Cooperifa
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Cooperifa Antropofagia periférica Sérgio Vaz
Patrocínio
Copyright © 2008 Sérgio Vaz COLEÇÃO TRAMAS URBANAS curadoria HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA consultoria ECIO SALLES projeto gráfico CUBÍCULO COOPERIFA – ANTROPOFAGIA PERIFÉRICA produção editorial ROBSON CÂMARA revisão JULIANA WERNECK revisão tipográfica ROBSON CÂMARA
V497c Vaz, Sérgio Cooperifa : antropofagia periférica / Sérgio Vaz. -Rio de Janeiro: Aeroplano, 2008. (Tramas urbanas; 8) ISBN 978-85-7820-006-0 1.Vaz, Sérgio. 2.Centro Cultural Cooperifa. 3.Poesia popular – História e crítica. 4.Cultura popular - Brasil. 5.Literatura popular – História e crítica. I.Título. II.Série. 08-2822.
CDD: 928.699
09.07.08
10.07.08
CDU: 929:821.134.3(81) 007568
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS AEROPLANO EDITORA E CONSULTORIA LTDA Av. Ataulfo de Paiva, 658 / sala 401 Leblon – Rio de Janeiro – RJ CEP: 22440 030 TEL: 21 2529 6974 Telefax: 21 2239 7399 aeroplano@aeroplanoeditora.com.br www.aeroplanoeditora.com.br
Nas tantas periferias brasileiras – periferia urbana, periferia social – se reforçam cada vez mais movimentos culturais de todos os tipos. Os mais visíveis talvez sejam os de alguns segmentos específicos: grupos musicais, grupos cênicos, grupos dedicados às artes visuais. Mas de idêntica importância, embora com menos visibilidade, é a produção intelectual que cuida, além de questões artísticas, de temas históricos, sociais ou políticos. A coleção Tramas Urbanas faz, em seus dez volumes, um consistente e instigante apanhado dessa produção amplificada. E, ao mesmo tempo, abre janelas, estende pontes, para um diálogo com artistas e intelectuais que não são originários de favelas ou regiões periféricas dos grandes centros urbanos. Seus organizadores se propõem a divulgar o trabalho de intelectuais dessas comunidades e que “pela primeira vez na nossa história, interpelam, a partir de um ponto de vista local, alguns consensos questionáveis das elites intelectuais”. A Petrobras, maior empresa brasileira e maior patrocinadora das artes e da cultura em nosso país, apóia essa coleção de livros. Entendemos que é de nossa responsabilidade social contribuir para a inclusão cultural e o fortalecimento da cidadania que esse debate pode propiciar. Desde a nossa criação, há pouco mais de meio século, cumprimos rigorosamente nossa missão primordial, que é a de contribuir para o desenvolvimento do Brasil. E lutar para diminuir as distâncias sociais é um esforço imprescindível a qualquer país que se pretenda desenvolvido.
Para Para Augusto, Brói, Rose Dorea (Musa da Cooperifa), Márcio Batista, Marco Pezão, Cocão, Jairo (Periafricania), Lu Souza, Sales (O evolucionário), Mavotsirc, e o guerreiro Preto Jota (in memorian).
Agradecimentos especiais Marco Pezão, João Wainer (fotografia), Edu Toledo (fotografias), Eleilson (Ação Educativa), DGT Filmes, Edson Natale, Eduardo Saron, Claudinei Ferreira, Marisa Zambrani, Ademir Valente, Ali Sati e Eliane Brum.
Sumário
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Prefácio
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Apresentação: Poesia das ruas
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Cap.01 O nascimento da poesia O bar Ruas perigosas Música Popular Brasileira Primeiros passos Da ponte pra lá Da ponte pra cá Os anjos de A margem do vento e Pensamentos vadios Mendigo cultural Taboão da Serra Pensamentos vadios, 2ª edição Cartões postais Hip-hop e sabedoria de vida
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Cap.02 Cooperifa Poeta da periferia Cooperifa O manifesto Marco Pezão e a Quinta Maldita Sarau da Cooperifa O primeiro sarau Mano Brown Marcelo Rubens Paiva
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Cap.03 Literatura, pão e poesia Literatura, pão e poesia O fim do Garajão Bar do Zé Batidão (de volta pro começo) O Sarau Jornal Farol Urbano
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Cap.04 A poesia dos deuses inferiores A biografia poética da periferia
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Cap.05 O Rastilho da pólvora
Cap.06 Centro Cultural Cooperifa 164 CD de Poesia da Cooperifa 182
Cap.07 1º Prêmio Cooperifa
192 Cap.08 O bonde da Cooperifa Sarau da Cooperifa em Suzano Sarau da Cooperifa na Casa das Rosas Cap.09 Colecionador de pedras 198 Livro Colecionador de pedras Café Literário em Taboão da Serra Sarau da Cooperifa nas escolas Ajoelhaço Sarau rap- Poesia das ruas Cap.10 Poesia no ar 218 Coleção Literatura Periférica As guerreiras da Cooperifa 232 Cap.11 Antropofagia periférica Semana de arte moderna da periferia A semana 274
Cap.12 Coopeirfa – Quilombo da poesia
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Imagens: índice e créditos
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Sobre o autor
A Poesia É o esconderijo Do açúcar E da pólvora. Um doce Uma bomba Depende De quem devora.
Prefácio
Ao avistar os arredores íngrimes do Piraporinha e a grande subida sinuosa que me aguardava, não pude deixar de lembrar da Serra da Barriga, e veio o pensamento... Ambas palco de grandes de acontecimentos. Após subir a serra e chegar ao meu destino, percebi outras felizes coincidências: A Rose, musa do recital, com sua força e verdade me recordou Dandara, negra guerreira, que jamais se rendeu ao comodismo. Foi olhar para o lado, percorrer com os olhos atentos e observar o Márcio Batista, para me deslumbrar com sua paciência e cordialidade, marcas registradas de Ganga-Zumba. Dos versos que ecoavam ao microfone, após serem escritos em sua caneta – uma ponta de lança africana – contemplei Sérgio Vaz. Sua estratégia, firmeza, amor e principalmente o sorriso, me transmitiram confiança e certeza na história. Não teve jeito, veio à mente o meu líder maior! E todos que me cercavam, e eram centenas, estavam em casa: na Cooperifa. Maior Resistência Cultural Brasileira. Eu? Bem acomodado, com os parceiros, respirava abundantemente o oxigênio de que tanto preciso: O Quilombo continua vivo! GOG
Apresentação: Poesia das ruas A literatura é a dama triste que atravessa a rua sem olhar para os pedintes, famintos por conhecimento, que se amontoam nas calçadas frias da senzala moderna chamada periferia. Freqüenta os casarões, bibliotecas inacessíveis a olho nu, e prateleiras de livrarias que crianças não alcançam com os pés descalços. Dentro do livro ou sob o cárcere do privilégio, ela se deita com Victor Hugo, mas não com os miseráveis. Beija a boca de Dante, mas não desce até o inferno. Faz sexo com Cervantes e ri da cara do Quixote. É triste, mas a rosa do povo não floresce no jardim plantado por Drummond. Quanto a nós, capitães de Areia e amados por Jorge, não restou outra alternativa a não ser criar o nosso próprio espaço para a morada da poesia. Assim nasceu o Sarau da Cooperifa. Nasceu da mesma emergência de Mário Quintana e antes que todos fossem embora pra Pasárgada, transformamos o boteco do Zé Batidão num grande centro cultural. Agora, todas as quartas-feiras, guerreiros e guerreiras de todos os lados e de todas as quebradas vêm comungar o pão da sabedoria que é repartido em partes iguais, entre velhos e novos poetas sob a bênção da comunidade.
Professores, metalúrgicos, donas de casa, taxistas, vigilantes, bancários, desempregados, aposentados, mecânicos, estudantes, jornalistas, advogados, entre outros, exercem a sua cidadania através da poesia. Muita gente que nunca havia lido um livro, nunca tinha assistido a uma peça de teatro, ou que nunca tinha feito um poema, começou, a partir desse instante, a se interessar por arte e cultura. O Sarau da Cooperifa é nosso quilombo cultural. A bússola que guia a nossa nau pela selva escura da mediocridade. Somos o grito de um povo que se recusa a andar de cabeça baixa e de joelhos. Somos o poema sujo de Ferreira Gullar. Somos o rastilho da pólvora. Somos um punhado de ossos, de Ivan Junqueira, tecendo a manhã de João Cabral de Melo Neto. Neste instante, nós somos a poesia. É tudo nosso!
Sérgio Vaz Poeta da periferia
mento
Cap.01
O nascimento da poesia
Cap.01
O nascimento da poesia
Não é possível contar a história da Cooperifa e sobre toda essa efervescência cultural do atual momento em que vivemos, 2008, sem contar o que era a periferia antes de tudo isso acontecer em nossas vidas, e na vida de outras pessoas. Cresci no bairro de Piraporinha, região de Santo Amaro, Zona Sul, a uns 30 km do centro de São Paulo, e como todo moleque que vivia no bairro, também queria ser jogador de futebol. Muitos, apesar dos quarenta, ainda sonham com isso. A nossa infância era só jogar futebol nos campos de terra, e como quase não tínhamos brinquedos, a vida se resumia também às brincadeiras de rua: bolinha de gude, pião, pipa, esconde-esconde, pega-pega, carrinho de rolimã, caçar passarinho, bandido e mocinho, jogo de futebol de botão, bater figurinha etc. E apesar de todas as dificuldades da maioria das pessoas, e não sei se por desconhecimento da dor, vivíamos como príncipes e princesas, como num conto de fadas. Nos anos 1970, o Brasil afundado na mais bruta ditadura, e nós ali, nas ruas sem asfalto, vivendo como Alice, no país das maravilhas. Naquela época os bairros da região em que a gente morava – Jardim Guarujá, Chácara Santana, Parque Santo Antônio, Jardim Letícia, Jardim Neide, Parque Europa, Figueira Grande, Lídia, Vaz de Lima, entre outros – eram bairros novos, por isso não ofereciam a menor infra-estrutura para se viver dignamente,
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pelo menos para os adultos. Como todo mundo que um dia foi criança já sabe, a infância não dói no presente, só no futuro. Sou de uma época em que quando se fazia a 4ª série primária, tínhamos que ir para outros bairros, mais ao centro de Santo Amaro, fazer o ginasial. O colegial só chegou quase nos anos 1980. Os nossos pais tinham muita coisa em comum: a maioria deles tinha vindo de outros estados tentar a sorte por aqui. Muitos construíram essa metrópole. Os meus pais, por exemplo, vieram de Minas Gerais. Eles se separaram quando eu e meus irmãos éramos muito pequeninos. Minha irmã foi morar com a minha mãe e eu e meu irmão ficamos com o meu pai. Só mais tarde iria reencontrar a minha mãe, o que mudaria novamente o destino da minha poesia. Nesse tempo a TV era a nossa única referência cultural. E pela tela em preto e branco é que sabíamos que não estávamos sozinhos neste planeta chamado periferia. Assistíamos de tudo um pouco, mas principalmente desenhos como Speed Racer, Savamu, Fantomas, Super-dínamo, A Princesa e o cavaleiro etc. Não faltavam os super-heróis japoneses: Ultra-man, Ultraseven, Ultra-Q, Robô gigante, e claro, os enlatados americanos, Swat, Daniel Boone, James West, A feiticeira, Jeannie é um gênio, Bonanza, e assim seguia o lixo tóxico cultural destruindo nossas mentes. Muitos estão doentes até hoje. Outra rara diversão era quando o circo chegava na Piraporinha. O bairro ficava agitado por conta dos artistas que se apresentavam, a maioria deles vinham de programas de televisão como o dos Barros de Alencar, Bolinha, Raul Gil, Chacrinha, entre outros. Para se ter uma idéia do que representava isso, uma vez o Sidney Magal, no auge, veio ao circo cantar e rebolar; a mulherada quase pôs a lona abaixo. A molecada só tinha duas maneiras de ir ao circo ver o palhaço. Uma era se a gente furasse a lona; a outra, a minha preferida, era vender chocolate para os poucos privilegiados que podiam
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entrar pela porta da frente. De minha parte, achava divertido trabalhar sob a risada alheia. Quase no fim dessa época ganhei do meu pai meu primeiro livro: Ali Babá e os quarenta ladrões. Sem que eu percebesse, a literatura, nesse dia, iria mudar minha vida para sempre. A adolescência chegou para nós no ritmo do velho e bom soul/ funk do papa James Brown, e nas melodias românticas de Betty Wrigth e Marvin Gaye. Tudo naquele tempo se resumia aos bailes. Era baile na escola, baile na Sedinha (quase todo bairro tinha uma sedinha de associação amigos de bairro), baile nos fundos de quintais, e nos salões de festas como o Palácio, Yoga (minha domingueira preferida), Palmeiras, Astro, Cartola, entre tantos outros. O tempo seguia dançando ao som de Jimmy Bo Horne. Hoje em dia quase todo jovem de periferia quer ter ou tem um grupo de pagode ou de rap, mas naquele tempo a maioria queria ter uma equipe de baile. Futebol também era outra coisa que se fazia muito. Como os campos de várzea eram fartos, às vezes num único bairro era possível ter de três a quatro times. E muitos desses times eram verdadeiros esquadrões, e arrastavam muitas pessoas para torcer em seus jogos. O Piraporinha, time da região, era um desses times. Apesar de gostar de futebol de campo, a minha praia era futebol de salão, que era pouco difundido naquela época. O Guarujá F.S., em que eu joguei muito tempo, também era muito respeitado na Zona Sul. Naquele tempo só uma coisa era certa para nós: as brincadeiras tinham ficado para trás, já não vivíamos um conto de fadas, e o algodão já não era tão doce.
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O bar
Meu pai saiu da empresa em que ele trabalhou por dez anos e entrou no ramo do comércio. Quando eu tinha apenas 12 anos ele comprou o Bar e Empório Guarujá, uma espécie de mercadinho daqueles tempos. Lugar onde eu iria passar toda a minha adolescência trabalhando, e nem sequer desconfiava que a minha senzala, durante mais de dez anos, iria se transformar um dia num dos maiores Quilombos Culturais do país: o Sarau da Cooperifa. Sim, o velho Empório se transformou hoje no que é o bar do Zé Batidão. Naqueles tempos não tinha tantos bares como temos hoje, então os poucos que tinham acabavam virando o ponto de encontro de todas as pessoas da rua e do bairro. Durante o dia o Empório era freqüentado pelas mulheres, esposas e crianças. Nesse horário só se vendia doces e refrigerantes, arroz e feijão, farinha e miudezas em geral. À noite era somente para os homens. E eles chegavam cada qual em seu horário, vindos do trabalho, e como todos freqüentavam o bar todos os dias, era comum recebê-los com a sua dose de aperitivo predileto assim que punham os pés no recinto. Todo bar daquela época era sede de algum time de várzea, e quase todos eram decorados com troféus. 22
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O Clube do bolinha vivia lotado; como homem naquele tempo não assistia àa novela, era uma boa desculpa para não chegar cedo em casa. Lá se falava de tudo e de todos, mas o assunto predileto sempre foi o futebol. Mas também se discutia muito sobre as notícias do jornal Notícias populares – a história do nenê-diabo era acompanhada como novela – ou sobre o caso contado por Gil Gomes pela manhã, e coisas do dia-a-dia, mas quase não se ouvia falar de política de uma forma mais ampla. Quando se falava nisso, era sobre uma rua que ainda não estava asfaltada, um trator para tirar o barraco de alguém, um abaixoassinado para isso ou para aquilo, enfim. A maioria das pessoas dali eram de direita, quer soubessem ou não. A periferia, por suas necessidades básicas e ainda em formação geográfica, sempre foi reduto de velhas raposas políticas. Os poucos que eram de esquerda falavam em códigos; então, sempre passaram batidos. O boteco é onde a gente aprende a ser psicólogo. Foi lá que eu aprendi que todas as pessoas são iguais, mesmo bebendo bebidas diferentes. Atrás do balcão eu via a vida passar sobre mim. Minha vida se resumia a trabalhar no bar e ir à escola, e eu não gostava de nenhum dos dois. Com pouco tempo para a rua, passei a freqüentar um outro tipo de lugar: os livros. Lia de tudo um pouco, principalmente livros de adultos, coisas que mais tarde viria a entender, relendo novamente. Gostava também de jornais e revistas. Li Eram os deuses astronautas?, Pantaleão e as visitadoras, O cortiço, A mãe, Os Miseráveis, A Insustentável Leveza do Ser, Capitães de Areia, Drummond, Ferreira Gullar, Pablo Neruda, Agatha Christie, Dom Casmurro etc. Devorava e era devorado por tudo o que caía em minhas mãos.
Ruas perigosas
Um outro tipo de personagem real que também era muito comum nos anos 1980 eram os temidos justiceiros, também conhecidos como “pés-de-pato”. Eram a prova verdadeira que as ruas tinham perdido a delicadeza dos contos de fadas. A simples menção do nome de alguns deles era o suficiente para desfazer as rodinhas em volta das fogueiras, que eram muito comuns nesse tempo. O nome do cabo Bruno, um dos assassinos mais temidos da região, era sempre citado em lugares onde havia algum tipo de aglomeração. Coisas do tipo: “Tem um opala preto [carro preferido dos assassinos], circulando na quebrada”. Pronto, era a senha para que todos fossem embora de onde estavam. Durante um bom tempo as chacinas eram as únicas notícias que saíam sobre a periferia nos jornais. Um tempo sem poesia alguma, nem sei se valia a pena lembrar, mas... Quando terminei o ginásio fui estudar em Santo Amaro, no Colégio Radial, Processamento de dados. Foi duro admitir que existiam outros lugares além das ruas do Jardim Guarujá e Chácara Santana. A maioria dos jovens da periferia não pensavam em cursar uma universidade e sim cursos profissionalizantes: Ferramentaria, Tornearia, Calderaria etc. O SENAI, por exemplo, era tão disputado, senão mais, do que a USP.
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Música Popular Brasileira
Desde os tempos de baile, em que ensaiávamos os passos de dança em casa para não fazer feio no salão, o Márcio Batista sempre fora meu amigo, e não sei bem se por influência de alguém, ou se pelo pouco tempo de lazer que eu tinha, ou talvez pelas letras de protesto que para mim ainda não faziam tanto sentido, espiritualmente falando, começamos a nos interessar, timidamente, por Música Popular Brasileira. Marvin Gaye, Kool and Gang, Earth, Wind and Fire, Brass Construcion, Roberta Flack, Sister’s is Lad, Commodors, The Jacksons, entre tantos outros que me acompanhavam no início da fase de espinhas, agora davam lugar para Chico, Elis, Caetano, Gil, Gal, Bethânia, Milton e toda a turma do Clube da Esquina que acabara de chegar em nossos corações. Se já não bastasse ser estranho gostar de literatura naquela época, aos 15 ou 16 anos, para piorar comecei a gostar de um tipo de música que quase não se conhecia na periferia. ... há soldados armados, amados ou não, quase todos perdidos de armas na mão. Vandré
Aos 17 anos, em 1982, como todo bom garoto, alistei-me, obrigatoriamente, no Exército Brasileiro. O Brasil passava por uma crise monstruosa, e as fábricas viviam abarrotadas de gente à procura de emprego. Nesse ano, como forma de amenizar um
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pouco essa crise, o governo resolveu convocar cem mil jovens para servir as Forças Armadas. Eu, infelizmente, fui um deles. Prestei durante um ano o serviço militar, em 1983, como soldado no C.P.O.R. (Centro de Preparação de Oficiais da Reserva) no bairro de Santana, Zona Norte de São Paulo. Os soldados eram, na maioria, jovens da periferia de São Paulo, enquanto a maioria dos alunos era de classe média alta e saíam de lá como aspirantes a tenentes. De acordo com o regime militar, todo mundo que servia o Exército aprendia a virar homem, além de aprender a dizer sim, senhor e não, senhor! Apesar de conviver com mais de cem praças, foi uma época de muita solidão. Como todo tímido que se preza, demorei muito para fazer novos amigos. No quartel eu trabalhei no rancho, era cozinheiro, pé-de-banha, como diziam na gíria dos praças. Foi trabalhando na cozinha, num final de semana em que não ficava muita gente, que eu descobri que de fato vivíamos em uma ditadura militar. Nunca tinha ouvido falar sobre isso na rua, na escola. Os jornais e revistas falavam vagamente. Nesse dia estava ouvindo uma fita da cantora Simone, gravada se não me engano em 1979, ao vivo num desses shows do Dia do Trabalho em algum estádio de futebol de São Paulo. Acho que o show se chamava Canta Brasil. Estava ouvindo a música “Pra não dizer que não falei das flores”, do Vandré, na voz dela, quando um sargento entra correndo aos gritos: — Soldado Vaz, que porra é essa que você está ouvindo? Pensei que o sargento ia voar na minha jugular. — Ué sargento!? É a cantora Simone. Falei na mais pura inocência.
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— Seu mocorongo, não pode ouvir essa porra dentro do quartel. Está querendo me foder? E já foi desligando o rádio, como quem estivesse desativando uma bomba. Fiquei ali meio que sem entender o porquê da reação explosiva do milico superior. Para falar a verdade eu ouvia a música e não entendia o que queria dizer. Ele continuou irritado. — Isso é música de subversivo, de terrorista. Quer ser expulso, é? Falou mais um monte de coisas e foi explicando a gravidade da situação. Que os artistas eram os porta-vozes do comunismo, traidores da pátria, maconheiros, ateus desgraçados e que eram os verdadeiros inimigos da nação. E que aquela música representava tudo que o Exército abominava. Disse mais um monte de coisas, mas acho que percebendo a minha cara de surpresa e um tanto quanto inocente, sem mais nem menos devolveu-me a fita, e pediu que não a ouvisse mais no quartel. Depois dessa dura, comecei a ouvir todas as fitas que eu tinha de MPB novamente, e só então, depois de prestar muita atenção nas letras, é que eu pude entender o que realmente tinha me feito abandonar temporariamente a black music: as letras de protesto. Foi como se um raio tivesse caído em minha cabeça, e aberto um buraco do tamanho do mundo. Com a cabeça cheia de fendas, aproveitei e reli alguns livros de poesia, e o protesto também estava lá, só eu não havia visto. Eu, que vivia escrevendo sobre tristeza e solidão, e coisas sem sentido que fazem parte da alma, me apaixonei pelas metáforas, assim como Mário Ruoppolo (Massimo Troisi) no filme que conta uma pequena passagem da vida do poeta Pablo Neruda. Eu, que muitas vezes tinha vergonha de dizer que escrevia poesia, desse momento em diante queria ser poeta, e ainda por cima libertar o mundo da opressão dos tiranos de plantão.
Primeiros passos
Quando saí do exército, em 1984, o Brasil começava a sua abertura política, a arte vinha com tudo e chegava de todos os lados; não na periferia, mas nas regiões mais centrais na cidade. Em Piraporinha, timidamente a Casa Popular de Cultura M’Boi Mirim1 começava as suas atividades nas mãos de Izilda e mestre Jonas. Formávamos um time musical, eu, Ceará, Márcio, Cleone, José Neto, e mais alguns que gravitavam esporadicamente na nossa órbita, que adoravam MPB e discutir sobre política. Quase todo dia a gente ia na casa do Cléo tocar violão e tomar vinho natal, quando se tinha algum dinheiro. Na região de Santo Amaro algumas escolas promoviam festivais de música. Aliás, os festivais eram a grande novidade e pipocavam na região e nas cidades do interior. Fora da periferia, a MPB era um grande sucesso em São Paulo. De tanto gostar de música a gente achou que também sabia fazer. No nosso grupo só o Ceará sabia tocar; os demais, assim como eu, não tocavam nem campainha. Sem nos darmos conta
1 A Casa popular de Cultura do M’Boi Mirim & Guarapiranga foi fundada em 10 de março de 1984 por uma rede de entidades com o objetivo de ser um espaço de discussão, troca de experiência e de participação popular. Transformou-se no 1º Pólo Cultural da Região de Piraporinha, mantida e administrada pela comunidade através de uma diretoria eleita (Associação). Hoje em dia, a Casa é sede de um dos maiores eventos culturais do país: o Panelafro.
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da nossa pobreza musical, começamos a nos preparar, precariamente, para participar dos festivais. Quando conseguíamos juntar dinheiro para pagar as inscrições, quando conseguíamos verba para comprar a fita cassete, quando conseguíamos um gravador emprestado, a gente se inscrevia e sonhava em um dia poder participar. O nosso processo de criação das letras também era muito pobre. Era simples: cada um queria fazer uma estrofe. O único problema é que apesar de gostarmos da mesma música, todos nós achávamos que tínhamos um estilo diferente. Vai vendo: eu achava que escrevia igual ao Chico Buarque, então só queria fazer música revolucionária. José Neto só queria falar de boi na estrada. O Cleone era meio Zé Ramalho, e o Márcio se sentia o Djavan. Os organizadores dos festivais não viam nem ouviam assim, por isso só chegavam cartas de agradecimento pela nossa iniciativa, e notas de recusa para as nossas músicas. Lembro das primeiras músicas que enviamos e nunca tivemos resposta: Trem de Maria Vamos viajar Nesse trem do tempo Se perder nas lembranças Do pensamento Em cada estação Vamos relembrar De tempos bons Que não vão voltar Maria Fumaça Que cortou as terras de Minas Gerais Foi por onde passou Meu avô e meu pai
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Era fim de tarde Ela vinha apitando Só não volta a Maria Que eu vivo sonhando. Um trago da vida Tenho vontade de falar de amor Assim como diriam os poetas Com suas cabeças geniais Falar do amor da forma mais completa Sentimento mais puro que pesa sobre os mortais. É preciso cantar No mais alto silêncio Todas as dores do mundo Abraçar todas as vozes de todos os tempos E nesse momento viver um segundo. Sentir com amigos A embriaguez eterna Perambular por entre as primaveras Tragar o lume das estrelas Onde não chegam nossas pernas E num suspiro conformado de cansaço Cair no chão e beijar nossa terra. Sentir na lembrança o tempo que passou No suor de cada lágrima rolada Juntar os pedaços da vida Para viver o tempo que sobrou Trazer de volta a esperança perdida E num toque de magia Encharcar o peito de amor Para derramar o copo e tomar Um trago da vida.
Por discordar do nosso método de compor em grupo e ter o agravante de não saber tocar nem cantar, acabei fazendo a minha primeira letra sem parcerias, e que por coincidência foi nossa primeira participação em festivais, no Teatro Paulo Eiró, em Santo Amaro.
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Vida Quero tempo pra pensar No homem que vai para o espaço E que não aprendeu com os pássaros O segredo livre de voar Não quero olhos para ver A decadência que trazem consigo E o que não podem mais deter O encontro com seu inimigo Não quero braços para abraçar O homem que cai, quando outro levanta Nem tampouco ajudar O que cai, na sua vingança Não quero pernas para correr Do ódio do homem que se aproxima E nem coragem de prever O homem a caminho de Hiroshima Não quero a vida pra viver Correndo atrás da sorte E nem com medo de se perder Perto dos olhos da morte Não quero a vida pra morrer Nem o sonho pra sonhar Eu quero a vida só pra crer No sonho que pode vingar Quero braços para abraçar O homem que quero crer E a coragem pra ajudar O homem que quer viver
Depois disso, participamos de outros pequenos festivais. Nosso grupo musical nunca ganhou nada, nem menção honrosa ou diploma de participação; por isso, apesar de sempre estarmos juntos, a nossa carreira tinha chegado ao fim. Para a sorte de todos que gostam de música popular brasileira.
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Quanto a mim, alĂŠm da experiĂŞncia ficava a minha primeira letra, meu primeiro poema registrado, e o desejo de um dia me tornar um poeta.
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Da ponte pra lá
Depois de algumas letras e alguns poemas guardados, pela primeira vez eu tinha pensado em escrever um livro, só que eu não fazia a mínima idéia de como faria isso. Naquele tempo não conhecia ninguém que já tinha publicado um livro, ou que sabia quais os caminhos a percorrer, ou sequer pensado em escrever. Nau sem rumo, comecei a fazer um curso de teatro, “Emílio Fontana”, no bairro de Santa Cecília, Centro de São Paulo. Não sei se queria ser ator, mas tinha idéia de escrever peças teatrais, e achei que era melhor aprender um pouco sobre a coisa. E aprendi bem pouco mesmo. O curso era basicamente teoria. O curso era freqüentado por muitos jovens, a maioria de classe média; da periferia podia-se notar poucas pessoas, além de mim e o Cleone, que também participou do curso. Note-se que tudo que a gente queria fazer sobre arte e cultura ficava depois da ponte do Socorro ou da avenida João Dias (pontes que dão acesso aos bairros mais ao centro).
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Durante o curso eu escrevi uma peça, “Amanhã talvez”, e montamos um grupo com os alunos para podermos representá-la, o ANGÉLICA 387. Como não gostava de atuar, aproveitei que a peça era minha e também dirigi. Fizemos duas apresentações no espaço Aonde Bar, que ficava na avenida Santo Amaro e que era comandado por uma turma de teatro de quem nós ficamos amigos. As duas sessões foram lotadas de amigos e parentes, sem contar que o lugar também não era muito grande. O grupo não vingou e aos poucos as pessoas que eram grandes amigas foram se dispersando, e a minha verve teatral também. Fiz muitos amigos nessa época, mas uma amiga em especial iria me ajudar no pontapé inicial da minha carreira poética: Adrianne Mucciolo. Fui apresentada a Adrianne Mucciolo pelo meu amigo Marcelo Carioca, que hoje é o marido dela. Na época ele namorava uma menina do bairro e que trabalhava no banco comigo. Quando esse amigo nos apresentou, disse-me que ela era poeta e estava afim de fazer um livro, e sugeriu que a gente escrevesse juntos. Eu e Adrianne ficamos amigos e começamos a escrever em parceria. Ela já tinha algumas poesias e eu também, e dividimos a autoria de outras. Com tudo pronto, descobrimos uma editora no bairro de Pinheiros que editava livros em pequenas quantidades. Funcionava como uma gráfica: você pagava e recebia os livros. Como eu não tinha dinheiro, ficou combinado que a Adrianne dava a metade e depois eu dava a outra metade no dia do lançamento. Fizemos quinhentos livros. Assim foi feito, no dia 10 de dezembro de 1988, numa galeria onde ficava a editora, eu lancei o meu primeiro livro: Subindo a ladeira mora a noite. Para minha surpresa o lançamento foi
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muito bom, e muita gente compareceu, tanto de minha parte, como da parte dela. A minha família, pessoas do bairro e amigos da empresa Filtros Logam, onde eu trabalhava como auxiliar de escritório, foram me prestigiar. No final do lançamento paguei a minha parte à editora e fui embora com os livros embaixo do braço batizá-los na periferia. Depois do lançamento, eu e Adrianne nos vimos mais algumas vezes, mas aos poucos fomos perdendo o contato. Só sei que ela foi uma grande amiga e esteve presente num dos dias mais felizes da minha vida.
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Da ponte pra cá
O lançamento na galeria de Pinheiros tinha sido bom e coisa e tal, mas faltava lançá-lo na periferia. O Zé Batidão ainda não era no endereço atual, uma rua abaixo para ser mais exato, e era lá que nós naquele tempo começamos a vida boêmia no bairro. Como eu e mais ninguém sabia muito bem como era o lançamento de um livro na periferia, o Zé fez frango frito, com uma forma cheia de salada de maionese, em que no meio estava escrito o nome do livro, para servir para os amigos. Eu ainda não sabia o quanto era difícil vender um livro, e também não havia descoberto que o mundo não o estava esperando para a vida dar seguimento, nem sequer sabia que ia passar vergonha nos campos de várzea quando dizia que tinha escrito um livro de poesia. Não era fácil ser boleiro e poeta ao mesmo tempo, num lugar que dia após dia ia perdendo o romantismo. A única coisa que eu sei é que foi uma noite memorável. Como poucas nessa vida. E para poucos, também dessa vida. Boa parte das minhas poesias já era sobre temas sociais. Leiam algumas que já completaram mais de vinte anos, pois foram escritas bem antes de o livro ser publicado:
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Palco
Asas da quimera
Segue o menino Deslizando na avenida Vende drops na caixinha de papel Tentando um papel No palco dessa vida. Em cada esquina Uma platéia diferente Batem palmas E não sente Que este ato não termina. No palco do asfalto Cenas fortes No frágil nu do corpo Ele veste as lágrimas Maquiadas de sorrisos Que desbotam na luz fria da noite, Bastidores da verdade. Segue o menino No palco desta vida Representando seu verdadeiro papel.
para Nelson Mandela
Desenho de um sol no teu peito Apaga o não da memória Brilha o sim do seu jeito E faz mudar sua história O cárcere que vigia tuas lágrimas Afoga no teu Éden imaginário Das cores juntas na sina Em todos os dias do calendário Liberdade te espera O perpétuo não espera um segundo Semeie as asas da quimera Para voar deste mundo Quando houver frutos no pensamento A árvore que sombreia os campos Vai buscar para junto do seu manto As folhas que caem ao vento África dos navios de inverno Que o poeta criou Aquarela do pai eterno Que sem licença o homem assinou
Os anjos de A margem do vento e Pensamentos vadios
A experiência do primeiro livro não fora somente flores; aos poucos eu fui descobrindo a dificuldade de ser poeta no país. Com o livro nas mãos, descobri que depois dos parentes e amigos mais próximos, poucos estavam interessados em poesia, e principalmente na minha. No início dos anos 1990 meu pai já tinha vendido o bar para um outro amigo da família e já não estávamos vivendo na ditadura militar. Na minha opinião, o Brasil entrou em gozolândia total, e no sentido literal da palavra. O Brasil continuava pobre e o racismo cada vez mais forte, a favelização em ritmo acelerado, o ensino precário, desemprego, mas o povo brasileiro vivia numa constante festa. A música pela qual eu havia me apaixonado estava chegando ao fim, e só mais tarde iria encontrar novamente um novo tipo de música de protesto que daria sentido à minha poesia: o rap.
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A minha poesia, conforme alguns, tinha ficado fora de moda, pois ninguém lutava mais contra o sistema, e o grande consenso era que não tínhamos mais inimigos, e a poesia engajada era coisa do passado. A palavra tesão era a grande moda do momento. Quanto a mim, só sabia que a poesia não podia parar. No ano de 1991 eu trabalhava de auxiliar de cobrança em um escritório de Materiais de Construção que ficava na Vila Olímpia, e a matriz em Joinville-SC. Estava com material para o meu segundo livro, A margem do vento – que era uma poesia mais reflexiva do que engajada, não sabia por que, mas tinha assimilado a pressão –, e não tinha um centavo qualquer para editá-lo. Não sei por que me ocorreu a idéia de pedir apoio cultural para o presidente da empresa, sr. Erédia, e movido por este desejo quase impossível de se realizar consegui que a Cida, secretária, marcasse uma hora com ele, o que não demorou muito a acontecer. No dia da reunião até que eu não estava muito nervoso, acho que era porque eu sabia que a idéia era muito louca para dar certo, então fui curto e grosso. Disse a ele que era poeta e queria editar mil livros e precisava do apoio da empresa, e em troca daria quinhentos livros para a empresa presentear os clientes e mais o logotipo da empresa na contracapa do livro. Ele ouviu atentamente o meu pedido, e fazia uma cara de “mais ou menos” o tempo inteiro. Disse, como sempre, que a empresa não passava por bons momentos, e todas aquelas coisas que os chefes dizem quando pedimos aumento. Anotou algumas coisas e disse que não era prática da firma e coisa e tal, mas que em breve me dava uma resposta. Um dia, quando menos esperava, ele mandou me chamar pois queria falar comigo. Cheguei lá esperando a choradeira de sempre, qual não foi minha surpresa quando ele disse que tinha uma outra proposta e que talvez fosse até melhor para mim.
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Ele disse que como estava perto do fim do ano, queria que o livro fosse uma espécie de presente de natal, mas que só aceitaria fazer se aceitasse editar dois mil livros e doar mil à empresa. Será que eu aceitei? Diante disso, convidei o amigo e professor Carlos Giannazi, que hoje é deputado Estadual pelo PSOL, para fazer a orelha do livro; o artista plástico Carlos Roberto Hippólito para fazer a capa, e as ilustrações ficaram por conta do desenhista Ivan de Oliveira Pesso. O lançamento foi num bar chamado Café in Concert, que ficava no Ibirapuera, zona nobre de São Paulo, e que era do mesmo dono do Vinicius Bar, onde eu tomava chopes com a turma da empresa às sextas-feiras (note-se aí que até para tomar chope era preciso sair da periferia). No dia do lançamento o bar ficou lotado. Amigos do bairro, família e muita gente da empresa em que trabalhava. Para se ter uma idéia, naquele dia eu vendi mais de 150 livros, que é o meu recorde até hoje. O duro foi vender os 850 livros restantes, e mais quinhentos com que o presidente me presenteou. Depois desse dia só dava eu em barzinho, porta de teatros, shows, porta de faculdade e tudo quanto é lugar que poeta podia e não podia entrar. Sem contar com a concorrência, que naquele tempo era muito acirrada, devido à quantidade enorme de poetas que tinha no Centro da cidade.
Mendigo cultural
Encharcado de poesia e coragem neste ano, sem ser convidado participei, em trapos, da Bienal do Livro, que ainda era no Parque do Ibirapuera, vestido de mendigo e com os livros dentro de uma bolsa feita de saco de estopa e uma placa escrita “mendigo culturall”, com os dois eles da era Collor, distribuindo marcadores de páginas gratuitamente com as minhas poesias – foi nesse dia que eu também conheci o cantor Milton Nascimento e o presidente do Partido dos Trabalhadores, Luiz Inácio da Silva. Os seguranças não entenderam muito bem o meu protesto e passaram a me seguir. Foi quando fui resgatado por uma mulher, Rosemay Zarif, que era dona da antiga livraria Antes do baile verde e que estava expondo lá. Depois desse episódio, May ainda continuou por muito tempo dando força para o meu trabalho. Nesse dia duas crianças me ofereceram moedas. Cheio de sonhos e de livros, o anjo-presidente da empresa ainda ia ser muito importante na minha vida. Poucos meses depois pedi que ele me mandasse embora, pois queria seguir pelo mundo vendendo e vivendo de poesia. Não só me demitiu como me desejou boa sorte. Outro dia eu o vi numa entrevista na televisão e fiquei muito emocionado; abracei-o com os olhos cheios de lágrimas e boas lembranças.
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Saí da empresa e montei um bar no bairro do Guarapiranga, o Etílicos bar, com o Branco e o Edson Franco. Não foram boas lembranças: durou apenas um ano, e saí de lá sem rumo e sem um tostão no bolso. Mas também foi nessa época que eu conheci um outro anjo em minha vida, Marisa Zambrani, que morava no bairro do Carandiru, e que também tem muita importância na minha vida e na minha trajetória poética. Foi ela que nos momentos mais duros da minha caminhada conseguiu patrocínio para a segunda edição do livro A margem do vento e para o livro que logo em seguida eu iria lançar: Pensamentos vadios. A primeira edição do livro Pensamentos vadios lancei também no Café in Concert, no Ibirapuera, em abril de 1994. A capa dessa vez foi feita pelo Ivan Pesso, e entreguei a orelha novamente ao meu amigo professor Carlos Gianazzi. Foi uma época muito turbulenta na minha vida. Havia conflitos onde quer que eu tocasse, onde quer que eu pisasse. Por isso, no final do ano de 1994 eu fui morar em Taboão da Serra (Grande São Paulo), onde minha vida fez sentido novamente, e onde, por incrível que pareça, tudo ia recomeçar, só que bem mais forte, e para sempre.
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Taboão da Serra
Fugindo de mim e a convite de minha mãe, vim morar em de Taboão da Serra, grande São Paulo, por volta de 1995. Taboão faz fronteira com São Paulo por vários lados; eu vim morar na divisa com o bairro de Campo Limpo. Cheguei à cidade sem rumo e sem destino, desempregado, sem um tostão qualquer. Fui morar num quartinho em que apenas cabiam uma estante com meus livros, uma cama e uma garrafa PET de guaraná vazia, onde eu urinava. Reli quase todos os livros que tinha, que não eram poucos, enquanto a solidão me consumia como ferrugem. Com o vento soprando ao contrário, fazia apenas alguns bicos numa rádio Comunitária no Jardim Brasil/ZN, como locutor de um programa chamado “Ressaca Brasileira”, e como vendedor de livros numa distribuidora que fazia eventos em escolas e universidades. Depois de alguns anos, por prazer, eu e o Márcio Batista herdamos um programa de MPB na Rádio Atividade (comunitária) em Taboão da Serra. Nesse tempo os donos da distribuidora, Paula e Marco Chavão, ficaram meus amigos, e em boa parte das feiras nas escolas que a gente fazia eles arrumavam um jeito para que eu fizesse umas palestras e recitais, o que alavancava um pouco a venda dos meus livros nas feiras.
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Foram os tempos mais duros de minha vida, literalmente falando. Quando tinha dinheiro para condução, passava o dia andando sem rumo no centro de São Paulo, e só parava na hora do almoço para comer um churrasquinho grego com suco grátis. Enquanto a vida me maltratava sem dó nem piedade, quase que por acidente consegui um emprego de vendedor de vídeo-game na empresa Tec-Toy, na Lapa. Como para trabalhar de vendedor precisava de terno e gravata, coisa que eu nunca tive, pedi emprestado para um amigo, Cláudio Argentoni, que trabalhava na Caixa Econômica Federal, que além dos sapatos também me emprestou uma maleta. Grande amigo. Ser vendedor de porta-em-porta foi uma das melhores e iluminadas experiências da minha vida. Primeiro porque eu só andava de ônibus, metrô e trem, o que me permitia continuar lendo os meus livros à vontade. E segundo porque tive a oportunidade de conhecer quase todas as quebradas de São Paulo durante esse um ano e meio que estive lá. E quase todas as quebradas se pareciam com a minha. Estava sempre em casa. Saí de lá, só que agora tinha um pouco de grana, e já morava com a minha irmã, porque também não era isso que eu estava procurando. Minha mãe, Maria Mineira, como era conhecida aqui no Pirajuçara, era muito conhecida de alguns políticos da cidade, e um dia me apresentou a um que iria se candidatar e que estava precisando de ajuda. Lá fui eu fazer campanha para o candidato sem conhecer direito a cidade, só na aba da popularidade de minha mãe. Por sorte o candidato se elegeu a vereador e eu fui trabalhar de assessor de Gabinete na Câmara Municipal de Taboão da Serra, o que fez com que eu conhecesse profundamente a cidade, e que me apaixonasse incondicionalmente por ela. Nesse clima de amor, foi aqui que eu também conheci uma outra paixão, minha esposa Sônia e minha filha Mariana.
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Pensamentos vadios, 2ª edição
Por aqui todos me conheciam por poeta, mas a não ser por publicações de meus poemas nos jornais da região, poucos conheciam o meu trabalho. Como os anos de dureza não foram poucos, não tinha sobrado livros nem para arquivo. Um dia estava conversando com um amigo, Carlão (in memorian), e ele disse que conseguiria alguns outdoors de presente para eu divulgar a minha poesia com o patrão dele, sr. José de Almeida, da Klimes, que na oportunidade me presenteou com cinco outdoors espalhados pela cidade. Na época os cartazes foram produzidos pelo Brói, artista plástico que fazia alguns free-lances publicitários para alguns vereadores e que mais tarde também iria ser muito importante para a minha caminhada cultural. Aproveitando esse clima de cordialidade com a cultura tão rara no meio empresarial, aproveitei e fiz uma proposta para a 2ª edição do meu livro Pensamentos vadios para o sr. José de Almeida. Para minha surpresa, o homem aceitou na hora e disse que queria ficar com trezentos livros, dos mil que ele havia patrocinado, para presentear os amigos e clientes. Mais tarde ele ainda me presenteou com mais de cem livros.
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Com o apoio mais que cultural, lancei o livro no dia 23 de novembro de 1999. Algumas de suas poesias me acompanham até hoje. Vingança A vingança Tem seu lado bom se usada como convém. Por exemplo: Se alguém disser que te ama Vingue-se dele Ame-o também. Ninguém tem o direito de aprisionar um pensamento por mais vadio que ele seja. Enquanto eles capitalizam a realidade Eu socializo meus sonhos. Eu planto o trigo Para colher o pão, Sou pássaro que recusa migalhas.
A produção e ilustrações do livro ficaram por conta do meu amigo Eduardo Toledo; a revisão, Márcio Amêndola, colaboração do Brói; e a orelha do livro ficou por conta de um amigo que na época escrevia na revista Caros amigos, Marco Frenette, que fez um dos textos – apesar de feito pra mim – mais bonitos sobre poesia que eu já li na minha vida. Se liga no texto: Mais de um poeta ou crítico já afirmou que a poesia é o pão dos elegidos. E isso não chega a ser mentira, porque ela já foi apenas isso um dia. Mas a poesia já tomou tantas formas diferentes, já entrou em tantos lugares onde era considerada inimiga e já chegou em tantos corações que sequer suspeitavam de sua existência, que essa definição elitista tornou-se incompleta.
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Faz tempo que a poesia é democrática. Basta lembrar do bom e velho samba do morro e dos repentes urbanos do bom e jovem rap brasileiro. E é justamente nessa democracia cultural que entra Sérgio Vaz, poeta da periferia que atinge o centro de todas as coisas com sua poesia, num generoso esforço de distribuição mais igualitária desse importante alimento espiritual. Ele vive em Taboão da Serra, em São Paulo. Terra de gente simples que luta por uma vida mais digna apesar de ter o descaso do Estado contra ela. A mesma história de qualquer periferia, enfim. Pensando nessa gente – sua gente –, Sérgio Vaz produz versos carregados de toques e sensações tentando aproximar-se de todos que gastam boa parte de suas vidas correndo atrás do pão real que não contém poesia, mas fermento para o corpo cansado de adorar um deus chamado trabalho. Esse admirável poeta sabe que suas emoções refletem as angústias e alegrais comuns a todos, e que ninguém pode ser excluído da dose de magia necessária para suportar a secura da vida que caracteriza o cotidiano de todos nós. É crença naquela velha e boa máxima de que “o artista tem de ir aonde o povo está”. E por acreditar nisso, o autor de Pensamentos vadios estende sua vadiagem poética até as escolas da periferia de São Paulo, aonde vai de bom grado declamar seus poemas e bater um papo com a rapaziada, para mostrar que há coisas mais importantes na vida do que droga e violência. Por fim, vale ressaltar que Sérgio Vaz – por ter consciência da importância da simplicidade – é inimigo declarado das complexidades desnecessárias. Mas não é o caso de interpretar mal seu trabalho: sua poesia é simples sem ser simplória, é acessível sem ser leviana. Ele apura a linguagem até a medida necessária para a sua poesia poder fluir rumo à sensibilidade do leitor. Em outras palavras, ele mata a pretensão para a emoção poder nascer livremente. E nessa luta do poeta contra a arrogância, quem sai ganhando é você, que tem este livro nas mãos.
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No dia do lançamento, o CEMUR – teatro que fica no centro de Taboão – estava lotado, fisicamente só faltava a minha mãe, que faleceu em fevereiro daquele ano, mas que de alguma forma devia estar ali me abençoando, e finalmente tinha me apresentado como poeta para a minha cidade.
Cartões postais
Sempre achei que a poesia tem que ganhar as ruas, as praças, os bares, as escolas, e nunca aceitei que o livro é o único abrigo do poema. Outra coisa que também me incomodava era essa coisa do poeta estar sempre no casulo à espera dos poucos que gostam de poesia. Pensando nisso, conversei com o Brói e pedi que ele criasse a arte, e em maio de 1999 lancei uma série de cartões postais poéticos para divulgar a poesia do meu livro Pensamentos vadios. Como não tinha muita grana, fiz apenas quatro modelos no início e três mil cartões para cada poema e saí por aí distribuindo poesia gratuitamente para quem quisesse receber. Depois, já com a ajuda de alguns amigos como Ademir Valente e o Ali Sati, fiz mais nove modelos de cartões, e durante mais de dois anos devo ter feito mais de cem mil cartões postais, e na esteira do sucesso dos cartões também fiz marcadores de páginas. Só na primeira remessa fiz 72 mil marcadores. Saía pela noite distribuindo em porta de teatro, shows de rap, barzinhos, e nas palestras nas escolas públicas de São Paulo e Grande São Paulo. Na época foi uma tremenda febre os cartões. Até hoje encontro pessoas na rua que dizem que colecionavam e ainda guardam consigo os postais e os marcadores. Nunca minha poesia tinha chegado a tantas mãos e sido apreciada, ou não, por tantas pessoas ao mesmo tempo.
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Uma vez, num show de rap dos Racionais, no Anhembi, levei uma bolsa com cartões que pesava mais de dez quilos, o que dava mais de quatro mil cartões. Eu e o Big Richards, que me deu uma força na época, distribuímos todos, um a um, desde a fila da entrada até na saída no final do show. Outro amigo que ajudou muito a distribuir em bares e shows foi o Didio, guerreiro do grupo Luance, e que mais tarde iria contribuir muito para o nascimento da Cooperifa.
Hip-hop e sabedoria de vida
Trabalhava na Câmara Municipal ainda, lá pelos idos de 1998 ou 1999, não me lembro direito, quando conheci o grupo de rap Sabedoria de vida, apresentado por um amigo chamado Levi. Quando o Levi os apresentou a mim, eles estavam com um problema na prefeitura para legalizar um evento na praça Luiz Gonzaga, aqui em Taboão, e pediu que eu intercedesse a favor deles. Logo em seguida apresentou Preto Jota e o Jhay, que estavam na organização do evento. Até então eu era apenas um admirador da cultura hip- hop, mas por conta deles, não sabia ainda, ia ficar para sempre envolvido com o movimento. O evento iria contar com a nata do rap naquele momento. Acho que era um show pela paz, com a participação do Mano Brown e tudo o mais. Como sempre as autoridades estavam temerosas quanto ao evento, mas depois de muita conversa tudo foi liberado, e o show transcorreu sem um transtorno sequer. Gente pra caralho. Um sucesso. Depois do show sobrou a amizade que iria durar, infelizmente, até o fim da vida deles. O grupo Sabedoria já vinha de uma longa caminhada de respeito no rap e já tinham aberto vários shows dos Racionais. Jhay era o mais extrovertido, por isso logo de cara fomos nos dando bem; já o Preto Jota era mais bicudo, fazia o tipo que não
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gostava de ninguém – mais tarde a máscara iria cair, descobrimos que ele gostava de todo mundo. A esta altura eu já estava percorrendo as escolas públicas da periferia com um projeto chamado “Poesia contra a violência”, e eles eram os meus convidados mais freqüentes. O projeto era simples: eu chegava em uma escola, geralmente onde eu conhecia os professores ou diretores, e me oferecia para falar e recitar poesia, além de oferecer cartões e marcadores de presente para os alunos, e sorteios de livros. Tudo gratuitamente. A convite do meu amigo e professor Edson Lima, comecei o projeto numa escola chamada Alessandra Bassit, no Jardim Ângela, Zona Sul, que na época era considerado um dos bairros mais violentos de São Paulo. No começo falava sozinho, apenas com a companhia do documentarista Paco ou do jornalista Edu Toledo. Ambos ajudavam na divulgação, o que ajudava muito para abrir as portas de outras escolas. Visitamos mais de trinta. Às vezes também iam outros integrantes do grupo, como o Tico e o Fred, mas os alunos piravam mesmo é nos repentes improvisados do Jhay e nas letras fortes do Preto Jota. Por muitas vezes passei despercebido com meus poemas. O bate-papo era sempre sobre a quebrada, respeito e a importância da informação na vida das pessoas. Falávamos sobre cidadania e problemas próprios da juventude e do país. As conversas eram diretas e sem frescuras. Alguns professores estranhavam, outros simplesmente deliravam com esse encontro da educação da rua com a da escola. União perfeita. Daí fui percebendo a força dos artistas da comunidade no fortalecimento da cidadania da periferia, e que a gente precisava mudar a, e não mudar da periferia. Essa força não podia e não devia ser desperdiçada. Então comecei a chamar mais e mais representantes culturais para esses
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encontros nas salas de aula. Uma vez fomos numa escola e tinha quase vinte artistas para falar com os jovens. O Xis, Diney do Gueto, Márcio Batista, Brói, entre outros, deram as caras nesses encontros. Mas as escolas estavam pequenas para a minha poesia; queria mais. Como já disse anteriormente, o livro é apenas um lugar de descanso para a poesia, e quando o poema não está repousando nas mãos das pessoas ele precisa estar nas ruas, à procura dos desavisados. Como já distribuía cartões postais em shows de rap, não custava nada eles me deixarem subir aos palcos para recitar minhas poesias. Assim foi feito. Chegava no show e falava com os organizadores do evento ou com alguém de algum grupo conhecido – a esta altura, por conta do Jhay e o Jota, eu já conhecia algumas pessoas – que eu era poeta, e se podia, nos intervalos dos grupos, recitar uma poesia. No começo alguns estranhavam essa coisa de poesia sem ritmo no show, mas a gentileza deles sempre imperava e acabavam deixando. O público no início também achava estranho, e assim eu fui peregrinando de show em show nas periferias do Brasil. Com o tempo era comum nos shows alguém comentar: “o tiozinho da poesia está aí, deixa ele falar uma poesia”, ou então na fila distribuindo os cartões alguém falava “recita tal poesia”, ou “esse cartão eu já tenho, me arruma outro”. Quando tudo parecia perfeito chega a notícia que Jhay havia sido assassinado. Até hoje ninguém sabe por quem ou por quê. Sua morte abalou toda a comunidade do rap e as pessoas do bairro, onde ele era muito querido. Vivendo nesse clima de poesia durante todo esse tempo, quase tinha me esquecido como a periferia também sabe ser cruel quando quer. E assim, de forma bruta e misteriosa, Jhay partiu, como num dos seus versos improvisados, só que sem rima e sem poesia. Saudades.
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Antes de partir ele ainda me presenteou com uma outra amizade: Mano Brown. Sem nada para oferecer, fiz uma poesia em sua homenagem no livro A poesia dos deuses inferiores.
Jhay Jhay Nasceu Jaílson Primeiro filho do seu Roque Com dona Margarida. Preto, pobre Tinha tudo para ser ladrão, Mas teve Sabedoria de vida E fez do hip- hop a sua razão. Como todo pobre que se preza Também viveu livre, Apesar de ter a liberdade provisória Decretada. Fora do esquema, Não podia ter carro Não podia ter moto Não podia ter nada, Com suspeita de ser feliz. Negro de atitude Recusou-se a ser escravo A usar algemas.
Então se transformou em rei Rei da rima Rei das ruas Rei das minas E construiu seu castelo Na brecha do sistema. Quando lhe assaltaram, Numa dessas vielas Onde os corvos fazem ninhos, Deve ter dito: “...vem, pode vir que tem mano que é mano não tira ninguém.”1 Aí levaram sua moto Levaram seu sorriso Tiraram sua vida. Levaram tudo que ele tinha E tudo que era nosso. O Céu? “Quem procura acha.”
1 Não tira sarro de ninguém.
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Poeta da periferia
O rap tinha entrado de vez na minha vida e a poesia de protesto novamente fazia sentido em meu trabalho. E vários rappers que eu tanto admirava já eram meus amigos, e também já era convidado pessoalmente por eles para recitar em seus shows e eventos culturais. Conheci o GOG aqui em Taboão numa rádio comunitária. Presenteei-o com um livro meu e prometemos ficarmos amigos no futuro. Assim aconteceu. Um dia, ouvindo no rádio sua nova música, “Fogo no pavio”, me emocionei com a homenagem que ele faz a mim e ao Ferréz. Logo em seguida me convidou para participar, poeticamente falando, de uma coletânea chamada “Fábrica da vida” com grupos novos de rap. Daí em diante fiz mais outras participações em outros grupo: Sabedoria de vida, 509-E, Inquérito, Periafricania, Versão popular, Di Função, entre outros. Foi nessa época que eu recebi um convite do empresário do 509-E para fazer uns poemas no presídio de Franco da Rocha no dia das mães. Além de mim, vários grupos, inclusive os Racionais, iriam participar do evento. Levei quinhentos cartões postais, patrocinados pelo jornal Independente, com uma poesia escrita especialmente para o dia, e que foram distribuídos de cela em cela para todas as mães presentes.
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O rap tinha entrado de vez na minha vida – e eu querendo que a literatura entrasse de vez na vida dele –, e para se ter uma idéia do que estou falando já recitei poemas em shows com mais de dez mil pessoas e já tive o meu próprio camarim. Rsrsrs. Bons tempos! O rap tinha dado novo gás à minha poesia, e a MPB já não fazia tanto sentido em minha vida. A poesia só queria saber de becos e vielas, nada mais. O gás no talo, um dia assisti a uma entrevista sobre a rádio Rocinha, no Rio de Janeiro, e liguei pra lá falando do meu trabalho e de conhecer o trabalho deles. O Jocelino, que era o dono da rádio, topou a idéia e então partimos pra lá, a maior favela do país. Chamei o Edu Toledo e o João do Said e partimos pra lá de carro. Levei uns dois mil cartões e marcadores mais cinqüenta camisetas com minhas poesias para presentear os amigos do morro. Não sei como está agora, mas quando eu fui a rádio era a voz da favela, então o que batia na emissora ecoava nos becos. Quando o Carlinhos falou que estava sorteando camisetas, o bagulho ferveu de gente. Ficamos amigos do Carlinhos Costa, do Gato e do Soca, e na entrevista prometi que a próxima vez que eu fosse ao Rio iria lançar meu livro na Rocinha. Logo em seguida, depois de lançar o livro Pensamentos em Taboão e São Paulo, fui à Rocinha cumprir a minha palavra. Dessa vez fui só. Chegando lá, eu e o Jocelino armamos uma mesa com os livros e estendemos umas camisetas ao lado de uma banca de jornal, bem no meio do morro, e ficamos ali distribuindo cartões e oferecendo poesia. A Amélia Nascimento, que era minha amiga e editora da revista Raça, mandou uma repórter cobrir o evento. De repente pára um enorme jipe cheio de turistas italianos bem em frente à nossa mesa exposta e começa a tirar foto e a perguntar o que era aquilo de lançar livro na favela. Porra, eles salvaram
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o dia, compraram quase tudo. As camisetas que sobraram dei de presente para alguns amigos que fiz na hora. Com dinheiro no bolso, fomos para a antiga praça do Skate comer peixe e tomar umas cervejas pra comemorar. Dos becos surgiam pessoas com camisetas com meus poemas escritos; no bar penduramos alguns cartões, e assim nascia uma amizade que ia durar para sempre com a Rocinha. Na revista Raça a matéria saiu com o título “Poeta da periferia”. O tiozinho da poesia também tinha ficado para trás.
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Seguindo na trilha dos cartões postais, as camisetas com poesias, desenhadas pelo Brói, ajudavam a divulgar mais o meu trabalho e acabavam com a pouca grana que ganhava. Cheguei a expor algumas vezes na feira de artesanatos que acontece em Embu das Artes aos domingos, mas não fui bem sucedido; mas ainda seguia sustentando a poesia. Nessas correrias do dia a dia, por acaso encontrei um amigo que era candidato a vereador na cidade e estava estampando suas próprias camisetas num determinado lugar e me convidou para ir até o local onde ele estava locado, uma fábrica desocupada na BR-116, em Taboão da Serra. Quando cheguei na fábrica fiquei chapado na hora, com o tamanho e a estrutura do lugar. O galpão, não sei por que, estava desocupado mas ainda estava com seus maquinários todos lá, dando uma atmosfera de guerrilha urbana ao local, que também era dividido por vários grandes espaços, e milhares de metros quadrados arborizados pelo lado de fora. A entrada ficava bem em frente a BR-116, com um enorme portão, e para chegar até ela era preciso andar quase cem metros por uma rua de paralelepípedo cercada de árvores que eram sopradas por um vento tranqüilo, como eu nunca tinha sentido antes.
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Nem sei bem o que eu senti na hora; só sei que quase não consegui prestar atenção na estamparia que ocupava uma parte onde era o escritório, que se localizava bem na entrada da Rodovia. Saí de lá diferente de quando tinha entrado, mas o mais estranho era que eu ainda não sabia o porquê dessa reação, só sabia que era uma energia positiva. À noite, encontrei o Brói, o Big Richards e o Gigio, e comentei sobre o lugar e tudo que eu tinha visto e sentido e que se a gente desse uma trabalhada daria para fazer um grande evento cultural. Todos ficaram empolgados e no outro dia o Brói foi lá para conhecer a fábrica de que eu tanto falava. E é lógico que o baixinho também pirou no lugar. Meu amigo Luiz, que havia me convidado para conhecer o lugar, não estava entendendo nada com a nossa empolgação. Na verdade nem nós mesmos estávamos entendendo direito, só mais tarde é que a ficha iria cair. Na segunda visita disse ao Brói: — Aqui dá para a gente fazer tipo a semana de arte moderna. — Como assim? – respondeu o baixinho. — Porra malandro, um evento multi-cultural, usando todos os espaços ao mesmo tempo. Vamos encher isso aqui de artistas de tudo quanto é quebrada. E fui explicando minha idéia passo a passo, já viajando nas possibilidades de juntar todos os artistas sem-palco da região num único evento, num único dia. Bom, a gente estava cheio de planos, mas quase íamos esquecendo de pedir autorização ao Luiz, que estava responsável pela fábrica. Nosso camarada entendeu na hora a nossa idéia e disse que estava liberado para o que a gente queria fazer. Tínhamos um tremendo lugar para divulgar os trabalhos de artistas da periferia em nossas mãos e nenhum tostão em nossos bolsos. Não ia ser nada fácil.
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À noite nos encontramos no bar do Portuga, eu, Brói, Big, Gigio e a Viviane – se não me falha a memória –, para discutir o que a gente iria fazer e como iria ser feito. E ficou decidido que ia ser um evento num domingo com uma programação para o dia inteiro com poesia, música (rap, MPB, reggae e samba), teatro, exposições, capoeira, lançamento de livros, dança (teve até desfile de cabelos afros no dia). Por conta principalmente do hip-hop, já estavam acontecendo na periferia vários eventos; a gente só queria fazer um que reunisse todo mundo. Conseguimos arrumar o som na prefeitura, o que vamos e convenhamos era o mais importante no momento, e começamos a convidar todo mundo que a gente conhecia ligado a algum grupo ou movimento cultural para participar e colaborar com o evento, que não teria cachê porque a entrada seria grátis também. Corre dali, corre daqui, e a gente fazendo tudo com o dinheiro do nosso próprio bolso, colocamos só duas faixas falando do evento e não tínhamos verba nem para flyers ou cartazes; aliás, não tínhamos nem nome para o evento. — Peraí, e o nome do bagulho? – alguém perguntou. Lembro que estava conversando com o Big sobre isso, a importância de um nome bem legal, e que marcasse para sempre esse dia (não sabíamos que teriam outros). O Big é carioca, e quando ele se referia à quebrada ele falava que “a perifa isso”, “a perifa” aquilo, e eu sempre falando essa coisa de um artista cooperar com o outro, e coisa e tal. De repente: — Cooperifa! – gritei. Nome dado, o Eduardo Toledo, que é jornalista e ia expor fotografias no dia, conseguiu colocar o anúncio do evento em alguns jornais locais e uma pequena chamada no jornal Folha de São Paulo, caderno Folha teen. Estava tudo pronto para o grande dia, mas faltava só uma coisa que eu achei que era muito importante: um manifesto! Escrevi
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um manifesto e escrevi um texto especialmente para os jornais convocando todos para o grande dia. Convidamos gente pra caramba, e como não tinha bar por perto, a Bia e o Claudião se encarregaram de uma lanchonete improvisada com cachorro-quente, refrigerante e cerveja, que abasteceu toda a rapaziada presente. Tudo pronto. A ansiedade tomou conta da gente e se eu não esqueci ninguém os guerreiros da fábrica que se apresentaram no dia ajudando a criar a Cooperifa foram: eu que lancei o livro Pensamentos vadios, o Brói que expôs suas telas, Big com seus discos e livros, Edu com fotografias, e os grupos de teatro Tesol e a UTT (União Teatral Taboanense). Convidamos o Ferréz, que tinha acabado de lançar o livro e estava fazendo um baita sucesso nas livrarias e nas quebradas, e ele aceitou de pronto lançar o livro no dia. O jornalista Marco Frenette da revista Caros amigos também lançou o livro A importância da cor da pele, além do escritor Antônio Carlos e o poeta Élmantos, entre outros. A música ficou por conta dos grupos Herros Umanos, Sabedoria de vida, Diagnóstico, Marco Zero, Luance e banda Varal. A cabeleireira Luci fez um desfile de cabelos afros; a capoeira ficou a cargo do grupo Irmãos Guerreiros de Angola; Alan Leão e Paulo Brito fizeram Clow; Carozzi, Ed e Joselito fizeram uns esquetes teatrais. Os grafites ficaram por conta do Cobra, e a dança foi representada pelo grupo Espírito de Zumbi. Para falar bem a verdade, com a divulgação mínima, tinha mais gente se apresentando do que assistindo e o público não foi bem o esperado, e conforme nós mesmos, por ali passaram umas mil pessoas, mas ficou a impressão de um milhão.
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Para se ter uma idéia, no segundo evento na fábrica encerramos com o rapper GOG, de Brasília, que foi apresentado pelo Paulo Brown, e ao final não tinha mais do que quarenta pessoas assistindo um dos melhores shows de rap que a gente já viu. Depois fizemos um terceiro encontro no estacionamento no Centro da cidade, no dia que caiu uma tremenda chuva, e pôs um fim, por ora, nos nossos sonhos. Meu amigo Luiz já não estava mais na fábrica e perdemos o espaço que havíamos cobiçado como se fosse nosso. Ao final das três batalhas estávamos todos exaustos e felizes, com a certeza que uma semente tinha sido plantada, para o resto de nossas vidas. Ficou também a certeza que teria que ser juntos, e não separados como queriam alguns, que a gente ia atingir algum objetivo na construção de uma cultura que identificasse e representasse a periferia. Ficou claro para todos nós que os inimigos responsáveis pela nossa fome cultural tinham que ser combatidos, só que agora em bando, como gafanhotos na lavoura. E que a culpa dessa nossa pobreza de arte e cultura era do sistema, e do marasmo que todos nós, até então, éramos cúmplices, e fingíamos não saber. Na fábrica onde nasceu a Cooperifa e onde eu também renasci, descobri uma outra coisa muito importante na minha vida: que se a gente quisesse realmente alguma coisa, era só pegar, porque tudo era nosso. O centro, ainda que discretamente, começava a mudar de lugar.
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É PRECISO SUGAR DA ARTE UM NOVO TIPO DE ARTISTA: O ARTISTA CIDADÃO. AQUELE QUE NA SUA ARTE NÃO REVOLUCIONA O MUNDO, MAS TAMBÉM NÃO COMPACTUA COM A MEDIOCRIDADE QUE IMBECILIZA UM POVO DESPROVIDO DE OPORTUNIDADES. UM ARTISTA A SERVIÇO DA COMUNIDADE, DO PAÍS. QUE ARMADO DA VERDADE, POR SI SÓ, EXERCITA A REVOLUÇÃO.
Marco Pezão e a Quinta Maldita
Quando conheci o poeta Marco Pezão em uma rádio comunitária aqui em Taboão, a convite do David da Silva, que tinha um programa de esportes e notícias da região, mal sabia que eu já o conhecia. Meses antes havia sido convidado para ser jurado em um concurso de poesia do mapa cultural da cidade e lembro que fiquei muito emocionado com um poema chamado “Mina da periferia”, defendido por um cara com nome italiano de Marco Iadoccico. Votei no poema assim que acabei de ler, o que gerou muita discussão com os outros três jurados que também gostaram muito, mas que defendiam outros títulos. O poeta Marco Iadoccico venceu o concurso, e no programa de rádio é que eu descobri que este poeta também respondia pelo nome de Marco Pezão, o poeta da bola. Ganhou esse nome por conta do seu trabalho jornalístico com o futebol de várzea, e também era boleiro das antigas. Enquanto eu dava a entrevista, o Pezão, que era seu assistente na rádio, fazia uma leitura dos meus poemas. Lembro de ter ficado impressionado com a sua voz firme e bem postada, o que fazia com que os poemas ficassem muito melhor do que pareciam ser.
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O repórter Pezão também tem formação teatral, por isso no dia que nós o ouvimos recitar, a poesia ficou ainda mais bonita, e então tivemos a certeza que votamos na pessoa certa para o primeiro lugar. Passada a entrevista, começamos a nos reunir, despretensiosamente, às quintas-feiras, com uma turma de amigos que na maioria era de poetas e a turma do teatro, no bar do Portuga, que fica ao lado do CEMUR, espaço cultural da cidade. Entre uma cerveja e outra não sei quem teve a idéia de pedir que alguém recitasse uma poesia, e depois outro e depois mais outro, e acabou que foi virando um hábito a gente se reunir às quintas-feiras para beber, e depois recitar poesia. Não era um sarau, a gente ia mesmo para beber e discutir cultura, e sem que ninguém dissesse nada, estava criada assim, sem direitos e deveres, a quinta maldita. Aos poucos algumas pessoas foram aparecendo às quintas-feiras no bar, uns para beber, outros para recitar, e outros para ouvir. A maioria dos textos lidos eram de autores consagrados, acho que somente eu e o Pezão que tínhamos poemas próprios. Lembro até uma pré-estréia que o grupo Artmanha fez numa quinta dessas com a peça que depois seria um grande sucesso no estado de São Paulo, “Soltando o verbo”, apresentada pelos atores Sérgio Carozzi, Ed Ferraz e Joselito Gazza. A quinta maldita seguia sem nenhuma pretensão de ser nada, apenas um simples encontro de amigos, por isso era muito gostoso freqüentar e por isso também não durou muito tempo. Não sei bem por que, e como acabou a nossa primavera etílica e poética, mas eu e o Pezão descobrimos que aquela quinta-feira maldita estava grávida de um outro movimento, e esse embrião ia dar à luz a qualquer momento, só que desta vez, num outro berço e numa quarta-feira.
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Trechos do poema “Mina da periferia”, de Marco Pezão É noite... Noite que dá arrepio, Só de olhar a cara do tempo. A Saudade é água’ardente. Cachaça’alma no espaço me acalenta... A fantasia e o real que tua presença traz. Eu sinto o frio da solidão, E é por isso que o pensamento goteja, Como pingos de chuva, No caminho que me leva à tua morada. (...) (...) Chora minha cuíca Quando meu sonho invade teu cobertor... E teu corpo por mim amado Se enrola feito caracol, E meus braços se tornam cachecol O vento frio passa por entre brechas e vãos... É úmido o ar, tomo os teus lábios, E penso apenas em te beijar. (...) Mina explode atômica em consciências mil... Dança parceira da noite: Samba, rap, pagode, rock... No balanço do teu corpo, me ligo na idéia; Mina do Brasil. Mina que não é ouro nem prata; De gente, minha gente! Mina de muita gente Que ainda não se tocou o que a mina é. (...) (...) Você, minha mina da periferia!
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Sarau da Cooperifa
Quando a Quinta Maldita deixou de acontecer, ficou a certeza de que era necessário criarmos um espaço para os nossos encontros. Um local onde poetas e não-poetas pudessem comungar a palavra como quem reparte o pão entre os necessitados, e nós éramos esses necessitados. Com uma idéia de local, o poeta Marco Pezão conheceu o Bodão, que era sócio da Doriana e do Renatinho num bar no Jardim Maria Rosa, e explicou que a gente estava afim de um local para realizar um sarau de poesia. Como ele tinha uma experiência com teatro, achou interessante a idéia e o Pé marcou uma hora pra gente conversar sobre o dia. Por conta da sua experiência anterior com teatro, o dono do bar aceitou na hora e decidimos que os encontros seriam às quartas-feiras porque era um dia morto na semana e só iria mesmo quem realmente estivesse interessado em poesia; outra coisa que ficou firmado entre nós é que o recital aconteceria de quinze em 15 dias. Enquanto discutíamos sobre o assunto surgiu a palavra sarau, e ninguém sabe por que, até porque a palavra era estranha a todos nós. Acho que todos já tinham ouvido esta palavra, mas conhecer o significado a fundo, acho que ninguém conhecia. Outro dia eu li que no Brasil, entre o final do século XIX e no início do século XX, o sarau era o evento mais elegante da sociedade e
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só os seres iluminados que tinham gosto por música e literatura e que não precisavam se preocupar com dinheiro, podiam se dar ao luxo de promovê-lo em seus amplos e belos salões. Li também que um sarau que se prezasse tinha muito champanhe importado, quitutes caprichados que saíam quentinhos da cozinha trazidos por vários serviçais, um belo piano de cauda e músicos e poetas consagrados, prontos para exibir sua arte. Esses eventos eram chamados de “salões” – muito provavelmente pelo ambiente que ocupavam. Chegaram como tradição importada da Família Real, em 1808, e imediatamente ganharam terreno no Rio de Janeiro. Era o local onde se reunia a Corte, e onde também deveriam acontecer os encontros para regar o cérebro da aristocracia e dos nativos que sonhavam ganhar um certo ar europeu. São Paulo só entrou no circuito mais tarde, quando perdeu os ares provincianos e seus ricos fazendeiros de café começaram a fazer de tudo para afrancesarem-se. Outros salões menos ricos (ou esnobes), mas sempre elitistas, também apareceram na cidade naquele período. A partir dos anos 1940, a dinâmica da “elite culta” mudou e os ricos saraus foram escasseando. A organização desse tipo de evento mudou de mãos e coube aos intelectuais universitários realizá-los – em bares, porões, praças, teatros, geralmente espaços underground esfumaçados e com convidados com o copo cheio de bebida. As drogas também aumentavam a viagem literária. Sem saber de nada disso, eu e o Pezão, numa fria noite de outubro de 2001, criamos na senzala moderna chamada periferia o Sarau da Cooperifa, movimento que anos mais tarde iria se tornar um dos maiores e mais respeitados quilombos culturais deste país.
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O primeiro sarau
O primeiro sarau aconteceu mais ou menos com as pessoas que andavam com a gente no momento. Lembro de ligar para várias pessoas e elas não toparem, primeiro porque não entendiam muito bem o que a gente queria, e segundo porque era numa quarta-feira, dia morto para as baladas. Então só apareceram os amigos e poetas mais próximos: eu, Pezão, Élmantos, um poeta de Embu, Rose (musa da Cooperifa), Helena, Régis, Paulo Brito, Sérgio Carozzi, Erton de Morais, Sônia e Mariana (esposa e filha), Otília, Giba, Aladim, Tavinho e Rafael do Cavaco. Não tinha quase ninguém, nem para ouvir nem para falar; lembro que cada poeta leu mais de dez poesias durante o Sarau. Começou uma 20:00h e nós levamos bravamente até mais ou menos umas 21:30h, quando a maioria, já cheia de alegria artificial, pedia pelo fim do evento. Como o Sarau ia ser quinzenal e naquele quase não tinha ido ninguém, só pra contrariar dissemos que o Sarau tinha de acontecer todas às quartas-feiras, acontecesse o que acontecesse. Assim é até hoje. Com o bar quase vazio, lembro que não ficamos muito tristes, mas muito decepcionados com os que não puderam aparecer e dar a força que precisávamos, já que tantos tinham achado ótima a nossa idéia do encontro de poetas.
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Depois do Sarau ficamos ali, tentando um encher a bola do outro, e a única coisa que conseguimos encher foi as nossas caras. A gente também não tinha muito tempo pra chorar; se a gente tinha se apossado de um movimento aristocrático e levado para a quebrada, nós tínhamos que dar a nossa cara pra ele, então começamos a dar a cara pra bater. O Pezão divulgava nos jornais da região, eu ligava para todo mundo que eu conhecia e os intimava para comparecerem, e rogava praga naqueles que não podiam ir. E assim foi indo. Um dia aparecia um, depois outro, mais dois, e o Pezão no jornal, eu no telefone, as meninas divulgando entre os amigos, poetas e mais poetas aparecendo, gente da quebrada, amigos atendendo os meus pedidos, gente que passava na rua e via o movimento e entrava para conhecer, o amigo do amigo, o bocaa-boca, e quando a gente menos esperava, o Bar do Garajão já tinha quase cem pessoas freqüentando o Sarau. Por ser o Garajão um bar pequeno, essas quase cem pessoas para nós eram uma multidão, que se espalhava em três pequenos ambientes: as mesas em frente ao microfone, o bar que ficava ao lado, e em frente ao bar, onde muitas vezes a muvuca se formava. O Sarau foi se firmando como movimento na quebrada, e sem que a gente exigisse as poesias românticas foram aos poucos sendo substituídas pelos poemas com a temática social. E os novos poetas iam chegando, e aos poucos assimilando a pegada forte das quartas-feiras poéticas na Cooperifa. O Kennya, que hoje faz parte de um grupo de rap e foi um dos primeiros a chegar no Sarau, quando apareceu lá no Garajão quase não falava nada, a tal ponto de quando Pezão ouviu seu nome achou que ele era queniano mesmo, lá da África. Aos poucos ele foi se soltando e liberando da caneta uma poesia linda e cheia de força. Hoje fala mais que todo mundo ao mesmo tempo.
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As pessoas iam chegando de mansinho só para olhar e quando menos esperavam eram seduzidas pela poesia. Foi assim com a Samantha, a Pilar. O Helber Ladislau, que a princípio só assistia e um dia pediu para recitar “Paulo César Pinheiro” – se não me engano –, e não faltou mais aos Saraus. A Rose (musa) não recitava, só participava e dava uma força, mas ainda nem sequer pensava em ser poeta. O Márcio Batista, amigo de mais trinta anos, nunca havia recitado. Ele era subdiretor de uma escola noturna, e me lembro que ele chegou no Sarau da Cooperifa uns três meses depois que a gente já estava lá; pediu para ler uma poesia, e tremia que quase nem conseguia ler o que estava no papel. Hoje em dia é um poeta completo. Como esquecer os acordes do grupo de samba Papo de família, que nos acompanharam por tanto tempo? O Preto Jota, do Sabedoria de vida, que foi um dos grandes guerreiros da Cooperifa, chegou cheio de marra com o seu rap, mas aos poucos suas letras foram ganhando a poesia necessária para uma música forte, e ao mesmo tempo bela e cheia de revolta. O poeta Allan da Rosa, que nos conhecemos lá no bar do Portuga, viu anunciado na faixa quando a gente fez um Sarau, e ele trocou uma idéia com o Pezão para poder participar. Nem sequer sonhava escrever seu próprio livro, chegou lá de mansinho e até hoje ele faz parte do movimento. Fiquei feliz quando ele escreveu seu primeiro livro, Vão,e me convidou para fazer a orelha. O pessoal do grupo 2hO (Isaac, Nenê e Milton), o grupo Fatos, Ridson Dugueto, Gato Preto e uma rapaziada boa que hoje está por aí vivendo de arte e poesia. E sem contar aqueles que iam e vinham o tempo todo. O Garajão fervia e a gente tinha descoberto uma coisa tão ou mais importante quanto que o livro: a palavra. Por conta dessa palavra as pessoas foram seduzidas pelo livro.
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Mano Brown
Toda vez que eu encontrava o Mano Brown dos Racionais MCs, eu o convidava para ir ao sarau. Cheio de compromissos, nunca dava certo para ele aparecer. Ele me convidou para assistir ao show de lançamento do CD “Nada como um dia após o outro dia”, que aconteceu lá no Brás, Centro de São Paulo. Aceitei o convite mas disse que só ia se ele fosse no sarau da Cooperifa, e assim ficou combinado. No dia do show o galpão estava lotado de gente para ver o novo CD dos Racionais, sucesso total. Milhares de pessoas. Ao término do show entrei no camarim que estava lotado de convidados e os cumprimentei pelo belo show, e lembrei ao Brown que agora era ele quem estava devendo a visita. Falamos durante a semana e ficou certo a sua visita ao Sarau, mas só que eu não disse para todo mundo, até porque eu não tinha muita certeza de que ele iria, não queria fazer papel de tolo. Mas aí o Sarau está rolando e de repente alguém diz que o Brown havia chegado. Agitação total no Sarau, e os telefones celulares começaram a ser acionados com as pessoas convidando outras para ver o líder dos Racionais no Sarau. Lembro que no dia e na hora que ele chegou tinha em média umas sessenta pessoas, e depois de meia hora já tinha mais de cem disputando cadeiras vazias.
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Discreto como sempre, chegou com a turma do Rosana Bronx, o Cascão e o Véio do Trilha Sonora do Gueto. Depois o poeta do Gueto também foi ao microfone e também deu uma idéia sobre a importância dos nossos encontros. Nesse dia ficamos até a madrugada debatendo assuntos pertinentes à periferia, à poesia e à música. Brown voltou outras vezes e ajudou a divulgar e dar credibilidade ao nosso movimento, que não parava de crescer. Daria um filme.
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Marcelo Rubens Paiva
O Sarau da Cooperifa já estava bem conhecido na região por conta de várias pessoas que passavam por lá e saíam propagando nossas palavras. O GOG, rapper de Brasília que já vinha desde a fábrica; Afro-X, que acabara de sair do Carandiru e foi lá com a sua ex-esposa Simony; Gaspar do Záfrica que agora é um Cooperiférico total, entre tantos outros. Mas um que também ficou marcado foi a presença do escritor e jornalista Marcelo Rubens Paiva, que um dia apareceu por lá para assistir e fazer uma matéria para o jornal Folha de São Paulo. Quando falei com ele ao telefone quase nem acreditei que ele viria, já que ele era um cara bem conhecido e tal, e principalmente porque não era ligado à periferia. Lembro que ele chegou no horário combinado, em sua van toda adaptada, o que deixou frustradas algumas pessoas que queriam ajudá-lo. Quando chegou, fizemos uma roda em torno dele e começamos um bate-papo sobre o Sarau, sobre a gente, poesia e tudo o mais; ele foi anotando e se dizia ansioso para assistir ao sarau. Nesta quarta não tinha muita gente porque estava acontecendo um jogo do Corinthias e River Plate pela Copa Libertadores, inclusive ele, corinthiano roxo, saiu correndo para ver o jogo. Antes de ir, assistiu um dos saraus mais bacanas que a gente fez; estava todo mundo inspirado e a poesia saía com uma luminosidade indescritível.
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Ele, escritor, soube captar esse momento, e fez uma matéria de quase meia página na Folha de São Paulo que ajudou a construir ainda mais a nossa imagem de Movimento Cultural que a gente precisava, e dando uma moral danada para o nosso Quilombo. Se liga na matéria:
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Sarau transforma boteco da periferia de SP em centro cultural Marcelo Rubens Paiva, da Folha de S. Paulo / 11.12.2002 “O boteco é o centro cultural da periferia”, diz o poeta Sérgio Vaz. A bússola aponta para a Zona Sul. E é num deles, o Garajão, no Jardim Maria Rosa, que nas noites de quarta juntam-se poetas experientes, iniciantes e uma média de cem pessoas de várias quebradas. O público senta em torno de mesas regadas à cerveja, para ouvir o grito semântico da perifa: poemas de denúncia social, exaltação à consciência negra e, claro, amor. Mano Brown, dos Racionais, é presença constante. Afro-X e Simony já apareceram por lá. Organizados por Vaz, da Cooperifa (Cooperativa dos Artistas da Periferia), os saraus atraem expoentes da antiga comunidade e novos poetas, como os adolescentes Kennya e Pelezinho. Os dois pequenos trutas apareceram como ouvintes, descobriram um dom, e, semanalmente, lêem um novo trabalho, escrito à mão em folhas de caderno. Ambos são tímidos, mas não relutam ao serem chamados para declamar. “Invadimos o galpão de uma fábrica, mas tomaram ele da gente, e começamos a fazer saraus num boteco lá em cima. Até fizemos uma peça, os caras bebendo cachaça, e a peça rolando”, diz Vaz. “Os artistas da periferia sabem: ou você cava o espaço ou fica sem nada. Já fui em saraus em outras quebradas e saquei que precisávamos fazer o mesmo”, explica. A balada dura até meia-noite. Como os saraus têm atraído muita gente, os organizadores levam poemas de poetas consagrados, de Maiakovski a Leminski, para os que aparecem de mãos vazias. “Isto aqui está virando um aparelho cultural, cada um fala de seu trabalho. Virou um foco de resistência dentro da periferia. Não adianta agitar sexta e sábado e, na segunda, voltar a ser medíocre. Temos que atacar”, diz Vaz.
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Aqui, o silêncio é uma prece. No primeiro dia, foi um choque, acharam que era pagodão, mas viram o silêncio. Hoje, há uma repercussão dentro da cidade”, diz Bodão, um dos sócios do bar. Não se trata de mais um braço do movimento hip-hop, que faz parte tanto quanto o samba. “Não queremos o rótulo do hip-hop. Isto aqui é uma confraria de artistas. Teve dia em que a entrada era um livro usado. Aqui, somos todos independentes. O boteco dá combustível para a criação”, conta Vaz, autor de Pensamentos vadios e criador de uma biblioteca comunitária. Ao ler um dos manuscritos de Pelezinho, estranho a frase: “Quando um VL aperta o gatilho, o Lúcifer te conduz”. Perguntei ao pequeno poeta o que significa “VL”. Ele me olha como se eu tivesse perguntado a um playboy o que é açaí. “VL é vida louca”, respondeu. E o que é vida louca? Ele não respondeu. “Tem gente que escreve em casa, para desabafar as mágoas. Viu o espaço aberto, pediu licença, declamou um poema, e, na semana seguinte, foi convocado para vir. Estamos resgatando-os para outro caminho”, explica o poeta e artista plástico Binho, que tem um bar em Campo Limpo. Binho faz intervenções em postes pela cidade, o que chama de “Postesia”. São placas com pequenos poemas, como: “O tiro é no nariz, mas é no peito que dói”. “Minha idéia era fazer poesia em postes, reciclando material de campanha política. Depois, passei a pintar e colocar nos postes, com tinta doada. Não sei ainda o que é meu trabalho. Vêm idéias na cabeça, a gente põe.” A prefeitura é o principal obstáculo. Ele as coloca à noite, e ela as recolhe de dia. “A revolução tem que começar praticando, exercitando, sem muita conversa”, diz. Ele que abriu o sarau na última quarta, declamando: “No lugar em que nasci, brincava que era tudo nosso, tinham o campinho e os terrenos baldios, era o nosso território. Já foi interior, hoje, periferia, com as casas cruas. A cerca virou muro, óbvio. A cidade cresce, o muro cresce. Vieram os prédios, as delegacias.
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Hoje, pago imposto dos impostores. Também cresci, fiquei grande, não caibo dentro de mim. E tão solitário, sou meu próprio vizinho”. Élmantos, 37, faz performances, como “Os Milionários Malditos, Fome e os Pobres Mendigos”. “Nasci na Bahia, na Fazenda Cabaceiras, onde nasceu Castro Alves. Tenho trabalho inspirado na cultura afro, na fome, miséria, pobreza. Meus trabalhos são mais ligados à arte social”, explica. “É na periferia que existem os melhores artistas. Não é porque somos pobres, humildes, largados e jogados que somos miseráveis. Aqui tem arte, lazer”, conta. Pezão é fotógrafo do jornal local, O Independente. Ele cobre futebol de várzea. É poeta há muitos anos, com muita coisa guardada. Não tem livro publicado. “Gosto de ler outros artistas, como Castro Alves. Não necessariamente tem a ver com os dramas da periferia. Nesta noite, vou ler Solano Trindade, poeta pernambucano que veio morar aqui, em Embu, na década de 1960”, diz. Em seguida, ele sobe e declama “Bolinha de Gude”, de Trindade. Escrito há mais de três décadas, o poema fala de moleques que viram assaltantes. Hoje, poderiam estar declamando.
Cap.03
Literatura, p達o e poesia
Cap.03
Literatura, p達o e poesia
O sarau andava a mil, e sem que percebêssemos a poesia fazia parte do cotidiano de muita gente, que antes sequer sabia o seu nome. Àquela altura não fazia o menor sentido guardar os poemas nas gavetas; as pessoas devagarzinho foram descobrindo isso e a cada dia chegava mais e mais gente com poemas nas mãos. O Sarau da Cooperifa foi se transformando no movimento dos sem-palco, e todo aquele ou aquela que se sentia injustiçado pelo pão da literatura, nos procuravam – fugindo do marasmo – às quartas-feiras para se juntar ao nosso quilombo: poetas amadores, funcionários públicos, desempregados, aposentados, donas de casa, advogados, comerciantes, enfermeiras, crianças etc. Principalmente as pessoas simples, a nossa gente. Essa gente que durante muito tempo foi e é moída dentro dos ônibus lotados ao ir e voltar do trabalho e cuja única dose de lazer e cultura eram as pílulas anestésicas da televisão, agora tinha um dia para comungar a palavra, uma palavra que a gente não tinha e que agora era a nossa voz. No Garajão as palavras “guerreiros” e “guerreiras” a cada dia ganhavam mais força, e a gente que não havia inventado a poesia, estava inventando um novo jeito de amar a literatura, o nosso jeito. E a gente que não tinha inventado a paz, estava querendo
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guerra. E a gente que não tinha inventado o revólver que mata a nossa gente também inventou um novo tipo de arma, a caneta. O nome da Cooperifa começou a percorrer as quebradas e à boca pequena dizia-se que havia um lugar onde qualquer um podia chegar para ouvir e falar poesia e que só tinha apenas uma regra: o silêncio é uma prece! A periferia, que sempre foi lugar de gente trabalhadora e supostamente ninho da violência, como querem as autoridades nos fazer acreditar, ganhava, às custas de sua própria dor e da sua própria geografia, uma nova poesia, a poesia das ruas. Uma poesia única, que nasce do mesmo barraco de Carolina de Jesus, que brota da panela vazia, do salário mínimo, do desemprego, das escolas analfabetas, do baculejo na madrugada, da violência que ninguém vê, da corrupção e das casas de alvenaria fincadas nos becos e vielas nas favelas das periferias da Zona Sul de São Paulo. Uma poesia dura, seca, sem papas na língua, ora sem crase, ora sem vírgula, mas ainda assim poesia, com cheiro de pólvora, com gosto de sangue, com o pus da doença sem remédio, com o pé descalço, com medo, com coragem, com arregaço, com melaço da cana, com o cachimbo maldito, mas que caminha com endereço certo: o coração alheio. A poesia tinha ganhado as ruas e nunca mais seria a mesma. A Academia? Que comam brioches!
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A literatura na periferia não tem descanso, a cada dia chegam mais livros. A cada dia chegam mais escritores, e, por conseqüência disso, mais leitores. Só os cegos não querem enxergar este movimento que cresce a olho nu, neste início de século. Só os surdos não querem ouvir o coração deste povo lindo e inteligente zabumbando de amor pela poesia. Só os mudos, sempre eles, não dizem nada. Esses custam a acreditar. Não quero nem falar dos saraus que estão acontecendo aos montes, pelas quebradas de São Paulo. Isto me tomaria muito tempo. Haja vista as dezenas de encontros literários pipocando nas noites paulistanas. Cada qual do seu jeito, cada qual com seu tema, cada qual à sua maneira de cortejar as palavras. Mas eu quero falar mesmo é da poesia que se espalhou feito um vírus no cérebro dos homens e mulheres da periferia. Pois é, essa mesma poesia que há tempos era tratada como uma dama pelos intelectuais hoje vive se esfregando pelos cantos dos subúrbios à procura de novas emoções. O tal poema, que desfilava pela Academia, de terno e gravata, proferindo palavras de alto calão para platéias desanimadas, hoje anda sem camisa, feito moleque pelos terreiros, comendo miudinho na mão da mulherada. Vocês, por acaso, já ouviram falar do tal poema concreto? Pois é, os trabalhadores e desempregados estão construindo biblio-
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tecas com eles, nas favelas. E o lobo mau pode assoprar que não derruba. Apesar da pouca roupa que lhe deram, está se sentindo todo importante com sua nova utilidade. A periferia nunca esteve tão violenta, pelas manhãs é comum ver, nos ônibus, homens e mulheres segurando armas de até quatrocentas páginas. Jovens traficando contos; adultos, romances. Os mais desesperados cheirando crônicas sem parar. Outro dia um cara enrolou um soneto bem na frente da minha filha. Deilhe um acróstico bem forte na cara. Ficou com a rima quebrada por uma semana. A criançada está muito louca de história infantil. Umas já estão tão viciadas que, apesar de tudo e de todos, querem ir para as universidades. Viu, quem mandou esconder ela da gente? Agora a gente quer tudo de uma vez! Dizem por aí que alguns sábios não estão gostando nada de ver a palavra bonita beijando gente feia. Mas neste país de pele e osso, quem é o sábio? Quem é o feio? E olha que a gente nem queria o café da manhã, só um pedaço de pão. Que comam brioches! Não, não é Alice no país das maravilhas, mas também não é o inferno de Dante. É só o milagre da poesia. Quem odeia ler agora?
O fim do Garajão
Quando a gente ainda estava no Garajão, o Tavinho, que mora no Jardim Guarujá e que freqüentava o Sarau em Taboão da Serra, vivia insistindo para a gente fazer um Sarau no bar do Zé Batidão. Então fizemos uma ou duas vezes nas segundas-feiras. A gente nem sequer sabia o que estava por vir. O Sarau rolava a mil no Garajão, mas já se ouvia um boato que os sócios queriam vender o bar; chegaram até a oferecer para eu comprar, mas naquela época tinha acabado de ficar desempregado – na verdade havia largado o emprego novamente para me dedicar à poesia, mais tempos difíceis pela frente. Bom, como boato era boato, fomos seguindo a vida, ninguém nunca poderia acreditar que um dia isso iria acontecer. Mas aconteceu. O Bar do Garajão fica na ladeira do Jardim Maria Rosa, então quem vinha do Pirajussara, como eu, tinha uma visão ampla do lugar antes mesmo de chegar. Nesse dia estava vindo para o Sarau com a minha esposa Sônia, que na época era apenas minha namorada, e de longe vi o bar escuro e uma multidão em frente; caralho, parece que eu já estava sentindo um bagulho ruim no coração. Lembro de avistar o Giba, do grupo Papo de Família, sentado na frente e chorando; putz, já tinha pensado no pior; aliás, o que poderia ser pior do que fechar o bar e acabar com o Sarau? Ninguém podia acreditar, o bar tinha sido vendido, e pelo que a gente
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sabia o novo dono não queria saber de Sarau no local por que ia virar point de rock. Ficamos ali sentados por muito tempo como viúvos e viúvas consolando um ao outro, e avisando as pessoas que chegavam sobre o falecimento do lugar. Entre lágrimas, lembro que foi um dos dias mais tristes da minha vida, e quando olhei para aquele bar como um amigo que acabara de morrer, também pensei que morreria. Mas como de dor a gente entende, antes mesmo que o cadáver apodrecesse enterramos nossas lágrimas, juntamos nossas memórias com as nossas roupas de batalha e encarnamos num outro corpo, o bar do Zé Batidão.
Bar do Zé Batidão (de volta pro começo)
Quando ficamos sem lugar para fazer o Sarau em Taboão da Serra, não pensei duas vezes, fui falar com o Zé Batidão. O Zé é um irmão, o conheço há mais de vinte anos (lembram do lançamento do meu primeiro livro?), sua história também daria um livro. Aos 57 anos esse mineiro chegou a ser criado como um escravo numa fazenda em Minas Gerais onde os patrões apenas lhe serviam restos de comida e o proibiam de estudar. Mas guerreiro que é, veio para São Paulo e trabalhou de pedreiro e garçom, até conseguir seu próprio boteco. Por aqui nós o conhecemos desde quando ele era dono de um bar na rua de baixo, onde eu, o Márcio, Samuca, Miltinho, Cleone, Ceará, Chuca, Marcão, Bom, entre tantos íamos tomar cerveja, principalmente às segundas-feiras. Guerreiro bom, perambulou com seu sonho por outros lugares até chegar ao bar que era do meu pai, onde eu fui criado, hoje o Bar do Zé Batidão. Chegamos no Zé por volta de março de 2003 e fomos acolhidos por pouca gente, mas principalmente a família Retrão. A família Retrão foi uma das primeiras famílias a chegar na região do Jardim Guarujá; fomos criados todos juntos na infância e adolescência, então quando o Sarau chegou timidamente no bar, fomos acolhidos principalmente por eles.
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A vida novamente se mostrava irônica: o lugar em que eu passava toda minha juventude querendo estar fora de lá era justamente o lugar que abrigava o quilombo que eu ajudei a criar. Chegamos no Batidão bem devagarzinho, e sem fazer barulho. Como nossa base estava toda em Taboão da Serra, às quartasfeiras o Zé mandava (até hoje o Ricardo busca) uma van trazer o pessoal de lá, que se encontrava na praça do Campo Limpo, em frente à casa do Pezão, para o nosso novo aparelho. A minha amizade com o Zé já rendeu outros eventos no passado. Uma vez, há uns dez anos levei o cantor Lobão pra comer uma feijoada e participar de um samba com a gente. Naquela época ele já planejava lançar o disco independente nas bancas de jornais. Ele acabou falando sobre o nosso encontro na revista Caros amigos. Tinha feito um evento com a 105FM, Gleides Xavier, que acho que foi o maior evento, em termos de público, que aquele bairro já viu. Até os bares da redondeza venderam cerveja. Outra vez foi o Big Richards, que na época da fábrica tinha um quadro no “Fantástico” chamado “Nóis na fita” e foi lá gravar. Fizemos um samba com poesia, mas não sei por que não foi ao ar. O Big disse, por brincadeira, que depois dessa gravação o programa tinha sido extinto. Outro dia levei a Amélia Nascimento, que era editora da revista Raça e que tinha feito uma matéria comigo na Rocinha. A feijoada do Zé sempre foi de primeira, por isso sempre quis levar as pessoas lá para conhecer a nossa periferia gastronômica. Estava quase tudo certo da Cássia Eller um dia aparecer por lá; não deu certo porque na produção tinha muita gente... Enfim, o bar já tinha uma certa tradição, por isso quando o Sarau chegou por lá já estava meio que esperando a gente chegar.
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O Sarau
Quando chegamos no Jardim Guarujá já tínhamos uma base bem montada com poetas já experimentados no Garajão, como Pezão, Márcio Batista, Kennya, Helber Ladislau, Samantha, Pilar, Allan da Rosa, Rose Dórea, Binho, Preto Jota, Vilma (nega drama), Issac (2hO), Tavinho, Pedro Lucas, o que facilitou e muito a implantação do Sarau. Aí foi só se juntar ao Carlos Silva, Prof. Lili, Lu Souza, Mavotsirc, Beso, Harumi, Roberto Ferreira, Periafricania, Sales, Rosy Eloy, Dinho Love, Elizandra, José Neto, Casulo, Fabio CRJ, Timbó, PH Boné, Augusto, Valmir Vieira, seu Lourival, Euller do Instituto UMOJA, Rodrigo Ciríaco, Robson Canto, Andréia, Bárbara e Lilá, Fanti, Ricarda, Dugueto, Akins Kinte, Fuzzil, B Valente, João Santos, Carlos Giannazi, prof. Toninho, Valter, Roberto QT, Brava Companhia, Régis do Ação e Arte, Arákúrin, Gaspar Záfrica Brasil, GOG, Rua 7, Asduba, César, Jair Guilherme, Samba da Hora, Samba da quinta, Marcio e Sandra do grupo Cavalo de Pau, grupo Versão Popular, Serginho Poeta, Adilson Lopes, Giba, Sandra Leia, Marinho, Zé Pompeu, Wésley Nóog, Beth Dentista, Dona Edite, Marcelo Ribeiro, Silvio Diogo, O gringo que fala, Magrela’s Bike, Tadeu Lopes, Vicente, Fernanda, Natália, Toni C., Bloco do beco, Ali Sati, P.A, Cláudio Laureart, Danilo, Zinhi Trindade, Lobão, Jorge Esteves, Tadeu Zuco, Renato Vital, Gastão e Ewald, De Lourdes, Renata Dias, Cine Becos, DGT Filmes, Daniel Alexandrino, Mamba Negra, Sônia,
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Juliana, Paula Preto, Tereza, Dinha, Diane Padial, Lygia, Antônio OHL e mais alguns que não lembro o nome agora, para que o Sarau sempre fosse o grande movimento de poesia que é. Não estavam sempre na mesma noite, nem no mesmo tempo, mas sempre na mesma sintonia. O funcionamento do Sarau é muito simples: começa pontualmente às 21:00h e também acaba pontualmente às 23:00h (às vezes acaba mais cedo) porque o bar fica na pracinha do Guarujá e tem muitas casas em volta. Procuramos colaborar com a vizinhança. Lógico que um dia ou outro sempre há excessos das pessoas que ficam em frente ao bar (tipo gente que estaciona o carro na garagem de alguém) ou que acabam falando mais alto, mais sem maiores ocorrências. É que tem dias que o Sarau está tão cheio que muita gente não consegue entrar. Falando nisso, a média de público por quarta-feira gira em torno de duzentas a 250 pessoas, mas em saraus especiais já tivemos mais de quinhentas pessoas. Pra que todos possam falar nesse espaço de duas horas recomenda-se que as pessoas leiam poemas de no máximo duas laudas e evitem usar o microfone como palanque para discurso, assim a gente ganha tempo e mais pessoas podem falar. As poesias recitadas não sofrem qualquer tipo de censura prévia, e cada um fala o quer, seja texto de sua autoria ou de alguém consagrado, ou não. Durante o Sarau evitamos instrumentos musicais, ou incentivamos a cantoria de alguém, mas porque o movimento é estritamente literário. No passado tivemos problemas com as pessoas que chegavam de violão em punho querendo cantar (já teve noite com quase dez violeiros pedindo pra tocar). A gente também sabe que se a poesia concorrer com a música, com certeza vai tomar de goleada.
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Mas isso nunca impediu que antes de começar o Sarau alguém, devidamente conversado, possa dar uma canja. O Wésley Nóog fez isso durante muito tempo. O GOG, rapper de Brasília, o Versão Popular, o Periafricania, Carlos Silva e o Sabedoria de Vida já fizeram pequenos shows lá. O tempo que antecede o Sarau é o espaço que a gente usa como centro cultural do bar, para que outras expressões artísticas tenham acesso ao nosso público e vice-versa. É sempre às 20:00h que apresentamos um esquete de teatro de grupos como a Brava Companhia, Aço e Arte, Irmãos Carozzi, Cavalo de Pau, entre outros. Diga-se de passagem uma das mais belas histórias do Sarau aconteceu justamente por conta do teatro. Quando teve uma peça, não me lembro qual foi, um senhor da comunidade, uns 55 a sessenta anos de idade, que tomava um aperitivo no balcão do bar me chamou e disse: — O que vai ter aqui? — Uma peça de teatro – respondi. — Como assim, o teatro vai vir aqui? – perguntou estupefato. Demorei para entender o porquê da surpresa, mas enquanto ele me falava pude perceber que ele estava achando que o Teatro, o prédio, iria na Cooperifa. Expliquei que era um grupo de atores da região que ia encenar uma peça, que era uma comédia e coisa e tal. Enquanto eu falava pude perceber em seus olhos uma dor que vinha acompanhada de um brilho cansado, mas ainda assim brilhava intensamente. Ele segurou no meu braço, e quase suplicando me pediu: — Por favor, pede para esperar mais dez minutos que eu vou buscar minha esposa para ver isso também. – E saiu descendo à esquerda do bar para buscar sua convidada. Descendo bar à esquerda, não onde ele foi, mas mais para frente, fica o cemi-
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tério do Jardim São Luiz. Pra quem não sabe, esse cemitério é onde estão enterrados a maioria dos jovens assassinados na Zona Sul de São Paulo – tem muito chumbo debaixo dessa terra. Pensei que ele não viria, por isso só os percebi quando o espetáculo já tinha começado. Notei ele acompanhado de sua esposa, que vestia um vestido simples e quase nenhuma maquiagem, trazia no rosto um riso triste, talvez por não estar entendendo nada, ou quem sabe por ter sido arrancada de frente à TV, na marra. Vai saber. Ao vê-los, procurei ficar numa posição em que eu pudesse percebê-los sem que eles me reparassem. Como não tinha mais lugar para sentar, ficaram no balcão, do lado esquerdo do bar. Estavam ali, quase abraçados, ele com um copo que devia ser um rabo de galo, ela segurando um copo de refrigerante tentando entender o que estava acontecendo, enquanto passeava com os olhos pelo local. Como a peça era uma comédia, a risada tomou conta da Cooperifa e do casal que assistia a tudo, ora com um riso destrambelhado no rosto, ora com uma ponta de aflição pelo esfregar das mãos. Ele ria com discrição, um certo machismo talvez, mas ria, e ria o tempo todo. Ela não ria, tinha orgasmos nos lábios, devia estar rindo tudo que ainda não tinha sorrido nesta vida. Ri também, baixinho, por solidariedade. Não assisti à peça. Assisti a eles. Ao final da peça, como diz a regra da nossa elegância e gratidão, todos aplaudiram de pé. Fui em direção ao casal e pude notar que eles ainda não tinham se refeito da alegria súbita que os tomara, e perguntei: — E aí, gostaram? — Gente, isso é muito legal! – disse-me ela.
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Ele me olhou profundamente – e ainda com um riso atrasado nos lábios – e me abraçou com as palavras mais doces que eu ouvi na minha vida: — Obrigado – disse-me ele. – Sabia que eu podia morrer sem nunca ter visto isso? Sim, eu sabia. Não respondi pra ele, mas eu sabia que o que ele disse era verdade. Assim como eu sabia que a maioria daqueles jovens que estavam enterrados no cemitério São Luiz também morreram sem ter visto uma peça de teatro, um filme no cinema, um show, um livro e um futuro. Na hora só me veio um pensamento: “se depender da gente, ninguém vai para lá, mas se for, antes tem que passar no Sarau da Cooperifa”. Lá também passamos diversos filmes e documentários, exposições de fotografias, artes plásticas. Mas como o nosso projeto é de literatura, lá no Sarau já teve lançamento de mais de quarenta livros e revistas. Mas antes de citar quem são esses novos autores que hoje estão por aí divulgando a literatura periférica, vou contar onde a maioria estreou.
Jornal Farol Urbano A Cooperifa sempre pensou em várias maneiras para divulgar a poesia produzida no Sarau. E, pensando nisso, em abril de 2004 nós lançamos o jornal Farol Urbano. Era um jornal de poesia e cada poeta recebia sua cota em jornal e o vendia a um preço de R$ 1,00 cada exemplar. A idéia não era só pela grana, mas também fazer com ele circulasse através da distribuição de cada um. Cada poeta pegava uma parte e ia vender em algum lugar da comunidade, ou distribuía gratuitamente para amigos e parentes. O jornal também contava com uma agenda cultural, “Vai rolar”, que agitava as pessoas do Sarau, e já anunciava a entrega do 1º Prêmio Cooperifa. Também tinha textos de convidados, como o “É isso que me dão”, de Toni C. O professor Carlos Giannazi, hoje Deputado Estadual/PSOL, também escreveu lá. Assuntos internacionais ficou por conta do Ali Sati, que naquela época falava sobre os perigos da ALCA. Eu era o editor e o Brói era o diagramador. Já naquele tempo a gente convocava para a luta da cultura contra o marasmo. A manchete do primeiro e único jornal Farol Urbano foi: “Cooperifa declara guerra contra o imobilismo”. Por conta da falta de grana o jornal ficou apenas na primeira edição, mas foi o suficiente para agitar a comunidade. Foram três mil exemplares editados. Em 2008 está previsto o lançamento de uma revista.
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A biografia poética da periferia
Este quarto livro de poesia é um álbum de fotografias da minha memória. Uma biografia não autorizada, mas necessária, de um povo que cresce à margem de um país sem alvará de funcionamento, e sem licença para ser pátria. São fotografias de uma gente simples que vi crescer neste chão árido e escuro da senzala moderna chamada periferia. Uma homenagem a pessoas, que no curto tempo de uma vida, tiveram apenas o CIC e o RG como registro de passagem pelo planeta. É o 3x4 da minha infância. Um clique na dor alheia. É a raiva que escarra da lente dos meus olhos... são fotos de pretos e brancos governados por uma minoria colorida (esta íngua que dói na alma), arrogante e racista, que patenteou o arco-íris e guardou os negativos em algum banco estrangeiro. A beleza fica por conta de quem lê; não tive tempo para amenidades, a poesia só registrou a verdade.
Assim começa a apresentação do meu quarto livro, A Poesia dos deuses inferiores, a biografia poética da periferia, lançado no dia 15 de julho de 2004. Na verdade o livro era para ser uma revista sobre história de pessoas que cruzaram meu caminho ao longo dessa vida. Histórias de gente simples da periferia. Uma revista poética com ilustrações e com letras bem grandes para facilitar a leitura da molecada. Quem me sugeriu essa idéia foi a garotada que eu conheci nas escolas públicas enquanto eu fazia o projeto “Poesia contra a violência”.
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A maioria dos alunos com quem eu conversava sempre davam as mesmas desculpas por não gostarem de livros, mas a mais citada foi que as letras eram muito pequenas e que cansavam as vistas. Pedi novamente ao Brói que fizesse a diagramação e que bolasse umas letras bem transadas, tipo grafite, mas sem perder as características do livro, para que a molecada não tivesse mais desculpas quando pegassem o meu livro para ler. Acontece que as histórias foram aumentando e os poemas também, então a saída foi editar o livro. A revista ia ficar para uma outra ocasião. Cheguei com o projeto do livro até o diretor da Faculdade de Taboão da Serra, Joel Garcia, e ele aceitou que a faculdade patrocinasse a edição de mil livros. A capa era uma foto do Eduardo Toledo que nós tiramos da laje do Paulão, no Jardim Guarujá, e que pega toda a quebrada da região, incluindo o Jardim Letícia, Morro do Piolho e Jardim Neide, quebradas onde eu cresci jogando futebol. O livro foi uma retomada na minha poesia de protesto. Era muito mais agressiva e bem alinhada com o rap, com quem, há muito tempo, vivia flertando. Também era um livro de homenagens às pessoas em quem eu sempre acreditei: Lamarca, Zequinha, Dona Ana, Miltinho, Sabotage, Mano Brown, minha mãe etc. Pessoas que, conhecidas ou não, sempre fizeram parte da minha vida. O lançamento foi em um prédio onde hoje é o banco Nossa Caixa, num coquetel que nós preparamos para os quatrocentos convidados que apareceram. O lançamento foi muito bem divulgado, e tanto minha família, Vaz, quanto da Sônia, Gramacho, deram a maior força no dia. Quer dizer, na noite. Livro na mão, percorri várias escolas por onde eu já havia passado, corri os shows, galeria, palestras, favelas, presídios, rádios comunitárias, sebos e livrarias, divulgando a minha poesia, ou revelando a Biografia poética da periferia.
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Umas poesias do livro A Poesia dos deuses inferiores:
Lamarca O Capitão Lamarca Morreu como fruta madura: Descansando em baixo da árvore. Só que ele foi arrancado do pé Pelo coração de mármore Da bruta ditadura. Sabotage (o invasor) Mauro Era um negro de asas. Um pássaro Com os pés no chão. Som de ébano Com pele de couro, O mouro fez ninho no canão. O passado, Que o futuro queria Escrito em carvão, Deixou de ser pó Pra ser pão, Ao se viciar em poesia. O poeta De plumas negras E voz de pedra Cravou teu canto Preto e branco Nas vidraças Do mundo colorido. Filho banto Em carne e carcaça
Serviu a taça Com vidro moído Aos traidores da raça. Navegante De mares insolentes Sua bússola Apontava sempre para a periferia. A rima era o rumo O remo da sina. No ar, Como fumaça de fumo E vermelha retina, Era frio Era quente, Mas nunca banho-maria. Um dia Num vôo curto Depois de uma longa metragem Um disparo sem rosto Uma bala sem gosto Calou o personagem. Diante disso E sem nos esperar Desfez o compromisso Seguiu de viagem E foi cantar em outro lugar, Num bom lugar.
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Renilda de seu Francisco Renilda já nasceu mulher. Ainda menina era prostituída para matar a fome, pra não ser lixo, sina? Não tinha registro não tinha nome, era a filha de seu Francisco. Um dia, desses sem dores, sonhou ser artista de televisão: Glória, Fernanda ou Regina, ser estrela. Mas, de volta às dores podia ser vista maltratando a vagina, longe das telas, ao vivo e a cores em todas as vielas que tivesse um colchão. Doente, morreu virgem, sem nunca ter amado. Morreu seca, sem nunca ter gozado. Foda-se. Bengalas e muletas Um cego Com o polegar sujo Recebe o R.G. Vê a letra A E não entende nada. Olha a letra N Com desconfiança
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E esbarra novamente Na letra A. Indignado Tateia a letra L Triste, Como é F Não enxergar. Sem óculos, Tropeça de novo Na letra A No dorso da letra B E pensou em se matar Na letra T Com o nó da letra O. Aleijados, Tiramos de letra, Ao darmos as costas. Coisas da vida (terra em transe) Hoje eu vi uma criança acordada comendo pão dormido. Um homem desempregado empregando uma arma. Uma mulher vestida em trapos lavando roupa cara. Um policial desalmado separando um corpo da alma. Uma menina desnutrida com a barriga cheia. Uma bala perdida procurando uma veia. Senhoras de joelhos andando sem destino. Velhos com olhos vermelhos chorando como menino. Poetas loucos cuspindo razão.
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Anjos e demônios na mesma religião. A miséria na coleira da fartura a vida fácil às custas da vida dura. Gente sorrindo com o coração em pranto surdos ouvindo a canção dos falsos santos. Vi mãos calejadas beijando mãos macias José nas enxadas no cabo delas, Maria. Com mansos olhos de fel E a boca dura de fera vi um país no céu E o inferno na terra. Cal Max Max nasceu pobre, Na verdade Nasceu Maximiliano Da Silva Nobre. Curtido na pedra Criou-se vidraça. Como o pai Também era pintor, Mas nada de Picasso, Van Gogh ou Portinari. Pintava parede, mansão, Muro e pé de árvore. Não tinha sonhos, Mas se sonhasse Seriam pretos Seriam brancos Cinzas de fato. Morava em bairro comunista Os vizinhos tinham em comum
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A mesma miséria. As mãos grossas Nunca fizeram carinho, Pra ele? Frescura. No enterro Depois que caiu do andaime, Pouca gente Pouco choro, Nenhuma madame. Lembranças? Só a última pá de cal. Jaz. Maria das Dores Filha de Saturnina Maria nasceu em Ladainha, No intestino de Minas, Quase Bahia. O nome Maria Quem deu foi o pai, Seu Firmino. Das Dores, Sobrenome da agonia, Quem lhe deu Foi o destino. Na cidade grande Vendeu cosméticos, Roupas e sapatos. Varreu chão, lavou pratos, Mas nunca foi domesticada. Sorria Por desobediência Por falta de instrução. Por alegria? Só se fosse descuido do coração. Sob o disfarce De mulher maravilha Morreu sem avisar.
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Frágil, Mas sem implorar. Feito flor que rasteja, Mas que a primavera Não pode humilhar.
Náufrago Sebastião Nasceu longe do mar Distante das ondas. Seco, Não tinha nem água Pra chorar. Cresceu Nau sem rumo Sem sair do lugar. Sem prumo, E com areia nos olhos, Saiu por aí Sem saber navegar. Hoje Mora embaixo da ponte Num barquinho de papel Sem remo Sem saber nadar.
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O Sarau caminhava tranqüilo em suas noites de quarta-feira. A poesia, a essa altura, já tinha arrebatado até os mais resistentes moradores do bairro. Por conta de algumas matérias na mídia, as pessoas não paravam de chegar para conhecer o nosso quilombo. Muitas das pessoas que chegavam eram do próprio bairro, que não acreditavam quando viam na TV que aquilo que estava acontecendo era perto das suas casas. Aliás, o Sarau andava tranqüilo até demais, e já havia algum tempo vinha falando com o Pezão, com o Márcio, que a gente precisava de alguma coisa para motivar os poetas. Chegamos à conclusão que estava na hora de editar uma antologia com os poetas da Cooperifa. Só tinha um problema: dinheiro. Onde conseguir? Onde conseguir o apoio que precisávamos a gente não sabia, mas sabíamos que a gente ia fazer o livro, de qualquer maneira. Aí um dia, o Claudiney Ferreira, do Itaú Cultural, me convidou para participar da 50ª Feira do Livro de Porto Alegre, que justamente caía numa quarta-feira e um pouco antes do horário do Sarau aqui em São Paulo – acho que foi a primeira vez que eu faltei a Cooperifa nesses quase três anos. Já saí daqui pensando em pedir o apoio para o Itaú Cultural, e na primeira oportunidade eu iria dar uma idéia no Claudiney a respeito do nosso sonho. Avisei para o Pezão deixar o celular
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ligado, porque qualquer novidade eu ligaria de imediato para avisar a todos sobre qualquer notícia positiva. O Pezão criou um clima dizendo ao microfone que eu estava no Sul e que estaria representando a Cooperifa e também tentando conseguir apoio para o nosso livro. Bom, segui para a gravação do programa “Jogo de idéias”, que aconteceu no Centro Cultural Mário Quintana e contou com a participação do poeta Fabrício Carpinejar e o Grupo PoETs, ambos de Porto Alegre. O programa acabou por volta de 20:00h ou 20:30h, acho que é isso, e de lá fomos jantar no Mercadão, no Centro. Pensei comigo: é a hora. Conversa vai, conversa vem, uma cerveja aqui, um bolinho de bacalhau ali, entrei de sola no assunto. Disse que a Cooperifa queria lançar uma coletânea com os poetas da comunidade. Falei da importância do livro em nossas vidas. Disse-lhe o quanto era primordial para o nosso movimento ter um livro nosso nas mãos. Putz, falei pra caralho. O Claudiney ouviu atentamente e senti que ele vibrou com a idéia, mas disse que não era ele quem decidia sobre isso, mas num gesto súbito e nobre pegou o telefone e ligou para o Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do IC para falar sobre o projeto. Ligou bem na minha frente, só por isso acreditei. Ele explicou mais ou menos o que a gente queria e o porquê, o que deveria ser feito, e como. Eu ali tentando ouvir o que o Saron falava do outro lado, e de repente o Claudiney fecha o telefone e diz: — Está fechado, vamos apoiar o livro. Porra, na hora nem acreditei de tão louca que foi a cena, e ainda brinquei com ele: — Mano, não mente pra mim não, mentir pra pobre dá azar. – E ri por dentro e por fora.
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Na hora liguei para o celular do Pezão ou do Márcio, não me lembro, e já eram umas 22:00h, hora de pico no Sarau, e dei a notícia que os guerreiros e guerreiras podiam pegar seus poemas que a gente ia fazer o nosso livro. Eu não vi, mas dizem que quando a notícia chegou no sarau o boteco do Zé quase veio abaixo e que foi uma das noites mais emocionantes do nosso quilombo. Quem deu o nome do livro de Rastilho da pólvora foi o Pezão; ele dizia que o nosso movimento estava se alastrando pela cidade. E realmente estava, muitos saraus já estavam acontecendo por conta da iniciativa da Cooperifa. A poesia da periferia estava começando a ganhar força, tanto espiritual como geográfica, nesse exato momento que antecedia a antologia poética do sarau. Para contar com o apoio do Itaú Cultural a gente teria que promover um seminário sobre periferia, no bar do Zé Batidão. Então nós fizemos. Fizemos três debates no bar com pessoas que participavam ativamente na cultura da periferia. No primeiro encontro trouxemos o rapper Thaíde e o jornalista Adunias da Luz (Estação Hip Hop) para falar sobre “A influência do rap como arte e denúncia”. E para falar sobre “Literatura de periferia” trouxemos o Sacolinha (graduado em marginalidade) e o Alessandro Buzo (suburbano convicto). E o cinema ficou por conta do Zagatti, catador de papelão que mantém o Mini Cine Tupy, um cinema para crianças carentes em Taboão da Serra, que falou sobre seu trabalho e passou um documentário sobre a sua história. A Cooperifa estava agitadíssima, todo mundo queria mandar poesias, até quem nunca tinha ido lá. A seleção não foi muito rigorosa, por isso tem algumas pessoas que participaram do livro e nunca mais foram lá. Tivemos algumas dificuldades na edição, por isso tivemos a colaboração do Felipe Lindoso, que deu a maior força para nós. A Karina Nóbrega fez a correção, sempre respeitando o nosso dialeto. Assim como nenhuma poesia foi desrespeitada para que pudesse ser publicada, cada um escreveu o que quis, e sobre aquilo que desejou.
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Quase tudo pronto, conseguimos – depois de muita conversa – reunir 43 autores e um livro com 61 poesias exprimidas em 103 páginas de poemas extraídos dos becos, vielas e ruas que formam o Sarau da Cooperifa. E para que ficasse ainda mais democrático, cada um recebeu sua parte em livros, sem nenhum ônus, e cada um poderia fazer o que quisesse com ele (nós recomendamos que vendessem a R$ 15,00). Uns presentearam os amigos, outros fizeram a feira com ele. Assim, no dia 22 de dezembro de 2004 era lançada uma antologia poética que iria ajudar a construir um novo momento da literatura brasileira e fazer coro com uma nova literatura que surgia da periferia: O Rastilho da Pólvora. Antologia poética do Sarau da Cooperifa. Se liga em alguns poemas do livro: Luta de libertação (Arákúrim)1 Pensam vocês que esta luta acabou. Estão muito enganados. Olhem ao redor e verão, Ouvirão, sentirão, que o racismo existe. Sim! Agora negros e brancos Sobrevivem em condições desumanas... A escravidão de forma generalizada Prende a todos em um sistema. Não, não abaixem a cabeça, Lutem, Lutem pelos seus direitos. Façam como Zumbi dos Palmares, Exija respeito, dignidade, igualdade. Liberdade. Liberdade. Liberdade.
1 Arákúrim, Mestre Jonas, é um dos fundadores da Casa Popular de Cultura do M’Boi Mirim, coordenador do grupo Espírito de Zumbi e agitador cultural, que entre outras coisas produz o Panelafro, evento que acontece toda última sexta-feira do mês na Casa de Cultura.
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A asa e o ninho (Allan Santos da Rosa)2 Ô! Ninguém nasceu pra ser Encarcerado, fechado, preso, Calado o verso na garganta, Corrente no peso aceso. Ninguém nasceu pra ser... Vem rachar as pedras no muro, Se ainda não sabes voar, E a nossa pouca liberdade, Inteira, inteirinha, a desfrutar. Vem rachar as pedras do muro... Pra uma criança quilombola Se defender é inventar Nunca é cedo, nunca é tarde, É um eterno agora. E no meu verso eu bebo do suco mais puro Eu misturo, eu curo. Provo o mel da cicatriz, artimanho a beberage. No verso eu traço uma fogueira no escuro Uma tempestade no futuro. No verso eu brinco. Eu entrelaço Um brinco No pedaço Mais fofo da orelha Daquela guerreira. No Verso o aço, a forja, a centelha. No verso eu acaricio o sol A carne no cio. Cristalizo o rio. Me esparramo no ninho. No meu verso o versus. 2 Allan da Rosa é escritor, poeta da Cooperifa, teatrólogo e fundador da editora Toró, que vem dando força e voz a novos autores da periferia. É autor dos livros Vão, Da Cabula, entre outros, e faz parte da coleção Literatura periférica da Global Editora.
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No verso eu risco... Um fósforo na gasolina! Eu sonho a revolta na esquina.| No meu verso a corregedoria pra Rota assassina. No verso a melodia, a vitamina. Ô, menina... Tão bonita Que me fez arrepiar, O teu sopro é ventania Bota o mundo pra girar Na febre da tua ginga Eu vi tudo congelar. Solidão é uma ciência Que não é fácil desvendar Desespero uma vidência Pra onde a asa vai voar Paixão é malemolência É mocinha e é velha É oração é reverência Mas que pode até matar Na magia da cadência Do azul pro vermelho É braseiro é paciência Cama pronta pra deitar É o pé na consciência É mentira e é verdá. Lições urbanas (Augusto)3 A Cidade esteriliza meus sonhos, Mostrando o que de mais medonho Habita nosso ser. Oprime meus anseios de pai de família, Empurrando-me para sinuosa trilha, Que vejo muitos percorrer. 3 Augusto Cerqueira Neto começou lendo gibi; letrou-se, para gostar de ler. Na coleção Vagalume achou sua vertente: leitura. É poeta da Cooperifa.
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A ausência dos meus filhos é um mal necessário, Quinze horas por dia servindo, em troca de um salário Que me faz enrubescer. Na condução do trabalho, fico pensando na sina Dos miseráveis que pelas esquinas Dobram para sobreviver. Nessa linha de pensamento me pego horrorizado, Se o fundamental eu não tivesse cursado, Em que porta iria bater? Só sobraria a informalidade Talvez, quem sabe, a criminalidade, Até onde iria descer. Meu pai me ensinou hombridade, Somada a natural sagacidade, Comecei as coisas entender. É pelos meus filhos que leio, Nas histórias do próximo me espelho, O que faz a minha mente crescer. Não cursei faculdade, Mas me formei na cidade, Que enrijeceu meu ser. Um dia mando o patrão Se pendurar no busão, E vou com meus filhos correr... Saudades de você (Dinho Love)4 Há quanto tempo Você não aparece Estou com saudades Todo mundo percebe. A sua partida Me deixou muito abalado, Mas graças a Deus
4 Edinaldo Gomes da Silva, confeiteiro, começou a escrever poesias no bar do Zé Batidão, inspirado pela Cooperifa.
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Tenho amigos do meu lado. Os nossos filhos Estão sendo criados Com a mesma alegria Que você tinha passado. Fico sem forças Até para trabalhar. É muito pouca A vontade de sonhar. Só quero ter um sonho, O de um dia você poder voltar. Estou à sua espera, Não me canso de esperar. Não vejo a hora Que esse dia vai chegar. Pra você voltar E matar a minha saudade. Iremos juntos Para toda a eternidade. Vida cantada (grupo Versão Popular,5 Cocão e Leandro) I é assim aonde só, comunidade a malandragem é sadia, Tem quem não quer aceitar a palavra que salva. Aqui os loco aceitou, deus é por nós, porém a voz Não só dos manos, então por que não? Um brinde a elas, exemplo de mulher que sempre age Com fé, pelo que der e vier, Representando até umas horas. É isso que é da hora, Junção, opinião, crítico não, pois cada um na sua então. Quem curte um beck, nóis aqui, quem canta um rap,
5 O grupo Versão Popular nasceu em 1999, analisando a vida do povo da periferia. Em 2004, Cocão é convidado a conhecer o Sarau da Cooperifa e muitos dos seus planos começam a mudar. Além de compositor e rapper, passou a ser um membro atuante da comunidade. Por influência de Cocão, os outros integrantes conheceram e se identificaram com o movimento poético. Para ele, a Cooperifa é a escola e uma extensão do trabalho do grupo.
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Outros lá, cabelo é black, é da raiz que fortalece, A cada dia cresce, é forte o fundamento, importante, Trouxe a nós conhecimento, firmou respeito. Aqui eu tô suave e observador, Sangue do meu sangue é o pai criador, Professor mostrou lição, Eu por ele, ele por nóis, seja qual for a questão. Humilde no fuscão, caranga não é do ano, Mesmo assim tá feliz, Por um triz, a humildade faltou pro irmão. Deixou uma deixa, deixou a mãe falando só pra se montar Nos pano, como é meu chapa, Falou, pagou de humilde, mas nem colou na aula. Sou mais comunidade, humildade, vida cantada. Vida cantada aqui, realidade. É de verdade humildade, não tem disfarce, Não tem dublê, se liga aí, sou mais comunidade. Eu boto fé nos irmãos. De coração, meu sentimento é sincero, o bem eu quero, venero, Emocionante tal sorriso de criança, inocente esperança, Participante do rap da dança, Igual a filha de Gabi, linda quando sorri, O Junim pequininim, já sabe o estopim que é, É aprendiz, muito me diz, respeita tio, Tá lado a lado, vejo o Douglas afilhado, Já esteve presente nos palcos, Momentos positivos me dão mais força pra cantar. Pode crer aí Cocão, representou grandão. Tô contigo nas idéias, irmão, Não abro mão de ser humilde ou não, Essa é a questão, que Deus abençoe a todos de bom coração. Pilantra no mundão, eu sei, tem de montão. São vários no veneno, pode crer, não é fácil não. Ser humano traidor, até hoje eu sinto a dor, Jesus a salvação, teve até quem duvidou. Humilde que nem ele, nunca mais você vai ver, Realidade sem disfarce, verdadeiro até morrer.
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Vida cantada aqui, realidade, É de verdade, humildade não tem disfarce, Não tem dublê, se liga aí, sou mais comunidade, Eu boto fé nos irmãos. Pra mim foi bom demais registrar e cantar, Manifesto da favela faz os manos dançar e pensar, Se tá com nóis, vem que vem, Se é contra nóis, vem também, o que é que tem. Há males que traz o bem. Sofrimento estampado no rosto de alguém. Sorriso vazio felicidade não tem. O que você quer dizer, diz pra mim. Quem não quer ter uma casinha à pampa, um carrinho, um lazer, Pode crer, fazer o quê se a cena da novela É que comove o mundão. Se a falta de opção é que desanda os irmão. É desse jeito que é, Só vaidade, ambição, se errou, perdão. Bateu com a cara no chão, Então levanta pra missão, dá a volta por cima. Vamos lá, você vai ver, sofrimento não é sina, A vida nos ensina, abrace essa chance, amanhã pode não ter. A cena perigosa quem faz é você, sem dublê, Sucesso ou fracasso só depende de você. A vida é cantada do jeito que tem que ser. Povo (José Neto)6 Eu posso. Sou possível. Rasgo o verbo, Vivo a vida no improviso. Eu posso. Sou possível. Sou um pedaço da história Que já foi lido.
6 José Neto é poeta e nasceu em Lins, interior de São Paulo. Começou como letrista em festivais de música na região e freqüenta há três anos o Sarau da Cooperifa.
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Uma corrente quebrada Cunhada no grito. Eu posso. Eu sou possível. Assumo o rumo sem rumo. Sem terra, sem lar... Do tempo, nenhuma lágrima... De tudo só tenho a ganhar, A luta mal começa E já vem outra batalha pra ganhar... Eu posso. Eu sou possível. Divido meu sorriso, meu pranto, É tanto e tão pouco. Eu posso. Sou possível. Começo tudo de novo. Sou pele. Sou raça. Sou povo. O vaso (Kennya)7 Estive lá presenciando vários fatos. Sempre ali na mesa da sala, em cima da toalha. Às vezes cheio de água, Minha companheira que dava vida às rosas; Que com o passar dos dias secavam E junto com a água velha iam embora. Estive sozinho na madrugada E cercado de pessoas durante o dia. Presenciei brigas, intrigas, risos e tristezas; Dando abrigo às flores recebidas nos teus aniversários. Estive lá com medo das festas, das ondas sonoras, Que abalavam meu corpo de porcelana. Fui tocado por crianças. Esquecido por ladrões. Admirado pelas visitas...
7 Kennya é poeta da Cooperifa e faz parte do grupo de rap Denegrir. Kennya chegou na Cooperifa quando ainda era no Garajão. Era tão tímido que o Pezão achava que ele não falava porque era nascido no Quênia, país africano.
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O tempo foi passando e fui ficando velho, Até que um dia... Perdi meu espaço por um outro novo vaso, Assim fui parar no teu quarto. Onde descobri os segredos de tuas confissões. Os mais profundos sentimentos. Me tornei porta-caneta, Todo sujo de tinta, Sobra de teus poemas. Estive lá quando você brigou com o namorado E na parede fui lançado num ato de desabafo. Todo quebrado me jogou no cesto de lixo. E naquela tarde de domingo Escutei os muitos risos, estalo de beijos; Você voltou com seu amor! Mais calma e arrependida me procurou na lixeira. Juntou-me em pedaços e emendou meus cacos Com a cola fedida, química nojenta... Tornei-me então um cinzeiro. Sem a beleza que encantou tantos olhos. Sinto a falta dos perfumes das rosas Toda vez que recebo o calor em brasa Das bitucas de cigarros... Eu continuo, eu estou lá. Coração de guerreiro (Preto Jota)8 Só os guerreiros vencem e permanecem na arena, Firmes e fortes, quebrando as algemas. Vêem a luz na escuridão, caminham na contramão. Com coragem e lealdade não desistem da missão. A vida é um desafio, só vence quem tem raça. 8 Infelizmente, três meses após o lançamento do livro Preto Jota morreu assassinado, também como Jhay, misteriosamente, e em cima de uma moto. Preto Jota era um dos guerreiros mais combativos da Cooperifa e um grande incentivador de novos grupos de rap que nasceram ali no Sarau. Sua morte trouxe-nos a certeza que a luta contra a violência na periferia não podia parar. Além de uma profunda tristeza que se abateu por muito tempo no nosso movimento.
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O Gladiador sobe no pódio e ergue a taça. Mesmo no inferno, entre a rosa e a espada, O sol nasce todo dia e fortalece a caminhada. Disposto a subir, se tiver que ser assim. Eu não nasci pra semente, eu vou até o fim. Acreditando no sonho, criando a realidade. Não é o Jardim do Éden, mas procuro a felicidade. Retirando a pedra, me esquivando da maldade. O cospe fogo não abate quem corre pela verdade. Encarando a tempestade, nas ruas selvagens, Batendo de frente com a pilantragem. Eu quero a paz, mas vivo na guerra. O sofrimento lhe ensina a ser leão na selva. Discípulo sou um, não temerei mal algum. Anjo quarenta e cinco, guerreiro do lado sul. Propinolândia (Roberto Ferreira)9 Não é obrigatório, É apenas uma contribuição Pura agilização! Tudo pode ser não visto, Tudo pode ser mais rápido, Tudo pode ser mais tranqüilo, Tudo pode ser mais barato. Mas, Se não for possível Não tem problemas... A contribuição passa a ser oficial, Com direito a papel e carimbo. Tudo passa a ser visto, Tudo passa a ser mais lento, Tudo passa a ser cansativo, Tudo passa a ser mais caro! Você decide!
9 Professor Roberto Ferreira é poeta e freqüentador assíduo do Sarau. Paranaense, 47 anos, professor de geografia. Gosta de escrever poesias inspirado no cotidiano.
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De copo em copo (Valmir Vieira)10 Se hoje eu choro, é por ti, Que um dia te foste Sem de mim se despedir. Suportei a sua falta, Ignorei a mim mesmo, Terminando-me de copo em copo. A saudade era tamanha, Com tristeza e sem vergonha, Me empurrava por aí. O tempo ia passando A saudade ia roendo, E a gente ia tentando Esquecer quem amou. Mas esquecer não é só falar, Precisa se fortalecer Para a vida continuar. É, seu moço, falar de amor É tão difícil, e ele tem altos e baixos, Coisas difíceis de explicar. Nego ativo (Márcio Batista)11 Quem me nega trabalho, negô Não terá outra chance de negar Negro é homem trabalhador Todos sabem, ninguém pode negar. Quem me nega salário, nego Não terá outra chance de negar Meu suor tem valor, meu senhor Senhor ainda se nega a pagar.
10 Valmir Vieira é poeta criado na Cooperifa, nasceu ali, junto com o Sarau no bar do Zé Batidão. Guerreiro inconteste do movimento. 11 Márcio Batista é professor de Educação Física e poeta e um dos coordenadores da Cooperifa e está prestes a publicar seu primeiro livro.
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Quem me nega saber, nego Não terá outra chance de negar Negro hoje é professor Sabedor não se nega a ensinar. Quem me nega cultura, nego Não terá outra chance de negar Cultura é quilombo pro negro Ignorância é a sua senzala. Quem me nega batuque, nego Não terá outra chance de negar Samba, funk, rap, rock, reggae, pop Som pro Negro se expressar. Quem me nega a palavra, nego Não terá outra chance de negar Vou zumbir palavras pelo mundo De versos negros todo mundo falará.
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Quem me nega oração, nego Não terá outra chance de negar Negro reza pra teus orixás, Pra Ogum, pra Xangô e Oxalá. Quem me nega a paz, nego Não terá outra chance de negar Nego-ativo livro o mundo sim senhor Zumbizando pro mundo se libertar. Quem nega a luta, nego Não terá outra chance de negar Capoeira é atitude do negro Atitude é a força pra lutar. Quem me nega a raça, nego Não terá outra chance de negar Preto é cor, negro é raça Sou negro e com raça não vou sonegar. Quem me nega justiça, nego Não terá outra chance de negar Justiça se faz com amor Negraz, a humanidade é incapaz ao julgar. Quem me nega amor, nego Não terá outra chance de negar Nega ama teu nego em nagô Negritude pro mundo amar. Me negaram de tudo Nesta terra de negro sem lar Sei que não me negas, senhor, Sou teu filho, ninguém pode negar.
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Motivos pra sonhar (Sales, o evolucionário)12 Meu Deus era milagre, estava tudo mudado Dentro da mesma igreja todos ajoelhados Pedindo perdão a Deus por tanto sangue derramado Bush, Bin Laden, Saddam e Arafat Tony Blair, Sharon não podiam faltar Mulçumanos e Católicos, Israelense e Palestinos Todos unidos cantando o mesmo hino Subindo ao altar o povo se emocionou Era o Fidel para rezar Pai nosso que estais no céu A partir daquele momento foi anunciado Que todo pranto do homem havia acabado A Aids e o câncer não assustavam mais Não existia adultério entre os casais Era tudo perfeito, não dava para imaginar Eu vi o Sabotage cantando Um bom lugar O Run DMC estava completo Big e 2Pac não saíram de perto. E os rappers todos juntos fizeram uma composição Eram trechos da Bíblia numa evangelização A igreja não era comércio, não explorava o fiel Ninguém dava dinheiro em troca de céu Eu vi um nordestino pulando e cantando Era eu, que pena... Eu estava sonhando Eis que você me pede Me dê motivos pra sonhar Meu mano, o mundo nunca foi e nunca será assim Grécia antiga, Jerusalém, Sodoma e Gomorra Nós pegamos este filme quase no fim O que podia ser feito não foi feito 12 José Sales Azevedo Filho é poeta e um dos coordenadores da Cooperifa. Lembro quando ele chegou no Sarau indicado por amigos falando de paz, mas com um boné que tinha um fuzil estampado. Perguntei o motivo da contradição. Na outra semana ele apareceu com o boné, mas sem o fuzil estampado. Tínhamos ganhado mais um guerreiro pra nossa batalha. Eu, particularmente falando, ganhei mais um filho.
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Com a desculpa que só Deus é perfeito E o homem é cheio de defeitos Ninguém tenta, ninguém quer se modificar É a única coisa que não nos cobram Me deixem sonhar.
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O Sarau da Cooperifa sempre teve como filosofia o incentivo à leitura e a criação poética, e sempre foi um projeto de cidadania através da literatura. Quer dizer, essa idéia foi se formando ao longo dos dias, através de resultados que foram aparecendo. Muita gente começou a ler livros por conta do Sarau, seduzidos ali, no chão duro de um boteco, e sem que ninguém o obrigasse. A revista Caros amigos tem um papel muito importante nisso tudo, pois desde o começo de nossas atividades íamos buscar livros e revistas para distribuí-las gratuitamente para os participantes. Pelo menos uma vez por mês a gente estava lá na redação da Editora Casa Amarela enchendo o saco do Sérgio de Souza (in memorian) para descolar um pouco de conhecimento. Além disso, usamos várias datas comemorativas para distribuir livros como presentes que chegaram como doação ou de presente para a Cooperifa. Hoje o Zé mantém uma biblioteca dentro do bar, mas naquele tempo a gente presenteava as pessoas com tudo que chegava, para que elas não só lessem o livro, mas também o possuíssem. Certa vez o projeto do LEIA LIVRO que o Juliano comandava conseguiu uns cem livros novos e legais de ler para que a gente fizesse um dia das mães diferente na comunidade: toda mãe que fosse ao Sarau naquela semana ganhava uma rosa e um livro. Por ironia, hoje muitos deles estão lendo seus próprios livros.
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Um dos nossos maiores orgulhos não é a formação de novos poetas e escritores, mas a formação de novos leitores escritores. Gente que se apegue ao livro pelo prazer da leitura e ao fortalecimento do senso crítico, não como um meio de vida. E através desse conhecimento adquirir coragem e humildade para voltar à escola, ou ingressar nas universidades, como muitos fizeram na Cooperifa. Só para ficar em dois exemplos, o Dinho Love – ele ganhou esse apelido por conta de suas poesias românticas – disse que voltou a estudar porque queria escrever melhor; encarou o supletivo e agora só aparece quando não tem aula. No começo ele faltava às aulas na quarta-feira porque dizia que o Sarau era mais importante que tudo na vida dele, que ali sim ele aprendia alguma coisa. Mas aí ele começou a faltar no Sarau e um dia eu perguntei a ele por que ele não estava vindo mais; ele me respondeu que, apesar de todo amor que ele tinha pela Cooperifa, a escola era mais importante. Disse a ele que naquela hora ele realmente estava aprendendo alguma coisa. O Régis faz parte do grupo de teatro Ação e Arte e há muito freqüenta o Sarau. Depois de um tempo ele sumiu porque estava cursando jornalismo e não tinha mais tempo para a poesia. Pois não é que passados alguns anos ele volta e diz que para agradecer à Cooperifa por todo incentivo para que ele voltasse a estudar, seu TCC seria sobre o Sarau da Cooperifa? Pois é, assim foi. Hoje, formado, ele está de volta ao grupo. Mas como eu estava falando sobre o apego à leitura, os lançamento de livros também foram nossa grande arma para atingir esses objetivos: leitura e criação poética. Eis alguns nomes que lançaram livro no Sarau da Cooperifa: Toni C., Alessandro Buzo, Ferréz, Sacolinha, Allan da Rosa, Fuzzil, Robson Canto, Tereza, Dinha, Ridson Dugueto, Elizandra, Akins Kinte, Binho, Serginho Poeta, Cidinha Silva, Eliane Brum, Ertom Morais,
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Adilson Lopes, Big Richards, Maurício Pestana, Edson Gabriel e Cadernos Negros. Só para ficar em alguns nomes mais conhecidos do Sarau. Também não foi diferente com o cinema. Como já tem muita gente produzindo, também levamos muitos documentários para que a comunidade pudesse ter acesso ao cinema de qualidade ao lado de casa, no Sarau. Se liga nos filmes: Solano Trindade – Intensidade de uma vida simples, Cia. Sansocrama e Núcleo de Comunicação Alternativa, 2 meses e 23 minutos; de Rogério Pixote e Fábio Ranzani; Zumbi somos nós, de Frente 3 de fevereiro; Balé no chão, de Lílian Santiago e Marianna Monteiro; Direitos esquecidos: moradia na periferia, do MTST – Acampamento Chico Mendes, Vaguei os livros e sujei com a merda toda, de Akin Kinte, Allan da Rosa e Mateus Subverso; Panorama: Arte na periferia, de Peu Pereira, David Vidad, Anabela Gonçalves e Daniela Embóm; Carolina de Jesus, de Jéferson De; O espetáculo democrático, de Guilherme César. Também só para ficar em alguns nomes conhecidos da gente. Em junho de 2008, será apresentado o documentário Povo lindo, povo inteligente, que conta a história da Cooperifa, produzido pela DGT Filmes. Não é o primeiro; em 2006 uma mulherada da PUC-Campinas fez um vídeo-documentário para conclusão de curso de jornalismo. As meninas Andréia Lédio, Carolina Lasca, Isabella Haddad e a Luana Dalmolin ficaram uns três meses curtindo o Sarau com a gente e fizeram um belo trabalho sobre ele. Já que estamos falando nisso, o professor Nilton Ferreira Franco fez uma tese de mestrado sobre o Sarau da Cooperifa: O Sarau paulistano na contemporaneidade – Cooperifa Zona Sul, 19802006. Dissertação apresentada ao programa de mestrado da Universidade Presbiteriana Mackenzie como parte das exigências
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para a obtenção do título de Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Eu e o Márcio Batista fomos assistir à defesa da tese lá no Mackenzie. Foi emocionante. Aliás, essa tese também serviu como pesquisa para escrever esse livro. Ah, só pra constar, ele foi aprovado com a nota 10, com louvor. Foram TCCs e documentários e trabalhos de faculdades sobre o Sarau da Cooperifa e a literatura periférica.
CD de poesia da Cooperifa
O Sarau é um movimento que não pode parar, e em 2006 nós estávamos afim de fazer um CD com poesias para registro de áudio, já que o nosso trabalho tem tudo a ver com a oralidade. Para conseguir o apoio do Itaú Cultural usamos o mesmo expediente com o Edson Natale do departamento de música. Já vinha falando com ele sobre a possibilidade do projeto, e ele com o Eduardo Saron, até que um dia demos um xeque-mate lá no Sarau da Cooperifa. E mais uma vez eles aceitaram ser nossos parceiros. Aliás, uma vez, no programa “Provocações”, do Antônio Abujamra, na TV Cultura – SP, ele me perguntou: — Como uma idéia anárquica consegue apoio de um banco? Respondi a mesma coisa que havia falado para a revista Época numa matéria da Eliane Brum, e que gerou muita polêmica. — A periferia está aprendendo a tirar dinheiro dos bancos sem ter que usar um revólver na mão. Polêmicas à parte, escolhemos 26 poetas, os mais assíduos, para participar da produção do CD. Nossa única exigência era que não houvesse nenhum som, só a poesia, e que se preservasse a poesia: sua forma, o dialeto, a gíria e a simplicidade de cada um. A gravação do CD foi muito louca, porque todo mundo
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queria ir ouvir a gravação do outro, por isso o estúdio vivia sempre cheio de gente e poetas. A exemplo do livro, todos os poetas iriam receber suas cotas em discos e cada um faria o que quiser com a sua parte, recebida sem ônus nenhum para cada participante. De mais a mais, a emoção foi a mesma do livro, só que agora a gente já era conhecido da rapaziada de lá. O Edson Natale ficou responsável pela produção geral e Juliana Sonoe pela produção fonográfica. Escrevi um texto no meu blog sobre o CD e pedi que o Natale também escrevesse alguma coisa sobre isso. CD da Cooperifa Salve, salve, licença pra chegar, Acabei de pegar o CD do Sarau da Cooperifa, é simplesmente maravilhoso. Só o encarte do CD tem mais de 30 páginas, vixe, o negócio é de outro mundo, o nosso mundo. Estou dando este toque pra que ninguém diga que eu não avisei, é dinamite pura. É a periferia em versos, nas vozes de seus reais representantes, sem cortes, sem censura e sem massagem. Não é aconselhável às pessoas alienadas, nem para aqueles que apreciam coisas pequenas, mesquinharias de supermercado, entendeu? Aconselho este CD para as pessoas que amam sua causa, não importa qual, mas aqueles que trazem no coração a grandeza da luta. Também não é aconselhável para os falsos super-heróis, que se destacam na multidão pelo marketing dos superpoderes. Este CD é a vitória do amor. Só isso. Nada mais. A todos que nos que nos amam, sintam-se abraçados. Mais feliz do que de costume, Sérgio Vaz
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Perto Tudo começou na quarta-feira A única certeza é que minha primeira visita aconteceu em uma quarta-feira, mas não me lembro o mês ou se estava calor ou frio, garoando, chovendo ou serenando. Além dessa informação óbvia, já que o Sarau da Cooperifa acontece toda quarta-feira, sempre às 20:00h, o que ficou na memória foi o fato de que, ao entregar o pequeno papel ao motorista de táxi com a indicação do caminho (algo como “vá até a Estrada do M’Boi Mirim, na altura da Igreja de Piraporinha, vire à direita e suba até o fim, vire à direita novamente até chegar ao bar do Zé Batidão”) a reação foi imediata: “Não te aconselho a chegar até lá neste horário, e se eu fosse você iria durante o dia. Até lá, nesta hora, o senhor me desculpe: levo não...”. Eu também estava com medo e aquela era a deixa perfeita para desistir (nem o taxista quis me levar!), mas amigos próximos me falaram com tanto entusiasmo daquele sarau que eu cheguei a falar com outro motorista. Combinamos o preço e um adicional para que ele ficasse comigo durante algum tempo, pois considerei a possibilidade de não conseguir um táxi de volta para casa. Fomos, chegamos e ficamos. Fui apresentado pelo Sérgio Vaz ao Zé Batidão, o dono do local. Rapidamente eu e o taxista, Francisco, nos sentamos à mesa; havia uma garrafa de cerveja bem gelada e carne-de-sol com mandioca. O bar estava lotado; no lado oposto à nossa mesa, pendurada entre as grades, uma faixa: “o silêncio é uma prece”. Fiquei ali pensando: “será que essa idéia de gravar um CD com as poesias desse pessoal faz sentido?”. No bar, crianças e pessoas de todas as idades conversando e brincando. De repente (pelo menos pra mim), todos começaram a bater as mãos na mesa em uma dinâmica crescente, dizendo em coro: “Nós é ponte e atravessa qualquer rio, nós é ponte e atravessa qualquer rio, nós é ponte e atravessa qualquer rio, nós é ponte e atravessa qualquer rio!”. Comentei com Francisco, o taxista (ou ele comigo, já não me lembro): “E a gente estava com medo de vir pra cá!”.
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Os poetas foram chamados, um por um ao microfone, e diziam seus poemas − uns estáticos, outros andando entre as mesas, uns sem muita musicalidade, outros entoando seus versos como se fossem samba, rap etc. O CD com as poesias já fazia todo o sentido. No dia seguinte, começou a fazer sentido também para o Itaú Cultural, quando Eduardo Saron, superintendente de atividades culturais do instituto, visitou o Sarau da Cooperifa. Outro fato que ficou marcado para mim foi a primeira conversa de trabalho a respeito da produção do CD. Eu disse ao Sérgio Vaz que poderíamos colocar algumas intervenções sonoras, pensadas poema por poema: uma sanfona em um poema, um clarinete em outro, um pandeiro aqui ou um sampler acolá... É preciso dizer que, depois, aprendi a ler o olhar do Sérgio Vaz. Ele ouve as pessoas com a maior atenção, mas, depois de um tempo de convivência, você percebe que ele só não corta logo a conversa por puro respeito, paciência ou comiseração mesmo: “Bem legal, Natale! Mas olha só: o pessoal prefere só os poemas mesmo, sem maquiagem, sem frescuras. A nossa paixão é a palavra, purinha, purinha. Vamos deixar esse negócio de música pra lá...”. Marcamos o estúdio e gastamos cerca de 50 horas para as gravações, em seis ou sete sessões. Sugeri que eles se dividissem em blocos: já que não conseguiríamos gravar todos no mesmo dia, poderiam ser organizados grupos, assim não precisariam sofrer com o trânsito de São Paulo do final da tarde, já que do bar do Zé Batidão, que fica perto do Capão Redondo, até o estúdio, no Butantã, era uma boa caminhada. Além disso, seria mais “produtivo” se trabalhássemos com menos pessoas de cada vez. Acho que essa minha sugestão foi feita em uma conversa com o Sérgio Vaz, o Marco Pezão e o Jairão (Jairo Barbosa), músico do grupo PeriAfricania. Dessa vez foram três os olhares, que podem, em palavras, ser traduzidos para: “Esse cara não tá entendendo...”. E foi do jeito deles: logo no primeiro dia (e em todos os outros) praticamente todos estiveram ali. Quem não gravava ficava proseando, torcendo, participando... Bingo! Finalmente eu havia aprendido o significado da palavra comunidade...
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Conheci todos os que participaram do disco. Naqueles momentos que antecedem a gravação, embaixo da jaqueira (acreditam que tem estúdio em São Paulo com jaqueira?!) a conversa corria solta. Os poetas e poetisas eram (são) fotógrafos, professores, motoristas, vigilantes, metalúrgicos, desempregados, donas de casa, músicos, poetas, donos de bares, funcionários públicos, feirantes, taxistas, babás, padeiros etc. Quando começamos a discutir como seria a capa, eu, já escolado, primeiro perguntei o que imaginavam. Foi consenso: “Queremos só um microfone na capa, em uma foto lá no Zé Batidão. Nada mais...”. O libreto do CD traz um texto do Sérgio Vaz. Parte dele diz: “...O Sarau da Cooperifa é nosso quilombo cultural. A bússola que guia a nossa nau pela selva escura da mediocridade. Somos o grito de um povo que se recusa a andar de cabeça baixa ou de joelhos...”. Pessoalmente essa experiência foi uma espécie de bússola que ganhei para estreitar as distâncias entre o que penso e falo e o que penso e faço (acredito que também tenha sido assim para o Itaú Cultural). Foi bacana quando saímos em caravana para o lançamento do CD. Estávamos ali, parte da equipe do Itaú Cultural, comemorando no Zé Batidão uma conquista coletiva com a Cooperifa e seus poetas. Cerveja, mandioca e carne-seca e muito riso e pouco siso. Acho que isso também é poesia... Edson Natale Gerente do Núcleo de Música do Itaú Cultural
A realização deste que é o primeiro CD do Cooperifa só foi possível graças à parceria do grupo com o Itaú Cultural. Em 2004, a instituição, em conjunto com a Associação Basílio da Gama, também incentivou e ajudou a divulgar a poesia urbana da periferia com a edição do livro Rastilho da Pólvora, com a obra de 53 poetas. Para o lançamento do CD foi preciso duas festas, uma no Sarau da Cooperifa e outra no Itaú Cultural. As duas foram loucas. Na Cooperifa o bagulho endoidou de tanta gente e tanta emoção.
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Leia o que pensam Marco Pezão e Márcio Batista sobre a parceria do Itaú Cultural com a Cooperifa no CD de poesia. Marco Pezão: As poesias, no Sarau, sempre se orientam para a obtenção de um viés crítico em relação às questões sociais. Sobre isto, não resta dúvida. Mas há uma realidade prática que demanda ações que temos que desempenhar para a manutenção da própria vida. Hoje, tudo está dentro do capitalismo, não há quase atitudes que possam escapar dessa lógica econômica que envolve a todos. Carrego a opinião que se o Estado não cumpre suas obrigações como bem o deveria, então o setor privado deve fazê-lo. Alguém tem que fazer alguma coisa diante da urgência e de toda carência social que existe atualmente.
Márcio Batista: Trabalhar uma poesia crítica voltada para a melhoria cultural da comunidade é uma das metas da Cooperifa; mas há uma situação real a se enfrentar, que é a falta de dinheiro na comunidade. Nesse sentido, o Itaú Cultural nos ajudou muito e somos muito gratos a ele. É importante, hoje, a Cooperifa aproveitar esta oportunidade que apareceu com a parceria para promover a arte na quebrada e fazer com que esse modelo de ação positiva saia do gueto e possa ser visto de modo mais amplo por outras pessoas. Lutar para que as nossas atividades não caiam no isolamento, no abandono e no esquecimento é fundamental para projetos culturais.
Leia também o pronunciamento do Eduardo Saron (Superintendente do IC) no lançamento do CD da Cooperifa, lá no bar do Zé Batidão. Eduardo Saron: Primeiramente compramos um sonho: não apostamos no que vai ser pesadelo. Quando o Claudiney Ferreira me ligou de Porto Alegre, do Programa “Jogo de idéias”, em 2004, para falar sobre o
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projeto de se fazer um livro com a Cooperifa, acabamos optando pelo apoio, porque entendemos que a turma do movimento era do bem. Quanto à oportunidade de lançarmos o CD, nós tínhamos duas opções: ou lançar no Itaú Cultural ou aqui na Cooperifa. E mais uma vez preservamos esta relação que estabelecemos entre as partes – nós apostamos em lançar aqui, porque é essa identidade que, num bom sentido, queremos roubar para nós. Queremos ver o que está acontecendo. A atitude de virmos até aqui é justamente para dividir uma coisa que está nítida no olho de cada um, na manifestação de cada um, que é um pouco desta felicidade. Apostamos nesse projeto, estamos juntos. Não com a intenção de amanhã ter um Banco Itaú abrindo aqui para vocês abrirem conta. Não é com esta relação. A intenção é dividir com vocês um pouco desta felicidade que vocês têm aqui às quartas-feiras. Não sou eu que estou dizendo, é a revista Época, onde o próprio Sérgio Vaz foi noticiado. Esta não é primeira parceria, é a segunda vez que estamos aqui juntos exercendo um trabalho. A primeira foi o livro, agora o CD. Não sei quantas vezes mais estaremos, só sei que estamos afim de dividir um pouco mais de felicidades com vocês. Fazer cultura não é somente ficar lá no alto da avenida Paulista pensando e imaginando o que o Brasil está pensando. Fazer cultura é vir aqui, pisar um pouco com vocês, sentir um pouco com vocês, e isto nós estamos fazendo – muitíssimo obrigado.
Depois de tudo isso, cada poeta recebeu sua cota de disco pela sua participação e o Sarau da Cooperifa rolou solto no bar do Zé Batidão, e a nossa poesia, do jeitinho que a gente faz, estava registrada para sempre, em 26 poemas: “Mina da periferia”, de Marco Pezão; “Palavras com P de alma”, da Professora Lili; “Antônio”, de Helber Ladislau; “Cibernético”, de Carlos Silva; “Um sonho”, de Sérgio Vaz; “Campo Limpo Taboão”, de Binho; “Pobreza”, de Mavotsirc; “Precisão”, de Allan da Rosa; “Andarilho”, de Célia Harumi; “Ratos, ratos, ratos”, de Marcelo Beso; “Tudo bacana”, de Roberto Ferreira; “Um rolê”, do Grupo
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PeriAfricania; “Motivos pra sonhar”, de Sales; “Ritual”, de Rosy Eloy; “Inspiração de amor”, de Dinho Love; “Povo”, de José Neto; “O pecado”, de Casulo; “Alienação”, de Fábio C.R.J.; “Liberdade”, de Timbó; “Uniosversos”, de PH Boné; “Amor composto”, de Augusto; “Nêgo Ativo”, de Márcio Batista; “A vida é cantada”, do Grupo Versão Popular; “De copo em copo”, de Valmir Vieira; “Menina pretinha”, de Elizandra Souza e “O homem necessita se casar”, de Seu Lourival.
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Quando o Sarau ainda era no Garajão, no final de 2002, queríamos agradecer aos freqüentadores com um presente pela participação daquele ano em nossos encontros. Nós pensamos numa medalha como prêmio. O Pezão falou com o Daniel e a Claudia Funari, que deram uma força, e eu falei com o amigo e professor Said, que ajudou na aquisição de cem medalhas que nós distribuímos como lembranças para os poetas e freqüentadores. Mas a idéia de um prêmio para fortalecer os ideais da Cooperifa só estava começando. Assistindo à entrega do Oscar um dia desses, eu pensei: Por que não? Falei com o Pezão que deveríamos criar um prêmio, principalmente para os poetas, mas que a gente se estendesse para pessoas da comunidade e para todos aqueles que direta ou indiretamente ajudassem a periferia a se tornar um lugar melhor para viver. Com a idéia do prêmio na cabeça, outro dia eu estava passeando com a Sônia na feira de artesanato que acontece em Embu das Artes, e vi um Dom Quixote de bronze em uma banca de um artesão. Mano, fiquei louco com a peça, mas ao perguntar quanto custava, fiquei mais louco ainda: “impossível”, pensei. A gente tinha pouca grana, só um cachê de um evento que a gente tinha feito com a Brava Cia., mas o evento teria que ser
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louco. Descobrimos um cara que fazia troféus para times de futebol e fomos conhecê-lo em Santo Amaro, eu e o Pezão. Chegamos lá, falamos com o cara, cujo nome infelizmente não lembro, sobre o nosso objetivo e coisa e tal. O cara ficou todo entusiasmado com o projeto e até nos mostrou um livro que ele tinha escrito sobre ética e cidadania, e que ele apreciava muito a nossa iniciativa. Vimos vários modelos e cores até chegar em um com o qual a gente simpatizou e que dava para a gente pagar. Ele era todo de vidro, marrom, e com o logotipo da Cooperifa no alto do troféu. Bonito. Encomendamos 110 troféus. A gente queria premiar todas as pessoas que a gente achava que representavam de alguma forma a periferia, não ia haver votação nenhuma: a gente ia escolher quem a gente quisesse, não cabendo recurso ou choradeira. A festa de entrega tinha que ser no bar do Zé Batidão e nós estávamos afim de reunir o maior números de guerreiros e guerreiras da periferia possíveis nesse dia. De mais a mais, a entrega do prêmio também ia encerrar as atividades do ano de 2005, então a perifa precisava estar em grande estilo para esse dia. Como a gente tinha poucos troféus, a escolha não foi muito fácil. O mais engraçado foi que no dia que receberíamos o troféu, o cara que tinha escrito o livro sobre ética e cidadania não entregou o produto combinado, e sim um inferior, alegando falta do material, só que ele queria cobrar o mesmo preço. Lembro que eu e a Sônia tínhamos ido buscar o dinheiro para pagar o cara, e o Pezão ligou dizendo para a gente ir rápido para casa que havia algum problema com os troféus. Resumindo: eu queria que ele engolisse o troféu, e a Otília, esposa do Pé, queria bater nele, mas aí ele fez um desconto e ficou por isso mesmo. Como disse a Otília, nada poderia estragar nossa festa, e assim foi. Leia abaixo quem foram os primeiros agraciados com o 1º Prêmio Cooperifa:
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Literatura Marco Pezão Márcio Batista Adilson Lopes Sérgio Vaz A poesia dos deuses inferiores Alessandro Buzo Suburbano Convicto Allan Da Rosa – Vão Augusto Big Richards Hip Hop conciência e atitude Binho Dinho Love Helber Ladislau Erton De Morais José Neto Kennya Sandra Alves Pillar Samanta Pillar Roberto Ferreira Sacolinha – Graduado em marginalidade Valmir Vieira Professora Lu Professora Lili Tereza Paula Preta Rose – Espírito de Zumbi Mavortisirc Marcelo Beso Harumi Seu Lourival Natália Cazulo Marinh Elizandra Toni – Hip Hop a lápis
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Euller Alves Mauricio Marques Sônia Pereira
Personalidades Importantes Asduba Marcelo Ribeiro Rose – musa da Cooperifa Família Retrão Dra. Elizabeth Takase Paco Produções Paulo Magrão – Capão Redondo
Projetos Samba da Hora Samba da Vela Rastilho da Pólvora – Itaú Cultural CD da Cooperifa – Itaú Cultural Ferréz – Literatura Marginal Magrela´S Bike Rainha da Paz Monte Azul Bloco do Beco Casa dos Meninos Zé Batidão Ricardo – perueiro Prof. Carlos Giannazi –Universidade pública Jeferson De – Produtora Barraco Forte Mario Bibiano – Artes plásticas Ali Sati – Empresa Amiga Prof. Nilton Franco Itapoesia O autor na praça Movimento Negro Unificado– Milton Barbosa Biblioteca Zumaluma Favela do Inferninho
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Eventos
Jornalismo
Ponte Preta – festa do dia das crianças PANELAFRO – Casa de Cultura M’Boi Mirim Leia Livro Casa das Rosas
Becos e Vielas Revista Caros amigos Gazeta de Taboão Jornal Hoje – Taboão Revista Rap Brasil Programa “Provocações” – TV Cultura “SP Comunidade” –SPTV Estação Hip Hop Site Real Hip Hop Site Bocada Forte
Teatro Grupo Cavalo de Pau Manicômicos Ação e Arte Zezé Mota – atriz
Fotografia Música Carlos Silva Versão Popular Záfrica Brasil Grupo 2hO PeriAfricania PH Boné Sabedoria de Vida Diney do Gueto Banda Varal Fábio Sales Wesley Nóog Thaíde Mano Brown – Racionais MCs Leandro Lehart – Art Popular Grupo Papo de Família Gog Afro-X Dexter A Família
Eduardo Toledo
Educação Escola Mauro Faccio Zacaria teve a coragem de levar os alunos no Sarau
Comunicação Espaço Rap
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Leia o texto que escrevi sobre o dia no meu blog1 no dia 22 de dezembro de 2005: A FESTA DE ENTREGA DO 1º PRÊMIO COOPERIFA FOI UMA NOITE INESQUECÍVEL PARA A PERIFERIA. A festa de entrega do Troféu Cooperifa acabou se transformando numa noite inesquecível para as quase seiscentas pessoas que compareceram no bar do Zé Batidão. Já prevendo a lotação do bar, foi instalado um enorme telão na praça em frente, para que aqueles que não conseguissem entrar não perdessem nada do que rolava da festa. Num clima de extrema amizade e alegria, as pessoas foram sendo tomadas pela emoção que ocupava até os corações desavisados dos que passaram por lá. As pessoas foram chegando aos montes, e de todas as quebradas. À pé, de carro e de ônibus. Vans, peruas (automotivas, é claro!) e ônibus fretados traziam guerreiros e guerreiras para a grande noite dos heróis que travam batalhas nas sombras. Nada mais revolucionário que evoluir. O bar foi todo decorado com pipas, símbolo da Cooperifa, pelos organizadores do evento, que trabalharam até minutos antes para que nada desse errado. É difícil citar nomes sem cometer injustiças, mas... foda-se. Valeu Pezão e Otília, Márcio Batista e Danilo, Versão Popular, Sales, Jú e Jairo, Marcelo, Sônia e Mariana, Ali Sati, Zé, Magda, Tiana, Grupo Espírito de Zumbi, Mesa Redonda, Mavortisic e Lu, Cleide, Rose Negona, Rose, poetas da Cooperifa que trabalharam para que tudo desse certo, Valmir Vieira, José Neto, Paco Produções, quem mais...? Buzo, Sacolinha, Ferréz, Toni C., Becos e Vielas, Casa de Cultura M’Boi Mirim, Magrela’s Bike, Brown, Afro-X, a Família, Jeferson De, Manicômicos, Carlos Giannazi, Toninho, Valter,Big Richard... assim que for lembrando a gente vai nomeando. Muita gente maravilhosa que foge à memória, mas está guardada no coração.
1 www.colecionadordepedras.blogspot.com
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Muitas pessoas atestam que até agora ainda não entenderam muito o que aconteceu nesta noite mágica. Muitos ainda estão chapados pela emoção que se abateu sobre todos. Não há nada para entender, era apenas uma noite repleta de seres humanos brasileiros contemplando a vida como ela deveria ser: viva! “Desculpem as lágrimas da felicidade, é que quando o coração tem um orgasmo ejacula pelos olhos”.
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onde per Cap.08
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Sarau da Cooperifa em Suzano
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O Sarau da Cooperifa é um movimento de poesia da periferia, e assim tem sido durante esses seis anos de atividades, mas isso não significa que a gente nunca saiu do bar. Saímos poucas vezes, mas essas vezes foram de grande impacto para nós e para as pessoas que nos convidaram. Só para se ter uma idéia, quando nós fomos à cidade de Suzano a convite do escritor Sacolinha, nós fomos em mais de sessenta pessoas, entre poetas e nossos convidados. Depois fomos mais umas duas vezes.
Sarau da Cooperifa na Casa das Rosas
Um outro lugar em que o Sarau gosta muito de se apresentar é na Casa das Rosas, presidida pelo poeta Frederico Barbosa, que é um grande amigo da Cooperifa. Sempre que há um evento de poesia ele nos recomenda. Entre essas várias vezes teve uma que foi especial para a gente e para o público da Casa das Rosas. No aniversário de São Paulo de 2006 a Casa das Rosas programou um evento intitulado “SAMPOEMAS” e eu fui convidado para comandar o sarau da Paulista, só que caiu numa quartafeira, e quase no mesmo horário do Sarau da Cooperifa. Por isso só foi o Pezão representando os poetas da Cooperifa, e eu apresentando os poetas da Paulista e região. Na Casa das Rosas o público lotou o espaço, mais de cem pessoas, e quase quarenta para recitar poemas para a mega Sampa. Na Cooperifa duzentas pessoas lotavam o bar do Zé Batidão na periferia da Zona Sul de São Paulo. Ou seja, no aniversário de Sampa tinha mais de trezentas pessoas comungando a poesia. A certa altura liguei para o Sarau da Cooperifa, ao vivo da Casa das Rosas, e coloquei o celular no microfone e pudemos ouvir a poesia rolando direto da Cooperifa.
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Depois invertemos o processo e colocaram o celular no microfone da Cooperifa. Na Casa das Rosas todos aplaudiram o Sarau da Cooperifa, e depois todos da Cooperifa aplaudiram o público da Casa das Rosas. Loucura total. Ambos os lados entraram em êxtase nesta noite memorável onde todos puderam transformar tempo e espaço a favor da humanidade.
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Cap.09
Colecionador de pedras
Livro Colecionador de pedras
Na esteira do barulho que a literatura da periferia estava fazendo em dezembro de 2006 eu lanço meu quarto livro, Colecionador de pedras, que é um resumo dos meus vinte anos de poesias. Como era um livro comemorativo e com poucas poesias inéditas, apesar de ser independente, ele teria que ficar bem produzido. Sem grana novamente, consegui apoio da Eutotur Turismo, do bom e velho amigo de sempre, Ali Sati. Tinha pensado em uma capa com a imagem de um estilingue, e por isso encomendei um desenho ao South, do estúdio INCA, no Capão Redondo, mas como eu não conseguia terminar o livro o estilingue foi perdendo o sentido. O South fez uma capa muito bonita para mim e eu acabei não aproveitando; aproveito aqui para agradecê-lo e desculpar-me pela deselegância. Estava com uma idéia de pipas na capa, e tinha visto um com o Bne (Vadiagi) que faz uns grafites bem locos e que é do Jardim Leme, aqui em Taboão da Serra. Mano, quando eu vi o desenho pirei na hora: é esse mesmo!
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O livro ainda contava com textos de apresentação do Toni C. (Hip Hop a Lápis) e o Nelson Maca (Blackitude/BA). O Eduardo Toledo fez a produção da capa; a fotografia é do Jefferson Dias; editoração Célia Harumi Seki; revisão Marcelo Beso Veronese; e aí, no dia 6 de dezembro, no Sarau da Cooperifa, eu lancei o livro que celebrava meus vinte anos de poesia. Mais tarde este mesmo livro iria abrir a coleção Literatura periférica, da Global Editora.
Café Literário em Taboão da Serra
A poesia estava pulsando em todos os lugares da periferia do Estado de São Paulo, faltava na minha cidade. Não estava afim de fazer um outro sarau nos moldes da Cooperifa, mas também não sabia o que eu queria fazer. Certo dia, quando trocou o prefeito na cidade, Dr. Fernando, pelo atual Dr. Evilásio, eu conheci a assessora do secretário da Educação e Cultura, Celso Callegari, Marta de Betânia, e falei das minhas intenções poéticas. Ela, que vinha da Casa de Cultura de Santo André e conhecia o pessoal da Casa de Hip Hop de Diadema, se empolgou muito com a idéia, e sugeriu que a gente fizesse um sarau, mas com um outro nome, para desvincular um pouco da Cooperifa, e assim surgiu o Café Literário em Taboão da Serra. Coordenei este projeto por mais de um ano e ele sempre acontecia na segunda segunda-feira de cada mês. O Café não tinha muito a ver com o Sarau da Cooperifa, mas a maioria dos poetas era de lá. A poesia não podia parar e a cada Café Literário a gente convidava uma escola para assistir. Sem perceber, a poesia estava novamente voltando para casa.
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Sarau da Coopeirfa nas escolas
O Café Literário era realizado somente uma vez por mês, por isso eu achava que a poesia precisava de mais tempo para sobreviver, mas, por falta de oxigênio, o Café foi acabando aos poucos. Porém, uma coisa tinha ficado na minha cabeça: a poesia tinha que freqüentar a sala de aula novamente. Por isso decidimos que se os professores e alunos não podiam freqüentar o Sarau da Cooperifa, o Sarau da Cooperifa iria até eles, e no ano de 2007 começamos a visitar as escolas da região. O Sarau da Cooperifa era composto mais ou menos de 15 a vinte poetas e era realizado todas as terças-feiras. Como a Cooperifa é muito conhecida na região, foi fácil programar esses encontros; aliás, as diretoras e professoras estavam sempre cobrando as nossas visitas. Novamente foi muito bom ter o contato com os alunos, pois, como já disse anteriormente, na periferia a palavra poesia, ou poeta, parece coisa de estrangeiro, ou extra-terrestre: as pessoas já ouviram falar, mas não sabem se existe. A luta pela divulgação da poesia não podia parar, por isso visitamos mais ou menos umas vinte escolas, e com média de cem a 204
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150 alunos por Sarau, e em cada lugar que a gente chegava era possível perceber a alegria e o orgulho que a Cooperifa levava às pessoas, e não só pela palavra, mas eles sentiam força na nossa postura de levar cidadania através da literatura. E em todo lugar que a gente ia tinha sempre alguém que tinha algum escrito que tirava da gaveta ou da memória e participava com a gente de forma livre e espontânea. Muitos nem acreditavam que a gente era da comunidade, e muitos ficavam admirados que a maioria dos escritores que estavam assistindo se pareciam com eles. E o que é melhor, falando no mesmo idioma: a língua do povo. Nesse curto período de Sarau nas escolas nós falamos poesia para mais ou menos umas quatro mil pessoas de várias comunidades da periferia, e boa parte delas viraram freqüentadores do Sarau da Cooperifa, mas o que mais marcou a gente foi a alegria dos professores nesses encontros. E a gente pode perceber que apesar de todo esforço do Estado em destruir a educação, ainda tem muitas guerreiras e guerreiros entrincheirados nas salas de aulas tentando impedir que isso aconteça. Descobrimos uma outra coisa nesses encontros: escola + poesia = conhecimento.
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Ajoelhaço
O Sarau da Cooperifa todo ano comemorava o Dia Internacional das Mulheres com poesias dedicadas às guerreiras da comunidade. Mas aí, com o tempo, a gente achou que era chover no molhado. Pois todo mundo fazia isso, e em todos os lugares. Outra coisa que a gente rechaçou logo de cara foi presenteálas com rosas, bombons ou qualquer outra coisa que alguém já tivesse feito. Mas mal os homens sabiam que elas tinham planejado, produzido e realizado um Sarau totalmente diferente para nós. Para nós, não por nós. Vai vendo a ironia. O Sarau neste dia começou com as guerreiras nos presenteando com botões de rosa. E logo em seguida assumiram o Sarau completamente, e nenhum homem foi convidado para falar. Nenhum. Todas as mulheres falaram poesia e textos que relatavam a covardia e o machismo que impera no Brasil. Recitaram sobre a violência, o descaso, a sobra de sexo e a falta de orgasmo. Ficamos ali, uns duzentos caras tomando um tremendo esculacho pelas nossas grosserias ao longo de toda a existência da humanidade. Enquanto éramos colocados no nosso devido lugar, já tínhamos combinado que ao final do Sarau todos os poetas e convidados iriam à frente, de joelhos, implorar pelo perdão feminino. Enquanto o Sarau ia acabando, a gente ia combinando. Alguns, ou a metade, já começava a afinar, e dizer que ajoelhar já era
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demais, e coisa e tal. Sabíamos que não ia ser fácil fazer o machismo se curvar, mas tínhamos que tentar. Ao final fomos para a frente e começamos a nos posicionar para o ajoelhaço, como ficou conhecido esse evento, enquanto as mulheres gritavam: Ajoelha! Ajoelha! Ajoelha! A gente foi chamando a galera. Uns vinham meio desconfiados, outros fugiam para o banheiro ou para o lado de fora do bar; sei que só a metade se curvou. Lembro que quando nos ajoelhamos gritamos bem alto: — Perdoem-nos mulheres! Perdão! Perdão! Perdão! As mulheres foram à loucura, não imaginavam que seríamos capazes; para falar a verdade nem nós mesmo podíamos acreditar no nosso gesto, em março de 2006. No ano seguinte novamente o ajoelhaço aconteceu, e uns 80% aderiram ao ato. Apesar da maioria, a gente ainda não estava satisfeito. Em março de 2008 nós comemoramos o Dia Internacional das Mulheres do mesmo jeito e chamamos este dia de “Noite da poesia e do perdão”. Neste dia mais de trezentas pessoas apareceram no Sarau e muitos já vieram prontos para ajoelhar. E assim aconteceu. Ao final do Sarau, uns 150, entre poetas e freqüentadores, foram à frente suplicar o perdão das divinas. E aos gritos de: “Ajoelha! Ajoelha! Ajoelha! Todos nós ajoelhamos. Todos. Foi uma das noite mais lindas que a periferia já presenciou. Se você quiser ver o vídeo do ajoelhaço no youtube, acesse: http://www.youtube.com/watch?v=YfAJWR5YLsM Fiz até um texto sobre esse dia e publiquei no meu blog, e queria dividir com vocês:
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DIA INTERNACIONAL DAS MULHERES Ninguém sabe ao certo quando e como surgiu a data em que se comemora o Dia Internacional da Mulher. Um dos seus maiores mitos é a versão capitalista americana que diz sobre a morte de 129 costureiras queimadas vivas em Nova York no ano de 1857, originando e ratificando assim o dia 8 de março como data comemorativa do Dia Internacional da Mulher. Mas uma breve pesquisa pode revelar que a história não foi bem assim, e que pode ser apenas “mais um besteirol americano” (vale pesquisar). O fato não invalida a luta das mulheres em busca da igualdade ao longo da história da humanidade. Nem suas personagens, suas heroínas, seus feitos, suas derrotas e suas glórias, mas é que a verdade combina muito melhor com a história feminina. Poderia citar milhares de nomes dessas infantes, e ainda assim não estaria cometendo justiça. Eu, particularmente, acho que tirando a beleza, a força, a cultura e o caráter, as mulheres e os homens são iguais. Apesar de não imaginar a Camila Pitanga de bigode e o Ronaldinho Gaúcho matando a bola nos seios. Fisicamente, está bom do jeito que está. Mas espiritualmente... está muito longe do ideal. Aqui no Brasil foi preciso a Lei “Maria da Penha” (nº11340 de agosto de 2006), que conforme o que está escrito, cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, para conter a fúria assassina do sistema machista que impera na sociedade brasileira. Avança o direito feminino, num país em que há lugares em que um simples apito pode salvar a vida de uma mulher. De olho em tudo isso, nesta quarta-feira, no dia 5 de março de 2008, sob uma lua linda e propícia ao perdão, aconteceu uma das noites mais lindas da periferia de São Paulo, e no centro do coração de muita gente: o ajoelhaço no Sarau da Cooperifa. Uma noite de poesia e perdão. Como já é tradição, sempre nesta época do Dia Internacional das Mulheres os poetas promovem um Sarau dedicado às guerreiras presentes, e, mais ou menos umas 22:30h, o recital é interrompido para que os poetas e presentes venham à frente, e de joelhos peçam perdão por tudo de ruim e covarde
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que nós já proporcionamos a elas, ao longo da nossa existência. Uma noite linda! Para se ter uma idéia, havia mais ou menos umas quatrocentas pessoas nesta quarta-feira, mais de cem mulheres, e todas gritando ao mesmo tempo: AJOELHA! AJOELHA! AJOELHA! Ajoelhamos. Muitos de nós poderíamos passar a vida inteira ali, ajoelhados, em busca do perdão, que não seríamos perdoados. E por tudo... e por todos. O mais importante é que nós estávamos ali, de joelhos, uns por diversão, outros por oração, aprendendo com a dor alheia o peso de nossas mãos. Lógico que não será isso que vai mudar a condição feminina, e nem vai apagar todas as injustiças e os crimes cometidos pelos homens, longe disso. Mas é tratar a nossa mente e o coração machista da quebrada, e não só com palavras, com atitudes. Pois às vezes pequenos gestos que acolhem a sutileza revelam ensinamentos profundos. Um discurso na mão e a prática na outra. Sem maquiagem. Encarar o problema de frente já é um grande aprendizado. Humildade é muito mais do que uma palavra, é um sentimento. Se por acaso vão presentear alguma mulher com buquê de rosas, vejam se não deixaram nenhuma violeta estampada no rosto dela. Nunca esqueçam: “...espinhos e pétalas fazem parte da primavera.”
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O Sarau da Cooperifa foi ao longo dos anos se tornando um grande refúgio de poetas, e a poesia da periferia que sofreu tanta influência do rap, agora via seu quartel general tomado por pessoas ligadas ao hip-hop. Aí, conversei com o Eleilson, da Ação Educativa, que precisávamos fazer uma parceira em um projeto que abrigasse somente os rappers e somente a poesia. A idéia foi criar um Sarau para o rap, que significa ritmo e poesia, mas que eles não cantassem sobre a batida, somente recitassem as letras, à capela. Um Sarau dedicado somente a rimadores e rimadoras e que estimulasse ainda mais a criação poética dos envolvidos. O Sarau RAP foi inspirado nos movimentos culturais americanos slam e spoken word. O Sarau acontece sempre na última quintafeira de cada mês, desde abril de 2007. A Ação Educativa fica no centro de São Paulo, por isso o público, estimado sempre entre cinqüenta ou mais pessoas, são de todas as partes da cidade (leste, oeste, sul e norte). Por isso o Centro é um lugar ideal para o evento. E para o fim de 2008 nós estamos selecionando letras para um livro do Sarau RAP. O Eleilson da Ação Educativa seria mais tarde parceiro num outro projeto literário.
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Saiba um pouco mais sobre o slam e o spoken word:
Poesia das Ruas pretende se inserir no movimento poético social que nos Estados Unidos se denomina slam ou spoken words. Surgido em Chicago em 1985 por iniciativa do escritor Marc Smith, que organizava competições de poesia no Bar Green Mill, o slam ganhou popularidade com o filme homônimo de Marc Levin no final da década de 1990. O sucesso deste filme na Europa propagou o slam no velho continente, principalmente na França, fazendo de Paris a capital mundial dos slameurs, como se define por lá, os poetas urbanos adeptos do slam. Em São Paulo há uma cena forte de saraus, mas não há registro de um evento que enalteça a poesia do rap com declamação, sem música. Há importantes eventos como a rinha de MCs promovida pelo rapper Crioulo Doido no Grajaú, Zona Sul de São Paulo, mas um sarau só para rapper recitar suas letras, talvez o Poesia das Ruas seja o primeiro. No Brasil a polêmica em torno do estatuto poético da letra de canção é antiga. Este debate, porém, se restringe às hostes da MPB e dos poetas. Acreditamos que o rap foge a essa polêmica, já que é na própria essência uma poesia, como o próprio nome sugere: ritmo e poesia.
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Outro dia estava conversando com o amigo e jornalista Eduardo Toledo e ele havia me dito que tinha passado o revéillon de 2006 em uma cidade do interior. Na cidade, a maioria dos turistas, assim como ele, passava a meia-noite nos bares. Só que tinha uma curiosidade: as pessoas eram convidadas a escreverem mensagens de paz ou coisas assim, e depois elas seriam enviadas em balões de gás, e assim era feito em outros bares, sempre no mesmo horário. Na hora eu pensei: vamos fazer isso lá no Sarau da Cooperifa. Reuni-me com a turma e todos piraram na idéia. Falei com o Ali Sati, da Eurotur, que arrumou as bexigas. Eu e o Celsinho fomos atrás do gás hélio e todos nós realizamos o evento. O 1º Poesia no Ar aconteceu em abril de 2007 e contou com trezentas bexigas. O Sarau aconteceu normalmente até às 22:30h, mas depois uma pequena multidão de mais de trezentas pessoas se aglomeraram em frente ao Bar do Zé Batidão, e às 23:00h em ponto nossa poesia foi lançada no céu de São Paulo. Por falta de experiência e na correria esquecemos de colocar o endereço do remetente, para que as pessoas que fossem abordadas pela nossa poesia soubessem da sua origem. Só tivemos um retorno de uma pessoa que recebeu a bexiga, no bairro de Pinheiros, bem distante de onde ela foi lançada. O evento foi tão
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bonito que não podíamos deixar de realizar. Aliás, o Poesia no Ar já faz parte do calendário da Cooperifa. Neste ano preparamos um Poesia no Ar bem mais planejado. Pra começar foram confeccionados pelo artista plástico Brói, com fotos do João Wainer, dois mil convites em forma de cartão postal para a distribuição aos nossos amigos. O convite, de tão bonito, já era uma lembrança do evento. Com apoio da Cooperifa, Zé Batidão e Ali Sati, nós fizemos quinhentas bexigas com o logotipo da Cooperifa impresso. A Rose e a Lu mandaram fazer papéis timbrados com o nome da Cooperifa e com o endereço do bar para que todos pudessem escrever seus poemas e suas mensagens, e para que todos aqueles que recebessem via aérea tivessem oportunidade de responder, se quisessem, é claro. Neste último Poesia no Ar uma pequena multidão de mais de quinhentas pessoas se aglomeraram em frente ao bar do Zé, e ao final da contagem regressiva lançaram suas poesias e suas mensagens de paz ao povo paulistano. Conforme o retorno que tivemos, vários quintais foram visitados pela nossa poesia. E de vários bairros distantes da Piraporinha, onde estamos. Cada um, a seu modo, recebeu um pedaço do Sarau da Cooperifa. Escrevi um texto para sintetizar este dia: Batalha de abril (Poesia no ar) Não há palavras para descrever o que foi a noite de ontem (30/04/2008) no Sarau da Cooperifa. Quem sabe talvez “catarse” seja a palavra para defini-la. Na noite mais fria de São Paulo a periferia teve uma das noites mais lindas de sua vida. Uma das noites mais gentis e belas de nossas vidas. Uma noite em louvor à amizade, à palavra e à poesia. Uma noite para sempre, em nossas retinas. Só para se ter uma idéia, nesta quarta-feira fria de véspera de feriado, onde boa parte dos paulistanos estava entrincheirada e mau-humorada na imensidão do trânsito em busca de dias de paz, onde a torcida do Palmeiras, Corinthians e São Paulo estavam em casa ou no Morumbi assistindo aos jogos, mais de
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quinhentas pessoas vindas da comunidade, de outras quebradas, outras cidades, de outros estados e até de outros países, compareceram ao Sarau da Cooperifa para participar do 2º Poesia no Ar, que para sempre, devido às dificuldades, será lembrado como a batalha de abril. Duas escolas, Zacarias e Antônio Agio, enviaram seus alunos para prestigiarem o evento. Os professores dessas duas escolas acreditam que o Sarau da Cooperifa é uma extensão da sala de aula; por conta disso, da proximidade do conhecimento, muitos de nós estamos perdendo o medo das notas vermelhas e estamos voltando a estudar. A gente achando que estava seduzindo a escola, e a escola, dos nossos parceiros professores, nos seduzindo descaradamente. Sem os muros entre nós, que bela aula nós tivemos – muita gente já voltou a estudar por conta dessa irmandade. Escola + comunidade = Futuro. Bom, mas voltando à noite mágica, o Sarau transcorreu normalmente até às 22:30h, e vale lembrar que tinha mais ou menos uns cinqüenta poetas para declamar, e todos recitaram normalmente. Quer dizer, foram normalmente fantásticos! Uma poesia mais bela do que a outra, se é que isso é possível, e uma noite de literatura pura, como há muito não se via, como há muito não se produzia. Mesmo por aqueles que ordenam, quem deve escrever e quem deve ler nesta metrópole cinza e analfabeta, comandada por uma elite de intelectuais arrogantes que nos odeiam por amar os livros e a criação poética. Que comam brioches! A esta altura, quase quinhentos balões, portando poesia e mensagens do Sarau da Cooperifa, devem estar chegando nos quintais do povo paulistano, com um pouco do que aconteceu na noite de quarta-feira. Dê uma olhada no seu quintal, quem sabe... Se você não esteve lá, perdeu, porque não vai passar em nenhum órgão da imprensa, que tem muito mais apreço à bala perdida do que poesia. Ora, então por que será que eles tanto pedem paz? Em frente à praça uma pequena multidão portando balões com munição poética aguardava em posição de combate a contagem regressiva, para o atacar a cidade enquanto ela dormia, quase
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que inocentemente, com uma chuva de poemas contendo um gás extremamente venenoso: a resistência. Não banquem os tolos: estamos em guerra, e a nossa poesia iletrada, dura e com cheiro de pólvora é apenas um artifício para confundir os tais sábios e os que fingem que não sabem de nada. A poesia no ar é só aviso que o nosso pequeno exército marcha corajosamente sobre a terra, contra tudo e contra todos, mas sem esquecer o sorriso no rosto e os punhos cerrados. Somos nós por nós! Por uma periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor.
Coleção Literatura Periférica
“Ser independente ou não, eis a questão.” Passei toda a vida editando meus livros independentes, todos os cinco, e quando já nem imaginava mais uma grande editora na minha vida, surge a Global Editora no meu caminho. O Eleilson, da Ação Educativa, que a essa altura já se tornara um grande amigo, tinha pensado em uma idéia de criar uma coleção com vários autores da periferia, uma coleção intitulada Literatura Periférica. Pegou a idéia e conversou com o Luiz e o Jéferson, da Global, que resolveram investir na coleção. Para a primeira coleção foram convidados eu, Sacolinha, Alessandro Buzo, Allan da Rosa e a Dinha, e mais para frente se juntaram à coleção o rapper GOG e o poeta baiano Nelson Maca, da Blackitude. Fomos para a primeira reunião da editora, intermediada pelo Eleilson, cheios de desconfiança, mas aos poucos fomos percebendo que a editora nos queria exatamente como a gente era e como a gente escrevia. O que para nós já era uma grande coisa, já que estávamos trocando o certo pelo duvidoso. De minha parte, com mais de cinco mil livros vendidos de mão em mão ao longo desses vinte anos, achei que já estava na hora de tentar uma nova experiência. Aliás, uma experiência que eu
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aguardava há mais de vinte anos. Hoje, por exemplo, o livro pode ser encontrado em todas as livrarias do Brasil. A editora resolveu lançar todos os livros que nós já havíamos lançado de forma independente, ou o livro que o autor escolhesse. Eu relancei o Colecionador de pedras, que é o meu livro que comemora os meus vinte anos de poesia. O livro ganhou uma nova capa, mas continuou exatamente com eu o havia concebido. Para a apresentação do livro eu convidei o escritor Ferréz, que fez um bonito texto. E para a contracapa continuei com o texto do Nelson Maca, que já tinha escrito no livro independente. Como ia ser um livro com uma grande editora, eu precisava fazer um grande lançamento, e com a cara da periferia. Escolhi um espaço chamado CEMUR, que tem aqui em Taboão da Serra, e preparei um grande evento para receber o livro da Global. Na mesma noite contei com a ajuda da família e os amigos de sempre, e realizamos um grande evento, com sarau de poesia, rap, MPB, dança, cinema, teatro e apresentações de artistas gerais. Foi uma noite totalmente atípica para o lançamento de um livro. Mas foi uma noite com a minha cara, com a cara da Cooperifa. Inesquecível. Conforme alguns, tinha mais de quinhentas pessoas no lançamento. Eu lembro de um por um. Novos vôos, mas com os pés sempre grudados no chão.
As guerreiras da Cooperifa
Desde o início do Sarau poucas mulheres apareciam para recitar; uma coisa que eu não sei explicar até hoje, já que desde os meus primeiros livros eu ouvia alguns dizerem que o livro que estavam comprando ou era para esposa ou para a filha. Como se fosse uma vergonha o cara da periferia gostar de poesia. O rap ajudou muito a mudar essa opinião. Ora, então se são as mulheres que gostam de poesia, por que demoraram tanto para recitar no Sarau? Mistério. Bom, mas isso não quer dizer que elas nunca estiveram presentes. Sim, desde sempre. Já nos primeiros dias as mulheres é que seguram todas as ações da Cooperifa. Hoje nada acontece sem a presença e a força da Rose, musa da Cooperifa, e da guerreira Lu Souza, que sempre estão à frente do movimento. A Rose todo mundo conhece, é pau para toda obra, Cooperifa até a medula e está desde o começo com a gente, só parou de vir quando voltou a estudar; hoje escreve e recita. A Lu é professora e chegou com o Sarau em movimento e nunca mais faltou aos nossos encontros. Hoje, além de falar muito bem ela tem se tornado uma grande poetisa Para não ficar só nelas, por lá estão e já passaram grandes guerreiras que dão a luz necessária para que o movimento nunca caia em qualidade. Mulheres fortes e inteligentes como Otília, Sônia, Juliana, Bárbara e Lila, Tiana, Andréa, Ricarda,
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De Lourdes, Lea, As irmãs Retrão, Eliane Brum, Rose Eloy, Luciana Dias, Sandra Cavalo de Pau, prof. Lili, Samantha, Pilar, Diane, Raíssa, Dona Edite, Elizandra, Sandra Lea, Dinha, Helena, Viviane, Mariana, Clarice, Cema, Ligia, Kátia (Brava), Fernanda, Vilma negra drama, dra. Elizabeth, Laide, Doca, Ju, Daniela Mercedes, Renata Dias, Izilda, Harumi, Tânia Canhadas, Neide Canto, Anabela, Cidinha Silva, Clarinda, Kely, Claudia, Paula Preto, Maria Teresa, Valéria e sem contar às inúmeras guerreiras que entram e saem das nossas vidas a todo instante e dão corda nesse relógio chamado Cooperifa. Não quero nem mencionar as mulheres que freqüentam o Sarau, se não iria cometer injustiças, como já devo ter cometido na lista acima. Mas elas sabem quem são e o que representam. É tudo delas!
Semana
Mod
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Cap.11
Antro fagia
Antropofagia Periférica Semana de Arte Moderna da Periferia
Periférica
derna Cap.11
Antropofagia Periférica
Como já tinha dito anteriormente, a Cooperifa foi criada e pensada na Semana de Arte Moderna de 1922, e há muito nós da Cooperifa vínhamos discutindo a possibilidade de realizar uma Semana de Artes para nós, inspirada na Semana de Artes da elite paulistana. Quer provocação maior? Tinha que ser uma semana inteira de artes na periferia, e para a periferia, nos mesmos moldes da turma de Oswald de Andrade. Lógico que o terreno estava propício; a zona sul, principalmente, estava abarrotada de gente fazendo arte e cultura por todos os lados, era só reunir as tribos e devorar o nosso Bispo Sardinha também. Estava começando a se desenhar a nossa Antropofagia Periférica. Como era um evento muito grande, a Cooperifa não ia poder realizar sozinha, por isso foram convidadas várias lideranças culturais para pensar e conceber a nossa Semana. Primeiro começamos a nos reunir às segundas-feiras no Bar do Zé Batidão, lugar que era próximo a todos. E também uma espécie de sede da Cooperifa. Para se ter uma idéia, tinha dia que havia até quarenta pessoas discutindo sobre como e quando seria a nossa Semana. Também tinha os palpiteiros culturais, gente que só ia para tumultuar o ambiente, mas aos poucos fomos enquadrando os teóricos da quebrada.
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A primeira discussão foi em torno do nome, Semana de Arte Moderna da Periferia. Muitos não queriam porque era um nome usado pela elite cultural de São Paulo, e que devíamos ter um nome voltado para semana cultural da periferia, ou coisa assim. Mas quem daria bola para uma semana de artes produzida no gueto da maior e mais preconceituosa metrópole do Brasil? Ninguém. Mas o que alguns não sabiam era que nós da Cooperifa queríamos justamente era isso mesmo, comer esta arte enlatada produzida pelo mercado que nos enfiam goela abaixo, e vomitar uma nova versão dela, só que desta vez na versão da periferia. Sem exotismos, mas carregada de engajamento. Uma arte com endereço e com sua bússola apontada para o subúrbio, 85 anos depois, como previu o poeta. Conforme se viu, as massas realmente estavam afim de comer o biscoito, fino ou não. Bom, já tínhamos nos apropriado da escrita, e já tínhamos apropriado o nome sagrado da Semana, o que causou ainda mais ódio nos intelectuais que já nos odeiam o suficiente por ousar ler e escrever, imagina o que será que causou neles quando nós usamos o mesmo desenho de Di Cavalcanti para o cartaz de 2007?! O cartaz de 22 era apenas um arbusto seco com poucas folhas vermelhas e sugerindo um terreno árido. Parodiando o cartaz, o artista plástico Jair Guilherme transformou o pequeno arbusto em um enorme Baobá e cheio de frutos, o que muitos interpretaram como gotas de sangue, o qualificaram como violento; nós achamos do caralho. Isso basta. Falando assim até parece que foi fácil decidir qual seria o logotipo do nosso evento. Esse desenho demorou quase um mês para ser aceito, isso porque o Jair, que estava incumbido do desenho, a certa altura dispensou as opiniões e trouxe o cartaz já pronto, depois de inúmeras tentativas não aprovadas. A Semana aconteceu em novembro e as reuniões começaram em agosto.
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Outra coisa que também estava certa, e que economizou tempo e discussão, era quanto aos locais das apresentações. Todas teriam que ser na periferia, impreterivelmente. Senão, não teria a menor razão de ser. Também os grupos teriam que ser da quebrada, o que já não foi tão simples assim decidir. Quando a notícia que nós iríamos fazer uma Semana Periférica se espalhou pelos quatros cantos da cidade, centenas de pessoas queriam se inscrever para participar. Gente da Leste, da Sul, da Norte, Oeste e Centro queria fazer parte desse acontecimento. Muitos argumentaram que havia vários grupos que não eram da perifa, mas eram tão ou mais importantes que nós, o que não deixava de ser verdade. São Paulo tem muita gente importante trabalhando para a cultura, independente da geografia, mas aí uns diziam que muitos desses grupos tinham oportunidades nos espaços centrais, e que agora seria a nossa vez. O que também é uma grande verdade. O único espaço que nós temos é o bar. O que fazer? Começamos a exercitar a democracia, fizemos uma eleição. Conforme o resultado, só os artistas ligados à periferia seriam convidados, e também ficou acertado que os locais também seriam só na quebrada, e na Zona Sul de preferência. Era onde se concentrava a maioria dos envolvidos, e também por falta de grana, que foi um outro problema sério, mais para frente eu conto. Quanto mais a gente se reunia, mais gente chegava, e alguns que chegavam queriam mudar o que já estava decidido. Uns faltavam nas reuniões e depois queriam saber por que isso ou aquilo tinha sido decidido. Enquanto o tempo passava, a convivência entre alguns já estava abalada. Nós da Cooperifa, que éramos os curadores do projeto, sabíamos que não ia ser fácil reunir vários grupos, mas também sabíamos que era necessário esse tipo de reunião. Teríamos que sobreviver às diferenças em prol de um objetivo maior que era a Semana. Particularmente nunca gostei de reunião. Tem
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gente que se reúne até para decidir quando vai ser a reunião. Na Cooperifa a gente põe fogo, depois vê como apaga. Mas... Ficou acertado que a Semana começaria num domingo, 04 de novembro, com uma grande caminhada cultural que começaria na ponte do Socorro – ponte que separa a gente dos bairros mais centrais –, e viria pela estrada do M’Boi Mirim, que é uma avenida importante para os bairros da região da Zona Sul, e que é uma espécie de avenida Paulista para nós. A Polícia Militar e o DSV não autorizaram a caminhada, por isso viemos pela calçada, pelo menos no começo; depois invadimos uma pista pacificamente e caminhamos nós, centenas de pessoas, até a Casa Popular de Cultura M’Boi Mirim. Conforme o combinado, a Semana iria começar com as artes plásticas no Sacolão das Artes no Parque Santo Antônio. A dança ficou para a terça-feira no CÉU Campo Limpo. Na quarta-feira, a literatura aconteceu no Sarau da Cooperifa. Antes, à tarde, teve um debate na Casa Popular de Cultura M’Boi Mirim. O cinema aconteceu na quinta-feira no CÉU Casablanca, na vila das Belezas. Sexta-feira o teatro tomou conta no Centro Cultural Monte Azul. Sábado a música voltou novamente ao palco da Casa de Cultura M’Boi Mirim. E como ninguém é de ferro, no domingo encerramos com um enorme churrasco com os participantes no bar do Zé Batidão. Contando assim até parece que não teve emoção nenhuma, né não? Mas após algumas páginas eu vou contar como foi cada dia da semana. Com as datas e locais na mão, as reuniões deixaram de ser centrais e enormes e passaram a ser por artes, o que facilitou e muito a nossa vida. Por exemplo: em uma mesa ficavam os grupos de teatro e na outra os grupos de música, e assim sucessivamente. E cada mesa elegia um coordenador e ele é quem levava as dúvidas e decisões para a mesa administrativa. Sim, tinha uma mesa para administrar os pepinos.
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A gente queria tudo, mas na tinha nada. Quase tudo decidido, a gente só tinha uma dúvida: onde iríamos arrumar dinheiro para o nosso sonho? Pois é, essa era a função da administração, de onde eu fazia parte. A Cooperifa só tinha R$3.550,00 em caixa de um evento que nós tínhamos feito na cidade de Dois Córregos, e um pouco das camisetas promocionais da semana. Diz o ditado que quem tem amigos não morre pagão. O ditado não nos deixou na mão, nem os amigos. O Eleilson da Ação Educativa foi um cara muito importante nesse processo. Ele conseguiu os papéis da divulgação do evento na Ação Educativa, o apoio da Global Editora “Literatura Periférica”, e da Maxprint. Eu fui conversar com o pessoal do SESC Santo Amaro, através do meu amigo Marco, que também deu uma força legal. O Gil Marçal conseguiu o apoio da AASAOC, e o Itaú Cultural nos ajudou com som e iluminação, o que adiantou e muito o processo de produção. Aliás, quando eu pedi o som para o Itaú Cultural, acabei conhecendo pessoalmente a Heloisa Buarque, e é por isso que estou escrevendo este livro. Estava participando, eu, Rose e Cocão, no Rio de Janeiro, do seminário ONDA CIDADÃ, a convite do Claudiney Ferreira, quando encontrei o Eduardo Saron e falei para ele sobre a Semana. Agradecimentos especiais ao Natale e ao Nuno. Também especiais são os agradecimentos a DGT Filmes e ao Coletivo Epidemia. O dinheiro deu em cima e foi o suficiente. Não houve loucuras. Foi suficiente e ainda sobrou dinheiro para patrocinar uma revista da Semana de Artes, produzida pelo Gunnar, e editar a 2ª Antologia Poética do Sarau da Cooperifa, que será publicada em junho/2008. A Semana de Arte Moderna da Periferia contou com a participação de centenas de artistas e foi assistida por milhares de pessoas, tanto do centro como do subúrbio. Foi pensada e produzida pelo povo simples, por artistas marginalizados pela falta
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de espaço para a produção cultural; uma semana inteira de atividades que se realizaram de baixo para cima, como profetizou o geógrafo Milton Santos. Uma semana que mobilizou várias comunidades. Gente que sequer tinha ido ao teatro ou assistido um espetáculo de dança teve esta oportunidade, sem que tivesse sido abençoado pela mão do governo. Arte de graça, dada pelo próprio povo, em troca de luz, do brilho da auto-estima. Talvez por isso, por ter sido um evento demasiadamente periférico, é que muita gente não pôde assistir o que aconteceu nesses dias. Umas não viram por conta do velho e mau preconceito arraigado na alma de uma burguesia racista e violenta que se apoderou da alma paulistana. Sabe por que afirmo isso? Porque a Semana não nos foi imposta pelo governo. Porque ela obedecia apenas a uma linguagem, a nossa. Porque esse macro-evento aconteceu durante uma semana inteira em vários bairros da periferia, e as TVs, a não ser que sejam balas perdidas, não têm o menor interesse no que acontece de interessante na periferia. Os jornais e revistas de grande circulação também ignoraram a nossa Semana (saiu só no Le Monde Brasil), e se não fosse pelas revistas e jornais, fanzines, pixações, sites e blogs comprometidos com a notícia, sequer poderíamos provar que estamos falando a verdade. Sequer poderíamos provar que um dia nós tivemos a nossa Primavera de Praga. Para não ser injusto, a revista Época, através da jornalista e escritora Eliane Brum, fez uma excelente matéria sobre a Semana, e o que estava preparando. Foram sete páginas sobre o lado interessante da periferia. A periferia não-exótica. Aquela que enfia o dedo na cara e chama pra briga. Aquela que muita gente não quer ver. Por tabela, Eliane também falou sobre o movimento literário da periferia. O Jornal do Brasil de fato acabou virando nosso porta-voz; o Danilo conseguia espaços generosos para a divulgação
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do evento, e acabou que o jornal virou grande parceiro da Cooperifa. A revista Caros amigos, que sempre foi parceira nas nossas empreitadas, também divulgou legal. A revista do Brasil, a revista do MST, a agenda cultural da periferia, o Agora SP, a revista Raiz, o jornal SP Imprensa, o Jornal do Bairro, o Jornal da Tarde, o Guia da Folha, os sites Bocada forte, Real Hip Hop, Rap Nacional, o Taboanense, entre tantos outros que agora me fogem da memória, também foram de suma importância para o sucesso da Semana de Arte Moderna da Periferia. Se a gente perdeu em quantidade, ganhou em qualidade. O que a gente queria mesmo era que o Brasil inteiro soubesse o que a gente estava fazendo, para que o Brasil inteiro também fizesse o que a gente estava fazendo. Sacou? A Semana só foi possível porque várias pessoas se empenharam e deixaram de lado as diferenças artísticas e pessoais. Não seria possível sem a força do Jair Guilherme, Ademir da Brava Companhia, Mário Bibiano, Roberto QT, Jairo, Ricarda, Márcio Batista, Arákúrin, Euller Alves, Wagner Felipe, Cocão, Anabela, Gil Marçal, Mavotsirc, Lu Souza, Robson Canto, Rose Dorea, Tadeu Lopes, Casulo, Lerói, Anderson, Vicente, Sales, Gunnar, Preto Will, Juliana, Pixote, Daniel, Peu, Bárbara e Lilá, e mais alguns nomes que estou esquecendo, o que vai me trazer alguns problemas. Leia o manifesto que escrevi para a Semana, inspirado no manifesto de Oswald e nas idéias da Cooperifa. E também um texto que foi publicado no jornal Brasil de fato, que era uma explicação do por que da gente realizar uma Semana de Artes na periferia:
Manifesto da Antropofagia Periférica A periferia nos une pelo amor, pela dor e pela cor. Dos becos e vielas há de vir a voz que grita contra o silêncio que nos pune. Eis que surge das ladeiras um povo lindo e inteligente galopando contra o passado. A favor de um futuro limpo, para todos os brasileiros.
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A favor de um subúrbio que clama por arte e cultura, e universidade para a diversidade. Agogôs e tamborins acompanhados de violinos, só depois da aula. Contra a arte patrocinada pelos que corrompem a liberdade de opção. Contra a arte fabricada para destruir o senso crítico, a emoção e a sensibilidade que nasce da múltipla escolha. A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza. A favor do batuque da cozinha que nasce na cozinha e sinhá não quer. Da poesia periférica que brota na porta do bar. Do teatro que não vem do “ter ou não ter...”. Do cinema real que transmite ilusão. Das Artes Plásticas, que, de concreto, querem substituir os barracos de madeira. Da Dança que desafoga no lago dos cisnes. Da Música que não embala os adormecidos. Da Literatura das ruas despertando nas calçadas. A Periferia unida, no centro de todas as coisas. Contra o racismo, a intolerância e as injustiças sociais das quais a arte vigente não fala. Contra o artista surdo-mudo e a letra que não fala. É preciso sugar da arte um novo tipo de artista: o artista-cidadão. Aquele que na sua arte não revoluciona o mundo, mas também não compactua com a mediocridade que imbeciliza um povo desprovido de oportunidades. Um artista a serviço da comunidade, do país. Que, armado da verdade, por si só exercita a revolução. Contra a arte domingueira que defeca em nossa sala e nos hipnotiza no colo da poltrona. Contra a barbárie que é a falta de bibliotecas, cinemas, museus, teatros e espaços para o acesso à produção cultural. Contra reis e rainhas do castelo globalizado e quadril avantajado.
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Contra o capital que ignora o interior a favor do exterior. Miami pra eles? “Me ame pra nós!”. Contra os carrascos e as vítimas do sistema. Contra os covardes e eruditos de aquário. Contra o artista serviçal escravo da vaidade. Contra os vampiros das verbas públicas e arte privada. A Arte que liberta não pode vir da mão que escraviza. Por uma Periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor. É TUDO NOSSO!
Periferia moderna – por Sérgio Vaz1 A periferia, apesar da dura realidade e abandono dos governantes em geral, está dominada pela poesia. Prova disso são os saraus que não param de acontecer nas quebradas de São Paulo. E por conta dessa poesia e dessa literatura que se alastra pelas ruas, as pessoas mais simples têm se interessado um pouco mais em ter uma vida cultural. Um clássico exemplo é o Sarau da Cooperifa, que na ausência de teatros, bibliotecas, livrarias, cinemas, museus e raríssimos espaços para acesso à cultura, transformou um boteco na periferia da maior cidade do Brasil em Centro Cultural. No bar, há seis anos, todas as quartas-feiras, uma média de duzentas pessoas com picos de até quatrocentas – reúnem-se para ouvir e falar poesia. O sarau é freqüentado por toda a comunidade, e gente de várias quebradas, inclusive do Centro. Os saraus que acontecem na periferia têm se transformado num grande Quilombo cultural. Muitos até os denominam de o movimento dos sem-palco. O Sarau da Cooperifa, por exemplo, é freqüentado por poetas, motoristas de táxis, donas-de-casa, desempregados, professores, crianças, jovens, adultos, idosos, jornalistas, mecânicos de auto, motoboys, advogados, estudantes etc., e muitos deles tinham apenas a televisão como referência cultural. E boa parte dessa gente 1 Do jornal Brasil de fato.
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que nunca havia tocado num livro ou sequer ouvido uma poesia foi seduzida ali, na porta do bar, pela literatura. Não é de embriagar? E o que é melhor é que boa parte deste povo lindo e inteligente, hoje, já estão segurando seus próprios livros editados nas mãos. A maioria tem seus escritos registrados em CDs e antologias que se alastram pelos becos e vielas da grande metrópole paulistana. Sem contar que através da oralidade muita gente tem se tornado grandes intérpretes de poesias de autores consagrados. O livro, sempre tratado como pão do privilégio, chegou na periferia através da palavra. Literalmente no boca-a-boca. Lógico que não se trata de uma literatura melhor que a produzida pela academia; também não é menos importante como sugerem alguns. Muitos dos intelectuais nos acusam de assassinar a gramática e seqüestrar a crase, por isso é comum ver jovens poetas e escritores sendo enquadrados pelas canetas nervosas dos acadêmicos como suspeitos de abusarem da palavra alheia. Mas esconder e negar a educação por quinhentos anos também não é crime? Menos vírgulas, mais acento, mas ainda assim literatura. O mais difícil foi acordar. Aprender é um verbo que se conjuga em grupo. Falando em aprendizado, nesses seis anos de atividades do Sarau da Cooperifa mais de trinta autores lançaram seus livros lá. Boa parte deles criados ali mesmo, no solo duro do bar. Grupo de teatro com a Brava Companhia, Ação e Arte, Cavalo de Pau, Irmãos Carozzi, entre outros, encenaram, ali, no chão duro, as suas peças. Pessoas com mais de 50 anos que nunca haviam ido a um teatro assistiram ali, tomando rabo-de-galo, à sua primeira peça. Vários documentários produzidos por jovens da região e de cineastas consagrados são freqüentemente exibidos ali também. Exposição de fotos, artes plásticas, lançamento de discos e DVDs, tudo que é e está sendo produzido pela periferia está sendo também consumido por ela. Hoje em dia na periferia de São Paulo, por onde quer que você olhe tem alguma coisa acontecendo, e para todos os gostos: Panelafro na Casa Popular de Cultura M’Boi Mirim, Cine Becos e
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vielas, Sarau do Binho, Sarau Elo da Corrente, Sarau RAP, Favela toma conta no Itaim Paulista, Quilombagem, Samba da vela, Samba da Hora, Poesia das ruas, Saraus nas escolas, Bibliotecas nas favelas, 1 da sul, saraus nos acampamentos do MST, o rap, o reggae etc. A gente no centro de tudo e nem se dava conta disso. Estamos vivendo a nossa Primavera de Praga. Baseado neste momento de luz, a Cooperifa e um grupo de artistas propõe, 85 anos depois, uma nova Semana de Artes, só que agora oriunda da periferia. Uma nova história escrita e contada por quem realmente vive por ela e para ela. Uma nova versão daquela Semana, contada não de fora para dentro, mas de dentro para fora. Construída com as mesmas mãos calejadas que construíram a cidade de São Paulo. Uma Semana cultural criada e produzida com o mesmo suor desse povo que tanto luta por um Brasil melhor. A idéia da Semana não é somente propor um outro tipo de linguagem, mas também um outro tipo de artista. Um artista mais humano e solidário e uma arte que preze pela estética, mas que também ofereça conteúdo. Um artista formado pelo caráter da sua obra, não forjado em pranchetas de publicitários, onde a mesma música lançada nas rádios pela manhã é a que vende xampu, carro, miojo e cerveja no final da tarde. E de quebra, jingle para campanhas políticas. A Cooperifa, ao produzir a Semana, deseja estimular o interesse pela leitura, a criação poética, o gosto pelo teatro, cinema, e aliar-se à escola e à universidade para que a cultura seja um elemento primordial para a construção de seres humanos melhores e mais conscientes. Moderno por aqui tem sido ousar e encarar novos desafios: o medo ficou no período Barroco.
Veja aqui como foi a programação e logo depois eu conto como foi cada dia da Semana.
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Semana de Arte Moderna da Periferia programação: DOMINGO: 04/11 – CAMINHADA CULTURAL Trajeto entre o Largo do Socorro e Casa de Cultura M’Boi Mirim (Largo de Piraporinha) SEGUNDA: 05/11 – ARTES PLÁSTICAS 11h Oficinas de artes plásticas 19h Exposição coletiva com artistas da periferia. Expositores: Ricardo Akemi, Boicote, Ganu, Jair Guilherme Filho, Marcus Vinicius, Michel Onguer. A trajetória vivida na periferia. Local: Sacolão das Artes – Parque Santo Antonio TERÇA: 14h 14h30 15h30 18h 18h30 19h30 20h00 20h30 Local:
06/11 – DANÇA Mostra de vídeo Palestra /debate Workshop /danças-intervenções poéticas Marana capoeira – roda de capoeira: angola/regional. Flor de Lis (grupo da melhor idade) coreografia: dança indígena Projeto Diversidança coreografia: danças da peneira (flor de lis) Cia. Sansacroma (afro contemporâneo) Espírito de Zumbi (afro brasileiro) CEU Campo Limpo
QUARTA: 07/11 – LITERATURA 17h DEBATE: “A produção literária na periferia”, Debatedores: Alessandro Buzo – Sacolinha, Elizandra Souza – Antonio Eleilson. Mediação: Sérgio Vaz Local: Casa Popular de Cultura M’Boi Mirim – Piraporinha 20h SARAU DA COOPERIFA Local: BAR DO ZÉ BATIDÃO – Chácara Santana QUINTA: 08/11 – CINEMA 16h Dança das Cabaças – Exu no Brasil - 54´ 17h15 Poeira - 5 ‘O Último da Fila - 10’ A Viagem 12’Paralelo: Espasmos de Realidade - 16’ 18h15 Defina-se - 4’Nhanhoma Paulista - 2’Cosmolho - 3’ 19h15 Onomatomania - 2’2 Meses e 23 Minutos
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20h30 19h Local: SEXTA: 8h30 11h 14h 16h
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23’ Panorama: Arte na Periferia - 50´ Conversa entre convidados e público Exibição de vídeos no Terminal Capelinha CEU Casablanca – Vila das Belezas
19h30 Local:
09/11 – TEATRO Café da manhã e colóquio com coletivos teatrais Band’doido apresenta “... Não é contar piada!”. Cia. Diarte Teatral apresenta “Fragmentos de um poeta” UMOJA apresenta demonstração de processo do espetáculo “Quem me pariu?” Capulanas apresenta performance “Negra Poesia” Ação e Arte apresenta performance com trecho d seu novo espetáculo “X” Brava Companhia apresenta “A BRAVA” Centro Cultural Monte Azul – Jardim Monte Azul
SÁBADO: 16h 16h45 17h30 18h10 18h55 19h50 20h40 21h35 11h05 Local:
10/11 – MÚSICA Show com os grupos Trio Porão Chapinha do Samba da Vela e Pagode da 27 Wesley Noóg B Valente Os Mamelucos Banda A Periafricania Preto Soul Versão Popular Casa Popular de Cultura M’Boi Mirim – Piraporinha
17h30 18h
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A abertura da Semana de Arte Moderna da Periferia aconteceu em grande estilo. As irmãs Lila e Bárbara fizeram a leitura do manifesto, e daí por diante o público pôde saborear o melhor das artes plásticas e grafites que são produzidos na periferia. O Jair e Mario Bibiano fizeram um trabalho de dar inveja a qualquer exposição internacional; ficou simplesmente lindo. Várias obras e painéis foram expostos para o deleite dos convidados. As bicicletas penduradas no teto davam o clima de que a gente estava pedalando rumo ao futuro. Todo mundo ficou abismado com a beleza do Sacolão transformado em galeria de arte pelos artistas da comunidade. Lembrei-me do Paulo Magrão que quando me viu disse: “Carái, estou todo arrepiado com a beleza do evento”, mostrando o braço com os pêlos eriçados. A emoção tomou conta de todos. As crianças, sempre elas, fizeram a festa nas oficinas. O Alan Leão fez um mosaico com o logotipo da Semana todo em pedrinhas de azulejo que durou dez horas para produzi-lo, por ele e uma dúzia de garotos. A imprensa grande não veio por conta do avião, perdemos espaço para a desgraça novamente; em compensação não faltou os nossos parceiros de jornais locais, blogs, sites, rádio, revistas etc. E amigos e mais amigos, gente e mais gente, irmãos e irmãs de tudo quanto é lado. Festa linda!
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Para quem não veio, ainda há chance de saber como foi, quando sair nas enciclopédias no futuro, ou nos livros escolares. Quem foi uma das centenas ou milhares de pessoas de pessoas que testemunharam esse maravilhoso encontro da arte com a periferia diz que parecia o Louvre da França, ou qualquer galeria de Milão na Itália, mesmo sem nunca ter pisado o pé no exterior. Ué, não dizem que a arte é uma viagem?
Terça-feira – Dança O Mestre Arákúrin comandou a noite da dança com os grupos Espíritos de Zumbi, Flor de lis, Diversidança e Cia. Sacrossanta. Foi simplesmente maravilhoso! Teve gente que chorou diante de tanta beleza e dedicação dos bailarinos da periferia, pergunte ao Jairo e ao Buzo que choraram no dia. Sim, foi de chorar, mas de alegria, de esperança pela nossa molecada cheia de talento, vencendo os preconceitos e as velhas dificuldades. O CÉU parecia o Céu, se é que ele existe, e se é que você me entende. A Semana realmente estava sendo grande: cheia de arte! E tudo feito por nós, para nós; quem é que é o fraco agora, hein? Moral da história: quer queiram ou não, o lago dos cisnes estava cheio de patinho feio aprendendo a nadar, e se jogassem óleo na água, a gente afogava o ganso.
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Quarta-feira – Literatura (600 pessoas no Sarau da Cooperifa) A periferia de São Paulo parou para acompanhar o dia da literatura na nossa Semana de Arte, gente de todas as quebradas, de todos os estados e até de outros países .. À tarde o auditório da Casa de Cultura M’Boi Mirim ficou lotado para acompanhar o debate sobre “Produção literária na periferia”, com os convidados Sacolinha, Alessandro Buzo, Eleilson Leite, Elizandra e eu na mediação. O debate foi muito rico e importante, quase duas horas falando e discutindo sobre a nossa literatura e sobre a nossa produção. O público bombardeou os convidados com inúmeras perguntas interessantes, foi bem louco! Só de imaginar que o debate foi promovido por nós, apresentado por nós e consumido também por nós, já foi um grande resultado. Todo mundo pirou. Estamos aprendendo a fazer! Estamos aprendendo a fazer! A palavra de ordem era união, o tempo inteiro as pessoas falavam em união. Meu, que coisa maravilhosa! Nunca achei que este dia chegaria, a gente fazendo e escrevendo a nossa história. Perguntem a quem foi, a casa estava cheia, em plena tarde de quarta-feira, para ouvir o que os representantes da literatura periférica tinham a falar, sem falar que boa parte da platéia era de poetas e escritores que, por diversas vezes, inverteram a mesa do debate. Bom, se estava bom ficou melhor: faltando dez minutos para as 20:00h saímos todos correndo pro bar do Zé Batidão para participar do Sarau da Cooperifa Especial. A noite mágica só estava começando. Ao chegar, todos fomos surpreendidos pela decoração do local, tente imaginar: os livros desciam pelo teto em linhas invisíveis até as mesas, pipas de pano flutuavam pelo ambiente, garrafas com poesias dos poetas foram decoradas e distribuídas nas mesas, cartazes com poemas forraram as paredes e o logotipo da Semana foi projetado no teto do bar,
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coisa do nosso mundo!Parabéns às meninas e rapazes: Lila, Bárbara, Fernanda, Cocão, Rose, Augusto, Márcio, prof. Lu, entre outros que não me lembro agora, perdão. Quem chegava já era recebido por este ambiente colorido e aconchegante que é o Sarau da Cooperifa. Abraços e mais abraços. O Sarau começou com uma apresentação do Grupo Espírito de Zumbi na praça em frente ao bar, que foi tomada por uma multidão que não conseguiu entrar. Nesse dia, só do lado de fora tinha mais de trezentas pessoas – eu disse do lado de fora. Do lado de dentro mais umas trezentas pessoas, catarse total. Daí por diante não tenho palavras para expressar o que realmente aconteceu, tamanha beleza e profundidade. Só para se ter uma idéia, o Sales leu sua poesia “Evolucionário” em espanhol. O Alan da Rosa leu sua poesia tocando berimbau, o Márcio Batista fez uma leitura coletiva dos seus poemas, Mavot e Lu fizeram uma apresentação cinematográfica, eu lancei meu clipe poético, e por aí a noite seguiu distribuindo sonhos de uma periferia melhor. Pergunte a quem foi, pergunte às pessoas privilegiadas que estiveram no exato momento que a história estava sendo escrita. O Sarau acabou quase meia-noite, e para terminar ganhamos um presente do Alan Leão, um mosaico com pedrinhas de azulejo formando o logo da Cooperifa, da hora. Dizem que tem gente lá até agora. Depois desta noite a poesia e a literatura da periferia nunca mais serão as mesmas, como eu disse anteriormente: “estamos aprendendo a fazer!”.
Quinta-feira – Cinema O cinema foi o grande tema da Semana de Arte Moderna da Periferia, e para variar a rapaziada preparou um coleção de filmes periféricos de arrasar. Ao velho e bom estilo Glauber Rocha, “uma
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câmera na mão e uma idéia na cabeça”, os nossos cineastas prepararam um seleção magnífíca de filmes e documentários. Como é bom a gente se ver na telona, como a gente gosta de ser visto! O cinema talvez seja a arte mais cara e distante para nós. Por isso que é muito difícil ver filmes que retratem o povo brasileiro sem os estereótipos tão presentes nas telonas. Mas também é uma arte que cresce assustadoramente. Mais e mais jovens estão empunhando câmeras nas mãos e contando histórias da nossa gente, como elas realmente são.
Sexta-feira – Teatro Na sexta-feira foi o dia do teatro na Semana de Arte Moderna da Periferia, foi simplesmente maravilhoso. O Centro Cultural Monte Azul abrigou centenas de pessoas durante o dia inteiro para presenciar a cena teatral da periferia, e quem foi não se arrependeu, foi do caralho! Foi lindo! Foi evolução total! Para se ter uma idéia, as apresentações começaram às 8:00h da manhã com um café-debate com os artistas envolvidos na Semana... e durante o dia inteiro o que se viu foi o talento da nossa juventude; atores e atrizes desfilarem seus talentos nos palcos da periferia. Cada peça mais louca que a outra, mais interessante, mais profunda. Nossas raízes representadas da forma fecunda possível. Estou com inveja da gente também. A Semana foi uma das maiores experiências das nossas vidas e o teatro também faz parte do nosso dia a dia. E que venham novos palcos! “Por uma periferia que nos une pelo amor, pela dor e pela cor...”. Tinha tudo para dar errado, mas deu certo, não posso fazer nada.
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Sábado –Encerramento – Música A Semana de Arte Moderna da Periferia, contra a nossa vontade, teve encerramento no sábado com um dos melhores shows musicais que São Paulo já curtiu. Simplesmente um dos melhores que eu já fui, e olha que já fui a bastantes. Só para se ter uma idéia, o som foi de primeiríssima qualidade, todos os grupos elogiaram. Outra coisa que contribuiu para o brilho do evento foi o profissionalismo dos grupos, nenhum deles se atrasou, nenhum. Começou no horário previsto e acabou no horário combinado. A vaidade não imperou. A seleção dos grupos também foi muito importante, pois vários ritmos foram se revezando num mega palco da Casa de M’boi Mirim: rap, samba, rock e MPB, teve para todos os gostos e todas as pessoas da comunidade foram contempladas. O palco tinha uma decoração louca também: telão, as bikes do Magrela’s, mosaicos, a faixa da Cooperifa, sem contar que São Pedro tomou olé de São Jorge, e não caiu uma gota de água sequer. Os músicos envolvidos preparam uma música coletiva, no estilo “ We are the World”, lembram? Putz, a porra da música ficou impregnada nos nossos ouvidos: “...Lá ....lálálá ....lá...”, foi demais! Ninguém parava de cantar. No final, todos que estiveram envolvidos nestes três meses de produção da Semana, subiram ao palco para cantar e extravasar a alegria de ver e curtir um dos maiores eventos de São Paulo, a Semana de Arte Moderna da Periferia. Muita gente chorou de emoção, o público ficou hipnotizado do começo ao fim. E para terminar em grande estilo, todos numa só voz, gritaram: UH, COOPERIFA! UH, COOPERIFA! UH, COOPERIFA! Não posso fazer nada, o evento foi um sucesso! Também, mais de trinta grupos envolvidos, quase trezentos artistas na programação, você quer o quê? Não tinha como dar errado, a gente
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Cooperifa
estava super-unido, centrado, cheio de garra e afim de dar o nosso melhor para o povo da periferia. Sim, eu disse dar, não tirar. Desculpaí pelos que torceram contra, a vontade de dar certo foi muito maior. Aos que nos amam, sintam-se abraçados. Aos demais, sintam-se abraçados também, não chutamos cachorro morto. “Por uma periferia que nos une pelo amor, pela cor e pela dor”. Aos Quixotes que lutaram contra os moinhos de ventos, nunca esqueçam: “A Arte que liberta não vem da mão que escraviza”. Em 2008 tem mais.
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Ninguém entra no boteco do Zé Batidão impunemente. Sai de lá transformado pelo que viveu – ou melhor, sai de lá transtornado. O que acontece no boteco do Zé Batidão toda quarta-feira muda cada um de nós – e muda o Brasil. Centenas de pessoas, identificadas por algo que vai muito além de uma referência geográfica, a periferia, reunidas depois de um dia de trabalho duro para ouvir e fazer poesia. Simples assim: e uma revolução sem um tiro. Não é sempre que a gente testemunha a história em curso, percebe o instante exato em que o mundo balança. A Cooperifa é isso, um abalo sísmico a partir de uma esquina de quebrada, enquanto os carros passam velozes pelo asfalto, lá no outro lado do rio, indo e vindo do mesmo lugar. Mas com uma pressa... Na Cooperifa, toda quarta-feira, o tempo pára. E quando a gente vê, meio no susto, já passam das 23:00h. Quando alguém pega o microfone para declamar uma poesia que escreveu, é seu destino que recria, é seu lugar no mundo que reinventa. Quando "o povo lindo, o povo inteligente" da periferia se apropria das palavras, é da História que passa a tomar conta. Naquele palco sem degrau, cada um bagunça a ordem das coisas – e bagunça com um instrumento que por 500 anos anos foi privilégio da elite do país. Bagunça pela palavra escrita. A ponto de a periferia virar centro sem deixar de ser periferia. E quem diria, depois de tanta bala perdida, que seria pela poesia que a ordem das coisas seria ferida de morte? Pela primeira vez, há uma geração de escritores identificados pela origem periférica no Brasil e que se definem como "peri féricos". Parte deles começou a escrever na Cooperifa, lançou seu primeiro livro no boteco do Zé Batidão. A Cooperifa escre veu/ escreve vários capítulos dessa história. Inspirou dezenas de saraus de poesia Brasil afora, sua pipa no céu virou farol. Mas a Cooperifa é isso e é mais. É um espaço para todos, sem hierarquias nem julgamentos. Pega o microfone quem tiver algo a dizer.
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E o que deixou de dizer será uma falta no mundo. Ao garantir um lugar no microfone, a Cooperifa desmente os que tentam nos fazer acreditar todo dia, que somos substituíveis, descartáveis, comuns. A cada quarta-feira, no boteco do Zé Batidão, é reeditada a garantia de que cada um é insubstituível, único, extraordinário. Lá dentro há palmas de verdade, do tipo que deixa as mãos ruborizadas, há assobios entusiasmados, mas nenhuma vaia. Não há cochichos ridicularizando um e outro, sussurros pelas costas. Lá há choro, há riso, mas não há exclusão. Por isso a Cooperifa é quente mesmo quando faz frio. E é por isso que na Cooperifa se fala da violência, da desigualdade, mas também se fala de amor. E ao falar de amor entre becos e vielas de concreto, esgoto escorrendo pelas rachaduras, a Cooperifa é ainda mais insubordinada. Porque ninguém esperava que periféricos escrevessem – e se tivessem essa ousadia, muitos apostariam apenas na dor. E assim um pedaço da vida continuaria exilada, roubada. Fora. Na Cooperifa não se censura a vida. Nem as palavras, os temas. Não se espera do poeta que faça apenas denúncias, dispare frases engajadas, lance versos encharcados de ideologia. Na Cooperifa há quem fale de dor de corno e de moça bonita. Há quem fale de corpos úmidos, de gozo, nudez e sexo. De saudade e de desencontro. E há quem fale de ódio, de rancor, de vingança. E há quem fale de tudo isso junto, porque a vida tem um pouco de tudo. E há quem pegue o microfone só para recitar Fernando Pessoa. Ao acolher todas as palavras, a Cooperifa garante, a cada quarta-feira, um lugar para todos os sonhadores. Simples assim. E abala as placas tectônicas do centro. Porque na Cooperifa o que cada um descobre quando entra tímido, meio desengonçado, se sentindo um tanto apartado das letras, é que pela palavra escrita – seja ela de amor, de gozo ou de fúria – "nóis é ponte e atravessa qualquer rio". Eliane Brum, jornalista
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Cooperifa
Morada da poesia A poesia é o gênero literário que mais seduz corações e mentes nos becos e vielas. Não por acaso, o sarau ressurgiu nos últimos anos e tomou conta da periferia paulistana. Nesses encontros, os freqüentadores recitam poemas consagrados da literatura, mas o que mais se compartilha são versos de autoria daqueles que lá estão. O Sarau é espaço de formação de leitores e autores. Assim é o Sarau da Cooperifa, o mais famoso da periferia paulistana e, para mim, o melhor de toda a metrópole. Ao serem anunciados, os poetas engrandecem. Microfone na mão, olhar atento, sentimento à flor-da-pele e a alma exposta diante de uma platéia sedenta por versos como os do poeta Márcio Batista: Quem me nega cultura, nego Não terá outra chance de nega Cultura é Quilombo pro Negro Ignorância é sua senzala.
Realizado em um boteco, o Sarau da Cooperifa é despojado de requintes. Mas os organizadores são muito rigorosos quanto aos rituais de pertencimento e ao acolhimento. Enganam-se aqueles que vêem esses encontros como algo furtivo e desprovido de regras . "O silêncio é uma prece", diz uma inscrição logo na entrada do bar do Zé Batidão. E a frase é anunciada com determinação pelos mestres de cerimônia. Falatório lá, só se for na rua, que acaba sendo uma extensão do bar, já que este sarau, o mais famoso da periferia paulistana, reúne, todas as quartas-feiras, mais de duzentas pessoas. Aquela gente humilde da qual falavam Vinicius de Moraes e Chico Buarque, tem no Sarau da Cooperifa seu momento de glória. Tem taxistas, estudantes, funileiros, escriturários, motoboys, professores, enfermeiros. Tem gente graduada também, mas que não perdeu a humildade e nem
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saiu da quebrada. Allan da Rosa é um desses. Terminou o ensino médio, sabe-se lá como. Fez cursinho no Núcleo de Consciência Negra e entrou na USP. Graduou-se em História e hoje faz mestrado em Educação. Quem primeiro leu seus versos foi seu pai, a quem o jovem poeta entregava seus escritos quando o visitava na cadeia. Allan, negro, esguio, ágil, abre Vão, seu livro de poesias e tira de lá uma de suas pérolas: Solitária A aranha tece Formando quadrantes geométricos Deixando seu rastro de seda Sua teia interessa apenas a si mesma Aos poucos que optaram se emaranhar E aos perdidos que não conseguem Se desprender de suas linhas
No Sarau da Cooperifa, a poesia encontra sua redenção. Acostumada a freqüentar os salões das elites, ela encontrou morada em um botequim da quebrada, onde se entrega sem pudor aos encantos de quem lhe declarar amor incondicional. E na Cooperifa, são muitos seus amantes. Neste sarau, a poesia penetra tão profundamente aqueles que a declamam que eles próprios se fazem poesia. Sérgio Vaz, criador e criatura do Sarau da Cooperifa traduziu essa magia em um maravilhoso poema de três versos: Ser Poeta Não é escrever poemas, É ser poesia. Eleilson Leite, colunista do Caderno Brasil do Le Monde Diplomatique, historiador, programador cultural, coordenador editorial da Agenda Cultural da Periferia
ifa Cap.12
Quilo mbo Cooperifa, Quilombo da poesia
Quando a Heloisa pediu que eu contasse um pouco da minha história e da Cooperifa, no começo eu não estava muito afim, por conta da minha memória um tanto quanto irresponsável e mentirosa. Mas também não podia me furtar o direito de dividir com você essa história de luta em prol da cidadania através da literatura. Era muito mais fácil a gente ficar reclamando que na periferia não temos bibliotecas, cinemas, teatros, museus, espaço para produção cultural, livraria, leis de incentivo que nos incentivem, mas a gente decidiu ir à luta. Não que a gente não reclame, mas a gente quis lutar e reclamar ao mesmo tempo. E no único espaço público ao qual nós temos direito, o boteco. O Sarau da Cooperifa já é inspiração para mais de quarenta saraus que acontecem nos botecos espalhados pelo Brasil. Na periferia de São Paulo a poesia já é uma realidade, o livro rola de mão em mão, e a palavra é a nossa arma contra a mediocridade, o preconceito e as injustiças desse país sem alvará de funcionamento, sem licença para ser pátria. A Cooperifa é um movimento que trabalha única e exclusivamente com o conhecimento. Enquanto eu escrevia esse livro, para se ter uma idéia, a gente já estava pensando na nossa 2ª Antologia Poética com quarenta autores da comunidade. Enquanto a gente estava fazendo a antologia, estávamos realizando o 2º Poesia no Ar, e enquanto a gente estava realizando o 2º Poesia no Ar, a gente estava pensando como seria o lançamento do nosso DVD, produzido pela DGT filmes. Enquanto eu escrevia o livro tudo isso 276
Cooperifa – Quilombo de poesia
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estava acontecendo ao mesmo tempo. Isso é a Cooperifa. Nós somos produto da irresponsabilidade. Da ousadia. O nosso sonho é ter a nossa casa, o “Espaço Cooperifa” ou a “Casa do aprender”, para que a gente possa dar vazão a planos maiores como a nossa própria biblioteca, um espaço para leitura, criação poética, debates, oficinas, um lugar não para tirar as pessoas da ruas, muito pelo contrário, um lugar onde as pessoas estejam preparadas para elas. Um lugar onde as pessoas aprendam definitivamente que a gente não quer mudar da periferia, e sim mudar a periferia. Como eu disse anteriormente, primeiro a gente põe fogo, depois nós vemos como apaga. E gente para colocar lenha na fogueira é o que não falta. A Rose (musa da Cooperifa), Lu Souza, Márcio Batista, Jairo (Periafricania), Sales (o Evolucionário), Zé Batidão, Cocão (Versão Popular), Preto Will (Versão), José Neto, Tadeu Lopes, Alan da Rosa, Valmir Vieira, João Santos, Casulo, Andréa, De Lourdes, Asduba, prof. Toninho, Walter, Augusto, Lobão, Mavotsirc, Ricarda, Vicente, Fuzzil, Seu Lourival, Robson Canto, Cláudio Laureart, Renato Vital, Bárbara e Lila, Toni C., Renata Dias, Daniela Mercedes, pessoal da Rua 7, Jair, Silvio Diogo, Timbó, Euller, Rose Eloy, Helber, Kennya, Roberto Ferreira, Wésley Noóg, Marcelo Ribeiro, Ricardo (perueiro), Dinho Love, Sônia, Seu Jorge Esteves, Dona Edite, Beso, Harumi, Mamba Negra, Magrela´s Bike, Régis Ação e Arte, DGT Filmes, Carlos Giannazi, Gaspar Záfrica Brasil, B Valente, Brava Companhia Akins Kinte, Elizandra, Maria Tereza, GOG, Juliana, Fernanda, Fábio, Zé Pompeu, PH Boné, entre tantos outros que somam com a gente, e que estão sempre a postos para incendiar o futuro. Foi assim que a Cooperifa se transformou nesse quilombo poético, que abriga guerreiros e guerreiras que estão sempre em busca do conhecimento. Que venham novos desafios! É tudo nosso! Com um sorriso no rosto e os punhos cerrados.
Imagens: índice e créditos
P.18
P.20-21
Do tempo em que a vida era a poesia. Foto: arquivo pessoal do autor.
Campo dos sonhos (E. C. Aliados).
Foto: arquivo pessoal do autor.
P.23
Dona Maria Vieira, mãe do autor e o próprio quando trabalhava como vendedor de vídeo-games. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.27
Por dentro da ditadura (CPOR/83). Foto: arquivo pessoal do autor.
P.34-35
O Pipa, a cara da periferia, da Cooperifa. Foto: João Wainer.
P.39
Lançamento do livro A Margem do vento. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.44
P.47
Lançamento do livro Pensamentos vadios na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro. Foto: arquivo pessoal do autor. Sérgio Vaz vestido de mendigo com o Plínio Marcos na Bienal do Livro de São Paulo. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.49 acima: Sérgio Vaz e o presidente Lula. abaixo: Prof. Carlos Giannazi, Sérgio Vaz e o ministro Gilberto Gil. Fotos: arquivo pessoal do autor. P.52-53
Sérgio Vaz trabalhando como locutor na Rádio Atividade FM (Taboão da Serra). Foto: arquivo pessoal do autor.
P.59
Cartões postais poéticos. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.61
Projeto Poesia contra a violência. Foto: Eduardo Toledo.
P.65
Guerreiro Jota (in memorian), sabedoria de vida. Foto:Marco Pezão.
P.70
P.71
O rapper GOG e Sérgio Vaz no lançamento da Cooperifa. Foto: arquivo pessoal do autor. Edu Toledo e Sérgio Vaz na favela da Rocinha. Foto: arquivo pessoal do autor.
Vendendo camisetas poéticas. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.74
acima: Brói, artista plástico. abaixo: Diagnóstico, grupo de rap cantando na Fábrica. Fotos: Edu Toledo. P.76
acima: Lançamento da Cooperifa na Fábrica. abaixo: Grupo de capoeira Irmãos Guerreiros de Angola na fábrica. Fotos: Edu Toledo.
P.78-79
Artistas da região (pré-Cooperifa). Foto: arquivo pessoal do autor.
P.86
Poeta Marco Pezão. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.90-91
Lançamento do CD da Cooperifa. Foto: João Wainer.
P.93
Sarau da Cooperifa, Rose (musa), Robson Canto e Rose (Umoja). Foto: João Wainer.
P.77
Zé Batidão, mecenas da Cooperifa. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.94
Helber Ladislau exorcisando o “Navio Negreiro” de Castro Alves. Foto: João Wainer.
P.97
P.98-99 O Sarau da Cooperifa visto pelo lado de fora.
Fotos: João Wainer. Alan da Rosa, Timbó e Augusto. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.100
P.101
Alessandro Buzo, Gaspar e Rappin’ Hood. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.103
Mano Brown recebendo o 1º Prêmio Cooperifa. Foto: Marco Pezão.
Sônia, Sérgio Vaz, Mariana e Juliana. Poesia em família. Foto: Arquivo pessoal do autor.
P.104
Ferréz recebendo o prêmio Cooperifa. Fotos: arquivo pessoal do autor.
P.105
P.107
Recortes de jornal. Arquivo pessoal do autor.
P.110
Marcelo Rubens Paiva, escritor, no início do Sarau da Cooperifa no Garajão. Foto: Marco Pezão.
P.122-123 Guerreiros e guerreiras da Cooperifa.
P.124
Foto: arquivo pessoal do autor.
P.125
Leandro Lehart. Foto: Marco Pezão. acima: Kênia, Marcio Batista, a atriz Zezé Mota, amigo e Gaspar do Záfrica Brasil. abaixo: Gaspar, Helber, Jeferson De, Isaac e 2ho. Fotos: Marco Pezão.
P.130 acima: Grupo de teatro Manicômicos. abaixo: Grupo de teatro da Juliana. Fotos: Marco Pezão. P.132
Jornal da Cooperifa. Arquivo pessoal do autor.
P.137
Sarau da Cooperifa. Foto: João Wainer.
P.143
acima: Rose Musa. abaixo: Sérgio Vaz e Cocão. Apresentação no Circo Voador, Rio de Janeiro. Foto: Arquivo pessoal do autor.
P.160
Sarau da Cooperifa na Câmara Municipal de São Paulo. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.163
Sarau da Cooperifa no programa “Jogo de idéias”. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.167
Sarau da Cooperifa lotado, como sempre. Foto: João Wainer.
P.170-171 Sarau da Coperifa onde o silêncio é uma prece.
Foto: João Wainer.
P. 179
Sarau da Cooperifa. Foto: João Wainer.
P.180-181 Programa “Jogo de idéias”: Claudiney Ferreira, Sérgio Vaz,
Helber e Marcio Batista. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.185
Jornalista Chico Pinheiro recebendo o Prêmio Cooperifa. Foto: Marco Pezão.
P.186
acima: Valmir Vieira, José Neto, Sandra e Márcio. abaixo: Mavotsirc e Cleide. Fotos: arquivo pessoal do autor.
P.191
Lu Souza e Rose. Foto: Marco Pezão.
P.194-195 Sarau da Cooperifa na cidade de Suzano, São Paulo.
Foto: arquivo pessoal do autor.
Prêmio Hutuz no Rio de Janeiro. acima: Recebendo o prêmio abaixo: Marcio, Rose (musa), Edy Rock e Dugueto. Foto: arquivo pessoal do autor. P.197
P.201 “Quem Lê, enxerga melhor", na Biblioteca Castro Alves
Taboão da Serra . Foto: Edu Toledo.
P.203
Café Literário em Taboão da Serra. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.206
P.207
P.210
acima: Sarau da Cooperifa nas escolas. abaixo: Uma pequena homenagem na Escola Neusa Demétrio. Foto: arquivo pessoal do autor.
acima: Sarau nas escolas (Lobão, Jairo, Augusto, Will, Rose, Bolão, Lu Souza, Mavot e Sales). abaixo: Lu Souza, Lobão, Augusto Jairo e Mavotsirc. Foto: arquivo pessoal do autor.
Ajoelhaço: poetas de joelhos, pedindo perdão às mulheres. Foto: João Wainer.
P. 212-213-215 Sarau da Cooperifa. Foto: João Wainer. P. 221-222-224-225-227 Poesia no ar, a Cooperifa enchendo de poesia o céu de São Paulo.
Fotos: João Wainer.
P.231
Aniversário da Cooperifa: Danilo, Rose (musa) e De Lourdes. Foto: arquivo pessoal do autor.
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Os novos antropófagos: Sérgio Vaz, Jairo, Salesm Gunnar, Wésley Noóg, Ademir, Cocão, Ana bela, Marcelo, Mavotsirc, Juliana, Robson Canto, Casulo, Preto Will, Ricarda, Rose Dorea, Tadeu Lopes, Euller Alves, Roberto QT, Jair Guilherme, Wagner Felipe, Marcio Batista, Lerói, Anderson e Vicente. Foto: arquivo pessoal do autor.
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Caminhada Cultural, prof. Toninho segurando o estandarte da Cooperifa.Foto: arquivo pessoal do autor.
Mosaico da Semana de Arte Moderna da Periferia. Fotos: arquivo pessoal do autor.
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Dia da Literatura na Semana de Arte Moderna da Periferia (livros despencado do teto). Foto: arquivo pessoal do autor.
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Bicicletas voadoras do Magrela’s Bike na Semana. Foto: arquivo pessoal do autor.
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Música na Semana com Jairo do Periafricania. Foto: arquivo pessoal do autor.
Dança na Semana com o grupo Espírito de Zumbi. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.249
Grupo de teatro Brava companhia na Semana. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.255
Logo da Semana de Arte Moderna da Periferia feita pelo
artista P. Jair Guilherme. Arquivo pessoal do autor.
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Oficina de poesia. Foto: arquivo pessoal do autor.
P.258–259 Dança na Semana de Arte Moderna da Periferia.
Foto: arquivo pessoal do autor.
Grupo Espírito de Zumbi se apresentando em frente ao Sarau.
P.260
Foto: João Wainer.
P.261
Grupo de teatro Ação e Arte na Semana de Artes da Periferia. Foto: João Wainer.
P.262 acima: Cinema na Semana de Arte Moderna da Periferia. abaixo: Música na semana (Cocão e Will do grupo Versão Popular). Foto: arquivo pessoal do autor. P.282
Sérgio Vaz. Foto: Eduardo Toledo.
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Cooperifa
sobre o autor Sérgio Vaz fala que é poeta e acha que faz poesia. Formado nas ruas, aprendeu tudo que sabe nos livros e no Bar e Empório Gurarujá, atual bar do Zé batidão, onde acontecem os saraus da Cooperifa. Começou a escrever poesia em papel de pão. Excelente atacante de futebol de salão e meia-boca como médio-volante no time do Jardim Panorama. Hoje, apesar dos 44, sonha em ser jogador de futebol. Gosta de rap, cerveja, samba, música negra, MPB antiga e torce para o Palmeiras. Já trabalhou como auxiliar de escritório, vendedor de vídeo-game e assessor parlamentar. É casado com a Sônia e tem uma filha chamada Mariana. Não anda sozinho, está sempre em companhia dos poetas da Cooperifa e conhece os becos e vielas do país, por isso, é folgado e agitador cultural. Tem gente que gosta, tem gente que não. Morador de Taboão da Serra, grande São Paulo, iniciou a Cooperifa com outros artistas em uma fábrica desativada em fevereiro de 2001. Meses depois, o Sarau da Cooperifa com o poeta Marco Pezão, que deflagrou um dos maiores movimentos literários de São Paulo: a Literatura periférica. Lançou cinco livros, entre eles Subindo a ladeira mora a noite e Colecionador de pedras, que faz parte da coleção “Literatura periférica” da Global Editora. Outro dia, ele e mais um monte de artistas, criaram a Semana de Arte Moderna da Periferia. Ninguém ficou sabendo, mas eles fizeram. Fora isso, não tem mais nada que valha a pena saber.
Este livro foi composto em Akkurat. O papel utilizado para a capa foi o cartão Suprema Alta-Alvura 250g/m2. Para o miolo foi utilizado o Pólen Bold 90g/m2
A impressão e o acabamento foram feitos pela gráfica Morada do Livro, em julho de 2008, no Rio de Janeiro. Todos os recursos foram empenhados para identificar e obter as autorizações dos fotógrafos e seus retratados. Qualquer falha nesta obtenção terá ocorrido por total desinformação ou por erro de identificação do próprio contato. A editora está à disposição para corrigir e conceder os créditos aos verdadeiros titulares.