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TRAPEIRO: VESTÍGIOS EM BAUDELAIRE

B Alegoria Central O Trapeiro

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TRAPEIRO: TRAPEIRO: VESTÍGIOS VESTÍGIOS EMEM BAUDELAIRE BAUDELAIRE


“[Baudelaire] Recorre abundantemente às alegorias e transforma radicalmente o seu caráter por meio do envolvimento linguístico em que as insere.” (BENJAMIN, 2015, p. 101) Baudelaire não gostou da sua própria época, nem conseguiu iludir-se a seu respeito. (...) Como não tinha convicções próprias, assumiu constantemente novas máscaras. Flâneur, apache, dandy e trapeiro eram para ele outros tantos papéis. Pois o herói moderno não é herói – representa papéis de herói. (BENJAMIN, 2015, p. 98)

Conhecemos a figura do Flâneur por conta da leitura Benjaminiana da alegoria utilizada por Charles Baudelaire para encarar as avassaladoras transformações da sociedade em processo de modernização na Paris Hausmanniana do século XIX. Leitura que colocou a figura, nunca completamente vinculada a um personagem concreto da cidade, como o herói moderno capaz de resistir às investidas da crescente industrialização e racionalização do viver humano/urbano naquele final de século. Figura que Baudelaire viu “representada” nas ações do pintor-repórter Constantin Guys; figura que Baudelaire muitas vezes pensava em vir a ser, quase como uma meta, uma intenção, um querer. O Flâneur se configurava como um destino, um desejo. Mas tal figura heroica, a do Flâneur, encontra-se em outro fragmento dessa tese. Lá ele terá seu valor devidamente apresentado. Esta Zona da tese, a qual pertence esse fragmento, no qual nos situamos, presta a estabelecer e caracterizar uma outra figura, heroica também, estabelecida da mesma forma como alegoria por Baudelaire. Uma figura também percebida e lida por Benjamin: o trapeiro. “O trapeiro fascinou a sua época.” (BENJAMIN, 2015, p. 21) Fascinou porque era real, existia, estava visível. Era um personagem urbano concreto, de carne, osso e trapo. Andava pelas ruas – as mesmas do poeta – durante as horas das madrugadas escuras – também as mesmas do poeta – buscando impulsos motivadores da vida em meio à modernização – assim como o poeta. O trapeiro estava próximo, ao lado; tão próximo e presente que o próprio poeta se assemelhou e se espelhou. Não como um desejo, um vir-a-ser, mas como um reconhecimento, um já-sou. Afinal, o poeta se dedicou intensamente a perceber e recolher pequenos pedaços da vida urbana, resgatar da insignificância as potentes banalidades do cotidiano das pessoas e da cidade, da vida pequena e ordinária das ruas, e transformar todas essas coisas em narrativas poéticas. Talvez por isso Baudelaire nunca tenha apresentado direta e conscientemente o Trapeiro como alegoria de posicionamento perante a modernização. Seria uma exposição da própria condição como poeta.

O que não impediu Baudelaire de insinuar e apresentar, sorrateiramente, elementos característicos desse personagem-espelho. E para não deixar tais elementos – que são como apresentações sutis do caráter do trapeiro – passarem desapercebidas na história e nos tempos do nosso personagem fundamental, esse fragmento se constituiu como uma

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O trapeiro não pode, naturalmente, ser integrado na bohème. Mas cada uma das suas figuras, do literato ao conspirador profissional, poderia encontrar no trapeiro um pouco de si. (...) O trapeiro não está sozinho no seu sonho. Tem companheiros que o acompanham, envoltos como ele no cheiro dos barris e como ele encanecido nas batalhas. O bigode está caído como uma velha bandeira. (BENJAMIN, 2015, p. 22)


mesa de um arqueólogo, onde pequenos pedaços de texto escavados e resgatados da obra de Baudelaire são apresentados. Obviamente pedaços interessados, vestígios do caráter do trapeiro deixados poeticamente para trás por Baudelaire. Os poetas encontram o lixo da sociedade nas suas ruas, e é também ele que lhes fornece a sua matéria heroica. Assim, no tipo ilustre do poeta transparece um outro, vulgar, de que ele é cópia. O poeta é penetrado pelos traços do trapeiro, que tantas vezes ocupou Baudelaire. (...) Há muita coisa que indica que Baudelaire terá querido valorizar, dissimulando-o, esse parentesco. (BENJAMIN, 2015, p. 812)

Tais “coisas”, tais pedaços interessados, tais vestígios escavados do caráter do Trapeiro serão, a seguir, distribuídos em formato de citações diretas, de traduções para o português dos livros e textos publicados por Baudelaire. Como num processo de escavação e resgate, as citações foram organizadas e distribuídas livremente sobre as páginas deste fragmento, constituindo uma coleção que pode ser acessada e lida por vários caminhos e montagens distintas, não importando sua linearidade ou encadeamento de qualquer lógica inicial. E para não interromper constantemente e facilitar a leitura, as citações foram referenciadas de acordo com a codificação e catalogação a seguir: dEdR BAUDELAIRE, Charles. Da Essência do Riso. Tradução de Filipe Jarro. Almada: Íman Edições, 2001. {Escrito em 1855 e publicado originalmente na coletânea Curiosités Esthétiques.}

FM BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. Tradução de Mário Laranjeira. São Paulo: Martin Claret, 2011. {Publicado pela primeira vez em 1857 com 100 poemas. Segunda edição publicada em 1861 com 126 poemas, subdivididos em 6 partes “oficiais”: Spleen e Ideal (85); Quadros Parisienses (18); O Vinho (05); Flores do Mal (09); Revolta (03); A Morte (06). Ao final dos poemas “oficiais”, seguido de poemas ora cortados pela censura, ora cortados pelo crivo do autor, surgem poemas intitulados Farrapos.}

LF BAUDELAIRE, Charles. A Fanfarlo. Tradução de Elisa Tamajusuku. Porto Alegre: Editora Paraula, 1996.

{Única novela de Baudelaire, escrita em 1847 e publicado originalmente em Bulletin de la Société des gens de lettres.}

MBpGF BAUDELAIRE, Charles. Madame Bovary por Gustave Flaubert. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. In BAUDELAIRE, Charles. Reflexões sobre meus contemporâneos. São Paulo: EDUC, 1992. (p. 43-56) {Escrito em 1857 e publicado originalmente na revista L’Artiste de 18 de outrubro de 1857.}

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BAUDELAIRE, Charles. Meu coração desnudado. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. {Escrito entre 1859 e 1866.}


oHM-Poe POE, Edgar Allan. O Homem da multidão. Tradução de Tomaz Tadeu. In BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da vida Moderna. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

{Escrito em 1840 e publicado originalmente na edição de dezembro de 1840 da revista Burton’s Gentleman’s Magazine.}

oPA BAUDELAIRE, Charles. Os Paraísos Artificiais. Tradução de José Saramago. Lisboa: Editorial Estampa, 1971. {Escrito em 1860.}

oPvM BAUDELAIRE, Charles. O Pintor da vida Moderna. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2010.

{Escrito em 1863 e publicado originalmente no jornal Figaro, nos dias 26 e 29 de novembro, e 03 de dezembro.}

Ppp[sP] BAUDELAIRE, Charles. Pequenos poemas em prosa [O spleen de Paris]. Tradução de Dorothée de Bruchard. São Paulo: Hedra, 2011. {Estrito entre 1855 e 1866. Publicado postumamente em 1896.}

Rj BAUDELAIRE, Charles. Rojões. Tradução de Tomaz Tadeu. In BAUDELAIRE, Charles. Meu coração desnudado. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2009. {Escrito entre 1855 e 1862, a série Rojões tem origem numa coleção de notas escritas em papéis soltos, encontrados entre os manuscritos deixados por Baudelaire.}

TG BAUDELAIRE, Charles. Théophile Gautier. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. In BAUDELAIRE, Charles. Reflexões sobre meus contemporâneos. São Paulo: EDUC, 1992. (p. 67-100) {Escrito em 1859 e publicado originalmente na revista L’Artiste.}

VH BAUDELAIRE, Charles. Victor Hugo. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. In BAUDELAIRE, Charles. Reflexões sobre meus contemporâneos. São Paulo: EDUC, 1992. (p. 19-35) {Escrito em 1861.}

voED BAUDELAIRE, Charles. A vida e a obra de Eugène Delacroix. Tradução de Plínio Augusto Coêlho. In BAUDELAIRE, Charles. Escritos sobre arte. São Paulo: Hedra, 2008. {Escrito em 1863 e publicado originalmente na revista L’Opinion Nationale.}

VT BAUDELAIRE, Charles. O Vinho dos Trapeiros. Tradução de Mário Laranjeira. In BAUDELAIRE, Charles. As Flores do Mal. São Paulo: Martin Claret, 2011. (p. 130-131) B_3 ... 5

{Escrito em 1854 e publicado originalmente na revista L’Almanach de Jean Raisin, Revue Joyeuse et Vinicole.}


“Mas aí vem outra coisa. Desçamos um pouco mais baixo. Contemplemos um desses seres misteriosos que vivem por assim dizer das dejecções das grandes cidades; porque há singulares ofícios. São inúmeros. Algumas vezes pensei com terror que havia ofícios que não comportavam qualquer alegria, ofícios sem prazer, fadigas sem alívio, dores sem compensação. Enganava-me. Eis um homem encarregado de apanhar os restos de um dia da capital. Tudo o que perdeu, tudo o que desdenhou, tudo o que partiu, ele o cataloga e coleciona. Compulsa os arquivos da libertinagem, a cafarnaum(*) dos refugos. Faz uma separação, uma escolha inteligente. Reúne, como um avarento um tesouro, os lixos que, mastigados pela divindade da indústria, se tornarão objetos de utilidade ou de recreio. Ei-lo, à claridade sombria dos candeeiros atormentados pelo vento da noite, subindo uma das longas ruas tortuosas e povoadas de pequenas casas da montanha Sainte-Geneviève. Reveste-o o seu xaile de verga(*) com seu número. Chega meneando a cabeça e tropeçando nas pedras. Como os jovens poetas que passam os dias a errar e procurar rimas, fala sozinho; verte a sua alma no ar frio e tenebroso da noite. [...] e contudo tem as costas e os rins esfolados pelo peso do cesto de verga. Apoquentam-no desgostos domésticos. Está moído por quarenta anos de trabalho e de caminhadas. A idade atormenta-o, mas o vinho, como um páctolo (*) novo, rola através da humanidade enlanguecida em ouro intelectual. Como os bons reis, reina pelos seus serviços e canta as suas as suas proezas na garganta dos seus súbditos.” (Vinho como meio de multiplicação da individualidade, oPA p. 150-1) (*) Cafarnaum = Cidade bíblica na margem norte do Mar da Galileia, servia de porto e alfândega para o império romano. Atribui-se a Jesus a realização de milagres na cidade. Foi durante um período significativo morada de Jesus, mas a população, apesar do real impacto de seu ministério, se afasta e, por isso, é amaldiçoada por Jesus, que predisse a sua completa destruição – Xaile de Verga = Xale acoplado/costurado a um cesto de palha de vime. – Páctolo = Rio turco que possuía uma areia com alto valor comercial. De acordo com a lenda, o rei Midas renunciou ao seu “toque dourado” lavando suas mãos neste rio.

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“- O quê? Você por aqui, meu caro? Num lugar suspeito? Você o bebedor de quintessências? O comedor de ambrosias? Na verdade, tenho de surpreender-me! – Você conhece, caro amigo, meu pavor pelos cavalos e pelos carros. Ainda há pouco, quando atravessava a avenida, apressadíssimo, e saltitava na lama em meio a esse caos movediço em que a morte chega a galope por todos os lados ao mesmo tempo, minha auréola, num movimento brusco, escorregou da minha cabeça para a lama da calçada. Não tive coragem de juntá-la, julguei menos desagradável perder minhas insígnias do que deixar que rompessem os ossos. E depois, pensei, há males que vêm para bem. Posso agora passear incógnito, praticar ações vis e me entregar à devassidão. Como os simples mortais. E aqui estou, igualzinho a você, como vê! – Você deveria ao menos mandar pôr um anúncio pela auréola, ou mandar revê-la pelo delegado. – Não, ora essa! Sinto-me bem aqui.Só você me reconheceu. A dignidade, aliás, me entedia. E também, me alegra pensar que algum poeta ruim há de juntá-la e vesti-la impudentemente. Fazer alguém feliz, que prazer! Principalmente um feliz que ainda vai me fazer rir! Pense em X ou Z, puxa! Que engraçado vai ser!” (XLVI – Perda da auréola, Ppp[sP] p. 215)


“A natureza é um templo onde vivos pilares / por vezes dão a ouvir palavras muito estranhas; / nas florestas de símbolos o homem se emaranha / que o observam com olhos bem familiares; / Tais como longos ecos que ao longe se escondem / em uma tenebrosa e profunda unidade, / tão vasta como a noite e como a caridade, / as cores, os perfumes e os sons se respondem. / Perfumes frescos há, como carnes infantes, / doces como oboés, verdes como campinas, / - e outros, corrompidos, ricos e triunfantes.” (IV – Correspondência, FM p. 31)

“Ora, o que é um poeta (sirvo-me do termo em sua acepção mais ampla), se não um tradutor, um decifrador?” (VH p. 24)

“Testemunho anônimo da multidão, Guys age como tradutor permanente da realidade. À maneira de um etnólogo, ele estuda os fenômenos, conserva-lhes o “traço” na memória, decompõe a realidade em rápidos esboços, e recompõe uma outra, em figuras.” (DUFINHO, Jérôme. oPvM p. 115)

“Um dândi pode ser um homem que aparenta indiferença, talvez um homem que sofra; mas, nesse último caso, sorrirá, tal como fez o lacedemônio enquanto era roído pela raposa.” (oPvM p. 63)

“Tentei, eu mesmo, várias vezes, elaborar esse enorme catálogo; todavia, minha paciência foi quebrada por essa incrível fecundidade, e, cansado da luta, renunciei a isso.” (voED p. 80)

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“A fantasmagoria, ele a extraiu da natureza. Todos os materiais que abarrotavam a memória agora se ordenam, se arranjam, se harmonizam e sofrem essa idealização forçada que é o resultado de uma percepção infantil, isto é, de uma percepção aguda, mágica, graças à ingenuidade!” (oPvM p. 32-5)


“Súbito fecundou minha fértil memória, / quando eu atravessava o novo carrossel, / a antiga Paris já não há (pois a história / da cidade muda antes que a alma de um mortal); / em espírito vejo esse campo de tendas, / tantas colunas, tantos capitéis pintados / os matos, grandes blocos, poças verdoengas, / e, brilhando no chão, objetos espalhados. / Por ali se espalhava outrora um galinheiro, / ali eu vi, um dia, na hora em que no céu / frio e claro o trabalho desperta, e em que o cheiro / do lixo enche o ar como sóbrio véu,” (LXXXIX – O cisne I, FM p. 107)

“O prazer que extraímos da representação do presente deve-se não apenas à beleza de que pode estar revestido, mas também à sua qualidade essencial de presente.” (oPvM p. 14)

“Observador, Flâneur, filósofo, qualifiquem-no como quiserem; mas vocês serão certamente levados, para caracterizar esse artista, a agraciá-lo com um epíteto que não poderiam aplicar ao pintor de coisas eternas ou, ao menos, mais duradouras, ao pintor de coisas heroicas ou religiosas.” (oPvM p. 21)

“Essa aparente contradição é evidentemente o resultado de uma existência bem regulada e de uma forte constituição espiritual, que lhe permite trabalhar caminhando, ou melhor, só poder caminhar trabalhando.” (VH p. 19)

“Eis pois o homem imaginado, o espírito que escolhi, chegado a esse grau de alegria e de serenidade em que é obrigado a admirar-se a si mesmo.” (oPA p. 47)

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“Ele se aplica [o spleenétique de Baudelaire], como vemos, diretamente à vida nas então recentes metrópoles e, em particular, em Paris. E Paris, no livro, é mais (ou menos) que uma cidade: é, como vimos, um estado mental.” (VILLA, Dirceu. Introdução, Ppp[sP] p. 16)


“O vinho exalta a vontade, o haxixe aniquila-a. O vinho é um suporte físico, o haxixe é uma arma para o suicídio. O vinho torna bom e sociável. O haxixe é isolante. Um é laborioso por assim dizer, o outro essencialmente preguiçoso. Realmente, para quê trabalhar, lavrar, escrever, fabricar seja o que for, quando se pode alcançar o paraíso de uma só vez? Finalmente, o vinho é para o povo que trabalha e que merece bebê-lo. O haxixe pertence à classe das alegrias solitárias; é feito para os miseráveis ociosos. O vinho é útil. Produz resultados frutificantes. O haxixe é inútil e perigoso.” (oPA p. 165)

“[...] por mais produtivo que seja, o jogo, mesmo quando dirigido pela ciência, força intermitente, será vencido pelo trabalho. Por menor que seja, desde que contínuo.” (Rojão 17, Rj p. 28)

“Ele buscou por toda parte a beleza passageira, fugaz, da vida presente, o caráter daquilo que o leitor nos permitiu chamar a modernidade. Frequentemente estranho, violento, excessivo, mas sempre poético, ele soube concentrar em seus desenhos o sabor amargo ou capitoso do vinho da Vida.” (oPvM p. 87)

“É só pelo mal-entendido que o mundo segue em frente. – É só pelo mal-entendido geral que todo mundo se põe de acordo. – Pois se, por desgraça, nos compreendêssemos, jamais poderíamos nos pôr de acordo.” (<76>, mCD p. 74)

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“Haverá fenômeno mais deplorável do que a fraqueza gozando da fraqueza?” (dEdR p. 17)


“É evidente que aos seus olhos a imaginação era o dom mais precioso, a faculdade mais importante; todavia, essa faculdade permaneceria impotente e estéril, se não tivesse a seu serviço uma habilidade rápida, que pudesse acompanhar a grande faculdade despótica em seus caprichos impacientes. Ele não teria necessidade, com certeza, de ativar o fogo de sua imaginação, sempre incandescente; entretanto, sempre achava o dia muito curto para estudar os meios de expressão.” (voED p. 85)

“O Passado, sem deixar de conservar o atrativo do fantasma, retomará a luz e o movimento da vida e se tornará Presente.” (oPvM p. 14)

“Urbano, camponês, sedentário, andador, / seja o pequeno cérebro ativo ou vagaroso, / o homem sempre há de ter do mistério o terror, / e para o alto se volta com olhar temeroso.” (IV – O rebelde [poema inserido postumamente na 3ª edição], FM p. 220)

“<<Sou a alma da pátria, meio galante, meio militar. Sou a esperança dos domingos. O trabalho faz os dias prósperos, o vinho faz os domingos felizes>>.” (oPA p. 149)

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“Diz-se que o poeta é um gênio; que, por sê-lo, deve suportar o estar cercado de imbecis; que, cercado por eles, refugia-se na extravagância de seus hábitos inexplicáveis socialmente; e que esse refúgio desenvolve como consequência uma espécie de melancolia pensante, o spleen.” (VILLA, Dirceu. Introdução, falando de Lorde Byron, Ppp[sP] p. 16)


“Com a cabeça encostada à vidraça, estava, pois, ocupado em escrutinar a turba, quando, subitamente, um semblante (o de um homem velho e decrépito, com uns sessenta e cinco ou setenta anos de idade) entrou no campo de minha visão – um semblante que, por causa da impressionante peculiaridade de sua expressão, imediatamente prendeu e absorveu toda a minha atenção. [...] senti-me singularmente arrebatado, perplexo, fascinado. ‘Que história espantosa’, disse para mim mesmo, ‘não estará escrita nesse coração!’ veio-me, então, o incontrolável desejo de não perder o homem de vista – de saber mais sobre ele.” (oHM-Poe p. 97)

“Matar esse monstro [o tempo] não é a ocupação mais trivial e legítima de toda pessoa?” (XLIII – O galante atirador, Ppp[sP] p. 209)

“O homem rico, dedicado ao ócio e que, mesmo aparentando indiferença, não tem outra ocupação que a de correr no encalço da felicidade; o homem criado no luxo e acostumado, desde a juventude, a ser obedecido, aquele, enfim, que não tem outra profissão que não a da elegância, gozará sempre, em todas as épocas, de uma fisionomia diferente, inteiramente à parte.” (oPvM p. 62)

“Todo o universo não é senão um depósito de imagens e sinais aos quais a imaginação dará um lugar e um valor relativo; é uma espécie de alimento que a imaginação deve digerir e transformar.” (voED p. 89)

“Espírito em que o paradoxo assumia amiúde as proporções da ingenuidade, cuja imaginação era tão vasta como a solidão e a preguiça absolutas? Um dos senões mais naturais de Samuel era o de se considerar igual àqueles que soubera admirar; após a leitura apaixonada de um belo livro, sua conclusão inconsciente era: isto é belo o bastante para ser obra minha! – E daí a pensar: logo, é minha – é só o espaço de um travessão.” (LF p. 09)

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“Pois, eu, de cada coisa extraí a quintessência, / Deste-me [a cidade de Paris] a tua lama e, em essência, fiz ouro.” (Projeto de um epílogo, 1861, FM p. 234)


“Em poucos minutos tínhamos chegado a um imenso e agitado mercado, com cujas lojas o estranho parecia bastante familiarizado, e no qual sua primitiva atitude tornou-se, outra vez, evidente, à medida que abria caminho, aproximando-se e afastando-se, sem qualquer propósito, por entre o ajuntamento de compradores e vendedores. Durante hora e meia [...] ele entrava numa loja após a outra, sem perguntar o preço de nada, sem falar qualquer palavra, e contemplava todos os objetos com um olhar ausente e desorientado.” (oHM-Poe p. 98-9)

“Grande amante da multidão e do incógnito, o Sr. C. G. leva a originalidade ao extremo da modéstia.” (oPvM p. 21)

“Por sinal, essa posição do escritor atrasado, distanciado pela opinião, tem, conforme eu tentava insinuar, um charme paradoxal. Mais livre, por estar sozinho como um retardatário, ele tem a aparência daquele que resume os debates e, obrigado a evitar as veemências da acusação e da defesa, tem ordem de abrir um novo caminho.” (MBpGF p. 43-4)

“Nas sinuosas pregas, velhas capitais, / onde tudo, até horrores, ficam fascinantes, / espreito, obediente aos humores fatais, / uns seres singulares, caducos, tocantes.” (XCI – As velhinhas, FM p. 111)

“- Ei! O que é então que você ama, extraordinário estrangeiro? – Amo as nuvens... as nuvens que passam... lá, lá, adiante... as maravilhosas nuvens!” (I – O estrangeiro, Ppp[sP] p. 33)

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“[...] mas os seus dissabores, que só ao senhor pertencem, advêm, ao que pude depreender sob a pompa de suas palavras, de necessidades estranhas sempre insatisfeitas e quase impossíveis de satisfazer. O senhor sofre, é verdade; mas é possível que seu sofrimento constitua sua grandeza e lhe seja tão necessário quanto é para outros a felicidade.” (LF p. 33)


“Verás neste quadro um passeante sombrio e solitário, mergulhado na onde movediça das multidões, e enviando o seu coração e o seu pensamento a uma Electra distante que lhe limpava ainda não há muito a fronte banhada em suor e lhe refrescava os lábios pergaminhados pela febre; e adivinharás a gratidão de um outro Orestes cujos pesadelos tantas vezes vigiaste, e a quem dissipavas, com mão leve e maternal, o sono horrível.” (Dedicatória a J. G. F., oPA p. 10)

“Quem são os desventurados que o entardecer não acalma e que, como as corujas, tomam a vinda da noite por um sinal de cabá?” (XXII – O crepúsculo da tarde, Ppp[sP] p. 117)

“Será certo que ao menos enxergam? Só se, narcisos da imbecilidade, estiverem olhando a multidão como um rio que lhes devolve a imagem. Na realidade, existem mais para o prazer do observador do que para o próprio.” (oPvM p. 74)

“Era uma bebedeira de riso, uma coisa terrível e irresistível.” (dEdR p. 35)

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“Vê-se um trapeiro vir, a cabeça meneando, / A bater nas paredes qual poeta, tropeçando, / E sem se preocupar com espiões, seus sujeitos, / Expande o coração em gloriosos projetos. / Ele faz juramentos, dita leis sublimes, / Arrasa o malfeitor, as vítimas redime, / E, sob o firmamento, qual pálio estendido, / De esplendores se embriaga, e de merecimento.” (VT p. 130)


“Lembram-se de um quadro (trata-se verdadeiramente de um quadro!) escrito pela mais vigorosa pena desta época e que tem por título o Homem da multidão? Atrás da vidraça de um café, um convalescente, contemplando com prazer a multidão, mistura-se, pelo pensamento, a todos os pensamentos que se agitam em torno dele. Tendo voltado recentemente das sombras da morte, ele aspira com gosto todos os germes e eflúvios da vida; como esteve a ponto de tudo esquecer, recorda-se, de tudo. Finalmente, precipitase para o meio dessa multidão, em busca de um desconhecido cuja fisionomia, num relance vislumbrada, tinha-o fascinado. A curiosidade tornara-se uma paixão fatal, irresistível!” (oPvM p. 24-5)

“Suplicava-lhes há pouco que considerassem o Sr. G. como um eterno convalescente; para completar essa concepção, considerem-no também como um homem-criança, como um homem que possui, a cada minuto, o gênio da infância, isto é, um gênio para o qual nenhum aspecto da vida está embotado.” (oPvM p. 28)

“Toda ideia é, por si mesma, dotada de uma vida imortal, tal como uma pessoa. Toda forma criada, mesmo pelo homem, é imortal. Pois a forma é independente da matéria, e não são as moléculas que constituem a forma.” (<79>, mCD p. 75)

“Era tarde; assim como um broche luzidio / a lua cheia se espalhava, / a essa pompa da noite, como um grande rio / Paris já dormente inundava.” (XLV – Confissões, FM p. 65)

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“Vade retro, a musa acadêmica! Não me interessa essa velha melindrosa. Invoco a musa familiar, urbana, viva para que me ajude a cantar os bons cães, os pobres cães, os cães enlameados, esses que todos evitam como pestíferos e piolhentos, exceto o pobre, de quem são os sócios, e o poeta, que os mira com olhar fraternal.” (L – Os bons cães, Ppp[sP] p. 235)


“Tinha agora uma boa oportunidade para examinar a sua pessoa. Era de pequena estatura, muito magro e, aparentemente, muito débil. Suas roupas eram, em geral, sujas e rasgadas; mas quando ele ficava, uma vez ou outra, sob o forte clarão de uma luz, eu percebia que o linho que trajava, embora sujo, era de uma bela textura; e minha visão me enganava ou, através de uma fenda no róclo [...] que o envolvia, vislumbrei um brilhante e também um bastão. Essas observações aguçaram a minha curiosidade, e resolvi seguir o estranho aonde quer que ele fosse.” (oHM-Poe p. 97)

“Que esquisitices não encontramos numa cidade grande, quando sabemos passear e olhar?” (XLVII – Senhora Bisturi, Ppp[sP] p. 221)

“Ora, a convalescência é como um retorno à infância. O convalescente goza, no mais alto grau, tal como a criança, da faculdade de se interessar vivamente pelas coisas, até mesmo por aquelas mais aparentemente triviais. (...) a criança vê tudo como novidade; ela está sempre inebriada.” (oPvM p. 25)

“Sabe o vinho vestir o covil mais imundo / de um luxo miraculoso, / e faz surgir mais de um pórtico fabuloso / no ouro rubro e vaporoso, / tal como um sol poente ao fim de céu profundo.” (XLIX – O veneno, FM p. 68)

“Esse detalhe, presumo, não lhe parecerá inútil, pois não há recordação supérflua quando se deve retratar a natureza de certos homens.” (voED p. 101)

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“Entregar-se a satã: o que significa isso? Nada de mais absurdo do que o progresso, pois o homem, como provam os fatos de todos os dias, continua semelhante e igual ao homem, isto é, continua no estado selvagem! O que são os perigos da floresta e da pradaria perto dos choques e dos conflitos cotidianos da civilização?” (Rojão 21, Rj p. 31-2)


“E, à medida que as sombras do segundo final de tarde surgiam, sentia-me mortalmente cansado e, parando bem em frente do caminhante, olhei-o fixamente no rosto. Ele não acusou a minha presença, retomando sua solene caminhada, enquanto eu, parando de segui-lo, fiquei absorvido na minha meditação. ‘Este velho’, disse eu, afinal, ‘é o tipo o e gênio do crime profundo. Ele se nega a ficar sozinho. Ele é o Homem da Multidão.” (oHM-Poe p. 102)

“Era, ao mesmo tempo, todos os artistas que estudara e todos os livros que lera e, no entanto, a despeito desta aptidão histriônica era profundamente original.” (LF p. 11)

“Sobre a cidade e o campo, os tetos e os trigais, / exerço-me sozinho a fantástica esgrima, / cheirando em todo canto os acasos da rima, / tropeçando em palavras como em chão calçado, / chocando muita vez em verso já sonhado.” (LXXXVII – O sol, FM p. 104)

“Vi, desde então, uma quantidade considerável desses desenhos improvisadamente feitos nos próprios locais e pude ler, assim, um relato minucioso e diário da campanha da Crimeia, altamente preferível a qualquer outro.” (oPvM p. 22)

“O público francês gosta pouco de ser desambientado. Não tem um gosto muito cosmopolita, e as translações de horizonte turvam-lhe a vista.” (dEdR p. 34)

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“[...] me veio a ideia de tentar algo análogo e aplicar à descrição da vida moderna, ou melhor, de uma vida moderna e mais abstrata. [...] É sobretudo da frequentação das cidades imensas, do cruzamento de suas inumeráveis relações que nasce este ideal obcecante.” (Ppp[sP] p. 29)


“A multidão é seu domínio, como o ar é o do pássaro, como a água, o do peixe. Sua paixão e sua profissão consistem em esposar a multidão. Para o perfeito Flâneur, para o observador apaixonado, constitui um grande prazer fixar domicílio no número, no inconstante, no movimento, no fugidio e no infinito. Estar fora de casa e, no entanto, sentir-se em casa em toda parte; ver o mundo, estar no centro do mundo e continuar escondido do mundo, esses são alguns dos pequenos prazeres desses espíritos independentes, apaixonados, imparciais, que a língua não pode definir senão canhestramente. O observador é um príncipe que usufrui, em toda parte, de sua condição de incógnito.” (oPvM p. 30)

“O homem gosta tanto do homem que quando foge da cidade é ainda para buscar a multidão, isto é, para refazer a cidade no campo.” (<36>, mCD p. 57)

“Outro exemplo: este tirado de um autor singular, espírito muito geral apesar daquilo que consta, e que une à chacota significativa francesa a alegria louca, espumosa e leve dos países do sol, e ao mesmo tempo o profundo cômico germânico. Refiro-me novamente a Hoffmann.” (dEdR p. 39)

“Paris muda! Mas nada na melancolia / se alterou! Paços novos, andaimes e obras, / velhos bairros, pra mim é tudo alegoria, / e as recordações pesam mais do que rochas.” (LXXXIX – O cisne II, FM p. 108)

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“É assim que funciona a percepção fragmentária, porque ela anota que o ritmo das coisas foi modificado, que muitas delas ficam então pelo caminho como pedaços a que não se poderia dar um desenho conclusivo e redondo; que não seria exato como representação, também, prover essa percepção com a elasticidade continuada de um romance, por exemplo.” (VILLA, Dirceu. Introdução, Ppp[sP] p. 21)


“Assim ele vai, procura. Que procura ele? Com toda certeza, esse homem, tal como esbocei, esse solitário dotado de uma imaginação ativa, sempre viajando através do grande deserto de homens, tem um alvo mais elevado que o de um simples Flâneur, um alvo mais geral que não o do prazer fugaz da circunstância. Procura alguma coisa que nos será permitido chamar de modernidade, pois não se apresenta palavra melhor para exprimir a ideia em questão. Trata-se, para ele, de liberar, [...] o que ela pode conter de poético, de extrair o eterno do transitório.” (oPvM p. 35)

“Quer seja pela noite ou pela solidão, / quer seja na cidade em meio à multidão, / seu fantasma no ar dança como fanal.” (XLII – Poema sem nome, FM p. 63)

“Folheiem a sua obra, e verão passar à frente dos olhos, na sua realidade fantástica e surpreendente, tudo aquilo que numa grande cidade são vivas monstruosidades. Todos os seus tesouros assustadores, grotescos, sinistros ou burlescos, Daumier conhece-os.” (dEdR p. 69)

“E, enfim, que por mais que se ame a beleza geral, que se exprime pelos poetas e artistas clássicos, não se está menos equivocado em se negligenciar a beleza particular, a beleza de circunstância e os costumes de época.” (oPvM p. 13)

“Há na palavra, no verbo, algo de sagrado que nos proíbe de fazer dela um jogo de acaso. Manipular sabiamente uma língua é praticar uma espécie de feitiçaria evocatória.” (TG p. 86)

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“Meu caro amigo, estou lhe remetendo um pequeno trabalho do qual não se poderia dizer sem injustiça que não tem pé nem cabeça, já que, pelo contrário, tudo nele é ao mesmo tempo cabeça e pé, alternados e reciprocamente.” (BAUDELAIRE, carta para Arséne Houssaye, Ppp[sP] p. 29)


“A voz que nos fala no livro cede a impulsos para compreender seus limites, para atender a um apetite passageiro, para realizar uma experiência, e então observa essa experiência quase como faria um pesquisador, para depois fornecer o resultado que se junta à percepção geral já desenvolvida sobre seu tema, necessariamente um modo de flagrar um mundo em transformação, seja no aspecto da paisagem, dos agrupamentos humanos, da cultura ou “da própria percepção”. (VILLA, Dirceu. Introdução, Ppp[sP] p. 11)

“Quando, enfim, encontrei-o, vi imediatamente que me defrontava não exatamente com um artista, mas, antes, com um homem do mundo.” (oPvM p. 22)

“Apesar dos admiráveis serviços prestados pelo éter e pelo clorofórmio, parece-me que do ponto de vista da filosofia espiritualista, o mesmo estigma moral se aplica a todas as invenções modernas que tendem a diminuir a liberdade humana e a indispensável dor.” (oPA p. 51)

“No mundo de hoje, este tipo de caráter é mais frequente do que pensamos; as ruas, os passeios públicos, os botequins, e todos os refúgios da Flânerie fervilham de seres desta espécie.” (LF p. 09)

“Também por isso seu gosto pela frieza da alegoria.” (VILLA, Dirceu. Introdução, Ppp[sP] p. 11)

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“No início, minhas observações tomaram um rumo abstrato e generalizante. Eu contemplava os passantes em blocos e os considerava em seus aspectos coletivos. Logo, entretanto, desci aos pormenores, e comecei a observar com particular interesse as inúmeras variedades de acessório, roupa, aparência, andar, rosto e expressão facial.” (oHM-Poe p. 92)


“Isso é importante: o flâneur não está indo a lugar algum. Ele está de passagem, e isso se reflete no modo como esses textos [pequenos poemas em prosa] devem ser lidos, pois eles resvalam na ideia da cidade, que figura inúmeras sugestões ao observador atento e estético. Baudelaire ainda dinamiza aquela incrível e insuspeita força moral sobre seus objetos de atenção. São cenas passageiras, na rua ou dentro de um teatro da imaginação, e, ao mesmo tempo, exibem uma fixidez de eternidade, numa possível (e bastante óbvia) analogia com a fotografia, que tem por objetivo recortar e congelar o momento.” (VILLA, Dirceu. Introdução, Ppp[sP] p. 14-5)

“Quero, agora, entreter o público, falando de um homem singular, de uma originalidade tão forte e decidida que se basta a si mesma e nem sequer busca aprovação.” (oPvM p. 21)

“A atitude primitiva do estranho voltou a aparecer, o queixo caía-lhe sobre o peito, enquanto, sob o cenho franzido, os olhos se moviam descontroladamente em todas as direções, para se deter sobre aqueles que o rodeavam.” (oHM-Poe p. 98)

“[...] o prazer de estar no meio da multidão é uma expressão misteriosa do gozo da multiplicação do número. Tudo é número. O número está em tudo. O número está no indivíduo. A embriaguez é um número.” (Rojão 1, Rj p.15)

“Ó pobres corpos, tortos, magricelos, flácidos / que o deus do Útil foi que, implacável, sereno, / com fraldas de latão envolveu em pequenos!” (V – Poema sem nome, FM p. 32)

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“Essas reflexões [sobre a caricatura] tinham-se tornado para mim numa espécie de obsessão; delas me quis libertar. Fiz aliás os maiores esforços para as ordenar, e assim tornar a sua digestão mais fácil. Isto é portanto um puro artigo de filósofo e de artista.” (dEdR p. 07)


“Ser um homem útil sempre me pareceu algo bastante detestável.” (<09>, mCD p. 45)

“É uma ideia até certo ponto bizarra dizer desse quase misantropo que fosse um “homem das multidões”, mas a imersão na massa das cidades grandes pouco tinha realmente de um encontro: era, poderíamos dizer, um “perpassar”, quando não fosse explícita repulsa; produtiva, mas repulsa.” (VILLA, Dirceu. Introdução, Ppp[sP] p. 10)

“Estabelece-se, então, um duelo entre, de um lado, a vontade de tudo ver, de nada esquecer e, de outro, a faculdade da memória que adquiriu o hábito de absorver vivamente a cor geral e a silhueta, o arabesco do contorno.” (oPvM p. 40)

“A alma de algum poeta, na calha a errar, / fala com triste voz de fantasma friorento.” (LXXVI – Spleen, FM p. 92)

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“Senhora, tenha pena de mim, ou melhor, de nós, pois tenho muitos irmãos de minha espécie [poeta]; foi o ódio contra todos e contra nós mesmos que nos levou a estas falsidades. É por desespero de não podermos ser nobres e belos segundo os meios naturais que maquiamos tão estranhamente o rosto. Tanto nos dedicamos a sofisticar nosso coração [...] que nos é impossível falar a linguagem dos outros homens.” (LF p. 23)


“Aquele que não é capaz de descrever tudo, os palácios e os casebres, os sentimentos de ternura e de crueldade, as afeições limitadas da família e a caridade universal, a graça do vegetal e os milagres da arquitetura, tudo o que há de mais suave e tudo o que existe de mais horrível, o sentido íntimo e a beleza exterior de cada religião, a fisionomia moral e física de cada nação,tudo enfim, desde o visível até o invisível, desde o céu até o inferno; esse, dizia eu, não é verdadeiramente poeta na imensa extensão do termo.” (VH p. 26)

“Foi no ócio que, em parte, me criei. Para meu grande prejuízo; pois o ócio, sem fortuna, aumenta as dívidas, as humilhações resultantes das dívidas.” (<59>, mCD p. 66)

“As suas concepções [Hoffmann] cômicas mais supra naturais, mais fugidias, e que muitas vezes parecem visões de ebriedade, têm um sentido moral muito visível: poderia tratar-se de um fisiologista ou de um médico de loucos profundos, e que se entretivesse a revestir essa ciência profunda de formas poéticas, como um cientista que falasse por apólogos e parábolas.” (dEdR p. 41)

“Ontem, em meio à multidão da avenida, senti que era tocado de leve por um ser misterioso que eu sempre desejara conhecer, e que reconheci de imediato mesmo sem nunca tê-lo visto.” (XXIX – O jogador generoso, Ppp[sP] p. 149)

“Além disso, é preciso observar que quanto mais um objeto exige faculdades, menos nobre e puro ele é, quanto mais complexo, mas bastardia contém.” (TG p. 78)

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“Pode-se também compará-lo, esse indivíduo, a um espelho tão grande quanto essa multidão; a um caleidoscópio dotado de consciência que, a cada um de seus movimentos, representa a vida múltipla e a graça cambiante de todos os elementos da vida. É um EU insaciável do NÃO-EU, que, a cada instante, o traduz e o exprime em imagens mais vivas que a própria vida, sempre instável e fugidia.” (oPvM p. 30-1)


“Diz Vauvenargues que nos jardins públicos há alamedas frequentadas sobretudo ela ambição frustrada, pelos inventores frustrados. As glórias abortadas, os corações partidos, por todas essas almas tumultuosas e fechadas em que ainda trovejam os últimos suspiros de uma tormenta, e que recuam para longe do olhar insolente dos faceiros e ociosos. Esses retiros sombrios são os pontos de encontro dos estropiados da vida. É de preferência para esses lugares que o poeta e o filósofo gostam de dirigir suas ávidas conjeturas. Há neles alimento certo.” (XIII – As viúvas, Ppp[sP] p. 73)

“[...] o que há de inebriante no mau gosto é o prazer aristocrático de desagradar.” (Rojão 18, Rj p. 30)

“O riso e as lágrimas não se mostram no paraíso das delícias. São igualmente filhos do tormento, e vieram porque faltava ao corpo do homem enervado força para os contrariar.” (dEdR p. 10)

“Quem pode se vangloriar de ser tão felizmente dotado e de poder aplicar um método que lhe permita revestir, com certeza, de luz e púrpura, a pura trivialidade? Quem pode fazer isso? Ora, quem não faz isso, para dizer a verdade, não faz grande coisa.” (TG p. 90)

“Há uma gentil filosofia que sabe encontrar consolos nos objetos de aparência mais indigna.” (LF p. 31)

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“De bom grado eu o qualificaria de dândi, e para isso teria algumas boas razões; pois a palavra dândi implica uma quintessência de caráter e um entendimento sutil de todo o mecanismo moral deste mundo; mas, por outro lado, o dândi aspira à insensibilidade, e é por essa razão que o Sr. G., que é, por sua vez, dominado por uma paixão insaciável, a de ver e de sentir, se aparta violentamente do dandismo.” (oPvM p. 28)


“Os poetas ilustres tinham dividido entre si, há muito tempo, as províncias mais floridas do domínio poético. Pareceu-me prazeroso, e tanto mais agradável quanto a tarefa era mais difícil, extrair a beleza do mal. Este livro, essencialmente inútil e absolutamente inocente, não foi feito com outro escopo senão o de me divertir e exercer o meu gosto apaixonado pelo espetáculo.” (Projeto de um epílogo, 1861, FM p. 238)

“Sim, a gente acuada por mágoas do lar, / moída por trabalho e a idade a atormentar, / desancada e dobrando sob escombros vis, / o vômito confuso da enorme Paris,” (VT p. 130)

“<<A grande infelicidade de não poder estar só!>> ... diz La Bruyère em algum lugar, como para envergonhar todos esses que correm se esquecer na multidão, decerto temendo não suportar a si mesmos.” (XXIII – A solidão, Ppp[sP] p. 121)

“O Sr. G. [...] começou por contemplar a vida e só tardiamente empenhou-se em aprender os meios para expressá-la.” (oPvM p. 39)

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“Sentia um interesse tranquilo, mas curioso, por tudo. Com um charuto na boca e um jornal sobre os joelhos, estivera me entretendo durante a maior parte da tarde, ora absorvendo-me nos anúncios; ora observando a variada clientela presente no recinto; ora, ainda, vendo a rua através dos vidros esfumaçados.” (oHM-Poe p. 91)


“Poucos são os homens dotados da faculdade da visão; são menos ainda os que possuem a capacidade de expressão. Agora, no momento em que os outros dormem, esse homem está curvado sobre a mesa, lançando sobre uma folha de papel o mesmo olhar que há pouco fixava sobre as coisas, esgrimindo com seu lápis, sua caneta, seu pincel, respingando no teto a água do copo, limpando a pena na camisa, apressado, violento, ativo, como se temesse que as imagens lhe escapassem, brigando sozinho, esbarrando em si mesmo.” (oPvM p. 32)

“Um raio... A noite cai! – Fugitiva beldade / cujo olhar me causou um renascer dos dias, / não te verei jamais, senão na eternidade?” (XCIII – A uma passante, FM p. 115)

“Há que estar sempre embriagado. Tudo está nisto: é a única questão. Para não sentir o terrível fardo do tempo que lhes dilacera os ombros e os encurva para a terra, embriagarse sem cessar é preciso. Mas de quê? De vinho, poesia ou virtude. A escolha é sua. Mas embriaguem-se.” (XXXIII – Embriaguem-se, Ppp[sP] p. 177 – Escrito em 1864)

“[...] o que não é ligeiramente disforme parece imperceptível; do que se segue que a irregularidade, isto é, o inesperado, a surpresa, o espanto é uma componente essencial e a característica da beleza.” (Rojão 12, Rj p. 23)

“[...] Encantariam o mais delicado escultor, se o escultor moderno tivesse a coragem e o espírito para buscar a nobreza onde ela estivesse, até mesmo na lama.” (oPvM p. 79)

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“Parece-me por vezes que ouço dizer o vinho: [...] o peito de um bom homem é uma morada que me agrada muito mais do que estas caves melancólicas e insensíveis. É um alegre túmulo onde cumpro o meu destino com entusiasmo. Faço no estômago do trabalhador um grande reboliço, e dali, por escadas invisíveis, subo-lhe ao cérebro onde executo a minha dança suprema.” (oPA p. 149)


“[...] Fragmento [...] é o que o próprio Baudelaire que nos situa quanto a esse aspecto, quando escreve a Houssaye: podemos interromper onde quisermos, eu meu devaneio, você o manuscrito, o leitor sua leitura; pois não mantenho suspensa a recalcitrante vontade desse último ao fio interminável de uma intriga supérflua. Retire uma vértebra, e os dois pedaços desta tortuosa fantasia irão se juntar sem dificuldade. Lacere-a em diversos fragmentos, e verá que cada um deles pode existir à parte.” (VILLA, Dirceu. Introdução, Ppp[sP] p. 20)

“Mas há, na vida ordinária, na metamorfose cotidiana das coisas exteriores, um movimento rápido que exige do artista igual velocidade de execução.” (oPvM p. 18)

“Samuel, como se vê, pertencia à categoria das pessoas absorventes, - dos homens insuportáveis e apaixonados, nos quais o ofício estraga a conversa, e para os quais toda oportunidade serve, até mesmo uma amizade improvisada junto a uma árvore ou esquina – de um trapeiro que seja, - para desenvolver obstinadamente suas ideias.” (LF p. 19)

“Posso afirmar que nenhum jornal, nenhum relato escrito, nenhum livro exprime tão bem, em todos os seus detalhes dolorosos e em sua sinistra amplitude, essa grande epopeia da Guerra da Crimeia.” (oPvM p. 43-4)

“A modernidade é o transitório, o fugidio, o contingente, a metade da arte, cuja outra metade é o eterno e o imutável.” (oPvM p. 35)

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“Recordo-me de um tempo em que sua figura era uma das mais encontradas no meio da multidão; e várias vezes perguntei-me, ao vê-lo tão amiúde aparecer na turbulência das festas ou no silêncio dos locais solitários, como ele podia conciliar as necessidades de seu trabalho assíduo com esse gosto sublime, mas perigoso, pelos passeios e pelos devaneios.” (VH p. 19)


“A primeira parte deste livro [os Paraísos Artificiais] é inteiramente minha. [...] a segunda e a terceira partes são a análise de um livro inglês extremamente curioso (o Comedor de Ópio, de Quincey), mas, aqui e além, juntei-lhe as minhas reflexões pessoais; até que ponto introduzi a minha personalidade no auto original, ser-me-ia impossível dizer agora. Fiz uma tal amálgama que não poderia reconhecer a parte que vem de mim, a qual, aliás, é forçosamente pequena.” (oPA p. 167)

“Podemos apostar com segurança que, em poucos anos, os desenhos do Sr. G. se transformarão em arquivos preciosos da vida civilizada.” (oPvM p. 87)

“Para ele [Baudelaire], aos 25 anos, o jogo está feito: está tudo parado, ele viveu sua chance e perdeu para sempre, resta-lhe apenas sobreviver a si mesmo. Muito antes de atingir a casa dos trinta, suas opiniões estão formadas, já não fará mais que ruminá-las.” (SARTRE, Jean-Paul. LF p. 05)

“Para a maioria de nós, sobretudo para as pessoas de negócios, aos olhos das quais a natureza não existe a não ser nas relações de utilidade que ela mantém com suas transações, o real fantástico da vida está singularmente embotado.” (oPvM p. 39)

“O homem que até hoje melhor sentiu estas ideias, e que em parte as enfermou em trabalhos de pura estética e também de criação, é Theodor (E. T. A.) Hoffmann. Sempre distinguiu muito bem o cômico corrente do cômico a que ele chama cômico inocente. Tentou repetidas vezes resolver em obras artísticas as teorias eruditas que enunciara didaticamente, ou lançara sob a forma de conversas inspiradas e de diálogos críticos.” (dEdR p. 26)

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“A noite, que no espírito deles punha trevas, no meu faz a luz [...] Oh, noite! Oh, trevas refrescantes! Vocês são para mim sinal de uma festa interior, a redenção de uma angústia!” (XXII – O crepúsculo da tarde, Ppp[sP] p. 119)


“[...] bêbados em quantidade e de difícil descrição, - alguns em trapos e frangalhos, cambaleantes, língua enrolada, rostos cobertos de feridas e olhos vidrados, [...] homens que caminhavam com um passo mais do que naturalmente firme e ágil, mas de semblantes horrivelmente pálidos, olhos terrivelmente desvairados e avermelhados, e que, enquanto, a passos largos, abriam caminho por entre a multidão, agarravam-se, com dedos trêmulos, a qualquer objeto que estivesse ao seu alcance.” (oHM-Poe p. 96)

“Início de um romance, começar um tema em um ponto qualquer e, para ter vontade de terminá-lo, iniciar com frases muito bonitas.” (Rojão 21, Rj p. 32)

“Como me agradarias, noite! Sem estrelas / cuja língua me fala idioma conhecido! / Pois eu busco o vazio, e o negro e o despido! / Porém as próprias trevas são para mim telas / onde vivem, brotando aos olhos por milhares / seres idos de olhares tão familiares.” (LXXIX – Obsessão, FM p. 94)

“Com um grito agudo de alegria, o velho forçou a entrada, retomou imediatamente sua postura primitiva e andou para lá e para cá, sem objetivo aparente, em meio à turba.” (oHM-Poe p. 102)

“Assim, para chegar a compreende o Sr. G., tomem imediatamente nota disso: a curiosidade pode ser considerada como o ponto de partida de seu gênio.” (oPvM p. 24)

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“Eu canto os cães calamitosos, quer os que vagam, solitários, nos córregos sinuosos, das cidades imensas, quer os que disseram ao homem abandonado, piscando os olhos maliciosos: <<leve-me com você, e com nossas duas misérias talvez possamos criar alguma espécie de felicidade!>>.” (L – Os bons cães, Ppp[sP] p. 237)


“Formigante cidade, cidade em sonhos plena / onde o espectro, dia pleno, agarra o passante; / os mistérios aqui como seiva se drena / nos estreitos canais do colosso possante. / Uma manhã, no entanto, em que, na rua feia, / as casas, a que a bruma tornava maiores, / simulavam os dois cais de um rio na cheia, / e que, cenário igual à alma dos atores, / névoa amarela e suja enchia todo o espaço, / e seguia, de nervos tensos, qual valente, / e discutindo com o espírito já lasso, / o bairro por carroças pesadas tremente, / de repente, um ancião, de andrajos amarelos, / que imitava a cor feia de manhã como essa, / seu aspecto faria chover dinheiros belos, / não fosse essa maldade em seus olhos impressa, / me apareceu. Pupila, dir-se-ia, banhada / no fel; o olhar tornava as friagens agudas, / e a barba, longos pelos, rija como espada, / projetava-se, assim como aquela de Judas. / Ele não era arcado, e sim quebrado, a espinha / fazendo com a perna um ângulo bem reto, / tanto que seu bastião fechar seu quadro vinha, / dando-lhe certo jeito e o andar incorreto / de um quadrúpede fraco ou judeu de três patas. / Na neve e no barreiro afundando ia à frente / como se ele esmagara mortos com as sapatas, / hostil ao universo mais que indiferente. / Seu igual vinha atrás: barba, olho, bastão, trapos, / nada pra os distinguir, de inferno igual saído, / o gêmeo secular, e os barrocos andrajos, / andando ao mesmo passo pra um fim não sabido. / A que conchavo infame eu submeto estava, / ou assim me humilhava que pérfido azar? / Sete vezes, então, por minuto eu contava, / o sinistro ancião a se multiplicar. / Que aquele que se ri de minha inquietude, / e que não é tomado de arrepio fraterno, / pense bem, que apesar dessa decrepitude / os sete monstros feios tinham ar eterno! / Teria eu, sem morrer, visto mesmo o que vi, / inexorável sósia, irônico e fatal, / tão repugnante fênix, filho e pai de si? / - mas eu dei logo as costas à corte infernal. / Exasperado como ébrio que vê dobrado, / entrei, fechei a porta, em medo que me invade, / doente e resfriado, mente febril, cansado / ferido do mistério e da absurdidade! / Em vão tentou tomar o meu leme a razão; / a borrasca a jogar fazia do esforço um nada, / e minha alma a dançar, a dançar, qual jangada / sem mastros, sobre o mar, monstruosa imensidão!” (XC – Os sete anciãos, FM p. 109-10) “Não é dado a qualquer um tomar banho de multidão. Desfrutar da massa é uma arte e só poderá fazer, às custas do gênero humano, uma orgia de vitalidade, aquele a quem uma fada terá insuflado no berço o gosto pelo disfarce e a máscara, o ódio do domicílio e a paixão pela viagem. Multidão, solidão: termos iguais e permutáveis. Para o poeta ativo e fecundo, quem não sabe povoar sua solidão tampouco sabe estar só em meio a uma massa azafamada. Goza o poeta desse incomparável privilégio de poder ser, a bel-prazer, ele próprio o outrem. Igual a essas almas errantes em busca de um corpo, ele entra, quando quer, na personagem de qualquer um. Para ele apenas, tudo está vacante; e se alguns lugares lhe parecem estar fechados, é que a seus olhos não valem a pena ser visitados.

O que os homens denominam amor é bem pequeno, restrito e frágil, se comparado a esta inefável orgia, a esta santa prostituição da alma que se dá por inteiro, poesia e caridade, ao imprevisto que se mostra, ao desconhecido que passa.” (XII – As massas, Ppp[sP] p. 69)

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O andarilho solitário e pensativo tira uma embriaguez singular desta universal comunhão. Quem desposa facilmente a massa conhece gozos febris, dos quais serão eternamente privados o egoísta, trancado como um cofre, e o preguiçoso, internado como um molusco. Ele adota como suas todas as profissões, todas as alegrias e todas misérias que a circunstância lhe apresentar.


Charles Baudelaire por Edouard Manet, 1863

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