Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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Governo Do Estado Do Paraná Secretaria De Estado Da Educação Superintendência Da Educação Departamento Da Diversidade Coordenação Da Educação Escolar Indígena

Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

CURITIBA SEED/PR 2011


Depósito legal na Fundação Biblioteca Nacional, conforme Lei n. 10.994, de 14 de dezembro de 2004. É permitida a reprodução total ou parcial desta obra, desde que seja citada a fonte.

Revisão Ortográfica Dirceu José de Paula Silvia de Jesus Malosti Rodrigues

OrganizaÇÃO Ciomara Stocchero Amorelli Edilson Gomes Costa Cristina Cremoneze Créditos Ilustrações Vanderson Lourenço Paulo Karaí Tataendy Fernandes Carlos Cabreira Pedro Reroyvyju Alves Teodoro Tupã Jeguavy Alves Vicente Ava Jegavyju Vogado João Joetavy Mirĩ Alves Gilmares Guilherme da Silva Oséias Poty Mirĩ Florentino Ciomara S. Amorelli

ARTE E Editoração Gabriel Fleitas (Arte Brasilis) Créditos FotoGRAFIAS Edilson Gomes Costa Lilianny R. B. Passos Carlos Cabreira Ciomara S. Amorelli

CATALOGAÇÃO NA FONTE Paraná. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento da Diversidade. Coordenação da Educação Escolar Indígena. P111 Relato de intercâmbio entre comunidades Guarani / Secretaria de Estado da Educação. Superintendência da Educação. Departamento da Diversidade. Coordenação da Educação Escolar Indígena. – Curitiba : SEED – Pr., 2011. – 120 p. ISBN978-85-8015-046-9 1. Língua Guarani. 2. Relato de experiências. 3. Práticas pedagógicas. 5. Etnia Guarani. 6. Cursos de formaçãoParaná. 7. Cursos de formação-Mato Grosso do Sul. 8. Panambizinho, MS. 9. Caarapó, MS. I. Amorelli, Ciomara Stocchero, org. II. Costa, Edilson Gomes, org. III. Cremoneze, Cristina, org.. IV. Título. CDD370

CDU572.95(816.2)+37

Secretaria de Estado da Educação Avenida Água Verde, 2140 Vila Isabel Telefone (41) 3340-1500 Fax (41) 3243-0415 www.educacao.pr.gov.br CEP 80240-900 – CURITIBA – PARANÁ – BRASIL DISTRIBUIÇÃO GRATUITA IMPRESSO NO BRASIL


Governo do Estado do Paraná Carlos Alberto Richa Secretaria de Estado da Educação Flávio Arns Diretoria Geral Jorge Eduardo Wekerlin Superintendência da Educação Meroujy Giacomassi Cavet Departamento da Diversidade Luciane Vanessa Fagundes Assessoria Administrativa Fenícia Ali Kanso Assessoria Pedagógica Keleen Cristiane Sassaki Coordenação da Educação Escolar Indígena Oziel de Azevedo Equipe Técnico-pedagógica Ciomara Stocchero Amorelli Cristina Cremoneze Dirceu José de Paula Eliete de Lara Constante Serafin Silvia de Jesus Malosti Rodrigues


Autoria Vanderson Lourenço Escola Estadual Indígena Yvy Porã Tomazina/PR Paulo Karaí Tataendy Fernandes Escola Estadual Indígena Vera Tupã Chopinzinho/PR Carlos Cabreira Escola Estadual Indígena Cacique Kofej São Jerônimo da Serra/PR Teodoro Tupã Jeguavy Alves Escola Estadual Indígena Araju Porã Diamante D’Oeste /PR Vicente Ava Jegavyju Vogado Escola Estadual Indígena Kuaa Mbo’e Diamante D’Oeste/PR João Joetavy Miri Alves Escola Estadual Indígena Kuaa Mbo’e Diamante D’Oeste/PR Gilmares Guilherme da Silva Escola Estadual Indígena M’bya Arandu Piraquara/PR Pedro Reroyvyju Alves Escola Estadual Indígena Araju Porã Diamante D’Oeste /PR Cristina Cremoneze Secretaria de Estado da Educação do Paraná SEED/PR Antônio Dari Ramos Universidade Federal da Grande Dourados UFGD /MS Levi Marques Pereira Universidade Federal da Grande Dourados UFGD/MS Tonico Benites Consultor do MEC/SECAD

Colaboradores Aguilera de Souza Gerente da Educação Escolar Indígena SEMED Dourados/MS Antonio Dari Ramos Coordenador da Licenciatura Intercultural Teko Arandu UFGD/MS Cristiane Alves Machado Diretora da Escola Municipal Indígena Araporã Dourados/MS Fernanda Dourado Diretora da Escola Municipal Indígena Agustinho Dourados/MS Izaque de Souza Diretor da Escola Municipal Indígena Lacui Roque Isnard Dourados/MS Laucídio Ribeiro Flores Diretor da Escola Municipal Indígena Paí Chiquito Panambizinho/MS Levi Marques Pereira Antropólogo UFGD/MS Lidio Cavanha Ramires Diretor da Escola Municipal Indígena Ñandejara Caarapó/MS Maximino Rodrigues Diretor da Escola Municipal Indígena Ramão Martins Dourados/MS Margarida Bernardes Coordenadora da Missão Caiuá - Dourados/MS Marcia Leonora Dudeque Coordenadora da Educação de Jovens e Adultos SEED/PR Raimundo Vogarin Professor Guarani Kaiowá Dourados/MS Tonico Benites Consultor do MEC/SECAD


Apresentação Ao longo desta última década, a Secretaria de Estado da Educação do Paraná tem buscado construir políticas educacionais voltadas não apenas ao acesso e permanência das(os) alunas(os) nas escolas indígenas do estado, mas também à qualidade na educação oferecida a essas/esses alunas(os). Nesse sentido, de todas as ações desenvolvidas, destacam-se aqui duas linhas específicas: a formação inicial e continuada das(os) professoras(es) indígenas e a produção de materiais didáticos diferenciados para uso nas escolas indígenas. As políticas educacionais em foco expressam o interesse do Governo do Paraná em atender a diversidade sócio-cultural paranaense e estão ancoradas na legislação indigenista, em específico na Resolução CEB Nº 3 de 10 de novembro de 1999, que assegura a “formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização”. Nesse sentido, este material é um desdobramento da formação em serviço, propiciando registro das percepções das(os) professoras(es) Guarani parananenses e sul matogrossenses a respeito de suas comunidades, processos de formação, escolas, alunas(os) e experiências pedagógicas. Pretende-se, com essa iniciativa, oportunizar a memória dos eventos de formação de professoras(es) indígenas como forma de ampliar os horizontes de pesquisa na temática e promover maior visibilidade a essas/esses profissionais.

Flávio Arns

SECRETÁRIO DE ESTADO DA EDUCAÇÃO


Educação escolar indígena Falar em Educação Escolar Indígena no Brasil é falar de um contexto de entrecruzamento multiétnico considerando que, no país, existem cerca de 220 povos distintos, falantes de pelo menos 218 línguas, com crenças, costumes, forma de organização social e condições sócio-econômicas diferenciadas. Além disso, esse debate remete a outros contextos como o grau de instrução formal das(os) professoras(es) indígenas que, por vezes, são grandes conhecedoras(es) dos elementos próprios de sua cultura mas que ainda não frequentaram cursos em magistério e, consequentemente, demanda do poder público a oferta de cursos de formação inicial e/ou continuada em formato, conteúdos e metodologias específicos a essas/esses profissionais. No Paraná, os cursos de formação das(os) profissionais indígenas da educação são planejados e as propostas curriculares são construídas por meio do diálogo entre a Secretaria de Estado da Educação (SEED/PR) e sujeitas(os) envolvidos: Caciques e Lideranças Indígenas, docentes de Instituições de Ensino Superior (IES) que atendem esses povos e instituições afins. Com esse princípio, pretende-se assegurar a oferta de uma educação escolar indígena intercultural, específica, diferenciada e bilíngue, conforme preconizam as leis indígenas e indigenistas, fortalecendo o relacionamento das Instituições não-indígenas com as Instituições Indígenas, estabelecendo encaminhamentos para a melhoria da qualidade do ensino nas escolas indígenas. A assinatura do Protocolo de Intenções (conhecido como Protocolo Guarani), em 26 de agosto de 2004, pelo Governo do Paraná junto ao Ministério da Educação (MEC), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e as Secretarias de Educação dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo, bem como as políticas públicas educacionais que desenvolveram e/ou estão em desenvolvimento a partir de então, refletem a disposição do Paraná na promoção de programas educacionais em atendimento aos povos indígenas. Como desdobramento do Protocolo Guarani, os cinco estados parceiros organizaram e ofertaram curso específico, denominado Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e = Conhecer Ensinar. Concluído o curso, a SEED/PR viabilizou a realização de um Intercâmbio entre as(os) cursistas Guarani paranaenses e as(os) professoras(es) Guarani do Mato Grosso do Sul. O intercâmbio teve como foco a formação de professoras(es) indígenas e, do ponto vista institucional, possibilitou a avaliação de todo o processo de execução do curso no formato em que foi organizado; do ponto de vista das(os) cursistas, permitiu uma autoavaliação no que diz respeito aos conhecimentos acumulados e compartilhados ao longo do curso, o aprofundamento de conhecimentos provenientes de diferentes realidades, bem como o intercâmbio de experiências pedagógicas entre as comunidades envolvidas. A produção do presente material Relato de intercâmbio entre comunidades Guarani, pela SEED/PR, tem como objetivos: o registro da memória histórica do programa, a sistematização das diferentes percepções das(os) cursistas a respeito do intercâmbio e a avaliação do formato do programa como forma de repensar o rumo de futuros programas de formação de professoras(es) indígenas no Paraná. Meroujy Giacomassi Cavet SUPERINTENDENTE DA EDUCAÇÃO

Luciane Vanessa Fagundes

DIRETORA DO DEPARTAMENTO DA DIVERSIDADE


Como nasceu esta Publicação A questão da identificação nunca é a afirmação de uma identidade pré-dada, nunca uma profecia autocumpridora – é sempre a produção de uma imagem de identidade e a transformação do sujeito ao assumir aquela imagem. A demanda da identificação - isto é, ser para um Outro - implica a representação do sujeito na ordem diferenciadora da alteridade. Homi Bhabha, 2007

A identidade é algo tão complexo e abrangente que para entendê-la e situá-la é necessário recorrer a vários aspectos do conhecimento humano – filosófico, sociológico, psicológico, antropológico, religioso, geográfico, só para citar alguns. Por esse motivo, encontrar a resposta para uma pergunta simples como “quem sou eu?” acaba se tornando uma das tarefas mais difíceis a se empreender uma vez que, para responder a essa questão, devemos levar em consideração alguns aspectos dualísticos como: o “individual” em relação ao “social”, do “eu” em referência ao “Outro”, do “aqui” em oposição ou conjunção ao “lá”, da “estabilidade” que pode ser mantida ou alterada pela “transformação”, da “unicidade” que vai sobreviver ou imergir na “totalidade”, da busca pela “igualdade” com ou sem a perda da essência da “diferença”. Além disso, esses aspectos díades se caracterizam por se manterem em constante jogo dialético, não se fixam. O que se pretende afirmar aqui é que a identidade, por sua complexidade, é sempre um processo. É uma espécie de metamorfose constante, dependendo do contexto social em que se está inserido e que é reciprocamente permeável às influências. Não é possível localizar uma identidade como elemento totalitário, único, completo, mas sim processos de identificação, que embora pontuais, são também processuais e, portanto, instáveis. Se a estabilidade identitária é impossível, porque mutável, então só nos resta reforçar a imagem que já foi construída positivamente mantendo-a em contato com semelhantes em espaços e contextos sociais diversos, uma vez que esses Outros, nossos semelhantes realizaram processos identitários distintos de nós devido às pressões sofridas pelos contextos em que vivem e mantiveram ou não as referências originais. Foi a partir desses pressupostos que a Secretaria de Estado da Educação do Paraná realizou um intercâmbio entre os professores indígenas Guarani do Paraná e os educadores de escolas indígenas do Mato Grosso do Sul. O propósito desse encontro, além de propiciar a percepção dos “pontos de identificação” produzidos no “interior dos discursos da história e cultura”, como afirma Stuart Hall ao falar sobre identidades culturais, foi partilhar, principalmente, os conhecimentos culturais tradicionalmente preservados ou reconstruídos e as experiências pedagógicas contemporâneas desenvolvidas nestes e naqueles espaços. A idéia original do intercâmbio surgiu durante uma etapa do curso Kuaa Mbo'e, no Paraná, quando os cursistas Guarani tiveram uma disciplina que tratava desse tema. Então, foi feita uma pesquisa entre os mesmos para saber quais comunidades eles gostariam de conhecer e por qual motivo. A Terra Indígena de Dourados foi escolhida por apresentar um número maior de experiências com relação à formação de professores, tanto em nível médio – possui o curso de Magistério Indígena Ará Vera, como superior – na Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD funciona o curso de


Licenciatura Intercultural, o Teko Arandu – além de laços de parentesco e amizade entre alguns de nossos professores e membros das comunidades daquela região. Após definição do local da visita, contatamos o Professor. Aguilera de Souza, coordenador da Educação Escolar Indígena de Dourados/SEMED, que prontamente nos atendeu fornecendo todos os contatos das escolas indígenas da região. Infelizmente, somente algumas escolas se dispuseram a nos receber pois nossa visita coincidiria com o período de férias escolares. A UFGD, também concordou em nos receber e foi agendada uma visita com Professor Antônio Dari Ramos, Coordenador do Teko Arandu, para que pudéssemos conhecer a universidade e um pouco sobre curso de licenciatura. O Professor Levi Marques, antropólogo daquela instituição, também se dispôs a nos acompanhar durante o intercâmbio. Para assessorar a equipe e os professores indígenas na realização desse intercâmbio, a Secretaria da Educação do Paraná convidou o Prof. Tonico Benites, consultor do MEC/SECAD. Junto com o Prof. Levi e o Prof. Aguilera, tivemos as companhias preciosas dos professores Guarani Raimundo e Eliseu que estiveram conosco na maioria das visitas realizadas, subsidiando nosso trabalho. O resultado desse processo de permuta, realizado nesse intercâmbio, pode ser vislumbrado nos depoimentos aqui reproduzidos. Mas, como o próprio fazer identitário, não contempla a totalidade do que foi apreendido, mesmo porque uma cultura não pode ser abarcada nas poucas páginas de um livro, pois seu caráter principal extrapola ao “dito” e sua essência, assim como o da educação, é a imaterialidade, o “não-dito”. Através da “voz” dos próprios sujeitos dessa experiência, talvez possamos também aprender e apreender, nos espaços do “não-dito”, um pouco de uma cultura milenar que, apesar do solapamento de seus direitos e da marginalidade a que foram relegados, resistem e mantêm aspectos essenciais às suas sobrevivências e identidades. Equipe da Educação Escolar Indígena


Sumário Parte 1

Professores Guarani e suas comunidades no Paraná

......................................................................................................................... pág 10 Viagem Curitiba (pr) - Dourados (ms).......................................................... pág 19

Parte 2

O diário de intercâmbio

Dia 10/07/2011 As terras indígenas Guarani do Paraná e a terra indígena de Dourados.......... pág 20 Dia 11/07/2011 Uma parada na aldeia Jaguapiru...................................................................... pág 21 Escola municipal indígena Agustinho / aldeia Bororó..................................... pág 26 Escola municipal indígena Ramão Martins/aldeia Bororó.............................. pág 32 Visita à casa de reza do Seu Jorge e Dona Floriza.......................................... pág 39 Dia 12/07/2011 Escola municipal indígena Araporã................................................................. pág 42 Escola municipal indígena Lacuí Roque Isnard............................................... pág 49 Dia 13/07/2011 Universidade Federal da Grande Dourados Curso de Licenciatura Teko Arandu................................................................. pág 54 Visita a casa de reza da Dona Tereza / aldeia Jaguapiru................................. pág 58 Dia 14/07/2011 Escola municipal indígena Paí Chiquito - Chiquito Pedro/ Panambizinho..... pág 61 Visita à casa de reza Seu Getúlio/ Panambizinho............................................ pág 66 Escola estadual Francisco Meireles / Missão Caiuá........................................ pág 68 Dia 15/07/2011 Visita à escola municipal indígena Ñandejara / Caarapó............................... pág 74 Dia 16/07/2011 Viagem de retorno............................................................................................ pág 80

Parte 3

formação escolar e processos próprios de ensino em comunidades guarani - algumas reflexões

......................................................................................................................... pág 81


Professores Guarani e suas comunidades no ParanĂĄ

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Vanderson Lourenço

TERRA INDÍGENA PINHALZINHO/ALDEIA PINHALZINHO/TOMAZINA/PR

“Atualmente moro na Terra Indígena do Pinhalzinho, onde moram alguns de minha família materna. Nesta aldeia, não tem grandes plantações, pois as lideranças utilizam a terra para pastagem e plantação de eucalipto, substituindo, assim, as roças que existiam antigamente. A população não ultrapassa 250 pessoas. De todas estas pessoas somente 4 pessoas falam

a língua de origem, que é o Guarani. Nessa comunidade não há distinção de etnias, ou seja, identificamo-nos apenas pelas diferenças dialetais, como por exemplo: temos uma professora falante do dialeto Mbya; um líder espiritual falante do dialeto Kaiowá; temos duas pessoas falante do dialeto Nhandeva. Mas em contexto étnico nos autoidentificamos como Guarani.”

VANDERSON LOURENÇO Professor da Escola Estadual Indígena Yvy Porã, formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.

ILUSTRAÇÃO: VANDERSON LOURENÇO/Professor Guarani Nhandeva/PR

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Paulo Karaí Tataendy Fernandes

TERRA INDÍGENA MANGUEIRINHA/ALDEIA PALMEIRINHA/CHOPINZINHO/PR

ILUSTRAÇÃO: OSÉIAS POTY MIRĨ e PAULO KARAÍ TATAENDY FERNANDES/Professores Guarani Mbya/PR

Yvy Mangueirinha oguereko 16.640,3 Hectares. Xe yvy mangueirinha py oĩ mokoĩ etnia kaingang ha’e Guarani mbyá. Kaingang oĩ 650 a 700 teta rã 1500 tekoa py gua. Mbyá oĩ 72 teta rã 280 tekoa py gua. Ore Guarani mbyá ma roiko ma’etŷa gui rive há’e mba’emo para re avei. Pavê Guarani mbyá ijayvu va’e meme oĩ, há’e rã kaingang ma oĩ mbovy’i ijayvu va’e oje ayvu py. Xe rekoa ma iporã, mba’eta oĩ ka’aguy há’e ikuai teri vixo ka’aguy ore rojuka’i água tekoa Guarani ma opyta yy guaxu katy raí heta oĩ pira. Ore kuery ma roguereko opy’i tekoa py, ha’e gui roguereko avei ore ramoĩ opita’i va’e, ha’e ojapo avi poã ka’aguy. Ore Guarani ha’e kaingang roguereko associação comunidade mba’ety rã ha’e peteĩ teĩ hekoa va’e ogureko mba’ety rã, rojapo

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ma’etŷa jo rire. Ronhotŷavaxi, xoja, trigo kumanda, kova’e nunga ma rovende aguã, kova’e rire gua ma ronhotŷ avi mãji’o, jety, manduvi, ha’e kumanda mokoĩ jaxy va’e, avaxi ata e’ŷ, avaxi mitã e py ha’e amboae-ae avi ore rembi’u rã.

Paulo Karaí Tataendy Fernandes formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.

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Vicente Ava Jegavyju Vogado TERRA INDÍGENA TEKOHA AÑETETE/ALDEIA TEKOHA AÑETETE/DIAMANTE D’OESTE/PR

ILUSTRAÇÃO: VICENTE AVA JEGAVYJU VOGADO/ Professor Guarani Nhandeva/PR

O nome da minha Aldeia é Tekoha Añetete. Ela está situada no município de Diamante D’oeste, no Estado do Paraná, onde vivem 72 famílias e em torno de 360 pessoas. Na nossa aldeia tem o mato, a caça, Vicente Ava Jegavyju Vogado Professor da Escola Estadual Indígena Kuaa Mbo’e formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.

a roça onde plantamos, um poço artesiano e tem as casas de reza. As pessoas estão sempre cuidando para não queimar a mata e para proteger a natureza. Por dentro da Aldeia passa a estrada cascalhada que vai dar na Aldeia Itamarã que fica a 6 km de distância. Tem um rio que faz a divisa de nossa aldeia e, tempos atrás, a gente tomava a água daquele rio. Hoje em dia a FUNASA colocou o programa de água encanada porque as águas estão poluídas pelos não índios e trazendo doenças para nós. Antigamente nosso costume era tomar banho no rio em noite de geada para ficar sadio e não pegar tumor mas ,como o rio foi ficando poluído, hoje não podemos fazer mais e nem ensinar as crianças, pois elas podem ficar doentes.

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Carlos Cabreira

TERRA INDÍGENA SÃO JERÔNIMO/ALDEIA SÃO JERÔNIMO/SÃO JERÔNIMO DA SERRA/PR

ILUSTRAÇÃO CARLOS CABREIRA / Professor Guarani Kaiowá/PR

Xe tekoha pe São Jerônimo pe oĩ mbo’apy te’yi Xetá, Kaingang e Guarani. Oĩ ihuny Xetá kuera onhe’ẽ inhe’ẽ guerape. Kaingang tuja guera ko onhe’ẽ inhe’ẽ kuera pe. Guarani kuera ko oĩ mby te teko onhe’ẽ va kuara nipe. Upei vê oĩ va ko nonhe’ẽve ma Guarani nipe. 200 famílias, 615 pessoas, 1353 hectares e 535 alqueires.

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Carlos Cabreira Professor da Escola Estadual Indígena Cacique Kofej, formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.


João Joetavy Mirĩ Alves

Terra Indígena Tekoha Añetete /ALDEIA TEKOHA AÑETETE/Município de Diamante D’oeste/ PR

ILUSTRAÇÃO LUIZ CENTURIÃO / Aluno do professor Joao J. Mirĩ Alves

Joao J. Mirĩ Alves Professor da Escola Estadual Indígena Kuaa Mbo’e, formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.

Eu moro na Terra Indígena Tekoha Añetete, situada no município de Diamante D’oeste/PR. Ela foi demarcada em 1997 e lá temos 72 famílias Guarani e em torno de 360 pessoas. O tamanho da Aldeia é de 1747 hectares sendo quinhentos alqueires de mato e trezentos alqueires para plantio mecanizado. Temos moradias, posto de saúde, escola e três casas de reza.

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Teodoro Tupã Jeguavy Alves Terra Indígena Itamarã/ALDEIA ITAMARÃ/Diamante D’oeste/PR

ILUSTRAÇÃO TEODORO TUPÃ JEGUAVY ALVES / Professor Guarani Nhandeva

Moro na Aldeia Itamarã que possui 240 hectares de terra, aproximadamente cento e vinte alqueire. Ela conta com uma parte de trinta alqueires de mato e setenta alqueires de lavoura destinada para a agricultura. Nossa Aldeia recebeu a posse da terra no dia 16 de janeiro de 2007, com vinte famílias de Guarani depois de cinco anos de luta. Hoje a comunidade lembra o tempo que passava em busca de um pedacinho de espaço para reconstruir a nova vida partindo da própria organização Guarani com: casa de reza, escola, posto de saúde, lavoura comunitária e coletiva. Achamos muito importante a resistência do povo Guarani nas reivin-

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dicações de suas terras, requerendo os seus direitos, o respeito ao povo indígena, a garantia do uso de sua língua materna, sua crença e religião própria.

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Teodoro Tupã Jeguavy Alves Professor da Escola Estadual Indígena Araju Porã, formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.


Gilmares Guilherme da Silva TERRA INDÍGENA Araça’i/Aldeia Araça’i/Piraquara/Pr

ILUSTRAÇÃO GILMARES GUILHERME DA SILVA / Professor Guarani Mbya

A minha aldeia chama-se Araça’i, está localizada há 18 km do município de Piraquara e lá estamos em aproximadamente 18 famílias e em torno de 90 pessoas no total. Esta Aldeia começou a existir no ano de 1999 a 2000. Gilmares Guilherme Da Silva Professor da Escola Estadual Indígena Mbya Arandu, formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.

Lá vivemos da venda de artesanato, CD e DVD sobre a nossa cultura. Algumas pessoas da comunidade trabalham fora da aldeia e os que não têm emprego trabalham com artesanato. Não temos terra boa para o plantio e porque a área em que vivemos é considerada de preservação ambiental. Na Aldeia Araça’i temos um grupo de cantos e danças que faz apresentações em escolas dos não indígenas para conseguir alimentos para a comunidade. Temos uma casa de reza na aldeia onde a comum idade se reúne sempre. Perto de nossa comunidade tem uma barragem onde as crianças pescam e quando está calor nadam. Assim somos felizes porque é muito sossegado o lugar onde estamos e não tem ninguém para nos incomodar.

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Pedro Reroyvyju Alves TERRA INDÍGENA Tekoa Vya Renda/ALDEIA Tekoa Vya Renda/Santa Helena /PR

ILUSTRAÇÃO PEDRO REROYVYJU ALVES / Professor Guarani Nhandeva

Tekoa Vy’a Renda, de Santa Helena Paraná, etnia ava Guarani. Mokoĩ pó omendava há heta kuema 89. Orema roĩ akampado peteĩ yvy governador do estado do Paraná mba’epe. Oguerekova 45 arkere pe 208 guive. Upépe ore roĩ hape ha rojerure upea pe yvyre upe tekoha voi raka’e. Upépe ore heta arama rohasa asy. Rohasa asy tembi’ugui, há roikotevẽ,mbo’ehao,tesaĩrenda,okyrõ aveĩ ore roĩ asy ke ore roiko lona guype gueteri. Ha upei katu ore mitã kuera avei oho mba’e hao pé, vilha pe nda há’eiva ñande mba’e pe. Ore ne’irã gueteri rokuero mbo’eho orereko há pé. Ore mitã kuera ohasa marõ dificuldade mbo’e hão karai kuera revê como contraturno. Ore re’irã

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gueteri rogue-reko mbo’ehao porque yvy he’irã gueteri o nẽremarka. Municipio ndoguere koi gueteri guarani rekoha ramo, opiachante ore roguereko ma tekoha ramo ke chamoĩ he’i ñanderu omo hesa kama ichupe ke peã yvy já há’ema ñanderekoa.

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Pedro Reroyvyju Alves Professor da Escola Estadual Indígena Araju Porã, formado pelo Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e.


Viagem Curitiba-Dourados No dia 09 de julho de 2011, logo pela manhã, sob o friozinho de Curitiba, o ônibus da empresa contratada para o nosso transporte estacionava na porta do hotel em que marcamos para embarcar o professor indígena Gilmares, da comunidade de Araça’ i, localizada no município de Piraquara, que junto com outros professores, iria participar do intercâmbio cultural e pedagógico entre os educadores Guarani do Paraná e os do Mato Grosso do Sul. Acompanhando-o, nós técnicos da Secretaria da Educação, também embarcamos para seguirmos viagem, pois já estávamos atrasados. No entanto, o professor Vanderson, da comunidade Yvy Porã, de Tomazina, ainda não havia chegado e tivemos que aguardá-lo. Após algumas ligações telefônicas infrutíferas e sem obter confirmação de sua vinda, partimos na esperança de que ele tivesse decidido nos encontrar em outra localidade onde outros professores também nos aguardavam. Depois de Curitiba, nossa próxima parada foi em Guarapuava onde a professora Sebastiana, cansada de esperar, devido ao atraso de duas horas do nosso ônibus, desistiu da viagem e voltou para sua comunidade. Chateados pelo desencontro com a nossa companheira, almoçamos para continuar viagem até Laranjeiras do Sul, onde o professor Paulo, da comunidade da Palmeirinha, de Chopinzinho, embarcou. Seguimos para Cascavel. Ali, nos encontramos com Teodoro, Pedro e Vicente. Mais tarde, chegaram Carlos e Vanderson. Nessa cidade, pernoitamos e partimos na manhã seguinte rumo ao Mato Grosso do Sul. Nosso destino naquele estado era a cidade de Dourados. Chegamos ali, ao final da tarde do segundo dia, depois de uma parada em Naviraí para o almoço e descanso. O hotel em que nos hospedamos era acolhedor e confortável. Fato que agradeceríamos, posteriormente, devido às cansativas, mas prazerosas jornadas diárias de visitas e colóquios com os educadores das escolas indígenas agendadas em nosso roteiro. Após desfazer as malas, nos refrescamos com um bom banho – fazia muito calor – e fomos ao centro de Dourados para um delicioso jantar acompanhados de Tonico, Aguilera e Eliseu, amigos indígenas de Dourados que nos acompanhariam nos dias seguintes. Ao final da noite, depois de um dia exaustivo de viagem, fomos descansar, pois no dia seguinte iniciaríamos, logo cedo, as primeiras visitas. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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Roteiro da Viagem Terras indígenas Guarani Com presença Guarani e Kaingang Com presença Guarani / Kaingang / Xetá

VAI MAPA

1 - T. I. Ilha da Cotinga 2 - T. I. Cerco Grande 3 - T. I. Araça’i 4 - T. I. Pinhalzinho 5 - T. I. Ywy Porã 6 - T. I. Laranjinha 7 - T. I. São Jerônimo 8 - T. I. Marrecas 9 - T. I. Rio D’Areia 10 - T.I. Mangueirinha/Aldeia Palmeirinha 11 - T. I. Rio das Cobras/Aldeia Lebre 12 – T.I. Vera Tupã’i 13 - T. I. Tekoha Añetete 14 - T. I. Tekoha Itamarã 15 - T.I Ocoy

Mapa da viagem e terras indígenas do Paraná. 16 - T. I. Tekoa Vy’a Renda Poty 17 - T. I. Tekohá Porã 18 - T. I. Tekohá Araguaju 19 - T. I. Tekohá Marangatu 20 - T. I. Tekohá Jevy 21 - T. I. Tekohá Y’ Hovy 22 - T. I. Sambaqui do Guaraguaçu 23 - T. I. Rio das Cobras Aldeia Pinhal

DIA 10 DE JULHO DE 2011 Iniciamos nossos trabalhos na manha do dia 10 de julho, com uma reunião no Hotel Valência, com o professor Aguilera de Souza, da Secretaria Municipal de Educação de Dourados, e professor Tonico Benites, consultor do MEC/SECAD, para conversar sobre o nosso cronograma de visitas. Professor Aguilera passou-nos algumas informações básicas sobre a Terra Indígena de Dourados.

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ILUSTRAÇÃO: Ciomara S. Amorelli

“A terra indígena de Dourados está localizada aproximadamente a cinco quilômetros do centro da cidade de Dourados/MS. Ela é dividida em duas aldeias: Jaguapiru e Bororó e conta com uma população aproximada de 15.000 pessoas, composta de três etnias:Guarani, Kaiowá e Terena. A área da Aldeia Jaguapiru é habitada por maioria Guarani, mas os Terenas se concentram exclusivamente nesta área; e a área da Aldeia Bororó é habitada por maioria Kaiowá.” Aguilera de Souza

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DIA 11 DE JULHO DE 2011

Conversa com seu Getúlio. Foto: EDILSON GOMES COSTA

Pela manhã do dia 11 de julho de 2011, acompanhados do professor Aguilera de Souza que é gerente da Educação Escolar Indígena da Secretaria Municipal de Educação de Dourados/MS, do professor doutor Tonico Benites, consultor do MEC/SECAD, dirigimo-nos à terra Indígena de Dourados para iniciar nosso roteiro de visitas pela Escola Municipal Indígena Agustinho situada na Aldeia Bororó. O professor Maximino Rodrigues, que é diretor da Escola Municipal Indígena Ramão Martins e o professor Levi Marques Pereira, antropólogo e professor da Universidade Federal da Grande Dourados/UFGD gentilmente disponibilizaram-se a nos acompanhar em nossas visitas. Ficamos muito contentes por poder contar com as suas companhias. No caminho, fizemos uma breve paradanaAldeia Jaguapiru,emfrenteàEscola Indígena Tengatuí Marangatu, a maior da Terra Indígena de Dourados, para conversar com a liderança tradicional senhor Getulio.,

“Segundo as informações do senhor Getulio, há na Terra Indígena de Dourados entre 4600 a 5000 famílias, com uma população de aproximadamente 15000 pessoas distribuídas nas duas aldeias Jaguapiru e Bororó. O nome da Terra indígena oficial é Horta Barbosa. A terra indígena é encostada na cidade, influenciando várias coisas à população e transformando-a em uma periferia. As aldeias têm bares, supermercados, oficinas e igrejas. Soubemos que, devido à violência e o tráfico de drogas, há uma delegacia móvel da Polícia Federal bem em frente à maior Escola Indígena, a Tengatuí Marangatu, que atende em torno de 1000 alunos”. Vanderson Lourenço

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Posto de saúde. Foto: EDILSON GOMES COSTA

Relatamos que no

Paraná também temos Terras Indígenas que são divididas por Guarani e outras etnias. “Na minha Tekoha São Jerônimo no Paraná tem três etnias Guarani, Kaingang e Xetá. Sete famílias Xetá falam palavras soltas. Falantes de Kaingang não são todos. Falantes de Guarani só tem eu, a Isabel, a Jerônima, o José e o Sirdo.” Carlos Cabreira

“Perguntamos se na aldeia Jaguapiru as pessoas ainda falavam a língua materna e ficamos sabendo que os Guarani e os Kaiowá são ainda falantes de sua língua materna e que os Terenas não falam mais a sua língua.” Carlos Cabreira

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Tekoha petẽi, tẽi gui roje’oi ko estado do paraná gui, tetã dourados ms pe roje oi, jypy rovaẽ, tekoa jagua piru pe, mbororo pe ma oi, vila olímpica indígena, ore roexa ma pavẽ roho va’e kue mbo’eao pe ore rovãe: há’e py ma oi nhande jaryi’i oguereko oga guasu ojerokyaty. Mitã kuera pe ombovy’a aty, tẽi hexa rai, rai rõ jepe, ha’evea py ma oguereko, ojepy’iavã õi. Ha’e py pavẽ rei rai ikuai mitã gue’i ijayvu kuaa va’e nhe’e Guarani. Vicente Ava Jegavyju Vogado

“Importante ressaltar que o fato de concentrar, num mesmo espaço, três etnias caracteriza a Terra Indígena de Dourados, no contexto da realidade indígena brasileira, como bastante peculiar, ou seja, não há linha divisória territorial e nem mesmo terras demarcadas, particularmente, para uma ou outra etnia, mas num único espaço compartilhado por diferentes povos o que, aliado à extensão territorial em relação ao contingente populacional, o torna ímpar.” Aguilera de Souza

“Na minha Terra Indígena de Mangueirinha tem etnias Guarani Mbya e Kaingang. O número de famílias Kaingang é de 650 a 700, com aproximadamente 1500 pessoas e o número de famílias Guarani é de 72 com aproximadamente 280 pessoas.” Paulo Karai Tataendy Fernandes

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“Um dos professores Guarani–Kaiowá do MS contou que os policiais estão acampados no antigo Posto Indígena da FUNAI, não faz nem um mês e que estão atuando nas duas aldeias (Bororó e Jaguapiru), já prenderam muitos índios, estão combatendo a violência, a entrada de drogas nas comunidades e que os policiais vão ficar aqui alguns meses”. Tonico Benites Bons momentos de conversa na chegada da Aldeia Jaguapiru. Foto: EDILSON GOMES COSTA.

Posto Móvel da Polícia Federal na Aldeia Jaguapiru. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS.

Chegada Aldeia Jaguapiru.

Ilustração: Teodoro Tupa Jeguavy Alves

“No caminho paramos para ver a Vila Olímpica indígena que foi inaugurada em maio de 2011. Pena que ainda não está funcionando porque seria uma boa forma das crianças e adolescentes se divertirem e assim ficar longe das drogas. Lá no nosso município, nos organizamos para que haja encontro cultural entre as aldeias e todos podem se divertir, competir nos jogos indígenas, assistir apresentações da nossa cultura, comer comidas tradicionais.” João Joetavy Mirĩ Alves

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Vila Olímpica Indígena. Ilustração: João Joetavy Mirῖ Alves/PR

“Essa vila olímpica foi construída com recursos do município, do estado e do governo federal, inaugurada em maio de 2011, mas no momento ela ainda não está funcionando, porque não foi decidido pelos poderes públicos quem assumirá a administração. Esse impasse acontece devido ao alto custo de manutenção.” Vanderson Lourenço

Foto: Edilson Gomes Costa.

Foto: Carlos Cabreira.

“Notei que não dá para distinguir a vida urbana, pois há pessoas não indígenas e os indígenas na aldeia. Nesse contexto, há uma constante movimentação de pessoas indo e vindo, na beira do asfalto, homens, mulheres, crianças e jovens, ciclistas, motoqueiros”. Vanderson Lourenço

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“Num contexto marcado pela diversidade, tanto internamente, quanto pelo entorno, que agrega elementos culturais aos já existentes, as diferenças se manifestam dando origem a conflitos entre culturas, identidades, valores e tradições, que representam cada grupo e acabam por repercutir no espaço escolar.” Aguilera de Souza

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Croqui da Terra Indígena de Dourados. Fonte: Lilianny R. B. Passos. Associações indígenas: um estudo das relações entre Guarani e Terena na Terra Indígena de Dourados - MS. Dissertação de Mestrado/2007

Professores anotando informacoes sobre a Vila Olimpica. Foto: Edilson Gomes Costa

Professores em frente a Vila Olìmpica Indígena fotografando e anotando. Foto: Edilson Gomes Costa.

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Finalmente, nos encaminhamos a Escola Municipal Indígena Agustinho. Fomos informados pelo professor Aguilera de Souza que ela está situada na Aldeia Bororó, atende em torno de 600 alunos, possui 25 professores, 01 diretor, 01 coordenador e 13 funcionários administrativos de apoio. Na chegada, fomos recepcionados pela diretora da escola Fernanda Dourado e vários professores.

Escola Municipal Indígena Agustinho. Foto: Edilson Gomes Costa.

“Ficamos muito felizes ao ver que estavam nos esperando e que teríamos uma boa conversa para trocar experiências de nossa prática pedagógica” Gilmares Guilherme da Silva

Chegada dos professores a Escola Agustinho Foto: Carlos Cabreira

“A diretora usou a palavra para dizer que naquele momento todos os professores estavam em férias mas, mesmo assim atenderam a nossa visita. Ficamos muito contentes por nos receberem tão bem!” Joao Joetavy Mirĩ Alves Mesmo antes de entrar na escola para a reunião, os professores do Paraná perceberam do portão um acampamento que estava próximo. “Da escola Agustinho podemos ver o acampamento de Guarani e de Kaiowá onde mais ou menos 300 te’yi vivem embaixo de lonas porque os não índios tomaram as suas terras e as famílias estão lutando para retomar.” Paulo Karai Tataendy Fernandes

Acampamento indígena Aldeia Bororó. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

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Acampamento indígena próximo a escola Agustinho. FOTOS LILIANNY R. B. PASSOS

“Fomos informados por um professor Kaiowá que aquelas barracas de lonas são acampamentos recentes dos indígenas Guarani-Kaiowá daqui da aldeia Bororó. Algumas lideranças Guarani-Kaiowá decidiram entrar e acampar na fazenda, como estratégia de pressionar o Governo Federal para que seja concluída a demarcação da terra indígena, demandado há décadas pela comunidade Guarani-Kaiowá”. Tonico Benites

“Um fato que nos chamou a atenção foi que quase todos os professores indígenas afirmam que não dominam mais a língua indígena por diversos motivos e que a sua língua materna já é a língua portuguesa.” Tonico Benites

Iniciada a reunião, a diretora apresentou-se como pertencente ao povo Guarani e a coordenadora pedagógica ao povo Terena. A maioria dos professores apresentou-se como Guarani-Kaiowá, uma parte deles se apresentou como da etnia Terena e algumas professoras disseram que seus pais pertencem a mais de uma etnia. Observamos que a minoria dos professores dessa escola são não-indígenas que moram na cidade de Dourados. “Nós também no Paraná estamos acampados desde 2008, em uma área de 45 alqueires que pertence ao governo do estado do Paraná, requerendo como terra tradicionalmente ocupada pelos Guarani. Ali nós passamos algumas dificuldades de alimentação, educação, saúde. Quando chove nós sofremos porque também moramos embaixo da lona como estes parentes” Pedro Roreyvyju Alves

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Professores conversando na Escola Agustinho. Foto: Edilson Gomes.

Durante a nossa prosa, a reflexão foi sobre a perda da língua materna e a importância do ensino de língua indígena na escola. Professor Aguilera Souza deu-nos algumas informações à respeito do uso da língua materna pelas comunidades locais.

“A escola Agustinho começou a implementação do ensino de língua indígena recentemente. Uma parte da comunidade Kaiowá da aldeia Bororó fala e se comunica só em língua Guarani-Kaiowá. Na aldeia Jaguapiru a língua utilizada é Portuguesa, não se comunicam mais em língua Guarani e nem em língua Terena, embora na aldeia Jaguapiru predomine o povo Terena e Guarani- Nhandeva.” Aguilera de Souza

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“Sentimos necessidade de dominar a língua Guarani, visto que o último concurso público municipal foi elaborado em língua indígena”, ponderou uma das professoras que já não fala a língua materna. O professor Levi Marques, que estava presente também, abordou o tema da língua lembrando o uso de “empréstimos” pelos indígenas falantes. Mas afirmou que quanto mais aumenta o domínio da língua indígena, menos empréstimos são feitos. Já existem até trabalhos acadêmicos escritos totalmente na língua materna dos indígenas e sem empréstimo algum.” “A maioria das nossas aldeias não perdeu a língua Guarani, porque as nossas comunidades valorizam o uso da língua e por isso ela é ensinada em nossas escolas por professores Guarani. “ Paulo Karai Tataendy Fernandes

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Ficou destacado que a maioria dos professores indígenas da Escola Agustinho fez a sua formação superior em Universidades públicas ou privadas como qualquer não-índio e que possuem cursos de Pedagogia, Geografia, Letras, Matemática e Educação Física. Apenas três professores indígenas da etnia Guarani-Kaiowá são cursistas da Licenciatura Intercultural “Teko Arandu”- implementada pela Universidade Federal da Grande Dourados/ UFGD, em parceria com os municípios, com a FUNAI, o Estado e o MEC.

“Percebemos, através das conversas, que o gerenciamento das Escolas Indígenas é diferente no Paraná e no Mato Grosso do Sul. Toda Escola Indígena de séries iniciais e ensino básico do município de Dourados é gerenciada pela Secretaria Municipal de Educação, enquanto que todas as escolas indígenas do Paraná são administradas pela Secretaria de Estado da Educação.” Tonico Benites

“Além dessa Licenciatura, em Dourados existe um curso de formação de professores Guarani e Kaiowá em nível médio - Formação Ará Vera”, que vem sendo realizado desde 1999. Dois professores da escola fizeram este curso e hoje estão fazendo um curso superior.” Vicente Ava Jegavyju Vogado

“Além da maioria de nossas comunidades Guarani no Paraná valorizarem o ensino da língua materna, nós professores procuramos aprender, compreender e dominar a língua Guarani e os dialetos: Mbya, Kaiowá, Nhandeva.” Vanderson Lourenço

Momento De Nossas Conversas. Foto: Edilson Gomes Costa

“O professor do Paraná, Teodoro Tupã Jeguavy Alves contou que domina todas as línguas e variações linguísticas dos povos Guarani: Mbya, Kaiowá, Nhandeva além da língua portuguesa e espanhola.” Tonico Benites “As escolas indígenas de Dourados vêm passando por grande mudança no sistema de educação, os professores indígenas vêm buscando se qualificar como especialistas, mestres e doutores gabaritando-se para discutir as questões indígenas.” Aguilera de Souza

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No Paraná, desde o ano de 2009 vem sendo discutido com as comunidades indígenas sobre o formato que deve ter um concurso público específico para professores indígenas. Inclusive no início deste ano de 2011, houve uma Reunião Técnica com a presença dos caciques de todas as nossas comunidades indígenas para continuar esta discussão buscando um formato que atenda as necessidades e anseios de todos. Em determinado momento de nossa prosa, nossos parentes quiseram saber sobre os cursos de formação do Paraná e a técnica da Secretaria de Estado da Educacao do Paraná/SEED, Ciomara Amorelli, informou que todos os professores Guarani que estavam fazendo a visita eram formados pelo curso de formação especí-

fica de professores Guarani em nível Médio, o Kuaa Mbo’e do Protocolo Guarani. No Paraná, os professores formados pelo referido curso são em número de quinze. Falou ainda que temos um curso de formação de docentes em nível médio, no formato integrado em andamento, com duas turmas, uma Guarani e outra Kaingang, com previsão de formatura para 2012 e tem outro com aproveitamento de Estudos, que já formou duas turmas de professores Kaingang.

“São conquistas dos professores indígenas de Dourados: a escola e a ocupação do espaço escolar, tanto na parte administrativa como em sala de aula” Raimundo Vogarim Momento em que os professores do PR apresentavam-se aos seus parentes do MS. Foto: Ciomara S. Amorelli.

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Em boa parte de nossas conversas, as informações e discussões aconteceram em língua Guarani, até que uma professora de nome Jussara pediu que conversássemos em língua portuguesa. “...sugiro que falemos e conversemos aqui em língua portuguesa para facilitar a comunicação e compreensão, uma vez que temos professores indígenas e não indígenas que não compreendem a língua Guarani.” A professora contou que aquela situação que estava acontecendo era a mesma enfrentada pelas crianças daquela escola que chegam só falando a língua materna e não entendem a língua portuguesa. Disse que sempre conversa com os colegas que trabalham com a alfabetização, para que tentem se colocar no lugar destas crianças procurando entender suas dificuldades. Os professores da escola em geral falaram da importância dos profissionais que trabalham com a alfabetização, da formação que devem ter e da dificuldade do trabalho devido a falta de material pedagógico na língua materna.

A reunião foi finalizada pela diretora com belas palavras de incentivo para que o nosso grupo de professores prossiga em sua formação e aperfeiçoamento profissional, para que a Educação Escolar Indígena melhore cada vez mais. Todos nós agradecemos a ótima acolhida e saímos muito felizes pela manhã proveitosa que tivemos, onde foi possível aprender com nossos parentes e deixar um pouco de nossas experiências. O professor da UFGD Levi Marques que nos acompanhava, achou muito importante o encontro que aconteceu na Escola Municipal Agustinho e deu este depoimento: “Os professores trocaram experiências, compartilharam situações vividas em cada uma de suas comunidades, falaram sobre a importância da língua e das práticas religiosas para a manutenção do equilíbrio cósmico e da boa convivência entre os membros de suas comunidades.” Levi Marques Pereira

Professores Levi E Aguilera Conversando Em Frente A Escola Agustinho. Foto: Carlos Cabreira.

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Escola Municipal Indígena Ramao Martins. Foto: Edilson Gomes Costa/Seed Pr

Depois de almoçarmos em Dourados e um breve descanso, retornamos às nossas visitas e fomos até a Escola Municipal Indígena Ramão Martins. Ela está localizada na Aldeia Jaguapiru e lá estava para nos receber o diretor Maximino Rodrigues, alguns professores, o pedagogo e pela primeira vez uma das lideranças políticas das comunidades Guarani-Nhandeva, senhor Laurentino que permaneceu durante toda a reunião e participou de todas as discussões.

“Soubemos que o senhor Laurentino sempre apoia os trabalhos da escola. É muito importante o apoio das lideranças tradicionais ao trabalho dos professores. A comunidade deve estar sempre envolvida com o que é feito na escola, participar e apoiar os projetos, mostrar seus conhecimentos também.” Carlos Cabreira

Vista da cancha da escola. Foto: Edilson Gomes Costa

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“As maiores dificuldades enfrentadas pela Escola de acordo com os relatos dos professores, direção e liderança é a questão das drogas, da violência que toma conta da Aldeia, a falta de escolas para o grande número de crianças que necessitam, as dificuldades da alfabetização na língua portuguesa já que a maioria dos alunos é falante da língua materna, a falta de produção de material na língua indígena.” Vicente Ava Jegavyju Vogado

Professores Anotando As Informações. Foto: Ciomara S. Amorelli

“Os depoimentos do diretor Maximino Rodrigues mostram a preocupação da escola com uma educação de qualidade e diferenciada. Ele incentivou os professores do Paraná a buscarem cada vez mais uma formação profissional que garanta avanços significativos na educação escolar indígena.” Paulo Karaí Tataendy Fernandes

“Vários cursos e programas de capacitação são oferecidos e realizados nas escolas indígenas, não apenas com a finalidade pedagógica, mas também com estudos históricos e teorias que os levem à reflexão sobre a sua própria identidade, subsidiando-os para a formação futura das crianças indígenas.” Aguilera de Souza

Em relação à dificuldade de trabalhar com a alfabetização em língua indígena e Língua Portuguesa: “Também vivemos esta situação e na nossa escola a situação é mais difícil ainda pois estudam na mesma escola crianças Guarani, Kaingang e Xetá. Os professores, a direção e pedagogos da escola pensaram novas maneiras de alfabetizar, outros materiais para recuperar os alunos com dificuldades, demos aulas de reforço. Eu dou aula de Guarani fora da escola porque me pedem para aprender a falar e daí eu dou aula até na minha casa” Carlos Cabreira “Só o fato de saber que existem várias línguas maternas em uma só aldeia como foi explicado por parentes nossos do Paraná, isso nos alegra e nos incentiva mais ainda para mudarmos e buscarmos novos métodos para nossas crianças aqui na escola.” Maximino Rodrigues

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“Maravilhosa esta visita de troca de experiências e aprendizagens que aconteceu aqui na minha aldeia. Todos ficaram felizes com a presença dos parentes Guarani, pois foi um momento único de conhecimento das diferenças, momentos de troca de informação, que nos garantiram mais ainda uma visão diferenciada em relação a educação escolar indígena.” Maximino Rodrigues

Foi então conversado sobre a necessidade de produção de material específico para as Escolas Indígenas, com conteúdos diferenciados sobre a cultura de cada etnia, escrito na língua materna. Relatamos que no Paraná a SEED vem produzindo materiais de apoio pedagógico indígena com a participação dos professores indígenas e que, inclusive, todos os nossos professores que estavam visitando a escola eram autores de mais de um livro e tivemos este depoimento: “Os professores acumulam material pesquisado junto aos anciãos da comunidade e constroem textos, poesias, poemas e frases curtas na língua Guarani, e também, na língua Portuguesa, para a utilização na sala de aula.”

“Muitas vezes temos recebidos materiais didáticos prontos que o sistema nos envia mas infelizmente, muito distante daquilo que estamos vivendo. Essa batalha que vocês da Secretaria de Educação do Paraná é os professores Guarani estão fazendo é uma história que com certeza muitas crianças Guarani saberão um dia, sobre como lutaram para conquistar nossos direitos, para conseguir todo este material que respeita e engrandece aquilo que faz parte da nossa cultura e tradição.”

Aguilera De Souza Guarani Kaiowá Gerente da Educação Escolar Indígena De Dourados. Foto Ciomara S. Amorelli

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Maximino Rodrigues Guarani Nhandeva. Diretor da Escola Municipal Indígena Ramão Martins. Foto Edilson Gomes Costa


Os professores trocaram experiências sobre o trabalho na área de arte. “O professor Bonifácio, de Arte visual, falou do trabalho que ele faz com as crianças, que as atividades são desenvolvidas através da visão dos alunos, com desenho e pintura. Aí eu perguntei para ele se tem outro tipo de tinta como urukũ, flores e cascas. Ele respondeu que algumas coisas ele ainda está pesquisando. Surgiu oportunidade naquele momento e falei da minha experiência de como busco informação, pesquiso com os mais velhos. Falei dos símbolos, das cores e até da forma de se pintar, tanto para festa quanto para guerra ou batismo. O professor Bonifácio achou importante trocar informações comigo através de email ou telefone, para receber material sobre a pintura e símbolos que eu produzi.” Teodoro Tupã JeguavY Alves

“Um dado importante relatado pela direção da escola foi que mais ou menos 1000 crianças estão fora da escola neste momento em Dourados por falta de sala de aula e isto preocupou bastante a gente”. Pedro Reroyviju Alves

“Temos certeza que nossos colegas do Mato Grosso, com tanta experiência, tanto trabalham em pesquisas com os mais velhos, se tiverem apoio e recursos também produzirão muitos materiais específicos que ajudarão na sala de aula.” Carlos Cabreira

“Ficamos sabendo que na escola Ramão, como em algumas do Paraná existe muita dificuldade para as crianças chegarem, pois a maioria vem de longe e, nos dias que chove, fica difícil o acesso pelas estradas dificultando que o ônibus chegue e muitas faltam na aula por este motivo”. Vicente Ava Jegavyju Vogado “Aqui em Dourados, os Guarani e Kaiowá lutam através da Associação para ter uma organização melhor para os povos indígenas sobre a questão da terra, da educação e saúde” Karai Tataendy Fernandes “Quero destacar que na escola indígena Ramão Martins, localizada na aldeia Jaguapiru, a comunicação ocorreu expressivamente em idioma Guarani. A língua portuguesa foi utilizada só quando dirigida aos não-índios presentes. Esta escola nova está localizada na área predominada pelo povo Terena. O diretor dessa escola é um professor pertencente ao povo Guarani-Nhandeva, fala fluentemente Guarani e português, todos os professores que participaram da roda de conversa confirmam que falam e escrevem na língua Guarani. Os alunos dessa escola, 80% são crianças falantes de língua Guarani que moram na aldeia Bororó.” Tonico Benites

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Ijayvu omba’eapoa kuringue reve ha’ekuery oexa kuaa hagui marami pa’ta’anga ojejapo ha’ekuery onhepyru opinta. Ha’epy xe aporandu ixupe oĩ pa jeguaa omboi va’ekue ka’aguy gui, yrukũ, yvoty yvyra pirekue ha’e hogue kue, há he’i ojapoma ha nhomongueta xamoĩ kuera reve. Xe amonbe’u arekoa kuatiape amopu’ã va’ekue tembiapo rã jeguaka regua nhemigua, xivipo – araku pyxã – kuruxu – jaxy ojeporu javy’a haguã joguero a hagua ha’e nhemongarai py. Teodoro Tupa Jeguavy Alves

ARAKU PYXÃ

KUNHA PÉ DE SARACURA NHEMINGUA

XIVIPO

XONDARO MÁSCARA KUIMBA’E FERA

KURUXU

JAXY

JEROKY CRUZEIRO DO SUL JEROKY LUA

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IlustraÇÕes: Teodoro Tupa Jeguavy Alves/Pr

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Prof. Tonico Benites conversando com a técnica pedagógica Lilianny Rodrigues da SEED e o professor Aguilera de Souza conversando com o antropólogo Levi Marques Pereira.

Os professores da Escola contaram que existe uma horta na escola que é utilizada como atividade pedagógica. Fomos convidados a conhecê-la e a forma como as hortaliças foram plantadas foi tema de conversas entre nós.

“A parte que eu mais gostei foi quando mostraram a horta porque os canteiros tem a forma diferente. Um tem a forma do mapa da aldeia e o outro de mbaraká; isto eu achei muito interessante porque, pra mim, foi um aprendizado. Agora eu também trabalharei com as crianças desta forma”. Gilmares Guilherme da Silva

Foto: Ciomara S. Amorelli

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Troca de experiências entre professores Guarani na horta. Foto: Carlos Cabreira

Atyma etere`i !!!! pe- nhembotenonde porã uperupi, ikaturupi nhambohypyty haguã nhande temimbo`e te`e. Muito obrigado!!!! sigam em frente para que desta forma possamos educar nossas crianças no nosso modo de ser Guarani.

Horta da Escola Ramão Martins. Foto: Edilson Gomes Costa

Depoimento em Guarani e em português do Diretor Maximino Rodrigues, da Escola Ramão Martins sobre a nossa visita.

Assim terminamos nossas visitas no dia de 11 de julho e fomos embora bem contentes com o grande carinho que os nossos parentes nos receberam e levando boas lembranças que acrescentarão muito ao nosso trabalho como educadores. Professores da Escola Ramão Martins relatando sobre o trabalho pedagógico na horta. Foto: Ciomara S. Amorelli

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Quando estávamos retornando o professor Aguilera de Souza convidou-nos para visitar uma casa de reza que havia na Aldeia Bororó. Ficamos todos muito contentes em poder conhecer uma casa de reza dos parentes do Mato Grosso do Sul. (oga pysy em Kaiowá e opy’i em Guarani Mbya). Chegando lá fomos recepcionados por um casal de liderança religiosa Kaiowá, dona Floriza e seu Jorge e a recepção ocorreu através de ritual e canto sagrado jeroky.

Os dois líderes Religiosos nos conduzindo através De Cantos Sagrados Ao Interior Da Casa De Reza. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

“O senhor Jorge contou que está lutando para reconstruir a casa de reza e que vai precisar comprar madeira e sapé de outros lugares. Mas, até o momento, não conseguiu apoio de ninguém.” Aguilera de Souza Entrada Da Casa De Reza. Fotos: Edilson Gomes Costa

No interior da casa de reza conversamos, também, sobre a cosmologia Guarani-Kaiowá e Guarani Mbya.

“Pudemos observar que a casa de reza é bem antiga e uma parte dela já está caída. Dentro da casa encontramos instrumentos sagrados, colares e cocares.” Pedro Reroyvyju Alves

“Podemos destacar como um importante ponto de nossas conversas a discussão sagrada sobre o fundamento da vida do povo Guarani, uma vez que a apresentação foi dentro da casa de reza após ritual sagrado, os professores ficaram em pé em frente ao leste, o rezador segurando na mão o vara sagrada, xiru chocalho sagrado mbaraka e a mulher segurando takua, simbolizando a conversa da grande família, origem do povo Guarani.” Tonico Benites

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Casa de reza Seu Jorge e Dona Floriza. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

Professores Guarani no interior da Casa de Reza. Foto Edilson Gomes Costa

“Sempre é importante toda a vez que a escola for se organizar e que os professores forem planejar, sempre falar e ouvir na casa de reza os xamõi kuera, que são os rezadores.” João Joetavy Mirĩ Alves

“Foi muito importante visitar a casa da reza dos nossos parentes porque ela é a verdadeira escola do povo Guarani. É na casa de reza que se aprende a ser do jeito Guarani, é lá que a comunidade entende e aprende a história do seu povo, a história dos antigos, e também a língua que é o principal”. Pedro Reroyvyju Alves

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“Os professores Guarani do Paraná apresentaram-se e belas palavras foram ditas pelos dois líderes religiosos em língua Guarani sobre o modo de ser e viver sagrado do Guarani. Falaram também sobre problemas de hoje e as dificuldades enfrentadas por todos os Guarani de Dourados para viver hoje em dia nas aldeias, para manter os costumes e tradições.” Paulo Karaí Tataendy Fernandes

“Apesar de todos os problemas enfrentados pelas comunidades da Terra Indígena de Dourados, o rezador e a rezadora garantem que muita coisa boa acontecerá entre o povo Guarani e que os Guarani serão protegidos dos espíritos maléficos. Disseram que é isso que eles estão pedindo reiteradamente através do ritual e canto Guarani na casa de reza.” Tonico Benites

“Ijayvu omba’eapoa kuringue reve ha’ekuery oexa kuaa hagui marami pa’ta’anga ojejapo ha’ekuery onhepyru opinta. Ha’epy Xe aporandu ixupe oĩ pa jeguaa omboi va’ekue ka’aguy gui, yrukũ, yvoty yvyra pirekue ha’e hogue kue, há he’i ojapoma ha nhomongueta Xamoĩ kuera reve. Xe amonbe’u arekoa kuatiape amopu’ã va’ekue tembiapo rã jeguaka regua nhemigua, xivipo – araku pyxã – kuruxu – jaxy ojeporu javy’a haguã joguero a hagua ha’e nhemongarai py.” Teodoro Tupã Jeguavi Alves

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Ha’e kuera onhombo’e inhe’e kuera pe kaiowa nhe’e omboparakuera aguã, mitã kuera tuvixa pa ma vove. Aikuoa aguã , ombopara kuaa veae aguã. Há’upei rome’ẽ ixupe kuera, ojeroky

aguã, petẽi ore rogue re kova romõi va’e mba’e apy’a’ipe. Roheja, onhembo’e aguã ojeroky kuaa aguã nhande jeroky upeva ning nhande mba’e uma guare reko. Vicente Jegavyju Vogado

ILUSTRAÇÃO: VICENTE JEGAVYJU VOGADO

“Após as conversas emocionantes de ordem espiritual, cada um se identificando como pertencente ao mesmo Cosmo Guarani, na despedida fomos abençoados e, por fim, compramos os colares dos rezadores”. Tonico Benites

Os professores Guarani do Paraná levando uma lembranca Da Visita. Foto: Ciomara S. Amorelli

Artesanato Guarani produzido pelo casal. Foto: Edilson Gomes Costa

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DIA 12 DE JULHO DE 2011 “No 2º dia de nosso Intercâmbio, visitamos na Aldeia Bororó a Escola Municipal indígena Araporã para conhecer a função da escola, a forma de ensinar e a diretora Cristiane Alves Machado nos recebeu muito bem com os professores” Pedro Reroyvyju Alves Destacamos que nesta escola belas apresentações de teatro e danças foram desenvolvidas pelos alunos, sob a orientação dos professores César Benites e da professora Alice Benites que nos deram este depoimento: “Dois meses antes, ao sabermos que iríamos recebê-los, mesmo sem conhecêlos, já começamos a nos organizar e preparar os alunos dizendo que teríamos a visita de um grupo de professores do estado do Paraná, que fariam um intercâmbio com as escolas indígenas de Dourados, para conversas e trocas de experiências entre a escola local e os visitantes. Nossos alunos ficaram na expectativa, pois eles amam fazer apresentações de teatro e danças. A diretora Cristiane nos deu total apoio, e assim nos preparamos para recepcioná-los.” César Fernandes Riquerme Benites.

Escola Municipal indígena Arapora. Foto: Edilson Gomes Costa

Apresentação de teatro e dança dos alunos. Fotos: Ciomara S. Amorelli

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“Eles nos receberam com bastante carinho e os alunos da escola fizeram uma apresentação. Estavam presentes as lideranças da aldeia, Capitão Aniceto e vice-capitão Modesto, professores e alunos da Escola Municipal Araporã.” Oremovoẽ oexauka mitã kuera jeroky oĩ orendive mboruvixa teninde capitão Aniceto há’e inhirũ Modesto, há’e a mboo’e mbo’e hara kuera kunhava há kuimba’eva. Teodoro Tupã Jeguavy Alves Apresentação dos alunos da escola Ara Porã. Ilustração: Teodoro Tupá Jeguavy Alves

Apresentação dos alunos. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

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Vicente e Vanderson na dança do Xondaro. Foto: Ciomara S. Amorelli

“Gostamos muito da apresentação dos alunos, também mostramos a nossa dança do Xondaro. No final todos entraram na roda e tivemos momentos de alegria.” “Ore rovy’agui rôo va’ekue Paraná gui roexauka avei Xondaro jeroky pavẽ há’epy oike ojojyvare ojere rovy’a pavẽ onhondivepa.” Teodoro Tupã Jeguavi Alves

“Nós, os visitantes, apresentamos a dança do Xondaro que foi comandado pelo professor Vicente Vogado. Os professores e alunos da escola gostaram tanto que participaram também da dança.” Gilmares Guilherme da Silva

Vicente e Teodoro na dança do Xondaro. Foto: Ciomara S. Amorelli

Apresentação da dança do Xondaro. Foto: Edilson Gomes Costa

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“Fizemos uma apresentação da dança que se chama Xondaro” Levamos CD e DVD sobre os nossos cânticos e recebemos grande apoio dos professores e direção da escola, ao nosso trabalho sobre a cultura Guarani”. Vicente Vogado

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Terminada a nossa apresentação o professor Tonico Benites pegou o microfone e falou um pouco sobre as suas lembranças sobre a dança do Xondaro. Então, ele pediu que um de nossos professores falasse um pouco sobre o Xondaro, como e quando é praticada a dança e quem trabalha com o Xondaro na Aldeia, etc. O professor Teodoro Tupa Jeguavy Alves fez uso da palavra e contou em Guarani e depois em Português um pouco sobre esta dança.

Professor Tonico Benites falando de suas lembrancas.

“O cacique aqui em Dourados é chamado de liderança e ele usou a palavra para agradecer a nossa presença naquele momento. Disse que a ligação com outras Aldeias é importante. Gostamos de conhecer o trabalho dos professores desta escola e ficamos felizes por ver que as lideranças e a comunidade apoiam e participam do trabalho na Escola.” João Joetavy Miri Alves

Apresentação da dança Xondaro pelos professores do Paraná. desenho: vicente vogado.

Professor Teodoro explicando a dança do Xondaro. Foto: Edilson Gomes Costa

“Eu gostei bastante desta visita porque a escola tem muitos desenhos nas paredes e todos os nomes escritos em Guarani. Isto chama a atenção das crianças e deixa a escola mais atrativa. Achei a apresentação dos alunos muito bonita. Os professores estão de parabéns pelo trabalho que fazem aqui.” Gilmares Guilherme da Silva

Desenho das paredes do pátio da escola Arapora. Foto: Carlos Cabreira

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Professora Maria Aparecida Nunes relatando o trabalho contra as drogas, violência e suicídio que realizou com os alunos da Escola Arapora. FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

“Gostei da maneira que a professora Mariazinha trabalhou, pois conseguiu, através de muita conversa em sala, levantar a autoestima das crianças, organizou palestras com pessoas da área da saúde, fez atividades que valorizassem o potencia dos alunos e procurou tornar mais prazeroso estar na escola.” Vanderson Lourenco

“O assunto drogas é gritante entre os nossos jovens e adolescentes e, dentre os temas abordados pelos professores em sala, a droga surgiu com força total. A nossa escola tem buscado possibilidades que direcionem nossos alunos para um caminho melhor, procurando alternativas com trabalhos pedagógicos voltados para a conscientização do grande mal que é a droga. Mas temos consciência que sozinhos não podemos fazer muito para exterminar com esse mal, que dizima os nossos adolescentes.” César Fernandes Riquerme

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“Além das apresentações, damos destaque a narrativa da professora Mariazinha sobre o seu trabalho com os alunos sobre o suicídio nas aldeias de Dourados. Ela comentou que, com objetivo de evitar que a prática de suicídio continuasse, iniciou uma discussão com seus alunos sobre o assunto na sala de aula onde foi levantado que, entre as principais causas do suicídio apontadas pelos alunos estão: a desestruturação dos casais, separações frequentes de casais com a dispersão dos filhos e a desvalorização da vida em família.” Tonico Benites

“Amizade e diálogo foram essenciais no trabalho realizado aqui na escola contra a violência e as drogas, para que as crianças se sentissem amparadas, queridas e encorajadas diante de tantas cenas tristes que foram presenciadas”.

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Cristiane Alves Machado. Diretora Da Escola Municipal Indígena Araporã/MS. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS


“Conversamos muito, realizamos reuniões fora do horário de aula, nos dedicamos para que os alunos realmente se sintam valorizados e acreditem no seu potencial. Através das peças que são realizadas com gestos, expressões faciais e corporais (pantomima) e músicas, desenvolvemos um trabalho voltado para a cultura indígena sobre mitos, lendas, como viviam os nossos parentes, o que faziam para sobreviver, entre outros. E também além da dança indígena, já apresentamos outra dança, pois os alunos são ótimos dançarinos de hip hop.”

Professor Cesar, professora Alice e o grupo de alunos que fez a apresentacao sobre a criação do mundo junto com alguns dos nossos professores. Foto: Edilson Gomes Costa

Depoimentos sobre o trabalho realizado pelos professores: César Fernandes Riquerme Benites, Alice Rosane Beloto Benites.

“Observando o envolvimento dos alunos nas oficinas realizadas no ambiente escolar, surgiu a ideia de organizarmos um grupo de teatro na escola, priorizando o conhecimento que eles têm, a liberdade de movimentos, a forma comunicativa através da expressão corporal e facial e, principalmente, o desejo de mostrar a sua cultura para as outras pessoas sem ter vergonha de ser Índio. Dessa forma, traçamos nossos objetivos com o desenvolvimento do teatro e foram trocas de experiências valiosas professor/aluno e vice-versa.”

Nossa roda de prosa. Foto LILIANNY R. B. PASSOS

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A diretora Cristiane agradeceu nossa visita, desejou-nos um bom regresso e que tornássemos a nos encontrar outra vez. Foto: Ciomara S. Amorelli

“Achamos muito importante este trabalho de teatro e dança realizado pelos professores aqui desta Escola que envolve temas da cultura Guarani como mitos, histórias dos mais velhos, danças. Os alunos, pelo que nós percebemos, estão muito felizes participando deste trabalho e com orgulho de mostrar um pouco da nossa cultura.” Paulo Karaí Tataendy Fernandes

“Buscamos realizar um trabalho intercultural, dialogando com a Educação Indígena e a Educação Escolar Indígena, lembrando sempre que ambas estão interligadas. Realizamos várias atividades, envolvendo nossa comunidade, visando fortalecer a Identidade Indígena, obedecendo aos Parâmetros Curriculares que norteiam as escolas indígenas e dão subsídios para uma Educação Escolar de qualidade e diferenciada, mas sempre respeitando as diversidades.” César Fernandes Riquerme Benites, Alice Rosane Beloto Benites.

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“Entre os Guarani Mbya os cânticos sagrados cantados na opy’i e as belas palavras dos Xamoi são profundamente valorizados. Eu levo meus alunos toda semana na casa de reza e faz parte da minha aula ir lá ouvir os cânticos, as histórias e os conselhos dos mais velhos. Na minha Aldeia da Palmeirinha, as crianças e os jovens vão para a casa de reza todos os dias onde são orientadas sobre todas as coisas. Além disso, não existe na minha aldeia nenhuma igreja dos juruá.” Paulo Karai Tataendy Fernandes

Vimos que a escola tem uma sala de informática que as crianças e os adolescentes gostam de usar para pesquisar e fazer trabalhos. Foto Edilson Gomes Costa

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ESCOLA MUNICIPAL INDÍGENA LACUI ROQUE ISNARD

Vista da escola. Foto LILIANNY R. B. PASSOS

Na parte da tarde visitamos a Escola Municipal Indígena Lacui Roque Isnard que está localizada na Aldeia Bororó e fomos recebidos pelo diretor Izaque de Souza e pela professora Elaine Cabreira de Lima. Reencontramos o diretor da Escola Ramão Martins, Maximino Rodrigues que foi até lá para prosear um pouco mais com a gente. Tão logo nos apresentamos, fomos convidados a conhecer as instalações da Escola. Logo ficamos encantados ao ver as salas de aula onde quase tudo que havia escrito estava em Guarani. Os conteúdos trabalhados eram facilmente identificados como temas da cultura Guarani e isto nos deixou bastante alegres.

Vista da escola. Foto Edilson Gomes Costa

Vista da Escola. Foto LILIANNY R. B. PASSOS

Professor Carlos Cabreira visitando uma sala. Foto Ciomara S. Amorelli

“Nesta escola, todos os professores são Guarani e falantes. Nós, visitando as salas de aula, vimos nas paredes os trabalhos, as atividades dos alunos, os cartazes usados pelos professores, tudo em Guarani. Isto deixou a gente contente e lembrou um pouco de nosso trabalho lá na nossa aldeia no Paraná. Eu também trabalho assim. Para as crianças aprenderem melhor, para ajudar elas lembrarem das letras e das palavras que eu ensinei, eu faço desenho, escrevo a palavra em Guarani e deixo lá na frente da sala. Assim, as crianças estão sempre olhando e lembrando.” Carlos Cabreira

Cartazes que estavam expostos nas paredes das salas de aula. Foto Ciomara S. Amorelli

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Reciclagem e Alfabetizacao Guarani. Foto: Carlos Cabreira

“A escola tem uma sala de reforço pedagógico que faz parte do Programa de Assistência Educacional/PAE, que atende todas as escolas indígenas, onde um professor é contratado para trabalhar 40 horas na escola. Achei isto muito bom para as crianças com dificuldade na aprendizagem.” Paulo Karai Tataendy Fernandes

“Achei muito bom que em todas as escolas indígenas de Dourados tem um professor Guarani que trabalha com as crianças para dar reforço escolar. Eu também estou trabalhando com as crianças dando reforço porque elas passam dificuldades na escola não indígena. Nossas crianças estão tendo que estudar fora da aldeia. Por isso, a comunidade se preocupou e pediu para eu ser contratado para ajudar estas crianças que estão passando dificuldade de aprendizagem”. Pedro Roreyvyju Alves

“Sentimos por não conhecer os professores que trabalham nesta Escola, porque seria bom para trocar mais experiências sobre o trabalho no ensino na língua Guarani.” Pedro Roreyvyju Alves Professores Anotando Informacões. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

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Professor Aguilera de Souza, da Coordenação das Escolas Municipais Indígenas de Dourados, falou do avanço muito grande que os professores conquistaram com o curso de Magistério Indígena Ára Verá e com o curso de Licenciatura Intercultural Teko Arandu da UFGD , que os Guarani do Mato Grosso do Sul através da organização de sua Associação conseguiram assim garantir que se levasse em conta, na elaboração dos referidos cursos, as suas expectativas e as considerações de suas comunidades. Ele falou que as escolas indígenas de Dourados vêm trabalhando, pesquisando e refletindo sobre o papel da Educação Escolar Indígena, dando assim abertura para uma prática pedagógica diferenciada. “Outra coisa muito boa que eu percebi até agora foi que todas as escolas que visitamos têm o diretor indígena. O fato dos indígenas daqui terem concluído o ensino superior abriu as portas para esta conquista.” Vicente Vogado

Bate - papo informal com chimarrão com a presença do diretor da Escola Ramão Martins, Maximino Rodrigues. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

Professor Aguilera de Souza falando sobre o desafio de pôr em prática um ensino diferenciado. Foto LILIANNY R. B. PASSOS

“Os professores indígenas das etnias Guarani, Kaiowá e Terena daqui de Dourados sabem da importância e do desafio que é por em ação um ensino diferenciado e que não é suficiente que os docentes sejam só falantes da língua indígena. O ensino diferenciado exige três etapas: primeiro, os professores indígenas vão a campo pesquisar e registrar os conhecimentos tradicionais coletando informações através de entrevistas com os “guardiões” da comunidade local; num segundo momento, os professores sistematizam os conhecimentos coletados em forma de textos, poesias, contos, histórias, e no terceiro momento, essas informações são trabalhadas na sala de aula como conteúdo. Ou seja, partindo da realidade local, avança-se para o conhecimento regional, e por fim, abrange-se todo o conhecimento universal. Mas, para que isso aconteça e surta efeitos, cada docente indígena precisa conhecer a sua própria cultura e a do outro para possibilitar a seus alunos refletir sobre as mesmas e o futuro da nação indígena.” Aguilera de Souza

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Professor Carlos Cabreira/PR conhecendo as mudas de plantas medicinais. Foto: Ciomara S Amorelli

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O diretor Izaque de Souza falou sobre o projeto de plantio de árvores frutíferas e plantas medicinais que a escola tem e fomos ver as mudas já plantadas. Soubemos que a região passou por um período gran-

de de seca e depois de geada mas, mesmo assim, estão confiantes e aguardando que as mudas se desenvolvam e cresçam logo para os alunos poderem aproveitar a sombra, os frutos e até brincar nas árvores.

Foi discutida, além de outros assuntos, a importância da comunidade ter um representante indígena na câmara de vereadores e a intenção das comunidades indígenas de Dourados de eleger um vereador indígena nas próximas eleições. “Nossas comunidades indígenas pretendem, previamente, no final do ano de 2011, fazer um tipo de plebiscito para eleger informalmente candidatos indígenas e, assim, os dois mais votados serão lançados como candidatos oficiais em 2012.” Izaque de Souza

Diretor Izaque contando sobre a organização política dos professores indígenas de Dourados. Foto LILIANNY R. B. PASSOS

“O diretor contou um pouco sobre a organização política dos professores indígenas de Dourados, que ele também é presidente da Associação do Professores indígenas de Dourados e distribuiu uma cópia do estatuto da associação.” Gilmares Guilherme da Silva

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“Os professores e profissionais indígenas hoje têm uma Associação que é bem respeitada e conta com mais de 400 membros. Através dos Fóruns realizados conseguiu um curso específico de Magistério Indígena – Ará Vera, com formação diferenciada que já formou a 1ª turma e está em andamento a 2ª, além do curso de Licenciatura Intercultural Teko Arandu na UFGD – fruto de muita luta e reivindicações.” Vanderson Lourenço

“O diretor falou sobre a Associação dos professores da Educação Escolar Indígena de Dourados, que ela teve papel muito importante nas negociações para as nomeações nas escolas indígenas, para que as escolas tivessem calendário diferenciado e outras conquistas.” Paulo Karai Tataendy Fernandes

Professor Vanderson Lourenco anotando Informacões. Foto: Ciomara S Amorelli

Assim, o tempo passou que nem vimos, tão boa estava a nossa prosa! Fomos embora muito satisfeitos por termos reencontrado nosso parente Guarani Maximino Rodrigues, que é diretor da Escola Indígena Ramão Martins e que fez tanta questão de estar conosco. Foi uma ótima tarde em que pudemos conversar sobre tantos assuntos importantes e compartilhar muitas experiências.

Conversando sobre a importância da Associação dos professores da Educação Escolar indígena. Foto: Edilson Gomes Costa

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DIA 13 DE JULHO DE 2011

UNIVERSIDADE FEDERAL DA GRANDE DOURADOS Fomos visitar a Universidade Federal da Grande Dourados para conhecer o curso de Licenciatura Intercultural Teko Arandu – Viver com Sabedoria. “A licenciatura Teko Arandu tem uma especificidade que não foi pensada ainda no Paraná que é o compromisso do indígena formado voltar à sua Aldeia para trabalhar. Mas isso se deu devido a realidade das aldeias do município de Dourados, que são superlotadas não podendo receber mais famílias ou porque corre-se o risco de indígenas perderem suas vagas de trabalho” Vanderson Lourenço

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“A iniciativa de realizar intercâmbio entre professores das etnias Guarani que vivem nos dois estados foi de fundamental importância para os professores. Um dos professores que veio do Paraná é originário da comunidade de Dourados, sendo que o reencontro com parentes e antigos companheiros facilitou a interação rápida entre os dois grupos de professores.” Levi Marques Pereira

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“Temos muito orgulho de ver os parentes Guarani conquistando o espaço na Universidade da Grande Dourados. A criação do curso Teko Arandu tem por objetivo atender acadêmicos indígenas Guarani priorizando sua formação em diversas áreas, e com categoria diferenciada e específica com eixos escolhidos por eles como: Teko, Tekoa e Nhe’ ẽ”. Teodoro Tupã Jeguavy Alves

Professores Guarani na UFGD. Foto: Edilson Gomes Costa

“Quarta aje’ive, ára 13 py roipou UFGD Universidade Douradoa py ojopy te’yi há’e te’yi e’ỹ avei. Nhombo’ea UFGD py gua kuery ojepy’a py onhembo’e curso ojapo va’e re nda’i jayvui oje ayvu py. Jypygua turma onhembo’ea py ikuai cento e quinze onhembo’e va’e, 26 município gui, hetave onhembo’e va’e ma kaiua ha’e Guarani ha’e kuery ma oje’oi Opy(oga) rupi omoirũ mboruvixa kuery ha’e amboae –ae onhembo’e va’e kuery omoĩ porã aguã nhembo’ea regua ha’e gui te’yi reko regua opy re.” Paulo Karai Tataendy Fernandes “A organização deles é muito boa e já tem até professores Guarani dando aula na Universidade. Outra coisa que eu gostei foi que eles levam os mais velhos no curso e valorizam muito a presença dos Xeramoĩ e Xejaryi. “ Gilmares Guilherme da Silva

“Muito bom e nós gostamos muito. Até gostaríamos de ser novos integrantes do Teko Arandu. No Paraná, não tinha Magistério específico. Nós conseguimos fazer através do Protocolo Guarani o curso Kuaa Mbo’e = aprender e ensinar. O governo está discutindo com a Universidade Estadual de Maringá para abrir um curso de Licenciatura Intercultural.” Teodoro Tupã Jeguavi Alves

“Eu trabalho na minha aldeia na escola com as crianças ensinando na nossa própria língua Guarani a escrever e ler e também trabalho para ajudar a própria comunidade na diretoria da APMF: Associação de Pais e Mestres e Funcionários. As outras atividades que eu trabalho são: a coordenação do Grupo Coral junto aos nossos rezadores. Estou acompanhando os líderes religiosos para fortalecer o nosso patrimônio indígena Guarani. Para nós os líderes são valiosos porque sabem o modelo da nossa população indígena Ava-Guarani. Nosso coral Guarani já produziu seus primeiros CD’s, divulgando o cântico Guarani do Paraná, foi no ano de 2.000. Desde 2003, comecei a frequentar o curso de magistério no Programa de Formação Escolar Guarani nas regiões sul e sudeste do Brasil – Kuaa – Mbo’e e foi no curso, apesar das dificuldades que tive no início, que aprendi muitas coisas como organizar os materiais, fazer relatórios, planejamentos e outros textos.” Vicente Ava Jegavyju Vogado

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“Para nós, a formação do professores indígena Guarani Kaiowá, é uma das formações mais importante. Temos o “Ára Verá” que significa espaço tempo iluminado, que é um curso de magistério indígena onde se estuda a cultura Guarani Kaiowá e seus aspectos culturais, e também da sociedade envolvente, como por exemplo: etnomatemática, arte indígena, história da língua e história do povo indígena. Eemos também o curso “Teko Arandu”sabedoria de vida, que é ofertado pela Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). A licenciatura intercultural indígena é o ensino superior indígena, que forma profissionais indígenas para a área da educação escolar indígena, desde gestão, coordenação, direção e professores, nas quatro áreas de conhecimentos. O desenvolvimento do curso é dividido em etapas: presencial, com duração de três semanas que acontece duas vezes por ano e mais o tempo escolar na comunidade que o acadêmico deve cumprir. São realizadas também, as etapas chamadas pólo com duração de três dias. A duração do curso é de quatro anos e meio.” Raimundo Vogarim

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Nossos professores ouviram o professor Raimundo Vogarim falar um pouco sobre a importância da formação do professor indígena e também sobre os cursos que existem em Dourados que são considerados uma conquista.

Alguns de nossos professores contaram sobre a sua formação e a sua trajetória como professor bilíngüe. “Em 2003, fui chamado para trabalhar como monitor de língua indígena, Guarani Nhandeva, na Terra Indígena Laranjinha. No mesmo ano fui indicado para participar do curso de formação de professores Guarani Kuaa Mbo’e. Até então, eu trabalhava na sala usando os métodos de meu irmão que também trabalhava como professor, incrementando com brincadeiras, já que meus alunos eram do pré a 2ª série. Tive várias dificuldades no início, umas delas era o fato de eu não dominar a língua Guarani e a outra era a falta de material didático. Durante o tempo que cursei o Kuaa Mbo’e adquiri novos conhecimentos, me-

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todologias e ética para trabalhar como educador. O curso também me preparou para olhar a causa indígena com mais carinho, pois o professor de história, Bessa Freire, completou com seus conhecimentos científicos as histórias orais de nossos anciãos. Como o curso tinha representantes de cinco estados: PR, RJ, SC, ES, RS tive o privilégio de ter contato com outras variações linguísticas, o que me proporcionou uma riqueza em comunicação tradicional Guarani. Depois de me formar no magistério diferenciado Kuaa Mbo’e, consegui elaborar meus próprios materiais didáticos. Com a professora Ciomara Amorelli principalmente, durante o curso tive muitas ideias de como reutilizar embalagens, garrafas pets, tampinhas, etc. para construir jogos, cartazes, entre outras alternativas que servem de recurso na sala de aula. Hoje, tenho quase quatro anos de educador e durante este tempo desenvolvi algumas atividades, criei jogos, aperfeiçoei metodologias de ensino conforme a realidade de cada comunidade e compreendo melhor a língua Guarani nas três variações linguísticas.” “São conquistas dos professores indígenas de Dourados: a escola e a ocupação do espaço escolar, tanto na parte administrativa como em sala de aula.” Raimundo Vogarim

“Na minha opinião, é muito importante a formação dos professores Guarani, porque só assim podemos lutar pelos nossos direitos e também conhecer melhor as leis de fora. Hoje em dia, é muito difícil vivermos sem estudo, ate porque precisamos saber mais do mundo dos não indígenas, mas não só por isso, também para que possamos fortalecer mais a nossa cultura. E muito importante ensinar nossas crianças desde pequenas a valorizar a nossa cultura e a não deixar o nosso jeito de ser Guarani morrer, por isso achei muito importante a formação que tivemos no curso Kuaa Mbo’e e nos cursos de formação continuada da SEED”. Gilmares Guilherme da Silva

“Através de nossas conversas, posso dizer que a realidade do Mato Grosso do Sul é bem diferente do Paraná em aspecto político, cultural e social. Na política, os direitos humanos não são respeitados pois as comunidades indígenas não são respeitadas, são constantemente afligidas com assassinatos, despejos e difamação por parte da sociedade dominante e o governo e suas instituições se omitem. Conforme relatos de estudantes e professores indígenas, desde 2008 até agora já foram assassinadas sessenta pessoas indígenas e, atualmente, o principal alvo são os professores. Soubemos que em 31 de outubro de 2009, dois professores foram assassinados e até o dia de nossa visita, na quarta-feira, dia 13 de julho de 2011, um professor foi violentado, numa tentativa de homicídio por parte de pessoas não índias.” Vanderson Lourenço

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Os professores da UFGD nos levaram para conversar com rezadores da aldeia Jaguapiru e na saída da Universidade vimos que estava sendo realizada uma feira de venda de livros onde um grupo de jovens Guarani, conhecido como Brô Mc’s iria apresentar o seu trabalho e paramos para conversar um pouco. Na feira, haviam produtos dos indígenas como colares, brincos, CD e cerâmica.

“Achei muito importante como a Xaruí organizaojerukyquandochegamvisitantes.” Pedro Reroyvyju Alves

“Observei que a população indígena absorve com particularidade a cultura da sociedade dominante. Exemplo disto é o trabalho dos meninos que cantam Rap em língua mista Guarani – Kaiowá e Português. Esse grupo de nome Brô Mc’s, que tive o prazer de conhecer, passa mensagens positivas e denuncia a violência que os indígenas sofrem atualmente.” Vanderson Lourenço Foto: Ciomara S. Amorelli

“Na visita à Casa de reza do Oga mita’ ỹ rory, vimos que ali vive a Dona Tereza que é uma Xaruí. Soubemos que lá na casa de reza acontecem as rezas todos os dias. Fazem também a festa do milho, avati nhemongarai, as danças, o nhemongarai da criança e para colocar os nomes das pessoas que nascem na aldeia.” Vicente Vogado

Foto: Ciomara S. Amorelli

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“Visitamos a oga mitã’ ĩ poty rory e, ao chegar, fomos recepcionados por crianças e uma delas fez uma pintura no rosto de todos nós antes de entrarmos.” Pedro Reroyvyju Alves

Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

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“É através das memórias dos mais velhos que sempre são repassados os conhecimentos do passado para as crianças e toda comunidade reunida na opy. Os Guarani sempre guardam as sabedorias que foram contadas pelos velhos antigos.” João Joetavy Miri Alves

“Há muito tempo os Guarani mantém os costumes tradicionais que seguem do passado, contando e passando dos pais para os filhos, dando continuidade do conhecimento, e da memória dos mais velhos. Sempre guardamos e lembramos alguma coisa do passado para não esquecer de nossos avós. Na casa de reza, reunimos todas as crianças também para saberem como devem respeitar os mais velhos.” João Joetavy Miri Alves

Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

Opy’i regua. Xee avy’a vaipa xaryi Tereza ropy’i rovaẽ jave, ore rarõ okapy orembojegua opy’i roike aguã. Aexa a’e kuery ojerokya, a’egui ore voi rojeroky Xamoĩ Vicente oporai rã. Ha’e va’e gui ae pavẽ nhandekuery nhanembaraete, opy’i gui ae. Gilmares Guilherme da Silva

Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

Instrumentos Sagrados

Casa de Reza

Ilustração: João Joetavy Mirĩ Alves

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Ilustração: Paulo Karaí Tataendy Fernandes

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Há’eve jerovia ve nhandereko nhanderu onejava’e gue nhandeve pavẽ jaipuru aguã ko yvy vai Ari jaiko va’e pe, ha’e rire ayvu He ja ma vai petẽi, tẽi, nhande ayvu ha nhe’ẽ rã pavẽ jaipuru aguã. Vicente Vogado

Professor Paulo Karaí falando em Guarani na casa de reza. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

“Na minha aldeia, tem coral que pratica a nossa cultura todos os dias na casa de reza e o pai e a mãe também participam juntos. Ali é o lugar de orientação do rezador e dos mais velhos. Onde a comunidade tem casa de reza, o professor Guarani precisa trabalhar com os seus alunos na escola a importância da cultura, dos ensinamentos dos mais velhos, do rezador, o uso dos instrumentos e dos cantos.” Pedro Reroyvyju Alves

“Eu e meus colegas, professores Guarani do Paraná, observamos que em nenhuma casa de reza que visitamos alguém falou ou usou o petyngua. Nós estranhamos isto porque nas nossas aldeias é costume fumar o cachimbo todos os dias na casa de reza.” Carlos Cabreira

“Na escola, o professor também ensina por que e como usar o cachimbo na casa de reza, porque a criança pode ter dúvidas e é papel dele ensinar.” Gilmares Guilherme da Silva

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“Quando o rezador se reúne com a comunidade na opy ele passa conselhos para as crianças sobre o respeito. A opy nós consideramos escola para os Guarani. Quando o rezador começa a falar, todas as crianças prestam atenção e assim elas aprendem a educação Guarani.” João Joetavy Miri Alves

“A fumaça do cachimbo é para o fortalecimento do nosso corpo e não faz mal. Mas aquele fumo que fuma com papel e com palha de milho faz mal para a saúde. O petyngua até as crianças podem fumar a partir de 7 ou 8 anos na casa de reza.” Vicente Ava Jegavyju Vogado

Ilustração do Petyngua: Gilmares Guilherme Da Silva

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DIA 14 DE JULHO DE 2011

Vista da escola. Fotos Edilson Gomes Costa

“As pinturas das paredes e portas simbolizam a nossa etnia Guarani Kaiowá e são as mesmas que usamos para enfeitar o mbaraká utilizado na casa de reza.” Fabio Concianza / Professor Guarani Kaiowá da Escola/MS

Na parte da manhã, visitamos a Escola Municipal Indigena Pa´i Chiquito - Chiquito Pedro, localizada na Aldeia Panambizinho. Ao chegarmos logo percebemos que, diferente das outras visitadas, esta impressionava Durante nossas conversas os pelas cores e pinturas étnicas do prédio que remetiam a cultura indígena. assuntos mais abordados foram o ensino na/da língua Guarani, a violência e o uso de drogas nas aldeias, os cosFomos recepcionados pelo diretor tumes tradicionais Guarani Kaiowá Laucídio Ribeiro Flores, que é da e os projetos realizados pela escola. etnia Terena, a liderança tradicioNossos professores tinham curional senhor Valdomiro, a pedagoga sidade em saber como é o trabalho de e vários professores que gentilmenalfabetização e a pedagoga Katiuscia fate abriram mão de seu dia de férias lou um pouco sobre ele e contou que os para estar na escola nos recebendo. professores sentem muito a falta de material pedagógico produzido na língua materna para trabalhar em sala de aula.

Professores se apresentando. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

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“O que mais me chamou a atenção foi a preocupação dos professores Guarani do Paraná com o uso da língua indígena nas comunidades e nas escolas indígenas.” Raimundo Vogarim

“Também sinto a mesma dificuldade e acredito que seja necessário produzir materiais mais atrativos e prazerosos na língua materna para as crianças como, por exemplo: gibis com histórias em quadrinhos, charges, cruzadinhas, livros de mitos indígenas.” Vanderson Laurenço

O professor Aguilera de Souza falou que a Secretaria Municipal de Educação de Dourados, em parceria com outras instituições oferece cursos sobre bilinguismo e alfabetização para os professores indígenas e para os não indígenas que trabalham nas Escolas indígenas e isto foi considerado por nós como uma grande conquista.

Professor Vanderson Lourenço falando sobre a necessidade produção de materiais específicos para trabalhar alfabetização em Guarani. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

Percebendo que a pedagoga da escola não é indígena e não fala a língua materna, o professor Vanderson Lourenço quis saber quais as principais dificuldades encontradas por ela para ajudar os professores indígenas da escola na alfabetização utilizando a língua materna. A pedagoga Katiuscia disse que mesmo sem falar a língua indígena ela pesquisa com a comunidade e lideranças, conteúdos significativos para as crianças e, então, elabora atividades, textos na língua portuguesa. Apresenta-os aos professores como sugestão para que eles possam adaptá-los à língua indígena. “Na minha aldeia nós também temos dificuldade em trabalhar com a alfabetização porque atendemos três etnias; Guarani, Kaingang e Xetá. Para fazer o planejamento, os professores partem do que a criança já sabe e daí nós pesquisamos com os mais velhos que contam histórias sobre a aldeia, como era no passado, outras histórias antigas, conhecimentos tradicionais que trazemos estes conteúdos para trabalhar na sala de aula a língua Guarani.” Carlos Cabreira

Professor Carlos Cabreira relatando sobre o trabalho com a alfabetização na Aua Aldeia. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

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Os professores da escola relataram que, na opinião deles, quando uma aldeia fica muito próxima da cidade, isto contribui para o crescente desinteresse das crianças e adolescentes pela cultura indígena. Este comentário gerou uma boa discussão na roda de nossa prosa, pois, assim como as aldeias de Dourados, no Paraná também temos comunidades localizadas bem próximo da cidade. Surgiram importantes depoimentos sobre os costumes tradicionais Guarani.

Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

Seu Valdomiro, lideranca tradicional, falando dos costumes antigos. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

A liderança tradicional senhor Valdomiro relatou alguns costumes que aprendeu com os antigos e que ainda praticava como: tomar banho no rio em noite de geada para não pegar tumor, fazer a cerimônia de furação do lábio, plantar milho saboró, festa de batismo do milho, dança do Guachiré entre outros. Percebemos a tristeza dele quando disse que hoje em dia poucas famílias em Dourados mantêm os costumes antigos. Alguns costumes mencionados pelo seu Valdomiro também são ainda realizados nas Aldeias do Paraná e outros não.

Achamos muito importante a participação e o apoio das lideranças no trabalho desta escola e dos professores. “Na minha aldeia o cacique Leonardo Acosta preocupa-se com a vida de todas as pessoas da comunidade. Ele ajuda em nosso trabalho na escola para não perder a nossa língua tradicional. O cacique fala assim para os nossos jovens na escola: tem que ir na casa de reza, acompanhar o nosso Xamõi (rezador) na casa de reza e ouvir todas as palavras sagradas, porque é o próprio Nhanderu que está no nosso meio e fala da cultura e da nossa religião”. Vicente Ava Jegavyju Vogado

“A manutenção da cultura indígena (Kaiowá e Guarani) merece nosso destaque, pois mesmo com a invasão do urbanismo e a crescente discriminação, as comunidades ainda comunicam-se em língua materna e mantem alguns rituais tradicionais, como a dança do Guachiré, o banho de inverno e as construções tradicionais das casas de reza.” Vanderson Lourenço

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“Nós ficamos muito contentes e agradecidos da forma como nos receberam. Os professores Guarani de Dourados falaram para a gente seguir em frente, fazer mais viagens de intercâmbio e voltar para mais visitas.” João Joetavy Mirĩ Alves

“Na minha aldeia, o coral pratica a nossa cultura todos os dias na casa de reza. Lá se reúne toda a comunidade, o pai, a mãe e a criança também participa junto. O rezador e os mais velhos orientam sobre os costumes e a tradição e falamos só na língua Guarani.” Pedro Reroyvyju Alves

“ Lá na aldeia Araça’i nós fazemos a festa de batismo do milho, das crianças e a cerimônia da furação do lábio. Eu furei o meu lábio com 14 anos” Gilmares Guilherme da Silva

Texto e ilustração: joão joetavy mirĩ alves

“É através do conhecimento dos mais velhos que nós sempre praticamos a cultura tradicional: o artesanato, o balaio, os bichinhos de madeira e o colar. Todos os trabalhos tradicionais têm um significado.”

FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

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“Os professores da Escola Paí Chiquito apresentaram a dança do Guaxiré e nos convidaram para dançar junto. Foi um momento que gostamos de participar.” Paulo Karaí Tataendy Fernandes

Professor Vicente falando sobre suas lembranças sobre os costumes antigos. Foto: Ciomara S. Amorelli.

“Antigamente, nosso costume era tomar banho no rio em noite de geada para ficar sadio e não pegar tumor, mas como o rio foi ficando poluído hoje não podemos fazer mais e nem ensinar as crianças, pois elas podem ficar doentes. Mas ainda mantemos os costumes de plantar os milhos tradicionais, batismo das crianças e ir na casa de reza.” Vicente Ava Jegavyju Vogado

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A bióloga Bianca apresenta o projeto da horta. Foto Edilson Gomes Costa

“Fico muito feliz em ter colaborado com vocês e de saber que gostaram de ter vindo até nossa escola. Em nome de todos os professores da escola, quero parabenizar vocês por este importante avanço para a educação indígena de nosso país. Quando precisarem de nós, sempre estaremos á disposição e creio também que sempre poderemos contar com vocês nesta caminhada. Aqui nós ficamos fascinados com a visita, quero parabenizá-los por este livro que estarão lançando. Estou muito feliz por ter colaborado um pouquinho. Desejo a todos muitas realizações e que cada vez mais o ensino de nossas escolas indígenas cresça e se fortaleça com professores batalhadores como vocês”

Laucidio Ribeiro Flores

Diretor da escola municipal indigena Pa´i ChiquitoChiquito Pedro Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

Visitamos, então, o projeto de horta realizado pela escola e coordenado pela professora e bióloga Bianca que contou um pouco como vem realizando seu trabalho. Ela relatou que as crianças adoram ir para a horta, mexer com a terra e que o que é produzido ali tem sido utilizado na merenda escolar.

FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

Além da horta, a escola vem desenvolvendo projeto de compostagem sob a sua orientação da professora Bianca Marafigo, onde os alunos aprendem a utilizar as sobras alimentares e existe um projeto de reutilização da água da chuva para regar a horta. O professor João Joetavy Mirĩ Alves contou que na Aldeia Tekohá Añetete, onde ele mora, também tem projeto de reutilização de água da chuva e de compostagem.

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Em conversa com o diretor Laucídio, soubemos que próximo da escola havia uma casa de reza e na volta, o professor Raimundo Vogarim nos guiou até lá. De longe, ao avistar a casa de reza percebemos que ela é construída no estilo tradicional Guarani Kaiowá, que está muito bem conservada e é belíssima. Ao chegarmos, o professor Raimundo e o professor Aguilera foram perguntar se poderíamos visitá-la. Foram informados pela pessoa responsável por cuidar da casa que seu Getúlio, o rezador, estava viajando. Mas autorizou-nos a entrar para conhecê-la e tirar fotos.

Caminho da estrada até a casa de reza. Foto: ciomara s. Amorelli

Casa de reza seu Getulio. FOTO: EDILSON GOMES COSTA

Prof. no interior casa de reza. FOTO CIOMARA.S. AMORELLI

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Casa de reza seu Getulio. IlustraÇÃo: gilmares guilherme da silva

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Casa de reza. FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

Todos achamos a casa de reza muito bonita. Ficamos imaginando a comunidade reunida aqui, cantando cânticos sagrados, com as danças e ouvindo os ensinamentos do Xamoĩ. Foi importante conhecer a opy de desta Terra Indígena, a Panambizinho, e saber que apesar de tantas dificuldades enfrentadas aqui no Mato Grosso do Sul como: a violência, a discriminação, as drogas, as lutas pela terra, estas comunidades buscam fortalecer cada dia mais os costumes e ensinamentos dos nossos antepassados na casa de reza, como nós.

A casa de reza do seu Getúlio ficava próxima a umas Mangueiras enormes. Foto: ciomara s. Amorelli

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DIA 14 DE JULHO DE 2011 Fomos visitar, na parte da tarde, a Escola Francisco Meireles que, mesmo não estando situada dentro de uma Aldeia, atende 810 alunos indígenas. Só 1% do total de seus alunos é não indígena. Esta Escola está situada dentro da Missão Evangélica Caiuá que existe desde 1928. Fomos recebidos pela professora Margarida que foi coordenadora da escola por 22 anos e hoje, mesmo aposentada, continua ajudando nos trabalhos. Estavam também nos recepcionando a coordenadora, vários professores e professoras, que mesmo estando em férias, vieram nos conhecer e conversar conosco. Recepção e conversa ao ar livre. Fotos: LILIANNY R. B. PASSOS

Sentados ao ar livre, iniciamos nossa visita com as apresentações onde cada professor pode contar de onde era, sua etnia e o que faz. A seguir, a professora Margarida convidou-nos a conhecer as instalações da Escola Francisco Meireles.

Vista do prédio da escola. FOTO:EDILSON GOMES COSTA

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Interior da escola/pátio. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

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Professores na roda de conversa. FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

“A Missão Caiuá, além de oferecer trabalho social às aldeias, também tem uma escola de Ensino Fundamental e Médio. Apesar de todas as dificuldades que as comunidades escolares enfrentam, os indígenas de Dourados têm se organizado e, juntamente com a instituição Missão Caiuá, a educação escolar indígena tem mostrado bons resultados. Em conversa com os dirigentes da Escola e da Missão Caiuá, fiquei sabendo que a maior parte dos professores que atua hoje nas escolas estudou na Missão Caiuá. Desses que se formaram ali, muitos já fizeram curso superior e hoje se destacam como diretores, pedagogos, representantes da Secretaria Municipal de Educação, entre outros cargos”. Vanderson Lourenco

A professora Margarida contou um pouco sobre a Missão Evangélica Caiuá, que ela está completando 80 anos em 2011 e que, ainda hoje, realiza um belo trabalho social na área da saúde com as populações indígenas de Dourados, dispondo de um hospital com 100 leitos para atender os indígenas em parceria com o SUS, e conta com o trabalho voluntário de pessoas da comunidade evangélica.

Saindo da escola para ir visitar a ala infantil do hospital da Missão Caiuá. Foto:ciomara s. Amorelli

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Interior de um consultório pediátrico. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

Ala infantil do hospital Caiuá. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

Fomos visitar uma ala especial da Missão Caiuá que atende crianças e soubemos que há alguns anos atrás o número de atendimento era muito grande devido à desnutrição. Hoje em dia, diminuiu bastante este número e já está sendo pensado em preparar uma parte desta ala para atender crianças e adolescentes com problema de de-

pendência química, isto devido ao grande número de casos que vem ocorrendo nas aldeias de Dourados. O professor Carlos Cabreira ao visitar esta Ala contou-nos que passou um bom tempo internado ali quando era criança e emocionou-se ao reencontrar-se com uma pessoa que trabalhava no hospital naquela época e que cuidou dele.

Seu Carlos relembrando o tempo em que passou no hospital quando era pequeno. FOTO LILIANNY R. B. PASSOS

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Após a visita da Ala infantil, fomos conhecer o restante do Hospital onde são atendidos diariamente muitos indígenas. Visitamos uma ala pediátrica e uma ala obstétrica. Soubemos que as gestantes recebem um enxoval completo para o seu bebê. Vimos ambulatórios, centro cirurgico e locais de realização de exames. Soubemos que os indígenas vêm das aldeias Bororó, Jaguapiru e até Panambizinho para receber atendimento médico.

Ficamos sabendo que os professores da Escola participaram de produções de alguns materiais pedagógicos como livros, DVD e CD sobre a cultura e ficamos muito felizes pois sabemos da enorme necessidade que nossas escolas tem destes materiais. Parabenizamos nossos parentes por esta conquista e o professor Vicente aproveitou para mostrar um pouco do seu trabalho com a cultura mostrando o seu CD. Fomos incentivados a continuar nosso trabalho de pesquisa e fortalecimento da cultura.

Professores trocando informações. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

... A Escola Atende Alunos De Três Etnias: Guarani, Kaiowá e Terena... Nossos professores ficaram curiosos em saber como as questões da cultura Guarani são trabalhadas na Escola e a professora Valdelice Veron deu o seguinte depoimento: “Os rezadores repassam os conhecimentos educacionais em forma de oralidade, que os Kaiowá e os Guarani repassam para seus filhos, obedecendo a uma cronologia que vai de geração a geração, representando as etapas da educação indígena. Essa educação, que é vida, terra, palavra, alma, ética, a promoção da autonomia intelectual conciliada ao pensamento crítico e ao desenvolvimento da teoria e da prática são aliados ao processo próprio de aprendizagem. Através de pesquisas com os mais velhos, rezadores trazemos os conteúdos para a sala de aula e desenvolvemos nosso planejamento.” Segundo ainda o relato da professora Margarida a escola atende alunos de três etnias: Guarani, Kaiowá e Terena, mas desde o pré existe separação entre os conteúdos específicos de cada etnia. Os conteúdos de Geografia e História são trabalhados a partir da cultura de cada etnia onde as pesquisas com os mais velhos são pontos de partida para os trabalhos dos professores. São realizadas palestras, projetos, exposições e apresentações dos alunos com o objetivo de fortalecer a cultura de cada etnia.

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“Na minha aldeia não tem igreja, mas tem pessoas que são evangélicas e também não temos crianças desnutridas. No lugar de igreja, temos casa de reza onde as crianças vão escutar o que podem e o que não podem fazer. Para nós Guarani, a casa de reza é a mesma coisa que a igreja, fala de Nhanderu e dos mandamentos.”

Paulo Karai Tataendy Fernandes Foto da Igreja Presbiteriana localizada no interior da Missão Caiuá. FOTO: CIOMARA S: AMORELLI

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FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

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Professores Carlos e Vicente em visita à Missão Caiuá. Ilustração: vanderson lourenco.

Após a visita ao Hospital retornamos à Escola Francisco Meireles para tomar um delicioso lanche que gentilmente nos foi oferecido. Neste momento nossos professores e os da escola aproveitaram para conversar descontraidamente sobre vários assuntos. Percebemos que mesmo a Escola estando em um período de férias havia crianças e adolescentes no interior da Missao Caiuá andando de bicicleta, jogando bola na quadra de esportes e no campo de futebol. A professora Margarida contou que todos os dias no final da tarde, após a volta do trabalho muitos adolescentes vem jogar futebol nas quadras.

Quadra de esportes Missão Evangélica Caiuá. Foto Edilson Gomes Costa

Lanche oferecido pela escola Francisco Meireles. FOTO: EDILSON GOMES COSTA

Ao término do delicioso lanche nos despedimos de todos e finalizamos assim mais um dia de nossas visitas.

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DIA 15 DE JULHO DE 2011 Por fim, no último dia de nosso intercâmbio, visitamos a Escola Municipal Indígena Ñandejara localizada na aldeia Te’ýikue no município de Caarapó-MS. Fomos recepcionados pelo diretor Lídio Cavanha Ramires, pelo professor Guarani Ricardo Otoniel eleito vereador no município de Caarapó, por lideranças da aldeia Te’ýikue e por alguns professores que deixaram seu dia de férias para estar conosco. Chegada e recepção de nossos professores. FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

Painel pintado na entrada da escola. Foto: ciomara s. Amorelli

Faixa pendurada na cerca da escola Ñandejara. Foto: edilson gomes costa.

Vista da Frente da Escola Ñandejara. FOTO: CARLOS CABREIRA

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A nossa reunião aconteceu em uma sala de professores com o diretor da escola tomando a palavra e iniciando nossa conversa com as apresentações e depois falou um pouco sobre a aldeia. “A Aldeia Te’ýikue está localizada na Rodovia MS 280, no km 15, no município de Caarapó-MS, cuja comunidade pertence à etnia Kaiowá e Guarani, todos falantes da língua materna. Ela foi demarcada em 1924 pelo SPI – Serviço de Proteção ao Índio, com uma extensão de 3.594 ha. Na época, moravam entre 40 a 50 famílias, totalizando aproximadamente 400 pessoas. Atualmente a Aldeia Te’ýikue agrega mais de 1000 famílias, totalizando mais de 5000 pessoas. Possui cinco escolas, quatro delas são municipais e uma é estadual, com quarenta e seis professores indígenas. Destes, nove com curso superior, dezessete cursando Licenciatura Intercultural Indígena – Teko Arandu na UFGD, quatro cursando a quarta turma do Projeto Ará Vera, quatro na espera de próxima turma do Projeto Ará Vera e outros na espera de próximo vestibular da Licenciatura Intercultural Indígena – Teko Arandu e um inspetor esco lar indígena.” Lidio Cavanha Ramires Diretor da escola Ñandejara

“Os professores e a direção da escola falaram sobre o Fórum Indígena que é um espaço de discussão e é realizado pela escola com a parceria de lideranças, prefeitura, políticos, comércio local da cidade, taxistas e algumas fazendas vizinhas da aldeia.” Paulo Karaí Tataendy Fernandes

Professores na roda de conversa. Foto: LILIANNY R. B. PASSOS

“O vereador Otoniel contou um pouco das lutas pela terra de Caarapó, que no começo foi tudo muito difícil, não tinha escola na aldeia, nem professor indígena. Hoje, já melhorou muito porque a comunidade indígena conseguiu eleger um vereador para brigar por ela no município.” João Joetavy Miri Alves “Segundo o vereador Otoniel Ricardo, os Fóruns Indígenas, que completaram sua décima quinta edição no ano de 2011, contam sempre com a presença dos moradores da aldeia, da comunidade escolar, de acadêmicos, diversas autoridades e políticos de âmbito estadual e municipal. Toda a comunidade é envolvida na preparação dos fóruns e eles servem para mostrar à sociedade que o povo Guarani tem organização e consegue conquistar seus objetivos graças aos debates promovidos nesses eventos.” Vanderson Lourenço

Coordenadora Renata Castelão e professores da escola. FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

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A coordenadora pedagógica Rosileide falou que a Escola Ñandejara vem buscando uma gestão compartilhada, tentando o envolvimento cada vez maior da escola, pais, professores (as) e comunidade. A coordenadora pedagógica Renata Castelão complementou que o planejamento é realizado quinzenalmente, que a prática da sala de aula é inspirada em Paulo Freire, através de Temas Geradores, e que os rezadores acompanham sempre as aulas. “Nesta escola, os professores fazem documentos e projetos para melhoramento da comunidade, da educação e da saúde. Todos trabalham e lutam para não perder a língua materna, ensinando a língua Guarani desde o pré até o nono ano. A comunidade é mais organizada porque eles têm um vereador indígena que é professor e também trabalha na Secretaria Municipal.” Paulo Karaí Tataendy Fernandes

Presente em nossa reunião estava também o professor Devanildo que é responsável pelo Ponto de Cultura da Escola Ñandejara onde é desenvolvido o projeto de Inclusão Digital, em parceria com o Ministério da Educação e Cultura e outros parceiros. Este projeto foi elaborado em 2006 com o objetivo do uso de tecnologias para defesa e visualização dos indígenas e envolve alunos do Ensino Médio que estudam na Escola. Os alunos têm atividades para desenvolver como: escrever sobre eventos da Escola, da comunidade, fatos ou acontecimentos importantes, temas das discussões dos fóruns, devendo tirar fotos e postar no site: www.tekoarandu.org.

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Professor Carlos conversando com o Diretor Lidio no espaco cultural Teko Arandu. FOTO: LILIANNY R. B. PASSOS

“Foi através de muita luta que conseguiram no município de Caarapó: a construção das escolas, os professores indígenas para atuarem nelas, cursos de atualização e tudo graças aos Fóruns que são realizados com muito apoio de toda a comunidade”. João Joetavy Miri Alves

A professora Renata Castelão relatou que, até 1997, havia muito mais discriminação com os indígenas de Caarapó. A comunidade não queria que fosse ensinada a língua indígena na Escola e foi necessário um intenso trabalho de conscientização através do conhecimento da legislação, dos direitos do uso da língua materna. As reprovações eram muito altas e quase não havia professores indígenas nas escolas. Os professores não indígenas que davam aula nas escolas indígenas vinham para escola como castigo. “Em 1998 começaram os Fóruns para discutir a Educação Escolar Indígena e, de 2000 para cá, conseguiram mais forca política, através do curso Ará Vera que abriu a mente dos professores indígenas para que se organizassem.” Carlos Cabreira

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“O curso Ára Vera de Magistério diferenciado foi conseguido após 10 anos de luta com o objetivo de formar professores indígenas e, dentro deste curso, começou-se a discutir a necessidade de um curso de Licenciatura Intercultural. Foi através da mobilização dos alunos do Magistério que o curso de Licenciatura forma professores para dar aulas não só de 1ª a 4ª série.” Vanderson Lourenço Momentos de aprendizado sobre a coleta e cultivo das sementes. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

Conversa sobre a pesquisa das sementes. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

“Um dos principais projetos desta escola é o reflorestamento. Existem, em torno da escola, viveiros com diversas mudas de plantas nativas. Além disso, foi construída uma casa de reza no pátio dessa escola para valorização da pratica de rituais sagrados Guarani-Kaiowá”. Tonico Benites

“Na minha aldeia, nós levamos os alunos semanalmente para a casa de reza e faz parte da aula ir até a casa de reza. Lá, os mais velhos conversam com eles, contam histórias antigas, dão conselho e ensinam muitas coisas. Os meus alunos gostam bastante de ir à casa de reza e de ouvir as histórias que os mais velhos contam. Gostam tanto, que até os alunos que são da etnia Kaingang vão junto porque gostam de ouvir os mais velhos.” Paulo Karaí Tataendy Fernandes

Professores conversando sobre o projeto. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

Vista do viveiro de mudas. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

O diretor Lídio relatou que a escola Ñandejara Pólo desenvolve atividades no viveiro de mudas como espaço de aquisição de conhecimentos em relação à educação ambiental, com os estudantes de pré ao 9º ano, e levou-nos para visitar o viveiro e trocar conhecimentos com as pessoas que estavam trabalhando ali.

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Ilustrações Paulo Karai Tatatendy Fernandes

“Na minha aldeia, temos bastante mato ainda e encontramos muitos animais: tatu ete’i, tatu pó ju, tatu ai, tatu ratã’i, jakupe, kuĩ, jaixa, akuxi, ta’y tetu, guaxu, xi’y, xivi.” Paulo Karai Tataendy Fernandes “Foi realizado um projeto de reflorestamento ao redor da Escola. Primeiro fizeram um levantamento das plantas nativas da região e, em parceria com o município, com a Universidade Católica Dom Bosco e com o Conselho Indigenista Missionário CIMI foi então construído um viveiro de mudas. A escola fez pesquisas de plantas e sementes nativas e realizou intercâmbios entre outras comunidades para conseguir e trocar mudas e sementes.” Carlos Cabreira

“Os professores e estudantes cuidam do meio ambiente buscando revitalizar as nascentes, as matas ciliares, as remanescentes florestais e recuperam onde já não tinha mais mata, as quais as famílias voltam a encontrar tatu galinha, inambu, os pássaros, macaco, cutia como região mbopéi.” Lidio Cavanha Ramires

Professor Carlos Cabreira com as mudas que ganhou. Foto: ciomara s. amorelli

“Na minha aldeia nós temos nosso coral e já gravamos um CD/DVD para divulgar e fortalecer nossa cultura. Apresentamos o CD/DVD para os colegas desta escola e recebemos bastante apoio para continuar nosso trabalho.” Vicente Ava Jegavyju Alves

Momentos de troca de conhecimentos sobre as plantas medicinais. FOTO: CIOMARA S. AMORELLI

A Escola Municipal Indígena Ñandejara atende os estudantes com atividades complementares como escolinha de esportes e aulas de violão, possui uma Orquestra Guarani composta por estudantes e professores indígenas e uma banda - Purahéi Rory.

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Professor da escola vendo o CD do professor Vicente. FOTO: EDILSON GOMES COSTA

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Ilustrações Paulo Karai Tatatendy Fernandes

A escola visitada desenvolve, também, projetos como semana de leitura com o encerramento em forma de seminário, semana do meio ambiente encerrada com gincana ecológica “seleção de lixo para reciclagem”. Soubemos que a economia local atualmente está centrada no trabalho em usinas de álcool e açúcar da região, trabalho temporário em algumas fazendas como “bóia-fria” em época de colheita de feijão e milho. A agricultura familiar se resume a poucas famílias, cuja prática, ao longo do tempo, vem perdendo força em decorrência de vários fatores, entre eles a degradação de solo e o número excessivo de população para pouca área. “A cultura tradicional da comunidade como, por exemplo, dança, reza, guachiré, cerimônia de milho branco, batismo de criança, confecção de artesanatos, em decorrência de vários fatores, vem se enfraquecendo. Atualmente, os professores indígenas vêm desenvolvendo na escola um trabalho de fortalecimento da cultura, da língua materna, a dança, a reza, o canto, e outras através de aulas de práticas culturais”. Lidio Cavanha Ramires

“A Escola Ñandejara possui calendário próprio e o projeto político pedagógico está em construção. Os artesanatos são ensinados na sala de aula pelos professores indígenas como pulseira, colar, brinco e outros artesanatos”. Vanderson Lourenço

“Uma comunidade capaz de lutar pela sustentabilidade e autonomia, através da força e união, resiste à opressão e aos desafios para fortalecer o espírito tradicional Guarani e Kaiowá, o modo de ser ñande reko tee.” Lidio Cavanha Ramires

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“Para a minha aldeia evoluir, temos lideranças que procuram organizar a nossa comunidade, planejar os espaços geográficos da aldeia para construir e plantar, como fortalecer a cultura, o ensino da língua da nossa etnia Guarani Nhandeva.” Teodoro Tupã Jeguavy Alves

Casa de reza dentro da escola. FOTO: EDILSON GOMES COSTA

“ Tem uma casa de reza dentro do terreno da Escola onde os alunos aprendem da cultura. Isto é muito importante!” Vicente Ava Jegavyju Vogado

Encerramos nossa visita muito contentes ao constatar os grandes avanços e conquistas que as comunidades de Caarapó têm conseguido. Saímos fortalecidos com a certeza de que a organização e a resistência do povo Guarani tem feito a diferença neste lugar.

Visita noite na casa de reza e viagem de volta

Na noite anterior à nossa partida, fomos convidados pela Dona Tereza para participar de um ritual na casa de reza e partilhar o kãguy ou chicha, uma bebida fermentada muito apreciada pelos indígenas e feita, nestas cerimônias, com o milho branco (mas também pode ser feita de mandioca, batata doce ou cana de açúcar) e preparada pelas mulheres. Essa bebida foi feita por elas durante todo o dia. O sabor era suave e adocicado, como um refresco. Todos nós participamos da cerimônia acompanhando os cantos entoados pelo ñanderu e repetidos pela comunidade, sempre acompanhados pelos mbaraka, confeccionado e usado por homens, e pelos takuapu usados pelas mulheres. Nos intervalos, serviam-se da chicha, inclusive as crianças. Ao final, com grande tristeza, despedimo-nos dos familiares e das novas amizades conquistadas. E após uma boa noite de descanso, retornamos ao nosso estado logo pela manhã. Viajamos durante todo o dia, somente parando para almoçar em Guaíra. Como na ida, nossos amigos professores foram desembarcando nas cidades próximas às suas comunidades: Cascavel, Laranjeiras do Sul e finalmente, Curitiba, onde aqueles que residiam em comunidades distantes pernoitaram para viajar na manhã seguinte. Esperamos que esse intercâmbio tenha contribuído e/ou despertado um processo de autoconhecimento, autoavaliação e conscientização dos educadores participantes – sejam daqui ou de lá - e que eles compartilhem esses aprendizados com suas comunidades. Quanto a nós, assim como eles, podemos afirmar que não seremos os mesmos depois dessa profunda e gratificante experiência. Curitiba, Julho de 2011.

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Formação escolar e processos próprios de ensino em comunidades Guarani Algumas reflexões

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Formação de professores Guarani no estado do Paraná no período de 2004 a 2011 – algumas reflexões Cristina Cremoneze1

Este texto trata-se não só de um registro, mas também de uma reflexão sobre o processo de Formação de Professores Guarani, territorializados no estado do Paraná, no período de 2004-2011. Tem como foco os aspectos históricos de implantação do Curso de Formação de Docentes Guarani: Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e = Conhecer Ensinar e do Curso de Formação de docentes para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental – Integrado Guarani. Aborda, também, o desenvolvimento dos cursos, a formação dos formadores, os avanços e desafios dos cursistas e dos assessores pedagógicos, tanto nas etapas intensivas quanto no trabalho pedagógico nas escolas indígenas.

1. Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e = Conhecer Ensinar (Protocolo Guarani) Com o objetivo de promover o desenvolvimento de programas educacionais e projetos de formação, extensão, pesquisas e estudos junto às comunidades indígenas, o Governo do Paraná, por meio da Secretaria de Estado da Educação (SEED) assinou Protocolo de Intenções (conhecido como Protocolo Guarani), com o Ministério da Educação (MEC), Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e Secretarias de Educação dos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Rio de Janeiro e Espírito Santo. A assinatura ocorreu durante reunião do Conselho Nacional de Secretários Estaduais de Educação (CONSED), em 26 de agosto de 2004. Dentre outras ações previstas no Protocolo Guarani, visando a escolarização e formação dos professores do referido povo, foi organizado e ofertado curso específico, denominado Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e = Conhecer Ensinar. Este curso, autorizado através do Parecer nº. 295/2002 do Conselho Estadual de Educação de Santa Catarina, atendeu às reivindicações das lideranças Guarani2 de propiciar a formação de seus professores e, ao

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(1) Professora de História da rede estadual de ensino do Paraná. Mestre em História pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). (2) Presentes no I Encontro de Educação Escolar Indígena da Região do Litoral Sul, realizado em Florianópolis, de 27 a 31 de agosto de 2001, conforme registro na proposta pedagógica do Programa de Formação para a Educação Escolar Guarani da Região Sul e Sudeste do Brasil Kuaa Mbo’e = Conhecer Ensinar (Protocolo Guarani), apresentada ao Conselho Estadual de Santa Catarina. (3) O regime de alternância contempla momentos em que os professores cursistas reúnem-se para aulas com docentes especialistas (indígenas e não indígenas) em suas disciplinas (etapas intensivas). A partir dos estudos desenvolvidos nas etapas intensivas, para cada uma das disciplinas, deverão desenvolver atividades em suas comunidades, as quais terão por objetivo a prática pedagógica relacionada a cada disciplina; etapas descentralizadas para discussão e orientação de seus trabalhos de conclusão de curso (TCC), realização da Prática de Formação (atividades desenvolvidas pelos cursistas nas escolas de suas comunidades) com o acompanhamento pedagógico dos técnicos pedagógicos da SEED/NREs. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani


mesmo tempo, respeitar a territorialidade, a mobilidade e o nhandereko (modo de ser) do povo Guarani. O formato do Programa de Formação, em etapas intensivas com aproximadamente 190 horas (25 a 30 dias) e com etapas descentralizadas de 40 horas, em regime de alternância3, atende a recomendação da Resolução CNE/CEB nº. 003/99, contida no parágrafo único do artigo 6º : “será garantida aos professores indígenas a sua formação em serviço e, quando for o caso, concomitantemente com a sua própria escolarização.” Tal contexto de interação escolar, cultural e intergeracional entre os cursistas (que em suas comunidades de origem, além de professores às vezes são Caciques, lideranças políticas ou religiosas), favoreceu intenso intercâmbio pedagógico entre eles, como destaca o professor Dionísio Rodrigues4: “ Nesse curso, conheci outros professores indígenas, alguns experientes que me ajudaram muito, transmitindo suas experiências. Tivemos também professores não – índios que foram importantes em cada etapa do curso, como o professor José Ribamar Bessa Freire5 e a professora Ruth Monserrat6, que nos chamaram atenção pelos conhecimentos que possuem da língua e da cultura Guarani.”7 Iniciada em 2003, a 1ª etapa foi realizada em Rodeio (SC), cinco etapas em Governador Celso Ramos (SC), duas em Faxinal do Céu (Pinhão/PR) e duas em São Francisco de Paula (RS). O Programa de Formação possui um total geral de 4000 horas, organizado em dez etapas intensivas (nas quais os setenta e cinco cursistas dos estados partícipes se reuniam para as aulas) e etapas descentralizadas nas Terras Indígenas onde residem. A configuração do Kuaa Mbo’e permitiu a continuidade e permanência do cursista ao se deslocar de uma terra indígena localizada no Rio de Janeiro para outra no Estado do Paraná ou vice-versa, por exemplo. O ingresso dos cursistas territorializados no Paraná ao Programa ocorreu em dois momentos (na segunda etapa, em 2004 e na terceira etapa, em 2005), considerando a distribuição e localização das comunidades Guarani no estado e as dificuldades de acesso, comunicação e logística naquele período. Desta forma, a SEED/PR comprometeuse em realizar a recuperação dos conteúdos e carga horária durante a vigência do Curso, no estado do Paraná. Atendendo à legislação indigenista e aos anseios do povo Guarani, a proposta do Curso, além da habilitação de professores Guarani, priorizou o incentivo à pesquisa, visando à autoria de materiais didáticos na língua materna e em português e a valorização da cultura Guarani, de conhecimento de outros grupos indígenas e da sociedade não indígena. Ao tornarem-se pesquisadores de sua própria cultura, alfabetizadores em sua língua materna e mediadores de um ensino bilíngue e intercultural, o processo educativo fundamenta-se na cultura Guarani e na melhoria de suas condições de vida, conforme se pode verificar na fala do cursista já formado pelo Programa de Formação Kuaa Mbo’e, Teodoro Tupã Jeguavy Alves8: “a ideia de chamar a comunidade para participar da elaboração de materiais pedagógicos representa o interesse e a expectativa dos mais (4) Professor da Escola Estadual Indígena Pindoty, situada na Ilha da Cotinga, município de Paranaguá-PR. (5) Docente da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Coordenador de Programas de Estudos dos povos indígenas, Pesquisador da História Social das Línguas: oralidade e escrita e autor de livros em diversos países. (6) Docente da Faculdade de Letras da UFRJ e pesquisadora de línguas indígenas no Museu Nacional. Participou como professora de linguística e de línguas indígenas em diferentes Programas de Formação de Professores e de Pessoal Técnico para a Educação Escolar Indígena (desde 1979). (7) PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Diversidade: Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang. Curitiba: MEMVAVMEN, p.15-16, 2010. (8) Professor da Escola Estadual Indígena Araju Porã, situada na Terra Indígena Itamarã, município de Diamante D’Oeste – PR. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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velhos, criando uma escola com princípios étnicos e culturais Guarani.”9 Durante as aulas ministradas pelo professor José Ribamar Bessa Freire, criou-se uma expressão, muito utilizada tanto pelos Guarani quanto pelos Juruás10 durante todo o curso: “a raiz e a antena”, que definem, sob o ponto de vista Guarani, a função do professor e da escola dentro da comunidade indígena. Os conhecimentos externos seriam captados pela “antena” (professor/escola) avaliados e discutidos com a comunidade interessada (“raiz”), ouvindo principalmente os aconselhamentos do Xamoĩ e da Xaryi (pessoas mais velhas, segundo expressão do professor Guarani Paulo Tataendy Fernandes). Segundo Bessa11, existem muitas diferenças entre as culturas orais e as culturas com predomínio da escrita. Contudo, ambas possuem uma memória institucionalizada. Uma não é melhor que a outra. Ao combinar as fontes orais dos conhecimentos dos Karai (sábios Guarani, que são livros vivos) com os documentos escritos que estão nos arquivos, os professores e pesquisadores Guarani propiciam a produção de conhecimentos interculturais, a partir da ótica Guarani. O fortalecimento da identidade profissional de professor/a Guarani também está presente no registro da professora Sebastiana Krexu Palacio12: “Quando entrei para o magistério Kuaa-Mbo’e, já sabia como planejar as aulas e ensinar as crianças. Melhorou a aprendizagem dos alunos e a minha também. Aprendi a importância de ensinar as crianças a partir da sua realidade e não do jeito que os não-índios aprendem. Lá no curso, aprendi a respeitar os mais velhos, e entender melhor a cultura guarani, para respeitar a casa de reza e ser respeitada como profissional.”13 Dentre os avanços e desafios observados durante o desenvolvimento do curso, merece destaque a preocupação com o ensino da e na língua utilizada oralmente pelas crianças que frequentam a escola, segundo define o professor João Joetavy Miri Alves14, reforçando a orientação pedagógica contida no RCNEI15 “a língua indígena deverá ser língua de instrução oral do currículo. “Língua de instrução” é a língua em que os professores e os alunos discutem matemática, geografia, história, etc. Esse procedimento permite que os alunos que têm pouco domínio do português possam aprender melhor e mais rapidamente os novos conhecimentos de fora, necessários devido ao contato com os não indígenas.” A iniciativa das instituições governamentais, no campo das políticas públicas educacionais, de reconhecer e acolher os princípios da territorialidade e temporalidade indígenas, também possibilitou para o corpo docente e equipe técnica-administrativa do Programa de Formação Kuaa Mbo’e, a realização de reuniões e cursos semestrais com o objetivo de discutir e aprofundar questões pertinentes à Educação Escolar Indígena e das especificidades da cultura Guarani, contando com a assessoria de pesquisadores reconhecidos sobre a temática, como Charlotte Emmerich16, Bartolomeo Meliá17, Maria (9) PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Diversidade: Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang. Curitiba: MEMVAVMEN, p.58, 2010. (10) Denominação atribuída aos não índios, pelos Guarani. (11) PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Educação Escolar Indígena. Curitiba: SEED, p. 41, 2008, 2ª reimpressão. (12) Professora da Escola Estadual Indígena Arandu Pyahu, situada na Terra Indígena Marrecas, Aldeia Ko’ẽ ju Porã, município de Turvo – PR (13) Depoimento oral proferido durante o evento: III Atualização de Professores Guarani e Kaingang, ocorrido em Curitiba, no período de 23 a 27 de maio de 2011. (14) Professor da Escola Estadual Indígena Kuaa Mbo’e, situada na Terra Indígena Tekoha Añetete, município de Diamante D’ Oeste – PR. Cabe registrar que a criação desta escola, em 21 de fevereiro de 2006, foi uma homenagem da comunidade ao Curso. (15) Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. MEC/SEF: Brasília, 1998. p.119-120. (16) Docente do Setor de Lingüística do Museu Nacional do Rio de Janeiro.

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Inês Ladeira18, e de lideranças Guarani das comunidades envolvidas. Aos técnicos das Secretarias Estaduais de Educação (e municipal, no caso do Espírito Santo) e regionais da FUNAI, coube o assessoramento e acompanhamento sistemático dos cursistas nas Terras Indígenas sob sua jurisdição, na realização das atividades não presenciais, estágio supervisionado e dos projetos de pesquisa, cujos temas e objetos, após consultas às suas comunidades e lideranças, consideraram conhecimentos que possam ser trabalhados com as crianças e que se relacionam às suas necessidades cotidianas e à escola, articulando etnosaberes com a “ciência Juruá” (como os cursistas Guarani denominaram os conhecimentos não indígenas).

1.2 Formação de docentes para a educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental (Integrado Guarani) Paralelamente ao ingresso de cursistas Guarani na terceira etapa do Programa de Formação Kuaa Mbo’e, em março de 2005, constituiu-se uma Comissão de Trabalho na SEED, por meio da Resolução Secretarial n.º 802/2005, com representação interdepartamental. A partir da “escuta” e aprovação das populações indígenas, foram elaboradas propostas para cursos de formação de professores Guarani e Kaingang, territorializados no Paraná e a serem realizados em território paranaense. Uma das maiores preocupações, observadas nas consultas realizadas nas comunidades indígenas (out/2004 – mar/2005), era com a formação dos professores indígenas que possuíam diferentes níveis de escolaridade e formação. A docência nas escolas indígenas era realizada em sua grande maioria por professores indígenas leigos e não indígenas. Com relação aos professores Guarani que atuavam nas escolas19 nesse período (out/04 – mar/05), a escolaridade encontrava-se nos seguintes níveis: 06 (seis) possuíam ensino fundamental incompleto, 02 (duas) ensino fundamental completo, 04 (quatro) ensino médio incompleto, 03 (três) ensino médio completo e 01 (uma) cursando ensino superior, totalizando 16 (dezesseis) professores. Note-se que dentre aqueles que possuíam ensino médio, nenhum cursou formação de docentes. Assim sendo, no decorrer dos trabalhos da Comissão, constatou-se a necessidade de elaborar duas propostas curriculares20, ambas em regime de alternância: uma para contemplar egressos do Ensino Médio (carga horária total de 1800 hora/relógio) e outra para egressos do Ensino Fundamental (carga horária total de 4270 hora/relógio), constituindo objetivos comuns de ambas as propostas21, a habilitação de professores Kaingang e Guarani, para atuarem na Educação Infantil e nos anos iniciais do Ensino Fundamental e formação para que se tornem pesquisadores de sua própria cultura, alfabetizadores em sua língua materna e mediadores de um processo de ensino e aprendizagem bilíngue e intercultural. (17) Docente da Universidade Federal da Grande Dourados, no Mato Grosso do Sul e no Instituto Superior de Estudios Humanísticos y Filosóficos, Paraguay. (18) Membro do Centro de Trabalho Indigenista. (19) Neste período, dez escolas atendiam 450 alunos Guarani, duas estavam em processo de regularização e oito escolas sob dependência municipal. Atualmente (set/11), todas as 36 escolas indígenas são estaduais. Foram criadas e regularizadas mais sete escolas Guarani e outras cinco estão em processo de criação. Segundo dados do INEP/2010, estão matriculados 885 alunos Guarani nas 17 escolas Guarani. (20) Na elaboração das propostas, consideraram-se as consultas às comunidades indígenas, a legislação referente à temática, a Proposta Curricular do Curso de Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, em Nível Médio, na modalidade Normal, as especificidades da educação escolar indígena e orientações do MEC. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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Através das ações articuladas entre SEED e Colégio Estadual Visconde de Guarapuava22, no primeiro semestre de 2008, em Faxinal do Céu, município de Pinhão, iniciaram as aulas da primeira turma de Formação de Docentes Guarani, com vinte e cinco cursistas. Para ingresso, os candidatos deveriam atender, dentre outros, os seguintes critérios23: ser professor leigo (prioritariamente); ser Guarani; falante da Língua Guarani (prioritariamente); comprovar residência na Terra Indígena e responder à entrevista, realizada em conjunto com a comunidade e coordenação pedagógica do curso, para identificar o perfil do candidato. Das treze etapas intensivas previstas, nove já foram realizadas. Está em andamento a décima etapa, e as três últimas estão previstas para conclusão até julho de 2012. Atividades de pesquisa na comunidade (Trabalho de Conclusão de Curso), estágio profissional supervisionado curricularesemináriosdescentralizadostambémconstituemparteobrigatóriadoCurso. Os Coordenadores da Educação Escolar Indígena dos Núcleos Regionais de Educação, além da participação constante e necessária nas etapas intensivas, também realizam acompanhamento pedagógico dos cursistas nas Terras Indígenas, em articulação e com o apoio dos Caciques e Lideranças Indígenas, Coordenação Pedagógica do Curso, Direção e Equipe Pedagógica das escolas em que os cursistas/professores atuam, garantindo o cumprimento integral da proposta curricular. Assim como no Programa de Formação Kuaa Mbo’e, o Curso de Formação de Docentes Guarani também buscou, por meio de seu corpo docente e técnico, articular a iniciativa de “neo-cativos” à essa modalidade de ensino com a experiência e conhecimentos de reconhecidos pesquisadores que atuam com formação de professores indígenas, como a professora Marineuza Gazzetta, professor Germano B. Afonso, professora Márcia Damaso, dentre outros. Essa rica composição, tanto de formadores quanto de cursistas, permitiu a realização de mais uma experiência pedagógica intercultural, que está em prosseguimento, fomentando a ampliação e fortalecimento da educação escolar indígena no estado do Paraná. Além da ampliação da escolarização dos professores Guarani, de 2005 a 2011, houve crescimento no número de contratações desses profissionais24 para atender a significativa ampliação de matrículas nas escolas Guarani, pois o número de alunos dobrou (de 450, foi para 885 matrículas). É importante registrar que junto à ampliação da escolaridade dos alunos/professores Guarani, ampliou-se também os níveis de ensino nas escolas Guarani, com a melhoria da infraestrutura (ampliação e construção de novas unidades escolares). Se em 2005 as escolas Guarani somente ofertavam 1ª a 4ª série, em 2011, oito ofertam também 5ª a 8ª séries e duas também ofertam Ensino Médio. A alfabetização de jovens, adultos e idosos tam(21) Parecer Nº 100/06 Conselho Estadual do Paraná – Autorização dos Cursos de Formação de Docentes da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental na Modalidade Normal Bilíngue Kaingang/Guarani – Integrado (4 anos) e Normal Kaingang - Aproveitamento de Estudos (2 anos). O reconhecimento do curso ocorreu por meio do Parecer n°. 050/11, Resolução n°.653/11. (22) O Colégio Estadual Visconde de Guarapuava está situado no município de Guarapuava e é responsável pelas matrículas dos cursistas, certificação do Curso, cedência de professores da maioria das disciplinas e coordenação pedagógica. As disciplinas de Língua Kaingang; Alfabetização Bilíngue Indígena; Política Indigenista e Política Indígena; História e Organização Social Kaingang são ministradas por docentes convidados. (23) Conforme Instruções da SUED nº. 016/2006; nº. 006/07 e nº. 007/08. (24) Em 2005, eram dezesseis professores; em 2011, são sessenta e cinco.

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bém merece destaque, considerando que vários dos professores Guarani em formação contribuíram para o ingresso ao mundo escolar de vários membros da comunidade, convencendo-os a compartilhar desses conhecimentos dos Juruás. É relevante destacar aqui o depoimento do cursista/professor Oséias Poty Miri Florentino25: “Quando comecei a trabalhar tinha muita dificuldade por não ter conhecimentos adequados para passar aos alunos. (...) Graças aos cursos de formação de professores que são organizados, fui adquirindo mais conhecimentos que me ajudaram a trabalhar dentro da sala de aula.”26 Observador, Oséias percebeu desde o início de seus trabalhos nas escolas por onde passou, a forma, o conteúdo e o planejamento dos professores Juruás. Ao longo do tempo, percebeu também que outros professores bilíngues iniciantes também tinham dificuldades para preparar materiais e aulas para os alunos. Com a experiência e a formação em serviço, “me preocupei e tenho ajudado a desenvolver materiais de apoio para estes professores, mas sempre deixando que o professor tenha a sua criatividade.”27 A preocupação do professor/cursista Oséias corresponde a um dos objetivos das propostas de formação de professores indígenas, a de propiciar elaboração de materiais pedagógicos de autoria indígena, contemplando as necessidades sociolinguísticas e pedagógicas das escolas situadas em Terras Indígenas. Neste sentido, Oséias é um dos autores colaboradores do Caderno Temático intitulado Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang28 e dos três livros de Alfabetização Guarani29, contemplando as variações linguísticas Mby’a, Nhandeva e Avá. Percebeu-se durante o processo de produção de material (que uniu cursistas Guarani dos dois programas de formação) e decorrer das etapas intensivas, a necessidade de aprofundar e intensificar a formação dos profissionais que atendem crianças pequenas, na faixa dos 05 aos 07 anos, que corresponderia à Educação Infantil, 1º e 2º ano do Ensino Fundamental, devido às especificidades não só pedagógicas, mas sociolinguísticas. Na grande maioria das escolas Guarani, a língua falada na comunidade, pelos pais das crianças e pelas próprias crianças é a língua Guarani. Mesmo mantendo contato esporádico com a língua portuguesa, pela televisão, visitantes, profissionais da educação e de diversas outras áreas, o grande estreitamento com essa nova língua ocorrerá inevitavelmente quando essa criança ingressar formalmente na escola. Outra discussão oportuna é a da matriz curricular das escolas indígenas. É inconcebível, à luz da legislação indigenista (tão vasta!) que ainda se discuta (pelos Juruás) a inserção de línguas indígenas na matriz curricular e a atuação de professor indígena nos primeiros anos do Ensino Fundamental: “Não são só os alunos Guarani que têm problema de comunicação com as professoras Juruá, mas elas também têm os mesmos problemas para se comunicar com os alunos porque não (25) Professor da Escola Estadual Indígena Verá Tupã, situada na Terra Indígena Mangueirinha, aldeia Palmeirinha, município de Chopinzinho/PR. (26) PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Diversidade: Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang. Curitiba: MEMVAVMEN, p.31, 2010. (27) Idem. (28) Publicação contendo textos de autoria indígena, escritos em Língua Portuguesa, Guarani e Kaingang e que apresentam as trajetórias de 14 professores Guarani e Kaingang na educação escolar. Impresso no final de 2010, será distribuído à todas as escolas da rede estadual do Paraná. (29) Em fase de impressão, será distribuído à todas as escolas Guarani do Paraná. São cadernos de livro texto e livro de atividades para todos os alunos Guarani. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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sabem falar a língua Guarani. Isso dificulta o desenvolvimento da aprendizagem.”30 É direito fundamental da criança indígena ser alfabetizada em sua língua materna, inclusive por meio de processos de aprendizagem próprios de seu povo: “o ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.”31 Discutiu-se, também, o conceito (ou os conceitos) de processos próprios de aprendizagem da criança Guarani: “Para nós, Guarani, a escola e a casa de reza são importantes. Nós aprendemos nestes dois lugares. Mesmo aprendendo conhecimento dos não-índios, não podemos deixar de valorizar o conselho do Xamoĩ.” 32 A professora Jacira Jera Fernandes33 também tem essa mesma compreensão: “Eu sempre levo meus alunos na casa de reza todas as sextas-feiras. Vale como uma aula porque eles sentam todos no banco, depois levantam para cantar, depois o rezador dá conselhos para eles. Os alunos também fazem perguntas para o rezador. O rezador fala sobre o respeito aos mais velhos, à cultura, à casa de reza, aos professores, ao pai e à mãe, às lideranças e aos não-índios.” Também faz parte do processo de aprendizagem da criança Guarani, a participação nas atividades consideradas importantes no calendário de cada comunidade, como descreve o professor Dionísio Rodrigues: “no calendário da minha escola está prevista a participação das crianças na colheita do milho, porque elas aprendem muitas coisas junto com os pais e com os parentes (...). As crianças observam os pais, os professores e os mais velhos para aprender com todos eles, por isso é importante agir corretamente, para elas não aprenderem coisas erradas.” 34

(30) Constatação do cursista/professor Oséias Poty Miri Florentino Oséias Poty Miri Florentino, in: PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Diversidade: Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang. Curitiba: MEMVAVMEN, p.34, 2010. (31) Art. 210, § 2º. , Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. Também recomendado na seguinte legislação: - Lei de Diretrizes e Bases da Educação - 1996: Art. 32, § 3º O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Portaria Interministerial MJ e MEC Nº. 559/91: Art. 1º. Garantir às comunidades indígenas uma educação escolar básica de qualidade, laica e diferenciada, que respeite e fortaleça seus costumes, tradições, língua, processos próprios de aprendizagem e reconheça suas organizações sociais. Resolução CNE/CEB Nº. 003/99: Art. 2º. item III “ o ensino ministrado nas línguas maternas das comunidades atendidas, como uma das formas de preservação da realizada sociolingüística de cada povo. Resolução SEED/GS Nº. 2075/2008: Art. 5º. Constituem objetivos da Escola Estadual Indígena: I. garantir a sistematização e valorização dos conhecimentos, costumes, línguas e tradições indígenas; III. proporcionar ensino intercultural e bilíngüe que valorize as línguas, a cultura indígena e a afirmação da identidade étnica. (32) Afirmação do professor Paulo Karai Tataendy Fernandes, in: PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Diversidade: Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang. Curitiba: MEMVAVMEN, p.45, 2010. (33) Professora da Escola Estadual Indígena Arandu Miri, situada na Terra Indígena Rio D’ Areia, município de Inácio Martins/PR. (34) In: PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Diversidade: Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang. Curitiba: MEMVAVMEN, p.18-19, 2010.

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Considerações finais Note-se que os registros dos professores Guarani utilizados neste artigo referem-se também às experiências vividas antes de seus ingressos aos Cursos de Formação de Professores. Dionísio, Teodoro, Sebastiana, João, Paulo, Jacira e Oséias já assumiam docências em suas Terras Indígenas antes de acessar formação própria para tal. Após anos de trabalho conjunto (formadores, cursistas/professores, Caciques, Lideranças) pode-se afirmar que as dificuldades foram várias e compartilhadas por todos aqueles que estiveram juntos ao longo dos cursos de formação e que apesar de algumas conquistas e avanços, muitos são os desafios que persistem no dia a dia da educação escolar indígena. Dentre os desafios, podemos citar a implantação de Licenciatura Intercultural no Estado do Paraná, para a continuidade dessa formação no ensino superior; outro desafio é o concurso específico para profissionais indígenas nas escolas indígenas, garantindo estabilidade e carreira no magistério indígena. Como atribuição do Estado, as ações e políticas públicas educacionais devem voltar-se ao respeito, valorização e, sobretudo, ao fortalecimento dos costumes, da diversidade sociocultural e linguística, dos processos próprios de aprendizagem e das organizações sociais específicas dos povos indígenas. Neste sentido, a formação específica de professores indígenas tem seu reflexo na formulação e execução dos projetos políticos pedagógicos das escolas indígenas, articulando conhecimentos das sociedades indígenas com os conhecimentos da sociedade não indígena, promovendo atividades e reflexões relevantes que fortalecem não somente as práticas pedagógicas interculturais, mas os direitos indígenas, cidadãos brasileiros do século XXI.

REFERÊNCIAS - Constituição da República Federativa do Brasil, 1988. - Lei de Diretrizes e Bases da Educação – 1996 - PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Diversidade: Experiências pedagógicas de professores Guarani e Kaingang. Curitiba: MEMVAVMEN - PARANÁ, Secretaria de Estado da Educação. Cadernos Temáticos da Educação Escolar Indígena. Curitiba: SEED, p. 41, 2008, 2ª reimpressão. - Parecer Nº 100/06 Conselho Estadual do Paraná - Parecer n°. 050/11, Resolução n°.653/11. - Portaria Interministerial MJ e MEC Nº. 559/91 - Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas. MEC/SEF: Brasília, 1998. - Resolução CNE/CEB Nº. 003/99 - Resolução SEED/GS Nº. 2075/2008 Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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Os Processos Próprios De Ensino Em Comunidades Indígenas De Língua Guarani: Uma abordagem antropológica da inserção das crianças no ambiente da família e no universo dos parentes1 Levi Marques Pereira2

Este artigo discute a inserção da criança no ambiente da família e os processos que asseguram o pertencimento ao círculo dos parentes mais próximos. O esforço é demonstrar como os processos educacionais, desenvolvidos na convivência com pessoas relacionadas por parentesco ou por aliança política, são fundamentais para a reprodução social desses grupos étnicos. Isso porque a convivência no círculo dos parentes favorece a realização de determinadas práticas culturais e, consequentemente, a atualização de conhecimentos relacionados a essas práticas. As crianças participam ativamente da maior parte das atividades que envolvem sua família e seu grupo de parentes, se posicionam, assumem responsabilidades e, assim, aprendem as regras de convivência entre parentes. É basicamente na convivência com os parentes que a criança constrói os vínculos de pertencimento comunitário e o sentimento de inclusão em seu grupo étnico. As práticas sociais desenvolvidas na convivência interna da família e da parentela se apresentam como solidárias à formação social das etnias Guarani, ou seja, se inserem no sistema propriamente indígena, ou ava reko. A construção do sentimento de pertencimento étnico ao ava reko acontece desde a primeira infância, e requer que membros de cada parentela se pensem enquanto pessoas distintas dos não indígenas, os quais praticam o karai reko, ou juru’a reko, forma como denominam o sistema nacional não indígena. Da mesma forma, permite que as parentelas se distingam entre si. As reflexões aqui apresentadas foram construídas a partir da minha experiência de pesquisa e convivência com duas etnias de língua Guarani que vivem em MS. Empenho-me em situar o modo como as crianças são integradas ao fogo familiar, módulo organizacional que, grosso modo, corresponde à família nuclear. A reflexão aqui proposta procura ser sensível não apenas ao modelo de organização social, segundo o qual as comunidades étnicas Guarani tradicionalmente concebem as suas instituições, mas também às profundas modificações históricas produzidas pelo contato, pelo recolhimento desta população nas atuais reservas e pelos processos de degradação da paisagem natural, cada vez mais intensos.

1. Situando As Etnias De Língua Guarani Em Mato Grosso Do Sul (Ms) Os estudos etnográficos, etno-históricos e linguísticos costumam utilizar o ter(1) O presente texto incorpora dados parciais de pesquisas anteriores e de projetos de pesquisa em andamento, que contam com apoio do CNPq e da FUNDECT. (2) Antropólogo, professor da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD).

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mo Guarani, como denominação geral para todos os grupos étnicos falantes dessa língua, em suas diversas variações dialetais. O critério não é étnico, ou seja, não expressa o etnônimo utilizado por cada uma dessas etnias, nem reconhece o sentimento de pertencimento exclusivo aí implicado. Em Mato Grosso do Sul, onde vivem e convivem dois desses grupos, um deles se autodenomina Guarani, mas é classificado como Ñandéva pela maioria dos estudiosos. O segundo grupo utiliza a denominação Kaiowá, também utilizada pelos pesquisadores. Por conta da diferenciação no cenário multiétnico local, os Kaiowá não se reconhecem e nem aceitam ser identificados como Guarani, contra a insistência dos pesquisadores e outros agentes indigenistas. Isto gera bastante confusão no modo como se referir a essas etnias, pois a maioria das pessoas classificadas pelos estudiosos como Ñandéva, insiste em ser reconhecida como Guarani, enquanto, por outro lado, os Kaiowá recusam o rótulo geral de Guarani, sob o qual são muitas vezes englobados3. O modo como se referir às etnias de língua Guarani mereceria uma convenção entre os estudiosos e instituições indigenistas. Numa convenção desse tipo, seria fundamental que as comunidades tivessem destacado protagonismo na eleição de tais nomes. Tal atitude interromperia a prática colonialista de atribuir nomes às diversas populações pré-coloniais. O uso das denominações fica ainda mais complexo quando se considera o uso de termos diferentes para comunidades da mesma etnia, por conta de estarem radicadas em distintos estados brasileiros ou em países vizinhos. É possível considerar que, para além da proximidade linguística, as diversas etnias de língua Guarani compartilham significativos elementos históricos e apresentam similaridades no plano da organização social e da cosmologia, mas isto nem sempre autoriza a tratá-las como homogêneas. Para os objetivos do presente artigo, trato conjuntamente processos próprios de ensino em comunidades Kaiowá e Guarani (ñandeva) de MS. Atualmente os Kaiowá e Guarani no MS vivem em reservas demarcadas, em áreas ocupadas (onde aguardam a regularização fundiária), em acampamentos temporários em margens de rodovia e em periferias de cidades. Nesses espaços, desenvolvem atitudes críticas e reflexivas em relação à própria tradição, procurando novos sentidos e explicações para situações históricas inteiramente novas. A situação atual, marcada pela expropriação do território de ocupação tradicional, promove a realocação de posições de status, prestígio e poder, interferindo diretamente nos cuidados com as crianças e nos processos de construção e transmissão dos conhecimentos considerados como necessários à vida social em suas comunidades.

2. Esboço Das Relações Que Circunscrevem A Existência Da Criança No Microcosmo Da Organização Social As famílias nucleares Kaiowá e Guarani vivem organizadas em parentelas e se associam por intenso intercâmbio de bens e serviços. A conduta econômica combina a existência de pequenos círculos de parentes próximos, entre as quais existe um alto grau de solidariedade, com módulos de relação mais abrangentes, situados no âmbito da parentela e da rede de alianças entre parentelas, que formam a comunidade. Na parentela e na comunidade, a solidariedade tende a ser mais difusa, só se (3) A insistência dos dois grupos étnicos de língua Guarani em se diferenciarem já foi notada por Schaden ([1962] 1974: 16, nota 13), em suas pesquisas realizadas na década de 1940/50. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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expressando nos momentos de realização de certos rituais ou ajuntamentos políticos. Quanto às relações cotidianas entre módulos não-relacionados, são marcadas por sentimentos de rivalidade e disputas. O presente artigo está centrado na apresentação dos círculos de convivência mais restritos, nos quais as formas de cooperação, cuidados com as crianças e transmissão de conhecimentos, são mais evidentes. Che ypyky kuéra4 ou che rata ypýpe é como costumam se referir ao grupo de parentes próximos, reunidos em torno de um fogo culinário, onde são preparadas as refeições consumidas pelos integrantes desse grupo de corresidência. Numa primeira acepção, ypy significa “proximidade”, “estar ao lado”, ressaltando o fato da convivência íntima e continuada. O termo pode significar ainda “princípio” ou “origem”. Assim, a expressão che ypyky kuéra retém os dois sentidos do termo ypy, referindo-se aos ascendentes diretos, com os quais se compartilham os alimentos, a residência e os afazeres do dia-a-dia, e denota também: proximidade, intimidade e fraternidade, ponto focal da descendência e da ascendência. É uma instituição próxima daquela descrita pelos antropólogos, como família nuclear; mas é necessário apreendê-la dentro do campo problemático das instituições sociais das etnias aqui tratadas, dando especial atenção para sua composição e operacionalidade. Por esse motivo, é preferível traduzi-la como “fogo familiar”, já que enfoca a comensalidade, metaforicamente representada na força atrativa do calor do fogo, como evidencia a expressão che rata ypýpe, referência direta ao fogo que aquece as pessoas em sua convivência íntima e contínua. Em certo sentido, é uma noção próxima à ideia ocidental de lar, cuja origem linguística remete à lareira, enfatizando a força atrativa e protetora do fogo. Entre os membros do fogo familiar, deve prevalecer o sentimento de proteção e cuidados recíprocos. O fogo é o módulo organizacional mínimo no interior da parentela. O pertencimento a um fogo é pré-condição para a existência humana. O fogo prepara os alimentos, protege contra o frio e, em torno dele, as pessoas se reúnem para tomar mate ao amanhecer e ao anoitecer. É impensável a condição de saúde física e mental fora da sociabilidade livre e descontraída que deve ocorrer no círculo de parentes próximos. A imagem do fogo é marcada pela amabilidade, as pessoas devem se sentir confortáveis e à vontade umas com as outras. Quando isto não ocorre, o casal se separa e o fogo se dissolve. O fogo familiar reúne idealmente um homem, seus filhos e filhas solteiros e sua esposa (ou suas esposas, nos poucos casos de poligamia). Empiricamente, este modelo se complexifica através da existência de significativas variações. É comum encontrar parentes consanguíneos do esposo, ou da esposa, agregados ao fogo, ou ainda guachos (filhos adotivos), que podem ou não ser parentes. O guacho5 é sempre um solteiro, órfão ou filho de casais separados. (4) A língua Guarani obriga a colocar um pronome, como che (meu, minha), ou nde (teu, tua) antes da expressão, quando se quer referir ao fogo familiar, pois, sem o pronome, a expressão significa “antepassados”. Uma tradução aproximada de che ypyky kuera, seria: “meus ascendentes diretos”, mas comunica a idéia de um grupo de pessoas, com laços de sangue com um casal e, portanto, focado em um laço de conjugalidade. (5) Desenvolvo a instituição da adoção no artigo “No mundo dos parentes: a socialização das crianças adotadas entre os Kaiowá”. In: Crianças Indígenas: ensaios antropológicos. LOPES DA SILVA, Aracy; NUNES, Angela; MACEDO, Ana Vera Lopes da Silva (organizadoras). São Paulo: Global. 2002.

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Na composição do fogo interfere ainda a aplicação da regra de uxorilocalidade temporária, quando o genro vem residir com o sogro; nesse caso, é comum a mãe e a filha dividirem um único fogo culinário. Assim, teríamos um fogo familiar reunindo mais de uma relação de conjugalidade. Acontece ainda, de casais de velhos, cujos filhos estão todos casados, adotarem netos ou sobrinhos como corresidentes: “é para ajudar os velhos”, justificaram meus interlocutores. Das variações, quanto à composição acima enunciadas, infere-se que o fogo familiar reúne pessoas ligadas por três tipos de relações parentais: a) aliança, pelo laço de conjugalidade, que une marido e esposa; b) descendência, pelo laço que une pais e filhos e; c) uma relação de “pseudoparentesco”, através da instituição da adoção de crianças, presente na maioria dos fogos familiares e, quase necessária, no fogo dos líderes políticos e religiosos. Com a instituição da aposentadoria rural, muitos casais de velhos passaram a receber soldo permanente, o que lhes permite assumir os cuidados com a manutenção dos netos, oriundos dos casamentos desfeitos de seus filhos. Dessa forma, os avôs aposentados, passaram a dispor de mais condições para cuidar dos netos, já que dispõem de rendimento mensal para comprar alimentos e outras despesas das crianças. Viver com os avôs é sempre uma ótima oportunidade de acessar conhecimentos muito valorizados e úteis para o exercício de atribuições políticas e religiosas, sendo comum ouvir dos líderes expressões como: “eu sei disto porque fui criado pelos meus avôs”. A despeito dos problemas atuais, colocados pela desterritorialização, situação de dependência econômica e pelos novos estilos de conduta, os fogos familiares continuam existindo e mantendo suas funções, em especial no que se refere à educação das crianças. Por sua vez, as parentelas, principalmente aquelas que se encontram mais dispersas e desterritorializadas, encontram dificuldades em desempenhar plenamente as atribuições econômicas, políticas, festivas e rituais. Nem sempre as pessoas podem contar com um casal de articuladores da parentela presente e atuante na resolução dos problemas cotidianos. Isto leva as pessoas a dependerem cada vez mais dos membros do seu fogo ou do pequeno círculo de parentes que moram próximos. Sem poder contar sempre com o apoio da parentela, aumenta a importância e dependência do fogo. Com grande importância na organização social, o fogo familiar era e continua sendo controlado por mulheres, o que lhes assegura o poder de unir e alimentar seus integrantes. O aumento da importância do fogo interferiu diretamente na disposição de status e prestígio entre homem e mulher, ou como me explicou certo interlocutor, “sem mulher não há fogo”. Nas últimas décadas, várias atribuições associadas a cada um dos sexos foram realocadas e ressignificadas. Tal transformação acompanhou a tendência de perda de importância econômica e social de atividades como caça, coleta e agricultura, importantes lócus de transmissão de conhecimentos tradicionais entre as gerações. Entretanto, surgiram novos espaços sócio-econômicos, como o trabalho assalariado, dentro e fora das reservas, o acesso à educação escolar, a frequência aos cultos evangélicos, etc., que passaram a assumir importância crescente, na dinâmica de organização dos fogos familiares e na transmissão de conhecimentos. As transformações colocaram em cheque várias referências tradicionalmente consolidadas para a composição dos fogos. Ao mesmo tempo, surgiram novos campos de experimentação, com amplo leque de variações empíricas na maneira dos fogos se organizarem. Derivam daí, Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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inúmeros contextos de socialização e produção de conhecimentos novos. Os cuidados com as crianças pequenas, mais ou menos até seis anos, até a algumas décadas atrás, era atribuição da mãe biológica ou adotiva, sempre contando com a cooperação dos irmãos biológicos ou dos guachos mais velhos. Tal obrigação de cuidados é compartilhada apenas com os integrantes dos fogos familiares mais próximos, no interior da parentela, sendo que, dificilmente, a criança até a faixa dos dez anos pode circular fora de sua parentela. Entretanto, na situação atual, instituições como a escola, passaram a assumir grande parte das responsabilidades com as crianças, através de diversos programas educativos ou assistenciais. É comum os pais solicitarem dos professores auxílio na educação e orientação das crianças, mesmo em questões que normalmente não são atribuições dos educadores da rede escolar, como nas questões de tratamento médico, ou problemas de convivência no interior da própria família. Parece não haver uma compreensão exata da dimensão das responsabilidades do professor ou agente de saúde indígena e, em muitos casos, os pais que se separam ou passam por problemas conjugais, entendem que a escola ou o sistema de saúde têm obrigação de assumir os cuidados com seus filhos. Isto pode gerar sérias dificuldades para os professores e agentes de saúde indígenas. A criação de creches tem sido uma reivindicação crescente, principalmente dos pais que encontram dificuldades em cuidar e manter o controle sobre os filhos, mas recebe críticas dos líderes de parentela, que veem nisso uma ameaça a perda do controle sobre a transmissão de conhecimentos étnicos. Em linhas gerais, pode-se dizer que a intensificação da ação das políticas públicas nas áreas de educação, saúde e assistência social, não apenas realoca a configuração do fogo familiar e da parentela, mas parece criar um ambiente novo, no qual os Kaiowá e Guarani cada vez menos controlam sua própria sociedade. É possível afirmar que as parentelas atuais enfrentam um dilema organizacional que se reflete numa espécie de mal-estar social, principalmente nas reservas mais povoadas, como Dourados e Amambai. Isto se expressa em problemas sociais, como altos índices de violência, delinquência, consumo de bebidas alcoólicas, etc., que afetam principalmente a população jovem. No modelo de organização social identificado por meus interlocutores como tradicional, o casal de articuladores da parentela detém a prerrogativa de interferir, de maneira bastante significativa, na vida do fogo familiar. Nas condições atuais das famílias residentes na reserva ou fora dela, o casal de articuladores percebe a diminuição de sua capacidade de intervenção na dinâmica de constituição e relações entre os fogos. Muitos articuladores costumam expressar grande descontentamento com a situação atual, ressaltando com saudosismo o tempo antigo, quando suas opiniões seriam ouvidas e a parentela se apresentava de modo mais unido e coeso. A maior parte dos fogos familiares reivindica o lugar de sujeito direto de suas próprias escolhas, contando cada vez menos com a proteção da parentela. Na situação histórica atual, a maioria dos articuladores de parentela acaba por restringir sua atuação a momentos cruciais da vida das pessoas, como nascimentos, casamentos, mortes, ou em atritos que envolvem membros de outros grupos familiares. Mesmo com restrições, o casal de articuladores procura manter a prerrogativa de reunir os fogos aparentados, convencendo seus integrantes das vantagens de permanecerem ao seu lado, em ambiente propício para uma convivência social harmoniosa. O casal de líderes procura expressar um estilo de conduta que deve ser seguido por toda parentela. O grupo de parentela pode estar fragilizado,

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mas continua vivo e atuante em suas comunidades. Se os mecanismos tradicionais de articulação da parentela se enfraqueceram, novos instrumentos são incorporados na sua articulação, como os cargos remunerados de professores, agentes de saúde, pastores, etc. Isto permite que as pessoas ascendam a posições de destaque social, imprescindíveis para se capacitarem como articuladores de parentela. No plano político-ideológico, a distinção entre os estilos, atribuídos à forma própria de cada cabeça de parentela conduzir seu grupo, constrói a imagem de distinções radicais. Cada família extensa procura expressar a superioridade do estilo adotado. O casal de articuladores se empenha em convencer seus seguidores de que pratica o estilo de vida mais próximo dos valores éticos e morais, identificados com o sistema religioso e as divindades. Tal estilo deve ser cuidadosamente discutido com as crianças do grupo de parentesco. Elas devem incorporar e explicitar esse modo comportamental específico nas condutas assumidas frente aos membros de outras parentelas, cujas condutas específicas são igualmente constituídas. Na composição de uma comunidade, o parentesco está articulado em rede. Desse modo, o estilo de uma parentela politicamente dominante tende a se disseminar pela rede de parentelas aliadas, sendo a discussão em torno dos estilos um dos ingredientes de articulação da rede. Isto implica em reconhecer determinados gradientes de poliformismo na organização social, mesmo entre as parentelas que vivem em uma mesma comunidade. Com poucos anos de idade, as crianças já desenvolvem sensibilidade para as distinções dos estilos de condutas das várias parentelas e de como esta pauta é constantemente acionada no processo de produção social da vida comunitária. A diferenciação de estilos instaura processos de variação e seleção. Produzem-se espaços de criatividade e inovação nos fogos e, principalmente, nos articuladores da parentela. Se “o índio pensa muito”, como afirmou certa vez um xamã, o casal de articuladores da parentela tem de pensar mais ainda, pois deve criar o estilo exclusivo e demonstrar sua viabilidade entre os seguidores. É isso que permite identificar determinada pessoa ao grupo do “fulano”, com expressões do tipo: “João ha’e José hénte kuéra”, ou “João ha’e Jose hóga ypýpe”, significando respectivamente, “João é ou pertence ao pessoal do José”, ou “João vive no espaço de residência de José”, sendo José, nos dois casos, identificado como articulador de parentela. Outro aspecto importante é que a diferenciação entre estilos de parentelas está intrinsecamente imbricada na legitimação da hierarquia interna, que atua em uma rede de parentelas aliadas e marca distintas posições de prestígio e poder. No modelo tradicional, a parentela parecia ser o lócus de diferenciação social, mas vários indícios apontam que, no momento atual, esse lócus se desloca para a composição do fogo familiar, movimento identificado por alguns indigenistas como fragmentação social. Tudo indica que o fogo familiar assume, cada vez mais, o centro da vida social. Cada vez mais, o fogo se apresenta associado a uma horizontalidade sociológica, centrada na conjugalidade, que, a cada momento, institui e articula a vida social das pessoas que o compõe, impondo ritmo e sentido à vida cotidiana. O modo como o fogo se organiza remete também aos princípios cosmológicos e aos eventos fundadores da humanidade Kaiowá e Guarani. Isso porque a conduta dos integrantes do fogo, principalmente do casal (relação marcada por distinções opostas e complementares de sexo/gênero), e a relação com os filhos (marcada pela alteridade geracional), deve se espelhar na conduta dos deuses que, de forma semelhante aos Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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humanos, vivem junto com suas esposas e filhos, ao redor de seus fogos, nos diversos patamares celestes. Assim, em termos ideais, as relações que homens, mulheres e crianças estabelecem em torno do fogo familiar, se espelham nas relações que os deuses mantêm em seus fogos celestes. A educação das crianças se dá, muitas vezes, a partir de relatos míticos que atualizam orientações e procedimentos de conduta. Os líderes religiosos são, por excelência, os emissários da inspiração divina para a composição de estilos de comportamento. As narrativas míticas comunicam como os deuses tratam com suas mulheres e com seus filhos. Os humanos encontram aí uma referência normativa para a conduta considerada correta, e também um conjunto de explicações para uma série de infortúnios, tais como: desentendimentos, brigas e separações. Nos atuais fogos, tais referências estão cada vez menos presentes, sendo substituídas por outras, oriundas de instituições da sociedade nacional, principalmente a escola. Distintas representações convivem nos atuais fogos familiares, de modo nem sempre harmonioso. A mulher continua controlando o fogo e este controle está associado ao poder de unir e alimentar os membros que o compõem. Desta maneira, é impossível pensar um fogo sem a presença central da mulher. A solidez e estabilidade de um fogo dependem diretamente das atribuições assumidas pela mulher/esposa. Ela deve comunicar o tempo todo seu cuidado e capacidade de controle de todos os eventos que envolvem a vida dos integrantes de seu fogo. Disso resulta que a mulher tem o direito e, em certo sentido, a obrigação de se envolver em todos os assuntos que dizem respeito à vida de seu marido e seus filhos. Os cuidados com a criança, especialmente até os seis anos de idade, recaem, quase que exclusivamente, sobre a mãe biológica ou adotiva, criando profundo laço afetivo, de obrigação moral e de dependência. Tais laços tendem a se arrefecerem com o crescimento da criança, num processo de autonomia progressiva, orientado pelas atribuições de gênero, identificadas em cada sexo. O tipo de atividades desenvolvidas por um fogo apresenta, para os padrões do grupo, o modelo ideal de exploração dos recursos naturais, integrando as atividades de produção e transformação dos alimentos, sintetizadas na conjugação e cooperação entre os dois sexos. Poucas atividades produtivas exigem a cooperação de mais de um fogo familiar e, quando isso acontece, são, em geral, os fogos com fortes laços de parentesco ou aliança política/religiosa que mais facilmente se unirão para o desempenho de tarefas de interesse comum. Isso se evidencia inclusive nos mitos, onde aparecem relatos do cotidiano da convivência dos deuses, em seus fogos. No céu, homens, mulheres e crianças realizam tarefas complementares, segundo a distinção por sexo e maturidade biológica e social. A diferença em relação ao mundo dos humanos é que no céu tudo é realizado sem muito esforço, mas as distinções e complementaridades nas formas de convivências são praticamente idênticas. Os eventos coletivos são oportunidades para as crianças perceberem como seus pais lidam com situações situadas fora do círculo de convivência restrita ao fogo. Tal aprendizado é fundamental para definir as expectativas sociais futuras. Nas circunstâncias atuais, um novo papel surge para o caso das mulheres que trabalham em atividades remuneradas, principalmente como professoras, agentes de saúde e empregadas domésticas. O salário é considerado uma boa remuneração para o padrão econômico do grupo, além de ser em caráter permanente, agregando uma série de vantagens sociais para estas mulheres. Isso reestrutura as relações

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de gênero no interior do fogo. Caso o homem não disponha de trabalho remunerado com constância, certamente passará a ocupar uma posição de dependência econômica em relação à mulher. Em muitos casos, isso pode dar origem a conflitos entre os cônjuges, ser motivo para ciúmes ou mesmo levar à separação do casal. É comum a mulher assalariada contratar uma irmã ou prima para se encarregar das atividades domésticas de sua casa, inclusive dos cuidados e educação dos filhos. Assim, ela pode dispor de mais tempo para se dedicar às atividades profissionais. Nesse caso, começa a surgir uma nova forma de diferenciação social entre mulheres, instituindo novas hierarquias e dando origem a vínculos de dependência, que podem ser a base para a constituição de grupos políticos, compostos e liderados por mulheres. A mulher remunerada parece fazer surgir uma nova categoria de líder feminina, remodelando a estrutura política e o formato dos fogos. Esse novo cenário se reflete na educação das meninas, até em suas brincadeiras infantis, quando passam a representar papéis de professoras ou agentes de saúde, espelhando-se em modelos femininos de suas próprias comunidades. A administração da economia doméstica é responsabilidade das mulheres, independente delas desenvolverem atividades remuneradas. O compromisso socialmente estabelecido da mulher com o bem-estar dos integrantes do fogo favorece uma administração mais racional e previdente dos recursos, enquanto os homens tendem sempre ao excesso e ao esbanjamento. Se depender da maioria dos homens, o dinheiro é gasto com demonstrações públicas de generosidade e de status econômico elevado. É por isso que as mulheres procuram circunscrever a participação do homem na economia, basicamente, enquanto produtores. O dinheiro ganho por estes deve ser destinado à mulher, encarregada da compra e distribuição dos produtos, quando os homens e os filhos entram no final da cadeia, como consumidores de produtos distribuídos pelas mulheres. A mulher parece mais afeita à economia de abundância, principalmente quando já dispõe de filhos, sinal da estabilidade na relação conjugal. Expressa maior preocupação com os cuidados com a casa e com os seus integrantes, em grande medida porque sua imagem social depende da dedicação a tais cuidados. O homem procura se apresentar como livre destes constrangimentos e necessidades cotidianas, priorizando a demonstração de seu interesse na participação nos eventos políticos que envolvem o interesse do grupo de parentes. De todo modo, sem uma mulher para organizar e cuidar de seus membros, o fogo parece condenado à ruína. Essas representações de gênero influenciam fortemente a educação das crianças e tendem a se reproduzir em seus grupos de convivialidade. A ruína do fogo acontece também quando, tanto o marido como a esposa fazem consumo frequente e abusivo de bebida alcoólica. Nesses casos, a economia familiar tende a se desarticular e as crianças podem passar por sérias privações alimentares e falta de cuidados, a menos que os pais diminuam o consumo de bebida, ou elas sejam incorporadas por outras famílias de parentela. As crianças em situação de vulnerabilidade são as principais prejudicadas pela diminuição da importância da parentela, pois nem sempre podem contar com o socorro dos parentes, o que tem levado algumas crianças indígenas à adoção, inclusive por não-indígenas. O consumo regular de bebidas alcoólicas pela mulher é bem menos frequente do que acontece com os membros masculinos, sendo considerado como falha grave e moRelato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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ralmente condenável. Nos casos que levantei de crianças indígenas, abrigadas na cidade de Dourados, boa parte delas são originárias de casais desfeitos. As separações dos casais sempre apontavam para as dificuldades geradas pelo consumo abusivo de bebidas alcoólicas. O mesmo ocorre com boa parte das crianças desnutridas, recolhidas no Centro de Reabilitação Nutricional Infantil, mantido pela Fundação Nacional de Saúde, na Missão Evangélica Caiuá. Constata-se que o consumo de bebidas alcoólicas pelos pais, e especialmente pela mãe, leva a criança à situação de vulnerabilidade social.

3. Considerações Finais A rápida incursão pela etnografia do fogo familiar permite afirmar que esse módulo organizacional é de fundamental importância para a compreensão da educação Kaiowá e Guarani, em especial, das formas de produção e transmissão de conhecimentos desenvolvidos fora da interferência direta das agências do estado nacional. Esse tipo de educação se desenvolve a partir da associação entre pessoas diferencialmente situadas, com respeito ao gênero e à geração. No plano empírico, cabe salientar que as relações desenvolvidas no fogo familiar se dão entre pessoas pertencentes a distintas gerações (pai-filhos/as; mãe-filhos/as; pais/ filhos/as adotivos, avós/netos, etc.). Como consequência, gênero e geração se apresentam como que imbricados nas práticas sociais cotidianas, compondo laços indissociáveis que vinculam os membros do fogo, pelo menos enquanto durar a relação conjugal. Os processos próprios de ensino nas comunidades Kaiowá e Guarani envolvem ainda relações intrageracionais. Irmãos biológicos e adotivos, que compartilham o mesmo fogo ou que integram fogos relacionados, participam, com frequência, das mesmas atividades de sociabilidade. É comum irem à escola juntos e compartilharem rituais religiosos tradicionais ou frequentarem os cultos pentecostais indígenas. Cabe observar que tais relações são fundamentais para a compreensão das práticas de sociabilidade desenvolvidas no módulo organizacional formado pelo fogo. Isso porque as crianças de ambos os sexos costumam formar grupos de interação, permanentes ou temporários, nos quais circulam saberes e práticas. Existe uma educação indígena que circula na horizontalidade geracional, sendo comum que crianças mais velhas, ou com maior capacidade de agência, se destaquem como líderes dos grupos de meninos e meninas, mesmo nas atividades de recreação por eles propostas. As relações que acontecem na horizontalidade geracional são de suma importância para a compreensão do modo como as crianças percebem a sociedade como um todo e como se percebem nela enquanto sujeitos que reivindicam potência e agência. É fundamental perceber como as crianças concebem a interação que estabelecem com as gerações mais velhas e como atuam criativamente no surgimento de espaços próprios de convivência social. Nos grupos de sociabilidade infantil, as crianças fazem circular conhecimentos e práticas adquiridas na experiência vivida em seus fogos familiares, na escola, na televisão, na igreja, nas viagens que fazem acompanhando os pais, etc. As crianças se movimentam o tempo todo, realizando trabalhos, atendendo pedidos de adultos, convites de colegas, transmitindo recados, experimentando novas brincadeiras. Ao mesmo tempo agem sobre o mundo e se educam. Trabalhos mais recentes enfocando as crianças, como os de Clarice Cohn (COHN, 2005), chamam a atenção para o fato de que a socialização não é uma atividade que a geração mais velha tem a prerrogativa de exercer, com exclusividade, sobre a geração

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mais nova. Como consequência, impõe-se a necessidade de reconhecer a existência de uma série de processos de interação intrageracionais, de fundamental importância para a compreensão da transmissão do conhecimento em qualquer sociedade. Encontramos aí uma formulação que pode inspirar importantes etnografias sobre as relações entre crianças e aquelas estabelecidas com as gerações dos pais e avós. Em termos ideais, os líderes das parentelas projetam a conjugalidade como algo indissociável da produção e socialização das crianças. Homem e mulher, vinculados pelo casamento, imaginam o fogo familiar como o ambiente necessário e apropriado para ter filhos e promover sua socialização na cultura. Necessariamente, os filhos fazem parte da paisagem da casa; sem eles, o casamento fica incompleto e dificilmente sobrevive muito tempo. Acreditam que a criança necessita de um fogo familiar e de uma parentela para se socializar de modo apropriado, independente de estar inserida no fogo de seus genitores ou ser agregada por adoção. A situação histórica atual cria um ambiente propício à expansão da variabilidade de tipologias apresentadas pelas composições dos fogos familiares e das parentelas. A ampliação da compreensão desses casos requer ainda a descrição e a identificação mais precisa dos padrões que as crianças encontram nos fogos nos quais estão inseridas. Da mesma forma, é necessário compreender as estratégias desenvolvidas pelas crianças para se socializarem e se comunicarem entre si e interagirem com as gerações mais velhas. Para isso são necessárias novas pesquisas empíricas e estudos teóricos, o que abre um vasto campo de investigação para educadores e antropólogos, incluindo aí os próprios intelectuais indígenas. A pretensão dos dados aqui apresentados foi evidenciar a importância de se estudar como acontece a educação no microcosmo da vida familiar. A ideia é estimular pesquisas que se esforcem por compreender a capilaridade das formas de organização social, e que possam contribuir com o entendimento do modo como as crianças se inserem nos esquemas de produção e reprodução do conhecimento. É preciso entender melhor como as crianças indígenas apreendem a experiência social, no movimento de inserção em um fogo específico e de circulação entre os fogos familiares que compõem a parentela. A criança é protagonista de suas ações sociais, ela age criativamente sobre as oportunidades, condicionamentos e constrangimentos que compõem a experiência social vivida. É a partir desse cenário que desenvolve a percepção da experiência humana em sociedade, incorporando novos conhecimentos e ressignificando a tradição à qual tem acesso a partir da convivência no fogo familiar.

REFERÊNCIAS COHN, Clarice. Antropologia da Criança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed, 2005, 57p. PEREIRA, Levi M. Mobilidade e processos de territorialização entre os Kaiowá atuais. In: Revista eletrônica de História em Reflexão: Vol. 1 n.1 – UFGD – Dourados Jun/Jul 2007. Disponível em WWW.ufgd.edu.br. PEREIRA, Levi M. No mundo dos parentes: a socialização das crianças adotadas entre os Kaiowá. In: Crianças Indígenas: ensaios antropológicos. LOPES DA SILVA, Aracy; NUNES, Angela; MACEDO, Ana Vera Lopes da Silva (organizadoras). São Paulo: Global, 2002, 168-187p. SCHADEN, E. Aspectos Fundamentais da Cultura Guarani. (10 ed. 1954) 30 ed. São Paulo: EPU/EDUSP, 1974, 190p. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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Teko Arandu, Um Projeto De Povo Acolhido Pela Universidade Antonio Dari Ramos1

Queremos, com a ajuda da escola, com uma educação que responda às nossas necessidades, conquistar a autonomia sócio-econômica e cultural e sermos reconhecidos como cidadãos etnicamente diferentes. Neste processo, a escola tem um papel fundamental. Não queremos mais que a escola sirva para desestruturar nossa cultura e nosso jeito de viver, que não passe mais para nossas crianças a ideia de que somos inferiores e que, por isso, precisamos seguir o modelo dos brancos para sermos respeitados. Pelo contrário, achamos que temos muito para ensinar do nosso jeito de viver para os brancos, e queremos o respeito da sociedade que se diz democrática, e do governo que deve cumprir a lei que ele mesmo criou. 2

A Licenciatura Intercultural Teko Arandu é um curso que se diferencia dos demais cursos regulares de graduação oferecidos pela Universidade Federal da Grande Dourados, UFGD, por diversos aspectos. Entretanto, o que mais se salienta em seu histórico de criação e implantação são os sujeitos da proposta: os próprios indígenas e seus parceiros indigenistas. De fato, o curso foi proposto, inicialmente, por pessoas ligadas ao Movimento dos Professores Guarani e Kaiowá com intuito de dar continuidade, em nível superior, à formação recebida em nível médio no curso normal Ára Verá, ofertado pela Secretaria Estadual de Educação de Mato Grosso do Sul. O nome escolhido Teko Arandu (Espaço da Sabedoria) expressa um desejo amadurecido e acalentado por diversos anos pelos próprios indígenas em habilitar professores Guarani e Kaiowá3 que pudessem instrumentalizar suas escolas enquanto espaços onde seus projetos de povo pudessem ser fortalecidos. É baseando-nos nestes aspectos que pretendemos tratar sobre o curso, desembocando nos desafios que percebemos e nas perspectivas que vislumbramos. Inicialmente apresentado à Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), o curso foi, num segundo momento, assumido pela UFGD. A primeira turma ingressou na Universidade em 2006. A segunda turma ingressou em 2008 e a terceira em 2011. Os acadêmicos são provenientes de todo o Cone Sul do MS e somente um rol de parceiros institucionais dá conta de colocar o curso em movimento. São dezessete os municípios responsáveis pelo financiamento da alimentação e estada dos acadêmicos nas etapas presenciais. O deslocamento das aldeias até a cidade de Dourados, MS, onde acontecem os momentos presenciais, é feito pela Fundação Nacional do Índio, FUNAI. Os docentes que se dedicam ao curso pertencem também a três instituições: (1) Coordenador pró-tempore da Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu. Universidade Federal da Grande Dourados. Dourados, MS. E-mail: antonioramos@ufgd.edu.br. (2) Carta da Comissão de Professores Guarani e Kaiowá enviada em 1995 à Secretaria de Estado de Educação/MS. (3) Utilizamos neste texto a autodenominação Guarani e Kaiowá mesmo sabendo que ambas as etnias são Guarani – Ñandeva e Kaiowá.

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à Universidade Católica Dom Bosco, UCDB, à Secretaria Estadual de Educação do MS, através de um convênio que possibilita a cedência atualmente de quatro docentes em tempo integral, e à UFGD. Também é parceiro o Movimento dos Professores Guarani e Kaiowá que, a exemplo das demais instituições, tem assento na Comissão Interinstitucional do Curso, espaço consultivo que dá apoio e clarividência às deliberações tomadas pelos conselhos internos da Universidade quanto aos trâmites acadêmicos. A complexidade interna do Teko Arandu não é menor que a externa. Sediado na Faculdade de Educação (FAED), é de responsabilidade também da Faculdade de Ciências Humanas (FCH), Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FACALE), Faculdade de Ciências Biológicas e Ambientais (FCBA) e Faculdade de Ciências Exatas e Tecnologias (FACET). Os módulos (o curso não é composto por disciplinas, mas por módulos) que compõem a matriz curricular estão lotados nas diversas faculdades, as quais ficam responsabilizadas por designar docentes com um perfil já definido pelo curso para ministrar as aulas. Esta opção em ‘pulverizar’ o curso em diferentes Unidades Acadêmicas justificou-se pela ideia de que a universidade como um todo deveria envolver-se no projeto de formação de professores indígenas, enquanto opção política. Atualmente, a UFGD passa por um processo de avaliação quanto às responsabilidades assumidas pelas diversas faculdades e indica a necessidade de buscar uma nova estrutura, já que o envolvimento interno nem sempre corresponde ao que se espera de um curso que, pela complexidade das áreas que o compõem, na prática assemelha-se a uma faculdade. Ingressam, através de vestibular diferenciado, na Licenciatura Intercultural, 70 acadêmicos por turma. O processo seletivo vestibular é composto por prova objetiva que visa aferir os conhecimentos gerais apreendidos no ensino médio, por redação na língua Guarani e na língua portuguesa. O segundo momento da seleção é composto por entrevista na língua Guarani, uma vez que um dos pré-requisitos para o ingresso no curso é o conhecimento escrito e falado da língua materna. Após o ingresso, os acadêmicos cursam um ano e meio de componentes curriculares comuns. Após este tempo, optam por uma das quatro habilitações da licenciatura intercultural: Ciências Sociais, Ciências da Natureza, Linguagens ou Matemática. A habilitação específica se dá num período em torno de dois anos e meio. O curso habilita também em gestão educacional. Embora a separação em turmas, os acadêmicos cursam, desde o início até o final da licenciatura, alguns componentes comuns, visando às ações interdisciplinares. Por conta da percepção de que não raro a academia estabelece certo desenraizamento de seus egressos em virtude de pretensões científicas neutras, fato bastante corriqueiro entre indígenas que acorrem aos bancos universitários, optou-se, seguindo as orientações do Referencial Curricular Nacional para a Educação Indígena, em organizar o curso na modalidade da alternância. Através desta modalidade, o acadêmico estabelece dois movimentos complementares: o da comunidade para a universidade e o da universidade para a comunidade. Resulta dessa concepção a distribuição da formação acadêmica dos alunos nos TU (tempos universidade) e nos TI (tempos intermediários). No Projeto Pedagógico do Curso, estes tempos são assim definidos: o Tempo Universidade (TU) é composto por etapas de estudo de caráter intensivo, presencial e coletivo do Curso, durante os quais são trabalhados os componentes curriculares com a presença e a coordenação dos docentes do curso. Quatro vezes por ano os acadêmicos são agrupados em locais que ofereçam condições infraRelato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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estruturais de alojamento e aulas, preferencialmente nos campus da UFGD. Este Tempo Universidade está constituído por três etapas: a) TU-Campus UFGD. São as etapas presenciais longas, que acontecem principalmente durante férias e o recesso escolar (janeiro/fevereiro e julho) das escolas localizadas nas comunidades Guarani e Kaiowá. Duas noites por semana são reservadas para encontros de decisões políticas, reflexões, apresentações culturais, dentre outros, organizadas pelos cursistas; b) TU-Pólo. São as etapas presenciais curtas, intensivas e coletivas, que ocorrem no intervalo entre as etapas longas; c) TU-Comunidade. São as etapas presenciais que ocorrem no interior de cada aldeia, envolvendo docente e cursista. Este período de aula é mais individualizado, quando o aluno tira suas dúvidas, aprofunda conteúdos, analisa situações particulares, planeja e revisa atividades acompanhadas, em alguns períodos, por um docente. É também nestas ocasiões que o professor entra em contato com a comunidade, suas lideranças e com a escola onde os cursistas são professores ou gestores, orientando as tarefas, o TCC e o Estágio Curricular Supervisionado. O Tempo Intermediário (TI), por sua vez, é composto por etapas que ocorrem quando o estudante está em sua aldeia, sem a presença do docente. São etapas intermediárias porqueocorrementreasetapaspresenciaisintensivas,longasecurtas,eaetapacomunidade, ocasião em que o acadêmico desenvolve atividades planejadas durante as etapas do TU. Para dar organicidade ao curso, o currículo (conteúdos e metodologias) é perpassado por três eixos: teko (cultura), tekoha (território) e ñe’ë (língua). Chegou-se a estes eixos após detida análise da situação vivenciada pelos Guarani e Kaiowá no MS. A perda da terra impactou negativamente o sistema Guarani (teko), fazendo-o entrar em crise. Esse aspecto irá gerar, do ponto de vista curricular, no Projeto Pedagógico do Curso, uma preocupação constante com as questões referentes ao território em seus aspectos de uso e apropriação, de sustentabilidade, de biodiversidade, de legislação, além dos aspectos culturais e históricos e sua relação com a sobrevivência física e cultural das futuras gerações Guaranis. De fato, os Trabalhos de Conclusão de Curso apresentados ou em desenvolvimento pelos acadêmicos têm-se detido em vários destes aspectos. A produção do conhecimento realizada pelos acadêmicos tem sido diferenciada por ligarse a problemáticas reais enfrentadas cotidianamente pelas comunidades indígenas. Nesse sentido, percebe-se grande preocupação tanto por parte dos acadêmicos quanto dos docentes acerca da pertinência do saber elaborado, de sua função social. Pode-se dizer que na Licenciatura Indígena não se pode produzir saber desinteressado. Pelo contrário, a todo o momento chama-se a atenção para o impacto da formação superior no cotidiano indígena. Este aspecto nos leva aos desafios que percebemos no Teko Arandu. O primeiro está ligado ao descompasso existente entre a retórica da diferença constituída pela legislação educacional e a diferença efetivamente praticada tanto nos cursos de formação de professores indígenas quanto na educação básica. Em outras palavras: o que torna uma escola indígena realmente diferenciada? Esta diferença é desejada por professores, alunos e comunidades indígenas? Quanto à primeira questão, os acadêmicos têm auxiliado o corpo docente do curso a pensar na formação oferecida na universidade e nas condições materiais que os egressos possuem para colocar em prática em suas escolas o que aprenderam (diversos acadêmicos do Teko Arandu já são professores em suas comunidades). De outra sorte, os questionamentos são feitos também quanto aos conteúdos trabalhados no curso, ao seu caráter por vezes tecnicista-positivista. Na verdade, nem as

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comunidade indígenas e nem as universidades possuem clareza acerca do que se deve ensinar tanto na formação de professores indígenas quanto nas escolas fundamentais indígenas. Na Licenciatura Intercultural estas questões têm vindo constantemente à tona e têm gerado intensos debates acerca da especificação da diferença. Ainda estamos distante, lamentavelmente, da capacidade de ouvir mais as comunidades indígenas para, com maior autoridade, argumentarmos em favor da marcação da diferença enquanto aspecto de empoderamento das escolas indígenas em favor de projetos, como dissemos anteriormente, de povo. Acreditamos, no entanto, que estejamos em processo de amadurecimento nesse aspecto, inclusive auxiliados pelo PIBID Diversidade, programa do Governo Federal do qual participamos. Há que se considerar, no entanto, que essa não é uma discussão encerrada se levarmos em consideração o significado que as comunidades indígenas dão à escolarização. Nem todas querem uma educação diferenciada, pois pensam que a escola, enquanto instituição preponderantemente não-índia, deva auxiliar-lhes a transitar nos signos da sociedade hegemônica. Este aspecto tem sido trazido pelos acadêmicos e tem adentrado nas discussões pedagógicas realizadas pelos docentes e pelas instituições responsáveis pela Licenciatura Indígena. Não são raras as vezes em que surgem questionamentos acerca dos limites da marcação da diferença, tomando-a por vezes como fator de exclusão dos indígenas que procuram a escola como forma de projeção social para além das aldeias. Igualmente, os acadêmicos trazem para a universidade questionamentos coletados entre os pais de seus alunos, os quais esperam da escola mais a cultura não indígena que a diferença. Outro desafio ligado ao que vimos dizendo diz respeito aos impactos da formação de professores na educação básica. Diversos acadêmicos de final de curso têm levando a seguinte questão: o que vou fazer com o que aprendi no curso? Como os demais acadêmicos formandos, pertencentes a cursos não-específicos, esta questão é sintomática de dois aspectos. O primeiro está relacionado ao caráter genérico de qualquer graduação. O segundo, mais preocupante, mostra o grande fosso que existe entre a educação básica e o ensino superior. Fruto de uma concepção que separa as pessoas por níveis de instrução, atribuindo-lhes funções sociais específicas, a universidade brasileira é elitista e elitizada. O acesso ao ensino superior é tomado como fator de distintividade social. Nos cursos de graduação, boa parte dos saberes possue uma função apenas contemplativa. A chegada de indígenas ao ensino superior tem levado a própria universidade a repensar os procedimentos acadêmicos que visam dar autoridade a este tipo de conhecimento. Por outro lado, é animador quando acadêmicos verbalizam que o curso os tem ajudado a melhorar a educação básica de suas aldeias. Embora o curso tenha quatro anos, ainda estamos aprendendo, enquanto instituição, a formar professores indígenas. Este desafio tem abalado os alicerces de muitas certezas didático-pedagógicas. A bem da verdade, a universidade brasileira tem de adequar sua estrutura para receber as populações indígenas, as quais ainda se sentem deslocadas no ambiente acadêmico. Esta falta de clareza acerca da estrutura de cursos diferenciados oferecidos para indígenas pode ser explicitada pela inexistência de diretrizes nacionais para a formação de professores indígenas, fato que tem impingido demora aos processos de institucionalização dos cursos superiores em âmbito de Brasil. A construção do Projeto Pedagógico do Teko Arandu é elucidativa a respeito disso, pois somente conseRelato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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guimos fechar a versão definitiva há menos de um ano. Por ser um processo árduo, faltou-nos quaisquer referências de modelos nacionais para além dos demais cursos oferecidos por outras universidades que tiveram de construir suas propostas às cegas. Este aspecto se faz sentir em outro desafio que enfrentamos na Licenciatura, o registro no Sistema Acadêmico. Pela complexidade da alternância, a riqueza de um curso como este nem sempre ‘cabe’ nos sistemas quantitativos que regem a universidade brasileira. Embora estejamos convencidos de que a diferença caiba na academia, ainda temos um longo caminho até que seja encontrada a justa medida, o equilíbrio, entre a necessidade de institucionalização e os desafios do cotidiano das comunidades indígenas que constantemente chegam ao curso. A percepção que se tem é que o curso está em constante construção, e o nosso desafio, nesse sentido, é com a consolidação do curso. Percebemos que não se pode, em nome da abertura curricular, permanecer-se em constante voluntarismo, em improvisação, pois isso demonstraria falta de clareza a respeito do fim que se pretende atingir com o curso. Estes aspectos têm sido constantemente avaliados na Licenciatura Indígena em virtude de outro desafio que se coloca, o da qualidade de ensino. Sabidamente, há uma relação direta entre a formação de docentes e a qualidade da educação básica. Se é verdadeira a acepção de que a má qualidade da educação básica, fruto de problemáticas sociais mais profundas, faz com que os acadêmicos cheguem com muitas dificuldades de escrita, de leitura e de interpretação ao ensino superior, também é verdadeira a noção de que os cursos superiores, em muitos casos, têm contribuído para manter inalterada tal situação em virtude da falta de condições para estabelecer o rompimento deste círculo vicioso. Similar à situação dos acadêmicos não indígenas pertencentes a outras licenciaturas, também grande parte dos acadêmicos indígenas chega à universidade com grande defasagem nos conhecimentos básicos, indispensáveis para a sociedade letrada. Nossa preocupação está relacionada ao fato de não conseguirmos recuperar a contento boa parte de tais defasagens, fato que acarretará a retroalimentação sistêmica da baixa qualidade da educação básica. Por conta disso, a equipe de docentes está empenhando boa parte de suas energias na correção e orientação dos acadêmicos, os quais passam individualizadamente pelos conselhos de classe.

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Quanto aos graves problemas que a educação básica pública possui, sabidamente, estes se fazem ainda mais agudos nas escolas públicas indígenas. As raízes de tal problemática são inúmeras, porém boa parte delas está ligada à insuficiente tradução da ocidentalidade para a realidade indígena. Infelizmente, a maioria das escolas sofre de certa esquizofrenia ao não ter muito bem definido seu papel dentro das comunidades indígenas. Espaço em que as disputas políticas interferem diretamente no seu cotidiano, em que as políticas públicas integracionistas se mascaram por vezes em discursos e práticas que se dizem interculturais (voltaremos mais adiante a este assunto), a escola continua a ser um corpo estranho dentro das comunidades indígenas. Isto tem desafiado o Teko Arandu a se propor em fazer dialogar os saberes tradicionalmente acadêmicos com os saberes tradicionalmente Guaranis, por um lado, e a conhecer mais aprofundadamente as demandas das comunidades indígenas direcionadas à escola, por outro. O primeiro aspecto diz respeito ao status dos saberes dentro da academia. Embora a retórica da educação diferenciada tenha evoluído ao ponto de chegarmos a uma linguagem politicamente correta que valoriza a interculturalidade e o bilinguismo, a prática educacional, independente de nível de escolaridade, continua alicerRelato de intercâmbio entre Comunidades Guarani


çada na concepção hierárquica do saber, segundo a qual a ‘ciência’ constitui o modelo de discurso verdadeiro. Por mais que se esforce em afirmar que na educação escolar indígena deva haver diálogo entre os saberes de diferentes naturezas, resta como desafio clarear a relação entre os saberes tradicionais e os conteúdos escolares tanto na educação básica como na Licenciatura Indígena, pois as modalidades possíveis de inserção não são dadas a priori por uma didática do tipo universalista. Pelo contrário, tal diálogo somente será possível se estiver embasado nos processos próprios de conhecimento das comunidades indígenas, respeitando a relação que estabelecem com os seus diversos tipos de saberes tradicionais. Como exemplo, apresentamos uma discussão que vimos realizando no intuito de fazer com que os mestres tradicionais sejam instituídos e institucionalizados como professores do curso para além da tradicional reza que coordenam em cada início e final de dia nas etapas presenciais. Há que se tomar em consideração, no entanto, que nem tudo o que acontece no cotidiano de uma comunidade indígena pode e deve ser instituído como conteúdo escolar. Existem conhecimentos de natureza ritual, por exemplo, que, retirados de seu meio de elaboração e uso, sofrem esvaziamento de sentido e, com isso, podem ser transformados em folclore. Este engessamento da tradição ao invés de aproximar o aluno da vivência cultural, o distancia dos sentidos historicamente elaborados por seu povo, tendo como reflexo imediato o não reconhecimento identitário. A escola e os cursos de formação de professores indígenas têm de estar antenados para este detalhe. O segundo aspecto – papel designado pelas comunidades à escola – levanos a pensar sobre os limites que um curso de formação de professores possui na proposição de solução para os problemas sociais indígenas via educação. Trata-se de definir qual é o papel da escola e o de outras instituições dentro das comunidades indígenas. A escola não pode assumir a totalidade da vida social, tampouco tomar para si o compromisso de salvar o mundo indígena, numa perspectiva messiânica. Este desafio tem-nos acompanhado no cotidiano do curso, levando a universidade, através do acompanhamento direto feito pelo Movimento dos Professores Indígenas, a pensar-se partícipe de um rol de instituições e pessoas ligadas à defesa dos direitos indígenas mais amplos. Com isso, o desafio que resta é o de pensar a educação escolar indígena enquanto um dos aspectos da vida social indígena. Os limites materiais, humanos e ideológicos da educação fazem com que tenhamos sempre em mente a percepção de que não podemos criar falsas expectativas de inclusão aos indígenas via escola, pois uma inclusão feita pela metade é sempre uma exclusão total. De outra maneira, a forma como o curso é pensado e posto em movimento faz com que constantemente haja associação com outras entidades e pessoas envolvidas com as mais diferentes dimensões da vida social indígena, como ONGs, outras universidades, instituições públicas pertencentes aos âmbitos federal, estadual e municipal. Oferecer um curso consorciado entre tantas instituições é de fato um desafio. Atualmente, para a oferta da Licenciatura indígena, existem mais de vinte convênios firmados com diferentes instituições. Muitos deles necessitam, no entanto, de aditamento, nem sempre conseguido com facilidade em virtude de questões ligadas a orçamento ou puramente ideológicas. Tomado no estado de Mato Grosso do Sul como um curso que estabelece uma formação política aos acadêmicos e que por isso questiona muitos dos valores da sociedade envolvente, o Teko Arandu enfrenta grandes dificuldades em aproximar alguns parceiros de seu cotidiano. Na verdade, percebemos um fechamento político às causas indígenas no estado em virtude dos acalorados Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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debates relacionados à retomadas das terras indígenas. Resulta disso a alimentação de um imaginário social que toma os indígenas como um problema para a sociedade regional, os quais, desprovidos, segundo este imaginário, de virtudes para a produção capitalista, não fazem jus a políticas específicas. Pelo contrário, são acusados de drenar recursos que poderiam ser aplicados no setor considerado como produtivo. Cientes da necessidade de assumir espaços políticos nos municípios a fim de que sejam garantidos investimentos culturalmente sustentados, muitas comunidades Guarani têm investido na eleição de vereadores indígenas. Embora tenhamos um diálogo bastante intenso com a maioria dos municípios que possuem comunidades indígenas no Cone Sul do estado, naqueles em que existem vereadores indígenas, o diálogo é facilitado. Dentre os acadêmicos da Licenciatura Indígena, atualmente três possuem mandatos de vereança em seus municípios. Muitos são líderes em suas comunidades e a maioria participa do Aty Guaçu, a grande assembléia Guarani. A existência de inúmeros convênios para viabilizar a oferta do curso tem trazido como desafio dois elementos que consideramos centrais em nossa análise, a questão dos tempos e a do financiamento. Uma vez que as etapas presenciais acontecem nos períodos das férias escolares dos acadêmicos-professores indígenas (três dias em maio e em outubro e dezenove dias em janeiro e em julho), existe grande dificuldade interna e externa em conseguir docentes com disponibilidade de tempo para ministrar as aulas, os quais, em sua grande maioria, necessitam acompanhar seus familiares nos períodos regulamentares de recesso, preferindo associar suas férias trabalhistas às dos filhos. Como a equipe interna fixa está ainda em constituição e sedimentação, há uma sobrecarga constante de trabalho, embora institucionalmente se vislumbrem saídas, assunto sobre o qual trataremos mais adiante. Como a alternância supõe o acompanhamento da aprendizagem nas comunidades, o fato de muitos docentes que ministram as aulas presenciais não disporem de condições para viajar constantemente às aldeias acaba por se constituir em um grande desafio para a gestão pedagógica do curso. Uma vez que o curso habilita também para a gestão escolar, na qual não se pode separar a teoria da prática, a solução encontrada foi a docência compartilhada por mais de um profissional nos tempos presenciais. Dessa forma, os docentes que realizam as visitas de acompanhamento participam do planejamento e da execução das aulas. Com isso, rompemos com uma concepção inicial de que devessem existir no curso os professores titulares e os assistentes. Por conta da exiguidade numérica dos docentes, associada à grande demanda de trabalho, resta como grande desafio a formação permanente da equipe, a qual poderá ser otimizada em breve em função de um programa de estudos que se pretende iniciar, decisão tomada pelo colegiado do curso. Um dos temas urgentes que percebemos, ao lado da etnografia, é a formação teórico-metodológica que dê conta de aprofundar o conhecimento sobre o uso da metodologia da alternância em sociedades tradicionais. Da parte dos municípios, deve-se considerar que têm, em virtude dos convênios assinados, a obrigação, além de financiar a hospedagem e a alimentação dos acadêmicos nas etapas presenciais, de dar condições para que os acadêmicos tenham o acompanhamento dos docentes do curso no TU-Comunidade. Nem sempre, no entanto, há disposição de todas as secretarias municipais em liberar os acadêmicos de suas funções de sala de aula, atribuindo-lhes substitutos, a fim de que se viabilizem os atendimentos. Com relação ao financiamento dos cursos de formação de professores indíge-

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nas, há que se considerar o alto valor do investimento. Além da oferta em si, há a preocupação com a logística necessária, a qual envolve deslocamentos de acadêmicos e de docentes, alimentação, diárias de servidores, recursos para pessoa física e jurídica, recursos para material de consumo. Por conta da burocracia para a captação e uso de recursos públicos, dos atrasos constantes na liberação de verbas já aprovadas no PROLIND, é sempre um exercício infrutífero o gerenciamento financeiro de um curso como este. Embora uma nova legislação se anuncie com relação a este aspecto, o desafio tem sido constante no pagamento das despesas assumidas. As questões relacionadas às obrigações dos entes locais, regionais e federais quanto à educação escolar indígena acabam de receber uma orientação com a criação, no dia 14 de julho do corrente ano, do Território Etnoeducacional do Cone Sul. As discussões que vinham sendo realizadas no interior do curso serão agora aprofundadas, já que a UFGD possuirá assento na coordenação das ações a serem desenvolvidas doravante sobre a educação escolar indígena regional. Com isso, o desafio assumido pelo curso desde sua implantação de dinamizar uma educação de fato diferenciada para os Guarani e Kaiowá ganha certo fôlego externo. Por outro lado, acarretará o ingresso aos acelerados processos de implantação de tal programa sem que se possa ter o tempo suficiente para amadurecer melhor a inserção. De todo modo, a necessária reelaboração do Projeto Pedagógico do Curso deverá guiar-se por esta demanda. Quanto à reestruturação do Projeto Pedagógico da Licenciatura, há que dizer que uma avaliação dos alcances, mas também dos limites nele contidos tem indicado a necessidade de repensar os componentes curriculares e os conteúdos de ensino. Após o encerramento da primeira turma, toma força a percepção de que alguns aspectos foram priorizados em detrimento de outros. Enquanto curso que se fez ao longo da implantação, testaram-se possibilidades e enfoques. Resta, no entanto, uma discussão realizada pelo corpo social do curso a respeito da necessidade de inserção de alguns conteúdos de ensino e a supressão de outros. O desafio se avoluma quando se percebe que os cursos de formação de professores são extremamente novos para que se possa avaliá-los comparativamente em função de uma visão de conjunto. De toda sorte, nossa percepção é que no momento é possível avaliar o curso e propor-lhe mudanças, prática impossível até que se encerrasse a primeira turma. A autocrítica da opção realizada tem-nos levado a pensar no caráter eminentemente conteudista e exageradamente academicista de alguns componentes curriculares, de um lado, e na ênfase de outros nos aspectos puramente orais. O desafio de encontrar o equilíbrio destes aspectos passará pela reestruturação do Projeto Pedagógico do Curso. Chegamos,então,aodesafiodepensarumcurrículodeformaçãodeformadoresdefato diferenciado, aprimorando o olhar sobre a educação escolar enquanto processo amplo, isto é, como um continuum que perpassa os diversos níveis, sem estabelecer rupturas entre eles. Ademais, como dissemos, a educação superior impacta e é impactada pela educação básica. Quando se fala no desafio de se pensar o currículo, pensa-se na forma como a educação escolar foi apresentada aos indígenas ao longo da história. Se se quer vencer a perspectiva integracionista, há que se pensar que a colonização do pensamento ameríndio, enquanto racionalidade, não está totalmente suplantada. O que queremos dizer é que a opção cega pela interculturalidade, que não questiona os limites de um pensamento ingênuo, pode representar, na prática, uma nova roupagem da colonização. Ora, trata-se de se debruçar sobre a própria racionalidade que gera a escola como uma Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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instituição de enquadramento ao que se estabelece enquanto valor social hegemônico. Assim pensando, a educação escolar indígena passa a ser pauta de agendas que pensam os contatos estabelecidos pelos indígenas entre si e com as sociedades do entorno. À educação é atribuído um papel instrumental exercido em função do que se pretende construir enquanto projeto de povo. Por conta disso, se não objetivar dar respostas convincentes aos problemas vividos no cotidiano social, buscado elucidar suas causas e propor ações de enfrentamento aos problemas, continuará a ser tomada como instrumento de domesticação e integração a projetos desvantajosos aos indígenas. Talvez, de todos, este é um dos desafios mais difíceis de se enfrentar. Trabalhemos um pouco mais sobre ele. Nossa percepção é de que trabalhar com a educação escolar indígena, formando formadores, implica investir na auto-sustentabilidade das comunidades indígenas, até porque elas possuem expectativas com relação à escola ligadas a isso. O desafio que se coloca, então, é no estabelecimento de estratégias de ensino que possam transformar o curso em um laboratório onde as experiências desenvolvidas nas comunidades possam ser refinadas, reelaboradas e replicadas, via dinâmica da alternância. Na verdade, percebemos a necessidade de aprofundarmos as análises sobre os impactos que a formação em nível superior causa nas comunidades indígenas, pois a habilitação alcançada nem sempre se traduz em benefício para elas. Ademais, não basta ser professor indígena formado para que a comunidade indígena possa encontrar nele um suporte qualificado que a auxilie a transitar no mundo letrado, empoderando-a na luta por seus direitos. Outra leitura possível dentro desta questão é o fato de muitos indígenas procurarem respostas para seus problemas na universidade, local onde existem mais dúvidas do que certezas. Às vezes temos a impressão que devíamos fazer o caminho inverso: a universidade buscar nas sociedades indígenas respostas para os problemas criados pela civilização técnico-científica. Traduzindo este aspecto para a formação de professores indígenas, chegaríamos ao desafio escutarmos não somente seus clamores e problemas, mas também suas formas diferentes de encarar o mundo, isto é, sua racionalidade. Com isso, seria possível potencializar saídas culturalmente sustentáveis presentes nas sociedades indígenas com as quais a humanidade pode também beneficiar-se. Disso resulta que a escola indígena pode auxiliar as pessoas a transitarem satisfatoriamente em dois ou mais mundos. Este é o fundamento da interculturalidade crítica que, se bem entendido, pode auxiliar na suplantação da racionalidade da colonialidade e dar suporte para que os indígenas possam realizar suas escolhas sociais conscientes dos benefícios, mas também problemas que elas acarretam. Em um nível mais estrito, outro desafio que se coloca à Licenciatura Intercultural Indígena Teko Arandu diz respeito à busca conjunta de saídas para os problemas educacionais enfrentados nas escolas indígenas. Nem sempre, como dissemos, a solução será encontrada fora das próprias comunidades, até porque a educação escolar não indígena vai de mal a pior. Tomemos como exemplo a crítica que se escuta em qualquer avaliação das condições de oferta do ensino nas escolas indígenas quanto à falta de material didático específico. Dois aspectos se salientam quando trazemos este desafio para um curso de formação de professores: a forma como os conhecimentos construídos no ensino superior são didatizados e transformados em conteúdos de ensino na educação básica e o seu impacto na elaboração e avaliação dos recursos didáticos utilizados pelos acadêmicos em suas escolas.

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O primeiro aspecto está relacionado à transposição dos conteúdos acadêmicos às escolas de educação básica. Nesse sentido, aquilo que poderia ser uma fortaleza da Licenciatura Intercultural Indígena passa a ser um problema, pois nem todas as comunidades indígenas possuem escolas com as séries finais do ensino fundamental e ensino médio. Com isso, a alternância fica prejudicada, acarretando, como podemos antever em um futuro próximo, inexperiência a diversos egressos do curso quando em contato com o alunado dos níveis de ensino referidos. Este desafio permanece, contudo, também para aqueles que buscam aplicar nas suas escolas o que aprendem na universidade. Tem sido uma preocupação constante nos diversos componentes, além da teorização, a prática efetiva dos alunos. Basta uma leitura nos cadernos de estágio e nos relatórios elaborados pelos acadêmicos para perceber-se que, apesar das dificuldades, bons trabalhos estão sendo realizados nas escolas. Por outro lado, dificilmente se consegue transformar tais experiências em recursos didáticos, a segunda face da mesma moeda. Este desafio foi levantado nas avaliações internas do curso e a ele pode ser acrescida a publicação de paradidáticos com os trabalhos de investigação realizados pelos acadêmicos. Algumas experiências têm sido bastante louváveis nesse sentido, como a publicação do livro Kunumi Pepy pelos acadêmicos Misael Conciança Jorge, Natanael Vilharva Cáceres e Valdelice Verón. A sequência de desafios não se esgota se pensamos na produção de materiais na língua indígena. Com isso chegamos a um desafio candidato o bastante à intransponibilidade em um período médio de tempo: a criação de uma comunidade de escritores e de leitores indígenas. Quando se pensa na importância do uso de línguas indígenas nas escolas indígenas vem à tona o para quê de tal prática. Se elas aparecem apenas no sentido de transição para a língua portuguesa, há que se pensar no impacto negativo da escola sobre as línguas indígenas. Se a escola adota uma política no sentido do fortalecimento das línguas indígenas, por outro lado, deverá pensar em que língua acontecerá a instrução. Nossa defesa é que a língua de instrução seja, preferencialmente, a indígena. Para isso, há que se produzirem textos na língua para além de cartilhas de alfabetização, como é comum no mercado editorial brasileiro, o qual destina tais produções somente às crianças, em linguagem geralmente infantilizada. Em termos práticos, o problema que se coloca para os docentes do curso é também o aprendizado da língua e o uso nos diversos componentes curriculares. Outro desafio sentido pela Licenciatura Intercultural Indígena está ligado à necessidade de que haja um envolvimento maior dos próprios indígenas na formação de seus professores. Isto passa por dois aspectos que julgamos importantes. O primeiro está ligado ao aprofundamento das relações entre a universidade e o Movimento dos Professores Guarani e Kaiowá; o segundo ao ingresso de professores indígenas via concurso público na Licenciatura. O primeiro desafio diz respeito ao diálogo nem sempre possível entre a academia e os movimentos sociais por conta de diferenças históricas ligadas a interesses corporativos. O segundo, a um investimento no acesso à pós-graduação pelos indígenas já formados. Os desafios aqui analisados podem ser condensados num desafio-síntese: a consolidação do projeto pedagógico via aprofundamento do diálogo com os parceiros indígenas e indigenistas responsáveis pela proposição e implementação da Licenciatura Intercultural Indígena desde sua gestação inicial acontecida há mais de uma década até o presente. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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Apesar dos desafios percebidos, a Licenciatura Intercultural Indígena possui boas perspectivas no tocante à qualificação das atividades voltadas às populações indígenas, as quais direcionarão os investimentos da UFGD nos próximos anos, conforme política acertada entre a Reitoria da Universidade e o Movimento dos Professores Guarani e Kaiowá. Um primeiro elemento a ser destacado é o projeto de criação de uma faculdade indígena, a qual oferecerá, além da Licenciatura Intercultural, outros cursos específicos de graduação para indígenas e cursos de pós-graduação. Para suprir a carência de pessoal, há o indicativo favorável para a realização de concursos públicos em um futuro próximo. Quanto ao curso em si, em virtude do início dos trabalhos ligados ao Território Etnoeducacional do Cone Sul do MS, haverá a reelaboração do Projeto Político Pedagógico e os desafios aqui levantados serão considerados em tal processo. Com isso, defendemos que o Teko Arandu continua fiel ao projeto de povo pensado pelos Guarani e Kaiowá do Estado.

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O Movimento da Comissão dos Professores/Lideranças Pela Educação Escolar Indígena e Formação Específica dos Professores Guarani e Kaiowá do Cone Sul/Ms Tonico Benites

O presente artigo pretende apresentar a conquista de Formação Específica dos Professores Guarani e Kaiowá pela Comissão dos Professores e Lideranças indígenas do Cone Sul de Mato Grosso do Sul. Para a fundamentação deste artigo inicialmente apoiei-me na bibliografia que trata especificamente da história geral da introdução de educação escolar nas reservas/aldeias Guarani e Kaiowá e Guarani Ñandéva do atual Cone Sul de Mato Grosso do Sul. Em grande parte, centrei-me no trecho do primeiro documento resultante do 1º Encontro dos Professores Guarani e Kaiowá, em 1991, bem como do 16º Encontro de Professores e Lideranças Guarani e Kaiowá, realizado entre os dias 10 a 14 de novembro de 2010 na Aldeia Cerrito-Eldorado-MS. Por fim, em geral considerei os depoimentos e os documentos escritos por representantes dos professores e lideranças Guarani e Kaiowá e bibliografias citadas que foram fundamentais para elaboração deste artigo. Os povos indígenas do atual Cone Sul formam uma população de, aproximadamente, 45.000 indivíduos, que pertencem às etnias Guarani Kaiowá e Ñandeva; a maior parte está distribuída em 08 aldeias/reservas (demarcadas pelo Serviço de Proteção aos Índios entre 1915 e 1928); outra parcela da população Guarani e Kaiowá está assentada em 22 terras indígenas reocupadas por próprios indígenas, as quais se encontram identificadas e demarcadas ou em processo de regularização fundiária pela Fundação Nacional do Índios partir das décadas de 1980, 1990 e 2000. Além disso, existem 08 grupos de comunidades ou conjuntos das famílias extensas Guarani e Kaiowá despejadas no último ano da sua terra reocupada que, hoje, estão acampadas de modo provisório na margem da rodovia (BR), outras duas famílias acampam no cantinho das aldeias/reservas do SPI, aguardando identificação e reconhecimento oficial do seu território tradicional tekoha guasu. As parcelas dos territórios já ocupadas pelos povos Guarani e Kaiowá localizam-se em 18 municípios, tais como: Amambai, Antonio João, Aral Moreira, Bela Vista, Caarapó, Coronel Sapucaia, Douradina, Dourados, Eldorado, Japorã, Juti, Laguna Carapã, Maracajú, Paranhos, Ponta Porã, Rio Brilhante, Sete Quedas e Tacuru. O órgão indigenista oficial, o Serviço de Proteção aos Índios – SPI, no atual Cone Sul do Estado de Mato Grosso do Sul, entre 1915 e 1928, efetivou a delimitação de oito minúsculos espaços de terra, denominados de “Aldeia Indígena e/ou Posto Indígena (PIN)”1 – PINs Dourados, Caarapó, Amambai, Takuapiry, Limão Verde, Pirajui, Sassoró, Porto Lindo – a fim de, na lógica Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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dos agentes indigenistas e colonizadores, dar terra aos Guarani e Kaiowá, que se encontravam de forma dispersa no território tradicional - tekoha guasu. Inicialmente nestas Aldeias/Postos Indígenas (PIN) criados, foram instituídos oficialmente um “capitão indígena” e “chefe de posto indígena” para intermediar as comunicações da “comunidade” da aldeia delimitada entre o órgão tutor (SPI) e entidades não governamentais (Missão Evangélica Caiuá etc.). Após a delimitação das oito reservas ou Postos Indígenas, logo num primeiro momento foi introduzida uma escola/sala de aula, isto é, uma educação escolar oficial na proximidade de todas essas aldeias, sob coordenação dos missionários da Missão Evangélica Caiuá (MEC) juntamente com os apoios de capitães e chefes de postos indígenas do SPI. A Missão Evangélica Caiuá (MEC) não é governamental, mas de algum modo era e é ainda subsidiada pelos agentes do órgão tutor atual que é a Fundação Nacional dos Índios (FUNAI), prefeituras, Estados, entre outros. As atividades diversas de ensino iniciadas na sede da Missão Evangélica Caiuá perduram até hoje. É relevante salientar que naquele contexto histórico de instalação da primeira escola vinculada à instituição indigenista tutora (SPI), a reunião e comunicação diversa ocorriam de forma fechada, somente entre os missionários e os agentes do órgão tutor citado. Esta comunicação institucional freqüente era sobre a política educacional que tinha o objetivo principal de “evangelizar, civilizar e pacificar” os índios, sobretudo integrá-los à sociedade nacional, buscando dessa forma extinguir a sua identidade étnica.2 Por isso, desde início da introdução desta política educacional, os coordenadores das primeiras escolas ou salas de aulas eram os missionários, situavam-se na jurisdição da Missão Evangélica Caiuá e se comunicavam com frequência com o capitão e chefe de posto indígena. Nas escolas eram utilizados procedimentos didáticos comuns à sociedade nacional, que não levavam em conta a diferença cultural e a tradição de conhecimento das famílias Guarani e Kaiowá; tampouco interessava aos seus agentes missionários compreenderem essas especificidades. O modelo educacional foi implementado no sentido de sempre tentar impor o modo de viver e de educar do povo ocidental, isto é, introduzindo noções de higiene, vestimenta, hábitos comportamentais, regras de organização da vida escolar e crenças religiosas, desrespeitando as tradições de conhecimento e os métodos educativos próprios dos Guarani e Kaiowá . Os materiais didáticos eram formulados para ensinar os alunos não-índios na escola de orientação colonialista, com conteúdos preconceituosos, descontextualizados da realidade empírica. Além disso, os missionários ensinavam através da utilização de trechos bíblicos e aplicavam os conteúdos de forma coercitiva, seguindo um regimento próprio. Em relação aos horários de ensino, eles eram totalmente alheios à realidade cotidiana dos indígenas. Partindo de uma lógica homogeneizada, as práticas educacionais cen(1) Ver Brand, 1996; Thomaz de Almeida, 1991; Mura, 2006. (2) Ver Silva, 1995; RCNEI, 1998.

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tralizavam as atividades escolares, reunindo crianças ou jovens indígenas em salas de aula localizadas em lugares neutros, distantes dos espaços dos educadores tradicionais de cada grande família. Inicialmente, as salas de aulas situavam-se na jurisdição da Missão Evangélica Caiuá. Tais práticas, enfim, se davam fora do espaço social e geográfico de onde os alunos procediam, afetando o controle moral e educativo da tradição indígena. Desta forma, as atividades pedagógicas da escola acabavam por ter significativo impacto no processo de ensino-aprendizagem tradicional do povo Guarani e Kaiowá. Este modo de proceder acabou frustrando os desejos de ler e escrever dos Guarani e Kaiowá, uma vez que estes indígenas não concordavam com a forma de trabalho, o comportamento e a atitude dos missionários, mas os pais e mães das crianças indígenas não se manifestavam. Grande parte das crianças não permanecia na escola, por não se adaptarem às regras dos missionários e da própria escola, o que dificultava a alfabetização e impedia a continuidade do estudo em níveis avançados de escolarização. A maioria dos ex-alunos dessa época narram hoje detalhadamente como eram o ensino e a punição nas referidas escolas. Eles afirmam que foi difícil e complexo o processo de aprendizado, tendo desistido da escola por vários motivos, e aprendido a ler, a escrever e a contar com dificuldade. De fato, essas práticas etnocêntricas levaram à evasão de muitas crianças Guarani e Kaiowá, frustrando assim o desejo das famílias de verem os filhos alfabetizados, ou “fazer o papel falar e produzir a fala do papel” Benites, (2003). A desistência das crianças indígenas reforçou os preconceitos dos não-índios contra os indígenas de praticamente todas as aldeias Guarani e Kaiowá do Mato Grosso do Sul. A seguir pretendo destacar o movimento da Comissão de Professores e Lideranças pela Educação Escolar Indígena e formação específica de professores Guarani e Kaiowá do Cone Sul-MS As lideranças e professores Guarani e Kaiowá articulados em rede iniciaram uma discussão organizada sobre as práticas da educação escolar após Constituição Federal/88, buscando envolver os agentes das Secretarias da Educação Municipais, Estadual e os agentes indigenistas do Estado-Nação. Assim, em 1991, foi realizado o 1º Encontro de Lideranças Guarani e Kaiowá para discutir, avaliar e reivindicar a implementação de Educação Escolar Indígena em cada aldeia. Conforme os trechos citados pela Rossato & Silvestre no seu artigo: [...] Queremos uma escola própria do índio, [...] dirigida por nós mesmos, com professores do nosso próprio povo, que falam a nossa língua [...] A comunidade deve decidir o que vai ser ensinado na escola, como vai funcionar a escola e quem vão ser os professores. A nossa escola deve ensinar o Ñande Reko (nosso jeito de viver, nossos costumes, crenças, tradição), de acordo com nosso jeito de trabalhar e com nossas organizações. Os currículos devem respeitar os costumes e tradições das comunidades Guarani/Kaiowá e devem ser elaborados pelos próprios professores junto com as lideranças e comunidades. Os professores Guarani/Kaiowá [...] devem ter uma capacitação específica. As escolas Guarani/Kaiowá devem ter seus próprios regimentos [...] Que as iniciativas escolares próprias das comunidades Guarani/ Kaiowá sejam reconhecidas e apoiadas pelos municípios, estado e união [...]. (Documento final do I Encontro dos Professores e Lideranças Kaiowá e Guarani/1991). Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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No seio desse primeiro grande encontro foi instituída e legitimada a Comissão de Professores Indígenas Guarani e Kaiowá que representa todos professores. É importante compreender que a Comissão de Professores Kaiowá e Guarani do MS é formada por uma equipe composta por um representante de cada aldeia Guarani e Kaiowá, que se articula em rede com as lideranças políticas e religiosas para reivindicar e encaminhar e defender os interesses do Movimento de Professores e Lideranças Guarani e Kaiowá e da implementação da educação escolar indígena diferenciada, bilíngue, intercultural, específica, conforme está garantido na Constituição Federal/88. Como já dito, no final da década de 1980 e durante a década de 1990, o modelo de escola integracionista introduzida nas aldeias foi discutido intensamente em inúmeros encontros de professores indígenas Guarani e Kaiowá no MS. Algumas propostas foram elaboradas a partir de apoios, da observação e intervenção de alguns não-índios vinculados a ONGs (CIMI, Comissão Pró-Índio, CTI, entre outras) e de pesquisas nas universidades sobre educação escolar, cultura e história dos Guarani e dos Kaiowá, procurando entender e refletir sobre as diferenças entre o modo de ser e viver dos Guarani e Kaiowá e dos não-indígenas. A reivindicação determinante que surgiu desses encontros foi que os professores fossem sempre indígenas indicados pelas comunidades locais de cada aldeia e que as práticas pedagógicas da escola integracionista fossem também rediscutidas amplamente e transformadas na escola indígena. Em decorrência das discussões e da reivindicação, foram contratados pelas prefeituras alguns indígenas. Segundo Rossato (2003): Esta ação emergiu de antiga reivindicação do Movimento dos Professores Guarani/Kaiowá, das comunidades desta etnia e de outras instituições envolvidas com a educação escolar no contexto indígena, que ressaltavam a necessidade de um curso específico de formação de professores indígenas Guarani e Kaiowá. Esta solicitação foi assumida pelo governo estadual de Mato Grosso do Sul e veio ao encontro do projeto proposto pela Secretaria de Estado de Educação/MS, denominado “Educação Escolar Indígena: uma questão de cidadania”, o qual pretendia construir participativamente a política educacional da diversidade étnica, proporcionando o resgate da história e o fortalecimento da identidade dos povos indígenas, valorizando suas culturas. Vários encaminhamentos, desde 1995, foram direcionados para efetivação, através dos órgãos competentes, de um curso de formação específico para os Guarani e Kaiowá, que pudesse atender à demanda dos professores sem habilitação que atuavam em suas comunidades e outros para substituírem os não-indígenas. Em 1998, um Censo Escolar Kaiowá/Guarani revelava que havia 4.620 crianças e jovens de 05 a 14 anos matriculadas nas quatro primeiras séries do Ensino Fundamental, nas 49 escolas de 23 áreas indígenas daquela etnia. Naquele ano estavam trabalhando nestas escolas 159 professores, sendo apenas 79 Guarani/Kaiowá, dos quais apenas três tinham o magistério completo e quatro com o curso superior completo ou por completar, nenhum deles específico. A demanda seria de, aproximadamente, 200 professores indígenas desta etnia. Assim, na década de 90 surgiu uma categoria: de “professor indígena Guarani e Kaiowá”. Esses indígenas Guarani e Kaiowá eram em número insuficiente e, por isto, junto com eles, continu-

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aram

ministrando

aulas

também

professores

não-índios

nas

aldeias.

É importante destacar que a possibilidade de contratação dos professores indígenas foi uma reivindicação das lideranças de diversas aldeias e terras reunidas em assembléias gerais (aty guasu), uma forma de reunião da qual participavam todas as lideranças políticas e religiosas articuladas em rede de famílias extensas que lutavam para que as autoridades reconhecessem suas terras tradicionais (tekoha) que haviam sido transformadas em fazendas.3 Ali, reivindicavam também reiteradamente soluções possíveis para resolver os problemas comuns que os atingiam, diretamente nas reservas/aldeias e fora delas, nas áreas reocupadas e/ou território retomado, a partir da reivindicação das lideranças das famílias extensas em litígio com os fazendeiros. Assim, passaram a solicitar que seus professores fossem apenas Guarani e Kaiowá pertencentes ao território em que estavam assentados historicamente. Os poderes públicos (Prefeituras e Estado) contra-argumentavam, apontando as impossibilidades impostas pela legislação: os professores deviam ser formados e não leigos. A proposta das prefeituras era encaminhar os professores não-índios formados para as aldeias, mas as lideranças indígenas passaram a não aceitar mais a presença de professores não-índios, principalmente nos territórios em litígio. Esta solicitação antiga foi atendida somente no final da década de 1990 e no início de 2000, com forte articulação e participação das Lideranças e da Comissão de Professores Kaiowá e Guarani do MS, apoiados pelo Conselho Indigenista Missionário (CIMI), entre outros. Desta situação emergiu a contratação de professores indígenas e criação de Escola Pólo Indígena em algumas reservas e também foram contratados os professores indígenas nos territórios indígenas reivindicados que se encontram em processo de identificação fundiária, ainda em litígio. Como ficou claro, somente nos meados da década de 1990 passou a ser atendida parcialmente a exigência de os professores das aldeias serem indígenas indicados pelas lideranças e criação e reconhecimento oficial da educação escolar indígena. A Comissão de Professores Kaiowá e Guarani do MS defendia e defende que o ensino escolar deve ser intercultural, que é mais adequado, discutindo e propondo um modelo de escola com currículos, atividades e calendários diferenciados e construir o Projeto Político Pedagógico específico (PPP), a fim de caracterizar a relevância da cultura indígena Guarani e Kaiowá, e os professores deveriam ser todos indígenas, escolhidos pela própria “comunidade” da aldeia. Desse modo, se começou a pressionar as Secretarias Municipais de Educação, Estadual e Funai para assumirem esse modelo de escola diferenciada e específica. Diante do movimento da Comissão de Professores Kaiowá e Guarani do MS, para atender às reivindicações, a Secretaria de Educação do Estado, em parceria com a Funai, as Secretarias de Educação Municipais e as Uni(3) Essa maneira de organização, as aty guasu, emergiu em 1978, a partir de uma reunião realizada pelo PKÑ (Projeto Kaiowá-Ñandeva), na reserva de Pirajuy, para reunir os líderes (cabeçantes) de grupos de roças (kokue guasu) organizados por esse projeto. Naquela ocasião, representantes de famílias de Paraguaçu manifestaram preocupação com a atitude hostil dos fazendeiros, que queriam expulsá-los de suas terras (ver Thomaz de Almeida, 2001). Desde aquele momento, a aty guasu, além de se constituir em assembléia em cada aldeia, passou também a ser um fórum geral dos Guarani e dos Kaiowá, de todo o Mato Grosso do Sul, realizada periodicamente, três ou quatro vezes ao ano. Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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versidades, em 1994, ofereceu somente um curso específico de capacitação em nível de 1º Grau. Os cursos duraram, em média, dois anos, mas o professor Guarani e Kaiowá continuava ainda leigo, do ponto de vista dos órgãos públicos de educação. A partir daí, a Comissão dos Professores passou a rediscutir e a reivindicar outro curso de magistério específico, em nível médio, isto é, um curso de formação de 2º Grau ou ensino médio diferenciado. Outra reivindicação importante era conseguir assegurar a continuidade de contratação dos professores Guarani e Kaiowá por parte das Secretarias de Educação dos Municípios, evitando assim a presença de não-indígenas nas salas de aula das aldeias. Em decorrência dessas pressões da Comissão de Professores Kaiowá e Guarani do MS, foi aceito para efetivação um curso elaborado e discutido há mais de dez anos junto aos pesquisadores em educação indígena, denominado Projeto de formação específica de professore Guarani e Kaiowá “Ara Verá” (“Tempo e Espaço Iluminado”), um curso que pretendia, e ainda pretende introduzir um ensino intercultural, diferenciado e bilingues entre os Guarani e os Kaiowá do Mato Grosso do Sul. O Projeto de formação de professores Guarani e Kaiowá“Ara Verá” só teve início em 1999; é um curso de formação específica para professores do ensino básico que já estavam em exercício. Foi organizado pela Secretaria Estadual de Educação do Mato Grosso do Sul, em parceria com os municípios, a Universidade Católica Dom Bosco – UCDB e a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul – UFMS. O primeiro curso terminou em 2002, formando 80 profissionais indígenas Guarani e Kaiowá.4 Porém, a reivindicação por avanços continuou, até que recentemente, com a criação e a implantação da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) atendeu a reivindicação e efetivou um curso de licenciatura indígena Guarani-Kaiowá chamado “Teko Arandu”, que está atualmente com a Licenciatura Intercultural em pleno desenvolvimento. A Escola-Pólo Indígena Municipal que foi criada e regularizada continua mantida pela Secretaria Municipal de Educação, mas a direção e a coordenação internas hoje são ocupadas pelos próprios professores Kaiowá e Guarani, tendo como função monitorar e gerenciar as atividades de outros professores indígenas espalhados nas salas de aulas na mesma aldeia e também localizadas em outras aldeias. O Projeto Político Pedagógico – PPP e o regimento da Escola Indígena encontram-se em processo de construção. Importa destacar que historicamente e até dez anos atrás, em geral, esses Projetos Políticos Pedagógicos PPPs eram baseados em antigos modelos de escolas integracionistas, que atuavam segundo a orientação da lógica colonial, impondo métodos e valores da sociedade ocidental dominante e etnocêntrica. Além disso, na escola, os professores indígenas não atuavam com liberdade, pois tinham que ficar rigorosamente sob o comando dos diretores e dos coordenadores não-índios da Secretaria de Educação municipal. Hoje, a maioria da Educação Escolar Indígena localizada nas aldeias do Cone Sul oferece o ensino da educação infantil, 1º ano ao 5ª ano da educação básica e os professores que ministram os cursos são próprios Guarani e Kaiowá. Estes professores indígenas que foram formados em exercício através de Magistério (4) Ver Rossato, 2003;

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Específico em Nível Médio - Ara Vera. A maior parte está cursando o Curso Superior como a Licenciatura Intercultural Indígena - Teko Arandu, entre outros. Por fim, foi constatado que no Censo Escolar de 2009 em algumas aldeias mais antigas criadas pelo SPI, (como a das aldeias: Dourados, Amambai, Caarapó, Sassoró, entre outros) as escolas já oferecem o curso do 6º ao 9º ano da educação básica pelas Secretarias Municipais de Educação, sendo embasadas pela lógica da educação bilíngue, diferenciada e pela interculturalidade. Por esta razão, o curso é tido como diferenciado e específico no ensino fundamental. De modo similar, no último dois anos, a Secretaria Estadual da Educação do Mato Grosso do Sul introduziu a sala de extensão do Ensino Médio nas aldeias mais populosas, tais como as aldeias: Jaguapiru e Bororó-Dourados, Amambai, Sassoró-Tacuru entre outros. Este Ensino Médio ainda é semelhante aos cursos oferecidos pela escola da cidade, mas algumas atividades pedagógicas são entendidas parcialmente como bilíngues, interculturais e diferenciadas pelos professores indígenas e não-indígenas envolvidos. No curso de Ensino Médio das aldeias, a maioria dos professores é de não-índios que residem no centro urbano. É importante destacar que nos relatórios técnicos dos municípios constam que as salas de aula ou escolas integracionistas existentes dentro de todas as aldeias antigas do SPI foram transformadas em Escolas Pólo Indígenas nos últimos cinco anos. Antes eram subordinadas aos Projetos Políticos Pedagógicos – PPPs, às administrações e aos regimentos de Escolas-Pólos Municipais, localizadas fora das áreas indígenas, no meio urbano ou rural. Foi constatado também nos relatórios citados que as salas de aulas ou escolinhas instaladas nos territórios recuperados que se encontram em litígio ainda são extensão da Escola-Pólo urbana e/ou Rural. Mas no Censo Escolar consta como fosse Escola Indígena. Nessa Terra Indígena em litígio (T.I) encontra-se um número pequeno de alunos regularmente matriculados, por isso há um (01) ou dois (02) professores indígenas contratados pela prefeitura. Por fim, importa destacar que de acordo com as Atas das reuniões técnicas/2009 e o Plano de Ação/2009 do “Território Etnoeducacional Cone Sul”, elaborados entre os dias 31 de março a 03 de abril de 2009 em Dourados-MS (durante a 1ª Conferência Regional/2009), de fato foram assumidas pelas instituições públicas (Prefeituras, Estado, MEC, IES, FUNAI, entre outros) para implementação de Educação Escolar Indígena no Território Etnoeducacional Cone Sul de MS. Na sequência ocorreu também a 1ª Conferencia Nacional de Educação Escolar Indígena. No contexto destas conferências e reuniões foi registrado que a Comissão dos Professores e as lideranças indígenas foram participantes ativas na definição do Plano de Ação e das grandes conferências, participando do diagnóstico da situação das escolas e da elaboração do Plano de Ação pactuado que seria executado progressivamente. Constatamos que este Plano de Ação citado foi pauta principal do XVI Encontro da Comissão do Professores Guarani e Kaiowá, como ficará claro a seguir. Neste último documento dos professores e lideranças Guarani e Kaiowá consta uma parte das propostas significativas de avaliações da Educação Escolar Indígena Guarani e Kaiowá localizadas nas aldeias do Cone Sul, visto que foram apresentadas as descrições das situações recentes da Educação Escolar Indígena diante da Relato de intercâmbio entre Comunidades Guarani

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fase inicial da implementação do Plano de Ação do Território Educacional Cone Sul. No XVI Grande Encontro dos Professores e Lideranças Guarani, seus participantes discutiram e concluíram que a execução do Plano de Ação do Território Etnoeducacional Cone Sul se encontrava paralisada e lenta, de fato não estava iniciada a implementação das ações pelas instituições envolvidas, ocorrendo de modo contrário ao esperado no Plano de Ação do Território Etnoeducacional Cone Sul, conforme demonstra o documento final produzido e assinado nesse XVI Grande Encontro dos Professores e Lideranças Guarani e Kaiowá que foi realizado entre 10 e 14 de Novembro de 2010, na aldeia Cerrito-Eldorado-MS.

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Agradecimentos Quando idealizamos a elaboração de um livro de intercâmbio como este em que diferentes olhares se encontram e se harmonizam, torna-se muito difícil agradecer e nominar colaboradoras/es sem cometermos a injustiça de omitir algum. O processo de construção deste livro exigiu esforços diferenciados de inúmeras pessoas que, com compromisso e excelência no seu trabalho, tornaram possível esta missão. Desta forma, mais do que fazer um simples agradecimento, devemos expressar nosso reconhecimento de que, sem a colaboração e envolvimento de todas as pessoas que participaram desta construção, não teríamos conseguido alcançar nossos objetivos da forma como alcançamos. Este trabalho é fruto não só do Departamento da Diversidade/Coordenação da Educação Escolar Indígena, mas de todos os Departamentos da Secretaria de Estado da Educação SEED/PR, que estiveram integrados na execução de um objetivo comum: a realização do Intercâmbio entre as Comunidades Guarani. A todas as pessoas que de alguma forma participaram em algum momento deste processo o reconhecimento pelo seu trabalho e apoio tão fundamentais. Devemos mencionar, ainda, e de modo especial, a dedicação e o apoio que sempre tivemos do professor Aguilera de Souza, Coordenador da Educação Escolar Indígena da Secretaria Municipal de Educação de Dourados/SEMED/ MS em todos os momentos de nosso Intercâmbio. O carinho e a acolhida das direções e das/os professoras/es das Escolas Indígenas visitadas merecem menção especial, pois com elas/es nos sentimos em casa e, desta forma, mesmo antes de partir já sentíamos saudades das/os amigas/os que fizemos. Não poderíamos deixar de mencionar as/os técnicas/os pedagógicas/os dos Núcleos Regionais de Educação do Paraná e direções das Escolas Estaduais Indígenas que nos apoiaram sempre e, incansavelmente, fizeram a ponte entre a SEED e as comunidades de nossos professores Guarani. Finalizamos expressando nossa profunda gratidão a todas e todos que de alguma forma e, em algum tempo, colaboraram para que esta construção coletiva se concretizasse. Equipe da Educação Escolar Indígena SEED/PR




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