diretor. Já a procura do público pelos livros que deram origem às adaptações cinematográficas pode ser notada nitidamente nos sites de venda das maiores livrarias do Brasil. O livro “A culpa é das estrelas”, best-seller do autor John Green cuja

Foto: Tamara Lopes

arry Potter, Jogos Vorazes, Senhor dos Anéis, Crepúsculo, As Crônicas de Gelo e Fogo, As Crônicas de Nárnia, A culpa é das estrelas, entre outros títulos. Não são poucas as obras literárias que acabam sendo adaptadas para o cinema ou televisão. Enquanto as salas de cinema lotam de telespectadores, as livrarias enchem de leitores ávidos por mais detalhes sobre as histórias e os personagens que aparecem nas telas. Fã das sagas O Senhor dos Anéis e As Crônicas de Gelo e Fogo, o estudante de economia Caio Pimentel descobriu as obras através das adaptações para o cinema e televisão. “O tempo é diferente, no cinema e TV a história é mais corrida, a relação entre os personagens mais rasa. Acho que por conta disso sempre se escuta falar que o livro é melhor. Mesmo depois de três filmes, ainda queria saber um pouco mais sobre os personagens e a Terra Média (Terra da saga Senhor dos Anéis)”, conta Caio. Os livros estimularam o estudante a procurar não só outras obras dos mesmos autores (J.R.R. Tolkien e George R. R. Martin, respectivamente), como também que inspiraram estes livros ou ocorreram na mesma época, como As Crônicas de Nárnia. A estudante de jornalismo Andressa Souza também é fã das Crônicas de Gelo e Fogo, e das sagas Harry Potter e Jogos Vorazes. “Eu acho que quando você tem consciência de que o filme surgiu de um livro, você só não vai atrás da obra que deu origem

Os fãs dos livros têm a oportunidade de ver novas interpretações da obra na tela do cinema

Foto: Tamara Lopes

A saga “O Senhor dos Anéis” é um dos títulos mais procurados pelos leitores de fantasia. A porcentagem das vendas aumenta na época de lançamento dos filmes adaptação está marcada para estrear nos cinemas em junho de 2014, se mantém entre os cinco livros mais vendidos pelo e-commerce da Livraria Cultura, Livraria Saraiva e Fnac. Visão do diretor Apesar de nunca ter adaptado um livro para o cinema, o cineasta Eryk Rocha confessa que essa “transfiguração” – como prefere chamar a relação entre cinema e literatura – está entre os planos futuros. Segundo ele, essa é uma relação de autonomia, uma vez que uma obra literária não pode ser adaptada ao pé da letra para o cinema. “É preciso ter a literatura como matéria-prima para se transformar e virar outra coisa nova, que é o filme”, explica. Segundo o cineasta, os leitores também têm a ganhar com a transfiguração da obra, pois tem a oportunidade de ver o livro ganhar outras visões. “Aquelas palavras ganham desdobramentos, se transpõem para outras artes, outras linguagens”, explica. Eryk acredita que a qualidade da literatura brasileira e mundial é um grande incentivador para que os títulos continuem como fonte de inspiração. “É um tipo de relação que existe há muito tempo, desde o começo do cinema, e vai continuar existindo”, afirma.

De quadro em quadro Não só os livros são fonte de inspiração para o cinema. A adaptação de histórias em quadrinhos para as telas trouxe grandes filmes de ação como Homem-Aranha, Batman, Wolverine, Super-homem e Homem de Ferro. Vale lembrar que Os Vingadores, uma adaptação de HQ, faturou a 3ª maior bilheteria da história do cinema. O especialista em quadrinhos e professor de Comunicação Social da Universidade Federal do Ceará (UFC), Ricardo Jorge Lucena, admite que o formato dos quadrinhos favorece a adaptação para o cinema. “O fato é que uma HQ é muito similar a um storyboard audiovisual, com quadros, enquadramentos, visualização de sequências narrativas e marcação de diálogos. O próprio Avi Arad, um dos executivos da Marvel, disse na época do filme Homem-Aranha 3 que os quadrinhos eram ‘storyboards prontos’”, explica. Entretanto, o professor ressalva que mesmo para os quadrinhos há dificuldade na adaptação. “Se a gente pega uma HQ autobiográfica, com vários pensamentos do personagem, a maior parte deles terá de sair de uma adaptação, pois cinema é ação, não pensamentos”, afirma. Um exemplo desse processo de recorte é a anima-

ção de “Batman- o cavaleiro das trevas”, baseada na HQ homônima de Frank Miller, onde foram retirados os pensamentos das personagens. Para o professor, não se pode precisar a influência dos filmes no mercado dos quadrinhos, mas os fãs das histórias aguardam ansiosamente pelas adaptações. “Talvez seja mais fácil os filmes despertarem novas paixões e sensações no público que já lê quadrinhos”, afirma.

O tempo é diferente, no cinema e TV a história é mais corrida, a relação entre os personagens mais rasa. Acho que por conta disso sempre se escuta falar que o livro é melhor


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Literatura local

Dos escritos às prateleiras: processo editorial de desafios para escritores cearenses Obstáculos burocráticos impostos por editoras, baixa procura por títulos e falta de políticas públicas de incentivo são alguns dos empecilhos à publicação de obras de autores locais Foto: Débora Lopes

Por Ari Areia, Gleyce Any Castro e Débora Lopes

O crescente número de publicações garante propespcção ao setor ediitorial

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Embora nossa literatura esteja sempre em constante movimento, Henrique acredita que o processo da publicação ainda é muito difícil

Eles escrevem como deuses, são fantásticos”, afirma Henrique, que já lançou dois livros, Vermelho (2006) e Simples (2009). Ainda de acordo com ele, o diálogo existente entre os autores engrandece ainda mais as produções, permitindo uma maior qualidade na publicação. Embora nossa literatura esteja sempre em constante movimento, Henrique acredita que o processo da publicação ainda é muito difícil. Mesmo o Ceará contando com editoras capazes de lançar boas publicações, ele destaca o alto custo dessas produções, além da falta de apoio financeiro. Outro obstáculo, segundo o autor, é a forma da distribuição dos livros, feita, muitas vezes, por iniciativa própria dos autores. Política editorial: desafios para o autor A publicação de um livro não é tarefa fácil e chega ser desafiadora para quem deseja lançar uma obra. Apesar de existir uma gama de distintas editoras que realizam estes serviços, o processo não se diferencia, sendo o escritor submetido em todas elas a uma série de etapas, desde a definição do texto à materialização do livro. Quando o contrato é firmado entre as partes, o autor tem de arcar com um valor definido para que seu livro seja publicado. “O autor é submetido à avaliação de um conselho editorial, para então ser atendido nos processos de formatação, normatização, revisão, criação

e, apesar do auxílio da entidade, a impressão é realizada ainda por outra empresa”, explica Claúdio Guimarães, diretor e editor das Edições UFC. Cláudio explica ainda que cabe à editora dar suporte nas fases de composição do material e, como não possui fins lucrativos, repassar o material para gráfica que realiza a impressão do livro. Desse modo, o autor fica responsável por dar sequência ao processo no que diz respeito a custos financeiros. Outro complicador para o mercado editorial diz a respeito a políticas públicas voltadas ao estímulo da produção, uma vez que não há registro de projetos parlamentares que promovam incentivos para este tipo de produção intelectual. Mesmo com os empecilhos, os autores não se intimidam e intensificam a elaboração de suas produções. “A procura por publicação continua e está em prospecção. Meu desejo é ter mais gente, a demanda está grande”, comemora Claúdio. A crescente procura por publicações resulta no aparecimento de novas editoras. Concorrentes ou não, a parceria entre elas existem e se fortificam ainda mais com este contexto de mercado. Isso é perceptível na própria editora da UFC. De acordo com Cláudio Guimarães, apesar de pertencer a uma entidade com foco no grande público, mas com maior direcionamento acadêmico, não há a exclusão de contato com as demais editoras comerciais.

Escritores lamentam falta de editais públicos para publicação no Ceará Por Eduarda Talicy, Felipe Martins e Carolina Areal Foto: Débora Lopes

ão é preciso voltar no tempo para saber quão rica é a literatura cearense. Embora seja possível lembrar grandes escritores como José de Alencar, Rachel de Queiroz ou Moreira Campos, à contemporaneidade também não falta qualidade. Além de contar com importantes autores, a cena atual da literatura cearense é continuamente estimulada por meio de grupos e encontros de cunho literário, que acabam se tornando referências importantes para a formação desse cenário. Poeta e professor do curso de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), Henrique Beltrão é um artista apaixonado pela produção local e observa com entusiasmo o cenário atual. “Convivo com grandes nomes da literatura cearense que estão aí: Horácio Dídimo, Carlos Nóbrega, Sânzio de Azevedo, Virgílio Maia, Tércia Montenegro, Pedro Salgueiro.

Livros regionais são reflexos de valorização da cultura cearense Os editais públicos para publicação de livros são uma alternativa encontrada pelos escritores para vencer as barreiras financeiras de impressão e de distribuição. No Ceará, no entanto, esses editais são lançados entre longos hiatos e com muita burocracia para os artistas. A Secretaria de Cultura do Estado (Secult), há dois anos sem lançar edital específico de publicação e há quase quatro anos com apenas um edital vigente na categoria, promete um edital para a segunda semana de dezembro. Já em âmbito municipal, o último edital de publicação lançado pela Secretaria de Cultura de Fortaleza (Secultfor) foi em março deste ano, em ação comemorativa ao Dia Internacional da Mulher. O Edital de Dramaturgias Femininas selecionou cinco textos dramatúrgicos para compor um único volume a ser distribuído entre os autores e o prêmio de

R$ 5 mil. O edital anterior havia sido lançado em 2011. A demora é um grande entrave na vida dos escritores que dependem de incentivo financeiro. Para o poeta Talles Azigon, a falta de políticas de incentivo à leitura e produção desvaloriza o artista cearense e contribui para o vazio cultural. Outra grande insatisfação dos artistas está ligada ao repasse de verbas. Na maioria das vezes, o dinheiro chega aos contemplados com grande atraso e em parcelas distantes. Muitos deles levantam os projetos sem ter a quantia total necessária para desenvolver o produto artístico, o que acaba inviabilizando o trabalho final. Talles foi contemplado por um edital de literatura da Secultfor e reclama dos problemas que teve em relação aos atrasos no repasse de verbas. Segundo ele, recebeu uma primeira parcela com 80% do valor total e “muito depois” os outros 20%.


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Entrevista

Foto: Tamara Lopes

A intensidade produtiva que advém das vitais pesquisas e escrita Gilmar de Carvalho, lançando seu 69º livro, analisa o mercado de publicações no Ceará, a falta de leitores no país e sua intensa produção e publicação de obras

Por Criselides Lima e Vicente Olsen

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serenidade e monotonia da voz definitivamente não evidenciam a agilidade do pensar e o intenso produzir de Gilmar de Carvalho. Aos 64 anos, o professor, pesquisador, escritor e viajante aventureiro (por que não?), está lançando “Ceará de Ednardo”, livro sobre as tradições cearenses presentes nas obras do autor de Terral. Nos belos salões do Museu de Arte de Universidade Federal do Ceará (Mauc), Gilmar falou sobre seus temas favoritos e o seu principal legado, “o único!”: as obras. Elucidou aspectos da relação com as

editoras, bem como o processo de lançamento de obras, criticando as dificuldades em se publicar, os preços elevados dos livros e a falta de leitores no Brasil. Impressões – A gente vê que em um ano você tem várias publicações. Como você encaixa essa produção tão intensa em sua vida? Gilmar – A intensidade da produção é um projeto meu, um projeto de vida. Então eu trabalho de uma forma muito disciplinada, muito regular, eu escrevo todos os dias, eu anoto todos os dias, eu viajo sempre

que posso. Então escrever para mim não é uma atitude diletante, é tão importante quanto comer, quanto respirar... Talvez seja mais agradável que fazer sexo. E eu escrevo sempre! Eu escrevo para viver, na verdade, e claro que, alguém já disse isso antes, um escritor escreve para ser amado, e ser amado significa ser lido. Impressões – Você acha que vai chegar um dia, enquanto escritor, em que vai se dar por satisfeito? Gilmar – Eu acredito que não. Eu penso que talvez assim, com o passar dos anos,

com um maior desgaste físico, com o envelhecimento, o ritmo arrefeça, mas eu não acredito que eu perca esse desejo por escrever. Impressões – Tem alguma obra que é mais especial, que você sente mais orgulho ou apego por ela? Gilmar – Tenho. Tenho o “Madeira Matriz” que é a [minha] tese de doutorado, que é uma declaração de amor ao Juazeiro [do Norte], a todo esse universo da tradição popular. Eu tenho o “Artes da Tradição: Mestres do Povo”, que foi um livro que eu fiz com o Francisco

Sousa viajando pelo interior. Os outros são todos queridos, mas esses dois são especiais. Impressões – Sua escrita intensa veio de uma leitura muito intensa também? Gilmar – Não. Eu li, mas eu não li tão intensamente quanto algumas pessoas dizem ter lido, sabe? Eu comecei a escrever mais sistematicamente, na verdade, quando eu prestei vestibular para jornalismo. Tive as primeiras crônicas publicadas pela Gazeta de Notícias, elas foram levadas pela professora Adísia Sá. A partir daí eu não parei mais.


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Impressões – Você concorda com a visão de que, no Brasil, se lê muito pouco? Gilmar – A gente lê muito pouco. O País é imenso, a população é muito grande, se a gente tivesse o número de leitores [igual] ao que a gente tem de proprietário de celulares, a gente realmente teria outro país. Impressões – O senhor vê algum motivo principal? Gilmar – Eu acho que é um grande engodo, é muita coisa. Os livros são caros, aí cria um ciclo vicioso: são caros porque as tiragens são pequenas; as tiragens são pequenas por que os livros são caros e as pessoas não leem; os livros não são os que as pessoas gostariam de ler. A gente sempre quer fazer uma coisa mais elitizada, mais pesquisada, mais bem acabada. Impressões – Você é adepto da leitura digital? Consome e-books? Gilmar – Não, tenho dificuldade. Me cansa um pouco. Também é a dificuldade que eu tenho em fazer pesquisa com microfilmes. Prefiro trabalhar com jornais velhos... Eu prefiro pesquisar em jornais que em microfilme, prefiro ler em papel que [digital]. Quando preciso eu leio, mas me canso. Impressões – Os editais e as parcerias públicas são fundamentais para a publicação de livros no Brasil? Gilmar – No nosso caso elas são. Quando não tem, a gente sente a falta. Embora algumas sejam viciadas, embora algumas a gente saiba que tenha cartas marcadas, mas se a gente não participa a gente não publica. É um mal necessário. É muito complicado. Agora eu penso que, os editais, por outro lado, criam uma cultura muito “chapa branca”, eu não gosto disso. Porque a minha geração foi uma geração que passou por uma ditadura militar e admitia que a gente não queria dinheiro! Eu acredito que a gente pagava [por conta

própria], na verdade, para incomodar a ditadura.

Foto: Tamara Lopes

Impressões – O senhor se considera um autor conhecido? Gilmar – Não. Eu sou um autor muito pouco conhecido, eu diria até que, sendo bem rigoroso, eu sou um autor quase inédito. Eu distribuo mais meus livros que os vendo, acho que as tiragens são muito pequenas. O que me torna mais conhecido é uma excessiva exposição que eu tenho pela mídia. Então eu estou sempre presente na mídia impressa, e, talvez mais ainda, na mídia eletrônica.

Impressões – Havia autonomia... Gilmar – Havia! A gente queria desconectar. O dinheiro deles era um dinheiro sujo. Hoje a gente fica avidamente atrás de dinheiro: Secult, Secultfor, o Banco do Nordeste... Se não for, não faz. Eu faço porque sou muito arrogante e deixo de fazer uma série de coisas para fazer isso. Impressões – As editoras apuram em torno de 7 a 10% da venda por capa. Você ganha dinheiro se vender muito. Hoje, os livros que ficam nas livrarias como destaque, os “mais vistos”, não são necessariamente os mais comprados, são pagos pela editora para ficar ali... Gilmar – Isso é verdade, eles pagam. Outra coisa também que a gente não falou dessa ponta, a ponta das livrarias. É uma ponta muito perversa. Por exemplo, eu se faço uma produção independente não tenho como colocar esse material na [livraria] Cultura e nem na Saraiva e nem nas grandes livrarias porque eu não tenho CNPJ, eu não tenho firma. Então meu livro não existe. Eu só entrei na Cultura por causa do Armazém da Cultura, aí o Armazém da Cultura publicou o Parabélum. Impressões – Como você consegue distribuir esses livros? Gilmar – Ah, muito mal! No dia do lançamento, depois eu coloco na portaria do Museu do Ceará, vende lá, coloco aqui na [livraria] Lua Nova. Eu tenho uma lista de 100 instituições culturais do Brasil e mando pra elas, eu mesmo pagando os correios. Impressões – Como você vê a parceria com editoras? Gilmar – Acho ruim essa relação com as editoras. A gente nunca recebe uma prestação de contas efetiva das editoras. Elas que têm a contabilidade. Você não tem como contestar. A gente entra com a matéria-prima e o dinheiro que a gente recebe não é proporcional ao que a gente esperaria ou gostaria de receber. Impressões – Já teve algum assunto que você quis abordar em parceria com as editoras e disseram “isso não é interessante”? Gilmar – Se eles disserem que isso não é interessante aí talvez seja mais interessante ainda e eu fique mais motivado e faça, arranje dinheiro e pague! Eu não me considero também uma pessoa assim “arrasa quarteirão”, um “blockbuster”.

Impressões – A relação dos escritores com as editoras aqui no país é bem complicada. Você tem a informação se em outros países seja mais fácil, se o lucro do autor talvez seja maior? Gilmar – Eu acho que lá na França, e em outros países que eu conheço pessoas que publicaram, eles podem até não ganhar dinheiro e não serem respeitados, mas há uma aparência de uma coisa mais séria do que aqui. Impressões – De certo modo as editoras escolhem quais os livros que farão sucesso e quais não vão? Gilmar – Elas podem até escolher, investem, alugam espaços em livrarias. Mas, às vezes, esquecem de combinar com os leitores. Tem todo esse investimento e dá errado. Há uma tentativa de linha de montagem, mas às vezes funciona melhor na música. Você pega três meninos bonitinhos aí vira Restart, vira KLB, na literatura é mais difícil. Impressões – As editoras seguem a fórmula “não se mexe em time que está ganhando” ou vez por outra elas arriscam alguma coisa? Gilmar – Eu acho que elas

podem até arriscar, não ter lucro, para ter prestígio. É importante também uma editora ter prestígio. Lançar um determinado autor que é importantíssimo e pouco divulgado no Brasil, que acaba de ganhar um prêmio Nobel e nunca teve nenhum livro aqui. Elas podem até saber que não vão vender muito, mas querer manter uma aura de prestígio. Impressões – Você tem experiência também fazendo parte de corpo editorial, como funciona? Gilmar – Esses corpos editoriais são todos de “faz de conta”. Tudo decorativo. Faço parte de corpo editorial de revistas acadêmicas de São Paulo e uma vez na vida mandam um texto pra você dar um parecer. Aliás, o parecer é sempre pra textos polêmicos, quando eles não tão querendo publicar, eles mandam pedir a opinião para você. Impressões – Você acha que seus livros, suas obras, são seu principal legado? Gilmar – Principal não. O único! (risos). Fora os livros a única coisa que eu tenho é um carro popular e uma casa na Maraponga. Eu só posso deixar os livros!

Eu sou um autor muito pouco conhecido, eu diria até que, se a gente fosse ser bem rigoroso, eu sou um autor quase inédito. Eu distribuo mais meus livros que os vendo, acho que as tiragens são muito pequenas, eu escrevo porque é vital para mim


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IMPRESSÕES – LEITURA

Livros Infantis

As estratégias criativas para estimular o interesse pela leitura em crianças A literatura infantil enfrenta uma época de desestímulo à leitura e dispersão por causa das novas tecnologias. A quem cabe a tarefa de desenvolver nas crianças o gosto pela leitura? Foto: Taís de Andrade

Foto: Mikaela Brasil

Por Caroline Portiolli, Mikaela Brasil e Taís de Andrade

Um dos motivos para as livrarias manterem os espaços infantis é a formação de novos leitores. Apesar de alguns pais reclamarem do preço elevado, há algumas livrarias que vendem livros infantis a partir de R$ 1

O

cenário da literatura infantil no atual mercado livreiro de Fortaleza não é o mais otimista. As vendas de livros infantis sofrem o impacto de competir com outros atrativos tecnológicos e de manter um espaço destinado a esse público, sem conseguir atingir um índice de vendas favorável. Robert Moreira trabalha na livraria Ler e percebe o impacto nas vendas. Na loja, há um espaço destinado somente ao público infantil. “A área tem (na loja), muito bem recheada de livros. Todo mundo quando vem aqui, fala que nessas lojas maiores não têm uma variedade de livro infantil como eles encontram aqui”, pontua. Embora exista a dificuldade

A pessoa, para conseguir se expressar, tem de ler. Para conseguir escrever, falar, ela tem de ler. Toda facilidade que ela terá no futuro depende da leitura

das vendas, ele crê que a área é importante porque abrange a formação de novos leitores. A escassez nas vendas é percebida em outro local. A vendedora Tupinéia Gusmão, responsável pelo setor infantil da Livraria Leitura, acredita que isso ocorre pela falta de incentivo da família. “Acho que quem estimula a leitura não é a livraria, são os pais. Então, independente do espaço ser lindo, se o pai não estimular a criança a ler, ela vai chegar aqui, olhar pro livro e dizer ‘eu não quero o livro, eu quero o brinquedo!’”, ressalta. Robert também crê na importância do incentivo dos pais para que os filhos queiram ler. Ele utiliza como base o Dia das Crianças, e afirma que os pais iam direto para a loja de brinquedos. Mas, quando passavam pela livraria, paravam para comprar um livro. “Mas não é a primeira opção. Quem quer, realmente, incentivar (a leitura), é a primeira opção”, destaca. Por mais que o cenário do livro infantil pareça árduo, Robert percebe que o mercado sempre se renova com atrativos para interagir com o público. E quem decide o que levar, segundo Tupinéia, é a criança, que se encanta por um livro e faz com que o pai o compre. Mas, para as crianças que não gostam de ler, ela crê que “se você souber entregar

o livro certo para a criança, ela se interessa”. O incentivo começa em casa Alessandra Lobato é funcionária pública e mora em Dourados, no interior de Mato Grosso do Sul. Durante a primeira viagem à Fortaleza com a filha Lara, de três anos, visitar à livraria foi um ponto obrigatório. “Tenho investido bastante em livros para ver se ela pega o jeito. Pelo menos uma vez a cada 15 dias, levo ela à livraria”, afirma, explicando que procura manter a criança familiarizada com o local. Alessandra costuma comprar as obras que ainda não estão de acordo com a faixa etária da filha. “Já estão lá guardadas, esperando ela crescer um pouquinho mais”, declara. Ela acredita que, além da compra de livros, outras práticas são essenciais nesse processo de conquistar as crianças para o mundo da leitura, sendo a participação ativa dos pais um aspecto essencial. A funcionária pública afirma já perceber em Lara resultados de todo o incentivo fornecido, pois a menina sempre pede para ouvir novas histórias e demonstra ter muita imaginação, algo visualizado nas brincadeiras de teatrinho que constantemente realiza. Porém, nem todos os pais conseguem estimular nos fi-

lhos o interesse pela leitura. A estilista Márcia Monteiro, por exemplo, afirma que sempre buscou incentivar o hábito de ler nos filhos José Vinícius, 10, e Samuel Filho, 6, mas estes não demonstram interesse pelos livros. A estilista explica que sempre levou as crianças à livraria, mas José Vinícius interrompe e contradiz a mãe. “Quando cresci, você nunca mais me levou pra livraria não”, disse o menino. Márcia admite que não costuma ler muito para eles em casa. “Eles me pedem muito para ler na hora de dormir. Eu tenho vontade, mas fico cansada, porque trabalho, e leio muito pouco”, confessa. Ela também reconhece não levar as crianças a eventos, como teatro e contação de histórias, por considerar os preços caros e não conhecer bem as iniciativas gratuitas realizadas na cidade. Apesar de não ter conseguido estimular os filhos do modo como desejava, Márcia acredita ser o incentivo dos pais o principal elemento para desenvolver a prática de ler. Alessandra Lobato também ressalta os benefícios dos livros. “A pessoa, para conseguir se expressar, tem de ler. Para conseguir escrever, falar, ela tem de ler. Toda facilidade que ela terá no futuro depende da leitura”, enfatiza a funcionária pública.

Como surgiu a Literatura Infantil? Com um espaço reservado na memória de muitos adultos, os livros infantis nem sempre fizeram parte do cotidiano das crianças. De acordo com a professora do Departamento de Letras da Universidade Federal do Ceará (UFC), Fernanda Coutinho, um dos aspectos do surgimento da Literatura Infantil é a construção social. “Ela (a Literatura Infantil) nasceu quando esse conceito de infância nasceu, que foi na passagem no século XVIII para o século XIX”, afirma a professora. A professora conta que antes do período citado, a criança não tinha vida diferenciada da vivida pelo adulto. De acordo com Fernanda Coutinho, as roupas das crianças eram semelhantes às de um adulto e até mesmo a noção de quarto infantil não existia. “Então nesse momento (no século XIX) não havia um lugar social para a criança, também não havia uma literatura pra ela. Então o que ela lia eram os textos que também eram lidos pelos adultos”, relata a docente. Mas a situação mudou com a chegada do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen (18051875), que escreveu clássicos contos de fada como A Pequena Sereia, Soldadinho de Chumbo, O Patinho Feio e a Pequena Vendedora de Fósforos. No Brasil, um dos escritores mais marcantes do gênero é Monteiro Lobato (1882 – 1948), autor de O Sítio do Picapau Amarelo.


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IMPRESSÕES – LEITURA

Ex Libris N

N

Espaço de resenhas, contos, poesias e tudo o que a criatividade permitir

Conto

Poesia

O abraço

Aproximação Maria Eugênia

Por Henrique Araújo

ouço a voz de teus braços dispostos desse modo tão aberto convidando-me num sussuro: chega mais perto... sem cuidado, avanço mas teu sorriso manso cala meu vulcão. esvazio-me então das palavras e murmuro beijos. Maria Eugênia, 22. Mora no campo. Faz Letras e, eventualmente, bota um poema no mundo.

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deveriam fazer sentido porque me obrigavam a rever nossa trajetória e encarar um tipo especial de arqueologia: a das coisas que enterramos porque precisamos. Acredite, nada é como antes. Digo com um pouco de vergonha, mas, quem diria, o clichê venceu. Venceu enquanto você me abraçava, sem palavra que expressasse toda essa merda; venceu por cansaço. Pra dar um exemplo. Acabo de retornar de uma dessas viagens estranhas em que temos a opção de descer do carro e caminhar horas a fio por uma cidade exclusivamente imaginada por nós. Sabe o que encontrei? O nada. Pra onde virava, dava com a cara na parede. O pior: eu gargalhava. Gargalhava na encruzilhada. Gargalhava nas esquinas. Gargalhava nos balcões dos bares que ainda guardavam marcas de cigarros e o cheiro acre de urina.

Nessa cidade tão vazia deparei, no entanto, com algo importante. Uma força anônima que ia sulcando despercebida. Essa força é o tempo. Me permita afirmar o óbvio. O tempo é ainda subestimado. É como esse adversário de quem zombamos ainda na largada e que termina nos vencendo, dobrando e partindo em mil caquinhos. O tempo, o corredor subestimado. É para isso que fomos todas ao mesmo lugar. Cada uma ocupando o mínimo espaço nas cidades inventadas por frustrações comuns. Estávamos ali para superar alguma coisa: um medo, uma febre, alguém. Sem dúvida o principal combustível de muitas de nós tem sido desaparecer com a memória de um amor. Eu, é claro, queria desaparecer contigo. Mediante visitas regulares ao passado, o que planejamos tem o objetivo de passar a perna na memória. O método é

pouco ortodoxo, admito. Às vezes até suicida. É, todavia, eficientíssimo. Estranho mesmo, porém, se você ainda está aí e continua interessado no que tenho a dizer - estranho mesmo é, ao cabo de tudo, das caminhadas por ruas de uma cidade que não existe sequer nos cartões postais, perceber: não há nada pra ser superado. Nem esquecido, enterrado, demolido, escondido, adiado. Perceber que a memória se acotovela na gaveta até arrebentar com tudo, feito uma criatura eternamente em conflito.

PERFIL Henrique Araújo é editor adjunto do núcleo de Cotidiano do Jornal O POVO. No mesmo jornal, escreve semanalmente às quintas-feiras uma coluna de crônicas. É autor do blog Corrida Espacial.

Ilustrações: Juliana Braga

gora é minha vez de falar: estranho mesmo, se quer saber, é voltar no tempo, como tenho voltado com tanta frequência, reencontrar tudo que foi dito e de lá não extrair um farelo miserável de sinceridade. Nada do que imaginei que seria a paisagem natural. Se contasse, ninguém acreditaria. A nossa foi uma dessas histórias reais inventadas por alguém enquanto a gente se distraía com o cheiro, a temperatura e a textura do corpo do outro. Dramatizo? Para de rir, então. Cada volta é uma viagem diferente, foi o que o psicólogo falou. Disse outras bobagens também, queria matar o tempo, eu acho. De qualquer maneira, você estava lá e assistiu tudo calado, mesmo quando sorria. Sim, você. Nessas idas e vindas, comparei fotografias, medi abraços, cruzei as mesmas ruas. Pus sobre a mesa objetos que


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Ensaio Fotográfico

IMPRESSÕES – LEITURA

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Pelo bem da floresta – e do bolso dos pais Por Vicente Neto

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onsidere uma escola com mil estudantes. Se cada aluno precisar comprar seis livros novos, será necessário derrubar 168 árvores pra produzir o papel necessário, só para as publicações. A reutilização de livros didáticos e paradidáticos pode dar um alívio à natureza e, claro, também ao orçamento dos pais (foto 1), conforme você pôde ler na página 7 desta edição. Em Fortaleza, a troca de livros escolares já virou tradição no Centro da cidade (foto 2). Nos meses finais e iniciais de cada ano, crianças, pais e livreiros são personagens fáceis de encontrar na praça General Tibúrcio (foto 4 e 5), rebatizada pelo povo como praça dos Leões, devido às estátuas de felinos ali existentes (foto 3). Curiosamente, esse mercado ecologicamente correto foi se estabelecer justamente na praça dos reis das florestas!

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