#441 / DOMINGO, 18 DE DEZEMBRO DE 2016 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE
ANTÔNIO RIBEIRO VINHOS DJ UBUNTO BONECAS PRETAS
O VICE Quem é Bruno Reis, que no dia 1º de janeiro toma posse na prefeitura de Salvador ao lado de ACM Neto
INSTANTÂNEO MUITÍSSIMO «
Dia de
REIS Depois de duas gestões como deputado estadual, Bruno Reis desponta na linha direta da administração da cidade
Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Fotos LÚCIO TÁVORA luciotavora@gmail.com
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runo Reis, 39, está sentado na sala de espera do Palácio Thomé de Souza, na Praça da Sé, centro de Salvador. Ironicamente, é ali que a entrevistaacontece.Desde2deoutubro,quandofoi eleito vice-prefeito de Salvador, com 74% dos votos, passou a conviver mais vivamente com os rumores de que irá assumir o comando da cidade em 2018, caso o atual prefeito, ACM Neto, saia candidato ao governo do estado. Bruno ri quando é confrontado com a possibilidade. “Não há como pensar nisso se nós não atravessarmos bem 2017, se a gente não chegar bem em 2018, fazendo as obras que a gente quer entregar para a cidade, como o Hospital Municipal, o BRT, a recuperação dos outros trechos da orla, avançando ainda mais nos programas sociais, como o Morar Melhor e o Primeiro Passo. O nosso foco, podetercerteza,éfazerumgrandetrabalhoem2017e2018. E aí depois é a cidade que vai decidir, é o estado, é o momento político do país... São tantos fatores que eu confesso a você que... Isso está mais na cabeça da imprensa e dos políticos do que na cabeça da população e...”. Ele interrompe a resposta para atender a um telefonema do prefeito, com quem trabalha há quase 17 anos e de quem é amigo pessoal. Mesmo antes da posse, que acontece em 1º de janeiro (a diplomação foi no último dia 15), Bruno já despachava na prefeitura, onde passará a trabalhar num gabinete ao lado de ACM Neto. A decisão, como Neto gosta de dizer, é “inédita”. Os vices costumavam atuar num prédio próximo ao palácio. A versão oficial é que a medida garante economia de recursos e maior proximidade. “A Secretaria de
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Bruno Reis e a cidade: trajetória política marcada pela amizade com ACM Neto
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Relações Institucionais funcionava aqui, eeu estou assumindo essas atribuições. Com o vice ao lado do prefeito, um ajuda o outro para estar cobrando os secretários, delegando as atribuições”. Nos últimos meses, além de se reunir com secretários e gestar, ao lado de Neto, a reforma administrativa da prefeitura, Bruno seguiu marcando presença na Assembleia Legislativa da Bahia (Alba), para onde se elegeu em segundo mandato como deputado estadual em 2014. Diz que irá sentir saudades do “ambiente saudável” da casa, onde fez boas amizades. Lá também ganhou traquejo político, com frequentes discursos na tribuna no papel de oposição aos governos do PT, embora alguns de seus gestos e impostações de voz ainda soem caricatos. Corrido entre uma reunião e outra, ACM Neto encontrou alguns minutos para contar que tipo de vice espera que Bruno Reis seja. Deseja, naturalmente, não se surpreender com rompantes como o de Célia Sacramento, antecessora de Bruno, que, ao ser preterida para o cargo, rompeu com Neto e o acusou de superfaturar obras. “Espero que ele tenha a mesma lealdade que teve comigo ao longo de toda a nossa trajetória conjunta. É alguém em quem eu tenho confiança pessoal e também profissional, pela sua capacidade de trabalho. Ele mostrou que é um cara de muito valor. Conquistou seu espaço com esforço, com suor e com seriedade”.
PERDAS E GANHOS Por um acaso hospitalar, digamos assim, Bruno traz nos documentos de identidade que é pernambucano, e não baiano. Quando a mãe entrou em trabalho de parto, seu médico de confiança estava em Petrolina, a uma ponte de distância de Juazeiro, onde a família vivia. Bruno tinha 5 anos quando se mudaram para Salvador. Passou um tempo grande querendo voltar, saudoso das liberdades que tinha. Aos 9, sofreu outra perda, ainda mais dura, com a morte da mãe. Lembra que ainda muito pequeno, com 10, 11 anos, era o responsável por fazer o mercado de casa. Também era ele quem pagava as contas, utilizando o cartão de crédito da avó, professora aposentada, que passou a tomar conta dele e dos irmãos. A responsabilidade aumentou ainda mais aos 15 anos, quando ficou órfão também de pai. Viu-se com a missão de fazer-se na vida. Seu começo na política é parecido com o de outros tantos que não a herdam de berço–nasuagenealogia,temapenasumbisavôque foi prefeito de Xique-Xique. Participou de grêmios na escola e do Diretório Acadêmico da Faculdade de Direito da Universidade Católica do Salvador (Ucsal). Es-
tava no segundo semestre da faculdade quando começou a estagiar na Câmara de Vereadores. Em abril de 2000, conheceu ACM Neto durante um eventodoPFLJovemparaacampanhadereeleiçãodo então prefeito Antônio Imbassahy. Em meio a outros 50 jovens, Neto – que era assessor da secretaria estadual de Educação e candidato a deputado federal – escolheu Bruno para uma conversa e um convite. “Ele pediu que eu contasse a minha vida do dia que nasci até aquela data. Depois, me chamou para ser seu assessor”. Neto lembra que viu nele uma habilidade “incomum” para um jovem da sua idade e sem tradição política na família. “Era, portanto, uma coisa de dom que ele tinha. E acho que eu tenho essa capacidade de descobrir talentos e ajudar a formar quadros”. Bruno terminou a faculdade, mas nunca trabalhou como advogado. Por dez anos, dividiu-se entre Brasília eSalvador, como assessordeNeto naCâmarados Deputados. Depois, com o “estímulo” e “sinal verde” do amigo e patrão, candidatou-se a deputado estadual, período que considera o “grande teste da sua vida”, por enfrentar a oposição nas três esferas de poder. “Era um cenário desesperador”. Ainda assim, elegeu-se, aos 33 anos. Pela primeira vez, saía dos bastidores para a linha de frente. Durante seus dois mandatos na Alba, apresentou 36 moções de congratulações, três moções de pesar, dois títulos de cidadão baiano a políticos e sete projetos de lei (PLs), dos quais três eram declarações de utilidade pública e quatro dispunham sobre mudanças mais efetivas: a regulamentação da oferta de “couvert” em bares e restaurantes; a forma de entrega de produtos e serviços; a instituição de uma política estadual de incentivo ao cultivo e manejo de bambu; e o parcelamento do pagamento do Imposto sobre a Propriedade de Veículo Automotor (IPVA) na Bahia. Dentre os PLs – excluindo-se as declarações de utilidade pública –, apenas um foi sancionado, o que obriga os fornecedores a informarem a data e o turno da entrega de mercadorias. Por dois anos, em 2011 e 2012, foi eleito por jornalistas que acompanham a Alba como Destaque Parlamentar, o que Bruno atribui à defesa pelos direitos do consumidor e à “força do trabalho”. “Acordo cedo e durmo tarde. Trabalho de segunda a segunda. É a prioridade da minha vida”. Em 2013, o deputado desfiliou-se do Partido Republicano Progressista (PRP) e passou a integrar o Partido do Movimento Democrático do Brasil (PMDB). Algum inocente em política poderia imaginar que o natural seria que migrasse para o Democratas (DEM), partido de ACM Neto, mas não é assim que a banda das alianças partidárias toca.
Bruno conta que buscava um partido onde pudesse alçar “maiores voos” e que, numa conversa, Neto o deixou livre para escolher entre os partidos que compunham a base aliada. “Falei: prefeito, o senhor tem seus sonhos, eu tenho os meus. Pela nossa intimidade, a gente conversa pouco e se entende... Ele respondeu: ‘Eu sei quais são seus sonhos, não precisa me dizer. Então, acho que você não deve vir para o DEM’. Pronto. Quando ele me disse assim...”, ri. Emenda que por isso aceitou o convite de Geddel Vieira Lima, a quem ainda chama de ministro, para ser o nome “forte” do partido em Salvador. Um ano e meio depois, Bruno afastou-se da Assembleia para assumir a Secretaria de Promoção Social, Esporte e Combate à Pobreza (Semps), sua estreia no Executivo. Com ACM Neto, na apresentação da reforma administrativa para a nova gestão e durante a campanha eleitoral
DISPUTA INTERNA Há quem leia o movimento como uma oportunidade de cacifá-lo para o cargo de vice-prefeito, o que Bruno nega. Diz que o prefeito estava com “saudade” de tê-lo como auxiliar e que a proposta para o secretariado foi uma “surpresa”. “Ele sempre priorizou a área social e me falou que precisava de alguém que se dedicasse, para fazer as coisas acontecerem”. Mestre em desenvolvimento e gestão social pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), Bruno viu a oportunidade de colocar os conhecimentos teóricos em prática. Com menos de um mês no cargo, viveu seu maior desafio. As chuvas de abril e maio de 2015 deixaram 20 mortos em Salvador e centenas de desabrigados. Ele conta com orgulho as decisões tomadas na ocasião, como o aluguel social por tempo indeterminado e o auxílio-emergência, para que as famílias pudessem readquirir bens perdidos nas enchentes. A partir daí, lista seus feitos como se os tivesse decorado e receasse esquecer algum: Morar Melhor, Primeiro Passo, Cuidar (que chama de “SAC dos pobres”), criação de abrigos para pessoas em situação de rua e aumento no cadastro dos beneficiários do Bolsa Família. Após um ano e três meses, Bruno deixou a Semps com outros secretários, como Luiz Carreira (ex-Casa Civil), Sílvio Pinheiro (ex-secretário de Urbanismo) e Guilherme Bellintani (ex-secretário da Educação), para candidatar-se internamente ao cargo de vice. A novela da escolha do nome para compor a chapa durou meses. Quando pergunto como despontou nesse cenário, Bruno responde, num ato falho, que “nunca escondeu de ninguém o desejo de ser prefeito da cidade que me deu todas as oportunidades na vida. Eu quero ir longe na política”. Diz que passou semanas sem dormir direito, agoniado com a indefinição. Guarda o dia e a hora em que a questão foi fechada: 4 de agosto, às FOTOS RAUL SPINASSÉ/ AG. A TARDE
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21h, véspera da convenção partidária. Geddel foi fiador da indicação. “O fato de eu ser do PMDB foi decisivo. Tantos outros nomes eram tão amigos quanto eu, tinham também seus valores, eram qualificadíssimos. Pesou também o apoio dos irmãos Vieira Lima. E o PMDB é o maior partido do Brasil, tem maior tempo de televisão... Eu irei ser grato e reconhecer isso por toda minha vida”.
LA VUE E LA VIE Fiel até a medula, Bruno não se esquiva quando o assunto é o escândalo envolvendo Geddel e o La Vue, na Ladeira da Barra – dono de um apartamento no prédio, Geddel, então ministro da Secretaria de Governo, trabalhou para que a obra no edifício fosse liberada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional(Iphan), episódioqueolevouapedirdemissão.“Lamentomuito.Foiuma perda grande para a Bahia, em especial para Salvador. Geddel estava ajudando muito a cidade. Em apenas três meses, destravou nosso BRT, que nós já estávamos tentando há três anos. Também estava viabilizando recursos para a área da saúde. Digo a vocês que se não fosse o momento político que vive o país, o fato em que ele se envolveu jamais o levaria a pedir demissão”. Para Bruno, “o fato não foi tão grave assim”. “Eu me pergunto: você vai comprar um empreendimento que tem a licença da Sucom, do Iphan local, que, ao meu ver, tem muito mais condições de dar um parecer, porque está aqui ao lado, do que o Iphan nacional. E aí depois, por uma questão de... Por contrariar interesses de vizinhança, o Iphan nacional faz um parecer embargando a obra. Havia esse conflito. O que ele queria é que outro órgão pudesse decidir”. Com seu nome estampado nas peças publicitárias ao lado do de ACM Neto, Bruno dedicou-se com afinco à campanha eleitoral. Reservou especial atenção ao subúrbio ferroviário, como na disputa anterior, de 2012, quando foi ao local após o 1º turno para enfrentar os rumores de que, se eleito, Neto acabaria com o Bolsa Família. A líder comunitária Maura Vieira, moradora de Paripe e filiada ao DEM, gosta mais da versão de que foi ela quem deu a dica para que os laços com a região fossem estreitados. “Falei lá no partido que a campanha no subúrbio estava muito fraca, parecendo de vereadorzinho. Aí Bruno veio tomar à frente, atendia o dia inteiro aqui na minha casa... Se dedicou mesmo. Tanto que eu disse agora que só ia trabalhar na eleição deste ano se o candidato a vice fosse ele”. Orgulhosa, como para ostentar a amizade, Maura conta que outro dia Bruno ligou dizendo que tinha um casamento para ir em Inema e não teria tempo de voltar para seu apartamento, na Avenida Contorno, se poderia tomar banho na casa dela. “Eu falei que sim, claro. Mas não disse que o chuveiro estava quebrado. Ele veio e tomou banho de cuia”, ri. “ Tenho as fotos para provar”. FoitambémduranteacampanhaqueaentãocandidataaprefeitaAlicePortugal publicou em suas redes sociais um texto que dizia que Bruno era “suspeito de ter participado de esquemas de fraude em obras e licitações públicas descobertos na OperaçãoNavalha”edeter“desacatadoguardasdetrânsitoquandofoiparadoem uma blitz”. Bruno diz que está processando a deputada federal pela postagem. À Muito, Alice contou que não recebeu qualquer notificação. “Todas as minhas afirmativas na recente campanha foram estritamente atentes ao debate político sobre acidade”.Adeputadaconsidera“poucoprovável”ahipótesedeBrunoviraassumir a prefeitura. “O DEM não tem musculatura para uma eleição estadual e ele [ACM Neto] não vai arriscar entregar a prefeitura ao PMDB de Geddel”. O nome de Bruno surgiu na operação referida por Alice em 2007. Na época, ele ainda era assessor de Neto e apareceu numa gravação conversando com o advogado Francisco Catelino, que mencionou uma cobrança ao ex-delegado Joel de Almeida de Lima, investigado na Operação Navalha. “Rapaz, xô lhe falar como foi:
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MAX HAACK /AG. HAACK / DIVULGAÇÃO
O vice-prefeito de Salvador Bruno Reis em seu gabinete (na página ao lado), e no dia da eleição, com a avó, de 92 anos, e a filha, de 7
Francisco Catelino era colega de turma de ACM Neto. Ele ligou para o escritório para convidá-lo para um caruru e fez menção à cobrança de um serviço privado que esse delegado teria realizado, de varredura de linhas telefônicas. Ponto. Nunca fui chamado para nada, nem tem qualquer inquérito”. Pai de dois filhos, um menino de 9 anos e uma menina de 7, Bruno declarou que o dia da eleição que o consagrou vice-prefeito foi o “mais feliz” da sua vida. Ascriançasmoramcomamãe.Elegostadelevá-losao cinema e ao kart. No tempo curto que lhe sobra para divertimentos, almoça com os amigos e costuma passear na praia de Barra Grande. Conta que está namorando – para aflição de sua assessora de imprensa, que preferia que ele ocultassea informação–ediz que as questões familiares e amorosas também entram na pauta de suas conversas com Neto, quando saem aos domingos para tomar uma cervejinha no Rio Vermelho. “Somos conselheiros para além da vida política”. Como ponto irreconciliável, só mesmo o time do coração. O prefeito é Bahia, o vice é Vitória. “Até nisso a chapa está completa”. «
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