Revista de Jurisprudência - Edição nº 144

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REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 5ª REGIÃO

JURISDIÇÃO Pernambuco - Alagoas - Ceará Paraíba - Rio Grande do Norte e Sergipe

Número 144 - Março/Abril - 2020

R. TRF 5ª Região, nº 144, pp. 1-394, Março/Abril - 2020


REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 5ª REGIÃO

Diretor da Revista DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO

Repositório de jurisprudência – versão eletrônica – credenciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o nº 70 (Portaria nº 05/2010, DJe de 13/04/2010, pág. 4.173)

Administração TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO Cais do Apolo, s/nº - Bairro do Recife CEP 50030-908 - Recife - Pernambuco


GABINETE DA REVISTA: Diretor DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO Supervisão de Coordenação de Gabinete e Base de Dados NIVALDO DA COSTA VASCO FILHO Supervisão de Pesquisa, Coleta, Revisão e Publicação ARIVALDO FERREIRA SIEBRA JÚNIOR Apoio Técnico LÚCIA MARIA D’ALMEIDA SEYNA RÉGIA RIBEIRO DE SOUZA Capa ANDRÉ GARCIA Diagramação GABINETE DA REVISTA Endereço eletrônico: www.trf5.jus.br Correio eletrônico: revista.dir@trf5.jus.br

Revista do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, v. 1 (1989) Recife, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 1989 Bimestral, a partir do volume n° 73. A partir do v. 4, n° 1, de 1992, a numeração passou a ser contínua. ISSN 0103-4758 1. Direito - Periódicos. I. Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região CDU 34(05)


TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO

Desembargador Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO - 27.02.08 Presidente Desembargador Federal JOSÉ LÁZARO ALFREDO GUIMARÃES - 30.03.89 Vice-Presidente Desembargador Federal CARLOS REBÊLO JÚNIOR - 09.09.15 Corregedor Regional Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - 17.05.01 Coordenador dos Juizados Especiais Federais Desembargador Federal MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - 08.08.07 Desembargador Federal ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA - 05.05.08 Diretor da Escola de Magistratura Federal Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR - 21.07.10 Desembargador Federal FERNANDO BRAGA DAMASCENO - 15.05.13 Desembargador Federal FRANCISCO ROBERTO MACHADO - 10.12.14 Desembargador Federal PAULO MACHADO CORDEIRO - 14.04.15


Desembargador Federal CID MARCONI GURGEL DE SOUZA - 15.06.15 Desembargador Federal RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO - 11.12.15 Desembargador Federal ALEXANDRE COSTA DE LUNA FREIRE - 1°.02.16 Desembargador Federal ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO - 25.05.16 Desembargador Federal LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO - 19.04.17 Diretor da Revista


TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO

TRIBUNAL PLENO (quartas-feiras) Presidente: Desembargador Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO Vice-Presidente: Desembargador Federal LÁZARO GUIMARÃES Corregedor: Desembargador Federal CARLOS REBÊLO JÚNIOR PRIMEIRA TURMA (quintas-feiras) Desembargador Federal ALEXANDRE LUNA - Presidente Desembargador Federal ROBERTO MACHADO Desembargador Federal ÉLIO SIQUEIRA SEGUNDA TURMA (terças-feiras) Desembargador Federal LEONARDO CARVALHO - Presidente Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE O. LIMA Desembargador Federal PAULO MACHADO CORDEIRO TERCEIRA TURMA (quintas-feiras) Desembargador Federal CID MARCONI - Presidente Desembargador Federal ROGÉRIO FIALHO Desembargador Federal FERNANDO BRAGA QUARTA TURMA (terças-feiras) Desembargador Federal MANOEL ERHARDT - Presidente Desembargador Federal EDILSON NOBRE Desembargador Federal RUBENS CANUTO


SUMÁRIO 1 Pleno Composição............................................................................ 9 Jurisprudência......................................................................... 11 2 Primeira Turma Composição............................................................................ 87 Jurisprudência......................................................................... 89 3 Segunda Turma Composição.......................................................................... 192 Jurisprudência....................................................................... 194 4 Terceira Turma Composição.......................................................................... 224 Jurisprudência....................................................................... 226 5 Quarta Turma Composição.......................................................................... 275 Jurisprudência....................................................................... 277 6 Turmas Ampliadas Composição.......................................................................... 305 Jurisprudência....................................................................... 307 7 Julgamento Histórico............................................................. 360 8 Índice Sistemático................................................................. 383 9 Índice Analítico...................................................................... 387


COMPOSIÇÃO DO PLENO


Des. Federal Lázaro Guimarães Vice-Presidente

Des. Federal Vladimir Carvalho Presidente

Des. Federal Carlos Rebêlo Corregedor Regional

Des. Federal Rogério Fialho

Des. Federal Edilson Nobre

Des. Federal Paulo Roberto

Des. Federal Manoel Erhardt

Des. Federal Fernando Braga

Des. Federal Roberto Machado

Des. Federal Paulo Cordeiro

Des. Federal Cid Marconi

Des. Federal Rubens Canuto

Des. Federal Alexandre Luna

Des. Federal Élio Siqueira

Des. Federal Leonardo Carvalho


JURISPRUDÊNCIA DO PLENO


AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0801692-58.2019.4.05.0000-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMA RÃES Autor: MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S/A Réu: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Adv./Proc.: DR. JACQUES ANTUNES SOARES (AUTOR) EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR. AÇÃO RESCISÓRIA. CONTRATOS IMOBILIÁRIOS INCLUÍDOS NO PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”. COBRANÇA DE TAXAS DE CORRETAGEM E DE ADMINISTRAÇÃO. O EMINENTE MINISTRO DO STJ PAULO DE TARSO SANSEVERINO, NO JULGAMENTO DA MEDIDA CAUTELAR 25.323/SP, EM 16/12/2015, DETERMINOU A SUSPENSÃO DE TODOS OS PROCESSOS, EM TODO PAÍS, INCLUSIVE EM PRIMEIRO GRAU, EM QUE SE DISCUTIAM QUESTÕES DE DIREITO SUJEITAS AO JULGAMENTO DO RESP 1.551.956/SP. - Restou fixado no recurso especial repetitivo, o entendimento de que é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do programa “Minha Casa, Minha Vida”, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Tema 938. - O Tema 960 leva em consideração todas as ações afetadas que foram ajuizados por famílias que integravam o mencionado programa e que já haviam pago a taxa de corretagem, mas pretendiam obter o reembolso dos valores. Então, a tese de que não teriam condições de suportar esse ônus foi considerada inoportuna, não sendo acolhida. - Procedência do pedido rescisório.

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ACÓRDÃO Vistos etc., decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 19 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 28 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES: Cuida-se de ação rescisória, com pedido de tutela provisória, ajuizada por MRV ENGENHARIA E PARTICIPAÇÕES S.A., com fundamento no art. 966, V, do Código de Processo Civil, objetivando a desconstituição do acórdão da eg. Quarta Turma deste TRF - 5ª REGIÃO, que negou provimento à apelação interposta pelo MPF, nos autos da Ação Civil Pública nº 0801507-70.2015.4.05.8500, em razão de nulidade no processamento desse processo. Deferi a tutela de evidência, com base no art. 311, II, em combinação com o § 5º do art. 966 do Código de Processo Civil, para determinar a sustação do cumprimento de sentença no processo originário. Apreciei o pedido e, ao fim, asseverei que: Revela-se, assim, a probabilidade do direito invocado e o perigo de dano consistente tanto na imposição de multa diária e na ordem de publicação de informação em jornal que, a esta altura, se revelaria em absoluta desconformidade com a jurisprudência uniforme a prevalecer em todo o território nacional, e acarretaria prejuízo a eventuais consumidores. O réu, Ministério Público Federal, apresentou contestação em que pugnou pela improcedência do pedido rescisório. A autora apresentou réplica à contestação em que aduz: 12


“Embora tenha havido a afetação de dois recursos especiais que tratavam justamente sobre o tema vertido na ação originária (legalidade da transferência da taxa de corretagem) – e como consequência de tal afetação a determinação de sobrestamento de todas as ações do país –, a verdade é que esta última foi processada e julgada à revelia das determinações da Corte Superior, em absoluto descompasso com a organização judiciária e com a própria Constituição Federal”. Ambas as partes colacionaram razões finais, tempestivamente. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (Relator): O acórdão vergastado consignou a seguinte ementa: ADMINISTRATIVO E CONSUMIDOR. APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. CONTRATOS IMOBILIÁRIOS INCLUÍDOS NO PROGRAMA “MINHA CASA, MINHA VIDA”. COBRANÇA DE TAXAS DE CORRETAGEM E DE ADMINISTRAÇÃO. REPETIÇÃO EM DOBRO DO INDÉBITO. ART. 42 DO CDC. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE MÁ FÉ. DANO MORAL COLETIVO. INOCORRÊNCIA QUE PREJUDICA O PLEITO DE MAJORAÇÃO DO QUANTUM FIXADO NA SENTENÇA. IMPROVIMENTO. 1. Apelação do MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL contra sentença que, confirmando os efeitos da tutela antecipada, julgou parcialmente procedente a pretensão deduzida nesta ação civil pública, na qual o apelante postula a majoração do montante fixado de indenização pelo suposto dano moral à coletividade, bem como a repetição do indébito em dobro. 2. O art. 42 do Código de Defesa do Consumidor não consagra a hipótese de responsabilidade, não tendo sido comprovada, no caso concreto, a existência de má-fé na conduta da parte apelada, conforme bem ressaltou o juiz sentenciante. 3. Quanto ao pleito de majoração do valor indenizatório arbitrado (20.000,00) na sentença para a compensação do alegado dano moral coletivo, não se mostra possível o

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acolhimento, pois, no entender deste Tribunal, sequer foi demonstrada, no caso concreto, a ocorrência de prejuízo extrapatrimonial à população de Aracaju/SE. 4. Sem embargo da diferença que existe entre o dano individual e o coletivo, é indispensável que o fato gerador do dano coletivo extrapole os limites da tolerabilidade e razoabilidade, produzindo “verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva” (STJ, REsp 1.221.756/ RJ, Terceira Turma, Rel. Ministro Massami Uyeda, DJe 10/02/2012, p. 580, p. 37). 5. Assim, eventual dano moral decorrente da cobrança de taxas de administração e de corretagem pela apelada aos beneficiários do Programa “Minha casa, Minha Vida”, caso efetivamente demonstrado, não ultrapassaria a esfera jurídica individual daquele que realmente se sentiu lesado em sua honra, não havendo como se estender tal situação a toda uma coletividade. Não é, portanto, a mera cobrança de encargos ilegais que ocasiona, ipso facto, o dano moral coletivo. 6. Apelação cujo provimento é negado.

Observa-se que o mencionado acórdão ratificou a sentença anteriormente proferida pela juíza da 1ª Vara Federal de Sergipe, que condenou a empresa, ora autora: (a) à obrigação de fazer consistente em se abster de realizar “cobranças de corretagem” e “taxa de administração” e demais custos de comercialização e administração contratual aos adquirentes de imóveis de empreendimentos imobiliários financiados no âmbito do programa “Minha Casa, Minha Vida” - PMCMV; (b) à obrigação de ressarcir ao consumidor que efetivamente comprove a aquisição de unidade imobiliária do programa “Minha Casa, Minha Vida”, em Aracaju, mediante o pagamento, inclusive, de taxa de corretagem e taxa de administração; (c) à obrigação de pagar o valor de R$ 20.000,00 (vinte mil reais) a título de danos morais; e (d) à obrigação de fazer consistente em promover, no prazo de dez dias úteis depois do trânsito em julgado, em jornais

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de grande circulação, a publicação de edital noticiando este comando sentencial, para o fim de convocar os lesados adquirentes das unidades habitacionais do programa “Minha Casa, Minha Vida”, mais especificamente os adquirentes de imóvel no empreendimento “Alamedas de Aracaju Condomínio Clube”, sob pena de multa diária no importe de R$ 1.000,00 (mil reais). O colendo STJ firmou entendimento em julgamento de recurso repetitivo, no sentido de admitir a “validade da cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda de unidade autônoma em regime de incorporação imobiliária, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem” (REsp 1.599.511/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 24/08/2016, DJe 06/09/2016 - Relativo ao Tema 938). No julgamento da Medida Cautelar nº 25.323/SP, em 16/12/2015, o eminente Ministro Sanseverino determinou a suspensão de todos os processos em que se discutiam as questões de direito sujeitas ao julgamento do REsp nº 1.551.956/SP, in verbis: Ante o exposto, defiro o pedido do requerente para determinar a suspensão em todo país, inclusive em primeiro grau, de todas as ações em trâmite nas quais se discutam as questões de direito que foram objeto da afetação no REsp nº 1.551.956/SP e que ainda não tenham recebido solução definitiva, obstando a prática de quaisquer atos processuais até o julgamento do recurso repetitivo.

A coisa julgada que contrariou o precedente obrigatório se consolidou pelo fato de a juíza de Primero Grau não haver seguido a determinação de sobrestamento advinda do STJ, fato que levou este Tribunal a não seguir aquela imposição, a despeito da apelação ter sido interposta pelo MPF (matéria de ordem pública). Colaciono precedente do douto Ministro do STJ Villas Bôas Cueva: RECURSO ESPECIAL REPETITIVO. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. PROMESSA DE COMPRA E VENDA 15


DE IMÓVEL. PROGRAMA MINHA CASA, MINHA VIDA. COMISSÃO DE CORRETAGEM. TRANSFERÊNCIA DA OBRIGAÇÃO AO CONSUMIDOR. POSSIBILIDADE. DEVER DE INFORMAÇÃO. OBSERVÂNCIA. NECESSIDADE. 1. Para os fins do art. 1.040 do CPC/2015, fixa-se a seguinte tese: Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. 2. Solução do caso concreto: Considerando que as partes convencionaram que o valor correspondente à comissão de corretagem seria pago diretamente pelo proponente ao corretor, impõe-se julgar improcedente o pedido de repetição dos valores pagos a esse título. 3. Recurso especial provido.

Para os fins do artigo 1.036 do CPC/2015, foi fixada a seguinte tese repetitiva: Ressalvada a denominada Faixa 1, em que não há intermediação imobiliária, é válida a cláusula contratual que transfere ao promitente-comprador a obrigação de pagar a comissão de corretagem nos contratos de promessa de compra e venda do Programa Minha Casa, Minha Vida, desde que previamente informado o preço total da aquisição da unidade autônoma, com o destaque do valor da comissão de corretagem. Data do julgamento: 13/06/2018. Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA.

Transcrevo, a seguir, conteúdo da pesquisa que realizamos na fonte FFLAW “http://www.fflaw.com.br/a-comissao-de-corretagem-e-o-programa-minha-casa-minha-vida/” O Superior Tribunal de Justiça - STJ, na tentativa de encerrar de vez as controvérsias sobre o tema, houve por bem fixar a seguinte tese: é válido o repasse de tal encargo aos promitentes-compradores, desde que o preço a este título lhes seja previamente informado e o prazo 16


prescricional é de três anos para pleitear o ressarcimento desses valores, caso cobrado indevidamente (Tema 938). Ocorre que, não obstante o acerto do STJ, verificou-se novo número substancial de processos cujo pedido era, justamente, a restituição de tais valores, contudo por adquirentes de imóvel objeto do Programa Minha Casa, Minha Vida (PMCMV). Ao tomar ciência desses “processos repetitivos”, o STJ determinou a afetação de todas essas demandas como tema 960. Ao ser iniciada a sessão de julgamento, o ponto crucial de discussão foi a aplicação (ou não) do Tema 938, acima explanado, para os contratos objeto do PMCMV, debatendo-se de quem seria o ônus de pagamento da comissão de corretagem e, até mesmo, se ela poderia ser cobrada desse grupo de consumidores. Tamanha a controvérsia do assunto, que os envolvidos no caso sub judice apresentaram diversas teses, as quais vão desde a vedação de cobrar tais valores de todos esses consumidores, independentemente da faixa do PMCMV em que se enquadram, uma vez que desvirtuaria a função social do programa habitacional, até a validade do repasse de tal encargo a todos esses promitentes-compradores, desde que previamente informados. Não se pode perder de vista que estava em “jogo” matéria diretamente relacionada ao direito constitucional de moradia e, sobretudo, que o PMCMV consiste em viabilizar tal direito aos mais necessitados (famílias de baixa/média renda). Com efeito, após uma série de edições da Lei que rege o PMCMV, as famílias que lhe são adeptas foram classificadas em quatro diferentes faixas, cada qual com regramentos específicos, de acordo com a renda mensal bruta aferida: faixa 1 - de maneira geral até R$ 1.800,00; faixa 1,5 - até R$ 2.600,00; faixa 2 - até R$ 4.000,00; faixa 3 - até R$ 9.000,00. Registra-se que a faixa 1 foi prontamente exonerada do pagamento de comissões de corretagem, mesmo porque não há trabalho de corretores na venda de imóveis nesta categoria, haja vista que compra e venda de imóveis para esse grupo se dá mediante seleção de critérios sociais e sorteio. Portanto, descabida a cobrança de comissão de corretagem para essa faixa.

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Superada essa exceção, prevaleceu o entendimento do Tema 938 para as demais faixas de renda do PMCMV (faixas 1,5, 2 e 3), ou seja, os compromissários compradores estão sujeitos ao pagamento do serviço de corretagem, desde que lhes previamente informado. Esta é a tese fixada pelo Tema 960. Por oportuno, merecem ser destacados os fundamentos principais que levaram a tal conclusão. O primeiro consiste em preservar a função social do PMCMV, que é justamente facilitar e possibilitar aos mais necessitados a compra de sua moradia. Por conta disso, a faixa 1 foi prontamente exonerada de tal encargo e, após longa argumentação, concluiu-se que as demais faixas não seriam prejudicadas caso honrassem com esse tipo de pagamento. O segundo fundamento leva em consideração que todos os processos afetados por esse novo tema (960) foram ajuizados por famílias integrantes do PMCMV, que já haviam pago a taxa de corretagem, contudo pretendiam o reembolso. Logo, a suposta tese de que eles não teriam condições de suportar esse ônus é inoportuna, razão pela qual não foi acolhida. Por fim, destaca-se que eventual decisão em sentido contrário fatalmente desequilibraria a situação econômica das construtoras e, simultaneamente, colocaria em risco os interesses políticos e econômicos do País, pois se estaria desestimulando a fomentação de novos empregos e, inclusive, da construção civil. O que se conclui e deve destacar é que o STJ, ao fixar a tese objeto do Tema 960 foi congruente com a anterior definição (Tema 938), conferindo a imprescindível segurança jurídica e prestigiando o princípio da igualdade.

A autora assevera que: Na medida em que duas determinações de sobrestamento, proferidas por uma Corte que possui a atribuição constitucional de uniformizar a jurisprudência, foram flagrantemente desconsideradas pelo juízo de primeiro grau, não paira qualquer dúvida que houve violação de norma jurídica, assim como não paira qualquer dúvida que houve outra violação quando o TRF-5 julgou o apelo do MPF desconsiderando que a sentença foi proferida de forma contrária a um precedente obrigatório. 18


Trata-se, portanto, de evidente vício na condução do processo, implicando em error in procedendo, sendo sabido que nulo é o ato praticado enquanto determinada a suspensão do processo.

Embora a discussão acerca da comissão de corretagem estivesse devidamente abordada nos Recursos Especiais nº 1.551.956/ SP e 1.599.511/SP (Tema 938), estando estes, portanto, aptos a nortear todos os processos a eles afetos – inclusive a ACP originária –, no dia 09/09/2016 o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino entendeu que a temática da corretagem no âmbito do Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV) apresentava particularidades a serem analisadas em afetação própria, procedendo, então, desta forma com o REsp nº 1.601.149/RS (Tema 960). Por essas razões, julgo procedente o pedido rescisório. É como voto.

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000314-74.2015.4.05.8202-PB (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMA RÃES Embargante: FLÁVIA SERRA GALDINO Embargado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Advs./Procs.: DRS. DIOGO SERGIO MACIEL MAIA E OUTROS (EMBTE.) EMENTA: PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. EX-PREFEITA ACUSADA DO CRIME DE OCULTAÇÃO DE DOCUMENTO. PROCEDIMENTO LICITATÓRIO NÃO ENCONTRADO PELO SUCESSOR. BUSCA E APREENSÃO QUE RESTOU INFRUTÍFERA. CONDENAÇÃO LASTREADA EM PRESUNÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VOTO-VENCIDO. PREVALÊNCIA. EMBARGOS PROVIDOS. O só fato de não ter sido encontrado documento que deveria estar na guarda da municipalidade, 19


não significa que tenha havido algum ilícito penal, muito menos o de “ocultação”, visto que este exige ação ativa do agente do crime. Mesmo que tenha havido algum descumprimento de recomendação do TCE-PB referente a atos burocráticos de transmissão de cargo, caberia ao órgão acusatório demonstrar que o agente incorreu na prática descrita no tipo, não podendo haver condenação penal lastreada em presunção. Embargos providos. ACÓRDÃO Vistos etc., decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento aos embargos, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 19 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 28 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES: Cuida-se de embargos infringentes interpostos por Flávia Serra Galdino, ante acórdão oriundo da e. Segunda Turma desta Corte que assim decidiu: PENAL E PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL INTERPOSTA PELA DEFESA. OCULTAÇÃO DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO POR EX-PREFEITA. AUTORIA E MATERIALIDADE. DEMONSTRAÇÃO. DOSIMETRIA. PENA-BASE. EXACERBAÇÃO. INOCORRÊNCIA. TRÊS CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS AFERIDAS NEGATIVAMENTE. DUPLA VALORAÇÃO NEGATIVA DOS MOTIVOS DO CRIME. NÃO CONFIGURAÇÃO. NÃO PROVIMENTO DO APELO.

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1. Apelação criminal intentada pela defesa de FLÁVIA, ex-Prefeita do Município de Piancó/PB, em face de sentença condenatória proferida pelo Juízo da 8ª Vara Federal da Subseção Judiciária do Município de Sousa/PB. 2. Segundo a denúncia, a acusada, ora apelante, desde o dia 31/12/2012, quando encerrou o mandato de Prefeita do Município de Piancó/PB, vinha ocultando, em benefício próprio, documento público verdadeiro, qual seja, o procedimento licitatório referente ao Convite 024/2005. Descreve, ainda, que o benefício próprio se referiria, em suma, à frustração de investigações relativas à possível prática criminosa de fraude em procedimento licitatório a partir da utilização de documentos falsos com o auxílio da empresa Terracota Construções e Incorporações LTDA., vencedora do procedimento licitatório que se alega ter havido/estar havendo ocultação (Inquérito Civil 1.24.001.000280/201381 instaurado pelo MPF). Tal conduta, segundo o órgão acusador, enquadrar-se-ia no tipo previsto no art. 305 do CPB (ocultação de documento público). Por tal motivo, convencido da existência de provas da materialidade e indícios suficientes de autoria, o Parquet ofereceu a peça acusatória. 3. O juízo, após a merecida instrução processual penal, considerando presentes provas de tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, condenou a apelante, pelo cometimento do delito previsto no art. 305 do CPB (pena in abstrato de 2 a 6 anos de reclusão, e multa), à pena privativa de liberdade definitiva de 3 anos e 6 meses de reclusão (1ª fase: 3 circunstâncias judiciais desfavoráveis, pena base de 3 anos e 6 meses; 2ª fase: sem agravantes e atenuantes; a agravante do art. 61, II, b, CP, não restou aplicada por não se ter notícia da existência – ou não – de prova efetiva de ilicitude criminosa nos autos do Convite 024/2005, de modo que o motivo de furtar-se à persecução estatal – independentemente da existência de crime – já havia sido valorado na primeira fase da dosimetria; 3ª fase: sem causas de aumento ou de diminuição, convertida em duas penas restritivas de direitos (prestação de serviço a entidade assistencial e prestação pecuniária de R$ 5.000,00), além de multa (141 dias-multa x 1/30 do salário mínimo). 4. Irresignada com o julgado, a defesa apresentou apelação, pretendendo a absolvição, sustentando, resumidamente: 1) a insuficiência de provas, especialmente

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diante da ausência de indício de autoria delitiva; 2) a exacerbação da pena-base fixada em 3 anos e 6 meses, a despeito de o juízo singular ter valorado negativamente apenas 2 circunstâncias judiciais (culpabilidade e motivos); 3) que as ponderações negativas registradas quanto a tais circunstâncias judiciais (culpabilidade e motivos) não mereceriam prosperar; e 4) a dupla valoração negativa dos motivos do crime. 5. As provas da materialidade e autoria delitivas são incontestes em relação à acusada que foi efetivamente condenada. Aliás, as provas não foram apenas testemunhais e documentais, foram, como bem destacado pelo juízo, corroboradas pela conduta da própria acusada, a qual, na condição de ex-Prefeita do Município de Piancó/ PB, não realizou a transição do mandato na forma da lei, não dispondo sequer de qualquer recibo ou documento apto a demonstrar a entrega dos documentos – afetos à municipalidade – à gestão sucessora, ao revés, consta nos autos a existência de ação de busca e apreensão de bens e documentos perante a 1ª Vara da Comarca de Piancó (Processo nº 00022063520138150261), objetivando, justamente, a devolução de inúmeros procedimentos licitatórios, dentre os quais, o Convite nº 24/2005. 6. Nesse esteio, cumpre frisar, como bem fez o magistrado: o argumento defensivo de indisposição do documento público, face ao encerramento do mandato, não merece acolhida. A uma, porque sequer a denunciada tem recibo da entrega dos documentos (como impunha a Resolução Normativa do TCE/PB). A duas, porque a leitura da petição inicial da ação de busca e apreensão é indicativa de que são dezenas os procedimentos licitatórios não encontrados nos arquivos da Prefeitura. 7. Outrossim, não merece acolhida a alegativa no sentido de que a acusada/ex-Prefeita não detinha a posse direta dos documentos da municipalidade e que tais documentos ficariam sob a responsabilidade de cada setor específico, porquanto não se pode admitir postura de um gestor de bens públicos o qual, após o término de seu mandato, simplesmente se desliga da Prefeitura descuidando de realizar uma transição de governo transparente, demonstrando, efetivamente, não só o patrimônio do Município existente, mas, também, todas os procedimentos, obrigações e compromissos assumidos/realizados ao longo de sua gestão. 22


DA DOSIMETRIA 8. Na primeira fase, o juízo, após avaliar negativamente 3 circunstâncias judiciais (culpabilidade, motivos e consequências) fixou a pena-base em 3 anos e 6 meses, 1 ano e 6 meses acima do mínimo legal. 9. No que toca à culpabilidade, o juízo a considerou mais intensa “na medida em que se tratou da ocultação de documento realizada no exercício do mandato de Prefeita Constitucional”. Foi justamente o caso. Por motivos, o magistrado considerou a circunstância de a ré “furtar-se à persecução estatal relativa, a qual não é inerente à figura típica em análise”, motivo pelo qual valorou tal circunstância negativamente. Com efeito, consta nos autos a informação de que, apesar de notificada, a ré não disponibilizou ao Parquet procedimento licitatório que iria instruir procedimento investigatório destinado à apuração de fraudes licitatórias no âmbito daquela municipalidade, circunstância que, ao contrário do sustentado pela defesa, não integra a figura típica do art. 305. Quanto às consequências, o magistrado destacou o fato de que, até aquele momento, inexiste registro de apresentação da documentação ocultada. Nada a reparar. 10. Na segunda fase da dosimetria, entendendo pela inaplicabilidade da agravante prevista no art. 61, II, b, CP (por não se ter notícia da existência – ou não – de prova efetiva de ilicitude criminosa nos autos do Convite 024/2005, de modo que o motivo de furtar-se à persecução estatal – independentemente da existência de crime no bojo do aludido procedimento – já havia sido valorado na primeira fase da dosimetria, o juízo singular não fez incidir qualquer agravante e/ou atenuante, o mesmo se dando na terceira fase, na qual não foram computadas quaisquer causas de aumento e/ou de diminuição. Igualmente, sem reproche. 11. Ao reverso do aduzido pela defesa, verifica-se que o juízo, de maneira cuidadosa, linear, ponderada e fundamentada, cuidou de vencer, uma a uma, as três etapas da dosimetria. Manutenção da pena privativa de liberdade e da pena da multa cominada, pelos mesmos fundamentos esposados pelo juízo singular. 12. Sentença mantida na sua integralidade. 13. Apelação a que se nega provimento.

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Sustenta a embargante, em síntese, que deve prevalecer o voto-vencido, visto que seria patente a ausência de prova de autoria, insuficiência de provas para a condenação e, também, a ausência de dolo específico, sendo imperiosa a sua absolvição. Em contrarrazões ao recurso, o Ministério Público Federal requereu a manutenção da decisão turmária, repisando os argumentos do voto-condutor. É o relatório, no essencial. À revisão regimental. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (Relator): Penso que estamos diante da hipótese de provimento dos embargos. Vejamos: O tipo em que condenada a ré é o descrito no artigo 305 do Código Penal, que está assim redacionado: Art. 305 - Destruir, suprimir ou ocultar, em benefício próprio ou de outrem, ou em prejuízo alheio, documento público ou particular verdadeiro, de que não podia dispor: Pena - reclusão, de dois a seis anos, e multa, se o documento é público, e reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é particular.

Por sua vez, a conduta a si impingida foi a de ocultar, deliberadamente, um procedimento licitatório de interesse do Município de Piancó, na Paraíba, do qual acabara de deixar a titularidade do cargo de Prefeita. Como de todos sabido, o Direito Penal não admite presunção. Cabe a quem acusa, provar o alegado. No caso dos autos, informou o Prefeito, que sucedeu a ré, que não se encontrou o documento referido. Houve busca e apreensão, que restou infrutífera. Mas tudo isso só demonstra que não se achou o documento, e não que a ré, objetivamente, o ocultou. Também não labora em favor da acusação o fato de que a ré não teria cumprido o disposto na Resolução Normativa do TCE/ 24


PB, que manda o prefeito listar a documentação que se está deixando para o sucessor, visto que esse descumprimento, em tese, poderia configurar algum ilícito civil ou penal, mas não aquele no qual a ré foi condenada. A esse respeito, trago excertos do voto-vencido: Um prefeito cumpre um mandato e se afasta. Ele ocultou todos os documentos que não entregou? A lei exige que, para que haja o crime, que ele destrua ou oculte documento. Não posso supor que um prefeito ocultou todos os documentos que não foram entregues. Não tive acesso à letra da tal resolução do Tribunal de Contas, mas não é possível que uma resolução do Tribunal de Contas mande relacionar num recibo, ao final de um mandato, todos os documentos que existam na prefeitura. Fui presidente deste Tribunal, acabei meu mandato e passei para outro. Eu teria que fazer um recibo de todos os documentos que existem no Tribunal e os que eu não tivesse ali inserido eu teria ocultado? Parece-me que tem muito mais lógica a informação de que a resolução do Tribunal de Contas mandava que houvesse uma relação dos contratos iniciados na administração anterior que estariam para ser concluídos na posterior, para que o novo gestor soubesse dos contratos em transição; e não se dizer que todos os diários de classe, os autos de prisão em flagrante, os boletins de ocorrência, tudo o que há dentro da prefeitura tenha que ser relacionado em um recibo para entregar. E o que não estiver relacionado, o prefeito ocultou? Em sendo assim, ninguém mais seria candidato a prefeito. Porque é preciso, para que haja o crime, que se demonstre que a pessoa ocultou. Aí há uma situação kafkiana. O juiz disse que se o réu não entregou até hoje, vai aumentar a pena. O réu insiste que não estava com o documento. Se ele, ao fim da persecução tivesse entregado a documentação, aí seria grave, porque provado que o documento estava com ele. Se ele não tivesse ocultado? Digamos que fosse um prefeito que acabou seu mandato e saiu. Digamos que tenha descumprido a resolução do Tribunal de Contas. Seria um irresponsável. Digamos que seja. Vai ser condenado por ocultação sem qualquer demonstração?

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Tem-se, portanto, que não houve a prova de que sequer houve ocultação a caracterizar o tipo penal, razão pela qual dou provimento aos embargos para prevalecer a posição do voto-vencido.

AGRAVO REGIMENTAL CÍVEL Nº 080390486.2016.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVA LHO Agravante: UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO Agravados: SINDICATO DOS TRABALHADORES DAS UNIVER SIDADES FEDERAIS DE PERNAMBUCO E OU TROS Adv./Proc.: DR. JOSÉ CARLOS ALMEIDA JÚNIOR (AGRDOS.) RECURSO ESPECIAL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA QUE APLICA A MODULAÇÃO DOS EFEITOS DO JULGAMENTO DO RESP. 1.336.026/PE (TEMA 880 DO STJ). ENTE PÚBLICO QUE ALEGA ERRO NA SUBSUNÇÃO DA HIPÓTESE JURÍDICA AOS FATOS NA MEDIDA EM QUE O PÓLO ATIVO NÃO TERIA NECESSITADO DE FICHAS FINANCEIRAS PARA MOVER A EXECUÇÃO. ARGUMENTO QUE NÃO ENCONTRA AMPARO NOS FATOS DA LIDE. ACÓRDÃO DESTE E. TRIBUNAL QUE JULGOU A APELAÇÃO DESTACANDO QUE A ASSOCIAÇÃO EXEQUENTE PRECISOU RECORRER AO ENTE PÚBLICO PARA OBTER TAIS DOCUMENTOS. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se de agravo interno desafiado pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE contra decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso especial da Entidade Pública, nos termos do art. 1030, I, do CPC/2015 com fundamento no que fora decidido na modulação de efeitos da decisão proferida no REsp n° 1.336.026/PE, o qual se encontrava submetido à 26


sistemática dos recursos repetitivos no âmbito do STJ (Tema 880). 2. Inconformada, a entidade argumenta que houve equívoco na decisão de negativa de seguimento na medida em que para se albergar na modulação, não bastaria que a decisão tenha transitado em julgado até o dia 17/03/2016, mas, fundamentalmente, que a propositura da execução estivesse na pendência do fornecimento de documentos ou fichas financeiras pelo executado, o que não seria o caso dos presentes autos. 3. A modulação de efeitos em referência foi assim definida pela c. Corte de Cassação (Controvérsia 44/STJ): “Os efeitos decorrentes dos comandos contidos neste acórdão ficam modulados a partir de 30/6/2017, com fundamento no § 3º do art. 927 do CPC/2015. Resta firmado, com essa modulação, que, para as decisões transitadas em julgado até 17/3/2016 (quando ainda em vigor o CPC/1973) e que estejam dependendo, para ingressar com o pedido de cumprimento de sentença, do fornecimento pelo executado de documentos ou fichas financeiras (tenha tal providência sido deferida, ou não, pelo juiz ou esteja, ou não, completa a documentação), o prazo prescricional de 5 anos para propositura da execução ou cumprimento de sentença conta-se a partir de 30/6/2017”. 4. Observa-se do agravo interno, todavia, que o ente público não invoca dissonância jurídica ou distinção na decisão de negativa de seguimento ora guerreada, mas sim que ela não se subsume nos fatos da demanda, na medida em que a própria modulação de efeitos definida pelo STJ necessitaria de dois requisitos, a saber: a) que o trânsito em julgado da decisão de conhecimento tenha ocorrido até 17/03/2016 e; b) que exista efetivamente necessidade do fornecimento de documentos ou fichas financeiras para o ajuizamento da execução. 27


5. Controverte a agravante, portanto, não sobre o direito, mas sim sobre os fatos que lhe geram a incidência; nada obstante, o argumento não procede ante a constatação que este e. Tribunal, definidor soberano das questões fáticas da lide, concluiu pela existência de uma base factual que induz a incidência à espécie do Tema 880 (STJ) com a modulação de efeitos da Controvérsia 44 (STJ). 6. Logo, diferentemente do que é arguido pelo Ente Público, os fatos da lide foram definidos no sentido de que a parte necessitava das fichas financeiras que estavam seu poder, revelando-se o pleito ora deduzido contrário ao que resultou sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça; o caso, por sinal, em tudo se assemelha aos precedentes recentemente julgados pelo Plenário da Casa em idêntico sentido (PROCESSO: 08039507520164058300, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES, Pleno, JULGAMENTO: 30/09/2019; PROCESSO: 08112620520184050000, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, Pleno, JULGAMENTO: 02/08/2019). 7. Agravo interno não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 5 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 18 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO - Presidente Relator 28


RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO (Presidente): Cuida-se de agravo interno desafiado pela Universidade Federal de Pernambuco-UFPE contra decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso especial da Entidade Pública, nos termos do art. 1030, I, do CPC/2015 com fundamento no que fora decidido na modulação de efeitos da decisão proferida no REsp n° 1.336.026/PE, o qual se encontrava submetido à sistemática dos recursos repetitivos no âmbito do STJ (Tema 880). Inconformada, a entidade argumenta que houve equívoco na decisão de negativa de seguimento na medida em que para se albergar na modulação, não bastaria que a decisão tenha transitado em julgado até o dia 17/03/2016, mas, fundamentalmente, que a propositura da execução estivesse na pendência do fornecimento de documentos ou fichas financeiras pelo executado, o que não seria o caso dos presentes autos. Contraminuta ao agravo feita pela parte contrária. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO (Presidente Relator): Cuida-se de agravo interno, o qual merece ser conhecido uma vez que próprio e tempestivo. Nada obstante, não é o caso de lhe dar provimento porquanto nada há nada a reparar na decisão de Id. 4050000.16064103 da Vice-Presidência que negou seguimento do recurso especial da Universidade Federal de Pernambuco - UFPE com fundamento no que fora decidido na modulação de efeitos da decisão proferida no REsp n° 1.336.026/PE, o qual se encontrava submetido à sistemática dos recursos repetitivos no âmbito do STJ (Tema 880). A modulação de efeitos em referência foi assim definida pela c. Corte de Cassação (Controvérsia 44/STJ): Os efeitos decorrentes dos comandos contidos neste acórdão ficam modulados a partir de 30/6/2017, com fundamento no § 3º do 29


art. 927 do CPC/2015. Resta firmado, com essa modulação, que, para as decisões transitadas em julgado até 17/3/2016 (quando ainda em vigor o CPC/1973) e que estejam dependendo, para ingressar com o pedido de cumprimento de sentença, do fornecimento pelo executado de documentos ou fichas financeiras (tenha tal providência sido deferida, ou não, pelo juiz ou esteja, ou não, completa a documentação), o prazo prescricional de 5 anos para propositura da execução ou cumprimento de sentença conta-se a partir de 30/6/2017. (Acórdão que acolheu parcialmente os embargos de declaração, publicado no DJe de 22/06/2018) Observa-se do agravo interno, todavia, que o ente público não invoca dissonância jurídica ou distinção na decisão de negativa de seguimento ora guerreada, mas sim que ela não se subsume nos fatos da demanda, na medida em que a própria modulação de efeitos definida pelo STJ necessitaria de dois requisitos, a saber: a) que o trânsito em julgado da decisão de conhecimento tenha ocorrido até 17/03/2016 e; b) que exista efetivamente necessidade do fornecimento de documentos ou fichas financeiras para o ajuizamento da execução. Controverte a agravante, portanto, não sobre o direito, mas sim sobre os fatos que lhe geram a incidência; nada obstante, o argumento não procede ante a constatação de que este e. Tribunal, definidor soberano das questões fáticas da lide, concluiu pela existência de uma base factual que induz incidência à espécie do Tema 880 (STJ) com a modulação de efeitos da controvérsia 44 (STJ). Logo, diferentemente do que é arguido pelo Ente Público, os fatos da lide foram definidos no sentido de que a parte necessitava das fichas financeiras que estavam em seu poder, revelando-se o pleito ora deduzido contrário ao que resultou sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça; o caso, por sinal, em tudo se assemelha aos precedentes recentemente julgados pelo Plenário da Casa em idêntico sentido (PROCESSO: 08039507520164058300, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES, Pleno, JULGAMENTO: 30/09/2019; PROCESSO: 08112620520184050000, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, Pleno, JULGAMENTO: 02/08/2019). 30


Ante o exposto, conheço do agravo interno para lhe NEGAR provimento. É o voto.

AGRAVO REGIMENTAL CÍVEL Nº 080902850.2016.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVA LHO Agravante: MUNICÍPIO DE TABIRA Agravada: UNIÃO FEDERAL Adv./Proc.: DR. BRUNO ROMERO PEDROSA MONTEIRO (AGRTE.) RECURSO EXTRAORDINÁRIO. DECISÃO DA VICE-PRESIDÊNCIA QUE NEGOU SEGUIMENTO AO RE COM BASE NO TEMA 82 DO STF (RE 573.232/SC). AÇÃO COLETIVA. AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE DA ASSOCIAÇÃO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO DO MUNICÍPIO ASSOCIADO. INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO EM RELAÇÃO AO MUNICÍPIO EM POSTERIOR AÇÃO INDIVIDUAL. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Agravo interno interposto pela Municipalidade contra decisão que negou seguimento ao Recurso Extraordinário, fundamentando que o STF, quando do julgamento do RE 573.232/SC, sob o regime do art. 1.036 do CPC, fixou a tese “a previsão estatutária genérica não é suficiente para legitimar a atuação, em Juízo, de associações na defesa de direitos dos filiados, sendo indispensável autorização expressa, ainda que deliberada em assembleia, nos termos do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal”. 2. Sustenta o agravante que o recurso extraordinário teria alegado ofensa ao artigo 5º, XXI, ao fundamento de que a autorização concedida em 31


assembleia seria suficiente para comprovar o preenchimento dos requisitos estabelecidos no RE 573.232/SC. 3. O Acórdão deste e. Tribunal reconheceu que, no caso concreto, não há comprovação de autorização do município-autor em favor da Associação Municipalista de Pernambuco - AMUPE para propositura da ação a qual restou extinta, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade ativa ad causam, reconhecida através de sentença mantida por esta Corte, porém ainda sem trânsito em julgado, visto que pende de apreciação os recursos especial e extraordinário pelas instâncias superiores; de todo modo, se entendeu que o Município autor não comprovou ter expressamente autorizado a Associação (AMUPE) a ingressar com essa ação coletiva em seu favor, não podendo, dessa maneira, ser beneficiada pela interrupção do prazo prescricional. 4. Dessa feita, a questão debatida nos autos é, no essencial, idêntica à questão definida pelo STF, no julgamento do RE nº 573.232/SC, em sede de Repercussão Geral (Tema 82), quanto se pacificou o entendimento, com base na exegese do art. 5º, inciso XXI, da CF/88, acerca da necessidade da autorização expressa, seja individualmente, seja mediante deliberação em assembleia, para legitimar a atuação em juízo das entidades associativas em defesa dos interesses dos associados, não sendo suficiente mera permissão estatutária genérica. 5. Note-se que, ao fim e ao cabo, o acórdão foi expresso em entender que não havia comprovação de autorização do município em favor da AMUPE; o objetivo do recurso extraordinário é, na realidade, reavaliar a prova dos fatos, pois visa a que a Corte Suprema declare como autorização para a AMUPE aquilo que a prova dos autos indicou como não sendo isso; tal situação, em 32


última análise, vai de encontro ainda à Súmula 279 do STF. 6. A inexistência da citada autorização afasta do autor a possibilidade de beneficiar-se ou de ser prejudicado por atos processuais e decisões judiciais encartados no processo coletivo, inclusive a interrupção da prescrição. Afinal, a entidade associativa não agiu nem poderia agir em nome de associado que não lhe autorizou a fazê-lo; precedentes deste e. Plenário no mesmo sentido, entre outros: PROCESSO: 08029625420164058300, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, Pleno, JULGAMENTO: 02/08/2019; PROCESSO: 08030032120164058300, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI, Pleno, JULGAMENTO: 29/05/2018. 7. Agravo regimental improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 5 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 18 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO - Presidente Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO (Presidente): Cuida-se de agravo interno contra decisão da Vice-Presidência deste e. Tribunal que negou seguimento ao recurso extraordinário do Ente Público com base na aplicação do Tema 82 do STF, por 33


estar o acórdão que julgou a apelação em conformidade com o definido pelo STF no RE 573.232/SC, no sentido de reconhecer que “a previsão estatutária genérica não é suficiente para legitimar a atuação, em Juízo, de associações na defesa de direitos dos filiados, sendo indispensável autorização expressa, ainda que deliberada em assembleia, nos termos do artigo 5º, inciso XXI, da Constituição Federal”. Sustenta o agravante que seria desnecessária a apresentação de autorização expressa da edilidade para o ajuizamento da ação coletiva pela entidade associativa, uma vez que a municipalidade não busca nestes autos promover a execução do título judicial formado naquela ação coletiva, muito menos valer-se da coisa julgada erga omnes ali decidida (art. 103 e 104 do CDC). Advoga que a presente demanda utilizaria a ação coletiva apenas para efeito de interrupção de prescrição. Houve razões contrárias pela parte agravada. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR CARVALHO (Presidente Relator): Cuida-se de agravo interno, o qual merece ser conhecido uma vez que próprio e tempestivo, porém impõe-se o seu não provimento em conformidade com os argumentos abaixo relacionados: Este eg. Tribunal entendeu que a parte autora não comprovou que tenha autorizado, expressamente, a AMUPE a ingressar com ação coletiva em seu nome, não podendo, dessa maneira, ser beneficiada pela interrupção do prazo prescricional. O acórdão deste e. Tribunal reconheceu que, no caso concreto, não há comprovação de autorização do município-autor em favor da Associação Municipalista de Pernambuco - AMUPE para propositura da ação a qual restou extinta, sem julgamento do mérito, por ilegitimidade ativa ad causam, reconhecida através de sentença mantida por esta Corte, porém ainda sem trânsito em julgado, visto que pende de apreciação os recursos especial e extraordinário pelas instâncias superiores; de todo modo, se entendeu que o Município autor não comprovou ter expressamente autorizado a 34


Associação (AMUPE) a ingressar com essa ação coletiva em seu favor, não podendo, dessa maneira, ser beneficiada pela interrupção do prazo prescricional. Dessa feita, a questão debatida nos autos é, no essencial, idêntica à questão definida pelo STF, no julgamento do RE nº 573.232/SC, em sede de Repercussão Geral (Tema 82), quanto se pacificou o entendimento, com base na exegese do art. 5º, inciso XXI, da CF/88, acerca da necessidade da autorização expressa, seja individualmente, seja mediante deliberação em assembleia, para legitimar a atuação em juízo das entidades associativas em defesa dos interesses dos associados, não sendo suficiente mera permissão estatutária genérica. A inexistência da citada autorização afasta do autor a possibilidade de beneficiar-se ou de ser prejudicado por atos processuais e decisões judiciais encartados no processo coletivo, inclusive a interrupção da prescrição. Afinal, a entidade associativa não agiu nem poderia agir em nome de associado que não lhe autorizou a fazê-lo; precedentes deste e. Plenário no mesmo sentido, entre outros: PROCESSO: 08029625420164058300, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, Pleno, JULGAMENTO: 02/08/2019; PROCESSO: 08030032120164058300, ARC - Agravo Regimental Cível, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI, Pleno, JULGAMENTO: 29/05/2018. Tal conclusão não guarda nenhuma incompatibilidade com o voto proferido pelo Ministro Teori Zavascki, no julgamento do RE nº 573.232/SC, no sentido de que a citação do processo coletivo interrompe a prescrição das ações individuais, mesmo que o feito seja extinto sem resolução de mérito, por ilegitimidade ativa ad causam do ente coletivo, uma vez que isso somente se aplica com relação aos potenciais beneficiários de eventual sentença proferida no processo coletivo, dentre os quais não se encontram aqueles que não autorizaram a propositura da ação para defesa de seus próprios direitos. Ante o exposto, conheço do agravo para lhe NEGAR provimento. É como voto. 35


PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO Nº 236-CE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO Autor: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Investigado: FRANCISCO EDSON DE MORAES Repte.: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. PROCEDIMENTO INVESTIGATÓRIO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CRIME DE RESPONSABILIDADE. NÃO PRESTAÇÃO DE CONTAS NO PRAZO DEVIDO (ARTIGO 1º, INCISO VII, DO DECRETO-LEI Nº 201/67). EXTEMPORÂNEA PRESTAÇÃO DE CONTAS MOTIVADA POR EVENTOS INDEPENDENTES DE AÇÕES DO ACUSADO. DELITO NÃO CONFIGURADO. PRELIMINAR DE INÉPCIA ACOLHIDA. DENÚNCIA NÃO RECEBIDA. 1. Cuida-se de denúncia em que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) acusa FRANCISCO EDSON DE MORAES, atual Prefeito do MUNICÍPIO DE IBARETAMA - CE, do cometimento do delito tipificado no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67 (deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo). 2. Expondo sua tese, o MPF asseverou, em síntese, que: a) FRANCISCO EDSON, na condição de Prefeito do Município já referido, no período compreendido entre 2009 e 2012, teria descumprido o dever de prestação de contas relativamente ao Termo de Compromisso PAC 2 nº 01387/2011, firmado com o FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE) para a construção de 2 (duas) quadras poliesportivas em escolas públicas da Edilidade; b) a omissão supra teria ocorrido a despeito de sua 36


cientificação da mora iniciada em 27.08.2018 e da prorrogação do lapso para a prestação de contas por mais 30 (trinta) dias; c) evidente, a partir das peças constantes dos autos, a inocorrência de prestação de contas, ter-se-ia consumado o delito, já que o crime em debate qualificar-se-ia como crime de mera conduta, independente de resultado naturalístico e de dolo específico, devendo, por conseguinte, ser recebida a denúncia e regularmente processada a persecução criminal. 3. Em 09.07.2019, proferiu-se despacho, notificando-se o denunciado para o oferecimento de defesa prévia. 4. Feita a citada notificação em 14.08.2019, não protocolizada a defesa e constatado equívoco no nome do denunciado, impuseram-se, no despacho à fl. 25, a retificação da autuação do feito e nova notificação do denunciado e do Procurador da Edilidade, o qual subscreveu a notificação antes realizada. 5. Transcorrido in albis o prazo para a defesa prévia, encaminhou-se o caso à DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU), para a representação do denunciado. 6. Em defesa preliminar, a DPU, invocando as disposições do artigo 395, inciso I, do Código Processual Penal, pugnou pela pronta rejeição da denúncia por inépcia, já que: a) inexistente justa causa para a instauração de ação penal; b) supostamente insuficiente a descrição dos fatos imputados ao denunciado, a qual obstaria o pleno exercício da ampla defesa. 6. Ultrapassada a questão preambular, a DPU alegou que: a) não teria sido demonstrada a materialidade delitiva; b) sob pena de vedada responsabilização penal objetiva, a existência do dolo seria indispensável, salientando que não haveria indícios de tal elemento na conduta do 37


denunciado; c) ausentes materialidade e dolo, a imediata absolvição do denunciado deveria ser declarada, caso rejeitada a prefacial de inépcia da denúncia. 7. Em petição encaminhada via e-mail às 20h26min no dia 27.02.2020, manifestou-se o investigado, colacionando documentação vasta e requerendo, apesar do transcurso in albis do prazo para resposta, a retirada do feito da pauta de 04.03.2020, o conhecimento de suas alegações, em atenção ao princípio da verdade real, e a eventual designação de audiência de instrução. 8. Expondo sua tese, a defesa do denunciado asseverou, em linhas gerais, que: a) em realidade, não teria incorrido no tipo penal previsto no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67, já que, consoante entendimento jurisprudencial, seria essencial o dolo, elemento não identificável em sua conduta, uma vez que a prestação de contas em debate teria se dado de forma extemporânea por eventos que não lhe poderiam ser imputados (seu afastamento do cargo por decisão do Tribunal de Justiça do Ceará, assunção da gestão municipal pela vice-prefeita e não conclusão das obras em seu mandato, mas, sim, no de nova Prefeita, por exemplo); b) ausente o dolo e, em sua percepção, integralmente cumprido o Termo de Compromisso mencionado, sua conduta seria atípica, impondo-se a sua absolvição, nos termos do artigo 386, incisos III, V e VII, do Código Processual Penal. 9. Traçados os principais pontos do caso, rejeita-se o pedido de exclusão do feito da pauta, dada a plena possibilidade de pronta consideração das tardias alegações do denunciado, e se passa a analisar se o pleito de recebimento da denúncia merece acolhida, sendo necessário, porém, inicialmente, examinar a preambular suscitada pela DPU. 38


10. De fato, em consulta ao Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SiGPC) do FNDE, acessível no link https://www.fnde.gov.br/sigpcadm/ sistema.pu?operation=localiz ar, observa-se que a prestação de contas em debate não foi feita tempestivamente, como se depreende de recibo de envio gerado através do citado Sistema. 11. Do recibo citado, infere-se que o prazo para a prestação de contas em comento teria findado em 27.08.2018 e que, no entanto, o seu envio e registro na base de dados do FNDE apenas teria ocorrido em 27.08.2019, ou seja, um ano depois do marco final. 12. Ocorre, porém, que a demora na prestação de contas em debate teve por motivação eventos para os quais não concorreu o investigado (seu afastamento do cargo de Prefeito entre 12.07.2011 e 29.06.2012 por determinação da Justiça Estadual do Ceará nos autos da Ação nº 000466537.2011.8.05.0000, pactuação do Termo de Compromisso cujas contas não foram prestadas no período de afastamento referido, realização do procedimento licitatório ainda no período de afastamento, hipotética paralisação das obras pela gestão seguinte à sua e retomada das obras apenas em nova gestão sua após o estabelecimento de ajuste junto ao FNDE, por exemplo), de modo que não se consumou o delito tipificado no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67, impondo-se o acolhimento da prefacial da defesa, com a rejeição da denúncia, nos termos do artigo 395, III, do Código Processual Penal. 13. Denúncia rejeitada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram como partes as acima identificadas, decide o Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, acolher a preliminar, 39


rejeitando a denúncia, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 4 de março de 2020. (Julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO: Cuida-se de denúncia em que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) acusa FRANCISCO EDSON DE MORAES, atual Prefeito do MUNICÍPIO DE IBARETAMA – CE, do cometimento do delito tipificado no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67 (deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo). Expondo sua tese, o MPF asseverou, em síntese, que: a) FRANCISCO EDSON, na condição de Prefeito do Município já referido, no período compreendido entre 2009 e 2012, teria descumprido o dever de prestação de contas relativamente ao Termo de Compromisso PAC 2 nº 01387/2011, firmado com o FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE) para a construção de 2 (duas) quadras poliesportivas em escolas públicas da Edilidade; b) a omissão supra teria ocorrido a despeito de sua cientificação da mora iniciada em 27.08.2018 e da prorrogação do lapso para a prestação de contas por mais 30 (trinta) dias; c) evidente, a partir das peças constantes dos autos, a inocorrência de prestação de contas, ter-se-ia consumado o delito, já que o crime em debate qualificar-se-ia como crime de mera conduta, independente de resultado naturalístico e de dolo específico, devendo, por conseguinte, ser recebida a denúncia e regularmente processada a persecução criminal.

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Em 09.07.2019, proferiu-se despacho, notificando-se o denunciado para o oferecimento de defesa prévia. Feita a citada notificação em 14.08.2019, não protocolizada a defesa e constatado equívoco no nome do denunciado, impuseram-se, no despacho à fl. 25, a retificação da autuação do feito e nova notificação do denunciado e do Procurador da Edilidade, o qual subscreveu a notificação antes realizada. Transcorrido in albis o prazo para a defesa prévia, encaminhou-se o caso à DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU), para a representação do denunciado. Em defesa preliminar, a DPU, invocando as disposições do artigo 395, inciso I, do Código Processual Penal, pugnou pela pronta rejeição da denúncia por inépcia, já que: a) inexistente justa causa para a instauração de ação penal; b) supostamente insuficiente a descrição dos fatos imputados ao denunciado, a qual obstaria o pleno exercício da ampla defesa. Ultrapassada a questão preambular, a DPU alegou que: a) não teria sido demonstrada a materialidade delitiva; b) sob pena de vedada responsabilização penal objetiva, a existência do dolo seria indispensável, salientando que não haveria indícios de tal elemento na conduta do denunciado; c) ausentes materialidade e dolo, a imediata absolvição do denunciado deveria ser declarada, caso rejeitada a prefacial de inépcia da denúncia. Em petição encaminhada via e-mail às 20h26min no dia 27.02.2020, manifestou-se o investigado, colacionando documentação vasta e requerendo, apesar do transcurso in albis do prazo para resposta, a retirada do feito da pauta de 04.03.2020, o conhecimento de suas alegações, em atenção ao princípio da verdade real, e a eventual designação de audiência de instrução. Expondo sua tese, a defesa do denunciado asseverou, em linhas gerais, que:

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a) em realidade, não teria incorrido no tipo penal previsto no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67, já que, consoante entendimento jurisprudencial, seria essencial o dolo, elemento não identificável em sua conduta, uma vez que a prestação de contas em debate teria se dado de forma extemporânea por eventos que não lhe poderiam ser imputados (seu afastamento do cargo por decisão do Tribunal de Justiça do Ceará, assunção da gestão municipal pela vice-prefeita e não conclusão das obras em seu mandato, mas, sim, no de nova Prefeita, por exemplo); b) ausente o dolo e, em sua percepção, integralmente cumprido o Termo de Compromisso mencionado, sua conduta seria atípica, impondo-se a sua absolvição, nos termos do artigo 386, incisos III, V e VII, do Código Processual Penal. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO (Relator): Cuida-se de denúncia em que o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL (MPF) acusa FRANCISCO EDSON DE MORAES, atual Prefeito do MUNICÍPIO DE IBARETAMA-CE, do cometimento do delito tipificado no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67 (deixar de prestar contas, no devido tempo, ao órgão competente, da aplicação de recursos, empréstimos subvenções ou auxílios internos ou externos, recebidos a qualquer titulo). Expondo sua tese, o MPF asseverou, em síntese, que: a) FRANCISCO EDSON, na condição de Prefeito do Município já referido, no período compreendido entre 2009 e 2012, teria descumprido o dever de prestação de contas relativamente ao Termo de Compromisso PAC 2 nº 01387/2011, firmado com o FUNDO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO DA EDUCAÇÃO (FNDE) para a construção de 2 (duas) quadras poliesportivas em escolas públicas da Edilidade;

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b) a omissão supra teria ocorrido a despeito de sua cientificação da mora iniciada em 27.08.2018 e da prorrogação do lapso para a prestação de contas por mais 30 (trinta) dias; c) evidente, a partir das peças constantes dos autos, a inocorrência de prestação de contas, ter-se-ia consumado o delito, já que o crime em debate qualificar-se-ia como crime de mera conduta, independente de resultado naturalístico e de dolo específico, devendo, por conseguinte, ser recebida a denúncia e regularmente processada a persecução criminal. Em 09.07.2019, proferiu-se despacho, notificando-se o denunciado para o oferecimento de defesa prévia. Feita a citada notificação em 14.08.2019, não protocolizada a defesa e constatado equívoco no nome do denunciado, impuseram-se, no despacho à fl. 25, a retificação da autuação do feito e nova notificação do denunciado e do Procurador da Edilidade, o qual subscreveu a notificação antes realizada. Transcorrido in albis o prazo para a defesa prévia, encaminhou-se o caso à DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU), para a representação do denunciado. Em defesa preliminar, a DPU, invocando as disposições do artigo 395, inciso I, do Código Processual Penal, pugnou pela pronta rejeição da denúncia por inépcia, já que: a) inexistente justa causa para a instauração de ação penal; b) supostamente insuficiente a descrição dos fatos imputados ao denunciado, a qual obstaria o pleno exercício da ampla defesa. Ultrapassada a questão preambular, a DPU alegou que: a) não teria sido demonstrada a materialidade delitiva; b) sob pena de vedada responsabilização penal objetiva, a existência do dolo seria indispensável, salientando que não haveria indícios de tal elemento na conduta do denunciado; c) ausentes materialidade e dolo, a imediata absolvição do denunciado deveria ser declarada, caso rejeitada a prefacial de inépcia da denúncia. 43


Em petição encaminhada via e-mail às 20h26min no dia 27.02.2020, manifestou-se o investigado, colacionando documentação vasta e requerendo, apesar do transcurso in albis do prazo para resposta, a retirada do feito da pauta de 04.03.2020, o conhecimento de suas alegações, em atenção ao princípio da verdade real, e a eventual designação de audiência de instrução. Expondo sua tese, a defesa do denunciado asseverou, em linhas gerais, que: a) em realidade, não teria incorrido no tipo penal previsto no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67, já que, consoante entendimento jurisprudencial, seria essencial o dolo, elemento não identificável em sua conduta, uma vez que a prestação de contas em debate teria se dado de forma extemporânea por eventos que não lhe poderiam ser imputados (seu afastamento do cargo por decisão do Tribunal de Justiça do Ceará, assunção da gestão municipal pela vice-prefeita e não conclusão das obras em seu mandato, mas, sim, no de nova Prefeita, por exemplo); b) ausente o dolo e, em sua percepção, integralmente cumprido o Termo de Compromisso mencionado, sua conduta seria atípica, impondo-se a sua absolvição, nos termos do artigo 386, incisos III, V e VII, do Código Processual Penal. Traçados os principais pontos do caso, rejeita-se o pedido de exclusão do feito da pauta, dada a plena possibilidade de pronta consideração das tardias alegações do denunciado, e se passa a analisar se o pleito de recebimento da denúncia merece acolhida, sendo necessário, porém, inicialmente, examinar a preambular suscitada pela DPU. De fato, em consulta ao Sistema de Gestão de Prestação de Contas (SiGPC) do FNDE, acessível no link https://www.fnde.gov. br/sigpcadm/sistema.pu?operation=localizar, observa-se que a prestação de contas em debate não foi feita tempestivamente, como se depreende de recibo de envio gerado através do citado Sistema, cuja imagem é reproduzida a seguir:

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Do recibo supra, infere-se que o prazo para a prestação de contas em comento teria findado em 27.08.2018 e que, no entanto, o seu envio e registro na base de dados do FNDE apenas teria ocorrido em 27.08.2019, ou seja, um ano depois do marco final; Ocorre, porém, que a demora na prestação de contas em debate teve por motivação eventos para os quais não concorreu o investigado (seu afastamento do cargo de Prefeito entre 12.07.2011 e 29.06.2012 por determinação da Justiça Estadual do Ceará nos 45


autos da Ação nº 0004665-37.2011.8.05.0000, pactuação do Termo de Compromisso cujas contas não foram prestadas no período de afastamento referido, realização do procedimento licitatório ainda no período de afastamento, hipotética paralisação das obras pela gestão seguinte à sua e retomada das obras apenas em nova gestão sua após o estabelecimento de ajuste junto ao FNDE, por exemplo), de modo que, na percepção deste Relator, não se consumou o delito tipificado no artigo 1º, inciso VII, do Decreto-Lei nº 201/67, impondo-se a rejeição da denúncia, nos termos do artigo 395, inciso III, do Código Processual Penal. Com essas considerações, ACOLHO a preliminar, rejeitando a denúncia oferecida em face de FRANCISCO EDSON DE MORAES. É como voto.

EMBARGOS INFRINGENTES E DE NULIDADE Nº 0000804-65.2016.4.05.8201-PB (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI Embargante: ANTÔNIO ALEXANDRE DA SILVA Embargado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Repte.: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. CRIMES DE ROUBO MAJORADO EM CONTINUIDADE DELITIVA (ART. 157, § 2º, INC. I, C/C O ART. 71 DO CÓDIGO PENAL). DIVERGÊNCIA EM PARTE DO ACÓRDÃO. ANÁLISE DO TRIBUNAL RESTRITA À PARTE DIVERGENTE. INCONFORMISMO QUANTO À CONDENAÇÃO PELA PRÁTICA DO CRIME DE SEQUESTRO E CÁRCERE PRIVADO. PEDIDO DE PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO PARA A APLICAÇÃO DA CAUSA DE AUMENTO DE PENA PREVISTA NO ART. 157, § 2º, V, DO CÓDIGO PENAL. TESE DE QUE O TEMPO DE PERMANÊNCIA DOS RÉUS COM OS REFÉNS PARA ALÉM DO TEMPO 46


NECESSÁRIO À FUGA DESCARACTERIZARIA A PRÁTICA DE UM ÚNICO CRIME DE ROUBO. PRIVAÇÃO DESNECESSÁRIA DA LIBERDADE DAS VÍTIMAS. SEQUESTRO DE PESSOAS SEM CORRELAÇÃO COM O CRIME DE ROUBO. AGENTES QUE JÁ POSSUÍAM REFÉNS PARA ASSEGURAR A FUGA. GRANDE LAPSO TEMPORAL DA PRIVAÇÃO DA LIBERDADE. CONDENAÇÃO PELO DELITO PREVISTO NO ARTIGO 148 DO CÓDIGO PENAL MANTIDA. PREVALÊNCIA DO VOTO-VENCEDOR. 1. Embargos infringentes em apelação criminal, interposta pelo Réu A. A. da S. em face de julgado da eg. Quarta Turma deste Tribunal que, por maioria de votos, vencido em parte o Relator, o em. Des. Federal Edilson Pereira Nobre Júnior, manteve sua condenação à pena de 16 (dezesseis) anos, 7 (sete) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 5 (cinco) meses de detenção e 237 (duzentos e trinta e sete) dias-multa, pelo cometimento do crime de roubo qualificado, previsto art. 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal, nas formas tentada e consumada, praticado contra agência dos Correios localizada no Município Juarez Távora/PB, no dia 28/03/2016, além dos crimes de sequestro, furto qualificado e resistência, tipificados nos arts. 148, caput e § 1º, inc. IV; 155, caput, § 4º, inc. IV e 329, caput e § 1º, do Código Penal. 2. Voto-vencido na parte relativa ao “acolhimento da tese de atipicidade do crime de sequestro e cárcere privado, devendo ser considerada, ao invés da existência de um crime autônomo, a incidência da causa de aumento de pena prevista no inciso V do parágrafo 2º do art. 157 do CP”. 3. Embargante que requer a prevalência do voto-vencido, sustentando que a consumação do “crime de sequestro pressupõe a vontade livre, consciente e autônoma de tolher a liberdade ou 47


reter alguém em algum lugar prejudicando a sua liberdade de locomoção, por lapso temporal razoável”, o que não teria ocorrido no presente caso, tendo em vista que ele teve como escopo único a consumação do crime de roubo, e a privação de liberdade das vítimas, independente do lapso temporal, ocorreu unicamente para assegurar a fuga e a concretização do crime de roubo”. 4. No dia 28/03/2016, por volta das 10h15min, os embargantes, mediante emprego de arma de fogo, tentaram efetuar assalto à agência dos Correios no Município de Juarez Távora/PB, rendendo o gerente daquela agência, bem como o vigilante, subtraindo um revólver calibre 38 e um colete balístico. Diante da chegada de Policiais Militares ao local do assalto e não tendo conseguido abrir o cofre, os réus deixaram a agência, levando consigo, cada um, um refém como escudo, entre eles o gerente, o vigilante e um cliente não identificado. 5. Em seguida, do lado de fora da agência, mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram uma viatura da Polícia Militar, por meio da qual empreenderam fuga, levando consigo apenas o gerente e o vigilante como reféns. Na BR-230, os criminosos resolveram livrar-se da viatura policial, acionando a sirene e abordando um veículo Ford New Fiesta, dentro do qual tinha três passageiros, sendo um menor de 14 anos de idade. 6. Ao passarem para o interior do novo veículo, os réus renderam os integrantes do veículo, prosseguindo na fuga também com os novos reféns e o gerente da agência dos correios. Após isso, nas proximidades do posto fiscal localizado no Município de Juripiranga/PB, o veículo foi interceptado por uma barreira policial. Nesse momento, todos os ocupantes desceram do carro, oportunidade na qual o menor de idade, 48


conseguiu fugir. Seus pais deitaram no chão e o gerente foi imobilizado e utilizado novamente como escudo pelos réus, os quais, efetuando vários disparos contra os policiais, retornaram ao veículo, levando consigo apenas o gerente e a mulher, prosseguindo viagem, por uma estrada de terra, em direção a um canavial. 7. Ainda no mesmo dia 28/03/2016, entre os Municípios de Jupiranga/PB e Pedras de Fogo/PB, o veículo atolou e os réus, juntamente com as duas vítimas, iniciaram uma caminhada a pé, o que se estendeu até a noite, ocasião em que um dos acusados conseguiu efetuar contato telefônico com pessoa ainda não identificada, solicitando que o auxiliasse na fuga do grupo. Após o contato telefônico, liberaram a refém, tendo em vista ter machucado o pé, e continuaram a fuga, levando consigo o gerente Saulo Barbosa de Lima que permaneceu com eles durante todo o dia 29/03/2016. Apenas no dia 30/03/2016, após perseguição, os policiais militares conseguiram interceptar, a pé, os réus juntamente com o refém, foram encontrados. 8. Segundo CEZAR ROBERTO BITTENCOURT, citado por Guilherme Nucci, “quando o sequestro for praticado concomitantemente com o roubo ou como garantia contra ação policial, estará configurada a majorante aqui prevista. Agora, quando eventual sequestro for praticado depois da consumação do roubo do veículo automotor, sem nenhuma conexão com a sua execução, não se estará diante da majorante especial, mas se tratará de concurso de crimes” (In Código Penal Comentado, ed. Forense, 15ª edição, 2015, págs. 908/909). 9. Embargante que, no momento e após o roubo frustrado, já tinha dois reféns para garantir a fuga (um gerente e o vigilante), tendo se apropriado de uma viatura policial para fugir. Após a tentativa de roubo, na posse de dois reféns, o 49


que já lhes garantiria a fuga, resolveram trocar de carro, tendo em vista que a viatura chamava a atenção, e para isso abordaram um veículo particular que estava na estrada, com um casal e um menor de 14 anos. Ele poderia simplesmente ter trocado de carro e com dois reféns que já possuíam continuar a fuga, mas, mesmo assim, restringiu a liberdade do casal e do menor (que depois conseguiu fugir), fazendo-os deitar no chão do veículo, continuando com o gerente do banco como refém. 10. Impossibilidade de integrar o sequestro do casal ao roubo, como mais uma de suas qualificadoras, no sentido pretendido pelos embargantes, uma vez que resta claramente evidenciado a autonomia delitiva entre ambos. Após o roubo frustrado, quando já havia cessado a violência e grave ameaça necessária para a subtração, e já em fuga com dois reféns, os embargantes fizeram desnecessariamente mais dois reféns, fato este que deflagrou novo e autônomo desdobramento fático-jurídico, no caso, o sequestro. 11. A restrição da liberdade do casal e do menor de idade que estavam no veículo particular, coagidos sob suas ordens dos agentes a permanecer com a liberdade restrita, não mais se apresentava como caminho necessário para a subtração ou mesmo para a fuga, tendo em vista que eles possuíam dois reféns para impedir a ação policial havendo autonomia entre os delitos, não havendo, como afirma o embargante, uma mera atividade complementar ou de simples consequência normal do primitivo delito (a fuga), mas sim a eclosão de uma nova figura delituosa, com tipicidade subjetiva própria. 12. A fuga poderia ter-se processado independente do sequestro do casal e do menor, tendo em vista que a privação de liberdade deles não era indispensável para a concretização do delito 50


patrimonial ou mesmo para a evasão, pois ele poderia ter simplesmente trocado de veículo e levado os reféns que já possuía, no entanto, de forma livre, consciente e independente privou terceiros de sua liberdade, em um animus autônomo, distinto da ação criminosa inicial, sendo aplicável ao caso, o tipo penal do art. 148 do CP, que tipifica a conduta de “privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado. 13. O artigo 157, § 2º, V, refere-se ao aumento da pena quando o “agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade”. Segundo Victor Eduardo Rios Gonçalves, “o dispositivo em análise refere-se à restrição de liberdade, que não se confunde com privação de liberdade – elementar do crime de sequestro ou cárcere privado. Esta é mais duradoura, exige que a vítima seja mantida em poder do sequestrador por tempo juridicamente relevante. Na restrição de liberdade, por sua vez, a vítima é mantida em poder do roubador, por poucos minutos”. Essa distinção é facilmente percebida na prática. (...) Por outro lado, quando os agentes roubam um caminhão e levam consigo o motorista até um galpão onde passam horas descarregando as mercadorias contidas no veículo para, só posteriormente, levarem o motorista a outro local e o soltarem, configuram os crimes de roubo (sem a causa de aumento em estudo) em concurso material com o crime de sequestro do artigo 148 do Código Penal. Entende-se que o concurso é material porque os roubadores permanecem com a vítima após se apossarem do bem, ou seja, após a consumação do crime de roubo, de modo que a privação da liberdade é entendida como nova ação. (Direito Penal Esquematizado, 7ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2017) 14. O iter criminis atesta o grande lapso de tempo ocorrido nos sequestros, tendo em vista que 51


o vigilante e o dono do veículo da fuga foram libertados no começo do dia 28/03/2016, a mulher permaneceu sob a mira dos acusados durante todo o restante do dia 28/03/2016, tendo sido liberada durante a madrugada e o gerente dos correios teve sua liberdade tolhida até a manhã do dia 30/03/2016, quando dois dos acusados foram presos em sua companhia. 15. O fato de as vítimas, especialmente a mulher e o gerente, terem permanecido privados de sua liberdade durante quase um dia inteiro (ela) e dois dias (o gerente), atesta a existência de lapso temporal mais do que suficiente para se configurar o crime de sequestro, que deverá ser reconhecido juntamente com o delito de roubo, aplicando-se a regra do concurso material, tendo em vista que o sequestro do casal era desnecessário tanto para o roubo quanto para a fuga. 16. Nesse sentido, assim deixou claro o voto-vencedor, da lavra do eminente Des. Federal Rubens Canuto: “no caso em análise, não se tratou de uma privação de liberdade pelo tempo estritamente necessário ao cometimento do crime; o que foi julgado nos precedentes mencionados do Superior Tribunal de Justiça. A meu ver, aqui, houve efetivamente o sequestro e o cárcere privado; daí por que, pedindo todas as vênias, nesse ponto específico, divirjo do relator, porque penso que a privação da liberdade foi além do necessário para o cometimento do crime de roubo. Entendo que, se fosse apenas pelo tempo estritamente necessário, não haveria um crime específico, um crime autônomo; mas não foi o caso ora em julgamento. Imaginem, por exemplo, um caso em que uma pessoa entrasse na casa de alguém e trancasse no armário três moradores da casa para fazer o assalto e, quando a pessoa saísse da casa, os moradores saíssem do armário logo em seguida; evidentemente, que 52


aí não haveria sequestro ou cárcere privado. Diferente é o caso em que os assaltantes entram na casa de uma pessoa, tiram os bens, colocam dentro do veículo, pegam e levam o proprietário para qualquer que seja o fim, e permanecem dois dias, ou um dia e meio, restringindo a sua liberdade; a meu ver, o crime de cárcere privado e de sequestro está também configurado”. 17. Prevalência do voto-vencedor, tendo em vista que, após o roubo à agência, o embargante efetuou a conduta de privar a liberdade de locomoção das vítimas (o casal do veículo particular), de forma desnecessária, visto que já possuíam reféns para garantir a fuga, podendo ter simplesmente trocado de veículo e continuado com os dois reféns que já possuíam, além de terem retido todos eles por tempo considerável, de forma a conduta descrita amolda-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 148 do Código Penal. Embargos Infringentes improvidos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que figuram como partes as acima identificadas, decide o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos infringentes, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 29 de janeiro de 2020. (Julgamento) 16 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Embargos infringentes em apelação criminal interpostos por Antônio Alexandre da Silva, em face de julgado da eg. Quarta Turma deste Tribunal, que, por maioria de votos, vencido em 53


parte o Relator, o em. Des. Federal Edilson Pereira Nobre Júnior, manteve sua condenação à pena de 16 (dezesseis) anos, 7 (sete) meses e 22 (vinte e dois) dias de reclusão e 5 (cinco) meses de detenção e 237 (duzentos e trinta e sete) dias-multa, pelo cometimento do crime de roubo qualificado, previsto art. 157, caput e § 2º, incisos I e II do Código Penal, nas formas tentada e consumada, praticado contra agência dos Correios localizada no Município Juarez Távora/PB, no dia 28/03/2016, além dos crimes de sequestro, furto qualificado e resistência, tipificados nos arts. 148, caput e § 1º, inc. IV; 155, caput, § 4º, inc. IV e 329, caput e § 1º, do Código Penal. O Relator, o Des. Federal Edilson Pereira Nobre Júnior, no voto proferido na sessão de julgamento do dia 08.01.2019, foi vencido na parte mínima do voto, sendo a divergência relativa ao “acolhimento da tese de atipicidade do crime de sequestro e cárcere privado, devendo ser considerada, ao invés da existência de um crime autônomo, a incidência da causa de aumento de pena prevista no inciso V do parágrafo 2º do art. 157, do CP” – Id. 4050000.14562106. Esclareceu o voto vencido que o fato de os assaltantes terem mantido o gerente dos Correios e uma mulher como reféns não caracteriza o “animus autônomo a caracterizar o delito de sequestro, pois ausente o deliberado intuito de privar a liberdade das vítimas, antes ficando demonstrado que os réus mantiveram-se em fuga de forma ininterrupta desde o início quando da tentativa de assalto à agência dos Correios de Juarez Távora/PB, buscando alternativas para conseguir se evadir do local, utilizando as vítimas como escudo em meio ao tiroteio e para garantir a fuga do cerco policial”, de forma que a privação da liberdade das vítimas configurou mero desdobramento do crime de roubo, não sendo o caso de concurso material deste último com o delito de sequestro. No voto-vencedor, os Desembargadores Federais Rubens Canuto e Lázaro Guimarães consideraram que o tempo de permanência dos ora embargantes com os reféns para além do tempo necessário à fuga descaracterizaria a prática de um único crime de roubo qualificado, mantendo a condenação dos embargantes pelo delito de sequestro, considerado de forma autônoma. 54


Requerem os embargantes a prevalência do voto-vencido da lavra do Des. Federal Edilson Nobre, sustentando que a consumação do “crime de sequestro pressupõe a vontade livre, consciente e autônoma de tolher a liberdade ou reter alguém em algum lugar prejudicando a sua liberdade de locomoção, por lapso temporal razoável”, o que não teria ocorrido no presente caso, tendo em vista que eles tiveram escopo único a consumação do crime de roubo, e a privação de liberdade das vítima, independente do lapso temporal, ocorreu unicamente para assegurar a fuga e a concretização do crime de roubo – Id. 4050000.14577355. Ao final, requer a prevalência do voto vencido “para acolhimento da tese de atipicidade do crime de sequestro e cárcere privado, devendo ser considerada, ao invés da existência de um crime autônomo, a incidência da causa de aumento de pena prevista no inciso V do parágrafo 2º do art. 157, do CP” – Id. 4050000.14577355. Em suas contrarrazões, o MPF requer o desprovimento dos Embargos Infringentes, esclarecendo que o crime de sequestro, previsto no art. 148 do CP, restou devidamente configurado, porque “as vítimas foram privadas de sua liberdade durante considerável período e em ambiente que fugiu àquele inicialmente projetado para o assalto, sempre mediante grave ameaça e intimidação por violência, a começar das primeiras abordagens direcionadas aos funcionários da ECT, no momento em que os assaltantes tentavam subtrair valores ali existentes, o mesmo podendo se dizer quanto às vítimas seguintes que trafegavam em veículo de passeio na BR230, quando receberam a ordem de encostar dada pelos mesmos criminosos em fuga” – Id. 4050000.14624603. Salientou o Parquet que “considera-se crime autônomo a conduta criminosa igualmente praticada em momento devidamente identificado e delimitado, em sequência ao móvel inicial do roubo, com vítimas diversas, no que assim entendeu a maioria da turma julgadora, ao confirmar o concurso material entre as duas figuras delituosas (roubo e sequestro)”, de forma que “impõe-se a manutenção do acórdão embargado, por seus próprios fundamentos, com o consequente improvimento dos embargos ora interpostos” – Id. 4050000.14624603.

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No parecer, a douta Procuradoria Regional da República opinou pelo desprovimento dos embargos infringentes, adotando como fundamentação as contrarrazões apresentadas pelo outro integrante do Parquet, “já que por eles exaurida a matéria” – Id. 4050000.15523857. É o relatório. Ao eminente Revisor. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI (Relator): Dispõe o art. 609 do Código de Processo Penal: Art. 609. Os recursos, apelações e embargos serão julgados pelos Tribunais de Justiça, câmaras ou turmas criminais, de acordo com a competência estabelecida nas leis de organização judiciária. Parágrafo único. Quando não for unânime a decisão de segunda instância, desfavorável ao réu, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser opostos dentro de 10 (dez) dias, a contar da publicação de acórdão, na forma do art. 613. Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto de divergência.

O art. 210 do Regimento Interno deste Tribunal assim preceitua: Art. 210. Quando não for unânime o acórdão desfavorável ao réu, proferido em apelação criminal e nos recursos em sentido estrito, admitem-se embargos infringentes e de nulidade, que poderão ser interpostos no prazo de dez dias. § 1º Se o desacordo for parcial, os embargos serão restritos à matéria objeto da divergência. § 2º O voto vencido que não especificar a divergência, ou de que haja apenas notícia na proclamação, será tido como integralmente divergente.

Da leitura do § 1º do art. 210 do RI-TRF5 e nos termos do artigo 609, parágrafo único, do Código de Processo Penal, os embargos infringentes e de nulidade são restritos à matéria objeto de divergência. 56


Desta forma, o recurso do embargante deve ser conhecido apenas na parte em que não houve unanimidade. No caso, o objeto da divergência restringe-se à condenação deles pela prática do crime de sequestro (art. 148, caput, e § 1º, IV, do CP), de forma autônoma, ao invés de ter incidido ao caso a causa de aumento de pena prevista no inciso V, § 2º, do art. 157 do CP. O voto vencido, da lavra do em. Desembargador Federal Edilson Nobre, cuja prevalência requer o ora embargante, proferido na sessão de julgamento do dia 29.01.2015, fundamentou-se em que não haveria, por parte dele, “um animus autônomo a caracterizar o delito de sequestro, pois ausente o deliberado intuito de privar a liberdade das vítimas, antes ficando demonstrado que os réus mantiveram-se em fuga de forma ininterrupta desde o início quando da tentativa de assalto à agência dos Correios de Juarez Távora/PB, buscando alternativas para conseguir se evadir do local, utilizando as vítimas como escudo em meio ao tiroteio e para garantir a fuga do cerco policial”, de forma que não seria o caso de “concurso material entre os crimes de roubo e de sequestro e cárcere privado, mas apenas de incidência da causa de aumento prevista no inc. V do § 2º do art. 157 do CP, em que a pena é aumentada se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade” - Id. Dispõem o art. 148 e 157, § 2º, V, do Código Penal: Art. 148 - Privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado: Pena - reclusão, de um a três anos. § 1º - A pena é de reclusão, de dois a cinco anos: I - se a vítima é ascendente, descendente, cônjuge ou companheiro do agente ou maior de 60 (sessenta) anos; II - se o crime é praticado mediante internação da vítima em casa de saúde ou hospital; III - se a privação da liberdade dura mais de quinze dias. IV - se o crime é praticado contra menor de 18 (dezoito) anos V - se o crime é praticado com fins libidinosos. § 2º - Se resulta à vítima, em razão de maus-tratos ou da natureza da detenção, grave sofrimento físico ou moral: Pena - reclusão, de dois a oito anos.

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Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. § 1º - Na mesma pena incorre quem, logo depois de subtraída a coisa, emprega violência contra pessoa ou grave ameaça, a fim de assegurar a impunidade do crime ou a detenção da coisa para si ou para terceiro. § 2º A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade (...) V - se o agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade.

Na lição de Guilherme Nucci, analisando o art. 157, § 2º, V, do CP, verbis: O artigo que trata da “vítima com a liberdade cerceada: introduzida pela Lei nº 9.426/96”, teve o legislador por finalidade punir mais gravemente o autor do roubo que, além do mínimo indispensável para assegurar o produto da subtração, detém a vítima em seu poder. Entretanto, não houve interpretação pacífica desse novo dispositivo, tendo em vista que três situações podem surgir: a) O agente segura a vítima por brevíssimo tempo, o suficiente para tomar-lhe o bem almejado (ex. disposto a tomar o veículo da vítima, o agente ingressa no automóvel unicamente para, alguns quarteirões depois, colocá-la para fora); b) O agente segura a vítima por tempo superior ao necessário ou valendo-se de forma anormal para garantir a subtração (ex. subjugando a vítima, o agente, pretendendo levar-lhe o veículo, manda que entre no porta-malas, rodando algum tempo pela cidade, até permitir que seja libertada ou o carro seja abandonado); (...) c) O agente, além de pretender subtrair o veículo, tem a nítida finalidade de privar a liberdade do ofendido, para sustentar qualquer outro objetivo, embora na grande parte das vezes seja para subtrair-lhe outros bens. Para tanto, roda com ele pela cidade, almejando conseguir saques em caixas eletrônicos, por exemplo. (...) 58


(...) Na primeira hipótese, cremos não estar configurada a causa de aumento – afinal o tipo de pena fala em “manter”, o que implica sempre uma duração razoável; na segunda, está a circunstância de aumento presente: na terceira, trata-se de roubo seguido de sequestro, em concurso. Lembremos a lição de CEZAR ROBERTO BITTENCOURT: “Assim, quando o sequestro for praticado concomitantemente com o roubo ou como garantia contra ação policial, estará configurada a majorante aqui prevista. Agora, quando eventual sequestro for praticado depois da consumação do roubo do veículo automotor, sem nenhuma conexão com a sua execução, não se estará diante da majorante especial, mas se tratará de concurso de crimes” (A exasperação penal nos crimes de furto, roubo e receptação. Reflexões sobre as inovações da Lei nº 9.426/96), Ajuris 72/195) (In Código Penal Comentado, ed. Forense, 15ª edição, 2015, págs. 908/909).

De acordo com o relatado nos autos, em especial na inicial acusatória e no voto do Des. Federal Edilson Nobre, foram assim descritos os fatos delituosos: No dia 28/03/2016, por volta das 10h15min, os denunciados, mediante emprego de arma de fogo, tentaram efetuar assalto à agência dos Correios no Município de Juarez Távora/PB, rendendo o gerente daquela agência, Saulo Barbosa de Lima, bem como o vigilante, Inácio Ancelmo de Araújo. Na oportunidade, subtraíram um revólver calibre 38 e um colete balístico, pertencentes à empresa de segurança Shanally, que se encontravam em posse do vigilante. Diante da chegada de Policiais Militares ao local do assalto e não tendo conseguido abrir o cofre, os réus deixaram a agência, levando consigo, cada um, um refém como escudo, entre eles o gerente, o vigilante e um cliente não identificado. Em seguida, do lado de fora da agência, dirigiram-se a um veículo Fiat Palio Weekend estacionado em frente aos Correios, o qual não conseguiram abrir, ocasião em

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que mediante grave ameaça exercida com emprego de arma de fogo, subtraíram uma viatura da Polícia Militar, por meio da qual empreenderam fuga, levando consigo apenas o gerente e o vigilante como reféns. Na BR-230, os criminosos resolveram livrar-se da viatura policial, acionando a sirene e abordando um veículo Ford New Fiesta, dentro do qual tinha três passageiros, sendo um menor de 14 anos de idade. Ao passarem para o interior do novo veículo, subtraíram uma espingarda da PM, os réus renderam os integrantes do veículo e liberaram apenas o vigilante da agência, prosseguindo na fuga com os novos reféns e o gerente da agência dos correios. Após isso, nas proximidades do posto fiscal localizado no Município de Juripiranga/PB, o veículo foi interceptado por uma barreira policial. Nesse momento, todos os ocupantes desceram do carro, oportunidade na qual o menor de idade, Pedro Lucas da Silva Lima, que estava no Ford Fiesta, conseguiu fugir. Vanessa da Silva Lima e Daniel Pereira da Silva, demais ocupantes do Ford Fiesta, deitaram no chão. O gerente Saulo Barbosa foi imobilizado e utilizado novamente como escudo pelos réus, os quais, efetuando vários disparos contra os policiais, retornaram ao veículo, levando consigo apenas o gerente e Vanessa da Silva Lima, prosseguindo viagem, por uma estrada de terra, em direção a um canavial. Ainda no mesmo dia 28/03/2016, entre os Municípios de Jupiranga/PB e Pedras de Fogo/PB, o veículo atolou e os réus, juntamente com as duas vítimas, iniciaram uma caminhada à pé, o que se estendeu até a noite. Durante a noite, um dos acusados conseguiu efetuar contato telefônico com pessoa ainda não identificada, solicitando que o auxiliasse na fuga do grupo. Após o contato telefônico, liberaram a refém Vanessa da Silva Lima, tendo em vista ter machucado o pé, e continuaram a fuga, levando consigo apenas o gerente Saulo Barbosa de Lima. Durante todo o dia 29/03/2016, os acusados e o refém permaneceram caminhando no canavial.

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No dia 30/03/2016, após perseguição, os policiais militares conseguiram interceptar, à pé, os réus Antônio Alexandre da Silva e Carlos Magno Soares, juntamente com o refém. Contudo, o denunciado Francisco Adriano Gomes Avelino conseguiu evadir-se antes da chegada da polícia. – Id. 4050000.13902401.

Nota-se, portanto, que os agentes, no momento e após o roubo frustrado, já tinham dois reféns para garantir a fuga (um gerente e o vigilante), momento em que se apropriaram de uma viatura policial para fugir. Após a tentativa de roubo, na posse de dois reféns, o que já lhes garantiria a fuga, resolveram trocar de carro, tendo em vista que a viatura chamava a atenção, e para isso abordaram um veículo particular que estava na estrada, com um casal e um menor de 14 anos. Note-se que podia o embargante simplesmente trocar de carro e com dois reféns que já possuíam continuar a fuga, mas ainda restringiu a liberdade do casal e do menor (que depois conseguiu fugir), fazendo-os deitar no chão do veículo, e ainda com um dos reféns, o gerente do banco (liberando o outro), continuaram a se evadir. Desta forma, não se pode mais integrar o sequestro do casal ao roubo, como mais uma de suas qualificadoras, no sentido pretendido pelos embargantes, uma vez que resta claramente evidenciado a autonomia delitiva entre ambos. Após o roubo frustrado, quando já havia cessado a violência e grave ameaça necessária para a subtração, e já em fuga com dois reféns, o embargante trocou de veículo, e fizeram desnecessariamente mais dois reféns, fato este que deflagrou novo e autônomo desdobramento fático-jurídico, no caso, o sequestro. Note-se que a restrição da liberdade do casal e do menor de idade que estavam no veículo particular, coagidos sob suas ordens dos agentes a permanecer com a liberdade restrita, não mais se apresentava como caminho necessário para a subtração ou mesmo para a fuga, tendo em vista que eles possuíam dois reféns para impedir a ação policial havendo autonomia entre os delitos, não havendo, como afirma o embargante, uma mera atividade com61


plementar ou de simples consequência normal do primitivo delito (a fuga), mas sim a eclosão de uma nova figura delituosa, com tipicidade subjetiva própria. Observe-se que a fuga poderia ter-se processado independente do sequestro do casal e do menor, tendo em vista que a privação de liberdade deles não era indispensável para a concretização do delito patrimonial ou mesmo para a fuga, pois poderiam ter simplesmente trocado de veículo para se evadir, tendo em vista que já possuíam dois reféns, no entanto, de forma livre, consciente e independente privaram terceiros de sua liberdade, em um animus autônomo, distinto da ação criminosa inicial, tendo em vista que os crimes foram consumados em contextos fáticos distintos. Sendo a restrição da liberdade do casal absolutamente desnecessária para garantir o êxito do crime de roubo e da fuga, deve ela ser considerada como delito autônomo, não havendo, portanto, que se falar, na aplicação da qualificadora do artigo 157, § 2º, V, do CP, mas sim em concurso material de crimes, sendo aplicável ao caso, também o tipo penal previsto no art. 148 do CP, que tipifica a conduta de “privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado”. Sequestrar, segundo a seguinte definição doutrinária significa “tolher a liberdade de alguém ou reter uma pessoa indevidamente em algum lugar, prejudicando-lhe a liberdade de ir e vir”, não se exigindo fim especial para tanto. Outra questão relevante para a configuração do crime de sequestro é o lapso temporal no qual os meliantes privaram os reféns de sua liberdade. O doutrinador Victor Eduardo Rios Gonçalves, comentando o artigo 157, § 2º, V, refere-se ao aumento da pena quando o “agente mantém a vítima em seu poder, restringindo sua liberdade”, assim explicitou: O dispositivo em análise refere-se à restrição de liberdade, que não se confunde com privação de liberdade – elementar do crime de sequestro ou cárcere privado. Esta é mais duradoura, exige que a vítima seja mantida em poder do sequestrador por tempo juridicamente relevante. Na restrição de liberdade, por sua vez, a vítima é mantida em poder do roubador, por poucos minutos. 62


Essa distinção é facilmente percebida na prática. Com efeito, existem inúmeros crimes de roubo, principalmente de automóvel, em que o agente, após a abordagem, fica com a vítima dentro do veículo por breve espaço de tempo, unicamente para que possa sair do local e atingir a via de maior velocidade. Normalmente, a finalidade do roubador ao manter a vítima consigo é evitar que ela acione imediatamente a polícia enquanto ele permanece no trânsito, evitando, com isso, o risco de prisão, caso ele seja solto logo em seguida, incorrerá na causa de aumento do artigo 157, § 2º, V do Código Penal. Por outro lado, quando os agentes roubam um caminhão e levam consigo o motorista até um galpão onde passam horas descarregando as mercadorias contidas no veículo para, só posteriormente, levarem o motorista a outro local e o soltarem, configuram os crimes de roubo (sem a causa de aumento em estudo) em concurso material com o crime de sequestro do artigo 148 do código Penal. Entende-se que o concurso é material porque os roubadores permanecem com a vítima após se apossarem do bem, ou seja, após a consumação do crime de roubo, de modo que a privação da liberdade é entendida como nova ação. (Direito Penal Esquematizado, 7ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 2017).

Note-se, como ficou registrado na sentença, que reconheceu os sequestros como crimes autônomos em relação à tentativa de roubo da Agência dos Correios de Juarez Távora/PB, o grande lapso de tempo ocorrido no sequestros, verbis: Os sequestros tiveram durações variadas. Os reféns Inácio Ancelmo de Araújo (vigilante), Daniel Pereira da Silva e Pedro Lucas da Silva Lima, foram libertados ainda durante a fuga, no dia 28/03/2016. A vítima Vanessa da Silva Lima, por sua vez, permaneceu sob a mira dos acusados durante todo o restante do dia 28/03/2016, tendo sido liberada durante a madrugada. Já o gerente dos correios, Saulo Barbosa de Lima, teve sua liberdade tolhida até a manhã do dia 30/03/2016, quando dois dos acusados foram presos em sua companhia.

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Independentemente da quantidade maior ou menor de tempo, o certo é que as 5 (cinco) vítimas foram privadas de suas liberdades, mediante emprego de grave ameaça exercida pelos agentes com emprego armas de fogo, o que se revela suficiente para incursão no tipo penal descrito no art. 148 do estatuto repressor, sendo 4 (quatro) vezes na forma simples (caput) e 1 (uma) vez na forma qualificada (art. 148, § 1º, II), tendo em vista que a vítima Pedro Lucas da Silva Lima era menor de idade.

O fato de o casal especialmente a mulher, terem permanecido privados de sua liberdade durante quase um dia inteiro, é tempo mais do que suficiente para se configurar o crime de sequestro, que deverá ser reconhecido juntamente com o delito de roubo, aplicando-se a regra do concurso material, tendo em vista que o sequestro do casal era desnecessário tanto para o roubo quanto para a fuga. Nesse sentido, assim deixou claro o voto-vencedor, da lavra do eminente Des. Federal Rubens Canuto: No caso presente, porém, eles estavam sendo perseguidos e o crime de roubo já se havia consumado, porque ele já se havia apropriado da coisa; passaram perseguindo e privando a liberdade das pessoas durante dois dias. Penso que, neste caso, há uma intenção deliberada em privar a liberdade, ainda que para garantir a própria fuga. O crime de sequestro e cárcere privado não tem um dolo específico, basta apenas que a pessoa tenha a intenção livre e consciente de privar a liberdade de outrem independentemente do fim. No caso em análise, não se tratou de uma privação de liberdade pelo tempo estritamente necessário ao cometimento do crime; o que foi julgado nos precedentes mencionados do Superior Tribunal de Justiça. A meu ver, aqui, houve efetivamente o sequestro e o cárcere privado; daí por que, pedindo todas as vênias, nesse ponto específico, divirjo do relator, porque penso que a privação da liberdade foi além do necessário para o cometimento do crime de roubo. Entendo que, se fosse apenas pelo tempo estritamente necessário, não haveria um crime específico, um crime autônomo; mas não foi o caso ora em julgamento. Imaginem, por exemplo, um caso em que 64


uma pessoa entrasse na casa de alguém e trancasse no armário três moradores da casa para fazer o assalto e, quando a pessoa saísse da casa, os moradores saíssem do armário logo em seguida; evidentemente, que aí não haveria sequestro ou cárcere privado. Diferente é o caso em que os assaltantes entram na casa de uma pessoa, tiram os bens, colocam dentro do veículo, pegam e levam o proprietário para qualquer que seja o fim, e permanecem dois dias, ou um dia e meio, restringindo a sua liberdade; a meu ver, o crime de cárcere privado e de sequestro está também configurado.

Como se vê, após o roubo frustrado, os agentes efetuaram a conduta de privar a liberdade de locomoção das vítimas, de forma desnecessária, visto que já possuíam reféns para garantir a fuga, podendo ter simplesmente trocado de veículo e continuado com os dois que já possuíam, além de ter retido todos eles por tempo considerável, de forma a conduta descrita amolda-se perfeitamente ao tipo penal descrito no art. 148 do Código Penal. Sob o influxo de tais considerações, nego provimento aos embargos infringentes. É como voto.

AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0808442-81.2016.4.05.0000-PB (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR Autora: NATÁLIA SILVA DE FARIAS Ré: UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB Adv./Proc.: DRA. IONE ALVES DINIZ EMENTA: PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. POSSE E INVESTIDURA. FORMAÇAO EXIGIDA DE NÍVEL TÉCNICO. CANDIDATA CONCLUINTE EM NÍVEL SUPERIOR DA MESMA ÁREA. DOCUMENTO NOVO. DIPLOMA. NÃO CONFIGURAÇÃO. 65


1. Ação rescisória proposta com fundamento no art. 966, incisos VII (obtenção de prova nova), do CPC, objetivando a desconstituição de acórdão, proferido nos autos de mandado de segurança, que deu provimento à remessa oficial e à apelação da UFPB para desconstituir a sentença que concedeu a segurança ao fundamento de que a impetrante não preencheu o requisito para a posse e investidura do cargo, vez que ainda não havia concluído o Curso Superior de Engenharia de Alimentos no momento da posse, posto que ainda estava cursando 4 (quatro) disciplinas complementares necessárias para a graduação (AC 567.586-PB). 2. Documento novo que autoriza o ajuizamento da ação rescisória é aquele que, já existente à época da decisão rescindenda, era ignorado pelo autor ou do qual não pôde fazer uso por razões estranhas à sua vontade, sendo capaz de assegurar, por si só, a procedência do pedido deduzido na demanda. 3. O diploma ao qual se refere à parte autora fora expedido em 03/01/2014 e a decisão rescindenda prolatada em 17/06/2014, de forma que já existia há época, não sendo ignorado pelo autor, o qual alegou apenas que não apresentou por ter sido interposta apelação pela parte adversa. Ausência de justificativa plausível para a não apresentação, mesmo em sede de segundo grau de jurisdição, de forma que não pode ser considerado documento novo para fins de justificar o manejo de ação rescisória. 4. A ação originária se refere a mandado de segurança onde a autoridade coatora não empossou o autor por não ter sido preenchido o requisito da comprovação do curso técnico na área exigida, ato legal, tendo em conta que há época ainda restavam 4 (quatro) cadeiras para conclusão do curso superior, situação não discutida nos autos. 66


5. A ação rescisória tem por finalidade a alteração de um estado jurídico alcançado pela autoridade da coisa julgada, sendo, pois, uma exceção do sistema processual e, pela sua própria natureza, não pode ser admitida como mera substituta de recurso que a parte não interpôs no momento próprio, mormente quando houve pronunciamento judicial expresso sobre o fundamento invocado. (AR 1.034, RAFAEL MAYER, STF; AIAR - AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA 4258 2009.00.95616-0, REGINA HELENA COSTA, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe DATA: 25/03/2019) 6. Honorários advocatícios, a cargo da parte autora, no importe de 10% sobre o valor da causa, em observância ao art. 85, § 4º, III, do CPC. 7. Ação rescisória julgada improcedente. ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, julgar improcedente a ação rescisória, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 5 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 12 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR: 1.1. Ambientação da Rescisória: Ajuizamento: 19/11/2016. Fundamento: Art. 966, VII (obtenção de prova nova), do Código de Processo Civil. 67


Ação originária: 0001260-23.2013.405.8200. Objeto: Mandado de Segurança onde se buscava investidura no cargo de Técnica de Laboratório/Área de Tecnologia de Alimentos da UFPB, ao qual logrou aprovação em primeiro lugar no respectivo concurso público, suprindo-se o obstáculo quanto ao não cumprimento do requisito da escolaridade exigida no Edital nº 61 de 13/08/2012 (Ensino Médio Completo e Curso Técnico na área de Alimentos ou de Agroindústria reconhecidos pelo MEC), eis que em curso de graduação de Engenharia de Alimentos. Acórdão rescindendo: Deu provimento à remessa oficial e à apelação da UFPB para desconstituir a sentença que concedeu a segurança ao fundamento de que a impetrante não preencheu o requisito para a posse e investidura do cargo, vez que ainda não havia concluído o Curso Superior de Engenharia de Alimentos no momento da posse, posto que ainda estava cursando 4 (quatro) disciplinas complementares necessárias para a graduação (AC 567.586-PB). Órgão Julgador: Segunda Turma, à unanimidade, tendo como composição os Exmos. Desembargadores Federais César Arthur Cavalcanti de Carvalho (Relator/Convocado), Paulo Roberto de Oliveira Lima e Vladimir Souza Carvalho. Trânsito em julgado: 01/09/2015. 1.2. Suma do pedido autoral: Requer a rescisão do julgado, com prolação de novo julgamento, onde seja concedida a segurança para assegurar a investidura da autora no cargo de Técnica de Laboratório/Área de Tecnologia de Alimentos da UFPB, para o qual logrou aprovação em 1º lugar no concurso público, suprindo o obstáculo que lhe foi colocado acerca da comprovação da escolaridade exigida no Edital nº 61, de 13/08/2012 (Ensino Médio Completo + Curso Técnico na área de Alimentos ou de Agroindústria reconhecidos pelo MEC). Alega, em seu favor, que o acórdão impugnado violou literal dispositivo de lei (art. 966, VII, da Lei 13.105/2015) e da Constituição Federal (art. 41, § 1º, II), por ter determinado a exoneração de servidora pública sem processo administrativo em que lhe fosse assegurada ampla defesa. 68


Sustenta a existência de documento novo capaz de lhe assegurar o direito buscado, qual seja, o Diploma de Conclusão do Curso de Engenharia de Alimentos, não apresentado em momento oportuno por ter a parte ré apelado da sentença. Afirma que a jurisprudência do STJ entende ser possível o ingresso ao serviço público de candidato detentor de conhecimentos em nível mais elevado do que o exigido para o cargo em que fora devidamente aprovado mediante concurso. Por fim, defende a aplicação ao caso dos princípios da razoabilidade, proporcionalidade e segurança jurídica, já que os conteúdos programáticos das disciplinas já cursadas no Curso Superior eram compatíveis com os requisitos exigidos para o cargo técnico. Por essas razões, requer a procedência do presente feito, ante a incidência das hipóteses legais que autorizam o manejo da rescisória. 1.3. Suma da resposta: A parte ré defende a ausência de fundamento para a rescisão do acórdão, já que o Diploma de Graduação apresentado (expedido em 03/01/2014) não pode ser considerado prova nova para fins de rescisória, pois não foi o mesmo obtido posteriormente ao trânsito em julgado (este ocorrido em 01/09/2015), e não se trata de documento cuja existência a autora ignorava ou que não poderia fazer uso, além de ser capaz, por si só, de lhe assegurar pronunciamento favorável. Afirma que tal documento apenas comprova que a autora, no momento da posse no cargo, não havia cumprido o requisito de escolaridade exigido no edital e, portanto, não tinha direito a ser investida no cargo público em questão. Por essa razão, pugna pelo não conhecimento da ação ou, no mérito, pela sua improcedência. 1.4. Registro das demais ocorrências: Em 29/05/2017, fora indeferido o pedido de antecipação de tutela, por ausência dos requisitos legais. A parte autora e ré ofereceram razões finais, remissivas aos argumentos já apresentados com a inicial e contestação. 69


Instada a se manifestar, a Procuradoria Regional da República do Ministério Público Federal ofertou parecer, opinando pelo não conhecimento da ação, em face da inexistência de causa de rescindibilidade. No mérito, opina pela improcedência do pedido rescisório, à míngua de respaldo legal. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR (Relator): FUNDAMENTAÇÃO A pretensão da parte autora dirige-se no sentido de obter a rescisão de acórdão emanada da Segunda Turma deste e. Tribunal, que julgou procedente a remessa oficial e a apelação para denegar a segurança referente à investidura da autora no cargo de Técnica de Laboratório/Área de Tecnologia de Alimentos da UFPB, para o qual logrou aprovação em 1º lugar no concurso público. Verifica-se, inicialmente, que a decisão fustigada transitou em julgado em 01/09/2015, e a presente ação foi ajuizada em 19/11/2016, sendo, portanto, tempestiva, por ter sido proposta dentro do biênio legal (CPC, Art. 975). A parte autora fundamentou o cabimento da ação rescisória no art. 966, VII, do CPC, decorrente da obtenção de documento novo capaz de, por si só, ensejar a rescisão do acórdão, com pronunciamento favorável. Documento novo, de acordo com o aludido dispositivo legal, é aquele que já existia ao tempo da prolação da decisão rescindenda, mas que não fora apresentado em Juízo: a) por não ter o autor da rescisória conhecimento da sua existência; ou b) por não ter sido possível a juntada, em virtude de motivo estranho à sua vontade. A esse respeito, confira-se o seguinte precedente: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 966, VII, DO NOVO CPC. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO NOVO A EMBASAR O PLEITO. IMPROCEDÊNCIA. 1. O novo Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 966, as hipóteses que ensejariam a rescisão de sentença ou acórdão de mérito, transitado em julgado, 70


dentre as quais a obtenção de documento novo, após a decisão rescindenda, cuja existência a parte ignorava ou não pode fazer uso (inciso VII). 2. Documento novo, nos termos do aludido dispositivo legal, é aquele que já existia ao tempo da prolação da decisão rescindenda, mas que não fora apresentado em Juízo: a) por não ter o autor da rescisória ciência da sua existência; ou b) por não ter sido possível a juntada, em virtude de motivo estranho à sua vontade. 3. Hipótese em que o documento, no qual a autora embasa o pleito rescisório (Relatório Técnico 45/2010), foi produzido depois de vistoria realizada nos dias 9 e 17 de novembro de 2010, enquanto o acórdão rescindendo foi prolatado em 13 de outubro de 2009, não podendo, portanto, ser considerado como “novo” para os fins do art. 966, VII, do CPC/2015. 4. Ademais, referido documento apenas corrobora os fundamentos explanados no acórdão rescindendo, na medida em que, aponta irregularidade na situação fiscal da empresa demandante, no que se refere ao não cumprimento de exigências do BNB (apresentação dos relatórios semestrais e das certidões de regularidade junto ao FGTS e ao INSS), inadimplência essa que, de acordo com o aresto ora impugnado, “por si só, legitima a recusa da SUDENE em fazer o aporte da contrapartida do FINOR nas datas pactuadas”. 5. Precedente do Pleno: AR 7.383/PE, Rel. Des. Federal EDILSON NOBRE, Pleno, JULGAMENTO: 14/12/2016, PUBLICAÇÃO: DJe 16/12/2016 - Página 20. 6. Ação rescisória cujo pedido é julgado improcedente. (Pleno, AR nº 08036958820164050000, Relator: Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, julg. 18/08/2017, decisão unânime)

Dessa forma, documento novo que autoriza o ajuizamento da ação rescisória é aquele que, já existente à época da decisão rescindenda, era ignorado pelo autor ou do qual não pôde fazer uso por razões estranhas à sua vontade, sendo capaz de assegurar, por si só, a procedência do pedido deduzido na demanda. No caso em tela, o diploma ao qual se refere à parte autora fora expedido em 03/01/2014 e a decisão rescindenda prolatada em 17/06/2014, de forma que já existia há época, não sendo ignorado 71


pelo autor, o qual alegou apenas que não apresentou por ter sido interposta apelação pela parte adversa. Não houve, portanto, justificativa plausível para a não apresentação, mesmo que em sede de segundo grau de jurisdição, de forma que não pode ser considerado documento novo para fins de justificar o manejo de ação rescisória. Ademais, trata-se de ação originária de mandado de segurança onde a autoridade coatora não empossou o autor por não ter sido preenchido o requisito da comprovação do curso técnico na área exigida, ato legal, tendo em conta que há época ainda restavam 4 (quatro) cadeiras para conclusão do curso superior, situação não discutida nos autos. A ação rescisória tem por finalidade a alteração de um estado jurídico alcançado pela autoridade da coisa julgada, sendo, pois, uma exceção do sistema processual e, pela sua própria natureza, não pode ser admitida como mera substituta de recurso que a parte não interpôs no momento próprio. Nesse sentido, já se manifestou o excelso Pretório: AÇÃO RESCISÓRIA. REEXAME DO ACÓRDÃO RESCINDENDO. NÃO SE PRESTA A AÇÃO RESCISÓRIA AO REEXAME DO QUE FOI APRECIADO PELA DECISÃO IMPUGNADA. INOCORRÊNCIA DE OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI, DE ERRO OU DE DOLO, REFERIDOS NOS ARTS. 485, INCISOS V, III E PARÁGRAFO. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. (AR 1.034, RAFAEL MAYER, STF.)

Na mesma senda, o colendo STJ vem sustentando a impossibilidade de manejo da ação rescisória como sucedâneo recursal, mormente quando houve pronunciamento judicial expresso sobre o fundamento invocado: EMEN: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA. NÃO CABIMENTO. ERRO DE FATO. NÃO EXISTÊNCIA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL EXPRESSO SOBRE A QUESTÃO. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. AFRONTA DIRETA E EVIDENTE. INOCORRÊNCIA. ANÁLISE DAS 72


TESES EM TORNO DOS DISPOSITIVOS APONTADOS. AUSÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - Quando o acórdão rescindendo considera fato não existente ou tem por não existente fato efetivamente ocorrido, desde que sobre esse fato não tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial, trata-se de um erro de percepção e não de um critério interpretativo do juiz. Precedentes. III - No caso, a questão acerca da limitação temporal promovida pela Portaria GM/MS n° 1.323/99, a qual reformulou as tabelas do Sistema Único de Saúde, foi expressamente analisada no acórdão proferido em sede dos embargos de declaração opostos em face da decisão rescindenda. IV - Quanto à suscitada violação literal a dispositivo de lei, tal ofensa deve ser “direta, evidente, que ressai da análise do aresto rescindendo” e “se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se um mero ‘recurso’ com prazo de ‘interposição’ de dois anos”. Precedentes. V - Não constatada violação direta e evidente de lei, a fundamentação adotada evidencia a utilização da ação rescisória como sucedâneo recursal, ajuizada com o nítido propósito de rediscutir, mais uma vez, o acerto do acórdão transitado em julgado. VI - Ausente análise, pelo acórdão rescindendo, das teses em torno dos dispositivos apontados como violados, afasta-se, igualmente, o cabimento da rescisória. Precedentes. VII - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. VIII - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do agravo interno em 73


votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. IX - Agravo interno improvido. (AIAR - AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA 4.258 2009.00.95616-0, REGINA HELENA COSTA, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe DATA 25/03/2019 ..DTPB:.)

Dessa forma, inexiste qualquer vício a macular a decisão transitada em julgado, impondo-se sua manutenção. Arbitram-se honorários advocatícios, a cargo da parte autora, no importe de 10% sobre o valor da causa, em observância ao art. 85, § 4º, III, do CPC. DISPOSITIVO Ante o exposto, julga-se improcedente a presente ação rescisória.

CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 081765713.2018.4.05.0000-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR Suscitante: JUÍZO DA 17ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (JUIZA DO ESPECIAL FEDERAL - JUAZEIRO DO NORTE) Suscitado: JUÍZO DA 16ª VARA FEDERAL DO CEARÁ (COMUM - JUAZEIRO DO NORTE) Parte A.: ÉRICO RIBEIRO DE BRITO Parte R.: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL X VARA FEDERAL COMUM. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. VALOR DA CAUSA. COMPATIBILIDADE DE RITOS. 1. Conflito negativo de competência suscitado nos autos da ação declaratória de nulidade de cláusulas contratuais de financiamento ban74


cário, cumulada com ação de consignação em pagamento. 2. Ação ajuizada para que fossem declaradas a nulidade das cláusulas contratuais que capitalizam juros e autorizada a consignação em pagamento das parcelas que vencerem no curso da demanda, no valor unitário de R$ 381,40 (trezentos e oitenta e um reais e quarenta centavos). Para tanto, fora atribuído à causa o valor de R$ 27.290,00 (vinte e sete mil duzentos e noventa reais). 3. O valor da causa se enquadra dentro do limite previsto no art. 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001 e inexiste incompatibilidade entre o rito do juizado especial e a ação de consignação em pagamento, conforme entendimento adotado pelo STJ e seguido por este Regional. 4. Precedentes: CC 98.221/GO, Relator: Min. FERNANDO GONÇALVES, Segunda Seção. Julg. 26/11/2008, DJe 09/12/2008; CC 080780851 20174050000, Pleno, Relator: Des. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, julg. 31/08/2017. 5. Conflito negativo de competência conhecido para reconhecer a competência do Juízo Federal da 17ª Vara/CE (JEF - Suscitante). ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5a Região, por unanimidade, reconhecer a competência do Juízo da 17ª Vara Federal-CE, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 4 de dezembro de 2019. (Julgamento) 20 de janeiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR - Relator

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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR: 1.1. Ambientação do Conflito de Competência: Ação originária: Revisional de nº 0808593-20.2018.4.05.8102. Objeto: Declaratória de nulidade de cláusulas contratuais de financiamento de veículo, cumulada com ação de consignação em pagamento, promovida por ÉRICO RIBEIRO DE BRITO contra a CEF. Distribuição inicial: 25/09/2018. Controvérsia: Busca-se a definição de qual Juízo competente para o processamento e julgamento da ação, tendo em vista o valor atribuído à causa ser inferior a 60 (sessenta) salários mínimos e a natureza da matéria versada. 1.2. Razões do suscitado – 16ª Vara Federal/CE (Comum): Inicialmente, a ação fora distribuída para a 16ª Vara do Ceará, em Juazeiro do Norte, tendo esse Juízo declinado da competência e determinado a remessa dos autos ao Juizado Especial Federal da Subseção, por entender que o valor atribuído à causa não ultrapassa 60 (sessenta) salários mínimos a que se refere o art. 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001, caso em que a competência do Juizado Especial Federal é absoluta, nos termos do art. 3º, § 3º, da Lei nº 10.259/2001. Decisão: 27/09/2018. Magistrado: Fabrício de Lima Borges 1.3. Razões do suscitante – 17ª Vara Federal/CE (JEF): Indo o feito, por distribuição, à 17ª Vara, onde recebeu o nº 0515228-90.2018.4.05.8102, fora suscitado o presente conflito negativo de competência, ao fundamento de que o tipo de procedimento de um dos pedidos, a ação de consignação em pagamento, está sujeita a procedimento especial, hipótese não admitida nos Juizados Especiais, nos termos do Enunciado nº 8, editado no XIII Encontro Nacional do Fórum Permanente dos Juizados Especiais.

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Decisão: 18/12/2018. Magistrado: Lucas Mariano Cunha Aragão de Albuquerque VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR (Relator): FUNDAMENTAÇÃO Inicialmente é de se ressaltar a competência deste e. Tribunal para processar e julgar o presente conflito negativo de competência envolvendo juiz federal de Juizado Especial Federal e Juiz Federal de vara comum, conforme decisão do Supremo Tribunal Federal no RE 590.409, de 26/08/2009. O autor ajuizou ação declaratória, cumulada com a ação de consignação em pagamento, para que fossem declaradas a nulidade das cláusulas contratuais que capitalizam juros e autorizada a consignação em pagamento das parcelas que vencerem no curso da demanda, no valor unitário de R$ 381,40 (trezentos e oitenta e um reais e quarenta centavos). Para tanto, atribuiu à causa o valor de R$ 27.290,00 (vinte e sete mil duzentos e noventa reais). Enquadrando-se o valor da causa dentro do limite previsto no art. 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001 e não havendo incompatibilidade entre o rito do juizado especial e a ação de consignação em pagamento, há que se reconhecer a competência dos Juizados Especiais Federais, conforme já decidiu o colendo STJ, ao julgar o CC 98.221/GO (Relator: Min. FERNANDO GONÇALVES, Segunda Seção. Julg. 26/11/2008, DJe 09/12/2008). Mesmo posicionamento fora seguido por este egrégio Tribunal Regional, in verbis: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL FEDERAL X VARA COMUM. AÇÃO DE CONSIGNAÇÃO EM PAGAMENTO. VALOR DA CAUSA. COMPATIBILIDADE. 1. A questão cinge-se à definição do Juízo competente para processar e julgar ação de consignação em pagamento, cujo valor da causa é R$ 18.221,64, se seria o JEF (5ª Vara/SE) ou a Vara Comum (2ª Vara/SE).

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2. Na origem, o demandante ajuizou ação de consignação em pagamento contra a CEF, “para que seja autorizado imediatamente o pagamento mensal da importância correspondente a 50% do valor da parcela devida nos próximos 24 meses e, ao final deste lapso, seja efetuado o pagamento integral das diferenças devidas, com a confirmação dos depósitos e a extinção do débito vencido, sem prejuízo do vincendo e da regularização do contrato”. Os 50% do valor das prestações mensais de contrato de financiamento, no período de 2 anos, equivalem a R$ 18.221,64, sendo esse o valor da causa indicado pelo autor. 3. Considerando que o valor da causa está dentro do limite previsto no art. 3º, caput, da Lei nº 10.259/2001, é de se reconhecer a competência do JEF, sublinhando-se que o STJ já decidiu que “não há incompatibilidade entre o rito do juizado especial e a ação de consignação em pagamento” (CC 98.221/GO, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 26/11/2008, DJe 09/12/2008). De fato, no rol das ações que não cabem nos Juizados Especiais Federais, constante do inciso I do parágrafo 1º do art. 3º da Lei nº 10.259/2001, não se encontra a ação de consignação em pagamento. 4. Precedentes do Pleno do TRF5. 5. Conflito conhecido, declarando-se competente o Juízo Federal da 5ª Vara/SE (JEF). (PROCESSO: 08078085120174050000, CC - Conflito de Competência, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Pleno, JULGAMENTO: 31/08/2017, PUBLICAÇÃO: )

Dessa forma, como a causa é inferior a 60 (sessenta) salários mínimos, não se enquadra na exceção prevista no art. 3º, § 1º, da Lei nº 10.259/2001 e, ainda, a ação de consignação em pagamento não se revela incompatível com o rito do Juizado Especial Federal, há de se reconhecer a competência da 17ª Vara Federal para processar e julgar o feito. DISPOSITIVO Conflito negativo de competência conhecido para declarar a competência da 17ª Vara Federal da Seção do Ceará, Subseção de Juazeiro do Norte, ora suscitante. 78


EMBARGOS INFRINGENTES Nº 080211821.2013.4.05.8200-PB (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CAR VALHO Embargante: UNIÃO FEDERAL Embargados: YARA GOMES DE CARVALHO, DAUREA GOMES DE CARVALHO E DANILO GOMES DE CARVALHO Adv./Proc.: DR. CÍCERO RICARDO ANTAS ALVES CORDEIRO (EMBDOS.) EMENTA: EMBARGOS INFRINGENTES. MILITAR DA RESERVA REMUNERADA. PENSÃO DE SEGUNDO SARGENTO DEIXADA AOS FILHOS MAIORES E INVÁLIDOS. VOTO VENCEDOR QUE GARANTE A OPÇÃO PELA PENSÃO DE SEGUNDO TENENTE CONFERIDA PELO ART. 53 DO ACT AOS EX-COMBATENTES. PRETENSÃO RECURSAL DE FAZER PREVALECER O VOTO VENCIDO QUE VEDA A OPÇÃO AO MILITAR DE CARREIRA QUE SEGUE NO SERVIÇO CASTRENSE APÓS AS OPERAÇÕES BÉLICAS. EXEGESE DO ART. 1º DA LEI Nº 5.315/67. PROVIMENTO. IMPROCEDÊNCIA DA AÇÃO. 1. Embargos infringentes da União contra acórdão da Primeira Turma que, por maioria, deu provimento à apelação dos particulares para assegurar-lhes o direito de opção pelo recebimento de pensão especial de ex-combatente no posto de Segundo Tenente, de que trata o art. 53, II, do ADCT, em detrimento da pensão recebida que é no posto de Segundo Sargento. 2. Participaram do julgamento original, ocorrido em 10 de dezembro de 2015, os Exmos. Des. Federais Manoel Erhardt (relator), Rubens Canuto (vencido) e Alexandre Luna Freire. 3. Alega a embargante que deve prevalecer o voto vencido do Des. Federal Rubens Canuto, no sentido de que art. 1º da Lei 5.315/67 exige como pressuposto para a concessão da pensão espe79


cial o retorno do ex combatente à vida civil e, no caso concreto, o instituidor não retornou à vida civil, retornou à vida militar, de forma que não tem direito a pensão de ex-combatente prevista no art. 53 do ADCT. Argumenta que o militar de carreira, para fazer jus à pensão de ex-combatente, deve retornar à vida civil definitivamente. Sustenta que é vedado expressamente pelo texto constitucional e pela legislação que rege a matéria, visto que, se os militares houvessem se licenciado do Serviço Ativo do Exército após o fim da Segunda Guerra Mundial, e se tornado civis, não seriam militares da reserva ou militares reformados, e não receberiam os proventos a que fazem jus. Pede o provimento do recurso para fazer prevalecer o voto vencido. 4. As autoras são maiores incapazes que recebem a pensão de Segundo Sargento deixada por Demóstenes Montenegro Barreto, falecido em 7 de julho de 1992, e que era militar da reserva remunerada e foi aposentado como Terceiro Sargento. 5. Duas teses foram fixadas durante o julgamento da apelação. A vencedora, encampada pelo Des. Federal Relator Manoel Erhardt e acompanhada pelo Des. Federal Alexandre Luna, no sentido de permitir a opção (sem direito a parcelas atrasadas), pelos demandantes, entre a pensão decorrente dos proventos de Segundo Sargento, que foi como o militar de carreira falecido foi reformado, e a pensão especial de ex-combatente prevista no art. 53 do ADCT, visto que o instituidor Demóstenes Montenegro Barreto prestou serviços de guerra, sendo considerado ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, 6. Consta nos autos que o falecido instituidor recebeu Medalha Naval de SERVIÇOS DE GUERRA com 2 estrelas, e que a Certidão de Tempo de Serviço de Guerra prestado à Marinha informa que o mesmo prestou efetivos serviços de guerra, pelo 80


tempo de dois anos e duzentos e sessenta e sete dias, quando embarcado no Encouraçado “Minas Gerais” na “Vital de Oliveira” e CT “Bauru”. 7. Dispõem o art. 1º da Lei 5.315/67 e o art. 53, II, do ADCT: “Art. 1º Considera-se ex-combatente, para efeito de aplicação do art. 178 da Constituição do Brasil, todo aquele que tenha participado efetivamente de operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Força do Exército Brasileiro, da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e no que no caso de Militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente” (...) Art. 53 “Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial nos termos da Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos: II - pensão especial correspondente à deixada por segundo tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção”. 8. Embora o voto vencedor tenha se utilizado de jurisprudência do STJ do ano de 2010 para garantir o direito de escolha das pensionistas (AGRESP 200601535494, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJe DATA: 22/11/2010), percebe-se que a jurisprudência mais recente deste Regional vem se posicionando de forma contrária à concessão de pensão de ex-combatente ao militar de carreira, quando o mesmo continua na vida castrense até sua reforma. 9. Precedentes: Terceira Turma, AC 0804147842 0174058400, Rel. Des. Federal Rogério Fialho Moreira, unânime, Julgamento: 31/08/2018; Primeira Turma, AC 08022306920134058400, Rel. Des. 81


Federal Francisco Cavalcanti, unânime, Julgamento: 08/05/2014; Pleno, EIAC 348.707/02, Rel. Des. Federal Convocado Maximiliano Cavalcanti, unânime, julgamento: 12/11/2009 - Página: 103. 10. Este Tribunal vem conferindo uma interpretação mais literal ao art. 1º da Lei nº 5.315/67, que expressamente ressalta, para a concessão de pensão àquele que tenha participado de operações bélicas “que no caso de Militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente”. Como na hipótese dos autos, o instituidor da pensão continuou trabalhando no serviço militar até sua reforma (reserva remunerada), deve-se prevalecer o voto vencido e dado provimento ao recurso. 11. Registre-se, por fim, que foram trazidas aos autos informações da Marinha do Brasil a respeito do falecido instituidor (Anexo 6 do Ofício 60-1234/2014 do SIPM), na qual se relata que o fato do militar ter participado de operações de guerra foi a causa da promoção dele à graduação de Segundo Sargento. 12. Embargos infringentes providos para fazer prevalecer o voto vencido do Des. Federal Rubens Canuto, no sentido de julgar improcedente o pedido. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores Federais do Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria de votos, em dar provimento aos embargos infringentes, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, 29 de janeiro de 2020. (Julgamento) 12 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO Relator 82


RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO: Trata-se de embargos infringentes da União contra acórdão da Primeira Turma que, por maioria, deu provimento à apelação dos particulares para assegurar-lhes o direito de opção pelo recebimento de pensão especial de ex-combatente no posto de Segundo Tenente, de que trata o art. 53, II, do ADCT, em detrimento da pensão recebida que é no posto de Segundo Sargento. Participaram do julgamento original, ocorrido em 10 de dezembro de 2015, os Exmos Des. Federais Manoel Erhardt (relator), Rubens Canuto (vencido) e Alexandre Luna Freire. Alega a embargante que deve prevalecer o voto vencido do Des. Federal Rubens Canuto, no sentido de que art. 1º da Lei 5.315/67 exige como pressuposto para a concessão da pensão especial o retorno do ex combatente à vida civil e, no caso concreto, o instituidor não retornou à vida civil, retornou à vida militar, de forma que não tem direito a pensão de ex-combatente prevista no art. 53 do ADCT. Argumenta que o militar de carreira, para fazer jus à pensão de ex-combatente, deve retornar à vida civil definitivamente. Sustenta que é vedado expressamente pelo texto constitucional e pela legislação que rege a matéria, visto que, se os militares houvessem se licenciado do Serviço Ativo do Exército após o fim da Segunda Guerra Mundial, e se tornado civis, não seriam militares da reserva ou militares reformados, e não receberiam os proventos a que fazem jus. Pede o provimento do recurso para fazer prevalecer o voto vencido. Contrarrazões apresentadas pelos particulares. Dada ciência ao MPF do acórdão da Primeira Turma, o Parquet não se manifestou. É o relatório. Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento.

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VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO (Relator): As autoras são maiores incapazes que recebem a pensão de Segundo Sargento deixada por Demóstenes Montenegro Barreto, falecido em 7 de julho de 1992, e que era militar da reserva remunerada e foi aposentado como Terceiro Sargento. Duas teses foram fixadas durante o julgamento da apelação. A vencedora, encampada pelo Des. Federal Relator Manoel Erhardt e acompanhada pelo Des. Federal Alexandre Luna, no sentido de permitir a opção (sem direito a parcelas atrasadas), pelos demandantes, entre a pensão decorrente dos proventos de Segundo Sargento, que foi como o militar de carreira falecido foi reformado, e a pensão especial de ex-combatente prevista no art. 53 do ADCT, visto que o instituidor Demóstenes Montenegro Barreto prestou serviços de guerra, sendo considerado ex-combatente da Segunda Guerra Mundial. Consta nos autos que o falecido instituidor recebeu Medalha Naval de SERVIÇOS DE GUERRA com 2 estrelas, e que a Certidão de Tempo de Serviço de Guerra prestado à Marinha informa que o mesmo prestou efetivos serviços de guerra, pelo tempo de dois anos e duzentos e sessenta e sete dias, quando embarcado no Encouraçado “Minas Gerais” na “Vital de Oliveira” e CT “Bauru”. Dispõem o art. 1º da Lei 5.315/67 e o art. 53, II, do ADCT: Art. 1º Considera-se ex-combatente, para efeito de aplicação do art. 178 da Constituição do Brasil, todo aquele que tenha participado efetivamente de operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Força do Exército Brasileiro, da Força Expedicionária Brasileira, da Força Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e no que no caso de Militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente. Art. 53 - Ao ex-combatente que tenha efetivamente participado de operações bélicas durante a Segunda Guerra Mundial nos termos da Lei 5.315, de 12 de setembro de 1967, serão assegurados os seguintes direitos: 84


II - pensão especial correspondente à deixada por segundo tenente das Forças Armadas, que poderá ser requerida a qualquer tempo, sendo inacumulável com quaisquer rendimentos recebidos dos cofres públicos, exceto os benefícios previdenciários, ressalvado o direito de opção.

Embora o voto vencedor tenha se utilizado de jurisprudência do STJ do ano de 2010 para garantir o direito de escolha das pensionistas (AGRESP 200601535494, JORGE MUSSI, STJ - QUINTA TURMA, DJe DATA: 22/11/2010), percebe-se que a jurisprudência mais recente deste Regional vem se posicionando de forma contrária à concessão de pensão de ex-combatente ao militar de carreira, quando o mesmo continua na vida castrense até sua reforma. Precedentes: Terceira Turma, AC 08041478420174058400, Rel. Des. Federal Rogério Fialho Moreira, unânime, Julgamento: 31/08/2018; Primeira Turma, AC 08022306920134058400, Rel. Des. Federal Francisco Cavalcanti, unânime, Julgamento: 08/05/2014; Pleno, EIAC 348707/02, Rel. Des. Federal Convocado Maximiliano Cavalcanti, unânime, julgamento: 12/11/2009 - Página: 103. Este Tribunal vem conferindo uma interpretação mais literal ao art. 1º da Lei nº 5.315/67, que expressamente ressalta, para a concessão de pensão àquele que tenha participado de operações bélicas “que no caso de Militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente”. Como na hipótese dos autos, o instituidor da pensão continuou trabalhando no serviço militar até sua reforma (reserva remunerada), deve-se prevalecer o voto vencido e dado provimento ao recurso. Registre-se, por fim, que foram trazidas aos autos informações da Marinha do Brasil a respeito do falecido instituidor (Anexo 6 do Ofício 60-1234/2014 do SIPM), na qual se relata que o fato do militar ter participado de operações de guerra foi a causa da promoção dele à graduação de Segundo Sargento. Diante do exposto, dou provimento aos embargos infringentes para fazer prevalecer o voto vencido do Des. Federal Rubens Canuto, no sentido de julgar improcedente o pedido. É como voto.

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COMPOSIÇÃO DA PRIMEIRA TURMA


Desembargador Federal Alexandre Luna Presidente da Primeira Turma Período: março/2019 a março/2021

Desembargador Federal Roberto Machado

Desembargador Federal Élio Siqueira


JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0815637-44.2019.4.05.8300-PE (PJe) Relator: Apelante: Apelada: Adv./Proc.:

DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO LUIZ CARLOS GAMBA FAZENDA NACIONAL DR. MATHEUS DA ROLT RODRIGUES (APTE.) EMENTA: TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE ISENÇÃO DE IPI NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ÓBICE AO PROCESSAMENTO NO SISTEMA ELETRÔNICO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. EXIGÊNCIA DE RESTRIÇÃO NA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LAUDO MÉDICO QUE ATESTA A DEFICIÊNCIA FÍSICA DO IMPETRANTE. DIREITO AO PROCESSAMENTO DO PEDIDO. APELAÇÃO PROVIDA. CONCESSÃO PARCIAL DA SEGURANÇA. 1. Trata-se de apelação interposta por LUIZ CARLOS GAMBA contra sentença que denegou a segurança impetrada, na qual o impetrante objetivava o reconhecimento do direito à isenção do IPI na aquisição de veículo automotor, independentemente de averbação da deficiência física na Carteira Nacional de Habilitação (CNH). 2. O impetrante se insurge contra ato da autoridade administrativa consistente na exigência de inclusão de restrição na CNH, que impede o processamento do pedido de isenção de IPI, via sistema eletrônico da RFB (SISEN). Ainda não houve análise, no âmbito da SRFB, do direito à isenção do tributo, em razão do óbice ao processamento do pedido decorrente da exigência ora submetida ao exame judicial. O próprio apelante, em seu apelo, defende que “deverá o apelado dar prosseguimento à análise do pedido de isenção formulado pela via administrativa (sistema SISEN) pelo impetrante, afastando a CNH como único 89


objeto de análise”. A propósito, o art. 3º da Lei nº 8.989/95, que disciplina a isenção do IPI na aquisição de automóveis, dispõe que “a isenção será reconhecida pela Secretaria da Receita Federal, mediante prévia verificação de que o adquirente preenche os requisitos previstos nesta lei”. 3. Dentre outros requisitos, o portador de deficiência física (monoparesia) goza de isenção de IPI na aquisição de veículo automotor de fabricação nacional, nos termos da Lei nº 8.989/95. 4. A aquisição de automóveis por pessoas portadoras de deficiência física com isenção de impostos está regulamentada na Instrução Normativa RFB nº 1.769/2017 (que revogou a IN RFB nº 988/2009), cujo artigo 4º enumera os documentos que a pessoa portadora de deficiência deve apresentar para habilitar-se a fruição da isenção. 5. A exigência administrativa de apresentação de CNH, com prévia anotação de restrição não encontra amparo legal (Lei nº 8.989/95) nem normativo (IN RFB nº 1.769/2017), que estabelecem que a condição de deficiência deve ser comprovada por laudo de avaliação emitido por profissional vinculado ao serviço público de saúde ou por serviço de saúde privado, contratado ou conveniado, que integra o Sistema Único de Saúde. Precedentes desta Corte: 08177933920184058300, Des. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, 1ª Turma, j.: 14/11/2019; 08135805320194058300, Des. Federal Leonardo Carvalho, 2ª Turma, j.: 16/12/2019; 08009177220194058300, Des. Federal Rogério Fialho Moreira, 3ª Turma, j.: 28/06/2019. 6. Esta Corte registra precedente, no sentido de que “A Resolução do CONTRAN Nº 718, de 7 de dezembro de 2017, não justifica o bloqueio ao requerimento eletrônico de isenção suportado pelo impetrante/apelado. Tal normativa regulamenta as especificações, a produção e a expedição da Carteira Nacional de Habilitação e dá outras pro90


vidências, em nada influindo no benefício fiscal pleiteado” (TRF5, 0803512-96.2018.4.05.8100, Des. Fed. Rogério Fialho Moreira, 3ª T., j.: 29/11/2018). 7. No caso, o laudo de avaliação médica oficial acostado aos autos, emitido por dois médicos do Fundo Municipal de Saúde, atesta que o impetrante/apelante é portador de monoparesia, deficiência física especificada em lei, o que, a princípio, permite a aquisição de veículo com o benefício de isenção de IPI (v. Id. 4058300.11498838). 8. Desse modo, deve-se tão somente reconhecer o direito do impetrante de afastar a exigência de apresentação de CNH com anotação de restrição, como condição ao processamento, no âmbito administrativo, do seu pedido de isenção de IPI, assegurando à Administração fazendária o direito de analisar o atendimento pelo impetrante dos demais requisitos para o usufruto da benesse fiscal objeto da ação. 9. Apelação provida para, concedendo parcialmente a segurança impetrada, afastar a exigência de inclusão de restrição na CNH do impetrante para fins de análise do pedido de isenção de IPI na aquisição de automóvel de passageiro de fabricação nacional, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.989/95. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima mencionadas, acordam os Desembargadores Federais da Primeira Turma do TRF da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, concedendo parcialmente a segurança impetrada, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Recife, 20 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 2 de março de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO - Relator 91


RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO: Trata-se de apelação interposta por LUIZ CARLOS GAMBA (contra sentença que denegou a segurança impetrada, na qual o impetrante objetivava o reconhecimento do direito à isenção do IPI na aquisição de veículo automotor, independentemente de averbação da deficiência física na Carteira Nacional de Habilitação - CNH), na qual o apelante, alega, em síntese: 1) é ilegal a exigência de apresentação de CNH com indicação de restrição por deficiência física, como requisito para o processamento de pedido administrativo de concessão de isenção de IPI; 2) o fato de não constar de sua CNH a restrição, não afasta a possibilidade de sua comprovação por outros meios legais; 3) a caracterização do quadro de deficiência física ou visual depende de laudo de avaliação emitido por prestador do SUS ou por prestador de serviço privado vinculado ao SUS, e não da mera indicação desta situação na CNH; 4) é portador de deficiência física MONOPARESIA no seguimento TRONCO e MEMBROS INFERIORES, conforme laudo médico, apresentando limitações permanentes à amplitude de movimento completo da coluna lombo sacral associado a limitação permanente à ADM das articulações dos joelhos bilateralmente e marcha claudicante gerando incapacidade permanente a atividades; 5) é descabido o argumento de que a Resolução do CONTRAN nº 718, de 7 de dezembro de 2017, justifica o bloqueio ao requerimento eletrônico de isenção. Contrarrazões apresentadas (v. Id. 4058300.12632872). Por força de distribuição, vieram-me os autos conclusos. Sendo caso de dispensa de revisão, peço dia para julgamento. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO (Relator): Ab initio, observo que o impetrante se insurge contra ato da autoridade administrativa consistente na exigência de inclusão 92


de restrição na CNH, que impede o processamento do pedido de isenção de IPI, via sistema eletrônico da RFB (SISEN). Anoto que ainda não houve análise, no âmbito da SRFB, do direito à isenção do tributo, em razão do óbice ao processamento do pedido decorrente da exigência ora submetida ao exame judicial. O próprio apelante, em seu apelo, defende que “deverá o apelado dar prosseguimento à análise do pedido de isenção formulado pela via administrativa (Sistema SISEN) pelo impetrante, afastando a CNH como único objeto de análise”. A propósito, o art. 3º da Lei nº 8.989/95, que disciplina a isenção do IPI na aquisição de automóveis, dispõe que “a isenção será reconhecida pela Secretaria da Receita Federal do Ministério da Fazenda, mediante prévia verificação de que o adquirente preenche os requisitos previstos nesta lei”. Passo ao exame da vexata quaestio. Prevê o art. 1º, IV e § 1º, da Lei nº 8.989/95: Art. 1° Ficam isentos do Imposto Sobre Produtos Industrializados - IPI os automóveis de passageiros de fabricação nacional, equipados com motor de cilindrada não superior a dois mil centímetros cúbicos, de no mínimo quatro portas inclusive a de acesso ao bagageiro, movidos a combustíveis de origem renovável ou sistema reversível de combustão, quando adquiridos por: (Redação dada pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) (Vide art 5º da Lei nº 10.690, de 16.6.2003) (...) IV - pessoas portadoras de deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autistas, diretamente ou por intermédio de seu representante legal; § 1° Para a concessão do benefício previsto no art. 1° é considerada também pessoa portadora de deficiência física aquela que apresenta alteração completa ou parcial de um ou mais segmentos do corpo humano, acarretando o comprometimento da função física, apresentando-se sob a forma de paraplegia, paraparesia, monoplegia, monoparesia, tetraplegia, tetraparesia, triplegia, triparesia, hemiplegia, hemiparesia, amputação ou ausência de membro, paralisia cerebral, membros com deformidade 93


congênita ou adquirida, exceto as deformidades estéticas e as que não produzam dificuldades para o desempenho de funções. (Incluído pela Lei nº 10.690, de 16.6.2003) (Grifei).

A aquisição de automóveis por pessoas portadoras de deficiência física com isenção de impostos está regulamentada na Instrução Normativa RFB nº 1.769/2017 (que revogou a IN RFB nº 988/2009), cujo artigo 4º enumera os documentos que a pessoa portadora de deficiência deve apresentar para habilitar-se a fruição da isenção, verbis: Art. 4º - A isenção de que trata esta Instrução Normativa será requerida eletronicamente por meio do Sistema de Concessão Eletrônica de Isenção de IPI/IOF (Sisen), disponível no sítio da Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB), na internet. § 1º O acesso ao Sisen será realizado mediante a utilização de certificados digitais válidos, emitidos por autoridades certificadoras integrantes da Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira (ICP-Brasil), ou por código de acesso gerado no sítio da RFB na Internet. § 2º No ato do requerimento, a pessoa com deficiência ou o autista, diretamente ou por intermédio do seu representante legal, prestará as informações que lhe forem solicitadas pelo Sisen e declarará, sob as penas da lei: I - para fins de isenção do IPI, que possui disponibilidade financeira ou patrimonial compatível com o valor do veículo a ser adquirido, nos termos do art. 5º da Lei nº 10.690, de 16 de junho de 2003, salvo se a aquisição for feita mediante financiamento bancário; e II - que não há contra si impedimentos legais à obtenção de benefícios fiscais, em conformidade com o disposto nos incisos I, II e III do art. 12 da Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992, no inciso II do art. 6º da Lei nº 10.522, de 19 de julho de 2002, e no art. 10 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. § 3º Deverão ser anexadas ao requerimento, por meio do Sisen, cópias digitalizadas: I - do laudo de avaliação emitido por prestador de serviço público de saúde, por serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde (SUS), pelo Detran ou por suas clínicas credenciadas, 94


ou por intermédio de serviço social autônomo, sem fins lucrativos, criado por lei, caso não tenha sido emitido laudo de avaliação eletrônico; e II - da certidão de nascimento atualizada do beneficiário, na qual esteja identificado o seu responsável legal, no caso de requerimento transmitido por tutor ou curador. § 4º A situação de regularidade fiscal do interessado quanto à contribuição previdenciária, quando este for contribuinte individual segurado do Regime Geral de Previdência Social, poderá ser objeto de declaração prestada nos termos do parágrafo único do art. 3º do Decreto nº 9.094, de 17 de julho de 2017. § 5º A autoridade administrativa responsável pela análise do requerimento de isenção poderá confirmar a veracidade das informações prestadas e do conteúdo dos documentos apresentados mediante consulta ao Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), aos Departamentos de Trânsito estaduais e a outras instituições conveniadas. Art. 5º A prestação de informação ou declaração falsa ou a apresentação de documento adulterado ou que contenha declaração ou informação falsa ou diversa da que devia constar, com o fim de obter o benefício de isenção de que trata esta Instrução Normativa, sujeitará o responsável ao pagamento do IPI e do IOF que deixaram de ser pagos, acrescidos dos encargos previstos na legislação, sem prejuízo das sanções penais cabíveis.

A exigência administrativa de apresentação de CNH, com prévia anotação de restrição não encontra amparo legal (Lei nº 8.989/95) nem normativo (IN RFB nº 1.769/2017), que estabelecem que a condição de deficiência deve ser comprovada por laudo de avaliação emitido por profissional vinculado ao serviço público de saúde ou por serviço de saúde privado, contratado ou conveniado, que integra o Sistema Único de Saúde. Nesse sentido, aponto os seguintes precedentes desta Corte: ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. PEDIDO DE ISENÇÃO DE IOF/IPI NA AQUISIÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. ÓBICE AO PROCESSAMENTO NO SISTEMA ELETRÔNICO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL. EXIGÊNCIA DE RES95


TRIÇÃO NA CARTEIRA NACIONAL DE HABILITAÇÃO. OFENSA AO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. LAUDOS MÉDICOS QUE ATESTAM A DEFICIÊNCIA FÍSICA DO IMPETRANTE, QUE DEVEM SER COTEJADOS COM A INEXISTÊNCIA DE RESTRIÇÃO PELA JUNTA MÉDICA DO DETRAN. DIREITO AO PROCESSAMENTO DO PEDIDO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Conforme sumariado no relatório, o ente público apela contra sentença concessiva, em parte, da segurança, para afastar a inclusão de restrição na CNH do impetrante, como condição ao processamento do pedido de isenção de IOF e de IPI, na aquisição de veículo de passageiro de fabricação estrangeira. 2. Cumpre acentuar, de logo, que o mandado de segurança ataca o ato da autoridade administrativa que impede o processamento do pedido de isenção do IOF/IPI, via sistema eletrônico da Receita Federal do Brasil. Não há, portanto, a análise do direito à isenção dos referidos tributos. 3. É que o Sistema de Concessão Eletrônica de Isenção IOF/IPI da Receita Federal do Brasil impede a conclusão do pedido de isenção do contribuinte que não apresenta, na sua Carteira Nacional de Habilitação (CNH), anotação de restrição compatível com a deficiência indicada. 4. Contudo, tal restrição não tem guarida em lei em sentido estrito (no caso, a Lei nº 8.989/95), nem na Instrução Normativa RFB nº 1.769/2017, que estabelecem que a condição de deficiência deve ser comprovada por laudo de avaliação emitido por profissional vinculado ao serviço público de saúde ou por serviço de saúde privado, contratado ou conveniado, que integra o Sistema Único de Saúde. 5. No caso em tela, o impetrante apresentou laudos de avaliação médica, inclusive o emitido por profissional integrante do SUS e o de médico perito do DETRAN/MG, que atestam a sua condição de portador de Espondilite Anquilosante (CID 10 M 45), deficiência física de caráter permanente. 6. A documentação apresentada não pode sequer ser cotejada, através de processo administrativo regular, com a ausência de restrição, na CNH, pela junta médica do DETRAN/PE, pelo óbice criado no sistema eletrônico da RFB (SISEN), que inviabiliza o processamento do pedido. 96


7. Por sua vez, a autoridade impetrada tenta justificar o óbice no sistema (SISEN) na Resolução do CONTRAN nº 718/2017, que estabelece especificações para produção e expedição da Carteira Nacional de Habilitação (CNH), que não vincula o órgão fiscal para a análise dos pedidos de isenção tributária. 8. “A Resolução do CONTRAN Nº 718, de 7 de dezembro de 2017, não justifica o bloqueio ao requerimento eletrônico de isenção suportado pelo impetrante/apelado. Tal normativa regulamenta as especificações, a produção e a expedição da Carteira Nacional de Habilitação e dá outras providências, em nada influindo no benefício fiscal pleiteado” (PROCESSO: 0803512-96.2018.4.05.8100, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 29/11/2018). 9. Apelação não provida. (TRF5, 08177933920184058300, Des. Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, 1ª Turma, j.: 14/11/2019) TRIBUTÁRIO. AQUISIÇÃO DE VEÍCULOS. ISENÇÃO DE IPI. PESSOA COM DEFICIÊNCIA OU MOLÉSTIA GRAVE. LEI 8.989/1995. REQUERIMENTO. SISTEMA SISEN. BLOQUEIO. CHN DISCRIMINANDO A RESTRIÇÃO SUPORTADA. AUSÊNCIA DE PREVISÃO NORMATIVA. COMPROVAÇÃO POR MEIO DIVERSO. 1. Trata-se de apelação em face de sentença que, em sede de mandado de segurança impetrado por DOMINGOS BRUSAMARELLO, julgou procedente o pedido para reconhecer o direito líquido e certo do impetrante à isenção do IPI na aquisição de veículo automotor, independentemente de averbação da deficiência física na CNH. Sem honorários de sucumbência, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/09 e das Súmulas 512/STF e 105/STJ. 2. A FAZENDA NACIONAL, em suas razões de recurso, sustenta que, ao se adotar a interpretação literal da Lei nº 8.989, de 1995, observa-se que a isenção do IPI para aquisição de veículos não é destinada a pessoas com deficiência física, visual, mental severa ou profunda ou autista, nos estritos termos legais. 3. Acrescenta que o art. 8º, caput, II, da Resolução CONTRAN n° 425/2012 diz que, no exame de aptidão física e mental, o candidato será considerado pelo médico perito examinador de trânsito como “apto com restrições” quan97


do houver necessidade de registro na CNH de qualquer restrição referente ao condutor ou adaptação veicular. 4. Assim, segundo defende, se o interessado não possui nenhum código em sua CNH, pode-se inferir que ele não se submeteu à perícia médica do DETRAN para avaliação da extensão de sua limitação ou que, se o fez, sua deficiência não gerou limitação para o desempenho de funções, não se enquadrando nas hipóteses previstas na Lei nº 8.989/1995. 5. Nos autos, a controvérsia reside tão somente na necessidade de Carteira Nacional de Habilitação com indicação de restrição compatível com a deficiência apontada para concessão da Isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI, na aquisição de automóveis para utilização no transporte de pessoas com deficiência física, não havendo quanto à deficiência do impetrante (portador de Gonartrose não especificada). 6. O Sistema de Concessão Eletrônica de Isenção de Imposto sobre Produtos Industrializados - IPI e Imposto sobre Operações de Crédito, Câmbio e Seguro, ou relativas a Títulos ou Valores Mobiliários - IOF (SISNEN) é um sistema eletrônico onde, por meio de um requerimento on-line, o taxista ou a pessoa com deficiência física, visual, mental severa ou profunda, ou autista, poderá solicitar o benefício para adquirir veículo automotor. 7. A comprovação da situação de pessoa com deficiência ou portadora de moléstia que capacite o indivíduo para o recebimento da isenção fiscal deve ser feita mediante juntada digitalizada de laudo de avaliação subscrito por prestador de serviço público ou privado de saúde, contratado ou conveniado, integrante do SUS - Sistema Único de Saúde, pelo DETRAN ou por suas clínicas credenciadas, ou por intermédio de serviço social autônomo, sem fins lucrativos, criado por lei, e desde que seja o requerente ou seu curador detentor de certificado digital válido. Inteligência do art. 1º da Lei 8.989/95, c/c arts. 3º e 4º do Decreto nº 3.298/99. 8. Não se apresenta como requisito para a análise e concessão do benefício a anexação de cópia digital da CNH contendo informações sobre a limitação suportada pelo requerente. Precedentes. TRF5. PROCESSO: 08021736820194058100. DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO ROBERTO GONÇALVES DE ABREU 98


(CONVOCADO). 3ª Turma. JULGAMENTO: 13/08/2019; PROCESSO: 08035129620184058100. DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA. 3ª Turma. JULGAMENTO: 29/11/2018. 9. O fato de a CNH da postulante à isenção não indicar expressamente a restrição, não afasta a possibilidade de sua comprovação por outros meios legais. 10. Na hipótese, a restrição compatível com a deficiência foi atestada pelo laudo pericial, que confirmou a deformidade e a deficiência do impetrante, relativamente aos membros inferiores, com comprometimento da função física e necessidade de auxílio de bengala. (Id. 11176616) 11. Ademais, infundado o argumento da apelante de que a Resolução do CONTRAN Nº 718, de 7 de dezembro de 2017, justifica o bloqueio ao requerimento eletrônico de isenção suportado pelo impetrante/apelado. Tal normativa regulamenta as especificações, a produção e a expedição da Carteira Nacional de Habilitação e dá outras providências, em nada influindo no benefício fiscal pleiteado. 12. Apelação improvida. (TRF5, 08135805320194058300, Des. Federal Leonardo Carvalho, 2ª Turma, j.: 16/12/2019) TRIBUTÁRIO. VEÍCULO ADQUIRIDO POR PORTADOR DE DEFICIÊNCIA FÍSICA. LEI 8.989/95. ISENÇÃO DE IMPOSTOS. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DO ART. 3º, I DA IN 988/2009. COMPROVAÇÃO. 1. Apelação da Fazenda Nacional que visa a modificação da sentença para reconhecer a incidência de impostos sobre a aquisição de veículo automotor nacional, sob o argumento de que não foram preenchidos os requisitos estabelecidos em lei para gozo do benefício fiscal. 2. O portador de deficiência física goza da isenção de impostos para efeito de aquisição de veículo, nos termos da Lei nº 10.182/01 que restaurou a vigência da Lei nº 8.989/95 e, em seu art. 1º, parágrafo 2º, manteve a isenção de IPI às pessoas que, em razão de serem portadoras de deficiência física, não possam dirigir automóveis comuns. 4. No âmbito da Secretaria da Receita Federal, a aquisição de automóveis por pessoas portadoras de deficiência física com isenção de impostos está regulamentada na Instrução Normativa RFB nº 988, de 22 de dezembro de 99


2009, cujo artigo 3º enumera os documentos que a pessoa portadora de deficiência deve apresentar para habilitar-se a fruição da isenção. 5. Conforme dispõe o art. 3º, I, da IN 988/2009, a regra geral para comprovar os requisitos para a fruição da isenção em tela é a apresentação do Laudo de Avaliação, na forma dos Anexos IX, X ou XI, emitido por prestador de serviço público de saúde; ou serviço privado de saúde, contratado ou conveniado, que integre o Sistema Único de Saúde (SUS), conforme dispõe o art. 3º, I, da IN 988; a exceção está prevista no parágrafo 6º, que dispõe de outro meio para essa comprovação. 6. Embora o parágrafo 6º do artigo 3º da IN 988, expressamente, autorize a pessoa com deficiência física a comprovar sua condição por meio de laudo de avaliação obtido no Departamento de Trânsito (DETRAN) ou em suas clínicas credenciadas, ao mesmo tempo dispõe que “poderá ser considerado”, para fins da comprovação da deficiência, ou seja, esta possibilidade do contribuinte de provar por outro meio (laudo de avaliação do DETRAN) está dentro da análise da Administração Tributária, se preenche todas as informações dos anexos IX, X ou XI da IN 988/09. 7. Extrai-se dos autos, que o requerimento do apelante à Receita Federal restou indeferido sob o fundamento de que o laudo médico apresentado pelo requerente não estaria na forma do ANEXO IX da IN RFB nº 988, de 2009, em descumprimento, portanto, às “Normas e requisitos da emissão dos laudos de avaliação para o benefício previsto na Lei nº 8.989, de 24 de janeiro de 1995”. 8. Manutenção da sentença fundamentada no sentido de que “embora não conste da CNH a restrição compatível com a deficiência (qual seja, veículo automático), tal circunstância foi atestada pelo laudo pericial, que confirmou a deformidade adquirida em razão da mastectomia e esvaziamento axilar bilateral e a necessidade/utilidade de veículo automático”. 9. Apelação da Fazenda Nacional e remessa oficial improvidas. (TRF5, 08009177220194058300, Des. Federal Rogério Fialho Moreira, 3ª Turma, j.: 28/06/2019)

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Esta Corte registra ainda precedente, no sentido de que “A Resolução do CONTRAN Nº 718, de 7 de dezembro de 2017, não justifica o bloqueio ao requerimento eletrônico de isenção suportado pelo impetrante/apelado. Tal normativa regulamenta as especificações, a produção e a expedição da Carteira Nacional de Habilitação e dá outras providências, em nada influindo no benefício fiscal pleiteado” (TRF5, 0803512-96.2018.4.05.8100, Des. Fed. Rogério Fialho Moreira 3ª T., j.: 29/11/2018). No caso, o laudo de avaliação médica oficial acostado aos autos, emitido por dois médicos do Fundo Municipal de Saúde, atesta que o impetrante/apelante é portador de monoparesia, deficiência física especificada em lei, o que, a princípio, permite a aquisição de veículo com o benefício de isenção de IPI. (v. Id. 4058300.11498838). Desse modo, deve-se tão somente reconhecer o direito do impetrante de afastar a exigência de apresentação de CNH com anotação de restrição, como condição ao processamento, no âmbito administrativo, do seu pedido de isenção de IPI, assegurando à Administração fazendária o direito de analisar o atendimento pelo impetrante dos demais requisitos para o usufruto da benesse fiscal objeto da ação. Assim, dou provimento à apelação para, concedendo parcialmente a segurança impetrada, afastar a exigência de inclusão de restrição na CNH do impetrante para fins de análise do pedido de isenção de IPI na aquisição de automóvel de passageiro de fabricação nacional, nos termos do art. 1º da Lei nº 8.989/95. É como voto.

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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 12.331-PE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE Apelantes: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E JEAN CARLOS COELHO Apelados: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E JEAN CARLOS COELHO Adv./Proc.: DRS. FÁBIO HOLANDA ALBUQUERQUE E ALE XANDRE MARTINS VIEIRA EMENTA: CONSTITUCIONAL, PENAL E PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO. DÉBITO EM CONTA BANCÁRIA VIA INTERNET. AUTORIA E MATERIALIDADE. DOSIMETRIA. PROPORCIONALIDADE. APELAÇÕES. DESPROVIMENTO. FURTO. Subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem (art. 155, caput, do Código Penal). FURTO QUALIFICADO. A Pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas (art. 155, parágrafo 4º, do Código Penal). DOSIMETRIA. Os limites das penas privativas de liberdade são estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal (art. 53 do Código Penal). A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos, as circunstâncias, as consequências do crime, bem como o comportamento da vítima são os fatores subjetivos e objetivos a serem considerados para a dosimetria da pena. São as diretrizes da legalidade para os vetores de reprovação e prevenção do crime (art. 59 do Código Penal). A individualização entre a sanção e a defesa social considera 102


os elementos da ação, os caracteres da conduta e do resultado, atinando com os preceitos da constituição e da lei. A valoração considera o movimento ascendente e ascensional de cada fator aposto no art. 59 do Código Penal em relação ao Tipo legal, objetivamente incidente para o cômputo da pena-base. A aplicação consiste na escolha da(s) pena(s) entre as cominadas; a quantidade entre os limites (legais) previstos; o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; a substituição da pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie, se cabível (art. 59, I a IV, do Código Penal). As circunstâncias atenuantes, agravantes e as causas especiais extraem-se dos descritores especiais atrelados a cada tipo. A multa está prevista em cada tipo legal de crime (art. 58 do Código Penal) em quantia a ser fixada na sentença, entre o limite mínimo de 10 (dez) e no máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, com valor não inferior a 1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo vigente ao tempo do fato; nem superior a 05 (cinco) vezes esse salário (art. 49, parágrafo 1º, do Código Penal). A atualização ocorrerá quando da execução pelos índices de correção monetária (parágrafo 2º). Na multa atende-se, principalmente, à situação do réu, revelando a função econômica da pena em relação ao crime (art. 60 do Código Penal). No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente (art. 72 do Código Penal). HIPÓTESE. Apelações interpostas à sentença proferida nos autos da ação criminal que julgou procedente, em parte, a denúncia e condenou o réu, em face do crime previsto no artigo 155, § 4º, II, do Código Penal, às penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão e multa de 90 (noventa) 103


dias-multa, à fração de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à entidade pública e prestação pecuniária, por ter subtraído para si, no dia 14.12.2005, através de débito efetuado na conta bancária de Frederico Xavier Ramos, mantida na Caixa Econômica Federal, o valor de R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), para pagamento de boleto de compra efetuada via internet no denominado Mercado Livre. APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: A denúncia atribui ao réu a prática de quatro delitos de furto qualificado, em continuidade delitiva, consistentes em três transferências de valores e um débito, todos de uma mesma conta bancária mantida na Caixa Econômica Federal. A acusação não se desincumbiu do ônus probatório de que trata o artigo 156 do Código de Processo Penal no tocante à autoria de três transferências, que ocorreram nos dia 14 e 15 de dezembro de 2015, via internet banking da Caixa Econômica Federal, não podendo a condenação criminal basear-se em presunção ou dados factuais insuficientes, ou, conforme assinalou o julgado, “a acusação não conseguiu identificar o destino do numerário fraudulentamente transferido a débito da conta lesada e mediante percurso por meio das contas de passagem já mencionadas. Nem que o fosse para identificar como foram sacados ou se delas foram transferidos para outras contas, de modo a permitir ao julgador antever, nesse dado (faltante!) alguma relação com o ora réu”. APELAÇÃO DO RÉU: AUTORIA. O conjunto probatório produzido nos autos, mormente o documental e minudentemente examinado na sentença, revela-se conclusivo 104


quanto à autoria do delito de furto qualificado que ocorreu no dia 14 de dezembro de 2015, alusivo ao débito efetuado na conta bancária, para pagamento de boleto de compra efetuada via internet no denominado Mercado Livre. DOSIMETRIA. A dosimetria revela-se adequada e proporcional, haja vista que a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal é consentânea com os elementos constantes nos autos, porquanto a pena-base foi fixada em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses, acima do mínimo legal, em razão da valoração negativa quanto à culpabilidade, a personalidade e as circunstâncias do crime. À míngua de atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou causas de aumento de pena, a pena privativa de liberdade definitiva foi fixada em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto. A pena de multa foi devidamente fundamentada e proporcional à pena privativa de liberdade, sendo o valor do dia-multa fixado em 1/5 (um quinto) do salário mínimo, considerando a condição financeira do réu – “Levando em conta a atual situação econômica do réu (renda mensal em torno de dez mil reais, conforme declarado pelo acusado no interrogatório – mídia digital à fl. 159)” (excerto do dispositivo da sentença). Em decorrência da pena privativa de liberdade não superar 4 (quatro) anos (art. 44, I, do Código Penal) e o réu não ser reincidente em crime doloso (art. 44, II, do Código Penal), houve a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviços à entidade pública e prestação pecuniária. Com efeito, a prestação pecuniária, a título de pena restritiva de direitos, no montante de R$ 300,00 ao mês, durante toda a pena privativa de 105


liberdade, foi estabelecida segundo os parâmetros do artigo 45 do Código Penal, que não pode ser inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. PROCLAMAÇÃO. Desprovimento das apelações. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, integrantes do presente julgado. Recife, 16 de janeiro de 2020. (Julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE: Trata-se de apelações interpostas à sentença proferida nos autos da Ação Criminal nº 0000101-46.2007.4.05.8300, em curso na 4ª Vara Federal (PE), que julgou procedente, em parte, a denúncia e condenou o réu, Jean Carlos Coelho, em face do crime previsto no artigo 155, § 4º, II, do Código Penal1, às penas de 2

FURTO Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. § 1º - A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado durante o repouso noturno. § 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa. § 3º - Equipara-se à coisa móvel a energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico. Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; 1

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(dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão e multa de 90 (noventa) dias-multa, à fração de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à entidade pública e prestação pecuniária. Consta da denúncia: No dia 14/12/2005, JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS subtraíram da Conta Corrente nº 0046.001.701939-3, do cliente FREDERICO XAVIER RAMOS, gerenciada pela Agência Afogados da Caixa Econômica Federal, em Recife, o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), mediante duas transferências eletrônicas para contas sem movimentação bancária, e o valor R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), por meio do pagamento de boleto bancário gerado a partir de uma compra realizada no sítio da empresa MercadoLivre.com Atividade de internet (CNPJ nº 03.361.252/0001-34). No dia seguinte, 15/12/2005, os agentes subtraíram, ainda, por meio de uma transferência eletrônica, o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) da conta corrente. As quatro transações ocorreram através do internet banking. A primeira subtração, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais), ocorreu no dia 14/12/2005, às 17:41h (fls. 22 e 54), e fa-

II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. § 4º-A A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se houver emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018) § 5º - A pena é de reclusão de três a oito anos, se a subtração for de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o exterior. (Incluído pela Lei nº 9.426, de 1996) § 6° A pena é de reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos se a subtração for de semovente domesticável de produção, ainda que abatido ou dividido em partes no local da subtração. (Incluído pela Lei nº 13.330, de 2016) § 7º A pena é de reclusão de 4 (quatro) a 10 (dez) anos e multa, se a subtração for de substâncias explosivas ou de acessórios que, conjunta ou isoladamente, possibilitem sua fabricação, montagem ou emprego. (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

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voreceu a Conta nº 013.639.577-8 da Ag. 1338 (Ag, Iporá/ GO, titularizada por EDER FERREIRA DOS SANTOS. A segunda, na mesma data, com valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) foi operada às 14:52h, favorecendo a Conta nº 013.812.637-6 da Ag. 1340 (Ag. Serra Dourada/GO), registrada em nome de FRANCISCO GOMES DE ALMEIDA (fls. 22 e 54). Na terceira transação, ocorrida na mesma data às 18:10h, os acusados, usando o perfil de usuário do site www. mercadolivre.com.br, JEANGOIAS – pertencente a JEAN CARLOS COELHO, compraram um notebook do vendedor cadastrado como MHMARTINS2006, apresentando os dados da conta corrente nº 0046.001.701939-3 da Agência 0046 da CEF (Afogados), titularizada por FREDERICO XAVIER RAMOS, pera efetuar o pagamento pelo internet banking por meio de boleto bancário (fls. 21, 54 e 139/140). O valor da compra foi sacado na conta corrente nº 01725858, agência 140-6, Banco Bradesco, titularizada por MARTA HELENA MARTlNS ALVES, mãe do denunciado JEAN CARLOS. Ressalte-se que a conta do vendedor MHMARTINS2006, cadastrada em nome de MARTA HELENA, era efetivamente utilizada por seu filho. Ademais, o responsável pelo sita MercadoLivre informou que as contas do comprador e do vendedor “apresentavam coincidências nos dados de acesso à Internet”, gerando a suspeita de que se tratasse de uma mesma pessoa “fazendo as vezes de comprador e vendedor para simular uma operação e assim retirar o dinheiro” (fls. 151/152). Assim, houve, na verdade, a simulação da compra do notebook, uma vez que comprador e vendedor eram a mesma pessoa. Na quarta e última operação, ocorrida no dia 15/1212005, às 08:45h, foi transferido o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) para a Conta nº 013.644312-5 da Ag. 1240 (Ag. Jussara/GO), pertencente a EMANUEL PAULO DE LIMA (fls. 22 e 54). Todas as movimentações foram realizadas com o auxílio de GILMAR SALES DOS SANTOS, já que as transações bancárias foram feitas a partir de seu terminal de telefonia móvel (celular ou modem 3G com linha 64-96273187 - fls. 125/127), tanto no dia 14 como no dia 15/12/2005. Destarte, os denunciados ao subtraírem mediante fraude ao internet banking, dolosa e conscientemente, R$ 5.964,75 (cinco mil, novecentos e sessenta e quatro reais e setenta 108


e cinco centavos - fl. 27) da conta corrente de cliente da CEF, praticam condutas que se amoldam ao tipo penal descrito no art. 155, § 4º, inciso II, do Código Penal, por quatro vezes, na forma do art. 71 do mesmo diploma (continuidade delitiva). 2. Dos elementos de materialidade e autoria. O Inquérito Policial nº 83512009 fornece provas robustas de materialidade e a autoria do crime de furto qualificado consumado nos dias 14 e 15 de dezembro de 2005 por JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS. Dentre as provas de materialidade delitiva, cumpre relacionar: o requerimento de FREDERICO XAVIER RAMOS (fl. 9), boletim de ocorrência policial (fls. 10/11), esclarecimento do contestante (fls. 12/15), extratos bancários (fls. 18/23), relações de IPs (fls. 31/32), consulta de registro de domínios para a internet (fls. 34/35) e oficio da CEF (fls. 54/55). A autoria, por sua vez, está delineada nos depoimentos dos titulares das contas de passagem FRANCISCO G. DE ALMEIDA (fls. 65/67), EMANUEL. P DE LIMA (fls. 71) e EDER F. DOS SANTOS (fl. 154), no oficio da VIVO (fls. 125/127), ofícios do Mercado Livre (fls. 139/140 e fls. 151/152) e declarações de JEAN CARLOS (fls. 194/195 e 196/197). Com base nas provas carreadas e acima demonstradas, pode-se afirmar que, com vontade livre e consciente, JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS subtraíram numerários de conta corrente da Caixa Econômica Federal, mediante fraude, consistente no pagamento de boleto bancário, via internet banking com valor de R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), gerado a partir de simulação de compra e venda, e de 3 (três) transferências bancárias para no valor total de R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais), condutas que se amoldam ao delito previsto no art. 155, § 4°, inciso II, do Código Penal, cuja sanção deverá receber o acréscimo do art. 71 do Código Penal por ter ocorrido em 4 (quatro) ocasiões. (...)2

DENÚNCIA Excelentíssimo(a) Senhor(a) Juiz(a) Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária da Justiça Federal no Estado de Pernambuco. 2

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A sentença considerou, em resumo: 2. Aduziu o órgão ministerial que os denunciados, no dia 14/12/2005, subtraíram da Conta Corrente nº 0046.001. 701939-3, do cliente Frederico Xavier Ramos, gerenciada pela Caixa Econômica Federal (CEF), agência Afogados, em Recife, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), mediante a efetivação de duas transferências eletrônicas via internet banking: uma no valor de R$ 1.000,00 e outra de R$ 2.000,00, as quais foram creditados nas Contas nº 013.639.577-8 e nº 013.812.637-6, respectivamente, titularizadas por Eder Ferreira dos Santos e Francisco Gomes de Almeida nas agências da CEF situadas em Iporá/GO e em Serra Dourada/GO.

Processo nº: 0000101-46.2007.4.05.8300 (IPL nº 835/2009) Classe: 120 - Inquérito policial Denúncia nº 1696/2013 O Ministério Público Federal, por intermédio da Procuradora da República signatária, com base nos elementos probatórios constantes no inquérito policial em epígrafe, vem oferecer DENÚNCIA em face de: (1) Jean Carlos Coelho, (...); (2) Gilmar dos Santos, (...), em virtude da prática das condutas delituosas a seguir delineadas. 1. Da imputação No dia 14/12/2005, JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS subtraíram da conta corrente nº 0046.001.701939-3, do cliente FREDERICO XAVIER RAMOS, gerenciada pela Agência Afogados da Caixa Econômica Federal, em Recife, o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), mediante duas transferências eletrônicas para contas sem movimentação bancária, e o valor R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), por meio do pagamento de boleto bancário gerado a partir de uma compra realizada no sítio da empresa MercadoLivre. com Atividade de internet (CNPJ nº 03.361.252/0001-34). No dia seguinte, 15/12/2005, os agentes subtraíram, ainda, por meio de uma transferência eletrônica, o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) da conta corrente. As quatro transações ocorreram através do internet banking. A primeira subtração, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) ocorreu no dia 14/12/2005, às 17:41h (fls. 22 e 54), e favoreceu a Conta nº 013.639.577-8 da Ag. 1338 (Ag, Iporá/GO, titularizada por EDER FERREIRA DOS SANTOS; a segunda, na mesma data, com valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) foi operada às 14:52h, favorecendo a Conta nº 013.812.637-6 da Ag. 1340 (Ag. Serra Dourada/ GO), registrada em nome de FRANCISCO GOMES DE ALMEIDA (fls. 22 e 54). Na terceira transação, ocorrida na mesma data, às 18:10h, os acusados, usando o perfil de usuário do site www.mercadolivre.com.br, JEANGOIAS –

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3. Relatou o MPF que além das transferências indevidas houve o débito de R$ 2.264,75, na mesma data e da mesma conta prejudicada, referente ao pagamento de bloqueto bancário derivado da compra de um notebook feita através da página virtual do Mercado Livre, tendo o crédito a ela relativo sido depositado na Conta Bancária nº 0172585-8 (Agência nº 140-6, Banco Bradesco), titularizada por Marta Helena Martins Alves, mãe do denunciado JEAN CARLOS COELHO, que vendia produtos pelo sítio www.mercadolivre.com.br utilizando-se dos dados da sua genitora e sob o usuário de nome MHMARTINS2006. 4. Por fim, narrou o Parquet que no dia seguinte, ou seja, 15/02/2005, os denunciados furtaram mais R$ 700,00

pertencente a JEAN CARLOS COÉLHO, compraram um notebook do vendedor cadastrado como MHMARTINS2006, apresentando os dados da Conta Corrente nº 0046.001.701939-3 da Agência 0046 da CEF (Afogados), titularizada por FREDERICO XAVIER RAMOS, para efetuar o pagamento pelo internet banking por meio de boleto bancário (fls. 21, 54 e 139/140). O valor da compra foi sacado na Conta Corrente nº 0172585-8, Agência 1406, Banco Bradesco, titularizada por MARTA HELENA MARTlNS ALVES, mãe do denunciado JEAN CARLOS. Ressalte-se que a conta do vendedor MHMARTINS2006, cadastrada em nome de MARTA HELENA, era efetivamente utilizada por seu filho. Ademais, o responsável pelo sita MercadoLivre informou que as contas do comprador e do vendedor “apresentavam coincidências nos dados de acesso à Internet”, gerando a suspeita de que se tratasse de uma mesma pessoa “fazendo as vezes de comprador e vendedor para simular uma operação e assim retirar o dinheiro” (fls. 151/152). Assim, houve, na verdade, a simulação da compra do notebook, uma vez que comprador e vendedor eram a mesma pessoa. Na Quarta e última operação, ocorrida no dia 15/1212005, às 08:45h, foi transferido o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) para a Conta nº 013.644312-5 da Ag. 1240 (Ag. Jussara/GO), pertencente a EMANUEL PAULO DE LIMA (fls. 22 e 54). Todas as movimentações foram realizadas com o auxílio de GILMAR SALES DOS SANTOS, já que as transações bancárias foram feitas a partir de seu terminal de telefonia móvel (celular ou modem 3G com linha 64-96273187 - fls. 125/127), tanto no dia 14 como no dia 15/12/2005. Destarte, os denunciados ao subtraírem mediante fraude ao internet banking, dolosa e conscientemente, R$ 5.964,75 (cinco mil, novecentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos - fl. 27) da conta corrente de cliente da CEF, praticam condutas que se amoldam ao tipo penal descrito no art. 155, § 4º, inciso II, do Código Penal, por quatro vezes, na forma do art. 71 do mesmo diploma (continuidade delitiva). 2. Dos elementos de materialidade e autoria.

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da referida conta corrente, transferindo a quantia para a Conta nº 013.644312-5, sediada na Agência Jussara/ GO, da Caixa Econômica Federal, pertencente ao cliente Emanuel Paulo de Lima. 5. Segundo a inicial, o montante subtraído foi R$ 5.964,75 (cinco mil, novecentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos) e todas as movimentações bancárias foram realizadas por meio da internet a partir de terminal de telefonia móvel (celular ou modem 3G) cuja linha nº (64) 9627.3187 está cadastrada no nome do denunciado GILMAR SALES DOS SANTOS. (...)

O Inquérito Policial nº 83512009 fornece provas robustas de materialidade e a autoria do crime de furto qualificado consumado nos dias 14 e 15 de dezembro de 2005 por JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS. Dentre as provas de materialidade delitiva, cumpre relacionar: o requerimento de FREDERICO XAVIER RAMOS (fl. 9), boletim de ocorrência policial (fls. 10/11), esclarecimento do contestante (fls. 12/15), extratos bancários (fls. 18/23), relações de IPs (fls. 31/32), consulta de registro de domínios para a internet (fls. 34/35) e oficio da CEF (fls. 54/55). A autoria, por sua vez, está delineada nos depoimentos dos titulares das contas de passagem FRANCISCO G. DE ALMEIDA (fls. 65/67), EMANUEL. P DE LIMA (fl. 71) e EDER F. DOS SANTOS (fl. 154), no ofício da VIVO (fls. 125/127), ofícios do Mercado livre (fls. 139/140 e fls. 151/152) e declarações de JEAN CARLOS (fls. 194/195 e 196/197). A VIVO S/A – Telesp Celular – identificou que os acessos à internet referentes às transações bancárias fraudulentas foram feitos de IPs vinculados ao número (64) 9627-3189, provavelmente um celular ou modem com tecnologia 3G, pertencente ao denunciado GILMAR SALES DOS SANTOS (fls. 125/127). As transações fraudulentas do dia 14/1212005 (duas transferências bancárias e o pagamento do bloqueto) ocorreram em um curto espaço de tempo, menos de 30 minutos. Já a quarta transação, ocorreu na manhã do dia seguinte, 15/1212005. O fato de todas as transações terem sido feitas a partir do terminal de serviço móvel de GILMAR indica que, provavelmente, os dois denunciados agiam em comunhão de vontades na prática dos furtos. A Caixa identificou o boleto pago com a compra efetivada no Mercado Livre, que teve como sacado uma conta do Banco Bradesco (fls. 54/55). A empresa Mercado Livre, por sua vez, no oficio às fls. 139/140, identificou que o boleto bancário foi recolhido em benefício do usuário JEANGOIAS, pela compra de um notebook, e, ainda que o valor foi destinado à conta bancária nº 172565-8 da Agência n° 140-6 do Banco Bradesco, titularizada por Marta Helena Martins Alves, mãe de JEAN CARLOS. No referido oficio, foi informado que “o comprador foi inabilitado por ter ligações cadastrais com o vendedor” e que as contas do comprador e do vendedor “apresentavam coincidências nos dados de

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7. A denúncia, instruída pelo Inquérito Policial nº 835/2009, foi recebida em 06/02/2013, consoante decisão de fls.13/18, apenas em face do denunciado JEAN CARLOS COELHO e foi rejeitada em relação ao codenunciado GILMAR SALES DOS SANTOS, devido à ausência de indícios de autoria delitiva em face deste. (...) 50. O fato de as transferências terem sido feitas por meio do mesmo terminal 3G, por meio do qual foi realizado o pagamento do boleto bancário, em intervalo de tempo curto em relação umas às outras e em relação ao aludido pagamento e, ainda, por meio de contas de passagens

acesso à Internet”, gerando a suspeita de que se tratasse de uma mesma pessoa “fazendo as vezes de comprador e vendedor para simular uma operação e assim retirar o dinheiro” (fls. 151/152). De fato, o nome do destinatário do produto era JEAN CARLOS, e tinha como endereço de destinatário o mesmo do usuário beneficiário com a compra (vendedor). Observa-se que JEAN usava seu perfil no Mercado Livre, para anunciar produtos, que poderiam existir ou não, e ele mesmo os comprava através de boleto bancário a fim de justificar o depósito bancário na conta da sua genitora, bem como para camuflar o furto de valores de correntistas bancários. Tal modus operandi ficou ressaltado com as informações prestadas pelo próprio gestor do sítio (fls. 151/152). Ouvido em sede policiai, JEAN CARLOS negou a acusação de ter feito um pagamento fraudulento, mas prestou as seguintes informações (fls. 196/197): QUE já comercializou mercadorias no sítio mercadolivre.com.br até o ano de 2006; QUE vendia diversas mercadorias como impressoras, monitores, celulares etc.; QUE nas vendas que efetuava, nunca recebia dinheiro diretamente na conta de sua genitora, MARTA; QUE recebia pelo Mercado Pago: QUE o Mercado Pago é um sistema de cobrança por meio de intermediação, no qual o site mercadolivre recebe o dinheiro do cliente e o repassa ao vendedor, QUE é cobrado pelo mercado livre de 6 a 10% de taxa para fazer esse serviço; QUE utilizava a conta de sua genitora porque estava com restrições cadastrais no banco e não poderia movimentar nenhuma conta; (destaques inexistentes na versão original) Em 00/0212012 o JEAN CARLOS, inquirido novamente (fls. 194/195), continuou a negar a autoria do tato, mas admitiu ser usuário do “codinome” MHMARTINS2006, perfil do vendedor do notebook, e “o qual é cadastrado em nome de sua genitora, mas todas as declarações eram feitas pelo declarante”. Os titulares das contas de passagem foram unânimes em indicar que não movimentavam as respectivas contas. EDER FERREIRA DOS SANTOS, titular da conta bancária para a qual foi transferida a quantia de R$ 1.000,00 (um mil reais), ouvido à fl. 154, afirmou que na época dos fatos não possuía acesso à internet, não conhecia GILMAR, e esclareceu que sua conta estava sem qualquer movimentação, FRANCISCO G. DE ALMEIDA (fls. 65/67) relatou que não movimentou

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sediadas todas em Goiás, onde reside o réu, são coincidências realmente consideráveis, contudo entendo que ainda não foram suficientes o bastante para autorizar a conclusão de que podem todas ser atribuídas ao mesmo responsável pelo pagamento do boleto da operação comercial simulada do Mercado Livre. 51. Explico: a acusação não conseguiu identificar o destino do numerário fraudulentamente transferido a débito da conta lesada e mediante percurso por meio das contas de passagem já mencionadas. Nem que o fosse para identificar como foram sacados ou se delas foram transferidos para outras contas, de modo a permitir ao julgador antever, nesse dado (faltante!) alguma relação com o ora réu.

sua conta corrente no ano de 2005, já EMANUEL P. DE LIMA (fls. 71/72) indicou que seu cartão magnético da conta havia desaparecido, juntamente com a senha, que ficava anotada e está guardada com o cartão. O Oficio de n° 431/2011/0046 (fl. 165), da Agência Afogados da CEF, informou que nenhum dos titulares das contas beneficiadas com as transferências fraudulentas questionaram as operações bancárias realizadas. O dado apresentado demonstra que, provavelmente, os referidos titulares não movimentavam/ acompanhavam suas contas com habitualidade e não notaram a entrada e saída dos numerários. O processo administrativo originado pela vítima, direta do furto (fls. 9/43), que analisou o pagamento do boleto e as transferências bancárias: confirmou as irregularidades apontadas, bem como determinou o ressarcimento de tal valor pela CEF, a qual teve real prejuízo pela conduta criminosa do denunciado (fl. 27). Com base nas provas carreadas e acima demonstradas, pode-se afirmar que, com vontade livre e consciente, JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS subtraíram numerários de conta corrente da Caixa Econômica Federal, mediante fraude, consistente no pagamento de boleto bancário, via internet banking com valor de R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), gerado a partir de simulação de compra e venda, e de 3 (três) transferências bancárias no valor total de R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais), condutas que se amoldam ao delito previsto no art. 155, § 4°, inciso II, do Código Penal, cuja sanção deverá receber o acréscimo do art. 71 do Código Penal por ter ocorrido em 4 (quatro) ocasiões. 3. Dos pedidos. Destarte, à vista das provas de materialidade e autoria da prática por JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS do crime tipificado no art. 155, § 4º, inciso lI, do Código Penal, o Ministério Público Federal requer que seja promovida a autuação, o registro e recebimento da presente denúncia, com a citação dos denunciados para responderem à acusação, de acordo com o art. 396

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52. Diante dessa deficiência, ainda que esta magistrada tenha forte inclinação em acreditar que as coincidências retro assinaladas convergiriam para a conclusão de responsabilidade do réu também pelas três transferências fraudulentas narradas na exordial, a certeza que deve permear o convencimento do julgador não se formou, nesse tocante, em sua inteireza e, por conseguinte, in dubio pro reo. 53. Observa-se, portanto, que o conjunto probatório carreado aos autos é suficiente a atribuir a autoria delitiva ao acusado JEAN CARLOS COELHO por apenas um crime de furto qualificado, exatamente aquele pertinente ao pagamento da operação comercial simulada feita por meio do sítio do Mercado Livre, não se podendo, por outro lado, reconhecer a prática, em continuidade delitiva, dos outros três furtos qualificados narrados na denúncia, pertinentes às três transferências bancárias ilícitas. (...) 57. No caso em apreço, há prova suficiente do dolo do agente no tocante à simulação de operação comercial por meio do Mercado Livre, o qual possuía esclarecimentos suficientes para saber da ilicitude inerente à conduta perpetrada e, pelas razões já aduzidas, admitir o contrário seria atentar contra a lógica e inteligência intrínseca a qualquer pessoa em condições normais. 58. Como se não bastasse, importa dizer que o réu JEAN CARLOS COELHO comercializava mercadorias “sem” nota fiscal, vindos do Paraguai, o que sugere um perfil voltado a atividades ilícitas. (...)

do Código de Processo Penal, a audiência das testemunhas abaixo indicadas e a final condenação dos acusados às penas dos artigos acima referidos. Por fim, em atenção à determinação do art. 387, inciso IV, do Código de Processo Penal, requer a fixação de valor mínimo indenizatório para a reparação dos danos causados pela infração penal à Caixa Econômica Federal, no montante dos valores subtraídos, a ser atualizado monetariamente na data da sentença. Recife/PE, 24 de janeiro de 2013. MIRELLA DE CARVALHO AGUIAR Procuradora da República Testemunha: FREDERICO XAVIER RAMOS, (...). Informante (ser compromisso legal): MARTA HELENA MARTINS ALVES (mãe de Jean Carlos Coelho), (...).

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64. Posto isso, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a acusação formulada na denúncia, a fim de CONDENAR o réu JEAN CARLOS COELHO pela perpetração de um delito de furto qualificado pela fraude, tipificado no art.155, § 4º, II, do Código Penal. (...) 100. Registre-se. Publique-se. Intimem-se. Recife, 4 de abril de 2014. AMANDA TORRES DE LUCENA DINIZ ARAÚJO Juíza Federal Titular da 4ª Vara/PE3

SENTENÇA SENTENÇA I - RELATÓRIO: 1. O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na pessoa de seu representante legal, ofereceu a denúncia de fls. 09/11 contra JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS, já devidamente qualificados nos autos, tipificando a conduta criminosa a eles imputada no art. 155, § 4º, II (furto qualificado), do Código Penal, em continuidade delitiva (art. 71 do CP). 2. Aduziu o órgão ministerial que os denunciados, no dia 14/12/2005, subtraíram da Conta Corrente nº 0046.001.701939-3, do cliente Frederico Xavier Ramos, gerenciada pela Caixa Econômica Federal (CEF), agência Afogados, em Recife, a quantia de R$ 3.000,00 (três mil reais), mediante a efetivação de duas transferências eletrônicas via internet banking: uma no valor de R$ 1.000,00, e outra de R$ 2.000,00, as quais foram creditadas nas Contas nº 013.639.577-8 e nº 013.812.637-6, respectivamente, titularizadas por Eder Ferreira dos Santos e Francisco Gomes de Almeida, nas agências da CEF situadas em Iporá/GO e em Serra Dourada/GO. 3. Relatou o MPF que além das transferências indevidas houve o débito de R$ 2.264,75, na mesma data e da mesma conta prejudicada, referente ao pagamento de bloqueto bancário derivado da compra de um notebook feita através da página virtual do Mercado Livre, tendo o crédito a ela relativo sido depositado na Conta Bancária nº 0172585-8 (Agência nº 140-6, Banco Bradesco), titularizada por Marta Helena Martins Alves, mãe do denunciado JEAN CARLOS COELHO, que vendia produtos pelo sítio www.mercadolivre. com.br utilizando-se dos dados da sua genitora e sob o usuário de nome MHMARTINS2006. 4. Por fim, narrou o Parquet que no dia seguinte, ou seja, 15/02/2005, os denunciados furtaram mais R$ 700,00 da referida conta corrente, transferindo a quantia para a Conta nº 013.644312-5, sediada na Agência Jussara/GO, da Caixa Econômica Federal, pertencente ao cliente Emanuel Paulo de Lima. 5. Segundo a inicial, o montante subtraído foi R$ 5.964,75 (cinco mil, novecentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), e todas as movimentações bancárias foram realizadas por meio da internet a partir de terminal de telefonia móvel (celular ou modem 3G) cuja linha nº (64) 96273187 está cadastrada no nome do denunciado GILMAR SALES DOS SANTOS. 3

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O Ministério Público Federal interpôs apelação postulando a reforma, em parte, da sentença para que “seja condenado o réu Jean Carlos Coelho pela prática de quatro delitos tipificados no

6. Foram arroladas pela acusação uma testemunha e um informante. 7. A denúncia, instruída pelo Inquérito Policial nº 835/2009, foi recebida em 06/02/2013, consoante decisão de fls.13/18, apenas em face do denunciado JEAN CARLOS COELHO e foi rejeitada em relação ao codenunciado GILMAR SALES DOS SANTOS, devido à ausência de indícios de autoria delitiva em face deste. 8. O réu JEAN CARLOS, citado à fl. 75v por meio de carta precatória enviada ao Juízo Federal em Goiânia/GO, apresentou resposta escrita mediante patrono constituído, às fls. 50/69, ocasião em que alegou ausência de provas de materialidade e autoria delitivas. Requereu a expedição de ofício ao Mercado Livre para solicitar desta empresa o comprovante de depósito bancário, transferência ou outra modalidade de crédito, inerente ao bloqueto bancário descrito na denúncia. Arrolou uma testemunha. 9. O recebimento da exordial foi confirmado às fls. 77/80, já que não se vislumbrou a configuração de qualquer causa de absolvição sumária, deflagrando-se a instrução criminal e designando-se audiência para a realização dos atos de forma concentrada. 10. Termo de audiência de instrução e julgamento juntado às fls. 101/104 (e mídia digital à fl.107), oportunidade em que foram ouvidas a informante e a testemunha arroladas pela acusação. O réu, por sua vez, foi interrogado às fls. 156/158 (mídia digital à fl.159). A inquirição da testemunha arrolada pela defesa foi determinada por meio de carta precatória, tendo a audiência sido marcada para o dia 25/02/2014, mas até a presente data não consta nos autos qualquer informação sobre o cumprimento da deprecada, cujo prazo já expirou. 11. Nada foi requerido pelo MPF na fase do art. 402 do CPP. A defesa, por seu turno, reiterou o pedido feito na resposta à acusação, que foi indeferido fundamentadamente por este Juízo. 12. A acusação juntou suas alegações finais às fls. 161/163, pugnando pela condenação de JEAN CARLOS COELHO nas penas do art. 155, § 4º, II, do Código Penal. 13. A defesa, por outro lado, acostou suas razões às fls. 182/198, requerendo a absolvição do réu, sustentada no art. 386, VII, do Código de Processo Penal; e pleiteou, alternativamente, a fixação da pena mínima, acaso seja proferida sentença condenatória. 14. As certidões de antecedentes criminais repousam às fls. 24/25 (Polícia Federal), 31 (Justiça Federal), 43 (IITB) e 45/47 (Tribunal de Justiça de Goiás), constando registro negativo apenas nesta última. 15. Concluso o feito, passo ao julgamento da causa. É O RELATÓRIO. DECIDO.

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art. 155, § 4º, II, do Código Penal, na forma do artigo 71 do Código Penal”, em síntese:

II - FUNDAMENTAÇÃO: 16. De logo registre-se que, a despeito de não ter sido até o momento juntada a carta precatória remetida para oitiva da testemunha arrolada pela defesa, como o prazo para seu cumprimento está de há muito superado, não há óbice a que esta sentença seja prolatada, a teor do que consta no art. 222, § 2º, do CPP. Tanto assim o é que a defesa, em suas alegações finais, sequer suscitou qualquer empecilho ao julgamento da causa em virtude desse retardo do Juízo deprecado. 17. Não há outras preliminares a serem enfrentadas. Passo ao exame do mérito. 18. Ab initio, observo que os fatos em comento foram inicialmente apurados pela Polícia Federal em Goiás, onde foi instaurado o Inquérito nº 214/2006 a partir do Ofício nº 22/2006/Afogados/PE, da Caixa Econômica Federal (CEF), que noticiou a ocorrência de irregularidades, via internet banking, na Conta Bancária nº 0046.001.701939-3, do cliente Frederico Xavier Ramos (fl. 07 do IPL). 19. Quando remetidos os autos do inquérito ao Juízo Federal em Goiás, este declinou a competência em favor da Seção Judiciária de Pernambuco em Recife, visto que o suposto crime de furto qualificado consumou-se nesta cidade, local em que sediada a agência da CEF que gerenciava a conta bancária alvo da subtração (fls. 84/86 do IPL). 20. Distribuído o apuratório a este Juízo e reconhecida a competência, foi o inquérito encaminhado para a Superintendência da Polícia Federal em Pernambuco, onde recebeu o número 835/2009. 21. Dito isto e examinado os autos, verifico que a MATERIALIDADE DELITIVA está positivada pelos documentos encartados no Inquérito Policial nº 835/2009, dentre os quais se destacam: (i) A comunicação feita pelo cliente Frederico Xavier Ramos à Caixa Econômica Federal (fl. 08); (ii) O Boletim de Ocorrência nº 006862 (fl. 09); (iii) Esclarecimentos do contestante Frederico Xavier Ramos (fls. 11/14); (iv) Extrato de movimentação da Conta Bancária nº 0046.001.701939-3, no qual constam as três transferências indevidas (R$ 1.000,00, R$ 2.000,00 e R$ 700,00) e o débito relativo ao pagamento de bloqueto bancário (R$ 2.264,75); (v) Aviso de crédito emitido pela CEF em favor do cliente Frederico Xavier Ramos (fl. 28-A), restituindo-lhe o total da quantia furtada em virtude dos indícios de fraude (fl. 30), o que revela o quantum do prejuízo suportado pela empresa pública federal, qual seja, R$ 5.964,75 (cinco mil, novecentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos); (vi) Ofício nº 171/2006, encaminhado pela CEF (fls. 53/54), informando os dados cadastrais das contas destinatárias das transferências irregulares (nº 1338.013.639577-8: - R$ 1.000,00; nº 1340.013.812637-6 - R$ 2.000,00 e nº 1240.013.644312-5 - R$ 700,00) e a numeração e origem do bloqueto de cobrança, revelando-se que a compra foi realizada no sítio do Mercado Livre;

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Com a devida vênia ao juízo de primeiro grau, há provas suficientes para a condenação do réu com relação aos quatro crimes de furto que lhe foram imputados.

(vii) Ofício encaminhado pelo Mercado Livre (fl. 139), noticiando que o produto pago através do bloqueto foi um notebook AMD Semprom 2600 HD 40/256/DVD Wireless Tela 15’.” 22. Do exposto, é indubitável que a materialidade delitiva resta cabalmente demonstrada pelos documentos supra, corroborando-se também pelos depoimentos da vítima, nas esferas policial e judicial, ao contrário do aduzido pela defesa. Está evidente, pois, que aconteceram, mediante fraude, as três transferências indevidas (R$ 1.000,00, R$ 2.000,00 e R$ 700,00) e o débito relativo ao pagamento de bloqueto bancário (R$ 2.264,75), ocorrências narradas na denúncia. 23. A AUTORIA DELITIVA, outrossim, mostra-se patente, ao menos em relação a uma dessas transações fraudulentas, como se demonstrará a seguir. 24. O Ministério Público Federal atribuiu ao réu JEAN CARLOS COELHO a responsabilidade pela subtração do valor de R$ 5.964,75 retirados em quatro oportunidades (três transferências e um pagamento) da Conta Bancária nº 0046.001.701939-3, do cliente Frederico Xavier Ramos, gerenciada pela Caixa Econômica Federal (CEF), agência Afogados, em Recife. 25. Pelo que se averiguou, as transferências ocorreram no mês de dezembro de 2005, nas seguintes datas e horários: 14/12/2005, às 17h41 (R$ 1.000,00), e às 17h52 (R$ 2.000,00), e 15/12/2005, às 8h45 (R$ 700,00), conforme consulta detalhada à fl. 21 do IPL. 26. O pagamento do bloqueto bancário, por sua vez, ocorreu na data de 14/12/2005, às 18:10 (R$ 2.264,75), ou seja, logo em seguida às duas primeiras transferências e em reduzido intervalo de tempo (apenas oito minutos). 27. De acordo com o ofício enviado pela operadora VIVO (fl. 125 do IPL), todas as operações foram concretizadas por meio do internet banking da CEF utilizando-se conexão 3G em aparelho cadastrado sob o nº (64) 9627.3189 (telefone celular ou modem), cujos IPs foram nº 200.220.236.99, nº 200.220.231.234 e nº 200.220.236.208. E mais: a relação de IPs fornecida pela CEF às fls. 31/32 complementa os dados fornecidos pela VIVO, somando-se aos IPs já citados, o de nº 201.24.169-26. 28. Em síntese, constata-se o seguinte: a) Na data de 14/12/2005 (i) Das 17:41:53 às 17:43:32, o usuário do IP nº 200.220.236.99 acessou o internet banking da CEF e realizou a transferência do valor de R$1.000,00, a débito da conta bancária do cliente lesado; (ii) Das 17:53:25 às 17:54:26, o usuário do IP nº 201.24.169-26 efetuou novo login e transferiu mais R$ 2.000,00, a débito da conta bancária do mesmo cliente lesado; (iii) Das 18:03:56 às 18:13:05, o usuário do IP nº 200.220.231.234 concretizou o pagamento do bloqueto bancário concernente à compra do Mercado Livre, no

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Quadro fático aqui analisado envolve a subtração no ano de 2005, de numerário de conta corrente da caixa econômica federal, mediante fraude, consistente no

valor de R$ 2.264,75, igualmente a débito da mesma conta bancária lesada pelas operações anteriores. b) Na data de 15/12/2005 (i) Das 8:41:29 às 8:47:28, o usuário do IP nº 200.220.236.208 realizou a operação bancária no valor de R$ 700,00, da mesma forma a débito da multirreferida conta bancária lesada. 29. É bem verdade que o número nº (64) 9627.3189 está registrado no nome de GILMAR SALES DOS SANTOS, o qual foi denunciado pelo Ministério Público Federal, mas não se tornou réu neste feito diante da ausência de indícios de autoria com relação a ele. 30. Porém, atente-se a que em delitos desse jaez, cometidos mediante fraude, os artifícios empregados pelos agentes têm o claro intento de esconder o verdadeiro responsável pela consecução do crime. Um dos subterfúgios, sem dúvida, é a utilização das chamadas “contas de passagem”, aquelas destinatárias das quantias irregularmente transferidas da conta prejudicada, como ocorreu no presente feito. 31. Ademais, tratando-se de delito perpetrado por meio da internet é prudente que o acesso à rede mundial de computadores não se origine de números cadastrados em nome dos próprios criminosos, hipótese em que seria mais fácil a identificação do autor da subtração. 32. In casu, restou esclarecido nos autos que os titulares das três contas bancárias destinatárias (“contas de passagem”) não têm participação no cometimento das transações irregulares, pois sequer movimentavam com habitualidade as suas contas. 33. Eder Ferreira dos Santos, titular da Conta nº 1338.013.639577-8, na qual houve o crédito de R$ 1.000,00, declarou que não tinha acesso à internet na época e a conta não foi movimentada no período dos fatos (fl. 154 do IPL). 34. Francisco Gomes de Almeida, titular da Conta nº 1340.013.00812637-6, que recebeu R$ 2.000,00, asseverou que no mês de dezembro de 2005 não utilizou sua conta nem para depositar nem para sacar dinheiro e somente tomou ciência do ocorrido quando foi retirar um extrato numa casa lotérica e verificou que ela estava bloqueada em virtude de uma fraude (fls. 64/66 do IPL). 35. Emanuel Paulo de Lima, titular da Conta nº 1240.013.644312-5, para onde foram transferidos R$ 700,00, afirmou que em janeiro de 2006 se dirigiu à agência bancária a fim de obter outro cartão, uma vez que o seu havia desaparecido, e ficou sabendo que a conta estava com “problemas”, pois tinha recebido transferências fraudulentas. Negou ter sacado qualquer valor nas datas de 14 e 15 de dezembro e acredita que não vendeu ou emprestou seu cartão magnético para terceiros porque sua conta movimentava pequenas quantias (fls. 71/72 do IPL). 36. Não foi demonstrada qualquer ligação entre o réu JEAN CARLOS COELHO e as pessoas citadas acima, titulares das contas de passagem, sendo que o MPF

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pagamento de boleto bancário, via internet banking, no valor de R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), gerado a partir de simu-

lhe atribui a responsabilidade por essas transferências indevidas a partir dos dados obtidos pela operação realizada justamente por meio do sítio do Mercado Livre. 37. Com efeito, o ofício repousado às fls.139/140 do IPL revelou que o usuário da pessoa beneficiada pela suposta compra do notebook foi JEANGOIAS, sendo entregue a Jean Carlos, com endereço à Rua 8, Apto. 673, Edf. Georgete, apto 501, Setor Oeste, Goiânia/GO; e o usuário do vendedor do equipamento foi MHMARTINS2006, em favor do qual foi depositado o valor de R$ 2.264,75, cuja conta bancária pertence à Marta Helena Martins Alves (CPF nº 258.578.511-49), mãe do acusado. 38. Quando ouvida na condição de informante, Marta Helena Martins Alves asseverou que tinha conhecimento de que o filho movimentava sua conta no banco Bradesco e que vendia produtos por meio da internet com seus dados pessoais porque o nome dele apresentava restrição bancária. 39. Embora tenha desmentido a acusação que lhe fora imputada, JEAN CARLOS COELHO assumiu a comercialização usual (prévia aos fatos) de produtos de informática pelo Mercado Livre. 40. Com efeito, no primeiro depoimento prestado na fase inquisitorial, o réu asseverou que comercializava mercadorias (impressoras, monitores e celulares) no sítio do Mercado Livre até o ano de 2006. Também declarou “que nas vendas que efetuava nunca recebia dinheiro diretamente na conta de sua genitora MARTA; que recebia pelo mercado pago; (...) que utilizava a conta de sua genitora porque estava com restrições cadastrais no banco e não poderia movimentar nenhuma conta”. 41. No segundo depoimento, o réu negou que seu codinome no Mercado Livre fosse JEANGOIAS, admitindo, por outro lado, que utilizava os nomes JEANCOELHO, MHMARTINS2006 e SUPERCOMPREMAIS. Declarou que o usuário MHMARTINS2006 é cadastrado no nome da sua mãe, mas todas as transações respectivas eram feitas por ele. 42. Em Juízo, JEAN CARLOS enfatizou que o “Jean” procurado pela Polícia Federal trata-se de outra pessoa, sendo caso de possível homônimo, visto que ele não possuía o codinome JEANGOIAS no sítio de compras pela internet. 43. Todavia, o Mercado Livre informou, em 24/11/2010, que após a referida transação o comprador foi inabilitado por ter ligações cadastrais com o vendedor (fls.139 e 140 do IPL). 44. Posteriormente, em 24/02/2011, a empresa comunicou que o comprador (JEANGOIAS) e o vendedor (MHMARTINS2006) foram banidos do site porquanto foram detectadas coincidências nos dados de acesso à internet entre ambos, ou seja, uma mesma pessoa fazia as vezes de comprador e de vendedor visando à simulação de uma operação para retirada do dinheiro com vistas a mostrar uma origem verossímil para o numerário (fls. 151/152 do IPL).

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lação de compra e venda; bem como por meio de 3 (três) transferências bancárias no valor total de R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais) para contas de terceiros não envolvidos no esquema. (...)

45. Dessarte, mostra-se evidente que o pagamento do bloqueto, realizado indevidamente na conta corrente da vítima Frederico Xavier Ramos, reporta-se àquela transação simulada efetivada entre os usuários JEANGOIAS e o MHMARTINS2006, os quais, na verdade, correspondem ao acusado JEAN CARLOS COELHO, nesse sentido não merecendo crédito sua negativa de autoria, pelo fundamento de que não possuía o codinome JEANGOIAS no sítio de compras pela internet, Mercado Livre. 46. Por outro lado, poder-se-ia em princípio até concluir por dedução que o acusado fora também o autor das demais operações bancárias (transferências) discutidas neste feito, eis que o intervalo de tempo entre a realização daquelas transações e o pagamento do bloqueto foi bastante curto, consoante já esposado nas linhas anteriores (parágrafos 25 e 26 retro). 47. Apesar de não se desconhecer que a convergência de certas circunstâncias veementes propicia indelével percepção quanto a uma realidade, da qual não se podem tirar ilações diametralmente opostas e válidas, a presunção não legitima um decreto condenatório, que não pode se fundar em suspeitas de autoria. Uma sentença penal condenatória não pode ter como sustentáculo o solo movediço da probabilidade, já que a verossimilhança, por maior que seja, não é a verdade. 48. Não se deve descuidar que não falece ao magistrado um raciocínio indutivo-dedutivo, onde sobreleva a lógica, com a qual o direito está sempre interligado. Se incólume a autoridade judicante ao entrelaçamento dos fatos e à fixação de suas inarredáveis consequências, grassará a impunidade. Isso porque a retrospecção do episódio nem sempre encontrará sinais visíveis e incontestáveis, até mesmo pela cautela e prudência dos criminosos que procuram não deixar rastros, mormente em situações que envolvem fraudes, como na hipótese vertente. Afinal, não só com obviedades latentes existe certeza moral apta a embasar uma condenação, vez que certos desdobramentos seguem um curso natural que, não aceitá-los, contraria a inteligência humana. Nesses casos, transmudam-se conjunturas em verdades. 49. No caso em testilha, não se pode, é verdade, deslembrar que várias “coincidências” convergem para uma possível conclusão de que o réu teria sido também os responsável pelas três transferências fraudulentas realizadas a débito da conta corrente lesada, a saber: PRIMEIRAMENTE, TEM-SE COMO INARREDAVELMENTE COMPROVADO QUE: (a) conforme admitido pelo réu – e por sua genitora – ele vendia produtos de informática pelo Mercado Livre utilizando-se o usuário MHMARTINS2006; (b) a pessoa que comprou o notebook possuía o codinome JEANGOIAS, sendo o nome do réu JEAN e residindo ele em GOIÁS;

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Vê-se, portanto, que o juízo a quo absolveu o réu da acusação da prática de 3 (três) dos quatros delitos de furto que lhe foram imputados na denúncia, afastando, por conseguinte, o reconhecimento da continuidade delituosa.

(c) a entrega foi endereçada a “Jean Carlos”, residente na cidade de Goiânia/ GO; (d) o sítio Mercado Livre baniu os usuários JEANCARLOS e MHMARTINS2006 devido à coincidência dos dados de acesso; (e) a conta sacada pela compra do notebook é titularizada pela genitora do réu; POR OUTRO LADO, O QUE LIGA O RÉU ÀS TRÊS TRANSFERÊNCIAS FRAUDULENTAS É QUE: (f) as transferências fraudulentas e o pagamento do bloqueto foram realizados em dois dias seguidos, 14 e 15 de dezembro e em curto intervalo de tempo; (g) as “contas de passagem” das transferências e do pagamento de bloqueto são sediadas em Goiás, mesmo Estado onde reside o acusado; (h) todas as operações ilícitas e fraudulentas em foco foram realizadas por intermédio do mesmo 3G, pela internet. 50. O fato de as transferências terem sido feitas por meio do mesmo terminal 3G por meio do qual foi realizado o pagamento do boleto bancário, em intervalo de tempo curto em relação umas às outras e em relação ao aludido pagamento e, ainda, por meio de contas de passagens sediadas todas em Goiás, onde reside o réu, são coincidências realmente consideráveis, contudo entendo que ainda não foram suficientes o bastante para autorizar a conclusão de que podem todas ser atribuídas ao mesmo responsável pelo pagamento do boleto da operação comercial simulada do Mercado Livre. 51. Explico: a acusação não conseguiu identificar o destino do numerário fraudulentamente transferido a débito da conta lesada e mediante percurso por meio das contas de passagem já mencionadas. Nem que o fosse para identificar como foram sacados ou se delas foram transferidos para outras contas, de modo a permitir ao julgador antever, nesse dado (faltante!) alguma relação com o ora réu. 52. Diante dessa deficiência, ainda que esta magistrada tenha forte inclinação em acreditar que as coincidências retro assinaladas convergiriam para a conclusão de responsabilidade do réu também pelas três transferências fraudulentas narradas na exordial, a certeza que deve permear o convencimento do julgador não se formou, nesse tocante, em sua inteireza e, por conseguinte, in dubio pro reo. 53. Observa-se, portanto, que o conjunto probatório carreado aos autos é suficiente a atribuir a autoria delitiva ao acusado JEAN CARLOS COELHO por apenas um crime de furto qualificado, exatamente aquele pertinente ao pagamento da operação comercial simulada feita por meio do sítio do Mercado Livre, não se podendo, por outro lado, reconhecer a prática, em continuidade delitiva, dos outros três furtos qualificados narrados na denúncia, pertinentes às três transferências bancárias ilícitas.

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Como narrado na denúncia e verificado pelo juízo, o modus operandi (uso de conexão 3G em aparelho cadastrado sob o nº (64) 9627-3189 – telefone celular ou modem)

54. Em casos como o ora em apreço em que se apura a responsabilidade criminal pelo cometimento do crime de furto qualificado, é essencial analisar, além da tipicidade objetiva da conduta, também a sua tipicidade subjetiva. 55. O delito em foco só é punido se cometido mediante dolo. Por conseguinte, deve-se apreciar se houve dolo na conduta do réu. 56. A caracterização do dolo, no que concerne ao delito do art. 155, § 4º, II, do Código Penal, dá-se quando o agente, voluntariamente, subtrai coisa alheia móvel, sabendo ser alheia e tendo conhecimento da fraude empregada. 57. No caso em apreço, há prova suficiente do dolo do agente no tocante à simulação de operação comercial por meio do Mercado Livre, o qual possuía esclarecimentos suficientes para saber da ilicitude inerente à conduta perpetrada e, pelas razões já aduzidas, admitir o contrário seria atentar contra a lógica e inteligência intrínseca a qualquer pessoa em condições normais. 58. Como se não bastasse, importa dizer que o réu JEAN CARLOS COELHO comercializava mercadorias “sem” nota fiscal, vindos do Paraguai, o que sugere um perfil voltado a atividades ilícitas. 59. Conforme realçado pelo MPF, registre-se também a curiosa dedicação com que o réu se empenhava em vender produtos via internet, uma vez que afirmou que na época dos fatos era sócio de mercado (com sua mãe), cujo faturamento girava em torno de 300 a 400 mil reais, gerando-lhe renda mensal de 7 a 8 mil reais. E mais, também auferia renda pelo aluguel de dois caminhões que possuía, em torno de 3 a 4 mil reais por mês. Tudo isso aos 25 anos de idade e sem qualquer comprovação de atividade lícita que justifique seus bens e renda. 60. Se é certo que incumbe à acusação provar que o agente agira com dolo, é também certo que, se seu comportamento foi apenas culposo, deve o acusado produzir prova suficiente que desconstitua aquelas produzidas pelo órgão ministerial, conforme lição do art. 156 do Código de Processo Penal. 61. Desse ônus, no entanto, não se desincumbiu a defesa, limitando-se apenas a refutar a acusação e a alegar insuficiência de provas, sem nada produzir em favor do réu. Ao reverso do que sustentou, entendo que a prova é precisa ao apontar tanto a materialidade, quanto a autoria delitiva, nos moldes sinalados retro. 62. Desta feita, verifica-se que JEAN CARLOS COELHO, voluntariamente, subtraiu coisa alheia móvel, por meio de fraude, razão pela qual sua conduta amolda-se com perfeição, em termos objetivos e subjetivos, à descrição típica do art. 155, § 4º, II, do Código Penal, a seguir transcrito: Furto Art. 155 - Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. (...) Furto qualificado § 4º - A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido:

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é o mesmo para ambos os fatos ocorridos nos dias 14 e 15/12/2005. Além disso, todos os saques e o pagamento foram realizados da mesma conta corrente do cliente Frederico Xavier Ramos em curto espaço de tempo.

I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas. (Grifos acrescidos) 63. Dessarte, porque presentes os elementos do fato típico, tanto o subjetivo dolo, quanto os objetivos – descritivos e normativos – contidos na norma penal incriminadora retromencionada, e tendo em conta que não agiu o réu sob qualquer excludente de ilicitude e, ainda, considerando-se que é culpável, porquanto maior de 18 anos, com maturidade mental, que, com consciência da ilicitude do fato, sendo livre e moralmente responsável, reunia aptidão e capacidade de autodeterminação para decidir-se pelo direito e contra o crime, a condenação é medida que se impõe. III - DISPOSITIVO: 64. Posto isso, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE a acusação formulada na denúncia a fim de CONDENAR o réu JEAN CARLOS COELHO pela perpetração de um delito de furto qualificado pela fraude, tipificado no art. 155, § 4º, II, do Código Penal. 65. Passo, assim, à dosimetria da pena a ser aplicada ao réu ora condenado, nos termos do art. 68 do Código Penal e analisando as circunstâncias judiciais do art. 59 do mesmo diploma, a eventual existência de circunstâncias agravantes e atenuantes ou causas de aumento ou diminuição de pena, bem como, ao final, a possibilidade de substituição da pena privativa de liberdade aplicada por pena(s) restritiva(s) de direito ou, não sendo esta possível, se o será a suspensão condicional da pena (sursis). 3.1 - APLICAÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE 1ª FASE: DOSAGEM DA PENA BASE A - Culpabilidade 66. Como circunstância judicial, a culpabilidade deve ser analisada em sentido lato, entendida como a reprovação social que o crime e o autor merecem. Diferente, pois, da culpabilidade elemento constitutivo do delito, cujos requisitos são a imputabilidade do agente, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. 67. Nesta fase da dosimetria, cabe ao juiz avaliar, não mais a presença dos pressupostos acima declinados, sem os quais não há crime, mas o grau de censura social que incide sobre o agente e sobre o fato cometido. Assim é que, nesta oportunidade, classifica-se a culpabilidade entre intensa, média ou reduzida. 68. No caso sub examine, observo que o acusado possuía farta experiência em operações por meio do Mercado Livre e justamente isso o possibilitou simular a operação comercial que viabilizou o pagamento de boleto bancário fraudulento, a débito da conta bancária do cliente lesado, portanto, atuando ele com culpabilidade

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Trata-se de indícios suficientes da autoria delitiva o uso dos indícios, não é demais lembrar, afigura-se legítimo pelo art. 239 do Código de Processo Penal para a absolvição e

considerável. Sobre sua conduta, portanto, entendo que o grau de reprovação é acima do mediano. B - Antecedentes, Conduta Social e Personalidade 69. Em obediência ao princípio constitucional da presunção de inocência e em anuência ao entendimento esposado por boa parte da doutrina e reiteradamente assentado na jurisprudência, inclusive do STF e STJ, entendo como maus antecedentes – a serem sopesados negativamente em desfavor do réu – apenas os registros em folhas de antecedentes criminais que representem condenação com trânsito em julgado e que, adiante, não possam ser acatadas como agravante genérica da reincidência. 70. Dos autos consta que o réu respondeu ao procedimento do Juizado Especial Criminal de nº 2002.00939763, na Comarca de Goiânia/GO, tendo o feito sido arquivado em 15/06/2007 em face da extinção da punibilidade pela prescrição. Assim, nada a valorar. 71. A conduta social, por sua vez, não se refere a fatos criminosos, devendo o magistrado perquirir, diante das provas coligidas e se assim for possível, o papel assumido por ele na sociedade, a forma de se portar no ambiente familiar, profissional, perante seus vizinhos, conhecidos e amigos, para que se possa concluir se ele se comporta ou não de acordo com as normas sociais que exigem uma conduta harmônica e baseada em respeito mútuo. 72. In casu, poucos elementos foram coletados em relação a conduta social do acusado, não podendo esta ser aferida negativamente. 73. Do mesmo modo, no que tange à personalidade, como já antecipado, o réu JEAN CARLOS COELHO comercializava mercadorias “sem” nota fiscal, vindos do Paraguai, o que sugere um perfil voltado a atividades ilícitas, permitindo uma análise negativa no conjunto de suas características psicológicas. C - Motivos, Circunstâncias e Consequências do Crime 74. Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa, o fundamento do crime perpetrado, sua mola propulsora. 75. Sob este enfoque, a motivação foi a ganância, que é inerente à própria tipicidade dos fatos em questão. 76. No que concerne às circunstâncias do delito, por sua vez, são aquelas relacionadas ao cometimento do fato havido por delituoso, ou seja, são peculiaridades, particularidades, detalhes e/ou nuanças observadas ao derredor da conduta, que podem ser sopesadas ou não em desfavor daquele que age. In casu, nada de extraordinário é digno de nota. 77. De seu turno, é cediço que a prática de qualquer crime traz consequências já implícitas à violação da norma, que, inclusive, podem compor o próprio tipo penal infringido. Não obstante, como circunstâncias judiciais, não serão essas as consequências analisadas e sopesadas, mas sim aquelas que extrapolam o cometimento padrão do ilícito em questão.

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para a condenação do réu, por haver hierarquia entre os meios de prova (arts. 155/157 do mesmo Código). (...)

78. Em suma, como bem alertou NUCCI, apenas “o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da penal”. 79. In casu, as consequências do crime são aquelas já implícitas ao tipo penal violado, devendo-se salientar que o prejuízo da CEF pela conduta do réu não foi de tão alta monta (R$ 2.264,75), embora também não tenha sido irrisório, além do que não há notícias de que tenha havido recuperação ou ressarcimento dos prejuízos, devendo tais fatos ser ponderados negativamente para fixação da pena-base. D - Comportamento da vítima 80. Não há que se aludir à Caixa Econômica Federal ou ao seu cliente qualquer circunstância a eles atribuídos que pudessem ter concorrido para a prática do delito em apreço. Por esse motivo, não há como imputar-lhes qualquer colaboração para as condutas criminosas em tela. * Aferição da Pena-base 81. O art. 155, § 4º, II, do Código Penal prevê a reprimenda de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além de multa. 82. Considerando as circunstâncias judiciais já ponderadas, fixo a pena-base privativa de liberdade um pouco acima do mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão. 2ª FASE: CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES 83. Ausentes quaisquer causas atenuantes ou agravantes. 3ª FASE: CAUSAS DE DIMINUIÇÃO E DE AUMENTO DA PENA 84. Também não vislumbro causas de diminuição ou aumento de pena, pois a própria continuidade delitiva foi acima afastada. * Pena privativa de liberdade definitiva 85. Assim sendo, a pena privativa de liberdade definitiva ora imposta ao condenado é de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, conforme disciplina o art. 33, § 2º, c, do Código Penal. 3.2 - APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA (SISTEMA BIFÁSICO) 86. A fixação da pena de multa deve obedecer ao sistema bifásico: primeiramente, fixa-se a quantidade de dias-multa, entre 10 e 360 (art. 49, CP), considerando-se as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, as circunstâncias atenuantes e agravantes genéricas (circunstâncias legais), previstas nos arts. 61, 62, 65 e 66 do referido diploma legal, bem como as causas gerais e especiais de aumento e diminuição de pena. Após, tendo em vista a condição econômica do condenado, é estabelecido o valor de cada dia-multa, que não pode ser inferior a um trigésimo do salário mínimo vigente no tempo do fato delituoso nem superior a cinco vezes esse salário. 1ª FASE: QUANTIDADE DE DIAS-MULTA 87. Tendo em vista o nível de gravidade do delito cometido no presente caso, as circunstâncias judiciais e legais acima já ponderadas para fixação da pena

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É precisamente o caso em tela onde as provas irrefutáveis de que as fraudulentas transações efetuadas nos dias 14 e 15 de setembro de 2005, por meio de internet banking, foram perpetradas por Jean Carlos Coelho.

privativa de liberdade, bem como levando em consideração os limites mínimo e máximo previstos no art. 49 do Código Penal, fixo para o réu JEAN CARLOS COELHO a obrigação de pagar 90 (noventa) dias-multa. 2ª FASE: VALOR DOS DIAS-MULTA 88. Levando em conta a atual situação econômica do réu (renda mensal em torno de dez mil reais, conforme declarado pelo acusado no interrogatório – mídia digital à fl.159), determino como valor do dia-multa, dentre os limites de um trigésimo do salário mínimo vigente no tempo do fato delituoso até cinco vezes esse salário (§ 1º do art. 49 do CPB), o de 1/5 (um quinto) do salário mínimo. * Pena de Multa definitiva 89. Com essa operação, portanto, a multa a ser paga pelo sentenciado é de 18 (dezoito) salários mínimos vigentes na época da consumação do delito (dezembro/2005), valor este sobre o qual deve incidir a correção monetária oficial até a data do efetivo pagamento (art. 49, § 2º, do CP). 3.3 - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE (POSSIBILIDADE) 90. Levando em conta que a pena privativa de liberdade aplicada não supera o limite objetivo previsto no art. 44, I, do CP (de quatro anos), tampouco é o acusado reincidente em crime doloso (art. 44, II, do CP), estão preenchidos os requisitos objetivos para a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos. 91. Da mesma forma, os requisitos subjetivos previstos no art. 44, III, do Código Penal, como já foi acima demonstrado, também são favoráveis ao acusado, recomendando a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos. 92. Com efeito, a substituição em comento, no caso em tela, atende aos princípios da suficiência e da adequação, representando resposta efetiva do Estado para repreender a conduta criminosa perpetrada. 93. Assim, substituo a pena privativa de liberdade imposta por duas restritivas de direitos (Art. 44, § 2º, do CP). 94. A primeira pena consiste na prestação de serviços a entidade pública (Art. 43, IV, do CPB), mediante atribuição de tarefas gratuitas ao sentenciado, conforme suas aptidões, e que serão cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação (Art. 46, § 3º, do CPB), consoante vier a ser fixado pelo Juízo da Execução, de modo que a pena restritiva de direito tenha a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (Art. 55 do CPB). 95. A título de segunda pena substitutiva, de prestação pecuniária, fixo, nos termos do art. 45, § 2º, do CP, a obrigação mensal de o réu depositar, na conta corrente aberta pela 13ª Vara Federal, privativa para execuções penais, na Caixa Econômica Federal (Agência 1029, Operação 005, Conta 62242-9) – nos termos

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Destarte, restou demonstrada a prática de quatro delitos capitulados no art. 155, § 4°, lI, do Código Penal. Decidir diversamente ao que se argumentou no presente recurso significa, negar vigência aos arts. 155, § 4°, II, 59 e 68 do Código Penal e aos arts. 155. 157 e 39 do Código de Processo Penal (...).4

de Ordem de Serviço Conjunta deste e daquele Juízo (OS nº 04/2013), da Resolução/CNJ nº 154/2012, e do Provimento nº 01/2013, da Corregedoria Regional do Tribunal Regional Federal da 5ª Região –, o valor de R$ 300,00 (trezentos reais), durante todo o período de duração da pena substituída, obviamente sem prejuízo do pagamento da pena principal de multa acima fixada. A comprovação do depósito deverá ser feito perante a 13ª Vara, enquanto ainda tiver a competência para a execução penal. 3.4 - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE (IMPOSSIBILIDADE) 96. Na medida em que foi possível a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, não o é a suspensão condicional daquela, por expressa disposição do art. 77, III, do CP. 3.5 - DISPOSIÇÕES FINAIS 97. Condeno o acusado ao pagamento das custas processuais a serem calculadas pela contadoria do Juízo. 98. A título de reparação do dano (art. 91, I, do CP, e art. 387, IV, do CPP), fixo como indenização mínima ao acusado o pagamento da quantia mínima correspondente ao prejuízo causado à Caixa Econômica Federal (R$ 2.264,75), devidamente atualizada até a data do efetivo pagamento, sem prejuízo de o Juízo da Execução eventualmente majorá-la. 99. Após o trânsito em julgado desta sentença, forme-se o processo de execução definitivo mediante as cópias das peças arroladas no Provimento nº 01/2009 da Corregedoria do TRF-5ª Região e na Ordem de Serviço Conjunta nº 01/2010, após o que deverá a 13ª Vara desta Seção Judiciária (privativa de execuções penais) (i) lançar o nome do réu ora condenado no rol dos culpados (inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal), e (ii) comunicar o teor deste decisum ao DPF, ao IITB, ao TRE (para o fim de suspensão dos direitos políticos – art. 15, III, da Carta Magna), ao Ministério da Justiça e, em sendo o caso, à Embaixada respectiva. 100. Registre-se. Publique-se. Intimem-se. Recife, 4 de abril de 2014. AMANDA TORRES DE LUCENA DINIZ ARAÚJO Juíza Federal Titular da 4ª Vara/PE APELAÇÃO DO MPF EXMO. (A) JUIZ (ÍZA) FEDERAL DA 4ª VARA CRIMINAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA DE PERNAMBUCO RAZÕES DE APELAÇÃO N° 02/2014 PROCESSO Nº 0000101-46.2007.4.05.8300 4

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A defesa do réu interpôs apelação requerendo a reforma da sentença para “absolvendo o indiciado JEAN CARLOS COELHO,

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉU: JEAS CARLOS COELHO O Ministério Público Federal vem, com fulcro no art. 600 do Código de Processo Penal, apresentar as razão do recurso de apelação interposto à fl. 224, motivo pelo qual requer seu recebimento a intimação do apelado para apresentar contrarrazões e o posterior envio ao egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Recife, 30 de junho de 2014. Fábio Holanda Albuquerque Procurador da República RAZÕES DE APELAÇÃO Nº 0212014 RECORRENTE: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RECORRIDO: JEAN CARLOS COELHO RAZÕES DA APELAÇÃO COLENDO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO EGRÉGIA TURMA 1 - DO OBJETO DO RECURSO O Ministério Público Federal denunciou Jean Carlos Coelho e Gilmar Sales dos Santos pela prática da conduta descrita no art. 155, § 4°, II, c/c art. 71, ambos do Código Penal, em virtude da subtração, nos dias 14 e 1511212005, mediante fraude, do valor de R$ 5.964,75, da conta bancária nº 001.701939·3, agência 0046 da CEF, de titularidade de Frederico Xavier Ramos, conforme descrito na exordial, às fls. 9/10. A inicial acusatória foi parcialmente recebida em 06/02/2013, às fls. 131/8, sem manifestação ministerial contrária à rejeição da acusação formulada em face de Gilmar Sales dos Santos, o que deu ensejo ao arquivamento do feito no tocante ao seu envolvimento (fl. 35). O acusado foi devidamente citado (fl. 27) e apresentou resposta à acusação, às fls. 50/69. Às fls. 77/80, concluiu o Juízo pela ausência das hipóteses previstas no art. 397 do CPP, razão pela qual determinou a continuidade da marcha processual oportunidade em que indeferiu, ainda, o pleito defensório de oficiar a empresa Mercado Livre. Em audiência instrutória realizada no dia 17/10/2013, foram ouvidos FREDERICO XAVIER RAMOS, testemunha de acusação (e também vitima), bem como MARTA HELENA MARTINS ALVES’ (mãe do réu), na qualidade de informante; ao passo que o interrogatório do réu deu-se em audiência realizada no dia 5/12/2013, cujos depoimentos foram gravados em CDs acostados, respectivamente, às fls. 107 e 159. O Parquet nada requereu de diligências complementares (fl. 156). A defesa, por sua vez, reiterou o pedido feno quando da resposta da acusação, o qual restou novamente indeferido, a um, porque preclusa a oportunidade de sua renovação; e

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da imputação endereçada a ele. Caso não seja este o entendimento de Vossas Excelências, requer seja, reformado o decisum,

segundo, pela remota possibilidade de sua realização, após o decurso de exatos anos desde a efetiva transferência (fl. 157). Vieram, então, os autos ao Ministério Público Federal para os fins do art. 402 do CPP e/ou alegações finais (fl. 157). Alegações finas às fls. 161/163v e 182/198. Ao julgar a presente demanda, a MM. Juíza Federal observou que “o conjunto probatório carreado aos autos é suficiente para atribuir a autoria delitiva ao acusado JEAN CARLOS COELHO por apenas um crime de furto qualificado, (...) não se podendo, por outro lado, reconhecer a prática em continuidade delitiva, dos outros três furtos qualificados narrados na denúncia (...)” fl. 204v, item 53. À fl. 224, o Ministério Público Federal interpôs apelação contra a respeitável sentença e recebeu os autos para apenas razões do recurso. É o relatório do essencial. II - RAZÕES PARA A REFORMA DA SENTENÇA. Com a devida vênia ao juízo de primeiro grau, há provas suficientes para a condenação do réu com relação aos quatro crimes de furto que lhe foram imputados. Quadro fático aqui analisado envolve a subtração no ano de 2005, de numerário de conta corrente da caixa econômica federal, mediante fraude, consistente no pagamento de boleto bancário, via internet banking, no valor de R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), gerado a partir de simulação de compra e venda; bem como por meio de 3 (três) transferências bancárias no valor total de R$ 3.700,00 (três mil e setecentos reais) para contas de terceiros não envolvidos no esquema. Depreende-se da denúncia (fls. 9/11-v) que: “No dia 14/12/2005, JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS subtraiam da conta corrente 000046.001.701939-3, do cliente FREDERICO XAVIER RAMOS, gerenciada pela Agência Afogados da Caixa Econômica Federal em Recife, o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), mediante duas transferências eletrônicas para contas sem movimentação bancária, e o valor R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), por meio do pagamento de boleto bancário gerado a partir de uma compra realizada no sítio da empresa MercadoLivre.com Atividades de Internet (CNMP nº 03.361.252/0001-34). No dia seguinte, 15/12/2005, os agentes subtraíram, ainda, por meio de uma transferência eletrônica, o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) da mesma conta corrente. As quatro transações ocorreram através do internet banking. A primeira subtração, no valor de R$ 1.000,00 (mil reais) ocorreu no dia 14/12/2005, às 17:41h (fls. 22 e 54), e favoreceu a Conta nº 013.639.577-8 da Ag. 1338 (Ag. lporá/GO), titularizada por EDER FERREIRA DOS SAN-

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aplicando-se o mínimo insculpido ao delito tipificado, condenado o recorrente a responder por só uma pena restritiva de direito,

TOS. A segunda, na mesma data, com valor de R$ 2.000,00 (dois mil reais) foi operada às 17:52h, favorecendo a Conta n° 013.812.637-6 da Ag. 1340 (Ag. Serra Dourada/GO), registrada em nome de FRANCISCO GOMES DE ALMEIDA (fls. 22 e 54) Na terceira transação, ocorrida na mesma data às 18:10h, os acusados, usando o perfil de usuário do site mercadolivre.com.br, JEANGOIAS – pertencente a JEAN CARLOS COLEHO, compraram um notebook do vendedor cadastrado como MHMARTINS2006, apresentando os dados da Conta Corrente n° Q046.0Q1701939-3 da Agência 0046 da CEF (Afogados), titularizada por FREDERICO XAVIER RAMOS, para efetuar o pagamento pelo internet banking por meio de boleto bancário (fls. 21/54 e 139/140). O valor da compra foi sacado na Conta Corrente n° 0172585-8, Agência 1406, Banco Bradesco, titularizada por MARTA HELENA MARTINS ALVES, mãe do denunciado JEAN CARLOS. Ressalte-se que a conta do vendedor MHMARTINS2006, cadastrada em nome de MARTA HELENA, era efetivamente utilizada por seu filho. Ademais, o responsável pelo site MercadoLivre informou ‘Que as contas do comprador e do vendedor apresentavam coincidências nos dados de acesso à Internet, gerando a suspeita de que se tratasse de uma mesma pessoa fazendo as vezes de comprador e vendedor para simular uma operação e assim retirar ó dinheiro’ (fls. 151/152). Assim, houve, na verdade, a simulação da compra do notebook, uma vez que comprador e vendedor eram a mesma pessoa. Na quarta e última operação, ocorrida no dia 15/12/2005, às 08:45h, foi transferido o valor de R$ 700,00 (setecentos reais) para a Conta nº 013.644312-5 da Ag. 1240 (Ag. Jussara/GO), pertencente a EMANUEL PAULO DE LIMA (fls. 22 e 54). Todas as movimentações foram realizadas com o auxílio de GILMAR SALES DOS SANTOS, já que as transações bancarias foram feitas a partir de seu terminal de telefonia móvel (celular ou modem 3G com linha nº 64-96273187 - fls. 125/127), tanto no dia 14 como no dia 15/12/2005.” Ao cabo da instrução probatória obteve se a comprovação de todos os fatos descritos na denúncia e imputados ao réu, conforme passamos a analisar. O crime de que trata a inicial acusatória e perpetrado pelo réu Jean Carlos Coelho caracterizou-se com o recebimento, na conta bancária de sua mãe, por ele movimentada, de montante, referente ao pagamento do boleto emitido mediante simulação de compra e venda em sítio eletrônico pelos usuários MHMARTlNS2006 e JEANGOIAS, ambos com iguais dados cadastrais, subtraído nas operações financeiras fraudulentas realizadas na conta de titularidade de Frederico Xavier Ramos, sob o nº 001.701939-3; bem como nas demais transferências bancárias, as quais, por sua vez, foram realizadas dentro de curto intervalo de tempo e a partir de um mesmo terminal de Serviço móvel, em prejuízo àquela conta bancária. A materialidade e autoria do crime praticado encontram-se fartamente comprovadas pelo Inquérito Policial nº 63512009 ao feito acostado, nele constando o procedimento investigativo da Caixa Econômica Federal (CEF), o qual apontou as

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e não duas, bem como pugna, pela reforma acerca do quantum inerente à condenação aos dias-multa, e também, a prestação pe-

operações financeiras realizadas na conta de Frederico Xavier Ramos, e a identificação do destino das quantias desviadas para o Banco CAIXA, Conta n° 013.639577-8, Agência 1338 (Iporá/GO), nó 013812637-6 agência 1340 (Serra Dourada, Goiânia/GO), n° 013.644312-5, agência 1240 (Jussara/GO), à fl. 53; pelos ofícios do Mercado Livre (fls. 1391140 e fls. 151/152), indicando o beneficiário do boleto; e pelo depoimento da vítima, a qual confirma as movimentações irregulares, bem como o ressarcimento pela CEF (CD acostado à fl. 107). Ademais, registre-se que se tratam de pessoas com baixo grau de instrução, em cujas contas movimentavam-se poucos valores, de forma não habitual, o que corrobora a ausência de registro de contestação acerca das referidas operações, que sequer foram por ele notadas (fI. 165 do IPL). As fraudulentas transações foram efetuadas nos dias 14 e 15 de dezembro de 2005, tendo a esposa da vítima, acessado o internet banking pela última vez no dia 13/1212012, na realização de pagamento bancário (fI. 23), em seu local de trabalho (fl. 14), como de costume. Judicialmente inquirido, JEAN CARLOS, apesar da inicial tentativa de eximir-se das afirmações apresentadas em interrogatório policial, ao alegar não ser a pessoa para as quais as perguntas deveriam ter sido dirigidas em sede investigativa, cuidando-se, em verdade, de individuo (comprador) homônimo, motivo pelo qual não chegou a entender os questionamentos feitos pela autoridade policial não fez modificações à versão anteriormente apresentada, sempre negando as acusações que lhe são imputadas (fls. 194/197 do IPl). O réu, quando da narrativa dos fatos, afirmou que possuía cadastro no Mercado Livre em nome de sua mãe para que fossem percebidos os valores referentes às vendas de notebooks por ele realizadas, uma vez que o site exige a mesma titularidade entre o usuário e a conta bancária a ele vinculada, sob o crivo de sua genitora, que o deixava utilizar por saber de suas restrições em conta própria. Outrossim, declarou não se recordar da venda em comento limitando-se a invocar a responsabilidade do site no processo de negociação eximindo-se de comprovar a sua efetiva realização, assim como da proveniência dos valores pagos para aquisição. Não obstante o réu negar a responsabilidade pela prática dos atos que lhes são imputados, suas declarações não são criveis e tampouco se coadunam com as demais provas dos autos. Indagado acerca da semelhança entre os dados cadastrais de ambos os pelas protagonistas da relação contratual, isto é, da coincidência entre os dados de registro do comprador JEANGOIAS e do vendedor MHMARTINS2006, negou a existência de quaisquer informações compatíveis das quais se pudesse concluir pela sua simulação, em total contradição às informações fornecidas pelo supra mencionado sitio eletrônico, o qual apontou como local de fornecimento e recebimento da mercadoria o mesmo endereço, a saber: R 8 673 ED GEORGETE

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cuniária mensal, que caso seja determinado este de cumprimento, que o mesmo deva ser aplicado em valores mínimos, posto que, o acusado após sua oitiva, sofrerá inúmeros prejuízos comerciais,

APT 501, SETOR OESTE - GOIÂNIA/GO, ambos em nome de Jean Carlos, o que deu ensejo, inclusive, ao banimento dos dois usuários (fls. 151/152 do IPL). Outrossim, alegou que a alienação das mercadorias dava-se ou pela empresa brasileira de Correios e Telégrafos (via SEDEX), ou por motoboy, sem que em nenhuma delas fosse gerado documento apto a resguardá-lo contra eventuais prejuízos, alegações de atraso ou ausência da entrega, de modo que não logrou êxito em comprovar sua efetuação. Ao revés, cumpre registrar a curiosa dedicação com que o réu se empenhava à venda de produtos via internet, quando afirma que à época era sócio de mercado, com sua mãe, cujo faturamento girava em torno de 300 a 400 mil reais, gerando-lhe renda mensal de 7 a 8 mil reais; ao passo que ainda prestava serviços com seus caminhões, com os quais auferia renda de 3 a 4 mil reais por mês (a partir de 16min28s), aos 25 anos e sem qualquer comprovação de atividade lícita que justifique seus bens e renda. Por fim, ressalte-se que o fato de o interrogatório ter sido direcionado (ao pagamento do boleto bancário, com pontuais questionamentos acerca das demais operações bancárias, todas as movimentações do dia 14/12/2005 (duas transferências e o pagamento do boleto) foram efetuadas num intervalo aproximado de meia hora, por meio do mesmo dispositivo móvel localizado em Caldas Novas/ GO, município situado próximo a Goiânia. Faz-se oportuno elucidar, pois que todo esse corpo probante fornece subsídios contundentes a acusação ministerial. (...) Vê-se, portanto, que o juízo a quo absolveu o réu da acusação da prática de 3 (três) dos quatros delitos de furto que lhe foram imputados na denúncia, afastando, por conseguinte, o reconhecimento da continuidade delituosa. Como narrado na denúncia e verificado pelo juízo, o modus operandi (uso de conexão 3G em aparelho cadastrado sob o nº (64) 9627-3189 - telefone celular ou modem) é o mesmo para ambos os fatos ocorridos nos dias 14 e 15/12/2005. Além disso, todos os saques e o pagamento foram realizados da mesma conta corrente do cliente Frederico Xavier Ramos em curto espaço de tempo. Trata-se de indícios suficientes da autoria delitiva. O uso dos indícios, não é demais lembrar, afigura-se legítimo pelo art. 239 do Código de Processo Penal para a absolvição e para a condenação do réu, por haver hierarquia entre os meios de prova (arts. 155/157 do mesmo Código). Sobre a validade da prova indiciária, elucidativa da doutrina de Eduardo Espínola. (...) É precisamente o caso em tela onde as provas irrefutáveis de que as fraudulentas transações efetuadas nos dias 14 e 15 de setembro de 2005, por meio de internet banking, foram perpetradas por Jean Carlos Coelho. Destarte, restou demonstrada a prática de quatro delitos capitulados no art. 155, § 4°, lI, do Código Penal.

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dilapidando os seus proventos mensais para cumprir com aqueles a quem devia, encontrando-se, desde então, em puro estado de insolvência civil, não possuindo mais condições de prover com seu próprio sustento e de sua família.5

Decidir diversamente ao que se argumentou no presente recurso significa, negar Vigência aos arts. 155, § 4°, 11, 59 e 68, do Código Penal e aos arts. 155. 157 e 39 do Código de Processo Penal, que ficam desde já prequestionados para fins recursais. Ante todo o exposto, deve ser reformada a sentença de primeiro grau, para condenar o réu pela prática dos quatro delitos tipificados no art. 155, § 4º, II, do Código Penal. III. DOS REQUERIMENTOS E PEDIDOS Ante o exposto, o Ministério Público Federal requer que a presente apelação seja conhecida e provida, de modo que a sentença de fls. 200/210 seja parcialmente reformada para que seja condenado o réu Jean CARLOS Coelho pela prática de quatro delitos tipificados no art. 155, § 4º, II, do Código Penal, na forma do artigo 71 do Código Penal. Recife, 30 de junho de 2014. Fábio Holanda Albuquerque Procurador da República APELAÇÃO DO RÉU Protocolo n° 101-46.2007.4.05.8300 Acusado: JEAN CARLOS COELHO AÇÃO PENAL JEAN CARLOS COELHO, já qualificado nos autos supra, via de seu advogado esta assina, VEM à digna presença de V.Ex.ª, apresentar as RAZÕES RECURSAIS, tempestivamente, nos moldes da legislação vigente. Termos em que pede e espera deferimento. ALEXANDRE MARTINS VIEIRA - OAB/GO 26.283 EXCELENTISSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. Ilustre Relator(a) Colenda Turma. Nobre Procurador (a) SÍNTESE DOS FATOS O recorrente fora condenado pela prática de furto qualificado (155, § 4, II, do CPB) mediante fraude através da utilização de internet, a 2 (dois) anos e 9 (nove) meses em regime inicialmente aberto e 90 (noventa) dias-multa, sendo, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direito correspondente a prestação de serviços a entidade pública com mesma duração da pena privativa de liberdade e prestação pecuniária correspondente a R$ 300,00 5

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As partes apresentaram contrarrazões. A Procuradoria Regional da República ofertou parecer pelo provimento da apelação do Ministério Público Federal e desprovimento da apelação do réu, enfocando, em síntese:

(trezentos reais) mensais durante o período que compreender a penalidade, e, ainda, a reparação de suposto dano à Caixa Econômica Federal no valor de R$ 2.264,75, bem como, 18 (dezoito) salários mínimos vigentes a data do delito, correspondente aos dias multa; Referida sentença fora emanada pelo juízo da Vara Federal de Recife, atribuindo ao acusado a materialidade do delito, concluindo: (...) DO MÉRITO Diante do relato acima, se tem inúmeras divergências argumentativas que trazem total injustiça na decisão prolatada. Um dos juízos construídos para conclusão são do raciocínio sentencial, utilizado pelo MPF, baseia-se na resposta de ofício constante das fls. 139/140 emitidos pelo Mercado Livre, que, na visão esplanada, ocorreu o benefício do usuário JEANGOIÁS e do usuário MHMARTINS2006, decorrente do pagamento do boleto bancário. Porém, tal conclusão é despida de relevante incoerência pois, o ofício (fls. 139/140) informa os dados cadastrais dos usuários: JEANGOIAS (nome, telefone, e-mail, endereço e CPF) tido como comprador do produto descrito no ofício através do pagamento de boleto bancário efetuado de forma fraudulenta; e os dados do usuário MHMARTINS2006 (titular, CPF, banco, agência e conta) tido como vendedor. Traz ainda, o respectivo oficio, informação de que os usuários foram inabilitados por ter ligações cadastrais. Primeira incoerência: QUAL A LIGAÇÃO CADASTRAL EXISTENTE ENTRE OS USUÁRIOS? OS cadastros informados pele Mercado Livre sequer trazem qualquer coincidência entre comprador e vendedor. Ilustres julgadores, inexiste qualquer dado neste ofício que revele coincidência mínima entre as contas, ou seja, não possuem o mesmo nome, CPF, endereço, nada. Então, que coincidência? Segunda incoerência: relata a sentença, que o produto que foi comprado, foi entregue ao usuário JEANGOIÁS. Ora, por divergência semântica, endereço de entrega é diferente de produto entregue. Nesta situação é possível se questionar alguns fatos. Existe nos autos alguma prova de que o boleto supostamente pago pelo usuário JEANGOIAS foi creditado na conta da genitora do indiciado? Registre-se que respectiva indagação foi objeto de pedido relatado outrora e indeferido pelo juízo singular. É fato provado nos autos que o produto fora entregue? Colendos julgadores, questionamento importante a ser feito e fato de relevante considerações, é que, o Mercado Livre simplesmente apõe declarações nos autos, despidas de qualquer fundamentação, ou seja, se do boleto pago o dinheiro foi depositado em conta da genitora do acusado, então, onde está o

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Importa ressaltar que o crime foi praticado por meio cibernético, e o fato dos IP’s não coincidirem não pode ser utilizado como argumento para negativa da autoria. Existe uma grande facilidade de se obter vários aparelhos, cada qual com seu IP e muitos deles com acesso rápido à internet.

comprovante de depósito, transferência, ou outra forma de crédito em favor do usuário MHMARTINS2006. Ressalte-se que o respectivo boleto é gerado pelo “Mercado pago”, uma das instituições filiadas ao Mercado Livre, sendo que, o dinheiro é liberado, após qualificação e comprovação pelo comprador de que o produto fora entregue. Outro juízo construído é, que, mesmo o indiciado se negando à prática delituosa o mesmo assumira que vendia produtos de informática usando usuário MHMARTINS2006, vinculado a titularidade de sua genitora. Outra incoerência se forma (terceira), posto que, o raciocínio lógico formado na sentença fora este que vendia produtos de informática no mercado livre, pratiquei o delito de furto insculpido nos autos. Ora, qual lógica indutiva desta proposição? O usuário MHMARTINS2006, que vendia produtos de informática no site Mercado Livre, ao negociar uma venda qualquer, teve o boleto gerado pelo Mercado Pago, o qual foi pago mediante fraude, por um usuário denominado de JEANGOIÁS. Qual a relação entre o usuário JEANGOIAS e MHMARTINS2006? ALÉM do Sr. Jean Carlos Coelho ter refutado as acusações, inexiste qualquer comprovação de relação entre eles, ficando adstrito ao vínculo relacional somente ao homônimo, Jean Carlos, e nada mais. Isto nos conduz ao próximo juízo construído na sentença, novamente embasado em declaração desarrazoada, expedida pelo Mercado Livre, ao “informar” que: comprador e vendedor foram banidos do site quando detectado que os mesmos apresentavam coincidências nos dados de acesso à internet. Sob este enfoque, convém esclarecer um ponto: o que identifica os acessos à internet? Resposta à pergunta é: endereço de IP? Mas o que é IP? Trago à baila definição extraída do site Wikipédia: (...) Importante indicação da definição colacionada acima é: “Cada computador na internet possui um IP único (...). Neste sentido, o conceito dali emanado, nos remete a uma conclusão. Se os dados de acesso se referem ao endereço de IP, e, este é único para cada computador, rede e etc., o que comprova que o usuário JEANGOIAS e MHMARTINS2006, possuam o mesmo dado de acesso, ou o mesmo endereço de IP, sendo que, não há nos autos qualquer prova desta relação. Ilustres julgadores, a conclusão é simples. A caixa Econômica Federal, ao comunicar a existência de suposta fraude, encaminhou relação de existência de suposta fraude, encaminhou relação de IP’s (fls. 31/32) e registro de domínios (fls. 33/34) de onde fora possível a autoridade policial constatar a

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O autor de crime de furto qualificado em conta corrente por meio eletrônico tentará de todas as formas dificultar a sua descoberta, inclusive se utilizando de vários aparelhos a fim de evitar rastreamentos.

operadora de telefonia responsável, e, através de autorização judicial obter resposta inerente aos dados cadastrais (fl. 125 ) do usuário de endereço de IP responsável pelas operações realizadas através da internet. Ou seja, através do registro de IP foi possível conseguir os dados do verdadeiro culpado. Neste sentido, admitir simples declaração aposta pelo Mercado Livre, fls. 139/140 e 151/152, sem qualquer fundamentação condizente, ou seja, sem provas de suas alegações, não podem, e jamais deveriam ter servido de fundamento (ou juízo) utilizado na sentença, para se concluir acerca da autoria. Assim, questiona-se: O porquê o Mercado Livre, ao responder oficio à Polícia Federal, NÃO juntou a relação de IP’s como o fez a Caixa Econômica Federal? Por um, motivo lógico. Não há prova de qualquer relação entre comprador e vendedor. Como dito na defesa preliminar, o Mercado Livre não possui critérios para bloquear usuários, fazendo-o simplesmente com a arguição de coincidência cadastral ou coincidência de acesso, não trazendo qualquer prova de que o fato relatado seja, no mínimo, verossímil. Diante destas considerações, se chega a mais uma conclusão: que prova existe nos autos ou até mesmo no inquérito, que vinculem o detentor da linha Gilmar Sales dos Santos ao indiciado Jean Carlos Coelho? Tem-se, novamente, outra incoerência, que nos remonta à ausência de provas, não podendo a sentença ser embasada em um raciocínio lógico indutivo, que conforme demonstrado acima é, nitidamente, incoerente, sequer, para conduzir o juízo a certa presunção. Desta feita, as conclusões tomadas na sentença de que o réu é quem vendia produtos no Mercado Livre em conta em nome de sua genitora; de que a pessoa que comprou o notebook possui o mesmo nome do réu; e, que a conta que recebia as transações oriundas das negociações efetuadas junto ao Mercado Livre é da genitora do réu, não induzem a qualquer juízo de certeza de que foi o indiciado que realizou as transações, muito menos que o mesmo e o usuário JEANGOIAS, são, a mesma pessoa, e, nem sequer é possível concluir por dedução, indução, associação, ou qualquer outro método lógico jurídico, de que, JEAN CARLOS COELHO e Gilmar Sales dos Santos, são a mesma pessoa, e inexiste no processo de que o indiciado se tenha valido de instrumento móvel (3 G) em nome de Gilmar Sales dos Santos para realizar as operações fraudulentas. Nesta seara, a manutenção da condenação, traz nítida insegurança jurídica ao ordenamento jurídico vigente, ao aceitar o direito de liberdade, do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa, relevantes à condução de autoria delitiva. Neste sentido, outro não é o entendimento da jurisprudência, vejamos: (...)

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Cumpre frisar que duas das três transferências foram efetuadas em curto espaço de tempo e minutos antes do pagamento do boleto, no mesmo dia e a outra transferência ocorreu no dia seguinte. Assim não há como afastar a continuidade delitiva, merecendo prosperar a tese apresentada pelo MPF.

Inobstante as incoerências suscitadas acima, em que pese a peça acusatória esteja embasada em elementos colhidos na fase inquisitorial, o qual serviram de fundamento para prolação da sentença condenatória, e de sustentáculo a irresignação recursal por parte do MPF necessário é de se reconhecer que o conjunto probatório produzido em Juízo não se mostra apto a lastrear decreto condenatório, da forma como fora emanado pelo Douto Juízo em desfavor do Recorrido JEAN CARLOS COELHO. Com efeito, o réu, ao ser interrogado sob o crivo do contraditório negou a prática ao crime que lhe é imputado nestes autos. De outro turno, a oitiva da vítima e da genitora do mesmo em juízo nada trouxeram aos autos, no sentido de comprovar a responsabilidade penal do indiciado em relação aos fatos articulados na exordial acusatória, e ratificados em parte na sentença. Destarte, as prova, no caso, que pesam contra o indiciado JEAN CARLOS COELHO restringem-se às declarações colhidas no curso dos procedimento inquisitorial (ofícios Mercado Livre) e refutados acima –, as quais, como cediço, são insuficientes, por si sós, para ensejarem um juízo condenatório, sob pena de violação das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório. Nesse sentido, a orientação da jurisprudência: (...) Neste sentido, à míngua de prova a respaldar a imputação direcionada ao Recorrido, JEAN CARLOS COELHO, sobretudo jurisdicionalizada, o indeferimento do recurso de apelação promovido pelo MPF, e a consequente absolvição do Recorrido, por insuficiência de prova a condená-lo. DOS PEDIDOS: Ante o exposto, demonstrado fundamentadamente a contrariedade aos postulados constitucionais (art. 5°, LIV, LV e LVII; 103, lI, a; 105, III, a e c) e adequação a legislação infraconstitucionais (386, VII do CPP), aguarda o recorrente seja DEFERIDO o processamento do presente RECURSO DE APELAÇÃO por esse egrégio Juízo seja oportunamente CONHECIDO e PROVIDO pelo COLENDO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO, para cassar a sentença monocrática, que condenou o recorrente no crime capitulado pelo artigo 155, § 4°, II, do CPB, por total ausência de prova, nos termos do artigo 386, VII, do CPB, e, via de consequência, absolvendo o indiciado JEAN CARLOS COELHO da imputação endereçada a ele. Caso não seja este o entendimento de Vossas Excelências, requer seja reformado o decisum, aplicando-se o mínimo insculpido ao delito tipificado, condenando o recorrente a responder por só uma pena restritiva de direito, e não duas, bem

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Por outro lado, as razões de apelação do réu são no sentido de absolvê-lo por ausência de provas nos autos. E caso não seja acolhida essa sua tese inicial, pugna o recorrente, seja condenado a somente uma pena restritiva de direito e não duas. Também pugna pela reforma do quantum inerente à condenação das multas e da prestação pecuniária mensal, para que sejam estas reduzidas a valores mínimos. No que concerne à alegação de ausência de provas trazida pelo réu, essa não merece prosperar, pois o conjunto probatório carreado aos autos é suficiente para concluir pela materialidade delitiva assim como pela autoria, emergindo dada a responsabilidade do réu. Quanto à pena de multa, verifica-se que foi fixada de maneira proporcional e razoável. O juízo sentenciante analisou o grau de reprovação da conduta, bem como as demais circunstâncias judiciais e legais ponderadas na fixação da pena privativa de liberdade, obedecendo ao limite imposto pela lei (mínimo 10 e máximo 360), fixando-a em 90 dias-multa, assim como respeitou o limite legal quanto ao valor atribuído a cada dia-multa, fixando um valor de 1/5 do salário mínimo vigente à época da ocorrência dos fatos. Por fim, o pleito de aplicação de uma só pena restritiva de direito, em vez de duas, igualmente não merece acolhida, com arrimo no art. 44, caput e § 2°, do CP, tendo

como pugna, pela reforma acerca do quantum inerente à condenação aos dias-multa, e também, a prestação pecuniária mensal, que caso seja determinado este de cumprimento, que o mesmo deva ser aplicado em valores mínimos, posto que, o acusado após sua oitiva, sofrerá inúmeros prejuízos comerciais, dilapidando os seus proventos mensais para cumprir com aqueles a quem devia, encontrando-se, desde então, em puro estado de insolvência civil, não possuindo mais condições de prover com seu próprio sustento e de sua família. Assim decidindo, tenha certeza estar distribuindo JUSTIÇA. Nestes termos, Pede deferimento. Goiânia, 16 de julho de 2014. Alexandre Martins Vieira - OAB-GO 26.283.

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em vista que o réu foi condenado à pena de 2 anos e 9 meses. (...)6

É o relatório.

PARECER EXMO(A). SR(A). DESEMBARGADOR FEDERAL RELATOR E COLENDA 1ª TURMA DO EG. TRlBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO DVMF/MPF/PRRS/11040/2015 (parecer) Processos: 2007.83.00.000101-1 ACR 12.331-PE Apelantes: Ministério Público Federal Apelantes: Jean Carlos Coelho Apelados: Os mesmos Relator: Des. Federal José Maria de Oliveira Lucena - Primeira Turma O MINISTÉRIO PÚ8UCO FEDERAL, pelo Procurador Regional da República signatário, no uso de suas atribuições constitucionais e legais, vem perante essa 1ª TURMA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO apresentar PARECER sobre a causa em epígrafe, conforme fatos e fundamentos adiante externados. 1. RELATÓRIO Trata-se de ação penal movida pelo Ministério Público Federal em desfavor de JEAN CARLOS COELHO e GILMAR SALES DOS SANTOS, pela prática do crime de Furto qualificado (art. 155, § 4°, Il, CP). Narra a inicial acusatória que, nos dias 14 e 15 de dezembro de 2005, os denunciados, com vontade livre e consciente, subtraíram, mediante fraude ao internet banking, a soma de R$ 5.964,75 (cinco mil, novecentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos) da Conta Corrente nº 0046.001.701939-3, de titularidade do Sr. Frederico Xavier Ramos (cliente CEF), gerenciada pela Caixa Econômica Federal (agência de Afogados/PE), senão Ihes imputada a conduta tipificada no art. 155, § 4°, c/c art. 71, ambos do Código Penal Brasileiro. A denúncia foi parcialmente recebida em 06.02.2013 (fls. 13/18), apenas em face do denunciado JEAN CARLOS COELHO e foi rejeitada em relação ao codenunciado GILMAR SALES DOS SANTOS, devido à ausência de indícios de autoria delitiva em face deste. O recebimento da exordial foi confirmado às fls. 77/80, já que não se vislumbrou a configuração de qualquer causa de absolvição sumária, deflagrando-se a instrução criminal e designando-se audiência para· a realização dos atos de forma concentrada. A acusação juntou suas alegações finais às fls. 161/163, pugnando pela condenação de JEAN CARLOS COELHO nas penas do art. 155, § 4°, do Código Penal. A defesa acostou suas alegações finais às fls. 182/189, requerendo a absolvição do réu, sustentada no art. 386, VII, do CPP; e pleiteou, alternativamente, a fixação da pena mínima, caso seja proferida sentença condenatória. 6

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VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (Relator): FURTO. Subtração de coisa alheia móvel, para si ou para outrem (art. 155, caput, do Código Penal). FURTO QUALIFICADO. A pena é de reclusão de dois a oito anos, e multa, se o crime é cometido: I - com destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa; II - com abuso de confiança, ou mediante fraude, escalada ou destreza; III - com emprego de chave falsa; IV - mediante concurso de duas ou mais pessoas (art. 155, parágrafo 4º, do Código Penal). DOSIMETRIA. Os limites das penas privativas de liberdade são estabelecidos na sanção correspondente a cada tipo legal (art. 53 do Código Penal).

O magistrado de primeiro grau (fls. 200/210) julgou parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia, condenando o réu pela perpetração de 1 (um) delito de furto qualificado por fraude (art. 155, § 4°, lI, CP) e afastou a continuidade delitiva. Fixou a pena definitiva em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, e o condenou a 90 dias-multa no valor de 1/5 do salário mínimo. Por fim, substituiu a pena privativa de liberdade por duas restritivas de direito. O Ministério Público Federal apelou da sentença (fls. 234/252), pugnando pela sua reforma parcial, para condenar o réu pela prática de 4 (quatro) delitos tipificados no art. 155, § 4°, lI, do CP; o réu também apelou (fls. 298/312), requerendo sua absolvição nos termos do art. 386, VII, do CPP. Contrarrazões apresentadas pelo réu às fls. 314/329. Contrarrazões ministeriais apresentadas às fls. 331/343. Em seguida, vieram os autos a esta Procuradoria Regional da República da 5ª Região, para oferecimento de parecer. 2. ANÁLISE MINISTERIAL As razões recursais do MPF são, em apertada síntese, no sentido de que seja reconhecida a continuidade delitiva do réu e, por conseguinte, seja ele condenado· pela prática de 4 (quatro) furtos, aplicando-se o disposto no art. 71 do Código Penal. Assiste razão ao Parquet, em face da plausibilidade e pertinência de sua tese. Das informações constantes nos autos, depreende-se a ocorrência da continuidade delitiva. Demonstra-se. A absolvição do réu quanto à prática de 3 dos 4 delitos de furto que lhe foram imputados na peça exordial não contempla o conjunto probatório dos autos,

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A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social, a personalidade, os motivos, as circunstâncias, as consequências do crime, bem como o comportamento da vítima são os fatores subjetivos e objetivos a serem considerados para a dosimetria da pena. São as diretrizes da legalidade para os vetores de reprovação e prevenção do crime (art. 59 do Código Penal). A individualização entre a sanção e a defesa social considera os elementos da ação, os caracteres da conduta e do resultado, atinando com os preceitos da Constituição e da lei. A valoração considera o movimento ascendente e ascensional de cada fator aposto no art. 59 do Código Penal em relação ao tipo legal, objetivamente incidente para o cômputo da pena-base. A aplicação consiste na escolha da(s) pena(s) entre as cominadas; a quantidade entre os limites (legais) previstos; o regime inicial de cumprimento da pena privativa de liberdade; a substituição da

pois o modus operandi (uso de conexão 3G em aparelho cadastrado sob o nº 9627-3189 – telefone ou modem) foi o mesmo para os fatos ocorridos nos dias 14 e 15/12/2005. Ademais, os pagamentos foram realizados da mesma conta corrente, a do cliente Frederico Xavier Ramos, e o mesmo usuário (JEAN GOIAIS) efetuou as ações em sequência, do mesmo ponto de 3G, realizando-as em um curto espaço de tempo, o que revela nitidamente a ocorrência da continuidade delitiva. Ações subsequentes e um pequeno lapso temporal são indicativos da prática de continuidade delitiva. É o que se extrai de julgado proferido pelo STF, abaixo colacionado: (...) Importa ressaltar que o crime foi praticado por meio cibernético, e o fato dos IP’s não coincidirem não pode ser utilizado como argumento para negativa da autoria. Existe uma grande facilidade de se obter vários aparelhos, cada qual com seu IP e muitos deles com acesso rápido à internet. O autor de crime de furto qualificado em conta corrente por meio eletrônico tentará de todas as formas dificultar a sua descoberta, inclusive se utilizando de vários aparelhos a fim de evitar rastreamentos. Cumpre frisar que duas das três transferências foram efetuadas em curto espaço de tempo e minutos antes do pagamento do boleto, no mesmo dia e a outra transferência ocorreu no dia seguinte. Assim não há como afastar a continuidade delitiva, merecendo prosperar a tese apresentada pelo MPF. Por outro lado, as razões de apelação do réu são no sentido de absolvê-lo por ausência de provas nos autos. E caso não seja acolhida essa sua tese inicial, pugna o recorrente, seja condenado a somente uma pena restritiva de direito e não duas. Também pugna pela reforma do quantum inerente à condenação das

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pena privativa de liberdade aplicada, por outra espécie, se cabível (art. 59, I a IV, do Código Penal). As circunstâncias atenuantes, agravantes e as causas especiais extraem-se dos descritores especiais atrelados a cada tipo. A multa está prevista em cada tipo legal de crime (art. 58 do Código Penal) em quantia a ser fixada na sentença, entre o limite mínimo de 10 (dez) e no máximo de 360 (trezentos e sessenta) dias-multa, com valor não inferior a 1/30 (um trigésimo) do maior salário mínimo vigente ao tempo do fato; nem superior a 5 (cinco) vezes esse salário (art. 49, parágrafo 1º, do Código Penal). A atualização ocorrerá quando da execução pelos índices de correção monetária (parágrafo 2º). Na multa atende-se, principalmente, à situação do réu, revelando a função econômica da pena em relação ao crime (art. 60 do Código Penal). No concurso de crimes, as penas de multa são aplicadas distinta e integralmente (art. 72 do Código Penal). multas e da prestação pecuniária mensal, para que sejam estas reduzidas a valores mínimos. No que concerne à alegação de ausência de provas trazida pelo réu, essa não merece prosperar, pois o conjunto probatório carreado aos autos é suficiente para concluir pela materialidade delitiva assim como pela autoria, emergindo dada a responsabilidade do réu. Quanto à pena de multa, verifica-se que foi fixada de maneira proporcional e razoável. O juízo sentenciante analisou o grau de reprovação da conduta, bem como as demais circunstâncias judiciais e legais ponderadas na fixação da pena privativa de liberdade, obedecendo ao limite imposto pela lei (mínimo 10 e máximo 360), fixando-a em 90 dias-multa, assim como respeitou o limite legal quanto ao valor atribuído a cada dia-multa, fixando um valor de 1/5 do salário mínimo vigente à época da ocorrência dos fatos. Por fim, o pleito de aplicação de uma só pena restritiva de direito, em vez de duas, igualmente não merece acolhida, com arrimo no art. 44, caput e § 2°, do CP, tendo em vista que o réu foi condenado à pena de 2 anos e 9 meses. 3. CONCLUSÃO ANTE O EXPOSTO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL opina pelo NÃO PROVIMENTO do apelo do réu, e pelo PROVIMENTO da apelação interposta pelo MPF, reformando-se parcialmente a sentença, para que seja o réu condenado pela prática de 4 furtos em continuidade delitiva. Recife, 15 de junho de 2015. DUClRAN VAN MARSEN FARENA Procurador Regional da República

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HIPÓTESE: Trata-se de apelações interpostas à sentença proferida nos autos da Ação Criminal nº 0000101-46.2007.4.05.8300, em curso na 4ª Vara Federal (PE), que julgou procedente, em parte, a denúncia e condenou o réu, Jean Carlos Coelho, em face do crime previsto no artigo 155, § 4º, II, do Código Penal, às penas de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão e multa de 90 (noventa) dias-multa, à fração de 1/5 (um quinto) do salário mínimo, substituída a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos consistentes em prestação de serviços à entidade pública e prestação pecuniária, por ter subtraído para si, no dia 14.12.2005, através de débito efetuado na conta bancária de Frederico Xavier Ramos, mantida na Caixa Econômica Federal, no valor de R$ 2.264,75 (dois mil, duzentos e sessenta e quatro reais e setenta e cinco centavos), para pagamento de boleto de compra efetuada via internet no denominado Mercado Livre. 1) APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL: A denúncia atribui ao réu a prática de quatro delitos de furto qualificado, em continuidade delitiva, consistentes em três transferências de valores e um débito, todos de uma mesma conta bancária titularizada por Frederico Xavier Ramos e mantida na Caixa Econômica Federal. A sentença julgou procedente, em parte, a denúncia, absolvendo-o da imputação de três delitos e condenando-o por um crime, conforme fundamentos abaixo transcritos, com os quais compartilho, verbis: 24. O Ministério Público Federal atribuiu ao réu JEAN CARLOS COELHO a responsabilidade pela subtração do valor de R$ 5.964,75 retirados em quatro oportunidades (três transferências e um pagamento) da Conta Bancária nº 0046.001.701939-3, do cliente Frederico Xavier Ramos, gerenciada pela Caixa Econômica Federal (CEF), Agência Afogados, em Recife. 25. Pelo que se averiguou, as transferências ocorreram no mês de dezembro de 2005, nas seguintes datas e horários: 14/12/2005, às 17h41 (R$ 1.000,00), e às 17h52 (R$ 2.000,00), e 15/12/2005, às 8h45 (R$ 700,00), conforme consulta detalhada à fl. 21 do IPL. 145


26. O pagamento do bloqueto bancário, por sua vez, ocorreu na data de 14/12/2005, às 18:10 (R$ 2.264,75), ou seja, logo em seguida às duas primeiras transferências e em reduzido intervalo de tempo (apenas oito minutos). 27. De acordo com o ofício enviado pela operadora VIVO (fl.125 do IPL), todas as operações foram concretizadas por meio do internet banking da CEF, utilizando-se conexão 3G em aparelho cadastrado sob o nº (64) 9627-3189 (telefone celular ou modem), cujos IPs foram nº 200.220.236.99, nº 200.220.231.234 e nº 200.220.236.208. E mais: a relação de IPs fornecida pela CEF às fls. 31/32 complementa os dados fornecidos pela VIVO, somando-se aos IPs já citados, o de nº 201.24.169-26 (...) 45. Dessarte, mostra-se evidente que o pagamento do bloqueto, realizado indevidamente na conta corrente da vítima Frederico Xavier Ramos, reporta-se àquela transação simulada efetivada entre os usuários JEANGOIAS e o MHMARTINS2006, os quais, na verdade, correspondem ao acusado JEAN CARLOS COELHO, nesse sentido não merecendo crédito sua negativa de autoria, pelo fundamento de que não possuía o codinome JEANGOIAS no sítio de compras pela internet, Mercado Livre. 46. Por outro lado, poder-se-ia em princípio até concluir por dedução que o acusado fora também o autor das demais operações bancárias (transferências) discutidas neste feito, eis que o intervalo de tempo entre a realização daquelas transações e o pagamento do bloqueto foi bastante curto, consoante já esposado nas linhas anteriores (parágrafos 25 e 26 retro). 47. Apesar de não se desconhecer que a convergência de certas circunstâncias veementes propicia indelével percepção quanto a uma realidade, da qual não se podem tirar ilações diametralmente opostas e válidas, a presunção não legitima um decreto condenatório, que não pode se fundar em suspeitas de autoria. Uma sentença penal condenatória não pode ter como sustentáculo o solo movediço da probabilidade, já que a verossimilhança, por maior que seja, não é a verdade. 48. Não se deve descuidar que não falece ao magistrado um raciocínio indutivo-dedutivo, onde sobreleva a lógica, com a qual o direito está sempre interligado. Se incólume a autoridade judicante ao entrelaçamento dos fatos e à fixação de suas inarredáveis consequências, grassará a impunida146


de. Isso porque a retrospecção do episódio nem sempre encontrará sinais visíveis e incontestáveis, até mesmo pela cautela e prudência dos criminosos que procuram não deixar rastros, mormente em situações que envolvem fraudes, como na hipótese vertente. Afinal, não só com obviedades latentes existe certeza moral apta a embasar uma condenação, vez que certos desdobramentos seguem um curso natural que, não aceitá-los, contraria a inteligência humana. Nesses casos, transmudam-se conjunturas em verdades. 49. No caso em testilha, não se pode, é verdade, deslembrar que várias “coincidências” convergem para uma possível conclusão de que o réu teria sido também o responsável pelas três transferências fraudulentas realizadas a débito da conta corrente lesada, a saber: PRIMEIRAMENTE, TEM-SE COMO INARREDAVELMENTE COMPROVADO QUE: (a) conforme admitido pelo réu – e por sua genitora – ele vendia produtos de informática pelo Mercado Livre utilizando-se o usuário MHMARTINS2006; (b) a pessoa que comprou o notebook possuía o codinome JEANGOIAS, sendo o nome do réu JEAN e residindo ele em GOIÁS; (c) a entrega foi endereçada a “Jean Carlos”, residente na cidade de Goiânia/GO; (d) o sítio Mercado Livre baniu os usuários JEANCARLOS e MHMARTINS2006 devido à coincidência dos dados de acesso; (e) a conta sacada pela compra do notebook é titularizada pela genitora do réu; POR OUTRO LADO, O QUE LIGA O RÉU ÀS TRÊS TRANSFERÊNCIAS FRAUDULENTAS É QUE: (f) as transferências fraudulentas e o pagamento do bloqueto foram realizados em dois dias seguidos, 14 e 15 de dezembro, e em curto intervalo de tempo; (g) as “contas de passagem” das transferências e do pagamento do bloqueto são sediadas em Goiás, mesmo Estado onde reside o acusado; (h) todas as operações ilícitas e fraudulentas em foco foram realizadas por intermédio do mesmo 3G, pela internet. 50. O fato de as transferências terem sido feitas por meio do mesmo terminal 3G por meio do qual foi realizado o pagamento do boleto bancário, em intervalo de tempo 147


curto em relação umas às outras e em relação ao aludido pagamento e, ainda, por meio de contas de passagens sediadas todas em Goiás, onde reside o réu, são coincidências realmente consideráveis, contudo entendo que ainda não foram suficientes o bastante para autorizar a conclusão de que podem todas ser atribuídas ao mesmo responsável pelo pagamento do boleto da operação comercial simulada do Mercado Livre. 51. Explico: a acusação não conseguiu identificar o destino do numerário fraudulentamente transferido a débito da conta lesada e mediante percurso por meio das contas de passagem já mencionadas. Nem que o fosse para identificar como foram sacados ou se delas foram transferidos para outras contas, de modo a permitir ao julgador antever, nesse dado (faltante!) alguma relação com o ora réu. 52. Diante dessa deficiência, ainda que esta magistrada tenha forte inclinação em acreditar que as coincidências retro assinaladas convergiriam para a conclusão de responsabilidade do réu também pelas três transferências fraudulentas narradas na exordial, a certeza que deve permear o convencimento do julgador não se formou, nesse tocante, em sua inteireza e, por conseguinte, in dúbio pro reo. 53. Observa-se, portanto, que o conjunto probatório carreado aos autos é suficiente a atribuir a autoria delitiva ao acusado JEAN CARLOS COELHO por apenas um crime de furto qualificado, exatamente aquele pertinente ao pagamento da operação comercial simulada feita por meio do sítio do Mercado Livre, não se podendo, por outro lado, reconhecer a prática, em continuidade delitiva, dos outros três furtos qualificados narrados na denúncia, pertinentes às três transferências bancárias ilícitas. 54. Em casos como o ora em apreço em que se apura a responsabilidade criminal pelo cometimento do crime de furto qualificado, é essencial analisar, além da tipicidade objetiva da conduta, também a sua tipicidade subjetiva. 55. O delito em foco só é punido se cometido mediante dolo. Por conseguinte, deve-se apreciar se houve dolo na conduta do réu. 56. A caracterização do dolo, no que concerne ao delito do art. 155, § 4º, II, do Código Penal, dá-se quando o agente, voluntariamente, subtrai coisa alheia móvel, sabendo ser alheia e tendo conhecimento da fraude empregada. 148


57. No caso em apreço, há prova suficiente do dolo do agente no tocante à simulação de operação comercial por meio do Mercado Livre, o qual possuía esclarecimentos suficientes para saber da ilicitude inerente à conduta perpetrada e, pelas razões já aduzidas, admitir o contrário seria atentar contra a lógica e inteligência intrínseca a qualquer pessoa em condições normais. 58. Como se não bastasse, importa dizer que o réu JEAN CARLOS COELHO comercializava mercadorias “sem” nota fiscal, vindos do Paraguai, o que sugere um perfil voltado a atividades ilícitas. 59. Conforme realçado pelo MPF, registre-se também a curiosa dedicação com que o réu se empenhava em vender produtos via internet, uma vez que afirmou que na época dos fatos era sócio de mercado (com sua mãe), cujo faturamento girava em torno de 300 a 400 mil reais, gerando-lhe renda mensal de 7 a 8 mil reais. E mais, também auferia renda pelo aluguel de dois caminhões que possuía, em torno de 3 a 4 mil reais por mês. Tudo isso aos 25 anos de idade e sem qualquer comprovação de atividade lícita que justifique seus bens e renda. (Grifei)

Com efeito, a acusação não se desincumbiu do ônus probatório de que trata o artigo 156 do Código de Processo Penal no tocante à autoria das três transferências bancárias, que ocorreram nos dia 14 e 15 de dezembro de 2015, via internet banking da Caixa Econômica Federal, não podendo a condenação criminal basear-se em presunção ou dados factuais insuficientes, ou, conforme assinalou o julgado, “a acusação não conseguiu identificar o destino do numerário fraudulentamente transferido a débito da conta lesada e mediante percurso por meio das contas de passagem já mencionadas. Nem que o fosse para identificar como foram sacados ou se delas foram transferidos para outras contas, de modo a permitir ao julgador antever, nesse dado (faltante!) alguma relação com o ora réu”. 2) APELAÇÃO DO RÉU: O conjunto probatório produzido nos autos, mormente o documental e minudentemente examinado na sentença, revela-se conclusivo quanto à autoria do delito de furto qualificado que ocorreu no dia 14 de dezembro de 2015, alusivo ao débito efetuado na conta bancária de Frederico Xavier Ramos mantida na 149


Caixa Econômica Federal, para pagamento de boleto de compra efetuada via internet no denominado Mercado Livre. Concernente à dosimetria, a sentença fixou-a, nos seguintes termos: 1ª FASE: DOSAGEM DA PENA BASE A - Culpabilidade 66. Como circunstância judicial, a culpabilidade deve ser analisada em sentido lato, entendida como a reprovação social que o crime e o autor merecem. Diferente, pois, da culpabilidade elemento constitutivo do delito, cujos requisitos são a imputabilidade do agente, a potencial consciência da ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. 67. Nesta fase da dosimetria, cabe ao juiz avaliar, não mais a presença dos pressupostos acima declinados, sem os quais não há crime, mas o grau de censura social que incide sobre o agente e sobre o fato cometido. Assim é que, nesta oportunidade, classifica-se a culpabilidade entre intensa, média ou reduzida. 68. No caso sub examine, observo que o acusado possuía farta experiência em operações por meio do Mercado Livre e justamente isso o possibilitou simular a operação comercial que viabilizou o pagamento de boleto bancário fraudulento, a débito da conta bancária do cliente lesado, portanto atuando ele com culpabilidade considerável. Sobre sua conduta, portanto, entendo que o grau de reprovação é acima do mediano. B - Antecedentes, Conduta Social e Personalidade 69. Em obediência ao princípio constitucional da presunção de inocência e em anuência ao entendimento esposado por boa parte da doutrina e reiteradamente assentado na jurisprudência, inclusive do STF e STJ, entendo como maus antecedentes – a serem sopesados negativamente em desfavor do réu – apenas os registros em folhas de antecedentes criminais que representem condenação com trânsito em julgado e que, adiante, não possam ser acatadas como agravante genérica da reincidência. 70. Dos autos consta que o réu respondeu ao procedimento do Juizado Especial Criminal de nº 2002.00939763, na Comarca de Goiânia/GO, tendo o feito sido arquivado em 15/06/2007, em face da extinção da punibilidade pela prescrição. Assim, nada a valorar.

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71. A conduta social, por sua vez, não se refere a fatos criminosos, devendo o magistrado perquirir, diante das provas coligidas e se assim for possível, o papel assumido por ele na sociedade, a forma de se portar no ambiente familiar, profissional, perante seus vizinhos, conhecidos e amigos, para que se possa concluir se ele se comporta ou não de acordo com as normas sociais que exigem uma conduta harmônica e baseada em respeito mútuo. 72. In casu, poucos elementos foram coletados em relação a conduta social do acusado, não podendo esta ser aferida negativamente. 73. Do mesmo modo, no que tange à personalidade, como já antecipado, o réu JEAN CARLOS COELHO comercializava mercadorias “sem” nota fiscal, vindos do Paraguai, o que sugere um perfil voltado a atividades ilícitas, permitindo uma análise negativa no conjunto de suas características psicológicas. C - Motivos, Circunstâncias e Consequências do Crime 74. Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa, o fundamento do crime perpetrado, sua mola propulsora. 75. Sob este enfoque, a motivação foi a ganância, que é inerente à própria tipicidade dos fatos em questão. 76. No que concerne às circunstâncias do delito, por sua vez, são aquelas relacionadas ao cometimento do fato havido por delituoso, ou seja, são peculiaridades, particularidades, detalhes e/ou nuanças observadas ao derredor da conduta, que podem ser sopesadas ou não em desfavor daquele que age. In casu, nada de extraordinário é digno de nota. 77. De seu turno, é cediço que a prática de qualquer crime traz consequências já implícitas à violação da norma, que, inclusive, podem compor o próprio tipo penal infringido. Não obstante, como circunstâncias judiciais, não serão essas as consequências analisadas e sopesadas, mas sim aquelas que extrapolam o cometimento padrão do ilícito em questão. 78. Em suma, como bem alertou NUCCI, apenas “o mal causado pelo crime, que transcende o resultado típico, é a consequência a ser considerada para a fixação da penal”. 79. In casu, as consequências do crime são aquelas já implícitas ao tipo penal violado, devendo-se salientar que o prejuízo da CEF pela conduta do réu não foi de tão alta monta (R$ 2.264,75), embora também não tenha sido irrisório, além do que não há notícias de que tenha havido recupe151


ração ou ressarcimento dos prejuízos, devendo tais fatos ser ponderados negativamente para fixação da pena-base. D - Comportamento da vítima 80. Não há que se aludir à Caixa Econômica Federal ou ao seu cliente qualquer circunstância a eles atribuídos que pudessem ter concorrido para a prática do delito em apreço. Por esse motivo, não há como imputar-lhes qualquer colaboração para as condutas criminosas em tela. * Aferição da Pena-base 81. O art. 155, § 4º, II, do Código Penal prevê a reprimenda de reclusão de 2 (dois) a 8 (oito) anos, além de multa. 82. Considerando as circunstâncias judiciais já ponderadas, fixo a pena-base privativa de liberdade um pouco acima do mínimo legal, ou seja, 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão. 2ª FASE: CIRCUNSTÂNCIAS ATENUANTES E AGRAVANTES 83. Ausentes quaisquer causas atenuantes ou agravantes. 3ª FASE: CAUSAS DE DIMINUIÇÃO E DE AUMENTO DA PENA 84. Também não vislumbro causas de diminuição ou aumento de pena, pois a própria continuidade delitiva foi acima afastada. * Pena privativa de liberdade definitiva 85. Assim sendo, a pena privativa de liberdade definitiva ora imposta ao condenado é de 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, conforme disciplina o art. 33, § 2º, c, do Código Penal. 3.2 - APLICAÇÃO DA PENA DE MULTA (SISTEMA BIFÁSICO) 86. A fixação da pena de multa deve obedecer ao sistema bifásico: primeiramente, fixa-se a quantidade de dias-multa, entre 10 e 360 (art. 49, CP), considerando-se as circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal, as circunstâncias atenuantes e agravantes genéricas (circunstâncias legais), previstas nos arts. 61, 62, 65 e 66 do referido diploma legal, bem como as causas gerais e especiais de aumento e diminuição de pena. Após, tendo em vista a condição econômica do condenado, é estabelecido o valor de cada dia-multa, que não pode ser inferior a um trigésimo do salário mínimo vigente no tempo do fato delituoso nem superior a cinco vezes esse salário. 152


1ª FASE: QUANTIDADE DE DIAS-MULTA 87. Tendo em vista o nível de gravidade do delito cometido no presente caso, as circunstâncias judiciais e legais acima já ponderadas para fixação da pena privativa de liberdade, bem como levando em consideração os limites mínimo e máximo previstos no art. 49 do Código Penal, fixo para o réu JEAN CARLOS COELHO a obrigação de pagar 90 (noventa) dias-multa. 2ª FASE: VALOR DOS DIAS-MULTA 88. Levando em conta a atual situação econômica do réu (renda mensal em torno de dez mil reais, conforme declarado pelo acusado no interrogatório – mídia digital à fl.159), determino como valor do dia-multa, dentre os limites de um trigésimo do salário mínimo vigente no tempo do fato delituoso até cinco vezes esse salário (§ 1º do art. 49 do CPB), o de 1/5 (um quinto) do salário mínimo. * Pena de Multa definitiva 89. Com essa operação, portanto, a multa a ser paga pelo sentenciado é de 18 (dezoito) salários mínimos vigentes na época da consumação do delito (dezembro/2005), valor este sobre o qual deve incidir a correção monetária oficial até a data do efetivo pagamento (art. 49, § 2º, do CP). 3.3 - SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE (POSSIBILIDADE) 90. Levando em conta que a pena privativa de liberdade aplicada não supera o limite objetivo previsto no art. 44, I, do CP (de quatro anos), tampouco é o acusado reincidente em crime doloso (art. 44, II, do CP), estão preenchidos os requisitos objetivos para a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos. 91. Da mesma forma, os requisitos subjetivos previstos no art. 44, III, do Código Penal, como já foi acima demonstrado, também são favoráveis ao acusado, recomendando a substituição da pena privativa de liberdade aplicada por penas restritivas de direitos. 92. Com efeito, a substituição em comento, no caso em tela, atende aos princípios da suficiência e da adequação, representando resposta efetiva do Estado para repreender a conduta criminosa perpetrada. 93. Assim, substituo a pena privativa de liberdade imposta por duas restritivas de direitos (Art. 44, § 2º, do CP). 94. A primeira pena consiste na prestação de serviços a entidade pública (Art. 43, IV, do CPB), mediante atribuição 153


de tarefas gratuitas ao sentenciado, conforme suas aptidões, e que serão cumpridas à razão de uma hora de tarefa por dia de condenação (Art. 46, § 3º, do CPB), consoante vier a ser fixado pelo Juízo da Execução, de modo que a pena restritiva de direito tenha a mesma duração da pena privativa de liberdade substituída (Art. 55 do CPB). 95. A título de segunda pena substitutiva, de prestação pecuniária, fixo, nos termos do art. 45, § 2º, do CP, a obrigação mensal de o réu depositar, na conta corrente aberta pela 13ª Vara Federal, privativa para execuções penais, na Caixa Econômica Federal (Agência 1029, Operação 005, Conta 62242-9) – nos termos de Ordem de Serviço Conjunta deste e daquele Juízo (OS nº 04/2013), da Resolução/CNJ nº 154/2012, e do Provimento nº 01/2013, da Corregedoria Regional do Tribunal Regional Federal da 5ª Região –, o valor de R$ 300,00 (trezentos reais), durante todo o período de duração da pena substituída, obviamente sem prejuízo do pagamento da pena principal de multa acima fixada. A comprovação do depósito deverá ser feito perante a 13ª Vara, enquanto ainda tiver a competência para a execução penal.

Na hipótese, a dosimetria revela-se adequada e proporcional, haja vista que a análise das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal é consentânea com os elementos constantes nos autos, porquanto a pena-base foi fixada em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses, acima do mínimo legal, em razão da valoração negativa quanto à culpabilidade, a personalidade e as circunstâncias do crime. À míngua de atenuantes, agravantes, causas de diminuição ou causas de aumento de pena, a pena privativa de liberdade definitiva foi fixada em 2 (dois) anos e 9 (nove) meses de reclusão, a ser cumprida inicialmente em regime aberto. Em decorrência da pena privativa de liberdade não superar 4 (quatro) anos (art. 44, I, do Código Penal) e o réu não ser reincidente em crime doloso (art. 44, II, do Código Penal), houve a substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos (art. 44, § 2º, do Código Penal), consistentes em prestação de serviços à entidade pública e prestação pecuniária.

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A pena de multa foi devidamente fundamentada e proporcional à pena privativa de liberdade, sendo o valor do dia-multa fixado em 1/5 (um quinto) do salário mínimo, considerando a condição financeira do réu – “Levando em conta a atual situação econômica do réu (renda mensal em torno de dez mil reais, conforme declarado pelo acusado no interrogatório – mídia digital à fl. 159)” (excerto do dispositivo da sentença). Com efeito, a prestação pecuniária, a título de pena restritiva de direitos, no montante de R$ 300,00 ao mês, durante toda a pena privativa de liberdade, foi estabelecida segundo os parâmetros do artigo 45 do Código Penal, que não pode ser inferior a 1 (um) salário mínimo nem superior a 360 (trezentos e sessenta) salários mínimos. Isto posto, nego provimento às apelações. Apelante

Postulação

Ministério Público Fe- “seja condenado o réu deral Jean CARLOS Coelho pela prática de quatro delitos tipificados no art. 155, § 4º, II, do Código Penal, na forma do artigo 71 do Código Penal.”

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Julgamento Desprovimento da apelação A acusação não se desincumbiu do ônus probatório de que trata o artigo 156 do Código de Processo Penal no tocante à autoria das três transferências bancárias, que ocorreram nos dia 14 e 15 de dezembro de 2015, via internet banking da Caixa Econômica Federal, não podendo a condenação criminal basear-se em presunção ou elementos factuais insuficientes.


Jean Carlos Coelho

“absolvendo o indiciado JEAN CARLOS COELHO, da imputação endereçada a ele. Caso não seja este o entendimento de Vossas Excelências, requer seja, reformado o decisum aplicando-se o mínimo insculpido ao delito tipificado, condenado o recorrente a responder por só uma pena restritiva de direito, e não duas, bem como pugna, pela reforma acerca do quantum inerente à condenação aos dias-multa, e também, a prestação pecuniária mensal, que caso seja determinado este de cumprimento,que o mesmo deva ser aplicado em valores mínimos, posto que, o acusado após sua oitiva, sofrerá inúmeros prejuízos comerciais, dilapidando os seus proventos mensais para cumprir com aqueles a quem devia, encontrando-se, desde então, em puro estado de insolvência civil, não possuindo mais condições de prover com seu próprio sustento e de sua família.”

É o meu voto. 156

Desprovimento da apelação Provas suficientes de autoria. Fixação da pena consentânea com os elementos dos autos. A prestação pecuniária foi estabelecida segundo os parâmetros do artigo 45 do Código Penal.


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006366-28.2006.4.05.8000-AL (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Apelantes: COMPANHIA DE SANEAMENTO DE ALAGOAS CASAL E OUTRO Apelados: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS E RENOVÁVEIS IBAMA E OUTROS Advs./Procs.: DRS. ALBERTO NONO DE CARVALHO LIMA FILHO E OUTRO (APTES.) E ALBERTO NONO DE CAR VALHO LIMA FILHO E OUTRO (APDOS.) EMENTA: CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E AMBIENTAL. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LANÇAMENTO DE ESGOTO IN NATURA NA ORLA MARÍTIMA DE MACEIÓ. LEGITIMIDADE ATIVA DA UNIÃO. DANOS AO BEM PÚBLICO DA UNIÃO. INÉPCIA DA INICIAL. INOCORRÊNCIA. SENTENÇA EXTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. RESPONSABILIDADE POR DANOS AMBIENTAIS. ART. 225, § 3º, DA CF/88. CASAL. DEVER DE CONSTRUIR E EXPLORAR SERVIÇOS DE ABASTECIMENTO DE ÁGUA E SANEAMENTO. RESPONSABILIDADE PELAS LIGAÇÕES IRREGULARES. CONFISSÃO. AUTO DE INFRAÇÃO. CULPA DE TERCEIRO. NÃO OCORRÊNCIA. IMPACTOS AMBIENTAIS. LAUDO Nº 587/2005 - INC. QUANTIFICAÇÃO DOS DANOS. LIQUIDAÇÃO. AUSÊNCIA DE ATUAÇÃO CONTRÁRIA À BOA-FÉ. NEXO CAUSAL ENTRE CONDUTA DO MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL E DANOS AMBIENTAIS. OMISSÃO NO DEVER DE FISCALIZAR. APLICAÇÃO DE PERCENTUAL MÍNIMO DAS RECEITAS NO MUNICÍPIO. DISCUSSÃO EM AÇÃO PRÓPRIA. TUTELA ANTECIPADA. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS. FUNDAMENTAÇÃO. INTERPRETAÇÃO LÓGICO-SISTEMÁTICA DO PEDIDO. PRECEDENTE DO STJ. RESPONSABILIDADE DO 157


ESTADO DE ALAGOAS. LIMITES DA RESPONSABILIDADE DEFINIDOS NA EXECUÇÃO. PROCESSO NÃO LIMITADO ÀS LÍNGUAS NEGRAS. EFETIVIDADE DA DECISÃO JUDICIAL. OBRIGAÇÃO DE REPARAR ÁREAS AFETADAS PELA AÇÃO DE PARTICULARES. CONHECIMENTO DO FATO PELA CASAL. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. PRECEDENTE DO STF. NÃO PROVIMENTO. 1. Apelações interpostas por COMPANHIA DE SANEAMENTO DE ALAGOAS - CASAL, pelo ESTADO DE ALAGOAS e pelo MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, em face da sentença do Juízo da 1ª Vara Federal de Alagoas que, nos autos da presente ação civil pública, julgou procedentes os pedidos, antecipando a tutela jurisdicional, no seguinte sentido: “a) DETERMINO que os réus, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal, imediatamente: (1º) apresentem um plano detalhado, acompanhado de todos os estudos ambientais necessários, de ampliação do sistema de esgotamento sanitário de Maceió, indicando, pormenorizadamente, o tempo para cumprimento de cada etapa, bem como das obras já realizadas;/ (2º) iniciem um projeto de recuperação das áreas afetas pelos efluentes já lançados, inclusive se necessário for, com a destinação de recursos nas respectivas propostas orçamentárias para o ano de 2017; As duas tutelas mandamentais devem ser cumpridas imediatamente, sem prejuízo da subsequente ‘execução provisória’ do julgado, em autos apartados a serem ajuizadas pelo MPF, sob pena de: I - proibição de emissão de novas licenças para construir no perímetro urbano de Maceió em desfavor do ente municipal local; II fixação de multa-diária em desfavor de qualquer dos réus infratores; III - responsabilização dos agentes públicos (Secretários de Estado e do Município, assim como Diretores de Estatais) 158


perante o Ministério Público e Tribunal de contas, por ato de improbidade e dano ao erário./ b) CONDENO A CASAL a ressarcir os danos decorrentes das ligações temporárias da rede coletora de esgoto dos condomínios “Costa Brava”, “Costa do Marfim” e “Parque Jatiúca” nas galerias de águas pluviais, em favor do ‘fundo de reconstituição dos bens lesados’ de que trata o art. 13 da Lei 7.347/1985, devendo a quantificação do débito ser apurada em sede de liquidação de sentença, a ser realizada na modalidade ‘por arbitramento’”. 2. A ACP foi ajuizada pelo MPF, visando à cessação “da poluição causada pelo lançamento de esgoto in natura na orla marítima de Maceió”, buscando impedir “o agravamento dos danos aos ecossistemas costeiros e à saúde da população local”. 3. A CASAL apontou a ilegitimidade ativa da UNIÃO, defendendo que a parte deve figurar no polo passivo, pois, “para cumprimento da determinação judicial de apresentação de plano detalhado para ampliação do sistema sanitário de Maceió, bem como para a realização de projeto a fim de recuperar as áreas afetadas, faz-se necessária a aplicação de diversos recursos, dentre eles recursos federais”. Também não merece prosperar tal alegação. De início, cumpre salientar que o custeio indireto pela UNIÃO da determinação judicial não é causa para fundamentar o acolhimento da preliminar. Como bem ressaltou o MPF em suas contrarrazões, “não é pelo simples fato de haver repartição das receitas tributárias, que a União deve ser demandada, sob pena de, em todas as demandas existente no tocante à temáticas de implementação de políticas públicas municipais e estaduais, União ter de figurar como ré”. Ademais, restaram devidamente demonstrados os danos ao bem público da UNIÃO, qual seja, ao mar territorial, por conduta da CASAL. 159


4. Em sua apelação, o MUNICÍPIO DE MACEIÓ/ AL aduziu, preliminarmente, inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir, já que os pedidos são, explicitamente, direcionados à CASAL. Alegou, ainda, que os pedidos são genéricos. Analisando os autos, vê-se que, inicialmente, a ação foi intentada apenas em face da CASAL. Em sede de apelação, este eg. Tribunal reconheceu a existência de litisconsórcio necessário entre a CASAL, o ESTADO DE ALAGOAS e o MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, sob o risco de inefetividade da medida jurisdicional. Assim, não foram imputados novos fatos à edilidade, sendo reconhecida a responsabilidade solidária pelos anteriormente relatados. Outrossim, os pedidos não são genéricos, inexistindo qualquer impossibilidade de aplicação ao Município, especialmente os que se referem à apresentação de plano detalhado e ao início da recuperação das áreas afetadas pelos efluentes já lançados. 5. Na petição inicial, a Procuradoria de Alagoas requereu a condenação da CASAL ao ressarcimento dos danos ambientais nos seguintes termos: “e.3) o ressarcimento, em espécie, dos danos ambientais irreversíveis, a serem mensurados por perícia. Este ressarcimento, inclusive, deverá comportar o dano ao meio ambiente causado durante todo o tempo de lançamentos de esgotos sanitários na orla de Maceió, inclusive os danos que vierem a surgir no decorrer desta ação civil pública. [...]”. Como se vê, o pedido constou expressamente da exordial. Nos termos do art. 322 do CPC/2015, o pedido deve ser interpretado considerando o conjunto da postulação, observando a boa-fé. Assim, tem-se que a sentença vai ao encontro do que restou devidamente postulado. 6. A Constituição Federal de 1988 assegura a todos, no caput de seu art. 225, o direito de usufruir 160


de um meio ambiente equilibrado. Fixa, ainda, em seu § 3º, a responsabilização do infrator por dano ambiental, afirmando que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. 7. Afirma a CASAL que apenas é a gestora da rede de esgoto, não sendo sua responsabilidade financiar obras de expansão dos sistemas existentes e a sua execução. Ocorre, todavia, que, nos termos do art. 1º da Lei nº 2.491/62, que autorizou o Poder Executivo de Alagoas a organizar a sociedade de economia mista, é dever da CASAL construir e explorar os serviços de abastecimento de água e saneamento dos centros populacionais do Estado. 8. Alegou a recorrente, também, que inexistem provas que imputem a ela a responsabilidade pelas ligações clandestinas de esgoto. Contudo, tal fato foi devidamente confirmado pela apelante, conforme consta na ata de reunião, realizada no dia 21/08/2006 (Id. nº 3363694, fls. 19/21). O fato também for confirmado pela CASAL, em sua contestação, nos seguintes termos: “Para evitar tal refluxo e expor a população a uma epidemia generalizada de doenças e a proliferação de animais nocivos à saúde humana, tais como ratos e barata, é que a CASAL lançou mão, em caráter extremamente urgente e atípico, e por lapso de tempo de 3 (três) meses, face a época de chuvas além do limite normal, de fazer um ligação da rede de esgoto na rede de águas pluviais de Maceió, pertencente ao município, rede esta que deságua diretamente no Riacho Salgadinho, este sim, desaguando no mar”. Como prova da conduta da Companhia aponta-se, ainda, o Auto de Infração nº 483/2006 lavrado pela Secretaria Municipal 161


de Proteção ao Meio Ambiente de Maceió (Id. nº 3363659, fl. 16). No documento, consta a seguinte irregularidade: “lançamento de dejetos na praia de Jatiúca, poluindo, além da praia de Jatiúca, outras praias da Orla Marítima de Maceió”. 9. Afasta-se a tese de excludente de responsabilidade por fato de terceiro, caso fortuito ou força maior, já que os danos se deram pela conduta da CASAL. 10. Os danos ambientais ficaram demonstrados através do Laudo nº 587/05 - INC, realizado pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal (Id’s. nºs 3363561 e 3363562), consoante trecho que se destaca: “Os resultados dos exames de local e laboratoriais indicam a contaminação recente por esgotos domésticos dos corpos d’água analisados que desembocam no mar. [...] As consequências sob o aspecto ambiental são de alterações do ecossistema em questão, porque o resíduo orgânico (lixo e/ou esgoto) age como um fertilizante, contribuindo para uma explosão no crescimento do fitoplâncton. A vida microscópica cresce de forma desordenada, prejudicando outros micro-organismos marinhos, que ficam sem espaço, sem oxigênio e sem nutrientes, o que também afetará diretamente a fauna marinha chegando a matança da mesma. [...] A poluição das águas afeta diretamente a saúde da população, pois esses rejeitos constatados carregam em si e para o oceano diversos organismos nocivos (patogênicos) como bactérias, vírus, fungos, larvas de parasitas e etc., podendo provocar doenças como hepatite, micose, otite, conjuntivite e alergias. Crianças, idosos e pessoas com baixa resistência são as mais suscetíveis a desenvolverem doenças ou infecções após terem entrado em conato com águas contaminadas. Além disso, vale lembrar que atividades econômicas, como a pesca, ocor162


rem nestes locais, conforme constatado pelos Peritos durante o exame de local, o que também prejudicará a saúde pública quando do consumo de peixes extraídos destas águas contaminadas”. A análise foi realizada entre os dias 22 e 29 de setembro de 2004, nos pontos de despejo de efluentes na orla marítima da cidade de Maceió/ AL, no trecho com extensão de aproximadamente 40 km (quarenta quilômetros), desde a praia da Sauaçui até o Pontal da Barra. 11. A quantificação dos danos, por certo, há de ser definida em sede de liquidação. Apenas nessa fase é possível definir, com certeza, a dimensão dos danos reversíveis e irreversíveis, não podendo a responsabilidade pelos impactos reversíveis ser excluída, antes mesmo de qualquer análise, apenas por terem transcorrido mais de 10 (dez) anos, sob pena de legitimar a conduta ilícita da empresa recorrente. 12. O argumento de inexistência de aporte financeiro não pode ser utilizado para excluir a responsabilidade da CASAL, quando a empresa, comprovadamente, atuou de forma ilícita, causando danos ambientais. O reconhecimento da reserva do possível quanto à companhia não afasta a condenação em solidariedade com os demais réus, vez que é a CASAL quem executará os projetos de ampliação e de recuperação. Apenas na fase executiva é que haverá separação da responsabilidade de cada réu solidariamente responsável. 13. Analisando as razões recursais da CASAL, tem-se que a apelante não atuou de forma contrária à boa-fé, inexistindo conduta que enseje fixação de multa por litigância de má-fé, nos termos alegados pelo MPF, em suas contrarrazões. 14. O MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, por sua vez, alega que inexiste nexo causal entre a sua atuação e os danos ambientais. Tal irresignação não merece prosperar. Restou claro que o recorrente 163


foi omisso, no seu dever de fiscalizar a prestação de serviço, estando, dessa forma, demonstrada a relação fática entre os danos e a conduta da Edilidade. 15. Nos termos do art. 23, IX, da CF/88, é dever comum dos entes da federação, entre eles, o Município, a promoção de programas de saneamento básico. Assim, a existência de contrato de concessão de serviço público com a CASAL não elide a responsabilidade municipal, no que concerne à prestação do serviço público de claro interesse local. Soma-se a isso que a solidariedade foi reconhecida neste eg. Tribunal, justamente, para assegurar a efetividade das medidas judiciais. 16. Restando devidamente reconhecido que a Edilidade adotou conduta omissiva quanto ao seu dever de fiscalização, afasta-se a alegação da excludente de ilicitude por fato de terceiro. Ora, ainda que conhecida a desestruturação da CASAL, optou o Município pela inércia que se perpetuou ao longo dos anos. Nesse sentido, a atuação em conjunto com o MPF, posterior aos anos de omissão, não tem o condão de excluir a responsabilidade municipal, quanto aos danos ambientais. 17. A irreversibilidade da elaboração do plano e do projeto de recuperação não pode fundamentar a revogação da tutela em face do Município apelante, pois há risco de irreversibilidade, no que concerne aos danos ambientais. A questão da irreversibilidade da medida deve ser analisada através das lentes da razoabilidade e da proporcionalidade, impedindo que o art. 300, § 3º, do CPC/2015, seja um limite intransponível à concessão da tutela, ferindo de morte o direito que se busca tutelar. No caso concreto, a situação é ainda mais delicada, pois envolve o direito constitucionalmente garantido a um meio ambiente saudável. Dos autos, constata-se o 164


perigo de dano ao resultado útil do processo, advindo do agravamento dos danos ambientais, e a probabilidade do direito, já que demonstrada a atuação dos apelantes em sentido contrário à legislação. É correta a previsão de multa diária, no caso de descumprimento das determinações jurisdicionais, tendo em vista o direito tutelado e a solidariedade reconhecida. Ainda quanto à tutela, a decisão se encontra devidamente fundamentada nos pontos 24, 25 e 26 da sentença. 18. Não merece reparos o entendimento do juízo, quanto à aplicação da cláusula da reserva do possível à CASAL. A Companhia comprovou, através de planilhas anexadas aos autos, a situação deficitária na qual se encontra, restando claro que inexistem “recursos para executar obras de ampliação da rede de esgoto de Maceió”. Tal fato, como bem pontuado pelo magistrado, configura hipótese em que o “Judiciário está proibido de imiscuir-se em questões de políticas públicas”. 19. O dever de a CASAL aplicar, no próprio MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, percentual mínimo das receitas provenientes das tarifas ali arrecadadas não integra a lide, já sendo tratada em ação própria, como informou a municipalidade recorrente. 20. Apesar de não constar expressamente do capítulo VII da Petição Inicial, tem-se que não há qualquer ilegalidade na conduta do magistrado, ao determinar a apresentação do plano de ampliação e do projeto de recuperação em sede de tutela. O Superior Tribunal de Justiça entende que, nesse caso, não há ofensa ao princípio da adstrição ao pedido, pois o juiz pode realizar uma interpretação lógico-sistemática do que foi pedido pela parte autora, mesmo que não haja expressa formulação. In casu, o pedido se encontra expresso, apenas não está inserido no capítulo que discorre sobre a tutela antecipada. Precedente do STJ. 165


21. A responsabilidade direta do ESTADO DE ALAGOAS é clara, tendo em vista a vinculação da CASAL ao ente estadual. Ademais, é dever comum dos entes da federação a promoção de programas de saneamento básico, conforme previsão do art. 23, IX, da CF/88. Tal responsabilidade não fica limitada à conduta da concessionária apenas no caso de execução de políticas públicas, pois o acórdão que anulou a sentença anterior e determinou a integração do polo passivo é claro, ao afirmar que, “quando o patrimônio da sociedade de economia mista for insuficiente ao adimplemento dos seus débitos, por eles deverá responder a pessoa política controladora”. 22. Os limites da responsabilidade de cada um dos réus condenados serão definidos na fase de execução, como deixou claro o juízo dirigente, ao julgar os embargos de declaração do recorrente, concluindo que os três réus, CASAL, ESTADO DE ALAGOAS e MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, deverão promover, de maneira conjunta, as ações impostas, já que ambos são responsáveis pelos danos. 23. O processo não se limita apenas às línguas negras. O MPF é claro, quando pugna pela apresentação de um plano detalhado, acompanhado de estudos ambientais necessários de ampliação do sistema de esgoto sanitário, conforme o pedido ‘e.1’. A tutela ambiental não seria efetiva se não se discutisse a ampliação do sistema de esgoto. A CASAL, em sua contestação, admite que o lançamento de esgoto in natura na rede de águas pluviais de Maceió se deu como forma de impedir refluxo e expor a população às consequências nefastas do contato com o esgoto. Seus representantes, em reunião realizada (Id. nº 3363694, fls. 19/21), admitem que a ligação foi necessária, pois “a tubulação é antiga e que foi construída a mais ou menos 40 anos”, estando, ainda, danificada pela ação do tempo e da 166


corrosão “ocorrida em razão de reação química do gás sulfídrico e H2S com H2O, o que gera o ácido sulfúrico”. Das informações, tem-se que é inviável cessar os danos ambientais sem que haja a expansão da rede de esgoto, já que o atual sistema não consegue suprir a demanda existente no Município. Entender em sentido contrário violaria, inclusive, o princípio da prevenção, que rege a tutela ambiental, tendo em vista a irreversibilidade de determinados danos. 24. O dever de recuperar as áreas afetadas abrange aquelas atingidas pela conduta ilegal da CASAL e as clandestinas, devendo o MPF e o IBAMA, quanto a estas últimas, demonstrar, na fase executiva, onde estão localizadas. O fato de ter sido afastada a responsabilidade pela omissão na fiscalização não afasta o dever de recuperar as áreas afetadas pelas ligações clandestinas, quando as ligações eram de conhecimento da CASAL. 25. Inexiste violação do princípio da separação de poderes. Entende o Supremo Tribunal Federal - STF que o Judiciário pode, excepcionalmente, atuar na execução de políticas públicas, quando constatadas omissões dos órgãos estatais competentes, comprometendo a eficácia dos direitos individuais ou coletivos. Precedente. STF. 26. Apelações não providas. ACÓRDÃO Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 20 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 26 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Relator 167


RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO: Trata-se de apelações interpostas por COMPANHIA DE SANEAMENTO DE ALAGOAS - CASAL, pelo ESTADO DE ALAGOAS e pelo MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL em face da sentença do Juízo da 1ª Vara Federal de Alagoas que, nos autos da presente ação civil pública, julgou procedentes os pedidos, antecipando a tutela jurisdicional, ao tempo que: a) DETERMINO que os réus, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal, imediatamente: (1º) apresentem um plano detalhado, acompanhado de todos os estudos ambientais necessários, de ampliação do sistema de esgotamento sanitário de Maceió, indicando, pormenorizadamente, o tempo para cumprimento de cada etapa, bem como das obras já realizadas; (2º) iniciem um projeto de recuperação das áreas afetas pelos efluentes já lançados, inclusive se necessário for, com a destinação de recursos nas respectivas propostas orçamentárias para o ano de 2017; As duas tutelas mandamentais devem ser cumpridas imediatamente, sem prejuízo da subsequente “execução provisória” do julgado, em autos apartados a serem ajuizadas pelo MPF, sob pena de: I - proibição de emissão de novas licenças para construir no perímetro urbano de Maceió em desfavor do ente municipal local; II - fixação de multa-diária em desfavor de qualquer dos réus infratores; III - responsabilização dos agentes públicos (Secretários de Estado e do Município, assim como Diretores de Estatais) perante o Ministério Público e Tribunal de contas, por ato de improbidade e dano ao erário. b) CONDENO A CASAL a ressarcir os danos decorrentes das ligações temporárias da rede coletora de esgoto dos condomínios “Costa Brava”, “Costa do Marfim” e “Parque Jatiúca” nas galerias de águas pluviais, em favor do “fundo 168


de reconstituição dos bens lesados” de que trata o art. 13 da Lei 7.347/1985, devendo a quantificação do débito ser apurada em sede de liquidação de sentença, a ser realizada na modalidade “por arbitramento”.

A ACP foi ajuizada pelo MPF, visando à cessação “da poluição causada pelo lançamento de esgoto in natura na orla marítima de Maceió”, buscando impedir “o agravamento dos danos aos ecossistemas costeiros e à saúde da população local”. Em suas razões de apelação, alega a CASAL, preliminarmente: a) a legitimidade da União, para figurar no polo passivo da demanda, vez que, “para cumprimento da determinação judicial de apresentação de plano detalhado para ampliação do sistema sanitário de Maceió, bem como para a realização de projeto a fim de recuperar as áreas afetadas, faz-se necessária a aplicação de diversos recursos, dentre eles recursos federais”. Explica, também, que é competência comum da União atuar na promoção de construção de moradias e na melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico. Assim, requer que a União passe do polo ativo para o passivo da lide; b) inexiste pedido de ressarcimento por danos ambientais reversíveis na exordial e, por isso, deve ser reconhecida a nulidade processual. No mérito, aduz que: a) a apelante é apenas gestora da rede de esgoto, não sendo sua responsabilidade proceder ao financiamento de obras de expansão dos sistemas existente e a sua execução; b) não há aporte financeiro suficiente para a realização da ampliação do sistema sanitário determinado pelo Juízo a quo; c) inexistem provas que imputem à recorrente a responsabilidade pelas ligações clandestinas de esgoto nas galerias pluviais; d) havendo manutenção da condenação da recuperação das áreas afetadas, que seja a demandada afastada dessa obrigação por ausência de recursos para a execução; e) não consta dos autos qualquer prova da existência de impacto ambiental; f) a responsabilidade civil da apelante deve ser excluída, tendo em vista a constatação de fato de terceiro, qual seja, a ausência de repasse de recursos necessários ao aperfeiçoamento da rede coletora de esgotos; g) o dano reversível ocorreu há mais de 10 (dez) anos, sendo impossível aferir a dimensão de tais impactos em sede de liquidação, vez que não foram juntadas provas ao autos em momento oportuno. 169


O MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, preliminarmente, aponta a inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir, bem como que os pedidos aduzidos em Juízo não são certos ou determinados. No mérito, argumenta que: a) a Edilidade não agiu de forma comissiva ou omissiva, para a ocorrência dos danos ambientais, inexistindo nexo causal; b) é a CASAL, concessionária, que deve arcar com os custos da condenação e, nos casos de insuficiência de recursos, é o Estado quem devem fazer o aporte financeiro; c) deve-se excluir a responsabilidade do ente municipal por ter sido o fato causado por terceiro; d) a reserva do possível não pode ser aplicada à CASAL, vez que a sociedade de economia mista recebe “vultosa quantia mensal proveniente das tarifas arrecadas no município de Maceió”; e) os requisitos para deferimento da tutela não foram preenchidos, quanto ao apelante, impondo-se somente à concessionária a referida obrigação. Já o ESTADO DE ALAGOAS, em seu recurso, aduz que: a) a autora não formulou os pedidos referentes ao plano de ampliação do saneamento básico e ao projeto de recuperação das áreas afetadas em sede de provimento liminar; b) a concessão da tutela provisória carece de fundamentação; c) a execução do serviço relacionado às melhorias das condições de saneamento básico é de competência constitucional local, sendo responsável subsidiariamente o município, que é o poder concedente; d) a lide trata de irregularidades na conduta da concessionária e apenas no caso de execução de políticas públicas é que se poderia considerar a responsabilidade do apelante; e) os limites da responsabilidade do ente foram traçados pelo TRF-5, em acórdão que anulou a sentença anteriormente prolatada, fixando que “caberia ao Estado de Alagoas a participação econômica para garantir o cumprimento das obrigações da concessionária”; f) a condenação deve ser delimitada aos termos postos na ação, “de modo que a eventual condenação tenha em consideração a situação das línguas negras da orla da cidade, nos termos do relato, datado de 2006”; g) a ingerência do Poder Judiciário na definição e na ampliação de política pública viola a separação de poderes, devendo por isso ser julgada improcedente a ação; h) ao condenar os réus à recuperação das áreas afetadas, não especificou o Juízo, a referência é, apenas, em relação à suposta conduta irregular da CASAL, só podendo haver 170


responsabilidade subsidiária do apelante em relação a conduta da concessionária. O Município demandado apresentou contrarrazões à apelação da CASAL, pugnando pelo não provimento da apelação, vez que a empresa busca “furtar-se ao cumprimento de suas obrigações no que concerne ao saneamento da cidade de Maceió”. A COMPANHIA DE SANEAMENTO DE ALAGOAS juntou contraminuta ao recurso de apelação do Município, pugnando pelo não provimento, aduzindo, em suma, que: a) a legitimidade passiva do município decorre do poder concedente dos serviços à empresa e foi reconhecida pelo TRF-5; b) a matéria referente à legitimidade do município se encontra preclusa, tendo em vista o trânsito em julgado do acórdão da Apelação Cível nº 524.662/AL; c) havendo manutenção do dever de recuperação, o município deve ser o responsável, já que não apenas é outorgante dos serviços de saneamento, mas responde pela rede de águas pluviais e também autoriza a construção por meio de alvarás e licenças; d) o subsídio cruzado já foi analisado pelo STF na ADI nº 1.842/2010 e é considerado legal, sendo “verdadeiro mecanismo de justiça”. O MPF, em sua contraminuta ao recurso do ESTADO DE ALAGOAS, pede pelo não provimento da apelação, dado que: a) há expresso pedido, para a concessão de liminar referente ao plano de ampliação do saneamento básico e ao projeto de recuperação das áreas afetadas, e, caso não houvesse, a flexibilização do princípio da congruência e o poder geral de cautela permitem “ao magistrado analisar o conjunto da postulação e conceder a antecipação da tutela no intuito de resguardar os direitos urgentes da coletividade”; b) “a condenação de ressarcimento foi tão somente imposta à CASAL, de modo que o apelo do Estado de Alagoas quanto à exclusão da sua responsabilidade pela recuperação das áreas afetadas sequer merece conhecimento, haja vista a falta de interesse recursal, ante a inexistência de condenação nesse sentido, sem prejuízo, de toda forma, quanto à sua responsabilidade subsidiária”; c) um dos objetos da ACP é, justamente, impedir a degradação ambiental causada pelas ligações clandestinas de esgoto, além da apresentação de plano detalhado de ampliação do sistema de esgoto sanitário do município de Maceió; d) “as 171


normas constitucionais relativas à ordem social impõem aos poderes legislativo e executivo a criação de mecanismo de proteção e efetivo exercício dos direitos sociais, econômicos e culturais”; e) foi reconhecida a responsabilidade dos demandados pelos danos ambientais, em função dos atos comissivos, inclusive os que foram confessados pela CASAL. O Parquet também contraditou a apelação do MUNICÍPIO DE MACEIÓ, pugnando pelo provimento parcial do recurso, apenas quanto à inaplicação da reserva do possível à CASAL. Em relação às demais alegações aventadas, argumentou que: a) há a responsabilidade solidária entre o município demandado e a concessionária para manutenção e fomento das ações de saneamento básico, do contrário, restariam inefetivas as medidas judiciais; b) o apelante deve ser responsabilizado pela omissão em fiscalizar a execução do contrato e exigir atuação nos moldes acertados com a concessionária; c) o nexo causal decorre da conduta omissiva e culposa do recorrente, sendo ele também o principal responsável pelo serviço; d) é incabível a excludente de ilicitude por fato de terceiro, vez que “a responsabilidade que ora se atribui ao apelante é de caráter omissivo”; d) os requisitos para concessão da tutela restaram devidamente preenchidos. Já quanto à apelação da CASAL, alegou o MPF, em sede de contrarrazões que: a) a UNIÃO tem legitimidade ativa, pois foi constatada a ocorrência de lesão ao mar territorial; b) “não é pelo simples fato de haver repartição das receitas tributária, que a União deve ser demandada, sob pena de, em todas as demandas existentes no tocante à temática da implementação de políticas públicas municipais e estaduais, a União ter de figurar como ré, haja vista a extrema dependência dos estados e municípios dos recursos transferidos”; c) a CASAL é responsável, não apenas pela recepção dos sistema, mas pela execução da infraestrutura necessária à suas atividades, conforme art. 1º da Lei Estadual nº 2.491/62; d) constam dos autos provas da existência de ligações clandestinas, tendo a própria apelante confessado tal fato, alegando necessidade emergencial e temporária; e) inexistiu julgamento extra petita, não podendo perder de vista que, “tratando-se de demanda coletiva, pode ser aplicada a disciplina conferida à tutela específica de fazer, não fazer ou entregar coisa [...], ainda 172


que o pedido da parte autora tenha sido outro, sem que, com isso, haja ofensa ao princípio da demanda [...]”; f) restou devidamente demonstrado o nexo causal entre a conduta da ré e a lesão ao meio ambiente, já que ela mesmo confessou ter realizado ligações clandestinas devendo, por isso, indenizar os danos reversíveis; g) inexistiu fato de terceiro, caso fortuito ou força maior; h) é possível fixar o quantum indenizatório através da liquidação na modalidade arbitramento; i) a ré abusou do seu direito de defesa, adotando postura que viola a boa-fé processual, devendo ser multada, nos termos do art. 81 do CPC /2015. Contrarrazões da UNIÃO e do IBAMA, pelo não provimento dos recursos. Houve parecer da Procuradoria Regional da República - 5ª Região, opinando pelo não provimento das apelações da CASAL, do ESTADO E ALAGOAS e do MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO (Relator): Como sumariado, trata-se de apelações interpostas por COMPANHIA DE SANEAMENTO DE ALAGOAS - CASAL, pelo ESTADO DE ALAGOAS e pelo MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL em face da sentença do Juízo da 1ª Vara Federal de Alagoas que, nos autos da presente ação civil pública, julgou procedentes os pedidos, antecipando a tutela jurisdicional, no seguinte sentido: a) DETERMINO que os réus, nos termos requeridos pelo Ministério Público Federal, imediatamente: (1º) apresentem um plano detalhado, acompanhado de todos os estudos ambientais necessários, de ampliação do sistema de esgotamento sanitário de Maceió, indicando, pormenorizadamente, o tempo para cumprimento de cada etapa, bem como das obras já realizadas; (2º) iniciem um projeto de recuperação das áreas afetas pelos efluentes já lançados, inclusive se necessário for, com a destinação de recursos nas respectivas propostas orçamentárias para o ano de 2017; 173


As duas tutelas mandamentais devem ser cumpridas imediatamente, sem prejuízo da subsequente “execução provisória” do julgado, em autos apartados a serem ajuizadas pelo MPF, sob pena de: I - proibição de emissão de novas licenças para construir no perímetro urbano de Maceió em desfavor do ente municipal local; II - fixação de multa-diária em desfavor de qualquer dos réus infratores; III - responsabilização dos agentes públicos (Secretários de Estado e do Município, assim como Diretores de Estatais) perante o Ministério Público e Tribunal de contas, por ato de improbidade e Dan ao erário. b) CONDENO A CASAL a ressarcir os danos decorrentes das ligações temporárias da rede coletora de esgoto dos condomínios “Costa Brava”, “Costa do Marfim” e “Parque Jatiúca” nas galerias de águas pluviais, em favor do ‘fundo de reconstituição dos bens lesados’ de que trata o art. 13 da Lei 7.347/1985, devendo a quantificação do débito ser apurada em sede de liquidação de sentença, a ser realizada na modalidade “por arbitramento”.

A ACP foi ajuizada pelo MPF, visando à cessação “da poluição causada pelo lançamento de esgoto in natura na orla marítima de Maceió”, buscando impedir “o agravamento dos danos aos ecossistemas costeiros e à saúde da população local”. Inicialmente, passo ao exame das preliminares aventadas pelos apelantes. A CASAL apontou a ilegitimidade ativa da UNIÃO, defendendo que a parte deve figurar no polo passivo, pois, “para cumprimento da determinação judicial de apresentação de plano detalhado para ampliação do sistema sanitário de Maceió, bem como para a realização de projeto a fim de recuperar as áreas afetadas, faz-se necessária a aplicação de diversos recursos, dentre eles recursos federais”. Cumpre salientar que o custeio indireto pela UNIÃO da determinação judicial não é causa para fundamentar o acolhimento da preliminar. Como bem ressaltou o MPF em suas contrarrazões, “não 174


é pelo simples fato de haver repartição das receitas tributárias, que a União deve ser demandado, sob pena de, em todas as demandas existente no tocante às temáticas de implementação de políticas públicas municipais e estaduais, União ter de figurar como ré”. Ademais, restaram devidamente demonstrados os danos ao bem público da UNIÃO, qual seja, ao mar territorial, por conduta da CASAL. Em sua apelação, o MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL aduziu, preliminarmente, a inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir, já que os pedidos são, explicitamente, direcionados à CASAL. Alegou, ainda, que os pedidos são genéricos. Analisando os autos, vê-se que, inicialmente, a ação foi intentada apenas em face da CASAL. Em sede de apelação, este eg. Tribunal reconheceu a existência de litisconsórcio necessário entre a CASAL, o ESTADO DE ALAGOAS e o MUNICÍPIO DE MACEIÓ/ AL, sob o risco de inefetividade da medida jurisdicional. Assim, não foram imputados novos fatos à Edilidade, sendo reconhecida a responsabilidade solidária pelos anteriormente relatados. Outrossim, os pedidos não são genéricos, inexistindo qualquer impossibilidade de aplicação ao Município, especialmente os que se referem à apresentação de plano detalhado e ao início da recuperação das áreas afetadas pelos efluentes já lançados. Alegou a CASAL, ainda, ser a sentença vergastada extra petita, vez que deferiu pedido diferente do que fora formulado pelo autor. Segundo a recorrente, inexistiu pedido de ressarcimento por danos ambientais reversíveis na exordial e, por isso, deve ser reconhecida a nulidade processual. Não merece prosperar tal argumentação. Na Petição Inicial, a Procuradoria do Estado de Alagoas requereu a condenação da CASAL ao ressarcimento dos danos ambientais, nos seguintes termos: e.3) o ressarcimento, em espécie, dos danos ambientais irreversíveis, a serem mensurados por perícia. Este ressarcimento, inclusive, deverá comportar o dano ao meio ambiente causado durante todo o tempo de lançamentos de esgotos sanitários na orla de Maceió, inclusive os danos que vierem a surgir no decorrer desta Ação Civil Pública. [...]. 175


Como se vê, o pedido contou expressamente da exordial. Ademais, nos termos do art. 322 do CPC/2015, o pedido deve ser interpretado considerando o conjunto da postulação, observando a boa-fé. Assim, tem-se que a sentença vai ao encontro do que restou devidamente postulado. Ao mérito. A Constituição Federal de 1988 assegura a todos, no caput do seu art. 225, o direito de usufruir de um meio ambiente equilibrado. Tido como direito fundamental pela jurisprudência, assim dispõe o caput do art. 225: Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Com vistas a assegurar a efetividade do direito, o próprio art. 225 prevê, em seu § 1º, que o Poder Público deverá: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV - exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; 176


VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

Fixa o art. 225, ainda, em seu § 3º, a responsabilização do infrator por dano ambiental, afirmando que “as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. Passemos à análise das razões recursais da CASAL. Alega a empresa que apenas é gestora da rede de esgoto, não sendo sua responsabilidade financiar obras de expansão dos sistemas existentes e a sua execução. Ocorre, todavia, que, nos termos do art. 1º da Lei nº 2.491/62, que autorizou o Poder Executivo de Alagoas a organizar a sociedade de economia mista, é dever da CASAL construir e explorar os serviços de abastecimento de água e saneamento dos centros populacionais do Estado1. Afirmou a recorrente, também, que inexistem provas que imputem a ela a responsabilidade pelas ligações clandestinas de esgoto. Contudo, tal fato foi devidamente confirmado pela apelante, conforme consta da ata de reunião realizada no dia 21/08/2006 (Id. nº 3363694, fls. 19/21). Segue trecho da mesma: [...] Dando prosseguimento a reunião, o representante da CASAL informou que a tubulação é antiga e que foi construída a mais ou menos 40 anos, as quais estão danificadas pela ação do tempo, bem como devido a corrosão ocorrida em razão de reação química do gás sulfídrico e H2S com H2O, o que gera o ácido sulfúrico, substância altamente corrosiva; que tais tubulações são de concreto; que não existiam as tubulações plásticas na época [...] .Em seguida foi indagado acerca da questão de lançamento de esgoto no Posto 7, respondeu que foi a única forma que encontra para resolver o problema. Indagado acerca da vazão lançada no Posto 7, respondeu que são 50 metros cúbicos por hora. Indagado acerca da

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Disponível em: http://www.gabinetecivil.al.gov.br/legislacao/

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tipicidade de tal conduta como crime, respondeu que tinha conhecimento. Indagado acerca do tempo que tal problema seria solucionado, respondeu que nos próximos 45 a 60 dias. Asseverou que tal conduta fora adotada a fim de evitar que ocorresse refluxo de esgotos em residências, garagens de edifícios, cujos danos seriam maiores. [...].

O fato também for confirmado pela CASAL, em sua contestação, nos seguintes termos: Para evitar tal refluxo e expor a população a uma epidemia generalizada de doenças e a proliferação de animais nocivos à saúde humana, tais como ratos e barata, é que a CASAL lançou mão, em caráter extremamente urgente e atípico, e por lapso de tempo de 3 (três) meses, face a época de chuvas além do limite normal, de fazer um ligação da rede de esgoto na rede de águas pluviais de Maceió, pertencente ao município, rede esta que deságua diretamente no Riacho Salgadinho, este sim, desaguando no mar.

Como prova da conduta da CASAL, aponta-se, ainda, o Auto de Infração nº 483/2006, lavrado pela Secretaria Municipal de Proteção ao Meio ambiente de Maceió (Id. nº 3363659, fl. 16). No documento, consta a seguinte irregularidade: “lançamento de dejetos na praia de Jatiúca, poluindo, além da praia de Jatiúca, outras praias da Orla Marítima de Maceió”. Tal comprovação afasta a tese de excludente de responsabilidade por fato de terceiro, caso fortuito ou força maior, já que os danos se deram pela conduta da apelante. A CASAL argumenta que inexistem provas dos impactos ambientais. Contudo, encontra-se anexado aos autos o Laudo nº 587/2005 - INC, realizado pelo Instituto Nacional de Criminalística do Departamento de Polícia Federal (Id’s. nºs 3363561 e 3363562), no qual os danos ambientais ficaram evidentes, consoante trecho que se destaca: Os resultados dos exames de local e laboratoriais indicam a contaminação recente por esgotos domésticos dos corpos d’água analisados que desembocam no mar. [...]

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As consequências sob o aspecto ambiental são de alterações do ecossistema em questão, porque o resíduo orgânico (lixo e/ou esgoto) age como um fertilizante, contribuindo para uma explosão no crescimento do fitoplâncton. A vida microscópica cresce de forma desordenada, prejudicando outros micro-organismos marinhos, que ficam sem espaço, sem oxigênio e sem nutrientes, o que também afetará diretamente a fauna marinha chegando a matança da mesma. [...] A poluição das águas afeta diretamente a saúde da população, pois esses rejeitos constatados carregam em si e para o oceano diversos organismos nocivos (patogênicos) como bactérias, vírus, fungos, larvas de parasitas e etc., podendo provocar doenças como hepatite, micose, otite, conjuntivite e alergias. Crianças, idosos e pessoas com baixa resistência são as mais suscetíveis a desenvolverem doenças ou infecções após terem entrado em contato com águas contaminadas. Além disso, vale lembrar que atividades econômicas, como a pesca, ocorrem nestes locais, conforme constatado pelos Peritos durante o exame de local, o que também prejudicará a saúde pública quando do consumo de peixes extraídos destas águas contaminadas [...].

A análise foi realizada entre os dias 22 e 29 de setembro de 2004, nos pontos de despejo de efluentes na orla marítima da cidade de Maceió/AL, no trecho com extensão de aproximadamente 40 km (quarenta quilômetros), desde a praia da Sauaçui até o Pontal da Barra. A quantificação dos danos, por certo, há de ser definida em sede de liquidação. Apenas nessa fase é possível aferir, com certeza, a dimensão dos danos reversíveis e irreversíveis, não podendo a responsabilidade pelos impactos reversíveis ser excluída, antes mesmo de qualquer análise, apenas por terem transcorrido mais de 10 (dez) anos, sob pena de legitimar a conduta ilícita da empresa recorrente. O argumento de inexistência de aporte financeiro não pode ser utilizado para excluir a responsabilidade da CASAL, quando a empresa, comprovadamente, atuou de forma ilícita, causando da179


nos ambientais. O reconhecimento da reserva do possível, quanto à companhia, não afasta a condenação em solidariedade, com os demais réus, vez que é a CASAL quem executará os projetos de ampliação e de recuperação. Somente na fase executiva é que haverá a separação da responsabilidade de cada réu solidariamente responsável. Analisando as razões recursais da CASAL, tenho que a apelante não atuou de forma contrária à boa-fé, inexistindo conduta que enseje fixação de multa por litigância de má-fé, nos termos alegados pelo MPF, em suas contrarrazões. O MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, por sua vez, alega que inexiste nexo causal entre a sua atuação e os danos ambientais. Tal irresignação não merece prosperar. Restou claro que o recorrente foi omisso no seu dever de fiscalizar a prestação de serviço, estando, dessa forma, demonstrada a relação fática entre os danos e a conduta da Edilidade. Assim, entendeu corretamente o Juízo a quo, ao estabelecer que: 22. Já quanto ao município de Maceió, vejo claramente que se trata de questão de peculiar interesse do município, já que as ligações clandestinas tem sido feitas em edificações sujeitas a fiscalização municipal, bem como tem criado danos nas praias da região urbana com as chamadas “línguas negras” que ocupam boa parte da orla de Maceió.

Outrossim, nos termos do art. 23, IX, da CF/88, é dever comum dos entes da federação, entre eles, o Município, a promoção de programas de saneamento básico. Dessa feita, a existência de contrato de concessão de serviço público com a CASAL não elide a responsabilidade municipal, no que concerne à prestação do serviço público de claro interesse local. Soma-se a isso que a solidariedade foi reconhecida neste eg. Tribunal, justamente, para assegurar a efetividade das medidas judiciais. Restando devidamente reconhecido que a Edilidade adotou conduta omissiva, quanto ao seu dever de fiscalização, afasta-se a alegação da excludente de ilicitude por fato de terceiro. Ora, ainda que conhecida a desestruturação da CASAL, optou o Município pela inércia que se perpetuou ao longo dos anos. Nesse sentido, a atuação em conjunto com o MPF, posterior aos anos de omissão, 180


não tem o condão de excluir a responsabilidade municipal, quanto aos danos ambientais. Em relação ao preenchimento dos requisitos para antecipação da tutela em face do MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, tem-se que melhor sorte não alcança ao apelante. A irreversibilidade da elaboração do plano e do projeto de recuperação não pode fundamentar a revogação da tutela em face do apelante, pois há risco de irreversibilidade, no que concerne aos danos ambientais. A questão da irreversibilidade da medida deve ser analisada através das lentes da razoabilidade e da proporcionalidade, impedindo que o art. 300, § 3º, do CPC/2015, seja um limite intransponível à concessão da tutela, ferindo de morte o direito que se busca tutelar. No caso concreto, a situação é ainda mais delicada, pois envolve o direito constitucionalmente garantido a um meio ambiente saudável. Dos autos, constata-se o perigo de dano ao resultado útil do processo, advindo do agravamento dos danos ambientais, e a probabilidade do direito, já que demonstrada a atuação dos apelantes em sentido contrário à legislação. É correta a previsão de multa diária no caso de descumprimento das determinações jurisdicionais, tendo em vista o direito tutelado e a solidariedade reconhecida. Na sentença vergastada, entendeu o juízo a quo pela aplicação da cláusula da reserva do possível, vez que a CASAL trouxe aos autos prova de que atua com as contas deficitárias, reconhecendo a necessidade de uma política de investimentos do ESTADO DE ALAGOAS e do MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, para a alocação de recursos próprios, visando à resolução do problema. A Edilidade se mostra irresignada, em relação à aplicação da cláusula da reserva do possível à CASAL, argumentando que as receitas de esgotos advindas do Município são investidas em todo o Estado, “esquecendo-se a empresa que firmou contrato de concessão tão e somente com o município”. Tenho que não merece reparos o entendimento do juízo, quanto a este ponto. A CASAL comprovou, através de planilhas anexadas aos autos, a situação deficitária na qual se encontra, restando 181


claro que inexistem “recursos para executar obras de ampliação da rede de esgoto de Maceió”. Tal fato, como bem pontuado pelo magistrado, configura hipótese em que o “Judiciário está proibido de imiscuir-se em questões de políticas públicas”. Além disso, o dever de a CASAL aplicar, no próprio Município, percentual mínimo das receitas provenientes das tarifas ali arrecadadas não integra a lide, já sendo tratada em ação própria, como informou a municipalidade recorrente. Quanto ao ESTADO DE ALAGOAS, sustenta que o MPF não formulou os pedidos referentes ao plano de ampliação do saneamento básico e ao projeto de recuperação das áreas afetadas, em sede de provimento liminar. De fato, analisando a petição inicial, verifica-se que o pedido não consta expressamente do capítulo VII, que trata da antecipação da tutela; consta, todavia, nos requerimentos finais. Apesar de não constar expressamente do capítulo VII da Petição Inicial, tem-se que não há qualquer ilegalidade na conduta do magistrado, ao determinar a apresentação do plano de ampliação e do projeto de recuperação em sede de tutela. O Superior Tribunal de Justiça entende que, nesse caso, não há ofensa ao princípio da adstrição ao pedido, pois o juiz pode realizar uma interpretação lógico-sistemática do que foi pedido pela parte autora, mesmo que não haja expressa formulação. In casu, o pedido se encontra expresso. Apenas não está inserido no capítulo que discorre sobre a tutela antecipada. O entendimento se apresenta necessário, principalmente, levando em consideração o direito difuso que se busca tutelar, tornando o provimento jurisdicional mais adequado aos interesses postulados em juízo. Nesse sentido, segue julgado do STJ, também tratando de tutela ambiental, no qual a Corte reconheceu a observância do princípio da congruência através da interpretação lógico-sistemática do que restou pedido: PROCESSO CIVIL. AMBIENTAL. POLUIÇÃO DO RIO SERGIPE/SE. DERRAMAMENTO DE DEJETOS QUÍMICOS. MORTANDADE DE TONELADAS DE ANIMAIS 182


MARINHOS. DANO MORAL COLETIVO. ALEGATIVA DE LITISPENDÊNCIA. SÚMULA 7/STJ. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA CONGRUÊNCIA. CARACTERIZAÇÃO DO DANO. ALEGATIVA DE CASO FORTUITO AFASTADA. REVISÃO. REEXAME DE ELEMENTOS PROBATÓRIOS. IMPOSSIBILIDADE. REDUÇÃO DO VALOR DA INDENIZAÇÃO. DESCABIMENTO. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. FUNDAMENTO INATACADO. SÚMULA 283/STF. 1. A demanda foi ajuizada em virtude do derramamento de amônia ocorrido no Rio Sergipe/SE, ocasionado pela obstrução de uma das canaletas da caixa de drenagem química da Fábrica de Fertilizantes Nitrogenados da Cidade de Maruim/SE, unidade operacional da sociedade empresária ora recorrente, o que acarretou o vazamento de rejeitos químicos que contaminaram as águas daquele rio, resultando na mortandade de aproximadamente seis toneladas de peixes, alevinos, crustáceos e moluscos. 2. Não é possível conhecer da suscitada litispendência, pois, para aferir-se a tríplice identidade entre a presente demanda e a ação ajuizada perante a Comarca de Laranjeiras/RJ, faz-se necessário o revolvimento dos elementos probatórios nos autos, concernente aos documentos que instruem a referida causa, o que é vedado nos termos da Súmula 7/STJ. 3. De acordo com a jurisprudência do STJ, não há ofensa ao princípio da congruência ou da adstrição quando o juiz promove uma interpretação lógico-sistemática dos pedidos deduzidos, ainda que não expressamente formulados pela parte autora. Assim, não há se falar em provimento extra petita, pois a pretensão foi deferida nos moldes em que requerida judicialmente, haja vista que, dentre os critérios utilizados pela parte autora para deduzir o pleito reparatório, encontram-se o descaso do agente agressor, a prática reincidente e o caráter inibitório da penalidade. 4. O STJ já reconheceu o cabimento da aplicação cumulativa da indenização por danos morais coletivos com a condenação ao cumprimento de obrigações de fazer e não fazer no âmbito da ação civil pública, inclusive, com fundamento no art. 3º da Lei n° 7.347/85. Confira-se: REsp 1.269.494/MG, Rel. Ministra Eliana Calmon, Segunda Turma, julgado em 24/9/2013, DJe 1º/10/2013. 183


5. O aresto recorrido afastou a alegativa de caso fortuito, sob o fundamento de que o acidente decorreu de fatos internos à própria unidade industrial, relacionados com a deficiência do projeto de drenagem dos dejetos químicos e a precária manutenção das respectivas canaletas. A revisão dessas conclusões, contudo, não é cabível no âmbito do recurso especial, por implicar o revolvimento das provas dos autos, nos termos da Súmula 7/STJ. 6. O Tribunal a quo reduziu o valor da condenação estipulada na sentença a título de danos morais coletivos para fixá-la em R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais), a partir da análise das circunstâncias fáticas na lide, a exemplo da repercussão do dano e das condições econômicas do infrator. A revaloração desses elementos, por seu turno, mormente quando não demonstrado o caráter manifestamente excessivo da indenização, atrai a incidência da Súmula 7/STJ. 7. O Juízo a quo afastou a suscitada sucumbência mínima, sob o argumento de que houve o deferimento de importante parcela do pleito deduzido na inicial e que os demais pedidos, na realidade, se tornaram prejudicados por questões inerentes à própria demora da tramitação e, portanto, não imputável à parte autora. Esse ponto, todavia, não foi especificamente impugnado nas razões do apelo especial, o que atrai a incidência da Súmula 283/STF. 8. Recurso especial conhecido em parte e, nessa extensão, não provido. (REsp 1.355.574/SE, Rel. Ministra DIVA MALERBI (DESEMBARGADORA CONVOCADA TRF 3ª REGIÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 23/08/2016) (grifou-se)

Nesse sentido, correto o entendimento do magistrado sentenciante, nas razões de decidir dos embargos de declaração: 17. [...] é lícito ao juiz, em sentença, conceder antecipação de tutela sem requerimento, com escopo no art. 497 do CPC/15, a depender das especificidades da causa. Na situação em perspectiva, por se tratar de impacto ambiental gravoso, foi determinado, por bem, início imediato da execução do julgado, independente de trânsito em julgado.

Também não prospera a alegação de que carece de fundamentação a concessão da tutela, vez que as causas de decidir se 184


encontram expressamente previstas nos pontos 24, 25 e 26 da sentença vergastada. Vejamos: 24. Assim, entendo que cabe ao Estado de Alagoas e ao Município de Maceió empreenderem políticas públicas voltadas ao aperfeiçoamento de sistema de esgotamento sanitário e à preservação do meio ambiente, sanando as irregularidades apontadas e comprovadas pelo Ministério Público Federal. 25. Penso que a estrutura atualmente existente das duas Administrações pode empreender as medidas necessárias a eliminar os problemas ambientais comprovados, sem prejuízo de eventuais investimentos orçamentários que se demonstrem necessários e de acordo com a decisão tomadas pelos respectivos parlamentos na votação das respectivas leis orçamentárias. 26. Em síntese, vejo que é imperiosa a necessidade de apresentação de um plano detalhado, acompanhado de todos os estudos ambientais necessários, e ampliação do sistema de esgotamento sanitário da cidade, com a indicação pormenorizada do tempo para cumprimento de cada etapa, bem como das obras já realizadas, bem como que seja determinado o início, imediatamente, de um projeto de recuperação das áreas afetadas pelos efluentes já lançados.

O ESTADO DE ALAGOAS tenta, em suas razões recursais, furtar-se à responsabilidade já reconhecida neste eg. Tribunal, ocasião em que se determinou a sua inclusão no polo passivo da demanda, para assegurar a efetividade da condenação. Nesse sentido, segue trecho da ementa: CONSTITUCIONAL, PROCESSUAL CIVIL E AMBIENTAL. APELAÇÕES. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LANÇAMENTO DE ESGOTO IN NATURA NA ORLA MARÍTIMA. “LÍNGUAS NEGRAS”. LIGAÇÕES CLANDESTINAS DE TUBULAÇÕES DE ÁGUAS SERVIDAS, NÃO TRATADAS, EM GALERIAS DESTINADAS ÀS ÁGUAS PLUVIAIS. POLUIÇÃO. DANOS AOS ECOSSISTEMAS COSTEIROS E À SAÚDE HUMANA. PLEITOS DE CONDENAÇÃO DE COMPANHIA DE ABASTECIMENTO E SANEAMENTO ESTADUAL A VÁRIAS OBRIGAÇÕES, INCLUINDO-SE LOCALIZAÇÃO E DESFAZIMENTO

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DAS LIGAÇÕES CLANDESTINAS (INCLUSIVE AS REALIZADAS PELA PRÓPRIA RÉ) E DESINFECÇÃO DAS GALERIAS; DIVULGAÇÃO DE INFORMAÇÕES ALUSIVAS A ÍNDICES DE POLUIÇÃO E À BALNEABILIDADE DAS PRAIAS; APRESENTAÇÃO E EXECUÇÃO, SOB PENA DE VEDAÇÃO À EMISSÃO DE NOVAS LICENÇAS DE CONSTRUÇÃO NO PERÍMETRO URBANO, DE PLANO DETALHADO DE AMPLIAÇÃO DO SISTEMA DE ESGOTAMENTO SANITÁRIO DA CIDADE; RECUPERAÇÃO DAS ÁREAS AFETADAS PELOS EFLUENTES JÁ LANÇADOS; E RESSARCIMENTO EM ESPÉCIE DOS DANOS AMBIENTAIS IRREVERSÍVEIS. SITUAÇÃO FINANCEIRA CALAMITOSA DA RÉ. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA COM CAPITAL SOCIAL DETIDO EM MAIS DE 99% PELO ESTADO-MEMBRO. RESPONSABILIDADES DO MUNICÍPIO COMO PODER CONCEDENTE E NO TOCANTE, EM ÂMBITO LOCAL, AO RESGUARDO DO MEIO AMBIENTE E À OCUPAÇÃO DO SOLO URBANO. LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO (NÃO FACULTATIVO). CARACTERIZAÇÃO. PECULIARIDADES DO CASO CONCRETO. RISCO CONCRETO DE INEFETIVIDADE DO PROVIMENTO JURISDICIONAL. IMPOSIÇÃO DE INTERPRETAÇÃO OTIMIZADORA DA PROTEÇÃO DO MEIO AMBIENTE. INVALIDAÇÃO DA SENTENÇA. RECONHECIMENTO DE OFÍCIO. POSSIBILIDADE. RETORNO DOS AUTOS AO PRIMEIRO GRAU. RECURSOS PREJUDICADOS. [...] 6.1. a CASAL é sociedade de economia mista estadual, cujo capital social é detido em mais de 99% pelo Estado de Alagoas. Nesse tocante, não se pode deixar de lembrar que, quando o patrimônio da sociedade de economia mista for insuficiente ao adimplemento dos seus débitos, por eles deverá responder a pessoa política controladora. In casu, restou demonstrada a situação financeira calamitosa na qual se encontra a ré. Nos vários pareceres de auditagem, realizadas de 1996 a 2005, contou: “[...] as demonstrações contábeis da Companhia [...] evidenciam uma representativa insuficiência de capital de giro e prejuízos sucessivos. Por esta razão não tem conseguido saldar seus compromissos referentes a encargos sociais e impostos. Consequentemente, a Companhia demonstra depender de aportes de

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recursos financeiros por parte do acionista-controlador, o Governo do Estado de Alagoas”. No último desses pareceres, está registrado também: “[...] a Companhia [...] apurou um prejuízo de R$ 46.111.788, havendo, consequentemente, acumulado até essa data um prejuízo de R$ 692.791.508. Além disso, em 31 de dezembro de 2004, a Companhia apresentou uma insuficiência de capital de giro de R$ 466.684.176. Estes fatores levantam dúvidas quanto à sua continuidade operacional e indicam a necessidade de obtenção de rentabilidade futura e/ou a necessidade de ingresso de recursos sob a forma de capital e/ ou financiamento de longo prazo”. Destarte, mostra-se iminente a necessidade de participação econômica do Estado de Alagoas para que a ré cumpra com suas obrigações atinentes ao relevante serviço público do esgotamento sanitário. Assim, o Estado de Alagoas deve compor o polo passivo da lide; [...] (PROCESSO: 200680000063662, Apelação Cível nº 524662, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 25/10/2012, PUBLICAÇÃO: DJe - Data: 31/10/2012 - Página: 158) (grifou-se)

A responsabilidade direta do recorrente é clara, tendo em vista a vinculação da CASAL ao ente estadual. Ademais, é dever comum dos entes da federação a promoção de programas de saneamento básico, conforme previsão do art. 23, IX, da CF/88. Afasta-se, ainda, o argumento de que haveria responsabilidade pela conduta da concessionária apenas no caso de execução de políticas públicas, pois o acórdão que anulou a sentença anterior e determinou a integração do polo passivo é claro ao afirmar que, “quando o patrimônio da sociedade de economia mista for insuficiente ao adimplemento dos seus débitos, por eles deverá responder a pessoa política controladora”. Como se vê, inexiste qualquer limitação à responsabilidade do recorrente apenas no que concerne à execução das políticas públicas. A sentença, em nenhum momento, extrapolou a responsabilidade fixada no acórdão que anulou a primeira sentença. Ademais, os limites da responsabilidade de cada um dos réus condenados serão definidos na fase de execução, como deixou claro o juízo dirigente 187


ao julgar os embargos de declaração do recorrente, concluindo que os três réus, CASAL, ESTADO DE ALAGOAS e MUNICÍPIO DE MACEIÓ/AL, deverão promover, de maneira conjunta, as ações impostas, já que ambos são responsáveis pelos danos. Pleiteou a parte apelante, ainda, que a condenação seja limitada à “situação das línguas negras da orla da cidade, nos termos do relato, datado de 2006”. Quanto a este ponto, observa-se que o processo não se limita apenas às línguas negras. O MPF é claro quando pugna pela apresentação de um plano detalhado, acompanhado de estudos ambientais necessários de ampliação do sistema de esgoto sanitário, conforme o pedido ‘e.1’. A tutela ambiental não seria efetiva, se não se discutisse a ampliação do sistema de esgoto. A CASAL, em sua contestação, admite que o lançamento de esgoto in natura na rede de águas pluviais de Maceió/AL se deu como forma de impedir refluxo e expor a população às consequências nefastas do contato com o esgoto. Seus representantes, em reunião realizada (Id. nº 3363694, fls. 19/21), admitem que a ligação foi necessária, pois “a tubulação é antiga e que foi construída a mais ou menos 40 anos”, estando, ainda, danificada pela ação do tempo e da corrosão “ocorrida em razão de reação química do gás sulfídrico e H2S com H2O, o que gera o ácido sulfúrico”. Das informações, tem-se que é inviável cessar os danos ambientais sem que haja a expansão da rede de esgoto, já que o atual sistema não consegue suprir a demanda existente no Município. Entender em sentido contrário violaria, inclusive, o princípio da prevenção, que rege a tutela ambiental, tendo em vista a irreversibilidade de determinados danos. Afirma o ESTADO DE ALAGOAS que, em relação à obrigação de reparar as áreas afetadas, o Juízo não foi claro se devem ser reparadas apenas as atingidas pela conduta irregular da CASAL. Destaca que só pode haver responsabilidade, em relação à conduta da concessionária, já que a sentença afastou o pedido acerca da omissão da fiscalização das ligações clandestinas dos particulares, reconhecendo que os réus não dispõem de condições objetivas para executar tais ações.

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Ao julgar os embargos de declaração opostos pelo ESTADO DE ALAGOAS em face da sentença, o magistrado dirigente deixou claro que o dever de recuperar as áreas afetadas abrange aquelas atingidas pela conduta ilegal da CASAL e as clandestinas realizadas pelos particulares, devendo o MPF e o IBAMA, quanto a estas últimas, demonstrar, na fase executiva, onde estão localizadas. O fato de ter sido afastada a responsabilidade pela omissão na fiscalização não afasta o dever de recuperar as áreas afetadas pelas ligações clandestinas particulares, quando as ligações eram de conhecimento da CASAL. Por fim, afasta-se a alegação de que houve violação do princípio da separação de poderes. Entende o Supremo Tribunal Federal que o Judiciário pode, excepcionalmente, atuar na execução de políticas públicas, quando constatadas omissões dos órgãos estatais competentes, comprometendo a eficácia dos direitos individuais ou coletivos. Nesse sentido, segue julgado: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPOSIÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. DESLOCAMENTO DE DELEGADOS E SERVIDORES PARA ATENDIMENTO AO PLANTÃO DE 24 HORAS EM DELEGACIA DE MENORES INFRATORES. REEXAME DO CONTEXTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 279/STF. REEXAME DA LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE. OFENSA REFLEXA À CONSTITUIÇÃO. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I - Para chegar-se à conclusão contrária à adotada pelo acórdão recorrido, seria necessária a reinterpretação da legislação infraconstitucional aplicável ao caso, sendo certo que a ofensa à Constituição seria apenas indireta, bem como o reexame do conjunto fático-probatório constante dos autos, o que atrai o óbice da Súmula 279/STF, inviabilizando o recurso extraordinário. II - Consoante a jurisprudência deste Tribunal, o Poder Judiciário possui legitimidade para, excepcionalmente, determinar a concretização de políticas públicas 189


constitucionalmente previstas, quando houver omissão da administração pública, o que não configura violação do princípio da separação dos poderes. III - Agravo regimental a que se nega provimento. (Grifou-se) (STF, Agravo Regimental no Agravo em RE 1.170.152/MS, Relator: Ministro RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 12/02/2019)

In casu, a omissão dos demandados é clara, cabendo ao Judiciário concretizar as políticas públicas constitucionalmente previstas. Assim, deve ser mantida a sentença. Com essas considerações, nego provimento às apelações. É como voto.

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COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA TURMA


Desembargador Federal Leonardo Carvalho Presidente da Segunda Turma Período: março/2019 a março/2021

Desembargador Federal Paulo Roberto

Desembargador Federal Paulo Cordeiro


JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0006622-78.2014.4.05.8100-CE (PJe) Relator: Apelante: Apelado: Adv./Proc.:

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA FAZENDA NACIONAL RAIMUNDO NONATO BARROS DE OLIVEIRA DR. DIMAS MOREIRA MONTEIRO (APDO.) EMENTA: TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. IMPOSTO DE RENDA PESSOA FÍSICA. GLOSAS RELATIVAS À PENSÃO ALIMENTÍCIA. DESCABIMENTO. PAGAMENTOS COMPROVADOS DURANTE A INSTRUÇÃO PROCESSUAL. AUSÊNCIA DE FATO GERADOR. NULIDADE DO LANÇAMENTO SUPLEMENTAR. VÍCIO QUE MACULA A POSTERIOR CONFISSÃO DE DÉBITOS PARA EFEITO DE PARCELAMENTO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL. RESP REPETITIVO Nº 1.133.027/SP. 1. Apelação interposta em face de sentença que, diante da comprovação dos gastos com pensão alimentícia em conformidade com a legislação de regência, julgou procedentes embargos à execução fiscal, para reconhecer a nulidade do lançamento. Argumenta a Fazenda Nacional, no entanto, que o contribuinte aderira a acordo de parcelamento do débito em data anterior à prolação da sentença, o que implicaria a renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação e, via de consequência, na extinção dos embargos à execução ajuizados pelo contribuinte. 2. A obrigação tributária resulta da ocorrência do fato gerador, não se admitindo, diante da ausência do fato gerador da obrigação, que seja legitimada a cobrança pelo Fisco de tributo que não existe, sob pena de enriquecimento ilícito. 3. Tampouco o fato de os valores despendidos com pensão alimentícia não terem sido demonstrados no âmbito administrativo inibe que sejam 194


reconhecidos em juízo, quando o contribuinte cuidou de acostar aos autos comprovação suficiente, não tendo o apelado comprovado qualquer mácula ou falsidade na documentação acostada. 4. Demais disso, a confissão de dívida posterior a auto de infração lavrado com nulidade não dá ensejo à sua convalidação ou em nova constituição do crédito, não se prestando a criar um crédito tributário de forma discrepante de seu fato gerador. 5. O STJ já consolidou o entendimento, firmado em sede de recurso repetitivo (REsp 1.133.027/ SP) e, portanto, de observação obrigatória, segundo o qual a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico, como no caso em apreço. 6. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 3 de março de 2020. (Julgamento) 5 de março de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA: Apelação interposta pela Fazenda Nacional contra sentença que julgou procedentes os presentes embargos à execução fiscal, 195


ao reconhecer a nulidade do lançamento suplementar oriundo de glosas efetuadas no imposto de renda pessoa física do contribuinte, em razão da comprovação dos gastos efetuados com pensão alimentícia. Defende a apelante, em síntese, a ausência de interesse de agir do apelado, pelo fato de ter aderido a acordo de parcelamento do débito em data anterior à prolação da sentença, renunciando, assim, ao direito sobre o qual se funda a ação, que não poderia mais ser questionado. Em seu entender, aderindo ao parcelamento legal, o contribuinte estaria reconhecendo a legitimidade do crédito exequendo, dado que faz a renúncia ao direito, desaparecendo, a partir de então, o seu interesse na demanda. Sem contrarrazões. É o que importa relatar. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA (Relator): Em que pese as alegações da Fazenda Nacional no sentido de que o contribuinte aderiu a acordo de parcelamento anterior à data da sentença, implicando na renúncia ao direito sobre o qual se funda a ação, o que se constata é que o débito é inexistente, dada a ausência de fato gerador. Na verdade, observa-se que as exações são nulas, nunca existiram, pois os gastos do apelado com pensão alimentícia foram todos devidamente comprovados, fato, a propósito, não contestado pela Fazenda Nacional, que apenas argumenta que o contribuinte solicitou o parcelamento legal do débito. Em que pese a Fazenda Nacional contestar as deduções com as despesas com pensão alimentícia efetuadas pelo autor, aos autos foram acostados documentos comprobatórios destes gastos, quais sejam, comprovante de rendimentos emitido pelo Estado do Ceará, assim como ofícios emitidos pelos juízos das varas de família do Ceará e Maranhão direcionados à Secretaria da Fazenda do Ceará, determinando o desconto em folha de todas as pensões alimentícias em favor dos três filhos e cônjuge. 196


Ora, a obrigação tributária resulta da ocorrência do fato gerador, não se admitindo, diante da prova idônea da inocorrência do fato gerador, o pagamento do tributo, inexistente este, como pretende a Fazenda Nacional. Não se pode, de fato, legitimar a cobrança pelo Fisco de tributo inexistente, diante da comprovação pelo apelado da regularidade das deduções, sob pena de enriquecimento ilícito da Fazenda Nacional. A exclusão das glosas indevidas importa, assim, em nulidade do próprio lançamento, e não em hipótese de simples erro material ou formal do título executivo. Tampouco o fato de os valores despendidos com pensão alimentícia não terem sido demonstrados no âmbito administrativo inibe que sejam reconhecidos em juízo, quando o contribuinte cuidou de acostar aos autos comprovação suficiente, não tendo o apelado comprovado qualquer mácula ou falsidade na documentação acostada, ou mesmo impugnado esta em suas razões de apelo. Demais disso, a confissão de dívida posterior a auto de infração lavrado com nulidade não dá ensejo à sua convalidação ou à uma nova constituição do crédito, não se prestando a criar um crédito tributário de forma discrepante de seu fato gerador. A esse respeito, é assente que o crédito tributário, na expressa dicção do art. 139 do CTN, decorre da obrigação principal e, esta, por sua vez, nasce com a ocorrência do fato imponível, previsto na hipótese de incidência, que tem como medida do seu aspecto material a base imponível (base de cálculo). Consectariamente, o erro de fato na valoração material da base imponível significa a não ocorrência do fato gerador em conformidade com a previsão da hipótese de incidência, razão pela qual o lançamento feito com esteio em erro não pode constituir o crédito que não decorre da obrigação e que, por isso, deve ser alterado pelo Poder Judiciário. Impertinente é a alegação de que a confissão de dívida, configurada na adesão ao parcelamento, impediria a discussão judicial em apreço. Em verdade, no caso concreto, claramente o vício contido no lançamento (erro de fato) transmite-se à confissão de débitos, de modo que, a toda evidência, essa mácula invalida o próprio parcelamento.

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Na verdade, a jurisprudência sobre o tema consolidou-se a partir do julgamento do REsp 1.133.027/SP, submetido à sistemática dos recursos repetitivos, no sentido de que, em casos que tais, é plenamente possível que a parte proponha ação para questionar se os valores inseridos no parcelamento são ou não devidos. Ou seja, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico, pois nulo é o lançamento, pela ausência do fato gerador. Transcreve-se: PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA (ART. 543-C, § 1º, DO CPC). AUTO DE INFRAÇÃO LAVRADO COM BASE EM DECLARAÇÃO EMITIDA COM ERRO DE FATO NOTICIADO AO FISCO E NÃO CORRIGIDO. VÍCIO QUE MACULA A POSTERIOR CONFISSÃO DE DÉBITOS PARA EFEITO DE PARCELAMENTO. POSSIBILIDADE DE REVISÃO JUDICIAL. 1. A Administração Tributária tem o poder/dever de revisar de ofício o lançamento quando se comprove erro de fato quanto a qualquer elemento definido na legislação tributária como sendo de declaração obrigatória (art. 145, III, c/c art. 149, IV, do CTN). 2. A este poder/dever corresponde o direito do contribuinte de retificar e ver retificada pelo Fisco a informação fornecida com erro de fato, quando dessa retificação resultar a redução do tributo devido. 3. Caso em que a Administração Tributária Municipal, ao invés de corrigir o erro de ofício, ou a pedido do administrado, como era o seu dever, optou pela lavratura de cinco autos de infração eivados de nulidade, o que forçou o contribuinte a confessar o débito e pedir parcelamento diante da necessidade premente de obtenção de certidão negativa. 4. Situação em que o vício contido nos autos de infração (erro de fato) foi transportado para a confissão de débitos feita por ocasião do pedido de parcelamento, ocasionando a invalidade da confissão. 5. A confissão da dívida não inibe o questionamento judicial da obrigação tributária, no que se refere aos seus aspectos jurídicos. Quanto aos aspectos fáticos sobre os quais incide a norma tributária, a regra é 198


que não se pode rever judicialmente a confissão de dívida efetuada com o escopo de obter parcelamento de débitos tributários. No entanto, como na situação presente, a matéria de fato constante de confissão de dívida pode ser invalidada quando ocorre defeito causador de nulidade do ato jurídico (v.g. erro, dolo, simulação e fraude). Precedentes: REsp n° 927.097/ RS, Primeira Turma, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, julgado em 8.5.2007; REsp 948.094/PE, Rel. Min. Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, julgado em 06/09/2007; REsp 947.233/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 23/06/2009; REsp 1.074.186/RS, Rel. Min. Denise Arruda, Primeira Turma, julgado em 17/11/2009; REsp 1.065.940/SP, Rel. Min. Francisco Falcão, Primeira Turma, julgado em 18/09/2008. 6. Divirjo do relator para negar provimento ao recurso especial. Acórdão submetido ao regime do art. 543-C do CPC, e da Resolução STJ n° 8/2008. (STJ, REsp 1133027/SP, Rel. Ministro LUIZ FUX, Rel. p/ Acórdão Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 13.10.2010, DJe 16.3.2011)

Assim, a confissão de dívida pelo contribuinte é condição imprescindível para fins de obtenção do parcelamento de débitos tributários, tendo força vinculante em relação à situação de fato sobre a qual incide a norma tributária, admitindo-se, contudo, a sua invalidação quando presente um defeito causador de nulidade do ato jurídico, como ocorre no caso em apreço, em virtude da não correspondência do débito tributário parcelado com o tributo efetivamente devido, dado que não se pode constituir tributo sem a ocorrência do fato gerador. Com essas considerações, nego provimento à apelação. É como voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800600-67.2016.4.05.8401-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA Apelante: MARLEIDE RODRIGUES REBOUÇAS Apelados: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E OUTRO Advs./Procs.: DRS. IRISMAR LARYSSA RODRIGUES NOLASCO E OUTRO (APTE.) EMENTA: CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO EM EMBARGOS DE TERCEIROS. BENS INDISPONIBILIZADOS ANTE O CUMPRIMENTO DE SENTENÇA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA EM FACE DO CÔNJUGE DA EMBARGANTE. MAIORIA DOS IMÓVEIS CONSCRITOS DESTINADA A ATIVIDADES COMERCIAIS OU INVESTIMENTOS. RESPEITO À MEAÇÃO GARANTIDO PELA SENTENÇA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AJUSTE. IMPROVIMENTO DO RECURSO. 1. Apelação cível interposta contra sentença exarada pelo Juízo da 8ª Vara Federal da SJ/RN, que, julgando improcedente o pedido formulado nos presentes embargos de terceiros, manteve a constrição judicial sobre os bens indicados na exordial, outrora determinada na execução da sentença exarada na Ação de Improbidade nº 0001516-13.2011.4.05.8401, em que figurou como réu o marido da embargante. 2. Nas razões recursais, a apelante aduz a ilegalidade da constrição dos referidos bens, argumentando, em suma: i) deter a condição de meeira, por ser casada com o executado; ii) parte dos imóveis seriam considerados bem de família; iii) excesso de penhora dos bens. 3. Ressalta-se que a condição de esposa, casada sob o regime de comunhão parcial, não impede, por si só, a penhora e eventual alienação judicial dos bens comuns do casal, nos termos do 200


parágrafo 2º, inciso I, do art. 674, c/c o art. 843 do CPC/2015. 4. Outrossim, nos termos da jurisprudência do STJ, o caráter de bem de família de imóvel não tem força de obstar a determinação de sua indisponibilidade nos autos de ação civil pública, já que essa medida não implica expropriação do bem. 5. Entretanto, na hipótese, verifica-se que a maioria dos imóveis conscritos se destina a investimentos ou atividade comercial, tais como: loteamento, dez lotes, quarto em prédio comercial e área utilizada como estacionamento de supermercado, sendo apenas um deles submetido à hasta pública. 6. Assim, como bem consignado na sentença recorrida, diante da indivisibilidade do bem, garante-se à apelante o recebimento do valor referente à metade do preço obtido com a arrematação, não cabendo o cancelamento do leilão do referido imóvel. 7. No âmbito limitado dos embargos de terceiro, de concebido procedimento sumário e por isso mesmo especial, é viável perquirir-se apenas se cabível ou incabível a constrição levada a termo no cumprimento da sentença de improbidade administrativa, sendo, portanto, inviável a discussão sobre eventual excesso de penhora. 8. Honorários advocatícios majorados de 8% para 10% (art. 85, parágrafo 11, do CPC), incidentes, porém, sobre metade do valor da condenação sofrida pela cônjuge da apelante, dada a sua condição de meeira. 9. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar 201


provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 26 de novembro de 2019. (Julgamento) 12 de dezembro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA: Trata-se de apelação cível interposta por MARLEIDE RODRIGUES REBOUCAS contra sentença exarada pelo Juízo da 8ª Vara Federal da SJ/RN, que, julgando improcedente o pedido formulado nos presentes embargos de terceiros, manteve a constrição judicial sobre os bens indicados na exordial, outrora determinada na execução da sentença exarada na Ação de Improbidade nº 0001516-13.2011.4.05.8401, em que figurou como réu o marido da embargante. Nas razões recursais, a apelante aduz a ilegalidade da constrição dos referidos bens, argumentando, em suma: i) deter a condição de meeira, por ser casada com o executado; ii) parte dos imóveis seriam considerados bem de família; iii) excesso de penhora dos bens. Contrarrazões devidamente apresentadas pelo MPF. Remetidos os autos à Procuradoria Regional da República, opinou o ilustre representante do Parquet pelo improvimento do recurso. É, breve, o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA (Relator): Trata-se de apelação cível interposta por MARLEIDE RODRIGUES REBOUCAS contra sentença exarada pelo Juízo da 8ª Vara Federal da SJ/RN, que, julgando improcedente o pedido formula202


do nos presentes embargos de terceiros, manteve a constrição judicial sobre os bens indicados na exordial, outrora determinada na execução da sentença exarada na Ação de Improbidade nº 0001516-13.2011.4.05.8401, em que figurou como réu o marido da embargante. Nas razões recursais, a apelante aduz a ilegalidade da constrição dos referidos bens, argumentando, em suma: i) deter a condição de meeira, por ser casada com o executado; ii) parte dos imóveis seriam considerados bem de família; iii) excesso de penhora dos bens. Ressalto, em primeiro lugar, que a condição de esposa, casada sob o regime de comunhão parcial, não impede, por si só, a penhora e eventual alienação judicial dos bens comuns do casal, nos termos do parágrafo 2º, inciso I, do art. 674, c/c o art. 843 do CPC/2015. Art. 674. Quem, não sendo parte no processo, sofrer constrição ou ameaça de constrição sobre bens que possua ou sobre os quais tenha direito incompatível com o ato constritivo, poderá requerer seu desfazimento ou sua inibição por meio de embargos de terceiro. [...] § 2º Considera-se terceiro, para ajuizamento dos embargos: I - o cônjuge ou companheiro, quando defende a posse de bens próprios ou de sua meação, ressalvado o disposto no art. 843; Art. 843. Tratando-se de penhora de bem indivisível, o equivalente à quota-parte do coproprietário ou do cônjuge alheio à execução recairá sobre o produto da alienação do bem.

Outrossim, nos termos da jurisprudência do STJ, destaco que o caráter de bem de família de imóvel não tem força de obstar a determinação de sua indisponibilidade nos autos de ação civil pública, já que essa medida não implica expropriação do bem. Entretanto, na hipótese, verifico que a maioria dos imóveis conscritos se destina a investimentos ou atividade comercial, tais como: loteamento, dez lotes, quarto em prédio comercial e área

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utilizada como estacionamento de supermercado, sendo apenas um deles submetido à hasta pública. Assim, como bem consignado na sentença recorrida, diante da indivisibilidade do bem, garante-se à apelante o recebimento do valor referente à metade do preço obtido com a arrematação, não cabendo o cancelamento do leilão do referido imóvel. Transcrevo o seguinte trecho do decisum vergastado, a cujos termos adiro: Destarte, inconsistente é o pedido da embargante de ver excluída do rol de bens penhorados e possivelmente submetidos à hasta pública a parte destes que corresponda à sua parcela oriunda do direito de meação. Em contrapartida, seguindo-se posicionamento dominante na jurisprudência pátria, é inegável que o laço matrimonial sob aquele regime de bens garante o direito ora discutido, mesmo que após a realização de ato executivo para satisfazer o crédito do exequente. Ademais, apenas um dos bens foi submetido à hasta pública, por determinação da decisão de id. 1437432. Por fim, incabível, pois, a revogação da penhora sobre os bens em análise e, conforme explanação supra, em nada a embargante se verá prejudicada sobre a parte que lhe cabe a título de meação.

De mais a mais, no âmbito limitado dos embargos de terceiro, de concebido procedimento sumário e por isso mesmo especial, é viável perquirir-se apenas se cabível ou incabível a constrição levada a termo no cumprimento da sentença de improbidade administrativa, sendo, portanto, inviável a discussão sobre eventual excesso de penhora. Majoro os Honorários advocatícios de 8% para 10% (art. 85, parágrafo 11, do CPC), incidentes, porém, sobre metade do valor da condenação sofrida pelo cônjuge da apelante, dada a sua condição de meeira. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto.

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AGRAVO DE INSTRUMENTO N° 080481212.2019.4.05.0000-CE (PJe) Relator: Agravante: Agravados:

DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO MUNICÍPIO DE FORTALEZA E UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC EMENTA: CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE ORDEM DE DESPEJO, FORMULADO EM AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA C/C PEDIDO DE REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA. TERRENO OCUPADO PELA COMUNIDADE DO AÇAÍ. PROPRIEDADE DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ. POSSE DE BOA-FÉ POR CINCO ANOS NÃO CARACTERIZADA. ÁREA PÚBLICA IRREGULARMENTE OCUPADA. MERA DETENÇÃO. INCABIMENTO DA TUTELA. 1. Agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de Ação Civil Pública de Desapropriação Indireta c/c Pedido de Regularização Fundiária, movida pela Defensoria Pública da União e pela Defensoria Pública do Estado do Ceará em face da UFC e do Município de Fortaleza, a qual indeferiu pedido de tutela de urgência formulado no sentido de ser suspensa ordem de despejo, até o cumprimento da desapropriação indireta do imóvel em questão (terreno ocupado pela Comunidade do Açaí). 2. Argumentam os agravantes que: a) a ação civil pública de desapropriação indireta, cumulada com pedido de regularização fundiária (nº 0804037- 44.2019.4.05.8100) foi proposta em favor de mais de duas centenas de famílias carentes, integrantes da COMUNIDADE DO AÇAÍ, que ocuparam e moram, desde o ano de 2015, em um terreno supostamente pertencente à UFC, tendo nele construído suas moradias, inicialmente barracos, 205


atualmente casas de alvenaria (duzentos e trinta e oito moradias), as quais, posteriormente, tomaram conhecimento de que o imóvel que passaram a ocupar pertenceria ao patrimônio imobiliário da UFC; b) já foram implantados no local alguns serviços públicos e de interesse social, ainda que alguns deles de forma precária; c) a COMUNIDADE DO AÇAÍ ocupa, há vários anos, área dominial não utilizada em sua finalidade pública, tendo sido implementada, pela posse e moradia, a função social da propriedade; d) a ocupação deu origem à Comunidade do Açaí, que é composta por famílias hipossuficientes, com muitas crianças, inclusive em idade de primeira infância, mulheres, idosos, portadores de necessidades especiais e gestantes, ou seja, pessoas que necessitam e tem direito à especial proteção do Estado; e) o Município de Fortaleza não tem política habitacional própria, limitando-se ao cadastro e elaboração do dossiê do Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, que tem no sorteio a única forma de acesso à moradia, não se tendo notícia de nenhuma família da ocupação que tenha sido contemplada; f) no bojo do Processo 0805064-04.2015.4.05.8100 (ação de reintegração de posse movida pela UFC), houve a expedição de mandado de reintegração de posse que poderá ser cumprido a qualquer momento para despejar cerca de 238 (duzentos e trinta e oito) famílias de suas moradias (mais de 600 seiscentas pessoas); g) o acórdão proferido pelo TRF5, no bojo do Agravo de Instrumento 0807140-17.2016.4.05.0000 (vinculado à referida Ação de Reintegração de Posse 080506404.2015.4.05.8100), não constitui óbice à concessão da tutela provisória de urgência postulada por meio da ACP 0804037-44.2019.4.05.8100 (processo principal), porque não há identidade entre esta e a demanda deduzida na ação de reintegração de posse (PJe 0805064-04.2015.4.05.8100), sendo 206


diversos os respectivos elementos identificadores; h) a referida ação de reintegração de posse (PJe 0805064-04.2015.4.05.8100) tem por causa de pedir a alegação de que “cerca de 50 pessoas, das mais diversas faixas etárias, inclusive mulheres e crianças, teriam invadido uma área de aproximadamente 4 hectares do PCI, na sua ala oeste”, e veicula o pedido de “expedição de ordem de manutenção/reintegração de posse” da UFC na área em questão, girando a discussão em torno do direito do alegado possuidor de ser mantida a sua posse em caso de turbação, e de ser reintegrado em caso de esbulho (art. 560 do CPC), enquanto que na ação civil pública (0804037-44.2019.4.05.8100) a que se vincula o presente agravo, a causa de pedir é a consolidação da situação de fato consistente na ocupação e residência, por mais de duas centenas de famílias, por vários anos, na área em questão, e o pedido refere-se à decretação da desapropriação judicial indireta (artigo 1.228, § 4º, do CC), com a consequente regularização fundiária do terreno, e com o pedido subsidiário de que seja determinado o reassentamento de todas as famílias da Comunidade que serão atingidas pela ordem de reintegração de posse, proferida no bojo do dito Processo n° 0805064-04.2015.4.05.8100. Defende a parte agravante que, dada a ausência de identidade entre a ação de reintegração de posse (0805064-04.2015.4.05.8100) e a ação civil pública (0804037-44.2019.4.05.8100), o acórdão proferido no bojo do Agravo de Instrumento n° 0807140-17.2016.4.05.0000 (vinculado à Ação de Reintegração 0805064-04.2015.4.05.8100) não impede, automaticamente, a concessão da tutela provisória de urgência, dado que cabível por motivos diferentes daqueles assentados por esta Corte Regional. Defende a tese de que, embora não possa ser desrespeitado o acórdão proferido 207


por este Regional (no que diz respeito à discussão da posse da área em questão), não está o juízo de base impedido de conceder a tutela provisória de urgência, em razão de outros fundamentos, vinculados à discussão sobre a desapropriação indireta e à regularização fundiária daquele mesmo terreno. 3. No acórdão proferido pela Segunda Turma deste TRF5, em 05/04/2017, nos autos do PJe 0807140-17.2016.4.05.0000 (agravo de instrumento vinculado à referida ação de reintegração de posse proposta pela UFC, Processo 080506404.2015.4.05.8100), restou confirmada a reintegração de posse na área ocupada pela Comunidade do Açaí (15/07/2015), em favor da Universidade, esta liminarmente deferida nos autos daquela ação principal, desde 15/09/2015, porém, suspensa por determinado período, em razão de tratativas entre as partes e eventuais concessões de efeito suspensivo a recursos anteriormente interpostos, os quais restaram infrutíferos e/ou superados, considerando-se que “o recorrente não logrou êxito em comprovar a existência do fato constitutivo de seu direito, ou seja, de que a propriedade relativa à área localizada no Campus do Pici não pertencia à Universidade Federal do Ceará”. 4. Por outro lado, registra-se que a parte agravante fundamenta seu pleito de manutenção de posse, até a apreciação do seu pedido principal de mérito (“desapropriação judicial indireta” do bem imóvel ocupado pelos integrantes da Comunidade do Açaí, sob a alegação de atendimento ao interesse social de titularização do domínio em nome dos ocupantes), invocando os ditames do artigo 1.228, § 4º, do CC, o qual preceitua que “o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número 208


de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”. 5. In casu, os integrantes da Comunidade do Açaí ocuparam (esbulho), a partir de 2015, parte do bem de uso especial de propriedade da UFC, cuja posse foi contestada no mesmo ano pelo ente público proprietário, não perfazendo, portanto, o período de cinco anos de posse de boa-fé a que se refere o dito dispositivo. 6. Por outro lado, a pretendida manutenção da posse, com base no pleito de regularização fundiária de interesse social, de que trata o artigo 9º, § 2º, da Lei 13.465/2017, também não oferece lastro para a concessão da pretendida antecipação de tutela, quando em confronto com a determinação contida no referido acórdão desta Corte (proferido nos autos da ação de reintegração de posse proposta pela UFC), considerando-se que se trata de área pública ocupada irregularmente, que não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. 7. Agravo de instrumento desprovido. Agravo interno prejudicado. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima identificadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, julgado prejudicado o agravo interno, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 11 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 13 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO - Relator 209


RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO: Cuida-se de agravo de instrumento interposto contra decisão proferida nos autos de Ação Civil Pública de Desapropriação Indireta c/c Pedido de Regularização Fundiária, movida pela Defensoria Pública da União e pela Defensoria Pública do Estado do Ceará em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ - UFC e do Município de Fortaleza, a qual indeferiu pedido de tutela de urgência formulado no sentido de ser suspensa ordem de despejo, até o cumprimento da desapropriação indireta do imóvel em questão (terreno ocupado pela Comunidade do Açaí). Argumentam os agravantes que: a) a ação civil pública de desapropriação indireta, cumulada com pedido de regularização fundiária (nº 080403744.2019.4.05.8100) foi proposta em favor de mais de duas centenas de famílias carentes, integrantes da COMUNIDADE DO AÇAÍ, que ocuparam e moram, desde o ano de 2015, em um terreno supostamente pertencente à UFC, tendo nele construído suas moradias, inicialmente barracos, atualmente casas de alvenaria (duzentos e trinta e oito moradias), as quais, posteriormente, tomaram conhecimento de que o imóvel que passaram a ocupar pertenceria ao patrimônio imobiliário da UFC; b) já foram implantados no local alguns serviços públicos e de interesse social, ainda que alguns deles de forma precária; c) a COMUNIDADE DO AÇAÍ ocupa, há vários anos, área dominial não utilizada em sua finalidade pública, tendo sido implementada, pela posse e moradia, a função social da propriedade; d) a ocupação deu origem à Comunidade do Açaí, que é composta por famílias hipossuficientes, com muitas crianças, inclusive em idade de primeira infância, mulheres, idosos, portadores de necessidades especiais e gestantes, ou seja, pessoas que necessitam e tem direito à especial proteção do Estado; e) o MUNICÍPIO DE FORTALEZA não tem política habitacional própria, limitando-se ao cadastro e elaboração do dossiê do 210


Programa Minha Casa Minha Vida - PMCMV, que tem no sorteio a única forma de acesso à moradia, não se tendo notícia de nenhuma família da ocupação que tenha sido contemplada; f) no bojo do Processo 0805064-04.2015.4.05.8100 (ação de reintegração de posse movida pela UFC), houve a expedição de mandado de reintegração de posse que poderá ser cumprido a qualquer momento para despejar cerca de 238 (duzentos e trinta e oito) famílias de suas moradias (mais de 600 seiscentas pessoas); g) o acórdão proferido pelo TRF5, no bojo do Agravo de Instrumento 0807140-17.2016.4.05.0000 (vinculado à referida Ação de Reintegração de Posse 0805064-04.2015.4.05.8100), não constitui óbice à concessão da tutela provisória de urgência postulada por meio da ACP 0804037-44.2019.4.05.8100, porque não há identidade entre esta e a demanda deduzida na ação de reintegração de posse (PJe 0805064-04.2015.4.05.8100), sendo diversos os respectivos elementos identificadores; h) a referida ação de reintegração de posse (PJe 080506404.2015.4.05.8100) tem por causa de pedir a alegação de que “cerca de 50 pessoas, das mais diversas faixas etárias, inclusive mulheres e crianças, teriam invadido uma área de aproximadamente 4 hectares do PCI, na sua ala oeste”, e veicula o pedido de “expedição de ordem de manutenção/ reintegração de posse” da UFC na área em questão, girando a discussão em torno do direito do alegado possuidor de ser mantida a sua posse em caso de turbação, e de ser reintegrado em caso de esbulho (art. 560 do CPC), enquanto que na ação civil pública (0804037-44.2019.4.05.8100) a que se vincula o presente agravo, a causa de pedir é a consolidação da situação de fato consistente na ocupação e residência, por mais de duas centenas de famílias, por vários anos, na área em questão, e o pedido refere-se à decretação da desapropriação judicial indireta (artigo 1.228, § 4º, do CC), com a consequente regularização fundiária do terreno, e com o pedido subsidiário de que seja determinado o reassentamento de todas as famílias da Comunidade que serão atingidas pela ordem de reintegração de posse, proferida no bojo do dito Processo n° 0805064-04.2015.4.05.8100. 211


Defende a parte agravante que, dada a ausência de identidade entre a ação de reintegração de posse (0805064-04.2015.4.05.8100) e a ação civil pública (0804037-44.2019.4.05.8100), o acórdão proferido no bojo do Agravo de Instrumento n° 080714017.2016.4.05.0000 (vinculado à Ação de Reintegração 080506404.2015.4.05.8100) não impede, automaticamente, a concessão da tutela provisória de urgência, dado que cabível por motivos diferentes daqueles assentados por esta Corte Regional. Defende a tese de que, embora não possa ser desrespeitado o acórdão proferido por este Regional (no que diz respeito à discussão da posse da área em questão), não está o juízo de base impedido de conceder a tutela provisória de urgência, em razão de outros fundamentos, vinculados à discussão sobre a desapropriação indireta e à regularização fundiária daquele mesmo terreno. Aduzem, ainda, que na decisão ora agravada houve uma aparente confusão entre “o instituto jurídico de Direito Administrativo da Desapropriação Indireta” (Decreto-Lei 3.365/1941) e a desapropriação judicial indireta (artigo 1.228, § 4º, do CC), ao consignar que “a desapropriação indireta judicial, pretendida pelas entidades autoras, somente estaria caracterizada na hipótese de se tratar de bem particular, de propriedade dos ocupantes ou moradores da Comunidade do Açaí, que tivesse sido objeto de apossamento administrativo ilícito pela Universidade Federal do Ceará, ou pelo Município de Fortaleza”, considerando-se que a tutela provisória de urgência postulada, por meio da ação civil pública (080403744.2019.4.05.8100), não se funda no Decreto-Lei 3.365/1941, mas, sim, no artigo 1.228, § 4º, do Código Civil (Lei 10.406/2002), a qual não pressupõe a ocupação de área particular pelo Poder Público, sendo a hipótese de incidência de tal norma justamente o inverso disso. Sustenta que, ainda que assim não fosse, restaria a possibilidade da concessão da tutela provisória de urgência postulada em razão da aplicação das normas que autorizam a regularização fundiária de interesse social, frente ao disposto na Lei 13.465/2017, que, em seu artigo 9º, § 2º, garante o direito à moradia e à regularização fundiária de imóveis, comprovadamente ocupados por comunidade carente em data anterior a 22/12/2016, aspecto esse 212


que não chegou a ser apreciado na decisão agravada, apesar de a petição inicial da ACP veicular essa pretensão. Liminar indeferida. Agravo interno proposto (Id. 4050000.15622896). Contrarrazões apresentadas. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO (Relator): O cerne da controvérsia a ser dirimida diz respeito à permanência das famílias da Comunidade do Açaí na área em questão (identificada na ACP, processo principal 0804037-44.2019.4.05.8100) até: a) o cumprimento da desapropriação indireta do imóvel em alusão, na forma do artigo 1.228, § 4º, do Código Civil, com a respectiva regularização fundiária, na forma do artigo 9º, § 2º, da Lei 13.465/2017; b) subsidiariamente, até que o MUNICÍPIO DE FORTALEZA providencie o reassentamento das famílias em outra área, preferencialmente, em bairro próximo ao terreno hoje ocupado. No acórdão proferido pela Segunda Turma deste TRF5, em 05/04/2017, nos autos do PJe 0807140-17.2016.4.05.0000 (agravo de instrumento vinculado à referida ação de reintegração de posse proposta pela UFC, Processo 0805064-04.2015.4.05.8100), restou confirmada a reintegração de posse na área ocupada pela Comunidade do Açaí (15/07/2015), em favor da Universidade, esta liminarmente deferida nos autos daquela ação principal, desde 15/09/2015, porém, suspensa por determinado período, em razão de tratativas entre as partes e eventuais concessões de efeito suspensivo a recursos anteriormente interpostos, os quais restaram infrutíferos e/ou superados. O referido acórdão restou assim ementado: Processual Civil. Agravo de instrumento a desafiar decisão que reconsiderou decisão anterior, que deferiu a reintegração de posse em favor da Universidade Federal do Ceará, de área ocupada pela Comunidade do Açaí. O exame dos autos, revelam que nada de novo foi acres213


centado ao processo que pudesse infirmar as razões de decidir do PJe - AGTR0805062-84.2015.4.05.0000, julgado por esta Turma em 19 de janeiro de 2016. Com efeito, as provas a parte agravada juntou aos autos, no sentido de amparar sua pretensão, de que o terreno não seria da Universidade Federal do Ceará, são as mesmas que instruíram o referido feito: a) Certidão do 1º Ofício de Registro de Imóveis referente a um terreno que em 1933 foi adquirido pelo estado do Ceará; b) um desenho de caneta feito a mão sobre um mapa, sem assinatura, data ou identificação de quem foi o responsável por sua elaboração, que supostamente deveria identificar a área pertencente à UFC e diferenciá-la da área ocupada. Desde que aportou nesta Corte, tem-se como inegável a posse da Universidade Federal do Ceará, a data do esbulho [15 de julho de 2015], e tratando-se de pessoa jurídica de direito público, a medida liminar para a reintegração de posse deveria ser concedida inaudita autera pars, assim procedeu o juízo recorrido naquele agravo de instrumento. Em vista disso, os argumentos daquele julgados permanecem hígidos e se prestam a amparar a pretensão possessória da agravante: Com efeito, a legislação é clara, e, comprovada a posse da Universidade Federal do Ceará, a data do esbulho [15 de julho de 2015], e tratando-se de pessoa jurídica de direito público, a medida liminar para a reintegração de posse deveria ser concedida, como fez o juízo a quo, sem a necessidade de prévia audiência. No presente caso, o único elemento, efetivamente, questionado pelos recorrentes é a propriedade/posse da área ocupada. Em prol de seus argumentos, apresenta um rascunho de mapa, cujos supostos limites da área do Campus de Pici, de propriedade da Universidade Federal do Ceará, são traçados grosseiramente a mão, além de uma certidão do 1º Ofício de Registros de Imóveis, relativa a um terreno de propriedade do Estado do Ceará, que em nada possibilita identificar a área ocupada, não se prestando para infirmar a convicção do magistrado quanto à detenção da posse pela autarquia federal. Assim, comprovada a posse e o esbulho, e sendo irrelevante a data deste por se tratar de bem de natureza pública, tem a agravada o direito de ser reintegrada na posse da área, inclusive com a retirada

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das edificações construídas pelos agravantes, nos termos dos arts. 927 e 928, todos do Código de Processo Civil. O Ministério Público Federal apresentou o Parecer nº 18547/2015 que veio a corroborar o entendimento acima exposto. Com efeito, o recorrente não logrou êxito em comprovar a existência do fato constitutivo de seu direito, ou seja, de que a propriedade relativa à área localizada no Campus do Pici não pertencia à Universidade Federal do Ceará. A saber, os documentos juntados aos autos do presente processo pela parte agravada afastam a verossimilhança das alegações feitas pelo recorrente. Agravo de instrumento provido. (TRF5, 2ª turma, PJe 0807140-17.2016.4.05.0000, Rel. Des. Fed. Vladimir Souza Carvalho, Data de Assinatura: 18/04/2017)

Por outro lado, registra-se que a parte agravante fundamenta seu pleito de manutenção de posse, até a apreciação do seu pedido principal de mérito (“desapropriação judicial indireta” do bem imóvel ocupado pelos integrantes da Comunidade do Açaí, sob a alegação de atendimento ao interesse social de titularização do domínio em nome dos ocupantes), invocando os ditames do artigo 1.228, § 4º, do CC, o qual preceitua que “o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante”. (Grifos acrescidos) In casu, os integrantes da Comunidade do Açaí ocuparam (esbulho), a partir de 2015, parte do bem de uso especial de propriedade da UFC, cuja posse foi contestada no mesmo ano pelo ente público proprietário, não perfazendo, portanto, o período de cinco anos de posse de boa-fé a que se refere o dito dispositivo. Por outro lado, a pretendida manutenção da posse, com base no pleito de regularização fundiária de interesse social, de que trata o artigo 9º, § 2°, da Lei 13.465/2017, também não oferece lastro para a concessão da pretendida antecipação de tutela, quando em confronto com a determinação contida no referido acórdão desta Corte (proferido nos autos da ação de reintegração de posse 215


proposta pela UFC), considerando-se que se trata de área pública ocupada irregularmente, que não pode ser reconhecida como posse, mas como mera detenção. Com essas considerações, nego provimento ao agravo de instrumento. Julgo prejudicado o agravo interno. É como voto.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0805949-54.2016.4.05.8400-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CAR VALHO Apelantes: SUELY TEIXEIRA DE FARIA E OUTRO Apelados: BANCO CENTRAL DO BRASIL E OUTRO Advs./Procs.: DRS. ANDRÉ FRANCO RIBEIRO DANTAS (APTES.) E ISABELA SALUSTINO DE CARVALHO RAMALHO (APDOS.) EMENTA: ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. SERVIDOR DO BANCO CENTRAL. ESCRITURA DE DIVÓRCIO CONSENSUAL. EX-CÔNJUGE QUE RECEBIA PENSÃO ALIMENTÍCIA. RATEIO COM A COMPANHEIRA EM PARTES IGUAIS. POSSIBILIDADE. 1. O Banco Central do Brasil e a autora Suely Teixeira de Faria apelam de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o banco a pagar o percentual de 20% (vinte por cento) do benefício de pensão por morte do instituidor Newton Nelson de Faria a partir da data do requerimento administrativo (20/05/2016). Houve a determinação para que a autora permanecesse como dependente do Programa de Assistência à Saúde do Banco Central do Brasil. Correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal e juros de mora, contados da citação, nos termos da Lei 9.494/97 (Lei 11.960/09). Honorários advocatícios fixados em 10% (dez 216


por cento) sobre o valor da condenação (valor da causa: R$ 108.000,00). Em sede de embargos, o magistrado determinou a compensação administrativa de eventuais efeitos financeiros advindos da concessão de liminar em sede de agravo de instrumento, que fixou o percentual de 30% (trinta por cento) da pensão por morte, quando o correto seria 20% (vinte por cento). 2. Em suas razões recursais, a autora sustenta que a sentença reconheceu a escritura pública de divórcio na qual consta a fixação de pensão alimentícia para fins de assegurar o direito à pensão por morte, mas limitou o benefício ao percentual de 20% (vinte por cento). Aduz que, independentemente do percentual fixado ao tempo da vigência da pensão alimentícia para o ex-cônjuge, a pensão por morte instituída pelo falecimento do servidor cuida de nova relação jurídica com regramento diverso. Afirma que a Lei 8.213/91 em seu art. 76, § 2º, prevê o rateio em partes iguais entre os beneficiários de pensão por morte. Por fim, requer a pensão por morte no percentual de 50% (cinquenta por cento), com rateio igual entre as duas beneficiárias (Id. 4058400.3470523). 3. O Banco Central, em seu apelo, sustenta que a concessão de pensão por morte deve observar o disposto nos artigos 215 a 225 da Lei 8.112/90. Argumenta que a referência ao título judicial no art. 217, II, da Lei 8.112/90 evita que determinados negócios privados repercutam sobre os cofres públicos. Assim, alega que a autora não está legitimada a receber a pensão por morte, já que a pensão alimentícia não foi estabelecida judicialmente, mas pela via extrajudicial. Pugna pela improcedência do pedido (Id. 4058400.3569893). 4. Cuida-se de ação ordinária promovida por Suely Teixeira de Faria com o objetivo de obter a concessão de pensão por morte de ex-cônjuge. 217


A autora afirma, em sua inicial, que foi casada com o instituidor da pensão, Newton Nelson de Faria, durante 34 (trinta e quatro) anos, mas se divorciaram em 2008, com a concessão de pensão alimentícia, conforme a escritura pública acostada aos autos (Id. 4058400.1576557, 4058400.1576558). 5. O ex-marido faleceu em 07/05/2016 (Id. 4058400. 1576561) e a autora teve o pedido de pensão por morte negado administrativamente, pois o divórcio não foi concedido judicialmente (Id. 4058400.1576563 - p. 4). 6. O instituidor teve união estável reconhecida judicialmente com Maria Nina Salustino de Faria em 10/06/2016 (Id. 4058400.1768102). 7. Com relação à pensão alimentícia, consta na escritura pública de divórcio consensual que foi fixada uma pensão mensal de 20% (vinte por cento) do valor bruto dos proventos do instituidor no Banco Central (Id. 4058400.1576557 - p. 5). Também consta a disposição (item 9.1) que, em caso de falecimento do instituidor da pensão, caberia o direito ao recebimento de pensão por morte como dependente. 8. Consoante o art. 217, II, da Lei 8.112/90, com redação dada pela Lei 13.135/2015, são beneficiários da pensão o cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato, com percepção de pensão alimentícia estabelecida judicialmente. 9. O Banco Central alega que a autora não faz jus à pensão por morte sob o fundamento de que os alimentos foram fixados mediante título extrajudicial e não judicialmente, violando o art. 217, II, da Lei 8.112/90. No entanto, isso não pode servir como óbice ao recebimento do referido benefício por aqueles que tiverem sua pensão alimentícia fixada através de escritura pública, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da razoabilidade, além da Emenda Constitucional 66/2010 218


que passou a admitir a dissolução do casamento de forma consensual. 10. O STJ já se posicionou no sentido de que o rateio do valor referente à pensão por morte deixada pelo varão, entre a ex-cônjuge divorciada e a viúva, deve ocorrer em partes iguais, independentemente do percentual que vinha sendo recebido pela ex-esposa a título de pensão alimentícia. Precedente: STJ, AgInt no REsp 1.550.562/ RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 02/08/2019. 11. Deve-se reconhecer o direito ao recebimento da pensão por morte em paridade de condições com a companheira do instituidor, independentemente do percentual fixado a título de pensão alimentícia. Assim, fica fixada a cota-parte de pensão por morte em 50% (cinquenta por cento) para a autora, com efeitos financeiros a partir do requerimento administrativo (20/05/2016). 12. Honorários recursais fixados em desfavor do Banco Central no percentual de 1% (um por cento), acrescidos aos honorários estabelecidos na sentença. 13. Apelação do Banco improvida e apelação da autora provida para aumentar a cota de pensão por morte para 50% (cinquenta por cento). Ressalvado o entendimento pessoal do Desembargador Paulo Cordeiro. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em negar provimento à apelação do Banco, e dar provimento à apelação da autora, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, 4 de março de 2020. (Julgamento) 10 de março de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO Relator 219


RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO: O Banco Central do Brasil e a autora Suely Teixeira de Faria apelam de sentença que julgou parcialmente procedente o pedido para condenar o banco a pagar o percentual de 20% (vinte por cento) do benefício de pensão por morte do instituidor Newton Nelson de Faria a partir da data do requerimento administrativo (20/05/2016). Houve a determinação para que a autora permanecesse como dependente do Programa de Assistência à Saúde do Banco Central do Brasil. Correção monetária nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal e juros de mora, contados da citação, nos termos da Lei 9.494/97 (Lei 11.960/09). Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (valor da causa: R$ 108.000,00). Em sede de embargos, o magistrado determinou a compensação administrativa de eventuais efeitos financeiros advindos da concessão de liminar em sede de agravo de instrumento, que fixou o percentual de 30% (trinta por cento) da pensão por morte, quando o correto seria 20% (vinte por cento). Em suas razões recursais, a autora sustenta que a sentença reconheceu a escritura pública de divórcio na qual consta a fixação de pensão alimentícia para fins de assegurar o direito à pensão por morte, mas limitou o benefício ao percentual de 20% (vinte por cento). Aduz que, independentemente do percentual fixado ao tempo da vigência da pensão alimentícia para o ex-cônjuge, a pensão por morte instituída pelo falecimento do servidor cuida de nova relação jurídica com regramento diverso. Afirma que a Lei 8.213/91 em seu art. 76, § 2º, prevê o rateio em partes iguais entre os beneficiários de pensão por morte. Por fim, requer a pensão por morte no percentual de 50% (cinquenta por cento), com rateio igual entre as duas beneficiárias (Id. 4058400.3470523). O Banco Central, em seu apelo, sustenta que a concessão de pensão por morte deve observar o disposto nos artigos 215 a 225 da Lei 8.112/90. Argumenta que a referência ao título judicial no art. 217, II, da Lei 8.112/90 evita que determinados negócios privados repercutam sobre os cofres públicos. Assim, alega que a autora não está legitimada a receber a pensão por morte, já 220


que a pensão alimentícia não foi estabelecida judicialmente, mas pela via extrajudicial. Pugna pela improcedência do pedido (Id. 4058400.3569893). Contrarrazões recebidas. Subiram os autos, sendo-me conclusos por força de distribuição. É o relatório. Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento. VOTO O EXMO. DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO (Relator): Cuida-se de ação ordinária promovida por Suely Teixeira de Faria com o objetivo de obter a concessão de pensão por morte de ex-cônjuge. A autora afirma, em sua inicial, que foi casada com o instituidor da pensão, Newton Nelson de Faria, durante 34 (trinta e quatro) anos, mas se divorciaram em 2008, com a concessão de pensão alimentícia, conforme a escritura pública acostada aos autos (Id. 4058400.1576557, 4058400.1576558). O ex-marido faleceu em 07/05/2016 (Id. 4058400.1576561) e a autora teve o pedido de pensão por morte negado administrativamente, pois o divórcio não foi concedido judicialmente (Id. 4058400.1576563 - p. 4). O instituidor teve união estável reconhecida judicialmente com Maria Nina Salustino de Faria em 10/06/2016 (Id. 4058400. 1768102). Com relação à pensão alimentícia, consta na escritura pública de divórcio consensual que foi fixada uma pensão mensal de 20% (vinte por cento) do valor bruto dos proventos do instituidor no Banco Central (Id. 4058400.1576557 - p. 5). Também consta a disposição (item 9.1) que, em caso de falecimento do instituidor da pensão, caberia o direito ao recebimento de pensão por morte como dependente. Consoante o art. 217, II, da Lei 8.112/90, com redação dada pela Lei 13.135/2015, são beneficiários da pensão o cônjuge di221


vorciado ou separado judicialmente ou de fato, com percepção de pensão alimentícia estabelecida judicialmente. O Banco Central alega que a autora não faz jus à pensão por morte sob o fundamento de que os alimentos foram fixados mediante título extrajudicial e não judicialmente, violando o art. 217, II, da Lei 8.112/90. No entanto, isso não pode servir como óbice ao recebimento do referido benefício por aqueles que tiverem sua pensão alimentícia fixada através de escritura pública, sob pena de afronta aos princípios da isonomia e da razoabilidade, além da Emenda Constitucional 66/2010 que passou a admitir a dissolução do casamento de forma consensual. O STJ já se posicionou no sentido de que o rateio do valor referente à pensão por morte deixada pelo varão, entre a ex-cônjuge divorciada e a viúva, deve ocorrer em partes iguais, independentemente do percentual que vinha sendo recebido pela ex-esposa a título de pensão alimentícia. Precedente: STJ, AgInt no REsp 1.550.562/RJ, Rel. Min. Sérgio Kukina, DJe 02/08/2019. Deve-se reconhecer o direito ao recebimento da pensão por morte em paridade de condições com a companheira do instituidor, independentemente do percentual fixado a título de pensão alimentícia. Assim, fica fixada a cota-parte de pensão por morte em 50% (cinquenta por cento) para a autora, com efeitos financeiros a partir do requerimento administrativo (20/05/2016). Honorários recursais fixados em desfavor do Banco Central no percentual de 1% (um por cento), acrescidos aos honorários estabelecidos na sentença. Diante do exposto, nego provimento à apelação do Banco e dou provimento à apelação da autora para aumentar a cota de pensão por morte para 50% (cinquenta por cento). É como voto.

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COMPOSIÇÃO DA TERCEIRA TURMA


Desembargador Federal Cid Marconi Presidente da Terceira Turma Período: março/2019 a março/2021

Desembargador Federal Rogério Fialho

Desembargador Federal Fernando Braga


JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0809128-61.2018.4.05.8000-AL (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA Apelante: LUCAS CARNEIRO RODRIGUES DE BARROS Apelados: FERNANDO DOS SANTOS FREITAS E OUTRO Advs./Procs.: DRS. MIRIÂNGELA ZEFERINO DO CARMO QUEI RÓS (APTE.) E ISMAR RIBEIRO UCHÔA JÚNIOR (APDOS.) EMENTA: PROPRIEDADE INTELECTUAL. DIREITO MARCÁRIO. INPI. NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. BANDAS DE MÚSICA. BANDA THRONUS (LIGADA AO MOVIMENTO EVANGÉLICO, DEDICADA AO GÊNERO ROCK RELIGIOSO), REGISTRADA EM 2011. BANDA MINISTÉRIO TRONOS (LIGADA À IGREJA CATÓLICA, DEDICADA AOS GÊNEROS SOUL E FUNK AMERICANO), REGISTRADA EM 2017. AMBAS COM ATUAÇÃO NA CIDADE DE MACEIÓ. EXPRESSÃO DE USO COMUM. MARCA EVOCATIVA OU MARCA “FRACA”. EXCLUSIVIDADE MITIGADA. USO INDEVIDO POR TERCEIRO. VIOLAÇÃO DE MARCA. DANO MORAL IN RE IPSA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Apelação interposta por Lucas Carneiro Rodrigues de Barros em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos por ele formulados em desfavor do Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI e de Fernando Dos Santos Freitas, objetivando o cancelamento do registro da marca denominada “Ministério Tronos”, cuja natureza é de serviço de entretenimento - Banda Musical, e, em consequência, a suspensão dos efeitos do registro e do uso desta, além de condenação por danos morais. 2. A jurisprudência deste Tribunal vem se consolidando pela prescindibilidade de requerimento administrativo antecedente ao ingresso na via 226


judicial quando a legislação de regência não exige expressamente a prévia postulação, como é o caso. Preliminar de ausência de interesse de agir rejeitada. 3. O demandante sustenta que a indiscutível semelhança fonética entre as marcas “Thronus” e “Ministério Tronos” deveria ter sido sopesada como óbice ao registro desta última, por sua aptidão de gerar confusão no público para o qual sua banda vem se apresentando. Com efeito, o acolhimento da tese deduzida pelo autor, ora apelante, poderia, ao menos em tese, ensejar o cancelamento do registro da marca do réu, bem como a reparação pelo dano extrapatrimonial consistente na violação de sua marca. Preliminar de ilegitimidade passiva do INPI rejeitada. 4. É firme o entendimento do STJ no sentido de que a decisão sobre o indeferimento ou a revogação da gratuidade de justiça deve estar calcada na avaliação concreta acerca da situação econômica da parte interessada, de sorte que a utilização de critérios não previstos na legislação de regência (contratação de advogado particular, exercer a atividade de bancário, ser dono de marca de banda) importaria em violação ao disposto no art. 99, § 2º, do CPC/2015. 5. Preliminar de revogação da gratuidade de justiça concedida ao autor rejeitada. Deferimento do pedido deste mesmo benefício em favor de Fernando dos Santos Freitas. 6. O cerne da controvérsia dos autos gravita em torno da higidez do ato administrativo do INPI que concedeu ao réu, Fernando dos Santos Freitas, em 2017, o registro da marca Ministério Tronos (Registro nº 909.864.845), considerando possível semelhança e confusão com relação à marca Thronus, registrada em 2011 em favor do autor, Lucas Carneiro Rodrigues de Barros (Registro nº 830.210.768). 227


7. É absolutamente incontroverso que o registro da marca Thronus é anterior ao da marca Ministério Tronos, sendo imperioso pontuar que ambas se dedicam à prestação de serviços de entretenimento como bandas de música religiosa, além de concentrarem sua atuação na mesma região do Estado de Alagoas. 8. De acordo com o apelante, a banda Ministério Tronos vem sendo frequentemente anunciada em encartes de shows apenas como Banda Tronos, o que confere exatamente a mesma sonoridade de sua banda Thronus, ensejando problemas de identificação tanto para o público quanto para os contratantes. 9. Por outro lado, o apelado, Fernando dos Santos Freitas, defende que diversos traços distintivos respaldam o registro de sua marca “Ministério Tronos”. Em primeiro lugar, esclarece que sua banda consiste em um ministério de música católica nos gêneros Soul e Funk Americano, ao passo que a banda Thronus professa a fé evangélica através do Rock, o que já seria suficiente para atingir públicos específicos. Em seguida, sustenta que a grafia das palavras conduz a significados diferentes, sendo “Tronos” um dos nove coros de anjos, ao passo que “Thronus”, do latim, corresponde a um tipo específico de assento. Além disso, comparando a forma como as marcas são apresentadas publicamente, pode-se perceber que possuem fontes, cores e imagens totalmente distintas. 10. A Lei nº 9.279/96 contém previsão específica que impede o registro de marca quando se constar a ocorrência de “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia” (art. 124, inciso XIX). 228


11. A proteção da marca alcança tanto os direitos individuais de seu proprietário, quanto os interesses coletivos do público consumidor, pois é capaz de garantir a confiabilidade do produto ou serviço ofertado, evitando aquisições lastreadas em erro. 12. No caso concreto, está correta a análise técnica realizada pelo INPI que, embora tenha reconhecido a semelhança fonética entre os termos Thronus e Tronos, ressaltou que a legalidade da coexistência dos registros das marcas em tela deve ser aferida com base nas solicitações constantes dos respectivos registros, e não com base em um possível mau uso da marca por seu titular. 13. A despeito da evidente proximidade fonética que se extrai de Thronus e Tronos, ao se considerar que as marcas são, efetivamente, Thronus e Ministério Tronos, não se pode concluir pela reprodução ou imitação de marca anterior, pois ao se comparar o aspecto gráfico, é possível observar que a segunda marca “Ministério Tronos” não se valeu da forma em latim utilizada pela primeira. 14. A circunstância mais relevante para o deslinde da controvérsia reside no baixo grau de distintividade da marca Thronus, justamente por se tratar de marca evocativa ou sugestiva, por se constituir a partir de expressão que remete a um conceito de uso comum do cristianismo. 15. As expressões Thronus (uma classe de anjos) e Tronos (assentos destinados aos soberanos), conquanto tenham significados distintos, em razão de sua sonoridade, remetem qualquer membro da comunidade cristã à um dos símbolos do cristianismo, independentemente de possíveis afinidades católicas ou com a fé evangélica. 16. De acordo com remansosa jurisprudência do STJ, “marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca 229


originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes”. Precedentes. 17. Diante do fato de a denominação “Thronus” consistir em expressão evocativa/sugestiva de uso comum às religiões cristãs, deve o autor suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes, como é o caso da marca “Ministério Tronos”, ainda que sua marca tenha sido previamente registrada perante o INPI. 18. Ausente o pressuposto da conduta ilícita ou conduta lícita com abuso de direito (art. 927 do CCB), descabe falar em dever de indenizar pelo INPI devido à concessão de registro de marca evocativa. 19. O autor acostou aos autos prova documental de que o réu, Fernando dos Santos Freitas, vem postando nas redes sociais de sua banda a divulgação de diversos eventos com designação distinta da marca registrada perante o INPI, onde consta exclusivamente o vocábulo Tronos. 20. Assim, contrariamente ao entendimento a que chegou o juízo de primeiro grau, há sim evidências materiais de mau uso da marca “Ministério Tronos” por seu titular, o réu Fernando dos Santos Freitas, que vem divulgando sua agenda de shows de forma inquestionavelmente capaz de induzir o homem médio a erro através da indevida associação de sua marca àquela preexistente e também dotada de proteção legal, qual seja, a Thronus. 21. Conquanto não tenha havido a reprodução gráfica em latim da marca Thronus nas divulgações em comento, a menção de shows da banda Tronos, ao invés de Ministério Tronos, revela que o particular demandado que atua no mesmo segmento mercadológico passou a adotar apenas a parcela de sua marca que não apenas 230


se assemelha, mas se identifica foneticamente com a marca preexistente, denotando evidente risco de confusão ou associação indevida do público consumidor e também de potenciais contratantes. Destarte, está provada a captação de público mediante a indevida associação de marca com registro concedido pelo próprio INPI. Precedente. 22. Quanto à fixação do montante a ser pago em favor do apelante a título de compensação pelo dano moral experimentado, destaca-se que ele próprio emendou a petição inicial para requerer o valor certo de R$ 1.000,00 (um mil reais), quantia módica considerada adequada pontualmente para o caso concreto, já que o próprio titular do direito se satisfaz com este patamar, mesmo havendo provas de que o réu publicou 4 (quatro) anúncios envolvendo diversos shows associando indevidamente sua marca à marca do autor. 23. Apelação parcialmente provida apenas para condenar Fernando dos Santos Freitas a pagar ao autor o montante de R$ 1.000,00 (um mil reais) para reparação dos danos morais causados. ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 12 de dezembro de 2019. (Julgamento) 19 de dezembro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA - Relator

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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA: Trata-se de apelação interposta por LUCAS CARNEIRO RODRIGUES DE BARROS em face da sentença que julgou improcedentes os pedidos por ele formulados em desfavor do INSTITUTO NACIONAL DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INPI e de FERNANDO DOS SANTOS FREITAS, objetivando o cancelamento do registro da marca denominada “Ministério Tronos”, cuja natureza é de serviço de entretenimento - Banda Musical, e, em consequência, a suspensão dos efeitos do registro e do uso desta, além de condenação por danos morais. LUCAS CARNEIRO RODRIGUES DE BARROS, em suas razões recursais (Id. 4058000.5189153), apresenta as seguintes alegações de fato e de direito visando à reforma da sentença para julgar procedentes os pedidos formulados: a) O recorrente, em 2009, deu início ao procedimento de registro da marca THRONUS, referente à sua banda musical. O procedimento foi finalizado em 2011. Em 2015, no entanto, o recorrido, Fernando dos Santos Freitas depositou o pedido de registro de sua banda musical, denominada MINISTÉRIO TRONOS. O procedimento foi finalizado em 2017. b) Ambas as marcas possuem a mesma sonoridade, são da mesma região e do mesmo estado, ocupando-se de um mesmo setor, qual seja, a atividade de entretenimento musical: banda de música. Tudo isso tem causado sérios problemas, inclusive de identificação, pois as semelhanças vêm confundindo o público. c) A banda Ministério Tronos tem sido divulgada apenas como TRONOS, o que torna ainda mais frequentes as situações em que o público é confundido. d) Além do constrangimento, o autor se encontra abalado, pois essa identidade de sons faz com que a banda tenha prejuízos, tanto de público como de ordem financeira, por deixarem de fechar contrato para tocarem pelo fato de os contratantes confundirem os nomes das bandas. 232


e) O INPI não deveria ter feito o registro da segunda banda com o nome proposto, pois acabou não respeitando direitos da primeira marca e gerando esta celeuma, haja vista a semelhança – pode-se dizer até equivalência – de sonoridade dos nomes das bandas. O INSTITUTO NACIONAL DE PROPRIEDADE INDUSTRIAL - INPI, em suas contrarrazões (Id. 4058000.5239499), arguiu preliminarmente carência de ação por ausência de interesse de agir uma vez que o autor não impugnou administrativamente o pedido de registro da marca da “Ministério Tronos”. Ainda em sede de preliminar, o INPI sustenta que não possui legitimidade passiva para a presente demanda, por entender que a forma de utilização da marca “Ministério Tronos” por seu proprietário não gera responsabilidade para a autarquia. Quanto ao mérito, pugna pelo improvimento da apelação, alegando, em síntese, que: a) É obrigação dos requerentes de marcas verificarem, antes da requisição de marca, se há alguma outra marca parecida já registrada e o proprietário da marca já registrada também deve estar atento aos pedidos de registros de marcas que colidam com a sua para se opor à concessão da mesma. b) A aplicação da norma relativa à disponibilidade decorre da verificação dos seguintes pressupostos: 1) verificação da existência de marcário anterior, de titularidade diversa; 2) afinidade, similaridade ou identidade de produtos ou serviços assinalados; 3) reprodução ou imitação de marca anterior; e 4) a suscetibilidade de confusão ou associação indevida dos sinais. c) A análise de conflito entre sinais compreende a avaliação dos aspectos gráfico, fonético e ideológico com o objetivo de verificar se as semelhanças existentes geram risco de confusão ou associação indevida. Como regra geral, a análise da colidência entre sinais se baseia na avaliação da impressão geral dos conjuntos, bem como a de seus elementos constituintes, levando-se em conta os aspectos gráficos, fonéticos e ideológicos dos signos comparados. 233


d) No segmento de mercado das marcas em questão, que deve ser considerado para analisar o grau de distintividade do termo em conflito, nota-se que as expressões “Thronus” e “Ministério Tronos” remetem a cunho religioso, indicando que são bandas que se destinam ao mesmo público alvo de ouvintes de música gospel. Portanto, são sinais chamados de evocativos (aqueles que trazem uma relação indireta, aludindo ou sugerindo o segmento de mercado, mesmo assim passíveis de registro) e, apesar da proximidade entre si, estão próximos também do segmento de mercado e não possuem alto grau de distintividade intrínseca. Ao sugerirem ou evocarem o tipo de serviço prestado, podem conviver entre si e com os demais sinais presentes no segmento de mercado apontado. e) Embora as marcas em questão tenham alguma proximidade, ao ser considerada a distintividade inerente de cada um dos sinais, pode-se concluir que não há risco de confusão ou associação indevida pelo público consumidor, se utilizadas como na forma registrada, o que permite que ambos os registros possam conviver validamente. f) O INPI não cometeu qualquer ato ilícito que viesse a dar ensejo a eventual dano moral que o autor tenha sofrido. Não há que se falar em dano moral uma vez que o INPI cumpriu com todas as obrigações que lhe são impostas por lei, fazendo a análise técnica de forma escorreita e garantindo a publicidade e participação dos eventuais terceiros interessados. g) Não obstante esteja figurando no polo passivo, o INPI não deu causa à presente ação, já que o autor sequer cuidou de impugnar o requerimento administrativo do corréu no momento oportuno para debater as questões que ora traz ao feito, uma vez que oportunizada a oposição de terceiros quando da publicação do pedido no procedimento administrativo. Assim, não deve suportar condenação em honorários advocatícios. FERNANDO DOS SANTOS FREITAS, em suas contrarrazões (Id. 4058000.5245917), requer preliminarmente a concessão da gratuidade de justiça em razão de insuficiência de rendimentos para suportar eventuais ônus de sucumbência, bem como a revogação do benefício deferido ao autor, pois é proprietário de uma banda e bancário, estando representado por advogado particular. 234


Quanto ao mérito, pugna pela manutenção da sentença, em síntese, com base nas seguintes alegações: a) O apelante não se insurgiu administrativamente quanto ao pedido de registro da marca “Ministério Tronos”. b) Quanto às marcas em discussão, não há que falar em similitude capaz de gerar confusão de nenhuma natureza, vez que o registro de uma marca não se dá apenas no tocante a vocação verbal, mas sim em uma série de importantes requisitos, como grafia e morfologia por exemplo. c) O “Ministério Tronos” (Registrado pelo Demandado) já atua há mais de 13 anos no cenário musical no Estado de Alagoas e fora dele, tratando-se de um “Ministério de Música” CATÓLICA. Já a banda Thronus, do demandante, é uma banda “PROTESTANTE”, o que afasta qualquer possibilidade de confusão, vez que alcança público totalmente distinto. No presente caso, a única e suposta similitude está na vocação oral. d) O demandado não pode ser condenado a qualquer tipo de imposição bem como o pagamento de danos morais, vez que não praticou direta ou indiretamente qualquer ato ilícito. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA (Relator): Recebo a apelação interposta (Id. 4058000.5189153), considerando presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos para a admissibilidade do recurso. 1. DAS QUESTÕES PRELIMINARES SUSCITADAS PELO INPI Para que uma pretensão seja levada a juízo de modo eficaz, deve existir um vínculo entre os sujeitos da demanda e o objeto litigioso, configurando, assim, a chamada legitimidade ad causam. Trata-se da pertinência subjetiva da ação. Além disso, o provimento jurisdicional requerido deve se revelar útil e necessário ao autor da demanda para que fique configurado o interesse de agir. 235


No caso concreto, o INPI sustenta que o autor é carecedor de ação uma vez que não impugnou administrativamente o pedido de registro da marca Ministério Tronos, embora tenham sido publicado na Revista da Propriedade Industrial - RPI número 2332, tampouco requereu a nulidade do registro perante o próprio INPI no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da expedição do certificado de registro. Contudo, a mera possibilidade de requerimento na esfera administrativa não constitui óbice ao exercício do direito de ação. O princípio da inafastabilidade da jurisdição, garantia verificada no art. 5º, inciso XXXV, da CF/88, assegura o acesso do apelado ao Poder Judiciário para apreciação da lesão que afirma suportar, independentemente de postulação administrativa. Ademais, a jurisprudência deste Tribunal vem se consolidando pela prescindibilidade de requerimento administrativo antecedente ao ingresso na via judicial quando a legislação de regência não exige expressamente a prévia postulação, como é o caso. Nesse sentido: ADMINISTRATIVO. INSCRIÇÃO DO MUNICÍPIO NOS CADASTROS DE INADIMPLENTES DO GOVERNO FEDERAL. INADIMPLÊNCIA IMPUTADA A EX-GESTORES. POSSIBILIDADE DE SUSPENSÃO DA INSCRIÇÃO NOS CADASTROS. PRECEDENTES DO STF E DESTA CORTE. (...) 2. Preliminar da União de ausência de interesse de agir por não ter havido atos preparatórios por parte do autor rejeitada, vez que, no presente caso, conforme jurisprudência consolidada, há a prescindibilidade do requerimento administrativo antecedente ao ajuizamento do feito. (...) (APELREEX 08002820420134058300, Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão, TRF5 - Quarta Turma.)

Da mesma forma, o teor da defesa apresentada pelo INPI faz transparecer que a pretensão deduzida em juízo encontra forte resistência, evidenciando a necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional requerida pelo apelante. Isso posto, rejeito a preliminar de ausência de interesse de agir. 236


Além disso, o INPI suscitou a sua ilegitimidade passiva pontualmente com relação ao pedido de indenização por danos morais, afirmando que a eventual má utilização da marca “Ministério Tronos” por seu proprietário não pode ensejar sua responsabilização devida à ausência de qualquer liame com as atribuições legais da autarquia. Todavia, o demandante sustenta que a indiscutível semelhança fonética entre as marcas “Thronus” e “Ministério Tronos” deveria ter sido sopesada como óbice ao registro desta última, por sua aptidão de gerar confusão no público para o qual sua banda vem se apresentando. Com efeito, o acolhimento da tese deduzida pelo autor, ora apelante, poderia, ao menos em tese, ensejar o cancelamento do registro da marca do réu, bem como a reparação pelo dano extrapatrimonial consistente na violação de sua marca. Neste contexto, rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva do INPI para figurar no polo passivo da presente demanda. 2. DAS QUESTÕES PRELIMINARES SUSCITADAS POR FERNANDO DOS SANTOS FREITAS À luz do disposto no art. 99, § 2º, do CPC/2015, a presunção iuris tantum que milita em favor do interessado que se declarou necessitado somente poderia ser ilidida por robusta prova em sentido contrário, evidenciando circunstâncias fáticas que incompatibilizem a concessão do benefício, o que não se verifica nos autos. FERNANDO DOS SANTOS FREITAS, em preliminar de apelação, sustenta que o autor tem condições de arcar com as custas e despesas processuais, pois contratou advogado particular, é bancário, proprietário da Banda Thronus e sua esposa acumula as atividades de bancária e advogada. Além disso, alega que a postagem do casal no evento Rock in Rio corrobora um estilo de vida incompatível com a gratuidade de justiça. Como se pode notar, esses critérios foram utilizados para formular mera ilação acerca da situação econômico-financeira do demandante, o que se revela absolutamente insuficiente para revogar a gratuidade de justiça.

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A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça caminha em sentido contrário à tese deduzida pelo réu, ora apelado, pois é firme o entendimento segundo o qual a decisão sobre o indeferimento ou a revogação do benefício em tela deve estar calcada na avaliação concreta acerca da situação econômica da parte interessada, de sorte que a utilização de critérios não previstos na legislação de regência (contratação de advogado particular, exercer a atividade de bancário, ser dono de marca de banda) importaria em violação ao disposto no art. 99, § 2º, do CPC/2015. Neste sentido, transcrevo os seguintes arestos: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. JUSTIÇA GRATUITA. BENEFÍCIO AFASTADO NA ORIGEM. INVERSÃO DO JULGADO. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DA SÚMULA Nº 7/ STJ. CRITÉRIO OBJETIVO DE RENDA INFERIOR A 10 SALÁRIOS MÍNIMOS. REJEIÇÃO. NECESSIDADE DE ANÁLISE DO CASO CONCRETO. 1. Rever o acórdão recorrido, que desacolhe fundamentadamente o pedido de gratuidade de justiça, demanda o reexame do conjunto fático-probatório, providência inviável em sede especial. 2. Esta Corte Superior já refutou a utilização do critério objetivo de renda inferior a dez salários mínimos, pois “a desconstituição da presunção estabelecida pela lei de gratuidade de justiça exige perquirir, in concreto, a atual situação financeira do requerente (REsp n° 1.196.941/SP, Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe 23/3/2011). 3. Agravo regimental não provido. (AgRg no AREsp 626.487/MG, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Terceira Turma, julgado em 28/04/2015, DJe 07/05/2015) PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA. GRATUIDADE DE JUSTIÇA. VIOLAÇÃO A DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL. ANÁLISE. IMPOSSIBILIDADE. COMPETÊNCIA DO STF. DECLARAÇÃO DE INSUFICIÊNCIA DE RECURSOS DO REQUERENTE. PRESUNÇÃO IURIS TANTUM. CONTRARIEDADE. PARTE ADVERSA E JUIZ, DE OFÍCIO, DECORRENTE DE FUNDADAS RAZÕES. CRITÉRIOS OBJETIVOS. 1. Trata-se de recurso especial cuja controvérsia orbita em torno da concessão do benefício da gratuidade de justiça. 238


2. O STJ, em sede de recurso especial, conforme delimitação de competência estabelecida pelo artigo 105, III, da Constituição Federal de 1988, destina-se a uniformizar a interpretação do direito infraconstitucional federal, razão pela qual é defeso, em seu bojo, o exame de matéria constitucional, cuja competência é do STF. 3. Há violação dos artigos 2º e 4º da Lei n° 1.060/50, quando os critérios utilizados pelo magistrado para indeferir o benefício revestem-se de caráter subjetivo, ou seja, criados pelo próprio julgador, e pelos quais não se consegue inferir se o pagamento pelo jurisdicionado das despesas com o processo e dos honorários irá ou não prejudicar o seu sustento e o de sua família. 4. A constatação da condição de necessitado e a declaração da falta de condições para pagar as despesas processuais e os honorários advocatícios erigem presunção relativa em favor do requerente, uma vez que esta pode ser contrariada tanto pela parte adversa quanto pelo juiz, de ofício, desde que este tenha razões fundadas. 5. Para o indeferimento da gratuidade de justiça, conforme disposto no artigo 5º da Lei n° 1.060/50, o magistrado, ao analisar o pedido, perquirirá sobre as reais condições econômico-financeiras do requerente, podendo solicitar que comprove nos autos que não pode arcar com as despesas processuais e com os honorários de sucumbência. Isso porque, a fundamentação para a desconstituição da presunção estabelecida pela lei de gratuidade de justiça exige perquirir, in concreto, a atual situação financeira do requerente. 6. No caso dos autos, os elementos utilizados pelas instâncias de origem para indeferir o pedido de justiça gratuita foram: a remuneração percebida e a contratação de advogado particular. Tais elementos não são suficientes para se concluir que os recorrentes detêm condições de arcar com as despesas processuais e honorários de sucumbência sem prejuízo dos próprios sustentos e os de suas respectivas famílias. 7. Recurso especial provido, para cassar o acórdão de origem por falta de fundamentação, a fim de que seja apreciado o pedido de gratuidade de justiça nos termos dos artigos 4º e 5º da Lei n° 1.060/50. (REsp 1.196.941/SP, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 15/03/2011, DJe 23/03/2011) 239


A toda evidência, a presunção iuris tantum que milita em favor do interessado que se declarou necessitado somente poderia ser ilidida por robusta prova em sentido contrário, evidenciando circunstâncias fáticas que incompatibilizem a concessão do benefício, o que não se verifica nos autos. Por essas razões, rejeito a preliminar de revogação da gratuidade de justiça concedida ao autor, e com base no art. 99 do CPC/2015, defiro o pedido deste mesmo benefício em favor de Fernando dos Santos Freitas. 3. DO MÉRITO O cerne da controvérsia dos autos gravita em torno da higidez do ato administrativo do INPI que concedeu ao réu, Fernando dos Santos Freitas, em 2017, o registro da marca Ministério Tronos (Registro nº 909.864.845), considerando possível semelhança e confusão com relação à marca Thronus, registrada em 2011 em favor do autor, Lucas Carneiro Rodrigues de Barros (Registro nº 830.210.768). No caso dos autos, é absolutamente incontroverso que o registro da marca Thronus é anterior ao da marca Ministério Tronos, sendo imperioso pontuar que ambas se dedicam à prestação de serviços de entretenimento como bandas de música religiosa, além de concentrarem sua atuação na mesma região do Estado de Alagoas. De acordo com o apelante, a banda Ministério Tronos vem sendo frequentemente anunciada em encartes de shows apenas como Banda Tronos, o que confere exatamente a mesma sonoridade de sua banda Thronus, ensejando problemas de identificação tanto para o público quanto para os contratantes. Por outro lado, o apelado, Fernando dos Santos Freitas, defende que diversos traços distintivos respaldam o registro de sua marca “Ministério Tronos”. Em primeiro lugar, esclarece que sua banda consiste em um ministério de música católica nos gêneros Soul e Funk Americano, ao passo que a banda Thronus professa a fé evangélica através do Rock, o que já seria suficiente para atingir públicos específicos. Em seguida, sustenta que a grafia das palavras conduz a significados diferentes, sendo “Tronos” um dos nove 240


coros de anjos, ao passo que “Thronus”, do latim, corresponde a um tipo específico de assento. Além disso, comparando a forma como as marcas são apresentadas publicamente, pode-se perceber que possuem fontes, cores e imagens totalmente distintas. A Lei nº 9.279/96 contém previsão específica que impede o registro de marca quando se constar a ocorrência de “reprodução ou imitação, no todo ou em parte, ainda que com acréscimo, de marca alheia registrada, para distinguir ou certificar produto ou serviço idêntico, semelhante ou afim, suscetível de causar confusão ou associação com marca alheia” (art. 124, inciso XIX). Como se pode notar, a proteção da marca alcança tanto os direitos individuais de seu proprietário, quanto os interesses coletivos do público consumidor, pois é capaz de garantir a confiabilidade do produto ou serviço ofertado, evitando aquisições lastreadas em erro. No caso concreto, entendo correta a análise técnica realizada pelo INPI que, embora tenha reconhecido a semelhança fonética entre os termos Thronus e Tronos, ressaltou que a legalidade da coexistência dos registros das marcas em tela deve ser aferida com base nas solicitações constantes dos respectivos registros, e não com base em um possível mau uso da marca por seu titular. Desta forma, a despeito da evidente proximidade fonética que se extrai de Thronus e Tronos, ao se considerar que as marcas são, efetivamente, Thronus e Ministério Tronos, não se pode concluir pela reprodução ou imitação de marca anterior, pois ao se comparar o aspecto gráfico, é possível observar que a segunda marca “Ministério Tronos” não se valeu da forma em latim utilizada pela primeira. Mas a circunstância mais relevante para o deslinde da controvérsia reside no baixo grau de distintividade da marca Thronus, justamente por se tratar de marca evocativa ou sugestiva, por se constituir a partir de expressão que remete a um conceito de uso comum do cristianismo. Conforme muito bem fundamentado pelo magistrado sentenciante, as expressões Thronus (uma classe de anjos) e Tronos (assentos destinados aos soberanos), conquanto tenham signifi241


cados distintos, em razão de sua sonoridade, remetem qualquer membro da comunidade cristã à um dos símbolos do cristianismo, independentemente de possíveis afinidades católicas ou com a fé evangélica. De acordo com remansosa jurisprudência do STJ, “marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes”. Nesse sentido, transcrevo os seguintes precedentes: RECURSO ESPECIAL. NULIDADE DE REGISTRO DE MARCA. PRODUTOS. MESMO RAMO COMERCIAL. MARCAS REGISTRADAS. USO COMUM. EXCLUSIVIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. ALTO RENOME. EFEITO PROSPECTIVO. 1. Visa a presente ação ordinária a declaração de nulidade do registro de propriedade industrial da marca SANYBRIL, que atua no mesmo ramo comercial da autora de marca BOM BRIL. 2. Conforme a jurisprudência consolidada desta Corte, marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade, atraem a mitigação da regra de exclusividade decorrente do registro, admitindo-se a sua utilização por terceiros de boa-fé. 3. Tendo o Tribunal estadual concluído, diante do contexto fático-probatório dos autos, que o termo BRIL seria evocativo e de uso comum, e que as marcas teriam sido registradas sem a menção de exclusividade dos elementos nominativos, não haveria como esta Corte Superior rever tal entendimento, sob pena de esbarrar no óbice da Súmula nº 7/STJ. 4. O Superior Tribunal de Justiça decidiu que, a partir do momento que o INPI reconhece uma marca como sendo de alto renome, a sua proteção se dará com efeitos prospectivos (ex nunc). Assim, a marca igual ou parecida que já estava registrada de boa-fé anteriormente não será atingida pelo registro daquela de alto renome, como no caso em apreço. 5. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido.

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(REsp 1.582.179/PR, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/08/2016, DJe 19/08/2016) REGISTRO DE MARCA. ELEMENTO EVOCATIVO. EXPRESSÃO DE USO COMUM. MARCA FRACA. 1. Não se admite o recurso especial quando sua análise depende de reexame de matéria de prova (Súmula 7 do STJ). 2. Marcas fracas ou evocativas, que constituem expressão de uso comum, de pouca originalidade e sem suficiente forma distintiva atraem a mitigação da regra de exclusividade do registro e podem conviver com outras semelhantes. Precedentes. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1.062.073/RJ, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 15/03/2018, DJe 20/03/2018)

Entende-se, portanto, que para uma marca possuir exclusividade plena, deve se destacar de expressões e conceitos do domínio comum, sendo inviável conceder a alguém a propriedade privada e exclusiva sobre termos verbais que são usados comumente pelas pessoas quando tratam daquele objeto ou serviço. Neste contexto, diante do fato de a denominação “Thronus” consistir em expressão evocativa/sugestiva de uso comum às religiões cristãs, deve o autor suportar o ônus da convivência com outras marcas semelhantes, como é o caso da marca “Ministério Tronos”, ainda que sua marca tenha sido previamente registrada perante o INPI. Consequentemente, ausente o pressuposto da conduta ilícita ou conduta lícita com abuso de direito (art. 927 do CC), descabe falar em dever de indenizar pelo INPI devido à concessão de registro de marca evocativa. Superadas as questões atinentes à possibilidade de coexistência das marcas Thronus e Ministério Tronos, e da ausência de responsabilidade civil do INPI pelo segundo registro, é preciso verificar se o réu titular da segunda marca vem praticando qualquer conduta passível de causar danos morais ao autor. Como se pode notar, a primeira premissa fixada na presente decisão foi a de que o segundo registro, desde que utilizado na forma 243


especificada no Certificado de Registro de Marca nº 909.864.845, que é “Ministério Tronos”, não tem o condão de causar confusão no público destinatário da banda Thronus. Entretanto, o autor acostou aos autos prova documental de que o réu, Fernando dos Santos Freitas, vem postando nas redes sociais de sua banda a divulgação de diversos eventos com designação distinta da marca registrada perante o INPI, onde consta exclusivamente o vocábulo Tronos (Id. 4058000.3736936). Assim, contrariamente ao entendimento a que chegou o juízo de primeiro grau, há sim evidências materiais de mau uso da marca “Ministério Tronos” por seu titular, o réu Fernando dos Santos Freitas, que vem divulgando sua agenda de shows de forma inquestionavelmente capaz de induzir o homem médio a erro através da indevida associação de sua marca àquela preexistente e também dotada de proteção legal, qual seja, a Thronus. Conquanto não tenha havido a reprodução gráfica em latim da marca Thronus nas divulgações em comento, a menção de shows da banda Tronos, ao invés de Ministério Tronos, revela que o particular demandado que atua no mesmo segmento mercadológico passou a adotar apenas a parcela de sua marca que não apenas se assemelha, mas se identifica foneticamente com a marca preexistente, denotando evidente risco de confusão ou associação indevida do público consumidor e também de potenciais contratantes. Destarte, está provada a captação de público mediante a indevida associação de marca com registro concedido pelo próprio INPI. A jurisprudência do STJ entende que a reparação por danos extrapatrimoniais é devida na hipótese de se constatar a violação de marca, independentemente de comprovação concreta do prejuízo material e do abalo moral resultante do uso indevido (in re ipsa). Vejamos: RECURSO ESPECIAL. PROPRIEDADE INDUSTRIAL. USO INDEVIDO DE MARCA DE EMPRESA. SEMELHANÇA DE FORMA. DANO MATERIAL. OCORRÊNCIA. PRESUNÇÃO. DANO MORAL. AFERIÇÃO. IN RE IPSA. DECORRENTE DO PRÓPRIO ATO ILÍCITO. INDENIZAÇÃO DEVIDA. RECURSO PROVIDO. 244


1. A marca é qualquer sinal distintivo (tais como palavra, letra, numeral, figura), ou combinação de sinais, capaz de identificar bens ou serviços de um fornecedor, distinguindo-os de outros idênticos, semelhantes ou afins de origem diversa. Trata-se de bem imaterial, muitas vezes o ativo mais valioso da empresa, cuja proteção consiste em garantir a seu titular o privilégio de uso ou exploração, sendo regido, entre outros, pelos princípios constitucionais de defesa do consumidor e de repressão à concorrência desleal. 2. Nos dias atuais, a marca não tem apenas a finalidade de assegurar direitos ou interesses meramente individuais do seu titular, mas objetiva, acima de tudo, proteger os adquirentes de produtos ou serviços, conferindo-lhes subsídios para aferir a origem e a qualidade do produto ou serviço, tendo por escopo, ainda, evitar o desvio ilegal de clientela e a prática do proveito econômico parasitário. 3. A lei e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça reconhecem a existência de dano material no caso de uso indevido da marca, uma vez que a própria violação do direito revela-se capaz de gerar lesão à atividade empresarial do titular, como, por exemplo, no desvio de clientela e na confusão entre as empresas, acarretando inexorável prejuízo que deverá ter o seu quantum debeatur, no presente caso, apurado em liquidação por artigos. 4. Por sua natureza de bem imaterial, é ínsito que haja prejuízo moral à pessoa jurídica quando se constata o uso indevido da marca. A reputação, a credibilidade e a imagem da empresa acabam atingidas perante todo o mercado (clientes, fornecedores, sócios, acionistas e comunidade em geral), além de haver o comprometimento do prestígio e da qualidade dos produtos ou serviços ofertados, caracterizando evidente menoscabo de seus direitos, bens e interesses extrapatrimoniais. 5. O dano moral por uso indevido da marca é aferível in re ipsa, ou seja, sua configuração decorre da mera comprovação da prática de conduta ilícita, revelando-se despicienda a demonstração de prejuízos concretos ou a comprovação probatória do efetivo abalo moral. 6. Utilizando-se do critério bifásico adotado pelas Turmas integrantes da Segunda Seção do STJ, considerado o interesse jurídico lesado e a gravidade do fato em si, o 245


valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), a título de indenização por danos morais, mostra-se razoável no presente caso. 7. Recurso especial provido. (REsp 1.327.773/MG, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 28/11/2017, DJe 15/02/2018)

Quanto à fixação do montante a ser pago em favor do apelante a título de compensação pelo dano moral experimentado, verifico que ele próprio emendou a petição inicial para requerer o valor certo de R$ 1.000,00 (um mil reais), quantia módica que considero adequada pontualmente para o caso concreto, já que o próprio titular do direito se satisfaz com este patamar, mesmo havendo provas de que o réu publicou 4 (quatro) anúncios envolvendo diversos shows associando indevidamente sua marca à marca do autor. Ante o exposto, DOU PARCIAL PROVIMENTO à apelação apenas para condenar Fernando dos Santos Freitas a pagar ao autor o montante de R$ 1.000,00 (um mil reais) para reparação dos danos morais causados. Quanto aos ônus da sucumbência, mantenho a condenação do autor ao pagamento das custas processuais, uma vez que o réu decaiu de parcela ínfima do pedido e mantenho o valor dos honorários advocatícios fixados na sentença em favor do advogado de Fernando dos Santos Freitas. Majoro a verba honorária sucumbencial devida pelo autor ao INPI em R$ 500,00 (quinhentos reais), em razão da dupla sucumbência. Condeno o réu, Fernando dos Santos Freitas, ao pagamento de honorários advocatícios em favor do advogado do autor no valor de R$ 500,00 (quinhentos reais) que fixo por apreciação equitativa em razão do baixo valor atribuído à causa. Em razão da gratuidade de justiça deferida em favor de Lucas Carneiro Rodrigues de Barros e de Fernando dos Santos Freitas, a exigibilidade das obrigações decorrentes da sucumbência dos particulares ficará sob condição suspensiva na forma prevista no art. 98, § 3º, do CPC. É como voto. 246


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0803795-49.2019.4.05.8500-SE (PJe) Relator: Apelante: Apelados: Adv./Proc.:

DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA MANIR JOSÉ ZENI UNIÃO FEDERAL E OUTROS DR. MANIR JOSÉ ZENI (APTE.) CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR PROPOSTA COM O FIM DE SUSPENDER/ANULAR O PAGAMENTO DE AJUDA DE CUSTO PARA PARLAMENTARES FEDERAIS REELEITOS. AUSÊNCIA DE DESPESAS COM MUDANÇA E TRANSPORTE. ART. 1º, § 1º, DO DECRETO LEGISLATIVO Nº 276/2014. LITISPENDÊNCIA RECONHECIDA. 1. Apelação interposta pela parte autora contra sentença que, em sede de ação popular ajuizada em face da União e de parlamentares federais reeleitos pelo Estado de Rondônia, com o objetivo de impedir o pagamento de ajuda de custo previsto no art. 1º, § 1º, do Decreto Legislativo nº 276/14, reconheceu a litispendência entre esta demanda e o Processo nº 080654388.20184.05.8500, extinguindo o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485 do CPC. 2. O Juízo a quo entendeu que i) “por se tratar de ação popular, via da qual a pretensão da parte autora é a defesa do patrimônio público, a litispendência deve ser aferida pela identidade entre o pedido e a causa de pedir, sendo irrelevantes as diferenças entre os nomes dos autores ou dos requeridos”; ii) “(...) o autor, em ação popular, não atua em nome próprio, mas, de fato, como representante da coletividade, razão pela qual a alteração dos nomes das partes – requerente ou requerida – não tem o condão de alterar a conexão entre as causas”; iii) “no caso, inexiste dúvida da similitude – para não dizer identidade 247


– entre a causa de pedir e pedido desta demanda e do Processo nº 0806543-88.2018.4.05.8500. A pretensão do autor popular em ambas as demandas, ainda que não se refira de forma direta à eventual inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nº 276/2014, é esvaziar a eficácia da aludida norma, sob o fundamento básico de uma alegada imoralidade. É dizer: a imoralidade, assim, não decorreria do pagamento em si da verba questionada (isto é, o ato concreto), mas da sua própria previsão legislativa”; iv) “(...) em ambos os casos, a parte autora aduz seu interesse em obter, de forma incidental, provimento judicial provisório antecipatório da tutela, buscando obstar o pagamento da ajuda de custo destinada a compensar as despesas de mudança e transporte para os parlamentares reeleitos e aqueles que já têm domicílio em Brasília, o que é reiterado, a título de pedido final. Sendo assim, a litispendência resta evidente”; v) “nada impede de o autor desta demanda ingressar nos autos do Processo nº 0806543-88.2018.4.05.8500, seja na condição de assistente simples ou litisconsorcial”. 3. Inicialmente, cumpre esclarecer que, diferente do entendimento adotado pelo Juiz sentenciante, não se busca, nesta ação, como objeto principal, a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, § 1º, Decreto Legislativo nº 276/2014, o qual estabelece que “é devida aos membros do Congresso Nacional, no início e no final do mandato, ajuda de custo equivalente ao valor do subsídio, destinada a compensar as despesas com mudança e transporte”. 4. Na verdade, a presente ação popular visa impedir a prática de ato lesivo ao patrimônio público, mediante o pagamento em dobro de ajuda de custo para os parlamentares federais reeleitos, que não tiveram despesas com mudança e transporte no final do mandato anterior e no início do novo 248


mandato em 01.02.2019, o que, em seu entender, contrariaria o disposto no Decreto Legislativo nº 276/2014. 5. Ultrapassada tal questão, o deslinde do presente recurso reclama perquirir sobre a existência de litispendência entre a presente demanda e a Ação Popular nº 0806543-88.20184.05.8500. 6. A Ação Popular nº 0806543-88.2018.4.05.8500 apresenta os seguintes elementos identificadores: i) partes: autor popular e União; ii) causa de pedir: pagamento da ajuda de custo prevista no art. 1º, § 1º, do Decreto Legislativo nº 276/14, para parlamentares federais reeleitos, que não tiveram despesas com mudança e transporte; iii) pedidos: em sede de tutela de urgência, a sustação do pagamento de ajuda de custo destinada a compensar as despesas de mudança e transporte para os parlamentares reeleitos e aqueles que já tem domicílio em Brasília, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 1.000.000,00 por pagamento de parlamentar, cujos valores serão revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos; e, como provimento final, a condenação da União, através do Congresso Nacional em obrigação de não fazer, qual seja, o pagamento de ajuda de custo destinada a compensar as despesas de mudança e transporte para os parlamentares reeleitos e para aqueles que já tem domicílio em Brasília, sob pena de pagamento de multa nos moldes requeridos na tutela de urgência, bem como reaver, através de processo administrativo ou judicial, os valores pagos indevidamente aos parlamentares reeleitos por esta rubrica. 7. Na presente ação, tem-se o seguinte: i) partes: autor popular, União e parlamentares federais reeleitos pelo Estado de Rondônia; ii) causa de pedir: pagamento da ajuda de custo prevista no art. 1º, § 1º, do Decreto Legislativo nº 276/14, para parlamentares federais reeleitos, que não tiveram 249


despesas com mudança e transporte; iii) pedidos: em sede de tutela de urgência, a abstenção de receber a ajuda de custos para compensar as despesas com mudança e transporte de relativos ao início do mandato que inicia em 01.02.2019; e, como provimento final, a condenação dos réus na devolução dos valores recebidos com base no Decreto Legislativo nº 276/2014 relativos a parcela que receberam em dezembro de 2018, referente ao fim do mandato, bem como, declarando por sentença que é imoral o recebimento da ajuda de custo, postulando, caso indeferida a tutela de urgência, a devolução das duas parcelas recebidas. 8. Verifica-se que os objetivos pretendidos na presente ação – não pagamento da ajuda de custo aos parlamentares federais reeleitos e eventual devolução da verba paga a este título – já se encontram abrangidos pela ação popular nº 0806543-88.20184.05.8500, portanto, diante da identidade causa de pedir e pedido, deve ser mantida a sentença, que reconheceu a existência de litispendência entre as referidas demandas. 9. Sem condenação em custas e em honorários advocatícios, nos termos do art. 5º, LXXIII, da CF. 10. Apelação improvida. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado. Recife, 19 de dezembro de 2019. (Julgamento) 28 de janeiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA - Relator

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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA: Trata-se de apelação interposta por Manir José Zeni contra sentença que, em sede de ação popular ajuizada em face da União e de parlamentares federais reeleitos pelo Estado de Rondônia1, em virtude do pagamento de ajuda de custo previsto no art. 1º, § 1º, do Decreto Legislativo nº 276/14, reconheceu a litispendência entre esta demanda e o Processo nº 0806543-88.20184.05.8500, extinguindo o processo sem resolução do mérito, nos termos do art. 485 do CPC. O Juízo a quo entendeu que i) “por se tratar de ação popular, via da qual a pretensão da parte autora é a defesa do patrimônio público, a litispendência deve ser aferida pela identidade entre o pedido e a causa de pedir, sendo irrelevantes as diferenças entre os nomes dos autores ou dos requeridos”; ii) “(...) o autor, em ação popular, não atua em nome próprio, mas, de fato, como representante da coletividade, razão pela qual a alteração dos nomes das partes – requerente ou requerida – não tem o condão de alterar a conexão entre as causas”; iii) “no caso, inexiste dúvida da similitude – para não dizer identidade – entre a causa de pedir e pedido desta demanda e do Processo nº 0806543-88.2018.4.05.8500. A pretensão do autor popular em ambas as demandas, ainda que não se refira de forma direta à eventual inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nº 276/2014, é esvaziar a eficácia da aludida norma, sob o fundamento básico de uma alegada imoralidade. É dizer: a imoralidade, assim, não decorreria do pagamento em si da verba questionada (isto é, o ato concreto), mas da sua própria previsão legislativa”; iv) “(...) em ambos os casos, a parte autora aduz seu interesse em obter, de forma incidental, provimento judicial provisório antecipatório da tutela, buscando obstar o pagamento da ajuda de custo destinada a compensar as despesas de

Expedito Gonçalves Ferreira, Deputado Federal reeleito; Mariana Fonseca Ribeiro Carvalho de Moraes Carvalho, Deputada Federal reeleita; Lúcio Antônio Mosquini, Deputado Federal reeleito; e Marcos Rogério da Silva Brito, Deputado Federal eleito Senador. 1

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mudança e transporte para os parlamentares reeleitos e aqueles que já têm domicílio em Brasília, o que é reiterado, a título de pedido final. Sendo assim, a litispendência resta evidente”; v) “nada impede de o autor desta demanda ingressar nos autos do Processo nº 0806543-88.2018.4.05.8500, seja na condição de assistente simples ou litisconsorcial”. Em suas razões recursais, o apelante alega, em apertada síntese, que i) as partes e os pedidos da presente ação são diferentes daqueles constantes no Processo nº 0806543-88.2018.4.05.8500; ii) não se está discutindo a inconstitucionalidade do Decreto Legislativo nº 276/2014, mas sim o recebimento imoral da ajuda de custo por parlamentares reeleitos; iii) a devolução da ajuda de custo somente pode ser realizada pelos próprios parlamentares e não pelo Presidente do Senado ou pelo Presidente da Câmara ou pela União, que foi incluída no polo passivo da ação para defender seus interesses e não dos parlamentares; e iv) a ilegalidade consiste na percepção de ajuda de custo a título de auxílio mudança para os parlamentares federais que se reelegeram e que não fizeram qualquer mudança. Contrarrazões apresentadas pela União. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA (Relator): Inicialmente, cumpre esclarecer que, diferente do entendimento adotado pelo Juiz sentenciante, não se busca, nesta ação, como objeto principal, a declaração de inconstitucionalidade do art. 1º, § 1º, Decreto Legislativo nº 276/2014, o qual estabelece que “é devida aos membros do Congresso Nacional, no início e no final do mandato, ajuda de custo equivalente ao valor do subsídio, destinada a compensar as despesas com mudança e transporte”. Na verdade, a presente ação popular visa impedir a prática de ato lesivo ao patrimônio público, mediante o pagamento em dobro de ajuda de custo para os parlamentares federais reeleitos, que não tiveram despesas com mudança e transporte no final do mandato anterior e no início do novo mandato em 01.02.2019, o 252


que, em seu entender, contrariaria o disposto no Decreto Legislativo nº 276/2014. Ultrapassada tal questão, o deslinde do presente recurso reside em perquirir sobre a existência de litispendência entre a presente demanda e a Ação Popular nº 0806543-88.20184.05.8500. A ação popular nº 0806543-88.2018.4.05.8500 apresenta os seguintes elementos identificadores: i) partes: autor popular e União; ii) causa de pedir: pagamento da ajuda de custo prevista no art. 1º, § 1º, do Decreto-legislativo nº 276/14, para parlamentares federais reeleitos, que não tiveram despesas com mudança e transporte; iii) pedidos: em sede de tutela de urgência, a sustação do pagamento de ajuda de custo destinada a compensar as despesas de mudança e transporte para os parlamentares reeleitos e aqueles que já tem domicílio em Brasília, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 1.000.000,00 por pagamento de parlamentar, cujos valores serão revertidos ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos; e, como provimento final, a condenação da União, através do Congresso Nacional em obrigação de não fazer, qual seja, o pagamento de ajuda de custo destinada a compensar as despesas de mudança e transporte para os parlamentares reeleitos e para aqueles que já tem domicílio em Brasília, sob pena de pagamento de multa nos moldes requeridos na tutela de urgência, bem como reaver, através de processo administrativo ou judicial, os valores pagos indevidamente aos parlamentares reeleitos por esta rubrica. Na presente ação, tem-se o seguinte: i) partes: autor popular, União e parlamentares federais reeleitos pelo Estado de Rondônia; ii) causa de pedir: pagamento da ajuda de custo prevista no art. 1º, § 1º, do Decreto Legislativo nº 276/14, para parlamentares federais reeleitos, que não tiveram despesas com mudança e transporte; iii) pedidos: em sede de tutela de urgência, a abstenção de receber a ajuda de custos para compensar as despesas com mudança e transporte de relativos ao início do mandato que inicia em 01.02.2019; e, como provimento final, a condenação dos réus na devolução dos valores recebidos com base no Decreto Legislativo nº 276/2014 relativos a parcela que receberam em dezembro de 2018, referente ao fim do mandato, bem como, declarando por sentença que é imoral o recebimento da ajuda de custo, postu253


lando, caso indeferida a tutela de urgência, a devolução das duas parcelas recebidas. Ora, verifico que os objetivos pretendidos na presente ação – não pagamento da ajuda de custo aos parlamentares federais reeleitos e eventual devolução da verba paga a este título – já se encontram abrangidos pela Ação Popular nº 0806543-88.20184.05.8500, portanto, diante da identidade causa de pedir e pedido, deve ser mantida a sentença, que reconheceu a existência de litispendência entre as referidas demandas. Ante o exposto, nego provimento à apelação. Sem condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 5º, LXXIII, da CF. É como voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0812466-41.2017.4.05.8400RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA Apelantes: ROGÉRIO INÁCIO DE OLIVEIRA, JONATHAN MELO PEREIRA DA SILVA E RAY COELHO DE MORAIS Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Repte.: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Adv./Proc.: DRA. ANDREA CARLA ALVES DE OLIVEIRA EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ROUBO CIRCUNSTANCIADO. ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA. COMPROVAÇÃO DA ESTABILIDADE E DA PERMANÊNCIA. DOSIMETRIA DA PENA. REFORMULAÇÃO. APELOS PROVIDOS EM PARTE. 1. Trata-se de recursos de apelação interpostos por ROGÉRIO INÁCIO DE OLIVEIRA, RAY COELHO DE MORAIS e JONATHAN MELO PEREIRA DA SILVA contra sentença do Juízo da 14ª Vara Federal do RN que os condenou pela prática de 254


crime de associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal) e pela prática continuada de três crimes de roubo majorado (art. 157, caput e § 2°, I e II, do Código Penal), às penas definitivas da seguinte maneira: JONATHAN MELO PEREIRA DA SILVA: 10 anos, 9 meses e 6 dias de reclusão, além de 340 dias-multa, cada qual fixado no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente na época dos crimes; RAY COELHO DE MORAIS: 10 anos, 7 meses e 27 dias de reclusão, além de 340 dias-multa, cada qual fixado no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos crimes; ROGÉRIO INÁCIO DE OLIVEIRA: 10 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão, além de 340 dias-multa, cada qual fixado no valor de 1/30 do salário-mínimo vigente na época dos crimes. 2. Quanto ao delito de associação criminosa – art. 288 do CP –, os apelantes se insurgem tão somente contra a materialidade do crime, especificamente os elementos normativos do tipo: estabilidade e permanência. 3. Restaram comprovadas a estabilidade e a permanência da associação criminosa entre os réus, porque, do compartilhamento regular de provas oriundas da “Operação Clientela” (que, submetida ao contraditório ao longo da instrução criminal nestes autos, não foi impugnada pela defesa), tem-se que: i) a interceptação telefônica e a quebra do sigilo telefônico dos réus demonstraram a existência de vínculo entre eles, diante de inúmeros contatos, e que essa ligação não era efêmera, tendo se protraído ao longo do tempo (estabilidade e permanência), com o claro intuito de praticar diversos delitos de roubo, de forma a se afastar a ocorrência de mero concurso de pessoas; ii) o grupo investigado participou dos roubos das seguintes agências dos Correios: Alecrim, em Natal/RN, no dia 05/09/2015; Ceará-Mirim/RN, em 01/10/2015; São José de Mipibu/ 255


RN, em 30/10/2015; Santa Cruz/RN, em 05/12/2015; Pitimbu, em Natal/RN, no dia 01/02/2016, quando parte dos integrantes foram presos em flagrantes antes de dar início à consecução do crime; iii) os acusados já estavam sendo monitorados pela Polícia Federal, em razão das diversas práticas delitivas perpetradas em detrimento da agência dos Correios; iv) a investigada Amanda Clei Costa Xixiu, companheira do acusado Jonathan, ao ser presa em flagrante delito quando da iminência do assalto aos Correios de Pitimbu, em Natal/ RN, foi interrogada pela Polícia Federal e revelou a participação dos denunciados nos assaltos aos Correios de Ceará-Mirim/RN e São José do Mipibu/RN, bem como contou que Jonathan e Rogério participaram do roubo aos Correios de Alecrim, em Natal/RN, sendo Jonathan e Felipe responsáveis por articular os crimes, passando as orientações aos demais (p. 17/18 do Id. 2995860); v) demonstraram-se a participação dos acusados e seus respectivos papéis dentro do grupo, inclusive com uso de armas de fogo regularmente. Assim, mantém-se a condenação dos apelantes pela prática do delito do art. 288, p. u., do CP. 4. A fundamentação para valorar negativamente as consequências do crime é idônea, uma vez que embasa no prejuízo sofrido pela ECT da monta de R$ 231.645,57 (duzentos e trinta e um mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e cinquenta e sete centavos), a qual se considera significativa e superior à espécie desses delitos contra a ECT. 5. Igualmente idônea a valoração negativa da personalidade do apelante JONATHAN baseada no fato de que ele comandava o grupo, o assalto ora denunciado e que ficou encapuzado todo o período a fim de não ser identificado. Apesar de esses fatos poderem ser utilizados como agravante, o Juiz assim não procedeu e não há recurso 256


da acusação, pelo que se mantém hígida a exasperação na primeira fase da dosimetria da pena. 6. Carece de fundamentação idônea a valoração negativa dos antecedentes, por violação da Súmula 444 do STJ, uma vez que o Juízo a quo se valeu de execução provisória da pena no Processo n° 000046-56.2018.4.05.8405 (isto é, ainda sem trânsito em julgado, e, atualmente, em afronta ao decido nas ADCs 43 e 44). 7. Na primeira fase da dosimetria da pena, afastando-se apenas a valoração negativa dos antecedentes, reduz-se a pena-base: a) pelo delito do art. 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal (anteriormente fixada em 7 anos de reclusão para Jonathan e 6 anos e 3 meses de reclusão para RAY e ROGÉRIO), do réu Jonathan para 6 anos e 6 meses de reclusão e 100 dias-multa, e dos réus Ray e Rogério para 6 anos de reclusão e 100 dias-multa; b) pelo crime do art. 288, p. u., do CP (anteriormente fixada em 1 ano e 6 meses de reclusão para Jonathan, e 1 ano e 3 meses de reclusão para RAY e ROGÉRIO), do réu Jonathan para 1 ano e 3 meses de reclusão e 15 dias-multa, e dos réus Ray e Rogério para 1 ano de reclusão e 10 dias-multa. 8. Como não houve impugnação defensiva ou da acusação quanto às demais fases da dosimetria da pena, mantêm-se todos os fundamentos da sentença, com a consequente adaptação em face da nova pena-base. 9. No tocante ao apelante Jonathan Melo Pereira da Silva: a) quanto ao delito de roubo, na segunda fase, reduziu-se a pena em 1 ano, em razão da incidência da atenuante da menoridade relativa e da confissão espontânea, razão pela qual fixa-se a pena intermediária em 5 anos e 6 meses de reclusão e 90 dias-multa; na terceira fase, exasperou-se a pena em 1/3, pelo que a pena se torna de 6 anos e 10 meses de reclusão 257


e 120 dias-multa, com o posterior acréscimo de 1/5 em razão da continuidade delitiva, tornando-se como definitiva para esse delito a pena de 8 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão, mais 144 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; b) Quanto ao delito de associação criminosa, na segunda fase, em razão da incidência da atenuante da menoridade relativa, reduz-se a pena para 1 ano de reclusão e 10 dias-multa; na terceira fase, exaspera-se a pena em 1/6 (art. 288, parágrafo único do Código Penal – associação armada), pelo que a pena se torna de 1 ano e 2 meses de reclusão e 11 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; c) Em face do concurso material de crimes, torna-se a pena concreta e definitiva do réu Jonathan Melo Pereira da Silva em 9 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão mais 155 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos. 10. No tocante aos apelantes Ray Coelho de Morais e Rogério Inácio de Oliveira: d) Quanto ao delito de roubo, na segunda fase, reduziu-se a pena em 6 meses, em razão da incidência da atenuante confissão espontânea, razão pela qual se fixa a pena intermediária em 5 anos e 6 meses de reclusão e 90 dias-multa; na terceira fase, exasperou-se a pena em 1/3, pelo que a pena se torna de 6 anos e 10 meses de reclusão e 120 dias-multa, com o posterior acréscimo de 1/5 em razão da continuidade delitiva, tornando-se como definitiva para esse delito a pena de 8 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão, mais 144 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; e) Quanto ao delito de associação criminosa, na segunda fase, inexistem atenuantes ou agravantes; na terceira fase, exaspera-se a pena em 1/6 (art. 288, parágrafo único do Código Penal – associação armada), pelo que a pena se 258


torna de 1 ano e 2 meses de reclusão e 11 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; f) Em face do concurso material de crimes, torna-se a pena concreta e definitiva dos réus Ray Coelho de Morais e Rogério Inácio de Oliveira em 9 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão mais 155 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos. 11. Quanto à fixação do valor mínimo a título de indenização (art. 387, IV, do CPP), o magistrado a quo incidiu em violação ao princípio da congruência (ou da adstrição ou da correlação entre acusação e sentença), uma vez que a denúncia do MPF não contém pedido (sequer implícito) dessa natureza, nem interviu a ECT como assistente de acusação pleiteando tais valores. Precedente do eg. STJ nesse sentido: (AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL – 1.785.526 2018.03.27937-3, LAURITA VAZ, STJ - SEXTA TURMA, DJe DATA: 02/08/2019). Assim, exclui-se a fixação do valor mínimo para reparação dos danos (art. 387, IV, do CPP). 12. Apelos providos em parte, para: a) reduzir a pena concreta e definitiva dos apelantes Jonathan, Ray e Rogério para 9 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão mais 155 dias-multa; b) excluir a condenação do valor mínimo para reparação dos danos (art. 387, IV, do CPP). ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento às apelações, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado. Recife, 19 de dezembro de 2019. (Julgamento) 28 de janeiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA - Relator 259


RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA: Trata-se de recursos de apelação interpostos por ROGÉRIO INÁCIO DE OLIVEIRA, RAY COELHO DE MORAIS e JONATHAN MELO PEREIRA DA SILVA contra sentença do Juízo da 14ª Vara Federal do RN que os condenou pela prática de crime de associação criminosa (art. 288, parágrafo único, do Código Penal) e pela prática continuada de três crimes de roubo majorado (art. 157, caput e § 2°, I e II, do Código Penal), às penas definitivas da seguinte maneira: JONATHAN MELO PEREIRA DA SILVA: 10 anos, 9 meses e 6 dias de reclusão, além de 340 dias-multa, cada qual fixado no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos crimes; RAY COELHO DE MORAIS: 10 anos, 7 meses e 27 dias de reclusão, além de 340 dias-multa, cada qual fixado no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos crimes; ROGÉRIO INÁCIO DE OLIVEIRA: 10 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão, além de 340 dias-multa, cada qual fixado no valor de 1/30 do salário mínimo vigente na época dos crimes. O apelante JONATHAN pugna: (a) por sua absolvição em relação ao crime de associação criminosa, sob o argumento de não estarem observados os requisitos da estabilidade e da permanência; (b) pela reforma da dosimetria penal, para que seja afastada a negativa valoração recaída sobre as circunstâncias judiciais antecedentes e consequências do crime; e (c) pelo afastamento da fixação do valor mínimo para indenização, haja vista a ausência de pedido da acusação nesse sentido. Já os apelantes RAY COELHO e ROGÉRIO INÁCIO pugnam por: i. suas absolvições quanto ao crime de associação criminosa, sob o argumento de ausência de provas da respectiva materialidade; ii. afastamento da negativa valoração recaída sobre as circunstâncias judiciais antecedentes e consequências do crime; iii. afastamento da fixação do valor mínimo para indenização, haja vista a ausência de pedido da acusação nesse sentido. Em suas contrarrazões, o MPF pugna pela manutenção da sentença por seus próprios fundamentos.

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Em parecer, a PRR-5ª Região opina pelo parcial provimento dos apelos, para que seja extraída, da primeira fase da dosimetria penal, a negativa valoração recaída sobre as circunstâncias judiciais: antecedentes e personalidade, com a consequente redução proporcional das penas, e para que seja afastada a fixação de valor mínimo para a reparação dos danos gerados pelos crimes. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA(Relator): Quanto ao delito de associação criminosa – art. 288 do CP –, os apelantes se insurgem tão somente contra a materialidade do crime, especificamente os elementos normativos do tipo: estabilidade e permanência. Segundo a denúncia (Id. 4058400.2950556): i. em 30 de outubro de 2015, os denunciados JONATHAN MELO PEREIRA DA SILVA e RAY COELHO DE MORAIS ingressaram na agência da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (EBCT) de São José de Mipibu-RN antes mesmo de sua abertura ao público, oportunidade em que renderam os funcionários da referida agência e subtraíram, mediante grave ameaça exercida com arma de fogo, o total de R$ 231.645,57 que se encontravam no cofre da agência, além de valores e bens de cinco funcionários da EBCT e dois telefones celulares que se encontravam em correspondências ainda a serem entregues pela EBCT. Ao final, com a ajuda do também denunciado ROGÉRIO INÁCIO DE OLIVEIRA, evadiram-se do local levando consigo todo o mencionado numerário e bens subtraídos; ii. Os três denunciados Jonathan Melo Pereira da Silva, Ray Coelho de Morais e Rogério Inácio de Oliveira já eram investigados pela denominada “Operação Clientela”, na qual se apurava a atuação de grupo criminoso na prática de crimes de roubo a agências da EBCT, tais como aquelas ocorridas nas agências da EBCT no Alecrim, em Natal-RN, em 5 de setembro de 2015, em Ceará-Mirim-RN, 1º de outubro de 2015, em 261


Santa Cruz-RN, em 5 de dezembro de 2015, e em Pitimbu, em Natal-RN, em 1º de fevereiro de 2016. Parte do grupo, inclusive os ora denunciados Jonathan Melo Pereira da Silva e Rogério Inácio de Oliveira, foi presa antes mesmo de dar início a este último crime. A prisão de Ray Coelho de Morais, por sua vez, deu-se em cumprimento de mandado de prisão expedido pela 15ª Vara da Justiça Federal em Ceará-Mirim-RN, também em função de sua vinculação ao demais denunciados. iii. Quanto à associação criminosa, a conjuntura dos fatos apurados deixou evidente que havia um ânimo estável e permanente visando a prática de crimes, notadamente crimes de roubo a agências da EBCT mediante o uso de arma de fogo, sendo que tal associação criminosa já havia redundado em, pelo menos, quatro empreitadas criminosas exitosas, conforme já acima referido. Ao contrário do que defendem os apelantes, restaram comprovadas a estabilidade e a permanência da associação criminosa entre os réus, conforme bem delineado na sentença, cujos fundamentos adoto como razões adicionais de decidir: i) analisando o material produzido pela Polícia Federal no âmbito da Operação Clientela, cujas provas obtidas foram compartilhada pelo Juízo da 15ª Vara de Ceará-Mirim/RN, observa-se que o grupo investigado participou dos roubos das seguintes agências dos Correios: Alecrim, em Natal/RN, no dia 05/09/2015; Ceará-Mirim/RN, em 01/10/2015; São José de Mipibu/RN, em 30/10/2015; Santa Cruz/RN, em 05/12/2015; Pitimbu, em Natal/RN, no dia 01/02/2016, quando parte dos integrantes foram presos em flagrantes antes de dar início à consecução do crime. ii) os acusados já estavam sendo monitorados pela Polícia Federal em razão das diversas práticas delitivas perpetradas em detrimento da agência dos Correios, o que ensejou o decreto prisional preventivo lavrado pelo magistrado da 15ª Vara Federal de Ceará-Mirim/RN do grupo criminoso, sobretudo porque constatado o farto acervo de ligações telefônicas provenientes dos acusados para tratar de assuntos relacionados aos crimes. Pela leitura de alguns trechos dos monitoramentos telefônicos, 262


colacionados no bojo da citada decisão, observo claramente a associação permanente e estável dos mencionados réus para promoverem, de forma coordenada e conjunta, assaltos a agência dos Correios (p. 20/30 do Id. 2995860). iii) da análise das provas produzidas na mencionada operação, extrai-se a participação dos acusados e seus papéis dentro do grupo: a) Jonathan Melo Pereira da Silva – conhecido como “Gordo”: principal articulador do grupo; responsável pelas execuções das ações delituosas, sobre o qual recaía o poder de decidir todos os procedimentos. Foi ele quem entrou na sala do cofre da agência dos Correios de São José do Mipibu/RN, com bala crava encobrindo o rosto para dificultar a identificação. Foi preso em flagrante quando se dirigia a agência dos Correios de Pitimbu, portando arma de fogo e com vestimentas idênticas as utilizadas nos assaltos de Ceará-Mirim/RN, assim como no de São José de Mipibu/RN (p. 13/14 do Id. 2995841); b) Ray Coelho de Morais, vulgo “Rato”: utilizou o terminal telefônico 84 98757 3416, acoplado ao IMEI 3535 2207 1739 839, roubado da agência de São José de Mipibu/RN. Participou diretamente dos assaltos de Ceará-Mirim/RN, São José de Mipibu/RN e da ação contra a agência de Pitimbu, em Natal/ RN. Aparece nas imagens das câmeras de segurança das agências portando arma e usando roupas dos correios, dando suporte ao comparsa Jonathan. Foi preso em cumprimento ao mandado de prisão expedido pelo Juiz da 15ª Vara Federal de Ceará-Mirim/RN (p. 15/16 do Id. 2995841); c) Rogério Inácio de Oliveira, vulgo “Jó”: não aparece nas imagens das câmeras de segurança das agências dos Correios, no entanto, o terminal telefônico por ele utilizado comunica-se com o de Jonathan durante o interstício da ação delituosa perpetrada na agência dos Correios de São José de Mipibu/RN. É responsável por efetuar os levantamentos de dados e realizar as vigilâncias nas agências durante a execução dos assaltos. Foi preso juntamente com Jonathan, Felipe e Amanda, no momento em que estava fazendo a vigilância em frente à agência de Pitimbu, localizada em Natal/RN (p. 16/18 do Id. 2995841). iv) a investigada Amanda Clei Costa Xixiu, companheira do acusado Jonathan, também ajudou a desvencilhar a estrutura 263


do grupo, seus componentes e a função de vários deles. Isso porque ao ser presa em flagrante delito quando da iminência do assalto aos Correios de Pitimbu, em Natal/RN, foi interrogada pela Polícia Federal e revelou a participação dos denunciados nos assaltos aos Correios de Ceará-Mirim/RN e São José do Mipibu/RN. Ademais, contou que Jonathan e Rogério participaram do roubo aos Correios de Alecrim, em Natal/RN, sendo Jonathan e Felipe responsáveis por articular os crimes, passando as orientações aos demais (p. 17/18 do Id. 2995860). v) O chamado núcleo operacional da associação, composto por aqueles que executavam os roubos planejados pelo grupo criminoso (Jonathan e Ray), fazia uso de arma de fogo, circunstância que se transmite ao corréu Rogério Inácio de Oliveira, por estar ciente do fato. Como se observa, além dos demais requisitos para a configuração do crime do art. 288 do CP que não foram impugnados, a estabilidade e a permanência da associação entre ROGÉRIO, RAY e JONATHAN foram comprovadas por meio do compartilhamento regular de provas oriundas de outra Operação Policial (“Operação Clientela”), que, submetida ao contraditório ao longo da instrução criminal nestes autos, não foi impugnada pela defesa. Destas provas, tem-se que a interceptação telefônica e a quebra do sigilo telefônico dos réus demonstraram a existência de vínculo entre eles, diante de inúmeros contatos, e que essa ligação não era efêmera, tendo se protraído ao longo do tempo (estabilidade e permanência), com o claro intuito de praticar diversos delitos de roubo, de forma a se afastar a ocorrência de mero concurso de pessoas. Ademais, como bem destacado pelo MPF, “tratando-se de crime formal, de consumação antecipada, o delito de associação criminosa se configura quando ocorre a adesão do terceiro sujeito ao grupo criminoso, que terá por finalidade a prática de um número indeterminado de crimes. Não há necessidade, para efeitos de configuração do delito, que seja praticada uma única infração penal”2. Assim, a discussão sobre a efetiva ocorrência de outros roubos ou a superveniência de absolvição não são relevantes, uma vez que o vínculo associativo restou configurado. 264


Assim, mantém-se a condenação dos apelantes pela prática do delito do art. 288, p. u., do CP. Na dosimetria da pena, apesar de a defesa enumerar diversas circunstâncias judiciais, tem-se que o Juízo a quo, para todos os réus no delito de roubo, somente valorou em seu desfavor os antecedentes e as consequências do crime, e para o réu JONATHAN, acrescentou como negativa a personalidade. No delito de associação criminosa, valorou os antecedentes de todos os réus e a personalidade apenas de JONATHAN. A fundamentação para valorar negativamente as consequências do crime é idônea, uma vez que embasa no prejuízo sofrido pela ECT da monta de R$ 231.645,57 (duzentos e trinta e um mil, seiscentos e quarenta e cinco reais e cinquenta e sete centavos), a qual se considera significativa e superior à espécie desses delitos contra a ECT. Igualmente idônea a valoração negativa da personalidade do apelante JONATHAN baseada no fato de que ele comandava o grupo, o assalto ora denunciado e que ficou encapuzado todo o período a fim de não ser identificado. Apesar de esses fatos poderem ser utilizados como agravante, o Juiz assim não procedeu e não há recurso da acusação, pelo que se mantém hígida a exasperação na primeira fase da dosimetria da pena. Por outro lado, carece de fundamentação idônea a valoração negativa dos antecedentes, por violação da Súmula 444 do STJ, uma vez que o Juízo a quo se valeu de execução provisória da pena no Processo n° 000046-56.2018.4.05.8405 (isto é, ainda sem trânsito em julgado, e, atualmente, em afronta ao decido nas ADCs 43 e 44). Assim, na primeira fase da dosimetria da pena, afastando-se apenas a valoração negativa dos antecedentes, reduz-se a pena base: a) pelo delito do art. 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal (anteriormente fixada em 7 anos de reclusão para Jonathan e 6 anos e 3 meses de reclusão para RAY e ROGÉRIO), do réu Jonathan para 6 anos e 6 meses de reclusão e 100 dias-multa, e dos réus Ray e Rogério para 6 anos de reclusão e 100 dias-multa; b) pelo crime do art. 288, p. u., do CP (anteriormente fixada em 1 ano e 6 meses de reclusão para Jonathan e 1 ano e 3 265


meses de reclusão para RAY e ROGÉRIO), do réu Jonathan para 1 ano e 3 meses de reclusão e 15 dias-multa, e dos réus Ray e Rogério para 1 ano de reclusão e 10 dias-multa. Como não houve impugnação defensiva ou da acusação quanto às demais fases da dosimetria da pena, mantêm-se todos os fundamentos da sentença, com a consequente adaptação em face da nova pena-base. Quanto ao apelante Jonathan Melo Pereira da Silva: a) Quanto ao delito de roubo, na segunda fase, reduziu-se a pena em 1 ano, em razão da incidência da atenuante da menoridade relativa e da confissão espontânea, razão pela qual fixa-se a pena intermediária em 5 anos e 6 meses de reclusão e 90 dias-multa; na terceira fase, exasperou-se a pena em 1/3, pelo que a pena se torna de 6 anos e 10 meses de reclusão e 120 dias-multa, com o posterior acréscimo de 1/5 em razão da continuidade delitiva, tornando-se como definitiva para esse delito a pena de 8 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão, mais 144 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; b) Quanto ao delito de associação criminosa, na segunda fase, em razão da incidência da atenuante da menoridade relativa, reduz-se a pena para 1 ano de reclusão e 10 dias-multa; na terceira fase, exaspera-se a pena em 1/6 (art. 288, parágrafo único do Código Penal – associação armada), pelo que a pena se torna de 1 ano e 2 meses de reclusão e 11 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; c) Em face do concurso material de crimes, torna-se a pena concreta e definitiva do réu Jonathan Melo Pereira da Silva em 9 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão mais 155 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; No tocante aos apelantes Ray Coelho de Morais e Rogério Inácio de Oliveira: d) Quanto ao delito de roubo, na segunda fase, reduziu-se a pena em 6 meses, em razão da incidência da atenuante confissão espontânea, razão pela qual se fixa a pena intermediária 266


em 5 anos e 6 meses de reclusão e 90 dias-multa; na terceira fase, exasperou-se a pena em 1/3, pelo que a pena se torna de 6 anos e 10 meses de reclusão e 120 dias-multa, com o posterior acréscimo de 1/5 em razão da continuidade delitiva, tornando-se como definitiva para esse delito a pena de 8 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão, mais 144 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; e) Quanto ao delito de associação criminosa, na segunda fase, inexistem atenuantes ou agravantes; na terceira fase, exaspera-se a pena em 1/6 (art. 288, parágrafo único do Código Penal – associação armada), pelo que a pena se torna de 1 ano e 2 meses de reclusão e 11 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; f) Em face do concurso material de crimes, torna-se a pena concreta e definitiva dos réus Ray Coelho de Morais e Rogério Inácio de Oliveira em 9 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão mais 155 dias-multa, mantido o valor de 1/30 do salário mínimo à época dos fatos; Por fim, quanto à fixação do valor mínimo a título indenização (art. 387, IV, do CPP), o magistrado a quo incidiu em violação ao princípio da congruência (ou da adstrição ou da correlação entre acusação e sentença), uma vez que a denúncia do MPF não contém pedido (sequer implícito) dessa natureza, nem interviu a ECT como assistente de acusação pleiteando tais valores. Como não houve pedido, tampouco indicação de valor e submissão da matéria ao contraditório no curso da instrução processual, houve, igualmente, violação aos princípios do devido processo legal, do contraditório e da ampla defesa. Precedente do eg. STJ nesse sentido: (AGRESP - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL - 1785526 2018.03.27937-3, LAURITA VAZ, STJ - SEXTA TURMA, DJe DATA:02/08/2019). Assim, exclui-se a fixação do valor mínimo para reparação dos danos (art. 387, IV, do CPP). Ante o exposto, dou provimento em parte aos apelos para: a) reduzir a pena concreta e definitiva dos apelantes Jonathan, Ray e Rogério para 9 anos, 4 meses e 12 dias de reclusão mais 155 dias-multa; b) excluir a condenação do valor mínimo para reparação dos danos (art. 387, IV, do CPP). 267


AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 081591698.2019.4.05.0000-PE (PJe) Relator: Agravante: Agravada: Adv./Proc.:

DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI AUGUSTO ANTONIO RIBEIRO PINTO UNIÃO FEDERAL DRA. MARIA VALÉRIA FERREIRA DA SILVA (AGRTE.) EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ESTRANGEIRO. VISTO DE PERMANÊNCIA EXPIRADO. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 109, II, DA LEI 13.445/2017. BASE LEGAL: ESGOTAMENTO DO PRAZO LEGAL DE PERMANÊNCIA NO PAÍS. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Agravo de instrumento manejado pelo particular objetivando provimento judicial que determine à autoridade migratória o processamento administrativo do seu pedido de permanência, independentemente de pagamento de multa, que deve ser cobrada por via própria e/ou não ser cobrada em razão da sua miserabilidade. 2. O agravante alega que seu visto provisório de trabalho venceu em 29/09/2017. Procurou a Delegacia de Migração para regularizar sua situação jurídica em território brasileiro. Contudo, a Delegacia de Migração recusou protocolizar o pedido de visto de permanência do agravante, argumentando que teria sido aplicada uma multa na importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais), por ter se exaurido o prazo decorrente do visto de turista que lhe fora concedido em dezembro/2017. 3. Conforme decisão administrativa acostada aos autos originários, o agravante teve seu visto de permanência no país expirado em 19/12/2017, não tendo procurado o Serviço de Imigração da Polícia Federal para solicitar a prorrogação de seu prazo de visitante ou realizar qualquer tipo de transformação de visto de residência conforme 268


disposição legal, ultrapassando 283 dias, do prazo de estada legal no país (Id. 4058300.12885713). 4. A Polícia Federal concluiu que o autor infringiu o art. 109, II, da Lei nº 13.445/2017, tendo, em razão disso, aplicado a já referida multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). 5. Diante da singularidade do procedimento migratório, afeto diretamente à atividade do Poder Executivo, não cabe ao Judiciário imiscuir-se, especialmente quando não comprovada a ocorrência de qualquer ilegalidade por parte da Administração (caso dos autos). Agravo de instrumento improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 20 de fevereiro de 2020. (Julgamento) 21 de fevereiro de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Agravo de instrumento manejado pelo particular objetivando “determinar à autoridade migratória o processamento administrativo do pedido de permanência do agravante, independentemente de pagamento de multa, que deve ser cobrada por via própria e/ou não ser cobrada em razão da miserabilidade do agravante”. Em suas razões recursais, o particular alega, em breve síntese, a necessidade de reforma da decisão, eis que, o seu visto provisório de trabalho venceu em 29/09/2017, quando retornou de uma viagem a Portugal, momento em que procurou a Delegacia de Migração para regularizar sua situação jurídica em território 269


brasileiro. Contudo, a Delegacia de Migração recusou protocolizar o pedido de visto de permanência do agravante, argumentando, que, teria sido aplicado uma multa na importância de R$ 10.000,00 (dez mil reais ), por ter se exaurido o prazo decorrente do visto de turista que lhe fora concedido em dezembro/2017. Afirma que ao tomar conhecimento da multa que fora aplicada, procedeu com o protocolo de recurso administrativo, objetivando processar seu pedido de autorização de permanência mesmo sem proceder com o pagamento da relacionada multa. Entretanto, a autoridade migratória, nos autos da decisão administrativa manteve o auto de infração, tendo fundamentado o indeferimento no artigo 1º do Decreto nº 9.199/17. Aduz que o Decreto extrapola o Poder Regulamentar, atingindo o devido processo legal, o direito de petição e, sobretudo, compromete a proteção à família, na medida em que o fundamento do assistido para permanência é a reunião familiar, fatos estes que sequer foram considerados pelo MM. Juízo de 1º grau. Sem contraminuta. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI (Relator): Trata-se de agravo de instrumento, manejado pelo particular objetivando “determinar à autoridade migratória o processamento administrativo do pedido de permanência do agravante, independentemente de pagamento de multa, que deve ser cobrada por via própria e/ou não ser cobrada em razão da miserabilidade do agravante”. Na hipótese dos autos, conforme decisão administrativa acostada aos autos originários, o agravante teve seu visto de permanência no país expirado em 19/12/2017, não tendo procurado o Serviço de Imigração da Polícia Federal para solicitar a prorrogação de seu prazo de visitante ou realizar qualquer tipo de transformação de visto de residência conforme disposição legal, ultrapassando 283 dias, do prazo de estada legal no país (Id. 4058300.12885713). 270


Sendo assim, penso que não merece reparo a decisão agravada, pelos mesmos argumentos trilhados no juízo monocrático, cuja fundamentação adoto como razão de decidir, in verbis: (...) Pretende o postulante a concessão de visto permanente, haja vista possuir emprego fixo e ser casado com cidadã brasileira. Diz que a autoridade migratória condiciona o requerimento administrativo do aludido visto ao pagamento de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Não obstante a tese autoral, fato é que, como se constata na decisão de Id. 12699989, a Polícia Federal concluiu que o autor infringiu o art. 109, II, da Lei nº 13.445/2017, tendo, em razão disso, aplicado a já referida multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais). Considerando que a imputação dessa penalidade teve como base o esgotamento do prazo legal de permanência, o que, registre-se, foi confirmado pelo próprio autor na inicial, ao enunciar que, após o término do visto inicial de temporário (Id. 12699968, paginador 01), deixou o país e regressou na condição de turista (cf. auto de infração e notificação de Id. 12699982, paginador 02), não há como, nesse momento prefacial, presumir a existência de vício capaz de maculá-la. É de se dizer, ainda, que, diante da singularidade do procedimento migratório, afeto diretamente à atividade do Poder Executivo, não cabe ao Judiciário imiscuir-se, especialmente quando não comprovada a ocorrência de qualquer ilegalidade por parte da Administração (caso dos autos). Para além, imperioso o amadurecimento da demanda, mormente considerando que o deslinde da controvérsia pressupõe seja apurada a situação do migrante para a finalidade em comento (permanência no Brasil) (...)

Nesse mesmo sentido, trago a colação o seguinte julgado: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. VISTO TEMPORÁRIO. ESTRANGEIRO. SOLICITAÇÃO DE PRORROGAÇÃO APÓS O PRAZO LEGAL DE ESTADA. NÃO COMPROVAÇÃO DE IMPOSSIBILIDADE AO COMPARECIMENTO PARA PRORROGAÇÃO. ATO DISCRICIONÁRIO DO ESTADO BRASILEIRO. REMESSA E APELO PROVIDOS. 271


1. Remessa necessária e apelação interposta em face de sentença que julgou procedente a demanda, condenando a apelante a promover a regularização do visto da recorrida até a conclusão do seu curso, bem como proibir a deportação enquanto estiver matriculada no curso de pós-graduação. 2. O Supremo Tribunal Federal já firmou entendimento no sentido de que a motivação referenciada (per relationem) não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se, pois, por cumprida a exigência de fundamentação das decisões judiciais. Dessa forma, não havendo modificação fática da situação posta em apreciação desde o ajuizamento da demanda, adotando-se os termos do julgamento proferido no Agravo de Instrumento nº 080668637.2016.4.05.0000 como razões de decidir. 3. Nos moldes em que preceitua a norma inserta no art. 67 do Decreto nº 86.715/81, o pedido de prorrogação de estada do titular de visto temporário deve ser formulado antes do término do prazo concedido, sob pena de restar configurada infração sujeita às penas estatuídas no art. 125, II, da Lei nº 6.815/80, quais sejam, multa e deportação, caso o estrangeiro não deixe o país no prazo que lhe foi assinalado. 4. Como na hipótese a própria apelada reconhece ter formulado pleito de prorrogação de seu visto mais de um mês depois de esgotado o prazo legal de sua estada, mais precisamente 42 dias após, não haveria como se exigir conduta diversa da Administração Pública que não a lavratura do auto de infração e a denegação do pedido de prorrogação de seu visto. 5. Registre-se que as justificativas apresentadas pela recorrida não são hábeis a assegurar, por si só, a prorrogação automática de sua estada no país. A uma, porque não há prova de que o problema de saúde apresentado pela recorrida, à época, efetivamente impossibilitou a adoção das providências necessárias à renovação de seu visto. A duas, porque a dificuldade financeira apontada pela apelada também não teria o condão de justificar sua atuação extemporânea, mormente quando se tem em conta que uma das condições impostas para permanência do estrangeiro no país é a comprovação de uma situação econômica que lhe possibilite garantir a manutenção no

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território nacional, nos termos em que dispõe o art. 67, II, b, do Decreto nº 86.715/81. 6. Ademais, não se pode perder de vista que a concessão e a renovação de visto para permitir o ingresso e a estada de estrangeiros no país é ato discricionário do Estado brasileiro, configurando, pois, mera expectativa de direito e não direito subjetivo daquele que o postula. 7. Remessa necessária e apelação providas. (08049079420164058100, APELREEX, DES. FED. RUBENS DE MENDONÇA CANUTO, 4ª Turma, 16/03/2018)

No cotejo das questões aduzidas nos autos, essa eg. Corte, em julgamento unânime pelo órgão colegiado da Primeira Turma (08045005420174058100, AC/CE, Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, 1ª Turma, 20/09/2017), já apreciou matéria em tudo a essa assemelhada e, por tal razão, declino devida vênia e faço-me valer do referido entendimento desse órgão turmário, para endossar sua manifestação, verbis: (...) já entendeu esta Primeira Turma, que considerou inclusive que a impossibilidade de regularização da estada colidiria frontalmente com a orientação prevista na Nova Lei de Imigração (Lei nº 13.445/17), publicada em 25/05/2017, que prevê, em seu art. 50, § 1º, que a deportação será precedida de notificação pessoal ao deportando, da qual constem, expressamente, as irregularidades verificadas e prazo para a regularização não inferior a 60 (sessenta) dias, podendo ser prorrogado, por igual período, por despacho fundamentado e mediante compromisso de a pessoa manter atualizadas suas informações domiciliares.

Esforçado nessas razões, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto.

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COMPOSIÇÃO DA QUARTA TURMA


Desembargador Federal Manoel Erhardt Presidente da Quarta Turma Período: março/2019 a março/2021

Desembargador Federal Edilson Nobre

Desembargador Federal Rubens Canuto


JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA


APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0000798-80.2015.4.05.8302CE (PJe) Relator: Apelante: Apelados: Repte.: Adv./Proc.:

DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ADRIANA CRISTOVAM DA SILVA E OUTRO DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO DR. DANIEL TEIXEIRA DA PAIXÃO (APDOS.) EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE REDUÇÃO À CONDIÇÃO ANÁLOGA À DE ESCRAVO E CRIME DE TORTURA. DECISÃO ABSOLUTÓRIA. OITIVAS DEVIDAMENTE ANALISADAS NO JUÍZO A QUO E QUE NÃO AUTORIZAM UMA CONDENAÇÃO CRIMINAL. APELO DO PARQUET FEDERAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO APELADA. 1. Não devem prosperar os argumentos do Parquet Federal direcionados à desconstituição do decreto de absolvição das apeladas no que pertine aos delitos previstos nos arts. 149, caput e parág. 2°, inciso I, do CPB, e o art. 1°, II, e parág. 4°, inciso II, da Lei nº 9.455/97, c/c o art. 69 do CPB (redução à condição análoga à de escravo e tortura). 2. Vasta foi a prova oral produzida nos autos, tanto extrajudicialmente, como judicialmente, e todo esse material foi profundamente analisado no decreto absolutório, com o cotejo das falas produzidas pelas rés, pelas vítimas e testemunhas, concluindo-se, então, que, no contexto da entidade Rosa de Sharon, no período destacado na denúncia, não restou comprovada a prática do delito de redução à condição análoga à de escravo no que diz respeito às internas, tampouco o cometimento de tortura por parte das rés, mesmo que verificadas irregularidades, mas que não abarcadas pelas condutas criminosas destacadas na peça acusatória. 277


3. Não foi tarefa fácil examinar os relatos procedidos no feito, tanto os das mulheres tidas como vítimas, pessoas em condição de fragilidade social, muitas vezes inseridas de forma obrigatória no contexto da entidade Rosa de Sharon e com demonstração de não interesse em subordinação às imposições da instituição, como os das internas solidárias à atividade da instituição, pessoas que certamente nutrem uma dívida de gratidão pela localidade. 4. Tendo essa premissa como direção, o que se constata é que o trabalho de exame detalhado de cada um desses relatos foi prontamente realizado na decisão absolutória, que destacou cada minúcia, cada contradição e expendeu judiciosos fundamentos para entender pela inexistência de provas quanto à prática dos fatos descritos pelo órgão ministerial em sua denúncia. 5. Não restou evidenciado que as apeladas, por meio de surras de urtiga, murros ou tapas, puniram as internas na entidade Rosa de Sharon, em razão do não cumprimento de algum dever ou atividade determinada dentro da entidade. Não há elementos probatórios suficientes para concluir que as obreiras ou colaboradoras da instituição praticaram qualquer agressão, ou que castigos físicos fossem aplicados como sanções por inobservância das regras da casa. 6. Quanto ao delito do 149 do CPB, exige, para a sua caracterização, que os trabalhadores tenham sido de alguma forma recrutados, para prestar serviços à certa pessoa, com a demonstração de ofensa à liberdade destes. Nos autos, não restou evidenciado que as vítimas tenham sido colocadas em uma situação de trabalho na qual a liberdade destas tenha sido cerceada, com proibição de retorno a suas casas; as oitivas procedidas no inquisitivo foram contraditórias e não demonstraram, com a certeza necessária 278


a uma condenação criminal, a prática do delito por parte das apeladas. 7. Não se tem como fazer prevalecer o argumento do apelo de que as oitivas procedidas quando do inquisitivo autorizariam a condenação das acusadas, primeiro, porque tais relatos além de confusos não foram confirmados em juízo, segundo, porque os relatos procedidos em juízo são relevantes quando verificada justamente sua correlação e contradição com as declarações procedidas no inquérito, pelo que não podem simplesmente ser desconsiderados. 8. A perícia traumatológica procedida nas vítimas anotou que não seria possível precisar as origens das cicatrizes existentes nestas; em acréscimo, tem-se que, em audiência de instrução, a suposta vítima ALINE ANDRADE DE LIMA negou que as agressões que relatou no inquisitivo teriam se dado por ordem das acusadas, bem assim registrou que não viu GLEICIANE MACHADO DA SILVA ser agredida, não confirmando seu relato extrajudicial de que foi vítima de tortura e maus-tratos perpetrados pelas acusadas. 9. Em consonância como parecer ministerial apresentado nesta Corte Federal, nega-se provimento ao apelo do Ministério Público Federal, para manter a decisão ora atacada, que entendeu pela absolvição das apeladas, com base no art. 386, incisos II, do CPP, da prática dos delitos previstos nos arts. 149, caput e parág. 2°, inciso I, do CPB, e o art. 1°, II, e parág. 4°, inciso II, da Lei nº 9.455/97, c/c o art. 69 do CPB (redução à condição análoga à de escravo e tortura). ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de ACR 000079880 20154, em que são partes as acima mencionadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do TRF da 5ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao apelo, nos termos 279


do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Recife, 17 de dezembro de 2019. (Julgamento) 19 de dezembro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT: 1. Cuidam os autos de apelação criminal, interposta pelo Ministério Público Federal, em face de decisão prolatada no Juízo da 37ª Vara Federal da Subseção Judiciária de Caruaru-PE, que entendeu pela absolvição das acusadas JANE SUELI DA SILVA e ADRIANA CRISTOVAM DA SILVA, com base no art. 386, inciso II, do CPP, da prática dos delitos previstos nos arts. 149, caput e parág. 2°, inciso I, do CPB, e o art. 1°, II, e parág. 4°, inciso II, da Lei nº 9.455/97, c/c o art. 69 do CPB (redução à condição análoga à de escravo e tortura). 2. De acordo com a peça acusatória inaugural, as apeladas, a partir de uma data incerta até 22/04/2010, no âmbito da entidade Rosa de Sharon, na Cidade de Caruaru/PE, submeteram adolescentes que cumpriam medidas socioeducativas de internação a condições análogas à escravidão, através de trabalhos forçados e jornadas de trabalho exaustivas. A denúncia diz, ainda, que as acusadas agrediam de maneira reiterada as internas, mesmo as que estavam grávidas, com utilização, por exemplo, de galhos de urtiga, aproveitando-se da autoridade existente, bem assim fornecendo refeições estragadas. 3. No apelo interposto, o MPF pleiteia a modificação do decreto atacado. Pugna pela reforma da sentença, para que as apeladas sejam consideradas culpadas, sob o argumento de que se devem levar em consideração os depoimentos prestados na fase pré-processual, sobretudo tendo-se em conta a divergência dos depoimentos prestados em Juízo que se mostraram contraditórios.

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4. Contrarrazões pleiteando o não provimento do recurso. 5. No parecer acostado ao Id. 4050000.12810289, a Procuradoria Regional da República se posiciona pelo não provimento do recurso de apelação do Parquet Federal, para que se confirme a sentença absolutória. 6. Eis o que havia de mais relevante a relatar. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT (Relator): 1. Entendo que não devem prosperar os argumentos do Parquet Federal direcionados à desconstituição do decreto de absolvição das apeladas no que pertine aos delitos previstos nos arts. 149, caput e parág. 2°, inciso I, do CPB, e o art. 1°, II, e parág. 4°, inciso II, da Lei nº 9.455/97, c/c o art. 69 do CPB (redução à condição análoga à de escravo e tortura). 2. Veja-se que vasta foi a prova oral produzida nos autos, tanto extrajudicialmente, como judicialmente, e todo esse material foi profundamente analisado no decreto absolutório, com o cotejo das falas produzidas pelas rés JANE SUELI DA SILVA e ADRIANA CRISTOVAM DA SILVA, pelas vítimas e testemunhas, concluindo-se, então, que, no contexto da entidade Rosa de Sharon, no período destacado na denúncia, não restou comprovada a prática de redução à condição análoga à de escravo no que diz respeito às internas, tampouco o cometimento de tortura por parte das rés, mesmo que verificadas irregularidades, mas que não abarcadas pelas condutas criminosas destacadas na peça acusatória. 3. Realmente, como esclarecido pelo Juízo a quo, não é tarefa fácil examinar os relatos procedidos no feito, tanto os das mulheres tidas como vítimas, pessoas em condição de fragilidade social, muitas vezes inseridas de forma obrigatória no contexto da entidade Rosa de Sharon e com demonstração de não interesse em subordinação às imposições da instituição, como os das internas solidárias à atividade da instituição, pessoas que certamente nutrem uma dívida de gratidão pela localidade. 4. Tendo essa premissa como direção, o que constato é que o trabalho de exame detalhado de cada um desses relatos foi 281


prontamente realizado na decisão absolutória, que destacou cada minúcia, cada contradição e expendeu judiciosos fundamentos para entender pela inexistência de provas quanto à prática dos fatos descritos pelo órgão ministerial em sua denúncia. 5. Não restou evidenciado que as apeladas, por meio de surras de urtiga, murros ou tapas, puniram as internas na entidade Rosa de Sharon, em razão do não cumprimento de algum dever ou atividade determinada dentro da entidade; como bem destacado pelo magistrado sentenciante: (...) não há elementos probatórios suficientes para concluir que as obreiras ou colaboradoras da instituição praticaram qualquer agressão, ou que castigos físicos fossem aplicados como sanções por inobservância das regras da casa. (...) a análise integral dos depoimentos autoriza a formular a conclusão de que algumas internas mantivessem alguma relação de ascendência sobre outras, seja esta relação aprovada e conhecida pela instituição, ou oculta, decorrente de pura força, como no caso da testemunha IRACEMA. É provável que nessa condição tenham ocorrido agressões, humilhações, atos preconceituosos ou de julgamento decorrentes da má interpretação da fé repassada ou mesmo de má intenção, mas que atingiram pessoas fragilizadas por sua situação social, individual, familiar, vítimas dos mais diversos estigmas sociais. Em ambiente semelhante, a frustração das expectativas de acolhimento impede a internalização das regras e aumenta a repulsa ao tratamento oferecido na instituição e à metodologia utilizada, quebrando completamente a confiança. A propósito, a acusada JANE, em seu depoimento, declara que os primeiros 15 dias de internação são determinantes porque as internas sentem muita falta da família e das drogas e estão com as emoções à flor da pele. Vale mencionar, outrossim, que, após ser agredida por VANESSA, a vítima ALINE declara que não comunicou o fato à acusada JANE. Após esses eventos, cada repreensão por inobservância das regras da instituição funciona como tratar um ferimento com espinhos, ou seja, aumenta a dor e a inflamação, impedindo que o tratamento oferecido surta efeitos. Portanto, ainda que tenha ocorrido agressão física entre internas, não houve prova da prática por parte das 282


rés ou com o consentimento da acusada JANE SUELI, razão pela qual reputo que não há prova da prática de crime de tortura, ou mesmo de maus-tratos, por parte das acusadas. O fato de constar no processo documentos que atestem prolação de sentença na Justiça estadual determinando a interdição da entidade, reputo não ser determinante para autorizar uma condenação criminal, pois os fatos não se confirmaram no decorrer do contraditório desenvolvido no juízo penal. Ademais, a sentença se baseou em um relatório de visita institucional (fls. 642-665), confeccionado a partir de relatos de menores, na época, internas, algumas das quais ouvidas em juízo no presente processo e cujo relato não confirmou as informações prestadas naquela ocasião. Ressalte-se que a testemunha ANA CARLA PEREIRA FRANCO declarou expressamente que, em 2010, as menores mentiram porque não gostavam da instituição e não desejavam retornar para lá. (Id. 4058302.5204460)

6. Quanto ao delito do 149 do CPB, exige, para a sua caracterização, que os trabalhadores tenham sido de alguma forma recrutados, para prestar serviços à certa pessoa, com a demonstração de ofensa à liberdade destes. Nos autos, não restou evidenciado que as vítimas tenham sido colocadas em uma situação de trabalho na qual a liberdade destas tenha sido cerceada, com proibição de retorno a suas casas; as oitivas procedidas no inquisitivo foram contraditórias e não demonstraram, com a certeza necessária a uma condenação criminal, a prática do delito por parte das acusadas JANE SUELI DA SILVA e ADRIANA CRISTOVAM DA SILVA. 7. Não se tem como fazer prevalecer o argumento do apelo de que as oitivas procedidas quando do inquisitivo autorizariam a condenação das acusadas, primeiro, porque tais relatos, além de confusos, não foram confirmados em juízo, segundo, porque os relatos procedidos em juízo são relevantes quando verificada justamente sua correlação e contradição com as declarações procedidas no inquérito, pelo que não podem simplesmente ser desconsiderados. 8. Importante anotar que a perícia traumatológica procedida nas vítimas ALINE ANDRADE DE LIMA e GLEICIANE MACHADO DA SILVA anotou que não seria possível precisar as origens 283


das cicatrizes existentes nestas; em acréscimo, tem-se que, em audiência de instrução, ALINE ANDRADE DE LIMA negou que as agressões que relatou no inquisitivo teriam se dado por ordem das acusadas JANE SUELI DA SILVA e ADRIANA CRISTOVAM DA SILVA (mídia digital, fl. 535 dos autos), bem assim registrou que não viu GLEICIANE MACHADO DA SILVA ser agredida, não confirmando seu relato extrajudicial de que foi vítima de tortura e maus-tratos perpetrados pelas acusadas. 9. Por tudo isso, em consonância como parecer ministerial apresentado nesta Corte Federal, nego provimento ao apelo do Ministério Público Federal, para manter a decisão ora atacada, que entendeu pela absolvição das apeladas JANE SUELI DA SILVA e ADRIANA CRISTOVAM DA SILVA, com base no art. 386, inciso II, do CPP, da prática dos delitos previstos nos arts. 149, caput e parág. 2°, inciso I, do CPB, e o art. 1°, II, e parág. 4°, inciso II, da Lei nº 9.455/97, c/c o art. 69 do CPB (redução à condição análoga à de escravo e tortura). 10. Eis o meu voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0002601-91.2012.4.05.8500SE (PJe) Relator: Apelante: Apelado: Adv./Proc.:

DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR MARILENE CARDOSO RIBEIRO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL DRA. GLAYSE ELLY DOS SANTOS MOTA (APTE.) EMENTA: PENAL. PROCESSO PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CALÚNIA, INJÚRIA E DENUNCIAÇÃO CALUNIOSA. INCIDENTE DE INSANIDADE. INIMPUTABILIDADE DO RÉU. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. MEDIDA DE SEGURANÇA. ARTS. 96 E 97 DO CÓDIGO PENAL. INTERNAMENTO EM HOSPITAL DE CUSTÓDIA (ART. 96, I, CP). MEDIDA MAIS GRAVOSA. PERICULOSIDADE DO AGENTE NÃO VERIFICADA. 284


IDOSA COM 67 ANOS DE IDADE. LAUDO RECOMENDANDO TRATAMENTO AMBULATORIAL. PROVIMENTO À APELAÇÃO. 1. Cuida-se de apelação criminal interposta pela ré contra sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Sergipe que, ao absolvê-la pela pratica dos crimes de calúnia e de denunciação caluniosa, aplicou a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, caso não houver disponível, outro estabelecimento equiparado a critério do juízo da execução, fixando o período mínimo de 1 (um) ano, ao fim do qual deveria a agente ser submetida a perícia médica. 2. Não prospera a tese defensiva de nulidade da sentença, pois foram claramente demonstrados quais foram os elementos de prova que levaram à convicção do juízo acerca da responsabilidade penal da denunciada pela prática dos crimes imputados na inicial (calúnia, injúria e denunciação caluniosa). 3. “Para uma melhor exegese do art. 97 do CP, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável” (STJ, EREsp 998.128/MG, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, j. 27/11/2019). 4. Compulsando os presentes autos e o laudo constante no incidente de insanidade, conclui-se por não haver elementos concretos que favoreçam a uma conclusão de que a acusada é possuidora de alguma periculosidade que justifique o internamento em um hospital. Em nenhum momento houve alusão à periculosidade da paciente. Ao contrário, no item 7 do laudo, consta expressa afirmação do médico psiquiatra 285


de que “O processo em tela pode ser controlado com tratamento em regime ambulatorial por psicofármacos, psicoterapia e condições socioambientais favoráveis.”, somando-se a isso a circunstância da ré possuir 67 (sessenta e sete) anos de idade (nascida em 11/08/1952), tendo o fato ocorrido há dez anos. Nesse contexto, não é dado presumir a periculosidade da paciente para o fim de estabelecer um período mínimo inicial de 1 (um) ano de internação em hospital psiquiátrico, medida mais aflitiva que o tratamento ambulatorial, sem a existência de um laudo que embase tal conclusão, em manifesta violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. 5. Provimento à apelação para o fim de determinar que a medida de segurança a ser cumprida inicialmente pela ré seja o tratamento ambulatorial por tempo indeterminado, com período mínimo de 1 (um) ano, ficando submetida a uma nova avaliação médica após tal prazo, ou a qualquer tempo mediante determinação do juízo da execução (art. 96, II, c/c 97, §§ 1º e 2º, CP). ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Recife, 3 de março de 2020. (Julgamento) 5 de março de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR - Relator

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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: Cuida-se de apelação criminal interposta por MARILENE CARDOSO RIBEIRO contra sentença proferida pelo Juízo da 6ª Vara Federal de Sergipe que, ao absolver a ré pela pratica dos crimes de calúnia e de denunciação caluniosa, aplicou a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, caso não houver disponível, outro estabelecimento equiparado, a critério do juízo da execução. O recurso de apelação da ré sustenta, em síntese, a reforma da sentença para que se imponha o tratamento ambulatorial ao invés da internação hospitalar. Não houve contrarrazões. A Procuradoria Regional da República opina pelo não provimento à apelação (Id. 4050000.1892735-3). É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (Relator): A recorrente MARILENE CARDOSO RIBEIRO foi absolvida da imputação feita na denúncia com fundamento no art. 386, VI, do CPP, sendo-lhe aplicada pelo juízo do primeiro grau, no entanto, a medida de segurança prevista nos arts. 96, I, e 97 (Art. 96. As medidas de segurança são: I - Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado); (Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial). Como preliminar, alega-se nulidade da sentença sob o fundamento de que o juízo processante não teria deixado clara a comprovação da materialidade e autoria delitivas. No entanto, a afirmação não se sustenta, visto que foram suficientemente fundamentadas a materialidade e a autoria delitiva dos delitos pelo juízo: 287


2.2. Da conduta imputada à ré. A materialidade delitiva encontra-se comprovada pelo acervo probatório coligido aos autos, dentre os quais: a) declaração prestada ao MPF sobre suposta conduta ilícita da servidora Giselda de Andrade (fl. 5 do Id. 4058501.2367630); b) homologação de transação penal na queixa-crime da Justiça Estadual (Proc. nº 201153500219), tendo como querelantes as testemunhas de acusação Giselda Andrade e Sheila de Oliveira Matos (fls. 21/22 do Id. 4058501.2367630 e fls. 5/6 do Id. 4058501.2367630). Tais elementos somados aos depoimentos das testemunhas de acusação (Id. 4058501.2367533) dão conta também da autoria delitiva.

Deste modo, não prospera a tese defensiva, pois foram claramente demonstrados na sentença quais foram os elementos de prova que levaram à convicção do juízo acerca da responsabilidade penal da denunciada pela prática dos crimes imputados na inicial (calúnia, injúria e denunciação caluniosa). Como último ponto, controverte o recurso de apelação sobre a adequação da medida imposta ao fundamento de sua a desproporcionalidade, pois, ao invés da internação em hospital de custódia, poderia haver o controle por tratamento em regime ambulatorial através de psicofármacos, psicoterapia e por meio de condições socioambientais favoráveis. A inimputabilidade da denunciada foi reconhecida por esta eg. Corte nos autos do Incidente de Insanidade Proc. nº 000021376.2016.4.05.8501. Sobre as espécies de medida de segurança, prevê o Código Penal o seguinte: Art. 96. As medidas de segurança são: I - internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado; II- sujeição a tratamento ambulatorial; (...) Art. 97 - Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial. 288


Ao dirimir controvérsia interpretativa acerca do alcance e da aplicação do art. 97 do CP, o SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, por sua Terceira Seção, nos EREsp 998.128/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, julgado em 27/11/2019, considerou que “Para uma melhor exegese do art. 97 do CP, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável”, em acórdão que recebeu a seguinte ementa: PENAL. EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PARADIGMA EM HABEAS CORPUS. IMPOSSIBILIDADE. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. INIMPUTABILIDADE DO RÉU. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA IMPRÓPRIA. MEDIDA DE SEGURANÇA. INTERNAÇÃO EM MANICÔMIO JUDICIÁRIO. SUBSTITUIÇÃO POR TRATAMENTO AMBULATORIAL. CRIME PUNIDO COM PENA DE RECLUSÃO. ART. 97 DO CP. POSSIBILIDADE. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Os embargos de divergência em recurso especial, ao tempo em que solucionam a lide, têm por finalidade possibilitar ao Superior Tribunal de Justiça que resolva a discordância existente entre seus órgãos fracionários na interpretação de lei federal, com objetivo de uniformização da jurisprudência interna corporis. 2. Esta Corte tem entendimento de que somente se admitem como acórdãos paradigmas os proferidos no âmbito de recurso especial e de agravo que examine o mérito do especial, não sendo aptos a tal finalidade os arestos no âmbito de ação rescisória, habeas corpus, conflito de competência, tampouco em sede de recurso ordinário em mandado de segurança, como na espécie. 3. “Tal interpretação veio a ser corroborada pelo art. 1.043, § 1º, do CPC/2015, que restringiu, expressamente, os julgados que podem ser objeto de comparação, em sede de embargos de divergência, a recursos e ações de competência originária, não podendo, portanto, funcionar como paradigma acórdãos proferidos em ações que têm natureza jurídica de garantia constitucional, como os habeas corpus, mandado de segurança, habeas data e mandado de injunção. O mesmo raciocínio vale para 289


enunciados de súmula de tribunais” (AgRg nos EAREsp 1.243.022/DF, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 10/10/2018, DJe 22/10/2018). 4. Hipótese em que se verifica posicionamento dissonante entre as Turmas que compõem a Terceira Seção desta Corte quanto ao direito federal aplicável (art. 97 do CP. “Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial”). 5. A doutrina brasileira majoritariamente tem se manifestado acerca da injustiça da referida norma, por padronizar a aplicação da sanção penal, impondo ao condenado, independentemente de sua periculosidade, medida de segurança de internação em hospital de custódia, em razão de o fato previsto como crime ser punível com reclusão. 6. Para uma melhor exegese do art. 97 do CP, à luz dos princípios da adequação, da razoabilidade e da proporcionalidade, não deve ser considerada a natureza da pena privativa de liberdade aplicável, mas sim a periculosidade do agente, cabendo ao julgador a faculdade de optar pelo tratamento que melhor se adapte ao inimputável. 7. Deve prevalecer o entendimento firmado no acórdão embargado, no sentido de que, em se tratando de delito punível com reclusão, é facultada ao magistrado a escolha do tratamento mais adequado ao inimputável, nos termos do art. 97 do Código Penal. 8. Embargos de divergência rejeitados. (EREsp 998.128/MG, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/11/2019, DJe 18/12/2019)

Conforme restou uniformizado, é cabível ao juízo a opção por tratamento mais apropriado ao inimputável, independentemente de o fato praticado pelo agente ser punível com a pena de reclusão ou detenção, desde que leve em consideração a sua periculosidade. No caso concreto, ao fixar a medida de segurança em internação hospitalar, o juízo fez as seguintes considerações: Assim, determino seja aplicada a medida de segurança consistente em internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabele290


cimento adequado, a critério do Juízo da Execução, por tempo indeterminado, mas até a cessação de sua periculosidade, fixando-se, contudo, o período mínimo de 1 (um) ano, ao final do qual deverá a sentenciada ser novamente submetida a perícia médica, nos termos do § 2° do art. 97 do CP, a não ser que haja recomendação para renovação dessa perícia em tempo inferior, tudo a critério do Juízo da Execução.

Compulsando os presentes autos assim como o laudo constante no Incidente de Insanidade (Proc. 0000213-76.76.2016.4.05.8501, Id. 4058501.2164028), conclui-se por não haver elementos concretos que favoreçam a uma conclusão de que a acusada é possuidora de alguma periculosidade que justifique um internamento em um hospital, conforme se pode observar nas respostas do perito aos quesitos formulados pelo MPF: 1. O processo mental em tela cursa com períodos de agudização e de acalmia. Nas agudizações, existe comprometimento significativo do cognitivo. No entanto, ao tempo do ato, é impossível precisar se o periciado vivenciava um estado agudo ou uma intercrise. 2. A periciada, quando envolvida por uma fase aguda, apresenta um comprometimento significativo do seu cognitivo. 3. A periciada é portadora de um transtorno depressivo recorrente com sintomas psicóticos (CID=F33.3). As manifestações psicóticas envolvem ideação delirante e/ ou alucinações auditivas de comando. 4. O processo caracteriza-se por anedonia, agitação psicomotora, rebaixamento do humor, episódios de ideação delirante e de alucinações auditivas, impulsividade, distúrbio do sono, heteroagressividade e isolamento social. Nas agudizações, a incapacidade de reger sua vida social é total. 5. A patologia em tela é intrínseca ao terreno genético da autora, podendo ser precipitada por elementos multifatoriais (social, ocupacional, familiar, comorbidades). 6. Segundo relato colhido ao exame pericial, faz uso irregular de antipsicótico (Zargus). 7. O processo em tela pode ser controlado com tratamento em regime ambulatorial por psicofármacos, psicoterapia e condições socioambientais favoráveis. A descontinuidade 291


e/ou adesão parcial ao tratamento sugerido implicará prejuízos significativos a uma evolução positiva do quadro patológico. 8. É impossível precisar qual o estágio patológico experimentado pela periciada à época do fato. As agudizações podem cursar com heteroagressividade, impulsividade, alucinações de comando, ideação delirante, isolamento social, rebaixamento do humor, anedonia.

Como é possível notar, em nenhum momento houve alusão à periculosidade da paciente. Ao contrário, no item 7 do laudo, consta expressa afirmação do médico psiquiatra de que “O processo em tela pode ser controlado com tratamento em regime ambulatorial por psicofármacos, psicoterapia e condições socioambientais favoráveis.”, somando-se a isso a circunstância de a ré possuir 67 (sessenta e sete) anos de idade (nascida em 11/08/1952), tendo o fato ocorrido há dez anos. Nesse contexto, não é dado presumir a periculosidade da paciente para o fim de estabelecer um período mínimo inicial de 1 (um) ano de internação em hospital psiquiátrico, aplicando uma medida mais aflitiva que o tratamento ambulatorial, sem a existência de um laudo que embase tal conclusão, em manifesta violação aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. Daí o provimento à apelação para o fim de determinar que a medida de segurança a ser cumprida pela ré seja o tratamento ambulatorial por tempo indeterminado, com período mínimo de 1 (um) ano, ficando submetida a ré a uma nova avaliação médica após tal prazo, ou a qualquer tempo, mediante determinação do juízo da execução (art. 96, II, c/c 97, §§ 1º e 2º, CP). É como voto.

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RECURSO EM SENTIDO ESTRITO Nº 2.455-PE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Recorrente: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Recorridos: CLÁUDIO BARBOSA FRANCISCO DOS SANTOS E LUIZ CORREIA DE BRITO Advs./Procs.: DRS. MARIANA PACHECO RODRIGUES ALMEIDA CANEL E OUTROS (RECDOS.) EMENTA: RECURSO EM SENTIDO. PRESCRIÇÃO. ART. 117, IV, DO CP. REDAÇÃO POSTERIOR AOS FATOS. NÃO APLICABILIDADE. IMPROVIMENTO. I - A matéria inerente à prescrição versa sobre o mérito do direito de punir do Estado, sendo, portanto, irrecusável que a sua disciplina se realize mediante lei formal promulgada anteriormente aos fatos imputados ao cidadão, conforme o art. 5º, XXIX, da Lei Básica. II - Impossibilidade de a Lei 11.596/2007 – a qual alterou a redação do art. 117, IV, do Código Penal, para o fim de prever que a interrupção da prescrição sucede pela publicação da sentença ou acórdão condenatório – incidir sobre fatos que, nos termos das razões recursais, tiveram sua prática no ano de 2003. III - Recurso cujo provimento é negado. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, negar provimento ao recurso em sentido estrito, nos termos do voto do Relator. Recife, 10 de março de 2020. (Julgamento) 293


DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: Não se conformando com a v. decisão de fls. 981-984, a qual reconheceu prescrita a pretensão punitiva estatal exercitada em detrimento de CLÁUDIO BARBOSA FRANCISCO DOS SANTOS e LUIZ CORREIA DE BRITO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, sustentando, em resumo, que, uma vez em se considerando o art. 117, IV, do Código Penal, com a redação da Lei 11.596/2007, o qual dispõe que o acórdão que confirma a sentença condenatória interrompe a prescrição, forçosa a conclusão de que esta, no caso concreto, não se verificou. Em sua contradita, os recorridos pugnaram pela confirmação da sentença, ao argumento de que, de acordo com a jurisprudência predominante no Superior Tribunal de Justiça, a manutenção da sentença condenatória, em regra, não interrompe a prescrição. A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Dr. JOSÉ JOAQUIM DE BARROS DIAS, opina pelo não provimento do recurso, sumariando sua compreensão mediante a transcrição da ementa abaixo: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. ART. 110, § 1º, DO CP. PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE CONSTATADA. ACÓRDÃOS CONFIRMATÓRIOS DA CONDENAÇÃO. NÃO OCORRÊNCIA DE NOVO MARCO INTERRUPTIVO. JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PARECER PELO CONHECIMENTO E NÃO PROVIMENTO DO RECURSO EM SENTIDO ESTRITO.

É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (Relator): Conforme se tem das razões ministeriais, mais precisamente no item 4.RAZÕES RECURSAIS (fl. 988), há a menção de que os fatos tiveram sua prática no ano de maio de 2003. 294


Sendo assim, a redação do art. 117, inciso IV, do Código Penal dispunha que a interrupção da prescrição sucedia “pela sentença condenatória recorrível”. Somente com a promulgação, a entrada em vigor da Lei 11.596/2007, é que a redação do preceito veio a prever que a prescrição se interrompe “pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis”. É sabido – até porque constitui direito fundamental (art. 5º, XXIX, CF) – que o direito penal se modula pela lei formal antecedente ao fato apontado como criminoso. Assim, o regramento em torno da prescrição, versando sensivelmente sobre o mérito da pretensão de punir, há de ser aquele estatuído quando da suposta prática delituosa. Consequentemente, a nova disciplina, instituída pela Lei 11.596/2007, não pode ser aplicada à espécie. Com essas considerações, nego provimento ao recurso. É como voto.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº 14.855-AL Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MEN DONÇA CANUTO NETO Apelantes: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, BENEDITO NI COLAU DA SILVA E MANOEL CAETANO DOS SANTOS NETO Apelados: OS MESMOS Repte.: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Advs./Procs.: DRS. THIAGO PINHEIRO E OUTRO EMENTA: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO E PECULATO CULPOSO. DESVIO DE DOCUMENTO. CERTIFICADO DE REGISTRO DE LICENCIAMENTO DE VEÍCULO. AUSÊNCIA DE SIGNIFICAÇÃO PATRIMONIAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ABSOLVIÇÃO. APELAÇÕES 295


DOS RÉUS PROVIDAS. APELO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PREJUDICADO. 1. Ação penal que trata do desvio de um certificado de registro e licenciamento de veículo, bem móvel que não é dotado de significação patrimonial, requisito necessário à configuração do crime de peculato. 2. O bem jurídico tutelado pelo art. 312 do Código Penal é a administração pública, em seus aspectos patrimonial e moral. Objetiva-se, com a tipificação do delito de peculato, a preservação do erário, bem assim da lealdade e probidade dos agentes públicos. Conquanto o resguardo da moralidade administrativa se sobreponha à proteção do patrimônio, daí derivando o entendimento jurisprudencial de que inaplicável o princípio da insignificância ao crime de peculato, a configuração do delito reclama a existência de algum dano material, seja ao erário, seja ao patrimônio de um particular que esteja confiado à guarda da administração pública. 3. Hipótese em que não se enxerga dano patrimonial no desvio de um certificado de registro e licenciamento de veículo, sobretudo quando evidenciado nos autos ter o particular, há muito, alienado o veículo ao qual se refere o documento a terceiro estranho ao processo. Inexistência, ainda, de tributos, taxas ou multas não adimplidas, de modo que não se pode falar em dano patrimonial de qualquer espécie. 4. “Tal como nos crimes contra o patrimônio, o objeto jurídico do delito contido no artigo 312 do Código Penal deve ter expressão econômica, ou seja, a coisa móvel, assim como o dinheiro e o valor, precisa ter significação patrimonial” (STJ, RHC 23.500/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 24/06/2011). 5. Cuidando-se o peculato de crime material, é forçoso reconhecer a atipicidade da conduta 296


descrita na denúncia, diante da ausência de significação patrimonial do documento subtraído/ desviado. 6. Prejuízo da apelação interposta pelo Ministério Público Federal, através da qual se objetivava a condenação do réu empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pela prática de peculato doloso, e não na modalidade culposa do delito, conforme reconhecera o juízo de primeiro grau. 7. Apelação dos réus provida e recurso do Ministério Público Federal prejudicado, nos termos do parecer da Procuradoria Regional da República. ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento aos recursos de apelação dos réus e julgar prejudicado o apelo do Ministério Público Federal, tudo nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 3 de março de 2020. (Julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO: Cuida-se de apelações criminais interpostas pelo Ministério Público Federal (fls. 175-177v.) e pelos réus Manoel Caetano dos Santos Neto (fls. 185-196) e Benedito Nicolau da Silva (fls. 232238), em face de sentença (fls. 165- 172v.) com que o Juízo da 3ª Vara Federal do Estado de Alagoas condenou o primeiro pela prática do delito previsto no art. 312, caput, do Código Penal, e o segundo pelo crime descrito no art. 312, § 2º, do Código Penal. Em seu apelo, o Ministério Público Federal pugna pela reforma da sentença, com o fim único de condenar o réu Benedito Nicolau 297


da Silva nas penas do art. 312, caput, do Código Penal. Nesse sentido, aduz ter restado provado o dolo do servidor da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos de entregar documento postal a quem não era seu destinatário. Representado pela Defensoria Pública da União, Manoel Caetano dos Santos Neto sustenta a atipicidade da conduta a ele imputada e a ausência de comprovação da autoria delitiva. Benedito Nicolau da Silva, por sua vez, defende ser atípica a conduta a ele imputada. Subsidiariamente, considerada a desclassificação para o crime de peculato culposo (CP, art. 312, § 2º), requer lhe seja assegurado o benefício da transação penal, previsto na Lei 9.099/1995, ou a possibilidade de reparação do dano, na forma do art. 312, § 3º, do Código Penal. Contrarrazões apresentadas por Benedito Nicolau da Silva (fls. 213-217) e pelo Ministério Público Federal (fls. 219-222 e 242-246). Parecer da Procuradoria Regional da República, opinando pelo provimento dos apelos defensivos, para absolver os réus, com prejuízo do recurso ministerial (fls. 250-256). É o relatório. Ao Revisor. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO (Relator): Conforme sumariado, cuida-se de apelações criminais interpostas em face de sentença com que o Juízo da 3ª Vara Federal do Estado de Alagoas condenou Manoel Caetano dos Santos Neto, pela prática do crime de peculato (CP, art. 312, caput), e Benedito Nicolau da Silva, pelo crime de peculato culposo (CP, art. 312, § 2º). O Ministério Público Federal pugna pela reforma da sentença, com o fim único de condenar o réu Benedito Nicolau da Silva nas penas do art. 312, caput, do Código Penal. Por seu turno, os recorrentes Manoel Caetano dos Santos Neto e Benedito Nicolau da Silva sustentam, dentre outras teses, a atipicidade da conduta a eles imputada na denúncia. Pois bem. 298


Assim restaram descritos os fatos na denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal: Os denunciados Benedito Nicolau da Silva e Manoel Caetano dos Santos Neto, mancomunados entre si e com o propósito escuso de apropriação e desvio em proveito próprio de documentação pertencente a terceiro, planejaram, empregaram todos os esforços necessários e efetivamente se apropriaram do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) Corsa, Placa MUR 6112, pertencente e que deveria ser entregue pelos Correios à proprietária do mesmo, Wilma Cavalcante Alves, e do qual o primeiro denunciado tinha a posse em razão do cargo de carteiro que exercia na Empresa de Correios e Telégrafos. Assim é que Manoel Caetano dos Santos Neto, com o intuito de dar destinação diversa a documento que não lhe pertencia, e a pedido do segundo denunciado, solicitou ao mototaxista José Pereira Venâncio que se dirigisse à Agência dos Correios localizada no Tabuleiro dos Martins, em Maceió/AL, e pegasse com o acusado Benedito Nicolau da Silva, empregado da Empresa de Correios e Telégrafos, o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) Corsa, Placa MUR 6112, pertencente a Wilma Cavalcante Alves, e entregasse a ele, como assim foi feito em 21/03/2013, consoante provam os documentos de fls. 08 e 71/72. Já o denunciado Benedito Nicolau da Silva, aproveitando-se da sua condição de empregado da Empresa de Correios e Telégrafos e que tinha a posse dos documentos que deveriam ser entregues aos usuários da referida empresa, se apropriou e desviou o Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV) Corsa, Placa 6112, que deveria ser entregue à proprietária do veículo, Wilma Cavalcante Alves, e entregou o mesmo a José Pereira Venâncio em 21/03/2013, ainda que sabendo que este não era o proprietário do veículo, uma vez que não exigiu dele a apresentação de qualquer documento de identificação civil comprobatório da titularidade do aludido documento, e com este comportamento descumpriu expressamente as normas regulamentares internas da sua função, e com maior gravidade, até porque, de acordo com estas normas, deveria encaminhar o documento postado para a unidade distribuidora da ECT da região correspondente 299


ao endereço da encomenda ou do registrado, conforme provam os documentos de fls. 03, 04/12, 27/28, 41/42, 44/46, 53/54 e 71/72.

A ação penal trata, portanto, do desvio de um Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, bem móvel que, no meu sentir, não é dotado de significação patrimonial, requisito necessário à configuração do crime de peculato. A propósito do tema, confira-se a lição de Cleber Masson1: (...) o legislador valeu-se da interpretação analógica (ou intra legem), apresentando uma fórmula casuística (“dinheiro” ou “valor”) seguida de uma fórmula genérica (“qualquer outro bem móvel”). A finalidade da lei, assim agindo, consiste em esclarecer que o dinheiro e os valores podem ser objeto material de peculato, assim como qualquer outro bem móvel, ainda que não se enquadre no conceito de dinheiro ou de valor. Bem móvel, por sua vez, é toda coisa corpórea suscetível de ser apreendida e transportada de um local para outro, e dotada de significação patrimonial, como é o caso dos computadores, veículos automotores, aparelhos eletrônicos em geral etc. (Destaquei)

Sabe-se que o bem jurídico tutelado pelo art. 312 do Código Penal é a administração pública, em seus aspectos patrimonial e moral. Objetiva-se, com a tipificação do delito de peculato, a preservação do erário, bem assim da lealdade e probidade dos agentes públicos. Conquanto o resguardo da moralidade administrativa se sobreponha à proteção do patrimônio, daí derivando o entendimento jurisprudencial de que inaplicável o princípio da insignificância ao crime de peculato, a configuração do delito reclama a existência de algum dano material, seja ao erário, seja ao patrimônio de um particular que esteja confiado à guarda da administração No caso em exame, não enxergo dano patrimonial no desvio de um Certificado de Registro e Licenciamento de Veículo, sobretudo

1 Masson, Cleber. Código Penal Comentado. 3. ed. rev., atual. e ampl. - Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2015. P. 1.170.

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quando evidenciado nos autos ter o particular, há muito, alienado o veículo ao qual se refere o documento a terceiro estranho ao processo. Nesse ponto, vale destacar que nos autos não há notícias, ainda, da existência de tributos, taxas ou multas não adimplidas, de modo que não se pode falar em dano patrimonial de qualquer espécie. Como restou consignado no parecer da Procuradoria Regional da República: (...) entende o MPF em segundo grau que a condenação criminal não deve subsistir, devendo a conduta ser apreciada sob a ótica da improbidade ou mesmo da responsabilidade funcional do servidor, em procedimento próprio. É que, conforme consignado na sentença, o documento de licenciamento fora entregue a pessoa “que teria se apresentado como comprador do veículo, portanto toda a documentação referente à compra do carro (o recibo de compra e venda assinado por Wilma Cavalcante Alves, identidade, documento anterior do veículo e os comprovantes de pagamento das taxas daquele documento que estava sendo entregue”. Sendo certo que o veículo tinha sido, de fato, alienado a terceiro, a entrega do documento de licenciamento anual a este (CRLV), embora irregular, não possui ofensividade a atrair a tipicidade do peculato. Note-se que referido documento não se presta a transferir a propriedade do bem, mas apenas serve para comprovar perante as autoridades de trânsito a regularização do licenciamento anual, sendo desprovido de valor intrínseco e, por isso, não passível de figurar como objeto material do crime de peculato.

Na mesma linha, reproduzo precedente do col. Superior Tribunal de Justiça, que bem ilustra o entendimento ora adotado: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. USO DE DOCUMENTO IDEOLOGICAMENTE FALSIFICADO E PECULATO (ARTIGOS 304 E 312, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL). CARTÕES DE PONTO SUPOSTAMENTE FALSIFICADOS UTILIZADOS EM PROCESSO TRABALHISTA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. (...) PECULATO-APROPRIAÇÃO (ARTIGO 312, CAPUT, DO 301


CÓDIGO PENAL). ACUSADO QUE TERIA SE APROPRIADO DE CARTÕES DE PONTO PERTENCENTES À AUTARQUIA MUNICIPAL DA QUAL ERA SUPERINTENDENTE. AUSÊNCIA DE VALOR PATRIMONIAL DOS BENS SUPOSTAMENTE APROPRIADOS. NECESSIDADE DE QUE A COISA OBJETO DO PECULATO TENHA EXPRESSÃO ECONÔMICA. FALTA DE JUSTA CAUSA PARA A PERSECUÇÃO CRIMINAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. RECURSO PROVIDO. 1. O crime de peculato-apropriação encontra-se disposto no caput do artigo 312 do Código Penal, verbis: “apropriar-se o funcionário público de dinheiro, valor ou qualquer outro bem móvel, público ou particular, de que tem a posse em razão do cargo, ou desviá-lo, em proveito próprio ou alheio: Pena - reclusão, de dois a doze anos, e multa”. 2. Conquanto a moralidade administrativa também seja tutelada no peculato, nele se exige que a Administração Pública sofra algum dano patrimonial. 3. Tal como nos crimes contra o patrimônio, o objeto jurídico do delito contido no artigo 312 do Código Penal deve ter expressão econômica, ou seja, a coisa móvel, assim como o dinheiro e o valor, precisa ter significação patrimonial. 4. Isso porque o que diferencia o peculato dos ilícitos patrimoniais previstos no Código Penal é o fato de que nele o delito é praticado por funcionário público, prevalecendo-se de suas funções, e em violação a um dever de fidelidade que existe entre ele e o órgão ao qual está vinculado. 5. Desse modo, embora o peculato tutele a moralidade administrativa, não se pode olvidar que mantém sua natureza patrimonial, distinguindo-se dos crimes contra o patrimônio em razão da qualidade do sujeito ativo, do título da posse e da pluralidade de condutas, razão pela qual nele também se exige que o objeto material tenha expressão econômica, sob pena de atipicidade da conduta. 6. Na hipótese vertente, o recorrente foi condenado porque teria se apropriado de cartões de ponto de autarquia da qual era superintendente. No entanto, os mencionados comprovantes de horário não possuem, em si, qualquer significação econômica, sendo desprovidos de valor patrimonial, não podendo, assim, ser objeto do crime de peculato-apropriação.

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7. Desse modo, vislumbra-se a ausência de justa causa para a ação penal no que se refere ao crime previsto no caput do artigo 312 do Código Penal, pelo que se impõe o trancamento da ação penal quanto ao ponto. 8. Recurso provido para, reconhecendo a competência da Justiça Federal para processar e julgar o crime de uso de documento falso, anular a sentença condenatória proferida pelo Juízo Estadual, facultando-se a ratificação dos atos processuais anteriormente praticados, bem como para trancar a ação penal no tocante ao crime de peculato-apropriação, ante a ausência de justa causa para a persecução penal. (STJ, RHC 23.500/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 24/06/2011)

Com efeito, cuidando-se o peculato de crime material, é forçoso reconhecer a atipicidade da conduta descrita na denúncia, diante da ausência de significação patrimonial do documento subtraído/ desviado. Dito isso, resta prejudicada a apelação interposta pelo Ministério Público Federal, através da qual se objetivava a condenação do réu empregado da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos pela prática do peculato doloso, e não pela modalidade culposa, conforme reconhecera a sentença. Tecidas essas considerações, nos termos do parecer da Procuradoria Regional da República, dou provimento às apelações dos réus e julgo prejudicado o recurso do Ministério Público Federal. É como voto.

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COMPOSIÇÃO DAS TURMAS AMPLIADAS


PRIMEIRA E TERCEIRA TURMAS

Des. Federal Rogério Fialho

Des. Federal Fernando Braga

Des. Federal Roberto Machado

Des. Federal Cid Marconi

Des. Federal Alexandre Luna

Des. Federal Élio Siqueira

SEGUNDA E QUARTA TURMAS

Des. Federal Paulo Roberto

Des. Federal Manoel Erhardt

Des. Federal Edilson Nobre

Des. Federal Paulo Cordeiro

Des. Federal Rubens Canuto

Des. Federal Leonardo Carvalho


JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS AMPLIADAS


APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 081488850.2016.4.05.8100-CE (PJe) Relator: Apelante: Apelado: Adv./Proc.:

DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT FAZENDA NACIONAL ANTÔNIO EVARISTO PAZ DRA. CHRISTIANNE DE ALENCAR CYSNE (APDO.) EMENTA: TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. PROCESSUAL CIVIL. CANCELAMENTO ADMINISTRATIVO DAS CERTIDÕES DE DÍVIDA ATIVA ANTES DO MANEJO DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. EXTINÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE PRETENSÃO RESISTIDA. EXCLUSÃO DOS HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. RECURSO PROVIDO. 1. Remessa necessária e apelação da Fazenda Nacional em face de sentença que julgou extinta a execução fiscal, em face da perda superveniente do objeto (cancelamento administrativo da dívida), nos termos do art. 26 da Lei nº 6.830/80, c/c o art. 925 do NCPC. Em consequência, foi a Fazenda Nacional condenada ao pagamento de honorários advocatícios sucumbenciais arbitrados escalonadamente em 10% (dez por cento), 8% (oito por cento) e 5% (cinco por cento) sobre o valor do proveito econômico obtido pelo executado (consoante valor atualizado dos créditos tributários extintos – R$ 17.200.000,00). 2. Caso em que o crédito tributário lançado pela autoridade administrativa não estava definitivamente constituído, haja vista que ainda pendente de julgamento perante o CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda quando do ajuizamento da ação executiva, tendo sido, inclusive, cancelado administrativamente no curso da demanda.

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3. O pedido de desistência da execução, requerendo a extinção do feito em face do cancelamento da dívida, foi protocolado pela Fazenda Nacional em 21/07/2017, quando a exceção de pré-executividade já havia sido manejada, em 27/04/2017. Assim, à época em que foi interposta a exceção, embora já tivesse havido o cancelamento das CDA’s (19/01/2017), a parte credora ainda não havia desistido da ação executiva, o que só ocorreu mais de três meses depois, quando intimada para se manifestar acerca da exceção apresentada. 4. Da análise dos documentos apresentados, observa-se que à época em que foi interposta a exceção de pré-executividade, a parte credora, embora ainda não tivesse formalizado seu intento, já havia desistido da ação executiva em virtude do cancelamento das CDA’s, tendo concordado, assim, com os termos da exceção de pré-executividade. Tem-se, portanto, que a exequente desistiu da cobrança dos valores em questão antes da interposição da exceção de pré-executividade, não havendo que se falar em pretensão resistida e, por consequência, em sucumbência. 5. Aplicação do art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002, ao caso por ser regramento especial relativamente às normas do CPC, o qual prevê que não haverá condenação em honorários quando o Procurador da Fazenda Nacional reconhecer a procedência do pedido em sede de contestação. Incidência também das disposições do art. 26 da Lei nº 6.830/80. 6. Remessa oficial e apelação da Fazenda Nacional providas, para excluir a condenação da FAZENDA NACIONAL em honorários de sucumbência.

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ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes Autos 0814888-50.2016. 4.05.8100, em que são partes as acima mencionadas, prosseguindo o julgamento, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do TRF da 5ª Região, em sua composição ampliada, por maioria, em dar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Recife, 19 de novembro de 2019. (Julgamento) 22 de novembro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT: 1. Cuida-se de remessa necessária e de apelação interposta pela Fazenda Nacional contra a sentença da Juíza Federal da 20ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, Dra. Danielle Macedo Peixoto de Carvalho, que extinguiu o processo com resolução de mérito, em face da perda superveniente do objeto (cancelamento administrativo da dívida), com base no art. 26 da Lei nº 6.830/80, c/c o art. 925 do NCPC, e condenou a exequente no pagamento de honorários advocatícios, os quais foram arbitrados escalonadamente, em 10%, 8% e 5% sobre o valor do proveito econômico obtido pelo executado (consoante valor atualizado dos créditos tributários extintos). 2. Em suas razões recursais, argumenta a recorrente que a sentença merece ser reformada apenas na parte em que condenou a União Federal no pagamento dos honorários advocatícios. Alega que “antes mesmo de efetivada a citação do executado [no feito executivo], a qual se deu em 03/04/2017 (Certidão Id. 40581002300380), as dívidas objeto da presente execução foram canceladas administrativamente pela União, conforme CDA’s juntadas aos autos, nas quais constam a extinção dos créditos na data de 19/01/2017”. 309


3. Aduz que ela própria peticionou nos autos requerendo a extinção do feito em razão do cancelamento do crédito em momento anterior ao ajuizamento da exceção de pré-executividade e que o art. 26 da Lei nº 6.830/80 expressamente estabeleceu o afastamento da aplicabilidade do princípio da sucumbência no caso de cancelamento da dívida ativa fiscal. Alternativamente, pugna pela diminuição da verba honorária. 4. Contrarrazões do particular. 5. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT (Relator): 1. Cumpridos os requisitos legais, recebo o presente recurso de apelação em ambos os efeitos, nos termos do art. 1.012 do CPC/15. 2. Cinge-se a demanda acerca do cabimento ou não da condenação da Fazenda Nacional em honorários advocatícios. 3. Conforme sumariado na sentença, trata-se de demanda executiva fiscal proposta pela Fazenda Nacional em face de Antônio Evaristo Paz visando a receber o crédito constante da certidão de dívida ativa acostada aos autos. 4. Em exceção de pré-executividade (Id. 4058100.2324707), o executado alega que o crédito tributário lançado pela autoridade administrativa não está definitivamente constituído, haja vista que ainda pende de julgamento perante o CARF - Conselho Administrativo de Recursos Fiscais do Ministério da Fazenda, consoante comprova a documentação anexa. Apesar disso, a Fazenda Nacional promoveu a presente execução, mesmo tendo sido formalmente avisada de que o crédito tributário não estaria definitivamente constituído e não poderia ser executado. Ao final, requereu o devedor a extinção do feito executivo. 5. Intimada a se manifestar sobre a exceção apresentada, a Fazenda Nacional requereu (Id. 4058100.2594524) a extinção do presente feito por perda superveniente do objeto (art. 485, VI, do CPC/2015), sem ônus para as partes (art. 26, LEF), tendo em vista que, após o ajuizamento, as inscrições que amparavam a execução 310


fiscal foram extintas na data de 19/01/2017, antes mesmo da apresentação da exceção de pré-executividade datada de 27/04/2017. 6. O Magistrado acolheu o pedido inicial e extinguiu o feito com resolução do mérito, condenando a Fazenda Nacional no pagamento de honorários advocatícios, os quais foram arbitrados escalonadamente, em 10%, 8% e 5% sobre o valor do proveito econômico obtido pelo executado (consoante valor atualizado dos créditos tributários extintos). 7. Penso que devem ser acolhidas a remessa oficial e a apelação da Fazenda Nacional. Explico. 8. Da leitura dos autos, observa-se que à época em que foi interposta a exceção de pré-executividade, a parte credora, embora ainda não tivesse formalizado seu intento, já havia desistido da ação executiva em virtude do cancelamento das CDA’s, tendo concordado, assim, com os termos da exceção de pré-executividade. 9. O art. 19, § 1º, I, da Lei nº 10.522/2002, aplicável ao caso por ser regramento especial relativamente às normas do CPC, prevê que não haverá condenação em honorários quando o Procurador da Fazenda Nacional reconhecer a procedência do pedido em sede de contestação, in verbis: § 1º Nas matérias de que trata este artigo, o Procurador da Fazenda Nacional que atuar no feito deverá, expressamente: I - reconhecer a procedência do pedido, quando citado para apresentar resposta, inclusive em embargos à execução fiscal e exceções de pré-executividade, hipóteses em que não haverá condenação em honorários; (...)

10. O art. 26 da Lei nº 6.830/80 também cuida do tema: Art. 26. Se, antes da decisão de primeira instância, a inscrição de Dívida Ativa for, a qualquer título, cancelada, a execução fiscal será extinta, sem qualquer ônus para as partes.

11. No caso dos autos, a exequente desistiu da cobrança dos valores em questão antes da interposição da exceção de pré-executividade, não havendo que se falar em pretensão resistida e, por consequência, em sucumbência. 311


12. Com essas considerações, dou provimento à remessa oficial e à apelação da Fazenda Nacional, para excluir a condenação da exequente em honorários de sucumbência. 13. É como voto.

AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 080882639.2019.4.05.0000-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA Agravantes: CARLOS ANDRÉ RODRIGUES PEREIRA LIMA E MIRELLA CRISTINA ALBUQUERQUE DE LUCENA Agravada: FAZENDA NACIONAL EMENTA: EXECUÇÃO FISCAL. INTERPOSIÇÃO DE AGRAVO DE INSTRUMENTO. IMPUGNAÇÃO DE ATO JUDICIAL DENOMINADO DECISÃO. SENTENÇA QUE EXTINGUIU A EXECUÇÃO FISCAL. FUNGIBILIDADE. CONHECIMENTO COMO APELAÇÃO. HONORÁRIOS. AUTONOMIA ENTRE A EXECUÇÃO FISCAL E OS EMBARGOS À EXECUÇÃO. DUPLA CONDENAÇÃO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPOSSIBILIDADE. MESMOS FATOS E FUNDAMENTOS JURÍDICOS. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Agravo de instrumento contra decisão que extinguiu a execução fiscal, em razão do reconhecimento da nulidade da CDA nos autos dos embargos à execução fiscal. 2. A decisão recorrida extinguiu a execução fiscal, caracterizando-se como sentença. Ao nominar de decisão a sentença recorrida, cria-se uma expectativa de cabimento de agravo de instrumento que não pode ser ignorada, sob pena de admitir-se comportamento contraditório do próprio Poder Judiciário, que, em certa medida, teria induzido a parte a interpor recurso de agravo de instrumento. 312


3. A solução que se impõe no caso concreto é, portanto, a de aplicar-se o princípio da fungibilidade, passando-se a conhecer do recurso como apelação. 4. A imposição do ônus processual pauta-se pelo princípio da sucumbência, associado ao princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes. 5. O princípio da sucumbência estabelece que, uma vez instaurado o contraditório, desenvolvendo-se o processo, e uma das partes resulta sucumbente em face de pretensão resistida que levou ao surgimento da lide, é devida a condenação em honorários advocatícios. 6. No caso em tela, o juiz a quo julgou os embargos à execução fiscal, extinguiu o executivo fiscal de origem, reconhecendo a nulidade do débito executado, uma vez que a própria Fazenda Nacional teria reconhecido a nulidade do processo administrativo. 7. É entendimento do egrégio STJ (1ª e 2ª Turmas) e deste Tribunal que a execução fiscal e os seus embargos constituem ações autônomas e, por isso, mostra-se plenamente viável a cumulação de condenações em honorários advocatícios, desde que observado o limite estabelecido pelo parágrafo 2º do art. 85 do CPC. 8. No entanto, no caso dos autos, a sentença recorrida se limitou a extinguir a execução fiscal sem resolução do mérito, com base na sentença dos embargos à execução fiscal que reconheceu a nulidade da CDA, de modo a restar patente a interdependência dos provimentos jurisdicionais, sendo de rigor, portanto, nessa específica situação, a unicidade da condenação no pagamento de honorários advocatícios. 9. Dessa forma, já tendo havido a condenação da Fazenda Nacional em honorários advocatí313


cios sucumbenciais nos embargos à execução fiscal, não há como impor novamente este ônus à Fazenda Nacional. 10. Precedente: PROCESSO: 20060500053254301, EDAC - Embargos de Declaração na Apelação Cível – 396.644/01, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, Terceira Turma, JULGAMENTO: 21/02/2019, PUBLICAÇÃO: DJe - Data: 08/03/2019 - Página: 57. 11. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sua composição ampliada, por maioria, vencido o Desembargador Federal Cid Marconi, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 11 de dezembro de 2019. (Julgamento) 19 de dezembro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA: Trata-se de agravo de instrumento interposto por CARLOS ANDRÉ RODRIGUES PEREIRA LIMA E MIRELLA CRISTINA ALBUQUERQUE DE LUCENA, na qualidade de advogado da executada, contra decisão que extinguiu a execução fiscal, em razão do reconhecimento da nulidade da CDA nos autos dos embargos à execução fiscal. Em suas razões recursais, alega o agravante: a) a Execução Fiscal foi ajuizada em face da Indústria de Azulejos S/A para a cobrança de taxas de ocupação incidentes 314


sobre os imóveis cadastrados no registro imobiliário patrimonial (“RIP”) relativas às competências de 2013, no montante originário de R$ 275.111,22 (duzentos e setenta e cinco mil, cento e onze reais e vinte e dois centavos); b) em sede de embargos à execução fiscal, a Fazenda Nacional reconheceu a procedência do pedido da IASA, e o juiz proferiu sentença, nos embargos, determinando a extinção da execução fiscal; c) a decisão que reconheceu o que foi determinado em embargos à execução fiscal, extinguindo a execução fiscal, apresenta caráter de sentença; d) a Fazenda deve ser condenada em honorários advocatícios nos autos da execução fiscal, nos termos do artigo 85, § 1º, do CPC; e) é possível a condenação em honorários advocatícios da parte sucumbente tanto na execução fiscal quanto nos embargos à execução fiscal. Contrarrazões apresentadas, nas quais alega a Fazenda Nacional a impossibilidade de condenação em honorários advocatícios, uma vez que não se discutiu nos autos da execução fiscal a nulidade do débito, mas apenas em sede de embargos à execução fiscal. Aduz ainda que, em razão da existência de condenação da Fazenda Nacional em honorários advocatícios nos embargos à execução, nos quais foi extinta a dívida pelo cancelamento dos débitos pela própria administração pública, mister reconhecer que, pelo mesmo motivo, extinguiu-se a execução, a qual, na verdade, perdeu seu objeto, o que torna descabida nova condenação em honorários, sob pena de enriquecimento sem causa do agravante. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA (Relator): Inicialmente, a decisão recorrida extinguiu a execução fiscal, caracterizando-se como sentença. 315


Ocorre que, ao nominar de decisão a sentença recorrida, cria-se uma expectativa de cabimento de agravo de instrumento que não pode ser ignorada, sob pena de admitir-se comportamento contraditório do próprio Poder Judiciário, que, em certa medida, teria induzido a parte a interpor recurso de agravo de instrumento. Assim, a solução que se impõe no caso concreto é, portanto, a de aplicar-se o princípio da fungibilidade, passando-se a conhecer do recurso como apelação. Passo à análise do mérito. A imposição do ônus processual pauta-se pelo princípio da sucumbência, associado ao princípio da causalidade, segundo o qual aquele que deu causa à instauração do processo deve arcar com as despesas dele decorrentes. O princípio da sucumbência estabelece que, uma vez instaurado o contraditório, desenvolvendo-se o processo, e uma das partes resulta sucumbente em face de pretensão resistida que levou ao surgimento da lide, é devida a condenação em honorários advocatícios. No caso em tela, o juiz que julgou os embargos à execução fiscal extinguiu a execução fiscal de origem, reconhecendo a nulidade do débito executado, uma vez que a própria Fazenda Nacional reconheceu a nulidade do processo administrativo. Assim, conclui-se que a Fazenda Nacional inscreveu em dívida ativa e deu causa à execução fiscal para a cobrança de débito nulo. Consoante o entendimento já consolidado no egrégio STJ (1ª e 2ª Turmas - EAERES nº 1.278.430 e AGARESP nº 7.477) e neste Tribunal (AC nº 484.001, AG nº 128.527, APELREEX nº 20.921 e AC nº 519.567), a execução fiscal e os seus embargos constituem ações autônomas e, por isso, mostra-se plenamente viável a cumulação de condenações em honorários advocatícios, desde que seja observado, no somatório de ambas, o limite máximo de 20% previsto em lei. Compulsando os autos dos Embargos à Execução Fiscal nº 0812680-07.2018.4.05.8300, verifica-se que, a despeito de o juízo de primeiro grau não ter condenado a Fazenda Nacional ao paga316


mento de honorários advocatícios, esta 3ª Turma, em sua composição ampliada, deu parcial provimento à apelação dos patronos da executada, para condenar a exequente em honorários, estando pendente do julgamento de embargos de declaração. Assim, devida a condenação da Fazenda Nacional nos presentes autos. Pelo regramento adotado no CPC/15, nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários sucumbenciais deve observar os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85, e os percentuais indicados em seu § 3º. Na hipótese dos autos, o proveito econômico obtido pela executada com a extinção da execução fiscal corresponde ao valor do débito, R$ 275.111,22 (duzentos e setenta e cinco mil, cento e onze reais e vinte e dois centavos). Assim, dever-se-ia, em regra, aplicar ao caso os parâmetros do art. 85, § 3º, II do CPC/15. Vejamos: Art. 85. A sentença condenará o vencido a pagar honorários ao advogado do vencedor. § 3° Nas causas em que a Fazenda Pública for parte, a fixação dos honorários observará os critérios estabelecidos nos incisos I a IV do § 2° e os seguintes percentuais: II - mínimo de oito e máximo de dez por cento sobre o valor da condenação ou do proveito econômico obtido acima de 200 (duzentos) salários mínimos até 2.000 (dois mil) salários mínimos; (...)

De tal modo, a condenação da exequente em honorários advocatícios poderia variar entre 8% sobre o valor da execução fiscal – patamar mínimo e 10% sobre o referido valor – patamar máximo. Em observância aos critérios previstos nos incisos I a IV do § 2º do art. 85 do CPC, e tendo em vista a simplicidade da causa, considero como adequada ao caso concreto a fixação de honorários sucumbenciais no percentual mínimo. Por outro lado, é aplicável o disposto no art. 90, parágrafo 4º, CPC/2015 (“se o réu reconhecer a procedência do pedido e, simultaneamente, cumprir integralmente a prestação reconhecida, os honorários serão reduzidos pela metade”), uma vez que a Fazenda

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Nacional reconheceu nos autos dos embargos à execução fiscal a procedência do pedido, e em tendo sido comprovada a extinção da dívida ativa por decisão administrativa, deve-se reduzir à metade a verba honorária advocatícia. Nesse ponto, importante ressaltar que a efetiva restituição dos valores pagos indevidamente pela empresa executada não pode ser entendida como providência que cabia à Fazenda Nacional adotar juntamente com o reconhecimento do pedido da executada, uma vez que essa restituição, além de não constituir objeto da execução, depende da iniciativa e da adoção de uma série de providência a cargo do contribuinte. Em face do exposto, dou provimento à apelação para condenar a Fazenda Nacional ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados em 4% (quatro por cento) sobre o valor da execução fiscal.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 0808110-51.2018.4.05.8308-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO Apelante: DIANA PEREZ RIOS Apelada: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF Adv./Proc.: DR. WANDERVAL MACEDO DA SILVA JÚNIOR (APTE.) EMENTA: DIREITO CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. APELAÇÃO. NULIDADE DE FIANÇA. OUTORGA UXÓRIA. AUSÊNCIA. ATIVIDADE PROFISSIONAL. ART. 1.647, III, DO CC. STJ. GARANTIA DA MEAÇÃO DO CÔNJUGE. PARCIAL PROVIMENTO. 1. Trata-se de apelação interposta por DIANA PEREZ RIOS contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 8ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco [julgando improcedente a ação], alegando em suas razões de recurso: a) desconhecimento de que o cônjuge tinha prestado a fiança em questão; b) ausência de má-fé do fiador, pois este se declarou casado em regime de comunhão parcial de bens no momento da assinatura do contrato 318


com a CEF; c) nulidade da fiança prestada sem a autorização do cônjuge, na forma do art. 1.647, III, do CC e da Súmula nº 332 do STJ; d) a prestação da fiança é uma imposição legal, e não uma faculdade. Requer o provimento da apelação para que a fiança da autora, prestada sem a outorga uxória, seja declarada nula, e por consequência, seja o referido cônjuge excluído da Execução de Título Extrajudicial 0800520-23.2018.4.05.8308. 2. Em sua exordial, narra a autora: a) a empresa RNadier Construtora e Incorporadora Ltda. firmou com a ré um contrato de abertura de crédito e mútuo, visando a construção de um empreendimento imobiliário; b) o cônjuge da autora, o Sr. Igor Coelho Cavalcanti Bastos, assumiu a posição de fiador do negócio firmado; c) é o fiador casado com a autora em comunhão parcial de bens, desde janeiro de 2011, fato este que ficou claro pelo fiador no ato da assinatura do contrato; d) a autora não teve conhecimento da transação, e a CAIXA tampouco exigiu no referido ato a outorga uxória. 3. O magistrado a quo, entendendo pela aplicação do princípio da boa-fé, entendeu não ser a falta da outorga uxória suficiente para a anulação total da garantia, devendo ser resguardada tão somente a meação do cônjuge que não se manifestou quanto à anuência. 4. Consoante relatado, o cônjuge da autora, sócio da empresa RNadier Construtora e Incorporadora Ltda., assumiu a posição de fiador de um contrato de mútuo em favor de sua construtora, para financiar um empreendimento imobiliário em benefício desta, de maneira a estar administrando livremente os seus próprios bens no exercício de sua profissão. Em recente julgado, entendeu o STJ: (STJ - AREsp: 825.894 RJ 2015/0311780-8, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Publicação: DJ 25/09/2017) 319


5. Verifica-se que o acórdão acima fala do Artigo 1.647, III, que determina que nenhum dos cônjuges, sem o consentimento do outro, pode prestar fiança e que impõe, como ônus, a anulabilidade do negócio jurídico. Mas o próprio Superior Tribunal de Justiça diz: “caso ora analisado, que se inclui na exceção prevista no Artigo 1.642, I, do Código Civil”. Dispõe o mencionado artigo: “Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão...”. 6. Assim, neste caso, não é necessário o consentimento do outro cônjuge para a validade ou para a eficácia da fiança, porque esta foi dada em proveito da própria empresa de que é titular o fiador, ou seja, em benefício da empresa da qual é sócio. Assim, deve-se reconhecer que não se aplica a Súmula 332 do Superior Tribunal de Justiça. 7. Outrossim, a posterior alegação (vários anos após firmado o contrato) de falha procedimental devido à ausência de outorga uxória, para requerer a nulidade total da fiança prestada, quando, evidentemente, o beneficiário foi o próprio tomador e/ou a sua família, vai de encontro aos princípios gerais da vedação de comportamento contraditório, da proibição do enriquecimento sem causa e da boa-fé objetiva, pois se verifica o inadimplemento das obrigações assumidas. 8. Portanto, a ausência da outorga em questão não poderá anular totalmente a fiança, ficando resguardada apenas a meação do cônjuge que não apresentou sua anuência. 9. Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados os presentes autos, decide a Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em composição ampliada, 320


por maioria, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento. Vencidos os Desembargadores Federais Alexandre Luna Freire e Manuel Maia. Recife, 29 de janeiro de 2020. (Julgamento) 5 de março de 2020. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO: Trata-se de apelação interposta por DIANA PEREZ RIOS contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 8ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco [julgando improcedente a ação], alegando em suas razões de recurso: a) desconhecimento de que o cônjuge tinha prestado a fiança em questão; b) ausência de má-fé do fiador, pois este se declarou casado em regime de comunhão parcial de bens no momento da assinatura do contrato com a CEF; c) nulidade da fiança prestada sem a autorização do cônjuge, na forma do art. 1.647, III, do CC e da Súmula nº 332 do STJ; d) a prestação da fiança é uma imposição legal, e não uma faculdade. Requer o provimento da apelação para que a fiança da autora, prestada sem a outorga uxória, seja declarada nula, e por consequência, seja o referido cônjuge excluído da Execução de Título Extrajudicial 0800520-23.2018.4.05.8308. Contrarrazões apresentadas. Por força de distribuição, vieram-me os autos conclusos. É o relatório. VOTO RETIFICAÇÃO DE VOTO (Sessão de Julgamento Ampliada, 29/01/2020) O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO (Relator): 321


Inicialmente, constato o atendimento dos pressupostos intrínsecos (cabimento, interesse, legitimidade e ausência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal) de admissibilidade, pelo que merece trânsito o apelo. Tenho que merece reforma a sentença atacada. DIANA PEREZ RIOS ajuizou a presente AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE FIANÇA, COM PEDIDO DE TUTELA PROVISÓRIA EM CARÁTER DE URGÊNCIA, INAUDITA ALTERA PARS, em desfavor da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF e objetivando: a) em sede de tutela antecipada, determinar a suspensão de todo e qualquer ato executório em desfavor do Sr. Igor Coelho Cavalcanti Bastos na qualidade de fiador, o fazendo desde constrição de patrimônio, até à sua inclusão nos órgãos de restrição creditícia em geral, até ulterior deliberação do Juízo, no que se refere à Ação de Execução de Título Extrajudicial tombada sob o número 0800520-23.2018.4.05.8308; b) no mérito, seja declarada por sentença a nulidade da fiança prestada pelo cônjuge da autora, sem a sua outorga uxória, determinando, por consequência, a imediata exclusão do Sr. Igor Coelho Cavalcanti Bastos do polo passivo da Ação de Execução de Título Extrajudicial tombada sob o número 0800520-23.2018.4.05.8308, por se tratar de estrita observância à determinação legal de validade do ato praticado. Consoante relatado, o cônjuge da autora, sócio da empresa RNadier Construtora e Incorporadora Ltda., assumiu a posição de fiador de um contrato de mútuo em favor de sua construtora, para financiar um empreendimento imobiliário em benefício desta, de maneira a estar administrando livremente os seus próprios bens no exercício de sua profissão. Nesse sentido, em recente julgado, entendeu o STJ: AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 825.894 - RJ (2015/0311780-8). RELATOR: MINISTRO RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA. AGRAVANTE: WELLINGTON MOREIRA FRANCO. ADVOGADOS: SELMA SALOMÃO WOLSZCZAK - RJ014057. VICTOR WOLSZCZAK RJ169407. AGRAVADO: LUIZ CARLOS DANIEL RUDGE. ADVOGADOS: YAMBA SOUZA LANNA - RJ093039. JULYANA IUNES PINHO E OUTRO (S) - RJ149932. 322


DECISÃO: Trata-se de agravo contra decisão que inadmitiu o recurso especial interposto por WELLINGTON MOREIRA FRANCO. O apelo nobre, fundamentado no artigo 105, inciso III, alíneas a e c, da Constituição Federal, desafia acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro assim ementado: “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE CONTRATO DE FIANÇA. GARANTIA CONCEDIDA EM CONTRATO DE LOCAÇÃO. AUSÊNCIA DE OUTORGA UXÓRIA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. AUTOR QUE É CASADO PELO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS COM A FIADORA. CONTRATO DE LOCAÇÃO QUE CONSTA A CORRETA QUALIFICAÇÃO DA FIADORA COMO CASADA E QUE NÃO FOI ASSINADO PELO CÔNJUGE VARÃO. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO À PREVISÃO LEGAL, EXPRESSA NO ART. 1.647, III, DO CÓDIGO CIVIL, QUE DETERMINA QUE NENHUM DOS CÔNJUGES PODE, SEM CONSENTIMENTO DO OUTRO, PRESTAR FIANÇA, IMPONDO A SANÇÃO DE ANULABILIDADE DO NEGÓCIO JURÍDICO. CASO ORA ANALISADO, QUE SE INCLUI NA EXCEÇÃO PREVISTA NO ART. 1.642, I, DO CC. 1 - A legislação autoriza que um dos cônjuges possa gerir e administrar alguns bens, que tenham vínculo com a sua atividade profissional, independentemente de autorização ou concordância do outro e do regime de bens que regule o matrimônio. Assim, o dispositivo autoriza o cônjuge profissional a atuar livremente, dispensando a outorga uxória, para o desempenho de suas atividades econômicas como de profissional liberal ou autônomo, comerciante ou industrial; 2 - Assim, como a esposa do autor foi fiadora de um contrato de locação, em que a sua própria empresa era a locatária, ela, como sócia majoritária e administradora, que estava locando o imóvel para instalar o seu próprio negócio, tem permissão legal para exercer todos esses atos, sem que haja necessidade da autorização de seu cônjuge. RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO” (e-STJ, fls. 223/224). No especial, o recorrente alega, além de divergência jurisprudencial, violação dos artigos 535 do Código de Processo Civil de 1973 e 1.642 e 1.647, III, do Código Civil. Sustenta, em síntese, a nulidade da fiança prestada por sua esposa sem 323


a sua anuência e que o caso não se aplica às exceções previstas no artigo 1.642 do CC. Após as contrarrazões (e-STJ, fls. 284/297), e não admitido o recurso na origem, adveio o presente agravo, em que a parte rebate os fundamentos da decisão agravada. É o relatório. DECIDO. Verifica-se estarem presentes os pressupostos de admissibilidade do agravo. Por tal motivo, e por entender que a matéria merece melhor exame, dou provimento ao agravo para determinar a sua reautuação como recurso especial, nos termos do art. 34, inciso XVI, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça. Publique-se. Intimem-se. Brasília-DF, 1º de setembro de 2017. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Relator. (STJ - AREsp: 825.894 RJ 2015/0311780-8, Relator: Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, Data de Publicação: DJ 25/09/2017)

Verifica-se que o acórdão acima fala do Artigo 1.647, III, que determina que nenhum dos cônjuges, sem o consentimento do outro, pode prestar fiança e que impõe, como ônus, a anulabilidade do negócio jurídico. Mas o próprio Superior Tribunal de Justiça diz: “caso ora analisado, que se inclui na exceção prevista no Artigo 1.642, I, do Código Civil”. Dispõe o mencionado artigo: Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: I - praticar todos os atos de disposição e de administração necessários ao desempenho de sua profissão (...).

Assim, neste caso, não é necessário o consentimento do outro cônjuge para a validade ou para a eficácia da fiança, porque esta foi dada em proveito da própria empresa de que é titular o fiador, ou seja, em benefício da empresa da qual é sócio. Assim, deve-se reconhecer que não se aplica a Súmula 332 do Superior Tribunal de Justiça. Outrossim, a posterior alegação (vários anos após firmado o contrato) de falha procedimental devido à ausência de outorga uxória, para requerer a nulidade total da fiança prestada, quando, evidentemente, o beneficiário foi o próprio tomador e/ou a sua família, vai de encontro aos princípios gerais da vedação de comportamento contraditório, da proibição do enriquecimento sem

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causa e da boa-fé objetiva, pois se verifica o inadimplemento das obrigações assumidas. Portanto, a ausência da outorga em questão não poderá anular totalmente a fiança, ficando resguardada apenas a meação do cônjuge que não apresentou sua anuência. Apelação parcialmente provida. É como voto.

APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 080777626.2018.4.05.8305-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MEN DONÇA CANUTO NETO Apelantes: FAZENDA NACIONAL E EVERALDO L. SILVA & CIA. LTDA. Apelados: OS MESMOS Adv./Proc.: DR. MATTHEUS LOPES FILGUEIRA SAMPAIO EMENTA: CONSTITUCIONAL E TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. MANDADO DE SEGURANÇA. EXCLUSÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO ICMS DA BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. EXCLUSÃO DO VALOR CORRESPONDENTE AO ICMS - ST (SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA) E DO ICMS DESTACADO NA NOTA FISCAL. DECLARAÇÃO DO DIREITO À COMPENSAÇÃO. POSSIBILIDADE. 1. Remessa oficial e apelações interpostas pelo particular e pela Fazenda Nacional contra sentença que, em sede de mandado de segurança, concedeu a segurança para assegurar a exclusão da base de cálculo do PIS e COFINS pagos pela impetrante dos valores despendidos a título de ICMS, bem como declarou o direito à compensação dos valores indevidos, observado o quinquênio anterior ao ajuizamento da ação, a ser 325


efetivada no âmbito da Administração Tributária, sob sua fiscalização e nos termos de legislação aplicável à época de sua efetivação, acrescido de taxa SELIC, respeitado o trânsito em julgado da sentença, apreciando a lide com resolução de mérito (art. 487, inciso I, do CPC). 2. A Fazenda Nacional requer, em síntese: a) seja determinada a suspensão do processo, a fim de aguardar o trânsito em julgado do acórdão do RE nº 574.706, que delimitará o alcance da referida decisão; b) seja denegada a segurança requerida na petição inicial, em virtude da constitucionalidade da cobrança dos valores recolhidos a título de ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS; c) subsidiariamente, a concessão parcial da ordem, para excluir da base de cálculo do PIS e da COFINS apenas o ICMS efetivamente pago, mantendo, por conseguinte, tanto os créditos de ICMS das operações anteriores, quanto os valores que não forem efetivamente recolhidos ao sujeito ativo do imposto estadual. 3. O particular requer: a) a declaração do direito de compensação com os valores indevidamente recolhidos, na forma do art. 74 da Lei nº 9.430/96 e alterações posteriores, desde os 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação, bem como aqueles recolhidos no curso da mesma, com quaisquer tributos arrecadados e administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, aplicando-se, desde os recolhimentos indevidos, os juros SELIC previstos no art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95; b) determinar que todo o valor do ICMS, inclusive o destacado nas notas fiscais e o ICMS-ST, não faz parte da base de cálculo do PIS e da COFINS. 4. O STF decidiu, nos autos do RE nº 574.706PR, que deve ser excluído o respectivo tributo da base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o fundamento de que, por não se incorporar ao 326


patrimônio do contribuinte, o valor arrecadado a título de ICMS não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições que se destinam ao financiamento da seguridade social. 5. A tese é aplicável também ao ICMS - ST (substituição tributária). Em que pese o regime diferenciado de responsabilidade pelo pagamento do tributo devido, é imperioso reconhecer que valor do montante de ICMS auferido pela pessoa jurídica na condição de substituto tributário (ICMS/ ST) também deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, independentemente de tratar-se do regime de apuração cumulativa ou do regime de apuração não cumulativa. Neste sentido, “Deve-se dar ao ICMS-ST o mesmo tratamento conferido ao ICMS destacado na nota fiscal fora do regime de substituição tributária, uma vez que, num caso como no outro, o valor relativo ao ICMS (ou ICMS-ST) constitui ônus fiscal, e não faturamento do contribuinte (substituído), ainda que tenha sido embutido no preço da mercadoria” (Processo: 08014663720184058100, Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, 2ª Turma, julgamento: 27/02/2019). 6. A 4ª Turma, reunida em composição ampliada, entendeu que deva ser autorizada a exclusão do ICMS da base do PIS e COFINS sem qualquer ressalva ou limitação (PJe 080087960.2019.4.05.8300), de modo que deverá ser excluído o ICMS destacado na nota fiscal. Ressalva do posicionamento deste Relator. 7. O valor a ser compensado ou repetido pela Fazenda Pública é todo aquele que ela indevidamente recebeu, pouco importando, para o erário, quem será o destinatário da restituição (contribuinte de direito ou contribuinte de fato), pois o valor destacado na nota fiscal, em algum momento, é repassado para o Estado arrecada327


dor. As Cortes inferiores, não poderiam criar ou aplicar uma restrição não imposta pelo e. STF. 8. O colendo STJ, no REsp 1.111.164/BA, julgado sob o regime de recursos repetitivos e aplicado analogicamente ao presente caso, assentou o entendimento de que em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, a compensação de valores pagos indevidamente será realizada pelo próprio contribuinte sob a fiscalização das autoridades administrativas. Contudo, para que seja concedida a segurança e declarado o direito à compensação deve-se demonstrar, de plano, que houve o recolhimento indevido ou a maior. Entretanto, o mesmo julgado prevê a possibilidade de ser reconhecido o direito à compensação, ou seja, a possibilidade de compensar eventuais créditos em face da Fazenda Pública, sem necessidade de prova pré-constituída. 9. Os critérios a serem utilizados na futura compensação (SELIC, restrição a créditos da mesma natureza, prescrição, ...), somente deverão ser analisadas oportunamente, na seara administrativa ou judicial (ação própria onde se discuta a compensação realizada pelo contribuinte ou em que sejam efetivamente comprovados os créditos). 10. Quanto aos débitos passíveis de serem compensados com os créditos tributários (art. 66 da Lei nº 8.383/91, art. 74 da Lei nº 9.430/96 e art. 26 da Lei nº 11.457/2007), que tal aferição deve ser realizada em momento oportuno na esfera administrativa ou judicial, devendo ser considerado o regime jurídico vigente à época em que for realizada a compensação. 11. Apelação do particular provida. Remessa oficial e apelação da Fazenda Nacional parcialmente providas.

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ACÓRDÃO Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sua composição ampliada, dar provimento à apelação do particular e dar parcial provimento à remessa oficial e à apelação da Fazenda Nacional, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 1° de outubro de 2019. (Julgamento) 3 de outubro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO: Cuida-se de remessa oficial e apelações interpostas por EVERALDO L. SILVA & CIA. LTDA. e pela FAZENDA NACIONAL contra sentença que, em sede de Mandado de Segurança, concedeu a segurança para assegurar a exclusão da base de cálculo do PIS e COFINS pagos pela impetrante dos valores despendidos a título de ICMS, bem como declarou o direito à compensação dos valores indevidos, observado o quinquênio anterior ao ajuizamento da ação, a ser efetivada no âmbito da Administração Tributária, sob sua fiscalização e nos termos de legislação aplicável à época de sua efetivação, acrescido de taxa SELIC, respeitado o trânsito em julgado da sentença, apreciando a lide com resolução de mérito (art. 487, inciso I, do CPC). A Fazenda Nacional requer, em síntese: a) seja determinada a suspensão do processo, a fim de aguardar o trânsito em julgado do acórdão do RE nº 574.706, que delimitará o alcance da referida decisão; b) seja denegada a segurança requerida na petição inicial, em virtude da constitucionalidade da cobrança dos valores recolhidos a título de ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS; c) subsidiariamente, a concessão parcial da ordem, para excluir da base de cálculo do PIS e da COFINS apenas o ICMS efetivamente pago, mantendo, por conseguinte, tanto os créditos de ICMS das 329


operações anteriores, quanto os valores que não forem efetivamente recolhidos ao sujeito ativo do imposto estadual. O particular requer: a) a declaração do direito de compensação com os valores indevidamente recolhidos, na forma do art. 74 da Lei nº 9.430/96 e alterações posteriores, desde os 5 (cinco) anos anteriores ao ajuizamento da ação, bem como àqueles recolhidos no curso da mesma, com quaisquer tributos arrecadados e administrados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil, aplicando-se, desde os recolhimentos indevidos, os juros SELIC previstos no art. 39, § 4º, da Lei nº 9.250/95; b) determinar que todo o valor do ICMS, inclusive o destacado nas notas fiscais e o ICMS-ST, não faz parte base de cálculo do PIS e da COFINS. Houve contrarrazões. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO (Relator): A exclusão do ICMS da base de cálculo para recolhimento da COFINS já foi examinada pelo STF no RE 240.785/MG, em 08/10/2014, e mais recentemente, no RE 574.706/PR. Nesta última ocasião, o c. STF decidiu, nos autos do RE nº 574.706-PR, que deve ser excluído o respectivo tributo da base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o fundamento de que, por não se incorporar ao patrimônio do contribuinte, o valor arrecadado a título de ICMS não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições que se destinam ao financiamento da seguridade social. Confira-se o resumo da decisão tomada, em 15/03/2017, pelo Pleno da Corte Suprema: Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto da Relatora, Ministra Cármen Lúcia (Presidente), apreciando o Tema 69 da repercussão geral, deu provimento ao recurso extraordinário e fixou a seguinte tese: “O ICMS não compõe a base de cálculo para a incidência do PIS e da Cofins”. Vencidos os Ministros Edson Fachin, Roberto Barroso, Dias Toffoli e Gilmar Mendes. Nesta assentada o Ministro Dias Toffoli aditou seu voto. Plenário, 15.3.2017. (Grifei) 330


Ressalte-se que, embora o acórdão proferido no RE nº 574.706/PR tenha sido publicado em 02/10/2017 (DJe), e não tenha havido ainda a modulação dos seus efeitos, verifico que ata do julgamento (ATA nº 06) foi publicada no DJe em 17.03.2017, vinculando e produzindo, nos termos do art. 1.035, § 11º, do NCPC, efeitos no mundo jurídico desde então. Não é devida, portanto, a suspensão do processo. Tal explanação se aplica também ao ICMS - ST (substituição tributária). Em que pese o regime diferenciado de responsabilidade pelo pagamento do tributo devido, é imperioso reconhecer que valor do montante de ICMS auferido pela pessoa jurídica na condição de substituto tributário (ICMS/ST) também deve ser excluído da base de cálculo do PIS/COFINS, independentemente de tratar-se do regime de apuração cumulativa ou do regime de apuração não cumulativa. Neste sentido, “Deve-se dar ao ICMS-ST o mesmo tratamento conferido ao ICMS destacado na nota fiscal fora do regime de substituição tributária, uma vez que, num caso como no outro, o valor relativo ao ICMS (ou ICMS-ST) constitui ônus fiscal, e não faturamento do contribuinte (substituído), ainda que tenha sido embutido no preço da mercadoria” (Processo: 08014663720184058100, Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, 2ª Turma, julgamento: 27/02/2019). No que diz respeito a qual ICMS deve ser excluído – se o “destacado na nota fiscal” ou o “a recolher” – cabe inicialmente ressaltar que em nenhum momento do acórdão do STF ficou estabelecido que o valor do ICMS a ser decotado do conceito de faturamento será exatamente o valor do ICMS devido na saída das operações. Essa questão, inclusive, é objeto dos embargos de declaração proposto pela Fazenda Nacional, em conjunto com o pedido de modulação dos efeitos do julgado. Assim, diante desse contexto, considerando os termos do que fora decidido pelo STF e enquanto se aguarda uma solução em definitivo da Repercussão Geral a partir do julgamento dos embargos de declaração interpostos pela Fazenda Nacional naquele Tribunal, embora não seja este o posicionamento deste relator, deve-se destacar que a 4ª Turma, reunida em composição ampliada, entendeu que deva ser autorizada a exclusão do ICMS da 331


base do PIS e COFINS sem qualquer ressalva ou limitação (PJe 0800879-60.2019.4.05.8300). Dessa forma, o valor a ser compensado ou repetido pela Fazenda Pública é todo aquele que ela indevidamente recebeu, pouco importando, para o erário, quem será o destinatário da restituição (contribuinte de direito ou contribuinte de fato), pois o valor destacado na nota fiscal, em algum momento, é repassado para o Estado arrecadador. As Cortes inferiores, não poderiam criar ou aplicar uma restrição não imposta pelo e. STF. Nesse sentido, colaciono outros precedentes desta Corte regional: TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. REMESSA OFICIAL E APELAÇÕES. EXCLUSÃO DO ICMS DA BASE DE CÁLCULO PARA INCIDÊNCIA DO PIS/COFINS. POSSIBILIDADE. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RE Nº 574.706/PR. DIREITO À COMPENSAÇÃO. VALOR DESTACADO NA NOTA FISCAL. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. ART. 170-A DO CTN. RECURSO DA PARTICULAR PROVIDO. 1. Apelações interpostas contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido formulado para reconhecer a impossibilidade de inclusão do ICMS no conceito de receita bruta para fins de tributação do PIS e da COFINS e para autorizar o demandante, depois do trânsito em julgado, a compensar os valores efetivamente recolhidos (e não aqueles destacados na nota fiscal), observada a prescrição quinquenal, com obrigações vincendas destes ou de quaisquer outros tributos administrados pela Secretaria da Receita Federal, os quais serão atualizados monetariamente pela taxa SELIC, que já engloba correção e juros de mora. 2. Expirado o prazo de suspensão para o julgamento das ações que discutem a inclusão do ICMS na base de cálculo da COFINS, fixado pelo egrégio Supremo Tribunal Federal na Medida Cautelar na Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 18/DF, não há empecilho ao julgamento da matéria ora discutida. O próprio Supremo Tribunal Federal, em sessão do dia 3/4/18, reafirmou o entendimento firmado no Recurso Extraordinário 574.706, ao julgar, entre outros, os RE 330.582, RE 352.759, 332


AI 497.355, AI 700.220, RE 355.024, RE 362.057, RE 363.988 e RE 388.542, o que evidencia a força do referido precedente, que pacificou a controvérsia. 3. O Plenário do egrégio STF, nos autos do RE nº 574.706PR, entendeu ser devida a exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, sob o fundamento de que, por não se incorporar ao patrimônio do contribuinte, o valor arrecadado a título de ICMS não pode integrar a base de cálculo dessas contribuições que se destinam ao financiamento da Seguridade Social. 4. O ICMS a ser decotado das bases do PIS e da COFINS é todo aquele que onerou a operação como um todo, de modo que a grandeza a ser deduzida das bases de cálculo é o ICMS destacado na nota fiscal de saída. Precedentes desta Corte (Apelação nº 080038229.2017.4.05.8102, 4ª Turma, Rel. Des. Fed. Lázaro Guimarães, data do julgamento: 7/5/2019; Processo: 08121232020184058300, Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, 1ª Turma, Julgamento: 30/04/2019; Processo: 08039294720174058500, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, 3ª Turma, Julgamento: 29/09/2018; Processo: 08012766520184058200, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, 2ª Turma, Julgamento: 18/12/2018). 5. Deve ser assegurado ao particular, observado o prazo prescricional quinquenal e o trânsito em julgado exigido pelo art. 170-A do Código Tributário Nacional - CTN, o direito à realização, na seara administrativa, da compensação dos valores indevidamente recolhidos, nos termos do art. 74 da Lei nº 9.430/96, isto é, entre tributos de espécies distintas e envolver quaisquer tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal, ou à repetição da quantia na esfera judicial. 6. Aos valores a serem compensados ou repetidos deve ser aplicada, nos termos da Lei nº 9.250/95, a Taxa SELIC, excluído qualquer outro indicador de atualização monetária, nos termos da jurisprudência do e. Superior Tribunal de Justiça, REsp nº 1.111.175/SP, de relatoria da Ministra Denise Arruda, julgado sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973. 7. Remessa oficial e apelação da União improvidas.

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Apelação da particular provida para reformar a sentença exclusivamente quanto ao ICMS a ser decotado das bases do PIS e da COFINS. (Processo nº 0809940-76.2018.4.05.8300, Des. Fed. Convocado Leonardo Coutinho, 25/9/2019. Presentes à sessão ampliada: Des. Fed. Edilson Nobre, Des. Fed. Rubens Canuto, Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima e Des. Fed. Paulo Machado Cordeiro). TRIBUTÁRIO. MANDADO DE SEGURANÇA. BASE DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. ART. 195, I, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. INCIDÊNCIA DAS CONTRIBUIÇÕES NAS SUAS PRÓPRIAS BASES DE CÁLCULO. LEGALIDADE. 1. Nos termos do art. 195, I, b, da CF/88, bem como da legislação regulamentadora das contribuições para financiamento da Seguridade Social (COFINS e PIS), a base de cálculo para a incidência dessas contribuições é o faturamento ou a receita bruta. 2. Faturamento deve ser entendido como o resultado final da operação comercial na venda de bens ou prestação de serviços ao consumidor (com os tributos naturalmente inclusos), haja vista que este tributo é calculado sobre o valor indicado na nota fiscal para o valor da venda, integrando o próprio preço dos serviços. 3. As Leis nº 10.637/2002 e nº 10.833/203 determinam que a base de cálculo das referidas exações é a receita bruta (entendida como faturamento e outras receitas), à luz da redação constitucional derivada da EC nº 20/98. Precedentes desta e. Corte Regional. 4. Em que pese haver entendimento exarado pelo STF, nos autos do RE 574.706/PR, em sede de repercussão geral, quanto à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS, tal decisão não incluiu as próprias contribuições, de modo que, não havendo ainda pronunciamento do STF sobre o tema, é salutar que se prestigie a presunção de constitucionalidade das normas de regência. 5. Apelação improvida. (Processo: 08012766520184058200, Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima, 2ª Turma, Julgamento: 18/12/2018) 334


Por último, quanto ao pedido de compensação, o colendo STJ, no REsp 1.111.164/BA, julgado sob o regime de recursos repetitivos e aplicado analogicamente ao presente caso, assentou o entendimento de que, em se tratando de tributo sujeito a lançamento por homologação, a compensação de valores pagos indevidamente será realizada pelo próprio contribuinte sob a fiscalização das autoridades administrativas. Contudo, para que seja concedida a segurança e declarado o direito à compensação, deve-se demonstrar, de plano, que houve o recolhimento indevido ou a maior. Entretanto, o mesmo julgado prevê a possibilidade de ser reconhecido o direito à compensação, ou seja, a possibilidade de compensar eventuais créditos em face da Fazenda Pública, sem necessidade de prova pré-constituída. Penso que esse é o procedimento mais adequado para o caso sub examine, devendo ser assegurado ao contribuinte tão somente o direito à compensação dos valores recolhidos de forma indevida. Destaque-se que os critérios a serem utilizados na futura compensação (SELIC, restrição a créditos da mesma natureza, prescrição, ...), somente deverão ser analisados oportunamente, na seara administrativa ou judicial (ação própria onde se discuta a compensação realizada pelo contribuinte ou em que sejam efetivamente comprovados os créditos, sendo desnecessário, portanto, distinguir as contribuições realizadas por substitutos tributários). Modificação da sentença quanto a estes aspectos. Observe-se, quanto aos débitos passíveis de serem compensados com os créditos tributários (art. 66 da Lei nº 8.383/91, art. 74 da Lei nº 9.430/96 e art. 26 da Lei nº 11.457/2007), que tal aferição deve ser realizada em momento oportuno na esfera administrativa ou judicial, devendo ser considerado o regime jurídico vigente à época em que for realizada a compensação. Com essas considerações, dou provimento à apelação do particular; dou parcial provimento à remessa oficial e à apelação da Fazenda Nacional. É como voto.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800077-87.2018.4.05.8303-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE Apelante: UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAM BUCO - UFRPE Apelado: VICENTE IMBROISI TEIXEIRA Advs./Procs.: DRS. ELIZABETH APARECIDA MOTINAGA SATO (APTE.) E KARINA MAGALHÃES PARENTE DE LUCENA (APDO.) EMENTA: ADMINISTRATIVO. MAGISTÉRIO DE NÍVEL SUPERIOR. REMOÇÃO. PECULIARIDADES. APELAÇÃO. PROVIMENTO. I - Apelação interposta à sentença que julgou procedente, em parte, a pretensão para determinar que “a UFRPE, em 10 (dez) dias, abra consulta a todos os professores e, após se certificar de que nenhum mais antigo manifestou interesse, remova o autor para a vaga na capital discutida nesses autos. Caso exista(m) outro(s) interessado(s), providencie de imediato a realização do concurso de remoção, removendo, por óbvio, o servidor mais antigo”. II - “Penso que o sistema de movimentação para professor de instituição de ensino superior é diferente do sistema de movimentação dos servidores públicos. O servidor público faz o concurso para determinado cargo, e as atribuições do cargo são previstas em lei e iguais para todos. Portanto, para se privilegiar a objetividade, impedir favorecimentos e prestigiar o princípio da impessoalidade, é que as remoções em geral precedem à abertura de concurso público. No caso do magistério, a situação é diferente. Tem-se que verificar as peculiaridades de cada disciplina, o perfil profissional, a localidade onde é prestado o serviço. (...) A não ser que nas peculiaridades de cada caso concreto a instituição entenda mais 336


oportuna e conveniente a abertura de remoção do que a abertura de novo certame. Penso que isso não fere, nas circunstâncias do magistério, o princípio da impessoalidade. Não se pode presumir que haja, na maioria dos casos, alguma proteção ou alguma perseguição a determinado professor”. (Excerto do voto proferido na composição ampliada da Turma ao qual adere o Relator). III - Provimento da apelação. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sua composição ampliada, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do relatório, do voto do Relator e notas taquigráficas constantes dos autos, integrantes do presente julgado. Recife, 16 de outubro de 2019. (Julgamento) 25 de novembro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE: Trata-se de apelação interposta à sentença proferida nos autos do Processo nº 0800077-87.2018.4.05.8303, em curso na 18ª Vara Federal (PE), que julgou procedente, em parte, a pretensão para determinar que “a UFRPE, em 10 (dez) dias, abra consulta a todos os professores e, após se certificar de que nenhum mais antigo manifestou interesse, remova o autor para a vaga na capital discutida nesses autos. Caso exista(m) outro(s) interessado(s), providencie de imediato a realização do concurso de remoção, removendo, por óbvio, o servidor mais antigo”. A sentença considerou, em resumo:

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(...) Pois bem. São dois os argumentos centrais da parte demandante: a) de que deveria haver remoção, pelo critério de antiguidade, antes da realização de novo concurso público; b) em havendo cargo vago, caberia ao Judiciário determinar sua pronta remoção. Concordo com o primeiro argumento. A oferta de lotações aos servidores oriundos de concursos posteriores, em detrimento dos servidores mais antigos, por óbvio, fere os princípios da antiguidade e proporcionalidade. Conforme já decidiu o Pleno do Tribunal Regional da 5ª Região, surgindo vaga no serviço público, a remoção deve preceder à nomeação, porque nenhum sentido guardaria a nomeação de quem ingressa no serviço público em vaga situada na Capital, se existe, no interior, servidores de maior antiguidade, pleiteantes da mesma vaga (...). Este entendimento acima transcrito é o mesmo deste julgador, uma vez que a existência de vaga, de per si, garante ao servidor o direito subjetivo a participar de um concurso remoção. Todavia, a segunda premissa – em havendo cargo vago, caberia ao Judiciário determinar sua pronta remoção – não merece guarida de plano, tendo em vista que este juízo não tem como avaliar se há outros servidores em idênticas condições interessados na vaga surgida na capital. O que, ao meu ver, é o mais coerente para salvaguarda dos princípios da antiguidade e proporcionalidade é a realização de uma simples consulta para saber da existência de outros interessados na vaga, privilegiando a todos professores da UFRPE na disputa. (...)1

SENTENÇA “(...) SENTENÇA I - RELATÓRIO: Trata-se de AÇÃO ORDINÁRIA INOMINADA COM PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA proposta por VICENTE IMBROSI TEIXEIRA em desfavor da UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, em que objetiva, de início, a concessão da tutela de urgência para que a promovida suspenda o edital do concurso, bem como realização do certame para o cargo em vacância, no qual o autor pretende ser removido, até que o pedido de remoção seja apreciado por este juízo. No mérito, pugna pela concessão do pedido de remoção do autor, primando o caso sub judice pelo critério da ANTIGUIDADE e respeito aos princípios da 1

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A ré interpôs apelação postulando a reforma da sentença: (...) Com efeito, trata-se o presente de pedido de remoção formulado por Vicente Imbroisi Teixeira do Campus de Serra Talhada para o de Recife. Apreciando a questão, e entendendo que o deferimento não era possível, pois podem existir outros servidores professores interessados, com maior tempo de serviço (antiguidade), a sentença recorrida determinou que a UFRPE promovesse um concurso interno de remoção para prover o cargo pleiteado. Assim restando evidenciado que a sentença recorrida é extra petita, deverá, fatalmente, ser declarada a sua nulidade, pelo que, havendo grande probabilidade do direito

RAZOABILIDADE e PROPORCIONALIDADE, visto existir 1 cargo em vacância, no Departamento de Zootecnia, na área de Forragicultura, onde o autor tem vasta experiência e conhecimento. No despacho de Id. 4058303.4732589, determinou-se a juntada aos autos do pagamento das custas processuais. Na petição de Id. 4058303.4734675, foi juntado o comprovante do pagamento das custas processuais. Por sua vez, o réu, na petição de Id. 4058303.3742822, manifestou-se sobre o pedido de tutela de urgência formulado pelo autor. Em suma, pugnou pela não concessão da tutela de urgência, uma vez que entende que não há qualquer perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo que autorize a concessão de provimento antecipatório da tutela pretendida nesta ação. Na decisão de Id. 4058303.4859495, deferiu-se em parte o pedido de tutela provisória, apenas, para suspender futura nomeação de um dos aprovados para o cargo de professor(a) no Departamento de Zootecnia, na área de Forragicultura, referente ao Concurso 09/2017, até o julgamento desta ação. Revogou-se a liminar, nos termos da decisão de Id. 4058303.5097269. Posteriormente, restabelecida nos termos da decisão de Id. 4058303.5223165. Contestação da UFRPE (Id. 4058303.5219371), na qual alega, em suma, que a hipótese dos autos corresponde à remoção a pedido do servidor. No entanto, alega que não basta a vontade do servidor que pretende ser removido, sendo indispensável o interesse da Administração (art. 36, parágrafo único, II, Lei nº 8.112/90). O que não há, conforme explicação do órgão competente. Alega ainda que os editais de concurso da UFRPE oferecem as vagas discriminadas por localidade, estando o campus do candidato, desde a inscrição no processo seletivo, vinculado à localidade da vaga para a qual fez a opção. Por isso, não se faz necessário que a abertura de novo concurso seja precedida de remoção, uma vez que o professor já escolheu, desde a inscrição no concurso em que fora aprovado, a cidade na qual iria trabalhar.

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aqui defendido, mostra-se presente uma das condições para suspender os efeitos da sentença até apreciação e julgamento deste recurso de apelação. Por outro lado, não se pode deixar de chamar a atenção deste egrégio Tribunal que, situações como a presente, em que não se permite esgotar as vias recursais, determinando-se, como ocorreu no caso em análise, que a UFRPE promova um concurso interno de remoção para provimento do cargo vago do Campus de Recife, ALÉM

Frise-se também que o concurso para provimento de vaga no Campus Recife é muito mais concorrido que o concurso para provimento nos campi que funcionam no interior. Desta feita, pela via transversa, a concessão de remoção para Recife a um aprovado em vagas do interior implica burla ao processo seletivo anteriormente realizado, razão pela qual pugna pela improcedência dos pedidos. Réplica apresentada (Id. 4058303.5520219). Em cumprimento ao despacho de Id. 4058303.5529406, a UFRPE se manifestou nos termos contidos no documento de Id. 4058303.5715856. Relatou que há outros professores mais antigo no quadro, porém não tem como saber se existem interesse deles na remoção. II - FUNDAMENTAÇÃO Não há apreciação de matérias de caráter preliminar. No mérito, julgo o processo no estado em que se encontra, conhecendo diretamente dos pedidos, na medida em que a questão de mérito, sendo de fato e de direito, prescinde da produção de outras provas, além daquelas já insertas no processo (art. 355, I, do CPC). Pois bem. São dois os argumentos centrais da parte demandante: a) de que deveria haver remoção, pelo critério de antiguidade, antes da realização de novo concurso público; b) em havendo cargo vago, caberia ao Judiciário determinar sua pronta remoção. Concordo com o primeiro argumento. A oferta de lotações aos servidores oriundos de concursos posteriores, em detrimento dos servidores mais antigos, por óbvio, fere os princípios da antiguidade e proporcionalidade. Conforme já decidiu o Pleno do Tribunal Regional da 5ª Região, surgindo vaga no serviço público, a remoção deve preceder à nomeação, porque nenhum sentido guardaria a nomeação de quem ingressa no serviço público em vaga situada na Capital, se existem, no interior, servidores de maior antiguidade, pleiteantes da mesma vaga (PROCESSO: 20080500101388001, MS 102.298/01/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO, Pleno, JULGAMENTO: 17/12/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 16/02/2009 - Página 190.Federal da SJPE). Este entendimento acima transcrito é o mesmo deste julgador, uma vez que a existência de vaga, de per si, garante ao servidor o direito subjetivo a participar de um concurso remoção.

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DE CERCEAR O DIREITO DE DEFESA DA FAZENDA PÚBLICA, vai de encontro às normas da novel legislação processual onde o legislador teve a preocupação de inserir normas que visam garantir plenamente o contraditório estabelecendo em seus artigos 9º e 10º que: (...) Nesse sentido, a concorrência para os campi do interior é bem menor, logo, a possibilidade de uma remoção interna do autor, ora apelado, em detrimento de submissão de um concurso público para as vagas da Capital - Recife,

Todavia, a segunda premissa – em havendo cargo vago, caberia ao Judiciário determinar sua pronta remoção – não merece guarida de plano, tendo em vista que este juízo não tem como avaliar se há outros servidores em idênticas condições interessados na vaga surgida na capital. O que, ao meu ver, é o mais coerente para salvaguarda dos princípios da antiguidade e proporcionalidade, é a realização de uma simples consulta para saber da existência de outros interessados na vaga, privilegiando a todos professores da UFRPE na disputa. Nesse sentido, existindo outros interessados, apenas o vencedor do concurso de remoção seria contemplado com a vaga. Caso não existam interessados na vaga, a Universidade deverá providenciar de imediato a remoção da parte autora para a vaga existente. III - DISPOSITIVO Por essas razões, julgo parcialmente procedente o pedido inicial, apreciando a lide com resolução do mérito (art. 487, inciso I, do CPC). Determino que a UFRPE, em 10 (dez) dias, abra consulta a todos os professores e, após se certificar de que nenhum mais antigo manifestou interesse, remova o autor para a vaga na capital discutida nesses autos. Caso exista(m) outro(s) interessado(s), providencie de imediato a realização do concurso de remoção, removendo, por óbvio, o servidor mais antigo. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC). Interposta apelação, deverá a secretaria intimar o recorrido para, no prazo legal, apresentar suas contrarrazões. Decorrido o prazo, com ou sem contrarrazões, remetam-se os autos ao e. Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Após o trânsito em julgado, remetam-se os autos ao arquivo eletrônico, com as cautelas de praxe. Comunique-se ao eminente Relator do agravo de instrumento interposto nesses autos sob o teor deste decisum. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Serra Talhada, data da validação. (Documento assinado eletronicamente) EMANUEL JOSÉ MATIAS GUERRA Juiz Federal

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constitui, na verdade, uma burla àqueles que só concorrem na vaga da capital e não conseguem passar dentro das vagas, pois a concorrência é muito grande. E, a bem da verdade, a parte autora sabia de tudo isso quando fez o concurso para a Unidade de Serra Talhada, pelo que não é legal, tampouco justo, que chegue em Recife, sem prestar concurso para a Capital, ao arrepio de qualquer regra objetiva aplicável para todos os casos. Constitui injustiça evidente impor uma remoção forçada para a Capital do Estado quando, por certo, a classificação do autor não autorizaria a sua aprovação no concurso para Recife. Tratando-se de remoção a pedido do servidor, a situação se enquadra no art. 36, II, que confere à administração o juízo de conveniência e interesse, ou melhor, trata-se de juízo discricionário. Tratando-se de juízo discricionário, não há qualquer ilegalidade em negar pedido de remoção, pois, como já foi dito no curso do processo, a UFRPE realiza concursos distintos para as suas Unidades, seja de Recife, Serra Talhada ou Garanhuns. São certames com quantidade de inscritos abissalmente diversos, editais também diferentes e, sobretudo, uma concorrência com perfis diferentes, pois os que concorrem para os campi do interior do Estado, normalmente são pessoas que são do interior, e/ou vieram, tendo pois interesse em retornar a origem. (...) Ante todo exposto, espera e requer o apelante seja dado provimento ao presente recurso, reformando-se a sentença recorrida, para julgar totalmente improcedente a ação, invertendo-se, em consequência, os ônus da sucumbência. (...)2

² APELAÇÃO - URPE (....) 2.PRELIMINARMENTE - DA NECESSIDADE DE ATRIBUIÇÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO PRESENTE RECURSO O novo Código de Processo Civil estabelece em seu art. 1012 do NCPC que: Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo. § 1° Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que: V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;

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Contrarrazões. O autor apresentou requerimento: (...) Em agosto, a Universidade lançou EDITAL DE REMOÇÃO INTERNA 01/2018 (anexo), o qual o autor concorreu, conforme homologação da inscrição (anexo), com número de Processo 23082.015865/2018-41.

§ 4° Nas hipóteses do § 1°, a eficácia da sentença poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação. (Grifei) No presente caso, se mostra presente a hipótese referida no § 4º supratranscrito, razão pela qual vem requerer que seja liminarmente deferida a suspensão dos efeitos da sentença recorrida. De início, é importante ressaltar que, como demonstraremos no presente recurso, o MM. Juiz a quo deferiu pedido não pleiteado, ou seja, trata-se de sentença extra petita. Com efeito, trata-se o presente de pedido de remoção formulado por Vicente Imbroisi Teixeira do Campus de Serra Talhada para o de Recife. Apreciando a questão, e entendendo que o deferimento não era possível, pois podem existir outros servidores professores interessados, com maior tempo de serviço (antiguidade), a sentença recorrida determinou que a UFRPE promovesse um concurso interno de remoção para prover o cargo pleiteado. Assim, restando evidenciado que a sentença recorrida é extra petita, deverá, fatalmente, ser declarada a sua nulidade, pelo que, havendo grande probabilidade do direito aqui defendido, mostra-se presente uma das condições para suspender os efeitos da sentença até apreciação e julgamento deste recurso de apelação. Por outro lado, não se pode deixar de chamar a atenção deste egrégio Tribunal que, situações como a presente, em que não se permite esgotar as vias recursais, determinando-se, como ocorreu no caso em análise, que a UFRPE promova um concurso interno de remoção para provimento do cargo vago do Campus de Recife, ALÉM DE CERCEAR O DIREITO DE DEFESA DA FAZENDA PÚBLICA, vai de encontro às normas da novel legislação processual onde o legislador teve a preocupação de inserir normas que visam garantir plenamente o contraditório, estabelecendo em seus artigos 9º e 10º, que: Art. 9° Não se proferirá decisão contra uma das partes sem que ela seja previamente ouvida. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica: I - à tutela provisória de urgência; II - às hipóteses de tutela da evidência previstas no art. 311, incisos II e III; III - à decisão prevista no art. 701. Art. 10. O juiz não pode decidir, em grau algum de jurisdição, com base em fundamento a respeito do qual não se tenha dado às partes oportunidade de se manifestar, ainda que se trate de matéria sobre a qual deva decidir de ofício.

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O autor foi aprovado e SUA PORTARIA DE REMOÇÃO (anexa) foi publicada no dia 18 de dezembro de 2018, com previsão para início de exercício das atividades acadêmicas dia 20/02/2019. Vejamos: PORTARIA Nº 1.538/2018-GR, de 18 de dezembro de 2018.

Percebe-se, desse modo, que a nova legislação processual estabelece um poder-dever ao magistrado, que é zelar pelo efetivo contraditório. Não se trata assim de uma faculdade, mas sim a obrigação de observar o contraditório, inclusive sob pena de nulidade de atos processuais. Assim sendo, embora assegure em seu art. 4º que “As partes têm o direito de obter em prazo razoável a solução integral do mérito, incluída a atividade satisfativa”, também, é verdade, em seu art. 7º prevê que: “É assegurada às partes paridade de tratamento em relação ao exercício de direitos e faculdades processuais, aos meios de defesa, aos ônus, aos deveres e à aplicação de sanções processuais, competindo ao juiz zelar pelo efetivo contraditório”. Isto posto, espera e requer a UFRPE que seja liminarmente suspensa a tutela deferida na sentença recorrida, a qual determinou que se abra um concurso interno de remoção para provimento do cargo vago no Campus do Recife. 3. DAS RAZÓES QUE IMPÕEM A REFORMA DA SENTENÇA RECORRIDA 3.1. SENTENÇA EXTRA PETITA Como historiado acima, o requerido VICENTE IMBROISI TEIXEIRA ingressou com o Processo PJe 0800077-87.2018.4.05.8303, distribuído à 18ª Vara Federal, em Serra Talhada, pleiteando o seguinte: (...) Como se depreende da simples leitura da inicial, o pedido do autor foi DE SUA REMOÇÃO PARA O CAMPUS RECIFE, visto existir um cargo vago no Departamento de Zootecnia, na área de Forragicultura, no qual alega tem vasta experiência. Porém, ao apreciar a questão, a sentença recorrida não deferiu a remoção do autor, ora apelado, pois no seu entender, o direito do autor não se encontra comprovado de plano, eis que não se encontra provado nos autos se existem, ou não, outros professores interessados na remoção para Recife, e mais, em havendo, se o autor teria antiguidade para ter preferência na remoção. Assim sendo, ao apreciar o pedido inicial, o MM. Juiz Federal Emanuel José Matias Guerra julgou parcialmente procedente o pedido, nos seguintes termos: (...) Deduz-se, da parte dispositiva da sentença QUE O JUIZ A QUO DETERMINOU QUE A UFRPE PROMOVESSE UM CONCURSO DE REMOÇÃO, VERIFICANDO OS INTERESSADOS EM OCUPAR A VAGA DE PROFESSOR NO CAMPUS DE RECIFE, E CASO EXISTISSE MAIS DE UM INTERESSADO, PROMOVESSE A REMOÇAO DO MAIS ANTIGO NA CARREIRA, O QUE, EVIDENTEMENTE, NÃO FOI O QUE PLEITEOU A PARTE AUTORA. O APELADO PEDIU APENAS E TÃO SOMENTE SUA REMOÇÃO, E SE ESTA NÃO PODE SER DEFERIDA PORQUE NÃO PRESTOU CONCURSO

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A REITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, no uso de suas atribuições legais e estatutárias, e tendo em vista o que consta no Processo UFRPE nº 23082.015865/2018-41, Volumes I, II e III, RESOLVE:

PARA RECIFE, E PORQUE PODEM EXISTIR OUTROS INTERESSADOS, COM MAIS TEMPO DE SERVIÇO, O PEDIDO DEVERIA TER SIDO JULGADO IMPROCEDENTE, POIS DESCABIDA A PRETENSÃO, e, jamais, determinar um concurso de remoção interna. Ora, não é demasiado lembrar Excelências, que nos termos da legislação processual, notadamente nos arts. 141 e 492, in verbis, o pedido delimita a prestação jurisdicional, senão confira: Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte. Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado. Parágrafo único. A decisão deve ser certa, ainda que resolva relação jurídica condicional. A sentença recorrida, repise-se, deferiu pedido distinto do que foi pleiteado, pelo que impõe-se a nulidade da sentença, e considerando que o processo encontra-se maduro para julgamento, seja julgada improcedente, haja vista que não encontra-se comprovado nos autos (art. 373, I, do CPC), que o autor tem direito a ser removido do Campus de Serra Talhada, para o qual prestou concurso, e no qual foi nomeado para a vaga de professor da UFRPE. 3.2. DO DESCABIMENTO DO PEDIDO DE REMOÇÃO Estabelece o art. 36 da Lei nº 8.112, de 1990, que: Art. 36. Remoção é o deslocamento do servidor, a pedido ou de ofício, no âmbito do mesmo quadro, com ou sem mudança de sede. Parágrafo único. Para fins do disposto neste artigo, entende-se por modalidades de remoção: I - de ofício, no interesse da Administração; II - a pedido, a critério da Administração; Tratando-se de remoção a pedido do servidor, a situação se enquadra no art. 36, II, que confere à administração o juízo de conveniência e interesse, ou melhor, trata-se de juízo discricionário. Tratando-se de juízo discricionário, não há qualquer ilegalidade em negar pedido de remoção, pois, como já foi dito no curso do processo, a UFRPE realiza concursos distintos para as suas Unidades, seja de Recife, Serra Talhada ou Garanhuns. São certames com quantidade de inscritos abissalmente diversos, editais também diferentes e, sobretudo, uma concorrência com perfis diferentes, pois os

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AUTORIZAR REMOÇÃO a pedido, a critério da Administração, do(a) servidor(a) VICENTE IMBROISI TEIXEIRA, Matrícula SIAPE nº 2657663, ocupante do cargo de Professor do Magistério Superior, da Unidade Acadêmica de Serra Talhada - UAST, para o Departamento de Zootecnia - DZ/Sede, a partir de 20/02/2019, conforme informações constantes no Processo acima mencionado.

que concorrem para os campi do interior do Estado, normalmente são pessoas que são do interior, e/ou vieram, tendo pois interesse em retornar à origem. Nesse sentido, a concorrência para os campi do interior é bem menor, logo, a possibilidade de uma remoção interna do autor, ora apelado, em detrimento de submissão de um concurso público para as vagas da Capital - Recife, constitui, na verdade, uma burla àqueles que só concorrem na vaga da capital e não conseguem passar dentro das vagas, pois a concorrência é muito grande. E, a bem da verdade, a parte autora sabia de tudo isso quando fez o concurso para a Unidade de Serra Talhada, pelo que não é legal, tampouco justo, que chegue em Recife, sem prestar concurso para a Capital, ao arrepio de qualquer regra objetiva aplicável para todos os casos. Constitui injustiça evidente impor uma remoção forçada para a Capital do Estado quando, por certo, a classificação do autor não autorizaria a sua aprovação no concurso para Recife. O que o autor busca é, desrespeitando todas as regras dos concursos, vir para Recife sem ter feito concurso para a cidade, em detrimento daqueles que dentro das regras do direito, apenas prestam concurso para a Capital, e, devido ao grande número de candidatos, não logram êxito. De qualquer sorte, como na remoção a pedido o juízo é discricionário, a ação deve ser julgada improcedente, sob pena de ofensa ao disposto no art. 2º e 207 da Constituição Federal que estabelecem que: Art. 2º - São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Entender-se, como ocorreu no presente caso, que o Poder Judiciário pode imiscuir em questões administrativas de outro Poder, no caso o Poder Executivo, sem que exista norma expressa que permita o deferimento da pretensão de forma cogente, significa atentar contra a Constituição da República vigente, notadamente o art. 2º e art. 207 acima citados, que consagram a independência dos Poderes, e a autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial das universidades. Assim, tratando-se de juízo discricionário da Administração, que atuará sob critérios de conveniência ou oportunidade da lotação e exercício dos seus servidores, a existência de um cargo vago não gera qualquer direito à remoção de que trata o art. 36, parágrafo único, II, da Lei nº 8.112/90.

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Desta forma, requer: 1 - O não conhecimento do recurso de apelação, tendo em vista que o mesmo restou prejudicado ante o cumprimento da sentença de primeiro grau. (...)3

É o relatório.

Ademais, conforme informação prestada pelo setor competente, nos Editais de concurso da UFRPE não tem a previsão de remoção, devendo o candidato optar por se inscrever de acordo com a localidade da vaga. Neste passo, colaciona-se o seguinte julgado assim ementado: (...) 4. DO PEDIDO Ante todo exposto, espera e requer o apelante seja dado provimento ao presente recurso, reformando-se a sentença recorrida, para julgar totalmente improcedente a ação, invertendo-se, em consequência, os ônus da sucumbência. Nestes termos, Pede deferimento. Elizabeth Aparecida Motinaga Sato Procuradora Federal - mat. 0903032 OAB/PE nº 301-B PETIÇÃO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 5ª REGIÃO. Processo nº: 0811277-71.2018.4.05.0000 VICENTE IMBROISI TEIXEIRA, devidamente qualificado nos autos do processo em epígrafe, por sua advogada ao final assinado, vem respeitosamente à presença de Vossa Excelência REQUERER O NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO DE APELAÇÃO, com fundamentos nas razões que seguem. A respeitável sentença de primeiro grau julgou parcialmente procedente o pedido autoral, conforme segue: III - Dispositivo 1. Por essas razões, julgo parcialmente procedente o pedido inicial, apreciando a lide com resolução do mérito (art. 487, inciso I, do CPC). Determino que a UFRPE, em 10 (dez) dias, abra consulta a todos os professores e, após se certificar de que nenhum mais antigo manifestou interesse, remova o autor para a vaga na capital discutida nesses autos. Caso exista(m) outro(s) interessado(s), providencie de imediato a realização do concurso de remoção, removendo, por óbvio, o servidor mais antigo. Condeno a parte ré ao pagamento das custas processuais e dos honorários advocatícios no importe de 10% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 2º, do CPC). Em agosto, a Universidade lançou EDITAL DE REMOÇÃO INTERNA 01/2018 (anexo), o qual o autor concorreu, conforme homologação da inscrição (anexo), com número de Processo 23082.015865/2018-41. 3

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VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (Relator): Observo, inicialmente, que o fato de a Universidade Federal Rural de Pernambuco haver instaurado remoção interna, na qual o autor teria sido beneficiado, não retira o interesse recursal da Instituição de Ensino. Na Sessão de Julgamento da 1ª Turma do dia 10.10.2019, apresentei proposta de voto no sentido de negar provimento à apelação, com os seguintes fundamentos:

O autor foi aprovado e SUA PORTARIA DE REMOÇÃO (anexa) foi publicada no dia 18 de dezembro de 2018, com previsão para início de exercício das atividades acadêmicas dia 20/02/2019. Vejamos: PORTARIA Nº 1.538/2018-GR, de 18 de dezembro de 2018. A REITORA DA UNIVERSIDADE FEDERAL RURAL DE PERNAMBUCO, no uso de suas atribuições legais e estatutárias, e tendo em vista o que consta no Processo UFRPE nº 23082.015865/2018-41, Volumes I, II e III, RESOLVE: AUTORIZAR REMOÇÃO a pedido, a critério da Administração, do(a) servidor(a) VICENTE IMBROISI TEIXEIRA, Matrícula SIAPE nº 2657663, ocupante do cargo de Professor do Magistério Superior, da Unidade Acadêmica de Serra Talhada - UAST, para o Departamento de Zootecnia - DZ/Sede, a partir de 20/02/2019, conforme informações constantes no Processo acima mencionado. MARIA JOSÉ DE SENA REITORA O art. 932, III, do CPC, traz seu bojo os casos de não conhecimento de recurso: Art. 932. Incumbe ao relator: III - não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida; Tendo em vista que a ré está cumprindo a admirável sentença de primeiro grau, resta prejudicada a presente apelação, cabendo ao nobre relator não conhecer do recurso de apelação. CONCLUSÃO Desta forma, requer: 1 - O não conhecimento do recurso de apelação, tendo em vista que o mesmo restou prejudicado ante o cumprimento da sentença de primeiro grau. 2 - A baixa dos autos ao juízo a quo, com encaminhamento dos autos à contadoria, para cálculo dos honorários de sucumbência, fixados na sentença em 10% sobre o valor atualizado da causa, bem como seja determinada a expedição do competente RPV em favor desta patrona. Nestes termos, pede deferimento. Serra Talhada, 28 de janeiro de 2019. KARINA MAGALHÃES PARENTE DE LUCENA - OAB/PE 35.160

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As hipóteses de remoção de servidor público encontram-se regulamentadas no parágrafo único do art. 36 da Lei nº 8.112/90, modificado pela Lei nº 9.527/97. O artigo 36, inciso III, b, da Lei 8.112/90 prevê a hipótese de remoção de servidor público, a pedido, para outra localidade, por motivo de saúde do servidor. Entretanto, para que tal pleito seja deferido, é necessário, dente outros requisitos, que o deslocamento ocorra no âmbito do mesmo quadro de pessoal do órgão ou entidade de lotação. O referido artigo condiciona a remoção por motivo de saúde do servidor ou do dependente que viva às suas expensas, desde que conste do seu assentamento funcional a comprovação da doença por meio de junta médica oficial. A redistribuição é ato discricionário da Administração e tem como objetivo aparelhar de maneira mais adequada os quadros das instituições envolvidas, buscando atender as necessidades da Administração. É possível, em algumas situações, haver a redistribuição entre órgãos/entidades diversos, desde que presentes algumas condições, dentre elas a reciprocidade de interesses. No caso, conforme explicitado pela sentença: (...) A oferta de lotações aos servidores oriundos de concursos posteriores, em detrimento dos servidores mais antigos, por óbvio, fere os princípios da antiguidade e proporcionalidade. Conforme já decidiu o Pleno do Tribunal Regional da 5ª Região, surgindo vaga no serviço público, a remoção deve preceder à nomeação, porque nenhum sentido guardaria a nomeação de quem ingressa no serviço público em vaga situada na Capital, se existe, no interior, servidores de maior antiguidade, pleiteantes da mesma vaga (PROCESSO: 20080500101388001, MS 102.298/01/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO, Pleno, JULGAMENTO: 17/12/2008, PUBLICAÇÃO: DJ 16/02/2009 - Página 190.Federal da SJPE). Este entendimento acima transcrito é o mesmo deste julgador, uma vez que a existência de vaga, de per si, garante ao servidor o direito subjetivo a participar de um concurso remoção. Todavia, a segunda premissa – em havendo cargo vago, caberia ao Judiciário determinar sua pronta remoção – não merece guarida de plano, tendo em 349


vista que este juízo não tem como avaliar se há outros servidores em idênticas condições interessados na vaga surgida na capital. O que, ao meu ver, é o mais coerente para salvaguarda dos princípios da antiguidade e proporcionalidade é a realização de uma simples consulta para saber da existência de outros interessados na vaga, privilegiando a todos professores da UFRPE na disputa. Nesse sentido, existindo outros interessados, apenas o vencedor do concurso de remoção seria contemplado com a vaga. Caso não existam interessados na vaga, a Universidade deverá providenciar de imediato a remoção da parte autora para a vaga existente. Quanto aos honorários recursais, ante o não provimento da apelação, majora-se a condenação dos autores em honorários advocatícios, a título de honorários recursais (art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015), em 2%. Isto posto, nego provimento à apelação.

Naquela ocasião, a 1ª Turma, por maioria, negou provimento à apelação, vencido o Desembargador Federal Élio Wanderley Siqueira Filho. O processo foi submetido à Turma Ampliada. Na Sessão de Julgamento da 1ª Turma, em composição ampliada, do dia 16.10.2019, aderi ao entendimento proposto pelo Exmo. Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, no sentido de dar provimento à apelação da Universidade Federal Rural de Pernambuco, conforme notas taquigráficas4. PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO Nº 0800077-87.2018* VOTO O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA: Senhor Presidente, egrégia Turma, peço todas as vênias à maioria que vem se formando para acompanhar a divergência. Penso que o sistema de movimentação para professor de instituição de ensino superior é diferente do sistema de movimentação dos servidores públicos. O servidor público faz o concurso para determinado cargo, e as atribuições do cargo são previstas em lei e iguais para todos. Portanto, para se privilegiar a objetividade, impedir favorecimentos e prestigiar o princípio da impessoalidade, é que as remoções em geral precedem à abertura de concurso público. No caso do magistério, a situação é diferente. Tem-se que verificar as peculiaridades de cada disciplina, o perfil profissional, a localidade onde é prestado o serviço. Dou aqui um exemplo da vida prática: há exatamente 30 anos, em setembro de 89, quando fiz o concurso para 4

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Isto posto, dou provimento à apelação para julgar improcedente a pretensão. professor da Universidade Federal da Paraíba, havia dois cursos de Direito, um em João Pessoa e outro em Souza, vinculados à mesma Universidade Federal da Paraíba. Havia vaga nas duas cidades. Imaginemos se fosse obrigatória a remoção de um professor de Souza para João Pessoa antes da abertura de concurso em João Pessoa. A grande maioria dos possíveis candidatos não se inscreveria porque tinha a sua vida profissional, seu escritório de advocacia, e não faria um concurso para professor em Souza para ficar esperando o surgimento de uma vaga. Os concursos foram abertos nas duas cidades, e eu me inscrevi na de João Pessoa; se fosse obrigatória a remoção, eu não estaria nesses últimos 30 anos lecionando Direito Civil na Universidade Federal da Paraíba, porque as situações são peculiares. Como mencionou o eminente Procurador Ricardo Barroso, a concorrência em qualquer curso superior numa capital como Recife, logicamente, é muito superior à concorrência num Campus no Sertão Pernambuco. Quantos candidatos deixaram de se submeter a concurso por não terem condições profissionais, pessoais ou familiares de trabalharem em Serra Talhada? A forma de movimentação é como o próprio autor se submeteu a novo concurso aqui. A não ser que nas peculiaridades de cada caso concreto a instituição entenda mais oportuna e conveniente a abertura de remoção do que a abertura de novo certame. Penso que isso não fere, nas circunstâncias do magistério, o princípio da impessoalidade. Não se pode presumir que haja, na maioria dos casos, alguma proteção ou alguma perseguição a determinado professor. Então, pedindo todas as vênias, dou provimento ao recurso da Universidade Federal Rural de Pernambuco. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA DAMASCENO: Senhor Presidente, fiquei ansioso aguardando o voto do Desembargador Federal Rogério de Meneses Fialho Moreira, quando ele disse que a movimentação de professor era diferente e usou como exemplo o argumento que faltaria interesse aos candidatos para irem para o interior. E eu me decepcionei porque essa é a regra de todo concurso: obviamente, o que faz desinteressante professor em Campina Grande é o que faz desinteressante procurador da Fazenda em Campina Grande é o que faz desinteressante Juiz Federal em Campina Grande. Eu não vi um distinguishing. A questão é de difícil deslinde. Reconheço que existe uma peculiaridade e que existe a questão da autonomia universitária, a necessidade de um campus pode ser diferente da necessidade de outro, a questão ligada a grupo de pesquisa, enfim. Mas vejo a coisa e tento resolver – talvez de uma forma até simples demais – porque a autonomia universitária não pode violar a legalidade. Eu penso que a lei criou a universidade como uma entidade só e, por mais que isso tenha uma boa intenção, não se poderia, em desrespeito a essa unidade conferida pela lei, criar duas subentidades. A questão é que a lei assim entendeu e, por mais bem-intencionado que seja o administrador, abrir-se essa possibilidade seria criar um flanco muito largo para o arbítrio, para a violação da impessoalidade. Como eu disse, o caso é complexo, tentei ser sucinto, muito mais me baseando em cinco ou seis votos que já proferi na 3ª Turma – não sei nem se foram vencedores – muito mais em processos ligados à Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Acompanho o voto do Relator.

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Inversão da sucumbência em favor da apelante (UFRPE). É o meu voto. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (RELATOR): Vou fazer um adendo rápido ao meu voto. Estava vendo, aqui, as minhas anotações de 19 de abril de 2019, onde eu havia anotado que: (Lê) “A discricionariedade é a margem de atuação do agente público contida no direito e em bases constitucionais ou legais para a prática de ato administrativo, quando situa-se no sujeito, significa os limites subjetivos. Objetivos compreendem as bases objetivas, obviamente, não previstas em limites legais taxativos ou regulamentares exemplificativos, contêm-se na revelação do interesse público. A discricionariedade é matéria a significar o conteúdo no Direito Público ou Privado e no Direito Penal. A responsabilidade contratual ou extracontratual e a penal, embora repercutam de per si, podem configurar relações simultaneamente; não são de idênticas bases jurídicas”. Ouvi, da tribuna, uma das mais memorizáveis explanações orais sobre uma situação fática para ilustrar o ato discricionário e, desde o início da elaboração do voto, não me pareceu claro nem revelável expor o que era o ato discricionário. Aliás, não encontro no Direito Administrativo, principalmente à luz da Constituição de 1988, o que se revele melhor para expor o que é um ato discricionário; não é uma conceituação fácil. Há até monografias, mas elas são pontuais, são particulares, mas não de um modo geral, de uma abordagem objetiva científica. Então, não fiz “cavalo de batalha” na posição da tese. E veio o Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira desestabilizar a questão, dividindo-a do geral para a situação particular do professor, e aí, realmente, tive que rebobinar o pensamento para ver a situação do professor. Porém, adianto que a situação do professor, principalmente do universitário, vai além de morar no interior; até hoje, na era da internet, há o ensino à distância, há aprendizagem à distância, há outras modalidades de aprendizagem. O que se tem aí? O interesse público. O que interessa à Administração Pública: deixar de ter um professor ou melhorar o ensino? A questão não é minha, estou colocando a partir do que ouvi das sustentações orais e da revelação dessa abordagem da situação do professor e do funcionário público. Se fosse o funcionário público, na verdade, o meu ponto de vista anterior era inquestionável. Mas aí vem o Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira mexer no fiel da balança, com a condição de um professor e dentro de uma contingência na visão geral da universidade, porque aí não era nem o cargo nem lotação, é a matéria oferecida de acordo com a política da administração universitária, então é uma abordagem interior. Não tenho compromisso algum com o meu argumento se eu encontrar um melhor. Então, vou mudar o meu ponto de vista, com os fundamentos, subsídios e lições do Desembargador Rogério Fialho. APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800077-87.2018* DECISÃO Prosseguindo o julgamento, a Turma, em composição ampliada, por maioria, deu provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Vencidos os Desembargadores Federais Leonardo Coutinho e Fernando Braga Damasceno.

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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0807987-44.2018.4.05.8311-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Apelante: MARIA RISOMAR CARLOS DA SILVA Apelada: FAZENDA NACIONAL Adv./Proc.: DR. THIAGO CANTARELLI DE ANDRADE LIMA ALBUQUERQUE (APTE.) EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS DE TERCEIRO. FRAUDE À EXECUÇÃO. IMÓVEL ALIENADO APÓS A INSCRIÇÃO DO DÉBITO EM DÍVIDA ATIVA E O AJUIZAMENTO DA DEMANDA EXECUTIVA. CRITÉRIOS OBJETIVOS. ENTENDIMENTO DA CORTE UNIFORMIZADORA. EFEITO VINCULANTE. HONORÁRIOS RECURSAIS. BENEFICIÁRIO DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. APELO DESPROVIDO. 1. A matéria em debate foi apreciada pelo colendo STJ, ao julgar o REsp nº 1.141.990/PR, sob o rito dos recursos representativos da controvérsia, sendo, na ocasião, consolidado o entendimento de que, em face do princípio da especialidade das leis, a Súmula nº 375/STJ (“o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”) não se aplica às execuções fiscais. Concluiu-se, ainda, que a fraude à execução prevista no art. 185 do CTN, tanto em sua redação originária, quanto na redação dada pela LC nº 118/2005, diversamente da fraude contra credores, encerra presunção jure et de jure, dispensando a prova do elemento subjetivo da fraude realizada, o chamado concilium fraudis. 2. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal se justifica pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à 353


satisfação das necessidades coletivas. Assentou o douto Ministro Relator, naquela ocasião, que o registro da penhora não pode ser exigência à caracterização da fraude, no âmbito dos créditos tributários, tendo em vista a existência de regra própria e expressa, a configurar o vício mesmo antes da citação do executado. 3. Ora, uniformizou-se o entendimento de que, em se tratando de créditos tributários, incidem as regras objetivas do art. 185 do Código Tributário Nacional, como, aliás, ressaltado pela sentença. Ao contrário do alegado pela apelante, não há que ser considerado o elemento subjetivo do concilium fraudis ou da má-fé, que incidem em relação aos créditos privados. 4. Em suma, os créditos exigidos na execução fiscal correlata têm natureza tributária; logo, incide a regra do art. 185 do Código Tributário Nacional, e não, a norma processual civil prevista no art. 792, I, do CPC/2015. Aliás, o STJ, no julgamento paradigma, ressaltou a especialidade das normas, no que toca às hipóteses de fraude contra credores. 5. No caso em tela, a embargante adquiriu o bem imóvel em 28/02/2011, conforme prova nos autos, e a inscrição do crédito em dívida ativa se deu em 30/03/2009. À vista desses elementos objetivos, não se tem como afastar a fraude à execução fiscal. 6. Majora-se a verba honorária em 2% (dois por cento), nos termos do art. 85, § 11, do CPC. Condenação suspensa (art. 98, § 3º, do CPC). 7. Apelação desprovida. ACÓRDÃO Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em composição ampliada, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e 354


notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 13 de novembro de 2019. (Julgamento) 19 de novembro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO: O caso é de apelação em face da sentença que julgou improcedentes embargos de terceiro opostos com a finalidade de excluir bem imóvel da constrição judicial nos autos da execução fiscal correlata. Sustenta a apelante que não houve fraude à execução, visto que o recurso representativo de controvérsia do Superior Tribunal de Justiça, o REsp 1.141.990/PR, foi superado e, ainda, porque adquiriu o imóvel de boa-fé. Diz que a superação da orientação da Corte uniformizadora se deu pelo advento da regra processual inserta no art. 792, I, do CPC/2015, que só considera fraude à execução quando sobre o bem pender ação fundada em direito real ou com pleito reipersecutório e desde que “a pendência do processo tenha sido averbada no respectivo registro público”. Contrarrazões ofertadas. É o breve relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO (Relator): A sentença julgou o caso concreto com amparo nos parâmetros objetivos definidos pelo Superior Tribunal de Justiça acerca da fraude à execução. É que a matéria foi apreciada pelo colendo STJ, ao julgar o REsp nº 1.141.990/PR, sob o rito dos recursos representativos de 355


controvérsia, e, na ocasião, consolidado o entendimento de que, em face do princípio da especialidade das leis, a Súmula nº 375/ STJ (“o reconhecimento da fraude à execução depende do registro da penhora do bem alienado ou da prova de má-fé do terceiro adquirente”) não se aplica às execuções fiscais. Concluiu-se, ainda, que a fraude à execução prevista no art. 185 do CTN, tanto em sua redação originária quanto na redação dada pela LC nº 118/2005, diversamente da fraude contra credores, encerra presunção jure et de jure, dispensando a prova do elemento subjetivo da fraude realizada, o chamado concilium fraudis. A diferença de tratamento entre a fraude civil e a fraude fiscal se justifica pelo fato de que, na primeira hipótese, afronta-se interesse privado, ao passo que, na segunda, interesse público, porquanto o recolhimento dos tributos serve à satisfação das necessidades coletivas. Assim, assentou o douto Ministro Relator que o registro da penhora não pode ser exigência à caracterização da fraude no âmbito dos créditos tributários, tendo em vista a existência de regra própria e expressa, a configurar o vício, mesmo antes da citação do executado. Ora, uniformizou-se o entendimento de que, em se tratando de créditos tributários, incidem as regras objetivas do art. 185 do Código Tributário Nacional, como, aliás, ressaltado pela sentença. Ao contrário do alegado pela apelante, não há que ser considerado o elemento subjetivo do concilium fraudis ou da má-fé, que incidem em relação aos créditos privados. Em suma, os créditos exigidos na execução fiscal correlata têm natureza tributária, logo, incide a regra do art. 185 do Código Tributário Nacional, e não, a norma processual civil prevista no novo CPC. Aliás, o STJ, no julgamento paradigma, ressaltou a especialidade das normas, no que toca às hipóteses de fraude contra credores. No caso em tela, a embargante/apelante adquiriu o bem imóvel em 28/02/2011, conforme prova nos autos, e a inscrição do crédito em dívida ativa se deu em 30/03/2009. À vista desses elementos objetivos, não se tem como afastar a fraude à execução fiscal.

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Majora-se a verba honorária em 2% (dois por cento), nos termos do art. 85, § 11, do CPC. Condenação suspensa, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC. Com estas considerações, nego provimento à apelação, mantendo a sentença na íntegra. É como voto.

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JULGAMENTO HISTÓRICO


Palco de grandes decisões, o TRF5 protagonizou julgamentos históricos. Destaque para a decisão do Desembargador Federal Cid Marconi, que, em 2019, proferiu decisão que concedeu ao filho da agricultora e líder sindical Margarida Maria Alves indenização a título de reparação econômica e por danos morais. A líder sindical teve sua condição de anistiada política do regime militar reconhecida em longo processo administrativo. Esse ato concede ao anistiado e seus dependentes econômicos o direito à devida reparação pecuniária pelos danos causados em decorrência da perseguição política. Apesar dessa ação, em 24 de janeiro de 2017, a União negou ao único herdeiro da sindicalista o direito a ser indenizado, alegando que ele não seria mais um dependente da mãe à época do reconhecimento da condição de anistiada. Na fundamentação legal da decisão, o Desembargador Federal Cid Marconi citou a Lei Federal nº 10.559/2002 e o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), presente na Constituição Federal de 1988. “A União é a responsável direta nas ações em que se postula o pagamento da aposentadoria ou pensão excepcional de anistiados. Ademais, cabe ao Tesouro Nacional arcar com o pagamento de indenizações decorrentes de anistia política, conforme previsto no art. 3º da Lei 10.559/02, ainda que o ato danoso tenha sido praticado por pessoa diversa”. Fonte: Notícias do TRF5. Divisão de Comunicação Social.


APELAÇÃO CÍVEL Nº 0809435-31.2017.4.05.8200-PB (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI Apelante: UNIÃO FEDERAL Apelados: OS MESMOS Recte. Ades.: JOSÉ DE ARIMATEIA ALVES Advs./Procs.: DRS. JONATHAN OLIVEIRA DE PONTES E AN TÔNIO BARBOSA FILHO EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ANISTIA POLÍTICA. PRESCRIÇÃO. INOCORRÊNCIA. ACUMULAÇÃO DA REPARAÇÃO ECONÔMICA PREVISTA NA LEI Nº 10.559/2002 COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. 1. Apelação interposta pela União em face da sentença que julgou procedente, em parte, o pedido, condenando o Ente Público a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como ao pagamento da reparação econômica, decorrente da anistia política de sua genitora, em parcela única, no montante de R$ 181.720,00 (cento e oitenta e um mil, setecentos e vinte reais), nos moldes do Termo de Acordo de Id. 4058200.1985526, com juros e correção monetária calculados nos critérios e índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. O particular também recorreu adesivamente, requerendo o aumento do valor dos danos morais. 2. Aduz o autor que é o único filho de Margarida Maria Alves, líder sindical rural, que teria sido brutalmente assassinada em 1983, por um matador de aluguel, a serviço das oligarquias latifundiárias da região de Alagoa Grande/PB; e que faz jus à reparação prevista na Constituição Federal de 1988, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, consistente na possibilidade de concessão de anistia àqueles que 360


foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, no período de 19/09/1946 até a promulgação da Carta Maior. 3. Rejeitada a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam levantada pela União, uma vez que ela é a responsável direta nas ações em que se postula o pagamento da aposentadoria ou pensão excepcional de anistiados (posteriormente denominada de reparação econômica). 4. O STJ entende que o prazo quinquenal previsto no Decreto nº 20.910/1932 é inaplicável às ações que objetivam reparação por danos morais ocasionados por torturas sofridas durante o período do regime militar, demandas que são imprescritíveis, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas para deduzir suas pretensões em juízo. (AgInt no REsp 1.569.337/ SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 03/05/2018, DJe 15/06/2018; AgInt no REsp 1.602.586/PE, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Turma, julgado em 07/02/2019, DJe 12/02/2019) 5. A Lei nº 10.559/02, que regulamentou o art. 8º do ADCT e instituiu o regime do anistiado político, reconheceu o direito à reparação econômica aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição Federal, de 1988, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares. 6. Verifica-se, da análise dos autos, a responsabilidade da União pelas torturas e morte da Sra. Margarida Maria Alves – cuja condição de anistiada política post mortem foi reconhecida por meio da Portaria nº 1.174/2016. 7. O art. 13 da Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o art. 8º do ADCT estabelece que: “No caso de falecimento do anistiado político, o direito 361


à reparação econômica transfere-se aos seus dependentes, observados os critérios fixados nos regimes jurídicos dos servidores civis e militares da União”. Na hipótese, o regime jurídico a ser observado é o do servidor civil em vigor na data do óbito da anistiada, mãe do autor (1983), que era o da Lei nº 1.715/52, arts. 161 e 256, regulamentados pela Lei nº 3.372/58; arts. 4º e 5º, inc. II, alínea a, que, para efeito de concessão de pensão ao filho, dava o mesmo tratamento que o REJUR atual. 8. Da análise dos autos, verifica-se que o demandante comprovou preencher o requisito de dependência econômica em relação à genitora, necessário à qualificação de dependente da anistiada política civil post mortem, na medida em que nasceu em 1975, e sua genitora faleceu em 1983; tendo 8 (oito) anos de idade à época do falecimento de sua mãe, ostentanto, portanto, o status de dependente daquela; fazendo jus à transferência pretendida, em parcela única, a título de reparação econômica, no valor de R$ 181.720,00 (cento e oitenta e um mil, setecentos e vinte reais), tal como estabelecido no Termo de Acordo acostado aos autos. 9. De acordo com a jurisprudência do STJ, inexiste vedação de acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto elas constituem verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas. (AgInt no REsp 1.569.337/SP, Rel. Ministro Gurgel de Faria, Primeira Turma, julgado em 03/05/2018, DJe 15/06/2018) 10. Dos atos de exceção sofridos pela genitora do demandante e reconhecidos administrativamente, enquanto declarada pela própria Administração a condição de anistiada política post mortem daquela, exsurge a responsabilidade civil de Estado, nos termos do art. 37, parágrafo 362


6º, da CF/88. Majorado, para R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), o valor dos danos morais, por ser um valor mais consentâneo com o sofrimento do autor, diante do fato de a sua genitora ter sido brutalmente assassinada, durante o período de ditadura militar (1983), decorrente de motivação eminentemente política. 11. O egrégio Plenário do STF, nos autos do recurso paradigma RE 870.947/SE (Tema 810), declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, na parte em que disciplinou a atualização monetária segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança - TR, para as condenações impostas à Fazenda Pública oriundas de relação jurídica não tributária. O STJ, em sede de Recurso Repetitivo (REsp 1.495.146/MG), corroborou a tese de que, nas condenações impostas à Fazenda Pública referentes a servidores e empregados públicos, é perfeitamente aplicável o índice previsto no Manual de Cálculos da Justiça Federal para o cálculo da correção monetária das parcelas atrasadas (IPCA-E). 12. Recurso adesivo do autor provido, em parte (item 10). Apelação da União improvida. Condenação da União ao pagamento de honorários recursais, previstos no art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, devendo a verba honorária ser majorada de 8% (oito por cento) para 9% (nove por cento) sobre o valor da condenação. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento, em parte, ao recurso adesivo do particular e negar provimento à apelação da União, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, constantes nos autos, que passam a integrar o presente julgado. 363


Recife, 24 de outubro de 2019. (Julgamento) 29 de outubro de 2019. (Assinatura eletrônica) DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Apelação interposta pela União em face da sentença que julgou procedente, em parte, o pedido, condenando o Ente Público a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como ao pagamento da reparação econômica, decorrente da anistia política de sua genitora, em parcela única, no montante de R$ 181.720,00 (cento e oitenta e um mil, setecentos e vinte reais), nos moldes do Termo de Acordo de Id. 4058200.1985526, com juros e correção monetária calculados nos critérios e índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. Aduz o autor que é o único filho de Margarida Maria Alves, líder sindical rural que teria sido brutalmente assassinada em 1983, por um matador de aluguel, a serviço das oligarquias latifundiárias da região de Alagoa Grande/PB; e que faz jus à reparação prevista na Constituição Federal de 1988, nos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, consistente na possibilidade de concessão de anistia àqueles que foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, no período de 18/09/1946 até a promulgação da Carta Maior. Diz que a Lei nº 10.559/2002 instituiu a Comissão da Anistia, vinculada ao Ministério da Justiça, com o objetivo de reparar moral e economicamente as vítimas de atos de exceção, arbítrio e violações aos direitos humanos cometidos entre 1946 e 1988. Afirma que, após longo processo administrativo, em 6 de julho de 2016, a Comissão da Anistia teria reconhecido a condição de anistiada política de sua genitora, em caráter post mortem, por meio da Portaria nº 1.174/2016, concedendo aos seus dependentes econômicos a devida reparação pecuniária pelos danos causados em decorrência da perseguição política que resultou na sua morte.

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Relata que, em 24 de janeiro de 2017, na qualidade de dependente econômico da anistiada, requereu ao Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão a transferência da indenização devida, nos termos no art. 13 da Lei nº 10.559/02 e art. 217 da Lei nº 8.112/90, contudo, “para sua surpresa e indignação”, o seu pedido de transferência da reparação econômica de caráter indenizatório fora indeferido, ao argumento de que não se enquadraria como dependente econômico da anistiada, porquanto não atendia a nenhuma das hipóteses do art. 217 da Lei nº 8.112/90. Invoca, em prol de sua tese, o art. 1º, II, da Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o art. 8º do ADCT. O juiz julgou procedente, em parte, o pedido do autor por entender que ele faz jus à indenização por danos morais no valor de R$ 100.00,00 (cem mil reais), e não no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) como pleiteado na inicial; bem como condenou a União ao pagamento da reparação econômica, decorrente da anistia política de sua genitora, em parcela única, no montante de R$ 181.720,00 (cento e oitenta e um mil, setecentos e vinte reais), nos moldes do Termo de Acordo de Id. 4058200.1985526. Nas suas razões, a União ratificou os argumentos lançados na inicial, suscitando a) sua ilegitimidade passiva para responder por danos morais sofridos pelo autor; b) arguindo a prescrição do fundo do direito, com fulcro nos artigos 1º e 3º do Decreto nº 20.910/32, quanto ao pedido de indenização por danos morais, posto que a genitora do autor faleceu em 12/08/1983, ao passo que o ingresso com a presente ação judicial apenas se deu quando já transcorridos mais de 33 anos.; c) afirmando que houve prescrição ainda que se considere o início do prazo prescricional como sendo o da edição da Lei nº 10.559/2002, que instituiu a reparação econômica para os anistiados políticos. Sustentando, caso superada a tese da prescrição do fundo de direito, que devem ser consideradas prescritas as parcelas reclamadas referentes ao quinquênio imediatamente anterior ao ajuizamento da presente ação. No mérito, aduz a necessidade de preexistência da condição de invalidez ao óbito do instituidor da pensão e ao advento da maioridade previdenciária. Sustenta que não há prova de que o autor era inválido antes da maioridade previdenciária, não tendo ele impugnado a decisão administrativa que declarou a condição de anistiada política de sua 365


mãe, logo, não caberia ao Judiciário majorar o montante da reparação econômica já estabelecida pelo Estado, a título de acréscimo por danos morais. Acresce que o art. 16 da Lei nº 10.559/2002 veda, expressamente, o pagamento cumulativo de quaisquer benefícios ou indenizações, com o mesmo fundamento. Assenta que o direito à indenização por danos morais estaria sujeito às normas gerais de responsabilidade civil do Estado. Defende que, no caso dos autos, não houve comprovação da responsabilidade direta e imediata de agentes do Poder Público no evento danoso, citando jurisprudência do STF. Contrarrazões apresentadas pelo autor, ao tempo em que interpôs recurso adesivo, sustentando que o valor dos danos morais deve ser elevado para R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Contrarrazões apresentadas pela União. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI (Relator): Pretende-se reformar a sentença que julgou procedente, em parte, o pedido, condenando o Ente Público a pagar ao autor indenização por danos morais no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), bem como ao pagamento da reparação econômica, decorrente da anistia política de sua genitora, em parcela única, no montante de R$ 181.720,00 (cento e oitenta e um mil, setecentos e vinte reais), nos moldes do Termo de Acordo de Id. 4058200.1985526, com juros e correção monetária calculados nos critérios e índices previstos no Manual de Cálculos da Justiça Federal. Considerando que o Supremo Tribunal Federal já firmou posicionamento de que a motivação referenciada per relationem não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais (HC 160.088 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 29/03/2019, Processo Eletrônico DJe-072, Public 0904-2019 e AI 855.829 AgR, Relator: Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, Public 10-12-2012), adoto como razões de decidir os termos da sentença, que passo a transcrever: 366


PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO Rejeito a preliminar de ilegitimidade passiva ad causam levantada pela União. Isso porque é a responsável direta nas ações em que se postula o pagamento da aposentadoria ou pensão excepcional de anistiados (posteriormente denominada de reparação econômica). Ademais, cabe ao Tesouro Nacional arcar com o pagamento de indenizações decorrentes de anistia política, conforme previsto pelo art. 3º da Lei 10.559/02, ainda que o ato danoso tenha sido praticado por pessoa diversa. PREJUDICIAL DE PRESCRIÇÃO DO FUNDO DO DIREITO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Não há que se falar em prescrição do fundo do direito de pleitear indenização por danos morais em ricochete (também nominados de danos morais indiretos ou reflexos, enquanto advindos do fato de ter vivenciado os sofrimentos impostos à mãe pelo regime militar), diferentemente do defendido pela União. Ora, as ações de reparação de danos decorrentes de perseguição política, durante o regime da ditadura militar são imprescritíveis (inclusive em relação aos familiares do perseguido político, caso dos autos) – tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas para deduzir suas pretensões em Juízo – não havendo que se falar no prazo prescricional quinquenal previsto pelo art. 1º do Decreto 20.910/32, mormente frente ao entendimento de que o advento da Lei 10.559/02 implicou renúncia tácita à prescrição. Na exata linha de intelecção supradelineada, trago a lume os recentíssimos julgados: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. UNIÃO FEDERAL. LEGITIMIDADE PASSIVA. SENTENÇA. FUNDAMENTAÇÃO. ADCT. ANISTIADO. IMPRESCRITIBILIDADE. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. MONTANTE ARBITRADO. 1. Não há que se falar em ilegitimidade passiva ad causam em relação à União Federal. Cabendo ao Tesouro Nacional arcar com o pagamento de indenizações decorrentes de anistia política, conforme previsto pelo art. 3º da Lei 10.559/02, a teor do que ora ocorre, é parte

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legítima na ação, ainda que o ato danoso tenha sido praticado por pessoa jurídica diversa. Precedentes. 2. Não se vislumbra a propalada ausência de fundamentação. Não obstante trate o REsp 1.485.260/PR – mencionado na sentença – de hipótese diversa, lá se tratando inclusive de violação à integridade física por parte de agentes estatais, a similaridade ocorre em razão de se tratar, em ambos os casos, de perseguição por motivos políticos durante o período de 18.09.1946 a 05.10.1988, nos termos do art. 2º da Lei 10.559/02. 3. Imprescritíveis as ações de reparação de danos decorrentes de perseguição política durante o regime da ditadura militar, não havendo que se falar no prazo prescricional quinquenal previsto pelo art. 1º do Decreto 20.910/32, bem como o entendimento de que o advento da Lei 10.559/02 implicou renúncia tácita à prescrição. Precedentes. 4. O autor foi participante de movimento grevista deflagrado em julho de 1983 na Petrobras, em represália, o autor veio a ser demitido em 07.07.1983; em 01.06.1985 procedeu-se à sua readmissão (fl. 18). A responsabilidade objetiva do Estado restou caracterizada por meio de decisão proferida em 26.11.2008 pela Comissão de Anistia do Ministério da Justiça (fls. 18, 92), ratificando a declaração de anistiado político em relação ao autor, Adilson Lanaro. Ademais, restou comprovado o caráter público da indevida sanção de demissão aplicada ao autor (fl. 30). 5. No tocante aos juros moratórios e atualização monetária em específico, considerando que ainda não houve pronunciamento expresso do egrégio Supremo Tribunal Federal quanto à constitucionalidade ou não do artigo 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09, entendo pela aplicação dos critérios insculpidos no Manual de Orientação para os Cálculos na Justiça Federal, em vigor por ocasião do julgado – especificamente, a Resolução 134/2010CJF, com as modificações introduzidas pela Resolução 267/2013-CJF, ou seja, “correção monetária, a partir de janeiro de 2001, deverá ser utilizado o IPCA-E mensal (IPCA-15 / IBGE). (...) [quanto aos juros] a partir de maio/2012 incide o mesmo percentual de juros inci368


dentes sobre a caderneta de poupança, capitalizados de forma simples (Art. 1º-F da Lei n° 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n° 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n° 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n° 567, de 3 de maio de 2012, convertida na Lei n° 12.703, de 7 de agosto de 2012, correspondentes a 0,5% ao mês, caso a taxa SELIC ao ano seja superior a 8,5%; 70% da taxa SELIC ao ano, mensalizada, nos demais casos”. Desse modo, assiste parcial razão à União Federal quanto aos juros moratórios, incidente o art. 1º-F da Lei n° 9.494, de 10 de setembro de 1997, com a redação dada pela Lei n° 11.960, de 29 de junho de 2009, combinado com a Lei n° 8.177, de 1º de março de 1991, com alterações da MP n° 567, de 3 de maio de 2012, convertida na Lei n° 12.703, de 7 de agosto de 2012). 6. Quanto ao valor da indenização, entendo ser razoável a majoração ao montante de R$ 100.000,00, valor que de fato é amiúde arbitrado nesta Corte, conforme observou o representante do Ministério Público Federal. Precedentes desta Corte. 7. Por fim, há de se observar que a fixação de indenização por dano moral em valor inferior ao requerido não configura procedência parcial do pedido, conforme Súmula 326/STJ. 8. Apelo da parte autora provido. 9. Apelo da União Federal parcialmente provido. (Ap 00146059020134036105, DESEMBARGADOR FEDERAL MARCELO SARAIVA, TRF3 - QUARTA TURMA, e-DJF3 Judicial 1, DATA: 16/04/2018. FONTE_REPUBLICAÇÃO:.) CONSTITUCIONAL. ANISTIA POLÍTICA. PERÍODO DA DITADURA MILITAR. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. INDENIZAÇÃO. DANOS MORAIS. DANOS MATERIAIS. CABIMENTO. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. FIXAÇÃO. PRESCRIÇÃO AFASTADA. ILEGITIMIDADE PASSIVA E INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. PRELIMINARES REJEITADAS. I - Inicialmente, não há que se falar em ilegitimidade passiva da União Federal e/ou incompetência absoluta 369


da Justiça Federal, tendo em vista que, embora seja empregado público, a parte autora pretende obter reparação de danos decorrentes de sua demissão por motivação política, a qual, por sua vez, teve como origem atos do Poder Executivo federal, não estando a pretensão autoral, portanto, vinculada à relação trabalhista. Preliminares rejeitadas. II - A superveniência da Lei 10.559/02, que regulamentou o disposto no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias - ADCT, constitui renúncia tácita à prescrição, porquanto passou a reconhecer, por meio de um regime próprio, direito à reparação econômica de caráter indenizatório aos anistiados políticos. Prejudicial de mérito relativa à prescrição rejeitada. III - Com vistas no princípio da responsabilidade civil objetiva do Estado, com apoio na Teoria do Risco Administrativo, afigura-se cabível indenização por dano moral e/ou material a anistiado político e/ou a dependente, a quem foi infligido tratamento que atingiu as suas esferas física e psíquica, resultando, daí, na violação de direitos constitucionalmente garantidos e protegidos (CF, art. 5º, X). Assim, comprovado o nexo de causalidade entre o dano e a atuação estatal, incide a regra prevista no art. 37, § 6º, da Carta Política Federal de 1988. IV - Esta egrégia Corte Federal possui entendimento jurisprudencial no sentido de que “o pagamento de indenização pelo dano injusto derivado do atraso injustificado na reintegração de servidor ao serviço público, por força da ‘anistia’ a que alude a Lei nº 8.878/94, tomando-se por referência, para fins de definição do quantum indenizatório, o valor correspondente aos vencimentos a que faria jus no período em que deveria ter sido reintegrado, não caracteriza violação ao art. 6º de referida Lei, por não se tratar de pagamento retroativo de remuneração, mas apenas parâmetro de fixação do dano material suportado pelo suplicante”. (AR 0003034-56.2016.4.01.0000 / DF, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TERCEIRA SEÇÃO, e-DJF1 de 08/05/2017) V - Ademais, no que tange ao arbitramento da verba honorária, a sentença monocrática merece corrigenda,

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na medida em que é aplicável à condenação contra a Fazenda Pública a regra do § 4º do art. 20 do então vigente CPC, arbitrando-se equitativamente a verba honorária. Há de se registrar, ainda, que o Supremo Tribunal Federal, em julgamento, perante o Tribunal Pleno, do Agravo Regimental na Ação Rescisória nº 1.937/DF, realizado em 30/06/2017, decidiu que, após as Emendas Constitucionais 45/2004, 74/2013 e 80/2014, houve mudança da legislação correlata à Defensoria Pública da União, permitindo a condenação da União em honorários advocatícios em demandas patrocinadas por aquela instituição de âmbito federal, diante de sua autonomia funcional, administrativa e orçamentária. VI - Em sendo assim, na espécie, com vistas nos parâmetros previstos nas alíneas a, b e c do § 3º do aludido dispositivo legal, atentando-se para a importância da causa, a natureza da demanda, o princípio da razoabilidade, bem como respeitando o exercício da nobre função e o esforço despendido pelo ilustre defensor da parte autora, afigura-se razoável a quantia de R$ 10.000,00 (dez mil reais), a título de honorários advocatícios. VII - Remessa oficial e apelação da União Federal parcialmente providas, apenas para reduzir a verba honorária para R$ 10.000,00 (dez mil reais), confirmando a sentença monocrática em seus demais termos. (AC https://arquivo.trf1.jus.br/PesquisaMenuArquivo. asp?p1=00255254520124013800, DESEMBARGADOR FEDERAL SOUZA PRUDENTE, TRF1 - QUINTA TURMA, e-DJF1 DATA: 03/04/2018, PÁGINA:.) Prejudicada a análise da alegação de prescrição quinquenal das parcelas, eis que os pedidos formulados pelo autor – a saber, reparação econômica, em parcela única e indenização por danos morais – não envolvem prestação de trato sucessivo. DO MÉRITO A discussão gira em torno da existência de direito de filho de anistiada política – Margarida Maria Alves, líder sindical rural que teria sido brutalmente assassinada em 1983 – à transferência da reparação econômica prevista na Lei nº 371


10.559/2002 e à indenização por danos morais decorrentes de atos de exceção, no período de 18/09/1946 até a promulgação da Carta Maior. DO DIREITO À REPARAÇÃO ECONÔMICA A anistia e a reparação econômica dos eventuais abusos cometidos durante o regime militar recebeu tratamento constitucional no art. 8º do ADCT: Art. 8º. É concedida anistia aos que, no período de 18 de setembro de 1946 até a data da promulgação da Constituição, foram atingidos, em decorrência de motivação exclusivamente política, por atos de exceção, institucionais ou complementares, aos que foram abrangidos pelo Decreto Legislativo nº 18, de 15 de dezembro de 1961, e aos atingidos pelo Decreto-Lei nº 864, de 12 de setembro de 1969, asseguradas as promoções, na inatividade, ao cargo, emprego, posto ou graduação a que teriam direito se estivessem em serviço ativo, obedecidos os prazos de permanência em atividade previstos nas leis e regulamentos vigentes, respeitadas as características e peculiaridades das carreiras dos servidores públicos civis e militares e observados os respectivos regimes jurídicos. (Regulamento) § 1º - O disposto neste artigo somente gerará efeitos financeiros a partir da promulgação da Constituição, vedada a remuneração de qualquer espécie em caráter retroativo. § 2º - Ficam assegurados os benefícios estabelecidos neste artigo aos trabalhadores do setor privado, dirigentes e representantes sindicais que, por motivos exclusivamente políticos, tenham sido punidos, demitidos ou compelidos ao afastamento das atividades remuneradas que exerciam, bem como aos que foram impedidos de exercer atividades profissionais em virtude de pressões ostensivas ou expedientes oficiais sigilosos. § 3º - Aos cidadãos que foram impedidos de exercer, na vida civil, atividade profissional específica, em decorrência das Portarias Reservadas do Ministério da Aeronáutica nº S-50-GM5, de 19 de junho de 1964, e nº S-285-GM5 será concedida reparação de natureza 372


econômica, na forma que dispuser lei de iniciativa do Congresso Nacional e a entrar em vigor no prazo de doze meses a contar da promulgação da Constituição. § 4º - Aos que, por força de atos institucionais, tenham exercido gratuitamente mandato eletivo de vereador serão computados, para efeito de aposentadoria no serviço público e previdência social, os respectivos períodos. § 5º - A anistia concedida nos termos deste artigo aplica-se aos servidores públicos civis e aos empregados em todos os níveis de governo ou em suas fundações, empresas públicas ou empresas mistas sob controle estatal, exceto nos Ministérios militares, que tenham sido punidos ou demitidos por atividades profissionais interrompidas em virtude de decisão de seus trabalhadores, bem como em decorrência do Decreto-Lei nº 1.632, de 4 de agosto de 1978, ou por motivos exclusivamente políticos, assegurada a readmissão dos que foram atingidos a partir de 1979, observado o disposto no § 1º. A Lei 10.559/2002 regulamentou o texto constitucional e cuidou, em seu art. 3º, da reparação econômica de caráter indenizatório: DA REPARAÇÃO ECONÔMICA DE CARÁTER INDENIZATÓRIO Art. 3° A reparação econômica de que trata o inciso II do art. 1° desta Lei, nas condições estabelecidas no caput do art. 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, correrá à conta do Tesouro Nacional. §1º A reparação econômica em prestação única não é acumulável com a reparação econômica em prestação mensal, permanente e continuada. § 2º A reparação econômica, nas condições estabelecidas no caput do art. 8° do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, será concedida mediante portaria do Ministro de Estado da Justiça, após parecer favorável da Comissão de Anistia de que trata o art. 12 desta Lei. O artigo 13 da Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o artigo 8º do ADCT, estabelece: “No caso de falecimento do anistiado político, o direito à reparação econômica transfere-se 373


aos seus dependentes, observados os critérios fixados nos regimes jurídicos dos servidores civis e militares da União”. Como se vê, a Lei nº 10.559/2002, para efeito de transferência da reparação econômica concedida ao anistiado, que veio a falecer, elegeu como critério: os dependentes do anistiado, e, não, os herdeiros. Tendo em vista que a referida norma não estabeleceu, expressamente, quem seriam os dependentes do anistiado político, deve-se observar a lei de regência do servidor público civil ou militar, conforme a condição do anistiado. Na situação da causa, o regime jurídico a ser observado é o do servidor civil em vigor na data do óbito da anistiada, mãe do autor (1983), que era o da Lei 1.711/52, arts. 161 e 256, regulamentados pela Lei 3.372/58, art. 4º e art. 5º, inc. II, alínea a, que, para efeito de concessão de pensão ao filho, dava o mesmo tratamento que o REJUR atual, a saber, o direito à pensão temporária até os 21 anos de idade ou, se incapaz, enquanto perdurar a incapacidade. Pela análise do conjunto probatório carreado aos autos, verifica-se que o autor comprovou preencher o requisito necessário à qualificação de dependente da anistiada política civil pos mortem, qual seja: a dependência econômica em relação à genitora, no momento do óbito desta (1983, conforme certidão de óbito Id. 4058200.2163344 - Pág. 5/12), na medida em que nasceu em 1975. Logo, tinha 8 anos de idade, na data do óbito da genitora anistiada (menor de 21 anos), ostentando, assim, o status de dependente daquela, não havendo que se falar, portanto, em necessidade de enquadramento do autor como filho maior inválido, diferentemente do defendido pela União, tanto na seara administrativa como nesta via judicial. A propósito, observo que o Processo Administrativo SEI nº 03000.003698/2016/89 enveredou pela busca da condição de dependente do autor, sob um viés equivocado, provavelmente porque no requerimento administrativo, Id. 4058200.2163344, Pág. 6 e 7/12, o autor fez referência à sua condição de saúde atual. No entanto, para efeito de análise do benefício, há de se considerar a condição por si ostentada, na data do óbito da anistiada. Dessa maneira, o autor faz jus à transferência pretendida, em parcela única, 374


nos moldes fixados no Termo de Adesão contido neste PJe (Id. 4058200.1985526 - Pág. 1/2). DO DIREITO À INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS Já no tocante à pretensão de indenização por danos morais, sobressai anotar a jurisprudência firmada pelo Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “tratando-se de ato de anistia, em razão de perseguição política, é cabível a cumulação da reparação econômica com a indenização por dano moral, pois são verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades distintas. A propósito: AgInt no AREsp 915.872/ SP, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 22/05/2017; e AgInt no REsp 1.652.397/RS, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, Segunda Turma, DJe 14/09/2017. 2. Agravo interno não provido”. (Trecho extraído do recentíssimo precedente Acórdão Número 2016.03.07628-0, AIRESP - AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL - 1.639.333, Relator(a) BENEDITO GONÇALVES, STJ, PRIMEIRA TURMA, Data: 04/10/2018, DJe DATA: 10/10/2018) Doutra banda, registre-se que o direito à indenização por danos morais ostenta caráter patrimonial, sendo, portanto, transmissível ao cônjuge e aos herdeiros do de cujus, caso do ora autor, filho único (logo, não há que se falar em eventual rateio com outros herdeiros, vide certidão de óbito Id. 4058200.2163344, Pág. 5 e 8/12) da anistiada política. Nessa linha de intelecção, trago a lume recente precedente da Corte Especial: EMEN: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REGIME MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE. 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n° 2). 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte, o direito à indenização por danos morais ostenta caráter patrimonial, sendo, portanto, transmissível ao cônjuge e aos herdeiros do de cujus. 375


3. O prazo quinquenal previsto no Decreto n° 20.910/1932 é inaplicável às ações que objetivam reparação por danos morais ocasionados por torturas sofridas durante o período do regime militar, demandas que são imprescritíveis, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas para deduzir suas pretensões em juízo. 4. Manifestamente improcedente a irresignação, é de rigor a aplicação da sanção prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. 5. Agravo interno desprovido, com imposição de multa. (STJ, Acórdão nº 2015.01.20239-7, AINTARESP AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 711.976, Relator(a) GURGEL DE FARIA, Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA, Data: 03/05/2018, DJe DATA: 12/06/2018) Tenho que reconhecida administrativamente a condição de anistiada (vide Portaria Id. 4058200.2163344, Pág. 2/12) – surge como corolário a indenização, conforme autorizam dispositivos do Código Civil (arts. 12, 186, 187 e 402, c/c art. 927 do CC) e o art. 5º, incs. V e X, c/c o parágrafo 6º do art. 37 da própria Carta Magna. Nessa linha de raciocínio, manifestamente contraditório o comportamento do ente público – a vulnerar a boa-fé objetiva – reconhecer a perseguição, mas negar a indenização. Com efeito, dos atos de exceção sofridos pela genitora – e reconhecidos administrativamente, enquanto declarada pela própria Administração a condição de anistiada política post mortem daquela (portanto, a demanda não suscita controvérsia quanto à tal situação fática – vide Portaria Ministerial Id. 4058200.2163344, Pág. 2/12) – exsurge a responsabilidade civil do Estado, nos termos do art. 37, parágrafo 6º, da CRFB/88. Cai por terra, então, a tese defensiva no sentido de que “não foi comprovado, sequer demonstrado, que os infortúnios de que foi vítima o autor tenham sido causados por agente público ligado a este ente público, não havendo motivo, portanto, para que a pretensão seja dirigida a esta pessoa jurídica de direito público”. Doutra banda, repise-se que a condição de dependente (já, frise-se, comprovada pelo autor neste PJe), exigida pela comissão de anistia para indenizar os filhos do anistiado 376


falecido anteriormente à lei, não se apresenta como requisito para demandar a reparação patrimonial pelos danos sofridos pela genitora, sob a ótica do Direito Civil, pois para tanto bastaria a qualidade de herdeiro. Assim, em sendo, concomitantemente, dependente e herdeiro da anistiada, insofismável sua legitimidade para a percepção da indenização em foco. No que respeita à fixação do quantum debeatur, como não se pode reparar o dano moral sofrido e, sim, compensá-lo por meio de benefício de ordem material, inexistindo parâmetros legais para seu cálculo, resta decidir o montante cabível, de acordo com a prudente valoração, considerando para o cálculo os princípios que norteiam o dano moral (posição social do ofendido, capacidade econômica do causador do dano, extensão da dor sofrida etc), de modo que este guarde uma correspondência entre a ofensa e o valor fixado, evitando-se o enriquecimento sem causa da vítima e, ao mesmo tempo, penalizando pedagogicamente o causador do dano. In casu, extrai-se do acervo probatório que a genitora do autor, Margarida Maria Alves, ex-Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Alagoa Grande/PB, sindicalista e defensora dos direitos humanos na Paraíba, foi, de fato, brutalmente assassinada durante o período de ditadura militar (1983), tendo tal fato sido reconhecido pela administração pública como decorrente de motivação eminentemente política, diante do seu reconhecimento administrativo como anistiada política. Logo, observado o princípio da razoabilidade, bem como o fato de que a vida humana é o bem jurídico de maior hierarquia em nossa ordem jurídica que, no caso da anistiada, foi ceifada, não havendo maior expressão de dano moral que a vivenciada pelo autor, aos oito anos de idade, com a perda da genitora, que fixo em R$ 100.000,00 (cem mil reais) o montante da indenização pelo dano moral a ser percebido pelo filho único de Margarida Maria Alves, sem prejuízo do seu direito, por transferência, à percepção da reparação econômica conferida à anistiada, na ordem de R$ 181.720,00 (cento e oitenta e um mil, setecentos e vinte reais).

Corroborando esse entendimento, trago à baila julgados do STJ, in verbis:

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PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. OFENSA AO ART. 1.022 DO CPC/2015 NÃO CARACTERIZADA. ANISTIA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PERSEGUIÇÃO POLÍTICA OCORRIDA DURANTE O REGIME MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. INAPLICABILIDADE DO ART. 1º DO DECRETO 20.910/1932. ACUMULAÇÃO DE REPARAÇÃO ECONÔMICA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. POSSIBILIDADE. MOTIVAÇÃO POLÍTICA NÃO COMPROVADA NAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS. IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE FATOS E PROVAS NA INSTÂNCIA EXTRAORDINÁRIA. EMBARGOS DECLARATÓRIOS CONSIDERADOS PROTELATÓRIOS, PELO TRIBUNAL DE ORIGEM. REEXAME DE PROVAS.IMPOSSIBILIDADE. SÚMULA 7 DO STJ. 1. Constata-se que não se configura a ofensa ao art. 1.022 do CPC/2015, uma vez que o Tribunal de origem julgou integralmente a lide e solucionou a controvérsia, em conformidade com o que lhe foi apresentado. 2. No que concerne à questão da prescrição, a jurisprudência do STJ está pacificada no sentido de que a prescrição quinquenal, disposta no art. 1º do Decreto 20.910/1932, é inaplicável aos danos decorrentes de violação de direitos fundamentais, que são imprescritíveis, principalmente quando ocorreram durante o Regime Militar, época na qual os jurisdicionados não podiam deduzir a contento as suas pretensões. 3. A Lei 10.559/2002 proíbe a acumulação de: a) reparação econômica em parcela única com reparação econômica em prestação continuada (art. 3º, § 1º); b) pagamentos, benefícios ou indenizações com o mesmo fundamento, facultando-se ao anistiado político, nesta hipótese, a escolha da opção mais favorável (art. 16). 4. Inexiste vedação para a acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto se trata de verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas: aquela visa à recomposição patrimonial (danos emergentes e lucros cessantes), ao passo que esta tem por escopo a tutela da integridade moral, expressão dos direitos da personalidade. 5. Com relação ao preenchimento dos requisitos para a concessão do benefício, melhor sorte não assiste à parte.

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Isso porquanto o acórdão recorrido entendeu tratar-se de prisão com motivação exclusivamente política, não podendo este Tribunal, em recurso especial, alterar tal entendimento, o que exige revolvimento de matéria fática e probatória. Incide, portanto, o óbice da Súmula n° 7/STJ. 6. Modificar a conclusão a que chegou a Corte de origem, de modo a acolher a tese da recorrente de que “não há caráter protelatório nos embargos declaratórios opostos (...)”, demanda o reexame do acervo fático-probatório dos autos, inviável em recurso especial, sob pena de violação da Súmula 7 do STJ: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”. 7. Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa parte, não provido. (REsp 1.783.581/RS, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/03/2019, DJe 01/07/2019) PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. ANISTIA POLÍTICA. DIREITOS FUNDAMENTAIS. OFENSA OCORRIDA, EM TESE, DURANTE O REGIME DE GOVERNO MILITAR. IMPRESCRITIBILIDADE. PRECEDENTES. 1. A jurisprudência desta Corte firmou compreensão segundo a qual os danos decorrentes de violação de direitos fundamentais ocorridos durante o Regime Militar são imprescritíveis. A propósito: REsp 1.565.166/PR, Rel. Min. Regina Helena Costa, Primeira Turma, DJe 2/8/2018; REsp 1.664.760/RS, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 30/6/2017. 2. A alegação segundo a qual deve ser reconhecida a prescrição, porque o direito foi transmitido aos herdeiros, nem sequer foi debatida pela Corte de origem ou apresentada em sede de contrarrazões ao apelo especial, razão por que traduz inovação recursal. 3. Agravo interno não provido. (AgInt no REsp 1.602.586/PE, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/02/2019, DJe 12/02/2019) PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. REGIME MILITAR. ANISTIA POLÍTICA. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CUMULAÇÃO COM REPARAÇÃO ECONÔ-

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MICA. POSSIBILIDADE. HERDEIROS. LEGITIMIDADE. PRESCRIÇÃO. INAPLICABILIDADE. 1. O Plenário do STJ decidiu que “aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça” (Enunciado Administrativo n° 2). 2. De acordo com a jurisprudência do STJ, inexiste vedação de acumulação da reparação econômica com indenização por danos morais, porquanto elas constituem verbas indenizatórias com fundamentos e finalidades diversas, conforme foi decidido na origem. 3. Esta Corte já assentou que o direito à indenização por danos morais ostenta caráter patrimonial, sendo, portanto, transmissível ao cônjuge e os herdeiros do de cujus. 4. O prazo quinquenal previsto no Decreto n° 20.910/1932 é inaplicável às ações que objetivam reparação por danos morais ocasionados por torturas sofridas durante o período do regime militar, demandas que são imprescritíveis, tendo em vista as dificuldades enfrentadas pelas vítimas para deduzir suas pretensões em juízo. 5. Manifestamente improcedente a irresignação, é de rigor a aplicação da sanção prevista no art. 1.021, § 4º, do CPC/2015. 6. Agravo interno desprovido, com aplicação de multa. (AgInt no REsp 1.569.337/SP, Rel. Ministro GURGEL DE FARIA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 03/05/2018, DJe 15/06/2018)

Quanto ao recurso adesivo do autor, requerendo o aumento dos danos morais para o valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais); penso que deve ser majorado para R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais), por ser um valor mais consentâneo com o sofrimento do autor, diante do fato de a sua genitora ter sido brutalmente assassinada, durante o período de ditadura militar (1983), decorrente de motivação eminentemente política. No tocante à forma de atualização dos valores atrasados, o egrégio Plenário do STF, nos autos do recurso paradigma RE 870.947/SE, declarou a inconstitucionalidade do artigo 1º-F da Lei

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9.494/97, com a redação dada pela Lei 11.960/09, na parte em que disciplinou a atualização monetária segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança - TR, para as condenações impostas à Fazenda Pública oriundas de relação jurídica não tributária. O STJ, por sua vez, em sede de recurso repetitivo (REsp 1.495.146/MG) corroborou a tese de que nas condenações impostas à Fazenda Pública referentes a servidores e empregados públicos, é perfeitamente aplicável o índice previsto no Manual de Cálculos da Justiça Federal para o cálculo da correção monetária das parcelas devidas (IPCA-E). A decisão que conferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais, em face do acórdão proferido nos autos do RE nº 870.947/SE, que resolveu o Tema de Repercussão Geral nº 810, apenas desobrigou os órgãos judicantes que tenham entendimento divergente de aplicarem a tese nele consagrada, antes do trânsito em julgado do acórdão paradigma; não os impedindo, por outro lado, de decidirem a matéria em sintonia com aquele julgado, caso reflita a sua compreensão sobre a matéria. Forrado nessas razões, dou provimento, em parte, ao recurso adesivo do particular, para majorar o valor dos danos morais para R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais); e nego provimento à apelação da União. Condenação da União/apelante ao pagamento de honorários recursais, previstos no art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, devendo a verba honorária ser majorada de 8% (oito por cento) para 9% (nove por cento) sobre o valor da condenação. É como voto.

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ÍNDICE SISTEMÁTICO


JURISPRUDÊNCIA DO PLENO Desembargador Federal Lázaro Guimarães Ação Rescisória nº 0801692-58.2019.4.05.0000-PE (PJe)....... 11 Desembargador Federal Lázaro Guimarães Embargos Infringentes e de Nulidade nº 0000314-74.2015.4.05.8202-PB (PJe)....................................... 19 Desembargador Federal Vladimir Carvalho Agravo Regimental Cível nº 0803904-86.2016.4.05.8300-PE (PJe)....................................... 26 Desembargador Federal Vladimir Carvalho Agravo Regimental Cível nº 0809028-50.2016.4.05.8300-PE (PJe)....................................... 31 Desembargador Federal Paulo Cordeiro Procedimento Investigatório do Ministério Público n° 236-CE... 36 Desembargador Federal Cid Marconi Embargos Infringentes e de Nulidade nº 0000804-65.2016.4.05.8201-PB (PJe)....................................... 46 Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior Ação Rescisória nº 0808442-81.2016.4.05.0000-PB (PJe)....... 65 Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior Conflito de Competência nº 0817657-13.2018.4.05.0000-CE (PJe)...................................... 74 Desembargador Federal Leonardo Carvalho Embargos Infringentes nº 0802118-21.2013.4.05.8200-PB (PJe)....................................... 79 JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA Desembargador Federal Roberto Machado Apelação Cível nº 0815637-44.2019.4.05.8300-PE (PJe)......... 89 383


Desembargador Federal Alexandre Luna Freire Apelação Criminal nº 12331-PE............................................... 102 Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Apelação Cível nº 0006366-28.2006.4.05.8000-AL (PJe)........ 157 JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima Apelação Cível nº 0006622-78.2014.4.05.8100-CE (PJe)....... 194 Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima Apelação Cível nº 0800600-67.2016.4.05.8401-RN (PJe)....... 200 Desembargador Federal Paulo Cordeiro Agravo de Instrumento n° 0804812-12.2019.4.05.0000-CE (PJe).................................... 205 Desembargador Federal Leonardo Carvalho Apelação Cível nº 0805949-54.2016.4.05.8400-RN (PJe)....... 216 JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira Apelação Cível nº 0809128-61.2018.4.05.8000-AL (PJe)........ 226 Desembargador Federal Fernando Braga Apelação Cível nº 0803795-49.2019.4.05.8500-SE (PJe)....... 247 Desembargador Federal Fernando Braga Apelação Criminal nº 0812466-41.2017.4.05.8400-RN (PJe).................................... 254 Desembargador Federal Cid Marconi Agravo de Instrumento nº 0815916-98.2019.4.05.0000-PE (PJe)..................................... 268

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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt Apelação Criminal n° 0000798-80.2015.4.05.8302-CE (PJe) ................................... 277 Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior Apelação Criminal n° 0002601-91.2012.4.05.8500-SE (PJe)..................................... 284 Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior Recurso em Sentido Estrito nº 2455-PE.................................. 293 Desembargador Federal Rubens Canuto Apelação Criminal nº 14855-AL................................................. 295 JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS AMPLIADAS Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt Apelação / Remessa Necessária nº 0814888-50.2016.4.05.8100-CE (PJe)...................................... 307 Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira Agravo de Instrumento nº 0808826-39.2019.4.05.0000-PE (PJe)..................................... 312 Desembargador Federal Roberto Machado Apelação Cível nº 0808110-51.2018.4.05.8308-PE (PJe)....... 318 Desembargador Federal Rubens Canuto Apelação / Remessa Necessária nº 0807776-26.2018.4.05.8305-PE (PJe)..................................... 325 Desembargador Federal Alexandre Luna Freire Apelação Cível nº 0800077-87.2018.4.05.8303-PE (PJe) ...... 336 Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Apelação Cível nº 0807987-44.2018.4.05.8311-PE (PJe)....... 353 385


JULGAMENTO HISTÓRICO Desembargador Federal Cid Marconi Apelação Cível nº 0809435-31.2017.4.05.8200-PB (PJe)....... 360

ÍNDICE ANALÍTICO


A Ct

Ct e PrCv

Ct e Adm

Cv e PrCv

Ação coletiva. Ausência de legitimidade da associação. Ausência de autorização do município associado. Interrupção da prescrição em relação ao município em posterior ação individual. Impossibilidade. Agravo improvido. AGREGCV 080902850.2016.4.05.8300-PE (PJe)......................31 Ação popular proposta com o fim de suspender/anular o pagamento de ajuda de custo para parlamentares federais reeleitos. Ausência de despesas com mudança e transporte. Art. 1º, § 1º, do Decreto Legislativo nº 276/2014. Litispendência reconhecida. AC 0803795-49.2019.4.05.8500-SE (PJe).......247 Anistia política. Prescrição. Inocorrência. Acumulação da reparação econômica prevista na Lei nº 10.559/2002 com indenização por danos morais. Possibilidade. AC 0809435-31.2017.4.05.8200-PB (PJe).......360 Apelação em embargos de terceiros. Bens indisponibilizados ante o cumprimento de sentença por ato de improbidade administrativa em face do cônjuge da embargante. Maioria dos imóveis conscritos destinada a atividades comerciais ou investimentos. Respeito à meação garantido pela sentença. Honorários advocatícios. Ajuste. Improvimento do recurso. AC 080060067.2016.4.05.8401-RN (PJe)......................200 C

Pen e PrPen

Calúnia, injúria e denunciação caluniosa. Incidente de insanidade. Inimputabilidade 387


Trbt

PrCv

do réu. Sentença absolutória imprópria. Medida de segurança. Internamento em hospital de custódia. Medida mais gravosa. Periculosidade do agente não verificada. Idosa com 67 anos de idade. Laudo recomendando tratamento ambulatorial. Provimento à apelação. ACR 000260191.2012.4.05.8500-SE (PJe)......................284 Cancelamento administrativo das certidões de dívida ativa antes do manejo da exceção de pré-executividade. Extinção da execução fiscal. Ausência de pretensão resistida. Exclusão dos honorários de sucumbência. Recurso provido. APELREEX 081488850.2016.4.05.8100-CE (PJe)......................307 Concurso público. Posse e investidura. Formação exigida de nível técnico. Candidata concluinte em nível superior da mesma área. Documento novo. Diploma. Não configuração. AR 0808442-81.2016.4.05.0000PB (PJe).....................................................65

PrCv

Conflito negativo de competência. Juizado Especial Federal x Vara Federal comum. Ação de consignação em pagamento. Valor da causa. Compatibilidade de ritos. CC 0817657-13.2018.4.05.0000-CE (PJe).......74 Adm e Consum Contratos imobiliários incluídos no Programa “Minha Casa, Minha Vida”. Cobrança de taxas de corretagem e de administração. O eminente Ministro do STJ Paulo de Tarso Sanseverino, no julgamento da Medida Cautelar 25.323/SP, em 16/12/2015, determinou a suspensão de todos os processos, em todo país, inclusive em primeiro grau,

388


em que se discutiam questões de direito sujeitas ao julgamento do REsp 1.551.956/ SP. AR 0801692-58.2019.4.05.0000-PE (PJe)...........................................................11 Pen e PrPen

Crime de redução à condição análoga à de escravo e crime de tortura. Decisão absolutória. Oitivas devidamente analisadas no juízo a quo e que não autorizam uma condenação criminal. Apelo do Parquet federal a que se nega provimento. Manutenção da decisão apelada. ACR 000079880.2015.4.05.8302-CE (PJe)......................277

Pen e PrPen

Crimes de roubo majorado em continuidade. Divergência em parte do acórdão. Análise do Tribunal restrita à parte divergente. Inconformismo quanto à condenação pela prática do crime de sequestro e cárcere privado. Pedido de prevalência do voto-vencido para a aplicação da causa de aumento de pena prevista no art. 157, § 2º, V, do Código Penal. Privação desnecessária da liberdade das vítimas. Sequestro de pessoas sem correlação com o crime de roubo. Agentes que já possuíam reféns para assegurar a fuga. Grande lapso temporal da privação da liberdade. Condenação pelo delito previsto no artigo 148 do Código Penal mantida. Prevalência do voto-vencedor. ENUL 0000804-65.2016.4.05.8201-PB (PJe)...........................................................46 E Trbt

Embargos à execução fiscal. Imposto de Renda Pessoa Física. Glosas relativas à pensão alimentícia. Descabimento. Pagamentos comprovados durante a instrução 389


PrCv e Trbt

PrCv

Ct e Adm

PrPen

processual. Ausência de fato gerador. Nulidade do lançamento suplementar. Vício que macula a posterior confissão de débitos para efeito de parcelamento. Possibilidade de revisão judicial. AC 0006622-78.2014. 4.05.8100-CE (PJe)....................................194 Embargos de terceiro. Fraude à execução. Imóvel alienado após a inscrição do débito em dívida ativa e o ajuizamento da demanda executiva. Critérios objetivos. Entendimento da corte uniformizadora. Efeito vinculante. Honorários recursais. Beneficiário da assistência judiciária gratuita. Apelo desprovido. AC 0807987-44.2018.4.05.8311-PE (PJe)..353 Ente público que alega erro na subsunção da hipótese jurídica aos fatos na medida em que o polo ativo não teria necessitado de fichas financeiras para mover a execução. Argumento que não encontra amparo nos fatos da lide. Acórdão deste e. Tribunal que julgou a apelação destacando que a associação exequente precisou recorrer ao ente público para obter tais documentos. Agravo interno não provido. AGREGCV 080390486.2016.4.05.8300-PE (PJe)......................26 Estrangeiro. Visto de permanência expirado. Aplicação de multa. Art. 109, II, da Lei 13.445/2017. Base legal: esgotamento do prazo legal de permanência no país. Agravo improvido. AGTR 0815916-98.2019. 4.05.0000-PE (PJe)....................................268 Ex-prefeita acusada do crime de ocultação de documento. Procedimento licitatório não encontrado pelo sucessor. Busca e apreensão que restou infrutífera. Condenação 390


lastreada em presunção. Impossibilidade. Voto-vencido. Prevalência. Embargos providos. ENUL 0000314-74.2015.4.05.8202-PB (PJe)...........................................................19 F Ct, Pen e PrPen Furto qualificado. Débito em conta bancária via internet. Autoria e materialidade. Dosimetria. Proporcionalidade. Apelações. Desprovimento. ACR 12331-PE.................102 I Trbt

Impugnação de ato judicial denominado decisão. Sentença que extinguiu a execução fiscal. Fungibilidade. Conhecimento como apelação. Honorários. Autonomia entre a execução fiscal e os embargos à execução. Dupla condenação em honorários advocatícios. Impossibilidade. Mesmos fatos e fundamentos jurídicos. Apelação improvida. AGTR 0808826-39.2019.4.05.0000-PE (PJe)............................................................312 L Ct, Adm e Amb Lançamento de esgoto in natura na orla marítima de Maceió. Legitimidade ativa da União. Danos ao bem público da União. Responsabilidade por danos ambientais. Casal. Dever de construir e explorar serviços de abastecimento de água e saneamento. Responsabilidade pelas ligações irregulares. Confissão. Auto de infração. Culpa de terceiro. Não ocorrência. Impactos ambientais. Nexo causal entre conduta do Município de Maceió/AL e danos ambientais. Omissão no dever de fiscalizar. 391


Responsabilidade do Estado de Alagoas. Limites da responsabilidade definidos na execução. Efetividade da decisão judicial. Obrigação de reparar áreas afetadas pela ação de particulares. Conhecimento do fato pela Casal. Ausência de violação da separação dos poderes. Não provimento. AC 0006366-28.2006.4.05.8000-AL (PJe)..157 M

Adm Adm

Magistério de nível superior. Remoção. Peculiaridades. Apelação. Provimento. AC 0800077-87.2018.4.05.8303-PE (PJe).......336 Militar da reserva remunerada. Pensão de segundo sargento deixada aos filhos maiores e inválidos. Voto vencedor que garante a opção pela pensão de segundo tenente. Pretensão recursal de fazer prevalecer o voto vencido que veda a opção ao militar de carreira que segue no serviço castrense após as operações bélicas. Exegese do art. 1º da Lei nº 5.315/67. Provimento. Improcedência da ação. EINF 080211821.2013.4.05.8200-PB (PJe)......................79 N

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Nulidade de fiança. Outorga uxória. Ausência. Atividade profissional. Garantia da meação do cônjuge. Parcial provimento. AC 0808110-51.2018.4.05.8308-PE (PJe).......318 P

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Peculato e peculato culposo. Desvio de documento. Certificado de Registro de Licenciamento de Veículo. Ausência de signi392


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ficação patrimonial. Atipicidade da conduta. Absolvição. Apelações dos réus providas. Apelo do Ministério Público Federal prejudicado. ACR 14855-AL...............................295 Pedido de isenção de IPI na aquisição de veículo automotor. Óbice ao processamento no sistema eletrônico da Receita Federal do Brasil. Exigência de restrição na Carteira Nacional de Habilitação. Ofensa ao princípio da legalidade. Laudo médico que atesta a deficiência física do impetrante. Direito ao processamento do pedido. Apelação provida. Concessão parcial da segurança. AC 0815637-44.2019.4.05.8300-PE (PJe).......89 Pedido de suspensão de ordem de despejo, formulado em ação civil pública de desapropriação indireta c/c pedido de regularização fundiária. Terreno ocupado pela Comunidade Açaí. Propriedade da Universidade Federal do Ceará. Posse de boa-fé por cinco anos não caracterizada. Área pública irregularmente ocupada. Mera detenção. Incabimento da tutela. AGTR 0804812-12.2019.4.05.0000-CE (PJe).......205 Pensão por morte. Servidor do Banco Central. Escritura de divórcio consensual. Ex-cônjuge que recebia pensão alimentícia. Rateio com a companheira em partes iguais. Possibilidade. AC 0805949-54.2016. 4.05.8400-RN (PJe)....................................216 PIS e COFINS. Exclusão do valor correspondente ao ICMS da base de cálculo do PIS e da COFINS. Exclusão do valor correspondente ao ICMS - ST (substituição tributária) e do ICMS destacado na nota 393


Pen Pen e PrPen

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fiscal. Declaração do direito à compensação. Possibilidade. APELREEX 080777626.2018.4.05.8305-PE (PJe)......................325 Prescrição. Art. 117, IV, do CP. Redação posterior aos fatos. Não aplicabilidade. Improvimento. RSE 2455-PE.....................293 Procedimento investigatório do Ministério Público. Crime de responsabilidade. Não prestação de contas no prazo devido. Extemporânea prestação de contas motivada por eventos independentes de ações do acusado. Delito não configurado. Preliminar de inépcia acolhida. Denúncia não recebida. PIMP 236-CE..............................................36 Propriedade intelectual. INPI. Nulidade de registro de marca. Bandas de música. Banda Thronus, registrada em 2011. Banda Ministério Tronos, registrada em 2017. Ambas com atuação na cidade de Maceió. Expressão de uso comum. Marca evocativa ou marca “fraca”. Exclusividade mitigada. Uso indevido por terceiro. Violação de marca. Dano moral in re ipsa. Apelação parcialmente provida. AC 0809128-61.2018.4.05.8000AL (PJe)......................................................226 R

Pen e PrPen

Roubo circunstanciado. Associação criminosa. Comprovação da estabilidade e da permanência. Dosimetria da pena. Reformulação. Apelos providos em parte. ACR 0812466-41.2017.4.05.8400-RN (PJe)......254

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