Passarinho

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SALVADOR DOMINGO 23/11/2014

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#341 / DOMINGO, 23 DE NOVEMBRO DE 2014 REVISTA SEMANAL DO GRUPO A TARDE

NÁGILA ANDRADE ORIENTE MÉDIO AIAC CALDAS

Olhar de

PÁSSARO Salvador abriga mais de 200 espécies de ave. Elas adaptam seus cantos aos muitos ruídos da cidade

COZINHA BÁSICA VINHOS «


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SALVADOR DOMINGO 23/11/2014

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Eu passarinho Cerca de 200 espécies de pássaro vivem em Salvador. Juntam-se a aves estrangeiras de passagem em busca do calor. Cantar na cidade, para eles, é um desafio. Prestar atenção neles, um exercício de delicadeza

Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Foto FERNANDO VIVAS vivasf@gmail.com

JOÃO-DE-BARRO Furnarius rufus Marrom e alaranjado, é famoso pelo ninho que constrói. Passa um tempão caminhando em busca de cupins e formigas

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Eu passarinho Cerca de 200 espécies de pássaro vivem em Salvador. Juntam-se a aves estrangeiras de passagem em busca do calor. Cantar na cidade, para eles, é um desafio. Prestar atenção neles, um exercício de delicadeza

Texto TATIANA MENDONÇA tatianam@gmail.com Foto FERNANDO VIVAS vivasf@gmail.com

JOÃO-DE-BARRO Furnarius rufus Marrom e alaranjado, é famoso pelo ninho que constrói. Passa um tempão caminhando em busca de cupins e formigas

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B BENTEVIZINHO-DE-PENACHO-VERMELHO Myiozetetes similis Parece um bem-te-vi que esqueceu de crescer. Mostra o tal penacho vermelho quando está perto de um parceiro ou de um predador CASACA-DE-COURO Pseudoseisura cristata Ruivo e topetudo, ganha qualquer coração. Típico da caatinga, virou música na voz de Jackson do Pandeiro

ons observadores devem ter reparado. De manhãzinha,quandoosolémaisluzquecalor,dáparaouvir como estão cantando alvoroçados. Buscam um amor, um par para chamar de seu. É época de reprodução de passarinhos. As cerca de 200 espécies quevivememSalvadorprecisamseesforçarumpouco mais para vencer os barulhos que movimentam a cidade. Já estão acostumados. Para morar aqui, tiveram que se adaptar, ocupando os restinhos da mata atlântica antes abundante. Dos maiores aos mais miúdos, são todos sobreviventes. Sevocêesticaropescoçoagoraetirarumtempoparaolharocéu –coisaabsolutamentepossível,sendodiadedomingo–écapazde avistá-los voando e sentir de imediato um sossego na alma. Podemos apostar que entre eles estarão um bem-te-vi ou uma cambacica,umsanhaçoou umarolinha,umsebinhoou umalavadeira. Essas são algumas das espécies nativas mais comuns em Salvador, de acordo com ornitólogos ouvidos pela Muito. Pode ser que o estimado leitor esteja estranhando a ausência nessa lista de dois pássaros mais que corriqueiros, os pombos e os pardais. Apesar de terem se dado bem por aqui, eles vieram de longe, da Europa e da Ásia, mas já vivem no Brasil há bons séculos. Os pombos foram trazidos pelos portugueses na época da colonização, e os pardais teriam chegado no começo dos anos 1900, quando um ex-prefeito do Rio de Janeiro teria autorizado a soltura dos bichinhos com o nobre objetivo de “embelezar a urbe”. Espalharam-se por metrópoles em todo o mundo e, por isso, foram reconhecidas como aves urbanas. O pardal até foi batizado com o nome científico de Passer domesticus, para selar sua relação com o homem. Apaixonado por pássaros desde que se entende por gente, o ornitólogo Pedro Lima explica que os pardais nunca

SALVADOR DOMINGO 23/11/2014

sãoavistadosemflorestas. Costumamprocurarcomidanolixoenãoseintimidamem bicar restinhos dos pratos nos restaurantes. “Na Europa, eles se reproduzem muito e, quando chega o inverno rigoroso, há um equilíbrio. No Brasil, são uma praga... Não têm inimigos naturais”. Também os pombos vivem em fartura. Símbolo de Salvador, tinham a regalia de serem alimentados com dinheiro público até outro dia. A prefeitura comprava quilos e quilos de milho para dar de comer aos pássaros que sobrevoavam a Praça da Sé. Pedro defende que o poder público atue na medida oposta, diminuindo as fontes de alimentos disponíveis às aves, que podem causar doenças. “Como nosso sistema de coleta é precário, centenas de pombos comem do lixo. Além disso, tem a baiana de acarajé que joga a oferenda na rua, o pipoqueiro que dá comida... Não pode continuar assim como está”.

TRINTA-RÉIS Sterna sp A ave migratória sai da América do Norte para visitar o Brasil, fugindo do frio. Também é conhecido popularmente como andorinha-do-mar

PERIQUITO-RICO Brotogeris tirica Unidos e barulhentos, eles costumam acordar bem cedo. Naturais da mata atlântica, conseguem imitar o som de outros pássaros

SOCOZINHO Butorides striata Com um jeito meio esquisito, gosta mesmo é de andar só. Vive perto da água e se alimenta de peixes e moluscos

PARA OS FORTES Aproveitando o calorzinho da primavera, algumas aves estrangeiras também vêm visitar Salvador. Uma das mais conhecidas é o trinta-réis-boreal (ou andorinha-do-mar), que cobre o céu de branco nos seus voos ensaiados, como dá para ver

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CANÁRIO-DA-TERRA Sicalis flaveola A pequeneza do tamanho (cerca de 13,5 cm) é inversamente proporcional ao encantamento causado por seu canto

SABIÁ-DA-PRAIA Mimus gilvus Comum no litoral brasileiro, ajuda a espalhar plantas da restinga quando regurgita sementes, um hábito seu


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SALVADOR DOMINGO 23/11/2014

B BENTEVIZINHO-DE-PENACHO-VERMELHO Myiozetetes similis Parece um bem-te-vi que esqueceu de crescer. Mostra o tal penacho vermelho quando está perto de um parceiro ou de um predador CASACA-DE-COURO Pseudoseisura cristata Ruivo e topetudo, ganha qualquer coração. Típico da caatinga, virou música na voz de Jackson do Pandeiro

ons observadores devem ter reparado. De manhãzinha,quandoosolémaisluzquecalor,dáparaouvir como estão cantando alvoroçados. Buscam um amor, um par para chamar de seu. É época de reprodução de passarinhos. As cerca de 200 espécies quevivememSalvadorprecisamseesforçarumpouco mais para vencer os barulhos que movimentam a cidade. Já estão acostumados. Para morar aqui, tiveram que se adaptar, ocupando os restinhos da mata atlântica antes abundante. Dos maiores aos mais miúdos, são todos sobreviventes. Sevocêesticaropescoçoagoraetirarumtempoparaolharocéu –coisaabsolutamentepossível,sendodiadedomingo–écapazde avistá-los voando e sentir de imediato um sossego na alma. Podemos apostar que entre eles estarão um bem-te-vi ou uma cambacica,umsanhaçoou umarolinha,umsebinhoou umalavadeira. Essas são algumas das espécies nativas mais comuns em Salvador, de acordo com ornitólogos ouvidos pela Muito. Pode ser que o estimado leitor esteja estranhando a ausência nessa lista de dois pássaros mais que corriqueiros, os pombos e os pardais. Apesar de terem se dado bem por aqui, eles vieram de longe, da Europa e da Ásia, mas já vivem no Brasil há bons séculos. Os pombos foram trazidos pelos portugueses na época da colonização, e os pardais teriam chegado no começo dos anos 1900, quando um ex-prefeito do Rio de Janeiro teria autorizado a soltura dos bichinhos com o nobre objetivo de “embelezar a urbe”. Espalharam-se por metrópoles em todo o mundo e, por isso, foram reconhecidas como aves urbanas. O pardal até foi batizado com o nome científico de Passer domesticus, para selar sua relação com o homem. Apaixonado por pássaros desde que se entende por gente, o ornitólogo Pedro Lima explica que os pardais nunca

SALVADOR DOMINGO 23/11/2014

sãoavistadosemflorestas. Costumamprocurarcomidanolixoenãoseintimidamem bicar restinhos dos pratos nos restaurantes. “Na Europa, eles se reproduzem muito e, quando chega o inverno rigoroso, há um equilíbrio. No Brasil, são uma praga... Não têm inimigos naturais”. Também os pombos vivem em fartura. Símbolo de Salvador, tinham a regalia de serem alimentados com dinheiro público até outro dia. A prefeitura comprava quilos e quilos de milho para dar de comer aos pássaros que sobrevoavam a Praça da Sé. Pedro defende que o poder público atue na medida oposta, diminuindo as fontes de alimentos disponíveis às aves, que podem causar doenças. “Como nosso sistema de coleta é precário, centenas de pombos comem do lixo. Além disso, tem a baiana de acarajé que joga a oferenda na rua, o pipoqueiro que dá comida... Não pode continuar assim como está”.

TRINTA-RÉIS Sterna sp A ave migratória sai da América do Norte para visitar o Brasil, fugindo do frio. Também é conhecido popularmente como andorinha-do-mar

PERIQUITO-RICO Brotogeris tirica Unidos e barulhentos, eles costumam acordar bem cedo. Naturais da mata atlântica, conseguem imitar o som de outros pássaros

SOCOZINHO Butorides striata Com um jeito meio esquisito, gosta mesmo é de andar só. Vive perto da água e se alimenta de peixes e moluscos

PARA OS FORTES Aproveitando o calorzinho da primavera, algumas aves estrangeiras também vêm visitar Salvador. Uma das mais conhecidas é o trinta-réis-boreal (ou andorinha-do-mar), que cobre o céu de branco nos seus voos ensaiados, como dá para ver

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CANÁRIO-DA-TERRA Sicalis flaveola A pequeneza do tamanho (cerca de 13,5 cm) é inversamente proporcional ao encantamento causado por seu canto

SABIÁ-DA-PRAIA Mimus gilvus Comum no litoral brasileiro, ajuda a espalhar plantas da restinga quando regurgita sementes, um hábito seu


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NINHO DE JOÃO-DE-BARRO Furnarius rufus As casas são feitas com barro, esterco e palha. Geralmente, o macho e a fêmea costumam participar da construção, que dura em média 20 dias. Uma parede separa a entrada do cômodo principal

ali na praia do Rio Vermelho. Chegam em outubro, para fugir do inverno rigoroso na América do Norte, e voltam em meados de março. Fazem companhia à parenta trinta-réis-róseo, ave migratória que está ameaçada de extinção. Outra que corre perigo, mas olhando ninguém diz, é a jandaia-de-testa-vermelha, aquele periquitinho verde enfeitado de vermelho que passa por aí em bando, parecendo sempre estar numa festa muito animada para a qual não fomos convidados. A espécie está na categoria “quase ameaçada” da lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), mas conseguiu se adaptar bem à cidade. O mesmo aconteceu com a “águia lá do sertão”, o carcará, natural de áreas abertas como o cerrado e a caatinga. Não havia de ser aqui que ele viria morrer de fome. “Como é uma ave oportunista, comedora de carniça, prioritariamente, é comumente vista voando ou pousado junto a urubus ao longo de rodovias ou avenidas”, conta o biólogo Daniel Capelli. Para viver em Salvador, uma ave precisa ser, antes de tudo, forte. “As espécies que estão na cidade são as mais adaptáveis, as que têm um hábito mais generalista – conseguem variar comendo de tudo”, diz Thiago Filadelfo, mestre em ecologia. Também os ninhos incorporam novos elementos. Thiago já viu até um feito com papel higiênico. Outra mudança que impressiona pela esperteza é a do canto. “Os pássaros adequam seu canto aos ruídos da cidade. Mudam o período em que vocalizam, a frequência, o volume e até a duração”, explica Gabrielle Winandy, mestre emdiversidade animal.Alguns passam acantarànoite, quando há menos barulhos. Eles conversam sobre muitas coisas. Ora estão fazendo a corte, ora delimitando território, ora avisando que algum predador se aproxima.

SALVADOR DOMINGO 23/11/2014

Se você ficou com um desejo muito grande de ouvir passarinho, bote para tocar os sons armazenados no site Wikiaves (wikiaves.com.br). Pode treinar e depois reconhecê-los na rua pelo nome e sobrenome, como se fossem amigos seus.

LIBERDADE, LIBERDADE O médico Ernane Gusmão, 73, já os sente um pouco assim. Ornitólogo amador, assunta passarinhos desde que era pequeno e morava na roça. Tinha-os presos em gaiolas, como era costume incontestável, e agora senta-se na varanda quando quer vê-los chegar. Bota comida no parapeito e rapidamente aparecem rolinhas, pombinhas, sanhaços, pardais, sabiás-laranjeira, bem-te-vis. “Gosto especialmente do sabiá-laranjeira, ave-símbolo do Brasil, que tem um canto bonito, elegante”. Tem apreço até por pardais, que tantos desprezam. “É um passarinho atraente. Tem um cortejo nupcial bonito com a pardoca”. Para quem também quiser mantê-los por perto, é melhor optar por frutos e sementes e aposentar aqueles bebedouros com água e açúcar. Gabrielle explica que elessãoprejudiciaisàsaves.”Olíquidoaçucarado acumula fungos que podem levar à morte do pássaro”.

Apesar de ter caído naquele terreno pantanoso do politicamente incorreto, alguns ainda engaiolam pássaros nativos. A prática não é ilegal e é regulamentada pelo Ibama. O criador amador precisa de uma autorização do órgão e, só depois, pode adquirir o pássaro num criatório registrado – a comercialização só deve ser feita com aves nascidas em cativeiro. Já para criar aves exóticas – aquelas nascidas em outros países – não é preciso se cadastrar no Ibama. O expediente está “temporariamente suspenso” para “reavaliar a gestão da categoria”. Ernane cria uma calopsita, um periquito-australiano e um canário-belga, que alegram suas netas quando estão de visita. Antes de adquirir um desses bichinhos para chamar de seu, é bom lembrar que crises de consciência não serão bem-vindas. Como não pertencem à fauna brasileira, eles não devem ser soltos na natureza, o que pode causar desequilíbrio no meio ambiente. O funcionário público Jacob Cabus, 41, é umorgulhosocriadordepássarosnativose um dos diretores da Associação Baiana dos Criadores de Pássaros Nativos (ABCP), criada em 2010. Todos os anos, eles realizam campeonatos de cantos de pássaros, como o coleiro-papa-capim, o canário e o trinca-ferro. Os eventos em Salvador e Lauro de Freitas chegam a reunir 150 pessoas. Jacob garante que os participantes da maratona musical estão legalmente registrados, mas há ainda os questionamentos de ordem moral. A quem o interpela, Jacob guardaumarespostaautomática.“Oquea gente considera liberdade pode não ser liberdade para os pássaros. Está cada vez mais difícil obter alimento na natureza”. Tentamos entrevistar os passarinhos para saber o que pensam a respeito, mas não obtivemos resposta. Tinham coisas mais importantes a fazer. «

BEM-TE-VI Pitangus sulphuratus É o passarinho mais popular do Brasil, com um canto de três sílabas que já é uma poesia. Bravo, ameaça aves maiores que tentam se aproximar do seu território

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NINHO DE JOÃO-DE-BARRO Furnarius rufus As casas são feitas com barro, esterco e palha. Geralmente, o macho e a fêmea costumam participar da construção, que dura em média 20 dias. Uma parede separa a entrada do cômodo principal

ali na praia do Rio Vermelho. Chegam em outubro, para fugir do inverno rigoroso na América do Norte, e voltam em meados de março. Fazem companhia à parenta trinta-réis-róseo, ave migratória que está ameaçada de extinção. Outra que corre perigo, mas olhando ninguém diz, é a jandaia-de-testa-vermelha, aquele periquitinho verde enfeitado de vermelho que passa por aí em bando, parecendo sempre estar numa festa muito animada para a qual não fomos convidados. A espécie está na categoria “quase ameaçada” da lista vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (IUCN), mas conseguiu se adaptar bem à cidade. O mesmo aconteceu com a “águia lá do sertão”, o carcará, natural de áreas abertas como o cerrado e a caatinga. Não havia de ser aqui que ele viria morrer de fome. “Como é uma ave oportunista, comedora de carniça, prioritariamente, é comumente vista voando ou pousado junto a urubus ao longo de rodovias ou avenidas”, conta o biólogo Daniel Capelli. Para viver em Salvador, uma ave precisa ser, antes de tudo, forte. “As espécies que estão na cidade são as mais adaptáveis, as que têm um hábito mais generalista – conseguem variar comendo de tudo”, diz Thiago Filadelfo, mestre em ecologia. Também os ninhos incorporam novos elementos. Thiago já viu até um feito com papel higiênico. Outra mudança que impressiona pela esperteza é a do canto. “Os pássaros adequam seu canto aos ruídos da cidade. Mudam o período em que vocalizam, a frequência, o volume e até a duração”, explica Gabrielle Winandy, mestre emdiversidade animal.Alguns passam acantarànoite, quando há menos barulhos. Eles conversam sobre muitas coisas. Ora estão fazendo a corte, ora delimitando território, ora avisando que algum predador se aproxima.

SALVADOR DOMINGO 23/11/2014

Se você ficou com um desejo muito grande de ouvir passarinho, bote para tocar os sons armazenados no site Wikiaves (wikiaves.com.br). Pode treinar e depois reconhecê-los na rua pelo nome e sobrenome, como se fossem amigos seus.

LIBERDADE, LIBERDADE O médico Ernane Gusmão, 73, já os sente um pouco assim. Ornitólogo amador, assunta passarinhos desde que era pequeno e morava na roça. Tinha-os presos em gaiolas, como era costume incontestável, e agora senta-se na varanda quando quer vê-los chegar. Bota comida no parapeito e rapidamente aparecem rolinhas, pombinhas, sanhaços, pardais, sabiás-laranjeira, bem-te-vis. “Gosto especialmente do sabiá-laranjeira, ave-símbolo do Brasil, que tem um canto bonito, elegante”. Tem apreço até por pardais, que tantos desprezam. “É um passarinho atraente. Tem um cortejo nupcial bonito com a pardoca”. Para quem também quiser mantê-los por perto, é melhor optar por frutos e sementes e aposentar aqueles bebedouros com água e açúcar. Gabrielle explica que elessãoprejudiciaisàsaves.”Olíquidoaçucarado acumula fungos que podem levar à morte do pássaro”.

Apesar de ter caído naquele terreno pantanoso do politicamente incorreto, alguns ainda engaiolam pássaros nativos. A prática não é ilegal e é regulamentada pelo Ibama. O criador amador precisa de uma autorização do órgão e, só depois, pode adquirir o pássaro num criatório registrado – a comercialização só deve ser feita com aves nascidas em cativeiro. Já para criar aves exóticas – aquelas nascidas em outros países – não é preciso se cadastrar no Ibama. O expediente está “temporariamente suspenso” para “reavaliar a gestão da categoria”. Ernane cria uma calopsita, um periquito-australiano e um canário-belga, que alegram suas netas quando estão de visita. Antes de adquirir um desses bichinhos para chamar de seu, é bom lembrar que crises de consciência não serão bem-vindas. Como não pertencem à fauna brasileira, eles não devem ser soltos na natureza, o que pode causar desequilíbrio no meio ambiente. O funcionário público Jacob Cabus, 41, é umorgulhosocriadordepássarosnativose um dos diretores da Associação Baiana dos Criadores de Pássaros Nativos (ABCP), criada em 2010. Todos os anos, eles realizam campeonatos de cantos de pássaros, como o coleiro-papa-capim, o canário e o trinca-ferro. Os eventos em Salvador e Lauro de Freitas chegam a reunir 150 pessoas. Jacob garante que os participantes da maratona musical estão legalmente registrados, mas há ainda os questionamentos de ordem moral. A quem o interpela, Jacob guardaumarespostaautomática.“Oquea gente considera liberdade pode não ser liberdade para os pássaros. Está cada vez mais difícil obter alimento na natureza”. Tentamos entrevistar os passarinhos para saber o que pensam a respeito, mas não obtivemos resposta. Tinham coisas mais importantes a fazer. «

BEM-TE-VI Pitangus sulphuratus É o passarinho mais popular do Brasil, com um canto de três sílabas que já é uma poesia. Bravo, ameaça aves maiores que tentam se aproximar do seu território

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