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Paradigmas e antecedentes ambientais Subterrâneos
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UM MÉTODO, DOIS LADOS
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procedimento metodológico; procedimento metodológico; Rizoma; Rizoma; Trapeiro. Trapeiro.
paradigmas e antecedentes ambientais paradigmas e antecedentes ambientais subterrâneos subterrâneos
UMUM MÉTODO, DOIS LADOS MÉTODO, DOIS LADOS
Apresento neste fragmento do mapa, algumas considerações sobre um processo de pensar, estabelecer e esclarecer uma diretriz metodológica para a pesquisa e construção da tese. Tais considerações se estruturam em duas linhas constitutivas: uma objetiva e outra subjetiva, não concorrentes e, ambas, científicas. Não pretendo com o texto formular uma cartilha metodológica, mas sim um compartilhamento de um percurso estabelecido, e percorrido. Ainda. Mas apresentar um método de pesquisa, de estudo, de pensamento, que vem se consolidando há algum tempo não é tarefa corriqueira. Quase sempre diluído nas entrelinhas de um raciocínio acadêmico e de pesquisa ou isolado num compartimento estanque da produção (o fadado item “metodologia”), o método acaba tendo pouco espaço de iluminação ou destaque. Parece ser sempre colocado como uma ferramenta “natural” e “inerente” ao pensar. A pergunta “Como eu penso quando eu penso?” parece evanescer na complexidade do ato da pesquisa em si. A proposta aqui é justamente assumir a pergunta como questão e explicitar a resposta sem a menor vergonha. Tornar o método visível, condensar a matriz metodológica da pesquisa de tese de doutoramento de um professor de arquitetura. Uma tese que pretende lançar um olhar conceitual sobre o corpo na Cidade, transformá-lo em Trapeiro, reunir elogios à inutilidade construídos em diversas áreas da compreensão humana deste território urbano tão caro aos homens. Mas o assunto, ou tema, da pesquisa em questão não tem valor primordial nesse momento. Ele é secundário, deve ficar nas entrelinhas. A atenção aqui é sobre o método, ainda aberto, construído para tal pesquisa. Só que a atenção dada a esse método não pretende ser didática ou analítica. Ele será considerado, apresentado como elemento estruturador do pensamento do pesquisador, da montagem das partes da tese, da estratégia da composição textual. A questão, que logo será percebida, é que o pensamento deste pesquisador não consegue ser delimitado apenas objetivamente. As considerações intelectuais sempre são articuladas em ambos os campos: da objetividade e da subjetividade. As colocações acabam sempre passando pelas duas instâncias, de uma forma esquizofrênica até. Por isso, serão tecidos em seguida dois textos independentes, mas intimamente relacionados. Ambos apresentarão o mesmo método: o primeiro elaborado na objetividade e o segundo nos campos da subjetividade, podendo ser lidos, inclusive, não na ordem apresentada. Dois textos considerando um método. Um método, dois lados.
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Dois lados de uma mesma moeda; velha.
Lado objetivo O método aqui utilizado será o rizomático (DELEUZE, 2004). Desde o processo de pesquisa, as buscas referenciais, a organização bibliográfica, até a redação e estruturação do texto, o método de intensas conexões e a assimilação da multiplicidade serão elementos estruturadores da maneira de pesquisar e da organização do conhecimento construído. Para isso, estabelecer, simultaneamente, uma caixa de ferramentas e um relicário. O que se propõe aqui é condensar num mesmo volume, no espaço e no tempo, diversos discursos, independentes uns dos outros, mas conceitualmente conectados, como um rizoma, que tratem do corpo e suas relações com a Cidade, relações de inutilidade, experimentadas na figura do Trapeiro, na sua proposição, reflexão, transformação e até mesmo incorporação, que tomaram corpo a partir da modernidade urbana. Num primeiro momento agrupá-los e conectá-los, como numa coleção (BENJAMIN, 2007). Uma coleção de discursos e experimentações sobre o Trapeiro e o Inútil. Num segundo momento, num processo contínuo de vivência e experimentação da Metrópole, resgatá-los, agrupados ou não, do relicário, do lugar do extraordinário, para apropriar-se do espaço real da Metrópole, transformá-los, ou mesmo restabelecê-los, em ferramentas de apropriação, alteridade urbana, máquinas de guerra (DELEUZE, 2004), objetos ordinários abertos à toda prova. Este processo de resgate dos discursos e posterior demarcação no território da Metrópole será continuamente construído e desconstruído pela percepção de um Estrangeiro (PEIXOTO, 1987), desterritorializado e ao mesmo tempo desterritorializante (GUATTARI, 1992). Colocar-se como um Trapeiro para, com este relicário/caixa de trapos em mãos, sair às ruas, caminhar, experimentar o emaranhado urbano, a Metrópole. Registrá-la. Mapeála. Documentá-la. Reterritorializar os discursos. Dissipar momentaneamente a névoa utilitarista depositada sobre a Metrópole. Reconhecer as potências da inutilidade. Realçar a subjetividade constitutiva da arquitetura urbana. Produzir inutilidade e compor uma nova coleção, uma coleção de mapas. Não os tradicionais mapas cartesianos e métricos, mas sim mapas psicogeográficos (JACQUES, 2003). Mapas que se propõem a total inutilidade de localização geográfica precisa e mecanizada. Mapas gerados pelo corpo, com o corpo. Percepções espaciais que vão além da métrica apresentada. E nestes mapas psicogeográficos serão marcados e registrados os diversos lugares (NORBERGSCHULZ, 1980), e não lugares (AUGÉ, 2012), relacionados aos discursos, incorporações e apropriações da Trapeiro, criando uma cartografia conceitual e imagética da inutilidade na Metrópole. Uma cartografia do inútil, um elogio à inutilidade.
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E como um colecionador, toda esta cartografia será organizada de uma forma aberta (ECO, 2001), convidando o interlocutor a construir sua particular leitura, não estabelecendo uma sequência pré-determinada por número de páginas, eliminando a noção de começo, meio e fim, propondo apenas o meio (DELEUZE, 2004). Com isso, neste meio, os elementos colecionados poderão ser agrupados e conectados de acordo com a interlocução gerada com o leitor, criando múltiplas leituras e aprofundamentos do tema1.
1 O leitor irá notar, ou já notou, que esse texto se assemelha muito à descrição metodológica apresentada no projeto de pesquisa, presente no fragmento do mapa “PPP: Projeto de Pesquisa em
Lado subjetivo2 Cuidado, leitor, ao entrar nesse trabalho. Pois o que se apresentará não é confortável, não terá linhas suaves, assuntos leves, conclusões proféticas. A leitura necessitará esforço, mental e corporal, ela gerará cansaço, fadiga, colocará seu corpo à prova, solicitará envolvimento e entrega. O corpo, desacostumado, será questionado. O Tempo do corpo será outro, o Espaço também. O trânsito pelas páginas será confuso, gerará vertigem, desencontro. Momentos de perder-se serão mais presentes que elementos guiadores de percurso. O estranhamento será familiarizado, os reprimidos retornarão, os fantasmas assombrarão. O caminho não será iluminado, a passagem será no escuro. Os olhos serão relegados, a percepção subjetiva será convidada. O enfoque deste trabalho não é objetual, imagético, analítico ou histórico. Ele trata de um método. Uma maneira de, um modo, um jeito. Uma postura perante. Não será criado nada novo, o método já está aí, há muito tempo. Não está inteiro, é verdade. Nem deveria. Ele já é velho, usado, experimentado por muitos. Sujeitos diferentes, tempos diferentes, espaços diferentes. Todos estranhos. Apropriam-se dessa postura para fins heterogêneos, buscam coisas diferentes. A semelhança está no estresse, no esgotamento. A experimentação do método é intensa, ele é assumido às últimas consequências, é estressado, extremado. Só poderia se fragmentar, fragilizado, ficar em pedaços. Pedaços de método. Mas esse resultado é esperado. Os pedaços fazem parte do método, de quem o utiliza. Um método aos pedaços. E, por isso, não será enxergado aqui de uma só vez. Ele será construído no tempo de leitura desse trabalho, para, quem sabe, ficar inteiro quando o leitor fechar esse volume. Mas uma questão não foi colocada. Método de que? Uma postura perante o que? Perante a Cidade. Um método de estar na Cidade. Sair do conforto da casa e transpassar a soleira da segurança do lar, assumir a instabilidade da rua, deixar o público falar, pois está no público, no outro, o conflito. Uma atitude que coloca o corpo em conflito. Um corpo em conflito que sai de casa e entra na Cidade. Uma outra postura corporal de quem está dentro, vendo de dentro, percebendo de dentro. Dentro e não fora. No meio e não nas bordas. Estar na Cidade para ler a Cidade, uma leitura no/do interior do espaço urbano. Abandonar o lugar do leitor exterior, que observa e lê de fora. E como uma leitura de dentro para fora, a mirada é parcial, de um pedaço da Cidade. Um método aos pedaços para ler pedaços da Cidade. E essa leitura parcial e fragmentária deixa pontas abertas, inconclusivas, convidando o corpo a agir. Ação de experimentar.
2 Nesse texto nenhum autor será especificamente citado. O que não quer dizer que não estejam presentes; pelo contrário, o texto é, em si, constituído de pedaços de muitos autores. Todos eles, colecionados e agrupados também como o método que será apresentado. Para garantir o diálogo científico desejado, consideremos, como referenciais bibliográficos desse texto, todos os autores presentes na Biblioteca de Babel.
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Processo”. A intenção é exatamente essa: lá o processo de formulação do projeto de pesquisa, aqui o método consolidado. Lá o rastro imerso na passagem do tempo, aqui o ato de caminhar apresentado.
Experiência urbana que constrói uma relação direta do corpo com a Cidade, abre possibilidades de alteridade urbana. Um convite honesto a experimentar todo o conflito do encontro com o outro, no espaço do outro. Um experimentar que só se dá ao estar na Cidade. Experiências que vão desvelando particularidades dos espaços, emergindo suas identidades submersas ou invisíveis. Um método de leitura interna da/na Cidade fornecendo ao corpo-leitor experiências diretas no âmago do espaço-outro, desconhecido, escuro. Um método que evidencia uma ação ativa: experimentar o espaço do outro junto com o outro. Uma etnografia urbana. Porque, mesmo estando dentro da Cidade, é possível ainda estar fora do objeto de leitura. E como a proposta, postura, é estar dentro da Cidade e lê-la de uma forma parcial e não totalizante, a etnografia solicita ao corpo estudioso ser parte do objeto estudado, fazer parte do conjunto. Ler a Cidade como alguém que está lá, que também é. Ler o Outro e seu espaço assumindo o papel e lugar de outro. Observar e ter consciência de que também é observado. Agenciar ao corpo leitor uma transformação. Inserir o outro no leitor, não só o corpo, mas também o espaço. Tomar para si, o espaço e o corpo do outro, mas sem possuí-lo, pois esse ato é aditivo, exterior. A etnografia agencia um Incorporare, um colocar no corpo. Onde este não consegue sustentar tudo e possuir por completo o que se coloca sobre ele. Apenas uma parte, alguns fragmentos, ficará sobre o corpo do etnógrafo. E o que fica, já não está sobre, mas é absorvido, compreendido, incorporado, posto para dentro. Fazer a parte ser parte. Que vai além da posse, o que é incorporado não pode ser perdido, roubado, removido. Apenas com a desmontagem do próprio corpo.
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Por isso a solicitação primeira de tomar cuidado ao entrar nesse trabalho, pois se solicita incorporar um método. Romper a unidade completa do corpo e assumir, incorporando, o outro. Constituir uma outra formação corporal para experimentar o espaço da Cidade. E nessa constituição perceber a possibilidade de uma incorporação também poética, literária. Uma metamorfose. Aquele incorporar do etnógrafo convida a transformação do corpo-leitor em um dos seus objetos estudados. Metamorsofear-se em um personagem urbano. Resgatar poeticamente um personagem urbano. De tantos possíveis, se escolhe um específico: o Trapeiro. Personagem vindo do final do século XIX, irmão menos enaltecido de outro personagem urbano, o Flâneur. São irmãos, pois têm com a Cidade uma relação muito semelhante. Ambos se colocam corporalmente na Cidade, aceitando e assumindo o choque moderno daquele espaço. Ambos estão na Cidade, lendo e interpretando as coisas diferentes, os elementos desconhecidos ou esquecidos pelo restante da sociedade. A insignificância afeta a ambos. Mas, diferente do triunfante burguês apaixonado pela cidade, o trapeiro não olha para cima, ao longe. Ele olha para baixo, para dentro da Cidade. Por nascer como um personagem anterior ao olhar poético, o trapeiro está na Cidade real para recolher trapos, restos de tecidos, sobras de panos. Uma espécie de reciclador, sua meta inicial é resgatar dos dejetos urbanos, do descarte da sociedade moderna, tecidos que não servem mais e transformá-los, num processo de decomposição, em papel. Processo em que o poeta percebe a poesia: personagem que perambula pela Cidade em busca de trapos, restos, descartes, num movimento lento e aproximado, o trapeiro detém-se. Num gesto, o trapeiro solicita ao mecanismo moderno de produção da Cidade uma freada. Uma outra possibilidade dentro do ciclo de produção moderna. Não apenas a produção-consumo-descarte (por obsolescência). Um personagem que solicita a lentidão, o aproximar-se, o deter-se sobre algo.
Do fazer prático e cotidiano da sobrevivência humana ao olhar e interpretação poéticos dos poetas e filósofos, o Trapeiro será o personagem escolhido pelo etnógrafo urbano proposto aqui como parte do método de leitura da Cidade. O Trapeiro irá juntar coisas inúteis, recolher conceitualmente objetos que já não servem mais, esquecidos ou abandonados pela máquina da modernização urbana contemporânea. Deixados de lado por estarem “quebrados”, perderem realmente o propósito, não suprirem mais as necessidades concretas da Cidade, ou simplesmente porque não são mais dignos de participar da vida do hiper-consumo. Mas como o trapeiro real, este Trapeiro não recolhe todo trapo e resto que encontra pela frente. A ganância acumuladora inerente ao proprietário profano não é uma característica do nosso personagem. O recolher do trapeiro não é ganancioso, e sim uma atitude seletiva. Ele se detém sobre a Cidade com um olhar atento e sensível. Claro que este olhar é carregado de uma determinada lógica, uma espécie de filtro de seleção. Existe um sistema por trás das escolhas: o Trapeiro desenvolve uma dinâmica semelhante ao do colecionar. Ao experimentar tais espaços, tais objetos urbanos, recolhe-os conceitualmente a partir de alguns critérios, constitui narrativas. Dá-lhes valor. Um diferente daquele já garantido inicialmente, antes do abandono. Colecionar narrativas abandonadas pelos outros. Ver na coleção uma possibilidade de reformular e incorporar as narrativas recolhidas, os objetos do outro. Apropriar-se por coleção. No colecionar, inclusive, está o gesto inerente do agrupamento. O colecionador recolhe e apropria-se dos objetos e dá-os novos significados e, segundo eles, organizando-os criteriosamente. E nessa organização o Trapeiro-colecionador aproxima, sobrepõe os elementos colecionados em uma outra formação. Cria entre os elementos uma outra vizinhança, que fornece a eles, inevitavelmente, uma outra hierarquia. Na verdade, uma outra hierarquia que se comporta mais como um convite a novas relações. E, novamente, o leitor desse trabalho é solicitado a agir, pois o Trapeiro-colecionador revisita periodicamente seu acervo, ou para inserir algo recém resgatado, ou porque experimentou algo diferente, ou ainda, porque simplesmente ressignificou seus itens já colecionados. Um revisitar que mantém a coleção aberta, mutável, à disposição. E que proporciona ao Trapeiro-colecionador e aos possíveis fruidores da coleção uma nova ação: a curadoria. É na possibilidade da curadoria, na montagem, que fica mais evidente a relação construída entre o Trapeiro-colecionador e a Cidade, e no próprio método. Em cada rearranjo dos elementos colecionados, em cada montagem proposta, a incorporação do espaço-outro feita pelo leitor acontece mais intensamente. A cada nova montagem, a cada nova possibilidade de aproximação de elementos heterogêneos dentro da coleção, e da tese, é possível construir uma outra narrativa. Uma narrativa sempre rica, sempre aberta, sempre subjetiva. Sempre subjetiva, sempre do sujeito para o objeto, do homem para a cidade. Do leitor. Neste trabalho, que nem começou ainda e certamente já provocou fadigas pela própria leitura, o leitor é solicitado a fazer parte, construir ressignificações, montagens. É preciso, então, para virar essa página, estar no trabalho.
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Para torná-lo concreto, é preciso ser o trabalho.
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Cuidado, leitor, ao entrar nesse trabalho.
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