REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 5ª REGIÃO
JURISDIÇÃO Pernambuco - Alagoas - Ceará Paraíba - Rio Grande do Norte e Sergipe
Número 141 - Setembro/Outubro - 2019
R. TRF 5ª Região, nº 141, pp. 1-342, Setembro/Outubro - 2019
REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 5ª REGIÃO
Diretor da Revista DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO
Repositório de jurisprudência – versão eletrônica – credenciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o nº 70 (Portaria nº 05/2010, DJe de 13/04/2010, pág. 4.173)
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Revista do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, v. 1 (1989) Recife, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 1989 Bimestral, a partir do volume n° 73. A partir do v. 4, n° 1, de 1992, a numeração passou a ser contínua. ISSN 0103-4758 1. Direito - Periódicos. I. Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região CDU 34(05)
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO
Desembargador Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO - 27.02.08 Presidente Desembargador Federal JOSÉ LÁZARO ALFREDO GUIMARÃES - 30.03.89 Vice-Presidente Desembargador Federal CARLOS REBÊLO JÚNIOR - 09.09.15 Corregedor Regional Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - 17.05.01 Coordenador dos Juizados Especiais Federais Desembargador Federal MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - 08.08.07 Desembargador Federal ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA - 05.05.08 Diretor da Escola de Magistratura Federal Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR - 21.07.10 Desembargador Federal FERNANDO BRAGA DAMASCENO - 15.05.13 Desembargador Federal FRANCISCO ROBERTO MACHADO - 10.12.14 Desembargador Federal PAULO MACHADO CORDEIRO - 14.04.15
Desembargador Federal CID MARCONI GURGEL DE SOUZA - 15.06.15 Desembargador Federal RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO - 11.12.15 Desembargador Federal ALEXANDRE COSTA DE LUNA FREIRE - 1°.02.16 Desembargador Federal ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO - 25.05.16 Desembargador Federal LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO - 19.04.17 Diretor da Revista
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO
TRIBUNAL PLENO (quartas-feiras) Presidente: Desembargador Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO Vice-Presidente: Desembargador Federal LÁZARO GUIMARÃES Corregedor: Desembargador Federal CARLOS REBÊLO JÚNIOR PRIMEIRA TURMA (quintas-feiras) Desembargador Federal ALEXANDRE LUNA - Presidente Desembargador Federal ROBERTO MACHADO Desembargador Federal ÉLIO SIQUEIRA SEGUNDA TURMA (terças-feiras) Desembargador Federal LEONARDO CARVALHO - Presidente Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE O. LIMA Desembargador Federal PAULO MACHADO CORDEIRO TERCEIRA TURMA (quintas-feiras) Desembargador Federal CID MARCONI - Presidente Desembargador Federal ROGÉRIO FIALHO Desembargador Federal FERNANDO BRAGA QUARTA TURMA (terças-feiras) Desembargador Federal MANOEL ERHARDT - Presidente Desembargador Federal EDILSON NOBRE Desembargador Federal RUBENS CANUTO
SUMÁRIO
1 Jurisprudência do Pleno.......................................................... 11 2 Jurisprudência da Primeira Turma.......................................... 84 3 Jurisprudência da Segunda Turma....................................... 141 4 Jurisprudência da Terceira Turma......................................... 186 5 Jurisprudência da Quarta Turma........................................... 243 6 Jurisprudência das Turmas Ampliadas.................................. 284 7 Julgamento Histórico............................................................. 324 8 Índice Sistemático................................................................. 332 9 Índice Analítico...................................................................... 336
COMPOSIÇÃO DO PLENO
Des. Federal Lázaro Guimarães Vice-Presidente
Des. Federal Vladimir Carvalho Presidente
Des. Federal Carlos Rebêlo Corregedor Regional
Des. Federal Rogério Fialho
Des. Federal Edilson Nobre
Des. Federal Paulo Roberto
Des. Federal Manoel Erhardt
Des. Federal Fernando Braga
Des. Federal Roberto Machado
Des. Federal Paulo Cordeiro
Des. Federal Cid Marconi
Des. Federal Rubens Canuto
Des. Federal Alexandre Luna
Des. Federal Élio Siqueira
Des. Federal Leonardo Carvalho
JURISPRUDÊNCIA DO PLENO
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL N° 3.399-PB Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMA RÃES Suscitante: JUÍZO DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE BOQUEIRÃO (PB) Suscitado: JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DA PARAÍBA Parte A: INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA Parte R: SANDRO MURILO DE AMORIM Adv./Proc.: SEM ADVOGADO/PROCURADOR EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. SUSCITANTE: JUÍZO DE DIREITO DA VARA ÚNICA DA COMARCA DE BOQUEIRÃO-PB. SUSCITADO: JUÍZO DA 5ª VARA FEDERAL DA PARAÍBA, (JOÃO PESSOA) - PRIVATIVA DE EXEC. FISCAIS. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA INICIALMENTE PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. - Declaração de incompetência ex officio. Impossibilidade. - Conflito negativo de competência conhecido para declarar competente o juízo da 5ª Vara Federal de João Pessoa-PB, o juízo suscitado. ACÓRDÃO Vistos etc., decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, conhecer do conflito negativo de competência e declarar a competência do Juízo Suscitado, o da 5ª Vara Federal de João Pessoa (PB), nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 5 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES - Relator
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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES: Cuida-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo de Direito da Comarca de Boqueirão (PB) ante o Juízo da 5ª Vara Federal de João Pessoa (PB). Trata-se de ação de execução interposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente - IBAMA em face de SANDRO MURILO DE AMORIM, pleiteando o pagamento de débito de origem não tributária inscrito na dívida ativa. A ação foi encaminhada à Justiça Federal em 05/05/2011 (fl. 05), 5ª Vara Federal da Paraíba - João Pessoa (Privativa de Execuções Fiscais), e a eminente Juíza Federal, em 17/112014, declarou sua incompetência absoluta para julgar o feito, em razão do domicílio do executado. Determinou o envio dos autos ao Juízo de Direito da Comarca de Boqueirão (PB), onde foram recebidos em 01/12/2014. O eminente magistrado da Comarca de Boqueirão reconheceu a incompetência absoluta do Juízo para processar e julgar o feito, então, suscitou o conflito negativo de competência, apontando como juízo suscitado a 5ª Vara Federal de João Pessoa (PB). É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (Relator): A execução fiscal de que trata este conflito de competência, proposta pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA, foi ajuizada perante o Juízo da 5ª Vara Federal da Paraíba - João Pessoa e redistribuída ao Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Boqueirão-PB. O Juízo Federal declinou de ofício de sua competência em favor do Juízo Estadual, em 17.11.2014, ao entendimento de que a execução fiscal deveria ser processada no domicílio do executado. A ação de execução fiscal foi interposta naquele Juízo Federal em 05/05/2011, ou seja, em data anterior à vigência da Lei nº 12
13.043, de 13/11/14, que revogou o inciso I do art. 15 da Lei nº 5.010/66, que previa o exercício de jurisdição federal delegada ao Juízo Estadual nas comarcas do interior onde não funcionasse vara da Justiça Federal. O Pleno deste Tribunal firmou o entendimento de que não há mais espaço para se discutir sobre a possibilidade de transferência dos feitos originariamente ajuizados na Justiça Federal para a Justiça Estadual, ressalvando apenas a exceção prevista pelo art. 75 da Lei n 13.043/2014. Todavia, este não é o caso dos autos. Reportando-me à competência territorial, uma possível incompetência não poderia ser declarada ex officio pelo magistrado. Do mesmo modo, assentou-se o entendimento que, se a ação de execução fiscal foi originariamente proposta na Justiça Federal, não é possível a remessa ex officio dos autos à Justiça Estadual, a teor da Súmula nº 33 do STJ. Por essas razões, conheço do conflito negativo de competência e declaro competente o Juízo da 5ª Vara Federal da Paraíba - João Pessoa, o juízo suscitado. É como voto.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL Nº 080608356.2019.4.05.0000 (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMA RÃES Suscitante: JUÍZO DA 8ª VARA FEDERAL DO CEARÁ Suscitado: JUÍZO DA 8ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. TENDO COMO SUSCITANTE, O JUÍZO DA 8ª VARA FEDERAL DO CEARÁ, SEDIADO EM FORTALEZA/CE, E COMO SUSCITADO, O JUÍZO DA 8ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO, SEDIADO EM PETROLINA/PE, EM SEDE DO MANDADO DE SEGURANÇA IMPETRADO CONTRA SUPOSTO 13
ATO COATOR DO PRESIDENTE DO CONSELHO REGIONAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA DA 5ª REGIÃO E DO PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL DE EDUCAÇÃO FÍSICA. - Recente jurisprudência firmada pelo Plenário deste TRF da 5ª Região é no sentido de que, em se tratando de mandado de segurança, a competência para processamento e julgamento é absoluta, estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade coatora. - Conhecimento do conflito negativo de competência para declarar competente o Juízo da 8ª Vara Federal do Ceará - Fortaleza, o suscitante. ACÓRDÃO Decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, conhecer do conflito negativo de competência e declarar a competência do Juízo da 8ª Vara Federal do Ceará Fortaleza, o suscitante, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 14 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES: Cuida-se de pretensão deduzida em juízo, através de mandado de segurança, impetrado por Giovanny Diniz Carvalho, em face de ato imputado ao Presidente do Conselho Regional de Educação Física da 5ª Região e do Presidente do Conselho Federal de Educação Física. A ação foi proposta inicialmente perante o Juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, local de domicílio da parte impetrante. Entretanto, houve por bem a juíza titular 14
daquela unidade jurisdicional por considerar que a competência para a análise do mandado de segurança é fixada em razão do domicílio funcional da autoridade coatora, declinou da competência e determinou a remessa dos presentes autos para uma das varas federais da Seção Judiciária do Ceará. Por defender entendimento diverso do sustentado pelo juízo da 8ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, o eminente Juiz da 8ª Vara Federal do Ceará suscitou o conflito negativo de competência, com fulcro no art. 66, II, do Código de Processo Civil, nos termos do art. 953, I, também do CPC, c/c o art. 108, I, e, da CF. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (Relator): Cuida-se de conflito negativo de competência figurando, como suscitante, o Juízo da 8ª Vara Federal do Ceará, sediado em Fortaleza/CE, e, como suscitado, o da 8ª Vara Federal de Pernambuco, sediado em Petrolina/PE, em sede do mandado de segurança, impetrado por Giovanny Diniz Carvalho contra suposto ato coator do Presidente do Conselho Regional de Educação Física da 5ª Região e do Presidente do Conselho Federal de Educação Física. A despeito dos fundamentos expendidos pelo juízo suscitante, afirmando que o Superior Tribunal de Justiça teria precedente no sentido de que “o mandado de segurança pode ser impetrado no foro do domicílio do autor, ainda que a sede funcional da autoridade coatora seja diversa da do impetrante, devendo prevalecer a opção prevista na Constituição no art. 109, parágrafo 2º, à infraconstitucional” (AINTCC-2016/0324596-5, rel. Min. Francisco Falcão, 1ª Seção, DJe 22.06.2017), a mais recente jurisprudência formada pelo Plenário deste TRF da 5ª Região é no sentido de que, em se tratando de mandado de segurança, a competência para processamento e julgamento é absoluta, estabelecida de acordo com a sede funcional da autoridade coatora. Resta evidenciado que o Juízo que está na sede da autoridade impetrada tem muito mais facilidade na obtenção de acesso 15
à documentação pertinente ao processo, bem como de obter o cumprimento de medidas liminares. Essa é a tese comprometida com a funcionalidade e que, portanto, deve prevalecer. Em conformidade com o entendimento firmado pelo Pleno desta Corte, a competência para processamento e julgamento de ação mandamental é determinada pelo domicílio da autoridade apontada como coatora. (PROCESSO: 08153309520184050000, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Pleno, JULGAMENTO: 11/03/2019) Por essas razões, conheço do conflito de competência para declarar competente o Juízo da 8ª Vara Federal do Ceará - Fortaleza, o suscitante.
INCIDENTE DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA Nº 0808280-47.2018.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL ERHARDT Suscitantes: AGÊNCIA NACIONAL DO PETRÓLEO, GÁS NATU RAL E BIOCOMBUSTÍVEIS - ANP E OUTRO Suscitados: SINDICATO DA INDÚSTRIA DO AÇÚCAR E DO ÁLCOOL NO ESTADO DE PERNAMBUCO E OU TROS Advs./Procs.: DRS. CAIRO ROBERTO BITTAR HAMÚ SILVA JÚ NIOR E OUTRO EMENTA: PROPOSTA DE ASSUNÇÃO DE COMPETÊNCIA. APELAÇÕES E REMESSA OFICIAL. VENDA DE ETANOL HIDRATADO DIRETAMENTE DO PRODUTOR PARA REVENDEDOR VAREJISTA DE COMBUSTÍVEIS. PROIBIÇÃO PELA AGÊNCIA NACIONAL DE PETRÓLEO (ANP). RESOLUÇÃO ANP Nº 43/2009, ART. 2º, VI, E ART. 6º. RESOLUÇÃO ANP Nº 41/2013, ART. 14. ADMISSIBILIDADE DO INCIDENTE. 1. Sentença que autoriza unidades produtoras de etanol hidratado dos Estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe a venderem as respectivas 16
produções daquele combustível diretamente a revendedores varejistas. 2. Lide cujo cerne gravita em torno de questão eminentemente de direito, qual seja: a de saber se as disposições da Agência Nacional de Petróleo que impedem a venda de etanol diretamente do produtor para revendedor varejista de combustível são válidas, ou não. 3. Relevância da questão evidenciada a partir da constatação de que o provimento final, seja ele em que sentido for, terá repercussões significativas não apenas para as esferas jurídicas dos litigantes, mas para a dos demais agentes do mercado de combustíveis, para os consumidores, para a economia de um modo geral, para o Fisco e até, mesmo, para o ambiente, aí incluído o cumprimento de acordos internacionais nessa área. 4. Controvérsia jurídica, ademais, de elevada repercussão social, pois qualquer resposta que seja dada à questão da comercialização do etanol hidratado, fatalmente, repercutirá no poder aquisitivo da população em geral, no planejamento e implementação de investimentos públicos e privados, na disponibilidade de empregos, e, em última análise, na economia como um todo. 5. Apesar de relevante e de grande repercussão social, a discussão sobre a proibição da venda direta do etanol, do fornecedor para os revendedores varejistas, sem a intermediação de distribuidores, ainda não se repete em muitos outros processos. 6. A admissão do incidente também atende ao interesse público, na exata medida em que possibilitará que, além das partes, outros interessados contribuam para a formação de um precedente judicial qualificado e apto a conferir segurança jurídica no tratamento de questão de direito relevante e de inegável repercussão social, como 17
efetivamente é a que envolve a validade, ou não, das disposições da Agência Nacional de Petróleo que vedam a comercialização do etanol hidratado diretamente do fornecedor para revendedores varejistas. 7. Assunção de competência admitida, de modo a viabilizar a manifestação do Plenário do Tribunal sobre a validade, ou não, dos dispositivos da Resolução ANP nº 43/2009 (art. 2º, inc. VI, e art. 6º) e da Resolução ANP nº 41/2013 (art. 12) que impedem a venda de etanol diretamente do produtor para revendedor varejista de combustível. 8. Medidas complementares: (1) registro da instauração do incidente no Banco Nacional de Dados de Casos Repetitivos e de Incidentes de Assunção de Competência, instituído pela Resolução nº 235/2016 do Conselho Nacional de Justiça; (2) encaminhamento de cópia deste julgamento a todos os juízes federais atuantes nos limites territoriais da jurisdição deste Regional; (3) abertura de prazo comum de quinze dias úteis, a contar do registro da instauração do incidente no Banco Nacional de Dados de Casos Repetitivos e de Incidentes de Assunção de Competência, para que as partes e demais interessados na controvérsia manifestem-se nos autos e, se for o caso, requeiram o que lhes parecer útil à elucidação da questão de direito controvertida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima mencionadas, acordam os Desembargadores Federais do TRF da 5ª Região, por maioria, assumir a competência para julgar as apelações e a remessa oficial e decidir sobre a validade, ou não, dos dispositivos da Resolução ANP nº 43/2009 (art. 2º, inc. VI, e art. 6º) e da Resolução ANP nº 41/2013 (art. 12), nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgamento. 18
Recife, 2 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT: 1. Trata-se de proposta de admissão de assunção de competência, suscitada de ofício, relativamente ao julgamento de duas apelações e de remessa oficial de sentença que autorizou unidades produtoras de etanol hidratado dos Estados de Pernambuco, Alagoas e Sergipe a venderem as respectivas produções daquele combustível diretamente a revendedores varejistas. 2. Dessa sentença apelaram a Agência Nacional do Petróleo (ANP) e a União. 3. Sustenta a ANP, em linhas gerais, que: a pretensão dos apelados, na forma como apresentada, viola diretamente os dispositivos constitucionais e legais que estabelecem o Poder Regulador desta Agência, além de afrontar a Separação dos Poderes, uma vez que se trata de matéria regulada há décadas em nosso Ordenamento, que vem sendo devidamente debatida tanto no âmbito do Poder Legislativo, como no âmbito de Grupo de Trabalho conjunto ANP/CADE, não sendo cabível, portanto, usurpar a discussão técnica e legislativa, por uma decisão judicial que não teria como considerar os diversos aspectos técnicos e normativos pertinentes à questão, extremamente complexa e sensível (Id. 4058300.6886865).
4. A União, por sua vez, após destacar a incompetência do juízo sentenciante para se pronunciar sobre pretensão deduzida em nome de substituídos domiciliados fora do estado de Pernambuco, afirma, quanto ao mérito, que: os autores, a pretexto de diminuírem o preço praticado no mercado e favorecerem a livre iniciativa, pretendem subverter a ideia de livre concorrência, estampada no texto constitucional, uma vez que defendem a frustração de grande parte do controle efetuado pela ANP sobre 19
a atividade de fornecimento de álcool, o qual está estruturado em modelo no qual as distribuidoras são responsáveis pelo atendimento e pela observância das normas que regem o controle de qualidade do produto e que visam a garantir o pleno abastecimento do mercado nacional (destaques do original, Id. 4058300.9557135).
5. Nas suas contrarrazões, os apelados argumentam, basicamente: 1) que as apelações nem sequer devem ser admitidas, porque se limitam a reproduzir argumentos das contestações, sem enfrentar, especificamente, os fundamentos da sentença; 2) que a arguição da incompetência do juízo sentenciante, “além de preclusa, encontra óbices normativos e jurisprudenciais”, sendo certo que a coisa julgada formada em decorrência de ação coletiva movida por sindicato “beneficia todos os membros da categoria profissional, nos limites da base territorial do sindicato e não da circunscrição do órgão prolator da sentença”; 3) que a sentença, longe de interferir na competência técnica da ANP, propõe-se, apenas, a resguardar “disposições legais e constitucionais atropeladas pelo órgão que deveria fomentar e viabilizar o mercado de biocombustíveis”; 4) que a própria Administração, por intermédio do Grupo de Trabalho especialmente criado para estudar a questão, já concluiu não haver “óbices regulatórios para a liberação da venda direta do etanol das Usinas para os revendedores”; 5) que as apelantes, articuladamente, vêm usando de expedientes para procrastinar o feito. (Ids. 4058300.8846455 e 4058300.9678691) 6. Manifestação do Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes (Sindicom), na condição de amicus curiae, pela extinção do processo sem resolução de mérito, por ilegitimidade ativa e/ou ausência de interesse processual (inadequação da via eleita), e, subsidiariamente, pela improcedência da demanda, ou, ainda, pela anulação da sentença por ser ultra petita. 20
7. Por divisar, no cerne da lide, relevante questão de direito, com notória repercussão social, sem, contudo, apurar repetição em múltiplos processos, o então relator das apelações e da remessa oficial, Des. Federal Rubens Canuto, e os demais integrantes da Quarta Turma, Des. Federal Lázaro Guimarães e Des. Federal Edilson Nobre, reunidos em sessão, decidiram propor o presente incidente de assunção de competência, com o fim de permitir a análise percuciente do tema pelo Plenário do Tribunal. 8. Consultada, a Procuradoria Regional da República opinou “pelo conhecimento do incidente de assunção de competência, e, no mérito, pela manutenção dos arts. 2º, inciso VI, e 6º da Resolução nº 43/09 e do art. 14 da Resolução nº 41/13, ambas editadas pela Agência Nacional de Petróleo” (Id. 4050000.15350558). 9. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT (Relator): 1. Delimitação do objeto da deliberação 1.1. Diante da proposta de assunção de competência, cumpre ao Plenário deliberar, nesse primeiro momento, apenas, sobre a admissibilidade do incidente, ou seja: 1º) se o julgamento das apelações envolve “relevante questão de direito, com grande repercussão social, sem repetição em múltiplos processos” ou, quando menos, “relevante questão de direito a respeito da qual seja conveniente a prevenção ou a composição de divergência entre (...) turmas do tribunal” (CPC, art. 947, caput e § 4º); 2º) se há “interesse público na assunção de competência” (CPC, art. 947, § 2º). 1.2. Segue-se exame progressivo de cada desses requisitos. 2. Questão de direito 2.1. O pedido formulado na inicial é para que seja reconhecida: a ilegalidade dos artigos 2º, VI, e 6º da Resolução ANP 43/09 e 14 da Resolução ANP 41/13, de forma a 21
autorizar as Unidades Produtoras associadas às requerentes a vender o etanol combustível (etanol hidratado) diretamente aos Postos Revendedores, declarando-se incidentalmente à inconstitucionalidade dos dispositivos citados; e, ainda, em tutela cominatória definitiva seja a ANP impedida de vedar ou criar dispositivos legais que tenham o mesmo desiderato dos atos normativos aqui impugnados.
2.2. Na visão dos autores, as referidas disposições regulatórias estariam a atentar: 1) contra princípios constitucionais informadores da ordem econômica, especialmente o da livre concorrência e o da defesa do consumidor (Constituição Federal, art. 170, incisos IV e V); 2) contra objetivos da política energética nacional, dentre eles o de “proteger os interesses do consumidor quanto a preço, qualidade e oferta dos produtos”; o de “proteger o meio ambiente”, o de “promover a livre concorrência”; o de “incrementar, em bases econômicas, sociais e ambientais, a participação dos biocombustíveis na matriz energética nacional”; o de “promover a competitividade do País no mercado internacional de biocombustíveis”; o de “mitigar as emissões de gases causadores de efeito estufa e de poluentes nos setores de energia e de transportes, inclusive com o uso de biocombustíveis” (Lei nº 9.478/97, art. 1º, incisos III, IV, IX, XII, XV e XVIII; 3) contra funções da própria Agência Nacional de Petróleo, especificamente, a de “implementar, em sua esfera de atribuições, a política nacional de petróleo, gás natural e biocombustíveis, contida na política energética nacional” e a de “fazer cumprir as boas práticas de conservação e uso racional do petróleo, gás natural, seus derivados e biocombustíveis e de preservação do meio ambiente” (Lei nº 9.478/97, art. 8º, incisos I e IX). 2.3. Já na perspectiva dos réus: a pretensão dos demandantes esbarra nos arts. 2º, 170, 173, 174, 177, caput e §§1º e 2º da Constituição Federal, c/c art. 8º, caput e VI, e art. 19 da Lei nº 9.478/97, que resguardam a Separação dos Poderes e adotam expressamente modelo segundo o qual a atividade econômica
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é de iniciativa dos particulares, ficando porém reservada ao Estado a figura de regulador, sendo expressamente definido no âmbito tanto constitucional quanto legal o Poder Regulador da ANP sobre a matéria em análise (Id. 4058300.5920328).
2.4. Do confronto das teses defendidas pelas partes, fica evidente que o cerne da lide gravita em torno de questão eminentemente de direito, qual seja: a de saber se as disposições da Agência Nacional de Petróleo que impedem a venda de etanol diretamente do produtor para revendedor varejista de combustível são válidas, ou não. 3. Relevância da questão controvertida 3.1. A relevância da discussão em torno da proibição à venda direta do etanol é outro aspecto que pode ser aferido a partir das palavras dos próprios litigantes. 3.2. Já na inicial, os autores destacaram: Tal vedação excessiva enseja consequências extremamente danosas não só à cadeia produtiva do etanol, pois a partir dela suprime-se a competitividade e atratividade do produto, mas também ao meio ambiente, ao mercado de combustíveis ditado pelas distribuidoras, e especialmente ao Consumidor que é compelido a suportar as desnecessárias despesas de um modelo de distribuição ineficiente, anacrônico, eivado de ilegalidades e numa total ausência de concorrência entre o produtor de etanol e o distribuidor (Id. 4058300.5578646).
3.3. Por sua vez, para a Agência Nacional do Petróleo: eventual deferimento da pretensão autoral, na forma como está posta na presente demanda, gera efeitos deletérios, tanto do ponto de vista tributário/arrecadatório, como de estruturação e funcionamento do próprio mercado.
3.4. No plano tributário, estudo técnico respaldaria a tese de que a “autorização da venda direta de etanol hidratado do produtor ao revendedor varejista sem a adequação da legislação tributária”: 1) teria “o potencial de produzir perda de arrecadação calculada em R$ 2,185 bilhões anuais, com base na estimativa das ven-
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das esperadas para 2018, por ausência do devido recolhimento do PIS/Cofins incidente na etapa de distribuição”; 2) “poderia implicar também em uma situação privilegiada e injustificada por parte das Usinas substituídas pelos Sindicatos demandantes, em relação aos demais agentes que exerçam a atividade de distribuição, os quais se submetem à incidência tributária pertinente”. 3.5. Especificamente para o mercado, “a retirada da vedação contida nos art. 2º, VI, e 6º da Resolução ANP 43/09 e art.14 da Resolução ANP 41/13” importaria, antes de mais nada, na desorganização de um sistema de comercialização de combustíveis há muito estruturado em função da “divisão de responsabilidades entre produção, distribuição e revenda”, como forma de garantir: 1) “o controle da qualidade e da segurança do produto final”; 2) o “correto percentual de misturas entre etanol anidro e gasolina”; 3) “a realização de estoques operacionais mínimos”; 4) “o acompanhamento da eficiência logística da distribuição, incluindo a armazenagem, o transporte e a entrega do produto”. 3.6. A desorganização do mercado chegaria ao ponto de gerar “distorções na isonomia de tratamento entre os agentes regulados”, notadamente “entre refinarias e formuladores que desejarão comercializar, por exemplo, gasolinas diretamente com os postos revendedores”. 3.7. Outro fator destacado pela agência reguladora: é o advento do programa Renovabio, introduzido pela Lei 13.573/2017, que estabelece uma estratégia conjunta para a gestão dos biocombustíveis, incluindo nestes o etanol, e define o distribuidor como o agente central da cadeia sobre o qual serão cobradas as metas de descarbonização.
3.8. Verdade é que os argumentos aqui sumariamente apresentados não constituem, em si mesmos, objeto de julgamento, que, como visto, se restringe a uma questão de direito.
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3.9. Ainda assim, eles permitem antever que o provimento final, seja ele em que sentido for, terá repercussões significativas não apenas para as esferas jurídicas dos litigantes, mas para a dos demais agentes do mercado de combustíveis, para os consumidores, para a economia de um modo geral, para o Fisco e até, mesmo, para o ambiente, aí incluído o cumprimento de acordos internacionais nessa área. 3.10. Não há como negar, portanto, a relevância da questão controvertida. 4. Repercussão social da questão 4.1. Não menos inequívoco apresenta-se o grau elevado de repercussão social da matéria submetida a julgamento, em tudo proporcional à importância dos combustíveis no cotidiano das pessoas. 4.2. Se não tudo, quase tudo que é objeto de consumo, direta ou indiretamente, tem seu preço onerado por combustíveis. 4.3. Logo, qualquer resposta que seja dada à questão da comercialização do etanol hidratado, fatalmente, repercutirá no poder aquisitivo da população em geral, no planejamento e implementação de investimentos públicos e privados, na disponibilidade de empregos, e, em última análise, na economia como um todo. 5. Escassez de lides semelhantes 5.1. Apesar de relevante e de grande repercussão social, a discussão sobre a proibição da venda direta do etanol, do fornecedor para os revendedores varejistas, sem a intermediação de distribuidores, somente ganhou projeção a partir da última paralisação dos caminhoneiros, em meados do ano passado. 5.2. Ajuizada em 18/6/2018, a presente ação é uma das primeiras, se não a pioneira, a trazer a questão ao Judiciário, de modo que não se tem notícia de outras semelhantes. 6. Conveniência na prevenção de divergência entre as turmas do Tribunal. 6.1. Até aqui, ficou dito que a questão debatida nestes autos, além de ser eminentemente de direito, relevante e de grande reper-
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cussão social, não se repete em muitos outros processo. Isso já é suficiente para justificar a proposta de assunção de competência. 6.2. Rigorosamente, seria desnecessário examinar o presente incidente sob o prisma de sua conveniência para a prevenção de divergência entre as Turmas deste Tribunal. 6.3. Nada impede, porém, de reconhecer que essa conveniência existe. 6.4. É que, embora não se tenha conhecimento de outras lides similares a esta, a multiplicação do número delas, no futuro, não pode ser descartada, mormente se os estudos sobre venda direta do etanol, atualmente em curso no âmbito do Executivo, não chegarem a uma resposta que atenda às expectativas da maioria das categorias econômicas interessadas no assunto. 6.5. Nesse cenário hipotético, a falta de uniformização da jurisprudência favorecerá o surgimento de soluções judiciais distintas para situações jurídicas similares, com repercussões imprevisíveis para um setor econômico estratégico e particularmente avesso a tratamentos diferenciados entre os que nele deveriam concorrer em igualdade de condições. 7. Interesse público na assunção de competência 7.1. À luz das considerações feitas até aqui, fica difícil não reconhecer o interesse público na assunção de competência. 7.2. Efetivamente, o processamento do incidente culminará com a formação de um precedente judicial qualificado que assegurará, no âmbito da Quinta Região da Justiça Federal, tratamento jurídico uniforme e exauriente à questão da validade, ou não, das disposições da Agência Nacional de Petróleo que vedam a comercialização do etanol hidratado diretamente do fornecedor para revendedores varejistas. 7.3. De imediato, a formação do precedente trará segurança jurídica. A partir daí, a litigiosidade em torno da tese firmada tenderá a desaparecer; lides futuras que envolvam a mesma questão serão processadas de forma mais simples e célere; provimentos que eventualmente desafiem a tese firmada poderão ser corrigidos mais facilmente; a recorribilidade gratuita será desestimulada. 26
Como síntese de tudo isso, tem-se a concretização do direito fundamental de todo litigante à “razoável duração do processo” e aos “meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Constituição Federal, art. 5º, inc. LXXVIII). 7.4. De tudo, porém, o que mais recomenda a assunção de competência é a possibilidade de dar voz a todos os que podem colaborar com o equacionamento de questão tão relevante, apesar de não serem partes na lide. 7.5. Da própria instauração do incidente será dada a “mais ampla e específica divulgação e publicidade, por meio de registro eletrônico no Conselho Nacional de Justiça” (Regimento Interno, art. 97, c/c art. 106, § 5º). 7.6. Durante o processamento do incidente, o relator: 1) “ouvirá as partes e os demais interessados, inclusive pessoas, órgãos e entidades com interesse na controvérsia, que, no prazo comum de 15 (quinze) dias, poderão requerer a juntada de documentos, bem como as diligências necessárias para a elucidação da questão de direito controvertida” (Regimento Interno, art. 101, primeira parte, c/c art. 106, § 5º); 2) “poderá designar data para, em audiência pública, ouvir depoimentos de pessoas com experiência e conhecimento na matéria” (Regimento Interno, art. 101, § 1º, c/c art. 106, § 5º); 3) colherá a manifestação do Ministério Público (Regimento Interno, art. 101, parte final, c/c art. 106, § 5º). 7.7. Em suma, a solução final da lide, seja ela qual for, só tem a ganhar com a assunção de competência, seja em termos de segurança, seja de legitimação. 8. Dispositivo 8.1. Ante o exposto, voto: 1) pela assunção de competência para julgar as apelações e a remessa oficial e decidir sobre a validade, ou não, dos dispositivos da Resolução ANP nº 43/2009 (art. 2º, inc. VI, e art. 6º) e da Resolução ANP nº 41/2013 (art. 12) que impedem a venda de etanol diretamente do produtor para revendedor varejista de combustível; 27
2) pelo registro da instauração do incidente no Banco Nacional de Dados de Casos Repetitivos e de Incidentes de Assunção de Competência, instituído pela Resolução nº 235/2016 do Conselho Nacional de Justiça; 3) pelo encaminhamento de cópia deste julgamento a todos os juízes federais atuantes nos limites territoriais da jurisdição deste Regional; 4) pela abertura de prazo comum de quinze dias úteis, a contar do registro da instauração do incidente no Banco Nacional de Dados de Casos Repetitivos e de Incidentes de Assunção de Competência, para que as partes e demais interessados na controvérsia manifestem-se nos autos e, se for o caso, requeiram o que lhes parecer útil à elucidação da questão de direito controvertida. 8.2. É como voto.
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0802434-20.2018.4.05.0000 (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR Autor: JOÃO MARIA CARNEIRO DANTAS Réu: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS EMENTA: PROCESSO CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. APOSENTADORIA. ATIVIDADE ESPECIAL. MANDADO DE SEGURANÇA ANTERIOR. PERÍODOS DISTINTOS. CAUSAS DE PEDIR DISTINTAS. COISA JULGADA. INOCORRÊNCIA. ERRO DE FATO. 1. Ação rescisória proposta com fundamento no art. 966, incisos V, do CPC (violação a norma jurídica), objetivando a desconstituição do Acórdão proferido nos autos do Processo nº 0007657-17.2012.4.05.8400, o qual deu provimento à remessa oficial e à apelação do INSS para extinguir o feito sem julgamento de mérito, por reconhecer a existência de coisa julgada no Man28
dado de Segurança 0004166-17.2003.4.05.8400, no qual fora julgado improcedente pedido autoral de conversão do período de 04/05/79 a 28/04/95 como especial, para fins de aposentadoria por tempo de contribuição. 2. Embora o mandado de segurança tenha no polo passivo a autoridade coatora do ato impugnado, e na ação ordinária, figure como ré o órgão ao qual pertence o agente público impetrado, tal fato não acarreta a inexistência de identidade de partes, haja vista que os envolvidos na relação processual são os mesmos, sendo a autoridade coatora mero fragmento da pessoa jurídica de direito público interessada. 3. É a partir do objetodo processo, isto é, da pretensão deduzida pelo autorque se estabeleceos limites objetivos da coisa julgada e, nesse aspecto, o pedido contido na ação ordinária, especificamente o relativo ao período de 03.05.78 a 11.11.2002, é mais amplo do que o da ação mandamental, que só contempla o interstício de 04.05.78 a 28.04.95. 4. No Mandado de Segurança nº 0004166-17.2003. 4.05.8400, a ordem fora denegada à míngua de direito líquido e certo à contagem de tempo de serviço como especial, uma vez que a atividade exercida pelo então impetrante, ora autor, de Técnico de Telecomunicações, não estava relacionada como especiais no Decreto nº 53.831/64, vigente à época, tampouco restaram comprovadas nos autos as condições em que tal atividade era exercida. 5. O mérito do mandamusnão fora apreciado, ante a necessidade de dilação probatória, incabível no remédio processual eleito. Em assim sendo, ficou resguardada à parte a possibilidade de buscar a satisfação de sua pretensão nas vias ordinárias, nos termos do Art. 19 da Lei nº 12.016/2009. (AC - Apelação Cível - 543.158 0005476-50.2010.4.05.8000, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, 29
TRF5 - Quarta Turma, DJe - Data: 12/07/2012 - Página: 412. Grifos nossos) 6. Além da busca por declaração de exercício de atividade em condição especial por período mais amplo, houve, ainda alteração substancial do quadro fático, mormente pelo reconhecimento pela Justiça do Trabalho, com esteio em laudo pericial judicial conclusivo, de que o autor fazia jus a adicional de periculosidade em face da exposição permanente ao agente nocivo eletricidade. 7. Ainda que haja identidade de partes e de parte do pedido, entende-se também como distintas as razões de pedir dos feitos em questão, o que afasta a ocorrência de coisa julgada. 8. Honorários advocatícios, a cargo do INSS, arbitrados em 10% sobre o valor da condenação, em observância ao art. 85, § 3º, do CPC. 9. Ação rescisória julgada procedente, em juízo rescindendo, para, em juízo rescisório, julgar improcedente a apelação e a remessa oficial interpostas contra a sentença proferida na Ação Ordinária nº 0007657-17.2012.4.05.8400. ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 17 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR: 1.1. Ambientação da Rescisória: 30
Ajuizamento: 12/03/2018. Fundamento: Art. 966, V (violação manifesta a norma jurídica), do Código de Processo Civil. Ação originária: 0007657-17.2012.4.05.8400. Objeto: Ação Ordinária onde o autor buscava o reconhecimento do período de 03.05.1978 a 11.11.2002 como laborado em atividade especial, com a consequente concessão de aposentadoria por tempo de contribuição a partir do requerimento administrativo, datado de 23.09.2010, e pagamento das parcelas atrasadas. O pedido fora julgado totalmente procedente pelo juízo a quo. Órgão julgador: Segunda Turma, tendo como composição os Exmos. Desembargadores Federais Ivan Lira de Carvalho (relator convocado), Frederico José Pinto de Carvalho (convocado) e Paulo Roberto de Oliveira Lima. Acórdão rescidendo: Deu provimento à remessa oficial e à apelação do INSS para extinguir o feito sem julgamento de mérito, por reconhecer a existência de coisa julgada no Mandado de Segurança 0004166-17.2003.4.05.8400, no qual fora julgado improcedente pedido autoral de conversão do período de 04/05/79 a 28/04/95 como especial, para fins de aposentadoria por tempo de contribuição. Trânsito em julgado: 28/06/2017. 1.2. Suma do pedido autoral: A parte alega, em síntese, que o acórdão atacado, ao reconhecer a coisa julgada, incorreu em violação manifesta à norma contida no Art. 337 do Código de Processo Civil1, uma vez que o Mandado de Segurança nº 0004166-17.2003.4.05.8400 e a Ação Ordinária nº 0007657-17.2012.4.05.8400 não guardam similitude de partes, pedido ou causa de pedir. Art. 337. Incumbe ao réu, antes de discutir o mérito, alegar: [...] VII - coisa julgada; [...] § 2° Uma ação é idêntica a outra quando possui as mesmas partes, a mesma causa de pedir e o mesmo pedido. [...] § 4° Há coisa julgada quando se repete ação que já foi decidida por decisão transitada em julgado. 1
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Aduz, em seu favor, que as referidas ações são totalmente distintas, tendo em vista que: a) embora ajuizadas pelo mesmo autor, a ação ordinária tem como réu o INSS, enquanto o mandado de segurança fora impetrado contra o Gerente Executivo do INSS; b) buscou-se na ação ordinária a conversão do período de 03.05.1978 a 11.11.2002, com concessão de aposentadoria integral desde 23.09.2010, enquanto o intento no Mandado de Segurança fora a conversão do período de 04.05.1978 a 28.04.1995, com concessão de aposentadoria proporcional desde 11.11.2002, o que demonstra a existência de objetos distintos; c) as causas de pedir não são idênticas, sendo a ação mandamental fundada no labor sob condições especiais por exposição a microondas, enquanto a ação ordinária tem esteio no exercício de atividades em condições perigosas, sujeitas ao agente físico eletricidade em tensões superiores a 250 volts, devidamente reconhecidas como tal por decisão da Justiça do Trabalho. Por essas razões, a parte requer a rescisão do julgado, com prolação de novo julgamento onde seja analisado o mérito da demanda originária e mantida a sentença que condenou o INSS a conceder a aposentadoria pleiteada. 1.3. Suma da resposta: A parte ré pugna pela improcedência do pedido rescisório, ante a inexistência de qualquer violação à norma jurídica, sustentando em suas razões que “os Processos 0004166-17.2003.4.05.8400 e 0007657-17.2012.4.05.8400 possuem o mesmo autor e a mesma causa de pedir (exercício de trabalho em condições especiais) e o mesmo pedido, já que em ambas as ações foi requerido o reconhecimento do tempo especial para períodos idênticos (04/05/1978 a 28/04/1995), ainda que na ação ajuizada em 2012, tenha sido requerido o reconhecimento de períodos posteriores”. 1.4. Registro das demais ocorrências: Deferida a gratuidade judiciária para o autor, ante a comprovação de hipossuficiência econômica. (Id. 4050000.10534504) 32
Em sede de réplica, a parte autora ratificou os termos da inicial. (Id. 4050000.10786122) Dispensada a revisão, nos termos regimentais, e não se tratando de hipótese que reclame intervenção ministerial, o feito é dúctil à apreciação colegiada. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR (Relator): FUNDAMENTAÇÃO A pretensão da parte autora dirige-se no sentido de obter a rescisão de julgado emanado da eg. Segunda Turma deste Regional, o qual reconheceu, em apreciação à Ação Ordinária nº 000765717.2012.4.05.8400, que a mesma guardava a tríplice identidade com o Mandado de Segurança 0004166-17.2003.4.05.8400, cuja sentença já se encontra sob o manto da coisa julgada. Verifica-se, inicialmente, que a decisão fustigada transitou em julgado em 28/06/2017 e a presente ação foi ajuizada em 12/03/2018, não havendo motivos para se questionar sua tempestividade (CPC, Art. 975). No mérito, merece análise específica cada elemento da questionada identidade entre as ações indicadas. Muito embora o mandado de segurança tenha no polo passivo a autoridade coatora do ato impugnado, e na ação ordinária, figure como ré o órgão ao qual pertence o agente público impetrado, tal fato não acarreta a inexistência de identidade de partes, haja vista que os envolvidos na relação processual são os mesmos, sendo a autoridade coatora mero fragmento da pessoa jurídica de direito público interessada. Tanto que é dessa a legitimidade para interposição de eventual recurso. Esse é o posicionamento consolidado na Corte Superior: PROCESSUAL CIVIL. COISA JULGADA. IDENTIDADE JURÍDICA. SÚMULAS 83 E 7 DO STJ. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA DOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO AGRAVADA. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182 DO STJ. 33
1. Verificado que o agravante limita a reiterar o argumentos do recurso especial e, portanto, deixa de infirmar os fundamentos da decisão agravada (Súmulas 83 e 7 do STJ), não se conhece do agravo regimental ante o óbice imposto pela Súmula 182/STJ, aplicada, mutatis mutandis, ao caso sob exame, conforme pacífico entendimento desta Corte. 2. É possível a ocorrência de coisa julgada entre mandado de segurança e ação ordinária, pois tal fenômeno se caracteriza quando há identidade jurídica, ou seja, quando as ações objetivam, ao final, o mesmo resultado, ainda que o polo passivo seja constituído de pessoas distintas: na ação mandamental, a autoridade coatora, e na ação ordinária a entidade de Direito Público. EREsp 265.578/ RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA SEÇÃO, DJe 14/2/2012. Agravo regimental não conhecido. ..EMEN: Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEGUNDA Turma do Superior Tribunal de Justiça “A Turma, por unanimidade, não conheceu do agravo regimental, nos termos do voto do(a) Sr(a). Ministro(a)-Relator(a)”. Os Srs. Ministros Herman Benjamin, Mauro Campbell Marques (Presidente) e Castro Meira votaram com o Sr. Ministro Relator. Ausente, justificadamente, a Sra. Ministra Eliana Calmon. (AGARESP - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL - 356.568 2013.01.84284-2, HUMBERTO MARTINS, STJ - SEGUNDA TURMA, DJe DATA: 18/09/2013 DTPB:.)
É, porém, a partir do objeto do processo, isto é, da pretensão deduzida pelo autor que se estabelece os limites objetivos da coisa julgada. Nesse aspecto, vejamos o pedido de cada ação: Ação Ordinária nº 0007657-17.2012.4.05.8400: a) condenar o INSS a converter, pelo fator 1,4, o tempo de atividade especial, relativo ao período de 03.05.78 a 11.11.2002, trabalhado com exposição à energia elétrica com tensões superiores a 250 volts, em tempo de atividade comum e, após a soma do resultado da conversão ao tempo de contribuição do autor, conceder-lhe aposentadoria voluntária por tempo de contribuição, retroativamente à data do pedido administrativo, qual seja, 23.09.2010, ... 34
Mandado de Segurança 0004166-17.2003.4.05.8400: a) ...converta o tempo de trabalho exercido pelo Impetrante em condições especiais, qual seja, 04.05.78 a 28.04.95, em tempo de trabalho comum, mediante a aplicação do fator 1,4, averbando o tempo convertido, para todos os fins previdenciários, inclusive concessão do benefício de aposentadoria; b)... conceda o benfício de aposentadoria, proporcional ao tempo de serviço e retroativamente à data de sua demissão da TELEMAR NORTE LESTE S.A., qual seja, 11.11.02, ...
Tem-se que o pedido contido na ação ordinária, especificamente o relativo ao período de 03.05.78 a 11.11.2002, é mais amplo do que o da ação mandamental, que só contempla o interstício de 04.05.78 a 28.04.95. Percebe-se, pois, que o acórdão fustigado laborou em equívoco ao afirmar que o lapso temporal da lide originária estaria inserido no período indeferido no mandado de segurança, eis que se verifica justamente o contrário, ou seja, o período objeto do mandado de Segurança está contido no feito de origem, o que viabiliza a apreciação do tempo que não coincide com o analisado no writ. Não obstante, entende-se que a possibilidade de análise vai mais além. É que, no Mandado de Segurança nº 0004166-17.2003.4.05. 8400, a ordem fora denegada à míngua de direito líquido e certo à contagem de tempo de serviço como especial, uma vez que a atividade exercida pelo então impetrante, ora autor, de Técnico de Telecomunicações, não estava relacionada como especiais no Decreto nº 53.831/64, vigente à época, tampouco restaram comprovadas nos autos as condições em que tal atividade era exercida, conforme se observa na ementa do julgado: EMENTA: MANDADO DE SEGURANÇA. PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA ESPECIAL. NÃO CARACTERIZAÇÃO DA INSALUBRIDADE DO TRABALHO EXERCIDO. NÃO ENQUADRAMENTO DA ATIVIDADE DE TÉCNICO EM TELECOMUNICAÇÕES NO DECRETO Nº 53.381/64. MODIFICAÇÕES INTRODUZIDAS PELA LEI Nº 9.032/95 E PELA MEDIDA PROVISÓRIA 35
Nº 1.523/96 (HOJE LEI Nº 9.528/97). INTELIGÊNCIA DOS ARTIGOS 57, §§ 3º E 4º, E 58, §§ 1º E 3º, DA LEI Nº 8.213/91 (NOVA REDAÇÃO). 1. Não obstante ter o impetrante alegado que exerceu atividade sob condições especiais de 04.05.1978 a 28.04.1995, período, portanto, anterior à vigência da Lei nº 9.032/95 sendo desnecessário, por conseguinte, laudo pericial individualizado, não ficou comprovado, nos autos, as condições ambientais e operacionais a que se encontrava submetido por força da atividade por ele desenvolvida. 2. Analisando-se a documentação constante nos autos verifica-se que a atividade de Técnico em Telecomunicações não se enquadra na relação de atividades constantes do quadro anexo ao Decreto nº 53.831, de 25 de março de 1964, especificamente no item 2.4.5. Dessa forma, o impetrante não tem direito adquirido à contagem de tempo de serviço como especial, nos moldes da legislação então vigente. 3. Apelação e remessa oficial providas. (PROCESSO: 200384000041662, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Segunda Turma, JULGAMENTO: 29/06/2004, PUBLICAÇÃO: DJ - Data: 01/12/2004 - Página: 718 - Nº: 230).
Para melhor elucidação, traz-se à colação excerto do referido acórdão: É o que se infere do art. 58 da Lei nº 8.213/91, em seus diversos parágrafos (já com a redação patrocinada pela MP nº 1.523/96, hoje Lei nº 9.528/97), quando ali está a exigir comprovação da exposição do segurado aos agentes nocivos mediante documentos tidos como primordiais, dentre os quais um laudo técnico-pericial a cargo do interessado, que, enquanto tal, quando muito só prevalece na seara administrativa, o mesmo não podendo ser extensivo à sede judicial, a depender de perícia por auxiliar do juízo, por isso mesmo não sendo o mandamus o melhor caminho para esse tipo de questão, eis que reclamaria matéria dependente de prova. Insalubridade, periculosidade, penosidade, atividade especial são conceitos que se vinculam à idéia de abnormidade, exigindo comprovação para fins de efeitos
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previdenciários. Os documentos juntados não se prestam a comprovar o exercício de atividade especial, bem como a descrição mais detalhada da atividade executada pelo impetrante, além do que a atividade de técnico em telecomunicações não se enquadra na relação de atividades constantes do quadro anexo ao Decreto nº 53.381/64, item 2.4.5, conforme explanado anteriormente
Nessa senda, compreende-se que o mérito do mandamus não fora apreciado, ante a necessidade de dilação probatória, incabível no remédio processual eleito. Em assim sendo, ficou resguardada à parte a possibilidade de buscar a satisfação de sua pretensão nas vias ordinárias, nos termos do Art. 19 da Lei nº 12.016/2009, que assim dispõe: Art. 19. A sentença ou o acórdão que denegar mandado de segurança, sem decidir o mérito, não impedirá que o requerente, por ação própria, pleiteie os seus direitos e os respectivos efeitos patrimoniais.
A matéria já fora enfrentada por este Regional: PROCESSUAL CIVIL. PREVIDENCIÁRIO. COISA JULGADA. INEXISTÊNCIA. APOSENTADORIA ESPECIAL. RESTABELECIMENTO. ESTIVADOR. IRREGULARIDADE NO ATO DE CONCESSÃO. NÃO COMPROVAÇÃO. EXPOSIÇÃO A AGENTES NOCIVOS. JUROS DE MORA. COMPENSAÇÃO DE VALORES JÁ PAGOS. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. SÚMULA N° 111 DO STJ. I. A sentença que extingue a ação mandamental por ausência de liquidez e certeza do direito perseguido, pressuposto à impetração do remédio processual eleito, não forma coisa julgada material, porquanto não foi negado o direito em si. Inteligência do art. 19 da Lei n° 12.016/2009. II. Estabelece o art. 57 da Lei n° 8.213/91 que a aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a carência exigida no referido diploma legal, ao segurado que tiver trabalhado sujeito a condições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física, durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conforme dispuser a lei. III. Deve ser considerado como especial o período trabalhado independente de apresentação de laudo até a Lei 9.032/95, e após o advento da referida lei, de acordo com 37
determinação especificada na norma. Antes, tal comprovação era feita com os formulários SB-40 e DSS-8030, posteriormente, com apresentação de laudo técnico. IV. O fato de a certidão emitida pelo Sindicato dos Estivadores do Estado de Alagoas ser extemporânea aos fatos não diminui seu valor probatório, haja vista que, em se tratando de documento para fins de concessão de benefício previdenciário, não poderia ter sido emitido antes do demandante implementar os requisitos necessários à aposentação. V. O requerente exerceu a função de Estivador no período de 02/04/1966 a 31/08/1997, atividade prevista no item 2.5.6 do art. 2º do Decreto n° 53.831/64, no item 2.4.4 do Decreto n° 63.230/68 e no item 2.4.5 do Decreto n° 83.080/79, sendo sua natureza especial presumida. No que se refere ao período posterior à Lei 9.032/95, consta nos autos formulário nominal preenchido pelo próprio INSS, asseverando que “o trabalhador fica exposto a todo tipo de poeira e gás inflamável líquido gasoso de modo habitual e permanente, o trabalhador vive durante todo tempo exposto a esses agentes prejudicial (sic!!) à saúde do mesmo”. VI. Assim, faz jus a parte autora ao restabelecimento do benefício de aposentadoria especial (NB 42/106.395.4646), desde a data da cessação/suspensão indevida. VII. A Lei n° 11.960/09, de 29/06/2009, deve ser aplicada para fins de correção monetária e juros de mora a partir de sua publicação, havendo a incidência uma única vez, até o efetivo pagamento, dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança. VIII. Por força da liminar deferida nos autos do Mandado de Segurança n° 0000547-13.2006.4.05.8000 (2006.80.00.000547-9), algumas das parcelas objeto da presente condenação já foram pagas, de sorte que tais valores devem ser respeitados quando da liquidação do julgado, evitando a ocorrência de bis in idem. IX. Honorários advocatícios mantidos no percentual de 10% sobre o valor da condenação, observada a Súmula n° 111 do STJ. X. Apelação parcialmente provida, para determinar a observância da Súmula n° 111 do STJ no que se refere aos honorários advocatícios, bem como para ressalvar o direito de serem compensados os valores já pagos. 38
(AC - Apelação Cível - 543158 0005476-50.2010.4.05.8000, Desembargadora Federal Margarida Cantarelli, TRF5 - Quarta Turma, DJe - Data: 12/07/2012 - Página: 412. Grifos nossos)
Com efeito, a pretensão da parte autora na ação ordinária é demonstrar o efetivo labor em condições especiais e em tempo suficiente para obtenção de sua aposentadoria. Em outras palavras, sanear aquilo que a impediu de ver seu direito assegurado em sede de ação mandamental, impetrada em razão da omissão do INSS em apreciar seu pedido administrativo. Convém ressaltar que, para além da busca por declaração de exercício de atividade em condição especial por período mais amplo, houve, ainda alteração substancial do quadro fático, mormente pelo reconhecimento pela Justiça do Trabalho, com esteio em laudo pericial judicial conclusivo, de que o autor fazia jus a adicional de periculosidade em face da exposição permanente ao agente nocivo eletricidade. Ante o exposto, ainda que haja identidade de partes e de parte do pedido, entende-se também como distintas as razões de pedir dos feitos em questão. Nesse sentido, precedente deste Sodalício: (PROCESSO: 00001471420114058100, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, Quarta Turma, JULGAMENTO: 20/05/2014, PUBLICAÇÃO: DJe - Data: 22/05/2014 - Página: 421) Com essas considerações, observa-se que o acórdão atacado incorreu em violação a norma jurídica e teve por fundamento premissa inexistente, o que caracteriza erro de fato, situações que autorizam sua rescisão, nos termos do Art. 966, V e VIII, da Lei Civil de Ritos. Como é de geral conhecimento, sem considerar o próprio juízo de admissilidade: O julgamento da ação rescisória se dará em dois momentos diferentes. O primeiro momento, chamado de Juízo rescindens, ocorrerá em todas as hipóteses das ações rescisórias, contidas no artigo 485 e incisos do Código de Processo Civil. É extremamente necessário formular esse pedido, pois visa à desconstituição da decisão transitada 39
em julgado. Por outro lado, o Juízo rescissorium depende do prévio acolhimento do Juízo rescindens, e, é eventual, pois há hipóteses que não comporta um novo julgamento, ou seja, desnecessário o proferimento de novo exame da causa. [...] Com relação a necessidade da realização do novo julgamento – Juízo rescissorium, é de se destacar que a obrigatoriedade será apreciada caso a caso, sendo necessário o rejulgamento na hipótese [...], determinante a procedência da ação rescisória.1
Ante o provimento da ação em iudicium rescindens, há que se prosseguir no julgamento para, em iudicium rescisorium, negar provimento à apelação e à remessa oficial, mantendo a sentença originária, em todos os seus termos. Arbitram-se honorários advocatícios, a cargo do INSS, no importe de 10% sobre o valor da condenação, em observância ao art. 85, § 3º, do CPC. DISPOSITIVO Ante o exposto, julga-se procedente a presente ação rescisória, para, em juízo rescisório, julgar improcedente a apelação e a remessa oficial interpostas contra a sentença proferida na Ação Ordinária nº 0007657-17.2012.4.05.8400.
(ESTEVES, Henrique Perez. Procedimento da Ação Rescisória. Revista Eletrônica Âmbito Jurídico. Disponivel em http://www.ambito-juridico.com.br/site/index. php/abrebanner.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=13159&revista_caderno=21. Acesso 25 mai. 2017). 1
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AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0805296-32.2016.4.05.0000-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR Autor: MAURÍCIO FREDERICO DIAS SIMÕES Réus: UNIÃO FEDERAL E INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA EMENTA: PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. AMBIENTAL. EDIFICAÇÃO EM ÁREA DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE. ERRO DE FATO. INOCORRÊNCIA. ARGUMENTAÇÃO ENFRENTADA E DECIDIDA. RESCISÓRIA COMO SUCEDÂNEO RECURSAL. IMPOSSIBILIDADE. DOCUMENTO NOVO. INEXISTÊNCIA. DOCUMENTAÇÃO CARREADA NA AÇÃO ORIGINÁRIA. 1. Ação rescisória proposta com fundamento no art. 966, incisos VII (obtenção de prova nova) e VIII (erro de fato), do CPC, objetivando a desconstituição de sentença proferida nos autos da Ação Civil Pública nº 0000054-53.2008.4.05.8101, a qual julgou procedente o pedido inicial, condenando o réu, ora autor, a demolir imóvel irregularmente construído em área de preservação permanente (galpão – depósito de material para viveiros – e uma casa de bomba, com área construída total de 79,27 m²); reparar os danos causados ao meio ambiente, com apresentação de plano de recuperação de área degradada (PRAD); e pagar indenização de R$ 7.000,00 (sete mil reais) em favor do Fundo de Reparação dos Interesses Difusos. 2. Sob o pretexto da ocorrência de erro de fato, o autor pretende, na verdade, a reapreciação do entendimento firmado na sentença rescidenda de que o imóvel estava situado em APP, tendo por esteio argumentação já devidamente enfrentada e decidida, objeto de perícia judicial, inclusive, 41
sobre a qual, devidamente intimado, deixou transcorrer in albis, o prazo para manifestação. 3. A ação rescisória tem por finalidade a alteração de um estado jurídico alcançado pela autoridade da coisa julgada, sendo, pois, uma exceção do sistema processual e, pela sua própria natureza, não pode ser admitida como mera substituta de recurso que a parte não interpôs no momento próprio, mormente quando houve pronuciamento judicial expresso sobre o fundamento invocado. (AR 1.034, RAFAEL MAYER, STF; AIAR - AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA - 4258 2009.00.95616-0, REGINA HELENA COSTA, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe DATA: 25/03/2019) 4. Toda a documentação apresentada já se encontrava carreada nos autos da Ação originária, não podendo, por óbvio, ser considerado documento novo, o que afasta a possibilidade de sua utilização para justificar o manejo de ação rescisória. 5. Honorários advocatícios, a cargo da parte autora, no importe de 10% sobre o valor da causa, em observância ao art. 85, § 4º, III, do CPC. 6. Ação rescisória julgada improcedente. ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, julgar improcedente a ação rescisória, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 17 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR: 1.1. Ambientação da Rescisória: 42
Ajuizamento: 27/07/2016. Fundamento: Art. 966, VII (obtenção de prova nova) e VIII (erro de fato), do Código de Processo Civil. Ação originária: 0000054-53.2008.4.05.8101. Objeto: Ação civil pública onde se buscava a demolição de imóvel construído irregularmente no Município de Aracati/CE, às margens do Rio Jaguaribe, área de preservação permanente - APP e em terreno de marinha, bem como reparação dos danos causados ao meio ambiente, ante a supressão permanente de mata ciliar e impermeabilização da área para edificação destinada a apoio de empreendimento de carcinicultura. Órgão julgador: Juízo da 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, Subseção de Limoeiro do Norte. Magistrado sentenciante: Juíza Federal Iaci Rolim de Sousa. Sentença rescidenda: Julgou procedente o pedido inicial, condenando o réu, ora autor, demolir o imóvel em questão (galpão – depósito de material para viveiros – e uma casa de bomba, com área construída total de 79,27 m²); reparar os danos causados ao meio ambiente, com apresentação de plano de recuperação de área degradada (PRAD); e pagar indenização de R$ 7.000,00 (sete mil reais) em favor do Fundo de Reparação dos Interesses Difusos. Trânsito em julgado: 06/08/2014. 1.2. Suma do pedido autoral: Requer a rescisão do julgado, com prolação de novo julgamento onde seja julgada improcedente a ação civil pública originária, com inversão dos ônus sucumbenciais. Alega, em seu favor, que a sentença atacada incorreu em erro de fato ao definir a área como APP e terreno de marinha, uma vez que a LPM de 1831 no local somente fora demarcada recentemente, tendo o MPF reconhecido se tratar de faixa de domínio público, em ação análoga posterior. Sustenta, ainda, que o próprio Juízo de origem, em decisões posteriores, determinou a exclusão da União Federal do polo ativo de ações com idêntico objeto, julgado trazido aos autos na condição de prova nova. 43
Por essas razões, requer a procedência do presente feito, ante a incidência das hipóteses legais que autorizam o manejo da rescisória. 1.3. Suma da resposta: A parte ré defende, preliminarmente, a inépcia da inicial, ao fundamento de que o autor se “insurge genericamente contra o decidido, afirmando que o imóvel não estaria em área de preservação permanente, sem indicar, entretanto, a prova nova a sustentar essa tese, ou ainda, o erro de fato supostamente cometido pelo Julgador”. Aduz que a sentença atacada não teve por fundamento a edificação em terreno de marinha, mas em APP, situação devidamente comprovada por laudo pericial, com o que pretende o autor apenas rediscutir a matéria fática, valendo-se da ação rescisória como se de apelação se tratasse. Por essa razão, pugna pelo não conhecimento da ação ou, no mérito, pela sua improcedência. 1.4. Parecer do Ministério Público Federal: Instada a se manifestar, a Procuradoria Regional da Repúblicao Ministério Público Federal ofertou parecer, opinando pelo não conhecimento da ação, em face da inexistência de causa de rescindibilidade. No mérito, opina pela improcedência do pedido rescisório, à míngua de respaldo legal. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR (Relator): FUNDAMENTAÇÃO A pretensão da parte autora dirige-se no sentido de obter a rescisão de sentença emanada da 15ª Vara Federal da Seção Judiciária do Ceará, localizada em Limoeiro do Norte, no bojo da qual fora reconhecida, em sede de ação civil pública, a construção irregular de imóvel em área de preservação permanente - APP.
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Verifica-se, inicialmente, que a decisão fustigada transitou em julgado em 06/08/20143 e a presente ação foi ajuizada em 27/07/2016, sendo, portanto, tempestiva, por ter sido proposta dentro do biênio legal (CPC, Art. 975). Todavia, observa-se que, sob o pretexto da ocorrência de erro de fato, o autor pretende, na verdade, a reapreciação do entendimento firmado na sentença rescidenda de que o imóvel estava situado em APP, tendo por esteio argumentação já devidamente enfrentada e decidida, objeto de perícia judicial, inclusive. Registra-se, por oportuno, que, devidamente intimado do referido laudo, o autor deixou transcorrer in albis, o prazo para manifestação. Ora, a ação rescisória não se destina a reexaminar a prova e tampouco a substituir recurso que a parte não interpôs oportunamente, consoante preconiza mansa e pacificamente a jurisprudência pátria. Com efeito, a ação rescisória tem por finalidade a alteração de um estado jurídico alcançado pela autoridade da coisa julgada, sendo, pois, uma exceção do sistema processual e, pela sua própria natureza, não pode ser admitida como mera substituta de recurso que a parte não interpôs no momento próprio. Nesse sentido, já se manifestou o excelso Pretório: AÇÃO RESCISÓRIA. REEXAME DO ACÓRDÃO RESCINDENDO. NÃO SE PRESTA A AÇÃO RESCISÓRIA AO REEXAME DO QUE FOI APRECIADO PELA DECISÃO IMPUGNADA. INOCORRÊNCIA DE OFENSA A LITERAL DISPOSIÇÃO DE LEI, DE ERRO OU DE DOLO, REFERIDOS NOS ARTS. 485, INCISOS V, III E PARÁGRAFO. AÇÃO RESCISÓRIA JULGADA IMPROCEDENTE. (AR 1.034, RAFAEL MAYER, STF.)
Na mesma senda, o colendo STJ vem sustentando a impossibilidade de manejo da ação rescisória como sucedâneo recursal, mormente quando houve pronuciamento judicial expresso sobre o fundamento invocado: EMEN: PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
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DE 2015. APLICABILIDADE. AÇÃO RESCISÓRIA. NÃO CABIMENTO. ERRO DE FATO. NÃO EXISTÊNCIA. PRONUNCIAMENTO JUDICIAL EXPRESSO SOBRE A QUESTÃO. VIOLAÇÃO LITERAL DE LEI. AFRONTA DIRETA E EVIDENTE. INOCORRÊNCIA. ANÁLISE DAS TESES EM TORNO DOS DISPOSITIVOS APONTADOS. AUSÊNCIA. ARGUMENTOS INSUFICIENTES PARA DESCONSTITUIR A DECISÃO ATACADA. APLICAÇÃO DE MULTA. ART. 1.021, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 2015. DESCABIMENTO. I - Consoante o decidido pelo Plenário desta Corte na sessão realizada em 09.03.2016, o regime recursal será determinado pela data da publicação do provimento jurisdicional impugnado. In casu, aplica-se o Código de Processo Civil de 2015. II - Quando o acórdão rescindendo considera fato não existente ou tem por não existente fato efetivamente ocorrido, desde que sobre esse fato não tenha havido controvérsia ou pronunciamento judicial, trata-se de um erro de percepção e não de um critério interpretativo do juiz. Precedentes. III - No caso, a questão acerca da limitação temporal promovida pela Portaria GM/MS n° 1.323/99, a qual reformulou as tabelas do Sistema Único de Saúde, foi expressamente analisada no acórdão proferido em sede dos embargos de declaração opostos em face da decisão rescindenda. IV - Quanto à suscitada violação literal a dispositivo de lei, tal ofensa deve ser “direta, evidente, que ressai da análise do aresto rescindendo” e “se, ao contrário, o acórdão rescindendo elege uma dentre as interpretações cabíveis, ainda que não seja a melhor, a ação rescisória não merece vingar, sob pena de tornar-se um mero ‘recurso’ com prazo de ‘interposição’ de dois anos”. Precedentes. V - Não constatada violação direta e evidente de lei, a fundamentação adotada evidencia a utilização da ação rescisória como sucedâneo recursal, ajuizada com o nítido propósito de rediscutir, mais uma vez, o acerto do acórdão transitado em julgado. VI - Ausente análise, pelo acórdão rescindendo, das teses em torno dos dispositivos apontados como violados, afasta-se, igualmente, o cabimento da rescisória. Precedentes. 46
VII - Não apresentação de argumentos suficientes para desconstituir a decisão recorrida. VIII - Em regra, descabe a imposição da multa, prevista no art. 1.021, § 4º, do Código de Processo Civil de 2015, em razão do mero improvimento do agravo interno em votação unânime, sendo necessária a configuração da manifesta inadmissibilidade ou improcedência do recurso a autorizar sua aplicação, o que não ocorreu no caso. IX - Agravo Interno improvido. (AIAR - AGRAVO INTERNO NA AÇÃO RESCISÓRIA 4258 2009.00.95616-0, REGINA HELENA COSTA, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe DATA:25/03/2019 ..DTPB:.)
A parte autora, ainda, fundamentou o cabimento da ação rescisória no art. 966, VII, do CPC, decorrente da obtenção de documento novo capaz de, por si só, ensejar a rescisão do acórdão, com pronunciamento favorável. Documento novo, de acordo com o aludido dispositivo legal, é aquele que já existia ao tempo da prolação da decisão rescindenda, mas que não fora apresentado em Juízo: a) por não ter o autor da rescisória conhecimento da sua existência; ou b) por não ter sido possível a juntada, em virtude de motivo estranho à sua vontade. A esse respeito, confira-se o seguinte precedente: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA FUNDADA NO ART. 966, VII, DO NOVO CPC. AUSÊNCIA DE DOCUMENTO NOVO A EMBASAR O PLEITO. IMPROCEDÊNCIA. 1. O novo Código de Processo Civil estabelece, em seu art. 966, as hipóteses que ensejariam a rescisão de sentença ou acórdão de mérito, transitado em julgado, dentre as quais a obtenção de documento novo, após a decisão rescindenda, cuja existência a parte ignorava ou não pode fazer uso (inciso VII). 2. Documento novo, nos termos do aludido dispositivo legal, é aquele que já existia ao tempo da prolação da decisão rescindenda, mas que não fora apresentado em Juízo: a) por não ter o autor da rescisória ciência da sua existência; ou b) por não ter sido possível a juntada, em virtude de motivo estranho à sua vontade. 3. Hipótese em que o documento no qual a autora embasa o pleito rescisório (Relatório Técnico 45/2010), foi 47
produzido depois de vistoria realizada nos dias 9 e 17 de novembro de 2010, enquanto o acórdão rescindendo foi prolatado em 13 de outubro de 2009, não podendo, portanto, ser considerado como “novo” para os fins do art. 966, VII, do CPC/2015. 4. Ademais, referido documento apenas corrobora os fundamentos explanados no acórdão rescindendo, na medida em que, aponta irregularidade na situação fiscal da empresa demandante, no que se refere ao não cumprimento de exigências do BNB (apresentação dos relatórios semestrais e das certidões de regularidade junto ao FGTS e ao INSS), inadimplência essa que, de acordo com o aresto ora impugnado, “por si só, legitima a recusa da SUDENE em fazer o aporte da contrapartida do FINOR nas datas pactuadas”. 5. Precedente do Pleno: AR 7.383/PE, Rel. Des. Federal EDILSON NOBRE, Pleno, JULGAMENTO: 14/12/2016, PUBLICAÇÃO: DJe 16/12/2016 - Página 20. 6. Ação rescisória cujo pedido é julgado improcedente. (Pleno, AR nº 08036958820164050000, Relator: Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, julg. 18/08/2017, decisão unânime)
No caso em tela, não se consegue vislumbrar qual o documento novo a que se refere o autor, eis que toda a documentação apresentada já se encontrava carreada nos autos da ação originária, o que afasta a possibilidade de sua utilização para justificar o manejo de ação rescisória. Dessa forma, inexiste qualquer vício a macular a decisão transitada em julgado, impondo-se sua manutenção. Arbitram-se honorários advocatícios, a cargo da parte autora, no importe de 10% sobre o valor da causa, em observância ao art. 85, § 4º, III, do CPC. DISPOSITIVO Ante o exposto, julga-se improcedente a presente ação rescisória.
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AGRAVO REGIMENTAL CÍVEL Nº 080608150.2016.4.05.8000-AL (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MEN DONÇA CANUTO NETO Agravante: FAZENDA NACIONAL Agravada: ALL GREEN IMPORTAÇÃO E EXPORTAÇÃO LTDA. EPP Adv./Proc.: DRA. JOSYANE SOUZA ALMEIDA (AGRDA.) EMENTA: ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. MEDIDAS ANTIDUMPING. ALHO IMPORTADO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. RESOLUÇÕES CAMEX 80/2013 E 13/2016. AGRAVO INTERNO. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OFENSA À AMPLA DEFESA E AO ART. 93, INC. IX, DA CF/88. DECISÃO QUE APLICOU AS TESES FIRMADAS NO ARE 748.371 E QO NO AI 791.292/PE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Agravo interno interposto pelo ente público contra capítulo da decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário, no que tange à suscitada ofensa aos princípios devido processo legal, ampla defesa e contraditório e 93, IX, da Constituição Federal. 2. Segundo o decisum fustigado, o colendo STF, (a) ao apreciar a matéria relativa à violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites à coisa julgada, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais, decidiu pela ausência de repercussão geral (ARE 748.371, Tema 660). No mesmo sentido decidiu o e. STF, (b) pela natureza infraconstitucional da discussão quanto à ofensa ao princípio da inafastabilidade de jurisdição, quando há óbice processual intransponível ao 49
exame de mérito, ofensa indireta à Constituição ou análise de matéria fática (RE 956.302 - Tema 895). Já em relação à (c) suposta ofensa ao art. 93, IX, da CF/88, o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/PE, reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que o aludido dispositivo constitucional “exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010). 3. Em contraposição aos capítulos acima destacados, a agravante deduz as seguintes impugnações: (a) aduz que o julgamento não dependeria de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais, porquanto teria sido, a seu ver, demonstrada a deficiência de fundamentação, a impedir a correta aplicação do art. 150, I, da CF/88 (c) a violação ao art. 93, IX, da CF/88, deveria ser verificada caso a caso, tendo concluído que “este arremate processual não integra o conteúdo da eficácia vinculativa do repetitivo”. A despeito da alegação de ofensa ao art. 5º, XXXV, da CR/88, não há nada de específico dito em relação a esse dispositivo no agravo interno. 4. Acórdão da Terceira Turma desta eg. Corte negou provimento à apelação, para manter a sentença de primeiro grau que julgou procedente o pedido formulado por All Green Importação e Exportação LTDA. - EPP para afastar a exigência da medida antidumping quando da importação do alho chinês do Grupo: Roxo - Subgrupo: Nobre - Tipo: Especial - Classe: 7, tanto dos 2 (dois) containers que já estão aportados em Itaguaí/RJ (Bill of Landing - BL nº TCQD1607067A e 50
TCQD1607067B), bem como de todas as futuras importações do referido produto. 5. No caso em tela, cinge-se a controvérsia recursal acerca da possibilidade de se aplicar os direitos antidumping às importações de alho chinês do tipo “ESPECIAL”, à luz do que dispõem as Resoluções nº 80/2013 e nº 13/2016, ambas da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). 6. Enquanto a parte autora entende que deverão ser aplicados direitos antidumping apenas sobre o alho do subgrupo nobre, das classes 3, 4, 5, 6 e 7, do tipo extra, importado da República Popular da China, a Fazenda Nacional defende que as medidas de proteção previstas na Resolução nº 80/2013 da CAMEX devem recair sobre qualquer alho de origem chinesa, o que teria sido evidenciado pelo Anexo da Resolução nº 13/2016, também da CAMEX. 7. Ao se debruçar sobre o recurso extraordinário interposto, vê-se que a alegada violação ao art. 5º, XXXV e LV, e art. 93, IX, da CF/88, residiria no fato de que “não se pronunciou a eg. Turma do TRF-5ª Região acerca do fato de que a Resolução nº 13/2016 não afrontou ao princípio da legalidade, eis que não inovou a ordem jurídica, mas, tão somente, corrigiu clara inconsistência contida na Resolução CAMEX nº 80/13”. E, nessa toada, discorre detalhadamente acerca do que sucedeu, apontando equívoco entre o art. 1º da Resolução CAMEX n° 80/13 e o anexo da dita Resolução (no seu item referente ao produto objeto do direito antidumping, onde fez referência expressa ao alho “classificado no subgrupo de alhos nobres, das classes 5, 6 e 7, do tipo extra), o que teria ensejado a edição da Resolução CAMEX n° 13/16. 8. Percebe-se que a decisão guerreada motivou, adequadamente, o comparecimento dos elementos de convicção de que as conclusões expostas no Anexo da Resolução nº 13/2016 não podem 51
inovar a ordem jurídica, não cabendo, portanto, considerar hipótese de ofensa ao art. 93, inc. IX, da CF/88. Nesse sentido, transcrevo excertos do v. Acórdão que enfrentam essa questão: “4. Ao analisar conjuntamente o texto do art. 1º da Resolução nº 80/2013 - CAMEX e do item 3.1 de seu Anexo, constata-se com facilidade que o escopo da medida antidumping é tratado tanto de forma genérica (alhos frescos ou refrigerados oriundos da República Popular da China), quanto de forma pormenorizada (alho importado da República Popular da China, definido como sendo o bulbo da espécie Allium Sativum que, independentemente da sua coloração, é classificado no subgrupo de alhos nobres, das classes 5, 6 e 7, do tipo extra). 5. Tal inconsistência gerou insegurança jurídica aos importadores de alho, culminando na instauração do procedimento de avaliação de escopo requerido pela empresa Island International Trade Ltda., com o único objetivo de determinar se os alhos frescos ou refrigerados das classes 3 e 4 também estariam sujeitos à aplicação da medida protetiva. 6. O procedimento em questão resultou na edição da Resolução nº 13/2016 - CAMEX que, a toda evidência, incluiu as importações de alhos frescos ou refrigerados de classes 3 e 4 no âmbito de aplicação dos direitos antidumping instituídos pela Resolução nº 80/2013 - CAMEX, conforme o disposto em seu art. 1º. 7. Ocorre que a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - SECEX houve por bem explicitar no Anexo da Resolução nº 13/2016 que, realizando uma interpretação mais abrangente e aprofundada do procedimento de definição do objeto da medida antidumping – que resultou na edição da Resolução 80/2013 –, foi possível concluir que todas as informações e documentos 52
que o instruíram sempre se referem ao alho de forma genérica, sem qualquer segregação por tipo, classe ou grupo. 8. Entretanto, contrariamente ao que aduz a Fazenda Nacional, as conclusões expostas no Anexo da Resolução nº 13/2016 não podem inovar a ordem jurídica, sob pena de frontal violação ao princípio da legalidade insculpido no art. 150, inciso I, da CF/88”. Agravo interno improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 4 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO: Agravo interno interposto pelo ente público contra capítulo da decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário, no que tange à suscitada ofensa aos princípios devido processo legal, ampla defesa e contraditório e 93, IX, da Constituição Federal. Segundo o decisum fustigado, o colendo STF, (a) ao apreciar a matéria relativa à violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites à coisa julgada, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais, decidiu pela ausência de repercussão geral (ARE 748.371, Tema 660). No mesmo sentido decidiu o e. STF, (b) pela natureza infraconstitucional da discussão quanto à ofensa ao princípio da inafastabilidade de jurisdição, quando há óbice processual intransponível ao exame de 53
mérito, ofensa indireta à Constituição ou análise de matéria fática (RE 956.302 - Tema 895). Já em relação à (c) suposta ofensa ao art. 93, IX, da CF/88, o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/PE, reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que o aludido dispositivo constitucional “exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010). Em contraposição aos capítulos acima destacados, a agravante deduz as seguintes impugnações: (a) aduz que o julgamento não dependeria de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais, porquanto teria sido demonstrada, a seu ver, a deficiência de fundamentação, a impedir a correta aplicação do art. 150, I, da CF/88 (c) a violação ao art. 93, IX, da CF/88, deveria ser verificada caso a caso, tendo concluído que “este arremate processual não integra o conteúdo da eficácia vinculativa do repetitivo”. A despeito da alegação de ofensa ao art. 5º, XXXV, da CR/88, não há nada de específico dito em relação a esse dispositivo no agravo interno. Sem contrarrazões. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO (Relator): Acórdão da Terceira Turma desta eg. Corte negou provimento à apelação, para manter a sentença de primeiro grau que julgou procedente o pedido formulado por All Green Importação e Exportação LTDA. - EPP para afastar a exigência da medida antidumping quando da importação do alho chinês do Grupo: Roxo - Subgrupo: Nobre - Tipo: Especial - Classe: 7, tanto dos 2 (dois) containers que já estão aportados em Itaguaí/RJ (Bill of Landing - BL nº TCQD1607067A e TCQD1607067B), bem como de todas as futuras importações do referido produto. O aresto restou assim ementado: 54
ADMINISTRATIVO E TRIBUTÁRIO. DESEMBARAÇO ADUANEIRO. DIREITO ANTIDUMPING. ALHO IMPORTADO DA REPÚBLICA POPULAR DA CHINA. RESOLUÇÕES CAMEX Nº 80/2013 E Nº 13/2016. AVALIAÇÃO DE ESCOPO. ABRANGÊNCIA. CARÁTER INTERPRETATIVO. ART. 154 DO DECRETO Nº 8.058/2013. ALTERAÇÃO DO ESCOPO. IMPOSSIBILIDADE. SENTENÇA MANTIDA. 1. Apelação interposta Fazenda Nacional em face da sentença que, confirmando a medida antecipatória dos efeitos da tutela, julgou procedente o pedido formulado por All Green Importação e Exportação LTDA. - EPP para afastar a exigência da medida antidumping quando da importação do alho chinês do Grupo: Roxo - Subgrupo: Nobre - Tipo: Especial - Classe: 7, tanto dos 2 (dois) containers que já estão aportados em Itaguaí/RJ (Bill of Landing - BL nº TCQD1607067A e TCQD1607067B), bem como de todas as futuras importações do referido produto. 2. Cinge-se a controvérsia recursal acerca da possibilidade de se aplicar os direitos antidumping às importações de alho chinês do tipo “ESPECIAL”, à luz do que dispõem as Resoluções nº 80/2013 e nº 13/2016, ambas da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). 3. A parte autora, ora apelada, entende que deverão ser aplicados direitos antidumping apenas sobre o alho do subgrupo nobre, das classes 3, 4, 5, 6 e 7, do tipo extra, importado da República Popular da China, ao passo que a Fazenda Nacional entende que as medidas de proteção previstas na Resolução nº 80/2013 da CAMEX devem recair sobre qualquer alho de origem chinesa, o que teria sido evidenciado pelo Anexo da Resolução nº 13/2016, também da CAMEX. 4. Ao analisar conjuntamente o texto do art. 1º da Resolução nº 80/2013 - CAMEX e do item 3.1 de seu Anexo, constata-se com facilidade que o escopo da medida antidumping é tratado tanto de forma genérica (alhos frescos ou refrigerados oriundos da República Popular da China), quanto de forma pormenorizada (alho importado da República Popular da China, definido como sendo o bulbo da espécie Allium Sativum que, independentemente da sua coloração, é classificado no subgrupo de alhos nobres, das classes 5, 6 e 7, do tipo extra). 5. Tal inconsistência gerou insegurança jurídica aos importadores de alho, culminando na instauração do 55
procedimento de avaliação de escopo requerido pela empresa Island International Trade Ltda., com o único objetivo de determinar se os alhos frescos ou refrigerados das classes 3 e 4 também estariam sujeitos à aplicação da medida protetiva. 6. O procedimento em questão resultou na edição da Resolução nº 13/2016 - CAMEX que, a toda evidência, incluiu as importações de alhos frescos ou refrigerados de classes 3 e 4 no âmbito de aplicação dos direitos antidumping instituídos pela Resolução nº 80/2013 - CAMEX, conforme o disposto em seu art. 1º. 7. Ocorre que a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - SECEX houve por bem explicitar no Anexo da Resolução nº 13/2016 que, realizando uma interpretação mais abrangente e aprofundada do procedimento de definição do objeto da medida antidumping – que resultou na edição da Resolução 80/2013 –, foi possível concluir que todas as informações e documentos que o instruíram sempre se referem ao alho de forma genérica, sem qualquer segregação por tipo, classe ou grupo. 8. Entretanto, contrariamente ao que aduz a Fazenda Nacional, as conclusões expostas no Anexo da Resolução nº 13/2016 não podem inovar a ordem jurídica, sob pena de frontal violação ao princípio da legalidade insculpido no art. 150, inciso I, da CF/88. 9. O próprio Anexo da Resolução nº 13/2016 faz transparecer que o procedimento de avaliação ali descrito não tem o condão de modificar o escopo do direito antidumping vigente, uma vez que a legislação de regência lhe atribui o caráter meramente interpretativo. 10. O texto do art. 154 do Decreto nº 8.058/2013 encerra a discussão instaurada, pois deixa extreme de dúvidas que eventuais conclusões advindas das avaliações de escopo servirão como fundamento para o processo de revisão, seara competente para realizar as modificações pretendidas pela Fazenda Nacional. 11. Conforme assentou o juízo de origem, os honorários de sucumbência, inclusive recursais, serão fixados quando liquidado o julgado, conforme o disposto no art. 85, § 4º, II, do CPC/15. 12. Apelação improvida. 56
No caso em tela, cinge-se a controvérsia recursal acerca da possibilidade de se aplicar os direitos antidumping às importações de alho chinês do tipo “ESPECIAL”, à luz do que dispõem as Resoluções nº 80/2013 e nº 13/2016, ambas da Câmara de Comércio Exterior (CAMEX). Enquanto a parte autora entende que deverão ser aplicados direitos antidumping apenas sobre o alho do subgrupo nobre, das classes 3, 4, 5, 6 e 7, do tipo extra, importado da República Popular da China, a Fazenda Nacional defende que as medidas de proteção previstas na Resolução nº 80/2013 da CAMEX devem recair sobre qualquer alho de origem chinesa, o que teria sido evidenciado pelo Anexo da Resolução nº 13/2016, também da CAMEX. Ao se debruçar sobre o recurso extraordinário interposto, vê-se que a alegada violação ao art. 5º, XXXV e LV, e art. 93, IX, da CF/88, residiria no fato de que “não se pronunciou a eg. Turma do TRF-5ª Região acerca do fato de que a Resolução nº 13/2016 não afrontou ao princípio da legalidade, eis que não inovou a ordem jurídica, mas, tão somente, corrigiu clara inconsistência contida na Resolução CAMEX nº 80/13”. E, nessa toada, discorre detalhadamente acerca do que sucedeu, apontando equívoco entre o art. 1º, da Resolução CAMEX n° 80/13 e o anexo da dita Resolução (no seu item referente ao produto objeto do direito antidumping, onde fez referência expressa ao alho “classificado no subgrupo de alhos nobres, das classes 5, 6 e 7, do tipo extra”), o que teria ensejado a edição da Resolução CAMEX n° 13/16. Para concluir acerca da alegada ofensa aos princípios invocados, faz-se necessária análise detida das Resoluções n° 80/13 e 13/2016, na mesma linha da realizada nas razões recursais. Verifica-se, portanto, escorreita a decisão agravada, que negou seguimento ao recurso extraordinário, considerando que o Supremo Tribunal Federal rejeitou a repercussão geral quando o tema depender da análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais (ARE 748.371, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tema 660). Sobre a alegação de que o v. acórdão estaria imotivado, em suposta violação ao art. 93, IX, da CF/88, a decisão impugnada restou motivada, obedecendo aos estritos termos do entendimento 57
firmado pelo STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/PE, quando reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que o aludido dispositivo constitucional “exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010). Eis a ementa do mencionado julgado: Questão de ordem. Agravo de instrumento. Conversão em recurso extraordinário (CPC, art. 544, §§ 3° e 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral. (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010)
Percebe-se que a decisão guerreada motivou, adequadamente, o comparecimento dos elementos de convicção de que as conclusões expostas no Anexo da Resolução nº 13/2016 não podem inovar a ordem jurídica, sob pena de frontal violação ao princípio da legalidade insculpido no art. 150, inciso I, da CF/88, não cabendo considerar hipótese de ofensa ao art. 93, inc. IX, da CF/88. Nesse sentido, transcrevo excertos do v. Acórdão que enfrentam essa questão: 4. Ao analisar conjuntamente o texto do art. 1º da Resolução nº 80/2013 - CAMEX e do item 3.1 de seu Anexo, constata-se com facilidade que o escopo da medida antidumping é tratado tanto de forma genérica (alhos frescos ou refrigerados oriundos da República Popular da China), quanto de forma pormenorizada (alho importado da República Popular da China, definido como sendo o 58
bulbo da espécie Allium Sativum que, independentemente da sua coloração, é classificado no subgrupo de alhos nobres, das classes 5, 6 e 7, do tipo extra). 5. Tal inconsistência gerou insegurança jurídica aos importadores de alho, culminando na instauração do procedimento de avaliação de escopo requerido pela empresa Island International Trade Ltda., com o único objetivo de determinar se os alhos frescos ou refrigerados das classes 3 e 4 também estariam sujeitos à aplicação da medida protetiva. 6. O procedimento em questão resultou na edição da Resolução nº 13/2016 - CAMEX que, a toda evidência, incluiu as importações de alhos frescos ou refrigerados de classes 3 e 4 no âmbito de aplicação dos direitos antidumping instituídos pela Resolução nº 80/2013 - CAMEX, conforme o disposto em seu art. 1º. 7. Ocorre que a Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior - SECEX houve por bem explicitar no Anexo da Resolução nº 13/2016 que, realizando uma interpretação mais abrangente e aprofundada do procedimento de definição do objeto da medida antidumping – que resultou na edição da Resolução 80/2013 –, foi possível concluir que todas as informações e documentos que o instruíram sempre se referem ao alho de forma genérica, sem qualquer segregação por tipo, classe ou grupo. 8. Entretanto, contrariamente ao que aduz a Fazenda Nacional, as conclusões expostas no Anexo da Resolução nº 13/2016 não podem inovar a ordem jurídica, sob pena de frontal violação ao princípio da legalidade insculpido no art. 150, inciso I, da CF/88.
Com essas considerações, nego provimento ao agravo interno. É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0808837-52.2018.4.05.8100-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE Apelante: UNIÃO Apelada: MARGARIDA MARIA DIAS IBIAPINA Advs./Procs.: DRS. SÉRGIO RICARDO DE OLIVEIRA (APTE.) E FRANCISCO CARLOS DIAS (APDA.) EMENTA: ADMINISTRATIVO. PENSÃO. INTERDIÇÃO. PAGAMENTO DE DIFERENÇAS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. APELAÇÃO. DESPROVIMENTO. I - Apelação em face de sentença proferida que julgou parcialmente procedente o pedido “para reconhecer à parte autora o direito ao pagamento das parcelas em atraso, referentes à pensão por morte, desde a data da sentença de interdição (4.6.2014) até o mês anterior ao da implantação do benefício (31.1.2016). Mencionadas parcelas em atraso devem ser corrigidas pelo IPCA-E, com aplicação dos juros de mora equivalentes ao da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal”. II - A condição de beneficiária da pensão surgiu a partir do momento em que houve a interdição da autora, que ocorreu em 04/06/2014, fazendo jus ao pagamento das diferenças até a data em que houve a efetiva implantação do benefício, em fevereiro de 2016. III - JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA: A correção monetária, em se tratando de matérias administrativa e civil, se dará pelo INPC e os juros de mora pela remuneração da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal observando-se o que decido pelo Supremo Tribunal Federal, conforme precedente desta egrégia Primeira Turma e em atenção ao que foi decidido em julgamento ampliado da 1ª e 3ª Turmas do TRF 5ª Região. 60
IV - Quanto aos honorários recursais, ante o não provimento da apelação, majora-se a condenação em honorários advocatícios, a título de honorários recursais (art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015), em 2%. V - Desprovimento da apelação. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são Partes as acima indicadas, decide o Pleno do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, integrantes do presente julgado. Recife, 9 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE: Cuida-se de apelação em face de sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 6ª Vara Federal da Seção Judiciária do CE que julgou parcialmente procedente o pedido “para reconhecer à parte autora o direito ao pagamento das parcelas em atraso, referentes à pensão por morte, desde a data da sentença de interdição (4.6.2014) até o mês anterior ao da implantação do benefício (31.1.2016). Mencionadas parcelas em atraso devem ser corrigidas pelo IPCA-E, com aplicação dos juros de mora equivalentes ao da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal”. A sentença considerou: Ressalte-se, por oportuno, que as recentíssimas alterações promovidas pela Medida Provisória nº 871, de 18.1.2019, que, dando nova redação ao art. 219 da Lei nº 8.112/90, estabeleceu prazos para a formulação de requerimento de pensão por morte de servidor público, são inaplicáveis ao
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presente caso, em respeito ao princípio da irretroatividade e ao direito adquirido. Por outro lado, por ser maior de idade, a condição de beneficiária da autora passou a ocorrer, no meu entender, somente com a sentença de interdição, proferida em 4/6/2014, de modo que, a partir dessa data, é que passa a ter direito à pensão, e não da data do óbito de sua mãe (1º/2/2014). Em síntese, considerando que a União Federal não contestou a alegação da autora que sua pensão teria sido paga somente a partir de fevereiro de 2016, entendo que a promovente faz jus às diferenças devidas a título de pensão por morte estatutária, entre 4/6/2014 e 31/1/2016. (...) No julgamento das ADIs nºs 4.357/DF e 4.425/DF, em 25/3/2015, foi declarado parcialmente inconstitucional a sistemática de pagamento de precatórios introduzida pela EC nº 62/09, afastando a aplicação da TR a partir de 26.3.2015, como índice de atualização de valores de requisitórios, e determinando a utilização, em seu lugar, do IPCA-E. O STF considerou que o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança é incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão e, por essa razão, a sua utilização como índice de atualização de valores de requisitórios estaria violando o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII). Embora o objeto de discussão das ADIs nºs 4.357/DF e 4.425/DF não abrangesse a forma de atualização do valor da condenação no período anterior à expedição do precatório, nos casos concretos por mim apreciados, passei a considerar que, também neste período, deveria ser afastada a utilização da TR como índice de atualização, dada a sua inaptidão para repor as perdas decorrentes do fenômeno inflacionário, representando, assim, conforme conclusão do STF, ofensa ao direito de propriedade. Não foi outro o entendimento do TRF da 5ª Região, conforme precedentes abaixo transcritos: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DO IPCA-E. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão que, em execução de sentença contra a Fazenda Pública, determinou que o débito fosse atualizado 62
mediante a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E, conforme prevê o Manual de Cálculos da Justiça Federal. 2. O Pleno deste Tribunal Regional Federal definiu ser “descabida a pretensão da embargante de fazer incidir atualização monetária pela TR, porque o STF, no julgamento das ADIs nº 4.357 e nº 4.425, em que pese ter discutido a questão com vinculação ao regime dos precatórios requisitórios (art. 100 da CF/88 com a redação da EC nº 62/2009), deixou clara a imprestabilidade do índice oficial de remuneração da caderneta de poupança para a atualização monetária dos débitos fazendários, elegendo o IPCA-E para tal finalidade”.1
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Sentença
(...) II - FUNDAMENTOS - CONSIDERAÇÕES INICIAIS Registro, de início, que o caso é de julgamento do feito no estado em que se encontra, porquanto a questão em discussão é eminentemente de direito, de modo a incidir na espécie a regra do artigo 355, I, do CPC. Verifico, ainda, que estão presentes os pressupostos de constituição e desenvolvimento válido e regular da relação processual, tendo sido o feito processado com estrita observância do contraditório e da ampla defesa, inexistindo qualquer situação que possa ensejar afronta ao devido processo legal. - DO MÉRITO Analisando a documentação anexada aos autos, observo que José Marques Ibiapina, ex-funcionário do Ministério dos Transportes, faleceu em 23/1/2003 (Id. 3809106), deixando uma pensão para sua ex-esposa, Maria Antonieta Dias Ibiapina, que dela se beneficiou até seu óbito, em 1º/2/2014 (Id. 3809106). A autora, Margarida Maria Dias Ibiapina, filha de José Marques Ibiapina e Maria Antonieta Dias Ibiapina, teve sua interdição decretada por sentença proferida em 4/6/2014, que a declarou absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil (Id. 3809106). Cerca de quatro meses após decretada a interdição da promovente, em 30/10/2014, teve início a sua pensão, de natureza temporária, conforme comprovante de rendimentos do Ministério dos Transportes, referente ao mês de pagamento de fevereiro de 2016 (Id. 3809106). Nesse contexto, observo que o regime jurídico aplicável aos servidores públicos federais (Lei nº 8.112/1990), à época dos fatos em análise, determinava a data do óbito como termo inicial da pensão por morte de servidor, independentemente do tempo em que foi requerida, ressalvadas as parcelas prescritas.
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A União interpôs recurso de apelação, postulando a reforma do julgado, alegando o seguinte: (...) O Código Civil Brasileiro estabelece a definição de ato ilícito em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar Com efeito, a Lei nº 8.112/1990 trazia as seguintes disposições: Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes, nas hipóteses legais, fazem jus à pensão a partir da data de óbito, observado o limite estabelecido no inciso XI do caput do art. 37 da Constituição Federal e no art. 2° da Lei n° 10.887, de 18 de junho de 2004. Art. 219. A pensão poderá ser requerida a qualquer tempo, prescrevendo tão somente as prestações exigíveis há mais de 5 (cinco) anos. Parágrafo único. Concedida a pensão, qualquer prova posterior ou habilitação tardia que implique exclusão de beneficiário ou redução de pensão só produzirá efeitos a partir da data em que for oferecida. No caso a ser apreciado, ressalto, já existia uma pensão por morte, da mãe da autora, que foi cessada com o seu óbito. E a pensão da promovente não implicou “exclusão de beneficiário ou redução de pensão” (art. 219, parágrafo único, acima), justamente por ter sido requerida após a cessação da pensão da mãe. Assim, a princípio, seus efeitos deveriam retroagir à data da cessação do benefício de sua mãe. Nesse sentido, segue precedente da 3ª Turma do TRF da 5ª Região, em decisão unânime: ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. BENEFICIÁRIO. HABILITAÇÃO TARDIA. REQUERIMENTO FORMULADO APÓS O ÓBITO DE PENSIONISTA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DA CESSAÇÃO DA PENSÃO PRECEDENTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. RE 870.947. APLICAÇÃO. DESNECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO. IMPROVIMENTO. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido autoral, para determinar ao INSS que promova o pagamento da pensão por morte à parte autora, com DIB em 27/08/2015. 2. No caso em apreço, foi ajuizada ação por particular contra o INSS, buscando-se provimento judicial que assegurasse a concessão de pensão civil estatutária de seu genitor, servidor aposentado da referida autarquia, retroativamente à data do falecimento de sua genitora pensionista, por sua condição de inválido, ou, subsidiariamente, desde a data do requerimento administrativo. 3. A irresignação do INSS diz respeito a dois pontos: a) a data de início de benefício; b) índice de correção monetária. 4. A pensão por morte instituída por servidor público federal pode ser requerida a qualquer tempo e é devida a partir da data do óbito, prescrevendo-se tão somente as prestações exigíveis há mais de 5 (cinco) anos (arts. 215 e 219 da Lei
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direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, os elementos da responsabilidade civil são: a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa. No caso dos autos, não houve culpa da União Federal, não houve conduta negligente, nem imprudente dos agentes. A pequena demora em deferir o pedido de pensão, deveu-se à
8.112/90). No entanto, se a pensão já era paga regulamente a outro dependente, não há possibilidade de efeitos financeiros em relação ao período anterior à inclusão administrativa do dependente, salvo se já cessada a pensão precedente. Em outros termos, havendo habilitação de dependente posterior à concessão da pensão pela morte do instituidor, se não cessada a pensão precedente, os efeitos financeiros que importem em exclusão ou inclusão de dependente contar-se-ão a partir da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 219, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90. Porém, se já cessada a pensão precedente, o termo inicial do benefício será a data da cessação do benefício, na medida em que a habilitação tardia não ensejará a exclusão de beneficiário ou redução de pensão. 5. No caso dos autos, após o óbito do instituidor da pensão, a mãe do autor passou a receber o valor integral da pensão por morte, e o autor admite que não requereu a metade do benefício em seu favor, uma vez que todas as suas necessidades sempre foram supridas. O demandante apenas requereu sua habilitação após a morte de sua genitora, quando houve a cessação do benefício. 6. Diante desse contexto, mostra-se correto o entendimento do juízo de origem ao fixar o termo inicial do benefício a data do falecimento da genitora do demandante, levando-se em conta que ela sempre foi beneficiária do valor integral da pensão por morte, que era revertido em favor da sua saúde do autor, conforme ele mesmo admitiu na petição inicial. (...) (PROCESSO: 08022856920174058500, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 30/08/2018, PUBLICAÇÃO: ) Ressalte-se, por oportuno, que as recentíssimas alterações promovidas pela Medida Provisória nº 871, de 18.1.2019, que, dando nova redação ao art. 219 da Lei nº 8.112/90, estabeleceu prazos para a formulação de requerimento de pensão por morte de servidor público, são inaplicáveis ao presente caso, em respeito ao princípio da irretroatividade e ao direito adquirido. Por outro lado, por ser maior de idade, a condição de beneficiária da autora passou a ocorrer, no meu entender, somente com a sentença de interdição, proferida em 4/6/2014, de modo que, a partir dessa data, é que passa a ter direito à pensão, e não da data do óbito de sua mãe (1º/2/2014). Em síntese, considerando que a União Federal não contestou a alegação da autora que sua pensão teria sido paga somente a partir de fevereiro de 2016, entendo que a promovente faz jus às diferenças devidas a título de pensão por morte estatutária, entre 4/6/2014 e 31/1/2016.
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necessidade de a Administração obedecer a procedimentos formais de análise de dados/documentos para a prática dos atos administrativos de forma correta e em observância dos princípios que norteiam a atividade pública. 3. DA EVENTUALIDADE - DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA Apenas a título de argumentação, caso este Tribunal não acolha os argumentos supramencionados, melhor sorte
- DA ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA No julgamento das ADIs nºs 4.357/DF e 4.425/DF, em 25/3/2015, foi declarado parcialmente inconstitucional a sistemática de pagamento de precatórios introduzida pela EC nº 62/09, afastando a aplicação da TR a partir de 26.3.2015, como índice de atualização de valores de requisitórios, e determinando a utilização, em seu lugar, do IPCA-E. O STF considerou que o índice oficial de remuneração da caderneta de poupança é incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão e, por essa razão, a sua utilização como índice de atualização de valores de requisitórios estaria violando o direito fundamental de propriedade (CF, art. 5º, XXII). Embora o objeto de discussão das ADIs nºs 4.357/DF e 4.425/DF não abrangesse a forma de atualização do valor da condenação no período anterior à expedição do precatório, nos casos concretos por mim apreciados, passei a considerar que, também neste período, deveria ser afastada a utilização da TR como índice de atualização, dada a sua inaptidão para repor as perdas decorrentes do fenômeno inflacionário, representando, assim, conforme conclusão do STF, ofensa ao direito de propriedade. Não foi outro o entendimento do TRF da 5ª Região, conforme precedentes abaixo transcritos: AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO DE SENTENÇA CONTRA A FAZENDA PÚBLICA. CORREÇÃO MONETÁRIA. APLICAÇÃO DO IPCA-E. PRECEDENTES. RECURSO IMPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto em face de decisão que, em execução de sentença contra a Fazenda Pública, determinou que o débito fosse atualizado mediante a aplicação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial - IPCA-E, conforme prevê o Manual de Cálculos da Justiça Federal. 2. O Pleno deste Tribunal Regional Federal definiu ser “descabida a pretensão da embargante de fazer incidir atualização monetária pela TR, porque o STF, no julgamento das ADIs nº 4.357 e nº 4.425, em que pese ter discutido a questão com vinculação ao regime dos precatórios requisitórios (art. 100 da CF/88 com a redação da EC nº 62/2009), deixou clara a imprestabilidade do índice oficial de remuneração da caderneta de poupança para
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assiste à União no que tange aos índices de atualização monetária que devem se aplicados no pagamento das parcelas pretéritas. A UNIÃO FEDERAL, insiste na utilização da TR, sob os fundamentos jurídicos abaixo esposados.
a atualização monetária dos débitos fazendários, elegendo o IPCA-E para tal finalidade”. (Processo nº 00000269420154050000, EEX 260/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO, Pleno, Julgamento: 17/02/2016, Publicação: DJe 25/02/2016 - Página 44). No mesmo sentido: Processo nº 08035246820134058300, APELREEX/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Pleno, Julgamento: 05/09/2016. 3. Esta Terceira Turma, na esteira desse entendimento, firmou a posição de que, enquanto pendente de julgamento o RE 870.947/SE, que reconheceu a existência de repercussão geral a respeito da validade jurídico-constitucional da correção monetária e dos juros moratórios na forma estabelecida pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09 (no que toca à condenação imposta à Fazenda Pública até a expedição do requisitório), é de se aplicar o Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente quando da execução do julgado (Processo nº 08085302220164050000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI, 3ª Turma, Julgamento: 01/04/2017). 4. Agravo de instrumento improvido. (AG 00004913520174050000, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, TRF5 - Terceira Turma, DJe - Data: 29/05/2017 - Página: 22.) ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. CORREÇÃO MONETÁRIA. INAPLICABILIDADE DA LEI Nº 11.960/2009. APLICAÇÃO DO MANUAL DE CÁLCULO DA JUSTIÇA FEDERAL. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 1. Insurge-se a apelante quanto ao índice de correção monetária aplicado pelo Magistrado singular (IPCA-E, por se tratar de servidor público), ao tempo em que defende a aplicação do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (Redação dada pela Lei nº 11.960/2009). 2. O Supremo Tribunal Federal, em julgamento da ADI 4.357, reconheceu a inconstitucionalidade do parágrafo 12 do art. 100 da Constituição, trazido pela Emenda Constitucional nº 62/2009 e, por arrastamento, do art. 5º da Lei nº 11.960/2009 (deu nova redação ao art. 1º-F da Lei nº 9.494/1997). 3. Decidiu o STF que até a data de 25/03/2015, salvo os casos em que, por lei, já incidia o índice de correção do IPCA-E, deve-se manter a incidência do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR) para os precatórios já expedidos ou pagos. Após o dia 25/03/2015, segundo o Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Questão de Ordem na ADIN 4.425/DF, deverá ocorrer a correção pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), que é o índice usado pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal. 4. A mencionada decisão proferida pela Suprema Corte analisou a questão sob a ótica dos débitos inscritos em precatório. Todavia, o fundamento basilar constitui uma tendência jurisprudencial em se aplicar também em
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Como é sabido, no dia 20/09/2017, o e. STF julgou o Recurso Extraordinário n° 870.947, com repercussão geral reconhecida, declarando a inconstitucionalidade da utilização da TR para a correção monetária das condenações da Fazenda Pública antes da inscrição do precatório.
relação à correção do período anterior à inscrição do requisitório, uma vez que dispôs que a TR não reflete a perda de poder aquisitivo da moeda. 5. A jurisprudência desta eg. Corte firmou o entendimento de que, enquanto pendente a matéria de apreciação pelo c. STF, a correção monetária incide a partir de quando deveria ter sido efetuado o pagamento das parcelas perseguidas, nos moldes estatuídos pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal. Decisões do Pleno do TRF5, à unanimidade, na Sessão realizada no dia 17/06/2015, ao proferir o julgamento dos processos nºs 0800212-05.2013.4.05.0000, 080060758.2013.4.05.0000 e APELREEX nº 22.880/PB. 6. Apelação não provida. (AC 00063896320144058300, Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior, TRF5 - Terceira Turma, DJe - Data: 10/04/2017 - Página: 47.) Contudo, persistia a controvérsia judicial acerca da validade, ou não, da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre condenações impostas à Fazenda Pública segundo os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (Taxa Referencial - TR), conforme determina o art. 1º-F da Lei 9.494/1997, com a redação dada pela Lei 11.960/2009. Essa questão foi analisada pelo STF no RE 870.947/SE, que fixou, em 20/9/2017, as seguintes teses, em sede de repercussão geral (Tema 810): 1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. A tese foi fixada, como se observa, em sintonia com o entendimento que já vinha sendo adotado por este juízo, e passou a ser amplamente aplicada pelas instâncias a quo, o que levou vários entes federativos, que se sentiram prejudica-
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Todavia, é importante frisar que o r. acórdão em questão ainda não transitou em julgado. Ademais, na Sessão Plenária em que foi finalizado o julgamento, o e. STF não deixou claro qual seria o termo inicial para a incidência dos efeitos do julgamento, o que torna,
dos com o fato de a decisão não ter modulado seus efeitos, a interpor embargos de declaração, com pedido de efeito suspensivo. Em 24/9/2018, o Ministro-Relator Luiz Fux deferiu, excepcionalmente, efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos, por entender que “a imediata aplicação do decisum embargado pelas instâncias a quo, antes da apreciação por esta Suprema Corte do pleito de modulação dos efeitos da orientação estabelecida, pode realmente dar ensejo à realização de pagamento de consideráveis valores, em tese, a maior pela Fazenda Pública, ocasionando grave prejuízo às já combalidas finanças públicas”. Em que pese o STF ter suspendido o efeito vinculante imediato de sua decisão proferida no RE 870.947/SE, em sede de repercussão geral, observo que esta suspensão tão somente desobriga, mas não impede, o afastamento da TR a partir de julho de 2009, até porque dúvida não há que este índice de correção viola o direito fundamental de propriedade, por ser incapaz de preservar o valor real do crédito de que é titular o cidadão. Nesse sentido, segue precedente do TRF da 5ª Região abaixo transcrito: ADMINISTRATIVO. PENSÃO DE EX-SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. FILHA MAIOR, SOLTEIRA E NÃO OCUPANTE DE CARGO PÚBLICO PERMANENTE. CONCESSÃO. REQUISITOS DA LEI Nº 3.373/58. 1. A ação foi ajuizada objetivando a concessão da pensão por morte, com base na Lei nº 3.373/58 (filha de servidor público, maior, solteira e não ocupante de cargo público permanente), por continuar pendente de decisão o pleito administrativo formulado em 2006. A sentença condenou a União: 1) a habilitar a autora como dependente do seu pai, para os fins do art. 5º, parágrafo único, II, da Lei 3.373/1958; 2) ao pagamento de pensão temporária à autora, na proporão de 1/3 (um terço), em rateio com outras duas filhas do instituidor, já beneficiárias da pensão, a contar da data do requerimento administrativo (18.08.2006). (...) 12. Condenações impostas à Fazenda Pública oriundas de relações jurídicas não tributárias. STF: RE Repercussão Geral nº 870.947/SE. STJ: REsp Repetitivo nº 1.495.146/MG. Correção monetária pelo IPCA-E. Juros moratórios pelos índices de remuneração da caderneta de poupança. 13. Não se desconhece a recente decisão do STF, em sede de embargos de declaração no RE nº 870.947/SE, quanto à suspensão do seu efeito vinculante imediato. Nesse tocante, esta Primeira Turma assim se posicionou: “Ainda que se considere que o STF recentemente, em sede dos embargos de declaração opostos no RE nº 870.947, suspendeu o seu efeito vinculante imediato, tem-se por certo que, com essa decisão, o Pretório Excelso apenas desobrigou, mas não impediu, o afastamento daquela regra de correção
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não só possível, como certo, que será suscitada a modulação dos efeitos do julgamento do RE 870.947, pela Suprema Corte, dos efeitos do pronunciamento por ela proferido, com esteio em razões de segurança jurídica. Explica-se. Até a expressa declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo, com efeitos vinculantes, pairava sobre o
monetária” (0807725-73.2017.4.05.8200 Rel. Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, Primeira Turma, julgado em 04.10.2018). 14. A sentença merece reparo, considerando que determinou juros de mora de 0,5% ao mês, quando deveriam incidir segundo a caderneta de poupança. 15. Apelação improvida e remessa necessária parcialmente provida, apenas quanto aos juros moratórios. Honorários advocatícios, fixados na sentença, majorados em 20%, ex vi do disposto no parágrafo 11 do art. 85 do CPC (honorários recursais). (PROCESSO: 08030231720134058300, DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO, 1º Turma, JULGAMENTO: 23/10/2018, PUBLICAÇÃO:) Em resumo, entendo que as parcelas em atraso devem ser corrigidas pelo IPCA-E, com aplicação dos juros de mora equivalentes ao da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. - DA REMESSA NECESSÁRIA Esclareço, ao final, em que pese a iliquidez da obrigação de pagar objeto da condenação, não se tratar de remessa necessária, pois as vinte parcelas devidas a título de pensão estão longe de superar o limite estabelecido no art. 496, § 3º, I, do CPC. III - DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, para reconhecer à parte autora o direito ao pagamento das parcelas em atraso, referentes à pensão por morte, desde a data da sentença de interdição (4.6.2014) até o mês anterior ao da implantação do benefício (31.1.2016). Mencionadas parcelas em atraso devem ser corrigidas pelo IPCA-E, com aplicação dos juros de mora equivalentes ao da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Sucumbindo a autora em parte mínima do pedido, condeno a promovida a responder, por inteiro, pelas despesas e honorários, nos termos do art. 86, parágrafo único, do CPC. Tratando-se de sentença ilíquida, a fixação do percentual de honorários, tomando por base o valor da condenação, será realizada quando da liquidação, nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC. Apresentado recurso voluntário, dê-se vista para contrarrazões e, em seguida, remetam-se os autos à superior apreciação do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região. Publique-se. Registre-se. Intime-se.
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art. 1º-F da Lei 9.494/97 a presunção de constitucionalidade inerente a todo texto legal, de modo que o referido índice vinha sendo utilizado normalmente pela União. Atentaria contra a segurança jurídica afirmar agora, cerca de oito anos após a edição da Lei 11.960/09, que conferiu a atual redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, que a declaração de sua inconstitucionalidade surtiria efeitos ex tunc, retroagindo à data da alteração legislativa...2
Contrarrazões no sentido de desprovimento do recurso. É o relatório.
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Apelação
(...) 2.1 DA AUSÊNCIA DE CULPA O Código Civil Brasileiro estabelece a definição de ato ilícito em seu artigo 186: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”. Assim, os elementos da responsabilidade civil são: a conduta culposa do agente, nexo causal, dano e culpa. No caso dos autos, não houve culpa da União Federal, não houve conduta negligente, nem imprudente dos agentes. A pequena demora em deferir o pedido de pensão, deveu-se à necessidade de a Administração obedecer a procedimentos formais de análise de dados/documentos para a prática dos atos administrativos de forma correta e em observância dos princípios que norteiam a atividade pública. 3. DA EVENTUALIDADE - DA CORREÇÃO MONETÁRIA E DOS JUROS DE MORA Apenas à título de argumentação, caso este Tribunal não acolha os argumentos supramencionados, melhor sorte assiste à União no que tange aos índices de atualização monetária que devem se aplicados no pagamento das parcelas pretéritas. A UNIÃO FEDERAL, insiste na utilização da TR, sob os fundamentos jurídicos abaixo esposados. Como é sabido, no dia 20/09/2017, o e. STF julgou o Recurso Extraordinário n° 870.947, com repercussão geral reconhecida, declarando a inconstitucionalidade da utilização da TR para a correção monetária das condenações da Fazenda Pública antes da inscrição do precatório. Todavia, é importante frisar que o r. acórdão em questão ainda não transitou em julgado. Ademais, na Sessão Plenária em que foi finalizado o julgamento, o e. STF não deixou claro qual seria o termo inicial para a incidência dos efeitos do julgamento, o que torna, não só possível, como certo, que será suscitada a modulação dos efeitos do julgamento do RE 870.947, pela Suprema Corte,
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VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (Relator): Destaco da sentença os fundamentos que ensejaram a procedência parcial do pedido, com os quais compartilho: Analisando a documentação anexada aos autos, observo que José Marques Ibiapina, ex-funcionário do Ministério dos Transportes, faleceu em 23/1/2003 (Id. 3809106), deixando uma pensão para sua ex-esposa, Maria Antonieta Dias Ibiapina, que dela se beneficiou até seu óbito, em 1º/2/2014 (Id. 3809106). A autora, Margarida Maria Dias Ibiapina, filha de José Marques Ibiapina e Maria Antonieta Dias Ibiapina, teve sua dos efeitos do pronunciamento por ela proferido, com esteio em razões de segurança jurídica. Explica-se. Até a expressa declaração de inconstitucionalidade pelo Supremo, com efeitos vinculantes, pairava sobre o art. 1º-F da Lei 9.494/97 a presunção de constitucionalidade inerente a todo texto legal, de modo que o referido índice vinha sendo utilizado normalmente pela União. Atentaria contra a segurança jurídica afirmar agora, cerca de oito anos após a edição da Lei 11.960/09, que conferiu a atual redação ao art. 1º-F da Lei 9.494/97, que a declaração de sua inconstitucionalidade surtiria efeitos ex tunc, retroagindo à data da alteração legislativa. Destaca-se, por oportuno, que a r. decisão proferida em controle difuso de constitucionalidade possui, em regra, efeitos ex nunc (prospectivos), salvo expressa previsão em contrário, o que inexiste no caso concreto. Nesse sentido, o e. STF modulou os efeitos das ADIs 4.357 e 4.425, estabelecendo o seguinte: “Conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade dos seguintes aspectos da ADI, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da presente questão de ordem (25.03.2015) e mantendo-se válidos os precatórios expedidos ou pagos até esta data, a saber: 2.1. Fica mantida a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, data após a qual (i) os créditos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E) e (ii) os precatórios tributários deverão observar os mesmos critérios pelos quais a Fazenda Pública corrige seus créditos tributários; e 2.2. Ficam resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária”. (Grifou-se)
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interdição decretada por sentença proferida em 4/6/2014, que a declarou absolutamente incapaz de exercer pessoalmente os atos da vida civil (Id. 3809106). Cerca de quatro meses após decretada a interdição da promovente, em 30/10/2014, teve início a sua pensão, de natureza temporária, conforme comprovante de rendimentos do Ministério dos Transportes, referente ao mês de pagamento de fevereiro de 2016 (Id. 3809106). Nesse contexto, observo que o regime jurídico aplicável aos servidores públicos federais (Lei nº 8.112/1990), à época dos fatos em análise, determinava a data do óbito como termo inicial da pensão por morte de servidor, independentemente do tempo em que foi requerida, ressalvadas as parcelas prescritas.
Portanto, a aplicação da TR, como índice de correção monetária, nos precatórios, foi mantida pelo e. STF, até 25.03.2015, data da modulação dos efeitos das ADIs nº 4.357/DF e nº 4.425/DF. Repita-se, no julgamento das ADIs nº 4.357/DF e nº 4.425/DF, em 14/03/2013 a despeito de ter declarado a inconstitucionalidade parcial por arrastamento do art. 5º da Lei n° 11.960/09, a limitou à atualização de valores requisitórios, após a modulação dos efeitos dos referidos julgados, em 25/03/2015. Portanto, ao decidir sobre a modulação temporal dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, o e. STF Federal decidiu conferir eficácia prospectiva à declaração de inconstitucionalidade, fixando como marco inicial a data de conclusão do julgamento da questão de ordem (25.03.2015), mantendo a aplicação do índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança (TR), nos termos da Emenda Constitucional nº 62/2009, até 25.03.2015, ficando resguardados os precatórios expedidos, no âmbito da administração pública federal, com base nos arts. 27 das Leis nº 12.919/13 e nº 13.080/15, que fixam o IPCA-E como índice de correção monetária. Aliás, cumpre registrar que, mesmo antes da modulação dos efeitos, em 25/03/2015, a e. Corte Constitucional já havia vedado, com efeito vinculante, todas as declarações de inconstitucionalidade do sistema instituído pela EC nº 62/2009 e pela Lei nº 11.960/2009, no tocante à aplicação da TR para débito não inscritos em precatórios, conforme de infere, por exemplo, da decisão que julgou o RE n° 849.418, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 12/12/2014, publicado em DJe-248 DIVULG 16/12/2014 PUBLIC 17/12/2014. Assim, caberá ao e. Supremo estipular o termo final da utilização da TR, a partir do qual os débitos judiciais da Fazenda Pública passarão a ser atualizados pelo IPCA-E. Aliás, r. voto proferido pelo Excelentíssimo Ministro Relator Luiz Fux, aliás, dá clara sinalização no sentido da modulação, como revela o seguinte trecho:
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Com efeito, a Lei nº 8.112/1990 trazia as seguintes disposições: Art. 215. Por morte do servidor, os dependentes, nas hipóteses legais, fazem jus à pensão a partir da data de óbito, observado o limite estabelecido no inciso XI do caput do art. 37 da Constituição Federal e no art. 2° da Lei n° 10.887, de 18 de junho de 2004. Art. 219. A pensão poderá ser requerida a qualquer tempo, prescrevendo tão somente as prestações exigíveis há mais de 5 (cinco) anos. Parágrafo único. Concedida a pensão, qualquer prova posterior ou habilitação tardia que implique exclusão de beneficiário ou redução de pensão
“A fim de evitar qualquer lacuna sobre o tema e com o propósito de guardar coerência e uniformidade com o que decidido pelo Supremo Tribunal Federal ao julgar a questão de ordem nas ADIs nº 4.357 e 4.425, entendo que devam ser idênticos os critérios para a correção monetária de precatórios e de condenações judiciais da Fazenda Pública. Naquela oportunidade, a Corte assentou que, após 25.03.2015, todos os créditos inscritos em precatórios deverão ser corrigidos pelo Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E). Nesse exato sentido, voto pela aplicação do aludido índice a todas as condenações judiciais impostas à Fazenda Pública, qualquer que seja o ente federativo de que se cuide”. Importante destacar que o Pretório Excelso admite a modulação dos efeitos de decisão proferida em sede de controle difuso de constitucionalidade por ocasião do julgamento de embargos de declaração opostos em face do r. acórdão prolatado pelo Plenário, como se infere da leitura da seguinte ementa: CONSTITUCIONAL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CABIMENTO. MODULAÇÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO. CONCESSÃO. EMBARGOS ACOLHIDOS. I - Conhecimento excepcional dos embargos de declaração em razão da ausência de outro instrumento processual para suscitar a modulação dos efeitos da decisão após o julgamento pelo Plenário. II - Modulação dos efeitos da decisão que declarou a inconstitucionalidade da cobrança da taxa de matrícula nas universidades públicas a partir da edição da Súmula Vinculante 12, ressalvado o direito daqueles que já haviam ajuizado ações com o mesmo objeto jurídico. III - Embargos de declaração acolhidos. RE 500171 ED, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 16/03/2011, DJe-106 DIVULG 02-06-2011 PUBLIC 03-062011 EMENT VOL-02536-02 PP-00220 RT v. 100, n° 912, 2011, p. 526-536. (Grifo nosso)
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só produzirá efeitos a partir da data em que for oferecida. No caso a ser apreciado, ressalto, já existia uma pensão por morte, da mãe da autora, que foi cessada com o seu óbito. E a pensão da promovente não implicou “exclusão de beneficiário ou redução de pensão” (art. 219, parágrafo único, acima), justamente por ter sido requerida após a cessação da pensão da mãe. Assim, a princípio, seus efeitos deveriam retroagir à data da cessação do benefício de sua mãe. Nesse sentido, segue precedente da 3ª Turma do TRF da 5ª Região, em decisão unânime:
Sendo assim, aberta a possibilidade de modulação pelo r. voto vencedor, existem 2 (dois) marcos temporais que podem ser utilizados pelos eminentes Ministros, quais sejam, a data do julgamento do RE nº 870.947 (20/09/2017) e a do julgamento da Questão de Ordem nas ADI’s 4.357 e 4.425 (25/03/2015). Ora, ao modular os efeitos do julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, o e. STF instituiu que a TR serviria à atualização dos precatórios até a data do julgamento da questão de ordem, qual seja, 25/03/2015. Se o intuito do Pretório Excelso é dar o mesmo tratamento às condenações judiciais do Poder Público, como ressaltou o Ministro, é de se sustentar que o termo final da utilização da TR, também neste último caso, seja a data do julgamento do RE n° 870.947. Ressalva-se, ainda, que o Pretório Excelso pode, inclusive, fixar uma data futura que figurará como marco inicial para a produção dos efeitos da tese fixada no recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. Quanto aos juros e correção monetária na forma prevista no Manual de Cálculos da Justiça Federal, repita-se, em recente decisão o STF (24.09.2018) deferiu efeito suspensivo aos embargos de declaração opostos pelos entes federativos estaduais, com fundamento no artigo 1.026, § 1º, do CPC/2015, c/c o artigo 21, V, do RISTF até que o STF julgue em caráter definitivo os embargos de declaração opostos pela União juntamente com os demais entes federativos estaduais (documento anexo). O Ministro Relator em sua decisão esclarece: “Desse modo, a imediata aplicação do decisum embargado pelas instâncias a quo, antes da apreciação por esta Suprema Corte do pleito de modulação dos efeitos da orientação estabelecida, pode realmente dar ensejo à realização de pagamento de consideráveis valores, em tese, a maior pela Fazenda Pública, ocasionando grave prejuízo às já combalidas finanças públicas”. De outro lado, o STJ analisando o tema assim decidiu: “Assim, diante de eventual reforma do julgado recorrido, por força de modulação temporal dos efeitos do acórdão proferido no Recurso Extraordinário nº 870.947 (Tema 810), mostra-se prudente atribuir-lhe efeito suspensivo até o julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, dos embargos de declaração lá opostos.
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ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. BENEFICIÁRIO. HABILITAÇÃO TARDIA. REQUERIMENTO FORMULADO APÓS O ÓBITO DE PENSIONISTA. TERMO INICIAL DO BENEFÍCIO. DATA DA CESSAÇÃO DA PENSÃO PRECEDENTE. CORREÇÃO MONETÁRIA. RE 870.947. APLICAÇÃO. DESNECESSIDADE DE TRÂNSITO EM JULGADO. IMPROVIMENTO. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou procedente o pedido autoral, para determinar ao INSS que promova o pagamento da pensão por morte à parte autora, com DIB em 27/08/2015. 2. No caso em apreço, foi ajuizada ação por particular contra o INSS, buscando-se provimento judicial que assegurasse a concessão de pensão civil estatutária de seu genitor, servidor aposentado da referida autarquia, retroativamente à data do falecimento de sua genitora pensionista, por sua condição de inválido, ou, subsidiariamente, desde a data do requerimento administrativo. 3. A irresignação do INSS diz respeito a dois pontos:
Ante o exposto, com fundamento no art. 1.030, inciso III, do Código de Processo Civil, determino o sobrestamento do recurso extraordinário, e, com fulcro no art. 1.029, § 5º, inciso III, do CPC, atribuo-lhe efeito suspensivo até a publicação do acórdão a ser proferido pelo Supremo Tribunal Federal nos embargos de declaração opostos no RE 870.947/SE (Tema 810/STF)”. Portanto, se estão suspensos os efeitos da decisão do Recurso Extraordinário n° 870.947 que declarou a inconstitucionalidade da utilização da TR para a correção monetária das condenações da Fazenda Pública então continua em vigor a Lei 11.960/09 que deu nova redação a Lei 9.494/97. 4. DO PEDIDO Diante do exposto, requer seja DADO PROVIMENTO À APELAÇÃO DA UNIÃO FEDERAL, reformando a sentença. Seja a autora condenado ao pagamento dos honorários advocatícios e demais ônus sucumbenciais, em sua máxima previsão legal. Na eventualidade de não ser reformada a r. sentença e do pedido ser acolhido, no que diz respeito aos critérios de correção Nestes termos, pede e espera deferimento. Fortaleza, 18 de março de 2019. RAIMUNDO NONATO PEREIRA DA SILVA Advogado da União. Matrícula SIAPE 6455357
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a) a data de início de benefício; b) índice de correção monetária. 4. A pensão por morte instituída por servidor público federal pode ser requerida a qualquer tempo e é devida a partir da data do óbito, prescrevendo-se tão somente as prestações exigíveis há mais de 5 (cinco) anos (arts. 215 e 219 da Lei 8.112/90). No entanto, se a pensão já era paga regularmente a outro dependente, não há possibilidade de efeitos financeiros em relação ao período anterior à inclusão administrativa do dependente, salvo se já cessada a pensão precedente. Em outros termos, havendo habilitação de dependente posterior à concessão da pensão pela morte do instituidor, se não cessada a pensão precedente, os efeitos financeiros que importem em exclusão ou inclusão de dependente contar-se-ão a partir da data do requerimento administrativo, nos termos do art. 219, parágrafo único, da Lei nº 8.112/90. Porém, se já cessada a pensão precedente, o termo inicial do benefício será a data da cessação do benefício, na medida em que a habilitação tardia não ensejará a exclusão de beneficiário ou redução de pensão. 5. No caso dos autos, após o óbito do instituidor da pensão, a mãe do autor passou a receber o valor integral da pensão por morte, e o autor admite que não requereu a metade do benefício em seu favor, uma vez que todas as suas necessidades sempre foram supridas. O demandante apenas requereu sua habilitação após a morte de sua genitora, quando houve a cessação do benefício. 6. Diante desse contexto, mostra-se correto o entendimento do juízo de origem ao fixar o termo inicial do benefício a data do falecimento da genitora do demandante, levando-se em conta que ela sempre foi beneficiária do valor integral da pensão por morte, que era revertido em favor da sua saúde do autor, conforme ele mesmo admitiu na petição inicial. (...) (PROCESSO: 08022856920174058500, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 30/08/2018, PUBLICAÇÃO:) Ressalte-se, por oportuno, que as recentíssimas alterações promovidas pela Medida Provisória nº 871, de 18.1.2019, 77
que, dando nova redação ao art. 219 da Lei nº 8.112/90, estabeleceu prazos para a formulação de requerimento de pensão por morte de servidor público, são inaplicáveis ao presente caso, em respeito ao princípio da irretroatividade e ao direito adquirido. Por outro lado, por ser maior de idade, a condição de beneficiária da autora passou a ocorrer, no meu entender, somente com a sentença de interdição, proferida em 4/6/2014, de modo que, a partir dessa data, é que passa a ter direito à pensão, e não da data do óbito de sua mãe (1º/2/2014). Em síntese, considerando que a União Federal não contestou a alegação da autora que sua pensão teria sido paga somente a partir de fevereiro de 2016, entendo que a promovente faz jus às diferenças devidas a título de pensão por morte estatutária, entre 4/6/2014 e 31/1/2016.
Com efeito, a condição de beneficiária da pensão surgiu a partir do momento em que houve a interdição da autora, que ocorreu em 04/06/2014, fazendo jus ao pagamento das diferenças até a data em que houve a efetiva implantação do benefício, em fevereiro de 2016. Quanto aos juros de mora e a correção monetária, no Recurso Extraordinário nº 870.947, julgado sob a forma de Repercussão Geral, o colendo Supremo Tribunal Federal estabeleceu duas teses jurídicas, a se ver da notícia constante no sítio eletrônico da Corte, abaixo transcrita: Notícias STF Quarta-feira, 20 de setembro de 2017 Plenário do STF define teses sobre índices de correção e juros em condenações contra Fazenda Pública. (...) A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Luiz Fux, segundo o qual foi afastado o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório. O entendimento acompanha o já definido pelo STF quanto à correção no período posterior à expedição do precatório. Em seu lugar, o índice de correção monetária adotado foi o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial 78
(IPCA-E), considerado mais adequado para recompor a perda de poder de compra. Quanto aos juros de mora incidentes sobre esses débitos, o julgamento manteve o uso do índice de remuneração da poupança, previsto na legislação questionada, apenas para débitos de natureza não tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa. Na hipótese de causas de natureza tributária, ficou definido que deverá ser usado o mesmo índice adotado pelo Fisco para corrigir os débitos dos contribuintes, a fim de se preservar o princípio da isonomia. Hoje essa taxa é a Selic. (Grifei)
O quadro abaixo retrata os diversos índices de correção monetária: Índice de Correção Monetária
Campo de Aplicação
Jurisprudência
IPCA
Matérias Administrativa e Civil
RE 870.947 (STF) Repercussão Geral
Taxa Selic (compreende juros e correção)
Matéria Tributária
RE 870.947 (STF) Repercussão Geral
INPC
Matéria Previdenciária3
REsp 1.495.146 (STJ) Recurso Repetitivo
Assim, a correção monetária, em se tratando de matérias administrativa e civil, se dará pelo IPCA-E e os juros de mora pela remuneração da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, observando-se o que decido no RE 870.947 (STF) e REsp 1495146 (STJ), conforme precedente desta egrégia Primeira Turma4.
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Envolve apenas benefícios previdenciários, stricto sensu.
“PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. APOSENTADORIA POR TEMPO DE CONTRIBUIÇÃO. RECONHECIMENTO DE TEMPO DE SERVIÇO ESPECIAL. EXPOSIÇÃO A RUÍDO. COMPROVAÇÃO. JUROS MORATÓRIOS. CORREÇÃO MONETÁRIA. 1. Trata-se de apelação interposta contra sentença que julgou parcialmente procedente o pedido de conversão de tempo de atividade especial em comum, concedendo o benefício de aposentadoria por tempo de contribuição. O INSS 4
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Quanto à modulação dos efeitos, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça e do Tribunal Regional Federal da 5ª Região considera prescindível aguardar-se o trânsito em julgado de acórdão proferido em recurso representativo da controvérsia para aplicação da tese nele firmada, haja vista o disposto no artigo 1.040 do CPC/2015, que exige apenas a publicação do acórdão paradigma para efeito de observância por parte dos demais órgãos do Poder Judiciário. Isto posto, nego provimento à apelação. Quanto aos honorários recursais, ante o não provimento da apelação, majora-se a condenação em honorários advocatícios, a título de honorários recursais (art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015), em 2%. É o meu voto. alega: 1) não houve exposição habitual e permanente aos agentes agressivos, no período de 20/04/1979 a 01/10/2000; 2) houve utilização de EPI eficaz no período de 01/10/2008 a 15/02/2010; 3) a exposição ao ruído se deu abaixo dos níveis legais no período de 02/08/2010 a 18/04/2012; 4) os juros moratórios e a correção monetária devem observar o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 (com redação dada pela Lei nº 11.960/2009). 2. Na hipótese de exposição a ruído acima dos limites legais de tolerância, a declaração do empregador no âmbito do PPP, no sentido da eficácia do EPI, não descaracteriza o tempo de serviço especial para fins de aposentadoria. Precedente do STF: ARE 664.335/SE, com repercussão geral. 3. Considera-se especial a atividade exercida com exposição a ruídos superiores a 80 decibéis até a edição do Decreto nº 2.171/97, sendo considerado especial, após essa data, o trabalho com ruído superior a 90 decibéis. A partir da entrada em vigor do Decreto nº 4.882/2003, o limite de tolerância a ruído foi reduzido para 85 decibéis. Precedentes do STJ. 4. No caso, os PPP’s anexados comprovam a efetiva exposição a ruído, acima dos limites legais, nos seguintes períodos laborais: 91 dB(A), no período de 20/04/1979 a 01/10/2000 (Vale Fertilizantes S/A); 86 dB(A), no período de 01/10/2008 a 15/02/2010 (ArcelorMittal S/A); 87 dB(A), no período de 02/08/2010 a 18/04/2012 (Minerita Minérios Itaúna Ltda.), podendo ser reconhecidos como especiais. 5. Correção monetária pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal, que está em harmonia com o REsp Repetitivo 1.495-146/MG. 6. Juros moratórios pela remuneração da caderneta de poupança, conforme Manual de Cálculos da Justiça Federal e RE com Repercussão Geral nº 870.947/SE. 7. Apelação improvida, majorando-se os honorários advocatícios no percentual de 2% (dois por cento) sobre o valor da condenação (art. 85, parágrafo 11, do CPC)”. (AC/RN 08113231720174058400, Relator Desembargador Federal Roberto Machado, Primeira Turma do TRF-5ª Região, un., Data do Julgamento: 05/07/2018)
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COMPOSIÇÃO DA PRIMEIRA TURMA
Desembargador Federal Alexandre Luna Presidente da Primeira Turma Período: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Roberto Machado
Desembargador Federal Élio Siqueira
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800726-09.2019.4.05.8500-SE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO Apelante: FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SER GIPE Apelado: GABRIEL DE JESUS SOUZA Advs./Procs.: DRS. JOÃO SOARES SANTOS JÚNIOR E OUTRO (APDO.) EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO COM CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. DIREITO À EDUCAÇÃO. RESTRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO À ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA E APELAÇÃO IMPROVIDAS. 1. Remessa necessária e apelação interposta pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE (UFS) contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe que concedeu a segurança, em parte, para ratificar a liminar outrora concedida e determinar que a autoridade coatora proceda, no prazo de até 5 (cinco) dias, a contar da ciência desta decisão, à realização da pré-matrícula do impetrante, no Curso de Engenharia de Pesca, haja vista sua classificação na condição de suplente na seleção regida pelo Edital nº 09/2019, desde que haja o implemento dos demais requisitos exigidos (à exceção da Certidão de Quitação Eleitoral). 2. No caso dos autos, Gabriel de Jesus Souza informa que foi condenado pelo juízo da 4ª Vara Criminal de Aracaju à pena de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão a ser cumprida em regime aberto a cumprir pena restritiva de liberdade em regime aberto, sendo 84
esta substituída por 2 (duas) restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo da reclusão imposta, e prestação pecuniária de R$ 800,00 (oitocentos reais), destinada a uma entidade com fins sociais. Contudo, por graves problemas financeiros, o demandante se viu obrigado à renunciar ao benefício, fazendo a pena regredir ao moldes da sentença antes da substituição. Relata que cumprindo sua sentença em regime aberto o demandante prestou vestibular na Universidade Federal de Sergipe, e ficou entres os suplentes aprovados no curso de Engenharia de Pesca. Porém a Universidade, aqui como demandada, exigiu ao demandante a apresentação de certidão de quitação eleitoral para aprovação de sua matricula, o que obviamente não é possível por conta de sua condição de condenado criminal perante a justiça, encontrando-se a pena ainda em curso. 3. O cerne da questão reside em saber se é cabível a exigência de prova de quitação eleitoral a um apenado, segundo previsão editalícia e legal, obstando assim o direito constitucional à educação. 4. O direito à educação é assegurado pela Constituição como indica o art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Trata-se de direito fundamental, o qual deve ser ofertado pelo Estado e pela sociedade, a fim de garantir o desenvolvimento pessoal, profissional e social do indivíduo. 5. Verifica-se que o edital supramencionado dispõe expressamente no item 8 que “a pré-matrícula dos candidatos aprovados e suplentes do processo seletivo UFS 2019 - SISU/MEC 85
2019.1 será realizada em duas etapas (...)”. O subitem 8.1 informa que a primeira etapa - pré-matrícula institucional “destina-se a apresentação dos candidatos para nos dias, locais e horários estabelecidos no anexo I deste Edital, para entrega da documentação exigida dentro da Demanda que está concorrendo” (...). Por fim, o anexo II traz a lista dos documentos necessários para efetivação da pré-matrícula, in verbis: 1) Uma fotografia (3x4) recente (com o nome do candidato escrito no verso); 2) Certificação ou Histórico de Conclusão do Ensino Médio ou de curso equivalente (duas cópias); 3) Certidão de Quitação Eleitoral, obtida em http://www.tre-se. jus.br (uma via. Justificativa não será aceita); 4) Documento que demonstre a regularidade da Situação Militar (candidato do sexo masculino, uma cópia); 5) Certidão de Nascimento ou Casamento (uma cópia); 6) Carteira de Identidade, expedida pela Secretaria de Segurança Pública ou outro documento com validade nacional que contenha o registro geral (uma cópia); 7) CPF (uma cópia). 6. Dessa forma, ocorre uma situação excepcional, uma vez que a situação fática do impetrante impede a apresentação da Certidão de Quitação Eleitoral. Todavia, a própria Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP) dispõe no art. 122, II, que “os condenados que cumprem pena em regime semiaberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: (...); II frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;”. Assim, a observância rígida das regras do edital e do art. 7º, § 1º, VI, do Código Eleitoral, sem uma análise da razoabilidade, resultará no afastamento do direito à educação do impetrante, que, reitere-se, é um direito fundamental. 86
7. Diante do exposto, a suspensão dos direitos políticos não pode impedir que o impetrante exerça o direito constitucional à educação, sob pena de total inversão das finalidades da ressocialização penal, que tem na educação um instrumento essencial para assegurar que os apenados tenham novas oportunidades e evitem retornar a delinquência. Dessa forma, exigir a Certidão de Quitação Eleitoral mostra-se desarrazoado, cerceando o direito fundamental do impetrante. Finalmente, registre-se que não se está impondo à UFS que matricule imediatamente o impetrante, visto que a matrícula só se efetivará, observando-se os demais requisitos para aprovação, e desde que surjam vagas, inexistindo ofensa à isonomia. 8. Conforme ressaltado na sentença, “É verdade que, em se tratando de certame público, o Edital funciona como lei entre as partes, devendo o candidato se ater às exigências nele contidas, observando todos os requisitos exigidos no certame, a fim de não restar prejudicado, em razão do seu próprio descuido. Nada obstante, no caso dos autos, merece destaque a situação excepcional aqui apresentada. [...] Ocorre que, no caso, a suspensão dos direitos políticos não pode restringir o gozo de um direito fundamental consagrado pela própria CF/88, acima transcrito, uma vez que constitui condição necessária para a formação do indivíduo e ressocialização do apenado”. 9. Destaca-se do parecer do MPF do primeiro grau: “Verifica-se que a postura adotada pela Universidade, negando ao impetrante acesso à Educação, colide com dispositivos previstos na Lei de Execução Penal, que em nada interferem na sua autonomia didático-científica, afigurando-se, portanto, ilegal a exigência da Certidão de Quitação Eleitoral para efetivação da matrícula”. 10. Remessa necessária e apelação improvidas. 87
ACÓRDÃO Vistos e relatados os presentes autos, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à remessa necessária e à apelação, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento. Recife, 5 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO: Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pela FUNDACAO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE (UFS) contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe [que concedeu a segurança, em parte, para ratificar a liminar outrora concedida e determinar que a autoridade coatora proceda, no prazo de até 5 (cinco) dias, a contar da ciência desta decisão, à realização da pré-matrícula do impetrante, no Curso de Engenharia de Pesca, haja vista sua classificação na condição de suplente na seleção regida pelo Edital nº 09/2019, desde que haja o implemento dos demais requisitos exigidos (à exceção da Certidão de quitação eleitoral). Sem custas e honorários, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/2009.], em que a apelante alega a inexistência de qualquer ilegalidade praticada pela entidade federal, com base na autonomia didático-científica, nos termos do art. 207 da Constituição, visto que o impetrante não detém direito líquido e certo ao deferimento da matrícula no curso almejado. Ao final, requer o provimento do recurso. Contrarrazões não apresentadas (Id. 4058500.2711650). Por força de distribuição, vieram-me os autos conclusos. Sendo caso de dispensa de revisão, peço dia para julgamento. É o relatório.
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VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO (Relator): Remessa necessária e apelação interposta pela FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE (UFS) contra sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe que concedeu a segurança, em parte, para ratificar a liminar outrora concedida e determinar que a autoridade coatora proceda, no prazo de até 5 (cinco) dias, a contar da ciência desta decisão, à realização da pré-matrícula do impetrante, no Curso de Engenharia de Pesca, haja vista sua classificação na condição de suplente na seleção regida pelo Edital nº 09/2019, desde que haja o implemento dos demais requisitos exigidos (à exceção da Certidão de quitação eleitoral). No caso dos autos, Gabriel de Jesus Souza informa que foi condenado pelo Juízo da 4ª Vara Criminal de Aracaju à pena de 3 (três) anos, 10 (dez) meses e 20 (vinte) dias de reclusão, a ser cumprida em regime aberto, a cumprir pena restritiva de liberdade em regime aberto, sendo esta substituída por 2 (duas) restritivas de direito consistentes em prestação de serviços à comunidade pelo mesmo prazo da reclusão imposta, e prestação pecuniária de R$ 800,00 (oitocentos reais), destinada a uma entidade com fins sociais. Contudo, por graves problemas financeiros, o demandante se viu obrigado à renunciar ao benefício, fazendo a pena regredir ao moldes da sentença antes da substituição. Relata que, cumprindo sua sentença em regime aberto, o demandante prestou vestibular na Universidade Federal de Sergipe, e ficou entres os suplentes aprovados no curso de Engenharia de Pesca (Id. 4058500.2445823). Porém a Universidade, aqui como demandada, exigiu ao demandante a apresentação de certidão de quitação eleitoral para aprovação de sua matrícula, o que obviamente não é possível, por conta de sua condição de condenado criminal perante a justiça, encontrando-se a pena ainda em curso. O cerne da questão reside em saber se é cabível a exigência de prova de quitação eleitoral a um apenado, segundo previsão editalícia e legal, obstando assim o direito constitucional à educação.
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O direito à educação é assegurado pela Constituição como indica o art. 205: “A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Trata-se de direito fundamental, o qual deve ser ofertado pelo Estado e pela sociedade, a fim de garantir o desenvolvimento pessoal, profissional e social do indivíduo. O Edital é o instrumento que estabelece as regras a serem observadas pela Administração Pública e pelos candidatos, a fim de que o acesso às vagas seja concretizado da maneira mais isonômica possível, observando-se ao longo da realização do certame os princípios que regem a Administração Pública como dispõe o caput1 do art. 37 da Carta Maior. Ao consultar os autos, verifica-se que o edital supramencionado (Id. 4058500.2445825) dispõe expressamente no item 8 que “a pré-matrícula dos candidatos aprovados e suplentes do processo seletivo UFS 2019 - SISU/MEC 2019.1 será realizada em duas etapas (...). O subitem 8.1 informa que a primeira etapa - pré-matrícula institucional “destina-se a apresentação dos candidatos para nos dias, locais e horários estabelecidos no anexo I deste Edital, para entrega da documentação exigida dentro da Demanda que está concorrendo” (...). Por fim, o anexo II traz a lista dos documentos necessários para efetivação da pré-matrícula, in verbis: 1) Uma fotografia (3x4) recente (com o nome do candidato escrito no verso); 2) Certificação ou Histórico de Conclusão do Ensino Médio ou de curso equivalente (duas cópias); 3) Certidão de Quitação Eleitoral, obtida em http://www.tre-se.jus.br (uma via. Justificativa não será aceita); 4) Documento que demonstre a regularidade da Situação Militar (candidato do sexo masculino, uma cópia); 5) Certidão de Nascimento ou Casamento (uma cópia); 6) Carteira de Identidade, expedida pela Secretaria de Segurança
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: 1
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Pública ou outro documento com validade nacional que contenha o registro geral (uma cópia); 7) CPF (uma cópia). Dessa forma, ocorre uma situação excepcional, uma vez que a situação fática do impetrante impede a apresentação da Certidão de Quitação Eleitoral. Todavia, a própria Lei nº 7.210/84 (Lei de Execução Penal - LEP) dispõe no art. 122, II, que “os condenados que cumprem pena em regime semi-aberto poderão obter autorização para saída temporária do estabelecimento, sem vigilância direta, nos seguintes casos: (...); II - frequência a curso supletivo profissionalizante, bem como de instrução do 2º grau ou superior, na Comarca do Juízo da Execução;”. Assim, a observância rígida das regras do edital e do art. 7º, § 1º, VI, do Código Eleitoral2, sem uma análise da razoabilidade, resultará no afastamento do direito à educação do impetrante, que, reitere-se, é um direito fundamental. Diante do exposto, a suspensão dos direitos políticos não pode impedir que o impetrante exerça o direito constitucional à educação, sob pena de total inversão das finalidades da ressocialização penal, que tem na educação um instrumento essencial para assegurar que os apenados tenham novas oportunidades e evitem retornar a delinquência. Dessa forma, exigir a Certidão de Quitação Eleitoral mostra-se desarrazoado, cerceando o direito fundamental do impetrante. Finalmente, registre-se que não se está impondo à UFS que matricule imediatamente o impetrante, visto que a matrícula só se efetivará, observando-se os demais requisitos para aprovação, e desde que surjam vagas, inexistindo ofensa à isonomia. Conforme ressaltado na sentença, “É verdade que, em se tratando de certame público, o Edital funciona como lei entre as partes, devendo o candidato se ater às exigências nele contidas, observando todos os requisitos exigidos no certame, a fim de não
“Art. 7º (...) § 1º Sem a prova de que votou na última eleição, pagou a respectiva multa ou de que se justificou devidamente, não poderá o eleitor: (...) VI - renovar matrícula em estabelecimento de ensino oficial ou fiscalizado pelo governo;” 2
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restar prejudicado, em razão do seu próprio descuido. Nada obstante, no caso dos autos, merece destaque a situação excepcional aqui apresentada. [...] Ocorre que, no caso, a suspensão dos direitos políticos não pode restringir o gozo de um direito fundamental consagrado pela própria CF/88, acima transcrito, uma vez que constitui condição necessária para a formação do indivíduo e ressocialização do apenado”. Destaca-se do parecer do MPF do primeiro grau: “Verifica-se que a postura adotada pela Universidade, negando ao impetrante acesso à Educação, colide com dispositivos previstos na Lei de Execução Penal, que em nada interferem na sua autonomia didático-científica, afigurando-se, portanto, ilegal a exigência da Certidão de Quitação Eleitoral para efetivação da matrícula”. Vejamos a jurisprudência desta Turma: ADMINISTRATIVO. VESTIBULAR. MATRÍCULA. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO COM CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. DIREITO À EDUCAÇÃO. RESTRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. Trata-se de apelação e remessa oficial de sentença que concedeu a segurança pleiteada, confirmando a liminar, determinando à autoridade impetrada que efetue a matrícula do impetrante no Curso de Sociologia Bacharelado, caso o único óbice seja a falta de certidão de quitação eleitoral. Sem condenação em honorários advocatícios, nos termos do art. 25 da Lei nº 12.016/2009. Em suas razões, apela a Universidade Federal de Sergipe - UFS alegando a ausência de qualquer ilegalidade no ato administrativo que indeferiu a matrícula do candidato, porquanto a negativa foi baseada na falta da certidão de quitação eleitoral, em cumprimento da Lei nº 4.737/1965. Sustenta que agiu em conformidade com os princípios da isonomia e da impessoalidade. Requer a denegação ordem. Extrai-se dos autos que o impetrante foi aprovado no vestibular da UFS para o curso de bacharelado em Sociologia, contudo, ao apresentar os documentos exigidos para a sua matrícula, não pode efetivá-la em razão da falta do comprovante de quitação eleitoral. Em substituição ao documento faltante, o candidato apresentou, sem êxito, uma certidão fornecida pelo Cartório Eleitoral informando 92
que o motivo dele não estar quite com a Justiça Eleitoral naquela data era a suspensão dos seus direitos políticos por condenação criminal transitada em julgado. O artigo 205 da Constituição Federal preceitua que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da família, devendo ser promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, a fim de que haja o desenvolvimento da pessoa, sua qualificação para o trabalho e para o exercício da cidadania. A jurisprudência firmada nesta Corte em casos análogos prestigia o entendimento de que a suspensão dos direitos políticos não pode restringir o gozo de um direito fundamental consagrado pela Carta Magna. O direito à educação constitui condição necessária para a formação do indivíduo. Precedente: PROCESSO: 08038813920134058400, DESEMBARGADOR FEDERAL FRANCISCO CAVALCANTI, Primeira Turma, JULGAMENTO: 29/05/2014. Ademais, a própria Lei de Execução Penal estabelece a possibilidade dos presos em regime semiaberto frequentarem cursos profissionalizantes ou de nível superior, de forma que não seria razoável impedir o acesso à universidade àqueles que estão cumprindo pena em regime aberto, apenas com fundamento na não comprovação de quitação eleitoral.Sem condenação em honorários pelas razões expostas no art. 25 da Lei nº 12.016/2009. Apelação e remessa oficial improvidas. [TRF5 - Processo 08009698420184058500 - APELREEX - Segunda Turma - Relator Desembargador Federal Leonardo Carvalho - Data do Julgamento: 13/05/2019] ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. ART. 7º, PARÁGRAFO 1º, VI, DA LEI 4.737/65. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS EM RAZÃO DE CONDENAÇÃO CRIMINAL. DIREITO À EDUCAÇÃO. APELAÇÃO E REMESSA DESPROVIDAS. 1. Sentença que concedeu a segurança, ratificando os termos da liminar, para determinar que a autoridade impetrada se abstenha de exigir do impetrante o comprovante de quitação eleitoral como requisito para a matrícula e permanência no curso superior para o qual foi aprovado. 2. O impetrante teve seus direitos políticos suspensos em face de condenação criminal a pena de privativa de 93
liberdade em regime semiaberto, obtendo progressão para o regime aberto. Após ter sido aprovado no processo seletivo para o curso de Engenharia Ambiental e Sanitária da Universidade Federal de Sergipe, teve o pedido de matrícula negado, sob a alegação de que não teria comprovado a quitação de suas obrigações eleitorais, nos termos exigidos pelo parágrafo 1º, inc. VI, do art. 7º da Lei 4.737/65 (Código Eleitoral). 3. O direito à educação é um direito fundamental garantido pela Constituição e essencial para a formação do cidadão, razão pela qual não deve ser restringido pela suspensão dos direitos políticos do condenado. A norma contida no parágrafo 1º do art. 7º do Código Eleitoral é sanção voltada àqueles eleitores que, de posse de seus direitos políticos, não o exercem, o que não é o caso dos autos, eis que inexiste qualquer obrigação a ser quitada no período de suspensão. 4. A própria Lei de Execução Penal prevê a possibilidade daqueles condenados em regime semiaberto obterem autorização para frequentarem cursos de caráter profissionalizante ou mesmo de nível superior, no âmbito da Comarca do Juízo da Execução. Logo, não se mostra razoável negar ao impetrante – que se encontra submetido ao regime aberto –, o direito à efetivação de sua matrícula junto a Universidade. 5. Apelação e remessa oficial desprovidas. [TRF5 - Processo 08003985020174058500 - APELREEX - Quarta Turma - Relator Desembargador Federal Rubens de Mendonça Canuto - Data do Julgamento: 08/09/2017] ADMINISTRATIVO. VESTIBULAR. MATRÍCULA. EXIGÊNCIA DE QUITAÇÃO ELEITORAL. CANDIDATO COM CONDENAÇÃO CRIMINAL TRANSITADA EM JULGADO. SUSPENSÃO DOS DIREITOS POLÍTICOS. DIREITO À EDUCAÇÃO. RESTRIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. - Na hipótese vertente, o impetrante, a despeito de ter logrado aprovação no concurso vestibular, teve seu pedido de matrícula indeferido, por não apresentar a Certidão de Quitação Eleitoral, já que se encontrava com os direitos políticos suspensos, em face de condenação criminal. - Nos termos do art. 205 da Constituição Federal, a educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da socie94
dade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. - Desta feita, a suspensão dos direitos políticos não pode restringir o gozo de um direito fundamental consagrado pela Constituição Federal, qual seja o direito à educação, uma vez que constitui condição necessária para a formação do indivíduo. - Ademais, a própria Lei de Execução Penal estabelece a possibilidade dos presos em regime semi-aberto obterem autorização para saírem, temporariamente, do estabelecimento prisional para frequentarem cursos profissionalizantes ou de nível superior, na Comarca do Juízo da Execução. - Desta feita, andou bem a sentença recorrida que, ao fazer valer o dispositivo constitucional, segundo o qual todos têm direito a educação, inclusive aqueles que se encontram com seus direitos políticos suspensos, concedeu a segurança pleiteada. Apelação e remessa obrigatória improvidas. [TRF5 - Processo 200985000001700 - APELREEX 9166 - Primeira Turma - Relator Desembargador Federal José Maria Lucena - Data do Julgamento: 25/03/2010]
Assim, nego provimento à remessa necessária e à apelação. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0808868-18.2017.4.05.8000-AL (PJe) Relator: Apelante: Apelado: Adv./Proc.:
DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DE ALAGOAS - IFETAL EMANUEL GOMES MARQUES DR. JOÃO PAULO GAIA DUARTE (APDO.) EMENTA: ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. EX-SERVIDOR DE OUTROS ENTES FEDERADOS INGRESSO NO SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL APÓS NOVO REGIME DE PREVIDÊNCIA COMPLEMENTAR. LEI 12.618/2012. DIREITO DE 95
OPÇÃO PELO ANTERIOR REGIME PRÓPRIO DA UNIÃO. PRECEDENTES. 1. A sentença julgou procedente o pedido do autor, ex-servidor estadual que ingressou no serviço público federal após a instituição do regime de previdência complementar, condenando o IFAL a proceder ao seu enquadramento no regime previdenciário anterior à edição da Lei nº 12.618/2012, realizando-se os devidos descontos na totalidade da base contributiva a partir de quando houve a indevida modificação de regime previdenciário. 2. A questão se restringe em saber se ex-servidores de outros entes da federação que, sem solução de continuidade, ingressaram no serviço público federal após a vigência do regime de previdência complementar previsto na Lei 12.618/2012 têm ou não direito de optar pelo anterior regime previdenciário próprio da União. 3. Sobre a matéria, o STJ decidiu que o art. 40, § 16, da CF e o art. 1º, § 1º, da Lei 12.618/2012, ao tratar da obrigatoriedade do regime de previdência complementar, utilizaram-se do ingresso no serviço público como critério diferenciador, sem fazer referência expressa a qualquer ente federado. Não há, portanto, nenhuma restrição ao ente federado em que houve o ingresso no serviço público (REsp 1.671.390/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 12/09/2017). 4. No mesmo sentido, a Primeira Turma deste TRF5 considerou que os referidos dispositivos mencionam, apenas, como requisito específico a ser observado, que o ingresso no serviço público advenha antes da data de publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar, sem fazer ressalva sobre o ente federado de origem, se municipal, estadual ou federal (08020563620174058201, APELREEX, Desembargador Federal Élio Wan-
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derley de Siqueira Filho, 1ª Turma, Julgamento: 09/04/2019). Noutro precedente acerca do tema, esta Turma assentou que o vínculo ininterrupto com o serviço público é único, admitindo-se a mudança de cargos entre as entidades dos diversos entes da federação e a consequente compensação entre os vários regimes previdenciários (08002545920154058205, APELREEX, Desembargador Federal Alexandre Costa De Luna Freire, 1º Turma, Julgamento: 23/03/2019). 5. As outras Turmas deste Tribunal Regional externaram o mesmo entendimento, como demonstram os precedentes a seguir: 08000740920164058205, APELREEX, Desembargador Federal Leonardo Carvalho, 2ª Turma, Julgamento: 07/06/2018; 08013750320164058201, APELREEX, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, 3ª Turma, Julgamento: 20/06/2017; 08003526220154058102, APELREEX, Desembargador Federal Lázaro Guimarães, 4ª Turma, Julgamento: 28/07/2017. 6. Não merece, portanto, reforma a sentença, que está respaldada em jurisprudência desta Corte Regional e do STJ. 7. Apelação improvida. Honorários advocatícios, fixados na sentença, majorados em 20%, com base no art. 85, § 11, do CPC (honorários recursais). ACÓRDÃO Vistos e relatados os presentes autos, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento. Recife, 21 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO - Relator
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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO: Trata-se de apelação interposta contra sentença do Juízo da 4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas (que julgou procedente o pedido, condenando o Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Alagoas - IF/AL a proceder ao enquadramento do autor no regime previdenciário anterior à edição da Lei nº 12.618/2012, realizando-se os devidos descontos na folha de pagamento do autor a partir de quando houve a indevida modificação de regime previdenciário, fixando-se o prazo de 30 (trinta) dias para o cumprimento da obrigação de fazer), em que o apelante alega: 1) não há previsão constitucional, nem legal, de que o servidor transporta, de outro Ente Político para a União, o direito de não aderir ao regime de previdência complementar federal, pelo fato de já ser servidor público efetivo (distrital, estadual ou municipal) antes da data da publicação da Portaria PREVIC-MPS nº 44 (4/2/2013); 2) o servidor público efetivo tem relação estatutária com o Ente Federado que o admitiu, de modo que, desde que não tenha ingressado no quadro de pessoal da União até a data anterior à do advento do Funpresp-Exe (4/2/2013), não ostenta direito oponível à União de não sujeitar-se às regras estabelecidas na Lei 12.618/12; 3) a Lei 12.618/12 é um marco regulatório e o direito de opção (§ 16 do art. 40 da CF/88) somente pode ser exercitado por quem era servidor público federal quando do início de vigência do Funpresp-Exe, em 4/2/2013, de modo que, quem entrou depois, não detém a mesma prerrogativa do servidor que já estava nos quadros da União; 4) a partir da investidura de servidor público oriundo de Estado-membro, do Distrito Federal ou de Município em cargo público federal inacumulável, ocorre a sua desvinculação do regime público anterior e, consequentemente, extinguem-se seus direitos correlatos, não havendo que se falar em direito adquirido à manutenção a regime previdenciário próprio de servidores públicos; 5) conquanto não tenham os servidores públicos federais egressos de outras unidades da federação, que ingressarem no serviço público federal a partir de 04/02/2013, direito à opção prevista no art. 40, § 16, da Constituição Federal, pelas razões acima delineadas, foi-lhes possibilitado, por exten98
são, fazer uso do tempo de contribuição anterior para fins de concessão do benefício especial previsto no art. 1º, § 3º da Lei nº 12.618/2013, conforme determina o art. 22 da mesma lei; 6) o art. 22 da Lei nº 12.618/2012 não estende o direito de opção aos servidores oriundos de outros entes federativos, mas sim o direito de ter o benefício especial pago pela União, o qual será compensado depois perante o ente de origem, na forma institucionalizada da compensação financeira entre regimes próprios, de modo que o art. 22 apenas disciplina, para este servidor federal, o “serviço passado” que a ele diz respeito por ter prestado serviço a outra entidade da federação; 7) ofensa ao princípio da isonomia e o da autonomia federativa. Ao final, pede a reforma da sentença, para julgar improcedente o pleito autoral. Contrarrazões apresentadas. Por força de distribuição, vieram-me os autos conclusos. É o relatório. Sendo caso de dispensa de revisão, peço dia para julgamento. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO (Relator): A sentença julgou procedente o pedido do autor, ex-servidor estadual que ingressou no serviço público federal após a instituição do regime de previdência complementar, condenando o IFAL a proceder ao seu enquadramento no regime previdenciário anterior à edição da Lei nº 12.618/2012, realizando-se os devidos descontos na totalidade da base contributiva a partir de quando houve a indevida modificação de regime previdenciário. A questão se restringe em saber se ex-servidores de outros entes da federação que, sem solução de continuidade, ingressaram no serviço público federal após a vigência do regime de previdência complementar previsto na Lei 12.618/2012 têm ou não direito de optar pelo anterior regime previdenciário próprio da União. Sobre a matéria, o STJ decidiu que o art. 40, § 16, da CF e o art. 1º, § 1º, da Lei 12.618/2012, ao tratar da obrigatoriedade do regime de previdência complementar, utilizaram-se do ingresso no 99
serviço público como critério diferenciador, sem fazer referência expressa a qualquer ente federado. Não há, portanto, nenhuma restrição ao ente federado em que houve o ingresso no serviço público (REsp 1.671.390/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 12/09/2017). No mesmo sentido, a Primeira Turma deste TRF5 considerou que os referidos dispositivos mencionam, apenas, como requisito específico a ser observado, que o ingresso no serviço público advenha antes da data de publicação do ato de instituição do correspondente regime de previdência complementar, sem fazer ressalva sobre o ente federado de origem, se municipal, estadual ou federal (08020563620174058201, APELREEX, Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, 1º Turma, Julgamento: 09/04/2019). Noutro precedente acerca do tema, esta Turma assentou que o vínculo ininterrupto com o serviço público é único, admitindo-se a mudança de cargos entre as entidades dos diversos entes da federação e a consequente compensação entre os vários regimes previdenciários (08002545920154058205, APELREEX, Desembargador Federal Alexandre Costa De Luna Freire, 1º Turma, Julgamento: 23/03/2019). As outras Turmas deste Tribunal Regional externaram o mesmo entendimento, como demonstram os precedentes a seguir: 08000740920164058205, APELREEX, Desembargador Federal Leonardo Carvalho, 2ª Turma, Julgamento: 07/06/2018; 08013750320164058201, APELREEX, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, 3ª Turma, Julgamento: 20/06/2017; 08003526220154058102, APELREEX, Desembargador Federal Lázaro Guimarães, 4ª Turma, Julgamento: 28/07/2017. Não merece, portanto, reforma a sentença, que está respaldada em jurisprudência desta Corte Regional e do STJ. Assim, nego provimento à apelação. Honorários advocatícios, fixados na sentença, majorados em 20%, com base no art. 85, § 11, do CPC (honorários recursais). É como voto.
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APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 080378278.2013.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE Apelante: COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR Apelado: ELVIS MARANHÃO DE SOUZA Advs./Procs.: DRAS. MARIA CONCEIÇÃO DE SOUZA VICENTE (APTE.) E DANIELE CRISTINE GALLO GUEIROS (APDO.) EMENTA: ADMINISTRATIVO. COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR. RAIO-X. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE. JORNADA DE TRABALHO. 24 HORAS SEMANAIS. APELAÇÃO. REMESSA NECESSÁRIA. DESPROVIMENTO. I - Apelação/remessa necessária em face de sentença que julgou procedente o pedido para “declarar o direito de o autor se submeter à jornada de 24 horas semanais, sem redução de vencimentos, com o pagamento das horas diárias excedentes a essa jornada como horas extras (sem limitação de duas horas diárias), observada a prescrição quinquenal, com o pagamento dos valores pretéritos onde ‘os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n° 9.494 /97, com redação da Lei n° 11.960 /09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei n° 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período’, proferindo-se, em consequência, julgamento com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil”. I - O art. 1º, a, da Lei nº 1.234/50 conferiu o regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho aos empregados de entidades paraestatais 101
de natureza autárquica que operem com raios-X e substâncias radioativas. II - Conforme exposto na sentença, “é de ser reconhecido o direito à jornada de 24 horas semanais sem redução de vencimentos, observada a prescrição quinquenal (ressalva já feita no pedido do autor). Em relação ao pagamento das verbas, a limitação a duas horas diárias, para fins de pagamento de horas extras, contida na Lei nº 8.112/90, deve ser interpretada como sendo uma limitação direcionada à Administração, em resguardo da saúde do servidor, e não contra ele, a vedar indenização em caso de sobrejornada, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração, que usufruiu do respectivo trabalho adicional sem a correspondente contrapartida. E nem se argumente que da ‘ilegalidade’ não se podem advir consequências favoráveis ao servidor. Tal entendimento se acha há muito superado na jurisprudência, quando admite, por exemplo, que o servidor que laborou em desvio de função, receba o correspondente à diferença entre o seu vencimento e aquele exercido de fato, exatamente para evitar o enriquecimento sem causa do Estado, que não pode se beneficiar da própria conduta ilegal”. III - Restou comprovado o direito do autor se submeter à jornada de 24 horas semanais, considerando que percebe adicional em grau máximo devido exposição a raio-X e substâncias radioativas, inclusive realizando exames periódicos para aferição de sua contaminação. IV - A correção monetária, em se tratando de matérias administrativa, civil e amparo assistencial, se dará pelo IPCA e os juros de mora pela remuneração da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal, observando-se o que decido pelo Supremo Tribunal Federal, conforme precedente desta egrégia 102
Primeira Turma e em atenção ao que foi decidido em julgamento ampliado da 1ª e 3ª Turmas do TRF 5ª Região. V - Quanto aos honorários recursais, ante o não provimento da apelação, majora-se a condenação em honorários advocatícios, a título de honorários recursais (art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015), em 2%. VI - Desprovimento da apelação e da remessa necessária. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, integrantes do presente julgado. Recife, 5 de agosto de 2019. (Data do Julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE: Cuida-se de apelação/remessa necessária em face de sentença proferida pelo MM. Juiz Federal da 5ª Vara Federal da Seção Judiciária de Pernambuco, que julgou procedente o pedido para “declarar o direito de o autor se submeter à jornada de 24 horas semanais, sem redução de vencimentos, com o pagamento das horas diárias excedentes a essa jornada como horas extras (sem limitação de duas horas diárias), observada a prescrição quinquenal, com o pagamento dos valores pretéritos onde ‘os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n° 9.494 /97, com redação da Lei n° 11.960 /09. Já a correção monetária, por força 103
da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei n° 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período’, proferindo-se, em consequência, julgamento com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil”. A sentença considerou: (...) Em segundo lugar, o autor percebe adicional respectivo, em grau máximo (20%), realizando exames periódicos para aferir a sua contaminação, conforme se observa dos Documentos nº 4058300.252140 e nº 4058300.252138, respectivamente. Assim, é de ser reconhecido o direito à jornada de 24 horas semanais sem redução de vencimentos, observada a prescrição quinquenal (ressalva já feita no pedido do autor). Em relação ao pagamento das verbas, a limitação a duas horas diárias, para fins de pagamento de horas extras, contida na Lei nº 8.112/90, deve ser interpretada como sendo uma limitação direcionada à Administração, em resguardo da saúde do servidor, e não contra ele, a vedar indenização em caso de sobrejornada, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração, que usufruiu do respectivo trabalho adicional sem a correspondente contrapartida. E nem se argumente que da “ilegalidade” não se podem advir consequências favoráveis ao servidor. Tal entendimento se acha há muito superado na jurisprudência, quando admite, por exemplo, que o servidor que laborou em desvio de função, receba o correspondente à diferença entre o seu vencimento e aquele exercido de fato, exatamente para evitar o enriquecimento sem causa do Estado, que não pode se beneficiar da própria conduta ilegal. A propósito: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. INCONTROVERSIA. INDENIZAÇÃO PELA DIFERENÇA REMUNERATÓRIA. CABIMENTO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL PARCIAL. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE. 1. A jurisprudência do STF encontra-se pacificada no sentido de que o desvio de função dá direito ao 104
servidor à percepção da diferença de remuneração como indenização, sob o fundamento de evitar-se o enriquecimento ilícito do Estado. 2. É irrelevante para o direito indenizatório em questão o fato de o servidor ser estatutário ou celetista, bem como a sua aceitação tácita ou expressa da situação de ilegalidade perpetrada pelo Estado com o desvio de função, pois este, de qualquer modo, se não condenando à reparação do ilícito estaria com ele obtendo enriquecimento indevido. (...) 6. Não provimento da apelação e provimento, em parte, da remessa oficial para julgar prescritas as parcelas objeto da condenação imposta pela sentença apelada anteriores ao quinquênio que antecedeu à propositura da ação. (AC 200505000023103 AC - Apelação Cível - 353.683. Relator(a): Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão - Sigla do órgão: TRF5. Órgão julgador: Primeira Turma - Fonte DJe - Data: 28/10/2009 - Página: 179) A procedência do pedido, portanto, é medida que se impõe. Em relação aos valores pretéritos, o colendo STJ, no julgamento do REsp nº 1.270.439/PR, sob a sistemática dos chamados “recursos repetitivos”, assentou o seguinte entendimento: “os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n° 9.494 /97, com redação da Lei n° 11.960 /09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei n°11.960 /09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período”.(...)1
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SENTENÇA
Vistos etc. I - RELATÓRIO 1. Trata-se de ação condenatória, de rito ordinário, com pedido de antecipação de tutela, proposta por ELVIS MARANHAO DE SOUZA, brasileiro, casado,
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A CNEN interpôs recurso de apelação, postulando a reforma do julgado, alegando o seguinte: (...) Esse é o verdadeiro significado do princípio da legalidade disposto nos arts. 5º, II, e 37, caput, da Lei Maior, do contrário, tal preceito redundaria letra morta.
servidor público, inscrito no CPF sob o nº 931.621.544-72, por intermédio de advogada regularmente constituída, contra a COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR - CNEN, cujo objeto é a condenação do réu a implantar a jornada especial de trabalho de 24 horas semanais, bem como, o pagamento das horas que excederam a carga máxima admitida, no art. 1º, a, da Lei 1.234/50. 2. Em sua petição inicial, acompanhada de documentos, o autor aduziu, em síntese: a) ser servidor público federal concursado, exercendo suas funções no Centro Regional de Ciências Nucleares do Nordeste - CRCN - NE; b) em decorrência de suas atividades, está sujeito à exposição de substâncias radioativas, inclusive com o pagamento de gratificação de risco de radiação ionizante, no percentual de 20%, a teor do disposto no art. 1º, alínea c, da Lei n° 1.234/50 e art. 12, § 1°, da Lei nº 8.270/91, além de férias semestrais de 20 dias (art. 79 da Lei nº 8.112/90), devendo fazer jus, também, a uma jornada especial de trabalho de 24 horas semanais, ao contrário da jornada de 40 horas a que está submetido, pleito esse, especificamente, não reconhecido pela Administração; c) ser tal situação objeto de questionamento judicial em diversas ações tramitando pelo Brasil, sem que as sucessivas derrotas judiciais tenham sensibilizado a adoção da mencionada jornada; d) nesse sentido, fazer jus à implantação da jornada correta, com pagamento de horas-extras sobre o período em que laborou extrajornada. Custas recolhidas. Requereu a antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional para imediata aplicação da jornada reduzida, sem redução salarial. 3. Através de decisão, restou deferida a antecipação da tutela e determinada a citação da ré, cumprida por expediente eletrônico. 4. Por intermédio de petição, datada de 11.12.2013, a ré informa a interposição de agravo de instrumento, anexando cópia do recurso. 5. Em sua peça de defesa, a CNEN sustentou: a) ser o autor regido pela Lei nº 8.112/90 que afasta a aplicação de outros regramentos anteriores; b) ainda que admitida a aplicação da Lei nº 1.234/50, sua regulamentação, pelo Decreto nº 81.384/78, modificado pelo Decreto nº 84.106/79, dispôs ser a jornada reduzida exclusivo benefício de médicos, médicos de saúde pública, odontólogo, agente de saúde, técnico de radiologia e sanitarista e, ainda assim, restritos aos que operam diretamente raios-X e substâncias radioativas, próximos às fontes de irradiação, afastada a aplicação em caso de exposição esporádica e ocasional, situação na qual se enquadra o autor, técnico de informática; c) não servir de parâmetro o pagamento de adicional de radiação ionizante, posto que se destina a quem exerce atividades em local de risco potencial, independentemente do cargo. 6. Instado, por ato ordinatório, a se pronunciar sobre a documentação acostada pelo réu, o demandante reiterou o pedido contido na petição inicial. Conclusos vieram-me os autos.
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Assim, também em face do preceito constitucional, resta evidente a impossibilidade de se julgar procedente a pretensão. Há que se reconhecer que o fato da ré ser uma instituição cuja finalidade está ligada à energia nuclear, não significa que todos os servidores exercem atividades em constante exposição à radiação.
É o relatório. II - FUNDAMENTOS Por entender não haver necessidade de produção de outras provas além daquelas já constantes nos autos, suficientes, portanto, para o deslinde da demanda, decido proferir o julgamento antecipado da lide, nos termos do art. 330, I, do Código de Processo Civil. Nesse sentido, o entendimento do Superior Tribunal de Justiça: “Suficientes os elementos dos autos para proferir a decisão, o julgamento antecipado da lide não implica cerceamento de defesa”. (STJ - Quarta Turma - Recurso Especial - 445.438 - Processo: 200200845327 UF: SP - Relator(a) CÉSAR ASFOR ROCHA - Data da decisão: 08/10/2002 - DJ Data: 09/12/2002 - Página: 352) Cinge-se o mérito da demanda à verificação da aplicação ou não ao autor, da Lei nº 1.234/50, com fixação de jornada de trabalho de 24 horas semanais e, consequentemente, o pagamento das 16 horas extras semanais. O demandante é servidor público estatutário, integrante dos quadros funcionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN. Segundo a referida autarquia, aplica-se a eles o disposto no art. 19 do RJU, que assim dispõe: “Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente”. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91) Ocorre que a própria norma acima referida ressalva expressamente a legislação específica: “§ 2º O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)” Uma vez que a Lei nº 1.234/50 estabelece disposições especiais a par das gerais, não há que se falar em sua revogação pela Lei nº 8.213/91, nos termos do parágrafo segundo do art. 2° do Decreto-Lei nº 4.657/1942. A jurisprudência vem reconhecendo, de forma remansosa, a plena vigência da Lei nº 1.234/50:
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Se contato há com algum material radioativo em eventuais inspeções, essas ocorrem de forma esporádica, o que não justifica a concessão da jornada diferenciada de trabalho.
“ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ODONTÓLOGO. RAIO-X. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE. COMPROVAÇÃO. 1. A jornada de trabalho dos servidores que operam diretamente com Raios-X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, rege-se pelo comando do art. 1º, a, da Lei nº 1.234/50. (...), fazendo jus à jornada de trabalho reduzida (máximo de 24 horas semanais), tal como previsto no citado diploma. 3. Apelação e remessa oficial desprovidas.” (APELREEX 00078299020114058400 APELREEX - Apelação / Reexame Necessário - 26.247 Relator(a) Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho Sigla do órgão TRF5 Órgão julgador Terceira Turma Fonte DJe - Data: 12/03/2013 - Página: 181). A argumentação da ré de que a ressalva prevista na Lei nº 8.112/90 se refere a normas que regulamentam o exercício de profissões específicas é de todo inconsistente. O intuito do legislador é claro no sentido que outras normas poderiam dispor de forma contrária em relação aos limites de jornada mencionados no caput. Aliás, e a rigor, a referida norma é desnecessária e redundante, na medida em que outra norma que dispusesse em sentido diverso com relação à determinada carreira ou grupo de carreiras de servidores terminaria por derrogar, em relação a essas carreiras, a aplicação desse ponto específico do RJU, já que ambas normas de status ordinário. Assim, resta saber se o autor é ou não alcançado pelos efeitos da citada norma, que assim dispõe: “Art. 1º Todos os servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, terão direito a: a) regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho; b) férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis; c) gratificação adicional de 40% (quarenta por cento) do vencimento.” Como se vê, a norma confere tais direitos a “todos os servidores da União”, sem qualquer distinção. O Decreto 81.384/78 também prevê o regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho aos servidores Civis da União e de suas autarquias que, no exercício de suas atribuições, operem direta e permanentemente com raios-x e substâncias radioativas, próxima à fonte de irradiação (Art. 1º, I). Ademais, a Medida Provisória nº 2.229-43/2001, que regulamenta a carreira do CNEM, também faz expressa ressalva às normas especiais referentes à jornada de trabalho:
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A habitualidade na exposição é condição essencial para se caracterizar o direito ao tratamento diferenciado: Art. 7º Somente poderão ser designados para operar direta e habitualmente com Raios-X ou substâncias
“Art. 5º É de quarenta horas semanais a jornada de trabalho dos integrantes dos cargos e carreiras a que se refere esta Medida Provisória, ressalvados os casos amparados por legislação específica.” O fato de o autor ser enquadrado como servidor da área de informática não é suficiente para descaracterizar seu direito. Com efeito, em primeiro lugar, a restrição apenas às categorias profissionais previstas no art. 7º do Decreto nº 81.384/78, é indevida e vem sendo rejeitada pela jurisprudência, vez que instituída em norma regulamentar, que transborda os seus limites, ao criar requisito não previsto em lei. A propósito, precedente em idêntico caso: “ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR. REDUÇÃO DE JORNADA SEM REFLEXOS NA REMUNERAÇÃO E PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS. LEI 1.234/50. GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA AO TRABALHO. MP 2.229-43/2001. EXTINÇÃO DA GDTC. CRIAÇÃO DE GRATIFICAÇÃO VINCULADA AO DESEMPENHO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. CORREÇÃO. JUROS. HONORÁRIOS. CUSTAS. 1. Tendo os autores exercido atividades em contato permanente e habitual com raios X e radiações ionizantes, percebendo, inclusive, as gratificações correspondentes, a eles aplicáveis as disposições da Lei 1.234/50 e do Decreto nº 81.384/78. Os servidores que mantêm contato direto, permanente e habitual com raios x e radiações ionizantes detêm o direito à jornada reduzida de vinte e quatro horas, independentemente da qualificação profissional, em face do risco à saúde a que ficam expostos. (...) porque a Medida Provisória n° 2.229-43/2001, que reestruturou a carreira do CNEN, expressamente ressalvou a jornada de trabalho para os cargos amparados por legislação específica (art. 5º), que é o caso dos que expostos permanente e habitualmente a raios x e radiação ionizante. 4. Assegura-se, portanto, aos autores o cumprimento da jornada de trabalho de 24 horas semanais, sem redução da remuneração, com a condenação da CNEN ao pagamento de sobrejornada, inclusive com a incidência de adicional de serviço extraordinário (art. 73 da Lei n° 8.112/90) a partir de 05.09.2001 até o efetivo cumprimento da obrigação de fazer ora imposta, com observância de todos os reflexos remuneratórios resultantes. 5. A correção monetária e os juros devem incidir na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução/CJF 134, de 21.12.2010. 6. Invertida a sucumbência, condena-se a Comissão Nacional de Energia Nuclear a pagar aos autores custas em reembolso e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação.
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radioativas servidores pertencentes às Categorias Funcionais de Médico, Médico de Saúde Pública, Enfermeiro, Odontólogo, Químico (na especialidade de radioquímico), Auxiliar de Enfermagem, Técnico
7. Apelação parcialmente provida. (AC 200538000255102 AC - APELAÇÃO CÍVEL - 200538000255102 Relator(a) DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO Sigla do órgão TRF1 Órgão julgador PRIMEIRA TURMA Fonte e-DJF1 DATA: 10/02/2012 PÁGINA: 592) Em segundo lugar, o autor percebe adicional respectivo, em grau máximo (20%), realizando exames periódicos para aferir a sua contaminação, conforme se observa dos Documentos nº 4058300.252140 e nº 4058300.252138, respectivamente. Assim, é de ser reconhecido o direito à jornada de 24 horas semanais sem redução de vencimentos, observada a prescrição quinquenal (ressalva já feita no pedido do autor). Em relação ao pagamento das verbas, a limitação a duas horas diárias, para fins de pagamento de horas extras, contida na Lei nº 8.112/90, deve ser interpretada como sendo uma limitação direcionada à Administração, em resguardo da saúde do servidor, e não contra ele, a vedar indenização em caso de sobrejornada, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração, que usufruiu do respectivo trabalho adicional sem a correspondente contrapartida. E nem se argumente que da “ilegalidade” não se podem advir consequências favoráveis ao servidor. Tal entendimento se acha há muito superado na jurisprudência, quando admite, por exemplo, que o servidor que laborou em desvio de função, receba o correspondente à diferença entre o seu vencimento e aquele exercido de fato, exatamente para evitar o enriquecimento sem causa do Estado, que não pode se beneficiar da própria conduta ilegal. A propósito: “ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. INCONTROVÉRSIA. INDENIZAÇÃO PELA DIFERENÇA REMUNERATÓRIA. CABIMENTO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL PARCIAL. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE. 1. A jurisprudência do STF encontra-se pacificada no sentido de que o desvio de função dá direito ao servidor à percepção da diferença de remuneração como indenização, sob o fundamento de evitar-se o enriquecimento ilícito do Estado. 2. É irrelevante para o direito indenizatório em questão o fato de o servidor ser estatutário ou celetista, bem como a sua aceitação tácita ou expressa da situação de ilegalidade perpetrada pelo Estado com o desvio de função, pois este, de qualquer modo, se não condenando à reparação do ilícito estaria com ele obtendo enriquecimento indevido. (...)
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de Radiologia, Agente de Serviços Complementares (nas especialidades de cineangiocardiografia e hemodinâmica), Auxiliar Operacional de Serviços Diversos, 6. Não provimento da apelação e provimento, em parte, da remessa oficial para julgar prescritas as parcelas objeto da condenação imposta pela sentença apelada anteriores ao quinquênio que antecedeu à propositura da ação.” (AC 200505000023103 AC - Apelação Cível - 353.683. Relator(a): Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão. Sigla do órgão: TRF5. Órgão julgador: Primeira Turma. Fonte: DJe - Data: 28/10/2009 - Página: 179) A procedência do pedido, portanto, é medida que se impõe. Em relação aos valores pretéritos, o colendo STJ, no julgamento do REsp nº 1.270.439/PR, sob a sistemática dos chamados “recursos repetitivos”, assentou o seguinte entendimento: “os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n° 9.494 /97, com redação da Lei n° 11.960 /09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei n° 11.960 /09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período”. III - DISPOSITIVO Posto isso, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente deferida, julgo procedentes os pedidos para declarar o direito de o autor se submeter à jornada de 24 horas semanais, sem redução de vencimentos, com o pagamento das horas diárias excedentes a essa jornada como horas extras (sem limitação de duas horas diárias), observada a prescrição quinquenal. com o pagamento dos valores pretéritos onde “os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n° 9.494 /97, com redação da Lei n° 11.960 /09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei n° 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período”, proferindo-se, em consequência, julgamento com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil. Condeno a ré a ressarcir as custas antecipadas dispensada das remanescentes, devendo arcar, ainda, com honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais), a teor do disposto no art. 20, § 4º, do CPC, aplicando-se os critérios previstos nas alíneas do parágrafo terceiro do citado dispositivo (pouca complexidade da demanda). Sentença sujeita a reexame necessário. Intimem-se. Recife, 27 de janeiro de 2013. NILCÉA MARIA BARBOSA MAGGI - Magistrado
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Sanitarista, Professor de Ensino Superior, Auxiliar de Ensino (em conformidade com o art. 14, item I, da Lei nº 6.182, de 11 de dezembro de 1974) e Pesquisador (nas áreas de Biofísica, Radioquímica, Radiologia, Radioterapia, Medicina Nuclear e Engenharia Nuclear). (Redação dada pelo Decreto nº 84.106, de 1979) Parágrafo único - Para a concessão de Gratificação por trabalho com raios-x ou substâncias radioativas é imprescindível que o servidor, no exercício de suas atribuições, opere, direta e habitualmente, com raios-x ou substâncias radiativas, junto às fontes de irradiação, por um período de 12 (doze) horas semanais. (Decreto 81.384/78) Portanto, além do ora apelado não exercer uma profissão com previsão legislativa para redução de jornada, não restou demonstrado que o exercício do cargo exercido pelo mesmo, ou seja, desenvolve atividades de suporte ao serviço de tecnologia da informação, não estando, pois, exposto a raios-X nem a substâncias radioativas. (...)2
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APELAÇÃO
EXCELENTÍSSIMO SENHOR JUIZ DA 5ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDICIÁRIA EM PERNAMBUCO PJe Nº 0803782-78.2013.4.05.8300 APELANTE: CNEN - COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR APELADO: ELVIS MARANHÃO DE SOUZA CNEN - COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR, representada pela Procuradoria Regional Federal da 5ª Região, por meio de sua procuradora federal in fine assinada, inconformada, data venia, com a r. sentença dos autos, vem perante Vossa Excelência, interpor o presente recurso de APELAÇÃO com fulcro nos artigos 513 e seguintes do Código de Processo Civil, com efeitos devolutivo e suspensivo, requerendo a V. Exa. a juntada aos autos das anexas razões, com o prosseguimento do feito nos seus ulteriores termos de lei, até o seu envio ao egrégio Tribunal. Pede deferimento. Recife, 27 de fevereiro de 2014. Mª Conceição de Souza Vicente Procuradora Federal
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Foram apresentadas contrarrazões pelo desprovimento do recurso. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (Relator): O art. 1º, a, da Lei nº 1.234/50 conferiu o regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho aos empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica que operem com Raios-X e substâncias radioativas.
RAZÕES DA APELAÇÃO EGRÉGIA CORTE, EXMO. SR. MINISTRO RELATOR, 1. DOS FATOS Cuida-se de ação ordinária, com pedido de antecipação da tutela, objetivando ser assegurado o direito a jornada de trabalho de 24 horas semanais, sem prejuízo de seus vencimento, bem como ao pagamento de horas extras que excederam a carga máxima admitida no art. 1º, a, da Lei 1.234/50, respeitando o prazo prescricional. O MM juiz a quo ao apreciar o pedido autoral julgou procedente o pedido nos termos do dispositivo transcrito a seguir: “I - DISPOSITIVO Posto isso, confirmando a antecipação dos efeitos da tutela anteriormente deferida, julgo procedentes os pedidos para declarar o direito de o autor se submeter à jornada de 24 horas semanais, sem redução de vencimentos, com o pagamento das horas diárias excedentes a essa jornada como horas extras (sem limitação de duas horas diárias), observada a prescrição quinquenal, com o pagamento dos valores pretéritos onde “os juros moratórios devem ser calculados com base no índice oficial de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança, nos termos da regra do art. 1º-F da Lei n° 9.494/97, com redação da Lei n° 11.960 /09. Já a correção monetária, por força da declaração de inconstitucionalidade parcial do art. 5º da Lei n° 11.960/09, deverá ser calculada com base no IPCA, índice que melhor reflete a inflação acumulada do período”, proferindo-se, em consequência, julgamento com resolução de mérito, nos termos do art. 269, I, do Código de Processo Civil.
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Art. 1º Todos os servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios-X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, terão direito a: a) regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho; b) férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis; c) gratificação adicional de 40% (quarenta por cento) do vencimento.
Condeno a ré a ressarcir as custas antecipadas, dispensada das remanescentes, devendo arcar, ainda, com honorários advocatícios, os quais arbitro em R$ 2.000,00 (dois mil reais), a teor do disposto no art. 20, § 4º do CPC, aplicando-se os critérios previstos nas alíneas do parágrafo terceiro do citado dispositivo (pouca complexidade da demanda). Sentença sujeita a reexame necessário. Intimem-se.” A respeitável sentença merece reforma, tendo em vista os motivos de fato e de direito a seguir expostos. 2. PRELIMINARMENTE 2.1. DA TEMPESTIVIDADE É de se frisar, inicialmente, a tempestividade do presente recurso, com base no disposto nos arts. 508 e 188 do CPC, que assim versam: “Art. 508 - Na apelação, nos embargos infringentes, no recurso ordinário, no recurso especial, no recurso extraordinário e nos embargos de divergência, o prazo para interpor e para responder é de 15 (quinze) dias. (Redação dada pela Lei nº 8.950, de 13.12.1994)”. “Art. 188 - Computar-se-á em quádruplo o prazo para contestar e em dobro para recorrer quando a parte for a Fazenda Pública ou o Ministério Público”. (g.n.) Assim, o prazo para recorrer é de 30 dias de acordo com os dispositivos legais supracitados; visto que a intimação deu-se em 28/01/2014, tem-se por inequívoca a tempestividade deste recurso. 3 - DO MÉRITO Com efeito, data vênia, não merece prosperar a fundamentação contida na sentença combatido. O demandante é servidor público federal, regido pela Lei nº 8.112/90 e utilizou como fundamento o art. 1º, alínea a, da Lei nº 1.234/50 para pleitear o
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Destaco da sentença os fundamentos que ensejaram a procedência do pedido, com os quais compartilho: (...) Cinge-se o mérito da demanda à verificação da aplicação ou não ao autor, da Lei nº 1.234/50, com fixação de jornada de trabalho de 24 horas semanais e, consequentemente, o pagamento das 16 horas extras semanais. O demandante é servidor público estatutário, integrante dos quadros funcionais da Comissão Nacional de Energia Nuclear - CNEN.
pagamento de horas extras semanais que entende lhe serem devidas, bem como a redução de jornada. Data vênia, o autor/recorrido cometeu um grande equívoco. Sendo ele servidor público regido pelo RJU, é de lhe ser vedada a aplicação de diplomas legais outros que não a Lei n° 8.112/90. De plano, destaca-se a jornada de trabalho dos servidores públicos como o cerne da questão e tem-se que esta é fixada pela Lei nº 8.112/90. A Lei nº 1.234/50 confere direitos e vantagens a servidores que operam com Raios X e substâncias radioativas. A sua regulamentação teve início com o Decreto nº 29.155/51, com sucessivas modificações, até que o último deles, o Decreto de nº 81.384/78, depois modificado pelo de nº 84.106/79, dispôs expressamente em seu art. 7º, que os beneficiários da Lei nº 1.234/50 seriam apenas os ocupantes de cargos ou funções de médico, médico de saúde pública, odontólogo, agente de saúde, técnico de radiologia e sanitarista. A própria Lei 1.234/50 (art. 4º, alínea a) excluiu aqueles “que no exercício de tarefas acessórias ou auxiliares, fiquem expostos às irradiações, apenas em caráter esporádico e ocasional”. Consoante o seu art. 1º, a Lei 1.234/50 dirigia-se aos servidores da União, civis e militares, e aos empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operavam diretamente com Raio X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, conferindo-lhes direito a: a) regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho; b) férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis; c) gratificação adicional de 40% (quarenta por cento) do vencimento. Como se vê, quatro eram os pressupostos para beneficiar-se com as vantagens da Lei 1.234/50, quais sejam: a) ser servidor da Administração direta ou empregado de autarquia; b) ocupar cargos ou exercer funções de médico, médico de saúde pública, odontólogo, agente de saúde, técnico de radiologia e sanitarista;
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Segundo a referida autarquia, aplica-se a eles o disposto no art. 19 do RJU, que assim dispõe: Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
c) operar diretamente com Raios X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação; d) não exercer tarefas puramente acessórias ou auxiliares, ficando expostos às irradiações apenas em caráter esporádico e ocasional. Se essa Lei estivesse em plena vigência, ainda assim o autor, mesmo sendo servidor de autarquia, não faria jus às vantagens nela previstas, pelo fato de não atenderem aos demais requisitos acima transcritos e aos critérios definidos pelos Decretos que a regulamentaram. Mesmo antes do advento do RJU, o entendimento era da não aplicação dos dispositivos legais apontados nas relações entre a Autarquia e seus servidores, conforme se depreende do seguinte entendimento da Jurisprudência: TRABALHISTA - LEI 1.234/50 - ADICONAL DE PERICULOSIDADE - SERVIDORES DA CNEN. I - A Lei nº 1.234/50 não se aplica aos servidores regidos pela Legislação do trabalho, cuja proteção quanto a substâncias radioativas está sujeita a normas próprias do regime trabalhista. II - Recurso improvido. (TRF2ª R:- RO nº 90.02.07567-7/RJ Relator: JUIZ CASTRO AGUIAR 1ª Turma - Publicação: DJ 02/03/1995) O fato é que a Lei nº 1.234/50 não foi recepcionada pela CR/88 e, ainda que fosse, esta lei foi revogada pelo Regime Jurídico Único, instituído pela Lei nº 8.112/90. Atente-se que o parágrafo 3º do art. 39 da Constituição da República, enumera os “Diretos dos Trabalhadores”, dentre aqueles contidos no art. 7º do mesmo Diploma Legal, que se aplicam aos servidores públicos civis. Constata-se que o inciso XIII, do art. 7º da Constituição da República, estabelece “duração do trabalho não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro semanais, facultada a compensação de horários ...” para os servidores públicos. Ainda, analisando os Dispositivos Constitucionais, vê-se que, em obediência ao disposto em seu art. 39, a Lei 8.112/90 veio para instituir um regime jurídico único para os servidores da administração pública direta, autárquica e
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Ocorre, que a própria norma acima referida ressalva expressamente a legislação específica: § 2º O disposto neste artigo não se aplica a duração de trabalho estabelecida em leis especiais. (Incluído pela Lei nº 8.270, de 17.12.91) Uma vez que a Lei nº 1.234/50 estabelece disposições especiais a par das gerais, não há que se falar em sua revogação pela Lei nº 8.213/91, nos termos do parágrafo segundo do art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657/1942. fundacional, onde se encontram todos os seus direitos e obrigações, revogando toda e qualquer disposição em contrário, como se depreende do seu art. 253, aí incluída a Lei nº 1.234/50. É certo que a Lei não exige a declinação do fundamento legal, mas, sim, os fatos e fundamentos jurídicos do pedido que constituem a causa de pedir. Como também é certo que, ante as limitações impostas pelo inciso XIII do art. 7º da Constituição da República (aplicável aos servidores públicos por forma do art. 39, § 3º, CF), nem o legislador constituinte ou, sequer, o ordinário, assegurou ao servidor público o direito à jornada de 24 horas semanais, haja vista o Estatuto que rege as relações dos servidores públicos federais. O Art. 19 da Lei nº 8.112/90 cuidou da jornada de trabalho dos servidores, na seguinte forma: “Art. 19. Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.1991) (Grifou-se) (...) § 2º O disposto neste artigo não se aplica à duração de trabalho estabelecida em leis especiais”. (Parágrafo acrescentado pela Lei nº 8.270, de 17.12.1991) Regulamentando o artigo acima transcrito, o DECRETO Nº 1.590, DE 10 DE AGOSTO DE 1995, tratou especificamente da jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, estabelecendo, em seu art. 1º que: “Art. 1º A jornada de trabalho dos servidores da Administração Pública Federal direta, das autarquias e das fundações públicas federais, será de oito horas diárias e: I - carga horária de quarenta horas semanais, exceto nos casos previstos em lei específica, para os ocupantes de cargos de provimento efetivo; (...)”. (Grifou-se/destacou-se) Observe-se que tanto o parágrafo 2º do art. 19 da Lei 8.112/90 como o inciso I do artigo 1º do Decreto nº 1.590/95 cuidaram também das exceções previstas em
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A jurisprudência vem reconhecendo, de forma remansosa, a plena vigência da Lei nº 1.234/50: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. ODONTÓLOGO. RAIO-X. EXPOSIÇÃO HABITUAL E PERMANENTE. COMPROVAÇÃO. 1. A jornada de trabalho dos servidores que operam diretamente com Raios-X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, rege-se pelo comando do art. 1º, a, da Lei nº 1.234/50. (...), fazendo jus à jornada de trabalho reduzida (máximo de 24 horas semanais), tal como previsto no citado diploma. leis especiais. A despeito da revogação da Lei 1.234/50, com a instituição do RJU, salienta-se que esta não se enquadra no conceito de “lei especial ou específica” para fins de jornada de trabalho especial em favor de servidores públicos federais. Na verdade, aquelas exceções referem-se a previsões contidas em “Leis Regulamentadoras” de profissões, como no caso dos médicos, dentistas, professores etc., profissões estas que não coincidem com a do autor. Leis regulamentadoras das respectivas profissões não preveem, in casu, nenhuma “jornada especial” de trabalho. É importante salientar que a Comissão Nacional de Energia Nuclear é órgão superior de orientação, planejamento, supervisão, fiscalização e de pesquisa científica, em razão do exercício do monopólio de que trata o art. 1º da Lei nº 4.118, de 27/08/62, consoante o disposto na Lei nº 6.189/74. Pois bem. A Lei nº 8.691/93 instituiu o Plano de Carreiras para a área de Ciência e Tecnologia da Administração Federal Direta, das Autarquias e das Fundações Federais. Como se depreende do seu art. 1º, § 1º, inciso II, este plano de carreiras abrange a CNEN. Em seu art. 26, caput e § 1º, estabeleceu-se, ainda, que os atuais servidores dos órgãos e entidades referidos no § 2º do art. 1º serão enquadrados nas carreiras constantes do Anexo I e que os seus vencimentos corresponderão àqueles fixados no Anexo II da Lei nº 8.460/92, onde se encontra Tabela de Vencimento para jornada de 30 e 40 horas semanal, com a respectiva remuneração dos cargos ocupados pelos servidores. Assim, o enquadramento dos mesmos neste Plano de Carreira obedeceu ao art. 26, caput, do citado diploma legal, enquanto o vencimento correspondente ao cargo por eles ocupado foi determinado pelo seu § 1º, nos seguintes termos, verbis: “Art. 26. Os atuais servidores dos órgãos e entidades referidas no §1º serão enquadrados nas carreiras constantes do Anexo I, no mesmo nível , classe e padrão onde estejam posicionados na data de publicação desta Lei. § 1º Os vencimentos dos servidores de que trata este artigo corresponderão àqueles fixados no Anexo II da Lei nº 8.460, de 17 de setembro de 1992, para os respectivos níveis, classes e padrões”. (Destacou-se)
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3. Apelação e remessa oficial desprovidas. (APELREEX 00078299020114058400 APELREEX Apelação / Reexame Necessário - 26.247. Relator(a): Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho. Sigla do órgão: TRF5. Órgão julgador: Terceira Turma. Fonte: DJe - Data: 12/03/2013 - Página: 181)
No Anexo II, da Lei nº 8.460/92, encontra-se a Tabela de Vencimento para jornada 40 horas semanais, com a respectiva remuneração do cargo ocupado pelo autor. O autor ocupa “Cargo Público”, cuja jornada de trabalho é fixada em razão das atribuições pertinentes a ele e sua respectiva remuneração não se escalona por jornada fixa ou variável, ou seja, por quantidade de horas trabalhadas, mas pelo padrão de vencimentos fixados para o seu cargo e outorga de vantagens previstas em lei. Neste sentido, eis o entendimento consolidado no e. Tribunal Regional Federal, da 1ª Região: “EMENTA: ADMINISTRATIVO. JORNADA DE TRABALHO DOS SERVIDORES DA ADMINISTRAÇÃO DIRETA, DAS AUTARQUIAS E DAS FUNDAÇÕES PÚBLICAS. Observado o limite constitucional, a Administração é livre, por ato normativo, para modificar horário de trabalho, ampliando ou reduzindo a jornada, segundo critérios de conveniência do serviço público, sem que importe redução da remuneração dos seus servidores, a qual não se escalona por jornada fixa ou variável, ou seja, por quantidade de horas trabalhadas, mas pelo padrão de vencimentos e outorga de vantagens previstas em lei”. TRF1ª R. - AC nº 1997.01.00.032842-0/MG Relator: JUIZ ALOÍSIO PALMEIRA 1ª Turma - Publicação: DJ 18 /05 /1998, p. 113) (grifei) Acrescente-se, ainda, que a Medida Provisória nº 1.548-37, de 30.10.97, em seu art. 15, instituiu a Gratificação de Desempenho de Atividade de Ciência e Tecnologia - GDCT pelo Regime de Trabalho de Dedicação Exclusiva, implicando na obrigação de prestar 40 horas semanais de trabalho e no impedimento do exercício de outra atividade remunerada, pública ou privada. Além da jornada de trabalho dos servidores, a Lei nº 8.112/90 tratou das gratificações e dos adicionais a que o servidor faz jus, conforme a sua seção II, artigo 61 e seguintes. Assim, o inciso IV prevê o adicional pelo exercício de atividades insalubres, perigosas ou penosas, enquanto o inciso V, ambos do art. 61, cuida do adicional pela prestação de serviço extraordinário; o Art. 68 trata do adicional sobre o vencimento do cargo efetivo para os servidores que trabalhem com habitualidade em locais insalubres ou em contato permanente com substâncias tóxicas, radioativas ou com risco de vida; o art. 72 tratou do controle permanente a que deve ser mantido os locais de trabalho dos servidores que operam com Raios X ou substâncias radioativas, de modo que as doses de radiação ionizante não
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A argumentação da ré que a ressalva prevista na Lei nº 8.112/90 se refere a normas que regulamentam o exercício de profissões específicas é de todo inconsistente. O intuito do legislador é claro no sentido que outras normas poderiam dispor de forma contrária em relação aos limites de jornada mencionados no caput.
ultrapassem o nível máximo previsto na legislação própria; e por fim, o art. 79 cuidou das férias de 20 (vinte) dias, por semestre de atividade profissional, proibida em qualquer hipótese a acumulação, a que o servidor que opera direta e permanentemente com Raios X ou substâncias radioativas fará jus. A matéria envolvendo operação com Raios X e substâncias radioativas, anteriormente regulamentada pela Lei nº 1.234/50, foi objeto de tratamento pela Lei nº 8.112/90. Se a CR/88 recepcionou aquele diploma legal, pode-se afirmar que a Lei nº 8.112/90 o revogou, tratando de forma diversa a mesma matéria, à vista da revogação das disposições em contrário, contida em seu art. 253. Ainda no âmbito da matéria que envolve operação com Raios X e substâncias radioativas, há que se dizer da Lei nº 8.270/91, especialmente o seu art. 12 e 22, que estabeleceu os percentuais dos adicionais de insalubridade e periculosidade, do adicional de irradiação ionizante e da gratificação por trabalhos com Raios X e substâncias radioativas e, ainda, da jornada de trabalho dos servidores, culminando com a nova redação dada ao art. 19 da Lei nº 8.112/90. Assim, em relação às vantagens anteriormente conferidas pelo art. 1º da Lei 1.234/50, quanto à matéria que envolve operação com Raios X e substâncias radioativas, teríamos a seguinte situação, sob a égide do RJU: a) regime máximo de quarenta horas semanais de trabalho; b) férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis; c) adicional de irradiação ionizante, nos percentuais de 5%, 10% e 20% sobre o vencimento; d) gratificação por trabalhos com Raios X ou substâncias radioativas, no percentual de 10% sobre o vencimento. Essas as vantagens a que os servidores fazem jus quando em operação direta e permanentemente com Raios X ou substâncias radioativas, na jornada de trabalho legalmente prevista, tratada de forma diferente no âmbito do Regime Jurídico Único. Voltando ao incabível pedido de redução de jornada, apenas a título de argumentação e reflexão, como pode ser notada, a antiga legislação falava em jornada de 24 horas semanais, jornada esta que se adequaria, em tese, a uma jornada de 44 horas semanais e não a uma jornada geral fixada em 40 horas, onde prevê oito horas diárias. Se o servidor atualmente trabalha 5 dias por semana, oito horas diárias, perfazendo 40 horas semanais, soaria no mínimo estranho uma jornada de 24 horas
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Aliás, e a rigor, a referida norma é desnecessária e redundante, na medida em que outra norma que dispusesse em sentido diverso com relação à determinada carreira ou grupo de carreiras de servidores terminaria por derrogar, em relação a essas carreiras, a aplicação desse ponto específico do RJU, já que ambas normas de status ordinário. Assim, resta saber se o autor é ou não alcançado pelos efeitos da citada norma, que assim dispõe:
dividida por 5 dias, nota-se mais uma vez que a jornada de 24 horas semanais valeria para uma jornada de 4 horas diárias, 6 dias por semana. Não é demais repetir: todos os direitos e obrigações dos servidores encontram-se na Lei nº 8.112/90 e legislações posteriores que vieram regulamentar alguns de seus dispositivos. Quanto a esta questão, mister transcrever aqui o entendimento consolidado pelos Tribunais em casos análogos, verbis: “ABONO PECUNIÁRIO. PROFESSORES UNIVERSITÁRIOS. MP Nº 1195/95. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 78 DA LEI Nº 8.112/90. LEI Nº 7.596/87 E DECRETO Nº 94.664/87. REPRISTINAÇÃO. INOCORRÊNCIA. 1. Os professores universitários estão submetidos ao Decreto nº 94.664/87 tão somente em relação às disposições que não foram objeto de regulamentação pela Lei nº 8.112/90. 2. O artigo 39 do Decreto nº 94.664/87, que previa o abono pecuniário dos docentes, revogado pela Lei nº 8.112/90, não foi restaurado pela revogação do artigo 78 do Regime Jurídico único decorrente da MP nº 1.195/95.” (TRF 4ª R. - AC 1998.04.01.019254-5 - RS - 3ª T. - Relª. Juíza Luiza Dias Cassales - DJU 10.06.1998, p. 548) (grifou-se/destacou-se) “MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. TRANSFERÊNCIA EX OFFICIO. FILHO ESTUDANTE, DEPENDENTE DE SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL, TRANSFERIDO NO INTERESSE DO SERVIÇO. FUNDAÇÃO UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA/FUB/UNB. CURSO DE ARQUITETURA E URBANISMO. EXCLUSIVIDADE DA UNB. DIREITO À TRANSFERÊNCIA COMPULSÓRIA. PARÁGRAFO ÚNICO DO ART. 49 DA LEI Nº 9.394, DE 20.11.1996, C/C ART. 1º DA LEI Nº 9.536, DE 11.12.1997, C/C ARTS. 205 E 226 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. 1) O filho dependente de Servidor Público Federal, Civil ou Militar, tem direito líquido e certo à transferência ex officio da instituição de ensino que estiver regularmente matriculado para outra do seu novo domicílio, vinculada a qualquer sistema de ensino, em qualquer época do ano e independente da existência de vaga, em razão de comprovada remoção ou transferência de ofício do seu genitor, que acarrete mudança de Município, máxime quando o curso correspondente só existe na instituição recebedora onde foi requerida a transferência. 2) A Lei nº 9.536, de 11.12.1997, ao regular inteiramente a matéria relativa à transferência ex officio de servidor Público Civil e Militar estudante e seus
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Art. 1º Todos os servidores da União, civis e militares, e os empregados de entidades paraestatais de natureza autárquica, que operam diretamente com Raios-X e substâncias radioativas, próximo às fontes de irradiação, terão direito a: a) regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho; b) férias de vinte dias consecutivos, por semestre de atividade profissional, não acumuláveis; c) gratificação adicional de 40% (quarenta por cento) do vencimento.
dependentes, tratada no parágrafo único da Lei nº 9.394, de 20.12.1996 (Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional), tacitamente, a teor do § 1º (última figura), art. 2º do Decreto-Lei nº 4.657, de 04.09.1942 (Lei de Introdução ao Código Civil), revogou as disposições do art. 99, da Lei nº 8.112, de 11.12.1990 (Lei do Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis da União). 3) Remessa improvida.” (TRF 1ª R. - REO-MS 1997.01.00.035295-2 - DF - 1ª T. - Rel. Conv. Juiz Velasco Nascimento - DJU 24.09.1998 - p. 86) (grifou-se/destacou-se) Sendo o autor/apelado servidor público regido pelo RJU, é de se lhe vedar a aplicação de diplomas legais outros que não a Lei n° 8.112/90, como fundamento de suas pretensões. Se antes do RJU a Lei 1.234/50 já não se aplicava ao autor, com mais razão após a edição da Lei 8.112/90. Diante de tudo isso, ressalta-se que padece, pois, o pedido da parte autora/ apelada, de suporte jurídico e doutrinário e, em face disso, a r. sentença não poderia ter julgado procedente o pedido do autor, dado que nada há na inicial que possa justificar a procedência dos pedidos ali formulados. De todo o exposto, não se pode olvidar que o administrador público somente deve fazer o que determina a lei, ou melhor, todo o atuar administrativo está jungido às prescrições legais; diversamente do que ocorre no âmbito particular, em que o agente tem liberdade de agir licitamente desde que a lei não o proíba. Corroborando esse raciocínio, confira-se a lição do mestre Hely Lopes Meirelles, in “Direito Administrativo Brasileiro”, 23a edição, Malheiros Editores, pág. 85, verbis: “Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na Administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’.” Esse é o verdadeiro significado do princípio da legalidade disposto nos arts. 5º, II, e 37, caput, da Lei Maior, do contrário, tal preceito redundaria letra morta.
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Como se vê, a norma confere tais direitos a “todos os servidores da União”, sem qualquer distinção. O Decreto 81.384/78 também prevê o regime máximo de vinte e quatro horas semanais de trabalho aos servidores Civis da União e de suas autarquias que, no exercício de suas atribuições, operem direta e permanentemente com raios-x e substâncias radioativas, próxima à fonte de irradiação (Art. 1º, I). Ademais, a Medida Provisória nº 2.229-43/2001, que regulamenta a carreira do CNEM, também faz expressa ressalva às normas especiais referentes à jornada de trabalho:
Assim, também em face do preceito constitucional, resta evidente a impossibilidade de se julgar procedente a pretensão. Há que se reconhecer que o fato da ré ser uma instituição cuja finalidade está ligada à energia nuclear, não significa que todos os servidores exercem atividades em constante exposição à radiação. Se contato há com algum material radioativo em eventuais inspeções essas ocorrem de forma esporádica, o que não justifica a concessão da jornada diferenciada de trabalho. A habitualidade na exposição é condição essencial para se caracterizar o direito ao tratamento diferenciado: Art. 7º Somente poderão ser designados para operar direta e habitualmente com Raios X ou substâncias radioativas servidores pertencentes às Categorias Funcionais de Médico, Médico de Saúde Pública, Enfermeiro, Odontólogo, Químico (na especialidade de radioquímico), Auxiliar de Enfermagem, Técnico de Radiologia, Agente de Serviços Complementares (nas especialidades de cineangiocardiografia e hemodinâmica), Auxiliar Operacional de Serviços Diversos, Sanitarista, Professor de Ensino Superior, Auxiliar de Ensino (em conformidade com o art. 14, item I, da Lei nº 6.182, de 11 de dezembro de 1974) e Pesquisador (nas áreas de Biofísica, Radioquímica, Radiologia, Radioterapia, Medicina Nuclear e Engenharia Nuclear). (Redação dada pelo Decreto nº 84.106, de 1979) Parágrafo único - Para a concessão de Gratificação por trabalho com raios-x ou substâncias radioativas é imprescindível que o servidor, no exercício de suas atribuições, opere, direta e habitualmente, com raios-x ou substâncias radiativas, junto às fontes de irradiação, por um período de 12 (doze) horas semanais. (Decreto 81.384/78) Portanto, além do ora apelado não exercer uma profissão com previsão legislativa para redução de jornada, não restou demonstrado que o exercício do cargo exercido pelo mesmo, ou seja, desenvolve atividades de suporte ao serviço de tecnologia da informação, não estando, pois, exposto a raios-X nem a substâncias radioativas.
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Art. 5º É de quarenta horas semanais a jornada de trabalho dos integrantes dos cargos e carreiras a que se refere esta Medida Provisória, ressalvados os casos amparados por legislação específica. O fato de o autor ser enquadrado como servidor da área de informática não é suficiente para descaracterizar seu direito. Com efeito, em primeiro lugar, a restrição apenas às categorias profissionais previstas no art. 7º do Decreto nº 81.384/78, é indevida e vem sendo rejeitada pela jurisprudência, vez que instituída em norma regulamentar, que transborda os seus limites, ao criar requisito não previsto em lei. A propósito, precedente em idêntico caso: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. COMISSÃO NACIONAL DE ENERGIA NUCLEAR. REDUÇÃO DE JORNADA SEM REFLEXOS NA REMUNERAÇÃO E PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS. LEI 1.234/50. GRATIFICAÇÃO DE DESEMPENHO DE ATIVIDADE DE CIÊNCIA E TECNOLOGIA. DEDICAÇÃO EXCLUSIVA AO TRABALHO. MP 2.229-43/2001. EXTINÇÃO DA GDTC. CRIAÇÃO DE GRATIFICAÇÃO VINCULADA AO DESEMPENHO. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO. CORREÇÃO. JUROS. HONORÁRIOS. CUSTAS. 1. Tendo os autores exercido atividades em contato permanente e habitual com raios-X e radiações ionizantes, percebendo, inclusive, as gratificações correspondentes, a eles aplicáveis as disposições
4 - DO PEDIDO Ante todo exposto, requer a UFPE o conhecimento e provimento do presente recurso de apelação, para o fim de reformar a sentença, julgando totalmente improcedente o pedido formulado na inicial, com a consequente condenação da parte autora/apelada nas cominações de estilo. Nestes termos, Pede deferimento. Recife, 27 de fevereiro de 2014. Mª Conceição de Souza Vicente Procuradora Federal
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da Lei 1.234/50 e do Decreto nº 81.384/78. Os servidores que mantêm contato direto, permanente e habitual com raios-x e radiações ionizantes detêm o direito à jornada reduzida de vinte e quatro horas, independentemente da qualificação profissional, em face do risco à saúde a que ficam expostos. (...) porque a Medida Provisória n° 2.229-43/2001, que reestruturou a carreira do CNEN, expressamente ressalvou a jornada de trabalho para os cargos amparados por legislação específica (art. 5º), que é o caso dos que expostos permanente e habitualmente a raios-x e radiação ionizante. 4. Assegura-se, portanto, aos autores o cumprimento da jornada de trabalho de 24 horas semanais, sem redução da remuneração, com a condenação da CNEN ao pagamento de sobrejornada, inclusive com a incidência de adicional de serviço extraordinário (art. 73 da Lei n° 8.112/90) a partir de 05.09.2001 até o efetivo cumprimento da obrigação de fazer ora imposta, com observância de todos os reflexos remuneratórios resultantes. 5. A correção monetária e os juros devem incidir na forma do Manual de Cálculos da Justiça Federal, aprovado pela Resolução/CJF 134, de 21.12.2010. 6. Invertida a sucumbência, condena-se a Comissão Nacional de Energia Nuclear a pagar aos autores custas em reembolso e honorários advocatícios arbitrados em 10% (dez por cento) do valor da condenação. 7. Apelação parcialmente provida. (AC 200538000255102 AC - APELAÇÃO CÍVEL 200538000255102. Relator(a): DESEMBARGADORA FEDERAL ÂNGELA CATÃO. Sigla do órgão: TRF1. Órgão julgador: PRIMEIRA TURMA. Fonte: e-DJF1. DATA: 10/02/2012. PÁGINA: 592) Em segundo lugar, o autor percebe adicional respectivo, em grau máximo (20%), realizando exames periódicos para aferir a sua contaminação, conforme se observa dos Documentos nº 4058300.252140 e nº 4058300.252138, respectivamente. Assim, é de ser reconhecido o direito à jornada de 24 horas semanais sem redução de vencimentos, observada a prescrição quinquenal (ressalva já feita no pedido do autor). 125
Em relação ao pagamento das verbas, a limitação a duas horas diárias, para fins de pagamento de horas extras, contida na Lei nº 8.112/90, deve ser interpretada como sendo uma limitação direcionada à Administração, em resguardo da saúde do servidor, e não contra ele, a vedar indenização em caso de sobrejornada, sob pena de enriquecimento sem causa por parte da Administração, que usufruiu do respectivo trabalho adicional sem a correspondente contrapartida. E nem se argumente que da “ilegalidade” não se podem advir consequências favoráveis ao servidor. Tal entendimento se acha há muito superado na jurisprudência, quando admite, por exemplo, que o servidor que laborou em desvio de função, receba o correspondente à diferença entre o seu vencimento e aquele exercido de fato, exatamente para evitar o enriquecimento sem causa do Estado, que não pode se beneficiar da própria conduta ilegal. A propósito: ADMINISTRATIVO E PROCESSO CIVIL. SERVIDOR PÚBLICO. DESVIO DE FUNÇÃO. INCONTROVERSIA. INDENIZAÇÃO PELA DIFERENÇA REMUNERATÓRIA. CABIMENTO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL PARCIAL. SUCUMBÊNCIA MÍNIMA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS SUCUMBENCIAIS. PERCENTUAL. RAZOABILIDADE. 1. A jurisprudência do STF encontra-se pacificada no sentido de que o desvio de função dá direito ao servidor à percepção da diferença de remuneração como indenização, sob o fundamento de evitar-se o enriquecimento ilícito do Estado. 2. É irrelevante para o direito indenizatório em questão o fato de o servidor ser estatutário ou celetista, bem como a sua aceitação tácita ou expressa da situação de ilegalidade perpetrada pelo Estado com o desvio de função, pois este, de qualquer modo, se não condenando à reparação do ilícito estaria com ele obtendo enriquecimento indevido. (...) 6. Não provimento da apelação e provimento, em parte, da remessa oficial para julgar prescritas as parcelas objeto da condenação imposta pela sentença apelada anteriores ao quinquênio que antecedeu à propositura da ação. 126
(AC 200505000023103 AC - Apelação Cível - 353.683 Relator(a) Desembargador Federal Emiliano Zapata Leitão Sigla do órgão TRF5 Órgão julgador Primeira Turma Fonte DJe - Data: 28/10/2009 - Página: 179). (...)
Sendo assim, restou comprovado o direito do autor se submeter à jornada de 24 horas semanais, considerando que percebe adicional em grau máximo devido exposição a raio-x e substâncias radioativas, inclusive realizando exames períodos para aferição de sua contaminação. Quanto à correção monetária e juros de mora, no Recurso Extraordinário nº 870.947, julgado sob a forma de Repercussão Geral, o colendo Supremo Tribunal Federal estabeleceu duas teses jurídicas, a se ver da notícia constante no sítio eletrônico da Corte, abaixo transcrita: Notícias STF Quarta-feira, 20 de setembro de 2017 Plenário do STF define teses sobre índices de correção e juros em condenações contra Fazenda Pública. (...) A maioria dos ministros seguiu o voto do relator, ministro Luiz Fux, segundo o qual foi afastado o uso da Taxa Referencial (TR) como índice de correção monetária dos débitos judiciais da Fazenda Pública, mesmo no período da dívida anterior à expedição do precatório. O entendimento acompanha o já definido pelo STF quanto à correção no período posterior à expedição do precatório. Em seu lugar, o índice de correção monetária adotado foi o Índice de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), considerado mais adequado para recompor a perda de poder de compra. Quanto aos juros de mora incidentes sobre esses débitos, o julgamento manteve o uso do índice de remuneração da poupança, previsto na legislação questionada, apenas para débitos de natureza não tributária, como é o caso da disputa com o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) em causa. Na hipótese de causas de natureza tributária, ficou definido que deverá ser usado o mesmo índice adotado pelo Fisco para corrigir os débitos dos contribuintes, a fim de se preservar o princípio da isonomia. Hoje essa taxa é a Selic. (Grifei)
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O quadro abaixo retrata os diversos índices de correção monetária: Índice de Correção Monetária
Campo de Aplicação
Jurisprudência
IPCA
Matérias Administrativa e Civil
RE 870.947 (STF) - Repercussão Geral
Taxa Selic (compreende juros e correção)
Matéria Tributária
RE 870.947 (STF) - Repercussão Geral
INPC
Matéria Previdenciária3
REsp 1.495.146 (STJ) Recurso Repetitivo
Assim, a correção monetária, em se tratando de matérias administrativa, civil e amparo assistencial, se dará pelo IPCA e os juros de mora pela remuneração da caderneta de poupança, nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal observando-se o que decido no RE 870.947 (STF). Isto posto, nego provimento à apelação e à remessa necessária. Quanto aos honorários recursais, ante o não provimento da apelação, majora-se a condenação em honorários advocatícios, a título de honorários recursais (art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015), em 2%. É o meu voto.
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Envolve apenas benefícios previdenciários, stricto sensu.
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AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 080345327.2019.4.05.0000-SE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Agravante: PREFEITURA MUNICIPAL DE PIRAMBU/SE Agravado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Adv./Proc.: DR. JOSÉ HUNALDO SANTOS DA MOTA (AGRTE.) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. FOTOPOLUIÇÃO. EFEITOS NEGATIVOS NO CICLO REPRODUTIVO DAS TARTARUGAS MARINHAS. MORTANDADE DE FILHOTES COMPROVADA. REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA PREENCHIDOS. DILATAÇÃO DO PRAZO DE CUMPRIMENTO. AUDIÊNCIA NO JUÍZO DE ORIGEM PARA ESCLARECER QUESTIONAMENTOS DO DEMANDADO. MULTA DIÁRIA REDUZIDA. RAZOABILIDADE. PROVIMENTO PARCIAL. 1. Agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE PIRAMBU/SE em face da decisão do Juízo Federal da 1ª Vara de Sergipe que, nos autos da Ação Civil Pública nº 0805316-63.2018.4.05.8500, deferiu medida liminar para determinar ao referido município que, “no prazo de 60 dias, no raio de 2 km situado entre a foz do Rio Japaratuba e o início da Reserva Biológica de Santa Isabel, especificamente nos pontos indicados no relatório de Id. 2368043, cumpra as seguintes obrigações de fazer: a) providenciar uma barreira física natural, na exata forma da proposição delineada pelo Centro Tamar (item 5.2, p. 4, Id. 2368043); b) providenciar iluminação rasteira ou tipo balizador, de menor elevação e intensidade, nas fontes mais próximas à linha da costa, fato que contribuirá para a redução da dispersão da luz para a praia; c) diligenciar para que as residências próximas e estabelecimentos particulares também promo129
vam a mudança para iluminação rasteira, substituindo postes ou outras formas de iluminação mais visíveis a partir da praia, e manter a fiscalização necessária ao seu cumprimento; d) reduzir a altura e potência das lumináras adaptadas, já instaladas nos postes de iluminação pública. A altura das fontes luminosas deve ser definida a partir da topografia local, de modo que as luminárias não sejam perceptíveis ou visualizadas a partir da praia e a potência das lâmpadas deve ser adequada, de modo que o clarão luminoso seja contido e imperceptível ao longo da praia; e) promover a fiscalização trimestral ao longo da área objeto desta ação, notificando os imóveis que não adequem a iluminação, aplicando, se for o caso, sanções cabíveis, e comunicando a quem de direito; cumpra a obrigação de não fazer, consubstanciada em: f) instalação de iluminação pública em desacordo com os moldes prepostos pelo Projeto Tamar, a fim de que não sejam instaladas fontes luminosas que venham atrapalhar o ciclo reprodutivo das tartarugas marinhas; g) conceder autorizações e licenças civis e ambientais para imóveis que apresentem seus projetos de iluminação em inadequadas, que venham a interferir no ciclo reprodutivo das tartarugas”. 2. Os efeitos danosos da fotopoluição no ciclo reprodutivo das tartarugas marinhas, na orla de Pirambu/SE, foram apurados no Inquérito Civil nº 1.35.000.000952/2016-28, tendo o réu adotado, junto ao Centro TAMAR, algumas providências para adequação das fontes luminosas, que se mostraram insuficientes para solucionar as irregularidades. 3. A tutela de urgência deverá ser concedida quando presentes, concomitantemente, os requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo, nos termos do art. 300 do CPC/2015. 130
4. In casu, a probabilidade do direito e o perigo da demora são evidentes, vez que o problema já foi, inclusive, reconhecido pelo demandado, tendo ele, anteriormente, adotado providências para adequar a luminosidade na orla municipal. 5. Ainda que não haja a comprovação de desrespeito à norma que regula a fotometria nas regiões de proteção das tartarugas marinhas, o efeito negativo da fotopoluição na orla municipal restou vastamente comprovado por meio da atuação do Centro TAMAR, vinculado ao ICMBio, nos autos de origem. Fotografias anexadas à ação civil pública atestam a persistência da mortandade de filhotes que, pela desorientação causada pela luminosidade, traçam trajetória em sentido contrário ao mar. Testes de orientação de filhotes também foram realizados no local, demonstrando a manutenção dos malefícios da fotopoluição, mesmo após a intervenção do município. 6. Na verdade, busca o agravante postergar a efetivação das medidas determinadas na liminar no decorrer da instrução processual, ao argumento de que ausentes os parâmetros técnicos para sua pronta execução. 7. Haja vista a urgência da medida, o agravante deverá adotar, nos termos da decisão liminar, as indicações apresentadas pelo relatório do Centro TAMAR (Nota Técnica nº 22/2018/TAMAR-Vitoria-ES/DIBIO/ICMBio), juntado aos autos de origem, e, havendo dúvidas, buscar ajuda técnica da entidade especializada na proteção das tartarugas marinhas, que também acompanhará a execução dos projetos. 8. Não merece prosperar o pedido subsidiário, para que o prazo de cumprimento seja dilatado para 12 (doze) meses, dado que o município já tinha conhecimento das irregularidades e dos efeitos no ciclo reprodutivo das tartarugas, ao menos desde setembro de 2017, quando realizou 131
ajustes na iluminação da orla. Entretanto, considerando os trâmites necessários à efetivação das medidas, tem-se por razoável a dilatação do prazo de cumprimento para 120 (cento e vinte) dias, sendo o termo inicial a intimação da decisão liminar que assegurou, de início, a dilatação. 9. Ratifica-se, ainda, a determinação de que, no interregno desse prazo, seja realizada audiência, pelo juízo de origem, para que o órgão técnico ambiental responda aos questionamentos apresentados pelo município, para a adequação das medidas necessárias a sanar o problema ambiental naquela localidade. 10. Em face do princípio da razoabilidade, faz-se necessária a redução do valor da multa diária imposta para R$ 200,00 (duzentos reais), nos caso de descumprimento, incidindo automaticamente após o transcurso do prazo fixado para a adequação da luminosidade, no raio de 2 km (dois quilômetros), situado entre a foz do Rio Japaratuba e o início da Reserva Biológica de Santa Isabel, nos pontos indicados pela Nota Técnica nº 22/2018 do Centro TAMAR. 11. Agravo de instrumento parcialmente provido. ACÓRDÃO Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 12 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Relator
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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO: Trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE PIRAMBU/SE em face da decisão do Juízo Federal da 1ª Vara de Sergipe que, nos autos da Ação Civil Pública nº 080531663.2018.4.05.8500, deferiu medida liminar para determinar ao referido Município que, “no prazo de 60 dias, no raio de 2 km situado entre a foz do Rio Japaratuba e o início da Reserva Biológica de Santa Isabel, especificamente nos pontos indicados no relatório de id 2368043, cumpra as seguintes obrigações de fazer: a) providenciar uma barreira física natural, na exata forma da proposição delineada pelo Centro Tamar (item 5.2, p. 4, id 2368043); b) providenciar iluminação rasteira ou tipo balizador, de menor elevação e intensidade, nas fontes mais próximas à linha da costa, fato que contribuirá para a redução da dispersão da luz para a praia; c) diligenciar para que as residências próximas e estabelecimentos particulares também promovam a mudança para iluminação rasteira, substituindo postes ou outras formas de iluminação mais visíveis a partir da praia, e manter a fiscalização necessária ao seu cumprimento; d) reduzir a altura e potência das luminárias adaptadas, já instaladas nos postes de iluminação pública. A altura das fontes luminosas deve ser definida a partir da topografia local, de modo que as luminárias não sejam perceptíveis ou visualizadas a partir da praia e a potência das lâmpadas deve ser adequada, de modo que o clarão luminoso seja contido e imperceptível ao longo da praia; e) promover a fiscalização trimestral ao longo da área objeto desta ação, notificando os imóveis que não adequem a iluminação, aplicando, se for o caso, sanções cabíveis, e comunicando a quem de direito; Cumpra a obrigação de não fazer, consubstanciada em: f) instalação de iluminação pública em desacordo com os moldes prepostos pelo projeto Tamar, a fim de que não sejam ins133
taladas fontes luminosas que venham atrapalhar o ciclo reprodutivo das tartarugas marinhas; g) conceder autorizações e licenças civis e ambientais para imóveis que apresentem seus projetos de iluminação em inadequadas, que venham a interferir no ciclo reprodutivo das tartarugas”. Em suas razões do recurso, aduz o agravante: a) ausência de especificação e delimitação técnica para cumprimento da medida deferida em sede de liminar; b) não comprovação de desrespeito à norma que regula a fotometria nas regiões de proteção das tartarugas marinhas; c) imposição de obrigação sem a observância da necessária adequação orçamentária e, por isso, há a impossibilidade do cumprimento integral; d) o valor da multa diária fixada é exorbitante, frente à impossibilidade de execução imediata das medidas, devendo “ser revogada e afastada sua incidência, sob pena de ensejar enriquecimento sem causa ao beneficiário, ou quando muito ser fixada no patamar de R$ 100,00 (cem reais) limitadas a 10 (dez) dias”. Pedido Liminar parcialmente deferido, apenas para “dilatar o prazo para efetivação das medidas determinados pelo juízo de origem, para 120 (cento e vinte) dias, contados da intimação da decisão”. Contrarrazões do MPF, pugnando pelo não provimento do recurso. Parecer opinativo do MPF, ratificando os termos da contraminuta ofertada. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO (Relator): Como sumariado, trata-se de agravo de instrumento interposto pelo MUNICÍPIO DE PIRAMBU/SE em face da decisão do Juízo Federal da 1ª Vara de Sergipe que, nos autos da Ação Civil Pública nº 0805316-63.2018.4.05.8500, deferiu medida liminar para determinar ao referido Município que, “no prazo de 60 dias, no raio de 2 km situado entre a foz do Rio Japaratuba e o início da Reserva 134
Biológica de Santa Isabel, especificamente nos pontos indicados no relatório de id 2368043, cumpra as seguintes obrigações de fazer: a) providenciar uma barreira física natural, na exata forma da proposição delineada pelo Centro Tamar (item 5.2, p. 4, id 2368043); b) providenciar iluminação rasteira ou tipo balizador, de menor elevação e intensidade, nas fontes mais próximas à linha da costa, fato que contribuirá para a redução da dispersão da luz para a praia; c) diligenciar para que as residências próximas e estabelecimentos particulares também promovam a mudança para iluminação rasteira, substituindo postes ou outras formas de iluminação mais visíveis a partir da praia, e manter a fiscalização necessária ao seu cumprimento; d) reduzir a altura e potência das luminárias adaptadas, já instaladas nos postes de iluminação pública. A altura das fontes luminosas deve ser definida a partir da topografia local, de modo que as luminárias não sejam perceptíveis ou visualizadas a partir da praia e a potência das lâmpadas deve ser adequada, de modo que o clarão luminoso seja contido e imperceptível ao longo da praia; e) promover a fiscalização trimestral ao longo da área objeto desta ação, notificando os imóveis que não adequem a iluminação, aplicando, se for o caso, sanções cabíveis, e comunicando a quem de direito; Cumpra a obrigação de não fazer, consubstanciada em: f) instalação de iluminação pública em desacordo com os moldes prepostos pelo Projeto Tamar, a fim de que não sejam instaladas fontes luminosas que venham atrapalhar o ciclo reprodutivo das tartarugas marinhas; g) conceder autorizações e licenças civis e ambientais para imóveis que apresentem seus projetos de iluminação em inadequadas, que venham a interferir no ciclo reprodutivo das tartarugas”. A presente ação civil pública foi ajuizada, tendo como objetivo garantir o natural ciclo de reprodução das tartarugas marinhas na orla de Pirambu/SE. Para isso, busca impor ao réu a realização de adequações em postes de iluminação pública no trecho da orla 135
marítima pirambuense, bem como o exercício do poder de polícia inerente à municipalidade sobre as fontes luminosas inapropriadas advindas de imóveis particulares. Os efeitos danosos da fotopoluição no ciclo reprodutivo das tartarugas marinhas, na orla de Pirambu/SE, foram apurados no Inquérito Civil nº 1.35.000.000952/2016-28, tendo o réu adotado, junto ao Centro TAMAR, algumas providências para a adequação das fontes luminosas, que se mostraram insuficientes para solucionar as irregularidades. Nos termos do art. 300 do CPC/2015, a tutela de urgência deverá ser concedida quando presentes, concomitantemente, os requisitos da probabilidade do direito e o perigo de dano ou risco ao resultado útil ao processo. In casu, a probabilidade do direito e o perigo da demora são evidentes, vez que o problema já foi, inclusive, reconhecido pelo demandado, tendo ele, anteriormente, adotado providências para adequar a luminosidade na orla municipal. Ainda que não haja comprovação de desrespeito à norma que regula a fotometria nas regiões de proteção das tartarugas marinhas, o efeito negativo da fotopoluição na orla municipal restou vastamente comprovado por meio da atuação do Centro TAMAR, vinculado ao ICMBio, nos autos de origem. Fotografias anexadas à ACP atestam persistência da mortandade de filhotes que, pela desorientação causada pela luminosidade, traçam trajetória em sentido contrário ao mar. Testes de orientação de filhotes também foram realizados no local, demonstrando a manutenção dos malefícios da fotopoluição, mesmo após a intervenção do município, conforme destacou o MM. Magistrado na decisão vergastada: Alegou que o próprio ente municipal assumiu a responsabilidade, até porque já diligenciou junto ao Centro Tamar para regularizar a iluminação. Ainda assim, após a sua atuação e os testes de desorientação promovidos durante a temporada reprodutiva 2017/2018, o problema persiste em cerca de 30%, afetando sobremaneira a própria preservação da espécie.
Na verdade, busca o agravante postergar a efetivação das medidas determinadas na liminar no decorrer da instrução pro136
cessual, ao argumento de que ausentes os parâmetros técnicos para sua pronta execução. Haja vista a urgência da medida, o réu deverá adotar, nos termos da decisão liminar, as indicações apresentadas pelo relatório do Centro TAMAR (Nota Técnica nº 22/2018/TAMAR-Vitoria-ES/ DIBIO/ICMBio), juntado aos autos de origem e, havendo dúvidas, buscar ajuda técnica da entidade especializada na proteção das tartarugas marinhas, que também acompanhará a execução dos projetos. Ademais, não merece prosperar o pedido subsidiário para que o prazo de cumprimento seja dilatado para 12 (doze) meses, dado que o município já tinha conhecimento das irregularidades e dos efeitos no ciclo reprodutivos das tartarugas, ao menos desde setembro de 2017, quando realizou ajustes na iluminação da orla. Contudo, considerando os trâmites necessários à efetivação das medidas, tem-se por razoável a dilatação do prazo de cumprimento para 120 (cento e vinte) dias, sendo o termo inicial a intimação da decisão liminar que assegurou, de início, a dilatação. Ratifica-se, ainda, a determinação de que, no interregno desse prazo, seja realizada audiência, pelo juízo de origem, para que o órgão técnico ambiental responda aos questionamentos apresentados pelo Município, para a adequação das medidas necessárias a sanar o problema ambiental naquela localidade. Em face ao direito que se busca tutelar, é razoável reduzir o valor da multa diária imposta, no valor de R$ 200,00 (duzentos reais), nos caso de descumprimento, incidindo automaticamente após o transcurso do prazo fixado para a adequação da luminosidade, no raio de 2 km (dois quilômetros), situado entre a foz do Rio Japaratuba e o início da Reserva Biológica de Santa Isabel, nos pontos indicados pela Nota Técnica nº 22/2018 do Centro TAMAR. Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO ao agravo de instrumento, dilatando o prazo de cumprimento para 120 (cento e vinte) dias, a contar da decisão liminar no bojo deste recurso e reduzindo o valor da multa diária imposta para R$ 200,00 (duzentos reais). É como voto. 137
COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA TURMA
Desembargador Federal Leonardo Carvalho Presidente da Segunda Turma PerĂodo: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Paulo Roberto
Desembargador Federal Paulo Cordeiro
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0806425-04.2016.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA Apelante: LOTERIA MULTI JOGOS LTDA. - EPP Apelada: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF Advs./Procs.: DRS. RAFAEL DE SOUSA SENA E OUTRO (APTE.) EMENTA: CIVIL E ADMINISTRATIVO. PERMISSÃO DE SERVIÇOS DE LOTERIA. PENALIDADE DE SUSPENSÃO TEMPORÁRIA DOS SERVIÇOS. DESCABIMENTO. 1. Hipótese em que se discute se a autora, empresa do ramo de Casas Lotéricas, objetiva suspender penalidade, imposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, de interdição temporária das suas atividades em decorrência de inadimplência contratual relativa a contrato de empréstimo celebrado com a mesma instituição financeira. 2. A apelante possuía dívida com a CEF, que se iniciou no bojo do contrato de permissão (relativo ao serviço de loteria) e, após negociação com a instituição financeira, celebrou nova avença, (empréstimo com cláusula de alienação fiduciária). Foi no bojo deste último que se deu a ocorrência motivadora da penalidade de suspensão temporária dos serviços de loteria. 3. Tendo em vista que a dívida em questão diz respeito tão somente ao contrato de financiamento, e não ao de permissão lotérica, mostra-se descabida a punição aplicada à apelante com base na falta de pagamento de parcelas do empréstimo. 4. Ressalte-se que a CEF teve a oportunidade de aplicar a referida penalidade ao detectar as irregularidades de prestação de contas no contrato de permissão. Entretanto, ao concordar em resolvê-las quando da sua renegociação, findou por anuir com a quitação de qualquer pendência anterior relativa à tal avença, não sendo possível 141
sancionar a empresa autora com pena grave, somente agora, por motivos que se referem tão somente ao contrato de empréstimo, que inclusive poderia ter sido pactuado com qualquer outra instituição financeira. 5. O simples fato de se tratar de contrato de adesão, por si só, não é capaz de gerar a presunção de que produz onerosidade excessiva para o contratante. Ademais, trata-se de contrato padrão, não se detectando qualquer abusividade de suas cláusulas que justifiquem a revisão pelo Judiciário. 6. Apelação provida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 28 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA: Cuida-se de apelação interposta por LOTERIA MULTI JOGOS LTDA. - EPP, em face de sentença que julgou improcedente o pedido, em ação ordinária por ela movida em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, na qual objetiva a suspensão de penalidade administrativa de suspensão temporária de suas atividades, bem como para determinar a revisão do contrato de renegociação de dívida relativa ao contrato de concessão de serviços bancários celebrado com a ré. Irresignada, aduz a apelante, em síntese, que não teria feito propriamente uma renegociação de dívida, mas sim um negócio 142
jurídico de empréstimo, que usou para pagar débito junto à CEF, pagando-o de forma diferida, e que as parcelas a ele referentes se deram em razão do lucro de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), quando o seu potencial de lucro, devido à crise econômica e à situação caótica do Shopping Center onde se encontra instalada, já era de apenas R$ 20.000,00 (vinte mil reais). Sustenta que teria aceitado tais condições, a ela insustentáveis, para continuar em funcionamento, o que gerou atrasos nos pagamentos, ensejando o envio, por parte da ré, de notificações de “aviso de irregularidade”. Alega que tais comunicados seriam manifestamente arbitrários, tendo em vista que em Direito Administrativo a arbitrariedade é representada pelo excesso de poder da Administração Pública, quando excede a margem de discricionariedade ou até mesmo alega um ato vinculado sem base jurídica, aplicando uma penalidade. Defende que o MM. Juízo a quo, ao indeferir a antecipação de tutela, teria tratado a ré em juízo como fazenda pública, tachando como verdade absoluta tudo o que alegou em sua manifestação, legitimando uma conduta arbitrária, baseada em suposta mal conduta moral que não teria restado comprovada. Argumenta que a sentença apelada teria incorrido em equívoco, dado que os dispositivos nela citados seriam relativos ao contrato de permissão, enquanto que o objeto do litígio seria um contrato de empréstimo com bem em garantia, que poderia ter sido celebrado com qualquer outro Banco ou instituição Financeira, não possuindo os referidos contratos qualquer vinculação. Afirma que o pacto em questão seria ilegal, por ter sido baseado em cláusula abusiva (baseada no lucro de R$ 40.000,00 – quarenta mil reais), podendo, assim, ser revisado pelo Poder Judiciário, diante do patente desequilíbrio contratual. Assevera que a Circular 621/2013 da CEF não teria tipificado a sua conduta como delituosa, e que a própria CEF teria confessado que a mesma não era tipificada. Sustenta, ainda, que a CEF teria usado a presente demanda com objetivo ilegal, de denegrir a sua imagem, o que representaria litigância de má-fé. 143
Argui que teria trazido aos autos documentos que demonstrariam o desequilíbrio contratual, e que sua insurgência se limitava, apenas, ao valor da parcela (cláusula abusiva, objeto da obrigação contratual) e à ilegalidade da aplicação da penalidade que lhe foi imposta. A antecipação de tutela foi indeferida (Doc. 4058300.2344060), e a decisão respectiva foi reformada em sede de agravo de instrumento, provido por esta Corte. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA (Relator): O cerne da questão a ser aqui dirimida consiste em saber se a autora, empresa do ramo de Casas Lotéricas, faz jus a ter suspensa penalidade, imposta pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, de interdição temporária das suas atividades, em decorrência de inadimplência contratual relativa a contrato de empréstimo celebrado com a mesma instituição financeira, bem como à revisão do referido contrato. Do exame dos autos, verifica-se que a apelante possuía dívida com a CEF, que se iniciou no bojo do contrato de permissão (relativo ao serviço de loteria) e, após negociação com a instituição financeira, celebrou nova avença (empréstimo com cláusula de alienação fiduciária). Foi no bojo deste último que se deu a ocorrência motivadora da penalidade de suspensão temporária dos serviços de loteria. Tendo em vista que a dívida que ora se discute diz respeito tão somente ao contrato de financiamento, e não ao de permissão lotérica, mostra-se descabida a punição aplicada à apelante com base na falta de pagamento de parcelas do empréstimo. Ressalte-se que a CEF teve a oportunidade de aplicar a referida penalidade ao detectar as irregularidades de prestação de contas no contrato de permissão. Entretanto, ao concordar em resolvê-las quando da sua renegociação, findou por anuir com a quitação de qualquer pendência anterior relativa à tal avença, não sendo 144
possível sancionar a empresa autora com pena grave, somente agora, por motivos que se referem tão somente ao contrato de empréstimo, que inclusive poderia ter sido pactuado com qualquer outra instituição financeira. Por outro lado, não assiste razão à empresa apelante quanto à pretensão de revisão do referido contrato de empréstimo/renegociação de dívida. Como bem destacado pelo MM. Juízo a quo, o simples fato de se tratar de contrato de adesão, por si só, não é capaz de gerar a presunção de que produz onerosidade excessiva para o contratante. Ademais, do exame dos autos, verifica-se que se trata de contrato padrão, não se detectando qualquer abusividade em suas cláusulas. Registre-se, por fim, que a assinatura do contrato é decorrente da liberalidade das partes, estando o contratante, portanto, sujeito às regras e cláusulas nele estabelecidas. Não podem as partes, porque insatisfeitas com tais regras, insurgirem-se após a respectiva assinatura, devendo prevalecer, sempre, o princípio do pacta sunt servanda. Com essas considerações, dou parcial provimento à apelação para julgar parcialmente procedente o pedido, apenas para afastar a penalidade de suspensão das atividades da empresa autora. Sucumbência recíproca, devendo cada parte arcar com os honorários dos seus respectivos advogados, fixando-se os mesmos em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), ficando, quanto à empresa autora, a execução suspensa, por ser ela beneficiária da justiça gratuita. É como voto.
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APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0807033-40.2018.4.05.8200PB (PJe) Relator: Apelantes: Apelados: Repte.:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, RIKCHARDSON DE FREITAS E CARLOS ALEXANDRE GUEDES OS MESMOS DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECEPTAÇÃO. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO E FALSA IDENTIDADE. APELAÇÕES DO MPF E DAS DEFESAS. DOSIMETRIA. CONSIDERAÇÃO DA CULPABILIDADE E CIRCUNSTÂNCIAS DOS ILÍCITOS COMO NEGATIVAS. CABIMENTO. ACATAMENTO. ALTERAÇÕES DAS PENALIDADES. RECEPTAÇÃO. TESE DE AUSÊNCIA DE DOLO. PROVAS INCONTESTES DO CONHECIMENTO, POR PARTE DOS ACUSADOS, DE QUE O VEÍCULO QUE USAVAM ERA PRODUTO DE ROUBO. FALSA IDENTIDADE. CRIME FORMAL. PERÍCIA DISPENSÁVEL DIANTE DA CONFISSÃO. NÃO CONFIGURAÇÃO DO DIREITO A NÃO INCRIMINAÇÃO. LEGÍTIMA DEFESA NÃO CONFIGURADA. PORTE ILEGAL DE ARMA DE FOGO DE USO RESTRITO. AUSÊNCIA DE PROVA PERICIAL. DESNECESSIDADE, DIANTE DAS DEMAIS PROVAS. APELO DO MPF PROVIDO. APELAÇÕES DAS DEFESAS IMPROVIDAS. 1. Trata-se de apelações criminais apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, bem como pelas defesas de CARLOS e RIKCHARDSON em face de sentença proferida pelo Juízo da 16ª Vara Federal da Paraíba, que julgou parcialmente procedente a denúncia formulada pelo órgão acusador. 2. Segundo a denúncia: 1) No dia 03/04/2018, por volta das 18h30, CARLOS e RIKCHARDSON, após perseguição, que incluiu troca de tiros com 146
Policiais Rodoviários Federais, foram finalmente abordados por estes. 2) Durante a abordagem, CARLOS e RIKCHARDSON apresentaram CNHs falsas e portavam arma de fogo de uso restrito sem a merecida autorização. 3) Na mesma oportunidade, constatou-se que o veículo utilizado pelos denunciados possuía restrição de roubo/furto, além de estar uma placa (PEW 7674/PE) que não correspondia à placa verdadeira (PFV 1236/PE). 3. Diante do panorama factual, o MPF imputou aos denunciados os crimes previstos no art. 180 do CPB (receptação), no art. 304 CPB (uso de documento falso), no art. 16 da Lei 10.826/2003 (porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), bem como a contravenção penal prevista no art. 34 do Decreto-Lei 3.688/1941 (dirigir veículo em via pública pondo em perigo a segurança alheia). 4. Após a merecida instrução processual penal – durante a qual houve o declínio da competência em relação à contravenção penal para o Juízo Estadual –, a magistrada exarou sentença (Id. 4058200.3225736), nos seguintes termos: 1) Quanto ao crime de uso de documento falso (art. 304 do CPB), procedeu à emendatio libelli, ao argumento de que as condutas, consoante relatadas, melhor amoldar-se-iam ao crime de falsa identidade, previsto no art. 307 do CPB. 2) Feita a alteração quanto à tipificação: 1) condenou CARLOS pelos crimes de receptação e porte de arma de fogo de uso restrito, absolvendo-o em relação ao crime de falsa identidade; 2) condenou RIKCHARDSON pelo crimes de falsa identidade, receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. 5. Irresignado com o deslinde do feito, o MPF apresentou apelo (Id. 4058200.3287719). Na ocasião, sustentou, resumidamente, que: 1) a magistrada, na primeira fase da dosimetria, teria analisado equivocadamente as circunstâncias judicias previstas no art. 59 do CPB em relação 147
aos dois apelados. 2) Em relação a CARLOS, o juízo teria considerado apenas os antecedentes criminais como desfavoráveis em relação aos dois delitos (receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), quando, em verdade, deveria ter valorado negativamente também a culpabilidade (o apelado estava foragido do sistema prisional) e as circunstâncias (o apelado, após diversas ordens e sinais da PRF para que parasse o veículo, teria empreendido fuga, havendo, inclusive, tentado “tirar” a viatura da “pista” durante a perseguição). 3) Em relação a RIKCHARDSON, que fora condenado por receptação, uso de identidade falsa e porte ilegal de arma de fogo, o juízo teria considerado todas as circunstâncias judiciais como favoráveis, fixando as penas-bases no mínimo legal, quando, em verdade, deveria ter valorado negativamente a culpabilidade (o apelado estava foragido do sistema prisional) e as circunstâncias (o apelado, após diversas ordens e sinais da PRF para que parasse o veículo, teria empreendido fuga, havendo, inclusive, tentado “tirar” a viatura da “pista” durante a perseguição). Com tais argumentos, requereu o aumento de todas as penas-bases. 6. Também insatisfeita, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO apresentou apelação em favor de CARLOS (Id. 4058200.3361443). Na oportunidade, aduziu inexistirem provas de que CARLOS teria praticado crime de receptação, pois não teria restado evidenciado o conhecimento de que o veículo seria objeto de roubo/furto, motivo pelo qual requereu sua absolvição em relação a tal delito. 7. Novamente inconformada, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO apresentou apelo em relação a RIKCHARDSON (Id. 4058200.3643042). Na mencionada peça, sustentou que: 1) inexistirem provas de que RIKCHARDSON teria praticado crime de receptação, pois não teria restado evi148
denciado o dolo, especificamente pela falta de conhecimento de que o veículo seria objeto de roubo/furto, motivo pelo qual requereu sua absolvição em relação a tal delito; 2) não teria restado configurada a tipicidade atinente ao delito de falsa identidade, seja porque não houve realização de exame na CNH apresentada, seja porque o réu a apresentou com a finalidade de evitar sua prisão, exercendo o direito de autodefesa, seja porque logo depois de apresentá-la, revelou a verdadeira identificação; 3) deveria ser absolvido também quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, em virtude da ausência de exame pericial. 8. Conforme se infere, o MPF, em suas razões de apelo, insurge-se quanto à dosimetria, mais especificamente no que toca à primeira fase, onde há espaço para análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CPB. 9. Em suma, sustentou, o órgão acusador, que o juízo deveria ter sopesado negativamente em relação aos dois réus e a todos os crimes, tanto a culpabilidade quanto as circunstâncias do cometimento. 10. Com acerto defendeu o Parquet, conforme doravante se justifica. Tanto CARLOS quanto RIKCHARDSON foram presos em flagrante em virtude de a PRF ter tentado parar o veículo que conduziam, sem que eles obedecessem aos comandos, que foram vários. 11. Em suma, os apelados empreenderam fuga, valendo-se de armamentos e mesmo violência para com os policiais. Mas não só: quando finalmente desembarcaram do veículo, estando armados, tentaram fugir novamente, ocasião em que foram detidos. 12. Além dessas circunstâncias peculiares – que entremearam todos os tipos penais –, viu-se ainda que ambos os apelados se encontravam 149
foragidos do sistema prisional, evento que aponta para a intensidade da culpabilidade dos dois que, mesmo após serem presos, fugiram e continuaram cometendo outros delitos. 13. Assim sendo, com acerto defendeu o MPF ao requerer, no esteio da primeira fase, fossem consideradas como negativas tanto a culpabilidade, quanto as circunstâncias em que cometeram os crimes. 14. A DPU, como se inferiu, sustentou que CARLOS e RIKCHARDSON não deveriam ter sido condenados pelo crime de receptação, na medida em que não teria restado evidente que possuíam conhecimento sobre o fato de o veículo que usava ser objeto de roubo. 15. Sem maiores delongas, diante do panorama descortinado, bastam algumas indagações para arrematar no sentido do dolo e conhecimento exato do crime: por que os acusados empreenderam fuga tão veemente diante dos sinais da PRF para que parassem? Por que, mesmo depois de parados, tentaram se evadir novamente? As respostas vêm óbvias e claras: os dois sabiam exatamente a procedência ilícita do carro que conduziam. E nem se diga que tentaram fugir, pondo em risco a própria vida, apenas porque estavam com armas no carro e eram foragidos. É que, para encobrirem tais eventos, tinham, em posse, documentos falsos de identidade, o que teria desviado a atenção dos policiais que, certamente, sequer revistariam o veículo, achando os armamentos. 16. Em suma, a fuga empreendida só encontra forte justificativa no fato de trafegarem com veículo que sabidamente era objeto de crime. 17. Quanto ao crime de falsa identidade, a aventada ausência de perícia em nada o afasta, haja vista que, segundo a própria defesa, RIKCHARDSON, momentos depois de preso, terminou admitindo que os documentos eram falsos. 150
18. Em suma, a perícia se mostrou desnecessária diante da evidência declinada pelo próprio interessado, de modo que requerê-la agora seria valer-se da própria torpeza. 19. Em relação à tese de que RIKCHARDSON teria agido em legítima defesa, exercendo o direito de não se incriminar já que, caso apresentasse a identidade verdadeira, seria preso por ser foragido, não merece acato. 20. A legítima defesa (art. 23 do CPB) é causa excludente de antijuridicidade que somente se configura quando “o agente, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. 21. Sem maiores delongas, não se pode sustentar que a prisão de um réu foragido seja classificada como “injusta agressão”, tampouco que ficar em liberdade quando pende sob si mandado de prisão é direito salvaguardado pelo ordenamento jurídico. Logo, não prospera a tese de legítima defesa. 22. E também não há que se falar em direito de não se incriminar: uma coisa seria o réu não dizer seu nome verdadeiro ao ser indagado, exercendo o direito ao silêncio (caso típico de exercício ao direito de não se incriminar); outra é aceitar que o agente cometa um crime (usar falsa identidade) para se ocultar e assim manter-se indevidamente em liberdade. 23. Nesse sentido, inclusive, válida a Súmula 522 do STJ, segundo a qual “a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.” 24. Por fim, também padece de amparo a tese de que o crime não teria se consumado em virtude de RIKCHARDSON, posteriormente, ter declinado o nome verdadeiro. É que o crime previsto no art. 151
307 do CPB é de natureza formal, que se consuma com a mera atribuição de identidade falsa – compelido, o agente, pelo o dolo de obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causas dano a outrem –, não se exigindo que, com isto, o autor faça crer se tratar efetivamente de outrem por tempo indeterminado, tampouco que venha a obter a vantagem antevista ou causar o dano mencionado. 25. Em suma, o fato de a identidade real ser posteriormente desvendada ou revelada não afasta a consumação do delito, tampouco a afasta o evento de o réu não ter obtido vantagem ou causado dano eventualmente pretendido, pois tais eventos – em se tratando de crime formal – são mero exaurimento do delito, não elementares. 26. Sobre a tese de que RIKCHARDSON deveria ser absolvido também quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito em virtude da ausência de exame pericial, não merece acato. 27. Para afastá-la, aliás, basta voltar os olhos a trecho muito bem lançado pela PRR: Sustenta, ainda, a ausência de materialidade quanto ao crime do art. 16 da Lei n° 10.826/2003, porte ou posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, decorrente da ausência de laudo pericial de eficiência das armas apreendidas. A propósito, o STJ já exarou entendimento no sentido de que o delito de porte ou posse ilegal de arma de fogo de uso restrito constitui crime de mera conduta e de perigo abstrato, conforme: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE USO RESTRITO. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE. DELITO DE MERA CONDUTA E PERIGO ABSTRATO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que é irrelevante estar a arma desmuniciada para a configuração do delito de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, por se tratar de crime de mera 152
conduta e de perigo abstrato. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 450.234/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 21/11/2018) (Grifos acrescidos); Neste sentido, não se faz premente a realização de laudo pericial nas armas apreendidas (duas pistolas calibre .40, Forjas Taurus Brasil, uma número de série SHM 81884 e a outra com numeração raspada) para a configuração do tipo previsto no art. 16, da Lei n° 10.826/2003. No mesmo sentido esta Corte Regional: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECEPTAÇÃO E POSSE DE ARMA DE USO RESTRITO. AUSÊNCIA DE LAUDO TÉCNICO QUE NÃO COMPROMETE A CERTEZA QUANTO À LETALIDADE DO ARTEFATO. CONSUNÇÃO INAPLICÁVEL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA NOS MOLDES EM QUE FORMULADA. IMPROVIMENTO DO APELO.( ) 4) A ausência de laudo técnico não compromete a presunção de letalidade da arma, aliás pertencente ao acervo da Polícia Rodoviária Federal (isso sugerindo, por si, a eficiência do artefato). A jurisprudência é pacífica no sentido de a existência do exame pericial poder levar à conclusão da impossibilidade criminal quando a arma, demonstradamente, não se prestar aos fins destinados, não impondo, todavia, que a viabilidade do armamento somente se demonstrasse por aquele meio; 6) Apelação improvida. (TFR5. PROCESSO: 00063915120144058100, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, Segunda Turma, JULGAMENTO: 05/06/2018, PUBLICAÇÃO: DJe - Data: 15/06/2018 - Página: 114) 28. Assim sendo, restando incontroverso que os apelantes estavam de posse de arma de fogo de uso restrito, com 40 munições também ao dispor, não restam dúvidas de que cometeram o ilícito, sendo desnecessário o exame, nos termos já declinados nas linhas anteriores. 153
29. Afastados os argumentos dos recursos das defesas, retomemos as alterações procedidas em face do recurso da acusação, especificamente no que toca à primeira fase da dosimetria, considerando, em todos os crimes e em relação a ambos os réus, a culpabilidade e as circunstâncias como desfavoráveis, pelos fundamentos já tecidos. 30. Após a fixação das penas-bases, retomada a segunda e a terceira, as penas findam em: 04 anos, 11 meses e 22 dias de reclusão e 100 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo em relação a CARLOS; e 5 anos e 11 meses e 92 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo em relação a RIKCHARDSON. 31. Apelação do MPF provida e apelações das defesas improvidas. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima identificadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento ao apelo do MPF e negar provimento aos apelos das defesas, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 27 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO: Trata-se de apelações criminais apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, bem como pelas defesas de CARLOS ALEXANDRE GUEDES e RIKCHARDSON DE FREITAS, em face de sentença proferida pelo Juízo da 16ª Vara Federal da Paraíba, que julgou parcialmente procedente a denúncia formulada pelo órgão acusador. 154
Segundo a denúncia: • No dia 03/04/2018, por volta das 18h30, CARLOS e RIKCHARDSON, após perseguição, que incluiu troca de tiros com Policiais Rodoviários Federais, foram, finalmente, abordados por estes. • Durante a abordagem, CARLOS e RIKCHARDSON apresentaram CNHs falsas e portavam arma de fogo de uso restrito sem a merecida autorização. • Na mesma oportunidade, constatou-se que o veículo utilizado pelos denunciados possuía restrição de roubo/furto, além de apresentar uma placa (PEW 7674/PE) que não correspondia à placa verdadeira (PFV 1236/PE). Diante do panorama factual, o MPF imputou aos denunciados os crimes previstos no art. 180 do CPB (receptação), no art. 304 CPB (uso de documento falso), no art. 16 da Lei 10.826/2003 (porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), bem como a contravenção penal prevista no art. 34 do Decreto-Lei 3.688/1941 (dirigir veículo em via pública pondo em perigo a segurança alheia). Após a merecida instrução processual penal – durante a qual houve o declínio da competência em relação à contravenção penal para o Juízo Estadual –, a magistrada exarou sentença (Id. 4058200.3225736), nos seguintes termos: • Quanto ao crime de uso de documento falso (art. 304 do CPB), procedeu à emendatio libelli, ao argumento de que as condutas, consoante relatadas, melhor se amoldariam ao crime de falsa identidade, previsto no art. 307 do CPB. • Feita a alteração quanto à tipificação: 1) condenou CARLOS pelos crimes de receptação e porte de arma de fogo de uso restrito, absolvendo-o em relação ao crime de falsa identidade; 2) condenou RIKCHARDSON pelo crimes de falsa identidade, receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Irresignado com o deslinde do feito, o MPF apresentou apelo (Id. 4058200.3287719). Na ocasião, sustentou, resumidamente, que: 1) a magistrada, na primeira fase da dosimetria, teria analisado 155
equivocadamente as circunstâncias judicias previstas no art. 59 do CPB em relação aos dois apelados; 2) Em relação a CARLOS, o juízo teria considerado apenas os antecedentes criminais como desfavoráveis em relação aos dois delitos (receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), quando, em verdade, deveria ter valorado negativamente também a culpabilidade (o apelado estava foragido do sistema prisional) e as circunstâncias (o apelado, após diversas ordens e sinais da PRF para que parasse o veículo, teria empreendido fuga, havendo, inclusive, tentado “tirar” a viatura da “pista” durante a perseguição); 3) Em relação a RIKCHARDSON, que fora condenado por receptação, uso de identidade falsa e porte ilegal de arma de fogo, o juízo teria considerado todas as circunstâncias judiciais como favoráveis, fixando as penas-bases no mínimo legal, quando, em verdade, deveria ter valorado negativamente a culpabilidade (o apelado estava foragido do sistema prisional) e as circunstâncias (o apelado, após diversas ordens e sinais da PRF para que parasse o veículo, teria empreendido fuga, havendo, inclusive, tentado “tirar” a viatura da “pista” durante a perseguição). Com tais argumentos, requereu o aumento de todas as penas-bases. Também insatisfeita, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO apresentou apelação em favor de CARLOS (Id. 4058200.3361443). Na oportunidade, aduziu inexistirem provas de que CARLOS teria praticado crime de receptação, pois não teria restado evidenciado o conhecimento de que o veículo seria objeto de roubo/furto, motivo pelo qual requereu sua absolvição em relação a tal delito. Contrarrazões do MPF em relação ao apelo de CARLOS (Id. 4058200.3386417). Novamente inconformada, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO apresentou apelo em relação a RIKCHARDSON (ID 4058200.3643042). Na mencionada peça, sustentou que: 1) inexistirem provas de que RIKCHARDSON teria praticado crime de receptação, pois não teria restado evidenciado o dolo, especificamente pela falta de conhecimento de que o veículo seria objeto de roubo/furto, motivo pelo qual requereu sua absolvição em relação a tal delito; 2) não teria restado configurada a tipicidade atinente ao delito de falsa identidade, seja porque não houve realização de
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exame na CNH apresentada, seja porque o réu a apresentou com a finalidade de evitar sua prisão, exercendo o direito de autodefesa, seja porque logo depois de apresentá-la, revelou a verdadeira identificação; 3) deveria ser absolvido também quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito em virtude da ausência de exame pericial. Contrarrazões do MPF em relação ao apelo de RIKCHARDSON (Id. 4058200.3643161). Parecer da PRR apresentado (Id. 4050000.15896042). É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO (Relator): Antes de adentrar às razões dos recursos, cumpre rememorar o panorama factual e jurídico, objeto da demanda. Como visto, trata-se de apelações criminais apresentadas pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, bem como pelas defesas de CARLOS ALEXANDRE GUEDES e RIKCHARDSON DE FREITAS em face de sentença proferida pelo Juízo da 16ª Vara Federal da Paraíba, que julgou parcialmente procedente a denúncia formulada pelo órgão acusador. Segundo a denúncia: • No dia 03/04/2018, por volta das 18h30, CARLOS e RIKCHARDSON, após perseguição, que incluiu troca de tiros com Policiais Rodoviários Federais, foram finalmente abordados por estes. • Durante a abordagem, CARLOS e RIKCHARDSON apresentaram CNHs falsas e portavam arma de fogo de uso restrito sem a merecida autorização. • Na mesma oportunidade, constatou-se que o veículo utilizado pelos denunciados possuía restrição de roubo/furto, além de estar uma placa (PEW 7674/PE) que não correspondia à placa verdadeira (PFV 1236/PE).
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Diante do panorama factual, o MPF imputou aos denunciados os crimes previstos no art. 180 do CPB (receptação), no art. 304 CPB (uso de documento falso), no art. 16 da Lei 10.826/2003 (porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), bem como a contravenção penal prevista no art. 34 do Decreto-Lei 3.688/1941 (dirigir veículo em via pública pondo em perigo a segurança alheia). Após a merecida instrução processual penal – durante a qual houve o declínio da competência em relação à contravenção penal para o Juízo Estadual –, a magistrada exarou sentença (Id. 4058200.3225736), nos seguintes termos: • Quanto ao crime de uso de documento falso (art. 304 do CPB), procedeu à emendatio libelli, ao argumento de que as condutas, consoante relatadas, melhor amoldar-se-iam ao crime de falsa identidade, previsto no art. 307 do CPB. • Feita a alteração quanto à tipificação: 1) condenou CARLOS pelos crimes de receptação e porte de arma de fogo de uso restrito, absolvendo-o em relação ao crime de falsa identidade; 2) condenou RIKCHARDSON pelo crimes de falsa identidade, receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Irresignado com o deslinde do feito, o MPF apresentou apelo (Id. 4058200.3287719). Na ocasião, sustentou, resumidamente, que: 1) a magistrada, na primeira fase da dosimetria, teria analisado equivocadamente as circunstâncias judicias previstas no art. 59 do CPB em relação aos dois apelados. 2) Em relação a CARLOS, o juízo teria considerado apenas os antecedentes criminais como desfavoráveis em relação aos dois delitos (receptação e porte ilegal de arma de fogo de uso restrito), quando, em verdade, deveria ter valorado negativamente também a culpabilidade (o apelado estava foragido do sistema prisional) e as circunstâncias (o apelado, após diversas ordens e sinais da PRF para que parasse o veículo, teria empreendido fuga, havendo, inclusive, tentado “tirar” a viatura da “pista” durante a perseguição). 3) Em relação a RIKCHARDSON, que fora condenado por receptação, uso de identidade falsa e porte ilegal de arma de fogo, o juízo teria considerado todas as circunstâncias judiciais como favoráveis, fixando as penas-bases no mínimo legal, quando, em verdade, deveria ter 158
valorado negativamente a culpabilidade (o apelado estava foragido do sistema prisional) e as circunstâncias (o apelado, após diversas ordens e sinais da PRF para que parasse o veículo, teria empreendido fuga, havendo, inclusive, tentado “tirar” a viatura da “pista” durante a perseguição). Com tais argumentos, requereu o aumento de todas as penas-bases. Também insatisfeita, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO apresentou apelação em favor de CARLOS (Id. 4058200.3361443). Na oportunidade, aduziu inexistirem provas de que CARLOS teria praticado crime de receptação, pois não teria restado evidenciado o conhecimento de que o veículo seria objeto de roubo/furto, motivo pelo qual requereu sua absolvição em relação a tal delito. Novamente inconformada, a DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO apresentou apelo em relação a RIKCHARDSON (Id. 4058200.3643042). Na mencionada peça, sustentou que: 1) inexistirem provas de que RIKCHARDSON teria praticado crime de receptação, pois não teria restado evidenciado o dolo, especificamente pela falta de conhecimento de que o veículo seria objeto de roubo/furto, motivo pelo qual requereu sua absolvição em relação a tal delito; 2) não teria restado configurada a tipicidade atinente ao delito de falsa identidade, seja porque não houve realização de exame na CNH apresentada, seja porque o réu a apresentou com a finalidade de evitar sua prisão, exercendo o direito de autodefesa, seja porque logo depois de apresentá-la, revelou a verdadeira identificação; 3) deveria ser absolvido também quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito em virtude da ausência de exame pericial. Rememorado o essencial, passemos a analisar os argumentos esculpidos em cada um dos recursos. DO RECURSO DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Conforme se infere, o MPF, em suas razões de apelo, insurge-se quanto à dosimetria, mais especificamente no que toca à primeira fase, em que há espaço para análise das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CPB. Em suma, sustentou, o órgão acusador, que o juízo deveria ter sopesado, negativamente em relação aos dois réus e a todos os crimes, tanto a culpabilidade, quanto as circunstâncias do cometimento. 159
Com acerto defendeu o Parquet, conforme doravante se justifica. Como visto, tanto CARLOS quanto RIKCHARDSON foram presos em flagrante em virtude de a PRF ter tentado parar o veículo que conduziam, sem que eles obedecessem aos comandos, que foram vários. Em suma, os apelados empreenderam fuga, valendo-se de armamentos e mesmo violência para com os policiais. Mas não só: quando finalmente desembarcaram do veículo, estando armados, tentaram fugir novamente, ocasião em que foram detidos. Além dessas circunstâncias peculiares – que entremearam todos os tipos penais –, viu-se ainda que ambos os apelados se encontravam foragidos do sistema prisional, evento que aponta para a intensidade da culpabilidade dos dois que, mesmo após serem presos, fugiram e continuaram cometendo outros delitos. Assim sendo, com acerto defendeu o MPF ao requerer que, no esteio da primeira fase, fossem consideradas como negativas tanto a culpabilidade quanto as circunstâncias em que cometeram os crimes. Bem por isto, após analisar os demais recursos, retomaremos à dosimetria para ajustar a pena final dos dois apelados. RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA DE CARLOS A DPU, como se inferiu, sustentou que CARLOS não deveria ter sido condenado pelo crime de receptação, na medida em que não teria restado evidente que possuía conhecimento sobre o fato de o veículo que usava ser objeto de roubo. Sem maiores delongas, diante do panorama descortinado, bastam algumas indagações para arrematar no sentido do dolo e conhecimento exato do crime: por que os acusados empreenderam fuga tão veemente diante dos sinais da PRF para que parassem? Por que, mesmo depois de parados, tentaram se evadir novamente? As respostas vêm óbvias e claras: os dois sabiam exatamente a procedência ilícita do carro que conduziam.
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E nem se diga que tentaram fugir, pondo em risco a própria vida, apenas porque estavam com armas no carro e eram foragidos. É que, para encobrirem tais eventos, tinham, em posse, documentos falsos de identidade, o que teria desviado a atenção dos policiais os quais, certamente, sequer revistariam o veículo, achando os armamentos. Em suma, a fuga empreendida só encontra forte justificativa no fato de trafegarem com veículo que, sabidamente, era objeto de crime. Aliás, todas essas evidências foram muito bem alinhavadas pelo juízo de piso: Receptação O Ministério Público Federal imputou aos réus o crime tipificado no art. 180, caput, do Código Penal, afirmando que os réus conduziram, em proveito próprio, veículo produto de roubo. Art. 180 - Adquirir, receber, transportar, conduzir ou ocultar, em proveito próprio ou alheio, coisa que sabe ser produto de crime, ou influir para que terceiro, de boa-fé, a adquira, receba ou oculte: Pena - reclusão, de um a quatro anos, e multa. O veículo utilizado pelos acusados, um Kia Cerato EX3, 1.6 MTNB, ano/modelo 2011/2011, cor branca, possuía restrição de roubo e a placa nele inserida (PEW 7674/PE) não correspondia à identificação verdadeira (PFB 1236/PE). O referido veículo pertence a Leandro Cisneiros Soares, tendo sido roubado em 21.02.2018, por volta das 9h, no bairro Cidade Universitária, em Recife/PE, por 2 indivíduos não identificados que portavam arma de fogo. Está comprovado nos autos que a placa PEW-7674/PE foi clonada e pertence a outro veículo KIA Cerato, também branco, de propriedade de Elton Rodrigo de Lima, que acionou a Polícia Rodoviária Federal no dia 03.04.18, após ter avistado o automóvel conduzido pelos réus, o qual estava com a placa idêntica ao do seu, na cidade de Igarassu/PE. Os documentos que comprovam que o veículo conduzido pelos réus era produto de crime estão nas fls. 12/15, 65/67. 161
Não foi atribuída aos réus a autoria do roubo, até mesmo porque a testemunha Leandro Cisneiros Soares, proprietário do KIA Cerato, cuja placa PFB 1236 havia sido trocada pela PEW 7674/PE (conduzido pelos réus), afirmou peremptoriamente que não foram os acusados que o abordaram e levaram seu veículo (fl. 387). Contudo, embora os réus tenham negado que não soubessem da procedência ilícita do veículo, a negativa não convence. Em primeiro lugar, os réus estavam fortemente armados, traziam no veículo duas pistolas de mais de 40 munições, o que revela: ou bem sabiam que foram contratados para prática de crimes (a se admitir a versão do réu CHARLES de que tinha sido contratado para levar o carro e as armas para Natal); ou bem que estavam armados justamente por acreditar ser possível abordagem policial, já que o carro era roubado e clonado. A duas, não portavam nenhum documento de propriedade do veículo, conforme se depreende do auto de bens apreendidos (fl. 21). A três, se recusaram a atender à ordem de parada da PRF, tendo empreendido fuga, porque certamente sabiam da procedência ilícita do carro. O fato de serem foragidos do sistema penitenciário não seria suficiente para assumir os riscos da fuga, já que estavam acobertados por documentos de identidade e CNH falsos. Ora, ao empreenderem fuga na BR 101, os meliantes sabem da pouca possibilidade de sucesso, seja em razão de risco de acidente automobilístico decorrente da alta velocidade, seja porque notório que a polícia pode pedir reforços para bloqueio da pista mais à frente. Desta feita, caso os réus realmente acreditassem que o carro estava regular, seria risco infinitamente menor atender à abordagem policial e apresentar os documentos falsos do que sair em ensandecida fuga pela rodovia com a polícia ao encalço.
Portanto, desmerece acolhida o argumento de que o CARLOS deveria ser absolvido do delito de receptação por falta de provas quanto ao dolo e conhecimento da procedência criminosa do veículo.
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RECURSO INTERPOSTO PELA DEFESA DE RIKCHARDSON 1) Inexistirem provas de que RIKCHARDSON teria praticado crime de receptação, pois não teria restado evidenciado o dolo, especificamente pela falta de conhecimento de que o veículo seria objeto de roubo/furto, motivo pelo qual requereu sua absolvição em relação a tal delito. Quanto ao tema, este julgado já traçou as merecidas considerações no item acima, declinando e apontando as provas e evidencias no sentido de que tanto CARLOS quanto RIKCHARDSON tinham plena consciência de que usavam veículo objeto de roubo. 2) Não teria restado configurada a tipicidade atinente ao delito de falsa identidade, seja porque não houve realização de exame na CNH apresentada, seja porque o réu a apresentou com a finalidade de evitar sua prisão, exercendo o direito de autodefesa, seja porque logo depois de apresentá-la, revelou a verdadeira identificação. Quanto ao crime de falsa identidade, a aventada ausência de perícia em nada o afasta, haja vista que, segundo a própria defesa, o réu, momentos depois de preso, terminou admitindo que os documentos eram falsos. Em suma, a perícia se mostrou desnecessária diante da evidência declinada pelo próprio interessado, de modo que requerê-la agora seria valer-se da própria torpeza. Em relação à tese de que RIKCHARDSON teria agido em legítima defesa, exercendo o direito de não se incriminar já que, caso apresentasse a identidade verdadeira, seria preso por ser foragido, não merece acato e justifico. A legítima defesa (art. 23 do CPB) é causa excludente de antijuridicidade que somente se configura quando “o agente, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem”. Sem maiores delongas, não se pode sustentar que a prisão de um réu foragido seja classificava como “injusta agressão”, tampouco que ficar em liberdade quando pende sob si mandado de prisão é direito salvaguardado pelo ordenamento jurídico. Logo, não prospera a tese de legítima defesa. 163
E também não há que se falar em direito de não se incriminar: uma coisa seria o réu não dizer seu nome verdadeiro ao ser indagado, exercendo o direito ao silêncio (caso típico de exercício ao direito de não se incriminar); outra é aceitar que o agente cometa um crime (usar falsa identidade) para se ocultar e assim manter-se indevidamente em liberdade. Nesse sentido, inclusive, válida a súmula 522 do STJ, segundo a qual “a conduta de atribuir-se falsa identidade perante autoridade policial é típica, ainda que em situação de alegada autodefesa.” Por fim, também padece de amparo a tese de que o crime não teria se consumado em virtude de RIKCHARDSON, posteriormente, ter declinado o nome verdadeiro. É que o crime previsto no art. 307 do CPB é de natureza formal, que se consuma com a mera atribuição de identidade falsa – compelido, o agente, pelo o dolo de obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem –, não se exigindo que, com isto, o autor faça crer se tratar efetivamente de outrem por tempo indeterminado, tampouco que venha a obter a vantagem antevista ou causar o dano mencionado. Nesse sentido, cumpre reler o dispositivo: Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem.
Em suma, o fato de a identidade real ser posteriormente desvendada ou revelada não afasta a consumação do delito, tampouco a afasta o evento de o réu não ter obtido vantagem ou causado dano eventualmente pretendido, pois tais eventos – em se tratando de crime formal – são mero exaurimento do delito, não elementares. 3) Deveria ser absolvido também quanto ao delito de porte ilegal de arma de fogo de uso restrito em virtude da ausência de exame pericial. Também não prospera a tese. Para afastá-la, aliás, valho-me de trecho muito bem lançado pela PRR:
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Sustenta, ainda, a ausência de materialidade quanto ao crime do art. 16 da Lei n° 10.826/2003, porte ou posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, decorrente da ausência de laudo pericial de eficiência das armas apreendidas. A propósito, o STJ já exarou entendimento no sentido de que o delito de porte ou posse ilegal de arma de fogo de uso restrito constitui crime de mera conduta e de perigo abstrato, conforme: AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. POSSE ILEGAL DE ARMA DE USO RESTRITO. ARMA DESMUNICIADA. TIPICIDADE. DELITO DE MERA CONDUTA E PERIGO ABSTRATO. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que é irrelevante estar a arma desmuniciada para a configuração do delito de posse ilegal de arma de fogo de uso restrito, por se tratar de crime de mera conduta e de perigo abstrato. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no HC 450.234/MS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 06/11/2018, DJe 21/11/2018) (Grifos acrescidos) Neste sentido, não se faz premente a realização de laudo pericial nas armas apreendidas (duas pistolas calibre .40, Forjas Taurus Brasil, uma número de série SHM 81884 e a outra com numeração raspada) para a configuração do tipo previsto no art. 16 da Lei n° 10.826/2003. No mesmo sentido esta Corte Regional: PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECEPTAÇÃO E POSSE DE ARMA DE USO RESTRITO. AUSÊNCIA DE LAUDO TÉCNICO QUE NÃO COMPROMETE A CERTEZA QUANTO À LETALIDADE DO ARTEFATO. CONSUNÇÃO INAPLICÁVEL. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA NOS MOLDES EM QUE FORMULADA. IMPROVIMENTO DO APELO. () 4) A ausência de laudo técnico não compromete a presunção de letalidade da arma, aliás pertencente ao acervo da Polícia Rodoviária Federal (isso sugerindo, por si, a eficiência do artefato). A jurisprudência é pacífica no sentido de a existência do exame 165
pericial poder levar à conclusão da impossibilidade criminal quando a arma, demonstradamente, não se prestar aos fins destinados, não impondo, todavia, que a viabilidade do armamento somente se demonstrasse por aquele meio. 6) Apelação improvida. (TFR5. PROCESSO: 00063915120144058100, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA, Segunda Turma, JULGAMENTO: 05/06/2018, PUBLICAÇÃO: DJe - Data: 15/06/2018 - Página: 114)
Assim sendo, restando incontroverso que os apelantes estavam de posse de arma de fogo de uso restrito, com 40 munições também ao dispor, não restam dúvidas de que cometeram o ilícito, sendo desnecessário o exame, nos termos já declinados nas linhas anteriores. DOSIMETRIA Afastados os argumentos dos recursos das defesas, retomemos as alterações procedidas em face do recurso da acusação, especificamente no que toca à primeira fase da dosimetria, considerando, em todos os crimes e em relação a ambos os réus, a culpabilidade e as circunstâncias como desfavoráveis, pelos fundamentos já tecidos. Penalidades impostas a CARLOS Como visto, CARLOS fora condenado por dois ilícitos: o previsto no art. 180 do CPB e o previsto no art. 16 da Lei 10.826/2003. Primeira Fase (art. 59 do CPB): • Culpabilidade: intensa em relação aos dois crimes, na medida em que o réu era foragido do sistema prisional e, ainda assim, continuava perpetrando delitos em total desrespeito para com a Justiça e a sociedade, de uma forma em geral (sentença alterada). • Antecedentes: maus antecedentes, em virtude de o réu possuir condenação com trânsito em julgado no feito 003734059.202.8.17.0001. • Conduta social: sem elementos que permitam valoração. • Personalidade: sem elementos que permitam valoração. 166
• Motivos: sem elementos que permitam valoração. • Circunstâncias: negativa em relação aos dois delitos, na medida em que os réus empreenderam perigosa fuga, colocando a vida dos policiais rodoviários federais em risco e, mesmo após desembarcarem do carro, tentaram ainda se evadir (sentença alterada). • Consequências: não extrapolaram as inerentes aos tipos. • Comportamento da vítima: em nada provocou ou inibiu as condutas. Após as alterações, tem-se que 3, das 8 circunstâncias, foram havidas como negativas no esteio da primeira fase. O art. 180 do CPB prevê para quem o infringe pena privativa de liberdade de 1 ano a 4 anos de reclusão e multa. Já o art. 16 da Lei 8.826/2003 prevê as penas de 3 a 6 anos de reclusão e multa. Como se sabe, o juízo, para chegar à pena-base, deve partir da pena mínima, sendo a de 1 ano para o primeiro crime e a de 3 anos para o segundo. Nesse diapasão, registre-se que o juízo possui discricionariedade – por óbvio, amparada na razoabilidade e proporcionalidade – para dosar o quantum a ser aumentado em face de cada uma das 8 circunstâncias judiciais previstas no art. 59 que apontar como desfavorável ao acusado. Em que pese ser franqueada tal liberdade, entendemos mais prudente e mesmo equânime adotar critério revestido de certa objetividade, sempre, claro, tendo a Justiça como alvo. Com esse intento, verifica-se que entre as penas mínimas em abstrato – 1 ano (receptação) e 3 anos (porte de arma de fogo) – e as penas máximas em abstrato – 4 anos (receptação) e 6 anos(porte de arma de fogo) – estipuladas para os delitos em comentos, existe lapso de 3 anos (receptação) e 3 anos (porte de arma de fogo). Ora, sendo 8 as circunstâncias judiciais em seu total (art. 59 do CPB), entende-se como proporcional e razoável dividir o 167
lapso de 3 anos (idêntico para ambos os crimes) por 8, de sorte que cada circunstância sopesada como desfavorável equivalerá a 1/8 do aludido lapso. Feita tal operação, é de ver-se que 1/8 de 3 anos corresponde a 4 meses e 15 dias. Sendo 3 a quantidade de circunstâncias desfavoráveis – antecedentes, culpabilidade e circunstâncias –, aumento as penas-bases dos dois crimes em 1 ano, 1 mês e 15 dias, por entender equânime, proporcional e razoável. As penas-bases, portanto, submetidas a tal equação, restam fixadas em: 2 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão (receptação) e 4 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão (porte de arma de fogo). Segunda Fase (atenuantes/agravantes): Em relação ao crime de receptação, não há atenuantes. Há, entretanto, a agravante da reincidência (levando em conta o processo 0010004-65.2011.8.17.0001, com trânsito em julgado), motivo pelo qual aumento a pena em 1/6. Em relação ao crime de porte de arma, há a atenuante da confissão, que fixo em 1/6, ao passo em que há a agravante da reincidência, que majoro em 1/6, compensando-as. Terceira Fase (Causas de aumento/diminuição de pena): Inexistentes em relação aos dois crimes. Penas definitivas: Receptação: 2 anos, 1 mês e 22 dias de reclusão. Porte de arma de fogo: 4 anos, 1 mês e 15 dias de reclusão. Penas de multa: Levando em conta todas as nuanças correlatas à primeira, à segunda e à terceira fases da dosimetria, fixo a quantidade de dias-multa em 40 (receptação) e 60 (porte de arma de fogo). Quanto ao valor do dia-multa, fixo em 1/30 do salário-mínimo. Considerando o concurso material (art. 69 do CPB), as penas devem ser somadas, findando em: 168
Pena privativa de liberdade: 4 anos, 11 meses e 22 dias de reclusão. Pena de multa: 100 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo. Penalidades impostas a RIKCHARDSON Como visto, RIKCHARDSON fora condenado por três ilícitos: o previsto no art. 307 do CPB, o previsto no art. 180 do CPB e o previsto no art. 16 da Lei 10.826/2003. Primeira Fase (art. 59 do CPB): • Culpabilidade: intensa em relação aos três crimes, na medida em que o réu era foragido do sistema prisional e, ainda assim, continuava perpetrando delitos em total desrespeito para com a Justiça e a sociedade, de uma forma em geral (sentença alterada). • Antecedentes: sem maus antecedentes. • Conduta social: sem elementos que permitam valoração. • Personalidade: sem elementos que permitam valoração. • Motivos: sem elementos que permitam valoração. • Circunstâncias: negativa em relação aos delitos, na medida em que os réus empreenderam perigosa fuga, colocando a vida dos policiais rodoviários federais em risco e, mesmo após desembarcarem do carro, tentaram ainda se evadir (sentença alterada). • Consequências: não extrapolaram as inerentes aos tipos. • Comportamento da vítima: em nada provocou ou inibiu as condutas. Após as alterações, tem-se que 2, das 8 circunstâncias, foram havidas como negativas no esteio da primeira fase. O art. 180 do CPB prevê, para quem o infringe, pena privativa de liberdade de 1 ano a 4 anos de reclusão e multa. Já o art. 16 da Lei 8.826/2003 prevê as penas de 3 a 6 anos de reclusão e multa. 169
Por fim, o art. 307 do CPB prevê as penas de 3 meses a 1 ano de detenção. Como se sabe, o juízo, para chegar à pena-base, deve partir da pena mínima, sendo a de 1 ano para o primeiro crime, a de 3 anos para o segundo e a de 3 meses para o terceiro. Nesse diapasão, registre-se que juízo possui discricionariedade – por óbvio, amparada na razoabilidade e proporcionalidade – para dosar o quantum a ser aumentado em face de cada uma das 8 circunstâncias judiciais previstas no art. 59 que apontar como desfavorável ao acusado. Em que pese ser franqueada tal liberdade, entendemos mais prudente e mesmo equânime adotar critério revestido de certa objetividade, sempre, claro, tendo a Justiça como alvo. Com esse intento, verifica-se que entre as penas mínimas em abstrato – 1 ano (receptação), 3 anos (porte de arma de fogo) e 3 meses (falsa identidade) – e as penas máximas em abstrato – 4 anos (receptação) e 6 anos(porte de arma de fogo) e 1 ano (falsa identidade) – estipuladas para os delitos em comentos, existe lapso de 3 anos (receptação), 3 anos (porte de arma de fogo) e 9 meses (falsa identidade). Ora, sendo 8 as circunstâncias judiciais em seu total (art. 59 do CPB), entende-se como proporcional e razoável dividir o lapso de 3 anos (idêntico para dois os crimes) e de 9 meses (relativo ao crime de falsa identidade) por 8, de sorte que cada circunstância sopesada como desfavorável equivalerá a 1/8 do aludido lapso. Feita tal operação, é de ver-se que 1/8 de 3 anos corresponde a 4 meses e 15 dias. Já 1/8 de 9 meses corresponde aproximadamente a 1 mês. Sendo 2 a quantidade de circunstâncias desfavoráveis – culpabilidade e circunstâncias –, aumento as penas-bases do crime de receptação e porte de arma de fogo em 9 meses, enquanto aumento em 2 meses a pena-base em relação ao crime de falsa identidade, por entender equânime, proporcional e razoável. As penas-bases, portanto, submetidas a tal equação, restam fixadas em: 1 ano 9 meses de reclusão (receptação), 3 anos e 170
9 de reclusão (porte de arma de fogo) e 5 meses de detenção (falsa identidade). Segunda Fase (atenuantes/agravantes): Em relação ao crime de receptação, não há atenuantes. Há, entretanto, a agravante da reincidência (levando em conta o processo 0002994-11.2010.8.17.0710, com trânsito em julgado), motivo pelo qual aumento a pena em 1/6. Em relação ao crime de porte de arma, há a atenuante da confissão, que fixo em 1/6, ao passo em que há a agravante da reincidência, que majoro em 1/6, compensando-as. Em relação ao crime de falsa identidade, há a atenuante da confissão, que fixo em 1/6, ao passo em que há a agravante da reincidência, que majoro em 1/6, compensando-as. Terceira Fase (Causas de aumento/diminuição de pena): Inexistentes em relação aos dois crimes. Penas definitivas: Receptação: 1 ano, 9 meses de reclusão. Porte de arma de fogo: 3 anos e 9 meses de reclusão. Falsa identidade: 5 meses de detenção. Penas de multa: Levando em conta todas as nuanças correlatas à primeira, à segunda e à terceira fases da dosimetria, fixo a quantidade de dias-multa em 30 (receptação), 50 (porte de arma de fogo) e 12 (falsa identidade). Quanto ao valor do dia-multa, fixo em 1/30 do salário-mínimo. Considerando o concurso material (art. 69 do CPB), as penas devem ser somadas, findando em: Pena privativa de liberdade: 5 anos e 11 meses. Pena de multa: 92 dias-multa, no valor unitário de 1/30 do salário mínimo. Apelação do MPF provida e apelações das defesas improvidas. É como voto. 171
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 080736481.2016.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CAR VALHO Apelante: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Apelado: AGUSTINHO FRANCISCO DOS SANTOS Adv./Proc.: DR. DAVI FARIAS DE ANDRADE (APDO.) EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. PEDIDO DE RESTABELECIMENTO DE APOSENTADORIA PROPORCIONAL. CASSAÇÃO DO BENEFÍCIO PELO INSS. DECADÊNCIA AFASTADA. JUSTIFICATIVA DA CASSAÇÃO DO BENEFÍCIO NÃO VERIFICADA. AUSÊNCIA DE CONTAGEM EM DUPLICIDADE DO TEMPO TRABALHADO NO RPPS E RGPS. JUROS E CORREÇÃO MONETÁRIA. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. IMPROVIMENTO. 1. Apelação do INSS e remessa oficial de sentença que julgou procedente o pedido para reconhecer como especial o período de 01.04.1980 a 18.11.1983; de 22.11.1983 a 03.12.1984 e de 06.12.1984 a 13.03.2003, de modo que deve o INSS averbá-lo como tal, e convertê-los em tempo comum, utilizando como multiplicador 1,40, somando o produto aos demais períodos trabalhados, e restabeleça o benefício do autor a partir da data da suspensão (01.04.2013), eximindo-se de efetuar cobrança indevida de valores, bem como para determinar o pagamento dos valores pretéritos ao autor, contados a partir de 01.04.2013. Correção pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal. Honorários advocatícios fixados nas menores alíquotas previstas no art. 85, § 3º, a incidirem sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, § 5º, do referido diploma, a cargo da parte ré. 2. Alega o INSS que o sistema veda a contagem concomitante do tempo de serviço para fins de 172
aposentadoria pelo RGPS e pelo RPPS, o que foi realizado pelo demandante. Argumenta ainda que caracterizada a falta de habitualidade e permanência da exposição aos agentes agressivos, não é de se considerar as atividades prestadas após 28/04/95 como exercidas sob condições especiais, razão pela qual requer a reforma da sentença para que tais períodos (posteriores a 28/04/95) sejam considerados como tempo de serviço comum e, via de consequência, seja julgado improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Pede pela aplicação do art. 1°-F da Lei 9.494/97, com a última redação, em relação aos juros e à correção monetária. Pede pela improcedência do pedido de aposentadoria especial realizado pela apelada. 3. Registre-se que há acórdão anterior deste Colegiado determinando o retorno dos autos ao Juízo de base, com a anulação da sentença, em razão da decisão de 1º grau ter sido condicional. 4. Observa-se que se cuida de demanda proposta pelo particular pretendendo o restabelecimento de sua aposentadoria proporcional por tempo de contribuição. A autarquia previdenciária cassou o benefício anteriormente concedido em razão de verificar o exercício de atividades concomitantes e o aproveitamento em dobro do período trabalhado pelo demandante, na condição de segurado filiado ao RGPS e de servidor público federal. 5. Inicialmente, passa-se à análise da decadência alegada pelo particular. Dispõe o art. 103-A da Lei nº 8.213/91: “O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. 6. Compulsando os autos, percebe-se que o ato de concessão do benefício pelo INSS se deu em 27 de maio de 2015, embora tenha fixado termo 173
inicial retroativo. Quanto ao ato de cassação do benefício, percebe-se nos autos a notificação do segurado da improcedência de sua defesa contra o ato de cassação em 13/05/2013, confirmando a portaria que indicou os indícios de irregularidade datada de 22/03/2013 (GT/MOB/PORTARIA/INSS/ GEXREC/PE nº 24, de 22/03/2013, Ação Nota Técnica nº 1301/2010/CGU). 7. Assim, constatado que a revisão do benefício se deu em prazo inferior a 10 (dez) anos, deve ser afastada a decadência alegada pelo autor. 8. Percebe-se que o demandante/apelado teve suspenso seu benefício previdenciário de aposentadoria proporcional concedido no RGPS, em que pese ter comprovado o tempo de 32 (trinta e dois) anos, 2 (dois) meses e 11 (onze) dias de contribuição, na iniciativa privada, ante às atividades desempenhadas junto a Serviços Técnicos de Enfermagem Ltda. (01.01.1975 a 30.01.175), Hospitais Associados PE Ltda. (01.04.1980 a 18.11.1983), Construtora Norberto Odebrecht S/A (22.11.1983 a 03.12.1984) e RFFSA - Metrorec. (06.12.1984 a 13.03.2003), sob a justificativa do INSS de que se utilizou de vínculos concomitantes para fins de aposentadoria junto ao RPPS, quando trabalhou no Instituto de Medicina Infantil de PE (01/02/71 a 12/10/73), Serviço Médico Hospitalar (13/10/1973 a 31/12/1974) e Ministério da Saúde (02/01/1975 a 01/02/1999). 9. O julgamento da autarquia previdenciária rechaçou a defesa administrativa, considerando que o postulante, servidor público federal, “utilizou-se de tempos de serviço concomitante averbado automaticamente no serviço público por ocasião de mudança de regime CLT para estatutário”. 10. Contudo, consta nos autos Declaração do Ministério da Saúde datada de 2013 (Id.: 4058300. 2374503, fl. 08), na qual elenca os períodos con174
siderados para fins de aposentadoria pelo RPPS, que foram aqueles prestados no serviço público (IMIP, Ministério da Saúde e Serviço Médico Hospitalar), ficando ali claro que não se considerou para a concessão da aposentadoria pelo RPPS de qualquer serviço prestado na iniciativa privada. 11. Quanto à especialidade do período inicialmente reconhecido pelo INSS, na qualidade de auxiliar de enfermagem, o Decreto-Lei 53.831/64, em seu Anexo III, Código 1.3.2 previa a especialidade de quem exercia “Trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infectocontagiantes – assistência médica, odontológica, hospitalar e outras atividades afins”. 12. Em todos os laudos técnicos e PPP’s trazidos aos autos, atesta-se que o demandante está em contato com doenças infecto-contagiosas em sua jornada de trabalho de 8 horas diárias, de forma habitual e permanente, em ambiente de insalubridade biológica, não havendo informação sobre a efetividade total do EPI, apenas informação de que foi fornecido ao autor. A prova é no sentido da insalubridade do trabalho exercido. 13. Diga-se, ainda, que o ato de cassação do benefício foi lastreado unicamente na impossibilidade de contagem dúplice do período trabalhado no RGPS e no RPPS, não havendo nada a respeito da especialidade dos períodos trabalhados pelo demandante que, registre-se, já haviam sido reconhecidos pelo INSS quando do ato concessório da aposentadoria por tempo proporcional concedida ao demandante em 2003. 14. No que toca aos juros e à correção monetária, o STF, em 20/09/2017, julgou o RE nº 870.947-SE, no seguinte sentido: “O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Luiz Fux, apreciando o tema 810 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso para, confirmando, em parte, o acórdão lavrado pela Quarta Turma 175
do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, (i) assentar a natureza assistencial da relação jurídica em exame (caráter não tributário) e (ii) manter a concessão de benefício de prestação continuada (Lei nº 8.742/93, art. 20) ao ora recorrido (iii) atualizado monetariamente segundo o IPCA-E desde a data fixada na sentença e (iv) fixados os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09. Vencidos, integralmente o Ministro Marco Aurélio, e parcialmente os Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator: 1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como 176
medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017”. 15. Não se faz necessário aguardar o trânsito em julgado ou a modulação dos efeitos da decisão do STF, no RE 870.947 ou no RE 579.431. O julgamento do paradigma de repercussão geral autoriza a aplicação imediata do entendimento firmado às causas que versem sobre o mesmo tema, independentemente do trânsito em julgado do paradigma. Precedente: RE 1065205 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 04-10-2017. 16. Considerando-se o disposto no art. 85, parágrafo 3º, I, do CPC/2015, ficam mantidos os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, devendo ser aplicada a súmula 111 do STJ. Ademais, considerando-se o trâmite e complexidade da causa, bem como o disposto no art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, e os demais critérios estabelecidos nos parágrafos 2º a 6º da mesma norma legal, mostra-se razoável a majoração dos honorários advocatícios em 2% (dois por cento) do percentual arbitrado pelo Juízo a quo, a título de honorários recursais 17. Apelação e remessa oficial parcialmente providas para que seja observada a Súmula 111 do STJ. ACÓRDÃO Acordam os desembargadores federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em dar parcial provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, 6 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO Relator 177
RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO: Trata-se de apelação do INSS e remessa oficial de sentença que julgou procedente o pedido para reconhecer como especial o período de 01.04.1980 a 18.11.1983; de 22.11.1983 a 03.12.1984 e de 06.12.1984 a 13.03.2003, de modo que deve o INSS averbá-lo como tal, e convertê-los em tempo comum, utilizando como multiplicador 1,40, somando o produto aos demais períodos trabalhados, e restabeleça o benefício do autor a partir da data da suspensão (01.04.2013), eximindo-se de efetuar cobrança indevida de valores, bem como para determinar o pagamento dos valores pretéritos ao autor, contados a partir de 01.04.2013. Correção pelo Manual de Cálculos da Justiça Federal. Honorários advocatícios fixados nas menores alíquotas previstas no art. 85, § 3º, a incidirem sobre o valor da condenação, na forma do art. 85, § 5º, do referido diploma, a cargo da parte ré. Alega o INSS que o sistema veda a contagem concomitante do tempo de serviço para fins de aposentadoria pelo RGPS e pelo RPPS, o que foi realizado pelo demandante. Argumenta ainda que caracterizada a falta de habitualidade e permanência da exposição aos agentes agressivos, não é de se considerar as atividades prestadas após 28/04/95 como exercidas sob condições especiais, razão pela qual requer a reforma da sentença para que tais períodos (posteriores a 28/04/95) sejam considerados como tempo de serviço comum e, via de consequência, seja julgado improcedente o pedido de concessão de aposentadoria por tempo de contribuição. Pede pela aplicação do art. 1ª-F da Lei 9.494/97, com a última redação, em relação aos juros e à correção monetária. Pede pela improcedência do pedido de aposentadoria especial realizado pela apelada. Registre-se que há acórdão anterior deste Colegiado determinando o retorno dos autos ao Juízo de base, com a anulação da sentença, em razão da decisão de 1º grau ter sido condicional. Após as contrarrazões, subiram os autos, sendo-me conclusos por força de sucessão.
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É o relatório. Inclua-se o feito em pauta de julgamento. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO (Relator): Observa-se que se cuida de demanda proposta pelo particular pretendendo o restabelecimento de sua aposentadoria proporcional por tempo de contribuição. A autarquia previdenciária cassou o benefício anteriormente concedido em razão de verificar o exercício de atividades concomitantes e o aproveitamento em dobro do período trabalhado pelo demandante, na condição de segurado filiado ao RGPS e de servidor público federal. Inicialmente, passa-se à análise da decadência alegada pelo particular. Dispõe o art. 103-A da Lei nº 8.213/91: “O direito da Previdência Social de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os seus beneficiários decai em dez anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé”. Compulsando os autos, percebe-se que o ato de concessão do benefício pelo INSS se deu em 27 de maio de 2015, embora tenha fixado termo inicial retroativo. Quanto ao ato de cassação do benefício, percebe-se nos autos a notificação do segurado da improcedência de sua defesa contra o ato de cassação em 13/05/2013, confirmando a portaria que indicou os indícios de irregularidade datada de 22/03/2013 (GT/MOB/PORTARIA/INSS/GEXREC/PE nº 24, de 22/03/2013, Ação Nota Técnica nº 1301/2010/CGU). Assim, constatado que a revisão do benefício se deu em prazo inferior a 10 (dez) anos, deve ser afastada a decadência alegada pelo autor. Percebe-se que o demandante/apelado teve suspenso seu benefício previdenciário de aposentadoria proporcional concedido no RGPS, em que pese ter comprovado o tempo de 32 (trinta e dois) anos, 2 (dois) meses e 11 (onze) dias de contribuição, na iniciativa privada, ante às atividades desempenhadas junto a Serviços Técnicos de Enfermagem Ltda. (01.01.1975 a 30.01.175), Hospitais As179
sociados PE Ltda. (01.04.1980 a 18.11.1983), Construtora Norberto Odebrecht S/A (22.11.1983 a 03.12.1984) e RFFSA - Metrorec. (06.12.1984 a 13.03.2003), sob a justificativa do INSS de que se utilizou de vínculos concomitantes para fins de aposentadoria junto ao RPPS, quando trabalhou no Instituto de Medicina Infantil de PE (01/02/71 a 12/10/73), Serviço Médico Hospitalar (13/10/1973 a 31/12/1974) e Ministério da Saúde (02/01/1975 a 01/02/1999). O julgamento da autarquia previdenciária rechaçou a defesa administrativa, considerando que o postulante, servidor público federal, “utilizou-se de tempos de serviço concomitante averbado automaticamente no serviço público por ocasião de mudança de regime CLT para estatutário”. Contudo, consta nos autos Declaração do Ministério da Saúde datada de 2013 (Id.: 4058300.2374503, fl. 08), na qual elenca os períodos considerados para fins de aposentadoria pelo RPPS, que foram aqueles prestados no serviço público (IMIP, Ministério da Saúde e Serviço Médico Hospitalar), ficando ali claro que não se considerou para a concessão da aposentadoria pelo RPPS de qualquer serviço prestado na iniciativa privada. Quanto à especialidade do período inicialmente reconhecido pelo INSS, na qualidade de auxiliar de enfermagem, o Decreto-Lei 53.831/64, em seu Anexo III, Código 1.3.2 previa a especialidade de quem exercia “Trabalhos permanentes expostos ao contato com doentes ou materiais infectocontagiantes – assistência médica, odontológica, hospitalar e outras atividades afins”. Em todos os laudos técnicos e PPP’s trazidos aos autos atesta-se que o demandante está em contato com doenças infecto-contagiosas em sua jornada de trabalho de 8 horas diárias, de forma habitual e permanente, em ambiente de insalubridade biológica, não havendo informação sobre a efetividade total do EPI, apenas informação de que foi fornecido ao autor. A prova é no sentido da insalubridade do trabalho exercido. Diga-se, ainda, que o ato de cassação do benefício foi lastreado unicamente na impossibilidade de contagem dúplice do período trabalhado no RGPS e no RPPS, não havendo nada a respeito da especialidade dos períodos trabalhados pelo demandante que, registre-se, já haviam sido reconhecidos pelo INSS quando do ato 180
concessório da aposentadoria por tempo proporcional concedida ao demandante em 2003. No que toca aos juros e à correção monetária, o STF, em 20/09/2017, julgou o RE N º 870947-SE, no seguinte sentido: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, Ministro Luiz Fux, apreciando o tema 810 da repercussão geral, deu parcial provimento ao recurso para, confirmando, em parte, o acórdão lavrado pela Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, (i) assentar a natureza assistencial da relação jurídica em exame (caráter não-tributário) e (ii) manter a concessão de benefício de prestação continuada (Lei nº 8.742/93, art. 20) ao ora recorrido (iii) atualizado monetariamente segundo o IPCA-E desde a data fixada na sentença e (iv) fixados os juros moratórios segundo a remuneração da caderneta de poupança, na forma do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09. Vencidos, integralmente o Ministro Marco Aurélio, e parcialmente os Ministros Teori Zavascki, Dias Toffoli, Cármen Lúcia e Gilmar Mendes. Ao final, por maioria, vencido o Ministro Marco Aurélio, fixou as seguintes teses, nos termos do voto do Relator: 1) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina os juros moratórios aplicáveis a condenações da Fazenda Pública, é inconstitucional ao incidir sobre débitos oriundos de relação jurídico-tributária, aos quais devem ser aplicados os mesmos juros de mora pelos quais a Fazenda Pública remunera seu crédito tributário, em respeito ao princípio constitucional da isonomia (CRFB, art. 5º, caput); quanto às condenações oriundas de relação jurídica não-tributária, a fixação dos juros moratórios segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança é constitucional, permanecendo hígido, nesta extensão, o disposto no art. 1º-F da Lei nº 9.494/97 com a redação dada pela Lei nº 11.960/09; e 2) O art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez
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que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina. Presidiu o julgamento a Ministra Cármen Lúcia. Plenário, 20.9.2017.
Não se faz necessário aguardar o trânsito em julgado ou a modulação dos efeitos da decisão do STF, no RE 870.947 ou no RE 579.431. O julgamento do paradigma de repercussão geral autoriza a aplicação imediata do entendimento firmado às causas que versem sobre o mesmo tema, independentemente do trânsito em julgado do paradigma. Precedente: RE 1.065.205 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, DJe 04-10-2017. Considerando-se o disposto no art. 85, parágrafo 3º, I, do CPC/2015, ficam mantidos os honorários advocatícios em 10% do valor da condenação, devendo aplicar-se a súmula 111 do STJ. Ademais, considerando-se o trâmite e complexidade da causa, bem como o disposto no art. 85, parágrafo 11, do CPC/2015, e os demais critérios estabelecidos nos parágrafos 2º a 6º da mesma norma legal, mostra-se razoável a majoração dos honorários advocatícios em 2% (dois por cento) do percentual arbitrado pelo Juízo a quo, a título de honorários recursais. Diante do exposto, dou parcial provimento à apelação e à remessa oficial para que seja observada a súmula 111 do STJ. É como voto.
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COMPOSIÇÃO DA TERCEIRA TURMA
Desembargador Federal Cid Marconi Presidente da Terceira Turma Período: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Rogério Fialho
Desembargador Federal Fernando Braga
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 080003422.2019.4.05.8302-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA Apelante: JULIANA NASCIMENTO GONÇALVES E OUTROS Apelada: SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS Adv./Proc.: DR. GABRIEL MARTINS TEIXEIRA BORGES (APTE.) EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SUSEP. FISCALIZAÇÃO. SOCIEDADE LIMITADA. COMERCIALIZAÇÃO DE SEGURO. AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR POR EXTINÇÃO DA EMPRESA RÉ. POSSIBILIDADE DE RETOMADA DAS ATIVIDADES. PRELIMINAR REJEITADA. CONTRATO SOCIAL. FINALIDADE LUCRATIVA. PROGRAMA DE PROTEÇÃO VEICULAR. OPERAÇÃO DE SEGURO NÃO AUTORIZADA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. CONDENAÇÃO DOS EX-SÓCIOS. ABRANGÊNCIA. LIMITAÇÃO. DANO MORAL COLETIVO. INOCORRÊNCIA. REMESSA NECESSÁRIA IMPROVIDA. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Remessa necessária e apelação interposta em adversidade à sentença que, confirmando a medida liminar concedida, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP, para declarar ilícita a atividade da empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda. - ME no que se refere à comercialização de seguro veicular à margem da legislação própria, condenando a associação ré e seus sócios na obrigação de não fazer consistente em se abster imediatamente de comercializar, realizar oferta, veicular ou anunciar qualquer modalidade contratual de programa de proteção veicular em todo o território nacional, sendo expressamente proibida de angariar novos consumidores ou renovar contratos em vigor, 186
devendo também se abster de cobrar valores ainda pendentes por contratos já celebrados, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada incidência. 2. De acordo com o STJ, a sentença que concluir pela carência ou improcedência de um dos pedidos formulados em ação civil pública também deve se sujeitar ao duplo exame. Precedente: STJ, REsp 1787858/SC, Rel. Ministro Francisco Falcão, Segunda Turma, julgado em 11/04/2019, DJe 03/05/2019. 3. No caso concreto, a cessação da atividade desenvolvida pela empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda. - ME constitui apenas uma das pretensões deduzidas pela SUSEP. O registro de extinção da sociedade empresária demandada perante a Junta Comercial de Pernambuco em 30.10.2018, ou seja, após decorridos 2 (dois) anos do início das investigações referentes à “Operação Insurance”, mas antes do ajuizamento da presente lide, por si só, não conduz à carência de ação por ausência de interesse de agir. 4. A necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional subsistem para coibir a retomada de uma atividade ilegal pelos ex-sócios também demandados por meio de nova pessoa jurídica que não se amolde aos contornos do Decreto-Lei nº 73/1966. Preliminar de ausência de interesse de agir rejeitada. 5. A controvérsia recursal consiste em verificar se o serviço prestado pela empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda. - ME, nome fantasia 100% Moto Associados, tem efetivamente a mera finalidade de auxílio mútuo entre os associados que aderiram ao programa de proteção veicular por ela criado, ou se apresenta características próprias do contrato de seguro, extrapolando as atividades de entidade associativa ou cooperativa sem finalidade lucrativa. 187
6. A SUSEP aduz que a empresa demandada estaria atuando à margem da legalidade, pois oferece no mercado um plano de garantia veicular que, na verdade, equivale a nítida operação de seguro, por sujeitar os aderentes ao pagamento de parcelas e cobertura de sinistros, além de oferecer benefícios comumente atrelados a esse tipo de contrato. 7. Pelas próprias disposições constantes do Contrato Social e da Primeira Alteração e Consolidação do Contrato Social da empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda. - ME, verifica-se que se trata de uma sociedade empresária de responsabilidade limitada com evidente intuito de perseguição de lucro, o que torna inviável seu enquadramento como entidade associativa de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica de proveito comum. 8. Do exame do Regimento Interno da 100% Moto Associados - Associação de Benefícios Mútuos observa-se que o fundo criado é amplamente oferecido no mercado, abrangendo motocicletas com avaliação máxima de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) de acordo com a tabela FIPE e com no máximo 10 (dez) anos de fabricação, desde que não incidam nas vedações elencadas na subcláusula 4.1. 9. Não se pode sequer extrair do Regimento Interno qual seria o grupo de pessoas com o intuito de ajuda mútua. Os denominados “associados” não representam algum nicho específico de prestadores de serviço como, por exemplo, moto boys, moto táxi, entregadores ou outro. Na verdade, qualquer proprietário de motocicleta que não incida nas poucas limitações acima mencionadas está apto a ingressar nessa gama de proteções contra riscos predeterminados. 188
10. No caso concreto, é possível observar que os eventos cobertos, notadamente devido à sua imprevisibilidade, caracterizam-se como riscos predeterminados nos exatos moldes do art. 757 do Código Civil, que inaugura as disposições gerais acerca do contrato de seguro. 11. O produto oferecido através do programa de proteção veicular criado pela 100% Moto Associados é um seguro, pois a empresa demandada é uma sociedade limitada com evidente finalidade lucrativa que oferece amplamente o serviço no mercado mediante contraprestação financeira (prêmio) paga pelo do associado (segurado) sob a promessa de proteção (indenização) contra riscos predeterminados em seu Regimento Interno (apólice), o que caracteriza típica atividade securitária (art. 3º do Decreto-Lei nº 73/1966), mas sem a necessária e prévia autorização da SUSEP, conforme exigido nos arts. 36 e 78 do Decreto-Lei nº 73/1966. 12. O programa de proteção veicular instituído no Regimento Interno da 100% Motos não se amolda aos contornos do disposto no art. 28, § 1º, da Lei nº 5.764/71, que define a Política Nacional do Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, pois extrapola a mera autogestão de interesses do grupo de motociclistas associados, para assumir típica finalidade seguradora. 13. O exercício de atividade seguradora, que compõe o sistema financeiro nacional, sem autorização do órgão federal competente, conforme regulamentado pelo Decreto-Lei nº 73/1966, torna insubsistente a insurgência dos apelantes no que tange ao enquadramento da sociedade limitada como grupo restrito de ajuda mútua sob autogestão. 14. A petição inicial e os documentos produzidos pela SUSEP não demonstram propriamente a efe189
tivação de danos extrapatrimoniais ou qualquer dano consumado, nem mesmo individual, mas apenas o risco de sua ocorrência. A ausência de provas de prejuízo para os associados conduz à conclusão de que é impertinente a fixação de indenização com vistas a reparar eventuais danos causados aos consumidores, até mesmo pela ausência de parâmetros para a sua quantificação. 15. Não havendo condenação ao pagamento de quantia e, havendo provas da extinção da empresa demandada, fica prejudicado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mesmo no que toca a eventuais multas cominatórias, que se vinculam à tutela específica, ressalvada a possibilidade de eventual redirecionamento em fase de execução, se presentes seus pressupostos. 16. A redação da parte dispositiva da sentença torna insuperável a adequação da modalidade de programa de proteção veicular por associações sem finalidade lucrativa que crie grupos restritos de ajuda mútua pelo sistema de autogestão, o que não se pode admitir, desde que os ex-sócios observem todas as prescrições legais e jurisprudenciais a este respeito. 17. Remessa necessária improvida. Apelação parcialmente provida, apenas no que se refere à condenação imposta aos ex-sócios, Eclésio Moura Silva e Juliana Nascimento Gonçalves, que passa a contar com a ressalva no sentido de que somente poderão criar modalidade de programa de proteção veicular por meio de entidade associativa sem finalidade lucrativa regularmente constituída que crie grupos restritos de ajuda mútua pelo sistema de autogestão com estrita observância às prescrições legais e jurisprudenciais a este respeito, mantidas as demais disposições.
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ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento à remessa necessária e dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 30 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA: Trata-se de remessa necessária e de apelação interposta por ECLÉSIO MOURA SILVA e JULIANA NASCIMENTO GONÇALVES em adversidade à sentença que, confirmando a medida liminar concedida, julgou parcialmente procedentes os pedidos formulados pela SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP, para declarar ilícita a atividade da empresa GONÇALVES MOURA SERVIÇOS LTDA. - ME, pessoa jurídica inscrita no CNPJ nº 18.310.070/0001-01, no que se refere à comercialização de seguro veicular à margem da legislação própria, condenando a associação ré e seus sócios, ECLÉSIO MOURA SILVA e JULIANA NASCIMENTO GONÇALVES, na obrigação de não fazer consistente em se abster imediatamente de comercializar, realizar oferta, veicular ou anunciar qualquer modalidade contratual de programa de proteção veicular em todo o território nacional, sendo expressamente proibida de angariar novos consumidores ou renovar contratos em vigor, devendo também se abster de cobrar valores ainda pendentes por contratos já celebrados, sob pena de multa no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais) para cada incidência. Em razões de apelação (Id. 4058302.10461552), os particulares sustentam a necessidade de reforma da sentença recorrida, alegando, em síntese, que: a) No momento do ajuizamento da presente demanda a empresa GONÇALVES MOURA SERVIÇOS LTDA. já estava 191
inativa e com baixa realizada perante a Junta Comercial há 8 (oito) meses, o que deve conduzir à extinção do processo sem resolução do mérito por ausência de interesse de agir, considerando que a ação tem como principal pretensão suspender ou impedir uma atividade que não mais existe. b) A empresa GONÇALVES MOURA SERVIÇOS LTDA. não atuava como seguradora, mas como mera associação de ajuda mútua sob autogestão, que tem como características a quotização para rateio de prejuízos verificados após o evento danoso, sem caráter atuarial ou composição de reservas, tampouco a abertura à ampla adesão, tendo caráter tipicamente familiar ou de grupos restritos. c) A obrigação de não fazer imputada aos apelantes revela-se abusiva e ilegal, pois viola seu direito de liberdade de associação. No presente caso, a proibição deve ser apenas para a atividade da proteção veicular (rateio de despesas) por meio de empresa limitada ou outra forma que fuja do conceito de socorro mútuo. d) É necessário detalhar as atividades proibidas pela sentença, de modo a constar que a obrigação de não fazer consiste na imediata abstenção de comercializar, realizar oferta, veicular ou anunciar a modalidade contratual de programa de proteção veicular, salvo a praticada por meio de grupos restritos de ajuda mútua pela autogestão, sob a forma legal de associação civil, nos termos do art. 5º, inc. XVII e XVIII, da Constituição Federal, Código Civil e art. 143, § 1º, do DL 73/66. A SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP, em suas contrarrazões (Id. 4058302.10904421), pugna pela manutenção da sentença. Para tanto, alegou, em síntese, que: a) A sentença recorrida foi muito clara ao estabelecer as obrigações de não fazer que compõem a condenação sofrida pelos apelantes. b) A extinção da pessoa jurídica não implica a perda do objeto da demanda, haja vista que o non facere se estende aos sócios e veda uma futura comercialização e prestação de serviço de igual jaez com a criação de outras empresas pelos sócios ora apelantes. 192
c) A própria descrição feita pelos recorrentes sobre as atividades que exerciam remete, à toda evidência, ao exercício de atividades de seguro, não tendo sido indicada nenhuma distinção clara que afaste esse enquadramento, muito menos qual seria o amparo legal para que a empresa praticasse esse tipo de serviços sem nenhuma autorização legal e sem se submeter aos requisitos legais que visam proteger o consumidor (a exemplo da reserva técnica). d) Embora a demandada utilize o termo “plano de benefícios mútuos” para qualificar o contrato, o que há, de fato, é a prestação de serviço de seguro, conforme se extrai do PARECER ELETRÔNICO: SUSEP/DICON/CGCOF/CCOF1 Nº 15/2017, e do DESPACHO ELETRÔNICO SUSEP/DICON/CGCOF/ CCOF1 Nº 592/2017. e) Resta cristalino que a ré deixa de informar aos consumidores que não possui registro na SUSEP e que não segue os ditames do Decreto-Lei nº 73/66, como a observância do limite operacional, adoção de mecanismos de segurança e formação de reservas técnicas. Sendo que estes são os instrumentos que serviriam de garantia ao consumidor, mas que não são respeitados pela ré. f) A comercialização dos produtos pela entidade ré constitui-se em uma típica operação de seguro, sem, contudo, o cumprimento dos requisitos legais para o exercício de tal atividade, como a autorização da SUSEP, a formação de Reservas Técnicas, a fixação de um Limite Operacional, a contratação de mecanismos de redução de riscos (resseguro, etc), elementos que são exigidos por lei e destinados à garantia da satisfação de suas obrigações contratuais. g) Não resta dúvida de que a ré – ao celebrar contratos de seguros sem autorização para tanto – está submetida aos deveres inerentes ao fornecedor de serviços e produtos, bem como aos princípios que regem as relações de consumo, todos previstos no Código de Defesa do Consumidor. A PROCURADORIA REGIONAL DA REPÚBLICA apresentou o Parecer nº 14149/2019 (Id. 4050000.15960493) opinando pelo parcial provimento da apelação, apenas para reformular a parte 193
dispositiva da sentença, de modo a incluir a ressalva da liberdade negocial quando de acordo com os ditames legais. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA (Relator): Conheço da remessa necessária, pois, de acordo com o STJ, a sentença que concluir pela carência ou improcedência de um dos pedidos formulados em ação civil pública também deve se sujeitar ao duplo exame. Recebo ainda a apelação interposta (Id. 4058302.10461552), considerando presentes os requisitos intrínsecos e extrínsecos para a admissibilidade dos recursos. 1. DA QUESTÃO PRELIMINAR: AUSÊNCIA DE INTERESSE DE AGIR Preliminarmente, é preciso pontuar que a cessação da atividade desenvolvida pela empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda. - ME constitui apenas uma das pretensões deduzidas pela SUSEP. Por esta razão, o registro de extinção da sociedade empresária demandada perante a Junta Comercial de Pernambuco em 30.10.2018, ou seja, após decorridos 2 (dois) anos do início das investigações referentes à “Operação Insurance”, mas antes do ajuizamento da presente lide, por si só, não conduz à carência de ação por ausência de interesse de agir (Id. 4058302.9675120 e Id. 4058302.9675141). Ademais, a necessidade e a utilidade da tutela jurisdicional subsistem para coibir a retomada de uma atividade ilegal pelos ex-sócios também demandados por meio de nova pessoa jurídica que não se amolde aos contornos do Decreto-Lei nº 73/1966. Rejeito, portanto, a questão preliminar arguida pelos apelantes. 2. DO MÉRITO A controvérsia recursal consiste em verificar se o serviço prestado pela empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda. - ME, nome fantasia 100% Moto Associados, tem efetivamente a mera 194
finalidade de auxílio mútuo entre os associados que aderiram ao programa de proteção veicular por ela criado ou se apresenta características próprias do contrato de seguro, extrapolando as atividades de entidade associativa ou cooperativa sem finalidade lucrativa. A SUSEP aduz que a empresa demandada estaria atuando à margem da legalidade, pois oferece no mercado um plano de garantia veicular que, na verdade, equivale a nítida operação de seguro, por sujeitar os aderentes ao pagamento de parcelas e cobertura de sinistros, além de oferecer benefícios comumente atrelados a esse tipo de contrato. Inicialmente, pelas próprias disposições constantes do Contrato Social e da Primeira Alteração e Consolidação do Contrato Social da empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda. - ME, verifica-se que se trata de uma sociedade empresária de responsabilidade limitada com evidente intuito de perseguição de lucro, o que, por si só, torna inviável seu enquadramento como entidade associativa de pessoas que reciprocamente se obrigam a contribuir com bens ou serviços para o exercício de atividade econômica de proveito comum. Vejamos (Id. 4058302.9675127): CLÁUSULA QUARTA. A sociedade tem por objeto(s) social(ais): - CNAE 8299-7/99 - outras atividades de serviços prestados principalmente às empresas não especificadas anteriormente, tais como; inspeção e avaliação de automóveis, inspeções e avaliações de todos os tipos de danos em imóveis, tanto para empresas como para pessoas físicas. - CNAE 8219-9/99 - preparação de documentos e serviços especializados de apoio administrativo não especificados anteriormente. DO BALANÇO PATRIMONIAL DOS LUCROS E PERDAS CLÁUSULA DÉCIMA. Ao término de cada exercício social, em 31 de dezembro, o administrador prestará contas justicadas de sua administração, procedendo à elaboração do inventado, do balanço patrimonial e do balanço de resultado econômico, cabendo aos sócios, na proporção de suas quotas, os lucros ou perdas apurados. (art. 1.065, CC/2002)
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§ 1° Por deliberação dos sócios a distribuição de lucros poderá ser em qualquer período do ano a partir de resultado do período apurado. § 2° A distribuição dos lucros poderá não obedecer a participação do sócio, desde que aprovada pelos sócios cotistas.
Como se isso não bastasse, do exame do Regimento Interno da 100% Moto Associados - Associação de Benefícios Mútuos (Id. 4058302.9675130), verifica-se que o fundo criado é amplamente oferecido no mercado (subcláusula 2.1), abrangendo motocicletas com avaliação máxima de R$ 15.000,00 (quinze mil reais) de acordo com a tabela FIPE e com no máximo 10 (dez) anos de fabricação (subcláusula 3.3), desde que não incidam nas vedações elencadas na subcláusula 4.1: 2.1 - Para se tornar Associado da 100% Moto, os (as) pretendentes deverão preencher o termo de adesão junto à Associação, acompanhado dos seguintes documentos: CPF, RG, CRLV e comprovante de residência se pessoa física. CNPJ última alteração do contrato social e comprovante de residência se pessoa jurídica. 3.3 - Os equipamentos cobertos pela 100% Moto tem a idade máxima de 10 anos de fabricação e valor máximo de R$ 15.000,00 na tabela FIPE. Estes critérios poderão ser alterados pela 100% Moto, conforme as decisões ocorridas nas Assembleias. 4.1 - Não serão cadastrados os equipamentos com as seguintes características: • Equipamentos de competição; • Equipamentos com a documentação vencida; • Equipamentos emplacados fora do estado de Pernambuco; • Equipamentos de locadora; • Equipamentos com queixa de furto, roubo e busca e apreensão; • Equipamentos impossibilitados de coleta de número de chassi e moto; • Equipamentos com numeração de chassi raspada, ilegível, adulterada ou ausente; • Equipamento Off Road (utilizado pra trilha);
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• Equipamento com as características original alterado de forma que comprometa a segurança; • Equipamentos com restrição de entrada relacionada em anexo ao decidido nas Assembleias.
Desta forma, não se pode sequer extrair do Regimento Interno qual seria o grupo de pessoas com o intuito de ajuda mútua. Os denominados “associados” não representam algum nicho específico de prestadores de serviço como, por exemplo, motoboys, moto táxi, entregadores ou outro. Na verdade, qualquer proprietário de motocicleta que não incida nas poucas limitações acima mencionadas está apto a ingressar nessa gama de proteções contra riscos predeterminados. Em acréscimo, é possível observar que os eventos cobertos, notadamente devido à sua imprevisibilidade, caracterizam-se como riscos predeterminados nos exatos moldes do art. 757 do Código Civil, que inaugura as disposições gerais acerca do contrato de seguro: Art. 757. Pelo contrato de seguro, o segurador se obriga, mediante o pagamento do prêmio, a garantir interesse legítimo do segurado, relativo à pessoa ou a coisa, contra riscos predeterminados. Parágrafo único. Somente pode ser parte, no contrato de seguro, como segurador, entidade para tal fim legalmente autorizada.
Na presente hipótese, as próprias definições constantes das Subcláusulas 3.8 e 6.1 do Regimento Interno, em meu entendimento, desnudam a extrapolação de atividades meramente associativas, haja vista que a empresa demandada, na verdade, assume riscos de eventos danosos, com recebimento de prêmio sob a rubrica de “cota” e garante aos associados uma indenização própria dos contratos de seguros, que passa a ser devida com o implemento do evento imprevisível, ou seja, o sinistro: 3.8 - O valor do equipamento para efeito de adesão no sistema de cotas do Associado dentro da 100% Moto deverá seguir o valor atribuído ao equipamento pela tabela FIPE, este valor poderá sofrer redução pelo estado de conservação do equipamento e este também deverá estar de acordo com as definições das cotas da 100% 197
Moto. Cada cota terá valor xo de R$ 400,00 (quatrocentos reais).” (sem grifos no original) 6.1 - Das indenizações que serão repartidas pelos Associados. 6.1.1 - Eventos entendidos como danos materiais causados ao equipamento por colisão, Capotamento, abalroamento, queda, acidente durante transporte por meio apropriado. 6.1.2 - Eventos que cause danos materiais aos faróis, lanternas, do equipamento tem a participação do Associado com o valor referente a 65% (sessenta e cinco por cento) da despesa total, só podendo ser acionado uma vez por ano. 6.1.3 - Despesas com a remoção dos equipamentos que se envolverem em acidentes e estiverem impossibilitados de se locomover em um raio de 500 (quinhentos) km “sendo 250 (duzentos e cinquenta) km de ida e 250 (duzentos e cinquenta) km de volta” a partir do deslocamento do reboque onde se encontra o veículo do Associado. 6.1.4 - Roubo ou furto qualificado.
Neste contexto, como a empresa demandada assume a responsabilidade de indenizar prejuízos causados por riscos predeterminados a que estão sujeitos seus “associados” como contrapartida pelo pagamento de uma mensalidade no valor fixo de R$400,00 (quatrocentos reais), a dinâmica do negócio jurídico delineado no Regimento Interno da 100% Moto Associados deve ser classificada como um verdadeiro contrato de seguro quanto a esses eventos. Importante registrar que o Regimento Interno da 100% Motos proíbe que o “associado”, paralelamente, contrate seguro para garantir maior proteção a sua motocicleta. Esta disposição torna ainda mais evidente que não se trata de uma associação de socorro mútuo, mas de empresa que oferece e realiza atividades privativas de sociedades securitárias. 3.2 - O equipamento cadastrado junto a Associação não poderá ser protegido por Seguros, sob pena de o Associado perder seu direito em relação aos benefícios oferecidos pela 100% Moto. 198
Por fim, mesmo havendo previsão no Regimento Interno de distribuição de riscos dos eventos danosos passíveis de cobertura, não se vislumbra qualquer mecanismo de controle pelos associados, já que todas as decisões competem exclusivamente a uma denominada Diretoria Executiva cuja composição é desconhecida: 2.8 - Os valores recebidos pela 100% Moto serão livremente administrados pela Diretoria Executiva desde que aplicado nas indenizações ocorridas no período, manutenção das despesas administrativas e operacionais necessária ao bom andamento Entidade. 7.1 - O ressarcimento do valor do dano gerado no equipamento dos Associados da Entidade deverá ser feito de uma só vez de acordo com as condições econômicas da100% Moto e a critério da Diretoria Executiva.
Em suma: o produto oferecido através do programa de proteção veicular criado pela 100% Moto Associados é um seguro, pois a empresa demandada é uma sociedade limitada com evidente finalidade lucrativa que oferece amplamente o serviço no mercado mediante contraprestação financeira (prêmio) paga pelo do associado (segurado) sob a promessa de proteção (indenização) contra riscos predeterminados em seu Regimento Interno (apólice), o que caracteriza típica atividade securitária (art. 3º, do Decreto-Lei nº 73/1966), mas sem a necessária e prévia autorização da SUSEP, conforme exigido nos arts. 36 e 78, do Decreto-Lei nº 73/1966. Além disso, o programa de proteção veicular instituído no Regimento Interno da 100% Motos não se amolda aos contornos do disposto no art. 28, § 1º, da Lei nº 5.764/71, que define a Política Nacional do Cooperativismo e institui o regime jurídico das sociedades cooperativas, pois extrapola a mera autogestão de interesses do grupo de motociclistas associados, para assumir típica finalidade seguradora. Consequentemente, não se pode considerar a empresa GONÇALVES MOURA SERVIÇOS LTDA. como uma associação de socorro mútuo anteriormente prevista no CC/16, o que lhe excluiria do regime estabelecido no Decreto nº 73/66. O exercício de atividade seguradora, que compõe o sistema financeiro nacional, sem autorização do órgão federal competen199
te, conforme regulamentado pelo Decreto-Lei nº 73/1966, torna insubsistente a insurgência dos apelantes no que tange ao enquadramento da sociedade limitada como grupo restrito de ajuda mútua sob autogestão. Relativamente ao pedido de condenação dos réus ao pagamento de indenização a título de danos morais coletivos e de desconsideração da personalidade jurídica da empresa Gonçalves Moura Serviços Ltda., reproduzo, por irreparáveis, os fundamentos lançados na sentença, aos quais me filio e adoto como razões de decidir: Considerada a jurisprudência do Colendo Superior Tribunal de Justiça, tem-se caracterizado o dano moral difuso, passível de ser pleiteado mediante ação civil pública, quando o fato transgressor seja de razoável significância que desborde os limites da tolerabilidade, sendo grave o suficiente para produzir verdadeiros sofrimentos, intranquilidade social e alterações relevantes na ordem extrapatrimonial coletiva. Nesse sentido: REsp 1.221.756/RJ, Rel. Min. Massami Uyeda, 3ªT, DJe 10/02/2012; REsp 1291213/SC, Rel. Min. Sidnei Beneti, 3ªT, DJe 25/09/2012. No caso sob análise, a petição inicial e os documentos lançados pela autora não relatam propriamente a efetivação de danos extrapatrimoniais ou qualquer dano consumado, nem mesmo individual, mas apenas o risco de sua ocorrência. Assim, não consta nos autos notícia que os réus tenham efetivamente desamparado seus consumidores de forma generalizada, que concretamente não tenham condições financeiras de arcar com os contratos em vigor ou que o mercado de seguros de veículo tenha sido abalado de forma relevante. A ausência de provas de prejuízo para os associados conduz à conclusão de que é impertinente a fixação de indenização com vistas a reparar eventuais danos causados aos consumidores, até mesmo pela ausência de parâmetros para a sua quantificação. Não havendo condenação ao pagamento de quantia, fica prejudicado o pedido de desconsideração da personalidade jurídica, mesmo no que toca a eventuais multas cominatórias, que se vinculam à tutela específica, ressalvada a possibilidade de eventual redirecionamento em fase de execução, se presentes seus pressupostos.
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Todavia, entendo necessário reformar parcialmente a sentença recorrida, apenas no que tange à extensão da obrigação de não fazer imposta aos ex-sócios, Eclésio Moura Silva e Juliana Nascimento Gonçalves. A redação da parte dispositiva da sentença torna insuperável a adequação da modalidade de programa de proteção veicular por associações sem finalidade lucrativa que crie grupos restritos de ajuda mútua pelo sistema de autogestão, o que não se pode admitir, desde que os ex-sócios observem todas as prescrições legais e jurisprudenciais a este respeito. Ante o exposto, nego provimento à remessa necessária e dou parcial provimento à apelação apenas no que se refere à condenação imposta aos ex-sócios, Eclésio Moura Silva e Juliana Nascimento Gonçalves, que passa a contar com a ressalva no sentido de que somente poderão criar modalidade de programa de proteção veicular por meio de entidade associativa sem finalidade lucrativa, regularmente constituída, que crie grupos restritos de ajuda mútua pelo sistema de autogestão com estrita observância às prescrições legais e jurisprudenciais a este respeito, mantidas as demais disposições. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 508.850-CE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA Apelantes: INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL - PORTUS E UNIÃO Apelada: MASTER S/A TECIDOS PLÁSTICOS Advs./Procs.: DRS. JOÃO BATISTA SANTOS E OUTROS E GER MANA LACERDA FELÍCIO VIDAL E OUTROS EMENTA: EMPRESARIAL. ENTIDADE FECHADA DE PREVIDÊNCIA PRIVADA. NULIDADE. NEGÓCIOS JURÍDICOS REALIZADOS EM OFENSA À RESOLUÇÃO 2.324/1996 DO CMN. AUSÊNCIA DE PREVISÃO. APELAÇÃO NÃO PROVIDA. 201
1. Trata-se de apelações interpostas por PORTUS - INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL e pela UNIÃO, por meio da qual se contrapõem à sentença prolatada pelo Juiz Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, rejeitando aqueles de: a) anulação das compra e vendas e subscrição de ações, bem como seu registro, que tenham resultado em participação acionária superior a 20% do capital votante e 20% do capital total da ré; e b) reconhecimento da impossibilidade de exercício, pela autora, da função de acionista controlador ou qualquer outra posição que implique o exercício de atos de gestão ou administração da promovida; e acolhendo os de: a) declaração da impossibilidade de a autora prestar garantias fora dos termos das resoluções do CMN; e b) parcialmente, o de anulação dos atos jurídicos que culminaram na aquisição de imóveis e maquinários pela autora, para reconhecer a nulidade, unicamente, do negócio representado pelos documentos de fls. 240/242, por ausência de legitimidade, eis que realizado sem a necessária autorização do Conselho de Curadores (art. 32 e 33 dos estatutos da apelante). 2. Por sua vez, os apelantes defendem a nulidade da compra e venda ou subscrição de ações emitidas pela apelada, quais sejam: a) ações adquiridas em 27/12/1996, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada; b) aquisição de ações da apelada até então pertencentes à MASTER INCOSA ENGENHARIA S.A. mediante permuta de debêntures; e c) ações adquiridas em 2001, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada. Todas essas operações foram realizadas sem observar que a Resolução nº 2.324/1996 (art. 4º, IV) e a Resolução nº 2.829/2001 (art. 26, I, do respectivo regulamento) vedavam às entidades fechadas de 202
previdência complementar a aquisição de ações de uma mesma companhia em limite superior a 20% das ações emitidas ou a 20% de suas ações com direito a voto, bem como que as mencionadas entidades somente foram autorizadas a adquirir ações em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado (art. 2º, III, a, da Resolução nº 2.324/1996 e art. 20, I, do Regulamento anexo à Resolução nº 2.829/2001). Sustentam, ainda, a impossibilidade de as entidades fechadas de previdência complementar assumirem a condição de acionista controlador, ante a vedação de exercer a gestão de sociedades empresárias. Em resumo, atacaram os fundamentos que ensejaram a rejeição dos pedidos. 3. O cerne da controvérsia devolvida ao conhecimento deste TRF da 5ª Região consiste em perquirir se os negócios jurídicos praticados pela antiga diretoria da apelante (PORTUS - INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL) com a apelada estariam eivados de nulidade, ante a ocorrência de ofensa às disposições normativas que estabelecem as diretrizes pertinentes à aplicação dos recursos garantidores das reservas técnicas das entidades fechadas de previdência privada. 4. A previdência complementar tem como sustentáculo o regime financeiro de capitalização, que remete à formação de reserva técnica para assegurar o custeio dos benefícios contratados, incumbindo aos órgãos públicos de regulação e fiscalização estabelecer padrões mínimos para o regime de previdência complementar, de modo a promover a liquidez e o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial em uma perspectiva de longo prazo. Ou seja, as referidas atividades de regulação e fiscalização têm como propósito específico resguardar os interesses dos participantes e beneficiários do plano, bem como assegurar a credibilidade da previdência privada. 203
5. Mais especificamente no que compete à situação posta, essa regulação veio a lume por meio da Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 2.324/1996, com base no que dispôs o art. 40, § 1º, da Lei nº 6.435/77, que estabeleceu diretrizes a serem cumpridas pelas entidades fechadas de previdência privada na aplicação de seus recursos. 6. No exercício da capacidade normativa de conjuntura, a mencionada resolução estabeleceu a forma como devem ser aplicados os recursos garantidores das reservas técnicas, as operações financeiras facultadas, bem como as vedadas, às entidades fechadas de previdência privada, os requisitos de diversificação a que estavam subordinadas as aplicações, a forma como deveriam ser registrados e custodiados os títulos e valores mobiliários das carteiras das entidades fechadas de previdência privada etc., tudo isso com o fim de que fossem conferidas segurança, rentabilidade, solvência e liquidez aos investimentos realizados. 7. Ao mesmo tempo, porém, o diploma normativo citado dispôs que “A não observância das disposições desta Resolução sujeitará as entidades fechadas de previdência privada e seus administradores às sanções previstas na legislação e regulamentação em vigor” (art. 10 da Resolução nº 2.324/1996 do Conselho Monetário Nacional). Observe-se que, nada obstante a aludida resolução tenha sido revogada pela Resolução nº 2.829/2001 do CMN, a mesma diretiva foi mantida na norma revogadora. 8. Não houve a cominação da sanção de nulidade pelo descumprimento das normas da Resolução nº 2.324/1996. Em verdade, à luz do que dispõe o art. 12 do citado diploma normativo, os excessos verificados, relativos aos limites de composição e de diversificação de aplicações, devem ser elimi204
nados paulatinamente, observado o cronograma aprovado pelo órgão competente, até seu efetivo enquadramento. 9. Mais especificamente no que concerne à declaração de nulidade do negócio jurídico que ensejou a aquisição de ações de uma mesma empresa em limite superior a 20% das ações emitidas ou a 20% de suas ações com direito a voto, observa-se que a postura do regulamento teve como intuito resguardar a segurança e credibilidade do mercado, haja vista que a retomada da composição societária anterior provoca grande impacto na empresa, eis que promove alterações substanciais em toda a sua estrutura, afetando o ambiente negocial, haja vista a mudança de titularidade das obrigações e responsabilidades, sendo mais aconselhável que a correção seja feita de forma gradual e planejada. 10. Registre-se que os negócios jurídicos atacados foram todos realizados ao tempo em que estava em vigor o Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/1916), de modo que incide na espécie o que dispõe o inciso V do art. 145, segundo o qual é nulo o ato jurídico quando a lei taxativamente o declarar ou lhe negar efeito. 11. Disso resulta a correção da sentença recorrida ao afirmar que “Não se pode confundir uma má gestão de um fundo de pensão, materializada em investimentos inadequados, com a validade, ou não, dos negócios jurídicos concretamente realizados. Ilícita foi a política de investimento, e não os negócios celebrados”. 12. Por fim, no que concerne à impossibilidade de a referida entidade fechada de previdência complementar assumir a condição de acionista controlador, mais uma vez a pretensão recursal não merece acolhida, ante a ausência de norma expressa estabelecendo vedação à assunção desse status societário. 205
13. Ademais, a fixação da finalidade básica das entidades fechadas de previdência privada (art. 39 da Lei nº 6.435/77) não exclui de forma peremptória a possibilidade de assunção dos riscos inerentes à condição de acionista controlador, mormente tendo em consideração que as ações que definem o controle de uma empresa detêm maior valor financeiro com relação às ações pulverizadas em mercado, pelo que, nada obstante os riscos decorrentes da assunção desse status, a ausência de disposição normativa expressa denota que o legislador não considerou que esse tipo de investimento fosse capaz, por si só, de corroer as reservas técnicas dos planos de benefício, de modo a colocar em risco o seu equilíbrio financeiro. 14. Apelações não providas. ACÓRDÃO Decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento às apelações, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado. Recife, 4 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA: Trata-se de apelações interpostas por PORTUS - INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL e pela UNIÃO, por meio da qual se contrapõem à sentença prolatada pelo Juiz Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária do Ceará. Em suas razões (fls. 1285/1297), em breve síntese, o primeiro apelante defendeu a nulidade da compra e venda ou subscrição de ações emitidas pela apelada, quais sejam: a) ações adquiridas 206
em 27/12/1996, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada, considerando que referida transação contrariou as disposições da CMN, pois não foi realizada em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado; b) aquisição de ações da apelada até então pertencentes à MASTER INCOSA ENGENHARIA S.A. mediante permuta de debêntures, eis que, além de contrariar o limite de 20% estabelecido pela CMN, a transação também não foi realizada em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado; e c) ações adquiridas em 2001, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada, haja vista que nessa época a apelante já detinha participação societária que ultrapassava o limite normativo de 20%, além de, mais uma vez, a transação não ter sido realizada em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado. Sustentou, ainda, a impossibilidade de as entidades fechadas de previdência complementar assumirem a condição de acionista controlador, ante a vedação de exercer a gestão de sociedades empresárias. A União, por sua vez, defendeu a reforma da sentença (fls. 1304/1312), aduzindo que a previdência privada, em razão de seu cunho social, é regida por normas de ordem pública, que não podem ser derrogadas por acordos entre as partes, ressaltando, em vista disso, que o caráter cogente dessas normas tem como objetivo proteger a poupança constituída por trabalhadores contra acordos espúrios, resultante da ganância de pessoas inescrupulosas, pelo que os atos praticados em afronta às disposições normativas que regem a previdência privada resultam em nulidade. Nesse sentido, sustentou a nulidade das seguintes aquisições de ações: a) ações adquiridas em 27/12/1996, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada; b) ações adquiridas mediante permuta de debêntures tituladas pela apelante e emitidas pela apelada por ações de emissão também dessa última, porém pertencente à MASTER INCOSA ENGENHARIA S.A.; e c) ações adquiridas em 2001, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada, a título de exercício de direito de preferência. Todas essas operações foram realizadas sem observar que a Resolução nº 2.324/1996 (art. 4º, IV) e a Resolução nº 2.829/2001 (art. 26, I, do respectivo regulamento) vedavam às entidades fechadas de previdência complementar a aquisição de 207
ações de uma mesma companhia em limite superior a 20% das ações emitidas ou a 20% de suas ações com direito a voto, bem como que as mencionadas entidades somente foram autorizadas a adquirir ações em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado (art. 2º, III, a, da Resolução nº 2.324/1996 e art. 20, I, do Regulamento anexo à Resolução nº 2.829/2001). Por fim, nos mesmos moldes como defendido pela PORTUS - INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL, sustentou a impossibilidade de a referida entidade fechada de previdência complementar assumir a condição de acionista controlador, ante a vedação de exercer a gestão de sociedades empresárias. Não houve apresentação de contrarrazões (fl. 1315). Este TRF da 5ª Região anulou a sentença e determinou a remessa dos autos à Justiça Estadual (fls. 1320/1326). Nada obstante, a UNIÃO interpôs Recurso Especial, que foi provido pelo STJ, para cassar o acórdão acima referido, determinando, em vista disso, o retorno dos autos à origem a fim de que fosse dado prosseguimento ao julgamento do mérito das apelações (fls. 1359/1366). É o relatório VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA (Relator): Trata-se de apelações interpostas por PORTUS - INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL e pela UNIÃO, por meio da qual se contrapõem à sentença prolatada pelo Juiz Federal da 7ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, que julgou parcialmente procedentes os pedidos, rejeitando aqueles de: a) anulação das compra e vendas e subscrição de ações, bem como seu registro, que tenham resultado em participação acionária superior a 20% do capital votante e 20% do capital total da ré; e b) reconhecimento da impossibilidade de exercício, pela autora, da função de acionista controlador ou qualquer outra posição que implique o exercício de atos de gestão ou administração da promovida; e acolhendo os de: a) declaração da impossibilidade de a autora prestar garantias fora dos termos das resoluções do CMN; e b) parcialmente, o de anulação dos atos 208
jurídicos que culminaram na aquisição de imóveis e maquinários pela autora, para reconhecer a nulidade, unicamente, do negócio representado pelos documentos de fls. 240/242, por ausência de legitimidade, eis que realizado sem a necessária autorização do Conselho de Curadores (arts. 32 e 33 dos estatutos da apelante). Por sua vez, os apelantes defendem a nulidade da compra e venda ou subscrição de ações emitidas pela apelada, quais sejam: a) ações adquiridas em 27/12/1996, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada; b) aquisição de ações da apelada até então pertencentes à MASTER INCOSA ENGENHARIA S.A. mediante permuta de debêntures; e c) ações adquiridas em 2001, mediante subscrição e integralização de ações emitidas pela apelada. Todas essas operações foram realizadas sem observar que a Resolução nº 2.324/1996 (art. 4º, IV) e a Resolução nº 2.829/2001 (art. 26, I, do respectivo regulamento) vedavam às entidades fechadas de previdência complementar a aquisição de ações de uma mesma companhia em limite superior a 20% das ações emitidas ou a 20% de suas ações com direito a voto, bem como que as mencionadas entidades somente foram autorizadas a adquirir ações em bolsa de valores ou em mercado de balcão organizado (art. 2º, III, a, da Resolução nº 2.324/1996 e art. 20, I, do Regulamento anexo à Resolução nº 2.829/2001). Sustentam, ainda, a impossibilidade de as entidades fechadas de previdência complementar assumirem a condição de acionista controlador, ante a vedação de exercer a gestão de sociedades empresárias. Em resumo, atacaram os fundamentos que ensejaram a rejeição dos pedidos. Dessa forma, o cerne da controvérsia devolvida ao conhecimento deste TRF da 5ª Região consiste em perquirir se os negócios jurídicos praticados pela antiga diretoria da apelante (PORTUS INSTITUTO DE SEGURIDADE SOCIAL) com a apelada estariam eivados de nulidade, ante a ocorrência de ofensa às disposições normativas que estabelecem as diretrizes pertinentes à aplicação dos recursos garantidores das reservas técnicas das entidades fechadas de previdência privada. Conforme cediço, a previdência complementar tem como sustentáculo o regime financeiro de capitalização, que remete à 209
formação de reserva técnica para assegurar o custeio dos benefícios contratados. A esse respeito, importa consignar que os valores referentes à reserva técnica, em verdade, pertencem aos participantes e beneficiários do plano, incumbindo aos órgãos públicos de regulação e fiscalização estabelecer padrões mínimos para o regime de previdência complementar, de modo a promover a liquidez e o equilíbrio econômico-financeiro e atuarial em uma perspectiva de longo prazo. Ou seja, as referidas atividades de regulação e fiscalização têm como propósito específico resguardar os interesses dos participantes e beneficiários do plano, bem como assegurar a credibilidade da previdência privada. Mais especificamente no que compete à situação posta, essa regulação veio a lume por meio da Resolução do Conselho Monetário Nacional nº 2.324/1996, com base no que dispôs o art. 40, § 1º, da Lei nº 6.435/77, que estabeleceu diretrizes a serem cumpridas pelas entidades fechadas de previdência privada na aplicação de seus recursos. No exercício da capacidade normativa de conjuntura, a mencionada resolução estabeleceu a forma como devem ser aplicados os recursos garantidores das reservas técnicas, as operações financeiras facultadas, bem como as vedadas, às entidades fechadas de previdência privada, os requisitos de diversificação a que estavam subordinadas as aplicações, a forma como deveriam ser registrados e custodiados os títulos e valores mobiliários das carteiras das entidades fechadas de previdência privada, etc., tudo isso com o fim de que fossem conferidas segurança, rentabilidade, solvência e liquidez aos investimentos realizados. Ao mesmo tempo, porém, o diploma normativo citado dispôs que “A não observância das disposições desta Resolução sujeitará as entidades fechadas de previdência privada e seus administradores às sanções previstas na legislação e regulamentação em vigor” (art. 10 da Resolução nº 2.324/1996 do Conselho Monetário Nacional). Observe-se que, nada obstante a aludida resolução tenha sido revogada pela Resolução nº 2.829/2001 do CMN, a mesma diretiva foi mantida na norma revogadora, a teor do que expressa o seu art. 7º: 210
Art. 7º A não observância das disposições desta Resolução e do anexo Regulamento sujeitará as entidades fechadas de previdência privada e seus administradores às sanções previstas na legislação e regulamentação em vigor.
Por sua vez, a Lei nº 6.435/77, vigente por ocasião da prática dos atos negociais atacados, assim tratou do regime repressivo: Art. 75. As infrações aos dispositivos desta Lei sujeitam as entidades de previdência privada ou seus administradores, membros de conselhos deliberativos, consultivos, fiscais ou assemelhados, às seguintes penalidades, sem prejuízo de outras estabelecidas na legislação vigente: I - advertência; II - multa pecuniária; III - suspensão do exercício do cargo; IV - inabilitação temporária ou permanente para o exercício de cargo de direção de entidades de previdência privada, sociedades seguradoras e instituições financeiras. Art. 76. Os diretores, administradores, membros de conselhos deliberativos, consultivos, fiscais ou assemelhados, das entidades de previdência privada responderão solidariamente com a mesma pelos prejuízos causados a terceiros, inclusive aos seus acionistas, em consequência do descumprimento de leis, normas e instruções referentes às operações previstas nesta Lei e, em especial, pela falta de constituição das reservas obrigatórias.
De se ver, portanto, que não houve a cominação da sanção de nulidade pelo descumprimento das normas da Resolução nº 2.324/1996. Em verdade, à luz do que dispõe o art. 12 do citado diploma normativo, os excessos verificados, relativos aos limites de composição e de diversificação de aplicações, devem ser eliminados paulatinamente, observado o cronograma aprovado pelo órgão competente, até seu efetivo enquadramento. É dizer, apesar do caráter cogente das normas que estabelecem as diretrizes pertinentes à aplicação dos recursos garantidores das reservas técnicas das entidades fechadas de previdência privada, ante o seu relevante intento de proteger a poupança constituída pelo trabalhador contra acordos espúrios, que visam apenas realizar propósitos egoísticos de pessoas que atuam à margem da 211
lei, a nulidade não pode ser afirmada em face de expressa opção adotada pelo diploma regulador. Mais especificamente no que concerne à declaração de nulidade do negócio jurídico que ensejou a aquisição de ações de uma mesma empresa em limite superior a 20% das ações emitidas ou a 20% de suas ações com direito a voto, observa-se que a postura do regulamento teve como intuito resguardar a segurança e credibilidade do mercado, haja vista que a retomada da composição societária anterior provoca grande impacto na empresa, eis que promove alterações substanciais em toda a sua estrutura, afetando o ambiente negocial, haja vista a mudança de titularidade das obrigações e responsabilidades, sendo mais aconselhável que a correção seja feita de forma gradual e planejada. Registre-se que os negócios jurídicos atacados foram todos realizados ao tempo em que estava em vigor o Código Civil de 1916 (Lei nº 3.071/1916), de modo que incide na espécie o que dispõe o inciso V do art. 145, verbis: Art. 145. É nulo o ato jurídico: (...) V. Quando a lei taxativamente o declarar nulo ou lhe negar efeito.
Disso resulta a correção da sentença recorrida ao afirmar que “Não se pode confundir uma má gestão de um fundo de pensão, materializada em investimentos inadequados, com a validade, ou não, dos negócios jurídicos concretamente realizados. Ilícita foi a política de investimento, e não os negócios celebrados”. Por fim, no que concerne à impossibilidade de a referida entidade fechada de previdência complementar assumir a condição de acionista controlador, mais uma vez a pretensão recursal não merece acolhida, ante a ausência de norma expressa estabelecendo vedação à assunção desse status societário. Registre-se, em reforço da tese, que, ao tratar dessa matéria, o art. 29 da LC 108/2001 foi expresso ao consignar a possibilidade do exercício do controle, desde que com prévia e expressa anuência da patrocinadora e do seu entre controlador, nos seguintes termos:
212
Art. 29. As entidades de previdência privada patrocinadas por empresas controladas, direta ou indiretamente, pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, que possuam planos de benefícios definidos com responsabilidade da patrocinadora, não poderão exercer o controle ou participar de acordo de acionistas que tenha por objeto formação de grupo de controle de sociedade anônima, sem prévia e expressa autorização da patrocinadora e do seu respectivo ente controlador. Parágrafo único. O disposto no caput não se aplica às participações acionárias detidas na data de publicação desta Lei Complementar.
Desponta relevante ressaltar que a ressalva do parágrafo único acima transcrito denota a existência de entidades fechadas de previdência complementar que haviam adquirido ações representativas do controle acionário de várias empresas estatais federais e estaduais antes do advento da citada lei complementar, de modo a restar evidente a ausência de empecilho a essa atuação. Ademais, a fixação da finalidade básica das entidades fechadas de previdência privada (art. 39 da Lei nº 6.435/77) não exclui de forma peremptória a possibilidade de assunção dos riscos inerentes à condição de acionista controlador, mormente tendo em consideração que as ações que definem o controle de uma empresa detêm maior valor financeiro com relação às ações pulverizadas em mercado, pelo que, nada obstante os riscos decorrentes da assunção desse status, a ausência de disposição normativa expressa denota que o legislador não considerou que esse tipo de investimento fosse capaz, por si só, de corroer as reservas técnicas dos planos de benefício, de modo a colocar em risco o seu equilíbrio financeiro. Posto isso, nego provimento às apelações. Afasta-se a aplicação do disposto no § 11 do art. 85 do CPC, considerando que a pretensão recursal nasceu quando não vigente o atual CPC, incidindo na espécie o que dispõe o enunciado administrativo nº 7 do STJ, segundo o qual “Somente nos recursos interpostos contra decisão publicada a partir de 18 de março de 2016, será possível o arbitramento de honorários sucumbenciais recursais, na forma do art. 85, § 11, do novo CPC”. É como voto. 213
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0801789-42.2018.4.05.8100-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA Apelante: MARISETTE SANTA CRUZ Apelados: MARIA CRISTINA MONTEIRO FERREIRA E OUTRO Advs./Procs.: DRS. CINTHIA GREYNE ARAÚJO DA SILVA (APTE.) E ALEXANDRE BASTOS SALES (APDOS.) EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. PENSÃO POR MORTE. FALECIDO CASADO. DEPENDÊNCIA PREFERENCIAL DA ESPOSA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA DA IRMÃ AFASTADA. BENEFÍCIO INDEVIDO. RECURSO IMPROVIDO. 1. Trata-se de apelação interposta por MARISETTE SANTA CRUZ (Identificador 4058100. 14872023), em face de sentença (identificador 4058100.14629039), que julgou improcedente o seu pedido, que consistia na condenação da União a lhe conceder o benefício de pensão por morte em virtude do falecimento do seu irmão, Sr. José Branquinho Pinheiro, ex-servidor do Ministério do Trabalho, falecido em 31/10/2010. 2. Considerando que o instituidor da pensão era servidor público federal do Ministério do Trabalho, a pensão por morte se encontra regulada no art. 217 da Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União). 3. A apelante é irmã do falecido, portanto se encontra na última ordem de preferência para a obtenção do benefício pleiteado, considerando que o de cujus faleceu na constância do casamento, nos termos do art. 217 da Lei nº 8.112/90; 4. A apelante buscou em juízo a anulação do casamento do seu irmão, todavia a ação foi extinta, conforme sentença acostada aos autos (identificador 4058100.3284135). 5. Mantida a validade do casamento pela Justiça Estadual, não há como afastar a dependência preferencial da esposa do falecido, o que impede 214
a concessão da pensão por morte em favor da recorrente. 6. Por fim, a validade de tal casamento, que impede o deferimento do pleito da recorrente, não pode ser objeto de análise deste juízo federal, em face da sua incompetência. 7. Apelação improvida. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado. Recife, 12 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA: Trata-se de apelação interposta por MARISETTE SANTA CRUZ (Identificador 4058100.14872023), em face de sentença (identificador 4058100.14629039), que julgou improcedente o seu pedido, que consistia na condenação da União a lhe conceder o benefício de pensão por morte em virtude do falecimento do seu irmão, Sr. José Branquinho Pinheiro, ex-servidor do Ministério do Trabalho, falecido em 31/10/2010. MARISETTE SANTA CRUZ interpôs a presente apelação, alegando, preliminarmente, nulidade da sentença, em face de violação do contraditório e da ampla defesa, uma vez que não foi antecipado o julgamento da lide e a recorrente havia requerido produção probatória testemunhal. No mérito, sustenta a ineficácia do casamento para fins previdenciários tratados na ação, destacando a sua dependência econômica do seu irmão falecido e instituidor do benefício. Por fim, defende a sua legitimidade para receber a pensão do irmão, decorrente da ilegalidade do casamento do irmão. 215
A parte apelada apresentou contrarrazões, pugnando pelo julgamento improcedente da apelação (Identificador 4058100. 15199024). Dispensada a revisão. Peço dia para julgamento. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA (Relator): Conheço do recurso porque presentes os seus pressupostos de admissibilidade intrínsecos – cabimento, interesse, legitimidade e ausência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer – e extrínsecos – tempestividade e regularidade formal. O cerne do presente recurso consiste na análise dos requisitos necessários à concessão da pensão por morte, especificamente a imprescindibilidade da produção de prova oral e ilegalidade do casamento do instituidor do benefício. Pois bem. Considerando que o instituidor da pensão era servidor público federal do Ministério do Trabalho, a pensão por morte se encontra regulada na Lei nº 8.112/90 (Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União), a qual em seu art. 217, prevê como beneficiários de tal pensão os seguintes dependentes: Art. 217. São beneficiários das pensões: I - o cônjuge; (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015) II - o cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato, com percepção de pensão alimentícia estabelecida judicialmente; (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015) III - o companheiro ou companheira que comprove união estável como entidade familiar; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) IV - o filho de qualquer condição que atenda a um dos seguintes requisitos: (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) a) seja menor de 21 (vinte e um) anos; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015)
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b) seja inválido; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) c) tenha deficiência grave (Vide Lei nº 13.135, de 2015) (Vigência) d) tenha deficiência intelectual ou mental, nos termos do regulamento; (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) V - a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor; e (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) VI - o irmão de qualquer condição que comprove dependência econômica do servidor e atenda a um dos requisitos previstos no inciso IV. (Incluído pela Lei nº 13.135, de 2015) § 1º A concessão de pensão aos beneficiários de que tratam os incisos I a IV do caput exclui os beneficiários referidos nos incisos V e VI. (Redação dada pela Lei nº 13.135, de 2015)
Na hipótese dos autos, a apelante é irmã do falecido, portanto se encontra na última ordem de preferência para a obtenção do benefício pleiteado, considerando que o de cujus faleceu na constância do casamento, nos termos da legislação acima referida. A apelante buscou em juízo a anulação do casamento do seu irmão, todavia a ação foi extinta, conforme sentença acostada aos autos (Identificador 4058100.3284135). Mantida a validade do casamento pela Justiça Estadual, não há como afastar a dependência preferencial da esposa do falecido, o que impede a concessão da pensão por morte em favor da recorrente. Por fim, vale destacar que a validade de tal casamento, que impede o deferimento do pleito da recorrente, não pode ser objeto de análise deste juízo federal, em face da sua incompetência. Diante do exposto, nego provimento à apelação. Honorários advocatícios mantidos no percentual de 10% (dez por cento) sobre o valor da condenação (observada Súmula nº 111/ STJ) e majorados em um ponto percentual, nos termos do artigo art. 85, parágrafo 11, CPC/2015. É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0802957-48.2015.4.05.8500-SE (PJe) Relator: Apelante: Apelada: Adv./Proc.:
DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI MANOEL MILITAO DA FONSECA FILHO UNIÃO FEDERAL DR. CHRISTIAN ARY DA CRUZ BARBOSA (APTE.) EMENTA: ADMINISTRATIVO. CIVIL. AÇÃO DECLARATÓRIA E CONDENATÓRIA. RECONHECIMENTO PÓSTUMO DA CONDIÇÃO DE EX-COMBATENTE E DOS DIREITOS DELA DECORRENTES. GENITOR DO AUTOR. TRIPULANTE DO NAVIO “SANTA CLARA”. ALVO DE ATAQUES SUBMARINOS ALEMÃES. NÃO COMPROVAÇÃO. PROCESSO DO TRIBUNAL MARÍTIMO Nº 522. CAUSA PROVÁVEL. CICLONE. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. AUSÊNCIA DE DIREITO. OMISSÃO DO ESTADO. INEXISTÊNCIA. SENTENÇA CONFIRMADA. 1. Apelação desafiada pelo particular em face da sentença julgou improcedente o pedido de condenação da União a pagar ao autor dano moral, bem como, de reconhecimento póstumo do direito do genitor do autor de ser declarado ex-combatente, com todos os direitos e vantagens dele decorrentes, como também, de adotar todas as medidas de estilo visando a expedição de Certidão de Óbito do pai do autor segundo a legislação militar. 2. A condição de ex-combatente não é presumível. Ela deve ser comprovada, em regra, pelo autor, porque tem ele o ônus de comprovar os fatos constitutivos do seu direito (art. 373, I, do CPC). 3. Nos termos do art. 1º, § 2º, da Lei 5.315/67: “Considera-se ex-combatente, para efeito da aplicação do artigo 178 da Constituição do Brasil, todo aquêle que tenha participado efetivamente de operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Fôrça do Exército, da 218
Fôrça Expedicionária Brasileira, da Fôrça Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e que, no caso de militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente”. 4. Por interpretação jurisprudencial, considera-se ex-combatente todo aquele que haja deslocado da sua unidade para fazer a vigilância e o patrulhamento da costa em defesa do litoral brasileiro, sem que efetivamente tenha participado da Segunda Guerra Mundial no Teatro de Operações da Itália, bem como o integrante da Marinha Mercante Nacional que tenha participado de pelo menos duas viagens em zonas de ataques submarinos, no período de 22.03.1941 a 08.05.1945. 5. Alega o apelante que o seu genitor faleceu em 15/03/1941, quando era tripulante no navio SANTA CLARA, desaparecido na costa da Flórida, EUA, durante a 2ª Guerra Mundial, ressaltando que o seu nome e do navio que tripulava estariam registrados no Memorial dos Pracinhas, mantido pelo Exército Brasileiro no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. 6. A União trouxe aos autos informações da Marinha do Brasil, por meio de sua Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, do qual se infere que, em pesquisa junto ao Tribunal Marítimo (TM), foi verificada a existência de processo, n° 522, que reporta a existência do Navio “NAHUKONA”, que em registro provisório passou a se chamar “SANTA CLARA”, de propriedade da Navebras S/A, constando também a lista de tripulantes de tal embarcação, onde se confirma o nome do genitor do autor, na condição de Marinheiro. 7. O fato de estar a bordo da embarcação como marinheiro, por si só, não é suficiente para classificar o de cujus como ex-combatente. O processo do Tribunal Marítimo indica que o navio 219
em questão desapareceu, presumivelmente, por ação de um ciclone, em zona sujeita a tal fenômeno, não se tratando de um navio torpedeado. Por tal razão, inclusive, nada consta no Arquivo da Marinha em relação a tal embarcação. 8. Do Acórdão do Processo TM nº 522, infere-se que a proprietária da embarcação representou àquele Tribunal para que fosse instaurado processo que definisse a situação do Navio SANTA CLARA (MAHUKONA), saído em 05/03/41 do porto de Nova Iorque para o de Newports News, daí despachado para o Rio de Janeiro, uma vez que, depois de pedir socorro, não mais emitiu qualquer sinal, supondo-se haver naufragado. 9. Consta ainda que, considerando todos os elementos verificados naqueles autos, resolveu aquele TM declarar o desaparecimento do navio “SANTA CLARA”, presumindo-se a perda total do mesmo, seus tripulantes e do carregamento, quando em viagem de Newports News para o Rio de Janeiro, enquanto navegava em região assolada por um ciclone, não apurada a sua causa, contudo, pela ausência de avisos metereológicos, imposta pelo estado de guerra, reconheceu-se que o navio ficou impossibilitado de manobrar presumidamente, de modo a alcançar o semi-circulo manejável do ciclone. 10. Os elementos existentes não demonstram que o navio SANTA CLARA tenha sido atacado por inimigos, tenha participado de operações bélicas, em comboio de transportes de tropas ou de abastecimentos, ou de missões de patrulha ou de vigilância e segurança como integrante da guarnição de ilhas oceânicas, e tampouco que tenha participado de viagem em zona de ataques submarinos no período de 22.03.1941 a 08.05.1945. 11. Ao contrário do que afirma o apelante, os nomes do seu genitor e da embarcação em questão não se encontram gravados no Monumento 220
Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, conhecido como Memorial aos Pracinhas, consoante atestou o Departamento de Educação e Cultura do Exército. 12. Ausência de direito à indenização por danos morais. Não ficou caracterizada qualquer omissão do Estado quanto à análise do desaparecimento do navio SANTA CLARA, mas, ao contrário, de afastamento da sua ocorrência das situações que poderiam ensejar o enquadramento de sua tripulação como ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. 13. Apelação improvida. Majoração dos honorários sucumbenciais fixados na sentença de 10% para 11% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 11, do CPC), mantida suspensa a exigibilidade da obrigação, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas. Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 13 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Apelação desafiada pelo particular em face da sentença julgou improcedente o pedido de condenação da União a pagar ao autor dano moral, bem como, de reconhecimento póstumo do direito do seu genitor de ser declarado ex-combatente, com todos os demais direitos e vantagens decorrentes de tal condição, como também, de adotar todas as medidas de estilo visando a expedição de Certidão de Óbito do pai do autor segundo a legislação militar. 221
A sentença entendeu não comprovada a condição de ex-combatente, posto que: “Os elementos existentes não demonstram que o navio SANTA CLARA tenha sido atacado por inimigos, tenha participado de operações bélicas, em comboio de transportes de tropas ou de abastecimentos, ou de missões de patrulha ou de vigilância e segurança como integrante da guarnição de ilhas oceânicas, e tampouco que tenha participado de viagem em zona de ataques submarinos no período de 22.03.1941 a 08.05.1945”, ou que “os nomes do seu genitor e da embarcação em questão não se encontram gravados no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, conhecido como Memorial aos Pracinhas, consoante atestou o Departamento de Educação e Cultura do Exército”. O apelante, nas razões do seu recurso, aduziu que: a) a conclusão do Tribunal Militar de que o navio SANTA CLARA (do qual o seu genitor foi tripulante) teria naufragado por razões naturais (ciclone) estaria baseada em “achismos,” ou seja, “em documentos de 1941 que apenas fazem suposição sem fotos de satélite, GPS e/ou qualquer outro meio visível ou técnico de se mensurar o que realmente aconteceu em um período de guerra”. b) através de estudos de historiadores, ficou comprovado que apenas o navio TAUBATÉ não sofreu a ação de submarinos alemães; c) o nome do seu pai estaria exposto no memorial aos mortos da Segunda Guerra Mundial, localizado no Estado do Rio de Janeiro-RJ, tendo sido indeferido o pedido de diligência de produção de provas que comprovaria tal alegação; d) “o navio SANTA CLARA foi afundado por submarinos alemães, e tal conclusão pode ser facilmente obtida pela própria história quando sabemos que o Brasil declarou guerra ao Eixo em 1942, após uma série de afundamentos de seus navios mercantes”. Por fim, pugna pelo provimento do recurso com a total do julgado. Contrarrazões apresentadas. É o relatório. 222
VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI (Relator): Considerando que o Supremo Tribunal Federal já firmou posicionamento de que a motivação referenciada per relationem não constitui negativa de prestação jurisdicional, tendo-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões judiciais (HC 160.088 AgR, Relator: Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 29/03/2019, Processo Eletrônico DJe-072, Public 0904-2019 e AI 855.829 AgR, Relator: Min. Rosa Weber, Primeira Turma, julgado em 20/11/2012, Public 10-12-2012), adoto como razões de decidir os termos da sentença, que passo a transcrever: (...) II. FUNDAMENTAÇÃO Não havendo necessidade de produção de outras provas, julgo antecipadamente a lide, nos termos do art. 355, I, do CPC. A parte autora pretende a declaração de ser o seu genitor ex-combatente, bem assim a reparação por danos morais sofridos pelo não reconhecimento de tal condição por parte da União. Pois bem. Quanto ao primeiro dos pedidos, cumpre verificar se o autor se enquadra nos requisitos legalmente estabelecidos para a sua caracterização como ex-combatente. Registro, de logo, que se trata de pedido meramente declaratório, e, nesse sentido, “a ação meramente declaratória, na lição de Cândido Rangel Dinamarco, é aquela que visa à eliminação da crise de certeza sobre a existência de determinado direito ou relação jurídica. Pode ser positiva ou negativa. E, assim caracterizada, não se sujeita à prescrição”. Quanto ao ex-combatente, o art. 1º, § 2º, da Lei 5.315/67 assim dispõe: Art. 1º Considera-se ex-combatente, para efeito da aplicação do artigo 178 da Constituição do Brasil, todo aquêle que tenha participado efetivamente de 223
operações bélicas, na Segunda Guerra Mundial, como integrante da Fôrça do Exército, da Fôrça Expedicionária Brasileira, da Fôrça Aérea Brasileira, da Marinha de Guerra e da Marinha Mercante, e que, no caso de militar, haja sido licenciado do serviço ativo e com isso retornado à vida civil definitivamente. § 1º A prova da participação efetiva em operações bélicas será fornecida ao interessado pelos Ministérios Militares. § 2º Além da fornecida pelos Ministérios Militares, constituem, também, dados de informação para fazer prova de ter tomado parte efetiva em operações bélicas: a) no Exército: I - o diploma da Medalha de Campanha ou o certificado de ter serviço no Teatro de Operações da Itália, para o componente da Fôrça Expedicionária Brasileira; II - o certificado de que tenha participado efetivamente em missões de vigilância e segurança do litoral, como integrante da guarnição de ilhas oceânicas ou de unidades que se deslocaram de suas sedes para o cumprimento daquelas missões. c) na Marinha de Guerra e Marinha Mercante: I - o diploma de uma das Medalhas Navais do Mérito de Guerra, para o seu portador, desde que tenha sido tripulante de navio de guerra ou mercante, atacados por inimigos ou destruídos por acidente, ou que tenha participado de comboio de transporte de tropas ou de abastecimentos, ou de missões de patrulha; II - o diploma da Medalha de Campanha de Fôrça Expedicionária Brasileira; III - o certificado de que tenha participado efetivamente em missões de vigilância e segurança como integrante da guarnição de ilhas oceânicas; IV - o certificado de ter participado das operações especificadas nos itens I e II, alínea c , § 2º, do presente artigo; d) certidão fornecida pelo respectivo Ministério Militar ao ex-combatente integrante de tropa transportada em navios escoltados por navios de guerra. § 3º A prova de ter servido em Zona de Guerra não autoriza o gôzo das vantagens previstas nesta Lei, ressalvado o preceituado no art. 177, § 1º, da Consti-
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tuição do Brasil de 1967, e o disposto no § 2º do art. 1º desta Lei. Para fins dos benefícios previstos no art. 53 do ADCT, o STJ ampliou o conceito de ex-combatente, decidindo: “A Terceira Seção desta Corte Superior de Justiça também firmou entendimento na vertente de que qualifica-se, ainda, como ex-combatente todo aquele que haja deslocado da sua unidade para fazer a vigilância e o patrulhamento da costa em defesa do litoral brasileiro, sem que efetivamente tenha participado da Segunda Guerra Mundial no Teatro de Operações da Itália, bem como o integrante da Marinha Mercante Nacional que tenha participado de pelo menos duas viagens em zonas de ataques submarinos, no período de 22.03.1941 a 08.05.1945 (ex vi art. 2º da Lei 5.698/71)”. Não obstante tal ampliação, a condição de ex-combatente não é presumível. Ela deve ser comprovada, em regra, pelo autor, porque tem ele o ônus de comprovar os fatos constitutivos do seu direito (art. 373, I, do CPC). No caso dos autos, contudo, os documentos adunados não demonstram que o requerente se enquadre em qualquer das hipóteses legalmente previstas para o seu enquadramento no conceito de ex-combatente. Conforme dito pela parte autora na sua inicial, o seu genitor, Manuel Eduardo da Fonseca, faleceu em 15/03/1941, quando era tripulante no navio SANTA CLARA, desaparecido na costa da Flórida, EUA, durante a 2ª Guerra Mundial, ressaltando que o seu nome e do navio que tripulava estariam registrados no Memorial dos Pracinhas, mantido pelo Exército Brasileiro no Aterro do Flamengo, no Rio de Janeiro. A União trouxe aos autos informações da Marinha do Brasil, por meio de sua Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, do qual se infere que, em pesquisa junto ao Tribunal Marítimo (TM), foi verificada a existência de processo, n° 522, que reporta a existência do Navio “NAHUKONA”, que em registro provisório passou a se chamar “SANTA CLARA”, de propriedade da Navebras S/A, constando também a lista de tripulantes de tal embarcação, onde se confirma o nome do Sr. Manoel Eduardo da Fonseca, na condição de Marinheiro. Resta assim demonstrada a condição do genitor do autor como tripulante do navio SANTA CLARA. 225
Contudo, os elementos existentes não demonstram que tal fato poderia classificá-lo como ex-combatente. Aquele mesmo processo do TM indica que o navio em questão desapareceu, presumivelmente, por ação de um ciclone, em zona sujeita a tal fenômeno, não se tratando de um navio torpedeado. Por tal razão, inclusive, nada consta no Arquivo da Marinha em relação a tal embarcação. Observa-se do Acórdão do Processo n° 522 que a proprietária da embarcação representou àquele Tribunal para que fosse instaurado processo que definisse a situação do Navio SANTA CLARA (MAHUKONA), saído em 05/03/41 do porto de Nova Iorque para o de Newports News, daí despachado para o Rio de Janeiro, uma vez que, depois de pedir socorro, não mais emitiu qualquer sinal, supondo-se haver naufragado. Consta ainda que, considerando todos os elementos verificados naqueles autos, resolveu aquele TM declarar o desaparecimento do navio “SANTA CLARA”, presumindo-se a perda total do mesmo, seus tripulantes e do carregamento, quando em viagem de Newports News para o Rio de Janeiro, enquanto navegava em região assolada por um ciclone, não apurada a sua causa, contudo, pela ausência de avisos metereológicos, imposta pelo estado de guerra, reconheceu-se que o navio ficou impossibilitado de manobrar presumidamente, de modo a alcançar o semi-circulo manejável do ciclone. Assim sendo, os elementos existentes não demonstram que o navio SANTA CLARA tenha sido atacado por inimigos, tenha participado de operações bélicas, em comboio de transportes de tropas ou de abastecimentos, ou de missões de patrulha ou de vigilância e segurança como integrante da guarnição de ilhas oceânicas, e tampouco que tenha participado de viagem em zona de ataques submarinos no período de 22.03.1941 a 08.05.1945. Quanto a este último ponto, é de se relembrar que o desaparecimento do navio Santa Clara se deu em 14/03/1941, fora portanto, do período acima destacado, consoante afirmado na inicial como sendo a data de morte do genitor da parte autora, bem como está registrado pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha em suas informações nos presentes autos.
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Também, ao contrário do que afirma o autor, os nomes do seu genitor e da embarcação em questão não se encontram gravados no Monumento Nacional aos Mortos da Segunda Guerra Mundial, conhecido como Memorial aos Pracinhas, consoante atestou o Departamento de Educação e Cultura do Exército. Por fim, os próprios textos trazidos pelo autora indicam certa controvérsia quanto ao desaparecimento do navio SANTA CLARA, não havendo convicção necessária para enquadrar seus tripulantes como ex-combatentes. Ressalte-se que o Decreto-Lei 3.577/41, que dispôs sobre a concessão de benefícios por instituições de previdência social,em caso de morte presumida de seus segurados, assegurou, no seu art. 11, a extensão dos benefícios e indenizações previstos naquele diploma aos tripulantes, ou seus beneficiários, dos navios Santa Clara, Atalaia e Taubaté, mas que não se confundem com os benefícios assegurados aos ex-combatentes. Dessa forma, não há como se reconhecer a condição do genitor do autor como ex-combatente da Segunda Guerra Mundial, como pretendido na presente demanda. Quanto ao pedido de indenização por dano moral, também não tem como ser reconhecido. A uma, por que incide, na espécie, a prescrição quinquenal, consoante defendido pela União em sua contestação (Decreto n 20.910/32, art. 1º). Da análise dos fatos, quanto ao pedido de declaração da condição de ex-combatente do genitor do autor, percebe-se não se tratar a situação do navio SANTA CLARA de caso de omissão quanto à análise de seu desaparecimento, mas, ao contrário, de afastamento da sua ocorrência das situações que poderiam ensejar o enquadramento de sua tripulação como ex-combatentes da Segunda Guerra Mundial. O Processo no Tribunal Marítimo, instaurado em 08/05/1941, que conclui pela causa presumida do desaparecimento do navio SANTA CLARA como a impossibilidade de manobrar de modo a alcançar o semicírculo manejável de ciclone que assolava a área onde navegava, e a edição do Decreto-Lei n° 3.577/41, de 1º/09/1941, assegurando benefícios aos
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tripulantes de tal embarcação benefícios distintos daqueles posteriormente assegurados aos ex-combatentes (e não incluídos como tal nos diplomas subsequentes) datam de mais de 70 anos e somente agora em 2016, pretendeu a parte autora dita reparação, quando já consumada a prescrição quinquenal quanto ao próprio fundo de direito. Destaque-se que aqui não se está analisando pedido de concessão da pensão devida aos ex-combatentes e seus dependentes, em relação à qual a CF/88, ao prevê-la, estabeleceu que poderia ser requerida a qualquer tempo, de forma a não incidir, sobre a mesma a prescrição de fundo de direito.
Mantida, pois, a sentença combatida, em todos os seus termos. Em face do exposto, nego provimento à apelação. Majoração dos honorários sucumbenciais fixados na sentença de 10% para 11% sobre o valor atualizado da causa (art. 85, § 11, do CPC), mantida suspensa a exigibilidade da obrigação, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC. É como voto.
MANDADO DE SEGURANÇA CÍVEL Nº 081355982.2018.4.05.0000-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI Impetrante: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DE PERNAMBUCO - OAB/PE Impetrada: UNIÃO FEDERAL Aut. Coatora: JUÍZO FEDERAL DA 4ª VARA DE PERNAMBUCO Adv./Proc.: DR. ANTÔNIO FARIA DE FREITAS NETO (IMPTE.) EMENTA: PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. ART. 265 DO CPP. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA EXCLUSIVA DA OAB PARA IMPOSIÇÃO DE PENALIDADES AOS ADVOGADOS. INEXISTÊNCIA. SANÇÃO AO ADVOGADO. ABANDONO DO PROCESSO SEM PRÉVIA COMUNICAÇÃO AO JUÍZO. CONFIGURAÇÃO. 228
DESATENDIMENTO A DUAS INTIMAÇÕES. INÉRCIA PARA APRESENTAÇÃO DA APELAÇÃO. RÉ PRESA. MANUTENÇÃO DA MULTA. REDUÇÃO DO VALOR IMPOSTO. CONCESSÃO EM PARTE DA SEGURANÇA. 1. Mandado de segurança impetrado contra ato imputado ao Juízo da 4ª Vara Federal/PE, consubstanciado na aplicação de multa ao advogado, como previsto no art. 265, caput, do CPP, correspondente a 25 (vinte e cinco) salários mínimos, totalizando R$ 23.850,00 (vinte e três mil, oitocentos e cinquenta reais). 2. Constitucionalidade do art. 265, caput, do CPP até que o Supremo Tribunal Federal manifeste-se em contrário. Embora o Conselho Federal da OAB, na ADIN 4.398, alegue a violação ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, em abstrato, por não prever intimação prévia do advogado para se pronunciar sobre o alegado abandono antes da imposição da penalidade, a possibilidade de reconsideração pelo Magistrado ou mesmo a impetração de mandado de segurança – tal como ocorre no presente caso –, afasta a alegação de malferimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Precedentes do STJ. 3. Não obstante a Lei 9.806/94 (Estatuto da Advocacia), no art. 34, XI, caracterize o abandono de causa como infração disciplinar, não há como considerar competência exclusiva da OAB ao estabelecimento de sanções a advogados em face da ocorrência conjunta de uma violação à ampla defesa, passível de caracterização, ainda, como ato atentatório à dignidade da justiça, de forma que, em face da independência entre as instâncias judicial e administrativa no ordenamento jurídico pátrio, não há impedimento a que sejam aplicadas penalidades disciplinares e judiciais pelo mesmo fato. 229
4. Sanção aplicada pela autoridade impetrada após duas intimações dirigidas ao advogado para que, ele, atuante na defesa da ré presa nos autos da ação penal, apresentasse a apelação da sentença condenatória. 5. Apesar de o advogado afirmar que deixou de apresentar o recurso cabível por ter renunciado ao mandato, fato cientificado à ré, não apresentou quaisquer provas quanto à alegação. Caso tivesse efetivamente ocorrido a renúncia, deveria o advogado ter comunicado tal fato ao Juízo, para se resguardar e para preservar o regular trâmite processual, o que deixou de fazer no presente caso, de forma a fluir em branco o prazo para interpor apelação criminal. 6. O abandono sem as devidas comunicações compromete o bom andamento do processo e causa prejuízo aos princípios constitucionais da ampla defesa do réu e da celeridade do processo. Por essa razão, o fim do exercício da atividade do advogado deve ser comunicado não apenas ao réu, mas também ao Juiz, de forma a justificar a impossibilidade do causídico de continuar a participar do processo no qual exerce o mandato, nos termos do art. 112 do CPC/2015, aplicado subsidiariamente ao CPP. 7. Inexistência de ilegalidade ou abuso de poder no ato coator, uma vez que fulcrada a decisão atacada no art. 265, caput, do CPP, o qual faculta ao magistrado aplicar multa ao defensor, em caso de desídia, sem qualquer motivação, exatamente como ocorreu no caso concreto. Precedentes do egrégio STJ. 8. Ausente o recurso cabível, foi emitida certidão do trânsito em julgado do processo criminal, o que tornaria definitiva a condenação. Apenas extemporaneamente a DPU interpôs apelação, após ter realizado uma visita à colônia penal feminina, ocasião em que a ré afirmou desejar recorrer da sentença e não ter advogado constituído. 230
9. Considerando que, apesar de extemporâneo, o recurso cabível interposto pela DPU foi recebido, não houve dano à ré. Tal fato, embora não seja o suficiente para excluir a pena de multa, é suficiente para reduzi-la. Redução da multa para o montante de 10 (dez) salários mínimos. Concessão, em parte, da segurança. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que figuram como partes as acima identificadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, conceder, em parte, a Segurança, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 30 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Mandado de segurança com pedido liminar impetrado pela Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Pernambuco (OAB/ PE) contra ato imputado ao Juízo da 4ª Vara Federal/PE, consubstanciado na aplicação de multa ao advogado Carlos Roberto Alexandre dos Santos, como previsto no no art. 265, caput, do CPP, correspondente a 25 (vinte e cinco) salários mínimos, totalizando R$ 23.850,00 (vinte e três mil, oitocentos e cinquenta reais). Depreende-se dos autos que a sanção foi aplicada pela autoridade impetrada após duas intimações, sem resposta, dirigidas ao advogado, para que, na qualidade de advogado de defesa de ré presa nos autos da Ação Penal 0817386-67.2017.4.05.8300, apresentasse o recurso de apelação. Na inicial da ação mandamental, conforme relatório constante dos autos (Id. 4050000.12349312) o impetrante aduziu em síntese, a existência de prestação efetiva de serviços por parte do advogado, que teria deixado de patrocinar a causa após a cliente recusar a continuidade dos serviços em face da impossibilidade de 231
pagamento do valor dos honorários, tendo o causídico instruído a ré a contatar a Defensoria Pública da União para a sua defesa, o que alega ter sido feito pela irmã da custodiada. Sustenta a ilegalidade da multa aplicada no caso concreto, tendo em vista que ainda se encontra em trâmite uma ADIN no Supremo Tribunal Federal, distribuída sob o nº 4.398, proposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados Do Brasil - CFOAB que defende a inconstitucionalidade do artigo 265 do Código de Processo Penal, bem como a impossibilidade de imposição de multa a advogado no exercício de sua profissão por Magistrado, por se tratar de competência exclusiva da OAB. O impetrante requer a concessão de liminar para que seja determinada a suspensão da decisão atacada, e no mérito, a revogação da multa aplicada. Sem informações da autoridade dita coatora. Instado a se manifestar, o Ministério Público Federal opinou pela concessão, em parte, da ordem, afirmando, inicialmente, a necessidade da manutenção da multa, tendo em vista a ausência de prova de que, após intimado, o advogado Carlos Roberto Alexandre dos Santos tenha contatado a ré e esta dispensara os seus serviços, ressaltando que mesmo se considerada a alegação do causídico acerca da rejeição de seus serviços, seria necessário, para os fins de direito, que ele comunicasse nos autos o afastamento, seja por renúncia ou por substituição, o que não ocorreu no presente caso. Todavia, ressaltou que independentemente da desídia do advogado não houve dano à ré, sendo desproporcional o grau de responsabilidade e das circunstâncias fáticas presentes no caso, sendo favorável a uma redução da multa - Id. 4050000.13345214. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI (Relator): Cuida-se de Mandado de Segurança impetrado contra ato do Juízo da 4ª Vara Federal/PE, consubstanciado na aplicação de 232
multa, com previsão no art. 265, caput, do CPP, correspondente a 25 (vinte e cinco) salários mínimos. Inicialmente, é de se reconhecer a competência desta egrégia Turma para o processamento e exame do Mandado de Segurança, que se vota contra ato de Juiz Federal, a teor do art. 8º, III, do Regimento Interno deste Tribunal. No que toca à arguição de inconstitucionalidade, observa-se que, até que o Supremo Tribunal Federal manifeste-se em contrário, o disposto no art. 265, caput, do CPP encontra-se vigente. No caso, o Conselho Federal da OAB em ADIN nº 4.398, argui a violação ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa, em abstrato, por não prever intimação prévia do advogado para se pronunciar sobre o alegado abandono antes da imposição da penalidade. Todavia, como já se pronunciou o STJ, inclusive em precedente transcrito ao final do voto, a possibilidade de reconsideração pelo Magistrado ou mesmo a impetração de mandado de segurança – tal como ocorre no presente caso – afasta a alegação de malferimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa. Também não assiste razão ao Impetrante quanto a considerar competência exclusiva da OAB a imposição de sanções a advogados. Não obstante a Lei 9.806/94 (Estatuto da Advocacia), no art. 34, XI, caracterize o abandono de causa como infração disciplinar, ocorre conjuntamente uma violação à ampla defesa, passível de caracterização como ato atentatório à dignidade da justiça, de forma que, em face da independência entre as instâncias judicial e administrativa no ordenamento jurídico pátrio, não há impedimento a que sejam aplicadas penalidades disciplinares e judiciais pelo mesmo fato. O dispositivo legal em que se amparou o ato apontado como coator tem a seguinte redação: Art. 265. O defensor não poderá abandonar o processo senão por motivo imperioso, comunicado previamente o juiz, sob pena de multa de 10 (dez) a 100 (cem) salários mínimos, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. 233
§ 1º A audiência poderá ser adiada se, por motivo justificado, o defensor não puder comparecer. § 2º Incumbe ao defensor provar o impedimento até a abertura da audiência. Não o fazendo, o juiz não determinará o adiamento de ato algum do processo, devendo nomear defensor substituto, ainda que provisoriamente ou só para o efeito do ato.
Como o advogado exerce função socialmente relevante, essencial à administração da justiça (art. 133 da Constituição Federal), a renúncia ao mandato que lhe foi outorgado deve ser justificada, impondo-se a ele o dever de comunicar seu afastamento à parte e ao juiz. O abandono sem as devidas comunicações compromete o bom andamento do processo e, causa prejuízo aos princípios constitucionais da ampla defesa do Réu e da celeridade do processo. Por essa razão, o fim do exercício da atividade do advogado deve ser comunicada não apenas ao Réu, mas também ao Juiz, de forma a justificar a impossibilidade do causídico de continuar a participar do processo no qual exerce o mandato. Cumpre registrar que o art. 112 do CPC/2015, aplicado subsidiariamente ao CPP, exige que a parte seja devidamente cientificada diretamente pelo advogado acerca da renúncia, a fim de promover o andamento do processo e garantir o respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa. Em seguida, o advogado deve comunicar a renúncia do mandato ao Juízo, apresentado as devidas comunicações feitas à Ré, o que não ocorreu no presente caso. Importa ao caso em exame, todavia, saber se a ausência de comunicação ao Juízo acerca da renúncia ao mandato, que culminou na ausência de apresentação da apelação mesmo intimado duas vezes para fazê-lo, protagonizada pelo ora representado, como constituinte da ré no referido feito criminal, materializa-se como abandono da causa, dando ensejo, por conseguinte, à imposição da citada penalidade pecuniária e, por outro lado, em se considerando que houve abandono, se este foi devidamente justificado. Colhe-se dos autos que o causídico, intimado da sentença condenatória, via PJe, em 13/12/2007, deixou fluir em branco o 234
prazo para apelação, que se iniciou apenas em 17/01/2018, data em que ocorreu a intimação da ré presa, última intimação da defesa, de acordo com o Id. 4050000.12349359. A decisão recorrida ressalta que o advogado ainda teve nova oportunidade, tendo em vista que foi expedida, por equívoco da Secretaria, uma nova intimação em seu nome no dia 10/02/2018, de forma que o prazo recursal poderia ser considerado como iniciado no dia 12/02/2018 e findo em 16/02/2018, sem a interposição do recurso cabível - Id. 4050000.12349359. Apesar de o advogado afirmar que deixou de apresentar o recurso cabível por ter renunciado ao mandato, fato cientificado à ré, não apresentou quaisquer provas quanto à alegação. Observe-se que deveria ele ter comunicado a renúncia ao Juízo, para se resguardar e para preservar o regular trâmite processual. Além de assim não proceder, deixou fluir em branco o prazo para interpor apelação criminal. Ausente o recurso cabível, foi emitida certidão do trânsito em julgado do processo criminal, o que tornaria definitiva a condenação. Apenas no dia 22/02/2018 a DPU interpôs apelação após ter realizado uma visita à Colônia Penal Feminina, ocasião em que a ré afirmando desejar recorrer da sentença e não ter advogado constituído. Ressalte-se que a rigor, o recurso da DPU sequer poderia ter sido recebido, porque protocolizado após o trânsito em julgado da sentença condenatória. Porém, como afirmou a decisão impugnada, em se tratando de réu preso com advogado constituído, para a garantia da ampla defesa (defesa técnica + ampla defesa), tem a jurisprudência majoritária entendido que, se o advogado constituído, regularmente intimado, não interpõe apelação, deve-se intimar o réu preso para dizer se pretende recorrer e, na hipótese afirmativa, para, em querendo, constituir novo advogado ou vir a ser assistido pela defensoria (Id. 4050000.12349359). Portanto, diante da inércia reiterada do advogado, mesmo intimado duas vezes para o ato processual, o Juiz do 1º grau decidiu, motivadamente, aplicar a multa do art. 265 do CPP. 235
Sendo assim, inexiste qualquer ilegalidade ou abuso de poder no ato coator, uma vez que fulcrada no art. 265, caput, do CPP, o qual faculta ao magistrado aplicar multa ao defensor, em caso de desídia, sem qualquer motivação, exatamente como ocorreu no caso concreto. Destaca-se, em sentido semelhante ao aqui perfilhado, os seguintes julgados do Superior Tribunal de Justiça: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ABANDONO DO PROCESSO. ART. 265 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. IMPOSIÇÃO DE MULTA. CONSTITUCIONALIDADE. COMPETÊNCIA DISCIPLINAR DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. USURPAÇÃO NÃO VERIFICADA. SANÇÃO DE NATUREZA PROCESSUAL. DESCONSTITUIÇÃO DA DEFESA. RESPONSABILIDADE DO ADVOGADO DE COMUNICAR AO JUÍZO. DESPROPORCIONALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça reconhece a constitucionalidade do art. 265 do Código de Processo Penal. Desta feita, não há qualquer óbice à aplicação da penalidade prevista no dispositivo em comento. 2. A multa do art. 265 do Código de Processo Penal tem natureza processual e não impede eventual censura por parte da Ordem dos Advogados do Brasil, não havendo que se falar em usurpação da competência disciplinar do órgão de classe ou em dupla punição pelo mesmo fato. 3. É cabível a aplicação da multa por abandono do processo quando o causídico não comunicar previamente ao juiz que deixou de patrocinar a causa. Precedentes. 4. Não prospera a tese de desproporcionalidade da multa aplicada, tendo em vista que a sanção foi fixada no mínimo legal e a alegada ausência de condições financeiras para arcar com a penalidade não pode ser analisada na via mandamental, por demandar indevida dilação probatória. 5. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no RMS 51.521/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 23/04/2019, DJe 07/05/2019)
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PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA COMINADA A ADVOGADO POR ABANDONO DO PROCESSO. ART. 265 DO CPP. CONSTITUCIONALIDADE. CAUSÍDICO INTIMADO DUAS VEZES PARA APRESENTAR AS RAZÕES DA APELAÇÃO. PRAZO LEGAL TRANSCORRIDO IN ALBIS. MOTIVO IMPERIOSO. NÃO OCORRÊNCIA. APLICAÇÃO DA PENALIDADE. POSSIBILIDADE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Este Superior Tribunal de Justiça firmou entendimento pela constitucionalidade do art. 265 do CPP, cuja aplicação não acarreta ofensa ao contraditório e à ampla defesa, mas representa, isto sim, estrita observância do regramento legal. 2. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o não comparecimento de advogado a audiência sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível para sua ausência, pode ser qualificado como abandono de causa que autoriza a imposição da multa prevista no art. 265 do CPP. 3. No caso em exame, o advogado, intimado por duas vezes, deixou de oferecer contrarrazões de apelação sem apresentar prévia ou posterior justificativa plausível, causando verdadeira afronta ao devido processo legal e à ampla defesa, paralisando a tramitação processual do feito, além de causar prejuízo ao réu, em razão da demora na remessa dos autos ao Tribunal, o que só ocorreu após cerca de 10 meses da prolação da sentença condenatória. 4. Hipótese em que o agravante não trouxe nenhum argumento apto a justificar a inversão do julgado. Ao contrário do alegado, não há falar em ofensa aos princípios da ampla defesa e do contraditório diante da previsão legal expressa da multa processual prevista no art. 265 do CPP. 5. Esta Corte, em diversas decisões, entende que não apresentadas as razões pelo causídico nomeado pelo réu, deverá ele ser intimado para nomear novo patrono e, caso indique ou permaneça inerte, deverá ser nomeada a Defensoria Pública ou Defensor Dativo, para a realização do ato, que, portanto, não pode ser considerado indispensável. (AgRg no RMS 57.637/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/8/2018, DJe 6/9/2018)
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6. Agravo não provido. (STJ - AgRg no RMS 58.367/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2019, DJe 25/03/2019) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. MULTA POR ABANDONO DO PROCESSO. ART. 265 DO CPP. ADVOGADO INTIMADO POR DUAS VEZES. COMPROVAÇÃO DE IMPEDIMENTO EM RAZÃO DE ESTADO DE SAÚDE. INEXISTÊNCIA. ABANDONO CONFIGURADO. IMPOSIÇÃO DA MULTA. ADEQUAÇÃO. RAZÕES DO APELO. NECESSIDADE DE APRESENTAÇÃO. RECONHECIDA. CONSTITUCIONALIDADE DO ART. 265 DO CPP. RECONHECIMENTO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. I - No caso, restou demonstrado que o advogado, mesmo intimado por duas vezes para apresentar as razões do recurso de apelação, quedou-se inerte, restando demonstrado o abandono processual, a determina a aplicação da multa prevista no art. 265 do CPP. II - Não se comprovou o alegado estado debilitado de saúde do advogado, que em tese poderia afastar a conclusão de que agiu com desídia. Vale destacar que no mandado de segurança, eventual direito líquido e certo deve ser comprovado de plano. III - Esta Corte, em diversas decisões, entende que não apresentadas as razões pelo causídico nomeado pelo réu, deverá ele ser intimado para nomear novo patrono e, caso indique ou permaneça inerte, deverá ser nomeada a Defensoria Pública ou Defensor Dativo, para a realização do ato, que, portanto, não pode ser considerado indispensável. IV - Firmou-se nesta Corte Superior o entendimento de que a sanção determinada pelo art. 265 do CPP não acarreta ofensa ao contraditório e à ampla defesa, mas representa estrita observância ao regramento legal. Não há que se falar, portanto, em inconstitucionalidade da norma. Agravo regimental desprovido. (STJ - AgRg no RMS 57.637/SP, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 23/08/2018, DJe 06/09/2018)
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Todavia, como salientou a Procuradoria Regional da República, tendo em vista que o recurso cabível foi devidamente interposto, não houve dano à ré. Tal fato, embora não seja o suficiente para excluir a pena de multa, é suficiente para reduzi-la, tendo em vista que o recurso cabível acabou por ser recebido em benefício da ré. Com essas considerações, concedo, em parte a segurança, apenas para reduzir o valor da multa para 10 (dez) salários mínimos. Oficie-se com urgência ao Juízo de origem, para as providências de estilo. É como voto.
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COMPOSIÇÃO DA QUARTA TURMA
Desembargador Federal Manoel Erhardt Presidente da Quarta Turma Período: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Edilson Nobre
Desembargador Federal Rubens Canuto
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 080742404.2018.4.05.8100-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLI VEIRA ERHARDT Apelante: INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ Apelada: ANA KARINE SANTIAGO BESSA Adv./Proc.: DR. EDMILSON BARBOSA FRANCELINO FILHO (APDA.) EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. CONCURSO PÚBLICO. FALECIMENTO DO CANDIDATO NOMEADO. CONTRATAÇÃO DE PROFESSOR TEMPORÁRIO NA VALIDADE DO CONCURSO. PRETERIÇÃO ARBITRÁRIA. EXPECTATIVA DE DIREITO QUE SE CONVERTE EM DIREITO SUBJETIVO. APELAÇÃO E REMESSA NECESSÁRIA IMPROVIDAS. 1.Trata-se de remessa necessária e apelação interposta contra sentença que concedeu a segurança nos termos em que requerida na inicial, para determinar à autoridade impetrada que proceda à nomeação e posse da impetrante no cargo de professor do IFCE, Subárea: Geotécnica, Campus Morada Nova, em preenchimento à vacância do cargo ocupado pelo Professor Sérgio Batista da Silva, falecido em 17/08/2017. 2. É pacífico o entendimento de que candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas é mero detentor de expectativa de direito à nomeação no período de validade do certame, vez que compete à Administração, no exercício de seu poder discricionário, avaliar a conveniência e a oportunidade de novas convocações durante a validade do certame. 3. O Supremo Tribunal Federal, sob o regime de repercussão geral no RE 837.311/PI (Tema 784), julgado em 09.12.2015, assentou que não 243
haverá discricionariedade da Administração, configurando-se direito subjetivo à nomeação, nas seguintes hipóteses excepcionais: (a) quando a aprovação ocorrer dentro do número previsto no edital (RE 598.099); (b) quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); (c) quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração. 4. A impetrante foi aprovada em 2ª lugar no concurso público para provimento do cargo efetivo de Professor da Subárea de Geotécnica - Ampla Concorrência, que previu inicialmente uma única vaga, sendo nomeado o primeiro colocado no concurso, que faleceu no dia 17.08.2017, dois meses após a posse. A autoridade coatora, diante da vacância do cargo, procedeu à contratação de professor temporário, pelo período de 15.01.2018 a 14.01.2018. 5. Embora a parte impetrante tenha sido aprovada fora do número de vagas previstas no edital (2º lugar), a contratação de professor temporário em face do falecimento do candidato nomeado (1º lugar) evidencia preterição arbitrária e imotivada por parte da Administração Pública. Com efeito, no caso concreto, a expectativa de direito convolou-se em direito subjetivo à nomeação diante da inequívoca necessidade de pessoal consubstanciada na contratação de professor temporário, restando inequívoca a preterição arbitrária da impetrante. 6. Apelação e remessa necessária improvidas. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima mencionadas, acordam os Desembargadores Federais 244
da Quarta Turma do TRF da 5ª Região, por unanimidade, em negar provimento à apelação e à remessa necessária, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Recife, 31 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT: 1. Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA DO CEARÁ - IFCE contra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara/CE que, nos autos do Mandado de Segurança nº 0807424-04.2018.4.05.8100, concedeu a segurança nos termos em que requerida na inicial, tornando definitivo os efeitos da liminar deferida para determinar à autoridade impetrada que proceda à nomeação e posse da impetrante no cargo de professor do IFCE, Subárea: Geotécnica, Campus Morada Nova, em preenchimento à vacância do cargo ocupado pelo Professor Sérgio Batista da Silva, falecido em 17/08/17. 2. Alega a apelante, em apertada síntese, que a contratação de professor temporário não importa preterição de seu direito à nomeação já que, além de ser providência autorizada pela própria Constituição Federal, importa um vínculo jurídico diverso com a Administração Pública. 3. Apresentadas as contrarrazões. 4. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT (Relator): 1. Trata-se de remessa necessária e apelação interposta pelo INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA 245
DO CEARÁ - IFCE contra decisão proferida pelo MM. Juiz Federal da 1ª Vara/CE que, nos autos do Mandado de Segurança nº 0807424-04.2018.4.05.8100, concedeu a segurança nos termos em que requerida na inicial, tornando definitivo os efeitos da liminar deferida para determinar à autoridade impetrada que proceda à nomeação e posse da impetrante no cargo de professor do IFCE, Subárea: Geotécnica, Campus Morada Nova, em preenchimento à vacância do cargo ocupado pelo Professor Sérgio Batista da Silva, falecido em 17/08/2017. 2. A impetrante foi aprovada em 2ª lugar no concurso público para provimento do cargo efetivo de Professor da Subárea de Geotécnica - Ampla Concorrência, que previu inicialmente uma única vaga para o referido cargo, sendo nomeado o primeiro colocado no concurso, que faleceu no dia 17.08.2017, dois meses após a posse. 3. A autoridade coatora, diante da vacância do cargo, procedeu a contratação de professor temporário, pelo período de 15.01.2018 a 14.01.2019. 4. É pacífico o entendimento de que candidato aprovado em concurso público fora do número de vagas é mero detentor de expectativa de direito à nomeação no período de validade do certame, vez que compete à Administração, no exercício de seu poder/dever discricionário, avaliar a conveniência e a oportunidade de novas convocações durante a validade do certame. 5. Todavia, o col. Supremo Tribunal Federal, sob o regime de repercussão geral no RE 837.311/PI (Tema 784), julgado em 09.12.2015, assentou que não haverá discricionariedade da Administração, configurando-se direito subjetivo à nomeação, nas seguintes hipóteses excepcionais: (a) quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas previsto no edital (RE 598.099); (b) quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação (Súmula 15 do STF); (c) quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos aprovados fora das vagas de forma arbitrária e imotivada por parte da administração.
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6. Nessa senda, embora a parte impetrante tenha sido aprovado fora do número de vagas previstas no edital (2º lugar), a contratação de professor temporário em face do falecimento do candidato nomeado (1º lugar) evidencia preterição arbitrária e imotivada por parte da Administração Pública. Com efeito, no caso concreto, a expectativa de direito convolou-se em direito subjetivo à nomeação diante da inequívoca necessidade de pessoal consubstanciada na contratação de professor temporário, restando inequívoca a preterição arbitrária da impetrante. 7. Do exposto, nego provimento à apelação e à remessa oficial. 8. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0805793-57.2016.4.05.8500-SE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Apelante: UNIÃO FEDERAL Apelado: TIAGO ALMEIDA DO NASCIMENTO Adv./Proc.: DR. HENRIQUE MAGNO OLIVEIRA DE BRITO E OUTRO EMENTA: ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO DO EXÉRCITO. CONTRADIÇÃO DA CONDUTA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. PROIBIÇÃO DO VENIRE CONTRA FACTUM PROPRIUM. PEDIDO DE VACÂNCIA. DIREITO À RECONDUÇÃO AO CARGO DE ORIGEM RECONHECIDO. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ASSÉDIO MORAL. ALEGAÇÃO DE PERSEGUIÇÃO, DISCRIMINAÇÃO E CONSTRANGIMENTO. NÃO COMPROVAÇÃO. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. A doutrina dos atos próprios constitui verdadeira ferramenta conceitual a que recorrem os aplicadores do direito para afastar pretensões contraditórias que, justamente por contrariarem 247
uma conduta prévia que gerou em outrem confiança, ferem o princípio da boa fé. 2. Na espécie, o Exército Brasileiro, ao deferir o pedido de vacância formulado pelo postulante (servidor público não estável), criou com tal deferimento a presunção de ser possível a sua recondução ao cargo (conduta prévia), de modo que ao negar a esse mesmo servidor os efeitos da vacância anteriormente deferida (conduta posterior), ao argumento de que não teria estabilidade para ser reconduzido no cargo, revela conduta contraditória da Administração castrense que legitima a invocação da doutrina dos atos próprios, que nada é mais que a aplicação da proibição do venire contra factum proprium. 3. Dessa maneira, deve ser declarado nulo o ato que indeferiu o pedido de recondução ao cargo formulado pelo autor em face do Exército, devendo ser reconhecido, por conseguinte, o direito do autor de ser reintegrado ao cargo de Técnico em Tecnologia Militar de Carpintaria no Exército com o pagamento das vantagens pecuniárias desde a data do seu requerimento de recondução ao cargo até a data de sua efetiva reintegração, abatendo os valores recebidos na UFS no mesmo período. 4. Para a configuração do dano moral, entendido como aquele “que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor” (RE 387.014-AgR), faz-se necessário que o evento danoso gere prejuízos à imagem da vítima, a seus direitos de personalidade, ou cause abalos psicológicos que fujam do conceito de meros dissabores. 5. O assédio moral – diferente do mero desgaste da relação laboral – constitui situação humilhante e constrangedora, que se repete de forma habitual no ambiente de trabalho, reveladora de condutas negativas do chefe ou superior hierár248
quico dirigidas a um ou mais subordinados, culminando numa experiência subjetiva que, dada a sua gravidade e habitualidade, acarreta prejuízos emocionais para a vítima e, em última análise, para toda a organização. Precedentes do STJ. 6. Na espécie, não houve a demonstração, por prova material corroborada pela prova testemunhal, de que agende do Exército Brasileiro tenha praticado atos ilícitos ou discriminatórios, caracterizadores do assédio moral, em face do autor, e de que tenham violado os seus direitos da personalidade, a ensejar a pleiteada indenização por danos morais. 7. Apelação parcialmente provida, apenas para afastar a condenação da União por danos morais. Sucumbência recíproca reconhecida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Recife, 7 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR- Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: A União interpõe recurso de apelação em face da sentença que julgou procedente o pedido inicial, para: a) determinar a reintegração do autor, Sr. Tiago Almeida do Nascimento, ao cargo de Técnico em Tecnologia Militar de Carpintaria no Exército, com o pagamento das vantagens pecuniárias, 249
desde a data do seu requerimento de recondução ao cargo até a data de sua efetiva reintegração, abatendo os valores recebidos na UFS no mesmo período; e b) condenar a parte ré ao pagamento de R$ 20.000,00 (vinte mil reais), a título de indenização por danos morais. Às suas razões, a União impugna preliminarmente o valor atribuído à causa, nos termos do art. 337, inciso III, do CPC/2015, requerendo que a parte autora seja intimada para trazer aos autos a memória de cálculo que justifique o valor da causa indicado. A seguir, após breve relato fático, alega que se mostra falaciosa a argumentação ventilada pelo autor em sua peça inaugural de que foi a pressão psicológica sofrida no Exército que o impediu de discernir no momento em que formulou o seu pedido de vacância. Dessa forma, defende a higidez do ato administrativo que exonerou o autor, negando-lhe o pedido de recondução no cargo, porquanto foi praticado sem qualquer vício de consentimento ou de objeto. Prossegue, aduzindo que o servidor em estágio probatório pode formular pedido de vacância, só que nesse caso a vacância terá o mesmo efeito da exoneração, razão pela qual afirma que, no presente caso, não há motivo para se declarar nulo o ato que negou a recondução (retorno) do autor no cargo de Técnico em Tecnologia Militar de Carpintaria no Exército. Assevera que não é possível constatar qualquer indício de perseguição exercida pelo Capitão Fernando Huss, com quem afirma o autor haver se desentendido no final do ano de 2012, ou outro ato que significasse a prática de assédio moral, capaz de justificar o pagamento de indenização por dano moral. Afirma, ainda, que, na verdade, o autor sempre teve interesse em voltar para sua terra natal (Aracajú/SE) e que teria sido esse o motivo – e não a suposta coação moral – que o teria motivado a realizar novo concurso público e pedir vacância do seu cargo no Exército. Antes de ultimar, na hipótese de ser mantida a condenação em danos morais, requer a minoração do valor da verba indenizatória, ao argumento de que se mostra excessiva, para que não se converta em enriquecimento sem causa. 250
Requer, ainda eventualmente, que seja aplicado o entendimento do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.238.344, no qual se entendeu que a Administração Pública não deve ser condenada ao pagamento de remuneração e demais vantagens em caráter retroativo, enquanto o servidor não se encontrava em efetivo exercício do respectivo cargo, sob pena de novamente haver enriquecimento sem causa. Na sequência, a parte autora apresentou contrarrazões, defendendo inicialmente o não cabimento do recurso, ao argumento de que não houve a impugnação específica dos fundamentos da sentença. A seguir, rebate as alegações recursais, sustentando a nulidade do ato impugnado por vício quanto ao seu objeto, posto que a Administração, além de deferir pedido de vacância contra disposição legal, induziu-o em erro, gerando a falsa expectativa de possível retorno ao cargo. Também pugna pela manutenção da condenação por danos morais, ao argumento de que estão devidamente comprovados no feito o assédio moral e a perseguição sofrida. Requer, pois, a manutenção da sentença. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (Relator): Não há que se falar em não conhecimento do recurso de apelação interposto, por ausência de impugnação específica dos fundamentos da sentença. Ao contrário do alegado pelo recorrido em suas contrarrazões, não houve ofensa ao princípio da dialeticidade, porque a recorrente impugnou os fundamentos da sentença, devolvendo ao Tribunal a matéria ali discutida, de modo que a apelação se afigura apta à pretendida reforma da sentença. Rejeito, pois, a preliminar suscitada. Também não é o caso de se acolher a preliminar de impugnação ao valor da causa. Como fora devidamente explicitado na 251
sentença recorrida, é possível se concluir que o valor atribuído à causa pelo demandante refere-se à quantia que ele deixou de aferir quando esteve afastado do Exército, somada ao pedido de indenização por dano moral, em harmonia com a causa de pedir e o pedido. Inexiste, pois, a alegada discrepância na importância atribuída à causa, pois condizente com o proveito econômico buscado pelo autor, nem se mostra necessária a elaboração de qualquer planilha. Ao mérito. A matéria devolvida para análise nesta Corte recursal cinge-se em saber se o autor, servidor público do Exército, ocupante do cargo de Técnico de Tecnologia Militar/Carpintaria e Marcenaria, tem direito a ser reconduzido no cargo e de ser indenizado por dano moral. O principal argumento expendido pelo postulante, ora recorrido, em prol do acolhimento da sua pretensão de retorno ao referido cargo técnico, é que deve ser reconhecida a nulidade do ato administrativo que lhe concedeu a vacância por posse em outro cargo inacumulável e, por conseguinte, a nulidade do ato que indeferiu a sua recondução. Já no tocante a sua pretensão indenizatória, argumenta que sofreu violação ao seu direito à personalidade por assédio moral, praticado pelo Capitão do Exército, razão pela qual entende que estaria configurada a responsabilidade civil do Estado no caso. Em contrapartida, resistindo a tais pretensões, a União defende a legalidade da conduta do Exército, ressaltando a inexistência de qualquer vício nos atos administrativos impugnados, bem como de qualquer perseguição ou assédio moral praticado por parte de seu agente, capaz de ensejar a declaração da nulidade pleiteada ou dever de indenizar. Pois bem. Ao se descortinar a presente controvérsia, vem à ribalta um típico caso de contradição de conduta (da Administração Pública), sintetizada no aforismo latino venire contra factum proprium non valet, fenômeno das relações que, nas sendas da doutrina jurídica ganhou contornos teóricos bem definidos, a exemplo da assim 252
denominada “doctrina de los próprios actos”, no direito espanhol e argentino, ou do instituto estoppel, na órbita do common law. A doutrina dos atos próprios ensina, conforme lição de Héctor A. Mairal, que a ninguém é lícito fazer valer um direito em contradição com sua conduta anterior, constituindo, portanto, verdadeira ferramenta conceitual a que com frequência recorrem os aplicadores do direito para afastar pretensões contraditórias, as quais, justamente por contrariarem uma conduta prévia, ferem a boa fé e vulneram a confiança de terceiros1. Dessa maneira – esclarece Héctor A. Mairal – o efeito da aplicação da doutrina dos atos próprios é exatamente impedir que a pretensão contraditória (conduta posterior) produza seus efeitos, de modo a garantir, por assim dizer, uma coerência no comportamento. Nesse passo, a existência de uma conduta anterior e de outra futura, emanadas da mesma pessoa e contraditórias entre si, aliada ao fato de inexistir norma que autorize tal contradição, constituem, portanto, o cenário adequado para a aplicação dessa doutrina. E é justamente o que se verifica na espécie, como já dito linhas atrás. O Exército, ao deferir o pedido de vacância formulado pelo postulante, servidor público não estável, criou com tal deferimento a presunção de ser possível a sua recondução ao cargo (conduta prévia), razão pela qual ao negar depois a esse mesmo servidor os efeitos da vacância anteriormente deferida (conduta posterior), provou uma situação contraditória, malferindo a boa-fé e a confiança que inicialmente se instaurou na relação, legitimando, portanto, a invocação da proibição do venire contra actum proprio. Deveras, como bem ressaltou o douto magistrado sentenciante, a Administração, ao conceder o pedido de vacância ao autor numa situação em que seria impossível o seu retorno, acabou por violar o princípio da boa-fé, cujo fundamento está intimamente atrelado ao estado de confiança e segurança jurídica de seus administra-
1 MAIRAL, Héctor A. La doctrina de los propios actos y la Administración Pública. Buenos Aires. Ediciones Depalma, 1994, p. 4-5.
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dos. Esta segurança jurídica, por sua vez, baseia-se na relação de confiabilidade entre administrador e administrados, gerando um mínimo de certeza acerca de fatos jurídicos futuros. Nesse passo, invocando a doutrina dos atos próprios em face da Administração Castrense, deve ser declarado nulo o ato administrativo que indeferiu o pedido de recondução ao cargo formulado pelo autor e, por conseguinte, deve ser reconhecido o seu direito de ser reintegrado ao cargo de Técnico em Tecnologia Militar de Carpintaria no Exército, com o pagamento das vantagens pecuniárias, desde a data do seu requerimento de recondução ao cargo até a data de sua efetiva reintegração, abatendo os valores recebidos na UFS no mesmo período, tal como fora reconhecido na sentença recorrida. Cumpre ressaltar, ainda, que a anulação de ato administrativo de desligamento de servidor opera efeitos ex tunc, sendo cabível indenização referente aos vencimentos devidos, relativamente ao período compreendido entre a concretização do ato anulado e a efetiva reintegração. Nesse sentido se firma a jurisprudência desta Corte Regional e dos Tribunais superiores, conforme demonstram os seguintes precedentes, os quais apreciaram casos fáticos semelhantes ao presente, senão vejamos: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO ORDINÁRIA DE COBRANÇA INDIVIDUAL. SERVIDOR ESTÁVEL EXONERADO. REINTEGRAÇÃO. EFEITOS EX TUNC. INDENIZAÇÃO DEVIDA. ENRIQUECIMENTO ILÍCITO E DANO AO ERÁRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. SITUAÇÃO PROVOCADA PELO APELANTE. ANÁLISE DE LEI LOCAL, REEXAME DE PROVAS, E FUNDAMENTOS INATACADOS. SÚMULAS: 280/STF, 7/STJ E 283/STF. 1. A ofensa a direito local não enseja recurso especial, aplicando-se, por analogia, a Súmula 280 do Supremo Tribunal Federal. 2. Inviável análise de pretensão que demanda o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ. 3. Ausente a impugnação a fundamento suficiente para manter o acórdão recorrido, o recurso especial não merece ser conhecido, por lhe faltar interesse recursal. Inte254
ligência da Súmula 283 do STF, aplicável, por analogia, ao recurso especial. 4. A anulação de ato administrativo de desligamento de servidor opera efeitos ex tunc, sendo cabível indenização referente aos vencimentos devidos, relativamente ao período compreendido entre a concretização do ato anulado e a efetiva reintegração. Precedentes. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1.376.750/AL, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 24/09/2013, DJe 01/10/2013) ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE COBRANÇA. DEMISSÃO DE SERVIDORA MUNICIPAL ANULADA. RETORNO AO STATUS QUO ANTE. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. O entendimento firmado no Tribunal de origem está em sintonia com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual “A decisão que declara a nulidade do ato e determina a reintegração de servidor público ao cargo de origem opera efeitos ex tunc, ou seja, restabelece exatamente o status quo ante, de modo a garantir ao servidor o pagamento integral das vantagens pecuniárias do cargo anteriormente ocupado” (AgRg no REsp 976.306/ES, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 25/10/2010). 2. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1.274.481/MG, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 26/06/2012, DJe 02/08/2012)
Sobre essa questão, registro ainda que não se aplica à presente casuística o entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado no REsp nº 1.238.344, como defende a União. Isso porque nesse precedente foi afastada a condenação da Administração Pública ao pagamento de remuneração e demais vantagens em caráter retroativo nos casos de nomeação tardia de candidatos aprovados em concurso público, situação fática totalmente distinta à presente. Por outro lado, não merece acolhimento a pretensão indenizatória, calcada na ocorrência de suposto assédio moral. 255
Tal pedido se insere no tema da responsabilidade civil do Estado, o qual, por sua vez, traz inserto a ideia de reparação do dano, consubstanciada no dever de assumir ações ou omissões que tenham lesado a esfera jurídica de um terceiro, causando-lhe dano, no campo moral ou material. São pressupostos da responsabilidade civil: a) a prática de uma ação ou omissão ilícita por parte do agente; b) a lesão a um bem jurídico; c) o nexo de causalidade entre o ato praticado – comissivo ou omissivo – e o dano. À míngua dos requisitos caracterizadores da responsabilidade civil, exsurge antijurídica toda e qualquer pretensão de reparação com conteúdo indenizatório, seja ela oriunda de supostos danos morais ou mesmo patrimoniais. Daí, cumpre analisar, com cautela, as circunstâncias fáticas em que ocorreu o evento danoso, para, então, concluir se há ou não a responsabilidade objetiva do Estado. A responsabilização por dano moral, por sua vez, está previsto na Constituição Federal de 1988, entre os direitos e garantias individuais (art. 5º, incisos V e X), consistindo em violação aos direitos de personalidade. Assim sendo, para a configuração do dano moral, entendido como aquele “que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor”2, faz-se necessário que o evento danoso gere prejuízos à imagem da vítima, a seus direitos de personalidade, ou cause abalos psicológicos que fujam do conceito de meros dissabores. Prosseguindo, no particular da controvérsia em apreço, observo que o dano moral que alega o autor ter sofrido trata-se de “assédio moral”, prática indesejada que decorre da relação de
2 EMENTA: CONSTITUCIONAL. RECURSO EXTRAORDINÁRIO: CABIMENTO. INDENIZAÇÃO: DANO MORAL. I. - O dano moral indenizável é o que atinge a esfera legítima de afeição da vítima, que agride seus valores, que humilha, que causa dor. A perda de uma frasqueira contendo objetos pessoais, geralmente objetos de maquiagem da mulher, não obstante desagradável, não produz dano moral indenizável. II. - Agravo não provido. (RE 387.014 AgR, Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 08/06/2004, DJ 25-06-2004 PP-00057 EMENT VOL-02157-05 PP-00968)
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trabalho e, dada a sua particularidade, apresenta contornos caracterizadores bem definidos. Com efeito, tanto a doutrina como a jurisprudência que se está formando acerca do tema, pontuam, com propriedade, ser necessário distinguir aquilo que seria o desgaste natural – e até esperado – das relações de trabalho, de uma situação humilhante e constrangedora, que se repete de forma habitual no ambiente de trabalho e revelam condutas negativas do chefe ou superior hierárquico dirigidas a um ou mais subordinados, culminando numa experiência subjetiva que, dada a sua gravidade e habitualidade, acarreta prejuízos emocionais não só para a vítima, mas também para toda a organização. Dessa forma, a par dessa diferenciação, é possível concluir que um ato isolado de humilhação ou provocação no ambiente de trabalho, por mais reprovável que seja, não configura assédio moral, pois, como já dito, essa prática pressupõe a habitualidade, a repetição sistemática de uma conduta negativa. Enfim, como bem definiu a Ministra Eliana no julgamento do REsp nº 1.286.466/RS3, “o assédio moral, mais do que apenas
3 ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. ASSÉDIO MORAL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ART. 11 DA LEI 8.429/1992. ENQUADRAMENTO. CONDUTA QUE EXTRAPOLA MERA IRREGULARIDADE. ELEMENTO SUBJETIVO. DOLO GENÉRICO. 1. O ilícito previsto no art. 11 da Lei 8.249/1992 dispensa a prova de dano, segundo a jurisprudência do STJ. 2. Não se enquadra como ofensa aos princípios da administração pública (art. 11 da LIA) a mera irregularidade, não revestida do elemento subjetivo convincente (dolo genérico). 3. O assédio moral, mais do que provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é campanha de terror psicológico pela rejeição. 4. A prática de assédio moral enquadra-se na conduta prevista no art. 11, caput, da Lei de Improbidade Administrativa, em razão do evidente abuso de poder, desvio de finalidade e malferimento à impessoalidade, ao agir deliberadamente em prejuízo de alguém. 5. A Lei 8.429/1992 objetiva coibir, punir e/ou afastar da atividade pública os agentes que demonstrem caráter incompatível com a natureza da atividade desenvolvida.
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provocações no local de trabalho – sarcasmo, crítica, zombaria e trote –, é uma campanha de terror psicológico, com o objetivo de fazer da vítima uma pessoa rejeitada. O indivíduo-alvo é submetido a difamação, abuso verbal, comportamento agressivo e tratamento frio e impessoal.” Tais elementos caracterizadores, porém, não estão presentes na presente hipótese. De fato, por mais que o autor afirme o contrário, analisando cuidadosamente a situação fática dos autos, constato que não existe no caso concreto o dano moral indenizável por assédio no ambiente de trabalho, ao ponto de fazer jus a uma indenização por parte do Estado. Todas as provas colhidas, seja no âmbito administrativo, seja nos presentes autos, são ineficazes para demonstrar qualquer afronta pessoal ao postulante por seu superior hierárquico, o Capitão Huss. Muito embora seja inegável que houve entre eles um desentendimento ocorrido na esfera privada, igualmente se constata que esse episódio ocorreu em dezembro de 2012, de modo que, se realmente esse fato tenha repercutido na relação funcional do autor, essa repercussão negativa, se acaso realmente existiu, somente durou até o início de 2013, quando o Capitão Huss fora removido para outro estado da Federação, não se postergando até meados de 2014, quando foi requerido pelo autor a sua vacância. De ver-se, pois, que do acervo fático-probatório acostado ao presente feito não se extrai qualquer elemento concreto que autorize concluir pela prática de atos ilícitos ou discriminatórios por agentes do Exército, como quer fazer crer o postulante, nem muito menos a ocorrência do alegado assédio moral, violador dos
6. Esse tipo de ato, para configurar-se como ato de improbidade exige a demonstração do elemento subjetivo, a título de dolo lato sensu ou genérico, presente na hipótese. 7. Recurso especial provido. (REsp 1.286.466/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 03/09/2013, DJe 18/09/2013)
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seus direitos da personalidade, de igual modo necessário para o reconhecimento da responsabilidade civil da parte demandada. Diante do exposto, firme nessas razões, dou parcial provimento à apelação, apenas para afastar a condenação por danos morais. Sucumbência recíproca reconhecida nos termos do art. 86 do CPC/2015. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0807017-77.2018.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Apelante: NATÉRCIA VIEIRA PINTO Apelada: UNIÃO FEDERAL Adv./Proc.: DR. MARCELO MARCOS DE LACERDA MOREIRA JÚNIOR (APTE.) EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO ANULATÓRIA DE SENTENÇA DE MÉRITO. QUERELA NULLITATIS. OFENSA À COISA JULGADA. NÃO CABIMENTO. NULIDADE OBJETO DE AÇÃO RESCISÓRIA. APELAÇÃO PROVIDA. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DE MÉRITO. 1. Hipótese em que a União, motivada pela ofensa à coisa julgada, busca desconstituir a sentença já transitada em julgado, por meio de ação declaratória de nulidade (querela nullitatis). 2. Constituindo uma forma excepcional de impugnação das decisões judiciais, a querela nullitatis visa a impugnar sentença inexistente e, como tal, revela-se como verdadeira ação declaratória de inexistência jurídica. 3. A coexistência de duas sentenças de mérito – contraditórias e definitivas – configura hipótese de nulidade da sentença, e não de inexistência, de modo que não autoriza, como defende a 259
União, o manejo da querela nullitatis, meio de impugnação que somente tem cabimento para atacar decisões judiciais cujos vícios a tornam inexistentes. 4. Diferentemente da sentença nula, a sentença inexistente padece de vício que recai sobre os elementos essenciais (mínimos da existência) do ato judicial – como, por exemplo, sentença proferida sem a citação do réu ou sem nenhuma motivação – atingindo a própria formação da relação processual de natureza trilateral. 5. No REsp nº 1.252.902-SP, citado na sentença recorrida como razão de decidir pelo cabimento da presente ação, discutiu-se a deficiência de motivação e não a ofensa à coisa julgada, de modo que tal precedente não pode servir de fundamento para se reconhecer como adequado o manejo da querella nullitatis no presente caso concreto. Ademais, constata-se que nesse julgado do STJ, a discussão a respeito da adequação da querella nullitatis insanabillis e a ampliação das suas hipóteses de cabimento se deu, apenas, por menção de passagem (obiter dictum), sem ter havido o devido aprofundamento, quer no âmbito doutrinário, quer na espera jurisprudencial, acerca da matéria. 6. A presente casuística, portanto, ao trazer como fundamento da anulação do ato judicial a suposta ofensa à coisa julgada, não se defronta como hipótese que desafia o cabimento da querela nullitatis, mas sim da ação rescisória. 7. Apelação da parte ré provida para extinguir o processo, sem resolução de mérito, por inadequação da via processual eleita. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma 260
do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator. Recife, 17 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: Trata-se de apelação interposta pela parte ré, Sra. Natércia Vieira Pinto, contra a sentença que, julgando procedente o pedido da União, declarou a nulidade da sentença proferida na Ação Ordinária nº 0007889-38.2012.4.05.8300, por entender que contraria frontalmente decisão de demanda pretérita, já transitada em julgado, na qual, embora pertinente ao Sr. Gerson Pereira Pinto, repercutiu na esfera jurídica da aludida demandada, haja vista sua condição de dependente. Em suas razões, afirma a recorrente que a União “tenta se utilizar de instrumento completamente descabido para questionar decisão transitada em julgado”, sustentando, portanto, o descabimento da ação declaratória de nulidade de sentença (querela nullitatis). Esclarece que não ocorre a incidência da coisa julgada na espécie, tendo em vista a ausência de identidade de partes e os limites do julgado que não pode interferir em lide diversa. Após transcrever vários precedentes do Superior Tribunal de Justiça, sustenta que não foi observado a orientação firmada nessa Corte Superior no sentido de que em casos como o presente não há ofensa à coisa julgada, mas apenas cessação da eficácia da primeira sentença ante a edição de norma superveniente, à luz da qual se constitui o benefício. Requer, portanto, a reforma da sentença, por ferir princípio da motivação das decisões judiciais, dando-se provimento ao seu recurso, a fim de que seja respeitada a sentença transitada em 261
julgado que reconheceu o seu direito, na qualidade de viúva, a perceber a pensão especial de ex-combatente. Contrarrazões apresentadas pela União, pugnando pela manutenção da sentença. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (Relator): No em caso em tela, busca a União, motivada pela ofensa à coisa julgada, desconstituir a sentença proferida nos autos da Ação de nº 0007889-38.2012.4.05.8300, já transitada em julgado, em face da ré, Natércia Vieira Pinto. Para tanto, alega que restou devidamente comprovado nos autos que a sentença de mérito proferida na aludida ação ordinária contrariou frontalmente coisa julgada anterior, constituída na Ação Ordinária nº 2009.83.00.002642-9. Na primeira ação, ajuizada em 2009, esta Corte Regional não reconheceu a condição de ex-combatente do Sr. Gerson Pereira Pinto – esposo da Sra. Natércia Vieira Pinto, à época autor da referida ação –, ao fundamento de que, com base na Lei nº 5.315/67, o documento apresentado naqueles autos (Certidão de Tempo de Serviço emitida pelo Regimento Guararapes - 14º RI) não era apto a comprovar o alegado na inicial, motivo pelo qual restou indeferida a pensão especial de que trata o art. 53, II, do ADCT. (id. 4058300.5413440, pág. 1/9). Tal decisão transitou em julgado em 05/10/2011. (Id. 4058300.5413443, pág. 10/10) Já na segunda ação, proposta em 2012 pela Sra. Natércia, o juiz julgou procedente o pedido de concessão de pensão de ex-combatente, na qualidade de viúva de Gerson Ferreira Pinto, sem prejuízo das outras pensões, decisão de mérito que foi mantida pela Quarta Turma desta Corte Regional (documentos de identificadores nº 4058300.5413445 e nº 4058300.5413449, págs. 10-15/15). Tal decisão transitou em julgado em 23/08/2013. Pois bem.
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A parte da discussão a respeito da existência ou não de violação à coisa julgada, a pretensão anulatória ora deduzida pela União não prospera. Isso porque conspira contra o seu êxito a inadequação da via processual eleita. De fato, constituindo uma forma excepcional de impugnação das decisões judiciais, a querela nullitatis visa a impugnar sentença inexistente e, como tal, revela-se, por assim dizer, como verdadeira ação declaratória de inexistência jurídica. Logo, dada a sua natureza, não se apresenta como meio processual idôneo para atacar a eventual nulidade da qual sentença de mérito possa eventualmente padecer. Mirando-se em direção à doutrina, mais especificamente à lição de Teresa Arruda Alvim Wambier1, constata-se que o que traça uma sentença como inexistente é a falta de elementos mínimos da existência do ato judicial, isto é, daqueles elementos ligados aos pressupostos processuais de existência. É o que ocorre, por exemplo, quando a sentença é proferida em processo no qual não houve a citação válida do réu ou de todos os colegitimados na causa; ou, ainda, quando a sentença for exarada sem nenhuma motivação. Esclarece a referida autora que nos casos em que a sentença padece de vício de existência – o que, a bem da verdade, é algo que atinge a formação da própria relação processual trilateral – é desnecessário desconstituir-se a coisa julgada, pois, a sentença inexistente, à diferença da sentença nula, não passa em julgado.2 A coexistência de duas sentenças de mérito contraditórias e definitivas, na verdade, configura hipótese de nulidade, passível de ser corrigida pela propositura da ação rescisória, dentro do prazo legal. Mas não autoriza, como defende a União, o manejo da querela nullitatis, a qual, como já dito, somente tem cabimento para retirar definitivamente do mundo jurídico as sentenças inexistentes. 1 WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Nulidades do processo e da sentença. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. 7ª ed. rev. ampl. e atual., com notas de referência ao Projeto Novo Código Civil de Processo Civil, págs. 470-473. 2
Ibidem. p. 478.
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Tanto é assim que a própria lei processual assim previu expressamente: Art. 966. A decisão de mérito, transitada em julgado, pode ser rescindida quando: [...] IV - ofender a coisa julgada;
Cumpre ressaltar, ainda, que no REsp nº 1.252.902-SP, citado na sentença recorrida para fundamentar o cabimento da querela nullitatis, discutiu-se a deficiência de motivação (falta de correlação lógica entre os fundamentos do decisum e a sua parte dispositiva) e não a ofensa à coisa julgada, de modo que, a meu sentir, tal precedente não pode servir de fundamento para se reconhecer como adequado o manejo da querella nullitatis no presente caso concreto. Aliás, nesse precedente do Superior Tribunal de Justiça, a discussão a respeito da adequação da querella nullitatis insanabillis como meio de impugnação das decisões judiciais e a ampliação das suas hipóteses de cabimento se deu apenas por menção de passagem (obiter dictum), sem ter havido o devido aprofundamento, quer no âmbito doutrinário, quer na esfera jurisprudencial, sobre a matéria. A presente casuística, portanto, ao trazer como fundamento da anulação de ato judicial a suposta ofensa à coisa julgada, não se defronta como hipótese que desafia o cabimento da querela nullitatis, mas sim da ação rescisória. Diante do exposto, firme nessas razões, dou provimento à apelação, para extinguir o processo, sem resolução do mérito, por inadequação da via processual eleita, nos termos do art. 485, inciso IV, do CPC/2015. Com a inversão dos ônus sucumbenciais, condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios em 10 % (dez por cento) do valor atualizado da causa. É como voto.
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APELAÇÃO CRIMINAL N° 14.944-PE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MEN DONÇA CANUTO NETO Apelante: MANUEL ELEUTÉRIO CAL MUIÑOS Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Advs./Procs.: DRS. CÉLIO AVELINO DE ANDRADE E OUTROS (APTE.) EMENTA: PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. SONEGAÇÃO FISCAL (ART. 1º, I, C/C 12, I, DA LEI Nº 8.137/90) E LAVAGEM DE CAPITAIS (ART. 1º, CAPUT, VI E § 4º, DA LEI Nº 9.613/98). PRESCRIÇÃO RETROATIVA DA PRETENSÃO PUNITIVA EM RELAÇÃO AO CRIME DE LAVAGEM DE CAPITAIS. RECONHECIMENTO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. MATERIALIDADE E AUTORIA DELITIVAS DO CRIME TRIBUTÁRIO. DEMONSTRAÇÃO. DOSIMETRIA DA PENA. AJUSTE. 1. Apelante condenado pelos crimes tipificados nos arts. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90 e 1º, caput, VI e § 4º, da Lei nº 9.613/98 às penas de 4 (quatro) anos, 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa (delito tributário) e 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 220 dias-multa pelo crime de lavagem de capitais. 2. Segundo a denúncia, no ano-calendário de 1998, o recorrente, de maneira consciente e voluntária, teria suprimido tributos relativos à vultosa movimentação financeira da empresa C.T.M. LTDA., omitindo informações as autoridades fazendárias. Teria, também, ocultado valores provenientes de crimes praticados contra o sistema financeiro nacional, valendo-se, justamente, dessa pessoa jurídica e de outra, a empresa A.A.V. LTDA. 3. No que se refere ao crime previsto pelo art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98, forçoso é o 265
reconhecimento da extinção da punibilidade do sentenciado, mercê da prescrição retroativa da pretensão punitiva. 4. Não se aplica aos crimes cometidos antes de sua vigência a novel redação do § 1º do artigo 110 do CP, dada pela Lei n° 12.234/2010, por conferir tratamento mais rigoroso ao instituto da prescrição. Inteligência do artigo 5º, inciso XL, da CF/88 (a lei penal não retroagirá, senão para beneficiar o réu). 5. Transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação, e tendo sido aplicada ao réu a pena privativa de liberdade de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, ter-se-á por prescrita a pretensão punitiva do Estado, se decorridos 12 (doze) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, o que ocorreu na espécie em se tratando do crime de lavagem de capitais. 6. Hipótese em que os fatos datam de 1998 e a denúncia só veio a ser recebida em 28 de fevereiro de 2011, mais de 12 (doze) anos após o início da contagem do lapso prescricional. Extinção da punibilidade declarada. 7. Com relação ao crime tributário, não há que se falar em prescrição, uma vez que a constituição definitiva do crédito tributário apenas ocorreu em janeiro de 2005, ao passo que a exordial fora recebida em fevereiro de 2011. 8. Hipótese em que não configurado o bis in idem alegado pelo apelante, eis que a outra ação penal proposta em seu desfavor, além de não versar sobre crimes contra a ordem tributária, compreende período distinto daquele de que se ocupam os presente autos. Ou seja, os fatos tratados no presente processo correspondem ao ano-calendário de 1998, enquanto aqueles discutidos na outra ação penal tiveram lugar no ano-calendário de 1999. 266
9. Conquanto se sustente ser atípica a conduta do sentenciado, já que na qualidade de gerente (empregado) não teria qualquer poder decisório sobre a administração da empresa, irretorquível é a prova de que era o responsável pela gestão da C.T.M. LTDA., que funcionava como empresa fictícia, constituída por dois sócios “laranjas” em beneficio do recorrente, o qual, na realidade, era o verdadeiro administrador da pessoa jurídica em questão. Essa empresa atuava única e exclusivamente para dar aparência de legitimidade aos numerários recebidos pela A.A.V. LTDA. 10. Os vetores considerados pelo juízo na fixação da pena-base refletem circunstâncias inerentes ao próprio tipo penal pelo qual condenado o recorrente ou dizem respeito a fatos que não justificam a elevação da reprimenda. 11. Em relação ao vetor “culpabilidade”, o modus operandi ao qual a sentença se refere (emprego de 2 empresas e interpostas pessoas), para realizar o incremento na pena-base, realmente justifica maior censura social sobre conduta pela qual restou condenado, de vez que crimes dessa natureza não precisam de todo esse aparato para ser cometidos. Assim, o caso concreto revelou considerável sofisticação e engenho na empreitada delitiva levada a efeito pelo sentenciado, a ensejar o aumento. 12. Não é pertinente a majoração quanto ao vetor “personalidade” do agente quando o réu limita-se a negar os fatos centrais em seu interrogatório, apresentando somente justificativas e teses que, por inverossímeis, sequer são acolhidas, de modo que sua explanação não transcende o seu direito de defesa. 13. Quanto às “circunstâncias do crime”, entendeu o magistrado a quo que o fato de o réu “ter criado uma pessoa jurídica de fachada justamente para lavar o dinheiro oriundo das operações 267
escusas de outras, o que envolveu várias operações comerciais, empresariais, econômicas, dentre outras” mereceria maior censura social. Teve presente, porém, o delito de lavagem de capitais, cuja punibilidade está prescrita. Assim, não se sustenta a negativação para o crime tributário. 14. Finalmente, quanto ao vetor “comportamento da vítima”, entendeu o magistrado a quo que o “sistema financeiro nacional e a União, em nenhum momento pode ser encarado como provocador da conduta do réu”. É sabido, porém, que, nas situações em que a vítima se mantém inerte ou mesmo atua de forma a não prejudicar a empreitada criminosa, não é possível aumentar a pena-base com fundamento em seu comportamento, devendo tal circunstância ser considerada neutra, conforme entendimento pacífico do col. STJ. 15. Redução da pena-base privativa de liberdade 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. À míngua de circunstâncias atenuantes ou agravantes e de causas de diminuição, incide tão somente a causa de aumento de pena prevista no art. 12, I, da Lei nº 8.137/90, cuja majoração, no patamar de 2/5 (dois quintos), merece ser mantida, em razão da vultosa quantia sonegada (superior a vinte milhões de reais, nos termos dos autos de infração que renderam ensejo à representação fiscal para fins penais). Pena privativa de liberdade fixada, definitivamente, em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão. 16. Redução da pena de multa ao quantitativo de 90 (noventa) dias-multa, mantido o valor individual fixado na sentença (1/2 do salário mínimo vigente na época do crime), a fim de compatibilizá-la à pena privativa de liberdade ora imposta. 17. Substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos, na forma estabelecida do artigo 44, § 2º, do Código Penal, consis268
tente na prestação de serviços comunitários em entidade a ser definida pelo juízo da execução e prestação pecuniária no valor da pena de multa já fixada. 18. No que diz respeito à indenização prevista no o art. 387, IV, do CPP, constata-se que tal pleito não consta da exordial, de sorte que essa parte da condenação caracteriza ofensa aos princípios constitucionais do contraditório da ampla defesa, nos termos de pacífica jurisprudência desta Corte. 19. Provimento, em parte, do apelo, para afastar-se a condenação pelo crime de lavagem de capitais, em face da extinção da punibilidade pela prescrição e reduzir-se as penas fixadas pelo crime de contra a ordem tributária. ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento em parte, à apelação, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 26 de março de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO: MANUEL ELEUTÉRIO CAL MUIÑOS insurge-se contra a sentença com que o Juízo da 13ª Vara Federal de Pernambuco o condenou pela prática dos crimes previstos no art. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90 e art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98, respectivamente, às penas de 4 anos, 2 meses e 12 dias de reclusão, além do pagamento de 180 dias-multa, à razão de 1/2 salário mínimo vigente à época do fato, com a devida atualização; e 7 anos e 6 (seis) meses de reclusão, bem como 400 (quatrocentos) dias-multa, com idêntico valor e nas mesmas condições. 269
A decisão recorrida ainda estabeleceu, no tocante ao crime tributário, como valor mínimo de reparação pelo dano causado, o montante equivalente ao tributo sonegado (fls. 1006-1022). Nas razões recursais, o réu defende, em síntese: (a) a prescrição do crime de lavagem de capitais; (b) a atipicidade das condutas, em razão do estrito cumprimento das ordens dos proprietários; (c) a ocorrência de bis in idem, na medida em que responde pelos mesmos fatos nos autos da Ação Penal nº 2004.83.00.026319-3; e (d) a improcedência da imputação, já que não tinha poder de decisão na administração da empresa. Subsidiariamente, requer a realização de nova dosimetria das reprimendas, aparando-se os excessos verificados tanto na pena privativa de liberdade quanto na multa fixada. Questiona, ainda, a fixação do valor mínimo de reparação civil, uma vez que tal imposição traduziria retroação da lei em prejuízo do réu (fls. 1057-1072). Nas contrarrazões, o Ministério Público Federal pugna pelo parcial provimento do recurso interposto pelo réu, apenas para extinguir-se a punibilidade do apelante pelo crime de lavagem de dinheiro, previsto pelo art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98 (fls. 1075-1087). Instada a se manifestar, opinou a douta Procuradoria Regional da República pelo parcial provimento do recurso interposto pelo réu, nos termos das contrarrazões apresentadas pelo Ministério Público Federal (fls. 1090-1091). É o relatório. Submeto o feito à apreciação da douta Revisão. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO (Relator): Conforme sumariado, cuida-se de apelação criminal interposta em face de sentença que condenou o recorrente pela prática de crimes tipificados no art. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90 e art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98. Segundo a denúncia (fls. 10-24), no ano-calendário de 1998, o recorrente de maneira consciente e voluntária teria suprimido tributos relativos à vultosa movimentação financeira da empresa 270
COMERCIAL TEM MUITO LTDA., omitindo informações as autoridades fazendárias. Teria, também, ocultado valores provenientes de crimes praticados contra o sistema financeiro nacional, valendo-se, justamente, dessa pessoa jurídica e de outra, a empresa ANACOR AGÊNCIA DE VIAGENS LTDA. A grande movimentação financeira da empresa COMERCIAL TEM MUITO LTDA., superior a R$ 38.000.000,00 (trinta e oito milhões de reais), chamou a atenção da Receita Federal, uma vez que referida pessoa jurídica estava, formalmente, inativa. Ademais, não havia recolhido qualquer tributo ou contribuição tributária, nem ao menos apresentado declarações obrigatórias ao Fisco Federal. Nesse panorama, constatou-se que o condenado arrecadava numerário estrangeiro na ANACOR - AGÊNCIA DE VIAGENS LTDA. sem qualquer registro de receita ou movimentação cambiária, depositava o equivalente em moeda nacional na conta do cliente por intermédio de cheques emitidos pela empresa fictícia COMERCIAL TEM MUITO LTDA., simulando operações contábeis lícitas, na verdade inexistentes, para introduzir quantias no mercado. Ao cabo da instrução processual, o juízo a quo julgou procedente a pretensão punitiva, tendo condenado o apelante às penas de 4 (quatro) anos e 2 (dois) meses e 12 (doze) dias de reclusão e 180 (cento e oitenta) dias-multa pelo delito tributário; e 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão e 220 dias-multa pelo crime de lavagem de capitais, o valor do dia multa foi estabelecido à razão de 1/2 do salário mínimo cada. Ademais, com relação ao crime tributário, foi estabelecido, como valor mínimo de reparação pelo dano causado, o montante equivalente ao tributo sonegado. Não satisfeito com a condenação, o recorrente apresentou o apelo que passo a analisar a partir da prejudicial de mérito aventada, qual seja: a prescrição da pretensão punitiva no tocante ao crime de lavagem de capitais. Esse argumento merece prosperar, uma vez que a punibilidade do sentenciado se encontra realmente extinta, mercê do decurso de lapso temporal suficiente a tanto, como passo a demonstrar. Com efeito, os fatos denunciados ocorreram no ano de 1998, como, inclusive, destaca a denúncia (fls. 10-24). No entanto, a 271
exordial acusatória somente veio a ser recebida em 28 de fevereiro de 2011 (fls. 25-27v), mais de 12 (doze) anos após a data do último fato. D’outra banda, a pena imposta ao apelante MANUEL ELEUTÉRIO CAL MUIÑOS pelo crime previsto no art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98 foi de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, à qual corresponde o prazo prescricional de 12 (doze) anos, consoante dicção do artigo 109, inciso III, do Código Penal: A prescrição, antes de transitar em julgado a sentença final, salvo o disposto no § 1º do art. 110 deste Código, regula-se pelo máximo da pena privativa de liberdade cominada ao crime, verificando-se: (...) III - em doze anos, se o máximo da pena é superior a 4 (quatro) anos e não excede a 8 (oito);
Vale ressaltar que a novel redação do § 1º do artigo 110 do CP, dada pela Lei nº 12.234/2010, que torna defeso o reconhecimento da prescrição retroativa em período anterior ao do recebimento da denúncia ou queixa, não tem aplicabilidade aos crimes cometidos antes de sua vigência, porque dá tratamento mais rigoroso ao instituto da prescrição, constituindo-se em lex gravior (lei penal mais gravosa). É que o conflito de leis penais no tempo se resolve à luz do que dispõe o artigo 5º, inciso XL, da Constituição da República (a lei penal não retroagirá, senão para beneficiar o réu), ou seja, sendo prejudicial ao réu a nova disposição, não pode alcançar fatos pretéritos, que continuam regidos pelo regramento anterior. Em assim sendo, não obstante tenha sido revogado pela Lei nº 12.234/2010, continua aplicável à espécie, por se tratar de lex mitior, o § 2º do artigo 110 do CP, que assim dispunha: Art. 110. (...) § 1° A prescrição, depois da sentença condenatória com trânsito em julgado para a acusação, ou depois de improvido seu recurso, regula-se pela pena aplicada. § 2º A prescrição, de que trata o parágrafo anterior, pode ter por termo inicial data anterior à do recebimento da denúncia ou da queixa.
272
Assim, transitada em julgado a sentença condenatória para a acusação e tendo sido aplicada a pena privativa de liberdade de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de reclusão, ter-se-á por prescrita a pretensão punitiva do Estado se decorridos 12 (doze anos) anos entre a data dos fatos e o recebimento da denúncia, o que ocorreu na espécie. Constata-se, pois, estar inquestionavelmente afastada a possibilidade do exercício da pretensão punitiva estatal, pelo transcurso do prazo de 12 (doze) anos, a que alude o já mencionado art. 109, III, do Código Penal. Saliento ainda que, com relação ao crime tributário, não há que se falar em prescrição, uma vez que a constituição definitiva do crédito tributário apenas ocorreu no ano-calendário de 2005 (fl. 14). Prosseguindo no exame do recurso, observo que a defesa insurge-se contra a existência de um suposto bis in idem, na medida em que o réu responderia pelos mesmos fatos nos autos da Ação Penal nº 2004.83.00.026319-3, que se encontra em grau de recurso neste egrégio tribunal. O princípio que veda a dupla incriminação proíbe que uma pessoa seja processada, julgada e condenada, mais de uma vez, pela mesma conduta, situação que não se encontra presente no caso em questão. É que a finalidade do referido princípio é impedir uma dupla apenação do réu pelo mesmo fato, não pela mesma infração, consoante entendimento jurisprudencial por demais conhecido e de desnecessária reprodução. Portanto, não se verifica o alegado bis in idem, já que a segunda ação penal compreende período distinto daquele envolvido na primeira, ou seja, os fatos tratados no presente processo correspondem ao ano-calendário de 1998, ao passo que a Ação Penal nº 2004.83.00.026319-3 abarca eventos ocorridos no ano-calendário de 1999. Ademais, saliento que Ação Penal nº 2004.83.00.026319-3 não abrange os crimes contra a ordem tributária, como se depreende do relatório expresso na sentença do referido processo: (...) O MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, na pessoa de seu representante legal, ofereceu a denúncia de fls. 03/69 273
contra JACINTO MONTEIRO DIAS, MARIA DEL PILAR NOGUES DIAS, MIRELLA MAYONE RIBEIRO DIAS, JUAN ANDRES NOGUES MAZIER, MARIA JAZMIN NOGUES MAZIER, BRUNO FERREIRA DE ALMEIDA, EDMUNDO GURGEM JUNIOR, CARLOS ALBERTO GUIMARÃES PADILHA, MANUEL ELEUTÉRIO CAL MUIÑOS (MANOLO), JORGEANE MONTEIRO MERIQGUETE, MARIA IZABEL DE OLIVEIRA VERAS, ARTHUR TILMANN MAIA NETO, LUIS CARLOS LINS MENDES DE HOLANDA, SÔNIA AGUIAR MENDES DE HOLANDA, MARIA CLARA MARTINS, EMERSON HENRIQUE CALADO DE OLIVEIRA e ZAISER EBERHARD HERMANN, já devidamente qualificados nos autos, tipificando a conduta criminosa a eles imputada nos arts. 11,16 (por duas vezes) 22 (caput e parágrafo único), da Lei nº 7.492/86; art. 1º, VI e VII, § 1º, II, § 2º, II e § 4º, da Lei nº 9.613/98; c/c arts. 288, 69 e 71, do Código Penal. (...).
Dessa maneira, rejeito a tese defensiva. Alega-se, ainda, que a conduta do réu seria atípica, eis que, na qualidade de gerente (empregado) não teria qualquer poder decisório sobre a administração da empresa. Limitar-se-ia ele a cumprindo, estritamente, as ordens dos proprietários da ANACOR AGÊNCIA DE VIAGENS LTDA., suscitando-se, por isso, a tese de crime impossível. Sob o mesmo argumento, aduz-se a improcedência da imputação. Inverossímeis são essas teses, quando confrontadas com as provas coligidas aos autos, pois existem elementos suficientes que comprovam a materialidade e a autoria delitiva do recorrente, como bem demonstrado pela Il. sentença condenatória, in verbis: (...) Foi o que se inferiu da prova documental e testemunhal somada ao longo da investigação e da instrução processual penal, máxime: * da Ação Fiscal nº 19647.011209/2004-63, que culminou com a Representação Fiscal para fins penais nº 19647.011209/2004-63, ambas formalizadas contra a empresa COMERCIAL TEM MUITO, compostas por 12 volumes, que findaram com a constituição definitiva do crédito tributário em janeiro de 2005, tornando induvidosas as sonegações de tributos por parte de 274
MANUEL ELEUTÉRIO, logo a materialidade e autoria delitivas relativas ao crime previsto no art. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90; * do depoimento de WILSON DE AQUINO (DVD de fl. 471), testemunha de acusação e Auditor da Receita Federal responsável pela ação fiscal acima comentada, o qual foi categórico ao afirmar que os recursos da empresa COMERCIAL TEM MUITO eram movimentados pela ANACOR, sendo aquela mera empresa de “fachada” forjada justamente para dar aparência de legalidade aos valores oriundos desta, não tendo, portanto, recursos próprios. A aludida testemunha também evidenciou que os recursos “lavados” pela COMERCIAL TEM MUITO eram realmente originários de operações de câmbio irregulares, já que não tinham autorização do BACEN, o que torna induvidosas a autoria e materialidade delitivas em relação ao crime previsto no 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98; * dos depoimentos dos corréus MOÉSIA, SÔNIA, MARIA IZABEL, MARIA CLARA, CLARICE, CAUBI e NELSON, que confessaram suas condutas perante a Receita Federal, aduzindo que recebiam ordens de MANUEL ELEUTÉRIO; * especificamente dos trechos do depoimento de SÔNIA que, ouvida perante a Receita Federal, foi clara ao narrar a função de MANUEL ELEUTÉRIO na ANACOR ao afirmar que “os cheques eram preenchidos pelo Sr. Manolo (MANUEL ELEUTÉRIO) ou pela Sra. Clarice. Fazia a entrega do dinheiro à Sra. Moésia ou Sra. Clarice ou Sr. Manolo (MANUEL ELEUTÉRIO). Pelo que sabe, o dinheiro era utilizado para negócio com dólar. Os funcionários comentavam que as operações em nome da Comercial Tem Muito era “bronca” e o Sr. Manolo (MANUEL ELEUTÉRIO) mostrava-se preocupado com relação à Polícia Federal. (...) Nunca chegou a conhecer os reais donos da Comercial Tem Muito Ltda., quem gerenciava todas as operações da ANACOR era o Sr. Manolo (MANUEL ELEUTÉRIO); * dos depoimentos de ANTÔNIO LEÃO e MARCOS BARBOSA, empregados da ANACOR, que destacaram ocupar diversas funções (liquidante/motorista/seguran275
ça), inclusive escoltando as funcionárias quando iam ao banco e quando iam levar moedas estrangeiras para os clientes. Tais testemunhas, ouvidas em juízo, também afirmaram que MANUEL ELEUTÉRIO era o gerente da ANACOR, sendo, portanto, quem ditava todas as ordens na empresa (DVD de fls. 471); * do interrogatório de MARIA CLARA, funcionária da empresa ANACOR que, em juízo (fls. 744/745, mídia de fl. 750), assim aduziu: “eu ia com o cheque assinado já, constavam duas assinaturas da Comercial Tem Muito Ltda. (...) pegava o dinheiro em um guichê meio que escondido para não passar na frente de todo mundo, eles deixavam o dinheiro dentro de uns sacos e me entregavam o valor e eu voltava para a empresa; e entrava junto com os seguranças e entregava na tesouraria (....), eles mandavam eu assinar atrás do cheque (...). Desse modo, diante das provas carreadas, restaram evidenciadas as condutas cominadas a MANUEL ELEUTÉRIO, a saber: art. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90 e art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98, nos seguintes termos: * o cometimento do crime previsto no art. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90, na medida em que o réu, encoberto por “laranjas”, de modo consciente e voluntário e na qualidade de administrador de fato da pessoa jurídica COMERCIAL TEM MUITO LTDA., suprimiu tributos relativos à enorme movimentação financeira ao omitir informações às autoridades fazendárias; * o cometimento do crime previsto no art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98, na medida em que o réu, também de modo consciente e voluntário, se utilizou da “falsa” empresa (COMERCIAL TEM MUITO) para “lavar” os valores oriundos de transações cambiais irregulares (troca ou aquisição de dólares sem o registro do BACEN) realizadas por outra empresa de sua propriedade, qual seja, a ANACOR AGÊNCIA DE VIAGENS LTDA.
Dessa maneira, não resta qualquer dúvida, nos autos, quanto à responsabilidade do condenado pela gestão da COMERCIAL TEM MUITO LTDA., que funcionava como empresa fictícia, constituída 276
por dois sócios “laranjas” em beneficio do recorrente, o qual, na realidade, era o verdadeiro administrador da pessoa jurídica em questão. Essa empresa atuava, única e exclusivamente, para dar aparência de legitimidade aos numerários recebidos pela ANACOR AGÊNCIA DE VIAGENS LTDA. Portanto, a supressão de tributos por parte da empresa COMERCIAL TEM MUITO LTDA., crime tipificado pelo art. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90, encontra-se caracterizada, sendo certo que MANUEL ELEUTÉRIO CAL MUIÑOS atuou de forma livre e consciente para a consumação do delito. No que respeita à dosagem da pena, penso que o apelo merece ser provido em parte. Ao dosar as penas-bases, o magistrado a quo considerou, em prejuízo do recorrente, as seguintes circunstâncias judiciais (art. 59, CP): culpabilidade, personalidade, circunstâncias do crime e comportamento da vítima. Tratando do vetor “culpabilidade”, entendeu ser possível inferir maior grau de reprovação por considerar que o apelante “de modo consciente e voluntário, era o encabeçador de esquema por ele mesmo articulado, de sorte que comandava duas empresas, através de ‘laranjas’, perpetrando por meio delas tanto o delito de sonegação fiscal quanto o de lavagem de dinheiro”. Penso que o modus operandi ao qual a sentença se refere, para realizar o incremento na pena-base, realmente justifica maior censura social sobre conduta pela qual restou condenado, de vez que crimes dessa natureza não precisam de todo esse aparato para ser cometidos. Assim, o caso concreto revelou considerável sofisticação e engenho na empreitada delitiva levada a efeito pelo sentenciado, a ensejar o aumento. Já no tocante à “personalidade”, penso que o aumento não se sustenta. O juízo a quo considerou prejudicial o apelante ter se mostrado “pessoa articulada, ardilosa, que se utilizou de outras pessoas para se escusar da culpa, tendo, inclusive, forjado versões truncadas em juízo como forma de esquiva. Enfim, denotou-se de sua personalidade traços que o distinguem do homem médio”.
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A justificativa utilizada mostra-se equivocada, por ser genérica e inidônea, sem apontar, detidamente, quais os aspectos morais e psicológicos que corroborariam tal conclusão. Com efeito, não se revela pertinente a majoração quanto ao vetor personalidade do agente quando o réu limita-se a negar os fatos centrais em seu interrogatório, apresentando somente justificativas e teses que, por inverossímeis, sequer são acolhidas, de modo que sua explanação não transcenda o seu direito de defesa. Quanto às “circunstâncias do crime”, entendeu o magistrado a quo que o fato de o réu “ter criado uma pessoa jurídica de fachada justamente para lavar o dinheiro oriundo das operações escusas de outras, o que envolveu várias operações comerciais, empresariais, econômicas, dentre outras” mereceria maior censura social. Nesse ponto, impende consignar que a decisão, ao analisar as circunstâncias do crime teve como foco de sua fundamentação o delito de lavagem de capitais, cuja punibilidade está prescrita. Assim, não se sustenta a negativação para o crime tributário. Finalmente, quanto ao vetor “comportamento da vítima”, entendeu o magistrado a quo que o “sistema financeiro nacional e a União, em nenhum momento pode ser encarado como provocador da conduta do réu”. Nas situações em que a vítima se mantém inerte ou mesmo atua de forma a não prejudicar a empreitada criminosa, não é possível aumentar a pena-base com fundamento em seu comportamento, devendo tal circunstância ser considerada neutra, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça: Por fim, o comportamento da vítima, que “não colaborou em nada para a ocorrência do delito”, não pode ser valorado em desfavor do paciente, pois é o que de ordinário acontece. De fato, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, apenas se admite a valoração da mencionada circunstância em benefício do agente, devendo ser neutralizada na hipótese contrária, de não interferência do ofendido no cometimento do crime. (STJ, 5ª Turma, HC 255.231/MG, rel. Min. MARCO AURÉLIO BELLIZZE, DJe 4.3.2013)
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O comportamento da vítima, portanto, não justifica o incremento da pena-base. Dito isso, reduzo a pena-base privativa de liberdade ao patamar de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de reclusão. Quanto à segunda fase, ressalto a inexistência de circunstâncias atenuantes ou agravantes. Passando à terceira fase, registro a ausência de causas de diminuição, mas a presença da causa de aumento de pena referente ao art. 12, I, da Lei nº 8.137/90. Mantenho o aumento de 2/5 (dois quintos) fixado pelo juízo a quo, em razão da vultosa quantia sonegada, superior a vinte milhões de reais, nos termos dos autos de infração que renderam ensejo à representação fiscal para fins penais. Portanto, considerando o exposto, torno definitiva a pena privativa de liberdade em 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto. A fim de compatibilizar a pena de multa com a pena privativa de liberdade imposta, reduzo-a ao quantitativo de 90 (noventa) dias-multa, mantido o valor do dia-multa fixado na sentença (1/2 do salário mínimo vigente na época do crime). Conforme prevê o art. 44 do Código Penal, é possível a substituição de penas privativas de liberdade por restritivas de direitos se o delito não for praticado com violência ou grave ameaça à pessoa, a pena de reclusão imposta não ultrapassar o limite de 4 (quatro) anos e o agente preencher os requisitos subjetivos para receber o benefício. Assim, considerando que o recorrente preenche todos os requisitos acima nomeados, promovo a substituição da pena privativa de liberdade por 2 (duas) restritivas de direitos por expressa determinação do artigo 44, § 2º, do CP, consistente na prestação de serviços comunitários em entidade a ser definida pelo juízo da execução e prestação pecuniária no valor da pena de multa já fixada. No que diz respeito à indenização prevista no o art. 387, IV, do CPP, constata-se que o Ministério Público Federal não formulou o 279
pedido na exordial. Dessarte, a fixação desse valor na sentença, sem que tenha sido disponibilizado o contraditório e a ampla defesa, consubstancia ofensa a esses princípios caros ao processo penal. Ademais, os fatos denunciados ocorreram no ano de 1998, sendo que a Lei nº 11.719 somente passou a vigorar em 2008, mais de 10 (dez) anos após a data do último evento. Logo, trata-se de diploma processual de caráter material e, nesse prisma, não pode retroagir para alcançar fatos praticados antes de sua vigência, sob pena de ofensa ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa. Por essas razões afasto a referida indenização. Esse o quadro, dou provimento, em parte, ao apelo, para afastar a condenação pelo crime de lavagem de capitais (art. 1º, caput, VI, e § 4º, da Lei nº 9.613/98), em face da extinção da punibilidade pela prescrição da pretensão punitiva; e reduzir as penas fixadas pelo crime de contra a ordem tributária (art. 1º, I, c/c art. 12 da Lei nº 8.137/90) para 3 (três) anos e 6 (seis) meses de reclusão, em regime inicial aberto, substituída por restritivas de direitos, e 90 (noventa) dias-multa, no valor individual estabelecido na sentença. É como voto.
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COMPOSIÇÃO DAS TURMAS AMPLIADAS
PRIMEIRA E TERCEIRA TURMAS
Des. Federal Rogério Fialho
Des. Federal Fernando Braga
Des. Federal Roberto Machado
Des. Federal Cid Marconi
Des. Federal Alexandre Luna
Des. Federal Élio Siqueira
SEGUNDA E QUARTA TURMAS
Des. Federal Paulo Roberto
Des. Federal Manoel Erhardt
Des. Federal Edilson Nobre
Des. Federal Paulo Cordeiro
Des. Federal Rubens Canuto
Des. Federal Leonardo Carvalho
JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS AMPLIADAS
APELAÇÃO CÍVEL Nº 599.139-CE Relator: Apelante: Apelado: Assist.: Adv./Proc.:
DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA UNIÃO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL ASSOCIAÇÃO INDEPENDENTE DOS MORADORES DA PRAINHA DO CANTO VERDE E ADJACÊNCIAS - AIMPCVA DR. PAULO FERNANDO NERY LAMARÃO EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TERRENOS DE MARINHA. IMPOSIÇÃO DE PRAZO À UNIÃO (SPU) PARA DEFINIR A LMP/1831. ATO DISCRICIONÁRIO DO PODER EXECUTIVO. ATUAÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO. INADMISSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES. APELO PROVIDO. 1. Caso em que, acolhendo os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal em sede de ação civil pública, o juízo de primeiro grau de jurisdição entendeu por bem determinar à União que proceda à demarcação da Linha do Preamar Médio - LMP do ano de 1831, na área litorânea denominada Prainha do Canto Verde, localizada no Município de Beberibe/CE, concedendo-lhe um prazo de até 1 (um) ano, a contar da intimação da sentença, para cumprir a obrigação. 2. Decidiu com desacerto a sentença de primeiro grau. É verdade que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União, consoante previsto no art. 20, VII, da Constituição da República. Também é certo que o Decreto-Lei nº 9.760/1946, recepcionado pela vigente Carta Magna e que regulamenta o referenciado dispositivo constitucional, estabelece em seu art. 9º, que compete à Secretaria do Patrimônio da União (SPU), determinar a posição das linhas do 284
preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias. É dizer, cabe à própria União, por meio da SPU, demarcar os terrenos de marinha. Contudo, não há qualquer disposição normativa impondo à União prazo para proceder à demarcação de tais áreas. 3. Daí que, ao assim decidir, a um só tempo findou o juízo sumariante por, efetivamente, legislar e por imiscuir-se impropriamente em função eminentemente administrativa do Poder Executivo. Mas, sabe-se bem, ao Poder Judiciário não cabe substituir os Poderes Legislativo e Executivo no exercício de atribuições que lhes são próprias e indelegáveis, sob pena de vulnerar o princípio da separação dos poderes, de base constitucional. 4. Demais disso, ainda que se admitisse o acolhimento da medida postulada pelo Ministério Público em sua petição inicial, também não andou bem o decisum vergastado, dado que obriga a União a cumprir a obrigação em prazo incompatível com a complexidade do procedimento. Aliás, a própria sentença descreve com riqueza de detalhes a gama de atos a ser obrigatoriamente realizados pela SPU, como condição prévia à definição da LMP. De outro lado, não se há falar em prejuízo da demora na hipótese dos autos, dado que além da ausência de demonstração do alegado prejuízo, o direito da União de demarcar os terrenos de marinha dista, no mínimo, da regulamentação da matéria feita pelo vetusto Decreto-Lei 9.760, editado no longínquo ano de 1946. 5. Apelação a que se dá provimento. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sua composição ampliada, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do
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voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 21 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA: Cuida-se de apelação manejada pela União, inconformada com a sentença que, acolhendo os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal em sede se ação civil pública, a condenou para que proceda à demarcação da Linha do Preamar Médio de 1831, no litoral referente à Prainha do Canto Verde, Município de Beberibe/CE. De igual modo, entendeu o juízo de primeiro grau que na hipótese encontram-se presentes os requisitos previstos no art. 300 do CPC, para conceder a tutela de urgência, a fim de determinar à ré que cumpra a obrigação no prazo de até 1 (um) ano, a contar da intimação da sentença, sob pena de pagamento de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). Em suas razões de apelo, defende, em síntese, a inadequação da via eleita, ao argumento de que o Parquet Federal pretende com a sua postulação é que Judiciário determine ao Poder Executivo a implementação de ato concreto de administração. Contudo, isso não é possível, dado que a demarcação das terras como terrenos de marinha é ato discricionário, demandando, pois, conveniência e oportunidade para sua execução. No mais, o objeto da demanda não estaria abarcado pelo art. 1º da Lei nº 7.347/1985. Sustenta ainda que não haveria interesse de agir do MPF, eis que não há demonstração de que a União tenha se negado a atender a qualquer pedido a ela dirigido para demarcar a área em questão. No mais, defende que a demarcação é ato meramente declaratório, tendo a União domínio pleno sobre os terrenos de marinha e que, portanto, não dependeria de prévia demarcação. 286
Alfim, assevera que a presente demanda persegue, em verdade, o controle do chamado Poder de Polícia da Administração, apontando locais a ser vistoriados e prazos para que se efetive a atuação do Poder Público, sem considerar fatores como, quantidade de imóveis a ser vistoriados, o tempo efetivo necessário para tanto, bem assim a disponibilidade dos recursos financeiros e humanos. Daí a própria configuração da impossibilidade jurídica do pedido. Advoga, também, quanto ao descabimento de aplicação de multa à Fazenda Pública, ao argumento de que os dispositivos legais utilizados pelo decisum não se aplicam diretamente à Fazenda Pública. Contrarrazões acostadas às fls. 270/273, pugnando pelo improvimento do recurso de apelo. Às fls. 280/284, o MPF, atuando como custos legis, entranhou o Parecer nº 14467/2018, opinando pelo desprovimento da apelação. É, no que importa, o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA (Relator): Caso em que, acolhendo os pedidos formulados pelo Ministério Público Federal em sede de ação civil pública, o juízo de primeiro grau de jurisdição entendeu por bem determinar à União que proceda à demarcação da Linha do Preamar Médio - LMP do ano de 1831, na área litorânea denominada Prainha do Canto Verde, localizada no Município de Beberibe/CE, concedendo-lhe um prazo de até 1(um) ano, a contar da intimação da sentença, para cumprir a obrigação, sob pena de sofrer imposição de multa no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais). De pronto, deixo de apreciar a preliminar de inadequação da via eleita suscitada pela União, eis que se confunde com o próprio mérito da demanda. No que concerne à alegada ausência de interesse de agir do Ministério Público na presente demanda, tenho que não merece prosperar. E a explicação é simples, não há verdadeiramente a necessidade de resistência da União no âmbito administrativo para 287
fazer surgir o interesse do Ministério Público em buscar a proteção ou garantia de direitos atinentes à ordem urbanística, ao patrimônio público e social e a qualquer outro interesse difuso ou coletivo, nos moldes em que previstos no art. 1º da Lei nº 7.347/1985. Ora, no caso concreto, não resta dúvida alguma quanto à presença desses interesses, dado se tratar de área litorânea, com forte vocação para o turismo, portanto, sensível à ocupação urbana desenfreada, como sói acontecer nessas faixas de terras. No mais, a preocupação (logo o interesse genuíno do Parquet), também se volta para que a ocupação dessas áreas se dê de forma ordenada a fim de que se impacte o mínimo possível o meio ambiente. Em rigor, poderia se dizer que as razões que levaram à criação e manutenção das terras de marinha estariam centradas em quatro pilares de sua utilização: para atender aos serviços de embarque e desembarque de coisas públicas ou particulares, para a defesa da cidade e para a obtenção de renda, além de algumas vezes se prestarem a extração de sal. Desses, por óbvio, restam ainda hoje dois fatores que sempre são usados para justificar a permanência dos terrenos de marinha no direito constitucional e administrativo brasileiro: a segurança da orla e a arrecadação de receitas. Mais recentemente o governo federal alterou a missão da SPU para também inserir um novo argumento a essa questão: a função social dessas áreas em harmonia com o meio ambiente, sem perder de vista a arrecadação1. Portanto, também sob esse viés, há, sim, em tese, interesse do Ministério Público no agir. No mérito, contudo, decidiu com desacerto a sentença de primeiro grau. É verdade que os terrenos de marinha e seus acrescidos são bens da União, consoante previsto no art. 20, VII, da Constituição da República: Art. 20. São bens da União: [...] VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos; [...] 1 Cf. MARQUES, Célio. Terrenos de Marinha: (i)legalidade e democracia. Recife: Editora UFPE, 2010, p. 31.
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Também é certo que o Decreto-Lei nº 9.760/1946, recepcionado pela vigente Carta Magna e que regulamenta o referenciado dispositivo constitucional, estabelece em seu art. 9º, que compete à Secretaria do Patrimônio da União (SPU), determinar a posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias, verbis: SEÇÃO II DA DEMARCAÇÃO DOS TERRENOS DE MARINHA Art. 9º É da competência do Serviço do Patrimônio da União (SPU) a determinação da posição das linhas do preamar médio do ano de 1831 e da média das enchentes ordinárias.
É dizer, cabe à própria União, por meio da SPU, demarcar os terrenos de marinha. Contudo, não há qualquer disposição normativa impondo à União prazo para proceder à demarcação de tais áreas litorâneas. Daí que, ao assim decidir, a um só tempo findou o juízo sumariante por, efetivamente, legislar e por imiscuir-se impropriamente em função eminentemente administrativa do Poder Executivo. Mas, sabe-se bem, ao Poder Judiciário não cabe substituir os Poderes Legislativo e Executivo no exercício de atribuições que lhes são próprias e indelegáveis, sob pena de vulnerar o princípio da separação dos poderes, de base constitucional. Demais disso, ainda que se admitisse o acolhimento da medida postulada pelo Ministério Público em sua petição inicial, também não andou bem o decisum vergastado, dado que obriga a União a cumprir a obrigação em prazo incompatível com a complexidade do procedimento. Aliás, a própria sentença descreve (com destaque para as fls. 232/233, para as quais se remete) com riqueza de detalhes a gama de atos a ser obrigatoriamente realizados pela SPU, como condição prévia à definição da LMP. Ora, a própria descrição dos atos já demonstra a complexidade, os custos e demora (normal) na consecução das fases prévias de demarcação das terras, incompatíveis com o prazo imposto pela sentença de primeiro grau. 289
Demais disso, não está dito que a área que se pretende demarcar é verdadeiramente de marinha, dado que apenas depois de observado todo o procedimento descrito nos arts. 11 e seguintes do Decreto-Lei nº 9.760/1946, é que se poderá dizer se se trata de terrenos de marinha ou não. Concluir o contrário é o mesmo que admitir que a observância ao contraditório, instituído constitucional e legalmente, com vistas a colher manifestação do particular a fim de comprovar a titularidade da propriedade e a descaracterização das terras como de marinha fosse, seria letra morta. De outro lado, não se há falar em prejuízo da demora na hipótese dos autos, dado que além da ausência de demonstração do alegado prejuízo, o direito da União de demarcar os terrenos de marinha dista, no mínimo, da regulamentação da matéria feita pelo vetusto Decreto-Lei 9.760, editado no longínquo ano de 1946. Mercê do exposto, com essas breves considerações, dou provimento ao apelo da União. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0808371-31.2018.4.05.8400-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA Apelante: ORLANDO AUGUSTO DE FIGUEIREDO Apelada: UNIÃO FEDERAL Adv./Proc.: DR. MARCELO JAIME FERREIRA (APTE.) EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E CONSTITUCIONAL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA COLETIVA. LISTAGEM DOS SERVIDORES SUBSTITUÍDOS. IRRELEVÂNCIA. LIMITES SUBJETIVOS DA COISA JULGADA. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Apelação interposta contra sentença, em cumprimento de sentença, reconheceu a ilegitimidade da parte exequente e declarou extinto o feito sem resolução de mérito, sob o fundamento de que a mesma não comprovou que o seu nome 290
consta na lista que instruiu a petição inicial da Ação Coletiva nº 0000423-33.2007.4.01.3400. 2. É irrelevante a existência da listagem de servidores, posto que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “no sentido da ampla legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos” (RE 883.642 RG, Relator(a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 18/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-124, DIVULG 25-06-2015, PUBLIC 26-06-2015), e desta Corte Regional, entendendo que “são legitimados ativos para a execução os servidores e pensionistas que, independentemente de filiação ao sindicato, provarem, na fase executiva, fazer parte da categoria representada e se enquadrarem na situação jurídica contemplada pelo título executivo (PROCESSO: 08001715820154058103, AC/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI, 3ª Turma, JULGAMENTO: 05/07/2016). 3. Precedentes: PROCESSO: 0801809202017 4050000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 10/05/2017; PROCESSO: 0806413462018 4058000, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO, 2ª Turma, JULGAMENTO: 20/05/2019. 6. Apelação provida. Sentença anulada para determinar o prosseguimento da execução. ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sua composição ampliada, por maioria, vencidos os Desembargadores Federais Fernando Braga e Ro-
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berto Machado, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 28 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA: Apelação interposta contra sentença, em cumprimento de sentença, reconheceu a ilegitimidade da parte exequente e declarou extinto o feito sem resolução de mérito, sob o fundamento de que a mesma não comprovou que o seu nome consta na lista que instruiu a petição inicial da Ação Coletiva nº 0000423-33.2007.4.01.3400. Alega a apelante que a formação da coisa julgada nos autos da ação coletiva deve beneficiar todos os servidores da categoria, e não apenas aqueles que figurem como substituídos na respectiva listagem, uma vez que os sindicatos detêm ampla legitimidade para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de autorização dos substituídos. Contrarrazões apresentadas. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA (Relator): É irrelevante a existência da listagem de servidores, posto que, nos termos da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, “no sentido da ampla legitimidade extraordinária dos sindicatos para defender em juízo os direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, inclusive nas liquidações e execuções de sentença, independentemente de 292
autorização dos substituídos” (RE 883.642 RG, Relator(a): Min. MINISTRO PRESIDENTE, julgado em 18/06/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-124, DIVULG 25-06-2015, PUBLIC 26-06-2015), e desta Corte Regional, entendendo que “são legitimados ativos para a execução os servidores e pensionistas que, independentemente de filiação ao sindicato, provarem, na fase executiva, fazer parte da categoria representada e se enquadrarem na situação jurídica contemplada pelo título executivo (PROCESSO: 08001715820154058103, AC/ CE, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI, 3ª Turma, JULGAMENTO: 05/07/2016). Cite-se, ainda, nesse mesmo sentido, deste TRF5 entendendo pela legitimidade do servidor integrante da categoria para promover a execução individual da ação coletiva ajuizada pelo sindicato da respectiva categoria: PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO DE SENTENÇA. LEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO. JUROS DE MORA E CORREÇÃO MONETÁRIA. CRITÉRIOS. TERMO INICIAL. CITAÇÃO NA AÇÃO ORIGINÁRIA. AGRAVO INSTRUMENTO IMPROVIDO. 1. Agravo de instrumento interposto pela UNIÃO contra decisão do MM. Juízo Federal da 2ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco que, em sede de embargos à execução de título executivo judicial – que, em ação rescisória, garantira o pagamento de adicional por tempo de serviço aos servidores substituídos pelo sindicato autor –, rejeitou a alegação de ilegitimidade ativa do sindicato para promover a execução e determinou que os autos fossem encaminhados à Contadoria do Juízo para adequação dos cálculos da execução, de sorte a que os juros de mora fossem contados a partir da citação na ação originária, a correção monetária observasse o Manual de Cálculos da Justiça Federal, e os honorários advocatícios fossem calculados à razão de 10% sobre o valor da condenação, como previsto no título executivo judicial. 2. Os tribunais superiores adotaram entendimento no sentido de que o sindicato, na figura de substituto processual, tem legitimidade para defender judicialmente interesses coletivos de toda a categoria, e não apenas de seus filiados, sendo dispensável a junta293
da da relação nominal dos filiados e de autorização expressa. Assim, a formação da coisa julgada nos autos de ação coletiva deveria beneficiar todos os servidores da categoria, e não apenas aqueles que na ação de conhecimento demonstrem a condição de filiado do autor. 3. Enquanto pendente de julgamento o RE 870.947/SE, que reconheceu a existência de repercussão geral a respeito da validade jurídico-constitucional da correção monetária e dos juros moratórios na forma estabelecida pelo art. 5º da Lei nº 11.960/09 (no que toca à condenação imposta à Fazenda Pública até a expedição do requisitório), é de se aplicar o Manual de Cálculos da Justiça Federal vigente quando da execução do julgado (AC 581.028/SE, Rel. Des. Federal Paulo Machado Cordeiro, julgada em 11/06/2015). No mesmo sentido: PROCESSO: 08035246820134058300, APELREEX/PE, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, Pleno, JULGAMENTO: 05/09/2016. 4. No que pertine ao termo inicial dos juros de mora, estes devem ser contados a partir da citação no feito originário, pois a mora existe desde o momento em que a parcela remuneratória deixou de ser paga indevidamente, segundo restou definido no acórdão proferido na ação rescisória (STJ, AR 1.091/PE). Do contrário, haveria enriquecimento indevido da UNIÃO, que, calcada em julgado totalmente substituído pelo acórdão da rescisória (juízo rescisório), se beneficiaria de julgamento identificado como contrário à ordem jurídica. Precedente da Turma: PROCESSO: 08075905720164050000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 3ª Turma, JULGAMENTO: 18/02/2017). 5. Agravo de instrumento improvido. (PROCESSO: 08018092020174050000, AG/SE, DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 10/05/2017). CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. AÇÃO COLETIVA PROMOVIDA POR ENTIDADE SINDICAL. EXECUÇÃO INDIVIDUAL. LEGITIMIDADE. PROVIMENTO. Trata-se de apelação de sentença que extinguiu o feito sem resolução de mérito por reconhecer a ilegitimidade ativa do exequente, em razão de não ter sido comprova294
da a sua filiação ao SINDIFISCO (à época UNAFISCO) quando do ajuizamento da ação principal. Honorários advocatícios fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, nos termos do art. 85 do CPC/2015. Em suas razões recursais, o apelante argumenta a amplitude da substituição processual, a qual é extensiva a toda categoria. Sustenta que o Sindifisco Nacional, autor da Ação Coletiva nº 2007.34.00.000424-0, atuou na qualidade de substituto processual de toda categoria que representa, razão pela qual o título judicial formado naquele feito aproveita a toda categoria, não havendo qualquer obrigação de se juntar ao observar eventual lista de substituídos. Alega que a sentença apelada contraria o entendimento firmado pelo STF, em sede repercussão geral, no RE nº 883.642/AL. Requer o afastamento da ilegitimidade ativa e a baixa dos autos para o normal prosseguimento do feito. O caso dos autos trata de cumprimento de sentença fundamentado em título judicial que conferiu aos substituídos do Sindifisco Nacional o direito a perceber os valores referentes à incorporação da denominada Gratificação de Desempenho de Atividade Tributária (GAT) ao vencimento básico da categoria dos Auditores Fiscais da Receita Federal do Brasil. O cerne da demanda está na legitimidade ativa do apelante para a execução do título judicial, independentemente de ser filiado ao sindicato à época da propositura da ação de conhecimento. O plenário do STF possui entendimento consolidado, com repercussão geral – RE nº 883.642-AL –, no sentido de que os sindicatos possuem ampla legitimidade ativa para atuarem como substituto processual na defesa de direitos e interesses coletivos ou individuais dos integrantes da categoria que representam, sendo desnecessária a autorização individual dos substituídos. Este Tribunal já decidiu em casos análogos que “são legitimados ativos para a execução os servidores que, independentemente de filiação ao sindicato, provarem, na fase executiva, fazer parte da categoria representada e se enquadrarem na situação jurídica contemplada pelo título executivo”. Precedente: PROCESSO: 08004237520124058100, DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO, 1ª Turma, JULGAMENTO: 26/05/2018, PUBLICAÇÃO: Dessa forma, a ilegitimidade ativa do
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apelante deve ser afastada. Apelação provida. (PROCESSO: 08064134620184058000, DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO, 2ª Turma, JULGAMENTO: 20/05/2019)
Posto isso, dou provimento à apelação para anular a sentença e determinar o prosseguimento da execução. É como voto.
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 080016259.2016.4.05.8201-PB (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO Apelante: UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE Apelada: THAYSE MOTA ALVES Adv./Proc.: DRA. JOCENILDA DE LACERDA RODRIGUES E ARAÚJO (APDA.) EMENTA: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ALUNA CONCLUINTE. CONCLUSÃO DE COMPONENTE CURRICULAR. CARGA HORÁRIA. CUMPRIMENTO. COLAÇÃO DE GRAU. RAZOABILIDADE. 1. Remessa oficial e apelação de sentença que concedeu a segurança, confirmando a liminar deferida, determinando à autoridade impetrada que, em definitivo, considere concluído o componente curricular “Estágio Supervisionado II”, com certificação da conclusão do curso da impetrante, bem como com a concessão do referido grau, caso restassem preenchidos todos os demais requisitos. 2. Em suas razões, a UFCG argumenta, em síntese, que: a) o pedido da impetrante corresponde à supressão de duas semanas de atividades práticas que são indispensáveis para a formação do profissional de enfermagem; b) nenhum aluno está autorizado a faltar até 25% das atividades acadêmicas, o que implicaria, ao longo de um 296
curso, a supressão de 1.042 horas, o que demonstra não ser plausível ou razoável o raciocínio de que se trata de “tão ínfima carga-horária de 1,63% da sua graduação”; c) a determinação no sentido de se considerar concluída a disciplina “Estágio Supervisionado II” e, em consequência, de ser certificada a conclusão do curso de enfermagem e realizada a colação de grau, significa que se estará certificando a aptidão de estudante que não concluiu o ensino superior para o exercício da profissão, o que representa risco para a sociedade. 3. O cerne da controvérsia tratada nos autos cinge-se ao direito da aluna concluinte de ter assegurado o status de concluído para o componente curricular “Estágio Supervisionado II” (tendo completado 83,81% da carga-horária do referido componente – mais que a frequência mínima exigida pelo art. 24, VI, da Lei 9394/1996, qual seja, 75% do total de horas letivas, para aprovação), considerando-se que a mesma cumpriu 98,37% da carga horária total da sua graduação, já tendo realizado todas as avaliações referentes a tal curso e obtido aprovação em relação a todas elas. 4. Tratando-se de aluna concluinte, justifica-se que a autonomia didático-científica da universidade, assegurada pelo art. 207 da CF/88, seja excepcionada, em face do princípio da razoabilidade, para considerar concluído o componente curricular “Estágio Supervisionado II”, por aluna que concluiu todas as disciplinas, conforme histórico escolar e Trabalho de Conclusão de Curso, tendo integralizado uma carga horária de 4.102 horas do curso, de um total de 4.170, com alto coeficiente de rendimento acadêmico, já tendo sido submetida a todas as avaliações do seu curso superior, não sendo pertinente impedi-la de participar de Residência para a qual obteve 297
aprovação por ter deixado de cumprir da carga horária de 1,63% do total da sua graduação. 5. In casu, a liminar foi deferida, não foi impugnada e, posteriormente, restou confirmada pela sentença que concedeu a segurança, tendo sido assegurada à impetrante a certificação da conclusão do curso de enfermagem e realizada a colação de grau, considerando-se cumprido o componente curricular “Estágio Supervisionado II” em semestre já, há muito, findo, de maneira que a situação restou consolidada, havendo impossibilidade material de reversão da medida. 6. Precedentes da 2ª Turma deste Regional: PJe 08054613420184058205, Rel. Des. Fed. Leonardo Carvalho, Data do Julgamento: 08/04/2019; PJe 0812652-39.2018.4.05.8300, Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, data de julgamento: 26/03/2019. 7. Remessa oficial e apelação desprovidas. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram como partes as acima identificadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sua composição ampliada, por maioria, negar provimento à remessa oficial e à apelação, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 26 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO: Cuida-se de remessa oficial e apelação de sentença que concedeu a segurança, confirmando a liminar, determinando à autoridade impetrada que, em definitivo, considere concluído o componente curricular “Estágio Supervisionado II”, devendo certificar a conclu298
são do curso da impetrante, bem como conceder o referido grau, caso restem preenchidos todos os demais requisitos. Em suas razões, a UFCG argumenta, em síntese, que: a) o pedido da impetrante corresponde à supressão de duas semanas de atividades práticas que são indispensáveis para a formação do profissional de enfermagem; b) nenhum aluno está autorizado a faltar até 25% das atividades acadêmicas, o que implicaria, ao longo de um curso, na supressão de 1.042 horas, o que demonstra não ser plausível ou razoável o raciocínio de que se trata de “tão ínfima carga-horária de 1,63% da sua graduação”; c) a determinação no sentido de se considerar concluída a disciplina “Estágio Supervisionado II” e, em consequência, de ser certificada a conclusão do curso de enfermagem e realizada a colação de grau, significa que se estará certificando a aptidão de estudante que não concluiu o ensino superior para o exercício da profissão, o que representa risco para a sociedade. Sem contrarrazões. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO (Relator): O cerne da controvérsia tratada nos autos cinge-se ao direito da aluna concluinte de ter assegurado o status de concluído para o componente curricular “Estágio Supervisionado II” (tendo completado 83,81% da carga horária do referido componente), certificando-se a conclusão do curso da impetrante, bem como concedendo-lhe o referido grau, considerando-se que a mesma cumpriu 98,37% da carga horária total da sua graduação, já tendo realizado todas as avaliações referentes a tal curso e obtido aprovação em relação a todas elas. No caso sub examine, não há óbice em se tomar a fundamentação deduzida na sentença como razões de decidir. A fundamentação per relationem, a propósito, não importa em ofensa ao ditame inserto no artigo 93, inciso IX, da Constituição da República, consoante jurisprudência sedimentada no Supremo Tribunal Federal. Confira-se, por todos, o seguinte precedente: 299
DIREITO PROCESSUAL CIVIL E DIREITO CIVIL. VEICULAÇÃO DE IMAGEM SEM AUTORIZAÇÃO. DANOS MORAIS. INDENIZAÇÃO. SUPOSTA AFRONTA AOS ARTS. 5º, IV, IX E XIV, 93, IX, E 220 DA CARTA MAIOR. MOTIVAÇÃO REFERENCIADA (PER RELATIONEM). AUSÊNCIA DE NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. ACÓRDÃO REGIONAL EM QUE ADOTADOS E TRANSCRITOS OS FUNDAMENTOS DA SENTENÇA LASTREADA NO CONJUNTO PROBATÓRIO. SÚMULA 279/STF. INTERPRETAÇÃO DE NORMAS DE ÂMBITO INFRACONSTITUCIONAL. EVENTUAL VIOLAÇÃO REFLEXA NÃO VIABILIZA O MANEJO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Consoante pacificada jurisprudência deste Supremo Tribunal Federal, tem-se por cumprida a exigência constitucional da fundamentação das decisões mesmo na hipótese de o Poder Judiciário lançar mão da motivação referenciada (per relationem). Precedentes. Além de a pretensão da recorrente demandar reelaboração da moldura fática delineada no acórdão de origem, a suposta afronta ao preceito constitucional indicado nas razões recursais dependeria da análise de legislação infraconstitucional, o que torna oblíqua e reflexa eventual ofensa, insuscetível, portanto, de viabilizar o conhecimento do recurso extraordinário, considerada a disposição do art. 102, III, a, da Lei Maior. Agravo conhecido e não provido. (AI 855.829 AgR, Relator(a): Min. Rosa Weber, Primeira Turma, DJe-241 Public 10-12-2012)
Nesse passo, penso seja oportuno reproduzir o seguinte excerto da sentença, com grifos acrescidos ao original: No caso, este juízo depara-se com a situação de aluna que necessita obter, o quanto antes, certificado de conclusão de curso superior em Enfermagem para, desse modo, entre os dias 22 a 26/02/2016, poder assinar termo de compromisso relativamente à Pós-Graduação (Residência) para a qual foi aprovada, destacado-se que referida aluna já cumpriu 98,37% da carga horária total da sua graduação, já tendo realizado todas as avaliações referentes a tal curso e obtido aprovação em relação a todas elas. 8. Nessa situação, entende este juízo que possui plausibilidade jurídica o pedido da autora de antecipar sua colação de grau pelos seguintes fundamentos: a) 300
considerando que a universidade já avaliou a impetrante em relação a todos os componentes curriculares do curso (inclusive em relação ao componente curricular “Estágio Supervisionado II”) e conferiu aprovação em todos eles, infere-se que a referida instituição de ensino considerou que a impetrante teria tido aproveitamento satisfatório em todos os respectivos componentes e, em consequência, estaria apta a obter o respectivo grau, apesar de ela ter deixado de completar 16,19% da carga-horária do componente “Estágio Supervisionado II”; b) como a impetrante completou 83,81% da carga-horária do componente curricular “Estágio Supervisionado II”, resta demonstrado que ela cumpriu mais que do que a frequência mínima exigida pelo art. 24, VI, da Lei 9.394/1996 (75% do total de horas letivas para aprovação); c) e, por fim, atentaria contra a razoabilidade impedir que uma aluna, com alto CRA e já tendo sido submetida a todas as avaliações do seu curso superior, seja impedida de participar de Residência para a qual obteve aprovação por ter deixado de cumprir da carga horária de 1,63% da sua graduação, atrasando a vida profissional da mesma por tão ínfima carga-horária faltante para a integralização da carga-horária total de seu curso superior, quando, repita-se, já realizou e obteve êxito em todas as avaliações pertinentes a tal curso.
A liminar foi concedida em 18/02/2016. Ao seu turno, a segurança foi concedida em 31/03/2016. Concordo com o entendimento de que, tratando-se de aluno concluinte, justifica-se interferir na autonomia didático-científica da universidade, assegurada pelo art. 207 da CF/88, em face do princípio da razoabilidade, para autorizar aluna que concluiu todas as disciplinas conforme histórico escolar e Trabalho de Conclusão de Curso, tendo integralizado uma carga horária de 4102hs do curso, de um total de 4.170, com alto coeficiente de rendimento acadêmico, já tendo sido submetida a todas as avaliações do seu curso superior, seja impedida de participar de Residência para a qual obteve aprovação por ter deixado de cumprir da carga horária de 1,63% da sua graduação. Ademais, no caso em tela, como visto, a liminar foi deferida, não foi contestada e, posteriormente, restou confirmada pela sentença que concedeu a segurança, tendo sido assegurada à impetrante 301
a certificação da conclusão do curso de enfermagem e realizada a colação de grau, considerando-se cumprido o componente curricular “Estágio Supervisionado II” em semestre já, há muito, findo. De maneira que a situação restou consolidada, havendo impossibilidade material de reversão da medida (fato consumado). Sobre o assunto, cito os seguintes julgados da Segunda Turma deste Regional, com grifos acrescidos ao original: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. MATRÍCULA. DISCIPLINA EM SISTEMA DE PRÉ-REQUISITO. POSSIBILIDADE DE CURSAR SIMULTANEAMENTE COM DISCIPLINA DO ÚLTIMO SEMESTRE. ALUNO CONCLUINTE. RAZOABILIDADE. I. Trata-se de remessa oficial de sentença que, confirmando a liminar deferida, concedeu a segurança para determinar a matrícula da parte impetrante, aluno concluinte no Bacharelado em Direito pelas Faculdades Integradas de Patos, nas disciplinas de Prática Jurídica III e IV. II. A matrícula simultânea em disciplinas que deveriam ser cursadas sequencialmente, em regime de pré-requisito, desde que justificada pelo não retardamento na conclusão do curso de aluno concluinte, não acarreta lesão grave à autonomia ditático-científica (art. 207 da CF) da faculdade, posto que satisfeito o princípio da integralização curricular, tampouco à didática do ensino superior, desde que logre o acadêmico aprovação nas disciplinas, suprindo com seu esforço a carência do requisito. III. Em se tratando de aluno concluinte, há que se flexibilizar a aludida exigência, a fim de permitir a matrícula simultânea em disciplinas que guardam entre si uma relação de sucessão, a fim de que não se postergue o ingresso da demandante no mercado de trabalho, em respeito ao princípio da razoabilidade. Precedentes: TRF 5ª Região, proc. 08003627820164058100, rel. Desembargador Federal Élio Wanderley de Siqueira Filho, julg. 28.10.2016; Proc. 08008089120154058302, rel. Desembargador Federal Cid Marconi, julg. 17.3.2016. IV. Remessa oficial improvida. Ressalva do entendimento pessoal do Desembargador Vladimir Carvalho. (TRF5, 2ª Turma, PJe 08054613420184058205, Relator: Desembargador Federal Leonardo Carvalho, Data do Julgamento: 08/04/2019) 302
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. SUPOSTO ERRO TÉCNICO. MATRÍCULA EM DUAS DISCIPLINAS. FATO CONSUMADO. 1. O cerne da questão a ser aqui dirimida consiste em saber se a impetrante, aluna do curso de Arquitetura e Urbanismo da UFPE, faz jus à matrícula em duas disciplinas do curso, o que, segundo alega, teria sido obstado por erro técnico no Sistema Integrado de Gestão Acadêmica - SIGA. 2. Por força da decisão que concedeu a liminar e que restou ratificada pela sentença, a autora foi matriculada nas disciplinas em foco, e mais, cursou-as obtendo aprovação. 3. Diante da impossibilidade da reversão dos fatos ao estado anterior, posto que as aulas ministradas e o aprendizado correspondente são irretiráveis, é de se manter a decisão, reconhecido o fato consumado. 4. Apelação e remessa oficial improvidas. (TRF5, 2ª Turma, PJe 0812652-39.2018.4.05.8300, Rel. Des. Fed. Paulo Roberto de Oliveira Lima, data de julgamento: 26/03/2019)
Com estas considerações, nego provimento à remessa oficial e à apelação. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0805867-95.2019.4.05.0000-SE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Relator Conv.: DESEMBARGADOR FEDERAL RODRIGO VAS CONCELOS CÔELHO DE ARAÚJO (CONVOCADO) Apelante: ELIZEU CRUZ DE ANDRADE Apelado: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Adv./Proc.: DRA. NAYJARA LOPES DE MATOS (APTE.) EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. RESTABELECIMENTO DE AUXÍLIO-DOENÇA. LAUDO PERICIAL. CONSTATAÇÃO DE QUE A AUTORA POSSUI DIVERSAS PATOLOGIAS, SEM NEXO OCUPACIONAL, QUE NÃO O INCAPACITA PARA O TRABALHO. 303
1. Trata-se de ação cível proposta por particular contra o INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando o restabelecimento do benefício previdenciário de auxílio-doença. 2. O MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível e Criminal de Tobias Barreto/SE julgou improcedente o pedido formulado na inicial, por entender que a prova da incapacidade laboral, “para a obtenção do benefício postulado, exige necessariamente a realização de perícia médica, seja na seara administrativa, perante o órgão da previdência, seja na seara judicial, por intermédio de determinação do magistrado”. Dessa forma, frisou que o laudo pericial acostado às fls. 144/147 apontou a patologia degenerativa na coluna lombar, porém sem apresentar nexo causal com o labor do demandante, entre outras enfermidades. Ainda, o referido documento identificou que a parte autora esteve incapacitado para o trabalho temporariamente durante o período compreendido entre outubro de 2014 e outubro de 2016, de modo que atualmente se encontra apto a exercer sua função laboral. 3. O apelante busca a condenação do INSS a lhe conceder o restabelecimento do benefício de auxílio-doença. Em suas razões recursais, pugna que o laudo médico deve ser desconsiderado ao fito de que incapaz de observar todas as patologias apresentadas pelo recorrente, as quais o incapacitam para o trabalho quando consideradas em conjunto. Além disso, alega que a sentença vergastada não se fundamentou em todas as doenças de que o autor é portador, o que lhe ocasionou o cerceamento de defesa. 4. No caso em apreço, restou demonstrado que a parte autora apresenta diversas enfermidades, mas que não possuem nexo ocupacional, não causando inaptidão para o trabalho, segundo as informações constantes no documento de fl. 22. 304
5. Analisando a prova da incapacidade laborativa, compulsando os autos, constata-se, através da perícia judicial (fls. 144/147), que a parte autora é portadora das seguintes patologias: lombalgia (CID M45), depressão e ansiedade (CID F42) e artralgia em joelho esquerdo não incapacitante, as quais não têm nexo ocupacional, de modo que não o incapacitam para o trabalho. 6. Menciona o juízo a quo o seguinte: “em relação ao requisito da incapacidade temporária para o exercício da atividade que lhe garante a subsistência, não se mostrou evidenciado, mormente do laudo pericial concluiu que o autor não padece de incapacidade laborativa. O laudo pericial é contundente ao declarar que a doença do requerente não o impossibilita para o exercício da sua atividade habitual”. 7. Não há motivos para rebater o laudo médico, tendo em vista este ter sido bem confeccionado e fundamentado. Ademais, o expert em questão é profissional competente, imparcial, como terceiro desinteressado na lide. Portanto, não há óbice em adotar suas conclusões como razão de decidir, permeadas que são por critérios técnico-científicos, os quais não restaram elididos pelos elementos trazidos aos autos. Além disso, na hipótese de conflito entre o laudo pericial do expert do juízo e as considerações de outros especialistas, é de se dar primazia ao primeiro, ante o caráter de absoluta imparcialidade com que foi elaborado. 8. As informações médicas presentes nos autos não evidenciam a existência de incapacidade laborativa da demandante, hábil a conceder o benefício previdenciário requerido. 9. Condenação da parte apelante ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, ficando, contudo, sobrestada a sua exigibi305
lidade de acordo com o art. 98, § 3º, do CPC/2015, em razão do deferimento da justiça gratuita. 10. Recurso de apelação não provido. ACÓRDÃO Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em composição ampliada, por maioria, negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 14 de agosto de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RODRIGO VASCONCELOS CÔELHO DE ARAÚJO (Convocado): Trata-se de ação cível proposta por particular contra o INSS - INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL, objetivando o restabelecimento do benefício previdenciário de auxílio-doença. O MM. Juiz de Direito da 2ª Vara Cível e Criminal de Tobias Barreto/SE julgou improcedente o pedido formulado na inicial, por entender que, “não preenchido um dos requisitos para a obtenção de qualquer dos benefícios postulados, qual seja, a incapacidade laboral, não há como conferir à parte autora a benesse postulada, por falta de integral adequação aos preceitos normativos que regem a espécie”. Dessa forma, frisou que o laudo pericial acostado (Id. 4050000.15396323, fl. 35) é contundente ao declarar que a doença do Requerente não o impossibilita para o exercício da sua atividade habitual, qual seja, promotor de vendas. O apelante busca a condenação do INSS, para que seja concedido o restabelecimento do benefício de auxílio-doença. Em suas razões recursais, aduz que o laudo médico deve ser desconsiderado, pois incapaz de observar todas as patologias apresentadas pelo recorrente, que o incapacitam para o trabalho quando consideradas em conjunto. Além disso, alega que a senten306
ça vergastada não se fundamentou em todas as doenças de que o autor é portador, o que lhe ocasionou o cerceamento de defesa. Contrarrazões não apresentadas pelo INSS. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RODRIGO VASCONCELOS CÔELHO DE ARAÚJO (Relator Convocado): A questão em debate no presente recurso versa sobre a comprovação da incapacidade do particular, para fins de restabelecimento do benefício de auxílio-doença. É cediço que o auxílio-doença é o benefício previdenciário devido aos segurados da Previdência Social que se encontrem impossibilitados para exercer suas atividades laborativas em virtude de moléstia incapacitante e deve ser pago pelo INSS a partir do 16º (décimo sexto) dia de afastamento do trabalho. No caso em apreço, restou demonstrado que a parte autora apresenta diversas enfermidades, mas que não possuem nexo ocupacional, não causando inaptidão para o trabalho, segundo as informações constantes laudo pericial (Id. 4050000.15396323, fl. 35). Analisando a prova da incapacidade laborativa, constata-se, através da perícia judicial, que a parte autora é portadora das seguintes patologias: lombalgia (CID M45), depressão e ansiedade (CID F42) e artralgia em joelho esquerdo não incapacitante, as quais não têm nexo ocupacional, de modo que não o incapacitam para o trabalho. Menciona o juízo a quo o seguinte: em relação ao requisito da incapacidade temporária para o exercício da atividade que lhe garante a subsistência, não se mostrou evidenciado, mormente o laudo pericial concluiu que o autor não padece de incapacidade laborativa. O laudo pericial é contundente ao declarar que a doença do requerente não o impossibilita para o exercício da sua atividade habitual. O laudo pericial foi claro ao concluir que há possibilidade de reversão das enfermidades através de fisioterapia e medicação. 307
Acrescentou que, o periciando tem patologia degenerativa em coluna lombar, sem nexo causal com seu trabalho. Portanto, não há motivos para rebater o laudo médico, tendo em vista este ter sido bem confeccionado e fundamentado. Ademais, o expert em questão é profissional competente, imparcial, como terceiro desinteressado na lide. Portanto, não há óbice em adotar suas conclusões como razão de decidir, permeadas que são por critérios técnico-científicos, os quais não restaram elididos pelos elementos trazidos aos autos. Além disso, na hipótese de conflito entre o laudo pericial do expert do juízo e as considerações de outros especialistas, é de se dar primazia ao primeiro, ante o caráter de absoluta imparcialidade com que foi elaborado. Apesar de as conclusões do laudo pericial não terem o condão de vincular o julgador, é prova da qual se podem extrair elementos de convicção em face da imparcialidade do perito judicial, que, por dever de ofício, há de se manter equidistante dos interesses das partes litigantes. As informações médicas presentes nos autos não evidenciam a existência de incapacidade laborativa da parte demandante, hábil a conceder o benefício previdenciário requerido. Assim, restou demonstrado que a parte apelante não está incapacitada de exercer sua atividade profissional, qual seja, promotor de vendas, não possuindo, portanto, requisito essencial à concessão do benefício de auxílio-doença requerido. Condenação da parte apelante ao pagamento de honorários recursais, nos termos do art. 85, § 11, do CPC, devendo a verba honorária sucumbencial ser majorada de 10% (dez por cento) para 12% (doze por cento) sobre o valor da causa, ficando, contudo, sobrestada a sua exigibilidade de acordo com o art. 98, § 3º, do CPC/2015, em razão do deferimento da justiça gratuita. Ante o exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0813875-79.2017.4.05.8100-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CAR VALHO Apelante: ANTÔNIA LOPES DA SILVA Apelados: MARIA RAQUEL KUIASKI OLIVEIRA E OUTROS Recte. Ades.: MATHEUS DA SILVA OLIVEIRA Advs./Procs.: DRS. FRANCISCO TAUMATURGO DE ARAUJO NETO (APTE.), LUAN RIBEIRO DE BORBA E OU TRO (RECTE. ADES.) E KARINA MARIA QUARI GUASY PEREIRA VERAS E OUTROS (APDOS.) EMENTA: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. PENSÃO POR MORTE. RATEIO ENTRE VIÚVA E COMPANHEIRA. POSSIBILIDADE. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA COMPROVADA. 1. Trata-se de apelação e recurso adesivo de sentença que julgou improcedente o pedido exordial de concessão de pensão por morte, fundamentado na existência de concubinato impuro, o qual não pode ser aceito como união estável para fins previdenciários. Honorários sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, observada, contudo, a condição suspensiva estabelecida no art. 98, § 3º, do CPC/2015. 2. Em suas razões, apela a parte autora, Antônia Lopes da Silva, arguindo a nulidade da sentença em razão de ter havido afronta ao art. 10 do CPC/2015, tendo o magistrado de piso proferido uma decisão surpresa, totalmente contrária às provas carreadas aos autos, já que a demandante consta como dependente do falecido nas declarações de IRPF dos anos de 2007 a 2015. Ainda em sede de preliminar de nulidade, sustenta ter havido cerceamento de defesa, devido a não apreciação do pedido de tutela antecipada formulado na inicial. No mérito, aduz que o de cujus estava separado de fato da sua esposa 309
no momento da sua morte, que mantinha com ele uma relação de união estável, com ânimo de constituir família, conforme demonstram as provas anexadas ao processo, como declaração de imposto de renda, fotos, declarações dos profissionais médicos, extratos de cartões de créditos e comprovante de endereço. Requer a total reforma da sentença. 3. Adesivamente, recorre o filho do falecido com a autora/apelante, Matheus da Silva Oliveira, litisconsorte passivo necessário na demanda, arguindo, preliminarmente, a nulidade do julgamento, em razão de ter havido cerceamento de defesa, diante da omissão do julgado acerca da designação de audiência de instrução, mesmo tendo sido requerida tanto pela esposa do instituidor, quanto pela companheira. Sustenta a necessidade da dilação probatória. No mérito, aduz a existência de provas suficientes a atestar a união estável dos seus genitores, bem como a ocorrência da separação de fato entre o falecido e sua esposa, Maria Raquel Kuiaski, desde o início dos anos 90. Ressaltou a total dependência econômica da sua mãe, Antônia Lopes da Silva, em relação ao falecido. Pugna pela concessão de tutela de urgência. 4. Preliminarmente, quanto à alegação de cerceamento de defesa feita pela postulante, cabe esclarecer que à luz do art. 443, I, do Código de Processo Civil, o juiz pode indeferir a inquirição de testemunha sobre fatos já provados por documentos. No caso em questão, observa-se que os documentos acostados ao processo são suficientes para o deslinde da causa, de modo que a negativa do magistrado de piso foi totalmente coerente. Preliminar afastada. 5. No que tange à alegação de cerceamento de defesa relacionada a não apreciação do pedido liminar, verifica-se que essa questão foi enfren310
tada pelo Juízo a quo no trecho da decisão, em sede de embargos declaratórios, de maneira que esta preliminar também deve ser afastada: “Por fim, proferida sentença reconhecendo a total improcedência da pretensão autoral, é patente a ausência de probabilidade do direito alegado (um dos requisitos constantes do art. 300 do CPC para concessão da tutela de urgência), sendo desnecessária uma manifestação mais pormenorizada sobre o indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela postulada”. (Id.: 4058100.3633975) 6. O caso dos autos trata de ação ordinária proposta por Antônia Lopes da Silva, com pedido de antecipação de tutela, cuja pretensão é o reconhecimento do direito ao benefício de pensão por morte, decorrente do falecimento do servidor público federal Edvando Marques Oliveira, falecido em 07/06/2014. 7. O benefício de pensão por morte de servidor público federal é regulado nos termos do art. 217, II e III, da Lei nº 8.112/90. 8. A fim de comprovar a condição de companheira do de cujus, a demandante juntou os seguintes documentos aos autos: fotos em datas comemorativas contendo o falecido, a autora e o filho em comum (aniversários, batismo e primeira comunhão); declaração emitida por médico particular atestando que a autora acompanhou o falecido em consultas médicas, datados de 07/07/2014 e 21/08/2014; comprovantes de transferências bancárias realizadas pelo instituidor para a postulante; declaração da oficina All Car informando que o falecido frequentava o estabelecimento acompanhado da demandante; faturas de cartões de crédito em que constam a autora como dependente do de cujus, referentes aos anos de 2008 e 2009; cartões de associação à parque aquático na condição de dependente do falecido; cobrança de 311
IPTU em nome do falecido referente ao imóvel em que a postulante reside e declarações de IRPF do de cujus dos anos de 2007 a 2015 em que consta como dependente a autora (Id.: 4058100.2923477 e 4058100.2923474). 9. Em sede de contestação, a viúva do servidor, Maria Raquel Kuiaski Oliveira, colacionou os seguintes documentos a fim de comprovar que os dois viviam maritalmente à época do óbito: certidão de casamento, datada de 05/02/1983; documento de identidade da filha, nascida em 01/08/1983; Alvará Judicial de interdição do falecido, no qual consta como curadora a esposa, expedido em 21/01/2014; procuração particular na qual a esposa outorgava poderes ao marido para adquirir empréstimo/arrendamento/parcelamento em seu nome, datada de 2010; comprovante de endereço (conta de luz, conta de água e fatura de cartão de crédito), onde consta o mesmo endereço para os dois; IPTU contendo o endereço do imóvel em que a viúva reside, com propriedade do falecido; Certidão de Quitação Eleitoral por tempo indeterminado, emitida pelo TRE/CE, em que consta como declarante a viúva, informando ao órgão o acometimento de doença (Síndrome Demencial Avançada), datada de 07/05/2014; comprovação de licença por motivo de doença em pessoa da família (cônjuge), emitida pelo Ministério da Fazenda, nos períodos de 18/11/2013 a 02/12/2013 e 06/01/2014 a 26/01/2014; NFS-e referente a despesas com o funeral do de cujus em nome da esposa (Id.: 4058100.3255089 e 4058100.3255088). 10. Da análise da vasta documentação acostada aos autos, restou demonstrado que a postulante teve um relacionamento amoroso com o falecido na constância do casamento deste com sua esposa. Também ficou claro que embora o de cujus tenha dado suporte financeiro à companheira e 312
seu filho, fruto do relacionamento extraconjugal, ele nunca desconstituiu o seu casamento. 11. O posicionamento firmado por maioria desta Segunda Turma Julgadora, em sua composição ampliada, durante o julgamento deste processo é o de que restando demonstrada a dependência econômica da companheira, é devido o rateio de pensão com a esposa, ressalvado o entendimento do Relator que entende pelo indeferimento da pensão quando não houver separação de fato. Precedente: PROCESSO: 08000522520144058106, AC – Apelação Cível –, DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª Turma, JULGAMENTO: 13/06/2019, PUBLICAÇÃO: 12. No caso em análise, a dependência econômica da Sra. Antônia Lopes da Silva em relação ao servidor falecido restou inequívoca diante do acervo probatório apresentado, especialmente no que se refere à constância de seu nome como dependente na declaração do IRPF. 13. Assim, entende-se ser devido o rateio da pensão entre a parte autora, companheira, e a esposa do de cujus. 14. Quanto ao termo inicial do benefício, entende-se que este deve ser fixado a partir da data do ajuizamento da ação ou do requerimento administrativo, se houver. No caso, existe requerimento administrativo datado de 29/02/2016 (Id.: 4058100.2923473). 15. No que diz respeito à correção monetária, “O STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em 20/09/2017, em sede de repercussão geral, definiu a tese segundo a qual ‘o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública, segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao 313
direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina’ (STF, Plenário, Rel. Min. LUIZ FUX, julg. 20/09/2017)”. Juros de mora fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação. 16. Considerando-se o trâmite e complexidade da causa, bem como o disposto no art. 85 do CPC/2015, e os demais critérios estabelecidos nos §§ 2º a 6º da mesma norma legal, mostra-se razoável a fixação dos honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre valor da condenação. 17. Apelação de Matheus da Silva Oliveira não conhecida, em razão do reconhecimento, ex officio, da falta de interesse processual. Este apelante é filho maior de idade, não recebe pensão e não demonstrou dependência econômica do falecido. 18. Apelação de Antônia Lopes da Silva provida. Em relação a Matheus da Silva Oliveira, processo extinto sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sua composição ampliada, por maioria, dar provimento à apelação de Antônia Lopes da Silva e julgar extinto o processo sem resolução de mérito em relação a Matheus da Silva Oliveira, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, 30 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO Relator
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RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO: Trata-se de apelação e recurso adesivo de sentença que julgou improcedente o pedido exordial de concessão de pensão por morte, fundamentado na existência de concubinato impuro, o qual não pode ser aceito como união estável para fins previdenciários. Honorários sucumbenciais fixados em 10% (dez por cento) sobre o valor da causa, observada, contudo, a condição suspensiva estabelecida no art. 98, § 3º, do CPC/2015. Em suas razões, apela a parte autora, Antônia Lopes da Silva, arguindo a nulidade da sentença em razão de ter havido afronta ao art. 10 do CPC/2015, tendo o magistrado de piso proferido uma decisão surpresa, totalmente contrária às provas carreadas aos autos, já que a demandante consta como dependente do falecido nas declarações de IRPF dos anos de 2007 a 2015. Ainda em sede de preliminar de nulidade, sustenta ter havido cerceamento de defesa, devido a não apreciação do pedido de tutela antecipada formulado na inicial. No mérito, aduz que o de cujus estava separado de fato da sua esposa no momento da sua morte, que mantinha com ele uma relação de união estável, com ânimo de constituir família, conforme demonstram as provas anexadas ao processo, como declaração de imposto de renda, fotos, declarações dos profissionais médicos, extratos de cartões de créditos e comprovante de endereço. Requer a total reforma da sentença. Adesivamente, recorre o filho do falecido com a autora/apelante, Matheus da Silva Oliveira, litisconsorte passivo necessário na demanda, arguindo, preliminarmente, a nulidade do julgamento, em razão de ter havido cerceamento de defesa, diante da omissão do julgado acerca da designação de audiência de instrução, mesmo tendo sido requerida tanto pela esposa do instituidor, quanto pela companheira. Sustenta a necessidade da dilação probatória. No mérito, aduz a existência de provas suficientes a atestar a união estável dos seus genitores, bem como a ocorrência da separação de fato entre o falecido e sua esposa, Maria Raquel Kuiaski, desde o início dos anos 90. Ressaltou a total dependência econômica da sua mãe, Antônia Lopes da Silva, em relação ao falecido. Pugna pela concessão de tutela de urgência. 315
Sem contrarrazões. Subiram os autos, sendo-me conclusos por força de distribuição. É o relatório. Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO (Relator): Preliminarmente, quanto à alegação de cerceamento de defesa feita pela postulante, cabe esclarecer que à luz do art. 443, I, do Código de Processo Civil, o juiz pode indeferir a inquirição de testemunha sobre fatos já provados por documentos. No caso em questão, observa-se que os documentos acostados ao processo são suficientes para o deslinde da causa, de modo que a negativa do magistrado de piso foi totalmente coerente. Preliminar afastada. No que tange à alegação de cerceamento de defesa relacionada a não apreciação do pedido liminar, verifica-se que essa questão foi enfrentada pelo Juízo a quo no trecho da decisão, em sede de embargos declaratórios, de maneira que esta preliminar também deve ser afastada: “Por fim, proferida sentença reconhecendo a total improcedência da pretensão autoral, é patente a ausência de probabilidade do direito alegado (um dos requisitos constantes do art. 300 do CPC para concessão da tutela de urgência), sendo desnecessária uma manifestação mais pormenorizada sobre o indeferimento da antecipação dos efeitos da tutela postulada”. (Id.: 4058100.3633975). O caso dos autos trata de ação ordinária proposta por Antônia Lopes da Silva, com pedido de antecipação de tutela, cuja pretensão é o reconhecimento do direito ao benefício de pensão por morte, decorrente do falecimento do servidor público federal Edvando Marques Oliveira, falecido em 07/06/2014. O benefício de pensão por morte de servidor público federal é regulado nos termos do art. 217, II e III, da Lei nº 8.112/90. In verbis: Art. 217. São beneficiários das pensões: I - o cônjuge; 316
II - o cônjuge divorciado ou separado judicialmente ou de fato, com percepção de pensão alimentícia estabelecida judicialmente; III - o companheiro ou companheira que comprove união estável como entidade familiar; IV - o filho de qualquer condição que atenda a um dos seguintes requisitos: a) seja menor de 21 (vinte e um) anos; b) seja inválido; c) tenha deficiência grave; ou d) tenha deficiência intelectual ou mental, nos termos do regulamento; V - a mãe e o pai que comprovem dependência econômica do servidor; e VI - o irmão de qualquer condição que comprove dependência econômica do servidor e atenda a um dos requisitos previstos no inciso IV. § 1° A concessão de pensão aos beneficiários de que tratam os incisos I a IV do caput exclui os beneficiários referidos nos incisos V e VI. § 2° A concessão de pensão aos beneficiários de que trata o inciso V do caput exclui o beneficiário referido no inciso VI. § 3° O enteado e o menor tutelado equiparam-se a filho mediante declaração do servidor e desde que comprovada dependência econômica, na forma estabelecida em regulamento.
A fim de comprovar a condição de companheira do de cujus, a demandante juntou os seguintes documentos aos autos: fotos em datas comemorativas contendo o falecido, a autora e o filho em comum (aniversários, batismo e primeira comunhão); declaração emitida por médico particular atestando que a autora acompanhou o falecido em consultas médicas, datados de 07/07/2014 e 21/08/2014; comprovantes de transferências bancárias realizadas pelo instituidor para a postulante; declaração da oficina All Car informando que o falecido frequentava o estabelecimento acompanhado da demandante; faturas de cartões de crédito em que constam a autora como dependente do de cujus, referentes aos anos de 2008 e 2009; cartões de associação à parque aquático na condição de dependente do falecido; cobrança de IPTU em nome do falecido 317
referente ao imóvel em que a postulante reside e declarações de IRPF do de cujus dos anos de 2007 a 2015 em que consta como dependente a autora (Id.: 4058100.2923477 e 4058100.2923474). Em sede de contestação, a viúva do servidor, Maria Raquel Kuiaski Oliveira, colacionou os seguintes documentos a fim de comprovar que os dois viviam maritalmente à época do óbito: certidão de casamento, datada de 05/02/1983; documento de identidade da filha, nascida em 01/08/1983; Alvará Judicial de interdição do falecido, no qual consta como curadora a esposa, expedido em 21/01/2014; procuração particular na qual a esposa outorgava poderes ao marido para adquirir empréstimo/arrendamento/parcelamento em seu nome, datada de 2010; comprovante de endereço (conta de luz, conta de água e fatura de cartão de crédito), onde consta o mesmo endereço para os dois; IPTU contendo o endereço do imóvel em que a viúva reside, com propriedade do falecido; Certidão de Quitação Eleitoral por tempo indeterminado, emitida pelo TRE/CE, em que consta como declarante a viúva, informando ao órgão o acometimento de doença (Síndrome Demencial Avançada), datada de 07/05/2014; comprovação de licença por motivo de doença em pessoa da família (cônjuge), emitida pelo Ministério da Fazenda, nos períodos de 18/11/2013 a 02/12/2013 e 06/01/2014 a 26/01/2014; NFS-e referente a despesas com o funeral do de cujus em nome da esposa (Id.: 4058100.3255089 e 4058100.3255088). Da análise da vasta documentação acostada aos autos, restou demonstrado que a postulante teve um relacionamento amoroso com o falecido na constância do casamento deste com sua esposa. Também ficou claro que embora o de cujus tenha dado suporte financeiro à companheira e seu filho, fruto do relacionamento extraconjugal, ele nunca desconstituiu o seu casamento. O posicionamento firmado por maioria desta Segunda Turma Julgadora, em sua composição ampliada, durante o julgamento deste processo é o de que restando demonstrada a dependência econômica da companheira, é devido o rateio de pensão com a esposa, ressalvado o entendimento do Relator que entende pelo indeferimento da pensão quando não houver separação de fato. Precedente:
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PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. ESPOSA. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA PRESUMIDA. RATEIO COM A COMPANHEIRA. POSSIBILIDADE. 1. Apelação interposta por particular contra sentença que julgou improcedente pedido de recebimento de pensão por morte, por entender que a autora/apelante não apresentou elementos de prova que comprovassem sua dependência econômica e convivência marital com o de cujus à época do óbito. 2. A qualidade de segurado, à época do óbito – 28/10/2013, é induvidosa, eis que já foi concedida a pensão em questão, pelo próprio INSS, à companheira do falecido e aos demais dependentes. 3. Não resta dúvida acerca da ocorrência do Casamento entre a requerente e o finado, comprovado por meio de certidão própria. 4. Por outro lado, como bem ressaltou o INSS, as provas apresentadas pela ré E. F. V. demonstram de forma clara e inequívoca que F. N. residia há anos no Estado de São Paulo, localidade na qual faleceu e foi sepultado, constando como declarante do óbito a citada ré. 5. Dentre os documentos apresentados pela demandada E. F. V, destaca-se aqueles que seguem acostados ao documento de Id. 4058106.805384, quais sejam, proposta de adesão a plano funerário, tendo como titular a citada ré e como dependente o de cujus; proposta de adesão a grupo de consórcio em que o falecido consta como proponente e a requerida como beneficiária para fins de seguro; e certificado de compra de seguro de vida, no qual F. N. é listado como segurado e E. F. V. como beneficiária única da apólice. 6. Impende registrar que os endereços encartados nos documentos de págs. 02 e 04 do arquivo de Id. 4058106. 805384, os quais datam respectivamente dos anos de 2006 e 2010, são os mesmos daquele apontado na declaração acostada na pág. 01 do mesmo documento e com data de expedição em novembro de 2013, fato que corrobora não só a existência da união estável, ali declarada, entre o falecido e a ré E. F.V., como também a perpetuação da união no tempo, não restando dúvida de que a relação de companheirismo entre a ré e o falecido está demonstrada.
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7. No entanto, a prova dos autos é no sentido de que não foi cessada a união entre a autora e o de cujus, conforme depoimentos de três testemunhas colhidos em juízo, os quais afirmaram que o marido ia e voltava e não abandonou a mulher, continuando a ter uma vida em comum. Uma delas, inclusive, diz que F. N. mandava dinheiro para esposa por meio da conta da testemunha, o que demonstra a relação de dependência econômica, a qual, inclusive, é presumida. Assim, faz jus a demandante ao direito pretendido, rateando, porém, com a companheira a cota que cabe ao cônjuge na pensão deixada pelo marido. 8. Por fim, quanto ao pedido de condenação do INSS ao pagamento de indenização a título de danos morais (R$ 50.000,00), não assiste razão à parte autora. Com efeito, o simples fato de ter tido o seu benefício indeferido não enseja a ocorrência de dano moral, na medida em que não restou comprovada a lesão à sua honra e imagem. 9. Apelação parcialmente provida. Honorários fixados em 10% sobre o valor da condenação, nos termos do art. 85 do CPC/2015, vigente ao tempo da prolação da sentença, respeitada a Súmula 111 - STJ. (PROCESSO: 08000522520144058106, AC - Apelação Cível - DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO, 2ª Turma, JULGAMENTO: 13/06/2019, PUBLICAÇÃO: )
No caso em análise, a dependência econômica a Sra. Antônia Lopes da Silva em relação ao servidor falecido restou inequívoca diante do acervo probatório apresentado, especialmente no que se refere à constância de seu nome como dependente na declaração do IRPF. Assim, entende-se ser devido o rateio da pensão entre a parte autora, companheira, e a esposa do de cujus. Quanto ao termo inicial do benefício, entende-se que este deve ser fixado a partir da data do ajuizamento da ação ou do requerimento administrativo, se houver. No caso, existe requerimento administrativo datado de 29/02/2016 (Id.: 4058100.2923473). No que diz respeito à correção monetária, “O STF, no julgamento do RE 870.947/SE, em 20/09/2017, em sede de repercussão geral, definiu a tese segundo a qual ‘o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, 320
com a redação dada pela Lei nº 11.960/09, na parte em que disciplina a atualização monetária das condenações impostas à Fazenda Pública segundo a remuneração oficial da caderneta de poupança, revela-se inconstitucional ao impor restrição desproporcional ao direito de propriedade (CRFB, art. 5º, XXII), uma vez que não se qualifica como medida adequada a capturar a variação de preços da economia, sendo inidônea a promover os fins a que se destina’. (STF, Plenário, Rel. Min. LUIZ FUX, julg. 20/09/2017)”. Juros de mora fixados em 0,5% (meio por cento) ao mês, a partir da citação. Considerando-se o trâmite e complexidade da causa, bem como o disposto no art. 85 do CPC/2015, e os demais critérios estabelecidos nos §§ 2º a 6º da mesma norma legal, mostra-se razoável a fixação dos honorários advocatícios em 10% (dez por cento) sobre valor da condenação. Apelação de Matheus da Silva Oliveira não conhecida, em razão do reconhecimento, ex officio, da falta de interesse processual. Este apelante é filho maior de idade, não recebe pensão e não demonstrou dependência econômica do falecido. Pelo exposto, julgo o processo extinto sem resolução de mérito em relação a Matheus da Silva Oliveira, nos termos do art. 485, VI, do CPC/2015, e dou provimento à apelação de Antônia Lopes da Silva. É como voto.
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JULGAMENTO HISTÓRICO
Palco de grandes decisões, o TRF5 protagonizou julgamentos históricos. Em 2012, também se adiantando ao entendimento da Suprema Corte, em processo da relatoria do desembargador federal emérito José Maria Lucena, esta Corte decidiu pela constitucionalidade do sistema de cotas para negros na Universidade Federal de Alagoas (UFAL). Fonte: Notícias do TRF5. Divisão de Comunicação Social.
APELAÇÃO CÍVEL N° 469.454-AL Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LU CENA Apelante: FELIPE ALMEIDA DE OLIVEIRA E OUTROS Apelados: UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL, LUIZ OTÁVIO MENDES DE CARVALHO E OUTROS E ÉRICA REZENDE CORDEIRO E OUTRO Reptes.: PROCURADORIA REGIONAL FEDERAL - 5ª RE GIÃO E DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Advs./Procs.: DRS. RODRIGO DA COSTA BARBOSA E OUTROS, ANAXIMENES MARQUES FERNANDES E OUTRO EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. VESTIBULAR. CURSO DE MEDICINA. UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS. RESOLUÇÃO 09/2004-CEPE. SISTEMA DE COTAS. RESERVA DE VAGAS PARA NEGROS EGRESSOS DE ESCOLA PÚBLICA. CONSTITUCIONALIDADE DECLARADA PELO PLENO DESTE TRIBUNAL. ADPF 186. JULGAMENTO PELO STF. CONCLUSÃO DO CURSO VIA PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO. FATO CONSUMADO. ACOLHIMENTO EM RELAÇÃO A UM DOS LITISCONSORTES ATIVOS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO EM RELAÇÃO AOS DEMAIS. APELAÇÃO PARCIALMENTE PROVIDA. 1. Cuida-se de apelação interposta pelos autores contra sentença que julgou improcedentes os pedidos, quais sejam: a) o de declaração de inconstitucionalidade incidental da Resolução nº 09/2004-CEPE/UFAL, que estabeleceu o sistema de cotas naquela universidade; e b) o de condenação da UFAL a proceder à matrícula dos autores no curso de Medicina, em razão de terem obtido pontuação suficiente para o ingresso no mencionado curso, maior, inclusive, do que a maioria dos candidatos que concorreram a vagas pelo sistema de cotas raciais introduzido pela mencionada resolução. 324
2. No tocante ao litisconsorte ativo THIAGO ROBERTO SARMENTO DE MORAES, os documentos carreados aos autos são suficientes para provar que ele concluiu o curso de Medicina pela UFAL em 12 de junho de 2012, a exemplo do diploma expedido por aquela universidade. Tal situação rende ensejo à extinção do feito por perda superveniente do objeto, preservando-se os efeitos já produzidos. 3. Considerando que o mencionado litisconsorte ativo já concluiu seu curso, cuja vaga foi requerida no início da demanda, seria irrazoável voltar atrás e denegar o direito à vaga pleiteada. O respeito ao princípio da legalidade não se dá de forma isolada, mas em harmonia com os demais princípios norteadores da ordem constitucional em vigor, a exemplo dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica. Desconstituir a atual situação do litisconsorte, submetendo-o a um novo vestibular, com todos os sacrifícios que essa espécie de certame demanda, implicaria na quebra da harmonia entre os citados princípios. 4. O pedido de desistência da ação do demandante MAXWELL DA SILVA OLIVEIRA deve ser indeferido, porquanto realizado em data posterior à prolação da sentença de improcedência. Também não pode ser recebido como pedido de desistência da apelação, eis que não houve apelo de sua parte, tendo sido tal recurso interposto apenas pelos outros três litisconsortes ativos. 5. Quanto aos demais postulantes, JOSUÉ OMENA BARBOSA JÚNIOR e FELIPE ALMEIDA DE OLIVEIRA, há que julgar improcedentes os pedidos, negando provimento à apelação e confirmando a sentença, a teor do julgamento proferido pelo Pleno deste e. Tribunal da argüição de inconstitucionalidade suscitada por esta c. Primeira Turma, declarando a constituciona325
lidade do regime de cotas raciais estabelecido pela UFAL por meio da Resolução nº 09/2004CEPE/UFAL, ratificado pela decisão plenária do e. Supremo Tribunal Federal na ADPF Nº 186. O c. STF julgou, à unanimidade, improcedente tal Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, entendendo que os programas de ação afirmativa que criam um sistema de reserva de vagas baseado em critério étnico-racial para acesso ao ensino superior está em consonância com a Constituição. Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do relatório e voto constantes dos autos, que integram o presente julgado. Recife, 22 de novembro de 2012. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA: Cuida-se de apelação interposta pelos autores contra sentença que julgou improcedentes os pedidos, quais sejam: a) o de declaração de inconstitucionalidade incidental da Resolução nº 09/2004-CEPE/UFAL, que estabeleceu o sistema de cotas naquela universidade; e b) o de condenação da UFAL a proceder à matrícula dos autores no curso de Medicina, em razão de terem obtido pontuação suficiente para o ingresso no mencionado curso, maior, inclusive, do que a maioria dos candidatos que concorreram a vagas pelo sistema de cotas raciais introduzido pela mencionada resolução. Os demandantes afirmam terem sido preteridos na classificação do vestibular, em razão da adoção do sistema de cotas raciais, 326
por meio da Resolução nº 9/2004-CEPE, que reservou 20% das vagas para os estudantes negros e pardos oriundos de escolas de ensino médio públicas. Defendem, portanto, a inconstitucionalidade na política de cotas da UFAL, por ofender os princípios constitucionais da igualdade e da legalidade. Ao julgar a lide, o ilustre sentenciante entendeu que o número de vagas reservadas aos optantes pelas cotas – 20% (vinte por cento) – não se manifesta excessivo, além de não ofender o princípio de acesso à universidade pelo critério de mérito. O magistrado ainda se posicionou pela possibilidade de a universidade estabelecer política de cotas através de simples resolução, por não ferir o princípio da legalidade, em razão do princípio, também constitucional, da autonomia universitária. Por fim, considerou ter havido uma falha na Resolução nº 9/2004-CEPE/UFAL, já que a única exigência por ela feita é que o aluno comprove que cursou ou cursa o ensino médio, exclusivamente e integralmente, em escola pública. Nas razões de apelação, os postulantes pugnam pela reforma da sentença e, para tanto, asseveram que obtiveram pontuação maior do que todos os optantes da cota de negros, à exceção do primeiro classificado. Defendem, mais uma vez, a inconstitucionalidade da Resolução nº 09/2004-CEPE, em razão de criar tratamento desigual para pessoas que se encontram em situação de igualdade. Segundo os recorrentes, nos moldes do art. 206 da Constituição, deve haver condições de igualdade no acesso às universidades, levando-se em consideração apenas a aptidão intelectual dos candidatos, deixando-se de lado as condições discriminatórias. Por fim, afirmam que a autonomia universitária não pode se sobrepor aos direitos fundamentais consagrados na Carta Magna. As contrarrazões foram juntadas às fls. 455/459. Neste Tribunal, foi suscitado e acolhido, por esta e. Primeira Turma, o incidente de inconstitucionalidade relativo ao sistema de cotas criado pela Resolução nº 09/2004-CEPE/UFAL. Levado a julgamento pelo Pleno, o Tribunal, por maioria, rejeitou a argüição de inconstitucionalidade, nos termos do voto condutor proferido pelo Desembargador Federal Convocado Bruno Carrá.
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Os embargos de declaração interpostos contra essa decisão colegiada restaram improvidos. Às fls. 633/651 e 661/670, o litisconsorte ativo THIAGO ROBERTO SARMENTO DE MORAES trouxe aos autos documentos comprobatórios da sua colação de grau no curso de Medicina. O representante do Ministério Público Federal, ao se pronunciar, opinou pelo provimento da apelação do litisconsorte THIAGO ROBERTO SARMENTO DE MORAES, acolhendo a teoria do fato consumado, em razão da conclusão do curso, e pelo desprovimento das apelações dos demais litisconsortes FELIPE ALMEIDA DE OLIVEIRA e JOSUÉ OMENA BARBOSA JÚNIOR. No tocante ao demandante MAXWELL DA SILVA OLIVEIRA, entendeu que houve a desistência da ação. Vieram-me os autos conclusos para julgamento. Relatei. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL JOSÉ MARIA LUCENA (Relator): A situação em destaque não demanda grandes controvérsias. No tocante ao litisconsorte ativo THIAGO ROBERTO SARMENTO DE MORAES, entendo que os documentos carreados aos autos são suficientes para provar que ele concluiu o curso de Medicina pela UFAL em 12 de junho de 2012, a exemplo do diploma expedido por aquela universidade e que se encontra acostado à fl. 634. Tal situação rende ensejo à extinção do feito por perda superveniente do objeto, preservando-se os efeitos já produzidos. Essa questão já vem sendo acolhida neste Tribunal, visto que não há como se alterar um fato que já tenha ocorrido e produzido os efeitos que lhe sejam de tom. Neste sentido, confira-se: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ENSINO SUPERIOR. NEGATIVA DE MATRÍCULA EM DISCIPLINA. REPROVAÇÃO ANTERIOR. ALUNA CONCLUINTE. SITUAÇÃO FÁTICA CONSOLIDADA. 1. Hipótese na qual a impetrante obteve, por liminar, o direito de matricular-se nas disciplinas de Estágio Super328
visionado em Fisioterapia II e Trabalho de Conclusão de Curso II simultaneamente à Fisioterapia Intensiva. 2. Tendo sido concedida a liminar em 14.07.11, é de se concluir que a impetrante, que cursava o último período do curso de fisioterpaia, tenha se graduado com amparo no provimento liminar e na posterior sentença concessiva de segurança, devendo-se, portanto, se aplicar a teoria do fato consumado, tendo em vista a situação encontrar-se consolidada. 3. Remessa oficial improvida. (REO 00092504520114058100, Desembargador Federal Manoel Erhardt, TRF5 - Primeira Turma, DJe - Data: 08/03/2012 - Página: 171.)
Diante das circunstâncias do caso concreto, considerando que o mencionado litisconsorte ativo já concluiu seu curso, cuja vaga foi requerida no início da demanda, seria irrazoável voltar atrás e denegar o direito à vaga pleiteada. O respeito ao princípio da legalidade não se dá de forma isolada, mas em harmonia com os demais princípios norteadores da ordem constitucional em vigor, a exemplo dos princípios da razoabilidade, da proporcionalidade e da segurança jurídica. Desconstituir a atual situação do litisconsorte, submetendo-o a um novo vestibular, com todos os sacrifícios que essa espécie de certame demanda, implicaria na quebra da harmonia entre os citados princípios. Portanto, em relação ao autor THIAGO ROBERTO SARMENTO DE MORAES, entendo que a situação já se consolidou no tempo. Outrossim, o pedido de desistência da ação do demandante MAXWELL DA SILVA OLIVEIRA (fl. 448) deve ser indeferido, porquanto realizado em data posterior à prolação da sentença de improcedência. Também não pode ser recebido como pedido de desistência da apelação, eis que não houve apelo de sua parte, tendo sido tal recurso interposto apenas pelos outros três litisconsortes ativos. Finalmente, quanto aos demais postulantes, JOSUÉ OMENA BARBOSA JÚNIOR e FELIPE ALMEIDA DE OLIVEIRA, há que julgar improcedentes os pedidos, negando provimento à apelação e 329
confirmando a sentença, a teor do julgamento proferido pelo Pleno deste e. Tribunal da argüição de inconstitucionalidade suscitada por esta c. Primeira Turma, declarando a constitucionalidade do regime de cotas raciais estabelecido pela UFAL por meio da Resolução nº 09/2004-CEPE/UFAL, ratificado pela decisão plenária do e. Supremo Tribunal Federal na ADPF Nº 186. O c. STF julgou, à unanimidade, improcedente tal Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, entendendo que os programas de ação afirmativa que criam um sistema de reserva de vagas baseado em critério étnico-racial para acesso ao ensino superior está em consonância com a Constituição. Por todo o exposto, dou parcial provimento à apelação apenas para, em relação ao autor THIAGO ROBERTO SARMENTO DE MORAES, julgar extinto o feito por perda superveniente do objeto, preservando os efeitos já produzidos. Assim voto.
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ÍNDICE SISTEMÁTICO
JURISPRUDÊNCIA DO PLENO Desembargador Federal Lázaro Guimarães Conflito de Competência Cível n° 3.399-PB.............................. 11 Desembargador Federal Lázaro Guimarães Conflito de Competência Cível n° 0806083-56.2019.4.05.0000 (PJe)............................................. 13 Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt Incidente de Assunção de Competência n° 0808280-47.2018.4.05.8300-PE (PJe)....................................... 16 Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior Ação Rescisória n° 0802434-20.2018.4.05.0000 (PJe)............. 28 Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior Ação Rescisória n° 0805296-32.2016.4.05.0000-CE (PJe)....... 41 Desembargador Federal Rubens Canuto Agravo Regimental Cível n° 0806081-50.2016.4.05.8000-AL (PJe)....................................... 49 Desembargador Federal Alexandre Luna Freire Apelação Cível nº 0808837-52.2018.4.05.8100-CE (PJe)......... 60 JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA Desembargador Federal Roberto Machado Apelação Cível nº 0800726-09.2019.4.05.8500-SE (PJe)......... 84 Desembargador Federal Roberto Machado Apelação Cível nº 0808868-18.2017.4.05.8000-AL (PJe).......... 95 Desembargador Federal Alexandre Luna Freire Apelação / Remessa Necessária nº 0803782-78.2013.4.05.8300-PE (PJe)..................................... 101
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Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Agravo de Instrumento nº 0803453-27.2019.4.05.0000-SE (PJe)..................................... 129 JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima Apelação Cível nº 0806425-04.2016.4.05.8300-PE (PJe)..................................... 141 Desembargador Federal Paulo Cordeiro Apelação Criminal nº 0807033-40.2018.4.05.8200-PB (PJe) .................................... 146 Desembargador Federal Leonardo Carvalho Apelação / Remessa Necessária n° 0807364-81.2016.4.05.8300-PE (PJe) .................................... 172 JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira Apelação / Remessa Necessária n° 0800034-22.2019.4.05.8302-PE (PJe)..................................... 186 Desembargador Federal Fernando Braga Apelação Cível nº 508.850-CE................................................. 201 Desembargador Federal Fernando Braga Apelação Cível nº 0801789-42.2018.4.05.8100-CE (PJe)....... 214 Desembargador Federal Cid Marconi Apelação Cível nº 0802957-48.2015.4.05.8500-SE (PJe)....... 218 Desembargador Federal Cid Marconi Mandado de Segurança Cível n° 0813559-82.2018.4.05.0000-PE (PJe)..................................... 228
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JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt Apelação / Remessa Necessária n° 0807424-04.2018.4.05.8100-CE (PJe) ................................... 243 Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior Apelação Cível n° 0805793-57.2016.4.05.8500-SE (PJe) ...... 247 Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior Apelação Cível n° 0807017-77.2018.4.05.8300-PE (PJe)....... 259 Desembargador Federal Rubens Canuto Apelação Criminal nº 14.944-PE................................................ 265 JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS AMPLIADAS Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima Apelação Cível nº 599.139-CE.................................................. 284 Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira Apelação Cível nº 0808371-31.2018.4.05.8400-RN (PJe)........ 290 Desembargador Federal Paulo Cordeiro Apelação / Remessa Necessária nº 0800162-59.2016.4.05.8201-PB (PJe)..................................... 296 Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Apelação Cível nº 0805867-95.2019.4.05.0000-SE (PJe)....... 303 Desembargador Federal Leonardo Carvalho Apelação Cível nº 0813875-79.2017.4.05.8100-CE (PJe)....... 309 JULGAMENTO HISTÓRICO Desembargador Federal José Maria Lucena Apelação Cível nº 469.454-AL................................................. 324
334
ÍNDICE ANALÍTICO
A PrCv
Adm e Cv
PrCv e Prev
Ação anulatória de sentença de mérito. Querela nullitatis. Ofensa à coisa julgada. Não cabimento. Nulidade objeto de ação rescisória. Apelação provida. Extinção do processo sem julgamento de mérito. AC 0807017-77.2018.4.05.8300-PE (PJe).......259 Ação declaratória e condenatória. Reconhecimento póstumo da condição de ex-combatente e dos direitos dela decorrentes. Genitor do autor. Tripulante do Navio “Santa Clara”. Alvo de ataques submarinos alemães. Não comprovação. Processo do Tribunal Marítimo nº 522. Causa provável. Ciclone. Indenização por dano moral. Ausência de direito. Omissão do estado. Inexistência. Sentença confirmada. AC 0802957-48.2015.4.05.8500-SE (PJe).......218 Aposentadoria. Atividade especial. Ação rescisória. Mandado de segurança anterior. Períodos distintos. Causas de pedir distintas. Coisa julgada. Inocorrência. Erro de fato. AR 0802434-20.2018.4.05.0000 (PJe).......28 C
Adm
PrPen
Comissão Nacional de Energia Nuclear. Raio-X. Exposição habitual e permanente. Jornada de trabalho. 24 horas semanais. Apelação. Remessa necessária. Desprovimento. APELREEX 0803782-78.2013.4. 05.8300-PE (PJe).......................................101 Competência exclusiva da OAB para imposição de penalidades aos advogados. Inexistência. Sanção ao advogado. Aban336
Ct e Adm
dono do processo sem prévia comunicação ao juízo. Configuração. Desatendimento a duas intimações. Inércia para apresentação da apelação. Ré presa. Manutenção da multa. Redução do valor imposto. Concessão em parte da segurança. MS 0813559-82.2018.4.05.0000-PE (PJe).......228 Concurso público. Falecimento do candidato nomeado. Contratação de professor temporário na validade do concurso. Preterição arbitrária. Expectativa de direito que se converte em direito subjetivo. Apelação e remessa necessária improvidas. APELREEX 0807424-04.2018.4.05.8100-CE (PJe).......243 E
Amb
Adm
Adm e Ct
Edificação em área de preservação permanente. Ação rescisória. Erro de fato. Inocorrência. Argumentação enfrentada e decidida. Rescisória como sucedâneo recursal. Impossibilidade. Documento novo. Inexistência. Documentação carreada na ação originária. AR 0805296-32.2016.4.05.0000CE (PJe).....................................................41 Ensino superior. Aluna concluinte. Conclusão de componente curricular. Carga horária. Cumprimento. Colação de grau. Razoabilidade. APELREEX 080016259.2016.4.05.8201-PB (PJe)......................296 Ensino superior. Matrícula. Exigência de quitação eleitoral. Candidato com condenação criminal transitada em julgado. Suspensão dos direitos políticos. Direito à educação. Restrição. Impossibilidade. Violação à
337
Empres
PrCv e Ct
PrCv
Adm e Ct
isonomia. Inocorrência. Remessa necessária e apelação improvidas. AC 080072609.2019.4.05.8500-SE (PJe)......................84 Entidade fechada de previdência privada. Nulidade. Negócios jurídicos realizados em ofensa à Resolução 2.324/1996 do CMN. Ausência de previsão. Apelação não provida. AC 508.850-CE.....................................201 Execução de sentença coletiva. Listagem dos servidores substituídos. Irrelevância. Limites subjetivos da coisa julgada. Apelação provida. AC 0808371-31.2018.4.05.8400RN (PJe).....................................................290 Execução fiscal ajuizada inicialmente perante a Justiça Federal. Conflito negativo de competência. Suscitante: Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Boqueirão-PB. Suscitado: Juízo da 5ª Vara Federal da Paraíba. CC 3399-PB...........................11 Ex-servidor de outros entes federados ingresso no serviço público federal após novo regime de previdência complementar. Lei 12.618/2012. Direito de opção pelo anterior Regime Próprio da União. Precedentes. AC 0808868-18.2017.4.05.8000-AL (PJe).......95 F
Ct
Fotopoluição. Efeitos negativos no ciclo reprodutivo das tartarugas marinhas. Mortandade de filhotes comprovada. Requisitos da tutela de urgência preenchidos. Dilatação do prazo de cumprimento. Audiência no juízo de origem para esclarecer questionamentos do demandado. AGTR 080345327.2019.4.05.0000-SE (PJe)......................129 338
M PrCv
Mandado de segurança impetrado contra suposto ato coator do Presidente do Conselho Regional de Educação Física da 5ª Região e do Presidente do Conselho Federal de Educação Física. Conflito negativo de competência. Tendo como suscitante, o Juízo da 8ª Vara Federal do Ceará, sediado em Fortaleza/CE, e como suscitado, o Juízo da 8ª Vara Federal de Pernambuco, sediado em Petrolina/PE. CC 080608356.2019.4.05.0000 (PJe)............................13
Adm e Trbt
Medidas antidumping. Alho importado da República Popular da China. Resoluções CAMEX 80/2013 e 13/2016. Agravo interno. Decisão que negou seguimento a recurso extraordinário. Ausência de fundamentação. Ofensa à ampla defesa e ao art. 93, inc. IX, da CF/88. Decisão que aplicou as teses firmadas no ARE 748.371 e QO no AI 791.292/PE. Agravo interno improvido. AGREG 0806081-50.2016.4.05.8000-AL (PJe)...........................................................49 P Prev
Pedido de restabelecimento de aposentadoria proporcional. Cassação do benefício pelo INSS. Decadência afastada. Justificativa da cassação do benefício não verificada. Ausência de contagem em duplicidade do tempo trabalhado no RPPS e RGPS. Juros e correção monetária. Honorários advocatícios. Improvimento. APELREEX 080736481.2016.4.05.8300-PE (PJe)......................172
339
Adm Ct e Adm
Adm e PrCv Cv e Adm PrCv
Pensão. Interdição. Pagamento de diferenças. Juros e correção monetária. Apelação. Desprovimento. AC 0808837-52.2018.4.05. 8100-CE (PJe)............................................60 Pensão por morte. Falecido casado. Dependência preferencial da esposa. Dependência econômica da irmã afastada. Benefício indevido. Recurso improvido. AC 080178942.2018.4.05.8100-CE (PJe)......................214 Pensão por morte. Rateio entre viúva e companheira. Possibilidade. Dependência econômica comprovada. AC 0813875-79. 2017.4.05.8100-CE (PJe)...........................309 Permissão de serviços de loteria. Penalidade de suspensão temporária dos serviços. Descabimento. AC 0806425-04.2016. 4.05.8300-PE (PJe)....................................141 Proposta de assunção de competência. Apelações e remessa oficial. Venda de etanol hidratado diretamente do produtor para revendedor varejista de combustíveis. Proibição pela Agência Nacional de Petróleo (ANP). Resolução ANP nº 43/2009, art. 2º, VI, e art. 6º. Resolução ANP nº 41/2013, art. 14. Admissibilidade do incidente. IAC 0808280-47.2018.4.05.8300-PE (PJe).......16 R
Pen e PrPen
Receptação. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito e falsa identidade. Apelações do MPF e das defesas. Dosimetria. Consideração da culpabilidade e circunstâncias dos ilícitos como negativas. Cabimento. Acatamento. Alterações das penalidades. 340
Prev
Receptação. Tese de ausência de dolo. Provas incontestes do conhecimento, por parte dos acusados, de que o veículo que usavam era produto de roubo. Falsa identidade. Crime formal. Perícia dispensável diante da confissão. Não configuração do direito a não incriminação. Legítima defesa não configurada. Porte ilegal de arma de fogo de uso restrito. Ausência de prova pericial. Desnecessidade, diante das demais provas. Apelo do MPF provido. Apelações das defesas improvidas. ACR 080703340.2018.4.05.8200-PB (PJe)......................146 Restabelecimento de auxílio-doença. Laudo pericial. Constatação de que a autora possui diversas patologias, sem nexo ocupacional, que não o incapacita para o trabalho. AC 0805867-95.2019.4.05.0000-SE (PJe).......303 S
Adm
Pen
Servidor público do exército. Contradição da conduta da Administração Pública. Proibição do venire contra factum proprium. Pedido de vacância. Direito à recondução ao cargo de origem reconhecido. Retorno ao status quo ante. Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Assédio moral. Alegação de perseguição, discriminação e constrangimento. Não comprovação. Apelação parcialmente provida. AC 0805793-57.2016.4.05.8500-SE (PJe).......247 Sonegação fiscal e lavagem de capitais. Prescrição retroativa da pretensão punitiva em relação ao crime de lavagem de capitais. Reconhecimento. Extinção da punibilidade. Materialidade e autoria delitivas do crime 341
PrCv e Adm
tributário. Demonstração. Dosimetria da pena. Ajuste. ACR 14944-PE.....................265 SUSEP. Fiscalização. Sociedade limitada. Comercialização de seguro. Ausência de interesse de agir por extinção da empresa ré. Possibilidade de retomada das atividades. Preliminar rejeitada. Contrato social. Finalidade lucrativa. Programa de proteção veicular. Operação de seguro não autorizada. Ilegalidade reconhecida. Condenação dos ex-sócios. Abrangência. Limitação. Dano moral coletivo. Inocorrência. APELREEX 0800034-22.2019.4.05.8302-PE (PJe).......186 T
PrCv, Adm e Ct Terrenos de marinha. Imposição de prazo à União (SPU) para definir a LMP/1831. Ato discricionário do Poder Executivo. Atuação do Poder Judiciário. Inadmissibilidade. Princípio da separação dos poderes. Apelo provido. AC 599139-CE..............................284 V Ct e Adm
Vestibular. Curso de Medicina. Universidade Federal de Alagoas. Resolução 09/2004CEPE. Sistema de cotas. Reserva de vagas para negros egressos de escola pública. Constitucionalidade declarada pelo Pleno deste Tribunal. ADPF 186. Julgamento pelo STF. Conclusão do curso via provimento antecipatório. Fato consumado. Acolhimento em relação a um dos litisconsortes ativos. Improcedência do pedido em relação aos demais. Apelação parcialmente provida. AC 469454-AL..................................................324
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