REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 5ª REGIÃO
JURISDIÇÃO Pernambuco - Alagoas - Ceará Paraíba - Rio Grande do Norte e Sergipe
Número 140 - Julho/Agosto - 2019
R. TRF 5ª Região, nº 140, pp. 1-392, Julho/Agosto - 2019
REVISTA DO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL 5ª REGIÃO
Diretor da Revista DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO
Repositório de jurisprudência – versão eletrônica – credenciado pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob o nº 70 (Portaria nº 05/2010, DJe de 13/04/2010, pág. 4.173)
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Revista do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, v. 1 (1989) Recife, Tribunal Regional Federal da 5ª Região, 1989 Bimestral, a partir do volume n° 73. A partir do v. 4, n° 1, de 1992, a numeração passou a ser contínua. ISSN 0103-4758 1. Direito - Periódicos. I. Brasil. Tribunal Regional Federal da 5ª Região CDU 34(05)
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO
Desembargador Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO - 27.02.08 Presidente Desembargador Federal JOSÉ LÁZARO ALFREDO GUIMARÃES - 30.03.89 Vice-Presidente Desembargador Federal CARLOS REBÊLO JÚNIOR - 09.09.15 Corregedor Regional Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - 17.05.01 Coordenador dos Juizados Especiais Federais Desembargador Federal MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - 08.08.07 Desembargador Federal ROGÉRIO DE MENESES FIALHO MOREIRA - 05.05.08 Diretor da Escola de Magistratura Federal Desembargador Federal EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR - 21.07.10 Desembargador Federal FERNANDO BRAGA DAMASCENO - 15.05.13 Desembargador Federal FRANCISCO ROBERTO MACHADO - 10.12.14 Desembargador Federal PAULO MACHADO CORDEIRO - 14.04.15
Desembargador Federal CID MARCONI GURGEL DE SOUZA - 15.06.15 Desembargador Federal RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO - 11.12.15 Desembargador Federal ALEXANDRE COSTA DE LUNA FREIRE - 1°.02.16 Desembargador Federal ÉLIO WANDERLEY DE SIQUEIRA FILHO - 25.05.16 Desembargador Federal LEONARDO HENRIQUE DE CAVALCANTE CARVALHO - 19.04.17 Diretor da Revista
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - 5ª REGIÃO
TRIBUNAL PLENO (quartas-feiras) Presidente: Desembargador Federal VLADIMIR SOUZA CARVALHO Vice-Presidente: Desembargador Federal LÁZARO GUIMARÃES Corregedor: Desembargador Federal CARLOS REBÊLO JÚNIOR PRIMEIRA TURMA (quintas-feiras) Desembargador Federal ALEXANDRE LUNA - Presidente Desembargador Federal ROBERTO MACHADO Desembargador Federal ÉLIO SIQUEIRA SEGUNDA TURMA (terças-feiras) Desembargador Federal LEONARDO CARVALHO - Presidente Desembargador Federal PAULO ROBERTO DE O. LIMA Desembargador Federal PAULO MACHADO CORDEIRO TERCEIRA TURMA (quintas-feiras) Desembargador Federal CID MARCONI - Presidente Desembargador Federal ROGÉRIO FIALHO Desembargador Federal FERNANDO BRAGA QUARTA TURMA (terças-feiras) Desembargador Federal MANOEL ERHARDT - Presidente Desembargador Federal EDILSON NOBRE Desembargador Federal RUBENS CANUTO
SUMÁRIO
1 Jurisprudência do Pleno.......................................................... 11 2 Jurisprudência da Primeira Turma........................................ 103 3 Jurisprudência da Segunda Turma....................................... 159 4 Jurisprudência da Terceira Turma......................................... 218 5 Jurisprudência da Quarta Turma........................................... 274 6 Jurisprudência das Turmas Ampliadas.................................. 300 7 Julgamento Histórico............................................................. 354 8 Índice Sistemático................................................................. 379 9 Índice Analítico...................................................................... 384
COMPOSIÇÃO DO PLENO
Des. Federal Lázaro Guimarães Vice-Presidente
Des. Federal Vladimir Carvalho Presidente
Des. Federal Carlos Rebêlo Corregedor Regional
Des. Federal Rogério Fialho
Des. Federal Edilson Nobre
Des. Federal Paulo Roberto
Des. Federal Manoel Erhardt
Des. Federal Fernando Braga
Des. Federal Roberto Machado
Des. Federal Paulo Cordeiro
Des. Federal Cid Marconi
Des. Federal Rubens Canuto
Des. Federal Alexandre Luna
Des. Federal Élio Siqueira
Des. Federal Leonardo Carvalho
JURISPRUDÊNCIA DO PLENO
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0811822-44.2018.4.05.0000-PB (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA Autor: MUNICÍPIO DE ITABAIANA (PB) Ré: FAZENDA NACIONAL Advs./Procs.: DRS. ARTHUR MARTINS MARQUES NAVARRO E OUTRO (AUTOR) EMENTA: FINANCEIRO. TRIBUTÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. BENEFÍCIOS FISCAIS CONCEDIDOS PELA UNIÃO. POSSIBILIDADE. RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM REPERCUSSÃO GERAL Nº 705.423. APLICABILIDADE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO À NORMA JURÍDICA. INEXISTÊNCIA DE PROVAS NOVAS. IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO RESCISÓRIO. 1. O Município de Itabaiana maneja ação rescisória com o escopo de desconstituir sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara da Paraíba, que julgou improcedente o pedido formulado pelo ente municipal, que consistia na determinação de que a União proceda ao repasse da parcela do FPM e do IPI-exportação devida ao autor sem as reduções decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelo ente federal. 2. A decisão rescindenda considerou que a questão debatida nos autos foi examinada pelo STF no âmbito do RE com Repercussão Geral nº 705.423, restando fixada a tese de que é constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao IR e ao IPI por parte da União em relação ao Fundo de Participação dos Municípios e respectivas quotas devidas às municipalidades. 3. O município autor fundamenta a presente rescisória nos incisos V e VII do art. 966 do CPC/15, sustentando que a sentença violou norma jurídica, ao não realizar o necessário distinguishing entre a 11
tese fixada pelo STF e o caso dos autos, bem como que obteve “provas novas” que comprovariam a irregularidade das concessões de incentivos fiscais através de medidas provisórias pela União. 4. Aduz que o STF reconheceu a constitucionalidade da concessão regular de incentivos fiscais, entretanto, no caso dos autos, os benefícios seriam irregulares, consoante acórdão do TCU e as provas novas obtidas (reportagens referentes às operações realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal – Lava Jato e Zelotes – dando conta de que existe um esquema de propina em torno da aprovação de MP’s em prol do interesse das empresas envolvidas), de maneira que a tese fixada pelo Supremo não se aplicaria ao caso em apreço. 5. Não merece guarida o argumento de violação à norma jurídica por ausência de realização de distinguishing entre a tese fixada pelo STF e o presente caso. Em verdade, a matéria discutida na ação originária enquadra-se perfeitamente ao que fora discutido pelo Supremo no precedente com repercussão geral. Com efeito, o município manejou a ação de origem alegando que as desonerações realizadas pela União refletiam diretamente na arrecadação dos municípios, em função do menor repasse de valores ao FPM. Requereu, desta forma, a percepção da integralidade dos valores, com base na jurisprudência do STF, é dizer, o recebimento da parcela do FPM sem as reduções decorrentes de incentivos fiscais. 6. Note-se que em momento algum o município refere-se, na origem, a supostas irregularidades na concessão das isenções e dos benefícios fiscais, restando a causa de pedir restrita à inconstitucionalidade da redução das cotas-partes do FPM destinada ao ente municipal. 7. Assim, não há falar em necessidade de distinguishing no presente caso, uma vez que o 12
precedente vinculante do STF se amolda perfeitamente ao que restou discutido na origem. Não é dado ao município autor alterar a causa de pedir da demanda neste momento, por ocasião do manejo de ação rescisória, pretendendo discutir suposta irregularidade das concessões feitas pela União, quando tal matéria sequer fora ventilada na origem. 8. Tampouco merece guarida o argumento de obtenção de provas novas, quais sejam, reportagens referentes às operações realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal – Lava Jato e Zelotes – dando conta de que existe um esquema de propina em torno da aprovação de MP’s em prol do interesse das empresas envolvidas. Tais documentos dizem respeito justamente às supostas irregularidades nas concessões da União via Medidas Provisórias, tema que não frequentou o processo de origem, como dito. 9. Assim, os documentos apontados pelo autor na verdade não se enquadram no conceito legal (art. 966, VII, do CPC/15) de prova nova apta a ensejar a procedência do pedido rescisório. Em verdade, a prova nova apta a aparelhar a ação rescisória, deve ser preexistente ao julgado rescindendo, ignorada à época pelo autor ou da qual não pode fazer uso, oportuno tempore, e capaz, por si só, de assegurar pronunciamento jurisdicional favorável. 10. Por fim, as reportagens mencionadas pelo município em nada repercutem no julgamento que se pretende rescindir, uma vez que não dizem respeito ao objeto da ação, qual seja, a suposta inconstitucionalidade da redução das cotas-partes do FPM destinada ao município autor em reflexo da concessão de benefícios fiscais pela União. 11. Improcedência do pedido de rescisão. 13
ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas, decide o Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, julgar improcedente o pedido da ação rescisória, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 12 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA: O Município de Itabaiana maneja ação rescisória com o escopo de desconstituir sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara da Paraíba, que julgou improcedente o pedido formulado pelo ente municipal, que consistia na determinação de que a União proceda ao repasse da parcela do FPM e do IPI-exportação devida ao autor sem as reduções decorrentes de incentivos fiscais concedidos pelo ente federal. A decisão rescindenda considerou que a questão debatida nos autos foi examinada pelo STF no âmbito do RE com Repercussão Geral nº 705.423, restando fixada a tese de que é constitucional a concessão regular de incentivos, benefícios e isenções fiscais relativos ao IR e ao IPI por parte da União em relação ao Fundo de Participação dos Municípios e respectivas quotas devidas às municipalidades. O município autor fundamenta a presente rescisória nos incisos V e VII do art. 966 do CPC/15, sustentando que a sentença violou norma jurídica, ao não realizar o necessário distinguishing entre a tese fixada pelo STF e o caso dos autos, bem como que obteve “provas novas” que comprovariam a irregularidade das concessões de incentivos fiscais através de medidas provisórias pela União. Aduz que o STF reconheceu a constitucionalidade da concessão regular de incentivos fiscais, entretanto, no caso dos autos, os benefícios seriam irregulares, consoante acórdão do TCU e 14
as provas novas obtidas (reportagens referentes às operações realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal – Lava Jato e Zelotes – dando conta de que existe um esquema de propina em torno da aprovação de MP’s em prol do interesse das empresas envolvidas), de maneira que a tese fixada pelo Supremo não se aplicaria ao caso em apreço. Contestação apresentada pela União, apontando a ausência de violação à norma jurídica e a inexistência de prova nova. Destaca a União que o acórdão do TCU mencionado pelo município não faz qualquer menção à suposta irregularidade das isenções e benefícios fiscais em testilha. Pontua, ainda, que a causa de pedir da ação ordinária estava restrita à inconstitucionalidade da redução das cotas-partes do FPM destinada ao município autor, de maneira que o precedente do STF se amolda perfeitamente ao caso, vez que trata precisamente da matéria controvertida nos autos. Houve apresentação de réplica pelo autor. Parecer do MPF pela improcedência da rescisória. Através da petição de Id. 4050000.15452086, os advogados do município autor vieram requerer o adiamento do julgamento, uma vez que um dos advogados estaria em viagem internacional e outro estaria presente em outra sessão de julgamento no mesmo dia da pauta da presente rescisória (29/05/2019). Foi destacado no despacho de Id. 4050000.15539078 que em virtude do pleito dos advogados de adiamento, o feito seria apresentado na próxima sessão de julgamento (05/06/2019). Houve novo pedido de adiamento por parte dos advogados da parte autora (4050000.15610489), desta feita informando que um dos advogados ainda estaria em viagem internacional e o outro estaria acamado, conforme atestado anexado aos autos. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA (Relator): Preliminarmente, é de rigor o indeferimento do pedido de novo adiamento do julgamento, constante da petição de Id. 15
405000015610489, uma vez que tal pretensão milita contra a cláusula da duração razoável do processo, mormente em se considerando os fatos de que o feito já fora adiado uma vez e novo adiamento repercutiria em nova inclusão em pauta, e que o requerimento veio acompanhado de atestado médico que sequer aponta qual seria a doença da qual padece o advogado. No mérito, não assiste razão ao autor da rescisória. Consoante ensaiado no relatório, o município autor fundamenta a presente rescisória nos incisos V e VII do art. 966 do CPC/15, sustentando que a sentença violou norma jurídica, ao não realizar o necessário distinguishing entre a tese fixada pelo STF e o caso dos autos, bem como que obteve “provas novas” que comprovariam a irregularidade das concessões de incentivos fiscais através de medidas provisórias pela União. Aduz que o STF reconheceu a constitucionalidade da concessão regular de incentivos fiscais, entretanto, no caso dos autos, os benefícios seriam irregulares, consoante acórdão do TCU e as provas novas obtidas (reportagens referentes às operações realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal – Lava Jato e Zelotes – dando conta de que existe um esquema de propina em torno da aprovação de MP’s em prol do interesse das empresas envolvidas), de maneira que a tese fixada pelo Supremo não se aplicaria ao caso em apreço. Não merece guarida o argumento de violação à norma jurídica por ausência de realização de distinguishing entre a tese fixada pelo STF e o presente caso. Em verdade, a matéria discutida na ação originária enquadra-se perfeitamente ao que fora discutido pelo Supremo no precedente com repercussão geral. Com efeito, o município manejou a ação de origem alegando que as desonerações realizadas pela União refletiam diretamente na arrecadação dos Municípios, em função do menor repasse de valores ao FPM. Requereu, desta forma, a percepção da integralidade dos valores, com base na jurisprudência do STF, é dizer, o recebimento da parcela do FPM sem as reduções decorrentes de incentivos fiscais. Note-se que em momento algum o município refere-se, na origem, a supostas irregularidades na concessão das isenções e dos benefícios fiscais, restando a causa de pedir restrita à incons16
titucionalidade da redução das cotas-partes do FPM destinada ao ente municipal. Assim, não há falar em necessidade de distinguishing no presente caso, uma vez que o precedente vinculante do STF se amolda perfeitamente ao que restou discutido na origem. Não é dado ao município autor alterar a causa de pedir da demanda neste momento, por ocasião do manejo de ação rescisória, pretendendo discutir suposta irregularidade das concessões feitas pela União, quando tal matéria sequer fora ventilada na origem. Tampouco merece guarida o argumento de obtenção de provas novas, quais sejam, reportagens referentes às operações realizadas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal – Lava Jato e Zelotes – dando conta de que existe um esquema de propina em torno da aprovação de MP’s em prol do interesse das empresas envolvidas. Tais documentos dizem respeito justamente às supostas irregularidades nas concessões da União via medidas provisórias, tema que não frequentou o processo de origem, como dito. Assim, os documentos apontados pelo autor na verdade não se enquadram no conceito legal (art. 966, VII, do CPC/15) de prova nova apta a ensejar a procedência do pedido rescisório. Em verdade, a prova nova apta a aparelhar a ação rescisória, deve ser preexistente ao julgado rescindendo, ignorada à época pelo autor ou da qual não pode fazer uso, oportuno tempore, e capaz, por si só, de assegurar pronunciamento jurisdicional favorável. As reportagens mencionadas pelo município em nada repercutem no julgamento que se pretende rescindir, uma vez que não dizem respeito ao objeto da ação, qual seja, a suposta inconstitucionalidade da redução das cotas-partes do FPM destinada ao município autor em reflexo da concessão de benefícios fiscais pela União. Mercê do exposto, julgo improcedente o pedido de rescisão. Condeno o município ao pagamento de honorários advocatícios, fixados em 10% do valor da causa, que resulta no montante de R$ 2.000,00 (dois mil reais). É o meu voto. 17
CONFLITO DE COMPETÊNCIA N° 080459447.2018.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO Suscitante: JUÍZO FEDERAL DA 13ª VARA DE PERNAMBUCO Suscitado: JUÍZO FEDERAL DA 4ª VARA DE PERNAMBUCO Ementa: Processual Penal. Conflito negativo de jurisdição suscitado pelo Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, ante a remessa de ação criminal feita pelo Juízo Federal da 4ª Vara da mesma Seção Judiciária. No centro de tudo duas ações criminais contra Aderson Sérgio de Alencar Carvalho [e outros, sendo que, no caso, o acusado em apreço é o que motivou a remessa] na condição de gestor da Unimed Guararapes Cooperativa de Trabalho. Uma, a da 4ª Vara, a suscitada, pela falta de informações de fatos geradores de tributos, referente aos anos-calendários 2011 a 2013, e, nessa condição, incurso no art. 1º, inc. I, da Lei 8.137, de 1990. A outra, na 13ª Vara, a suscitante, em decorrência de omissão de informações que causaram a supressão ou redução de contribuições previdenciárias atinentes ao ano-calendário de 2007, e, então, incurso no art. 337-A, sonegação de contribuição previdenciária, do Código Penal. Colhe-se da situação factual que os dois processos têm por objeto crimes diversos, como já especificado, além de, em tese, terem sido cometidos em períodos bem distanciados um do outro, isto é, em 2007, um, e o outro, em 2011 a 2013, além de estarem em fases totalmente diferentes: um está na de apresentação de alegações finais; o outro, na fase de instrução. Não há, assim, a menor conexão entre um e outro, de modo a tornar competente para os dois feitos, porque uma sentença não depende da outra, le18
vando em conta situações factuais distanciadas no tempo – quatro a seis anos –, além de delitos diferentes, um, de lei especial, a Lei 8.137, outro, o art. 337-A, do Código Penal, ou, na dicção do parecer do Ministério Público Federal, a conexão probatória ou instrumental diz respeito ao fato de a prova de um crime influenciar a prova da existência de outro crime, de sorte a se exigir um liame inseparável entre eles, circunstância que, no caso, não existe. Conflito negativo de jurisdição conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 4ª Vara, o suscitado. ACÓRDÃO Vistos, etc. Decide o Egrégio Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, conhecer do conflito de competência para declarar a competência do Juízo Federal suscitado, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos. Recife, 24 de janeiro de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO: Conflito negativo de jurisdição suscitado pelo Juízo Federal da 4ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, em face da remessa de feito criminal pela 13ª Vara da mesma Seção Judiciária. Dispensadas as informações, foi ouvido o Ministério Publico Federal a opinar pela conhecimento do presente conflito, com declaração da competência do Juízo Federal da 4ª Vara Federal, ora suscitado. No essencial, o relatório. 19
VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO (Relator): No centro de tudo duas ações criminais contra Aderson Sérgio de Alencar Carvalho Carvalho [e outros, sendo que, no caso, o acusado em apreço é o que motivou a remessa], na condição de gestor da Unimed Guararapes Cooperativa de Trabalho. Uma, a da 4ª Vara, a suscitada, pela falta de informações de fatos geradores de tributos, referente aos anos-calendários 2011 a 2013, e, nessa condição, incurso no art. 1º, inc. I, da Lei 8.137, de 1990. A outra, na 13ª Vara, a suscitante, em decorrência de omissão de informações que causaram a supressão ou redução de contribuições previdenciárias atinentes ao ano-calendário de 2007, e, então, incurso no art. 337-A, sonegação de contribuição previdenciária, do Código Penal. Colho da situação factual que os dois processos têm por objeto crimes diversos, como já especificado, além de, em tese, terem sido cometidos em períodos bem distanciados um do outro, isto é, em 2007, um, e o outro, em 2011 a 2013, além de estarem em fases totalmente diferentes: um está na de apresentação de alegações finais; o outro, na fase de instrução. Não há, assim, a menor conexão entre um e outro, de modo a tornar competente para os dois feitos, porque uma sentença não depende da outra, levando em conta situações factuais distanciadas no tempo – quatro a seis anos –, além de delitos diferentes, um, de lei especial, a Lei 8.137, outro, o art. 337-A do Código Penal, ou, na dicção do parecer do Ministério Público Federal, a conexão probatória ou instrumental diz respeito ao fato de a prova de um crime influenciar a prova da existência de outro crime, de sorte a se exigir um liame inseparável entre eles, circunstância que, no caso, não existe. Por este entender, conheço do conflito para declarar a competência do Juízo Federal da 4ª Vara, o suscitado. É como voto.
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EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA AÇÃO RESCISÓRIA N° 0805119-05.2015.4.05.0000-AL (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO Autor: UNIÃO FEDERAL Réu: SINDICATO DOS TRABALHADORES EM SEGU RIDADE SOCIAL E TRABALHO NO ESTADO DE ALAGOAS - SINDPREV-AL Embargante: UNIÃO FEDERAL Cutos Legis: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Advs./Procs.: DRS. ÍTALO AUGUSTO FERREIRA DE MELO E OUTRO Ementa: Processual Civil. Embargos declaratórios atacando o julgado de duas omissões, uma no que se relaciona ao conteúdo do julgado alojado no REsp 921.449-AL, quando o Superior Tribunal de Justiça considerou ser, para caso idêntico, a competência desta Corte; e, por não ter aplicado o art. 968, § 5º e § 6º, do Código de Processo Civil, daí buscar a embargante que seja determinada a emenda da inicial, com posterior remessa ao tribunal superior ou, ao menos, seja satisfeito o requisito do prequestionamento dos dispositivos legal acima elencados, indispensável à interposição regular dos recursos excepcionais. 1. Necessário, antes de tudo, distinguir a omissão – a representar sempre a falta de abordagem de uma matéria que, tivesse sido efetuada, daria ao julgado um final diferente –, do enfrentamento da matéria em sentido contrário à pretensão. 2. Aqui, ocorre a segunda situação. 3. Não há omissão, mas sim entendimento diferente daquele que a embargante quer ver prevalecido. O voto, aliás, foi bem claro ao destacar as sugestões oferecidas pelos eminentes colegas durante o julgamento, deixando bem assentado 21
que, como o mérito foi resolvido pelo Superior Tribunal de Justiça, via de recurso especial, era desta Corte Especial a competência para a rescisória, por ter as duas matérias, apontadas como omissa, sido abordadas por todo o colegiado, via de manifestação que se seguiram depois do voto deste relator, tanto no que tange ao julgado que se busca rescindir, culminando pela desnecessidade aqui de seguir os ditames do § 6º do art. 968 do Código de Processo Civil, circunstância que mata a pretensão, embutida nos presentes aclaratórios, à míngua de qualquer omissão. 4. Improvimento. ACÓRDÃO Vistos, etc. Decide o Egrégio Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento aos embargos, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos. Recife, 6 de janeiro de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO: Aclaratórios opostos contra acórdão que extinguiu-se, sem exame do mérito, ação rescisória. A União Federal maneja aclaratórios a apontar omissões no decisório concernente a dispositivo legal destacado na rescisória e não enfrentado no julgamento do Recurso Especial pelo Superior Tribunal de Justiça, permanecendo competente essa Corte Regional para analisar a rescisória. Na hipótese de não reconhecimento da competência dessa Corte, defende a intimação do autor para emendar a inicial, nos termos do art. 968, § 5º, do Código de Processo Civil. 22
Com resposta do embargado. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL VLADIMIR SOUZA CARVALHO (Relator): Há aclaratórios atacando o julgado de duas omissões, uma no que se relaciona ao conteúdo do julgado alojado no REsp 921.449-AL, quando o Superior Tribunal de Justiça considerou ser, para caso idêntico, a competência desta Corte; e, por não ter aplicado o art. 968, § 5º e § 6º, do Código de Processo Civil, daí buscar a embargante que seja determinada a emenda da inicial, com posterior remessa ao tribunal superior ou, ao menos, seja satisfeito o requisito do prequestionamento dos dispositivos legal acima elencados, indispensável à interposição regular dos recursos excepcionais. Necessário, antes de tudo, distinguir a omissão – a representar sempre a falta de abordagem de uma matéria que, tivesse sido efetuada, daria ao julgado um final diferente –, do enfrentamento da matéria em sentido contrário à pretensão. Aqui, ocorre a segunda situação. Não há omissão, mas sim entendimento diferente daquele que a embargante quer ver prevalecido. O voto, aliás, foi bem claro ao destacar as sugestões oferecidas pelos eminentes colegas durante o julgamento, deixando bem assentado que, como o mérito foi resolvido pelo Superior Tribunal de Justiça, via de recurso especial, era desta Corte Especial a competência para a rescisória, por ter as duas matérias, apontadas como omissa, sido abordadas por todo o colegiado, via de manifestação que se seguiram depois do voto deste relator, tanto no que tange ao julgado que se busca rescindir, culminando pela desnecessidade aqui de seguir os ditames do § 6º do art. 968 do Código de Processo Civil, circunstância que mata a pretensão, embutida nos presentes aclaratórios, à míngua de qualquer omissão. Por este entender, nego provimento. É como voto. 23
CONFLITO DE COMPETÊNCIA CÍVEL Nº 080640309.2019.4.05.0000-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA Suscitante: JUÍZO DA 27ª VARA FEDERAL DE PERNAMBUCO Suscitado: JUÍZO DA 1ª VARA DA COMARCA DE ARARIPINA-PE EMENTA: CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. LEI N° 13.043/2014. REVOGAÇÃO DO ARTIGO 15, I, DA LEI Nº 5.010/66. FIM DA DELEGAÇÃO DE COMPETÊNCIA À JUSTIÇA ESTADUAL PARA PROCESSAR E JULGAR AS EXECUÇÕES FISCAIS CONTRA DEVEDORES DOMICILIADOS EM COMARCAS QUE NÃO FOSSEM SEDE DE VARA FEDERAL. PERMANÊNCIA NA JUSTIÇA ESTADUAL DAS EXECUÇÕES FISCAIS ALI AJUIZADAS ANTES DA VIGÊNCIA DA LEI N° 13.043/2014. CASO CONCRETO. AÇÃO AJUIZADA ORIGINARIAMENTE NA JUSTIÇA FEDERAL. COMPETÊNCIA DO JUÍZO FEDERAL. AINDA QUE A DECLINAÇÃO SEJA ANTERIOR À VIGÊNCIA DA LEI 13.043/14. 1. O artigo 578 do Código de Processo Civil estabelece que a competência para apreciar execução é territorial, de natureza relativa, podendo apenas ser arguida pela parte interessada por meio da exceção de incompetência, a teor do disposto no artigo 112 do CPC, de modo que, não se arguindo a incompetência pela via de exceção, seria a hipótese de configuração da prorrogação de competência, conforme disposto no art. 114 do CPC e reconhecido pelo Enunciado n° 33 da Súmula do STJ. 2. Sabe-se que o STJ, no julgamento do REsp 1.146.194, decidido sob os auspícios do regime de recursos repetitivos, definiu que, no caso específico das execuções fiscais, a competência
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poderia ser declinada de ofício quando não ajuizada a execução no foro do domicílio do devedor. 3. O artigo 15, I, da Lei nº 5.010/66, que delegava à Justiça Estadual a competência para processar e julgar as execuções fiscais contra devedores domiciliados em comarcas que não fossem sede de Vara Federal, foi revogado pela Lei nº 13.043/2014, notadamente pelo seu artigo 114, IX. 4. O Pleno firmou entendimento no sentido de que não há mais que se falar na possibilidade de transferência dos feitos originariamente ajuizados na Justiça Federal para a Justiça Estadual, existindo apenas a previsão, no artigo 75 da Lei n° 13.043/2014, da permanência das execuções fiscais da União e de suas autarquias e fundações públicas na Justiça Estadual, quando ali ajuizadas antes da vigência da norma acima invocada, o que não é o caso dos autos, uma vez que, conforme relatado, o feito fora ajuizado inicialmente na Justiça Federal. 5. A tese firmada se aplica ainda que a declinação de competência e a remessa do feito executório tenham se dado em momento anterior à vigência da Lei n° 13.043/14, exatamente como o caso em análise. Conforme restou decidido em julgamento unânime do Pleno, na relatoria do Desembargador Federal Fernando Braga Damasceno, “tal fato não tem o condão de enquadrar a ação objeto do presente conflito à exceção prevista no artigo 75 do referido diploma legal”. 6. Segundo o referido posicionamento da Corte, na hipótese de execução fiscal ajuizada originariamente perante a Justiça Federal, não é possível o envio dos autos à Justiça Estadual, ao fundamento de ser o devedor domiciliado em comarca que não é sede de Vara Federal. 7. Conflito conhecido para declarar competente o Juízo da 27ª Vara Federal de Pernambuco (Ouricuri) - PE (Suscitante). 25
ACÓRDÃO Vistos etc., decide o Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, conhecer do conflito de competência para declarar competente o Juízo Suscitante, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 29 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA: Trata-se de conflito negativo de competência, suscitado pelo Juízo da 27ª Vara Federal de Pernambuco - Subseção Judiciária de Ouricuri, em face do Juízo de Direito da 1ª Vara da Comarca de Araripina-PE, em ação de execução fiscal movida pela União contra Espedito Granja Arraes. A ação foi ajuizada originariamente no Juízo Federal, tendo sido declinada a competência para o Juízo Estadual, sob o argumento de que o artigo 109, § 3°, da Constituição Federal, combinado com o artigo 15, I, da Lei n° 5.010/66, atribuiu à Justiça Estadual a competência para processar e julgar os executivos fiscais da União e de suas autarquias quando a comarca do domicílio do devedor não for sede de Vara da Justiça Federal, de modo que, tratando-se de competência absoluta, conforme decidido pelo STJ sob o regime dos recursos repetitivos, sua inobservância deve ser declarada de ofício pelo Juiz, na forma do artigo 113 do CPC. O Juízo estadual declarou sua incompetência, sob o argumento de que o artigo 15, I, da Lei n° 5.010/66, que delegava competência federal para a Justiça Estadual no caso dos executivos fiscais, foi revogado expressamente pelo artigo 114, IX, da Lei n° 13.043/14, suscitando o presente conflito. Acrescentou o juízo suscitado, em sua peça declinatória, que a exceção prevista no artigo 75 do ato normativo acima mencio26
nado, que determina a inaplicabilidade da revogação no caso de execuções fiscais ajuizadas antes de sua vigência, alcança apenas aquelas que foram ajuizadas originariamente na justiça estadual, o que não é o caso do presente conflito. Assim, remeteu os autos ao Juízo Federal, que suscitou o conflito. Sem intervenção do Parquet diante da inexistência de interesse público a ensejar a sua manifestação. É o que havia de relevante para relatar. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA (Relator): O artigo 578 do Código de Processo Civil estabelece que a competência para apreciar execução é territorial, de natureza relativa, podendo apenas ser arguida pela parte interessada por meio da exceção de incompetência, a teor do disposto no artigo 112 do CPC, de modo que, não se arguindo a incompetência pela via de exceção, seria a hipótese de configuração da prorrogação de competência, conforme disposto no art. 114 do CPC e reconhecido pelo Enunciado n° 33 da Súmula do STJ. Sabe-se que o STJ, no julgamento do REsp 1.146.194, decidido sob os auspícios do regime de recursos repetitivos, definiu que, no caso específico das execuções fiscais, a competência poderia ser declinada de ofício quando não ajuizada a execução no foro do domicílio do devedor. Senão, vejamos: EMENTA: PROCESSO CIVIL. COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL. A execução fiscal proposta pela União e suas autarquias deve ser ajuizada perante o Juiz de Direito da comarca do domicílio do devedor, quando esta não for sede de vara da justiça federal. A decisão do Juiz Federal, que declina da competência quando a norma do art. 15, I, da Lei nº 5.010, de 1966 deixa de ser observada, não está sujeita ao Enunciado da Súmula nº 33 do Superior Tribunal de Justiça. A norma legal visa facilitar tanto a defesa do devedor quanto o aparelhamento da execução, que assim não fica, via de regra, sujeita a cumprimento de
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atos por cartas precatórias. Recurso especial conhecido, mas desprovido. (REsp 200901213899, NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, STJ - PRIMEIRA SEÇÃO, DJe DATA: 25/10/2013.)
Contudo, o artigo 15, I, da Lei nº 5.010/66, que delegava à Justiça Estadual a competência para processar e julgar as execuções fiscais contra devedores domiciliados em comarcas que não fossem sede de Vara Federal, foi revogado pela Lei nº 13.043/2014, notadamente pelo seu artigo 114, IX. Nessa linha, o Pleno firmou entendimento no sentido de que não há mais que se falar na possibilidade de transferência dos feitos originariamente ajuizados na Justiça Federal para a Justiça Estadual, existindo apenas a previsão, no artigo 75 da Lei n° 13.043/2014, da permanência das execuções fiscais da União e de suas autarquias e fundações públicas na Justiça Estadual, quando ali ajuizadas antes da vigência da norma acima invocada, o que não ocorreu no caso concreto, uma vez que o feito fora ajuizado inicialmente na Justiça Federal. É necessário enfatizar que a tese firmada se aplica ainda que a declinação de competência e a remessa do feito executório tenham se dado em momento anterior à vigência da Lei n° 13.043/14, exatamente como o caso em análise. Conforme restou decidido em julgamento unânime do Pleno, na relatoria do Desembargador Federal Fernando Braga Damasceno, “tal fato não tem o condão de enquadrar a ação objeto do presente conflito à exceção prevista no artigo 75 do referido diploma legal”. Senão, vejamos: PROCESSUAL CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO FISCAL AJUIZADA PERANTE A JUSTIÇA FEDERAL. DECLINAÇÃO DE COMPETÊNCIA À JUSTIÇA ESTADUAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Trata-se de conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo da Vara Única da Comarca de Araçagi/PB em face do Juízo da 12ª Vara Federal/PB - Subseção Judiciária de Guarabira, nos autos de execução fiscal ajuizada pela União em 15/12/11 contra devedor domiciliado no Município de Araçagi. 2. Inicialmente a ação fora ajuizada perante o Juízo da 12ª Vara Federal da Paraíba, que declinou da competência
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para que o feito fosse processado na Comarca de domicílio do devedor (Vara Única da Comarca de Araçagi/PB). 3. O inciso I do art. 15 da Lei 5.010/66 estabelecia a competência da Justiça Estadual para processar e julgar execução fiscal da União e suas autarquias nas Comarcas de domicílio dos devedores. No entanto, referida norma foi revogada pelo inciso IX do art. 114 da Lei 13.043/14, regra cuja aplicação apenas não atingiu as execuções fiscais da União e suas autarquias e fundações públicas ajuizadas perante à Justiça Estadual até a entrada em vigor do art. 75 de referida lei (em 13 de março de 2015, de acordo com o art. 113, IV, b). 4. Apesar do Juízo Federal ter declinado da competência e remetido o processo ao Juízo Estadual em momento ainda anterior à vigência da Lei 13.043/14, tal fato não tem o condão de enquadrar a ação objeto do presente conflito à exceção prevista no artigo 75 do referido diploma legal. 5. Tendo sido o feito ajuizado originalmente na Justiça Federal, descabe sua remessa ao Juízo Estadual, entendimento este pacificado no âmbito deste Tribunal pela Súmula 21. 6. Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo da 12ª Vara Federal da Paraíba. (PROCESSO: 08086287020174050000, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, Pleno, JULGAMENTO: 25/02/2018, PUBLICAÇÃO:) Grifos acrescidos
Ante o exposto, conheço do conflito, declarando a competência do Juízo da 27ª Vara Federal de Pernambuco - Ouricuri (Suscitante). É como voto.
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INCIDENTE DE ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE CÍVEL Nº 0815379-05.2017.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Rel. p/Acórdão: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO Arguente: FLORENCE VIEIRA D’ALBUQUERQUE CESAR E OUTROS Arguídos: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL SEÇÃO DE PERNAMBUCO - OAB/PE E OUTROS Advs./Procs.: DRS. CLEYSON PEREIRA DE LIMA (ARGTE.) E RENATA FURTADO DE MENDONÇA E OUTRO (ARGDOS.) EMENTA: CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. EXERCÍCIO DA ADVOCACIA. SERVIDOR PÚBLICO DO MINISTÉRIO PÚBLICO ESTADUAL. IMPEDIMENTO. VEDAÇÃO PREVISTA NA RESOLUÇÃO 27/2008 DO CNMP. ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. REJEIÇÃO. 1. Incidente de arguição de inconstitucionalidade acolhido pela Quarta Turma desta Corte, em face de recurso de apelação interposto contra sentença que julgou improcedente o pedido, em que se objetiva provimento jurisdicional que declare a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da Resolução 27/2008 do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, reconhecendo, em consequência, o direito dos demandantes, servidores do Ministério Público do Estado de Pernambuco, ao exercício da advocacia. 2. Em 25/09/2018, a 4ª Turma do TRF5 decidiu, por maioria, suscitar o incidente de inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução 27/2008, do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, ao fundamento de que: “há uma alegação razoável de inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução 27/2008 do CNMP, ao ampliar a vedação do 30
exercício da advocacia de modo a atingir também os servidores efetivos do Ministério Público dos Estados. Tal ampliação parece colidir com a liberdade de profissão, direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, cuja limitação, por expressa previsão constitucional, somente pode ocorrer por força de lei”. 3. Não há qualquer inconstitucionalidade formal ou material na Resolução 27/2008, do CNMP. O Conselho Nacional do Ministério Público, como órgão de controle, fiscalização e estratégia, detém, nos termos do art. 130-A, § 2º, I, da Constituição, competência para estabelecer, mediante ato normativo, controles do exercício profissional dos agentes – Promotor, Procurador da República – e servidores do Ministério Público, inclusive no que se refere ao impedimento de que estes últimos, em evidente conflito de interesses, ocupem, simultaneamente cargo público e exerçam a advocacia. 4. “Não há falar-se, ademais, em violação da competência do Presidente da República para regulamentar a matéria, eis que compete ao CNMP, no papel de órgão uniformizador das atividades do Ministério Público nacional, zelar pela autonomia funcional e administrativa da instituição, ‘podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência’ [art. 130-A, § 2º, I, da Constituição do Brasil]”. (MS 27.295/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJe 28/5/2008) 5. A rigor, observa-se que no seu voto o nobre relator sustenta, basicamente, que a vedação trazida na Resolução 27/2008 colide com a liberdade de profissão, direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988. Cabível ponderar, contudo, que tal regramento parece ter melhor aplicação ao exercício das profissões liberais e àquelas submetidas a contratos de trabalho. No caso, não há qualquer dúvida de 31
que o exercício da advocacia é incompatível com servidores públicos, mesmo os comissionados, do Ministério Público dos Estados e da União. 6. Arguição de inconstitucionalidade rejeitada, devendo o processo retornar à 4ª Turma para análise do caso concreto. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas, decide o Plenário do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, rejeitar a arguição de inconstitucionalidade, nos termos do relatório, do voto condutor e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 11 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO - Relator p/Acórdão RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON NOBRE PEREIRA JÚNIOR: Cuida-se de arguição de inconstitucionalidade acolhida pela Quarta Turma desta Corte, em face de recurso de apelação interposto pela parte autora contra sentença que julgou improcedente o pedido inicial nos autos em epígrafe, consistente em obter provimento jurisdicional que declare a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da Resolução n° 27/2008 do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP e, por consequência, declare o direito dos demandantes, servidores do Ministério Público do Estado de Pernambuco, do exercício da advocacia. No acórdão em que foi suscitado o presente incidente (Id. 4050000.12547157), afirmou-se ser “razoável a alegação de inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução nº 27/2008, do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, vez que, ao ampliar a vedação do exercício da advocacia aos servidores efetivos do Ministério Público dos Estados, colide com o texto constitucional” (art. 5º, XIII, da CF). 32
Intimada (Id. 4050000.13252211), a UNIÃO apresentou manifestação (Id. 4050000.15361449), com os seguintes argumentos: a) é intuitivo que a incompatibilidade expressa no art. 21 da Lei 11.415/2006 decorre, preambularmente, da própria Constituição. “Apesar de as vedações contidas no art. 128, § 5º, II, b, da Constituição Federal dizerem respeito aos membros do Ministério Público (promotores de Justiça, procuradores da República e demais designações das carreiras federal e estadual), não se compadece com o cumprimento das funções institucionais do Ministério Público admitir que seus servidores exerçam, paralelamente, a advocacia”; b) “Não padece de inconstitucionalidade ou ilegalidade a Resolução CNMP nº 27/2008, uma vez que encontra seu fundamento de validade, especificamente, no art. 21 da Lei nº 11.415/2006, aplicando-se aos Ministérios Públicos Estaduais em virtude do caráter nacional da instituição. Diante da existência da lei federal, estabelecendo expressamente vedação já constante de forma implícita da Constituição da República, é evidente a possibilidade de regulamentação, por parte do Conselho Nacional do Ministério Público”; c) “Não merece prosperar também o argumento de que os servidores que já haviam tomado posse antes da publicação da Resolução CNMP n.º 27/2008 teriam direito adquirido ao exercício da advocacia privada. A análise de direito adquirido dos servidores deve ser feita sempre sob dois ângulos: direitos individuais contemplados no estatuto do servidor e a questão da mutabilidade do regime jurídico estatutário”; d) “o Supremo Tribunal Federal já analisou a questão ora posta em sede de liminar, tendo a orientação da Corte apontado para a constitucionalidade dos dispositivos que vedam o exercício da advocacia privada, mesmo para aqueles servidores que ingressaram nos quadros do Ministério Público antes da publicação da Lei nº 11.415/2006”. A Procuradoria Regional da República, em parecer da lavra do Procurador FERNANDO JOSÉ ARAÚJO FERREIRA (Id. 4050000.14510937), opinou pelo reconhecimento da constitucionalidade do art. 1º da Resolução nº 27/2008, ao principal argumento
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de que, à luz do disposto no art. 127, § 1º, da CF, “não é possível, levando-se em conta a unidade institucional consagrada na Carta Magna, que seja vedado aos servidores federais e do Distrito Federal o exercício da advocacia e, ao mesmo tempo, seja permitido o desempenho dessa atividade aos servidores do Ministério Público Estadual”. É o relatório. Processo incluído na pauta de julgamento do dia 22/05/2019 (Id. 4050000.15202020). VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON NOBRE PEREIRA JÚNIOR (Relator): Por compreender relevante para o deslinde de caso concreto, submetido ao juízo de apelação, a Quarta Turma desta Corte afetou a este Pleno incidente de inconstitucionalidade quanto ao art. 1º da Resolução 27/2008 do Conselho Nacional do Ministério Público, assim redigido: Art. 1º É vedado o exercício da advocacia aos servidores efetivos, comissionados, requisitados ou colocados à disposição do Ministério Público dos Estados e da União.
Conforme se percebe das considerações que antecedem o seu texto, motivaram a adoção de tal ato normativo as razões que seguem: Considerando os princípios constitucionais da moralidade, da isonomia e da eficiência; Considerando as disposições dos artigos 21 da Lei n° 11.415/2006 e 30 da Lei n° 8.906/94; Considerando a necessidade de estabelecer, no particular, tratamento isonômico entre os servidores do Ministério Público da União e dos Estados.
Na situação que se apresenta, o ato normativo impugnado, a pretexto de ofertar concreção aos princípios mencionados, estendeu, mediante integração analógica, aos servidores dos Ministérios Públicos dos Estados, a vedação constante do art. 21 da Lei 11.415/2008, ao prescrever: “Art. 21. Aos servidores efetivos, requisitados e sem vínculos do Ministério Público da União é vedado o exercício da advocacia e consultoria técnica”. 34
A questão que se controverte é a de saber se tal poderia ser estatuído pelo veículo normativo empregado, qual seja a resolução do Conselho Nacional do Ministério Público, editada com lastro na competência do art. 130-A, § 2º, I, da Constituição, ao se reportar à expedição de “atos regulamentares, no âmbito de sua competência”. Um ponto que precisa ser avivado – e que aqui se mostra decisivo – é o de que o art. 5º, XIII, da Constituição Federal, ratificando tradição incorporada em nosso constitucionalismo, dispôs: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer.
Daí decorrem duas constatações. A primeira delas consiste na circunstância de ser a advocacia uma profissão, remate que se tem por inquestionável pela redação do art. 2º, § 3º, da Lei 8.906/94. Sendo assim, encontra-se o seu desempenho ao abrigo do explicitado direito fundamental. A outra é a de que se está diante de hipótese de reserva legal. O sinal indicativo para tanto é a remissão, por preceptivo constitucional específico, à lei, como veículo destinado à delineação de uma determinada relação jurídica. Entre nós, esse traço definidor está patente no julgamento, pelo Supremo Tribunal Federal, do HC 85.060-0-PR (Pleno, mv, rel. Min. EROS GRAU, DJe de 12-02-2009). Presente situação de reserva legal, o que se tem como incontestável, a primeira consequência será a de afastar da regulação da matéria reservada a incidência de outras fontes normativas, salvo, é claro, a constituição. Dirige-se, assim, a excluir a possibilidade da lei habilitar a Administração para tratar do tema mediante regulamento. Essa, portanto, sua primeira eficácia, vinculando o Legislativo a tratar da matéria mediante lei. Da mesma forma, à competência regulamentar se interdita dispor sobre os aspectos essenciais daquilo que foi reservado ao legislador. É possível vislumbrar – conforme consta da lição de Canotilho (Direito constitucional. 5ª ed. Coimbra: Livraria Almedina, 1992, p. 799) – que a reserva legal comporta, numa de suas dimensões, 35
especialmente a de cunho negativo, a injunção consoante a qual, nas matérias reservadas à lei, está vedada a intervenção de outra fonte que a não a do legislador. Isso não decorre do fortuito, mas da circunstância de que as matérias sujeitas à reserva legal são, justamente, aquelas onde se disciplina a liberdade do cidadão frente à autoridade, de modo que se tem a submissão, por força do texto magno, da matéria ao encerro do Parlamento, a trazer uma maior legitimidade à futura norma, uma vez que o processo legislativo é capaz de mobilizar e propiciar a participação nas discussões das diversas correntes de pensamento político e social. Por isso, a doutrina, em comentando o art. 5º, XIII, da Lei Maior vigente, é explícita ao entender que somente o legislador poderá restringir o acesso ao exercício de profissão e, mesmo assim, dispondo sobre requisitos de capacidade técnica. Consultar: CELSO RIBEIRO BASTOS (Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 1988-1989. Volume 2, p. 77) e JOSÉ AFONSO DA SILVA (Comentário contextual à Constituição. 9ª ed. São Paulo: Malheiros, 2014, p. 1110). Nesse diapasão, a restrição à atividade advocatícia somente poderá advir da promulgação de lei federal, disciplinadora da profissão, ou lei estadual, a pretexto de disciplinar os direitos e deveres dos funcionários públicos da respectiva unidade federativa, aí incluídos o pessoal da carreira de apoio dos órgãos do Ministério Público. O que se não admite é que a vedação ao exercício de uma liberdade fundamental venha a ser estabelecida por norma que a Lei Fundamental indica como de natureza regulamentar (art. 130-A, § 2º, I, CF), máxime quando aquela, na qualidade de Leis das Leis, indica de forma categórica a lei formal como instrumento exclusivo para a sua limitação, tal como se tem com o seu art. 5º, XIII. Segue-se que o voluntarismo exacerbado do jogo de princípios, expressada pela magia do vocábulo ponderação, não pode suprir a exigência. Sem contar as enormes críticas que tal prática vem acarretando nestas plagas (EROS GRAU. Por que tenho medo dos juízes – a interpretação/aplicação do direito e os princípios. 8ª ed. São Paulo: Malheiros, 2016, p. 114-126; MARCELO NEVES. Entre 36
Hidra e Hércules – princípios e regras constitucionais como diferença paradoxal do sistema jurídico. São Paulo: Martins Fontes, 2013, p. 171-220), devido a uma má recepção de teorias estrangeiras, é inegável que a função interpretativa dos princípios não vai ao ponto de afastar a incidência de regra constitucional – e, portanto, de mesma hierarquia – que, salvaguardando o exercício de liberdade, confiou o cerceio desta ao Parlamento. A segurança jurídica – anelo relevante e essencial do Direito – cai inelutavelmente por terra. Com essas considerações, as quais já se alongaram em demasia, voto por reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução 01/2008 do Conselho Nacional do Ministério Público. VOTO-CONDUTOR O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO (Relator p/Acódão): 1. Cuida-se de incidente de arguição de inconstitucionalidade acolhido pela Quarta Turma desta Corte, em face de recurso de apelação interposto por FLORENCE VIEIRA D’ALBUQUERQUE CESAR e outros contra sentença que julgou improcedente o pedido, em que se objetiva provimento jurisdicional que declare a ilegalidade e/ou inconstitucionalidade da Resolução 27/2008 do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, reconhecendo, em consequência, o direito dos demandantes, servidores do Ministério Público do Estado de Pernambuco, ao exercício da advocacia. 2. Em 25/09/2018, a 4ª Turma do TRF5 decidiu, por maioria, suscitar o incidente de inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução 27/2008, do Conselho Nacional do Ministério Público - CNMP, ao fundamento de que: “há uma alegação razoável de inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução 27/2008 do CNMP, ao ampliar a vedação do exercício da advocacia de modo a atingir também os servidores efetivos do Ministério Público dos Estados. Tal ampliação parece colidir com a liberdade de profissão, direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988, cuja limitação, por expressa previsão constitucional, somente pode ocorrer por força de lei”. 3. Após a manifestação da União e apresentação de Parecer pelo MPF5, o Des. Federal Edilson Nobre, na sessão de 22/05/2019, proferiu voto no sentido de acolher o incidente de 37
arguição para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 1º da Resolução 01/2008 do Conselho Nacional do Ministério Público (acompanhado pelos Des. Federais: Roberto Machado e Tercius Gondim Maia - convocado), ao fundamento de que: “a restrição à atividade advocatícia somente poderá advir da promulgação de lei federal, disciplinadora da profissão, ou lei estadual, a pretexto de disciplinar os direitos e deveres dos funcionários públicos da respectiva unidade federativa, aí incluídos o pessoal da carreira de apoio dos órgãos do Ministério Público”. 4. Não obstante os bem postos fundamentos trazidos no voto do Des. Federal Edilson Nobre, conforme me manifestei na sessão de julgamento, não há qualquer inconstitucionalidade formal ou material na Resolução 27/2008 do CNMP. 5. É que, a princípio, o CNMP, como órgão de controle, fiscalização e estratégia, detém, nos termos do art. 130-A, § 2º, I, da Constituição, competência para estabelecer, mediante ato normativo, controles do exercício profissional dos agentes – Promotor, Procurador da República – e servidores do Ministério Público, inclusive no que se refere ao impedimento de que estes últimos, em evidente conflito de interesses, ocupem, simultaneamente cargo público e exerçam a advocacia. 6. A corroborar tal incompatibilidade, já decidiu o eg. STJ: “Os servidores do Ministério Público estão inseridos na regra de impedimento a que alude a primeira parte do inciso IV do art. 28 da Lei n° 8.906/94, segundo o qual, ipsis litteris: [a] advocacia é incompatível, mesmo em causa própria, com as seguintes atividades: ocupantes de cargos ou funções vinculados direta ou indiretamente a qualquer órgão do Poder Judiciário [...]”. (REsp 997.714/RS, Rel. Min. Benedito Gonçalves, j. em 25/10/2011, DJ 14/11/2011) 7. Registre-se que, em várias oportunidades, os Ministros do STF têm, monocraticamente, reconhecida a competência do CNMP para regular a matéria pertinente à proibição do exercício de advocacia por servidor público do Ministério Público. Confiram-se: Não há falar-se, ademais, em violação da competência do Presidente da República para regulamentar a matéria, eis que compete ao CNMP, no papel de órgão uniformizador das atividades do Ministério Público nacional, zelar 38
pela autonomia funcional e administrativa da instituição, “podendo expedir atos regulamentares, no âmbito de sua competência” [art. 130-A, § 2º, I, da Constituição do Brasil]. (MS 27.295/DF, Rel. Min. Eros Grau, DJ 28/5/2008) Ademais, reputo relevantes e substanciosas as razões indicadas no acórdão do Processo nº 425/2007-01 do Conselho Nacional do Ministério Público, o qual resultou na edição da Resolução nº 027/2008. De fato, tal medida consiste em salutar instrumento para a consecução dos princípios constitucionais da moralidade e isonomia porquanto afasta da advocacia servidores que possuem estreita ligação com as decisões do Ministério Público Federal e/ou Estadual, instituição que, por sua vez, influi sobremaneira na tutela jurisdicional. Ademais, a Resolução nº 027/2008 vai ao encontro do princípio da eficiência na prestação do serviço público na medida em que não permite aos funcionários do Ministério Público compatibilizar as 40 (quarenta) horas de jornada semanal na instituição com o exercício da advocacia, atividade essa que demanda tempo e dedicação. Dentro desse quadro, o interesse público de se resguardar a aplicação dos princípios constitucionais da isonomia, moralidade e eficiência na prestação do serviço público se sobrepõe ao interesse particular do Impetrante em continuar a exercer a advocacia. (MS 27.231 MC/DF, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 23/04/2008)
8. A rigor, observa-se que no seu voto o nobre relator sustenta, basicamente, que a vedação trazida na Resolução 27/2008 colide com a liberdade de profissão, direito fundamental previsto no art. 5º, inciso XIII, da Constituição Federal de 1988. Deve-se ponderar, contudo, que tal regramento parece ter melhor aplicação ao exercício das profissões liberais e àquelas submetidas a contratos de trabalho. No caso, não tenho nenhuma dúvida de que o exercício da advocacia é incompatível com servidores públicos, mesmo os comissionados, do Ministério Público dos Estados e da União. 9. Com essas considerações, pedindo todas as vênias ao relator, rejeito a arguição de inconstitucionalidade, devendo o processo retornar à 4ª Turma para análise do caso concreto. 10. É como voto. 39
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 0809035-76.2017.4.05.0000-RN (PJe) Relator: Autora: Ré: Adv./Proc.:
DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI CLÍNICA DE ANESTESIOLOGIA DO RIO GRANDE DO NORTE LTDA. - CLIARN - EPP FAZENDA NACIONAL DR. IGOR SILVA DE MEDEIROS (AUTORA) EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 966, V, § 5º, DO CPC/2015. VIOLAÇÃO MANIFESTA DE NORMA JURÍDICA. CONCEITO DE “SERVIÇOS HOSPITALARES” À LUZ DAS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI 11.727/2008. REDUÇÃO DAS ALÍQUOTAS DE IRPJ E CSLL. ART. 15, § 1º, III, A, DA LEI 9.249/95. ERRO NA APLICAÇÃO DE PRECEDENTE VINCULANTE. RESP 1.116.399/BA. NÃO CONSTATAÇÃO. 1. Ação rescisória proposta pelo contribuinte, pessoa jurídica, com amparo no art. 966, V, § 5º, do CPC, ao argumento de que o acórdão rescindendo teria promovido errônea aplicação do entendimento vinculante do STJ, fixado por ocasião do julgamento do REsp 1.116.399/BA. 2. O acórdão rescindendo, da Quarta Turma, confirmou a sentença rejeitando o pedido de aplicação das alíquotas reduzidas de IRPJ e CSLL de que tratam os artigos 15 a 20 da Lei n° 9.249/95, ao fundamento, em síntese, de que “a parte apelada (Clínica de médicos anestesiologistas) não presta propriamente serviços hospitalares, pois apenas fornece serviços médicos, ainda que realizados parcialmente no interior de unidades hospitalares”. 3. A inicial defende que o acórdão rescindendo, conquanto se ampare no entendimento do STJ constante do REsp 1.116.399/BA, de Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, e do REsp 951.251PR, de Relatoria do Ministro Castro Meira, não teria aplicado corretamente o paradigma, por 40
considerar uma inexistente distinção no caso concreto. 4. O argumento não procede. O caso tratado pelo STJ no REsp 1.116.399/BA, julgado em 28/10/2009, cuidou da incidência ou não da alíquota privilegiada no período compreendido entre 01/01/1999 e 31/12/2004. Não poderia incidir àquele caso, portanto, as alterações promovidas pela Lei 11.727/2008 ao art. 15, § 1º, III, a, da Lei 9.249/95. 5. A hipótese dos autos é diversa, por envolver período já abrangido pela vigência da Lei 11.727/2008, que passou a exigir que a prestadora dos serviços hospitalares seja organizada sob a forma de sociedade empresária e atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA. 6. Não se verifica, na hipótese, violação manifesta ao precedente vinculante do STJ. O acórdão rescindendo enxergou, à luz das alterações legislativas promovidas pela Lei 11.727/2008 e das provas dos autos, mera reunião de pessoas especializadas em anestesiologia, com a finalidade de emprestar mão de obra especializada para hospitais e unidades de pronto socorro e emergências, nos moldes de uma sociedade simples ou cooperada, sem a estrutura e os custos que caracterizariam uma sociedade empresária. 7. Não se mostra possível, em ação rescisória – sobretudo nesta, cujo fundamento é a errônea aplicação de precedente vinculante –, rever o acervo probatório a fim para sindicar se, efetivamente, trata-se, concreta e não apenas virtualmente, de uma “sociedade empresária”, que presta “serviços hospitalares”. 8. Ademais, ainda que se pudesse vislumbrar manifesta violação a norma jurídica, constata-se que a pretensão à alíquota reduzida esbarraria em outro óbice, na medida em que a inicial da ação ordinária não faz sequer alusão ao atendimento 41
às normas da ANVISA, requisito instituído pela Lei 11.727/2008 para a concessão do benefício fiscal, de maneira que, também por isso, não seria possível alcançar a demandante o intento de, em juízo rescisório, ver declarado o direito à aplicação das alíquotas reduzidas de IRPJ e CSLL. Ação rescisória improcedente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, julgar improcedente a ação rescisória, nos termos do relatório, voto do Desembargador Relator e notas taquigráficas constantes nos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 24 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Cuida-se de ação rescisória, com pedido de tutela de evidência, proposta pela CLIARN - Clínica de Anestesiologia do Rio Grande do Norte, com amparo no art. 966, V, § 5º, do CPC, ao argumento de que o acórdão rescindendo, proferido no julgamento da Apelação Cível nº 0805461-70.2014.4.05.8400, teria promovido errônea aplicação do entendimento vinculante do STJ, fixado por ocasião do julgamento do REsp 1.116.399/BA. Na origem, buscou o contribuinte o reconhecimento do direito ao recolhimento do IRPJ e CSLL mediante a aplicação dos percentuais de 8% e 12%, coforme previsão da Lei n° 9.249/95, e a condenação da União na obrigação de repetir o indébito, restituindo os valores pagos indevidamente. Esta ação rescisória tem por objeto a desconstituição de acórdão da Quarta Turma que cofirmou a sentença rejeitando o pedido de aplicação das alíquotas reduzidas de IRPJ e CSLL de que tratam os artigos 15 a 20 da Lei n° 9.249/95, ao fundamento, 42
em síntese, de que “No caso dos autos, como registrado na sentença, a parte apelada (Clínica de médicos anestesiologistas) não presta propriamente serviços hospitalares, pois apenas fornece serviços médicos, ainda que realizados parcialmente no interior de unidades hospitalares”. A inicial defende que o acórdão rescindendo, conquanto se ampare no entendimento do STJ constante do REsp 1.116.399/BA, de Relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, e do REsp 951.251PR, de Relatoria do Ministro Castro Meira, não teria considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. Defende que o STJ, embora tenha inicialmente aplicado interpretação restritiva ao conceito de entidade hospitalar, não o estendendo às clínicas e outras unidades médicas, em que não houvesse o serviço de internação, findou por modificar tal entendimento por ocasião do julgamento do REsp 1.116.399 (Rel. Min. Benedito Gonçalves, DJe de 24.02.10), julgado sob o regime do art. 543-C do CPC/1973. No citado paradigma, o STJ teria alterado a interpretação que vinha dando ao art. 15, § 1º, inciso III, alínea a, da Lei nº 9.249/95, para considerar “serviços hospitalares ‘aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde’, o que permitiria a concessão do benefício fiscal à autora, que desempenha atividade de prestação de “serviços médicos de anestesiologia”. Por meio da decisão de Id. 4050000.9729019, foi indeferido o pedido de tutela provisória. Em contestação, a União defende o não cabimento da ação rescisória, ao entendimento de que estaria sendo utilizada como sucedâneo recursal, bem assim porque a questão de fundo, que seria a verificação dos serviços prestados pela autora, para fins de enquadramento no conceito de serviços hospitalares, teria sido decidida à luz das provas produzidas nos autos, cuja revisão não é possível no âmbito da ação rescisória. Quanto ao mérito, a União defende que a constatação do acórdão rescindendo, de que a parte autora é fornecedora de meros 43
serviços médicos, que não arca com custos diferenciados e, por isso, não faz jus ao benefício de que trata o do art. 15, § 1º, III, a, da Lei nº 9.249/95, está em perfeita consonância com o entendimento firmado pelo STJ no REsp nº 1.116.399/BA (repetitivo) e no REsp nº 951.251-PR. Alega, ainda, a União, que se fosse dado rever fatos e provas, em sede de ação rescisória, chegar-se-ia à conclusão de que não restaram comprovados os requisitos legais para a redução das alíquotas do IRPJ e da CSLL, pois a parte autora não se desincumbiu do ônus de demonstrar o atendimento às normas da ANVISA. O Ministério Público Federal, instado a se pronunciar, apresentou cota (Id. 4050000.10282795) afirmando que o caso não comporta a intervenção do órgão ministerial. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI (Relator): Cuida-se de ação rescisória ajuizada com fundamento do art. 966, V, § 5º, do CPC/2015, em face da União, objetivando rescindir Acórdão da Quarta Turma deste Tribunal, cujo Relator para acórdão foi o Desembargador Federal Manuel Maia (convocado), tendo participado do julgamento, também, os Desembargadores Lazaro Guimarães (Relator) e Edilson Nobre. Inicialmente, verifica-se cabível a ação rescisória, por voltar-se contra decisão de mérito, transitada em julgado em 14/06/2017, tendo sido a ação proposta em 19/09/2017, antes, portanto, do biênio decadencial, bem assim por apontar, como hipótese de rescisão, manifesta violação a norma jurídica, na forma do art. 966, V, § 5º, do CPC. É de se notar, ainda, que o recurso especial, interposto pela ora autora em face do acórdão rescindendo, findou por não ser conhecido pelo STJ, à falta do adequado preparo, de sorte que a decisão de mérito a ser rescindida é desta e. Corte. Na hipótese, a pessoa jurídica autora da ação rescisória busca a desconstituição do acórdão assim ementado: 44
TRIBUTÁRIO. BENEFÍCIO FISCAL PREVISTO NO ART. 15, § 1º, III, A, DA LEI Nº 9.249/1995. SOCIEDADE QUE PRESTA SERVIÇOS MÉDICOS. ANESTESIOLOGISTAS. DISTINÇÃO DE SERVIÇOS HOSPITALARES. IMPROVIMENTO. O Superior Tribunal de Justiça, por ocasião do julgamento do REsp 1.116.399/BA, sob a sistemática do art. 543-C do CPC, seguindo o entendimento já firmado no REsp 951.251-PB, consolidou o entendimento segundo o qual, para pagamento dos tributos com as alíquotas reduzidas, a expressão “serviços hospitalares”, constante do artigo 15, § 1º, III, da Lei n° 9.249/95 (expressão utilizada tanto na redação original quanto na que trouxe a Lei n° 11.727, de 2008), deve ser interpretada de forma objetiva (ou seja, sob a perspectiva de atividade realizada pelo contribuinte em si (critério subjetivo), mas a natureza do próprio serviço prestado (assistência à saúde). Sociedade de médicos anestesiologistas que não presta propriamente serviços hospitalares, pois apenas fornece serviços médicos, ainda que realizados parcialmente em unidades hospitalares. A intenção da legislação, pelo que se depreende especialmente a partir da modificação imposta pela Lei n° 11.727/2008, é no sentido de levar em conta os elevados custos das atividades das sociedades empresárias que desenvolvem serviços “hospitalares e de auxílio diagnóstico e terapia, patologia clínica, imagenenologia, anatomia patológica e citopatológica, medicina nuclear e análises e patologias clínicas”. Improvimento da apelação.
Conforme se depreende da inicial, o pedido de rescisão se assenta no fundamento de que, ao negar provimento ao apelo do ora autor, o acórdão rescindendo teria reconhecido que o serviço de anestesiologia não se enquadra no conceito de serviços hospitalares para os fins do art. 15, § 1º, a, da Lei 9.249/95, caminhando em sentido oposto à interpretação do STJ acerca do mesmo texto legal. Assim, para a autora, conquanto o acórdão rescindendo mencione a tese vinculante do STJ, fixada por ocasião do julgamento do REsp 1.116.399/BA, teria extraído do julgado norma diversa da revelada pelo Tribunal Superior, incorrendo na hipótese de rescisão prevista no art. 966, V, § 5º, do CPC. 45
O citado parágrafo 5º do art. 966 estabelece caber ação rescisória, com fundamento em violação manifesta de norma jurídica, quando a decisão baseada em enunciado de súmula ou acórdão proferido em julgamento de casos repetitivos não tenha considerado a existência de distinção entre a questão discutida no processo e o padrão decisório que lhe deu fundamento. Na hipótese, observa-se ter o acórdão rescindendo entendido – à luz das novas disposições da Lei 11.727/2008 – que a atividade desenvolvida pelo contribuinte não se enquadraria no conceito de “serviços hospitalares” definido pelo paradigma vinculante, e, em razão do reconhecimento desta distinção, desacolheu a pretensão de aplicar-se à parte autora a alíquota reduzida. Em verdade, portanto, não se pretende demonstrar que havia uma distinção não percebida, mas, ao revés, que não havia distinção entre o caso concreto e o paradigma vinculante, devendo-se reconhecer o direito ao benefício fiscal. Isto, contudo, não inviabiliza a utilização da ação rescisória, pois o objetivo da norma processual é abrir caminho para a rescisão de decisões judiciais que violam normas jurídicas definidas em precedentes ou súmulas, seja por aplicá-las sem observância da distinção entre o caso concreto e o paradigma, seja por não aplicá-las quando deveriam incidir ao caso. Nesse sentido, Luiz Guilherme Marinoni1: O § 5º alude à decisão que “não tenha considerado a existência de distinção”. É certo, porém, que a rescindibilidade também se apresenta viável quando se entende, de modo manifestamente equivocado, que o caso deveria ser regulado pelo precedente, decisão ou súmula. Toda vez que a decisão aplica precedente, súmula ou decisão de questão que manifestamente não podia regular o caso, aplica-se o inciso V do art. 966, uma vez que a decisão “violou manifestamente norma jurídica”.
Marinoni, Luíz Guilherme. Ação rescisória baseada em violação de norma jurídica, Revista de Processo. Vol. 267, ano 42. P. 367-404. São Paulo: Ed RT, maio 2017. 1
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Note-se que até aqui se tratou de duas hipóteses de equivocada aplicação de precedente, decisão ou súmula – uma que não é considerada a existência de distinção e outra que se supõe equivocadamente que o caso é similar ou igual. Contudo, é ainda cabível perguntar se é possível falar em violação de norma jurídica quando a decisão deixa de aplicar precedente, decisão ou súmula. Sem dúvida, sim. Quando, por exemplo, a decisão deixa de aplicar decisão proferida em recurso repetitivo, há violação de norma jurídica.
Assentada a premissa de que é cabível o manejo de ação rescisória para a hipótese descrita na inicial, passa-se ao exame do caso concreto. Importa, primeiro, expor com a máxima precisão a norma que a inicial aponta como violada. Até o julgamento do REsp 951.251-PR, da relatoria do eminente Ministro Castro Meira, ocorrido no dia 22/04/2009, o STJ vinha entendendo que apenas os estabelecimentos que exercessem suas atividades junto a hospitais, ou que possuíssem recursos e estrutura para internação de pacientes, poderiam ser considerados como prestadores de serviços de natureza hospitalar para fins de recolhimento do IRPJ e da CSLL com alíquota reduzida. A partir do citado precedente, adotou-se o entendimento de que a expressão “serviços hospitalares”, constante do artigo 15, § 1º, inciso III, a, da Lei 9.249/95, deve ser interpretada de forma objetiva, sob a perspectiva da atividade efetivamente realizada pelo contribuinte, uma vez que a lei não condicionou a concessão do benefício fiscal a qualquer critério subjetivo, fazendo menção à natureza do próprio serviço prestado. Também se assentou que as normas regulamentares não poderiam condicionar a obtenção do benefício ao cumprimento de requisitos não previstos em lei, como a necessidade de manter estrutura de internação de pacientes. Assentou-se, em síntese, que os serviços hospitalares são aqueles que se vinculam às atividades desenvolvidas pelos hospitais, voltados diretamente à promoção da saúde, de sorte que, em regra, mas não necessariamente, são prestados no interior do 47
estabelecimento hospitalar, excluindo-se as simples consultas médicas, atividade que não se identifica com as prestadas no âmbito hospitalar, mas nos consultórios médicos. Foi exatamente esse o entendimento cristalizado por ocasião do julgamento do REsp 1.116.399/BA, julgado em 28/10/2009, referente ao Tema 217 de recursos repetitivos. No caso concreto, a maioria da Quarta Turma entendeu, à luz das inovações da Lei 11.727/2008 e das provas dos autos, que, da maneira como estruturada a sociedade em questão, os serviços prestados pelos anestesiologistas não se prestariam à obtenção dos benefícios definidos pela Lei 9.249/1995, definindo-os como semelhantes a meras consultas médicas, porquanto eles apenas emprestavam a mão de obra, sem arcar com custos diferenciados que caracterizariam a atividade hospitalar, cuidando-se a hipótese de mera cessão de mão de obra especializada. É o que se extrai das notas taquigráficas do julgamento, adiante transcritas: O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MANUEL MAIA: Gostaria, apenas, de fazer rápidas considerações. O Superior Tribunal de Justiça, nesse recurso repetitivo, considerou que o que deve nortear é o caráter objetivo e não o subjetivo; ou seja, não é o fato de ser um hospital, mas, sim, que são serviços hospitalares e acessórios. Fez essa consideração a partir da redação então vigente quando do ajuizamento da ação. Essa lei, depois, sofreu uma pequena alteração. Ela dizia o seguinte (Lê): “... prestação nas seguintes atividades (...) exceto de serviços hospitalares”. Essa era a redação original. A redação atual diz (Lê): “... exceto de serviços hospitalares (...) organizada sob a forma de sociedade empresária”. A discussão talvez se reacenda na medida em que, agora, a lei disse que considera os serviços hospitalares e esses. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (RELATOR): São tantos os serviços hospitalares, que penso que são indicações exemplificativas, não exaustivas. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MANUEL MAIA: Outra questão é que, na verdade, no REsp., jul48
gado pela Primeira Seção, diz-se (Lê): “Duas situações convergem para a concessão do benefício (...) diferenciados do simples atendimento médico”. Ou seja, é preciso que a sociedade que presta o serviço tenha um custo diferenciado de um atendimento médico. Neste caso, é uma prestação exclusivamente de serviço médico. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (RELATOR): Não. O anestesista usa drogas próprias, que são levadas ao ato que o profissional realiza; existem certos equipamentos próprios de proteção, de modo que me parece que há custos adicionais. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MANUEL MAIA: Na realidade, essas sociedades são contratadas pelos hospitais para o serviço médico de anestesia, mas não significa que esse custo do procedimento da anestesia seja arcado pela sociedade de anestesistas; eles só prestam o serviço. É como a contratação das cooperativas de anestesistas. Penso que, neste caso, é serviço de atendimento médico, ainda que seja um procedimento, como seria, por exemplo, uma sociedade de cirurgiões contratada pelo hospital, para, muitas vezes, digamos, sair da legislação trabalhista. Então, eles contratam aquela sociedade, uma clínica de anestesistas. (Grifei) O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (RELATOR): No caso dos anestesistas, penso que é diferente. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL MANUEL MAIA: O caso dos anestesistas é, especialmente, assim. A interpretação que dou é que, com essa modificação legislativa, ficou bem claro que, quando há um custo diferenciado da empresa que presta serviço ao hospital, é diferente; mas, no caso, é atendimento médico, ainda que seja especialíssimo. Peço vênia para divergir do Relator. O EXMO. SR. DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: De acordo (sem explicitação).
O entendimento majoritário da Quarta Turma, examinando os elementos probatórios dos autos, cuja revisão não é possível
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nesta sede processual, compartilhou das mesmas conclusões a que chegou o Magistrado de Primeiro Grau quanto às atividades desenvolvidas pela parte autora, conforme se constata dos seguintes fundamentos (da sentença): Em primeiro lugar, observo que a parte demandante não desenvolve atividades relacionadas à prestação de serviços hospitalares, mas apenas fornece mão de obra especializada para pronto-socorro e unidades hospitalares. Consta no comprovante de inscrição e de situação cadastral de pessoa jurídica que a parte demandante tem por objetivo “Atividades de atendimento em pronto-socorro e unidades hospitalares para atendimento a urgências” (Doc. 058400.491473). Por sua vez, as informações extraídas do Sistema Dirf – Fontes Pagadoras – Informações apresentadas em DIRF demonstram que a parte autora prestou serviços ao Hospital do Coração de Natal Ltda., ao Natal Hospital Center S/A, à CECM dos Médicos de Natal, à COOPANEST - Cooperativa de Médicos Anestesiologista do RN, ao Hospital Naval de Natal, ao Hospital Maternidade Promater Ltda., entre outros. Tais informações comprovam que a parte demandante não presta serviço de natureza hospitalar, mas sim fornece mão de obra especializada em serviços de anestesiologia. Dessa forma, não é cabível a redução de alíquotas prevista nos arts. 15 a 20 da Lei n° 9.249/95.
Não se vislumbra violação manifesta ao precedente. A Quarta Turma, confirmando a sentença, entendeu que houve simples aquisição, pelos estabelecimentos que prestam serviços hospitalares, da mão de obra dos anestesistas que compõem a sociedade em questão e que esta funciona, na prática, como uma sociedade simples ou cooperada. Note-se que o caso submetido ao STJ por ocasião do julgamento do paradigma invocado na inicial, o REsp 1.116.399/BA, julgado em 28/10/2009, tratou apenas da incidência ou não da alíquota privilegiada em relação à receita do contribuinte auferida entre 01/01/1999 e 31/12/2004. Não poderia incidir ao caso, portanto,
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as alterações promovidas pela Lei 11.727/2008 ao art. 15, § 1º, III, a, da Lei 9.249/95, que não foi objeto daquele debate. O caso aqui tratado é diverso, por envolver período bem posterior à incidência da citada norma. De fato, uma das alterações promovidas pela Lei 11.727/2008 consistiu na exigência de que a prestadora dos serviços hospitalares seja organizada sob a forma de sociedade empresária. Segundo precedente elucidativo da Terceira Turma, organizar-se sob a forma de sociedade empresária pressupõe o exercício de “atividade econômica de forma profissional e organizada para a produção ou circulação de bens e serviços. É dizer, as atividades empresariais devem ser desenvolvidas com base na organização técnica e econômica dos fatores de produção (capital, trabalho, tecnologia e insumos)” (Processo: 08036064220174058500, AC/ SE, Desembargador Federal Fernando Braga, 3ª Turma, julgamento: 05/06/2018). No citado precedente da Terceira Turma, muito semelhante ao destes autos, em que a parte demandante também prestava serviços de anestesiologia e buscava o mesmo benefício fiscal, o Desembargador Fernando Braga, Relator, consignou: (...) forçoso reconhecer que na situação posta, temos a formação de uma sociedade de médicos para a exploração da atividade intelectual-científica especializada, com nítida disposição não empresarial, razão pela qual tem-se como imperativa a conclusão de que a sua configuração se presta a caracterizá-la como uma sociedade simples, eis que integrada por sócios que desempenham a mesma atividade intelectual de forma pessoal. Avulta destacar que, nada obstante as sociedades simples e as sociedades empresárias possam vir a se constituir para a prestação de serviços, tem-se como critério diferenciador primordial a circunstância de que o termo “serviços” para a primeira espécie societária corresponde à profissão exercida pelo sócio, sobressaindo daí a pessoalidade no exercício da atividade.
O acórdão rescindendo, na linha do citado precedente e à luz da prova dos autos, enxergou a mera reunião de pessoas
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especializadas em anestesiologia, com a finalidade de emprestar mão de obra especializada para hospitais e unidades de pronto socorro e emergências, nos moldes de uma sociedade simples ou cooperada. Não se mostra possível, em ação rescisória, cujo fundamento é a errônea aplicação de precedente vinculante, rever o acervo probatório a fim para sindicar se, efetivamente, trata-se, concreta e não apenas virtualmente, de uma “sociedade empresária”, que presta “serviços hospitalares”. Ademais, ainda que se pudesse vislumbrar a manifesta violação ao paradigma citado – embora já se tenha destacado que o paradigma não examinou o caso concreto à luz das novas disposições da Lei 11.727/2008, que incidem à situação enfrentada pelo acórdão rescindendo –, a pretensão à alíquota reduzida esbarraria em outro óbice. É que a Lei 11.727/2008, ao modificar o art. 15, § 1º, III, a, da Lei 9.249/95, passou a exigir, para a concessão do benefício fiscal, não apenas que a prestadora dos serviços hospitalares seja organizada sob a forma de sociedade empresária, mas também que atenda às normas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA, condição que, aliás, só faz sentido se pensarmos em uma sociedade empresária. Entretanto, a inicial da ação ordinária, que data de 04/11/2014, não faz sequer alusão ao atendimento às normas da ANVISA, de maneira que, também por isso, não seria possível alcançar a demandante o intento de, em juízo rescisório, ver declarado o direito à aplicação das alíquotas reduzidas de IRPJ e CSLL. Em face do exposto, julgo improcedente a ação rescisória, fixando os honorários advocatícios de sucumbência, a serem arcados pela parte autora, com amparo no art. 85, §§ 2º, 3º e 5º, do CPC/2015, nos percentuais mínimos definidos para as sucessivas faixas de valor dos incisos I e II do § 3º, até o limite do valor da causa, de R$ R$ 949.193,00 (novecentos e quarenta e nove mil, cento e noventa e três reais). É como voto.
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VOTO-VISTA O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: Pedi vista dos autos para um melhor exame. A pretensão da autora é a de, ao depois da rescisão do acórdão, obter de novo julgamento, a fim de que passe a usufruir o direito ao pagamento do Imposto sobre a Renda e da CSLL mediante a incidência das alíquotas de 8% e 12%, respectivamente, conforme previsão constante do art. 15 da Lei 9.249/95. A ação que ensejou a prolação do acórdão recorrido foi ajuizada no ano 2014, razão pela qual não se lhe aplica a diretriz do REsp 1.116.399-BA, em cujo item 2 de sua ementa expressa a contrario sensu a necessidade de aplicação das exigências da Lei 11.727/2008 às demandas ajuizadas posteriormente à sua vigência. Conforme explicitado pelo Min. GURGEL DE FARIA, em decisão monocrática no REsp 1.498.022-SC, a partir da nova redação do art. 15, III, a, da Lei 9.249/95, com a alteração pela Lei 11.727/2008, outros dois requisitos se tornaram exigíveis. O primeiro deles, qual seja o da constituição na forma de sociedade empresária, decorre de sua organização como sociedade por cotas de responsabilidade limitada. No entanto, o segundo deles, consistente no atendimento das normas da ANVISA, não restou demonstrado. Penso que, nos termos da legislação regente da matéria, tal é fato constitutivo do direito postulado, razão pela incumbe ao autor, na forma do art. 373, I, do CPC. O que a jurisprudência vem reconhecendo é que, possuindo o contribuinte alvará de funcionamento, é de se presumir a satisfação de tal requisito, de sorte que a fazenda pública deveria demonstrar o contrário. No caso dos autos, dos documentos anexados pela autora, os quais são os mesmos constantes da demanda anterior, não se constata tal demonstração. Com essas considerações, voto pela improcedência do pedido. 53
AÇÃO RESCISÓRIA Nº 7.612-PE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR Autores: GLAUCO ANTÔNIO DUPERRON MADEIRA MELI BEU, ANTÔNIO BORBA DE ALBUQUERQUE MARANHÃO NETO, ANTÔNIO ERMANO INTERA MINENSE, EVANDRO CAMPOS DO AMARAL E MELO, ROBERTO SARFSTEIN, HELENA LUÍS PESSOA, VICTÓRIA RÉGIA FARIAS DE ASSIS, PIERRE REITHLER (ESPÓLIO) E DIJON ALVES MACIEL (ESPÓLIO) Ré: UNIÃO Inv./Sind.: DULCINEA DE ARAUJO REITHLER Reptes: GILKEA DE MORAES MACIEL, FILIPE DE MORAES MACIEL, LUIZ MARILDA DE MORAES MACIEL E GUSTAVO DE MORAES MACIEL Advs./Procs.: DRS. TEREZA CRISTINA TARRAGO SOUZA RO DRIGUES E OUTROS EMENTA. CONSTITUCIONAL. PROCESSO CIVIL. AÇÃO RESCISÓRIA. INEXIGIBILIDADE DE TÍTULO. NÃO RECONHECIMENTO. INCONSTITUCIONALIDADE INEXISTENTE. ADI 2.344. INAPLICABILIDADE. MERA SUSPENSÃO DE DECISÃO. PRECLUSÃO. AFASTAMENTO. ERRO DE FATO. OCORRÊNCIA. PROCEDÊNCIA DA RESCISÓRIA. PROCEDÊNCIA PARCIAL DA AÇÃO ORIGINÁRIA. 1. Ação rescisória proposta com fundamento no art. 485, incisos V e IX, do CPC/73 (violação a literal disposição de lei e erro de fato), objetivando a desconstituição do acórdão proferido pela Terceira Turma desta Corte nos autos dos Embargos à Execução nº 0006798-10.2012.4.05.8300, os quais foram julgados procedentes ao fundamento de que o reconhecimento da inexigibilidade da obrigação de fazer, através de decisão proferida no AGTR 102.897/PE, já sob o manto da coisa 54
julgada, constitui obstáculo intransponível para o cumprimento da obrigação de pagar decorrente do mesmo título executivo, eis que não são obrigações autônomas. 2. Em que pese o padrão remuneratório dos autores, há que prevalecer o posicionamento de que a declaração de hipossuficiência prestada pela parte goza de presunção relativa de veracidade, consagrada no art. Art. 99, § 3º, da Lei Civil Adjetiva, mormente por se tratar de pessoas idosas, a maioria octogenária, sendo cediço o excessivo gasto despendido com saúde nessa fase da vida. 3. O AGTR 102.897/PE tão somente suspendeu a decisão monocrática originária, por reconhecer a plausibilidade do direito invocado pela União Federal, fundado em contrariedade de precedente vinculante do STF, por ocasião do julgamento da ADI 2.433, não havendo declaração explícita de que o título exequendo seria inexigível, tampouco a extinção da respectiva execução. 4. A posição adotada pelo julgado denota a intenção de evitar o pagamento de valores que entendia indevidos, até que a União alcançasse seu intuito pelas vias juridicamente adequadas, tendo em vista que o recurso manejado não se afigurava próprio para tal. Ad primum porque a inconstitucionalidade que torna patente a inexigibilidade de um título executivo judicial deve ser manifesta, irrefutável, não se prestando para isso a mera interpretação do órgão julgador. Ad secundum porque a ADI 2.433, invocada como fundamento da tese apresentada, não possuia o alegado caráter vinculante, posto que sequer havia sido julgada, o que somente ocorreu em 04/02/2015, mais de três anos após o trânsito em julgado do AGTR 102.897/PE, ocorrido em 06/07/2011. 5. Quando do julgamento do AGTR 102.897/PE, a ADI 2.433 apenas havia suspendido, em sede 55
de liminar, dispositivos de Lei Complementar do Estado do Rio Grande do Norte que buscavam disciplinar a situação funcional de servidores daquele Estado, não havendo declarado a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem possuindo qualquer efeito vinculante. 6. A fim de se impugnar o título com base no art. 741, parágrafo único, do CPC/73, não basta se alegar que tal norma, ou determinada interpretação constante no título exequendo, é tida como inconstitucional. Tal dispositivo deve ser visto como medida excepcional e não como regra geral, aplicável à ventura pelo intérprete. O próprio STF já reconhecera, tratando especificamente do tema dos autos, que a lide tem amparo em legislação infraconstitucional, com o que a eventual afronta a dispositivos constitucionais seria, se ocorresse, indireta ou reflexa. (ARE nº 777.416/ PE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 11/12/13) 7. Contata-se que foram o acórdão rescindendo laborou em equívoco ao admitir fatos inexistentes, qual sejam, a consolidação da inexigibilidade do título executivo e a consequente preclusão, o que motiva a sua desconstituição, ante a fundamentação em erro de fato, nos termos do Art. 966, VII, do Código de Ritos. 8. Em juízo rescisório, os Embargos à Execução nº 0006798-10.2012.4.05.8300 são julgados parcialmente procedentes, no sentido de reconhecer a higidez do título executivo e determinar que o pagamento se processe conforme a planilha de cálculos apresentada pela União Federal, tendo em vista a expressa concordância da parte embargada. 9. Honorários advocatícios, a cargo da União Federal, arbitrados nos patamares mínimos previstos no art. 85, § 3º, do CPC, a incidirem sobre o valor atualizado da causa, escalonadamente, conforme determina o § 5º do mesmo dispositivo legal. 56
10. Ação rescisória julgada procedente, em juízo rescindendo, e ação originária julgada parcialmente procedente, em juízo rescisório. Agravos internos improvidos ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5a Região, por unanimidade, julgar procedente a ação rescisória, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 15 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR: 1.1. Ambientação da Rescisória: Ajuizamento: 09/09/2016. Fundamento: Art. 485, V (violação a literal disposição de lei) e IX (erro de fato), do Código de Processo Civil de 1973. Ação originária: 0006798-10.2012.4.05.8300. Objeto: Embargos à Execução através dos quais a União Federal buscava a declaração de inexigibilidade do título executivo judicial formado nos autos da Ação Ordinária nº 2002.83.00.014509-6, ao argumento de que estaria em desconformidade com o julgado na ADI 2.433. O referido título judicial determinara o enquadramento dos autores, servidores públicos federais da SUDENE que foram redistribuídos para o Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão em face da extinção da autarquia, no Plano de Classificação de Cargos - PCC, na categoria Técnico de Planejamento do Grupo Planejamento. Órgão julgador: Terceira Turma.
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Composição: Exmos. Desembargadores Federais Geraldo Apoliano (Relator), Marcelo Navarro e Élio Wanderley (convocado). Resultado do Julgamento: por unanimidade. Acórdão rescidendo (AC 546.690/PE): Negou provimento à apelação dos autores, mantendo a sentença que julgou procedentes os Embargos, por entender que o reconhecimento da inexigibilidade da obrigação de fazer, através de decisão proferida no AGTR 102.897/PE, já sob o manto da coisa julgada, constitui obstáculo intransponível para o cumprimento da obrigação de pagar decorrente do mesmo título executivo, eis que não são obrigações autônomas. Recurso Especial não admitido, por irregularidade na representação. Trânsito em julgado: 25/02/2016. 1.2. Suma do pedido autoral: A parte autora pugna pela procedência da presente ação rescisória, para que se determine a retomada do curso normal do feito e o consequente cumprimento da obrigação de pagar, com expedição imediata dos requisitórios relativos à parte incontroversa e o prosseguimento da execução em relação ao montante sob controvérsia. Narra que o título executivo formado na Ação Ordinária nº 2002.83.00.014509-6 abrangia tanto a obrigação de fazer, consistente no enquadramento dos postulantes no cargo de Técnico de Planejamento, quanto a obrigação de pagar os respectivos valores retroativos. Instada a cumprir a obrigação de fazer, a União Federal interpôs Agravo de Instrumento (AGTR 102.897/PE), no qual houve suspensão da decisão respectiva, ao fundamento de que a coisa julgada a que se pretendia dar cumprimento estaria em oposição ao entendimento firmado pelo STF na ADI 2.433, no sentido de que a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT não implica efetivação no cargo e não autoriza ascensão funcional sem concurso público. Ao ser citada para cumprimento da obrigação de pagar, a União interpôs embargos de declaração sustentando que o trânsito em 58
julgado do referido AGTR, no qual fora reconhecida a inexigibilidade do título executivo por ofensa a posicionamento vinculante do STF, impõe óbice ao cumprimento da obrigação de fazer, pelo mesmo fundamento. Relata que a tese da União Federal fora acolhida pelo Juízo originário, que a entendeu consolidada, sendo a sentença mantida por este Tribunal através do Acórdão que se pretende rescindir. Alega, em seu favor, que o julgado atacado incorreu, além de ofensa à coisa julgada, em: a) Violação a literal disposição de lei, pois o título judicial exequendo não se enquadra no âmbito normativo do art. 741, parágrafo único1, do CPC/73, o que descaracteriza a hipótese de inexigibilidade, uma vez que o próprio STF reconheceu seu fundamento infraconstitucional, quando da análise oportuna do recurso extraordinário; b) Erro de fato, tendo em vista que partiu da premissa equivocada de que o AGTR 102.897/PE teria reconhecido a inexigibilidade do título executivo, quando apenas houve a suspensão do prosseguimento da execução, sem qualquer menção a sua extinção, com o que se afasta, também, a aludida preclusão quanto às teses defendidas no referido recurso. Sustenta, ainda, que o precedente vinculante invocado pela União Federal e que serviu de esteio ao AGTR 102.897/PE, qual seja, a ADI 2.433, possui questão distinta da apreciada no feito originário, eis que o título judicial tornado inexigível não contemplou provimento de cargos derivado, mas apenas reconheceu o direito
Art. 741. Na execução contra a Fazenda Pública, os embargos só poderão versar sobre: [...] II - inexigibilidade do título; [...] Parágrafo único. Para efeito do disposto no inciso II do caput deste artigo, considera-se também inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, ou fundado em aplicação ou interpretação da lei ou ato normativo tidas pelo Supremo Tribunal Federal como incompatíveis com a Constituição Federal. 1
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à transformação dos cargos, estruturados no PCCS instituído pela Lei nº 5.645/70, e regulamentada pelo Decreto 75.461/75. Argui que todos os integrantes da parte ativa são idosos e não possuem outra fonte de renda, razão pela qual requer a antecipação da tutela no sentido de suspender os efeitos do acórdão rescindendo, para que se mantenha o cumprimento da obrigação de fazer, já implementado através da Portaria nº 743, de 15/03/2010, sem a redução dos valores dos respectivos proventos. 1.3. Suma da resposta: A parte ré pugna pela improcedência do pedido rescisório, requerendo, preliminarmente, a revogação da Justiça Gratuita, ante o padrão remuneratório dos autores. No mérito, defende que não há como entender como exigível um título que ofende o que restou decidido pelo STF, considerando a força vinculante da ADI 2.433. Argumenta que inexiste distinção entre as obrigações de fazer e pagar, eis que decorrem do mesmo título executivo e possuem a mesma premissa, qual seja, a interpretação do STF quanto à inconstitucionalidade da transformação de cargos almejada. Por fim, invoca a impossibilidade de utilização da rescisória como sucedâneo recursal, eis que a real pretensão da parte autora é rediscutir a matéria já decidida nos autos do AGTR 102.897/PE, porquanto já preclusa e sem aparo legal para sua desconstituição. 1.4. Parecer do Ministério Público Federal: Instada a se manifestar, a Procuradoria Regional da República ofertou parecer, opinando pelo não conhecimento da ação, em face da inexistência de causa de rescindibilidade. No mérito, opina pela improcedência da rescisória, ao fundamento de que “a ação ordinária manejada firmou-se em sentido manifestamente contrário à determinação legal, bem como ao entendimento formado pelos Tribunais Federais”. Defende a inexigibilidade do título judicial, uma vez que o STF, por oportunidade de julgamento da ADI 2.433, realizou importante diferenciação entre a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT e
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a efetivação no cargo, definindo como inconstitucional a transformação de cargos sem prévio concurso público. Por fim, registra entendimento no sentido de que o Acórdão do AGTR 102.897/PE “transitou em julgado e operou os efeitos da preclusão, sendo impeditivo ao cumprimento da obrigação de fazer e, consequentemente, de pagar”. 1.5. Registro das demais ocorrências: Em decisão liminar, fora concedido o benefício da gratuidade judiciária e indeferida a tutela de urgência, por não se verificar os requisitos autorizadores de sua concessão. (Fls. 1629/1631) A parte autora interpôs agravo interno contra o indeferimento do pedido antecipatório. (Fls. 1641/1650) Por sua vez, a União utilizou-se do recurso regimental para impugnar a concessão da assistência judiciária gratuita. (Fls. 1682/1685) Apresentado novo pedido de tutela de urgência da parte autora, tendo em vista a publicação da Portaria nº 72, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, em 24/10/2017, a qual tornou sem efeito a Portaria nº 743, de 15/03/2010, que promoveu o enquadramento dos autores no cargo de Técnico de Planejamento, fora deferido o pleito para assegurar a manutenção da situação fática existente desde 2010, até o julgamento de mérito da demanda. (Fls. 1705/1709) Contra essa decisão, houve interposição de agravo interno pela parte ré. (Fls. 1737/1741) As partes ofereceram razões finais, remissivas aos argumentos já apresentados. Para melhor compreensão, convém tecer breve resumo fático, relativo às ações correlatas. Processo nº 2002.83.00.014509-6 (AC 366.879/PE) Objeto: Ação Ordinária onde fora reconhecido aos autores o direito de inclusão no PCC, com enquadramento no cargo de Técnico de Planejamento. Origem: 10ª Vara Federal de Pernambuco: 61
Magistrado: Juiz Federal Edivaldo Batista da Silva Júnior. Órgão julgador: Terceira Turma, tendo como composição os Exmos. Desembargadores Federais Paulo Gadelha (Relator), Edilson Nobre (convocado) e Élio Wanderley (convocado). Julgamento por unanimidade. (Fls. 130/136) Recurso Especial: Negado Seguimento, ante a deficiência da fundamentação recursal. (Fls. 137/155) Recurso Extraordinário: Negado seguimento, uma vez que “o acórdão impugnado não apreciou a controvérsia à luz dos artigos da Constituição do Brasil que a parte recorrente indica como violados”, bem como por ausência de prequestionamento explícito. (Fl. 156) Trânsito em julgado: 09/02/2009. Requerido o cumprimento da obrigação de fazer, a União apresentou impugnação, a qual fora rejeitada por entender o Juízo que a ADI 2.433 não guardava relação com a legislação federal objeto dos autos, bem como a matéria já havia sido reexaminada tanto pelo STJ quanto pelo STF pelas Cortes Superiores, estando, pois, sob o manto da coisa julgada. (Fls. 179/180) A obrigação fora efetivamente cumprida em 16/03/2010, com a publicação da Portaria nº 743, de 15/03/2010. Agravo de Instrumento nº 2009.05.00.112366-4 (AGTR 102.897/PE) Objeto: Recurso interposto contra a decisão que rejeitou a impugnação ao cumprimento da obrigação de fazer. Órgão julgador: Terceira Turma, tendo como composição os Exmos. Desembargadores Federais Maximiliano Cavalcanti (Relator convocado), Marcelo Navarro e Frederico Azevedo (convocado). (Fls. 171/178) Resultado do Julgamento: por unanimidade, a Turma deu provimento ao recurso para “suspender a decisão monocrática adversada, dada a plausibilidade do direito da recorrente”, e o perigo decorrente da “possibilidade de se cumprir decisão prolatada em confronto à jurisprudência do Excelso Pretório”,
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uma vez que “o Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento julgamento da ADI 2.433, proclamou que a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT não implica efetivação no cargo e que, igualmente, não autoriza a ascensão funcional a cargos diversos sem o concurso público”. Não houve recursos às Cortes Superiores. Trânsito em julgado: 06/07/2011. Em retorno à ação originária da presente, somente em 28/02/2012 a União Federal fora citada para cumprimento da obrigação de pagar, tendo interposto os Embargos à Execução nº 0006798-10.2012.4.05.8300, cujo julgado se pretende desconstituir. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR (Relator): FUNDAMENTAÇÃO 2.1. Preliminares 2.1.1. Da Assistência Judiciária Gratuita A Constituição Federal, a Lei nº 1.060/50 e o Código de Processo Civil estabelecem que o benefício da assistência judiciária gratuita será concedido àqueles que preencham os requisitos legais. O benefício da justiça gratuita é instrumento eminentemente processual, que pode ser requerido ao juiz tanto no momento inaugural da ação, quanto durante o iter processual. O Superior Tribunal de Justiça adota o entendimento de que não há necessidade de se comprovar o estado de pobreza do requerente, sendo suficiente a mera declaração da hipossuficiência e a afirmação de impossibilidade de custear o processo sem prejuízo do seu sustento. A respeito, é oportuno transcrever o seguinte precedente: DIREITO ADMINISTRATIVO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA GRATUITA. PRESUNÇÃO DE POBREZA. SIMPLES DECLARAÇÃO. CABIMENTO. INVERSÃO. IMPOSSIBILI63
DADE. PRECEDENTES DO STJ. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E PROVIDO. 1. O pedido de assistência gratuita pode ser feito em qualquer fase do processo, sendo suficiente para a sua obtenção a simples afirmação do estado de pobreza. Pode o magistrado, contudo, quando houver dúvida acerca da veracidade das alegações do beneficiário, determinar-lhe que comprove seu estado de miserabilidade a fim de avaliar as condições para o deferimento ou não da assistência judiciária. Precedentes do STJ. 2. Hipótese em que o magistrado, invertendo de forma indevida a presunção de pobreza, indeferiu o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita, ao entendimento de que, diante do grande número de autores, poderiam eles se cotizarem para pagar as custas do processo. 3. Recurso especial conhecido e provido. (STJ. REsp 967.916. Processo: 200701587390. UF: SP. Órgão Julgador: Quinta Turma. Data da decisão: 21/08/2008. Documento: STJ000340294 - Rel. Min. Arnaldo Esteves Lima)
Como não há limitação legal no Código de Processo Civil nem na Lei de Assistência Judiciária, a jurisprudência tem se firmado na possibilidade da concessão da justiça gratuita em qualquer fase de todo e qualquer processo, sem exceção, desde que observados os pressupostos para a sua concessão. No caso dos autos, em que pese o padrão remuneratório, entendeu-se por deferir o benefício da Justiça Gratuita requerido, por terem os autores apresentado declarações de que não possuem condições financeiras para arcar com as despesas do processo, sem prejuízo do próprio sustento. Não se desconhece entendimento jurisprudencial que toma por baliza a equivalência da remuneração do requerente a número de salários mínimos. Compreende-se, todavia, que há que prevalecer o posicionamento de que a declaração de hipossuficiência prestada pela parte goza de presunção relativa de veracidade, consagrada no art. Art. 99, § 3º, da Lei Civil Adjetiva, mormente por se tratar de pessoas idosas, a maioria octogenária, sendo cediço o excessivo gasto despendido com saúde nessa fase da vida.
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Pelas razões alinhadas, é de se reconhecer a presença dos requisitos que autorizam a concessão da assistência judiciária gratuita, mantendo-se a decisão deferitória do benefício. As demais preliminares estão de tal forma imbricadas com o mérito da causa que junto a este serão analisadas. 2.1.2. Mérito Verifica-se, inicialmente, que a decisão fustigada transitou em julgado em 25/02/2016 e a presente ação foi ajuizada em 09/09/2016, não havendo motivos para se questionar sua tempestividade (CPC, Art. 975). A pretensão da parte autora dirige-se no sentido de obter a rescisão de julgado emanado da eg. Terceira Turma deste Regional, o qual manteve sentença de procedência de embargos à execução por entender consolidada a inexigibilidade do título executivo formado na Ação Ordinária nº 2002.83.00.014509-6, tendo em vista o trânsito em julgado do Acórdão no qual fora declarada, proferido nos autos do AGTR 102.897/PE. Cinge-se a controvérsia, pois, na definição de se o julgamento do referido Agravo de Instrumento deu solução à controvérsia existente quanto à exigibilidade do título exequendo, a ponto de obstaculizar o prosseguimento da execução respectiva. A análise dos autos demonstra que milita com razão a parte autora ao afirmar que não. O recurso em questão fora assim ementado: ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. SERVIDORES ESTATUTÁRIOS ESTÁVEIS. ART. 19, ADCT. INCLUSÃO NO PLANO DE CARGO DE CARREIRA POR MEIO DE DECISÃO TRANSITADA EM JULGADO. CATEGORIA DE TÉCNICO DE PLANEJAMENTO. DEC. Nº 75.461/75. ALEGAÇÃO DE INEXIGIBILIDADE DO TÍTULO JUDICIAL FUNDADO NA INTERPRETAÇÃO DA LEI DE MODO INCOMPATÍVEL COM A CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ADI 2.433. 1. Agravo de instrumento manejado em face da decisão que negou provimento aos embargos de declaração opostos contra decisão que não analisou a tese principal
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da União/agravante de que a ascensão funcional a outro cargo para qual o servidor não prestou concurso fere a ordem constitucional pátria. 2. Título judicial que admitiu que os autores, por terem sido nomeados para cargos de nível universitário, fazem jus ao enquadramento na carreira de Técnico de Planejamento, referência TP-1500, nos termos do art. 7º do Decreto nº 75.461/75 e, conseqüentemente, devem ser integrados à categoria de Analista de Planejamento, por força da Lei nº 8.270/91. 3. Hipótese em que a recorrente pugna pelo reconhecimento da inexigibilidade da obrigação, nos termos do art. 741, parágrafo único, do CPC, dada a necessidade de submissão a concurso público para o enquadramento pretendido pelos servidores/agravados, já que apesar de estáveis pelo art. 19 do ADCT, c/c 243 da Lei 8.112/90, não foram efetivados. 4. O Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento julgamento da ADI 2.433, proclamou que a estabilidade prevista no art. 19 do ADCT não implica efetivação no cargo e que, igualmente, não autoriza a ascensão funcional a cargos diversos sem o concurso público. 5. Reconhecimento de que a coisa julgada a que se pretende dar cumprimento enquadrou os servidores em cargos diversos dos que ocupavam ao tempo da promulgação da Constituição Federal de 1988, contrariando os precedentes do Pretório Excelso sobre a matéria (ADI 2.433; RE 167.635; RE-AgR 400.343). Plausibilidade da tese reconhecida. 6. Perigo de dano irreparável ou de difícil reparação que decorre da possibilidade de se efetuar pagamento de valores indevidos. 7. Agravo provido. (PROCESSO: 200905001123664, DESEMBARGADOR FEDERAL MAXIMILIANO CAVALCANTI, Terceira Turma, JULGAMENTO: 19/05/2011, PUBLICAÇÃO: DJe - Data: 25/05/2011 - Página: 272)
Embora haja uma certa obscuridade na ementa, o que pode dar azo a interpretações equivocadas, observa-se que não houve declaração explícita de que o título exequendo seria inexigível, tampouco houve extinção da respectiva execução.
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A simples leitura do inteiro teor do acórdão promove os devidos esclarecimentos, por trazer em seu dispositivo o excerto que se transcreve: Por assim dizer, data maxima venia, estou em que se faz efetivamente necessário suspender a decisão monocrática adversada, dada a plausibilidade do direito da recorrente. No que concerne ao perigo de dano irreparável ou de difícil reparação, o mesmo decorre da possibilidade de se cumprir decisão prolatada em confronto à jurisprudência do Pretório Excelso, tendo como consequência, o pagamento de valores indevidos.
Denota-se que o referido julgado tão somente suspendeu a decisão monocrática originária, por reconhecer a plausibilidade do direito invocado pela agravante, no caso, a União Federal, fundado em contrariedade de precedente vinculante do Supremo Tribunal Federal, por ocasião do julgamento da ADI 2.433. E se assim o eg. Colegiado se posicionou, foi por ser cônscio dos limites da via eleita e para evitar o pagamento de valores que entendia indevidos, até que a União alcançasse seu intuito pelas vias juridicamente adequadas, tendo em vista que o recurso manejado não se afigurava próprio para tal. Ad primum porque a inconstitucionalidade que torna patente a inexigibilidade de um título executivo judicial deve ser manifesta, irrefutável, não se prestando para isso a mera interpretação do órgão julgador. Ad secundum porque a ADI 2.433, invocada como fundamento da tese apresentada, não possuia o alegado caráter vinculante, posto que sequer havia sido julgada, o que somente ocorreu em 04/02/2015, mais de três anos após o trânsito em julgado do AGTR 102.897/PE. Nesse aspecto, o Superior Tribunal de Justiça, já firmou entendimento, em sede de recurso repetitivo: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. ART. 543-C DO CPC E RESOLUÇÃO STJ Nº 08/2008. FGTS. EXPURGOS. SENTENÇA SUPOSTAMENTE IN67
CONSTITUCIONAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. ART. 741, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CPC. EXEGESE. INAPLICABILIDADE ÀS SENTENÇAS SOBRE CORREÇÃO MONETÁRIA DO FGTS. EXCLUSÃO DOS VALORES REFERENTES A CONTAS DE NÃO OPTANTES. ARESTO FUNDADO EM INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL E MATÉRIA FÁTICA. SÚMULA 7/STJ. 1. O art. 741, parágrafo único, do CPC, atribuiu aos embargos à execução eficácia rescisória de sentenças inconstitucionais. Por tratar-se de norma que excepciona o princípio da imutabilidade da coisa julgada, deve ser interpretada restritivamente, abarcando, tão somente, as sentenças fundadas em norma inconstitucional, assim consideradas as que: (a) aplicaram norma declarada inconstitucional; (b) aplicaram norma em situação tida por inconstitucional; ou (c) aplicaram norma com um sentido tido por inconstitucional. 2. Em qualquer desses três casos, é necessário que a inconstitucionalidade tenha sido declarada em precedente do STF, em controle concentrado ou difuso e independentemente de resolução do Senado, mediante: (a) declaração de inconstitucionalidade com ou sem redução de texto; ou (b) interpretação conforme a Constituição. 3. Por consequência, não estão abrangidas pelo art. 741, parágrafo único, do CPC as demais hipóteses de sentenças inconstitucionais, ainda que tenham decidido em sentido diverso da orientação firmada no STF, tais como as que: (a) deixaram de aplicar norma declarada constitucional, ainda que em controle concentrado; (b) aplicaram dispositivo da Constituição que o STF considerou sem auto-aplicabilidade; (c) deixaram de aplicar dispositivo da Constituição que o STF considerou autoaplicável; e (d) aplicaram preceito normativo que o STF considerou revogado ou não recepcionado. 4. Também estão fora do alcance do parágrafo único do art. 741 do CPC as sentenças cujo trânsito em julgado tenha ocorrido em data anterior à vigência do dispositivo. [...] 7. Recurso especial conhecido em parte e não provido. Acórdão sujeito ao regime do art. 543-C do CPC e da Resolução STJ nº 08/2008. (REsp 1.189.619/PE, Rel. Ministro CASTRO MEIRA, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 25/08/2010, DJe 02/09/2010) 68
Com efeito, não basta se alegar, a fim de impugnar o título com base no art. 741, parágrafo único, do CPC/73, que tal norma, ou determinada interpretação constante no título exequendo, é tida como inconstitucional. Tal dispositivo deve ser visto como medida excepcional e não como regra geral, aplicável à ventura pelo intérprete. Quando do julgamento do AGTR 102.897/PE, a ADI 2.433 apenas havia suspendido, em sede de liminar, dispositivos de Lei Complementar do Estado do Rio Grande do Norte que buscavam disciplinar a situação funcional de servidores daquele Estado, não havendo declarado a inconstitucionalidade de qualquer norma, nem possuindo qualquer efeito vinculante. Convém ressaltar, ainda, que foi negado seguimento ao recurso extraordinário manejado pela União, nos autos da ação ordinária que deu ensejo ao presente feito executivo, consoante se infere da decisão enxergável à fl. 156. Ademais, o próprio STF já reconhecera, tratando especificamente do tema dos autos, que a lide tem amparo em legislação infraconstitucional, com o que a eventual afronta a dispositivos constitucionais seria, se ocorresse, indireta ou reflexa. Nesse sentido: [...] A legalidade da transformação dos cargos de economistas e engenheiros agrônomos em Técnicos de Planejamento conforme o Plano de Classificação de Cargos da SUDENE, previsto na Lei 5.645/1970, e o seu consequente reenquadramento, consoante a Lei 8.270/1991, quando sub judice a controvérsia, encerram a análise de norma infraconstitucional e do conjunto fático-probatório dos autos. A violação reflexa e oblíqua da Constituição Federal decorrente da necessidade de análise de malferimento de dispositivo infraconstitucional torna inadmissível o recurso extraordinário. (ARE nº 777.416/PE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 11/12/13)
Corrobora a assertiva excerto do Acórdão prolatado na AC 366.879/PE, gênese do título exequendo: A alegação da autoridade impetrada quanto á imprescindibilidade do concurso para o enquadramento pretendido 69
pelos servidores não procede, tendo em vista que a pretensão deduzida busca o enquadramento no mesmo cargo previsto no PCC, para que possam os servidores, integrarem uma carreira.
Tem-se, pois, que o AGTR 102.897/PE não declarou a inexigibilidade do título executivo, e nem poderia, razão pela qual não houve extinção da obrigação de fazer, mas tão somente a suspensão da decisão que determinou seu cumprimento. Essa compreensão ganha robusteza ao se verificar que a União Federal, embora defenda a extinção da execução, não tomou qualquer providência no sentido de suspender o cumprimento da combatida obrigação, já devidamente adimplida desde 16/03/2010. Dessa forma, laborou em equívoco a eg. Terceira Turma, ao admitir fatos inexistentes, qual sejam, a consolidação da inexigibilidade do título executivo e a consequente preclusão, o que motiva a desconstituição do julgado rescindendo, ante a fundamentação em erro de fato, nos termos do Art. 966, VII, do Código de Ritos. Como é de geral conhecimento, sem considerar o próprio juízo de admissilidade: O julgamento da ação rescisória se dará em dois momentos diferentes. O primeiro momento, chamado de Juízo rescindens, ocorrerá em todas as hipóteses das ações rescisórias, contidas no artigo 485 e incisos do Código de Processo Civil. É extremamente necessário formular esse pedido, pois visa à desconstituição da decisão transitada em julgado. Por outro lado, o Juízo rescissorium depende do prévio acolhimento do Juízo rescindens, e, é eventual, pois há hipóteses que não comporta um novo julgamento, ou seja, desnecessário o proferimento de novo exame da causa. [...] Com relação a necessidade da realização do novo julgamento – Juízo rescissorium, é de se destacar que a obrigatoriedade será apreciada caso a caso, sendo necessário o rejulgamento na hipótese [...], determinante a procedência da ação rescisória.2 2 (ESTEVES, Henrique Perez. Procedimento da Ação Rescisória. Revista Eletrônica Âmbito Jurídico. Disponivel em http://www.ambito-juridico.com. br/site/index.php/abrebanner.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_ id=13159&revista_caderno=21. Acesso 25 mai. 2017).
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Ante o provimento da ação em iudicium rescindens, há que se prosseguir no julgamento para, em iudicium rescisorium, julgar parcialmente procedentes os Embargos à Execução nº 000679810.2012.4.05.8300, no sentido de reconhecer a higidez do título executivo e determinar que o pagamento se processe conforme a planilha de cálculos apresentada pela União Federal, tendo em vista a expressa concordância da parte embargada. Arbitram-se honorários advocatícios, a cargo da União Federal, aplicando-se os patamares mínimos previstos no art. 85, § 3º, do CPC, a incidirem sobre o valor atualizado da causa, escalonadamente, conforme determina o §5º do mesmo dispositivo legal. Restam prejudicados os agravos internos interpostos, ante a evidente perda de objeto. DISPOSITIVO Ante o exposto, julga-se procedente a presente ação rescisória, em juízo rescindendo, para, em juízo rescisório, julgar parcialmente procedente a ação originária, nos termos da fundamentação.
CONFLITO DE COMPETÊNCIA Nº 080477752.2019.4.05.0000-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR Suscitante: JUÍZO DA 18ª VARA FEDERAL-SUBSEÇÃO JUDI CIÁRIA DE SOBRAL-CE Suscitado: JUÍZO DA 19ª VARA DO JUIZADO ESPECIAL FE DERAL DO CEARÁ EMENTA: PROCESSO CIVIL. CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA ENTRE JUÍZO FEDERAL E JUIZADO ESPECIAL FEDERAL. ANULAÇÃO DE ATO ADMINISTRATIVO DE INDEFERIMENTO DE FÉRIAS. CONFLITO CONHECIDO. COMPETÊNCIA DA VARA FEDERAL COMUM. 1. Conflito negativo de competência suscitado nos autos de ação de procedimento comum cível, 71
na qual a parte demandante, servidora pública da Universidade Federal do Ceará - UFC, busca desconstituir ato que não homologou o gozo de período de férias. 2. A ação fora inicialmente distribuída para a 19ª Vara Federal do Ceará (Juizado Especial Federal), onde tramitou sob o nº 0512594-21.2018.4.05.8103, tendo aquele Juízo se declarado incompetente, razão pela qual extinguiu o feito, sem resolução do mérito, ante o entendimento de que o art. 3º, 1º, III, da Lei nº 10.2569/2001 veda a distribuição nos Juizados Especiais Federais de ação de anulação ou de cancelamento de ato administrativo. 3.A Lei nº 10.259/01 (art. 3º, § 1º, III) prevê que os Juizados Especiais Federais não têm competência para julgar as causas que envolvam a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, como o do caso dos autos. 4. Hipótese em que se postula a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, qual seja, a decisão da UFC, que indeferiu a homologação das férias e, em consequencia, que não seja efetuado qualquer desconto nos vencimentos a servidora demandante, a título de faltas injustificadas. A competência para julgar o feito é do Juizo Federal comum, ainda que o valor da causa seja inferior a sessenta salários mínimos, nos termos do art. 3º, 1º, III, da Lei nº 10.259/2001. 5. Precedentes desta Corte: (CC 081190327 20174050000, Rel. Desembargador Federal Vladimir Carvalho, Pleno, Julgamento: 19/12/2017). 6. Conflito conhecido paradeclarar a competência do Juízo Federal da 18ª Vara Federal do Ceará (competência comum). ACÓRDÃO Vistos e relatados os autos em que são partes as acima indicadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5a Região,
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por unanimidade, conhecer do conflito para declarar a competência do Juízo Federal 18ª Vara Federal-CE, na forma do relatório e voto constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 17 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR: 1.1. Ambientação do Conflito de Competência: Ação de Procedimento Comum Cível nº 0800612-97.2019.4. 05.8103. Ajuizamento: 16/04/2019. Objeto: Reconhecimento de que a parte demandante, servidora pública do quadro da Universidade Federal do Ceará-UFC, esteve no gozo de férias, no período de 08.06.2018 a 22.06.2018, e, em consequência, que não seja efetuado qualquer desconto nos seus vencimentos, a título de faltas injustificadas. Controvérsia: Busca-se a definição de qual o Juízo competente para o processamento e julgamento da Ação em questão, tendo em vista o valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) atribuído à causa. 1.2. Razões do suscitado – 19ª Vara Federal-CE (Juizado Especial Federal): Inicialmente, a ação fora distribuída para a 19ª Vara Federal do Ceará, onde tramitou sob o nº 0512594-21.2018.4.05.8103, Juízo que se declarou incompetente e extinguiu o feito, sem resolução do mérito, ante o entendimento de que o art. 3º, 1º, III, da Lei nº 10.2569/2001 veda a distribuição nos Juizados Especiais Federais de ação de anulação ou de cancelamento de ato administrativo. Decisão: 11/04/2019. Magistrado: Thiago Mesquita Teles de Carvalho. 73
1.3. Razões do suscitante – 18ª Vara Federal-CE (Competência Comum): A parte ajuizou nova ação, desta feita o processo foi distribuído para o Juízo Federal da 18ª Vara Federal do Ceará (Competência Comum), que também se declarou incompetente para processar o feito, tendo suscitado o presente conflito, por entender que o valor da causa não ultrapassa 60 (sessenta) salários mínimos e o objeto da ação não estaria entre as exceções impostas pela Lei 12.259/2001, ante a inexistência de pedido expresso para declaração de nulidade de ato administrativo federal. Decisão: 23/04/2019. Magistrado: Sérgio de Norões Milfont Júnior. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CARLOS REBÊLO JÚNIOR: FUNDAMENTAÇÃO De proêmio, despiciendo analisar a competência deste egrégio Tribunal para processar e julgar o presente conflito negativo de competência envolvendo Juízes Federais vinculados a este Regional, nos termos do art. 108, I, e, da Constituição Federal. O excelso Pretório já decidiu nesse sentido, em sede de repercussão geral, ainda que um dos juízes envolvidos no conflito integre Juizado Especial, in verbis: EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. JUIZADO ESPECIAL E JUÍZO FEDERAL DE PRIMEIRA INSTÂNCIA, PERTENCENTES À MESMA SEÇÃO JUDICIÁRIA. JULGAMENTO AFETO AO RESPECTIVO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. JULGAMENTO PELO STJ. INADMISSIBILIDADE. RE CONHECIDO E PROVIDO. I. A questão central do presente recurso extraordinário consiste em saber a que órgão jurisdicional cabe dirimir conflitos de competência entre um Juizado Especial e um Juízo de primeiro grau, se ao respectivo Tribunal Regional Federal ou ao Superior Tribunal de Justiça. II - A competência STJ para julgar conflitos dessa natureza circunscreve-se àqueles em que estão envolvidos 74
tribunais distintos ou juízes vinculados a tribunais diversos (art. 105, I, d, da CF). III - Os juízes de primeira instância, tal como aqueles que integram os Juizados Especiais estão vinculados ao respectivo Tribunal Regional Federal, ao qual cabe dirimir os conflitos de competência que surjam entre eles. IV - Recurso extraordinário conhecido e provido. (RE 590409, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 26/08/2009, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-204, DIVULG 28-10-2009, PUBLIC 29-10-2009, EMENT VOL-02380-07, PP-01403 RTJ, VOL-00218-01, PP-00578, LEXSTF, v. 31, n° 371, 2009, p. 275-288)
Por outro lado, resta evidenciado o conflito negativo de competência já que existe colidência entre dois Juízos, nos termos do art. 66, II, do CPC, e, ainda, pela manifestação desses Juízos sobre a mesma causa julgando-se incompetentes para atuar na demanda. Em análise à questão posta pelo suscitante, tem-se que não lhe assiste razão. A Lei 10.259/01 instituiu os Juizados Cíveis e Criminais no âmbito da Justiça Federal e estabeleceu, como critério definidor da competência em matéria cível, o valor atribuído à causa, ao prever que sua alçada é restrita às demandas cujos valores não excedam sessenta salários mínimos. Ocorre que, mesmo em se tratando de demanda com valor da causa inferior a sessenta salários mínimos, compete ao Juízo Federal comum a apreciação e julgamento de feito no qual se postula, em suma, a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, qual seja, a decisão da Universidade Federal do Ceará - UFC – que indeferiu a homologação das férias no período de 08 a 22/06/2018, e, em consequência, que não seja efetuado qualquer desconto nos vencimentos a servidora demandante, a título de faltas injustificadas. Há que se entender que o tema está excluído da competência dos Juizados Especiais por determinação expressa do art. 3º, 1º, III, da Lei nº 10.259/2001. É que a Lei nº 10.259/01 (art. 3º, § 1º, III) dispõe que os juizados especiais federais não têm competência para julgar as causas que envolvam a anulação ou cancelamento de ato administrativo federal, como o do caso dos autos. 75
A matéria é sedimentada nos Tribunais pátrios e já fora enfrentada por esta Corte, em caso análogo, conforme se infere do precedente que se colaciona: Processual Civil. Conflito negativo de competência suscitado pelo Juízo Federal da 26ª Vara – Juizado Especial Federal –, da Seção Judiciária do Ceará, em face da remessa que lhe fez o Juízo Federal da 1ª Vara, da mesma Seção Judiciária, de ação ordinária movida contra a União Federal, na qual se busca a anulação de ato administrativo a fim de determinar a ré a concessão ao autor de gozo de férias ainda durante o respectivo período aquisitivo. A pretensão é de anulação de ato administrativo, elemento que, por si só, justifica a competência do Juízo Comum, levando em conta a exclusão de tais demandas da alçada do Juizado Especial Federal, a teor do inc. III do parágrafo 1º do art. 3º da Lei 12.259, de 2001, independentemente do valor dado à causa. Conflito conhecido para declarar a competência da 1ª Vara da Seção Judiciária do Ceará, a suscitada. (TRF5, 08119032720174050000, Rel. Desembargador Federal Vladimir Carvalho, Pleno, Julgamento: 19/12/2017) (grifos nossos)
Por essa razão, há de se conhecer do conflito para declarar a competência do Juízo Federal da 18ª Vara Federal-CE, ora suscitante, que deverá processar e julgar o feito. DISPOSITIVO Conflito conhecido para declarar a competência do Juízo Federal da 18ª Vara Federal do Ceará, ora suscitante.
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AGRAVO INTERNO (VICE-PRESIDÊNCIA) Nº 4.822-SE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MEN DONÇA CANUTO NETO Autor: FRANCISCO CATARINO DA FONSECA NETO Réu: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Agravante: FRANCISCO CATARINO DA FONSECA NETO Advs./Procs.: DRS. ELIELMA FERREIRA DAS CHAGAS E OU TROS EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO INTERNO. DECISÃO QUE NEGOU SEGUIMENTO A RECURSO EXTRAORDINÁRIO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. OFENSA À AMPLA DEFESA E AO ART. 93, INC. IX, DA CF/88. DECISÃO QUE APLICOU AS TESES FIRMADAS NO ARE 748.371 E QO NO AI 791.292/PE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 1. Agravo interno interposto pelo réu contra decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário, no que tange à suscitada ofensa aos princípios devido processo legal, ampla defesa e contraditório e 93, IX, da Constituição Federal. 2. Segundo o decisum fustigado, o colendo STF, ao apreciar a matéria relativa à violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites à coisa julgada, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais, decidiu pela ausência de repercussão geral (ARE 748.371, Tema 660). Já em relação à suposta ofensa ao art. 93, IX, da CF/88, o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/PE, reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que o aludido dispositivo constitucional “exige que o acórdão ou decisão sejam 77
fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010). 3. O agravante sustenta que houve equivocada aplicação dos entendimentos do STF, vez que o acórdão vergastado teria ignorado fatos categóricos para punir isoladamente o agravante, deixando incólumes os terceiros que praticaram os crimes. Sustenta que não poderia responder sozinho pelos danos causados ao ambiente. 4. Acórdão da Primeira Turma desta eg. Corte negou provimento à apelação, para manter a sentença de primeiro grau que condenou o réu à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de 60 (sessenta) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, fixando o valor mínimo de indenização no montante de R$ 136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais), pela prática dos crimes previstos no art. 55 da Lei nº 9.605/98 e art. 2º da Lei nº 8.176/01. 5. No caso em tela, o agravante, por meio de prepostos e em nome da empresa CANDEAL - Locação de máquinas e equipamentos Ltda., desenvolvia atividade de extração de recursos minerais (pedra e areia) pertencentes à União, no povoado Bom Jardim, em Itabaiana/SE, fora da área poligonal autorizada e sem a devida licença. 6. Pretende-se demonstrar a situação da alegada ofensa aos princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal com base na tese de que o recorrente não teria praticado o núcleo do tipo penal-ambiental, nem tampouco auferido valores após o vencimento da licença ambiental. 78
7. Para bem analisar a alegada ofensa aos princípios invocados, faz-se necessária análise do art. 2º, caput, da Lei n° 8.176/91 e art. 55, caput, da Lei n° 9.605/98. Ademais, a alegação de que teriam sido terceiros a praticar o crime, e não o agravante, ensejaria revolvimento de matéria de fato, e encontrar óbice na Súmula 279 do STF. 8. Verifica-se, portanto, escorreita a decisão agravada, que negou seguimento ao recurso extraordinário, considerando que o Supremo Tribunal Federal rejeitou a repercussão geral quando o tema depender da análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais (ARE 748.371, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tema 660). 9. Sobre a alegação de que o v. acórdão restou imotivado no que toca ao fato de a indenização ter sido atribuída integralmente ao agravante, em suposta violação ao art. 93, IX, da CF/88, a decisão impugnada restou motivada, obedecendo aos estritos termos do entendimento firmado pelo STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/ PE, quando reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que o aludido dispositivo constitucional “exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010). 10. Percebe-se que a decisão guerreada motivou, adequadamente, o comparecimento dos elementos de convicção acerca da materialidade e autoria delitivas, não cabendo considerar hipótese de ofensa ao art. 93, inc. IX, da CF/88. Nesse sentido, transcrevo excertos do v. Acórdão que enfrentam essa questão: “03. A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada, como 79
se pode confirmar do Relatório de Fiscalização Ambiental de nº 10254/2015-3517 emitido pela ADEMA (fls. 122/126 do IPL), e do Laudo Pericial nº 501/2015 - STEC/SR/DPF/SE (fls. 105/113 do IPL), cujas conclusões foram corroboradas pelos depoimentos das testemunhas e pelas declarações do próprio acusado, em Juízo. O mencionado laudo não deixa qualquer dúvida quanto à ocorrência da degradação ambiental das áreas analisadas, descrevendo, minuciosamente, a espécie de atividade realizada, incluindo imagens e dados técnicos de demonstram a ocorrência da exploração indevida e do dano ambiental suportado. 04. Em relação à autoria delitiva, razão não assiste ao recorrente, uma vez que, como restou demonstrado na procuração constante à fl. 55 do IPL, a posição de FCFN como sócio gerente da empresa CANDEAL MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA - ME conferia-lhe perfeita cognição das atividades desempenhadas no polígono; além de ser apontado como responsável legal no requerimento de registro de licença junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (fl. 95 do IPL). 05. Não bastassem os argumentos expendidos na sentença, o réu, em seu interrogatório, em nenhum momento negou ter recebido valores depois do vencimento da licença, admitindo, inclusive, tê-los percebido, mesmo após a fiscalização (mídia digital de fl. 126). Adicionalmente, a autoria também se constata pela contraprestação da exploração auferida pelo apelante, como afirmado no depoimento da testemunha de acusação Aeliton Vieira Nascimento (mídia digital de fl. 142) e do depoimento de Edileuza Lima dos Santos (fl. 131/132 do IPL). 06. Evidencia-se, portanto, a percepção de valores e o irrefutável conhecimento do réu de que havia exploração mineral naquela área mesmo depois de vencida a licença, não se devendo falar na hipótese de não 80
obtenção de proventos da exploração e da inexistência completa de vínculo jurídico-obrigacional entre as partes, mesmo porque a figura típica das imputações não exige a obtenção de vantagem para que haja o cometimento do crime, tampouco o seu exaurimento”. Agravo interno desprovido. ACÓRDÃO Vistos etc., decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 19 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO - Vice-Presidente Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO (Vice-Presidente): Agravo interno interposto pelo réu contra decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário, no que tange à suscitada ofensa aos princípios devido processo legal, ampla defesa e contraditório e 93, IX, da Constituição Federal. Segundo o decisum fustigado, o colendo STF, ao apreciar a matéria relativa à violação dos princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal e dos limites à coisa julgada, quando o julgamento da causa depender de prévia análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais, decidiu pela ausência de repercussão geral (ARE 748.371, Tema 660). Já em relação à suposta ofensa ao art. 93, IX, da CF/88, o STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/PE, reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que o aludido dispositivo constitucional “exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou 81
provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010). O agravante sustenta que houve equivocada aplicação dos entendimentos do STF, vez que o acórdão vergastado teria ignorado fatos categóricos para punir isoladamente o agravante, deixando incólumes os terceiros que praticaram os crimes. Sustenta que não poderia responder sozinho pelos danos causados ao ambiente. A parte agravada ofereceu contrarrazões no prazo legal. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS CANUTO (Vice-Presidente Relator): Acórdão da Primeira Turma desta eg. Corte negou provimento à apelação, para manter a sentença de primeiro grau que condenou o réu à pena privativa de liberdade de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de 60 (sessenta) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, fixando o valor mínimo de indenização no montante de R$ 136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais), pela prática dos crimes previstos no art. 55 da Lei nº 9.605/98 e art. 2º da Lei nº 8.176/01. O aresto restou assim ementado: EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIMES AMBIENTAIS (ART. 55 DA LEI Nº 9.605/98 E ART. 2º DA LEI Nº 8.176/01). EXTRAÇÃO IRREGULAR DE AREIA. PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA. CONFUSÃO COM O MÉRITO. REJEIÇÃO. MATERIALIDADE, AUTORIA E DOLO COMPROVADOS. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA. MERA ALEGAÇÃO DE DIFICULDADES FINANCEIRAS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. QUANTUM MÍNIMO INDENIZATÓRIO (ART. 387, IV, DO CPP). MANUTENÇÃO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. INDEFERIMENTO. APELAÇÃO IMPROVIDA. 01. Apelação interposta por AFCFN contra sentença que, julgando procedente o pedido formulado na denúncia, condenou o réu à pena privativa de liberdade de 1 (um) 82
ano e 2 (dois) meses de detenção, a ser cumprida inicialmente em regime aberto, substituída por duas penas restritivas de direitos, além de 60 (sessenta) dias-multa no valor de 1/30 (um trigésimo) do salário mínimo vigente à época do fato, fixando o valor mínimo de indenização no montante de R$ 136.000,00 (cento e trinta e seis mil reais), pela prática dos crimes previstos no art. 55 da Lei nº 9.605/98 e art. 2º da Lei nº 8.176/01. 02. Os argumentos aduzidos pela defesa para sustentar a nulidade absoluta do processo, em razão da ilegitimidade passiva do recorrente, confundem-se, em verdade, com o próprio mérito recursal (autoria delitiva), razão pela qual deverão ser analisados em momento oportuno. Preliminar afastada. 03. A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada, como se pode confirmar do Relatório de Fiscalização Ambiental de nº 10254/2015-3517 emitido pela ADEMA (fls. 122/126 do IPL), e do Laudo Pericial nº 501/2015 - STEC/SR/DPF/SE (fls. 105/113 do IPL), cujas conclusões foram corroboradas pelos depoimentos das testemunhas e pelas declarações do próprio acusado, em Juízo. O mencionado laudo não deixa qualquer dúvida quanto à ocorrência da degradação ambiental das áreas analisadas, descrevendo, minuciosamente, a espécie de atividade realizada, incluindo imagens e dados técnicos de demonstram a ocorrência da exploração indevida e do dano ambiental suportado. 04. Em relação à autoria delitiva, razão não assiste ao recorrente, uma vez que, como restou demonstrado na procuração constante à fl. 55 do IPL, a posição de FCFN como sócio gerente da empresa CANDEAL MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA. - ME conferia-lhe perfeita cognição das atividades desempenhadas no polígono; além de ser apontado como responsável legal no requerimento de registro de licença junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (fl. 95 do IPL). 05. Não bastassem os argumentos expendidos na sentença, o réu, em seu interrogatório, em nenhum momento negou ter recebido valores depois do vencimento da licença, admitindo, inclusive, tê-los percebido, mesmo após a fiscalização (mídia digital de fl. 126). Adicionalmente, a autoria também se constata pela contraprestação da exploração auferida pelo apelante, como afirmado no 83
depoimento da testemunha de acusação Aeliton Vieira Nascimento (mídia digital de fl. 142) e do depoimento de Edileuza Lima dos Santos (fl. 131/132 do IPL). 06. Evidencia-se, portanto, a percepção de valores e o irrefutável conhecimento do réu de que havia exploração mineral naquela área mesmo depois de vencida a licença, não se devendo falar na hipótese de não obtenção de proventos da exploração e da inexistência completa de vínculo jurídico-obrigacional entre as partes, mesmo porque a figura típica das imputações não exige a obtenção de vantagem para que haja o cometimento do crime, tampouco o seu exaurimento. 07. Perfeita subsunção ao crime imputado no art. 2º da Lei 8.176/91 pode ser observada no caso em tela, uma vez que, mesmo os depoentes na fase policial tendo afirmado que havia ordens para que se obstasse a extração (termo de declarações da testemunha Edileuza Lima Dos Santos às fls. 131/132 do IPL), durante a visita dos fiscais do IBAMA, a testemunha Ernesto José De Santana Neto (mídia digital de fl. 142, tempo 2’42’’) ainda havia trabalhadores promovendo a retirada do material fora dos limites do polígono e com marretas e instrumentos rudimentares, o que comprova a adequação típica ao referido dispositivo. 08. Quanto à alegação de ausência de dolo, deve-se reconhecer a existência de elemento volitivo e consciente na prática da conduta típica, porque, como demonstrado ao longo do trâmite processual, o acusado recebia uma contraprestação e somente avisou aos trabalhadores do local no momento e que a licença havia vencido. 09. No que concerne à alegação de inexigibilidade de conduta diversa, os Tribunais Superiores firmaram sua jurisprudência no sentido de que é da defesa o ônus da prova quanto à causa supralegal de exclusão da culpabilidade. Precedente do STJ: AgRg no REsp 1.264.697/ SP, Rel. Min. ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Sexta Turma, DJe 02/02/2016. Precedente do STF: APE 516/DF, Rel. Min. Ministro Ayres Britto, D20/09/2011. No caso, embora o recorrente tenha alegado, em seus depoimentos, que recebia sobre a exploração de matéria-prima em razão de dificuldades financeiras, não consta dos autos qualquer elemento probatório para corroborar essa tese. Além disso, conforme já decidiu o STJ, “a mera alegação de 84
dificuldade financeira não justifica a prática delitiva” (AgRg no REsp 1.591.408/PR, Rel. Min. Sebastião Reis Junior, STJ - Sexta Turma, DJe 17/06/2016). Nessa toada, a mera alegação de dificuldades financeiras que impediram o réu de implementar o Plano de Recuperação de Áreas Degradas, não é capaz, por só, de subsidiar eventual diminuição da pena e, muito menos, isenção de culpa, porque nenhum traço se pode ser depreendido dos autos de que o réu passava por dificuldades financeiras contemporâneas ao delito. Precedentes: TRF5, ACR 6.667/PE, Terceira Turma, Relator Desembargador Federal Geraldo Apoliano, DJe: 20/03/2012; TRF5, ACR 10.367/PE, Quarta Turma, Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira, DJe: 20/03/2014. 10. Por outro lado, a posterior restauração natural da flora não isenta o réu de culpa, tampouco tem o condão de atenuar sua pena, dado que o prejuízo ao mundo meio ambiente (resultado naturalístico) já se havia dado, levando à consumação do crime (como apurado no Laudo Pericial nº 501/2015 - STEC/SR/DPF/SE de fls. 105/113 do IPL e Relatório de Fiscalização Ambiental de nº 10254/2015-3517 da ADEMA às fls. 122/126 do IPL), sem que o réu tivesse tentado, ao menos, dirimir as suas consequências. 11. Quanto à indenização do art. 387, IV, do CPP, entende-se que o juiz poderá fixar valor mínimo para a reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos sofridos pelo ofendido, desde que o crime tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei nº 11.719/2008 e o MPF tenha pedido expressamente a reparação (TRF5, ACR 00001271120164058500/SE, Primeira turma, Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, julgado em 10/07/2018; TRF5, ACR 15.409/AL, Primeira Turma, Des. Fed. Élio Wanderley de Siqueira Filho, publicado no DJe 04/07/2018; STJ, AgRg no HC 319.241/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 28/11/2017, DJe 01/12/2017). Na hipótese em tela, foi verificado o pedido no libelo (fl. 03), de modo que não deve prosperar a alegação de cerceamento do direito de defesa, porque tal pedido não foi combatido pelo réu em sede de resposta à acusação, tendo o magistrado somente aplicado o comando dado quando do julgamento 85
dos embargos de declaração (fls. 213/215), não havendo que cogitar julgamento extra petita. 12. Relativamente à desproporcionalidade no valor da indenização, razão não assiste ao apelante, uma vez que, no Laudo nº 501/2015 - SETEC/SR/DPF/SE (fls. 105/113 do IPL) resta demonstrado que o cálculo da área de degradação foi mapeado por meio de GPS e, nessa aritmética já havia sido descontada a margem de erro do instrumento (cerca de 10%). Nessa ocasião, o referido Laudo atestou duas áreas em degradação fora do polígono autorizado na licença, quais sejam: uma de 400m² e outra de 5500m². Ainda nesse âmbito, o cálculo trazido no laudo leva em consideração as referidas áreas e o menor valor de mercado dos materiais explorados (minérios de classe 2) encontrado à época da sua elaboração, tendo como parâmetro a exploração de 3150m³, dados os descontos referentes à margem de erro do GPS e calculando-se de acordo com as diferentes profundidades verificadas nas áreas estudadas. Nesse sentido, apurou-se que a quantidade de areia retirada era de 945m³ enquanto que a de pedra 2205m³, dados que foram confrontados com as devidas cotações do material (R$ 42,75 por m³ de areia; R$ 54,36 m³ por m³ de pedra), perfazendo R$17.100,00 e R$119.863,80, respectivamente. Assim, merece fiabilidade o Laudo quando afirma o quantum mínimo indenizatório da ordem de R$ 136.963,80. 13. Não prospera o pedido de gratuidade da justiça, porque, conquanto haja certa presunção de veracidade da alegação feita pela pessoa natural, a análise objetiva da renda auferida pelo agravante não pode ser verificada de forma isolada, sem contextualizar com a sua realidade fática e as despesas dela decorrentes (EDAC 532.743/PE, TRF5, Quarta Turma, Desembargador Federal convocado Leonardo Augusto Nunes Coutinho, DJe 21/06/2018; PJe 08006994920184050000, TRF5, Terceira Turma, Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior, julgamento em 30/05/2018). No caso em tela, o réu apenas alegou a insuficiência de recursos sem que houvesse efetivo embasamento do pedido (inclusive fazendo menção a documentos anexos que inexistem nos autos), sem conseguir demonstrar o atendimento dos pressupostos legais que autorizam a concessão do benefício. 14. Apelação improvida. 86
No caso em tela, o agravante, por meio de prepostos e em nome da empresa CANDEAL – Locação de máquinas e equipamentos Ltda., desenvolvia atividade de extração de recursos minerais (pedra e areia) pertencentes à União, no povoado Bom Jardim, em Itabaiana/SE, fora da área poligonal autorizada e sem a devida licença. Pretende-se demonstrar a situação da alegada ofensa aos princípios do contraditório, ampla defesa, devido processo legal com base na tese de que o recorrente não teria praticado o núcleo do tipo penal-ambiental, nem tampouco auferido valores após o vencimento da licença ambiental. Para bem analisar a alegada ofensa aos princípios invocados, faz-se necessária análise do art. 2º, caput, da Lei n° 8.176/91 e art. 55, caput, da Lei n° 9.605/98. Ademais, a alegação de que teriam sido terceiros a praticar o crime, e não o agravante, ensejaria revolvimento de matéria de fato, e encontrar óbice na Súmula 279 do STF. Verifica-se, portanto, escorreita a decisão agravada, que negou seguimento ao recurso extraordinário, considerando que o Supremo Tribunal Federal rejeitou a repercussão geral quando o tema depender da análise da adequada aplicação das normas infraconstitucionais (ARE 748.371, Relator Ministro Gilmar Mendes, Tema 660). Sobre a alegação de que o v. acórdão restou imotivado no que toca ao fato de a indenização ter sido atribuída integralmente ao agravante, em suposta violação ao art. 93, IX, da CF/88, a decisão impugnada restou motivada, obedecendo aos estritos termos do entendimento firmado pelo STF, após reconhecer a existência de repercussão geral da matéria, no julgamento da Questão de Ordem no Agravo de Instrumento 791.292/PE, quando reafirmou a sua jurisprudência no sentido de que o aludido dispositivo constitucional “exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão” (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010). Eis a ementa do mencionado julgado: 87
QUESTÃO DE ORDEM. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONVERSÃO EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO (CPC, ART. 544, §§ 3° E 4°). 2. Alegação de ofensa aos incisos XXXV e LX do art. 5º e ao inciso IX do art. 93 da Constituição Federal. Inocorrência. 3. O art. 93, IX, da Constituição Federal exige que o acórdão ou decisão sejam fundamentados, ainda que sucintamente, sem determinar, contudo, o exame pormenorizado de cada uma das alegações ou provas, nem que sejam corretos os fundamentos da decisão. 4. Questão de ordem acolhida para reconhecer a repercussão geral, reafirmar a jurisprudência do Tribunal, negar provimento ao recurso e autorizar a adoção dos procedimentos relacionados à repercussão geral. (Rel. Min. GILMAR MENDES, DJe 13/08/2010)
Percebe-se que a decisão guerreada motivou, adequadamente, o comparecimento dos elementos de convicção acerca da materialidade e autoria delitivas, não cabendo considerar hipótese de ofensa ao art. 93, inc. IX, da CF/88. Nesse sentido, transcrevo excertos do v. Acórdão que enfrentam essa questão: 03. A materialidade delitiva restou devidamente demonstrada, como se pode confirmar do Relatório de Fiscalização Ambiental de nº 10254/2015-3517 emitido pela ADEMA (fls. 122/126 do IPL), e do Laudo Pericial nº 501/2015 - STEC/SR/DPF/SE (fls. 105/113 do IPL), cujas conclusões foram corroboradas pelos depoimentos das testemunhas e pelas declarações do próprio acusado, em Juízo. O mencionado laudo não deixa qualquer dúvida quanto à ocorrência da degradação ambiental das áreas analisadas, descrevendo, minuciosamente, a espécie de atividade realizada, incluindo imagens e dados técnicos de demonstram a ocorrência da exploração indevida e do dano ambiental suportado. 04. Em relação à autoria delitiva, razão não assiste ao recorrente, uma vez que, como restou demonstrado na procuração constante à fl. 55 do IPL, a posição de FCFN como sócio gerente da empresa CANDEAL MÁQUINAS E EQUIPAMENTOS LTDA. - ME conferia-lhe perfeita cognição das atividades desempenhadas no polígono; além de ser apontado como responsável legal no requerimento 88
de registro de licença junto ao Departamento Nacional de Produção Mineral (fl. 95 do IPL). 05. Não bastassem os argumentos expendidos na sentença, o réu, em seu interrogatório, em nenhum momento negou ter recebido valores depois do vencimento da licença, admitindo, inclusive, tê-los percebido, mesmo após a fiscalização (mídia digital de fl. 126). Adicionalmente, a autoria também se constata pela contraprestação da exploração auferida pelo apelante, como afirmado no depoimento da testemunha de acusação Aeliton Vieira Nascimento (mídia digital de fl. 142) e do depoimento de Edileuza Lima dos Santos (fl. 131/132 do IPL). 06. Evidencia-se, portanto, a percepção de valores e o irrefutável conhecimento do réu de que havia exploração mineral naquela área mesmo depois de vencida a licença, não se devendo falar na hipótese de não obtenção de proventos da exploração e da inexistência completa de vínculo jurídico-obrigacional entre as partes, mesmo porque a figura típica das imputações não exige a obtenção de vantagem para que haja o cometimento do crime, tampouco o seu exaurimento.
Com essas considerações, nego provimento ao agravo interno. É como voto.
AGRAVO REGIMENTAL CÍVEL Nº 080426569.2017.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MEN DONÇA CANUTO NETO Agravante: ANSELMO VILA NOVA Agravada: COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS URBANOS Advs./Procs.: DRS. GABRIEL MACIEL FONTES (AGRTE.) E NEL SON WILIANS FRATONI RODRIGUES (AGRDA.) EMENTA: ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. LEGITMIDADE. CLÁUSULA DE BARREIRA. REPERCUSSÃO GERAL. RE 635.739/AL (TEMA 376). AGRAVO INTERNO IMPROVIDO. 89
1. Cuida-se de agravo interno manejado em face da decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário ao fundamento de que a matéria suscitada no presente recurso (possibilidade de existência de regra no edital de concurso público, denominada cláusula de barreira, com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame) foi julgada pelo STF no RE 635.739/ AL (Tema 376), sob o regime do art. 1.036 do CPC. 2. A parte agravante alega que a matéria dos autos não guardaria pertinência com o tema mencionado, aduzindo que, em verdade, teria sido objeto de exame pelo STF na sistemática da repercussão geral no Tema nº 784, RE 837.311, Rel. Min. Luiz Fux. 3. A eg. Terceira Turma deste TRF5 deu provimento à apelação para reformar a sentença e denegar a segurança, tendo entendido ser legítima a imposição de cláusula de barreira no edital do certame. 4. Como se vê, o agravante alega que a matéria ventilada neste processo não traria idêntica questão de direito àquela enfrentada no RE 635.739/AL (Tema 376), onde a tese firmada é no sentido de ser “constitucional a regra inserida no edital de concurso público, denominada cláusula de barreira, com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame”. Advoga que, em verdade, teria sido objeto de exame pelo STF na sistemática da repercussão geral no Tema nº 784, RE 837.311, Rel. Min. Luiz Fux, cuja tese é a seguinte: “o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da 90
administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: I - Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; II - Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; III - Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima”. 5. Na situação concreta, como bem destacado no Acórdão, o agravante se inscreveu no concurso público para o cargo de Assistente Operacional (ASO - Segurança Metroferroviária), sendo aprovado na 1ª etapa na 91ª colocação. Defende que tem o direito líquido e certo de ser convocado para as demais etapas do certame, pois a CBTU mantém contrato de serviço de segurança com empresa terceirizada, o que seria vedado por força da Lei 6.194/74, e que o corpo terceirizado exerce atividades típicas do cargo de segurança metroferroviário. Diz, ainda, que o referido contrato foi prorrogado duas vezes durante a validade do concurso em apreço. 6. O edital do certame previu a realização de quatro etapas. Todavia, para o cargo de Assistente Operacional (ASO - Segurança Metroferroviária), o edital exigiu ensino médio completo, sendo o concurso destinado a cadastro de reserva. Seria considerado aprovado na primeira etapa o candidato que obtivesse, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) de aproveitamento dos pontos da prova objetiva de múltipla escolha (item 5.1.2). 91
Além disso, o item 5.2.13 estabelecia que “Somente serão corrigidas as provas discursivas dos candidatos aprovados na prova escrita objetiva de múltipla escolha, em número 4 (quatro) vezes superior ao quantitativo de vagas ofertadas no Anexo IV deste Edital, não sendo inferior a 20 (vinte) candidatos. Para os cargos de cadastro de reserva serão convocados considerando o quantitativo mínimo, isto é, os 20 (vinte) primeiros candidatos, seguindo a ordem classificatória”. 7. Portanto, concluiu o acórdão que “considerando que o cargo para o qual concorreu o impetrante era para cadastro de reserva, a Administração tinha a obrigação de convocar pelo menos os vinte primeiros colocados, o que representa uma cláusula de barreira. Embora o impetrante tenha superado o percentual no mínimo de aproveitamento dos pontos da prova objetiva de múltipla escolha, a sua convocação para a etapa seguinte foi obstada por ter ele obtido a 91ª colocação”. E arrematou com a seguinte conclusão: “A meu ver, apenas aqueles que lograssem êxito em todas as etapas do concurso estariam incluídos no cadastro de reserva. A partir de então é que, uma vez comprovada a preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, é que surgiria o direito à nomeação”. 8. À luz das considerações lançadas no acórdão, não merece reproches a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário com base no Tema 376, que cuida da cláusula de barreira. Isso porque o reconhecimento da legitimidade de sua previsão ostenta caráter prejudicial em relação à análise do direito subjetivo à nomeação, na linha da tese firmada no Tema 784. Não por outra razão, o relator registrou que somente os que lograssem êxito em todas as etapas do concurso estariam incluídos no cadastro de reserva, oportunidade em que, configurada preterição, surgiria o direito à nomeação. Nesse contexto, 92
as considerações do julgado em torno de questão de direito assemelhada àquela do Tema 784 devem ser recebidas a título de obter dictum. O empecilho ao acolhimento da pretensão reside mesmo no reconhecimento da legitimidade da cláusula de barreira. Assim, correta a negativa de seguimento que se valeu do RE 635.739/AL (Tema 376). Agravo interno improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que são partes as acima identificadas, decide o Pleno do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao agravo interno, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 12 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO - Vice-Presidente Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO (Vice-Presidente): Cuida-se de agravo interno manejado em face da decisão da Vice-Presidência que negou seguimento ao recurso extraordinário ao fundamento de que a matéria suscitada no presente recurso (possibilidade de existência de regra no edital de concurso público, denominada cláusula de barreira, com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame) foi julgada pelo STF no RE 635.739/AL (Tema 376), sob o regime do art. 1.036 do CPC. A parte agravante alega que a matéria dos autos não guardaria pertinência com o tema mencionado, aduzindo que, em verdade, teria sido objeto de exame pelo STF na sistemática da repercussão geral no Tema nº 784, RE 837.311, Rel. Min. Luiz Fux. Contrarrazões apresentadas. É o relatório. 93
VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL RUBENS DE MENDONÇA CANUTO NETO (Vice-Presidente Relator): A eg. Terceira Turma deste TRF5 deu provimento à apelação para reformar a sentença e denegar a segurança, tendo entendido ser legítima a imposição de cláusula de barreira no edital do certame. O acórdão recorrido está assim ementado: ADMINISTRATIVO. MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DE DIRIGENTE DE SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. CONCURSO PÚBLICO. CANDIDATO APROVADO NA PRIMEIRA ETAPA. CONVOCAÇÃO PARA ETAPAS SUBSEQUENTES. EXISTÊNCIA DE CLÁUSULA DE BARREIRA. POSSIBILIDADE. DIREITO LÍQUIDO E CERTO. INEXISTÊNCIA. 1. Trata-se de apelação interposta pela COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS URBANOS - CBTU e pelo Superintendente dos Trens Urbanos do Recife contra sentença que confirmou a decisão liminar e concedeu a segurança para determinar à autoridade impetrada convocar imediatamente o impetrante para as etapas remanescentes previstas no edital do certame (teste de aptidão física e/ ou exames pré-admissionais) e, em sendo considerado apto, promover a sua imediata contratação no emprego público de Assistente Operacional (ASO - Segurança Metroferroviária). 2. Afasta-se a alegação de incompetência da justiça federal, tendo em vista que no caso concreto não se discute relação de trabalho. Tratando-se de mandado de segurança no qual se impugna ato de dirigente de sociedade de economia mista federal (CBTU), é indiscutível a competência da Justiça Federal. 3. No caso em apreço, foi impetrado Mandado de Segurança contra o SUPERINTENDENTE DA COMPANHIA BRASILEIRA DE TRENS URBANOS - CBTU, alegando, em apertada síntese, que se inscreveu no concurso público para o cargo de Assistente Operacional (ASO - Segurança Metroferroviária), sendo aprovado na 1ª etapa na 91ª colocação. Defende que tem o direito líquido e certo 94
de ser convocado para as demais etapas do certame, pois a CBTU mantém contrato de serviço de segurança com empresa terceirizada, o que seria vedado por força da Lei 6.194/74, e que o corpo terceirizado exerce atividades típicas do cargo de segurança metroferroviário. Diz, ainda, que o referido contrato foi prorrogado duas vezes durante a validade do concurso em apreço. 4. A respeito da matéria em comento, o STF possui entendimento de que o direito subjetivo à nomeação de candidato aprovado dentro do número de vagas previstas em edital de concurso público se estende a quem, embora aprovado fora do número de vagas previstas no edital, passe a figurar entre as vagas em decorrência da desistência de candidatos classificados em colocação superior (ARE 675.202 AgR, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 06/08/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-164, DIVULG 21-08-2013, PUBLIC 22-08-2013). 5. Além disso, o STF assentou tese, em sede de repercussão geral, no sentido de que “o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizadas por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato” (RE 837.311, Relator(a): Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 09/12/2015, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-072, DIVULG 15-04-2016, PUBLIC 18-04-2016). 6. A Suprema Corte ressalva que situações excepcionais podem exigir a recusa da Administração Pública de nomear novos servidores (RE 598.099, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 10/08/2011, REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-189 DIVULG 30-09-2011, PUBLIC 03-10-2011 EMENT VOL-02599-03, PP-00314 RTJ, VOL-00222-01, PP-00521). 7. O Supremo Tribunal Federal também já decidiu que não há inconstitucionalidade ou ilegalidade na regra 95
editalícia restritiva que, embora não elimine o candidato pelo desempenho inferior ao exigido, obstaculiza sua participação na etapa seguinte do concurso em razão de não se encontrar entre os melhores classificados, de acordo com previsão numérica preestabelecida no edital (RE 635739, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 19/02/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-193, DIVULG 02-10-2014, PUBLIC 03-10-2014). 8. O edital do certame em questão previu a realização de quatro etapas, a saber: a) prova escrita objetiva de múltipla escolha, de caráter eliminatório e classificatório, para todos os cargos e prova escrita discursiva, de caráter eliminatório e classificatório, somente para os cargos de Nível Superior; b) Avaliação Psicológica, de caráter eliminatório, somente para os cargos de Assistente Operacional (Segurança Metroferroviária) e Assistente Operacional (Condução de Veículos Metroferroviários); c) Teste de Aptidão Física, de caráter eliminatório, somente para os cargos de Assistente Operacional e Assistente de Manutenção, ambos em todas as áreas; d) Comprovação de Requisitos e Exames Médicos. 9. Para o cargo de Assistente Operacional (ASO - Segurança Metroferroviária), o edital exigiu ensino médio completo, sendo o concurso destinado a cadastro de reserva. Seria considerado aprovado na primeira etapa o candidato que obtivesse, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) de aproveitamento dos pontos da prova objetiva de múltipla escolha (item 5.1.2). Além disso, o item 5.2.13 estabelecia que “Somente serão corrigidas as provas discursivas dos candidatos aprovados na prova escrita objetiva de múltipla escolha, em número 4 (quatro) vezes superior ao quantitativo de vagas ofertadas no Anexo IV deste Edital, não sendo inferior a 20 (vinte) candidatos. Para os cargos de cadastro de reserva serão convocados considerando o quantitativo mínimo, isto é, os 20 (vinte) primeiros candidatos, seguindo a ordem classificatória.”. 10. Considerando que o cargo para o qual concorreu o impetrante era para cadastro de reserva, a Administração tinha a obrigação de convocar pelo menos os vinte primeiros colocados, o que representa uma cláusula de barreira. Embora o impetrante tenha superado o percentual no mínimo de aproveitamento dos pontos da prova objetiva 96
de múltipla escolha, a sua convocação para a etapa seguinte foi obstada por ter ele obtido a 91ª colocação. 11. Dessa forma, ainda que se constatasse a alegada contratação de trabalhadores terceirizados para as mesmas atividades que os empregados públicos efetivos, em quantidade suficiente para alcançar a classificação obtida pelo impetrante, não seria possível se cogitar de direito líquido e certo de ser convocado para as próximas fases do certame. 12. A previsão de que a convocação para a segunda etapa levaria em consideração o quantitativo mínimo os 20 (vinte) primeiros candidatos apenas enseja a conclusão de que a Administração poderia convocar um número maior, de acordo com os critérios de oportunidade e conveniência. 13. A meu ver, apenas aqueles que lograssem êxito em todas as etapas do concurso estariam incluídos no cadastro de reserva. A partir de então é que, uma vez comprovada a preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, é que surgiria o direito à nomeação. 14. O STJ tem entendido que “A incidência de cláusula de barreira para a convocação de determinado número limite de candidatos para as etapas subsequentes, considerando-se eliminados os candidatos excedentes a isso, não confere direito líquido e certo ao candidato que, depois de excluído do certame, alega ter obtido a informação da existência de mais vagas que poderiam ser oportunamente providas pelo mesmo concurso público”. (RMS 44.719/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 18/02/2014, DJe 27/02/2014) 15. Também não confere direito líquido e certo ao impetrante a cláusula editalícia no sentido de que “A nota final do concurso para candidatos a cargos de Nível Médio e Médio Técnico será expressa pela nota obtida nas provas objetivas de múltipla escolha”. Tal previsão se justifica pelo fato de que as fases subsequentes do certame são apenas eliminatórias. 16. Apelação provida, para reformar a sentença e denegar a segurança. Sem honorários por se tratar de processo de mandado de segurança.
Como se vê, o agravante alega que a matéria ventilada neste processo não traria idêntica questão de direito àquela enfrentada no RE 635.739/AL (Tema 376), onde a tese firmada é no sentido de 97
ser “constitucional a regra inserida no edital de concurso público, denominada cláusula de barreira, com o intuito de selecionar apenas os candidatos mais bem classificados para prosseguir no certame”. Advoga que, em verdade, teria sido objeto de exame pelo STF na sistemática da repercussão geral no Tema nº 784, RE 837.311, Rel. Min. Luiz Fux, cuja tese é a seguinte: “o surgimento de novas vagas ou a abertura de novo concurso para o mesmo cargo, durante o prazo de validade do certame anterior, não gera automaticamente o direito à nomeação dos candidatos aprovados fora das vagas previstas no edital, ressalvadas as hipóteses de preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, caracterizada por comportamento tácito ou expresso do Poder Público capaz de revelar a inequívoca necessidade de nomeação do aprovado durante o período de validade do certame, a ser demonstrada de forma cabal pelo candidato. Assim, o direito subjetivo à nomeação do candidato aprovado em concurso público exsurge nas seguintes hipóteses: I - Quando a aprovação ocorrer dentro do número de vagas dentro do edital; II - Quando houver preterição na nomeação por não observância da ordem de classificação; III - Quando surgirem novas vagas, ou for aberto novo concurso durante a validade do certame anterior, e ocorrer a preterição de candidatos de forma arbitrária e imotivada por parte da administração nos termos acima”. Na situação concreta, como bem destacado no acórdão, o agravante se inscreveu no concurso público para o cargo de Assistente Operacional (ASO - Segurança Metroferroviária), sendo aprovado na 1ª etapa na 91ª colocação. Defende que tem o direito líquido e certo de ser convocado para as demais etapas do certame, pois a CBTU mantém contrato de serviço de segurança com empresa terceirizada, o que seria vedado por força da Lei 6.194/74, e que o corpo terceirizado exerce atividades típicas do cargo de segurança metroferroviário. Diz, ainda, que o referido contrato foi prorrogado duas vezes durante a validade do concurso em apreço. O edital do certame previu a realização de quatro etapas. Todavia, para o cargo de Assistente Operacional (ASO - Segurança Metroferroviária), o edital exigiu ensino médio completo, sendo o concurso destinado a cadastro de reserva. Seria considerado aprovado na primeira etapa o candidato que obtivesse, no mínimo, 50% (cinquenta por cento) de aproveitamento dos pontos da prova 98
objetiva de múltipla escolha (item 5.1.2). Além disso, o item 5.2.13 estabelecia que “Somente serão corrigidas as provas discursivas dos candidatos aprovados na prova escrita objetiva de múltipla escolha, em número 4 (quatro) vezes superior ao quantitativo de vagas ofertadas no Anexo IV deste Edital, não sendo inferior a 20 (vinte) candidatos. Para os cargos de cadastro de reserva serão convocados considerando o quantitativo mínimo, isto é, os 20 (vinte) primeiros candidatos, seguindo a ordem classificatória”. Portanto, concluiu o acórdão que “considerando que o cargo para o qual concorreu o impetrante era para cadastro de reserva, a Administração tinha a obrigação de convocar pelo menos os vinte primeiros colocados, o que representa uma cláusula de barreira. Embora o impetrante tenha superado o percentual no mínimo de aproveitamento dos pontos da prova objetiva de múltipla escolha, a sua convocação para a etapa seguinte foi obstada por ter ele obtido a 91ª colocação”. E arrematou com a seguinte conclusão: “A meu ver, apenas aqueles que lograssem êxito em todas as etapas do concurso estariam incluídos no cadastro de reserva. A partir de então é que, uma vez comprovada a preterição arbitrária e imotivada por parte da administração, é que surgiria o direito à nomeação”. À luz das considerações lançadas no acórdão, não merece reproches a decisão que negou seguimento ao recurso extraordinário com base no Tema 376, que cuida da cláusula de barreira. Isso porque o reconhecimento da legitimidade de sua previsão ostenta caráter prejudicial em relação à análise do direito subjetivo à nomeação, na linha da tese firmada no Tema 784. Não por outra razão, o relator registrou que somente os que lograssem êxito em todas as etapas do concurso estariam incluídos no cadastro de reserva, oportunidade em que, configurada preterição, surgiria o direito à nomeação. Nesse contexto, as considerações do julgado em torno de questão de direito assemelhada àquela do Tema 784 devem ser recebidas a título de obter dictum. O empecilho ao acolhimento da pretensão reside mesmo no reconhecimento da legitimidade da cláusula de barreira. Assim, correta a negativa de seguimento que se valeu do RE 635.739/AL (Tema 376). Com essas considerações, nego provimento ao agravo interno. É como voto. 99
COMPOSIÇÃO DA PRIMEIRA TURMA
Desembargador Federal Alexandre Luna Presidente da Primeira Turma Período: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Roberto Machado
Desembargador Federal Élio Siqueira
JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0804611-36.2016.4.05.8500-SE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO Apelantes: MARIA DO AMPARO NASCIMENTO MONTEIRO E OUTRO Apelados: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF E OUTRO Advs./Procs.: DRS. FLÁVIA DE JESUS REIS (APTES.) E BRUNO NOVAES ROSA E OUTRO (APDOS.) EMENTA: PROCESSUAL CIVIL. CIVIL. APELAÇÃO. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO NOS DOIS PRIMEIROS ANOS DE VIGÊNCIA DO CONTRATO. ART. 798 DO CC. CRITÉRIO OBJETIVO. PREMEDITAÇÃO. INDIFERENÇA. DANOS MORAIS. IMPROVIMENTO. 1. Trata-se de apelação interposta por MARIA DO AMPARO NASCIMENTO MONTEIRO E CARLOS WELLINGTON MONTEIRO contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe [julgando improcedente o pleito], alegando em suas razões recursais: a) o suicídio do filho dos autores não foi premeditado, ocorrendo mais de 1 (um) ano após a assinatura do contrato de seguro em questão, sendo decorrente de uma crise depressiva, motivada por razões de trabalho; b) tal caso seria enquadrado na hipótese de morte acidental, no qual não há carência, conforme contrato; d) deve ser observado o princípio da boa-fé na execução do contrato; e) aplicação do CDC. Requerem o provimento da apelação e o pagamento do prêmio pelo sinistro, no montante de R$ 66.979,02 (sessenta mil, novecentos e setenta e nove reais e dois centavos), com juros e correção, além de danos morais, estes em quantia não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e honorários sucumbenciais. 2. Em sua exordial, narram os demandantes: a) na data de 29/08/2014, o filho dos autores, Sr. 103
Charles Nascimento Monteiro, firmou contrato de adesão, referente a um seguro de vida, no valor de R$ 66.979,02, denominado Caixa Seguros, “PREV RENDA CAIXA VGBL; b) devido a uma crise depressiva, provocada por motivos laborais, o Sr. Charles cometeu suicídio, pouco mais de 1 ano após assinatura do referido contrato; c) ao tentarem receber o prêmio, após o evento morte, os demandantes não obtiveram sucesso, pois a CEF alegou que não havia sido preenchido o período de carência de 2 (dois) anos exigido contratualmente. 3. O magistrado a quo, entendendo pela aplicação do art. 798 do CC, julgou improcedente a demanda, entendendo pela adoção de critério objetivo para a exclusão do risco da seguradora. Visto o fator morte ter ocorrido dentro do prazo legalmente estabelecido para carência no caso de suicídio, qual seja, dois anos da vigência do contrato, a seguradora se exime de arcar com o pagamento do prêmio. 4. Determina a Lei 10.406/2002: Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente. 5. Verifica-se que o de cujus assinou o contrato com a seguradora na data de 29/08/2014, ocorrendo sua morte, por motivo de suicídio, em 20/12/2015, ou seja, dentro do período de 2 anos de carência legalmente previstos no CC. Assim, depreende-se que, na hipótese sub examine, a seguradora se exime de indenizar, restando indiferente se houve ou não a premeditação do ato, prevalecendo o critério objetivo. Nesse sentido, vem se manifestando a jurisprudência do STJ: (AGRESP 201100497942, RAUL ARAÚJO, STJ 104
QUARTA TURMA, DJe DATA: 13/04/2016 DTPB), (AGARESP 201501531770, MOURA RIBEIRO, STJ - TERCEIRA TURMA, DJe DATA: 13/05/2016 DTPB) 6. Nesse sentido, também julgou este Tribunal: (PROCESSO Nº: 0800880-09.2014.4.05.8401 APELAÇÃO APELANTE: CAIXA SEGURADORA S/A ADVOGADO: JULIANO MESSIAS FONSECA APELADO: EVANDRO GOMES PRAXEDES ADVOGADO: DANIEL VICTOR DA SILVA FERREIRA ORIGEM: 10ª VARA FEDERAL/RN JUIZ: LAURO HENRIQUE LOBO BANDEIRA RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JANILSON SIQUEIRA (CONVOCADO) TURMA: TERCEIRA). 7. No tocante à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha reconhecido sua incidência às relações contratuais bancárias, tal entendimento não socorre alegações genéricas, para fim de amparar pedido de revisão e modificação de cláusulas contratuais convencionadas ou legais, sem a devida comprovação da existência de cláusulas abusivas, ou da onerosidade excessiva do contrato, bem como da violação do princípio da boa-fé e da vontade do contratante. 8. Ante a inexistência de má-fé ou ato ilícito da parte da seguradora, são indevidos os danos morais. 9. Apelação improvida. ACÓRDÃO Vistos e relatados os presentes autos, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento à apelação, nos termos do relatório e voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento. Recife, 27 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO - Relator 105
RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO: Trata-se de apelação interposta por MARIA DO AMPARO NASCIMENTO MONTEIRO E CARLOS WELLINGTON MONTEIRO contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 3ª Vara da Seção Judiciária de Sergipe [julgando improcedente o pleito], alegando em suas razões recursais: a) o suicídio do filho dos autores não foi premeditado, ocorrendo mais de 1 (um) ano após a assinatura do contrato de seguro em questão, sendo decorrente de uma crise depressiva, motivada por razões de trabalho; b) tal caso seria enquadrado na hipótese de morte acidental, no qual não há carência, conforme contrato; d) deve ser observado o princípio da boa-fé na execução do contrato; e) aplicação do CDC. Requerem o provimento da apelação e o pagamento do prêmio pelo sinistro, no montante de R$ 66.979,02 (sessenta mil, novecentos e setenta e nove reais e dois centavos), com juros e correção, além de danos morais, estes em quantia não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais) e honorários sucumbenciais. Contrarrazões apresentadas. Por força de distribuição, vieram-me os autos conclusos. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO (Relator): Consoante relatado, trata-se de apelação interposta pela parte ré em face de sentença que desacolheu os embargos monitórios, condenando a ré ao pagamento de custas e honorários advocatícios, estes fixados em 10% (dez) por centos sobre o valor da causa, com a execução suspensa, na forma do § 3º, art. 98 do CPC. Tenho que não merece reforma a sentença atacada. MARIA DO AMPARO NASCIMENTO MONTEIRO E CARLOS WELLINGTON MONTEIRO apresentaram a presente Ação de Cobrança em desfavor da Caixa Econômica Federal - CAIXA, objetivando: Gratuidade da justiça; b) pagamento do prêmio pelo 106
sinistro ocorrido com o filho, Sr. Charles nascimento monteiro, no montante de R$ 66.979,02 (sessenta mil, novecentos e setenta e nove reais e dois centavos), com juros e correção; d) danos morais, estes em quantia não inferior a R$ 15.000,00 (quinze mil reais); e) honorários sucumbenciais. Em sua exordial, narram os demandantes: a) na data de 29/08/2014, o filho dos autores, Sr. Charles Nascimento Monteiro, firmou contrato de adesão, referente a um seguro de vida, no valor de R$ 66.979,02, denominado Caixa Seguros, “PREV RENDA CAIXA VGBL; b) devido a uma crise depressiva, provocada por motivos laborais, o Sr. Charles cometeu suicídio, pouco mais de 1 (um) ano após assinatura do referido contrato; c) ao tentarem receber o prêmio, após o evento morte, os demandantes não obtiveram sucesso, pois a CEF alegou que não havia sido preenchido o período de carência de 2 (dois) anos exigido contratualmente O magistrado a quo, entendendo pela aplicação do art. 798 do CC, julgou improcedente a demanda, entendendo pela adoção de critério objetivo para a exclusão do risco da seguradora. Visto o fator morte ter ocorrido dentro do prazo legalmente estabelecido para carência no caso de suicídio, qual seja, dois anos da vigência do contrato, a seguradora se exime de arcar com o pagamento do prêmio. Determina a Lei 10.406/2002: Art. 798. O beneficiário não tem direito ao capital estipulado quando o segurado se suicida nos primeiros dois anos de vigência inicial do contrato, ou da sua recondução depois de suspenso, observado o disposto no parágrafo único do artigo antecedente.
Perlustrando os autos, verifica-se que o de cujus assinou o contrato com a seguradora na data de 29/08/2014, ocorrendo sua morte, por motivo de suicídio, em 20/12/2015, ou seja, dentro do período de 2 (dois) anos de carência legalmente previstos no CC. Assim, depreende-se que, na hipótese sub examine, a seguradora se exime de indenizar, restando indiferente se houve ou não a premeditação do ato, prevalecendo o critério objetivo. Nesse sentido, vem se manifestando a jurisprudência do STJ:
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PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO CPC/73. AÇÃO DE COBRANÇA. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO NOS DOIS PRIMEIROS ANOS DE VIGÊNCIA DO CONTRATO. ART. 798 DO CC. CRITÉRIO OBJETIVO. PREMEDITAÇÃO. INDIFERENÇA. AFASTAMENTO DA CONDENAÇÃO. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO REGIMENTAL NÃO PROVIDO. 1. Inaplicabilidade do NCPC neste julgamento ante os termos do Enunciado nº 1 aprovado pelo Plenário do STJ na sessão de 9/3/2016: Aos recursos interpostos com fundamento no CPC/1973 (relativos a decisões publicadas até 17 de março de 2016) devem ser exigidos os requisitos de admissibilidade na forma nele prevista, com as interpretações dadas até então pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 2. A Segunda Seção deste Superior Tribunal de Justiça, ao examinar matéria, no julgamento do REsp nº 1.334.005/ GO, de relatoria da Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, alterou entendimento até então dominante sobre o assunto e concluiu que o suicídio é risco não coberto durante os dois primeiros anos do contrato de seguro de vida nos termos do art. 798 do Código Civil, que adotou critério objetivo, afastando a discussão acerca da premeditação da morte. 3. No que se refere às alegações de existência de divergência jurisprudencial quanto ao tema, verifica-se que os acórdãos apontados como paradigmas se referem a entendimento já superado por esta Corte. 4. Não sendo a linha argumentativa apresentada capaz de evidenciar a inadequação dos fundamentos invocados pela decisão agravada, o presente agravo não se revela apto a alterar o conteúdo do julgado impugnado 5. Agravo regimental não provido. (AGARESP 201501531770, MOURA RIBEIRO, STJ TERCEIRA TURMA, DJe DATA:13/05/2016 ..DTPB:.) AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. SEGURO DE VIDA. SUICÍDIO OCORRIDO DENTRO DO PRAZO BIENAL DE VIGÊNCIA. ART. 798 DO CÓDIGO CIVIL. CRITÉRIO OBJETIVO. NOVO POSICIONAMENTO DA SEGUNDA SEÇÃO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 108
1. Esta Corte Superior firmou entendimento de que o “art. 798 adotou critério objetivo temporal para determinar a cobertura relativa ao suicídio do segurado, afastando o critério subjetivo da premeditação” (REsp 1.334.005/GO, Relator o Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Relatora para acórdão a Ministra Maria Isabel Gallotti, Segunda Seção, julgado em 8/4/2015, DJe de 23/6/2015). 2. Verificado o suicídio dentro do período de dois anos da contratação do seguro, não é devido o pagamento do capital segurado. 3. Agravo interno a que se nega provimento. (AGRESP 201100497942, RAUL ARAÚJO, STJ - QUARTA TURMA, DJe DATA: 13/04/2016 ..DTPB:.)
Nesse sentido, também julgou este Tribunal: EMENTA: CIVIL. IMOVEL ADQURIDO PELO SFH. SEGURO HABITACIONAL. SUICÍDIO OCORRIDO DENTRO DO PRAZO BIENAL DE VIGÊNCIA. ART. 798 DO CÓDIGO CIVIL. CRITÉRIO OBJETIVO. RESSARCIMENTO DO MONTANTE DA RESERVA TÉCNICA FORMADA. 1. Apelação interposta contra sentença que, em sede de ação ordinária, julgou procedente o pedido para declarar quitado o mútuo firmado com a Caixa Econômica Federal, mediante a cobertura do seguro de vida contratado, cujo valor deve ser liberado pela Caixa Seguros S/A, em favor da instituição credora. 2. A jurisprudência do colendo Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento no sentido de que nos contratos de seguro de vida individuais ou coletivos celebrados na vigência do Código Civil atual, o suicídio é risco não coberto, na hipótese de ser cometido nos primeiros dois anos de vigência do pacto, independentemente de ser premeditado ou não. 3. O STJ também reconheceu que o art. 798 do Código Civil de 2002 estabeleceu novo critério, de índole temporal e objetiva, para o caso de sucidio do segurado no contrato de seguro de vida 4. Precedentes: Terceira Turma, AgInt no AREsp 1.065.074/SP, Relator: Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, julg. 20/02/2018, publ. DJe; 26/02/2018, decisão unânime Quarta Turma, AgInt no REsp 1.642.768/SC, Relator: Ministro Lázaro Guimarães (Convocado), julg. 19/10/2017, publ. DJe 25/10/2017, decisão unânime). 109
5. No caso em tela, o falecido segurado celebrou em 18 de dezembro de 2012, contrato de mútuo habitacional e alienação fiduciária em garantia com a Caixa Econômica Federal, visando à aquisição de imóvel pelo Sistema Financeiro da Habitação, com cobertura securitária. 6. O beneficiário do seguro não faz jus à quitação do saldo devedor, visto que o óbito do mutuário ocorreu em 13 de janeiro de 2014, em decorrência de suícidio, conforme se observa do laudo tanatóscópico e da certídão de óbito. Verifica-se que o óbito ocorreu antes de ultrapassado o prazo carencial de dois anos da assinatura do contrato, de que trata a Cláusula impeditiva (8ª, item 8.1, d), das Condições Especiais da Apólice de Seguro Compreensivo para Operações de Financiamento Habitacional com Recursos do Estipulante. 7. Nos termos dos arts. 797, parágrafo único, e 798 do Código Civil atual, o autor tem direito ao ressarcimento do montante da reserva técnica já formada, em virtude do caráter previdenciário do contrato. 8. Precedente do STJ: Terceira Turma, AgInt no AREsp 1.065.074/SP, Relator: Ministro Ricardo Villas Boas Cueva, julg. 20/02/2018, publ. DJe; 26/02/2018, decisão unânime. 9. Em se tratando de ação ajuizada em 03/12/2014, portanto na vigência do CPC de 1973, há que se aplicar as regras nele insertas relativas aos honorários advocatícios sucumbenciais. Assim, como cada litigante foi, em parte, vencido e vencedor, os honorários e as despesas serão reciproca e proporcionamente distribuídos, nos termos do art. 21 do CPC. 10. Apelação parcialmente provida para afastar a quitação do saldo devedor e determinar o ressarcimento do montante da reserva técnica em favor da parte beneficiária do seguro habitacional. (PROCESSO Nº: 0800880-09.2014.4.05.8401 - APELAÇÃO APELANTE: CAIXA SEGURADORA S/A ADVOGADO: JULIANO MESSIAS FONSECA APELADO: EVANDRO GOMES PRAXEDES ADVOGADO: DANIEL VICTOR DA SILVA FERREIRA ORIGEM: 10ª VARA FEDERAL/RN JUIZ: LAURO HENRIQUE LOBO BANDEIRA RELATOR: DESEMBARGADOR FEDERAL JANILSON SIQUEIRA (CONVOCADO) TURMA: TERCEIRA)
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No tocante à aplicação das normas do Código de Defesa do Consumidor, muito embora o Superior Tribunal de Justiça tenha reconhecido sua incidência às relações contratuais bancárias, tal entendimento não socorre alegações genéricas, para fim de amparar pedido de revisão e modificação de cláusulas contratuais convencionadas ou legais, sem a devida comprovação da existência de cláusulas abusivas, ou da onerosidade excessiva do contrato, bem como da violação do princípio da boa-fé e da vontade do contratante. Ante a inexistência de má-fé ou ato ilícito da parte da seguradora, são indevidos os danos morais. Assim, nego provimento à apelação. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 581.210-PE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE Apelante: TEXAS HOTÉIS E TURISMO LTDA. Apelada: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF Advs./Procs.: DRS. REBECCA MEIRA VIRGÍNIO (APDA.) E WAL TER NEUKRANZ (APTE.) EMENTA: CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. VALOR. RAZOABILIDADE. SUCUMBÊNCIA. APELAÇÃO. PROVIMENTO, EM PARTE. I - Apelação interposta à sentença que declarou a extinção do processo, sem julgamento do mérito “no tocante ao pedido de declaração de nulidade do contrato, com base no art. 267, VI, do CPC, e julgo parcialmente procedente o pedido, para determinar a retirada da negativação da empresa demandante perante os órgãos de proteção ao crédito e condenar a parte ré a repetir o indébito referente às anuidades referentes a 2007 e 2008 111
do Contrato de Seguro de Vida nº 12348130000921 e o cancelamento de quaisquer débitos dele originários. Condeno ainda a demandada no pagamento de indenização no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais. Em razão da sucumbência mínima da parte autora, condeno a ré em honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais). Custas ex lege”. II - A repetição do indébito estabelecida no julgado está conforme a legislação de regência (artigo 42, parágrafo único, parte final do Código de Defesa do Consumidor), inclusive no que se refere aos valores das anuidades do falso contrato de seguro a serem restituídos ao autor. III - A indenização em face do dano moral tem por base os seguintes parâmetros: a situação econômico-social das partes (ofensor e ofendido); o abalo físico/psíquico/social sofrido; o grau da agressão; a intensidade do dolo ou da culpa do agressor; a natureza punitivo-pedagógica do ressarcimento, sua potencialidade no desencorajamento de condutas ofensivas de igual natureza – a chamada “técnica do valor de desestímulo” como “fator de inibição a novas práticas lesivas”. IV - A teor dos parâmetros do Código Civil de 2002 (artigo 944 e seguintes), a fixação do quantum da indenização por dano moral revela-se adequado, proporcional e razoável. V - A verba honorária é orientada pelos princípios da sucumbência e da causalidade, no sentido de que devem ser suportadas pela parte que deu causa à instauração do processo e, no caso, considera-se plausível a fixação dos honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (mil reais), conforme arbitrado na sentença. VI - Provimento, em parte, da apelação.
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ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento, em parte, à apelação, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, integrantes do presente julgado. Recife, 20 de Junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE: Trata-se de apelação interposta à sentença que declarou a extinção do processo, sem julgamento do mérito “no tocante ao pedido de declaração de nulidade do contrato, com base no art. 267, VI, do CPC, e julgo parcialmente procedente o pedido, para determinar a retirada da negativação da empresa demandante perante os órgãos de proteção ao crédito e condenar a parte ré a repetir o indébito referente às anuidades referentes a 2007 e 2008 do Contrato de Seguro de Vida nº 1234813000092-1 e o cancelamento de quaisquer débitos dele originários. Condeno ainda a demandada no pagamento de indenização no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais. Em razão da sucumbência mínima da parte autora, condeno a ré em honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais). Custas ex lege”. A sentença considerou, em resumo: Há, nos autos, comprovação de efetivo pagamento, por meio de débito em conta, de duas anuidades do contrato ora declarado inexistente, referente aos anos de 2007 (fl. 45) e 2008 (fl. 57). As demais anuidades (2009 e 2010) foram debitadas da conta corrente em momento posterior ao término das movimentações financeiras na conta. É que a empresa demandante parou de movimentar a conta corrente contratada a partir de junho de 2009, tendo, nessa data, deixado o saldo positivo em R$ 74,77.
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Assim, o débito que consta no nome da demandada advém justamente dos valores debitados em sua conta corrente em consequência do contrato viciado e dos juros próprios do saldo negativo, pelo que entendo cabível a repetição do indébito apenas no tocante às duas parcelas efetivamente debitadas na conta corrente e, quanto às demais parcelas e os juros dela decorrentes, deve ser apenas cancelado o débito, vez que se fundam em título nulo. Ressalto que a manutenção de uma conta corrente, mesmo que sem movimentação, gera a cobrança de taxas e pacotes de serviços, que nada tem a ver com o contrato de seguro viciado, mas decorrem do contrato de abertura de conta corrente, que não foi objeto de impugnação na presente ação, sendo, portanto, válidas. (...).1
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SENTENÇA
AÇÃO ORDINÁRIA - PROCESSO Nº 0004190-73.2011.4.05.8300 AUTOR: TEXAS HOTÉIS TURISMO LTDA. RÉU: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL REGISTRO ELETRÔNICO SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de ação ordinária, com pedido de liminar, ajuizada por TEXAS HOTÉIS TURISMO LTDA. em face da CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF, objetivando a declaração de nulidade e o consequente cancelamento do título de crédito que deu origem à dívida, bem como a condenação da ré a devolver os valores indevidamente debitados de sua conta corrente em dobro e no pagamento indenização por danos morais infligidos à autora. Relatou a empresa autora que foi informado pela SERASA da inclusão de seu CNPJ no cadastro de inadimplentes em razão de suposta dívida relativa à sua conta corrente, no valor de R$ 11.383,46. Acrescentou ter interpelado seu gerente acerca do débito e foi informada de que o débito seria decorrente de um seguro de vida contratado pelo titular da empresa. Ressalta que a proposta de seguro, datada de 27.07.2007, apesar de preenchida com o s dados do titular da empresa, não foi for ele assinado, constando uma assinatura de pessoa desconhecida. Sustentou que, em junho de 2007, realizou junto à instituição financeira ré um empréstimo bancário, tendo quitado o débito integralmente em 19.06.2009. Alega ter tido seu crédito abalado com a inclusão indevida de seu nome em cadastro de inadimplentes, tendo requerido a reparação do dano moral. Citada, a Caixa Econômica apresentou contestação alegando, preliminarmente, a inépcia da inicial por ausência de causa de pedir com relação ao dano moral alegado e, no mérito, ressaltou que foi firmado contrato de Seguro de Vida Multipremiado com o administrador da empresa demandante, a ser debitado
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A apelação postula a reforma da sentença para que “a) sejam recebidas essas razões, sendo julgado procedente o recurso de apelação pelos argumentos aqui esposados, para reformar a anualmente da conta corrente da empresa autora, conforme autorização fornecida no contrato de seguro firmado. Esclarece que a negativação não decorre diretamente do seguro firmado, mas sim de inadimplência na reposição de valores do uso de crédito rotativo (cheque especial) em sua conta corrente, pois o último crédito efetuado na conta em 25.06.09, sem que a empresa tenha requerido o cancelamento da conta, ocasionando a cobrança mensal de taxas, bem como duas cobranças anuais do Seguro de Vida Multipremiado. Defende a prevalência do princípio pacta sunt servanda, ante a regularidade e legalidade do contrato, e a regularidade da inclusão do nome da demandante em cadastros restritivos de crédito, inexistindo ato ilícito a gerar o dever de indenizar. Ressaltou, por último, que a indenização por danos morais não pode constituir fonte de enriquecimento da vítima e que a indenização por danos materiais deve corresponder ao valor suficiente a ressarcir o que foi perdido, descabendo a devolução em dobro dos valores pagos. Liminar indeferida à fl. 131. Interposto agravo de instrumento, teve seu provimento negado, conforme acórdão de fls. 186/187. Em réplica, a parte autora rechaçou a preliminar ventilada e reiterou os termos da inicial. Reiterado o pleito antecipatório e novamente indeferido à fl. 230. Realisada a perícia, consta o laudo às fls. 254/265, do qual foram as partes intimadas. É o relatório. Decido. II - FUNDAMENTOS DE INÉPCIA DA INICIAL Sustenta a ré a inépcia da inicial, por ausência de causa de pedir ante a não configuração do dano moral. Não me convence tal argumentação, pois a exordial fundamenta seu pleito de danos morais, apontando os fundamentos fáticos e de direito suficientes para tal pedido, inclusive em tópico próprio da peça inicial. A fundamentação apresentada pela CEF ao arguir a preliminar, acerca da existência ou não dos danos morais, é que na verdade trata de matéria que se confunde com o próprio mérito, a ser apreciada no momento próprio. ILEGITIMIDADE ATIVA É de se observar, inicialmente, que o contrato de seguro de vida impugnado tem como parte contratante a pessoa física do Sr. Carlos Alberto Rique Júnior, sócio administrador da empresa demandante, muito embora o pagamento do prêmio tenha sido pactuado por meio de débito na conta corrente de titularidade da pessoa jurídica autora. Sabendo-se que o débito e a negativação contam no nome da empresa demandante, a pessoa jurídica possui legitimidade para pleitear a retirada de seu nome do rol de maus pagadores e, ainda, a indenização por danos morais e a
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sentença de primeiro grau para dobrar a repetição de indébito, aumentar a condenação relativa a danos morais, determinar o ressarcimento das despesas com a perícia e majorar os honorários repetição do indébito. Porém, carece de legitimidade para demandar a declaração de “nulidade e o respectivo cancelamento do título de crédito”, visto que o contratante é o Sr. Carlos, enquanto pessoa física. Não obstante sejam a falsidade da assinatura e a nulidade do contrato questões prejudiciais aos demais pedidos, só serão analisados de forma incidente, ante a ilegitimidade ativa da demandante, razão pela qual deve o processo ser extinto sem julgamento do mérito nesse ponto, com base no art. 267, VI, do CPC. MÉRITO Inexistindo outros aspectos processuais a demandarem uma abordagem específica, passo ao exame do mérito. No caso sob luzes, o demandado aponta a fraude na assinatura acostada no contrato de seguro firmado com a CEF e requer o reconhecimento de inexistência de débito em favor do réu, com a devolução em dobro dos valores indevidamente debitados da conta corrente da empresa e a exclusão de restrição imposta perante a SERASA, com o pagamento de indenização por danos morais. Cumpre salientar que a responsabilidade das instituições bancárias, a exemplo da CEF, é objetiva, em razão da aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Com efeito, qualificando-se as atividades bancárias como serviços, a teor do disposto no art. 3º, § 2º, do CDC, conclui-se que os bancos caracterizam-se como fornecedores (art. 3º, caput, do CDC), sendo, portanto, de aplicar-se o regime do Código Consumerista à hipótese em comento. Em conformidade com o art. 14 da Lei n° 8.078/90, responde o fornecedor de serviços, à míngua de comprovação de culpa, “pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem assim por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos”. Tal responsabilidade pode ser excluída nos moldes do § 3° desse preceptivo legal, desde que o prestador de serviços comprove: que, tendo prestado o serviço, o defeito inexiste (I) e a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro (II). Desse modo, a caracterização da responsabilidade da CEF, em relações reconhecidamente consumeiristas, independe da comprovação de culpa, pressupondo apenas a demonstração dos seguintes elementos: ação ou omissão ilícita; dano (quer material, quer moral); nexo de causalidade entre a conduta e o dano. In casu, foi realizada perícia grafoscópica conclusiva no sentido de ser falsa a assinatura aposta no campo “Assinatura do Proponente” da proposta de seguro firmada com a CEF (fls. 254/265). Confirmada a falsidade da assinatura do autor, inválida a manifestação de vontade, elemento constitutivo essencial do contrato, atingindo a própria existência do título. Apesar de a CEF também ter sido prejudicada pela ação do falsário, omitiu-se a demandada no seu dever de cuidado, pois cabia à instituição financeira, especialmente em razão da natureza de suas atividades, constatar a veracidade de todos os documentos apresentados pelo cliente, bem como atentar para a
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advocatícios, nos termos da fundamentação acima, como se aqui transcrita estivesse: b) pede e requer se digne V. Ex.a, a inverter o ônus sucumbência e condenar o apelado ao pagamento das veracidade de sua assinatura. Inexistente o negócio jurídico, indevidos os descontos realizados na conta corrente da empresa autora. Caracterizado o ato lesivo da demandada, é de se examinar a existência de dano e a relação de causa e efeito entre este e aquele. (...) Forte nessas considerações, entendo que de fato houve, por parte da instituição financeira, o ato lesivo apto a gerar o dever de indenizar, nos moldes dos arts. 186 e 927 do Código Civil e art. 5º, inc. X, da Constituição Federal, que arbitro em R$ 5.000,00 (cinco mil reais). No tocante ao pedido de repetição de indébito, dispõe o art. 42, parágrafo único, do CDC: “O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.”. A jurisprudência tem se posicionado no sentido de que se faz necessária a comprovação do efetivo dano patrimonial, com o pagamento indevido, para que seja devida a repetição do indébito. (...) Há, nos autos, comprovação de efetivo pagamento, por meio de débito em conta, de duas anuidades do contrato ora declarado inexistente, referente aos anos de 2007 (fl. 45) e 2008 (fl. 57). As demais anuidades (2009 e 2010) foram debitadas da conta corrente em momento posterior ao término das movimentações financeiras na conta. É que a empresa demandante parou de movimentar a conta corrente contratada a partir de junho de 2009, tendo, nessa data, deixado o saldo positivo em R$ 74,77. Assim, o débito que consta no nome da demandada advém justamente dos valores debitados em sua conta corrente em consequência do contrato viciado e dos juros próprios do saldo negativo, pelo que entendo cabível a repetição do indébito apenas no tocante às duas parcelas efetivamente debitadas na conta corrente e, quanto às demais parcelas e os juros dela decorrentes, deve ser apenas cancelado o débito, vez que se fundam em título nulo. Ressalto que a manutenção de uma conta corrente, mesmo que sem movimentação, gera a cobrança de taxas e pacotes de serviços, que nada tem a ver com o contrato de seguro viciado, mas decorrem do contrato de abertura de conta corrente, que não foi objeto de impugnação na presente ação, sendo, portanto, válidas. III - DISPOSITIVO Isso posto, extingo o processo sem julgamento do mérito no tocante ao pedido de declaração de nulidade do contrato, com base no art. 267, VI, do CPC, e julgo parcialmente procedente o pedido, para determinar a retirada da negativação da empresa demandante perante os órgãos de proteção ao crédito e condenar a parte ré a repetir o indébito referente às anuidades referentes a 2007 e 2008 do Contrato de Seguro de Vida nº 1234813000092-1 e o cancelamento de quaisquer débitos dele originários.
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despesas judiciais e extrajudiciais a que deu causa, inclusive os honorários advocatícios, estes na base de 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa (...)”2 Condeno ainda a demandada no pagamento de indenização no montante de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a título de danos morais. Em razão da sucumbência mínima da parte autora, condeno a ré em honorários advocatícios, que arbitro em R$ 1.000,00 (mil reais). Custas ex lege. Publique-se. Registre-se. Intimem-se. Recife, 9 de fevereiro de 2015. GUSTAVO HENRIQUE TEIXEIRA DE OLIVEIRA Juiz Federal Substituto da 7ª Vara - PE. 2
APELAÇÃO
EXMO (A). SR (A). DR (A) JUIZ (A) DA 7ª VARA DA JUSTIÇA DE PERNAMBUCO Texas Hotéis e Turismo LTDA., empresa comercial devidamente inscrita no CNPJ/MF sob o nº 07.650.041/0001-72 (...) vem, por seus patronos infra-assinados, constituídos ut instrumento de procuração previamente acostado (...), nos autos do processo em epígrafe, no qual litiga com CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, em trâmite perante esse Douto Juízo, vem, respeitosa e tempestivamente, apresentar APELAÇÃO pelos fatos e fundamentos que a passa a expor no memorial em anexo, com base nos arts. 496, I, 512 e seguintes do Código de Processo Civil. Assim sendo, após as formalidades legais, requer que seja o processo enviado ao Colendo TRF da 5ª Região para apreciação das razões recursais. Termos em que, pede deferimento. Recife/PE, 13 de março de 2015. Walter Neukranz OAB/PE n° 17.092 COLENDA TURMA DO T.R.F. DA 5ª REGIÃO EMINENTES DESEMBARGADORES A r. decisão apelada deve ser reformada, data venia, vez que desatou a querela jurídica em manifesta desconformidade com os fatos que emergem dos autos, impondo sacrifício processual e financeiro à apelante, que busca nesse E. Pretória um amparo para por fim à incômoda situação em que se encontra. (...) DO MÉRITO Entende a apelante que a sentença ora atacada merece reparo parcial. A sentença foi procedente em parte para reconhecer um dano moral de R$ 5.000,00, determinando, ainda, o cancelamento do débito a partir de 2009 e restituição dos valores indevidamente cobrados referentes às anuidades de 2007 e 2008 (repetição de indébito) e retirada da inscrição dos dados da empresa dos serviços de proteção ao crédito.
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Contrarrazões. É o relatório.
REPETIÇÃO DE INDÉBITO Merece reforma a sentença no que se refere à repetição de indébito ter sido deferida de forma simples, quando deveria ter sido em dobro, com base no art. 42 do CDC: (...) Assim sendo, requer a recorrente deste Colegiado a reforma da sentença para condenar a recorrida ao pagamento da repetição de indébito dos valores indevidamente cobrados EM DOBRO, devidamente corrigidos, nos termos da legislação citada acima. VALOR DOS DANOS MORAIS A sentença atacada reconheceu a existência de dano moral, condenando a recorrida ao pagamento de indenização no valor de R$ 5.000,00, entendendo ser este valor suficiente a ressarcir o dano reconhecido. A recorrente discorda. A negativação ocorreu em janeiro/2011 (fl. 38) e ainda está ativa, considerando que todos os pleitos de antecipação de tutela foram negados pelo juízo e pelo TRF. São mais de 4 (quatro) anos de negativação. É de se ressaltar que tal negativação repercutiu nos sócios da empresa, que também foram diretamente afetados, pois a negativação da empresa aparece no cadastro dos mesmos o banco apelado, por outro lado, é uma das maiores instituições financeiras do Brasil e teve um lucro de 6,7 bilhões de reais em 2013 (...). Nossa doutrina e jurisprudência é pacifica no sentido de que na fixação do quantum deve ser aplicada a teoria do valor do desestímulo, que busca uma indenização num valor justo que sirva, a um só tempo, de desestímulo ao ofensor e de compensação ao ofendido que não seja ínfima para quem dá, nem excessiva para quem recebe; que não leve o primeiro a ruína nem enriqueça ilicitamente o segundo. Ora, Ex.as, a quantia de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) nem de longe serve como desestímulo ao ofensor, preferindo o mesmo correr o risco de prejudicar seus clientes e ter de pagar indenizações desse porte a organizar sua estrutura para não mais cometer erros dessa natureza. Quando analisar o custo x benefício, o banco apelado preferirá continuar trabalhando da mesma forma, ou seja, se algum cliente seu for prejudicado por sua negligência e arbitrariedade, será melhor pagar indenizações do porte da presente condenação aos clientes que porventura ingressem em juízo. É importante asseverar que o banco apelado é uma das maiores instituições financeiras do Brasil. Ora, a condenação no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) é equivalente a 0,000000746% do lucro líquido do banco apelado durante do ano de 2013 (em 2014 com certeza o lucro será maior). Estamos falando de um FALSIFICAÇÃO de uma assinatura em um documento por preposto da recorrida, bem como de uma NEGATIÇÃO DE 4 ANOS!!
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VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (Relator): A repetição do indébito estabelecida na sentença está conforme a legislação de regência (artigo 42, parágrafo único, parte final do Código de Defesa do Consumidor), inclusive no tocante aos valores das anuidades do falso contrato de seguro a serem restituídos ao autor. A indenização em face do dano moral tem por base os seguintes parâmetros: a situação econômico-social das partes (ofensor e ofendido); o abalo físico/psíquico/social sofrido; o grau da agressão; a intensidade do dolo ou da culpa do agressor; a natureza punitivo-pedagógica do ressarcimento, sua potencialidade no desencorajamento de condutas ofensivas de igual natureza – a chamada “técnica do valor de desestímulo” como “fator de inibição a novas Destarte, deve ser reformada a sentença para ser majorado o quantum indenizatório para, no mínimo, R$ 50.000,00, na forma pleiteada, que certamente contribuirá para a realização da Justiça. VALOR DOS HONORÁRIOS PERICIAIS A empresa recorrente adiantou os honorários periciais no valor de R$ 4.068,00 (fls. 207 - 22/10/2013) e a sentença não determinou que os mesmos fosse ressarcidos pela apelada à apelante. A perícia atestou que a assinatura constante do documento de fl. 36 não era do sócio da empresa recorrente. Assim, deve ser a sentença atacada reformada para determinar o ressarcimento do valor adiantado para custear a pericia, devidamente corrigido monetariamente. DO VALOR DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS A sentença atacada condenou a recorrida ao pagamento de R$ 1.000,00 a título de honorários advocatícios. Os honorários advocatícios são assegurados pelos arts. 20, 36 e 126 do CPC, 76 e 96 e seguintes da Lei 4.215-63, 8° e 769 da CLT, 4° da Lei de Introdução ao Código Civil, inciso LV, do art. 5° e o art. 133 da CF e 22 da Lei nº 8.904/94. (...) No caso concreto, precisamos considerar: em primeiro lugar, o § 4° do art. 20 do CPC, acima transcrito, prevê uma remuneração MÍNIMA DE 10% a ser arbitrada por esta Corte, POIS O VALOR DA CAUSA NÃO É DE PEQUENO VALOR OU DE VALOR INESTIMÁVEL. Deve ser considerado, ainda, a duração do processo 4 (quatro) anos e que houve a necessidade de interposição de 2 (dois) agravos de instrumento.
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práticas lesivas” (cf. REsp nº 355.392/RJ, Relatora Ministra Nancy Andrighi, STJ, julgado em 26.06.2002). A teor dos parâmetros do Código Civil de 2002 (artigo 944 e seguintes), a fixação do quantum da indenização por dano moral, na hipótese, em R$ 5.000,00 (cinco mil reais), revela-se adequado, proporcional e razoável. A verba honorária é orientada pelos princípios da sucumbência e da causalidade, no sentido de que devem ser suportadas pela parte que deu causa à instauração do processo e, no caso, considera-se plausível a fixação dos honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (mil reais). Isto posto, dou provimento, em parte, à apelação para fixar os honorários advocatícios em R$ 1.000,00 (mil reais). É o meu voto. Assim sendo, deve a sentença atacada ser reformada para que seja aplicado parágrafo terceiro do, art. 20 do CPC, COMO EXIGE O CASO CONCRETO, arbitrando honorários advocatícios a serem pagos pela apelada em percentual não inferior a 20% do valor atualizado da causa. DOS PEDIDOS Ante tudo que acima exposto foi, pede e requer a apelante: a) sejam recebidas essas razões, sendo julgado PROCEDENTE o recurso de apelação pelos argumentos aqui esposados, para reformar a sentença de primeiro grau para dobrar a repetição de indébito, aumentar a condenação relativa a danos morais, determinar o ressarcimento das despesas com a perícia e majorar os honorários advocatícios, nos termos da fundamentação acima, como se aqui transcrita estivesse: b) pede e requer se digne V. Exa., a inverter o ônus sucumbência e condenar o apelado ao pagamento das despesas judiciais é extrajudiciais a que deu causa, inclusive os honorários advocatícios, estes na base de 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa; c) protesta por provar o alegado, através da produção de todas as provas em direito existentes, depoimento pessoal dos suplicados, ouvida de testemunhas, o que logo requer, juntada de novos documentos, e tudo o mais que se fizer necessário. Termos em que, Pede deferimento. Recife/PE, 13 de março de 2015. Walter Neukranz OAB/PE n° 17.092
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 597.965-CE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE Apelante: JOSÉ GONÇALVES MOREIRA Apelado: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Def. Púb. Fed.: DANIEL TELES BARBOSA Adv./Proc.: DR. FORIANO BENEVIDES DE MAGALHÃES NETO (APDO.) EMENTA: PROCESSO CIVIL. CONVERSÃO DA AÇÃO DE BUSCA E APREENSÃO EM AÇÃO DE DEPÓSITO. CITAÇÃO REALIZADA. REVELIA. INEXISTÊNCIA DE NULIDADE. CONCESSÃO DE GRATUIDADE JUDICIÁRIA. PROVIMENTO PARCIAL DA APELAÇÃO. I - A orientação jurisprudencial do STJ e do STF é no sentido de que a não localização do bem dado em garantia autoriza, nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº 911/69, o prosseguimento do feito a partir da conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito. II - Considerando que o réu foi regularmente citado na ação de depósito e não apresentou contestação, foi decretada a sua revelia, o que afasta a alegação de nulidade processual. III - Concessão da gratuidade judiciária em favor do réu, ora apelante, a fim de suspender a cobrança dos honorários advocatícios arbitrados pelo prazo de 5 anos, a teor do art. 28, § 3º, do CPC. IV - Provimento parcial da apelação para concessão da gratuidade judiciária em favor do réu, ora apelante. ACÓRDÃO Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Primeira Turma do egrégio Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à
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apelação, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, integrantes do presente julgado. Recife, 9 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE: Trata-se de apelação em face da sentença proferida nos autos da Ação de Depósito nº 0004552-25.2013.4.05.8100, em curso na 2ª Vara Federal (CE), que julgou procedente o pedido, condenando o réu ao pagamento da quantia de R$ 7.612,88, correspondente ao valor recebido em depósito, em valores atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora até janeiro de 2013. A sentença considerou, em resumo: Trata-se de ação de busca e apreensão, convertida em AÇÃO DE DEPÓSITO, com pedido de liminar, ajuizada pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF contra JOSÉ GONÇALVES MOREIRA, visando à busca e apreensão da motocicleta descrita na inicial, alienado fiduciariamente à parte autora, com fundamento na mora contratual do promovido. Aduz a autora ter concedido à parte ré financiamento para aquisição de veículo descrito na inicial com cláusula de alienação fiduciária em seu favor. Afirma que a ré ficou inadimplente, o que ocasionou o vencimento antecipado de todas as obrigações contratuais e a consequente remessa para protesto do referido título extrajudicial. Assim, por entender comprovada a mora do devedor, pleiteou a busca e apreensão liminar do referido bem. Com a inicial, procuração e documentos de fls. 07/24. Custas recolhidas (fl. 25). Às fls. 31/32, este Juízo deferiu liminarmente a busca e apreensão do bem. O réu, através da Defensoria Pública da União, requereu (fls. 39/41) que, em cumprimento ao mandado de busca e apreensão, seja ele próprio nomeado depositário fiel da motocicleta, tendo em vista que 123
o bem seria imprescindível para o exercício de sua atividade econômica. O pedido foi deferido na decisão de fls. 54/55, a qual condicionou a nomeação do devedor como fiel depositário à comprovação de existência de contrato de seguro de danos materiais tendo como objeto o bem alienado, em favor da CEF. In casu, a autora comprovou a mora/inadimplemento do devedor principalmente através da notificação extrajudicial às fls. 13/14 (doc. Id. 422714), fato não contestado pela ré. Desta forma, provada a existência da dívida (consubstanciada no contrato firmado entre as partes) e a mora do réu e da citação válida operada nos autos, não resta outro caminho senão julgar procedente o pedido de depósito. 12. Oportuno destacar, ainda, que não mais se aplica no caso de alienação fiduciária a prisão civil do depositário infiel. Isso porque a hipótese contemplada no Decreto-Lei 911/69 não se enquadra no permissivo constitucional de prisão civil, na modalidade de depositário infiel. A jurisprudência está consolidada sobre sua ilicitude, nos termos da orientação do Supremo Tribunal Federal, firmada na seguinte decisão: (...) Por fim, indefiro, neste momento processual, o pedido de penhora on line, que poderá ser renovado posteriormente, em eventual fase de execução de título judicial. Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação de depósito, para condenar o réu ao pagamento da quantia de R$ 7.612,88 (sete mil, seiscentos e doze reais e oitenta e oito centavos), correspondente ao valor do bem recebido em depósito, em valores atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora até janeiro de 2013.1
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SENTENÇA
Trata-se de ação de busca e apreensão, convertida em AÇÃO DE DEPÓSITO, com pedido de liminar, ajuizada pela CAIXA ECONÔMICA FEDERAL - CEF contra JOSÉ GONÇALVES MOREIRA, visando à busca e apreensão da motocicleta descrita na inicial, alienado fiduciariamente à parte autora, com fundamento na mora contratual do promovido. Aduz a autora ter concedido à parte ré financiamento para aquisição de veículo descrito na inicial com cláusula de alienação fiduciária em seu favor. Afirma
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A apelação postula a reforma da sentença, alegando, em síntese: Ademais, é de se questionar a incoerência do feito: Qual o sentido lógico-processual em primeiro sentenciar (fl. 1187), sem abrir prazo para manifestação do réu, e depois de proferida sentença, intimar a Defensoria para ciência do ocorrido, por estar habilitada nos autos do processo justamente para defesa?
que a ré ficou inadimplente, o que ocasionou o vencimento antecipado de todas as obrigações contratuais e a consequente remessa para protesto do referido título extrajudicial. Assim, por entender comprovada a mora do devedor, pleiteou a busca e apreensão liminar do referido bem. Com a inicial, procuração e documentos de fls. 07/24. Custas recolhidas (fl. 25). Às fls. 31/32, este Juízo deferiu liminarmente a busca e apreensão do bem. O réu, através da Defensoria Pública da União, requereu (fls. 39/41) que, em cumprimento ao mandado de busca e apreensão, seja ele próprio nomeado depositário fiel da motocicleta, tendo em vista que o bem seria imprescindível para o exercício de sua atividade econômica. O pedido foi deferido na decisão de fls. 54/55, a qual condicionou a nomeação do devedor como fiel depositário à comprovação de existência de contrato de seguro de danos materiais tendo como objeto o bem alienado, em favor da CEF. Às fls. 90/91, o réu noticiou a interposição de agravo de instrumento em face da decisão de fls. 54/55. Conforme consulta no sítio do TRF da 5ª Região (fls. 121/128), o recurso teve seu provimento negado, e em face desta decisão o réu interpôs recurso especial que se encontra pendente de julgamento. Citado e intimado, o réu apresentou contestação, alegando, preliminarmente, a não recepção do Dec-Lei nº 911/69. No mérito, assevera, em síntese, a abusividade dos valores cobrados consistente em: juros superiores a 12%, capitalização de juros e cumulação de comissão de permanência com outros encargos. Às fls. 70/78, a parte demandada apresentou reconvenção, que fora extinta sem resolução de mérito, em decisão prolatada em audiência (fls. 109/110). Foi proferida sentença de procedência do pedido de busca e apreensão (fls. 129/136). Após o trânsito em julgado, foi expedido mandado de busca e apreensão (fl. 143) da motocicleta, porém a diligência restou infrutífera, haja vista não ter sido encontrada, pois, segundo informou o réu, fora roubada, conforme cópia de boletim de ocorrência, tudo devidamente certificado pelo oficial de justiça às fls. 143-verso. Intimada, a CEF requereu a conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito (fl. 148), o que foi deferido por este Juízo à fl. 171. À fl. 184, a CEF requer o deferimento de penhora on line. Vieram-me os autos conclusos para sentença. É O RELATÓRIO.
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Trata-se de violação explícita a boa-fé processual, bem como aos princípios mais comezinhos do direito, como ampla defesa e contraditório. Ademais, ressalte-se o princípio ferido da cooperação, instaurado no art. 6º e com raízes no art. 10 do Código de Processo Civil, veja-se: (...) Tais princípios aplicam-se também ao juiz, razão pela qual errou, gerando nulidade processual.
II. FUNDAMENTAÇÃO De início, é de se registrar que, neste processo, a CEF pleiteou, inicialmente, a busca e apreensão do bem descrito na petição inicial, que não foi encontrado na posse do devedor. Assim, atendendo a requerimento da parte autora, a ação de busca e apreensão foi convertida em ação de depósito. Registre-se que o art. 4º do Decreto-Lei nº 911/69 permite expressamente a conversão da primitiva ação de busca e apreensão em ação de depósito, nos mesmos autos, de forma que sequer alude à necessidade de ser realizada nova citação. Regularmente citado na ação de depósito, o réu não apresentou contestação (fls. 177-verso), pelo que reconheço sua revelia. Prosseguindo no exame do mérito do pedido, observa-se que o contrato de financiamento de veículo com cláusula de alienação fiduciária restou firmado entre as partes em 22/09/2011 (fls. 09/10). Em agosto de 2012, verificou-se o atraso no pagamento da prestação mensal do mútuo pelo devedor, dando azo ao vencimento antecipado da dívida e ao protesto do título respectivo, nos termos estipulados no contrato sub judice, e conforme demonstrativo de débito de fls. 23/24. Restou fartamente comprovado nos autos que o devedor não cumpriu sua obrigação contratual, que se afirma à vista dos documentos acostados na inicial (documentos anexos), comprovando a mora do devedor. Assim, preenchidos os requisitos legais, deferiu-se a busca e apreensão do veículo financiado, nos termos do art. 3º do Decreto-Lei nº 911/69. Entretanto, a medida liminar concedida restou infrutífera em face da ausência de localização do bem, que fora roubado, conforme noticiado pelo meirinho através da certidão anexa. Sobre a situação em exame, o art. 4º do Decreto-Lei 911/69 possui o seguinte teor: Art 4º Se o bem alienado fiduciariamente não for encontrado ou não se achar na posse do devedor, o credor poderá requerer a conversão do pedido de busca e apreensão, nos mesmos autos, em ação de depósito, na forma prevista no Capítulo II do Título I do Livro IV do Código de Processo Civil. (Redação dada pela Lei nº 6.071, de 1974) Esclareça-se que, embora o novo Código de Processo Civil não preveja mais a ação de depósito, esta demanda fora ajuizada ainda na vigência do CPC/73, a ensejar a aplicação das regras previstas no antigo diploma. Outrossim, acerca da Ação de Depósito, assim dispõe o CPC/73: Art. 901. Esta ação tem por fim exigir a restituição da coisa depositada.
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Há de se ressaltar também que o assistido é pobre na forma da Lei, por não possuir renda capaz de manter-se e/ ou manter sua família tendo que pagar advogado privado, tanto que foi defendido por esta Defensoria. Art. 902. Na petição inicial instruída com a prova literal do depósito e a estimativa do valor da coisa, se não constar do contrato, o autor pedirá a citação do réu para no prazo de cinco dias: I - entregar a coisa, depositá-la em juízo ou consignar-lhe o equivalente em dinheiro; Na verdade, a conversão da busca e apreensão em ação de depósito tem por objetivo oportunizar, na prática, que o devedor entregue a coisa ou o seu equivalente em dinheiro. Caso não o faça, permite ao Judiciário a sua condenação no pagamento de quantia certa equivalente ao prejuízo sofrido pelo proprietário fiduciário. In casu, a autora comprovou a mora/inadimplemento do devedor principalmente através da notificação extrajudicial às fls. 13/14 (Doc. Id. 422714), fato não contestado pela ré. Desta forma, provada a existência da dívida (consubstanciada no contrato firmado entre as partes) e a mora do réu e da citação válida operada nos autos, não resta outro caminho senão julgar procedente o pedido de depósito. De outra sorte, quanto ao valor equivalente do bem de que trata o inciso I do art. 902 do CPC, cabe lembrar que conforme orientação do STJ, ele deve corresponder ao seu valor de mercado ou o débito apurado, o que for menor. Neste sentido: AGRAVO REGIMENTAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ARTIGO 535 DO CPC. VIOLAÇÃO. INOCORRÊNCIA. PENHORA. DINHEIRO. ORDEM. ARTIGO 655 DO CPC. SÚMULAS N° 417 E 7-STJ. BUSCA E APREENSÃO. DEPÓSITO. EQUIVALENTE EM DINHEIRO. NÃO PROVIMENTO. 1. Não configura violação ao art. 535 do CPC a decisão que examina, de forma fundamentada, todas as questões submetidas à apreciação judicial, circunstância que afasta a negativa de prestação jurisdicional. 2. Súmula n° 417: “Na execução civil, a penhora de dinheiro na ordem de nomeação de bens não tem caráter absoluto.” 3. Súmula n° 7: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial.” 4. “A jurisprudência da 2ª Seção do STJ consolidou-se no sentido de que em caso de desaparecimento do bem alienado fiduciariamente, é lícito ao credor, após a transformação da ação de busca e apreensão em depósito, prosseguir nos próprios autos com a cobrança da dívida representada pelo “equivalente em dinheiro” ao automóvel financiado, assim entendido o menor entre o seu valor de mercado e o débito apurado.” (REsp 972.583/MG, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, QUARTA TURMA, julgado em 18/10/2007, DJ 10/12/2007, p. 395) 5. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no Ag 1.309.620/ DF, Rel. Ministra MARIA ISABEL GALLOTTI, QUARTA TURMA, julgado em 16/05/2013, DJe 24/05/2013)
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Logo, o juiz errou mais uma vez, ao condenar pessoa pobre na forma da Lei ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios na monta de 10% do valor da condenação. Desde já, aponte-se não haver qualquer prova nos autos em sentido contrário ao da hipossuficiência do assistido. Dessa forma, requer a nulidade da sentença proferida por violar os princípios da ampla defesa, do contraditório, da boa-fé processual e da cooperação, bem como a sua
12. Oportuno destacar, ainda, que não mais se aplica no caso de alienação fiduciária a prisão civil do depositário infiel. Isso porque a hipótese contemplada no Decreto-Lei 911/69 não se enquadra no permissivo constitucional de prisão civil, na modalidade de depositário infiel. A jurisprudência está consolidada sobre sua ilicitude, nos termos da orientação do Supremo Tribunal Federal, firmada na seguinte decisão: EMENTA: PRISÃO CIVIL. Depósito. Depositário infiel. Alienação fiduciária. Decretação da medida coercitiva. Inadmissibilidade absoluta. Insubsistência da previsão constitucional e das normas subalternas. Interpretação do art. 5º, inc. LXVII e §§ 1º, 2º e 3º, da CF, à luz do art. 7º, § 7, da Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José da Costa Rica). Recurso improvido. Julgamento conjunto do RE nº 349.703 e dos HCs nº 87.585 e nº 92.566. É ilícita a prisão civil de depositário infiel, qualquer que seja a modalidade do depósito. (RE 466343, Relator(a): Min. CEZAR PELUSO, Tribunal Pleno, julgado em 03/12/2008, DJe-104 DIVULG 04-06-2009 PUBLIC 05-06-2009 EMENT VOL02363-06 PP-01106). Por fim, indefiro, neste momento processual, o pedido de penhora on line, que poderá ser renovado posteriormente, em eventual fase de execução de título judicial. III. DISPOSITIVO Ante o exposto, julgo procedente o pedido formulado nesta ação de depósito, para condenar o réu ao pagamento da quantia de R$ 7.612,88 (sete mil, seiscentos e doze reais e oitenta e oito centavos), correspondente ao valor do bem recebido em depósito, em valores atualizados monetariamente e acrescidos de juros de mora até janeiro de 2013. Condeno o réu no pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, que fixo em 10% (dez por cento) sobre o valor atualizado da condenação. P.R.I. DANIELLE MACEDO PEIXOTO DE CARVALHO JUÍZA FEDERAL SUBSTITUTA DA 20ª VARA SEÇÃO JUDICIÁRIA DO CEARÁ
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reforma por condenar pessoa pobre na forma da lei ao pagamento de custas e de honorários.2
Foram apresentadas contrarrazões, no sentido de desprovimento do recurso. É o relatório.
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APELAÇÃO
III - SINOPSE PROCESSUAL A Caixa Econômica Federal CEF, em 8 de abril de 2013, ajuizou a presente ação cautelar de busca e apreensão com o objetivo de apreender motocicleta Honda CG 125 FAN-ES BAS, Gasolina, ano/modelo 2011/2012, Placa OCP4676, RENAVAM 352000856, em virtude de inadimplemento das obrigações assumidas pelo ora apelante em contrato de cédula de credito bancário com alienação fiduciária, com credito cedido pelo Banco Panamericano S.A. O apelante cumpriu fielmente suas obrigações até a 11ª parcela, quando ficou impossibilitado de arcar com os custos devido a um problema de saúde que o impediu de trabalhar. Após ação ajuizada pela CEF, o juízo deferiu liminar determinando a busca e apreensão do bem, ordenando sua entrega a fiel depositário, fI. 28. Houve habilitação da Defensoria Pública da União nos autos do processo, bem como pedido para mudança de depositário, recaindo sobre o apelante, isso porque ele utilizava a moto discutida como essencial e imprescindível para o trabalho, com parcial deferimento. Após todo o procedimento e prosseguimento processual, a CEF ingressou com pedido de conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito, com prolação de sentença sem intimação da Defensoria, já habilitada, para apresentação de defesa. Assim, apresenta-se a atual sentença (fls. 187/190) eivada de nulidade, derrubando qualquer ato posterior a ele ligada, por ferimento aos princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa e a mais nova processualística civil, em não se atinar a obrigatoriedade do princípio da cooperação. IV - DAS RAZÕES DE APELAÇÃO IV.I - DA NULIDADE DA SENTENÇA. PRINC[IPIO DA BOA-FÉ PROCESSUAL O magistrado proferiu sentença de procedência (fls. 187/190) em ação de busca e apreensão convertida em ação de depósito, com pedido liminar, para condenar o réu ao pagamento de R$ 7.612,88 correspondente ao valor do bem recebido em depósito, bem como em custas e honorários advocatícios em 10% do valor da condenação atualizado. Acontece que após o pedido da CEF de conversão da ação em depósito não houve intimação da parte ré para se manifestar, mas tão somente concluso ao juízo para prolação da sentença.
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VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ALEXANDRE LUNA FREIRE (Relator): A orientação jurisprudencial do STJ e do STF é no sentido de que a não localização do bem dado em garantia autoriza, nos termos do art. 4º do Decreto-Lei nº 911/69, o prosseguimento do feito a partir da conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito. Na hipótese, considerando que o réu foi regularmente citado na ação de depósito e não apresentou contestação (fls. 177-verso), foi decretada a sua revelia, o que afasta a alegação de nulidade processual.
Dessa forma, houve dano a parte ré por não ter sido respeitado seu direito ao contraditório e a ampla defesa, visto que não teve oportunidades de se manifestar antes da sentença. Ademais, é de se questionar a incoerência do feito: Qual o sentido lógico-processual em primeiro sentenciar (f1187), sem abrir prazo para manifestação do réu, e depois de proferida sentença, intimar a Defensoria para ciência do ocorrido, por estar habilitada nos autos do processo justamente para defesa? Trata-se de violação explícita a boa-fé processual, bem como aos princípios mais comezinhos do direito, como ampla defesa e contraditório. Ademais, ressalte-se o princípio ferido da cooperação, instaurado no art. 6º e com raízes no art. 10 do Código de Processo Civil, veja-se: (...) Tais princípios aplicam-se também ao juiz, razão pela qual errou, gerando nulidade processual. Há de se ressaltar também que o assistido é pobre na forma da lei, por não possuir renda capaz de manter-se e/ou manter sua família tendo que pagar advogado privado, tanto que foi defendido por esta Defensoria. Logo, o juiz errou mais uma vez, ao condenar pessoa pobre na forma da lei ao pagamento de custas processuais e de honorários advocatícios na monta de 10% do valor da condenação. Desde já, aponte-se não haver qualquer prova nos autos em sentido contrário ao da hipossuficiência do assistido. Dessa forma, requer a nulidade da sentença proferida por violar os princípios da ampla defesa, do contraditório, da boa-fé processual e da cooperação, bem como a sua reforma por condenar pessoa pobre na forma da lei ao pagamento de custas e de honorários.
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Por fim, concedo a gratuidade judiciária em favor do réu, ora apelante, a fim de suspender a cobrança dos honorários advocatícios arbitrados pelo prazo de 5 anos, a teor do art. 28, § 3º, do CPC. Isto posto, dou parcial provimento à apelação para conceder a gratuidade judiciária em favor do réu, ora apelante, a fim de suspender a cobrança dos honorários advocatícios arbitrados pelo prazo de 5 anos. É o meu voto.
V - DOS PEDIDOS Diante do exposto, requer a apelante: a) a manutenção e/ou a renovação da concessão do benefício da justiça gratuita, por ser a Apelante pobre, consoante dispõe a Lei n° 1.060/50, bem como que sejam observadas as garantias inerentes à Defensoria Pública da União, especialmente quanto à intimação pessoal e contagem em dobro de todos os prazos; b) o julgamento procedente do presente recurso para que seja anulada a sentença ora recorrida, pelas razões expostas nesta Apelação, de modo que o processo retorne a 1 ª Instância para manifestação da parte, bem como a reforma no que diz respeito a condenação ao pagamento de custas e de honorários; c) a intimação dos réus, em respeito ao contraditório, a ampla defesa, a boa-fé processual e a cooperação, para querendo, apresentarem as contrarrazões; d) a condenação dos recorridos nos honorários de sucumbência. Termos em que pede e espera deferimento. Fortaleza, 13 de outubro 2017. DANIEL TELES BARBOSA DEFENSOR PÚBLICO FEDERAL
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HABEAS CORPUS CRIMINAL Nº 080385426.2019.4.05.0000-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Impetrante: FLAVIANO DA GAMA FERNANDES Impetrado: JUÍZO DA 15ª FEDERAL DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE Paciente: GABRIEL DELANNE MARINHO Adv./Proc.: DR. FLAVIANO DA GAMA FERNANDES (PACTE.) EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. PLEITO DE REVOGAÇÃO DE PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE, ESTABELECIDA PARA GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DO PERICULUM LIBERTATIS. DESPROPORÇÃO DA MEDIDA EXTREMA – ULTIMA RATIO – EM FACE DO ESPECTRO DELITUOSO, EM TESE, ATÉ ENTÃO INVESTIGADO. PACIENTE EMPRESÁRIO DO RAMO DE COMERCIALIZAÇÃO DE MEDICAMENTOS E DE MATERIAL HOSPITALAR, SUPOSTA E DIRETAMENTE BENEFICIADO POR EMENDA PARLAMENTAR DE COINVESTIGADO, A QUAL DESTINOU AO FUNDO MUNICIPAL DE SAÚDE DE TOUROS/RN, O VALOR DE R$ 270.000,00 (DUZENTOS E SETENTA MIL REAIS), PROVAVELMENTE UTILIZADO PELO PACIENTE, À MARGEM DE PROCESSO LICITATÓRIO, PARA O FORNECIMENTO - NÃO OCORRIDO DE MEDICAMENTOS E INSUMOS À UNIDADE HOSPITALAR, NO MÊS DE NOVEMBRO DE 2016. INDÍCIOS DE REITERAÇÃO DELITUOSA NÃO SATISFATORIAMENTE COMPROVADOS. SEVERA CONSTRIÇÃO PATRIMONIAL, DETERMINADA PELO JUÍZO IMPETRANTE, NAS EMPRESAS E CONTAS INDIVIDUAIS DO PACIENTE, COMO MEDIDA SUFICIENTEMENTE BASTANTE A SOBRESTAR FUTURAS PARTICIPAÇÕES DO PA132
CIENTE E DE SUAS EMPRESAS EM CONTRATOS PÚBLICOS. CONCEDIDA MEDIDA LIMINAR DE SOLTURA. IMPÕE-SE MANTER A REVOGAÇÃO DA SEGREGAÇÃO. DEFERIMENTO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS. 1. Alega-se, na inicial, a caracterização de constrangimento ilegal, visto entender a defesa como ausentes os requisitos autorizadores da decretação e da manutenção da medida excepcional inserta no art. 312 do Código de Processo Penal, tornando insubsistente e inidônea, pois, a fundamentação jurídica – necessidade de garantia da ordem pública – para alicerçar e, principalmente, manter o decreto prisional em causa, à vista, inclusive, da possibilidade – que a defesa entende se fazer necessário – de adoção de medidas cautelares diversas da segregação, entre as elencadas nos arts. 282, § 6º, 315 e 319 do Código de Processo Penal. 2. Consta da narrativa inaugural, em resumo, que, concomitantemente ao decreto de segregação do paciente, foi determinada a busca e apreensão, além de bloqueio de bens móveis e imóveis pertencentes às empresas administradas pelo investigado, realçando a impetração a ausência de contemporaneidade de tais atos judiciais constritivos com o espectro da investigação, que remonta ao ano de 2016, voltado à apuração de fraudes licitatórias, lavagem de dinheiro, peculato etc., e, especificamente, à “suposta inexistência de licitação e possível desvio de recursos públicos oriundos de determinada emenda parlamentar destinada ao Fundo Município de Saúde do Município de Touros/RN, no valor de R$ 270.000,00 (duzentos e setenta mil reais), a qual teria sido utilizada para a aquisição de medicamentos e insumos, isso no mês de novembro de 2016”. 133
3. Entre outras teses defendidas na impetração, figuram argumentações em torno da regularidade da atuação do paciente no ramo empresarial, ressaltando que as empresas em foco possuem maciça participação, há muitos anos, em concorrências licitatórias – em número superior a 4.000 (quatro mil) procedimentos –, logrando êxito, todavia, em muitos desses procedimentos. Aduz, ainda, a defesa haver o paciente obtido, em julgamentos desta Corte, várias absolvições em diversos feitos (ações penais e de improbidade administrativa), conforme planilha que trouxe à colação, sendo inconcebível a decisão segregacional se fundar em mera perspectiva de o paciente arregimentar “laranjas”, como forma de reiteração delituosa – ameaça à ordem pública. 4. Em que pese o inconteste acerto do juízo impetrado, no sentido de adotar as severas medidas constritivas, de caráter patrimonial, elencadas na decisão proferida no processo de referência (0800070-46.2019.4.05.8405S, Id. 4058405. 4896855), diretamente voltadas a impactar o patrimônio pessoal do paciente, bem como das empresas administradas pelo mesmo, é de se convir que, inobstante o louvável propósito do juízo a quo, a decretação da segregação do investigado – ultima ratio –, sob o fundamento de ser necessária à garantia da ordem pública, evitando-se, por conseguinte, eventual reiteração delituosa, entremostra-se, in casu – como já exposto na Decisão, desta relatoria, de revogação da custódia preventiva, de Id. 4050000. 14962815) –, prescindível, e, portanto, desinfluente à apuração em curso, quanto ao desiderato de se evitar reiterações criminosas, a par, repita-se, das constrições de ordem patrimonial antes referenciadas, e do cabimento das medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do Código de Processo Penal) – como, efetivamente, determinada a sua adoção, 134
na referenciada decisão desta relatoria –, que, no atual contexto fático-processual, afiguram-se razoável e proporcionalmente adequadas a impedir as cogitadas, no aludido decisum do juízo impetrado, reincidências delitivas. 5. É de se deduzir, no caso específico destes autos, que o somente aventado risco de reiteração delitiva do ora investigado, admitida pelo juízo impetrado, e sob a conjectura de o paciente cooptar “laranjas” para integrar o quadro societário de suas empresas e, ato contínuo, contratar com entes públicos, não se entremostra, por si só, capaz de justificar a manutenção da segregação do empresário, ora paciente, quando inexiste, por enquanto, comprovação minimamente satisfatória de sua iminente concretização. Aliás, seria, então, o caso, patenteada a violação às medidas substitutivas da prisão, de pronta revogação da benesse, à vista da ocorrência, extreme de dúvidas, de contumácia em situações de análoga fattispecie delituosa. 6. Ademais, necessário se faz delimitar o espectro, em tese, delituoso, que ensejou a prisão do paciente, a saber, o restrito, especificamente, ao fato circunscrito ao episódio, pontual, assim delineado pelo Custos Legis, em seu Parecer colacionado aos presentes autos (Id. 4050000.15107850), apesar de conteúdo contrário à soltura do paciente, como sendo, o de desvio de recursos públicos, na ordem de R$ 269.999,97, oriundos da Emenda Parlamentar 81000450 e destinados ao Fundo Municipal de Saúde do Município de Touros/RN. 7. Daí que desmerece considerar, para o específico desiderato de supedanear o decreto prisional em causa, suspeitas outras, colhidas em desdobramentos investigativos, ainda, portanto, passíveis de adequada comprovação, de eventuais reiterações delituosas decorrentes, em 135
tese, de movimentações de vultoso numerário em contas bancárias empresariais e pessoais, porventura associadas aos últimos contratos públicos, envolvendo as empresas do paciente e, eventualmente, seus prepostos, para além, portanto, da mencionada conduta que importou, em tese, no desvio “de recursos públicos na ordem de R$ 269.999,97, oriundos da emenda parlamentar 81000450 e destinados ao Fundo Municipal de Saúde do município de Touros/RN”, que, repita-se, não se afigura, nesta fase investigativa, justificante e proporcional à manutenção da segregação em causa. 8. Assim é que, à míngua de elementos isentos de dúvidas, quanto à somente aventada possibilidade de vir o investigado, aqui paciente, a reincidir nas práticas que deram azo às constrições judiciais em evidência – incluindo-se a de ordem patrimonial –, impõe-se manter a medida liminar liberatória da segregação (Id. 4050000. 14962815), em que se determinou ao juízo impetrado, na sequência, a adoção de quaisquer das medidas substitutivas da prisão, entre as previstas no art. 319 do CPP, inclusive em número compatível com a necessidade de fazer cessar eventual atuação do paciente no cenário investigado nos autos – quer agindo de motu proprio, quer através das empresas investigadas. 9. Refoge, de outra banda, ao originário e delimitado espectro fático-processual veiculado neste mandamus, voltado, exclusivamente, à análise específica da legalidade dos fundamentos da segregação do paciente, perquirir acerca da procedibilidade da insurgência, de natureza secundária – colacionada em momento posterior ao oferecimento da manifestação ministerial, e a exigir a prestação de novos pronunciamenteos do juízo impetrado, bem como do Custos Legis –, quanto à idoneidade das justificativas adotadas pelo ju136
ízo impetrado, quando da fixação dos valores da fiança imposta para a soltura do paciente, pelo que não se toma conhecimento – pela estreiteza da via eleita – de tal pretensão, formulada através da petição e dos documentos anexados (Id. 4050000.15379670). 10. Porquanto ausente comprovação do periculum libertatis, convalidados os termos e comandos da medida liminar liberatória da segregação (Id. 4050000.14962815), concede-se, em definitivo, a ordem de habeas corpus reclamada nestes autos. 11. Concedida a ordem de habeas corpus. ACÓRDÃO Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 10 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO: Cuida-se, em síntese, de habeas corpus liberatório, em que se postula, liminarmente (Id. 4050000.14936609), a revogação – a ser posteriormente confirmada pelo colegiado – da prisão preventiva decretada pelo juízo de primeiro grau, ora impetrado, em desfavor do paciente GABRIEL DELANNE MARINHO, qualificado como empresário e contador. Alega-se, na inicial, a caracterização de constrangimento ilegal, visto entender a defesa como ausentes os requisitos autorizadores da decretação, e da manutenção, da medida excepcional inserta 137
no art. 312 do Código de Processo Penal, tornando insubsistente e inidônea, pois, a fundamentação jurídica – necessidade de garantia da ordem pública – para alicerçar e, principalmente, manter o decreto prisional em causa, à vista, inclusive, da possibilidade – que a defesa entende se fazer necessário – de adoção de medidas cautelares diversas da segregação, entre as elencadas nos arts. 282, § 6º, 315 e 319 do Código de Processo Penal. Consta da narrativa inaugural, em resumo, que, concomitantemente ao decreto de segregação do paciente, foi determinada a busca e apreensão, além de bloqueio de bens móveis e imóveis pertencentes às empresas administradas pelo investigado, realçando a impetração a ausência de contemporaneidade de tais atos judiciais constritivos com o espectro da investigação, que remonta ao ano de 2016, voltado à apuração de fraudes licitatórias, lavagem de dinheiro, peculato etc., e, especificamente, à “suposta inexistência de licitação e possível desvio de recursos públicos oriundos de determinada emenda parlamentar destinada ao Fundo Município de Saúde do Município de Touros/RN, no valor de R$ 270.000,00 (duzentos e setenta mil reais), a qual teria sido utilizada para a aquisição de medicamentos e insumos, isso no mês de novembro de 2016”. Alega, ainda, a parte impetrante, em relação à decretação da prisão do paciente, ora combatida: Fundamenta ainda a necessidade da prisão, pelo fato do PACIENTE, exclusivamente quando na frente da administração das empresas investigadas, teria nos últimos 6 (seis) meses se sagrado vencedor em 37 (trinta e sete) procedimentos licitatórios, cujos valores somados desses procedimentos giram em torno de R$ 10 milhões de reais, o que no ver da autoridade coatora tais números indicariam o potencial risco de reiteração criminosa, visto que o PACIENTE já responde a outras ações penais e de improbidade administrativa, mesmo ignorando o fato de INEXISTIR qualquer investigação ou mesmo denúncia anônima de que essas 37 (trinta e sete) licitações tivessem alguma irregularidade.
Entre outras teses defendidas na impetração, figuram argumentações em torno da regularidade da atuação do paciente no 138
ramo empresarial, ressaltando que as empresas em foco possuem maciça participação, há muitos anos, em concorrências licitatórias – em número superior a 4.000 (quatro mil) procedimentos –, logrando êxito, todavia, em muitos desses procedimentos. Aduz, ainda, a defesa haver o paciente obtido, em julgamentos desta Corte, várias absolvições em diversos feitos (ações penais e de improbidade administrativa), conforme planilha que trouxe à colação, sendo inconcebível a decisão segregacional se fundar em mera perspectiva de o paciente arregimentar “laranjas”, como forma de reiteração delituosa – ameaça à ordem pública. Após o desenvolvimento de vasta argumentação fático-jurídica, apoiada, inclusive, em ementário jurisprudencial que a defesa entende essencial à proposição ora posta, pugnou-se, liminarmente, pela expedição de Alvará de Soltura, com a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, como antes referenciado. A pretensão liminar foi deferida, com a consequente expedição da ordem de soltura do paciente (Id. 4050000.14962815). Informações, pelo juízo impetrado, regularmente apresentadas (Id. 4050000.14994852). O Ministério Público Federal – Custos Legis – apresentou o Parecer nº 7970/2019 (Id. 4050000.15107850), em sentido contrário ao requerimento vertido nestes autos. Através da Decisão de Id. 4050000.15448474, esta relatoria decidiu, em face de peticionamento da parte impetrante – relacionado ao arbitramento, na origem, dos valores da fiança –, transferir o enfrentamento de tal pleito ao julgamento do mérito deste writ. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO (Relator): Transcrevo excertos dos fundamentos empregados pelo juízo a quo (processo de referência 0800070-46.2019.4.05.8405S, Id. 4058405.4896855), verbis:
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DECISÃO Inicialmente, saliente-se que a presente decisão analisará os pedidos constantes nos Processos nº 080006439.2019.4.05.8405 e nº 0800070-46.2019.4.05.8405, uma vez que referentes às mesmas pessoas e fatos. O Processo nº 0800064-39.2019.4.05.8405 trata de pedido de prisão preventiva em face de GABRIEL DELANNE MARINHO e de busca e apreensão contra NEY ROCHA LEITE, CRISTINA MARIA PAIXA DE ARAÚJO ROCHA, GABRIEL DELANNE MARINHO, RUY ARANHA MARINHO JUNIOR, ARTMED COMERCIAL EIRELI e MARINHO E MELO DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS E MATERIAIS HOSPITALAR LTDA., formulados pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL. O Processo nº 0800070-46.2019.4.05.8405 diz respeito a pedido de sequestro de bens em desfavor de GABRIEL DELANNE MARINHO, ARTMED COMERCIAL EIRELI e MARINHO E MELO COMÉRCIO VAREJISTA DE MEDICAMENTOS E MATERIAL HOSPITALAR LTDA. De acordo com o MPF, segundo a petição inicial do Processo nº 0800064-39. 2019.4.05.8405: (a) investiga-se o possível desvio de recursos públicos oriundos da emenda parlamentar 81000450, destinada ao Fundo Municipal de Saúde do Município de Touros/ RN durante a gestão do ex-prefeito Ney Rocha Leite (2013 - 2016). O valor destinado ao município mencionado por meio da referida emenda foi de R$ 269.999,97 (duzentos e sessenta e nove mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete centavos), que teriam sido utilizados para a compra de medicamentos e insumos (244.597 itens), no mês de novembro de 2016, à empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI, CNPJ 04.361.467/0001-18; (b) o material supostamente adquirido não foi encontrado nos estoques do Hospital Municipal Ministro Paulo de Almeida Machado, para onde deveriam ter sido encaminhados, embora o pagamento à ARTMED COMERCIAL EIRELI tenha sido realizado; (c) o Município de Touros/RN informou ao MPF, ainda, que o referido hospital estava fechado há 60 dias, não 140
havendo demanda apta a esgotar o grande volume de medicamentos supostamente adquiridos por meio da referida emenda, acrescentando que não foi localizado o respectivo procedimento licitatório para a compra e que, instado a se manifestar, o ex-prefeito Ney Rocha Leite quedou-se inerte, havendo sérios indícios de desvio de recursos públicos, crimes contra as licitações e lavagem de dinheiro; (d) buscou-se junto ao TCE/RN informações acerca de eventual registro de licitação envolvendo a empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI e a Prefeitura de Touros/RN no ano de 2016 e a resposta foi pela inexistência de tal registro, o que evidenciaria a realização de compra sem qualquer procedimento licitatório; (e) outro ponto importante segundo o Parquet diz respeito às 05 (cinco) primeiras transferências realizadas em favor da ARTMED COMERCIAL EIRELI, que ocorreram em 30/11/2016, um dia após o crédito do valor total da emenda (fl. 56); (f) após a quebra do sigilo bancário da ARTMED COMERCIAL EIRELI e de seu sócio-administrador, GABRIEL DELANNE MARINHO, deferida nos autos do processo n° 0800325-72.2017.4.05.8405 (15ª VF/ SJRN), constatou-se que a empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI recebeu, na conta 770000, ag. 2870, do Banco do Brasil, todos os valores relativos à emenda 81000450. A análise dos cheques utilizados para movimentar a conta revelou a existência de movimentações suspeitas na conta do sócio-administrador da ARTMED COMERCIAL EIRELI, GABRIEL DELANNE MARINHO, mais especificamente em relação a três cheques (n° 852292, 852289 e 852290, respectivamente de R$ 10.000,00, R$ 15.220,00 e R$ 16.000,00) debitados em favor de Ruy Aranha Marinho Junior; (g) Ruy Aranha Marinho Junior, segue o Parquet, teve vínculo com a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Norte em 2013, possui filiação partidária (PSDB) e foi doador de campanha de Rogério Simonetti Marinho ao cargo de Deputado Federal em 2006 e para o cargo de prefeito em 2012, candidato também pelo PSDB. A informação seria relevante porque os recursos públi141
cos depositados na conta da empresa ARTMED têm origem em emenda parlamentar de autoria do hoje ex-deputado Rogério Marinho. Não haveria notícia também de que Ruy Aranha exerça alguma atividade no âmbito das relações usuais com uma distribuidora de medicamentos. Diante de tais indícios, o MPF requereu igualmente a quebra do sigilo bancário de Ruy Aranha Marinho Junior, o que foi deferido por este juízo; (h) realizada a oitiva de várias pessoas beneficiadas por valores debitados da conta de GABRIEL DELANNE MARINHO, THAELYKA KRISNA ALVES DE ARAÚJO, beneficiária do Cheque n° 852271, no valor de R$ 212.000,00 (duzentos e doze mil reais), datado de 24/11/2016, informou que não conhece e não celebrou negócios com a ARTMED e que não recebeu a quantia em questão. Após contato telefônico com seu marido, afirmou que ele e GABRIEL DELANNE MARINHO são amigos e que o valor referido seria referente a venda de um veículo da marca Range Rover para GABRIEL DELANNE, que teria pago de forma fracionada, metade para a declarante, metade para Maria Sandra Nunes Duarte do Santos, mãe de Giulliano (marido de THAELYKA). O MPF chama à atenção para o fato de que inicialmente o veículo em questão pertencia a GABRIEL, que vendeu para Abílio, dono da concessionária PG PRIME, que, por sua vez, vendeu para Giulliano, marido da declarante, que, por fim, vendeu de volta para GABRIEL, o que revelaria indícios de lavagem de dinheiro na transação. MARIA SANDRA NUNES DUARTE DOS SANTOS afirmou não conhecer a empresa ARTMED ou GABRIEL DELLANE MARINHO e disse desconhecer o cheque n° 852270, de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), depositados em sua conta. FABIANA GUEDES MACHADO e EUCLIDES BENTO DA SILVA NETO, funcionários da ARTMED, beneficiários dos cheques n° 852265 e 852283, no valor de R$ 35.000,00 (trinta e cinco mil reais) e R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), afirmaram que sacavam e entregavam os valores sacados, de forma rotineira, ao setor financeiro da empresa. Nesse ponto, alerta o MPF, EUCLIDES BENTO DA SILVA NETO sacou R$ 1.781.462,84 (um milhão setecentos e oitenta e um mil quatrocentos e 142
sessenta e dois reais e oitenta e quatro centavos) em 37 operações realizadas, quantia expressiva sacada em espécie que constituiria forte indício de ocultação e dissimulação do destino de tais valores, em operações típicas de lavagem de dinheiro; (i) considerando esse cenário e as evidências já obtidas, realizou-se operação conjunta com a Controladoria-Geral da União (fl. 1371) que resultou na descoberta dos seguintes detalhes: “a) O cruzamento dos dados cadastrais, vínculos societários e de parentesco entre os sócios da ARTMED (CNPJ 04.361.467/0001-18) demonstra que ela e a MARINHO E MELO COMÉRCIO VAREJISTA DE MEDICAMENTOS E MATERIAL HOSPITALAR LTDA. (CNPJ 18.457.707/0001-97) constituem um grupo econômico que atua no ramo de insumos e equipamentos hospitalares; b) Do cotejo das informações constantes na RAIS e no CAGED depreende-se a transferência de alguns funcionários entre as empresas do grupo econômico, as quais, inclusive, possuem o mesmo contador (Aélio Luís Fonseca de Araújo, CPF 423.302.464-04) c) A ARTMED COMERCIAL EIRELI foi vencedora em licitações ou favorecida em processos de adesão a atas de registro de preços para aquisição de medicamentos, materiais e insumos médicohospitalares e odontológicos que somam o total de R$ 9.803.549,67 apenas no período de 01/07/2018 a 18/01/2019, segundo dados do Diário Oficial dos municípios do Rio Grande do Norte. Por outro lado, a empresa MARINHO E MELO COMÉRCIO VAREJISTA DE MEDICAMENTOS E MATERIAL HOSPITALAR LTDA. foi favorecida, da mesma maneira e no mesmo período, com o montante de R$ 617.233,09”. Com base em tais fatos, o Órgão Ministerial entende terem sido demonstrados indícios da prática de desvio de recursos públicos (art. 1°, I, do Decreto-Lei n° 201/67 ou art. 312 do Código Penal), dispensa indevida de licitação (art. 89 da Lei n° 8.666/93) e lavagem de capitais (art. 1° da Lei n° 9.613/98). Quanto ao pedido de prisão preventiva de GABRIEL DELANNE MARINHO, o MPF aduz que os elementos de convicção 143
colhidos pela investigação até o momento demonstram com robustez o desvio de verba pública destinada à área da saúde, o que torna o cenário ainda mais grave, bem como que há indícios de possível pagamento de vantagem indevida a Ruy Aranha Marinho Junior, pessoa vinculada ao então parlamentar autor da emenda, o ex-deputado Rogério Marinho. Por esse prisma, segundo o MPF, a decretação da prisão preventiva de GABRIEL DELANNE MARINHO deve ser deferida com vistas a evitar a reiteração criminosa, sobretudo se for levado em consideração que as empresas por ele comandadas, de acordo com informações da CGU, celebraram, apenas nos últimos 06 (seis) meses, 37 contratos com pequenos Municípios do Estado, alcançando a expressiva cifra de R$ 10.420.782,76 (dez milhões quatrocentos e vinte mil setecentos e oitenta e dois reais e setenta e seis centavos). Ainda de acordo com o MPF, GABRIEL DELANNE MARINHO é contumaz praticante de ilícitos ligados a desvio de recursos públicos. Por essa linha, GABRIEL DELANNE teria assumido, no bojo do Inquérito Policial n° 0688/2008, exercer a administração de fato da empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI desde antes de ingressar formalmente em seu corpo societário, em 2008, de modo que tal fato indicaria a utilização de laranjas no quadro societário e para firmar contratos com entes públicos. Segue o MPF alegando que Elizabete Lima Avelino dos Santos e a ARTMED COMERCIAL EIRELI foram condenadas pela prática de ato de improbidade administrativa no Processo n° 0000037-11.2013.4.05.8402, em razão de irregularidades no Convênio n° 402/2007, firmado entre o Ministério da Saúde e a FUSEC (Fundação Seridó Central). De acordo com o MPF, o modus operandi foi muito semelhante ao tratado nestes autos. Assevera o Parquet que GABRIEL DELANNE MARINHO e ELISABETE MARINHO foram condenados na Ação Penal n° 0001073-26.2015.4.05.8400 pela prática do crime previsto no art. 90 da Lei n° 8.666/93 (fraude à licitação), por terem, na condição de representantes da ARTMED, simulado, em conluio com outros agentes, procedimento licitatório utilizando-se de documentos falsos.
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Arremata o MPF asseverando que “(...) existem diversos inquéritos policiais, inquéritos civis e ações penais em face de GABRIEL DELANNE MARINHO, o que, em conjunto com os demais elementos de informação, demonstram a necessidade do decreto cautelar”. Quanto à busca e apreensão requerida em face de NEY ROCHA LEITE, CRISTINA MARIA PAIVA ARAÚJO ROCHA, GABRIEL DELANNE MARINHO, RUY ARANHA MARINHO JUNIOR, ARTMED COMERCIAL EIRELI e MARINHO E MELO DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS E MATERIAIS HOSPITALAR LTDA., o MPF aduziu que: a busca e apreensão afigura-se como medida necessária e adequada para a procura por elementos de informação, eis que possibilitará aos investigadores a coleta de dados relacionados à execução dos crimes apontados, especialmente documentos relacionados às contratações da empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI com o Município de Touros/RN, a exemplo de notas fiscais, ordens de pagamento, notas de empenho e outros de interesse da investigação. Além disso, a busca e apreensão poderá auxiliar a desvendar a participação de outras pessoas envolvidas no fato criminoso, até então ocultas da investigação, além de esclarecer a exata participação de RUY ARANHA MARINHO JUNIOR nos fatos e sua relação com GABRIEL DELANNE MARINHO. Sobre a MARINHO E MELO DISTRIBUIDORA DE MEDICAMENTOS E MATERIAIS HOSPITALAR LTDA., como já mencionado, restam fortes suspeitas de atuação em conjunto com a ARTMED, na forma de grupo econômico comandado por GABRIEL DELANNE MARINHO. A confusão na administração das empresas e a utilização de ambas para a celebração de diversos contratos com municípios do estado amparam a necessidade de expedição de mandado de busca em sua sede. De mais a mais, as buscas a serem realizadas nos endereços residenciais de NEY ROCHA LEITE e CRISTINA MARIA PAIVA ARAÚJO ROCHA justificam-se pelo grau de parentesco e pelo vínculo de confiança existente entre ambos, assim como pelos cargos ocupados à época dos fatos (...).
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É o relatório. Decido. Do pedido de prisão preventiva de GABRIEL DELANNE MARINHO Para a decretação da prisão preventiva, a lei exige a presença do fumus boni juris e do periculum in mora insculpidos sob a égide do art. 312 do Código de Processo Penal. Aquele requisito diz respeito à prova do crime e, pelo menos, indícios suficientes de sua autoria, enquanto este se refere aos fundamentos legitimadores da decretação da prisão preventiva. Aqui não cabe discussão quanto aos aspectos referentes à primariedade ou aos antecedentes criminais. É que à decretação de prisão preventiva reclama-se, em primeiro plano, que estejam presentes a materialidade do ilícito e indícios suficientes de que o acusado seja o seu autor, agregando-se uma das seguintes circunstâncias: garantia da ordem pública ou econômica, conveniência da instrução criminal ou garantia da aplicação da lei penal. No caso em exame, entendo que se fazem presentes tanto os pressupostos quanto os fundamentos de tal medida para o acusado GABRIEL DELANNE MARINHO. (...) (...) Observa-se que está presente um dos fundamentos previstos no art. 312 supracitado, a saber, a garantia da ordem pública. Nada obstante a elasticidade que essa locução comporta, deve o juiz ser bastante criterioso na aplicação desse fundamento sob pena de, a pretexto de fazer justiça, cometer reprovável ilegalidade com a prática de atos açodados e divorciados de embasamento jurídico. Discorrendo sob a acepção do referido instituto, o professor Luiz Flávio Gomes, em artigo intitulado “Garantia da ordem pública e a prisão preventiva no caso Nardoni – Danilo Andreato”, com a propriedade que lhe é peculiar, lecionou que (grifo não original): Numa explicação breve e singela, o que se pretende tutelar com o encarceramento preventivo fundado na garantia da ordem pública é a paz pública. Busca146
-se evitar que outras pessoas fiquem expostas aos cidadãos, em tese, responsáveis pela infração penal sob apuração. Em sucintas palavras, cuida-se de uma visão de periculosidade projetada no tempo, uma periculosidade pro futuro; um juízo valorativo provável e firmado com base em fatos pretéritos, por óbvio. Delimitando os contornos e definindo a sua finalidade, como já decidiu em diversas oportunidades o Supremo Tribunal Federal, a garantia da ordem pública, dentre os seus objetivos, tem por escopo evitar a reiteração de ações criminosas, resguardando com isso a sociedade de sofrer as investidas dos agentes infratores (HC 84.658/ PE, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJ 03/06/2005). Na mesma linha, é aplicável a prisão preventiva com suporte na ordem pública “pelo perigo que o agente representa para a sociedade como fundamento apto à manutenção da segregação” (HC 90.398/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJ 18/05/2007). No caso em tela, quanto à materialidade do crime, vê-se que a inexistência de registro de licitação para a Prefeitura de Touros/RN, no ano de 2016, tendo como empresa vencedora a ARTMED COMERCIAL EIRELI, junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Norte, somado ao fato de que os pagamentos foram efetivamente realizados e que, tendo sido a compra realizada no final de 2016 (novembro), próximo ao término do mandato do então Prefeito Ney Rocha Leite, quando a nova gestão assumiu, pouco tempo depois (início de 2017), não encontrou os medicamentos e insumos que supostamente haviam sido adquiridos, isso para um hospital que estava há 60 (sessenta) dias fechado, sem demanda de utilização, e que teria recebido compra capaz de dar vazão a seis meses de demanda, portanto, são elementos suficientes para indícios consistentes da ocorrência dos crimes indicados pelo MPF. Nesse sentido, IVANÍSIA MARIA ALVES DUARTE, atual Secretária de Saúde de Touros/RN, ouvida no bojo do Inquérito Civil n° 1.28.000.001386/2017-97, afirmou que (grifos não originais): QUE fazia parte da equipe de transição e seria nomeada coordenadora da atenção básica; QUE perguntada 147
sobre a emenda parlamentar objeto dos autos, tem a dizer que quando da visita realizada pela equipe de transição, na última semana de 2016, tem a dizer que encontrou o hospital em situação de abandono, há 72 horas com profissionais em greve, porque fazia dois meses sem receber o pagamento; (...) QUE o motivo da visita era que os participantes queriam fazer um levantamento de todos os insumos existentes para poder iniciar as atividades da nova gestão; QUE a declarante não pode garantir a quantidade de insumos existentes no hospital no momento da visita, mas pode afirmar que era muito precário; (...) QUE pode afirmar, no entanto, que os insumos então encontrados no almoxarifado não eram em quantidade compatível com aqueles descritos no plano de trabalho da emenda; QUE o montante repassado pela emenda para aquisição de insumos para um prazo de seis meses; QUE a Diretora na época era Cristina Rocha, que não teve contato nenhum com ela depois que soube da emenda; QUE não sabe afirmar com segurança, mas acredita que Cristina Rocha tinha parentesco com o então prefeito, pois já ouviu falar “meu sobrinho”, se referido ao então prefeito; (Id. 4861219 - p. 15). Da mesma forma, REGIANE GONÇALVES DE MELO, também integrante da equipe de transição da gestão que assumiu o Município de Touros em 2017, afirmou que (grifos não originais): QUE fazia parte da equipe de transição e seria nomeada coordenadora da atenção básica; QUE perguntada sobre a emenda parlamentar objeto dos autos, tem a dizer que quando da visita realizada pela equipe de transição, na última semana de 2016, tem a dizer que encontrou o hospital em situação de abandono, há 72 horas com profissionais em greve, porque fazia dois meses sem receber o pagamento; (...) QUE o motivo da visita era que os participantes queriam fazer um levantamento de todos os insumos existentes para poder iniciar as atividades da nova gestão; QUE a declarante não pode garantir a quantidade de insumos existentes no hospital no momento da
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visita, mas pode afirmar que era muito precário; (...) QUE pode afirmar, no entanto, que os insumos então encontrados no almoxarifado não eram em quantidade compatível com aqueles descritos no plano de trabalho da emenda; QUE o montante repassado pela emenda para aquisição de insumos para um prazo de seis meses; QUE a Diretora na época era Cristina Rocha, que não teve contato nenhum com ela depois que soube da emenda; QUE não sabe afirmar com segurança, mas acredita que Cristina Rocha tinha parentesco com o então prefeito, pois já ouviu falar “meu sobrinho”, se referido ao então prefeito; (Id. 4861219 - p. 15). Da mesma forma, REGIANE GONÇALVES DE MELO, também integrante da equipe de transição da gestão que assumiu o Município de Touros em 2017, afirmou que (grifos não originais): QUE exercia a função de uma espécie de consultora no início da gestão do Sr. Francisco de Assis Pinheiro, prefeito que sucedeu o gestor anterior, Ney Rocha Leite; (...) QUE perguntada especificamente sobre a emenda parlamentar objeto dos autos, disse que sabe do que se trata, que é para aquisição de insumos; QUE quando do início da nova gestão foram identificados o plano de trabalho da emenda; QUE os recursos da referida emenda já não se encontravam na conta; (...) QUE lido o teor das declarações de ANA CELI, conforme fl. 5 dos autos, confirma que estava presente na visita mencionada; QUE tal visita ocorreu em 30 ou 31 de dezembro de 2016, se deu em razão da preocupação dos gestores para evitar o desabastecimento de insumos e medicamentos no hospital; QUE essa emenda parlamentar em particular chamou atenção porque estava relacionada com o abastecimento de insumos do hospital, e havia previsão na própria emenda que ela custearia o abastecimento do hospital por seis meses, mas os insumos não foram encontrados no hospital; QUE no dia da visita mencionada a declarante e demais participantes (da visita) não tinham conhecimento da emenda, que só foi descoberta em razão da necessidade de prestar contas; QUE perguntada qual era a situação do hospital 149
encontrada na visita, disse que estava muito desabastecido; (...) QUE o fato chamou atenção justamente porque os recursos haviam sido gastos, mas os insumos não foram encontrados no hospital; (Id. 4861219 - p. 18). Conquanto ELIEGE DA SILVA OLIVEIRA, Secretária de Saúde do Município de Touros/RN de junho de 2015 a dezembro de 2016, tenha dito que “(...) os recursos foram usados e os medicamentos foram adquiridos” e que “deixaram tudo lá no hospital Ministro Paulo Machado” (Id. 4861194 - p. 7/13), suas declarações foram infirmadas não apenas por membros da equipe de transição seguinte, mas pela própria realidade fática e por profissionais que trabalhavam no hospital que relataram a ausência de insumos e medicamentos. Quanto a isso, declarou FRANCISCO ALVES DE SOUZA, lotado no almoxarifado do referido hospital há mais de 10 anos: QUE todos os insumos destinados ao hospital em questão eram armazenados no almoxarifado; QUE confirma que o almoxarifado do referido hospital encontrava-se constantemente desabastecido entre os anos de 2013 a 2016; QUE no final da gestão de Ney Rocha Leite a situação se agravou mais ainda, a ponto de o serviço quase ser interrompido, o que causou graves prejuízos à população; (...) QUE as notas fiscais de entrega de insumos da gestão anterior eram entregues diretamente à CRISTINA ROCHA; QUE possui conhecimento que a empresa ARTMED era uma das fornecedoras do município durante a gestão de Ney Rocha Leite; QUE as entregas realizadas pela ARTMED eram sempre em pequena quantidade, as quais eram suficientes para apenas um mês de atividades do hospital (...); (Id. 4861257 - p. 10/11). Como dito, os elementos de informação anexados aos autos caracterizam indícios robustos da ocorrência de crime, seja pela ausência de realização de procedimento licitatório para a aquisição dos medicamentos e insumos, para os quais foram destinados R$ 269.999,97 (duzentos e sessenta e nove mil novecentos e noventa e nove reais e noventa e sete centavos) via emenda parlamentar (n° 81000450), seja pelo aquisição de produto não entregue, o que caracteriza possível desvio de recursos públicos, sendo certo que a 150
confirmação de tais crimes, assim como a revelação de outros, pode advir com o aprofundamento da investigações, que, ressalte-se, ainda não foram encerradas. No que toca à possibilidade de reiteração da conduta e, portanto, da necessidade de salvaguardar a ordem pública, vê-se que a empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI e uma de suas sócias, ELISABETE LIMA AVELINO, foram condenados, no processo n° 0000037-11.2013.4.05.8402, julgado pela 9ª Vara Federal desta Seção Judiciária, às penas do art. 12, II, da Lei n° 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), por terem contribuído para perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação de bens ou haveres públicos, bem como frustrado a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou os dispensado indevidamente (art.10, caput, VIII, da Lei n° 8.429/92), a ressarcir o Erário e foram proibidas de contratar com o Poder Público pelo prazo de 5 (cinco) anos. ELISABETE teve ainda decretada a suspensão dos direitos políticos e ao pagamento de multa. Embora ainda não transitada em julgado, o modus operandi identificado em tal processo, como destacado pelo MPF, é bastante semelhante ao indicado aqui nos autos: recebimento de verba oriunda de emenda parlamentar destinada à aquisição de medicamentos, participação da empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI, valor do contrato/ convênio efetivamente pago, e, apesar disso, objeto não cumprido. No caso do processo mencionado, apenas 3,67% dos medicamentos que deveriam ter sido fornecidos foram efetivamente entregues. Apesar de só ter ingressado formalmente no corpo societário da ARTMED em 2008, o acusado GABRIEL DELANNE MARINHO afirmou, no corpo do IPL n° 0688/2008, que “(...) antes de ingressar formalmente no quadro social daquela empresa já exercia sua administração de fato, tendo sido responsável pela atuação da área comercial e participação nas licitações”, disse, ainda, que as sócias CÁTIA MARIA e ELISABETE LIMA não tinham “qualquer atuação em licitações” e que “nenhuma das citadas tinha qualquer poder de gestão ou autonomia na administração da empresa, sendo este encargo do próprio declarante”, 151
o que demonstra que a condução da empresa ARTMED, sobretudo quanto a procedimentos licitatórios, é atribuição do investigado (Id. 4861462). Ademais, na Ação Penal n° 0001073-26.2015.4.05.8400, julgada pela 2ª Vara Federal desta Seção Judiciária, GABRIEL DELANNE MARINHO e ELISABETE LIMA AVELINO MARINHO foram condenados pela prática do crime de fraude à licitação (art. 90 da Lei n° 8.666/93) à pena de 2 (dois) anos de detenção e ao pagamento de multa de 2% (dois por cento) do valor do procedimento licitatório fraudado. Considerando que atualmente GABRIEL DELANNE MARINHO é formalmente sócio-administrador da empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI, empresa contratada pela Prefeitura de Touros/RN para fornecer medicamentos e insumos àquele Município, que, pelo que exsurge dos autos, não foram entregues, e cuja contratação, igualmente pelo que se tem no processo, não foi precedida de procedimento licitatório, tem-se por configurado o reclamado indício de autoria. Ainda quanto ao risco concreto de reiteração criminosa aqui reconhecido e à consequente necessidade de salvaguardar a ordem pública, observa-se que a empresa ARTMED COMERCIAL EIRELI, capitaneada pelo acusado GABRIEL DELANNE MARINHO, está envolvida/citada em diversos eventos relacionados a fraudes em licitação e desvio de dinheiro público. Nesse sentido, além dos processos acima citados, o MPF juntou, nos Ids. 4861472 e 4861477, vasta lista de inquéritos policiais, ações civis públicas e ações penais envolvendo a ARTMED e o acusado GABRIEL DELANNE MARINHO, o que revela, como dito, em concreto, a existência de indícios que apontam para esquema consolidado de fraudes à licitações, bem como de desvio de verbas públicas, de modo que a ligação da empresa e de seu sócio a tantos casos, assim como a existência de tantos outros contratos firmados entre ela e diversos Municípios deste Estado em vigor, conduzem ao juízo de necessidade de segregação cautelar de GABRIEL DELANNE MARINHO, na condição de administrador da ARTMED COMERCIAL EIRELI, com o escopo de proteger a ordem pública contra a possibilidade de reiteração das condutas narradas nestes autos. Por fim, além de preenchido o requisito do art. 312 do Código de Processo Penal, resta observado o do art. 313, I, da mes152
ma lei, uma vez que a pena privativa de liberdade máxima para os crimes de desvio de recursos públicos (art. 1º, I, do Decreto-Lei n° 201/67), peculato (art. 312 do Código Penal), dispensa indevida de licitação (art. 89 da Lei n° 8.666/93) e lavagem de capitais (art. 1° da Lei n° 9.613/98), indicados pelo MPF, é superior a 4 (quatro) anos. Registre-se que o perigo de reiteração criminosa é atual e iminente. Como asseverado, apenas nos últimos 06 (seis) meses, as empresas por ele comandadas celebraram 37 (trinta e sete) contratos com pequenos municípios, pactos esses que somam a expressiva cifra de R$ 10.420.782,76 (dez milhões quatrocentos e vinte mil setecentos e oitenta e dois reais e setenta e seis centavos). É caso, pois, de acolhimento do pedido de decretação de prisão preventiva de GABRIEL DELANNE MARINHO. (...) (Grifos no original)
Pois bem. Em que pese o inconteste acerto do juízo impetrado, no sentido de adotar as severas medidas constritivas, de caráter patrimonial, elencadas na decisão proferida no processo de referência (Id. 0800070-46.2019.4.05.8405S, Id. 4058405. 4896855), diretamente voltadas a impactar o patrimônio pessoal do paciente GABRIEL DELANNE MARINHO, bem como das empresas administradas pelo mesmo, é de se convir que, inobstante o louvável propósito do juízo a quo, a decretação da segregação do investigado – ultima ratio –, sob o fundamento de ser necessária à garantia da ordem pública, evitando-se, por conseguinte, eventual reiteração delituosa, entremostra-se, in casu – como já exposto na decisão, desta relatoria, de revogação da custódia preventiva, de Id. 4050000.14962815) –, prescindível e, portanto, desinfluente à apuração em curso, quanto ao desiderato de se evitar reiterações criminosas, a par, repita-se, das constrições de ordem patrimonial antes referenciadas, e do cabimento das medidas cautelares diversas da prisão (art. 319 do Código de Processo Penal) – como, efetivamente, determinada a sua adoção, na referenciada decisão desta relatoria –, que, no atual contexto fático-processual, afiguram-se razoável e proporcionalmente adequadas a impedir as cogitadas, no aludido decisum do juízo impetrado, reincidências delitivas. 153
É de se deduzir, no caso específico destes autos, que o somente aventado risco de reiteração delitiva do ora investigado, admitida pelo juízo impetrado, e sob a conjectura de o paciente cooptar “laranjas” para integrar o quadro societário de suas empresas e, ato contínuo, contratar com entes públicos, não se entremostra, por si só, capaz de justificar a manutenção da segregação do empresário, ora paciente, quando inexiste, por enquanto, comprovação minimamente satisfatória de sua iminente concretização. Aliás, seria, então, o caso, patenteada a violação às medidas substitutivas da prisão, de pronta revogação da benesse, à vista da ocorrência, extreme de dúvidas, de contumácia em situações de análoga fattispecie delituosa. Ademais, necessário se faz delimitar o espectro, em tese, delituoso, que ensejou a prisão do paciente, a saber, o restrito, especificamente, ao fato circunscrito ao episódio, pontual, assim delineado pelo custos legis, em seu parecer colacionado aos presentes autos (Id. 4050000.15107850), apesar de conteúdo contrário à soltura do paciente: Segundo consta dos autos, o decreto prisional se deu em virtude da existência de fortes evidências de que GABRIEL DELANNE MARINHO, em conluio com outros agentes e por meio da empresa individual Artmed Comercial Eireli, participou do desvio de recursos públicos na ordem de R$ 269.999,97, oriundos da Emenda Parlamentar 81000450 e destinados ao Fundo Municipal de Saúde do Município de Touros/RN. (c/ grifos no original)
Daí que desmerece considerar, para o específico desiderato de supedanear o decreto prisional em causa, suspeitas outras, colhidas em desdobramentos investigativos, ainda, portanto, passíveis de adequada comprovação, de eventuais reiterações delituosas decorrentes, em tese, de movimentações de vultoso numerário em contas bancárias empresariais e pessoais, porventura associados aos últimos contratos públicos, envolvendo as empresas do paciente e, eventualmente, seus prepostos, para além, portanto, da mencionada conduta que importou, em tese, no desvio “de recursos públicos na ordem de R$ 269.999,97, oriundos da Emenda Parlamentar 81000450 e destinados ao Fundo Municipal de Saúde 154
do Município de Touros/RN”, que, repita-se, não se afigura, nesta fase investigativa, justificante e proporcional à manutenção da segregação em causa. Assim é que, à míngua de elementos isentos de dúvidas, quanto à somente aventada possibilidade de vir o investigado, aqui paciente, a reincidir nas práticas que deram azo às constrições judiciais em evidência – incluindo-se a de ordem patrimonial –, impõe-se manter a medida liminar liberatória da segregação (Id. 4050000.14962815), em que se determinou ao juízo impetrado, na sequência, a adoção de quaisquer das medidas substitutivas da prisão, entre as previstas no art. 319 do CPP, inclusive em número compatível com a necessidade de fazer cessar eventual atuação do paciente no cenário investigado nos autos – quer agindo de motu proprio, quer através das empresas investigadas. Refoge, de outra banda, ao originário e delimitado espectro fático-processual veiculado neste mandamus, voltado, exclusivamente, à análise, específica, da legalidade dos fundamentos da segregação do paciente, perquirir acerca da procedibilidade da insurgência, de natureza secundária – colacionada em momento posterior ao oferecimento da manifestação ministerial, e a exigir a prestação de novos pronunciamentos do juízo impetrado, bem como do custos legis –, quanto à idoneidade das justificativas adotadas pelo juízo impetrado, quando da fixação dos valores da fiança imposta para a soltura do paciente, pelo que não se toma conhecimento – pela estreiteza da via eleita – de tal pretensão, formulada através da petição e dos documentos anexados (Id. 4050000.15379670). Com essas considerações, ausente a comprovação do periculum libertatis, convalidados os termos e comandos da medida liminar liberatória da segregação (Id. 4050000.14962815), concede-se, em definitivo, a ordem de habeas corpus reclamada nestes autos. É como voto.
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COMPOSIÇÃO DA SEGUNDA TURMA
Desembargador Federal Leonardo Carvalho Presidente da Segunda Turma PerĂodo: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Paulo Roberto
Desembargador Federal Paulo Cordeiro
JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA
AGRAVO DE EXECUÇÃO PENAL Nº 080073747.2019.4.05.8400-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA Agravante: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Agravado: LUIZ FERNANDO DA COSTA Advs./Procs.: DRS. MARCO AURÉLIO TORRES SANTOS E OU TRO (AGRDO.) EMENTA: EXECUÇÃO PENAL. AGRAVO. ENTREVISTA JORNALÍSTICA EM PENITENCIÁRIA FEDERAL. COMPROMETIMENTO DA FINALIDADE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEDERAL. NÃO CONFIGURAÇÃO. DIVULGAÇÃO DE LIVRO. RESSOCIALIZAÇÃO DO PRESO. DECISÃO DE DEFERIMENTO. MANUTENÇÃO. 1. Agravo em execução penal manejado pelo MPF em face da decisão com que o Juízo Corregedor da Penitenciária Federal de Mossoró/RN autorizou a realização de entrevista de notório detento por canal de televisão. 2. Penitenciárias federais são, sabidamente, estabelecimentos de segurança máxima, para onde são encaminhados presos diferenciados, com elevado grau de periculosidade, cuja permanência em prisões estaduais representa risco de contaminação do ambiente prisional, bem como ameaça à ordem e à segurança públicas. 3. No intuito de se preservar a eficiência do sistema, há que ser rigidamente observada a sua finalidade de proteção do tecido social, mediante o afastamento das lideranças de organizações criminosas que seguem exercendo influência, mesmo no interior dos estabelecimentos prisionais. 4. Contexto no qual não devem ser autorizadas entrevistas jornalísticas com presos insertos no sistema penitenciário federal que não possuam indiscutível propósito ressocializador. 159
5. Evidenciado que a entrevista solicitada abordará assuntos relacionados ao livro escrito pelo detento, mostrando-se como elemento favorável à sua ressocialização, não há incompatibilidade com a finalidade do sistema penitenciário federal. Há que se ter em conta que a produção literária, como forma de estudo, merece o estímulo do sistema penitenciário, como forma de ressocialização, de modo que sua divulgação, por meio de entrevista, tende a prestigiar o trabalho desenvolvido pelo detento. 6. Agravo não provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos, em que figuram como partes as acima indicadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento ao agravo em execução penal, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 19 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA: Cuida-se de agravo em execução penal manejado pelo MPF em face da decisão com que o Juízo Corregedor da Penitenciária Federal de Mossoró/RN autorizou a realização de entrevista jornalística com o detento LUIZ FERNANDO DA COSTA (FERNANDINHO BEIRA-MAR), a ser veiculada pela TV RECORD. Sustenta que a transferência de presos pra o estabelecimento penal federal é medida excepcional, que acarreta, por sua natureza, a mitigação de alguns direitos inerentes à execução penal ordinária. Conclui, em razão disso, que a ressocialização, embora seja uma finalidade ordinária da política criminal, não é um princípio 160
absoluto, devendo ser objeto de ponderação, quando contraposto com a segurança pública. Nesse contexto, dada a influência que o agravado exerce sobre a organização criminosa da qual fazia parte, o agravante entende que, embora aquele se utilize de eventuais instrumentos ressocializadores (aspecto objetivo), não possui, a seu favor, o aspecto subjetivo, por não comprovar arrependimento e desprendimento do mundo do crime. Acrescenta ser destituída de fundamento a assertiva de que a promoção da produção literária do apenado, custodiado em presídio federal, contribuiria para a sua reinserção na sociedade. Isso porque, em recente matéria jornalística (veiculada, inclusive, pela mesma rede de televisão que pretende realizar a entrevista ora discutida), noticiou-se a periculosidade e a falta de arrependimento que caracterizam o agravado. Tudo a evidenciar sua incapacidade de retornar ao convívio social. Salienta que o disposto no art. 41 da LEP, ao reconhecer o direito que o preso possui de se comunicar com o mundo exterior, é claro ao dizer que isso será feito por meio de correspondência escrita, leitura e outros meios de informação que não comprometam a moral e os bons costumes. Pondera que, em se tratando de preso, até mesmo o direito de se expressar sofre restrições, sendo certo que, para manter a segurança interna dos presídios, não se deve permitir que os veículos de imprensa em geral tenham livre acesso a todo e qualquer detento. Por fim, assevera não haver razão jurídica e factual para se pôr em risco a segurança do sistema penitenciário federal, bem como a própria segurança pública, com o objetivo de disseminar obra literária produzida por detento, que poderá fazê-lo por outros meios, sem a necessidade de entrevista televisiva. A despeito de intimada para apresentar as contrarrazões, a defesa permaneceu inerte. A douta Procuradoria Regional da República emitiu parecer, opinando pelo provimento do agravo. É o relatório. 161
VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO ROBERTO DE OLIVEIRA LIMA (Relator): Como sumariado, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL busca a reforma de decisão com que o juízo corregedor da Penitenciária Federal de Mossoró/RN que autorizou que um de seus detentos, LUIZ FERNANDO DA COSTA, conhecido nacionalmente como “FERNANDINHO BEIRA-MAR”, concedesse entrevista à TV RECORD. A decisão argumenta que a entrevista teria propósito ressocializador, na medida em que seriam abordados temas tratados na monografia escrita pelo apenado, a qual seria transformada em livro. Sua Excelência acrescentou que as atividades intelectuais, no campo da educação, traduziriam eficientes mecanismos de reabilitação dos presos. Assim, o fato de um custodiado escrever um livro seria coerente com o objetivo da política criminal, por se tratar de atividade que contribuiria para a sua reinserção na sociedade. Por tal razão, o magistrado teve presente que a produção literária deveria ser estimulada no sistema prisional, sendo a sua divulgação, por meio de entrevista, uma forma de prestigiar esse trabalho. Contra tal entendimento, investe o MPF, sob a alegação de que outra entrevista, feita recentemente pelo mesmo canal de TV, evidenciaria a persistência da periculosidade do agravado, o qual não demonstraria qualquer arrependimento por suas ações, mostrando-se, dessa forma, inapto ao retorno à sociedade. Diz, ainda, o representante do Parquet que a condição de detento acarreta a mitigação de alguns direitos, sobretudo quando confrontados com a necessidade de segurança pública. Por isso, a ressocialização, embora seja uma finalidade da política criminal, não deveria ser encarada como algo absoluto. De resto, o agravante pondera que a realização da entrevista tumultuaria as atividades ordinárias da penitenciária, representando, inclusive, fator de insegurança. A divulgação do livro poderia, 162
segundo entende, ser feita por outros meios, sem a necessidade de uma entrevista a um canal de televisão. Pois bem. A despeito da inteligência dos argumentos do recorrente, tenho que a decisão há que ser mantida, por seus próprios fundamentos. Com efeito, as penitenciárias federais são, sabidamente, estabelecimentos de segurança máxima, para onde são encaminhados presos diferenciados, com elevado grau de periculosidade, cuja permanência em prisões estaduais representa risco de contaminação do ambiente prisional, bem como ameaça à ordem e à segurança públicas. Tal qual destacou o magistrado a quo, no intuito de se preservar a eficiência do sistema, há que ser, rigidamente, observada a sua finalidade de proteção do tecido social, mediante o afastamento das lideranças de organizações criminosas que seguem exercendo influência, mesmo no interior dos estabelecimentos prisionais. Diante desse quadro, não devem ser, em regra, autorizadas entrevistas jornalísticas com presos insertos no sistema penitenciário federal que não possuam indiscutível propósito ressocializador. No caso dos autos, porém, a entrevista solicitada abordará assuntos relacionados ao livro escrito pelo detento, mostrando-se como elemento favorável à sua ressocialização, de sorte que não há incompatibilidade com a finalidade do sistema penitenciário federal. Há que se ter em conta, como bem enfatiza a decisão recorrida, que a produção literária, como forma de estudo, merece o estímulo do sistema penitenciário, como forma de ressocialização, de modo que sua divulgação, por meio de entrevista, tende a prestigiar o trabalho desenvolvido pelo detento. No mais, considerando a forma extremamente organizada e segura com que funcionam as penitenciárias federais, não enxergo como uma simples entrevista tumultuaria o regular andamento das atividades daquela unidade ou provocaria insegurança naquele ambiente. Sendo esse o panorama, nego provimento ao agravo, mantendo incólume a decisão agravada. É como voto. 163
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 081571021.2018.4.05.0000-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO Agravante: FAZENDA NACIONAL Agravada: NOGUEIRA & BERGAMASCHI LTDA. - EPP Adv./Proc.: DR. EDUARDO CERQUEIRA DE ARRUDA CABRAL (AGRDO.) EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. CADASTRO NACIONAL DA PESSOA JURÍDICA. INAPTIDÃO EMPRESARIAL. REGISTRO EX OFFICIO DEPENDENTE DE INTIMAÇÃO DA INTERESSADA E DA CONCESSÃO DE PRAZO PARA REGULARIZAÇÃO. PROVIDÊNCIAS NÃO OBSERVADAS. IMPOSIÇÃO DE MULTA EM DESFAVOR DA FAZENDA PÚBLICA. DESCABIMENTO. 1. Recurso em que se controverte acerca de decisão, proferida em ação declaratória de nulidade de ato administrativo, em que foi concedida tutela de urgência, determinando-se, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), a reativação do CNPJ da agravada, inativado em virtude do descumprimento de obrigações acessórias (apresentação de declarações) relativas à tributação pelo lucro real/presumido, já que operada sua retroativa exclusão do regime de tributação do Simples Nacional em ação de fiscalização realizada pela Fazenda Municipal. 2. Antes de adentrar na apreciação do mérito do recurso, faz-se necessário rechaçar a preliminar de incompetência absoluta suscitada pela agravante, entendendo-se como pertinente o posicionamento externado pelo Desembargador Convocado que examinou o pleito de liminar neste recurso, uma vez que, nos termos do artigo 3º, § 1º, inciso III, da Lei 10.259/2001, nas causas voltadas à anulação de ato administra164
tivo, somente se evidencia a competência dos Juizados Especiais Federais em questões de natureza previdenciária e relativas a lançamentos fiscais, hipóteses diversas da que ora se analisa. Preliminar de incompetência absoluta rejeitada. 3. Rejeitada a preambular fazendária, passa-se ao mérito do caso e, apesar de, em princípio, mostrar-se verossímil a tese de que a própria recorrida tenha, indiretamente, dado causa à anotação de sua inaptidão no CNPJ (inaptidão esta resultante da não apresentação de declarações relativas ao regime de tributação pelo lucro real/ presumido, as quais estaria obrigada com sua exclusão do regime do Simples Nacional realizada em 04/10/2018), constata-se que, em parte, deve ser mantida a decisão impugnada, já que: a) são constitucionalmente consagrados, no ordenamento pátrio, os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório; b) os citados princípios têm previsão na então vigente Instrução Normativa 1.634/2016 (artigo 26), aplicável à época do registro de inaptidão, na qual se estabelecia, nas alterações de registro cadastral promovidas de ofício, a necessidade de prévia intimação da interessada e de concessão de prazo para sua manifestação (30 dias); c) sem se atentar para os citados princípios, em 25/10/2018, foi promovida, ex officio e, ao que indicam as peças nos autos reproduzidas, sem a intimação da recorrida para manifestação; d) desconsiderados, assim, os princípios em debate e existente, por óbvio, perigo em desfavor da recorrida, restam atendidos os pressupostos da tutela de urgência, devendo ser mantido o comando em que imposta a reativação da inscrição no CNPJ. 4. Ultrapassado esse ponto, há de se analisar, por fim, a questão atinente às astreintes, cumprindo destacar que, nos termos de entendimento firma165
do no âmbito desta 2ª Turma, não há motivos, em desfavor da Fazenda Pública, para a imposição de multa, de modo que deve ser suprimida a sua incidência. 5. Agravo de instrumento parcialmente provido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos em que figuram como partes as acima identificadas, decide a Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento ao agravo de instrumento, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado. Recife, 12 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO: Cuida-se de agravo de instrumento interposto pela FAZENDA NACIONAL, nos autos de ação em que contende com NOGUEIRA & BERGAMASCHI LTDA. - EPP. A recorrente se insurge contra decisão, proferida em ação declaratória de nulidade de ato administrativo, em que foi concedida tutela de urgência, determinando-se, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), a reativação da inscrição da agravada no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), inativado em virtude do descumprimento de obrigações acessórias (apresentação de declarações) relativas à tributação pelo lucro real/presumido, já que operada sua exclusão do regime de tributação do SIMPLES NACIONAL em ação de fiscalização realizada pela Fazenda Municipal. Preliminarmente, a agravante, considerando o valor dado à causa original pela recorrida (R$ 1.000,00 – mil reais), suscita a incompetência absoluta do juízo a quo, pugnando pela extinção
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da lide, já que evidenciada a competência do Juizado Especial Federal, nos termos da Lei nº 10.259/2001 (artigos 3º e 6º). No mérito, a recorrente alega, em síntese, que não restaram atendidos os pressupostos para o deferimento da tutela de urgência, já que: a) legítimo o ato de registro da inaptidão da empresa agravada junto ao Fisco, dado que ela, ao longo de dois anos consecutivos, não cumpriu com suas obrigações acessórias junto à Fazenda Federal, em desacordo com as previsões constantes do Código Tributário Nacional (artigo 113, § 2º, especialmente), da Instrução Normativa nº 1.634/2016 (artigos 40, inciso I, e 41, § 2º, em particular) e da Lei nº 9.430/96 (artigo 81, em essência); b) descumpridas as obrigações, pode-se asseverar que, em última instância, foi a própria recorrida que deu causa ao registro de sua inaptidão. A agravante aduz, ainda, que: a) a omissão das declarações em debate se verificou em período em que, em realidade, a recorrida não se vinculava ao regime do SIMPLES NACIONAL, devendo, pois, apresentar as apropriadas declarações relativas ao regime da tributação pelo lucro real/presumido; b) não se pode, ademais, desconsiderar o fato de que a empresa recorrida não adotou qualquer iniciativa voltada à regularização de sua situação com a apresentação das declarações exigidas; c) há, de fato, perigo inverso diante do risco de ofensa à ordem pública; d) há de se atentar, na apreciação do presente caso, para as disposições constantes da Constituição Federal e do Código Processual Civil (artigo 1.012, § 4º). O pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso foi indeferido em decisão liminar. Contrarrazões. É o relatório. 167
VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO (Relator): Controverte-se, neste recurso, acerca de decisão, proferida em ação declaratória de nulidade de ato administrativo, em que foi concedida tutela de urgência, determinando-se, sob pena de multa diária de R$ 1.000,00 (mil reais), a reativação do CNPJ da agravada, inativado em virtude do descumprimento de obrigações acessórias (apresentação de declarações) relativas à tributação pelo lucro real/presumido, já que operada sua retroativa exclusão do regime de tributação do SIMPLES NACIONAL em ação de fiscalização realizada pela Fazenda Municipal. Antes de adentrar na apreciação do mérito do recurso, faz-se necessário examinar a preliminar de incompetência suscitada pela agravante. Na análise de tal prefacial, há de se entender como pertinente o posicionamento externado pelo Desembargador Convocado que apreciou o pleito de liminar neste recurso, rechaçando-se a tese fazendária, uma vez que, nos termos do artigo 3º, § 1º, inciso III, da Lei nº 10.259/2001, nas causas voltadas à anulação de ato administrativo, somente se evidencia a competência dos Juizados Especiais Federais em questões de natureza previdenciária e relativas a lançamentos fiscais, hipóteses diversas da que ora se analisa. Rejeitada a preambular fazendária, passa-se ao mérito do caso e, apesar de, em princípio, se mostrar verossímil a tese de que a própria recorrida tenha, indiretamente, dado causa à anotação de sua inaptidão no CNPJ (inaptidão esta resultante da não apresentação de declarações relativas ao regime de tributação pelo lucro real/presumido, as quais estaria obrigada com sua retroativa exclusão do regime do SIMPLES NACIONAL realizada em 04.10.2018), constata-se que, em parte, deve ser mantida a decisão impugnada, já que: a) são constitucionalmente consagrados, no ordenamento pátrio, os princípios do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório; 168
b) os citados princípios têm, também, previsão na não mais vigente Instrução Normativa nº 1.634/2016 (artigo 26), aplicável à época do registro de inaptidão e invocada para a declaração de inaptidão da sociedade empresária, na qual se estabelecia, nas alterações de registro cadastral promovidas de ofício, a necessidade de prévia intimação da interessada e de concessão de prazo para sua manifestação (30 – trinta – dias); c) sem se atentar para os citados princípios, em 25.10.2018, foi promovida, ex officio e, ao que indicam as peças nos autos reproduzidas, sem a intimação mencionada e a concessão de oportunidade para a recorrida se manifestar, a controvertida anotação de inaptidão no CNPJ, invocando-se para tanto os artigos 40, inciso I, e 41, § 2º, da citada norma e o artigo 81 da Lei nº 9.430/96; d) desconsiderados, assim, os princípios em debate e existente, por óbvio, perigo em desfavor da recorrida, restam atendidos os pressupostos da tutela de urgência, devendo ser mantido o comando em que imposta a reativação da inscrição no CNPJ. Ultrapassado esse ponto, há de se apreciar, por fim, a questão atinente às astreintes. Nos termos de entendimento firmado no âmbito desta 2ª Turma, não há motivos, em desfavor da Administração, para a imposição de multa, salvo demonstração de injustificada resistência ao cumprimento de comando judicial. Na hipótese em debate, não há notícias de resistência, de modo que deve ser suprimida a incidência de multa. Com essas considerações, rejeito a preliminar de incompetência absoluta e, no mérito, dou parcial provimento ao agravo de instrumento, tão somente para afastar a incidência de multa, mantida, contudo, a determinação de reativação da inscrição da recorrida no CNPJ. É como voto.
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APELAÇÃO CRIMINAL N° 0015567-65.2016.4.05.8300PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO Apelante: JOSÉ CARLOS VASCONCELOS MELO Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Adv./Proc.: DR. RICARDO LOPES CORREIA GUEDES (APTE.) EMENTA: PENAL. PROCESSUAL PENAL. CRIME DE FALSIDADE IDEOLÓGICA. CARTOLINAS DE TIRO APONTANDO COMO AUTORES PESSOAS DIVERSAS DO ATIRADOR. QUANTIDADE DE ACERTOS APTA À DEMONSTRAÇÃO DE CAPACIDADE DE MANIPULAÇÃO DE ARMA DE FOGO. REQUISITO PARA A CONCESSÃO DO PORTE PERANTE O DPF. APRESENTAÇÃO POSTERIOR DOS DOCUMENTOS À POLÍCIA FEDERAL. DESNECESSIDADE PARA A CONSUMAÇÃO DO DELITO. CRIME DE NATUREZA FORMAL. INEXIGIBILIDADE DE RESULTADO MATERIAL. CONSUMAÇÃO. APELANTE QUE OSTENTAVA QUALIDADE DE INSTRUTOR CREDENCIADO PERANTE O DPF. PORTE QUE SERIA REQUERIDO PERANTE O DPF. DEMONSTRAÇÃO DE MÁCULA A SERVIÇO E INTERESSES DA UNIÃO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. REALIZAÇÃO DE PERÍCIA NAS CARTOLINAS. DESNECESSIDADE DIANTE DE TODAS AS PROVAS, MÁXIME DA CONFISSÃO POR PARTE DO COAUTOR E DOS INTERESSADOS EM OBTER PORTE DE ARMA. “CORPO DE DELITO” DESTRUÍDO PELO PRÓPRIO AUTOR DA FALSIDADE. IMPEDIMENTO DE SE VALER DA PRÓPRIA TORPEZA. ARREPENDIMENTO EFICAZ. IMPOSSIBILIDADE DE CONFIGURAÇÃO EM FACE DA NATUREZA FORMAL DO DELITO, QUE SEQUER EXIGE RESULTADO. EXISTÊNCIA DE QUATRO CIRCUNSTÂNCIAS DESFAVORÁVEIS AO APELANTE. PENA-BASE 170
ACIMA DO MÍNIMO LEGAL. DOSIMETRIA ADEQUADA. RECURSO IMPROVIDO. 1) Apelação criminal intentada pela defesa de JOSÉ CARLOS em face de sentença condenatória proferida pelo juízo da 13ª Vara Federal de Pernambuco. 2) Nicolas de Melo Fragoso, Clebson da Silva Cabral e Kleiton de Abreu e Lima teriam comparecido à Escola de Vigilantes Spartta, localizada em Recife/PE, no dia 23/03/2015, com o objetivo de realizarem exame psicotécnico obrigatório para aquisição e uso de arma de fogo, etapa prévia ao teste de aptidão técnica, nos termos da Instrução Normativa nº 23/2005-DG/DPF, alinhada com a Lei nº 10.826/2003 e o Decreto nº 5.123/2005. 3) Antes de se submeterem ao exame psicotécnico, porém, eles teriam sido recebidos por NEEMIAS, instrutor de tiro e uso de armamento credenciado pela DPF. 4) Diante da insistência dos três interessados em realizar, de logo, o teste de disparo de arma de fogo, especialmente por parte de Kleiton de Abreu e Lima, a portar consigo a exigida taxa de R$ 600,00, NEEMIAS teria acolhido o desejo de todos, pedindo-lhes que se dirigissem para o local apropriado, enquanto ministrava outras aulas com as quais já estava comprometido. 5) Os particulares, ao chegarem à sala do teste de aptidão, teriam se deparado com JOSÉ CARLOS, também instrutor de tiro e único que detinha arma registrada em seu nome, ocasionalmente utilizada por NEEMIAS especificamente para tais testes. 6) JOSÉ CARLOS, então, teria se utilizado de pistola calibre 380, feito 20 disparos em três alvos sobrepostos, o que seria suficiente à aprovação dos candidatos e lhes pedido para assinarem as cartolinas dos alvos como se realmente fossem os autores dos tiros. 171
7) Na sequência, NEEMIAS teria ido à sala do teste de aptidão e repartido o valor de R$ 600,00 com JOSÉ CARLOS, pela metade. 8) Por todo o narrado, o MPF imputou aos dois denunciados – o apelante e NEEMIAS, ambos instrutores credenciados pelo DPF – o crime de falsidade ideológica, na medida em que teriam inserido declarações falsas, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo de execução e outras similares, nas cartolinas de tiro dos três interessados no porte de arma, daí falar-se em continuidade delitiva. 9) A falsidade ideológica das declarações teria consistido justamente na afirmação de que os tiros haviam sido realizados pelos três interessados quando, em verdade, foram dados por JOSÉ CARLOS, com a cobertura de NEEMIAS. 10) O juízo, portanto, após a merecida instrução processual penal, entendeu presentes provas de que JOSÉ CARLOS, de modo consciente e voluntário, teria perpetrado três crimes de falsidade ideológica (art. 299 do CPB) nas mesmas circunstâncias de tempo, modo de execução e outras circunstâncias similares, o que configuraria a continuidade delitiva (art. 71 do CPB). As falsidades ideológicas teriam consistido no fato de JOSÉ CARLOS, na condição de instrutor de tiros, ao ser procurado por Nicolas de Melo Fragoso, Clebson da Silva Cabral e Kleiton de Abreu e Lima – todos interessados em obterem autorização para porte de arma de fogo perante o DPF –, haver, ele próprio, realizado os tiros – em moldes aptos à aprovação – nas cartolinas dos “clientes”, fazendo-os, na sequência, assinarem as cartolinas como se houvesse sido os autores dos disparos, evento incondizente com a realidade. Por tais motivos, convencido da existência de provas da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, o juízo condenou o apelante à 172
pena privativa de liberdade de 2 anos, 2 meses e 7 dias de reclusão, além de multa. 11) Irresignada com o julgado, a defesa de JOSÉ CARLOS apresentou apelação, sustentando, resumidamente, que: 1) a Justiça Federal seria incompetente em virtude de a conduta não ter lesado qualquer interesse, bem ou serviço da União; 2) inexistiriam provas da prática de crime consumado ou tentado, sendo a conduta atípica; 3) os documentos – cartolinas – não teriam sido apresentados ao DPF ou a qualquer órgão público, daí falar-se em conduta atípica; 4) seria necessária a realização de perícia na cartolina, o que não teria ocorrido, tornando ainda mais imperiosa a absolvição; 5) no caso, teria ocorrido o arrependimento eficaz, na medida em que os interessados não teriam feito uso das cartolinas; 6) a pena deveria ser reduzida ao mínimo legal. 12) O apelante era instrutor credenciado pelo DPF, logo, prestava serviço para a União. Ademais, o porte de arma de fogo pretendido e os documentos falseados eram dirigidos justamente à Polícia Federal, evento que torna evidente mácula a serviço e interesse da União. Logo, indiscutível a competência da Justiça Federal para julgar o feito, isto nos termos do art. 109, I, da CF. 13) O crime de falsidade ideológica é delito formal, ou seja, que não exige, para sua consumação, a ocorrência de resultado naturalístico consistente na efetiva ocorrência de dano para alguém. Destas constatações, chega-se a outras: a apresentação ou não das cartolinas falseadas perante o DPF não afasta a consumação do delito de falsidade ideológica, a tipicidade da conduta, tampouco a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. 14) As provas dos autos são evidentes no que toca à materialidade e autoria delitivas em relação aos três delitos e acusados – inclusive o 173
apelante –, máxime diante: 1) das declarações prestadas por NICOLAS perante o DPF, através das quais foi categórico ao informar que os réus foram os responsáveis por lhe fornecerem cartolina de tiros como se estes houvessem partido de seu punho quando, na verdade, teriam partido de JOSÉ CARLOS; 2) das declarações prestadas por CLEBSON perante o DPF, o qual também descreveu, nos mesmos termos de NICOLAS, que haviam sido recebidos por NEEMIAS e encaminhados à área de tiros, onde JOSÉ CARLOS efetuara os disparos e entregar as respectivas cartolinas para que os três interessados CLEBSON, NICOLAS e KLEITON – assinassem; 3) das declarações prestadas também por KLEITON perante o DPF, o qual, do mesmo modo que os outros dois, declinou os fatos, objetos da denúncia, ou seja, que NEEMIAS e JOSÉ CARLOS, em conluio, teriam “preparado” cartolinas de tiros os disparos teriam sido feitos por JOSÉ CARLOS para que os três interessados assinassem como se houvessem atirado por conta própria; 4) das declarações do próprio NEEMIAS, que admitiu o fato de ter intermediado o contato entre os três interessados e JOSÉ CARLOS, tendo sido este último e não aqueles três o responsável pelos tiros que aprovariam os pretensos adquirentes de porte de arma de fogo perante o DPF; 5) das declarações das testemunhas de acusação, que relataram as “irregularidades” perpetradas pelo apelante; bem como 6) do próprio interrogatório de NEEMIAS, coautor, que confessou o crime, bem como a participação integral do apelante. 15) A falsidade impingida nos documentos restou perfeitamente comprovada por todas as provas, consoante já declinado, tendo o próprio NEEMIAS admitido os fatos a si cominados. Em outras palavras, ainda que, na atualidade, os alvos e laudos não mais existam, o fato é que a existência 174
de ambos restou efetivamente demonstrada por provas tão legais e legítimas quanto um eventual exame de corpo de delito. Ademais, como se viu, os próprios réus “rasgaram” os documentos falseados. Diante dessa constatação, chega-se a outra: o exame dos documentos e respectivo laudo pericial restaram inviabilizados pela própria astúcia dos acusados, inclusive do apelante que, agora, tenta se valer da própria torpeza para ser absolvido. 16) Não há que se falar em arrependimento eficaz, já que a consumação do delito se deu no exato momento em que os três interessados assinaram a cartolina, maculando o documento de falsidade, pois se colocaram como autores dos tiros quando, em verdade, estes haviam sido proferidos por JOSÉ CARLOS. Para que se fale em arrependimento eficaz, nos termos do art. 15, segunda parte, do CPB, pressupõe-se que o agente, após executar todas as condutas inerentes ao tipo, adote outra ação que impeça o resultado do delito. Assim, no caso em apreço, sendo o delito formal que, portanto, consumou-se no exato instante da conduta independentemente de resultado, não há que se falar em arrependimento eficaz, máxime levando em conta a irrelevância da apresentação dos documentos perante o DPF. 17) Sentença mantida. 18) Recurso improvido. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que figuram como partes as acima identificadas, decide a 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, negar provimento ao apelo, nos termos do relatório, do voto do Relator e das notas taquigráficas constantes dos autos, que passam a integrar o presente julgado.
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Recife, 22 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO CORDEIRO: Trata-se de apelação criminal intentada pela defesa de JOSÉ CARLOS VASCONCELOS MELO em face de sentença condenatória proferida pelo juízo da 13ª Vara Federal de Pernambuco. O juízo, após a merecida instrução processual penal, entendeu presentes provas de que JOSÉ CARLOS, de modo consciente e voluntário, teria perpetrado três crimes de falsidade ideológica (art. 299 do CPB) nas mesmas circunstâncias de tempo, modo de execução e outras circunstâncias similares, o que configuraria a continuidade delitiva (art. 71 do CPB). As falsidades ideológicas teriam consistido no fato de JOSÉ CARLOS, na condição de instrutor de tiros, ao ser procurado por Nicolas de Melo Fragoso, Clebson da Silva Cabral e Kleiton de Abreu e Lima – todos interessados em obterem autorização para porte de arma de fogo perante o DPF –, haver, ele próprio, realizado os tiros – em moldes aptos à aprovação – nas cartolinas dos “clientes”, fazendo-os, na sequência, assinarem as cartolinas como se houvessem sido os autores dos disparos, evento incondizente com a realidade. Por tais motivos, convencido da existência de provas da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, o juízo condenou o apelante à pena privativa de liberdade de 2 anos, 2 meses e 7 dias de reclusão, além de multa (Id. 4058300.3948605). Irresignada com o julgado, a defesa de JOSÉ CARLOS apresentou apelação, sustentando, resumidamente, que: 1) a Justiça Federal seria incompetente em virtude de a conduta não ter lesado qualquer interesse, bem ou serviço da União; 2) inexistiriam provas da prática de crime consumado ou tentado, sendo a conduta atípica; 3) os documentos – cartolinas – não teriam sido apresentados ao DPF ou a qualquer órgão público, daí falar-se em conduta atípica; 4) seria necessária a realização de perícia na cartolina, o que não teria ocorrido, tornando ainda mais imperiosa a absolvição; 5) no
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caso, teria ocorrido o arrependimento eficaz, na medida em que os interessados não teriam feito uso das cartolinas; 6) a pena deveria ser reduzida ao mínimo legal (Id. 4050000.11686434). O MPF apresentou contrarrazões (Id. 4050000.13116751). Parecer ofertado pela PRR opinando pelo improvimento da apelação (Id. 4050000.14757131). É o relatório. Ao revisor. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PAULO MACHADO CORDEIRO (Relator): Antes de adentrar às razões aventadas em grau de recurso, cumpre rememorar, ainda que resumidamente, o panorama da presente ação penal. Como já declinado, trata-se de apelação criminal intentada pela defesa de JOSÉ CARLOS VASCONCELOS MELO em face de sentença condenatória proferida pelo juízo da 13ª Vara Federal de Pernambuco. Vejamos, com mais vagar e para uma exata compreensão do contexto, quais foram as condutas e os fatos, objetos da sentença: • Nicolas de Melo Fragoso, Clebson da Silva Cabral e Kleiton de Abreu e Lima teriam comparecido à Escola de Vigilantes Spartta, localizada em Recife/PE, no dia 23/03/2015, com o objetivo de realizarem exame psicotécnico obrigatório para aquisição e uso de arma de fogo, etapa prévia ao teste de aptidão técnica, nos termos da Instrução Normativa nº 23/2005-DG/DPF, alinhada com a Lei nº 10.826/2003 e o Decreto nº 5.123/2005. • Antes de se submeterem ao exame psicotécnico, porém, eles teriam sido recebidos por NEEMIAS, instrutor de tiro e uso de armamento credenciado pela DPF. • Diante da insistência dos três interessados em realizar, de logo, o teste de disparo de arma de fogo, especialmente por parte de Kleiton de Abreu e Lima, a portar consigo a exigida 177
taxa de R$ 600,00, NEEMIAS teria acolhido o desejo de todos, pedindo-lhes que se dirigissem para o local apropriado, enquanto ministrava outras aulas com as quais já estava comprometido. • Os particulares, ao chegarem à sala do teste de aptidão, teriam se deparado com JOSÉ CARLOS, também instrutor de tiro e único que detinha arma registrada em seu nome, ocasionalmente utilizada por NEEMIAS especificamente para tais testes. • JOSÉ CARLOS, então, teria se utilizado de pistola calibre 380, feito 20 disparos em três alvos sobrepostos, o que seria suficiente à aprovação dos candidatos e lhes pedido para assinarem as cartolinas dos alvos como se realmente fossem os autores dos tiros. • Na sequência, NEEMIAS teria ido à sala do teste de aptidão e repartido o valor de R$ 600,00 com JOSÉ CARLOS, pela metade. Por todo o narrado, o MPF imputou aos dois denunciados – o apelante e NEEMIAS, ambos instrutores credenciados pelo DPF – o crime de falsidade ideológica, na medida em que teriam inserido declarações falsas, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo de execução e outras similares, nas cartolinas de tiro dos três interessados no porte de arma, daí falar-se em continuidade delitiva. A falsidade ideológica das declarações teria consistido justamente na afirmação de que os tiros haviam sido realizados pelos três interessados quando, em verdade, foram dados por JOSÉ CARLOS, com a cobertura de NEEMIAS. O juízo, portanto, após a merecida instrução processual penal, entendeu presentes provas de que JOSÉ CARLOS, de modo consciente e voluntário, teria perpetrado três crimes de falsidade ideológicas (art. 299 do CPB) nas mesmas circunstâncias de tempo, modo de execução e outras circunstâncias similares, o que configuraria a continuidade delitiva (art. 71 do CPB). As falsidades ideológicas teriam consistido no fato de JOSÉ CARLOS, na condição de instrutor de tiros, ao ser procurado por Nicolas de Melo Fragoso, Clebson da Silva Cabral e Kleiton de Abreu e 178
Lima – todos interessados em obterem autorização para porte de arma de fogo perante o DPF –, haver, ele próprio, realizado os tiros – em moldes aptos à aprovação – nas cartolinas dos “clientes”, fazendo-os, na sequência, assinarem as cartolinas como se houvesse sido os autores dos disparos, evento incondizente com a realidade. Por tais motivos, convencido da existência de provas da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade, o juízo condenou o apelante à pena privativa de liberdade de 2 anos, 2 meses e 7 dias de reclusão, além de multa (Id. 4058300.3948605). Irresignada com o julgado, a defesa de JOSÉ CARLOS apresentou apelação, sustentando, resumidamente, que: 1) a Justiça Federal seria incompetente em virtude de a conduta não ter lesado qualquer interesse, bem ou serviço da União; 2) inexistiriam provas da prática de crime consumado ou tentado, sendo a conduta atípica; 3) os documentos – cartolinas – não teriam sido apresentados ao DPF ou a qualquer órgão público, daí falar-se em conduta atípica; 4) seria necessária a realização de perícia na cartolina, o que não teria ocorrido, o que tornaria ainda mais imperiosa a absolvição; 5) no caso, teria ocorrido o arrependimento eficaz, na medida em que os interessados não teriam feito uso das cartolinas; 6) a pena deveria ser reduzida ao mínimo legal (Id. 4050000.11686434). Vistas as razões de reforma declinadas pela defesa, passemos, doravante, a analisá-las, uma a uma. 1) Do argumento de que Justiça Federal seria incompetente em virtude de a conduta não ter lesado qualquer interesse, bem ou serviço da União. O juízo originário, com acerto, apreciou e afastou, por razões legais e legítimas, o presente argumento sob os seguintes termos: (...) Por fim, quanto ao fato de interesse da União ter sido atingido, tem-se ser este inegável, seja porque os réus eram instrutores de tiro credenciados perante o DPF, seja porque o porte de arma de fogo pretendido e os documentos falseados seriam apresentados justamente perante a Polícia Federal, sendo evidente a mácula a serviços e interesses da União. (...)
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Sem maiores delongas, pelos dois motivos acima declinados – 1) o apelante era instrutor credenciado pelo DPF, logo, prestava serviços para a União; 2) o porte de arma de fogo pretendido e os documentos falseados seriam potencialmente dirigidos à Polícia Federal, evento que torna evidente mácula a serviço e interesse da União –, indiscutível a competência da Justiça Federal para julgar o feito, isto nos termos do art. 109, I, da CF. 2) Da tese de que inexistiriam provas da prática de crime consumado ou tentado, sendo a conduta atípica. Sobre tal tese, o juízo também fora por demais claro e preciso ao analisar as provas e argumentos, arrematando no seguinte sentido: (...) Sustentou, preliminarmente, a defesa de JOSÉ CARLOS, que não teria havido crime tentado ou consumado de falsidade ideológica contra a União. Em primeiro lugar, registro novamente, nos mesmos termos destacados pela inicial acusatória, que os réus, em conluio e em tese, teriam falsificado ideologicamente documentos cartolinas de tiro que serviriam de suporte para a obtenção, perante o DPF, de porte de arma de fogo. A falsidade ideológica teria consistido exatamente em apontar, nas respectivas cartolinas, como autores dos tiros os três interessados em obter o porte de arma de fogo quando, na realidade, o autor dos tiros havia sido JOSÉ CARLOS. Em outras palavras, os dois denunciados, em conluio, teriam perpetrado o crime de falsidade ideológica e em continuidade delitiva, na medida em que haviam inserido declarações falsas, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo de execução e outras similares, nas cartolinas de tiro dos três interessados no porte de arma de fogo. Por razões óbvias, a falsidade da declaração tinha por finalidade alterar verdade sobre fato jurídico relevante, já que, somente após serem aprovados no teste sendo a aprovação verificada justamente através das cartolinas de tiros , os interessados poderiam obter a autorização perante o DPF. Enfim, presentes, na descrição factual, todos os elementos inerentes ao cometimento do crime de falsidade 180
ideológica, quais sejam, a inserção falsa em documento cartolinas de tiro com o objetivo de alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante a obtenção de autorização para portar arma de fogo. (...)
Somado aos argumentos já declinados na sentença, não custa rememorar que o crime de falsidade ideológica é delito formal, ou seja, que não exige, para sua consumação, a ocorrência de resultado naturalístico consistente na efetiva ocorrência de dano para alguém. Nesse sentido, segue o STJ (grifos nossos): RECURSO EM HABEAS CORPUS. FALSIDADE IDEOLÓGICA. TESE DE CRIME IMPOSSÍVEL. INEFICÁCIA ABSOLUTA DO MEIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. CRIME FORMAL. CONSUNÇÃO. ABSORÇÃO DA FALSIDADE IDEOLÓGICA PELO DELITO DE FRAUDE PROCESSUAL. IMPOSSIBILIDADE. ART. 89 DA LEI N° 9.099/95. AGENTE QUE RESPONDE A OUTROS PROCESSOS. INVIABILIDADE DO BENEFÍCIO. RECURSO NÃO PROVIDO. I - Segundo a classificação doutrinária, o delito de falsidade ideológica é crime formal, que se consuma com a prática de uma das figuras típicas previstas, independente da ocorrência de qualquer resultado ou de efetivo prejuízo para terceiro. II - O bem jurídico protegido pelo tipo do art. 299 do CP é a fé pública, tendo por sujeito passivo o Estado. Não objetiva resguardar patrimônio de terceiro, sujeito passivo secundário apenas no caso de prejuízo comprovado com a falsidade. O tipo objetiva proteger a segurança jurídica, na medida em que os documentos públicos, diante da presunção de legitimidade e veracidade de que gozam, são aptos para produzir efeitos desde o momento em que são lavrados. (...) (STJ, RHC 78.502/BA, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 20/02/2018, DJe 02/03/2018.)
Dessas constatações, chega-se a outras: a apresentação ou não das cartolinas falseadas perante o DPF não afasta a con181
sumação do delito de falsidade ideológica (que ocorre no exato instante em que o documento é adulterado), a tipicidade da conduta, tampouco a competência da Justiça Federal para processar e julgar o feito. Apenas a título de reforço, máxime no que toca à aventada ausência de provas, trago à baila enxerto da sentença que fora por demais linear e minucioso ao apontar todas as provas utilizadas para o arremate condenatório, senão vejamos: (...) 2.2.2. Das provas da autoria e materialidade delitivas: As provas dos autos são evidentes no que toca à materialidade e autoria delitivas em relação aos três delitos e acusados, máxime diante: • Da declarações prestadas por NICOLAS perante o DPF (fls. 11/12 do IPL), através das quais foi categórico ao informar que os réus foram os responsáveis por lhe fornecerem cartolina de tiros como se estes houvessem partido de seu punho quando, na verdade, teriam partido de JOSÉ CARLOS. • Da declarações prestadas por CLEBSON perante o DPF (fls. 13/14 do IPL), o qual também descreveu, nos mesmos termos de NICOLAS, que haviam sido recebidos por NEEMIAS e encaminhados à área de tiros, onde JOSÉ CARLOS efetuara os disparos e entregar as respectivas cartolinas para que os três interessados CLEBSON, NICOLAS e KLEITON assinassem. • Da declarações prestadas também por KLEITON perante o DPF (fls. 15/15), o qual, do mesmo modo que os outros dois, declinou os fatos, objetos da denúncia, ou seja, que NEEMIAS e JOSÉ CARLOS, em conluio, teriam “preparado” cartolinas de tiros os disparos teriam sido feitos por JOSÉ CARLOS para que os três interessados assinassem como se houvessem atirado por conta própria. • Da declarações do próprio NEEMIAS (fls. 17/18 do IPL), que admitiu o fato de ter intermediado o contato entre os três interessados e JOSÉ 182
CARLOS, tendo sido este último e não aqueles três o responsável pelos tiros que aprovariam os pretensos adquirentes de porte de arma de fogo perante o DPF. • Da declarações de SÉRGIO BUONAFINA (fls. 21/22 do IPL), sócio proprietário da Spartta, que descreveu ter tomado conhecimento das irregularidades perpetradas pelos acusados. • Da declarações de FLÁVIO ROBERTO (fls. 23/24 do IPL), sócio proprietário da Spartta, que foram no mesmo sentido das prestadas por SÉRGIO, ou seja, descrevendo ter tomado conhecimento das irregularidades perpetradas pelos acusados. • Da Portaria nº 46/2016 exarada pelo DPF que, diante dos fatos apurados, cuidou de descredenciar NEEMIAS da condição de instrutor de armamento e tiro. • Das demais provas documentais e testemunhais colhidas na seara policial. Em suma, a materialidade e autoria delitivas de todos os delitos declinados e em relação a ambos os réus foi efetivamente comprovada em sede policial, máxime consoante acima declinado. E, no mesmo sentido, seguiu a prova colhida sob o crivo judicial, senão vejamos (DVD de fls. 109). Ouvido na condição de testemunha de acusação perante o juízo, SÉRGIO BUONAFINA FERNANDES declinou que: • estava em viagem no sertão de Pernambuco quando recebeu a ligação de Dra. Juliana, psicóloga, informando sobre um procedimento indevido adotado no stand de tiros; • tomou então a medida de proibir a utilização do stand para os fins de registro de armas, renovação do registro e teste de porte de armas; • foi informado de que os avaliandos não teriam, de fato, efetuado os disparos para o teste de porte de arma; • quem teria efetuado os disparos fora JOSÉ CARLOS; 183
• JOSÉ CARLOS é que teria realizado os disparos e não os avaliandos; • isso foi o que lhe disse a psicóloga; • reuniu-se com os outros sócios, bem como com JOSÉ CARLOS e NEEMIAS, ocasião em que cancelou o uso do stand de tiros para aqueles fins; • na aludida reunião, os réus admitiram os fatos irregulares já narrados; • nessa reunião, questionou o procedimentos dos réus e NEEMIAS afirmou que havia assinado os laudos dos avaliandos que, por sua vez, não haviam dado os tiros; • Dra. Juliana, que é a psicóloga, não tinha obrigação de saber os procedimentos de teste de tiro; • nos stands de tiro, são feitos testes e treinamentos de tiros; • a empresa atua para treinar vigilantes, apesar disto, também cede o espaço para teste de registro de armas, desde que os instrutores sejam credenciados perante o DPF; • a parceria entre JOSÉ CARLOS e NEEMIAS se dava, inclusive, porque NEEMIAS, apesar de instrutor credenciado, não tinha armas de fogo para serem utilizadas nos testes, ao contrário de JOSÉ CARLOS que, além de ser credenciado, possuía armas; • depois do ocorrido, os dois instrutores, ora réus, foram proibidos por si de aplicarem testes em sua empresa; • além disso, NEEMIAS foi descredenciado do DPF. Como se verifica claramente, a testemunha fortaleceu a autoria e materialidade delitivas ao declinar, com firmeza e harmonia, que JOSÉ CARLOS e NEEMIAS falsificaram ideologicamente três documentos cartolinas de tiros , nos exatos moldes sinalados pela acusação. Também como testemunha de acusação, FLÁVIO ROBERTO PEIXE MANTA afirmou que:
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• não é amigo, nem inimigo dos réus; • trabalha na empresa Spartta; • foi contratado pelo sócio administrador, SÉRGIO; • participou da reunião entre os sócios e os réus; • na ocasião, ficou sabendo que os réus não teriam adotado procedimento correto quando do teste de tiros; • JOSÉ CARLOS e NEEMIAS admitiram que atestaram tiros para avaliandos que não haviam atirado; • os réus admitiram que assinaram os laudos sem que os avaliandos tivessem efetuado os tiros; • é sócio da empresa; • vigilantes e pessoas autorizadas faziam testes de tiro; • JOSÉ CARLOS e NEEMIAS eram credenciados pelo DPF para aplicarem testes de tiros do stand; • Dra. Juliana, psicóloga credenciada pelo DPF, foi quem contou a SÉRGIO que os réus atuaram de maneira irregular com os avaliandos; • pelo que soube, NEEMIAS havia assinado os laudos dos avaliandos; • se o candidato era de JOSÉ CARLOS, ele que deveria assinar o laudo; • se o candidato, por outro lado, era de NEEMIAS, este que deveria assinar o laudo; • os réus, ao serem indagados por SÉRGIO sobre o que fizeram, ficaram “um olhando para o outro”, como se se questionassem como SÉRGIO havia ficado sabendo do ocorrido. Mais uma testemunha que, com firmeza e coerência, declinou os fatos narrados, objeto da acusação, como efetivamente perpetrados pelos réus em conluio e em continuidade delitiva. Também como testemunha de acusação/defesa, NICOLAS DE MELO FRAGOSO declarou que: 185
• foi fazer um teste de tiro na empresa Spartta; • quando chegou no local, NEEMIAS estava lá; • foi acompanhado de mais dois colegas, KLEITON e CLEBSON; • no primeiro dia, não efetuou os disparos nos alvos; • quem efetuou os disparos foi uma pessoa que entrou no stand, não sabendo o nome dele; • deram três laudos atestando que os disparos haviam sido feitos por eles três, apesar de os tiros terem sido dados pela pessoa mencionada; • aconteceu a mesma coisa com os outros dois amigos; • tudo aconteceu no mesmo momento; • pleiteou o registro de arma de fogo perante o DPF e, para isso, precisou de pessoa credenciada para fazer seu teste de tiro; • foi um colega seu que o orientou a atuar; • procurou a empresa Spartta; • não foi a empresa que indicou o instrutor; • o instrutor foi NEEMIAS; • NEEMIAS fez uma prova teórica com os três; • sabe que o procedimento é fazer um teste psicotécnico com a psicóloga e, só se aprovado, faz-se o teste de tiro; • quando foi à empresa, foi apenas para fazer o psicotécnico; • na mesma ocasião, foi chamado também para fazer o teste de tiro; • depois soube que houve algo errado e teve que voltar para fazer o teste novamente; • antes disso, só tinha tido contato com arma de fogo no sítio, com espingarda de pressão; • os outros dois tinham experiência com armas de fogo; 186
• procurou o instrutor para fazer o teste e não para treinar; • foi com o intuito de fazer o teste, mesmo sem saber se seria aprovado ou não; • chegou a dar dois tiros, mas acha que, na ocasião, já haviam sido retirado os alvos utilizados para os laudos; • não tem certeza disso; • depois lhe foi apresentado alvo para que assinasse; • da segunda vez, viu que o alvo retirado havia sido o mesmo no qual havia atirado; • foi na Spartta para fazer o teste psicotécnico; • sabia que somente faria o teste de tiro se fosse aprovado no psicotécnico; • apesar disso, chamaram para que fizessem logo o teste de tiros; • não entendeu muito bem tudo o que ocorreu; • nunca tinha visto NEEMIAS, nem JOSÉ CARLOS antes desse dia. A testemunha, no mesmo compasso das demais, só veio a fortalecer a autoria e materialidade delitivas, nos exatos moldes esculpidos pela acusação. Também na condição de testemunha de acusação/defesa, CLEBSON DA SILVA CABRAL destacou que: • foi fazer um teste de tiro na Spartta; • de início, fez o teste com NEEMIAS, estando JOSÉ CARLOS presente; • também estava KLEITON e NICOLAS; • o teste era para fazer prova prática e atirar; • não deu os tiros; • quem deu os tiros foi JOSÉ CARLOS; • os três alvos estavam sobrepostos, de modo que JOSÉ CARLOS só atirou uma vez e valeu para todos os três alvos; 187
• não realizou nenhum tiro; • em virtude do ocorrido, tiveram que fazer outro exame; • no dia, não lembra se assinou laudo técnico; • assinou os alvos; • NICOLAS e KLEITON também assinaram os alvos; • esteve na empresa duas vezes; • na primeira vez, foi lá para fazer exame psicotécnico; • nesse dia, também fez o teste de tiro; • não recebeu no mesmo dia o laudo; • o instrutor que lhe acompanhou foi NEEMIAS, mas na hora quem fez o teste foi JOSÉ CARLOS; • quando entrou no stand, os alvos ainda não estavam afixados; • foi JOSÉ CARLOS quem colocou os alvos; • os alvos foram colocados sobrepostos; • não atirou; • quem atirou foi JOSÉ CARLOS; • quem chegou a dar dois disparos foi NICOLAS; • não lembra de ter visto os alvos serem retirados; • NEEMIAS não explicou o motivo de não estar entregando o laudo naquele momento; • pelo que entendeu, NEEMIAS deu o teste por findo naquele mesmo dia; • depois foi que soube que tinha havido um problema e teve que refazer o teste; • pelas normas, acha que cada exame teria que ser feito num tempo diferente; • a psicóloga em momento algum falou do teste de tiros; • da segunda vez, efetuou realmente os disparos e assinou o alvo e o laudo; 188
• dessa segunda vez, “NEEMIAS fez pelo modo correto”; • KLEITON que organizou tudo; • quando saiu do exame psicotécnico, KLEITON disse que fariam o teste de tiros no mesmo dia; • NEEMIAS e JOSÉ CARLOS foram juntos para o stand de tiros; • não disseram em momento algum “esse é o seu teste”; • conhecia KLEITON antes; • não entendeu se alguém pediu para antecipar o teste de tiros; • não entendeu direito o que ocorreu; • nenhum dos três afirmou não saber atirar, pedindo que dessem um jeito nisso. A testemunha, assim como as demais, descreveu justamente as condutas tratadas na presente ação penal, apontando os réus como autores da empreitada. Do mesmo modo, ou seja, ouvido como testemunha de acusação/defesa, KLEITON DE ABREU E LIMA destacou que: • foi fazer uma avaliação para tirar porte de armas na empresa Spartta com NICOLAS e CLEBSON; • foram, inicialmente, para fazer o teste psicológico; • quando chegou lá, ouviu falarem o nome de NEEMIAS; • já havia falado com NEEMIAS ao telefone no dia anterior; • entrou, então, em contato com NEEMIAS confirmando se ele havia sido a pessoa com quem falara na véspera; • na ocasião, chegou JOSÉ CARLOS; • JOSÉ CARLOS perguntou aos três o que iriam fazer e responderam “teste psicológico”; • levaram então os três para uma sala, colocaram “banners humanoides” e JOSÉ CARLOS atirou; 189
• quando saiu da sala, a testemunha disse que estava errado o procedimento e não aceitaria aquilo, querendo fazer outro teste; • JOSÉ CARLOS tirou os três banners humanoides e pediu que assinassem; • os três banners foram colocados sobrepostos; • quando indagou sobre a irregularidade, NEEMIAS marcou outro dia para irem fazer o teste; • nesse primeiro dia, ninguém atirou, apenas no segundo teste; • a legislação impõe que cada um dê vinte disparos, mas não deram nenhum, por isso disse que não aceitaria o laudo; • foi por isso que os réus marcaram outra data para irem fazer o teste; • não teve muita aproximação com JOSÉ CARLOS; • de início, conversaram mais com NEEMIAS, estando JOSÉ CARLOS junto a todos; • NEEMIAS marcou outra data e aí sim fizeram os testes como deveriam fazer; • não chegaram a falar com os sócios da empresa; • acha que quem deu os tiros foi JOSÉ CARLOS, mas ele estava de máscara; • afirma de maneira absoluta que não atirou; • só atiraram mesmo da segunda vez que foram lá; • não aceitou os laudos porque eles eram falsos; • NEEMIAS mostrou os laudos; • disse que não ia aceitar; • NEEMIAS então disse que marcaria outro teste; • na outra data, foi novamente com os outros dois colegas; • chegou a comentar o ocorrido com a psicóloga, Dra. Juliana;
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• NEEMIAS afirmou que refaria o teste, só não disse a data na hora, mas depois, por telefone; • quando se dirigiu à empresa, foi procurar Dra. Juliana, que faria o teste psicológico; • ocorreu que, ao lá chegar, ouviu alguém chamar por NEEMIAS e se dirigiu a ele, já que havia falado com pessoa de mesmo nome ao telefone no dia anterior, quando ligou para agendar; • assinou os laudos, mesmo indignado, pois não havia efetuado os tiros; • não lembra exatamente se os outros dois assinaram os respectivos laudos; • NEEMIAS quis entregar o laudo no mesmo dia, mas se recusaram a receber; • na segunda data, JOSÉ CARLOS não estava presente; • dessa segunda vez, o procedimento foi o correto, tendo dado 20 disparos nas distâncias que são exigidas; • levou então para o DPF o banner e o laudo que pegou da segunda vez; • viu na internet que para tirar porte de arma precisava ser feito exame psicológico e teste de tiro; • achou na internet o nome de NEEMIAS e por isso entrou em contato com ele, já que o endereço onde ele fazia os exames era o mais perto de si; • não pediu a NEEMIAS, nem a JOSÉ CARLOS para fazer o teste de tiro no mesmo dia do exame psicológico; • sobre o fato de uma das testemunhas ter afirmado que deu dois tiros, não lembra, só podendo afirmar que o depoente não atirou; • quem procurou saber sobre os exames foi a testemunha, tendo NICOLAS e KLEITON se aproximado de si porque também queriam fazer; • quando JOSÉ CARLOS atirou, pensou que ele estava fazendo uma demonstração; 191
• depois, quando NEEMIAS chegou com os laudos e cobrou R$ 600,00 foi quando entendeu o que estava, de fato, acontecendo; • foi ai que se insurgiu, já que não entregaria documento falso no DPF; • em momento algum pediu para que os réus agilizassem ou facilitassem nada; • pagou os R$ 600,00 a NEEMIAS. Mais uma testemunha que, com riqueza de detalhes, declinou a prática de falsidade ideológica por parte dos réus que, nos alvos e laudos relativos ao teste de tiros para porte de arma de fogo, declinaram que os três interessados haviam disparados quando, em verdade, os tiros foram efetuados por JOSÉ CARLOS. (...) Vejamos, doravante, o que disseram os acusados. Interrogado em juízo, JOSÉ CARLOS sustentou a seguinte versão: • é casado; • tem dois filhos maiores de idade; • nasceu em 1962; • é policial civil aposentado; • tem renda média mensal em torno de R$ 6.000,00; • tem nível superior, sendo formado em História e Direito; • nunca respondeu a outro processo criminal; • foi policial durante 32 anos e nunca teve um inquérito administrativo sequer; • a acusação não procede; • o que aconteceu foi que, um dia, estava na Spartta e foi chamado por NEEMIAS para fazer uma demonstração de tiro com três pessoas; • foi lá, colocou os alvos e os três dispararam;
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• comentou até com três que, daquele jeito, não iriam passar no teste de tiro; • os três disseram que estavam ali apenas para fazerem teste psicotécnico; • sinceramente não sabe porque esses rapazes estão inventando essa história; • colocou apenas um alvo sobre os demais que ali estavam; • é comum ficarem alvos sobrepostos; • atirou e depois foi embora; • executou alguns tiros e os interessados efetuaram outros; • tem certeza absoluta de que os três rapazes atiraram; • conhecia NEEMIAS antes; • emprestava armas para NEEMIAS realizar testes; • fez vários treinamentos com NEEMIAS; • depois desse ocorrido, foi proibido de atirar lá na empresa; • se retratou aos donos da empresa por ter feito treinamento lá; • não sabia que não poderia ter feito treinamento; • não confessou que atirou pelos três interessados; • quando os três rapazes chegaram na Spartta, NEEMIAS lhe perguntou se o interrogando poderia fazer um treinamento com eles; • NEEMIAS pediu que fizesse um treinamento com os rapazes; • cobra R$ 150,00 por cada 50 disparos; • os três não pagaram a si; • costumava acertar as contas sempre com NEEMIAS, mas somente depois que este realiza o teste; • o teste tem que ser feito com munição original; 193
• hoje, cada 10 munições de um revólver 38 custa R$ 64,00; • além disso, tem a taxa que o DPF cobra e a taxa do uso do stand; • não fazia parceria “meio a meio” com NEEMIAS; • não lembra de ter recebido nada de NEEMIAS quanto a esses três rapazes; • não recebeu ligação dos diretores da empresa; • chegou na empresa no outro dia e SÉRGIO falou consigo, dizendo que havia tomado conhecimento do DPF de Caruaru dizendo que o interrogando tinha feito um procedimento errado; • subiram, então, para a sala, o interrogando, NEEMIAS e SÉRGIO; • pensou que SÉRGIO ia reclamar por ter feito treinamento na empresa; • não teve contato anterior com os três rapazes; • atirou e os três também atiraram nos alvos; • atirou para mostrar aos interessados em que local deveriam acertar; • fizeram menos de 20 disparos; • cada rapaz deve ter feito em torno de 03 disparos, tendo feito o restante; • deixou os alvos lá e foi embora; • não assinam alvos de treinamento, apenas de teste; • os alvos que utilizou no treinamento não foram assinados; • não emitiu laudo algum naquele dia; • também acredita que NEEMIAS não emitiu laudo; • depois dos tiros, os rapazes subiram para a sala da psicóloga; • era comum fazer, por gentileza, treinamento para pessoas que depois iriam se submeter a teste com NEEMIAS; 194
• tinha conhecimento de que no stand da Spartta eram feitos treinos para tiros; • não sabia que a empresa não era habilitada para treinamentos; • pediu desculpas a SÉRGIO por ter realizado treinamentos na empresa; • não sabe o que NEEMIAS disse a SÉRGIO; • não sabe se NEEMIAS fez mesmo esse procedimento errado ou não; • não tem conhecimento de NEEMIAS ter feito procedimentos irregulares. Como se verifica, JOSÉ CARLOS, de maneira superficial e até simplória, sustenta a tese de que foi chamado por NEEMIAS apenas para fazer uma demonstração de tiros para os três rapazes. Em suma, o réu negou a acusação de modo genérico e absolutamente contrário às demais provas, inclusive à própria admissão de NEEMIAS, como doravante será visto. Como se não bastasse a tese despida de verossimilhança e respaldo, não há nos autos nada que justifique o fato de os três interessados nos testes e os proprietários da empresa sustentarem tese diversa: a de que JOSÉ CARLOS, em conluio com NEEMIAS, teriam perpetrado a aludida falsidade ideológica nos moldes já fartamente relatados. Já NEEMIAS, também interrogado em juízo, aduziu que: • atualmente cursa Direito; • era instrutor de tiros; • tem renda média de R$ 1.800,00; • nunca foi preso, nem processado; • tem conhecimento da acusação que lhe é feita; • confirma a confissão que fez perante o DPF; • em nenhum momento negou o que fez; • o delegado já chegou perguntando sobre o procedimento de tiros e as irregularidades;
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• confirmou que sim, bem como que havia assinado os laudos; • confirmou que JOSÉ CARLOS efetuou os tiros, enquanto o interrogado assinou os laudos; • JOSÉ CARLOS, de fato, foi quem atirou; • os três interessados assistiram isso tudo; • o procedimento é feito da seguinte forma: através do site do DPF, o candidato procura os instrutores credenciados e faz a cotação de preços com eles, escolhendo algum; • quem entrou em contato consigo foi KLEBSON, tendo acertado consigo o valor para ele e mais dois interessados; • combinaram então uma data, informando-a no site do DPF; • orientou como seria feita a avaliação, ou seja, em duas etapas: uma prova objetiva e a prova de tiros; • os três concordaram com a avaliação e marcaram a data; • também orientou os interessados de que, antes de tudo, deveriam fazer o exame psicotécnico; • na data do exame psicotécnico, o interrogando estava na empresa e os interessados chegaram; • os três se apresentaram a si, tendo KLEITON indagado se poderiam fazer o exame psicotécnico e o teste de tiros no mesmo dia; • informou a KLEITON que não poderia ser feito assim, já que o interrogando havia informado ao DPF que o teste de tiros seria feito em outra data; • nesse momento, JOSÉ CARLOS chegou; • como já dito, não tem arma; • de vez em quando, chamava realmente JOSÉ CARLOS quando ia fazer avaliações para que ele ajudasse o interrogando e dividissem os valores;
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• no aludido dia, JOSÉ CARLOS chegou e o interrogando o apresentou como o instrutor que iria fazer o teste posteriormente; • KLEITON pediu para fazerem o teste naquele dia, pois morava longe e não queria ter que voltar; • disse então que JOSÉ CARLOS conversasse com os três e saiu; • saiu por já ter dito que o teste não poderia ser feito no mesmo dia; • voltou para dar as aulas para os vigilantes; • no final da tarde, perguntou ao menino da portaria onde estavam os rapazes, se já haviam ido; • foi então informado que os rapazes estavam com JOSÉ CARLOS no stand de tiros; • na mesma hora, foi lá; • costumeiramente, como instrutor ou avaliador, perguntava ao candidato se não queria, antes do teste, fazer um treinamento; • trabalhava mais como instrutor do que como avaliador; • quando entrou no stand de tiros, viu os três candidatos e JOSÉ CARLOS à frente, com a pistola na mão, conversando com os meninos e atirando; • em primeiro lugar, pensou que JOSÉ CARLOS estava fazendo apenas uma demonstração; • depois, JOSÉ CARLOS lhe pediu para pegar o alvo; • pegou um e JOSÉ CARLOS disse que pegasse os outros dois; • foram três laudos sobrepostos; • perguntou o que era que estava acontecendo; • foi aí que JOSÉ CARLOS disse que tinha “acertado” com os meninos e estava tudo certo; • JOSÉ CARLOS lhe pediu para assinar os laudos e os rapazes assinarem os alvos; 197
• seu grande erro foi não ter dito “não”; • só consegue avaliar as pessoas porque JOSÉ CARLOS sempre lhe emprestava as armas; • ficou constrangido de dizer não a ele; • assinou o laudo e entregou; • a pressa dos rapazes era de ter o laudo logo para não terem que voltar à empresa; • acha que os rapazes insistiram muito com JOSÉ CARLOS para que ele fizesse logo a avaliação; • não combinou isso com JOSÉ CARLOS; • foi uma surpresa; • assinou os laudos e entregou no mesmo dia; • os rapazes receberam os laudos e levaram eles consigo; • ocorreu que, na quarta-feira, foi informado do “problema” por JOSÉ CARLOS; • JOSÉ CARLOS disse que SÉRGIO tinha ficado sabendo do ocorrido e estava a caminho; • admitiu tudo a SÉRGIO; • ligou então para os rapazes para refazerem os testes; • realizaram, então, o teste normalmente; • pelo que sabe, os stands não eram utilizados para treinamento; • assinou todos os três laudos; • quando soube do problema, remarcaram o teste e destruiu os três laudos; • também destruiu os três alvos relativos ao primeiro momento; • foi chamado pelos diretores, juntamente com JOSÉ CARLOS, para falarem sobre o ocorrido; • quando SÉRGIO os chamou para irem à sala, o próprio SÉRGIO perguntou se havia acontecido “isso, isso e isso”; 198
• desde o início, confirmou o que havia acontecido; • o alvo, quem assina é o candidato; • o candidato também assina a prova teórica; • quanto ao laudo, quem assina são aqueles que aplicam o teste e é justamente o laudo que é entregue ao DPF; • os fatos aconteceram, mas foi a primeira vez, em 7 anos de instrução, que se viu numa situação dessa; • nunca na vida tinha se envolvido em algo parecido. Sem maiores delongas, é de ver-se que NEEMIAS, diferentemente de JOSÉ CARLOS, admitiu a falsidade ideológica que perpetraram, ou seja, que JOSÉ CARLOS atirou, muito embora tenham atestado no laudo que os tiros haviam partido dos três candidatos, o que, efetivamente, não ocorreu. Em resumo, todas as provas apontam para a autoria e materialidade delitivas apontadas pela acusação, não merecendo a negativa de JOSÉ CARLOS qualquer acato. Quanto à tese defensiva de que os réus não poderiam ser condenados por não existir “corpo de delito”, também não merece prosperar e justifico. Em primeiro lugar, a falsidade impingida nos documentos restou perfeitamente comprovada por todas as provas, consoante já declinado, tendo o próprio NEEMIAS admitido os fatos a si cominados. Em outras palavras, ainda que, na atualidade, os alvos e laudos não mais existam, o fato é que a existência de ambos restou efetivamente demonstrada por provas tão legais e legítimas quanto um eventual exame de corpo de delito. Ademais, como se viu, os próprios réus “rasgaram” os documentos falseados. Diante dessa constatação, chega-se a outra: o exame dos documentos restou inviabilizado pela própria astúcia dos acusados que, agora, tentam se valer da própria torpeza para serem absolvidos. Enfim, além de a falsidade ter restado evidenciada por várias provas, a aventada “ausência de corpo de delito” se deveu exclusivamente aos réus que, na tentativa de se escusarem da culpa, rasgaram os documentos falsificados. 199
Em resumo, tem-se que tanto a autoria quanto a materialidade delitivas restaram demonstradas em relação a ambos os acusados que, de modo consciente e voluntário, perpetraram os três delitos nos moldes sinalados pela acusação. Por fim, mas ainda no esteio da tipicidade, cumpre destacar que as falsidades ideológicas foram perpetradas por três vezes, nas mesmas circunstâncias de tempo, modo de execução e outros simulares, nos exatos termos previstos pelo art. 71 do CPB. Verifico, por fim, que as condutas foram ainda antijurídicas visto que não acobertadas por qualquer causa excludente de antijuridicidade e culpáveis já que os réus eram plenamente capazes, tinham potencial consciência da ilicitude e podiam se comportar de maneira diversa.
3) Da fundamentação no sentido de que os documentos cartolinas - não teriam sido apresentados ao DPF ou a qualquer órgão público, daí falar-se em conduta atípica. Para evitar enfadonha e desnecessária repetição, verifica-se que a presente tese já fora enfrentada e rebatida no item que antecede o presente. Em suma, sendo o delito de falsidade ideológica crime de natureza formal – que independe de resultado para sua consumação –, o fato de as cartolinas não terem sido apresentadas perante o DPF ou outro órgão público não afasta sua consumação, tampouco a tipicidade da conduta. 4) Do argumento de que seria necessária a realização de perícia na cartolina, o que não teria ocorrido, tornando ainda mais imperiosa a absolvição. Quanto à desnecessidade da perícia, o juízo, de maneira fundamentada e coerente, assim pontuou: Quanto à tese defensiva de que os réus não poderiam ser condenados por não existir “corpo de delito”, também não merece prosperar e justifico. Em primeiro lugar, a falsidade impingida nos documentos restou perfeitamente comprovada por todas as provas, consoante já declinado, tendo o próprio NEEMIAS admitido os fatos a si cominados. 200
Em outras palavras, ainda que, na atualidade, os alvos e laudos não mais existam, o fato é que a existência de ambos restou efetivamente demonstrada por provas tão legais e legítimas quanto um eventual exame de corpo de delito. Ademais, como se viu, os próprios réus “rasgaram” os documentos falseados. Diante dessa constatação, chega-se a outra: o exame dos documentos restou inviabilizado pela própria astúcia dos acusados que, agora, tentam se valer da própria torpeza para serem absolvidos. Enfim, além de a falsidade ter restado evidenciada por várias provas, a aventada “ausência de corpo de delito” se deveu exclusivamente aos réus que, na tentativa de se escusarem da culpa, rasgaram os documentos falsificados.
5) Da tese de que, no caso, teria ocorrido o arrependimento eficaz, na medida em que os interessados não teriam feito uso das cartolinas. Quanto ao uso ou não das cartolinas – documentos falseados ideologicamente –, já se afirmou a desnecessidade no caso em concreto para a consumação do delito, haja vista se tratar de crime formal. Nessa toada, não há que se falar em arrependimento eficaz, já que a consumação do delito se deu no exato momento em que os três interessados assinaram a cartolina, maculando o documento de falsidade, pois se colocaram como autores dos tiros quando, em verdade, estes haviam sido disferidos por JOSÉ CARLOS. Ora, para que se fale em arrependimento eficaz, nos termos do art. 15, segunda parte, do CPB, pressupõe-se que o agente, após executar todas as condutas inerentes ao tipo, adote outra ação que impeça o resultado do delito. Desta constatação, chega-se a outra: no caso em apreço, sendo o delito formal que, portanto, consumou-se no exato instante da conduta independentemente de resultado, não há que se falar em arrependimento eficaz, máxime levando em conta a irrelevância da apresentação dos documentos perante o DPF, como já dito. 201
6) Da sustentação de que a pena deveria ser reduzida ao mínimo legal. Quanto ao pleito de que a pena fosse fixada no mínimo, também não há razão para acatá-lo. É que, como bem fundamentou a sentença, dentre as circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CPB que devem ser sopesadas para se fixar a pena-base, o acusado teve mais de uma considerada desfavorável, senão vejamos: (...) 3.1. Da aplicação da pena privativa de liberdade: critério trifásico: Primeira fase: análise das circunstâncias judiciais: A - Culpabilidade: No caso sub examine, verifica-se que os réus, de modo consciente e voluntário, falsearam três laudos relativos a testes de tiro que serviriam para dar subsídio a eventual porte de arma de fogo. Sobre a conduta de ambos, máxime levando em conta a relevância e gravidade de dar um atestado de aptidão para a aquisição de arma de fogo, entendo que o grau de culpabilidade foi intenso. B - Antecedentes: Em obediência ao princípio constitucional da presunção de inocência e em anuência ao entendimento esposado por boa parte da doutrina e reiteradamente assentado na jurisprudência, inclusive do STF e STJ, entendo como maus antecedentes – a serem sopesados negativamente em desfavor do réu – apenas os registros em folhas de antecedentes criminais que representem condenação com trânsito em julgado e que, adiante, não possam ser acatadas como agravante genérica da reincidência. Pois bem. Sob este enfoque, verifico que tal circunstância não pode ser sopesada em desfavor dos acusados. C - Conduta Social: Quanto a essa circunstância, deve o magistrado perquirir, diante das provas coligidas e se assim for possível, o 202
papel assumido por ela na sociedade, sua forma de se portar no ambiente familiar, profissional, perante seus vizinhos, conhecidos e amigos, para que se possa concluir se este se comporta ou não de acordo com as normas sociais que exigem uma conduta harmônica e baseada em respeito mútuo. Pois bem, sob este enfoque, do que pôde apreender este magistrado, não há nos autos provas que apontam para uma má conduta social assumida pelos réus. D - Personalidade: Considerando a personalidade como sendo o conjunto de caracteres exclusivos de uma pessoa que, muitas vezes, tornam-se patentes por intermédio de seus atos, volto-me às provas carreadas para concluir que não se mostraram os réus como pessoas articuladas, ardilosas, experientes ou voltadas ao mundo do crime, não se denotando de sua personalidade traços que os distinguissem do homem médio, mostrando-se o presente delito um mero fato destoante na caminhada. E - Motivos: Como circunstância judicial, o motivo deve ser entendido como a razão de ser, a causa, o fundamento do crime perpetrado, sua mola propulsora. Sob este enfoque, portanto, verifico que, no caso dos autos, tal circunstância deve ser sopesada em desfavor dos réus, já que a razão da prática do delito foi a ganância, a intenção de ganharem, com a maior brevidade possível, os “honorários”. F - Circunstâncias: As circunstâncias a que se refere o art. 59 do CPB são aquelas relacionadas ao cometimento do fato havido por delituoso, ou seja, são peculiaridades, particularidades, detalhes e/ou nuanças observadas ao derredor da conduta, que podem ser sopesadas ou não em desfavor daquele que age. Com estes esclarecimentos, volto-me ao caso em apreço para pontificar que vislumbrei particularidade circunstancial no cometimento do ilícito a ser sopesada em desfavor dos réus, máxime o fato terem, astutamente, sobreposto os três alvos cada um relativo a um dos 203
examinandos para realizarem a atividade de disparar apenas uma vez 20 tiros que valeriam para os três, gastando assim menos munição e menos tempo com o “teste”. G - Consequências: Quanto às consequências do crime, verifico terem extrapolado às inerentes a sua própria consumação, já que os réus tinham conhecimento da possibilidade de os examinandos, mesmo inaptos, obterem, graças à fraude engendrada, porte de arma de fogo, o que poria em risco a sociedade como um todo. H - Comportamento da vítima: O comportamento da vítima, no presente caso, em nenhum momento pode ser encarado como provocador da conduta dos réus. Pena-base: O art. 299 do Código Penal prevê para quem o infringe pena de reclusão, de um a cinco anos, e multa, se o documento é público, e reclusão de um a três anos, e multa, se o documento é particular. Considerando o acima fundamentado, máxime a quantidade de condições desfavoráveis, fixo a pena-base privativa de liberdade apenas em 1 (um) ano e 9 (nove) meses de reclusão. (...)
Como se infere, das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do CPB, quatro foram – acertadamente, diga-se de passagem – consideradas desfavoráveis ao acusado – culpabilidade, motivo, circunstâncias e consequências –, daí ser inadmissível, quer juridicamente, quer logicamente, a fixação da pena-base no mínimo legal. Vencidos os argumentos de defesa, mantenho a sentença por seus próprios fundamentos. Recurso improvido. É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0802176-60.2014.4.05.8500-SE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CAR VALHO Apelante: SCHAHIN ENGENHARIA S.A. Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Adv./Proc.: DR. PAULO GUILHERME DE MENDONÇA LOPES (APTE.) EMENTA: CONSTITUCIONAL. CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DANO AMBIENTAL. POLUIÇÃO HÍDRICA. VAZAMENTO DE 50 BARRIS DE FLUÍDO SINTÉTICO DE PERFURAÇÃO BR-MUL, NA COSTA MARÍTIMA DO ESTADO DE SERGIPE. ÁREA DE PROTEÇÃO PERMANENTE. LAUDO TÉCNICO AMBIENTAL Nº 17/2011, DA MARINHA DO BRASIL. DANO AMBIENTAL MODERADO. INDENIZAÇÃO. VALOR A SER FIXADO NA FASE DE LIQUIDAÇÃO POR MEIO DE ARBITRAMENTO. I. Trata-se de apelação em face de sentença que, em sede de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, julgou procedentes os pedidos autorais para condenar a empresa SCHAHIN ENGENHARIA LTDA. à obrigação de indenizar, consistente em reparar os danos ambientais causados pela poluição hídrica decorrente do lançamento ao mar de fluido de perfuração oriundo do Navio Sonda NS-09, em valor a ser liquidado posteriormente na forma da lei, com a utilização do “Método CETESB”, valor indenizatório a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, criado pelo art. 13 da Lei nº 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto nº 1.306/94. Condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios, cujo valor será fixado na fase de liquidação da sentença, nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC/2015. II. SCHAHIN ENGENHARIA S.A., em suas razões de recurso, sustenta, preliminarmente, a ausên205
cia de interesse de agir da presente demanda, tendo em vista que não foi causado nenhum dano ambiental pela apelante, não apontando a sentença, em momento algum, qual teria sido a prova do dano. No mérito, alega a inexistência de dano ambiental, porquanto, segundo defende, o fluido sintético de perfuração BR-MUL não é material nocivo ao meio ambiente e sim biodegradável, consoante o Laudo Técnico Ambiental nº 17/2011, elaborado pela Marinha do Brasil. III. Acrescenta que não foram atendidos os requisitos ensejadores de responsabilidade civil, já que, muito embora tenha ocorrido o vazamento do “fluido de perfuração base parafina BR-MUL” inexistiu qualquer dano ambiental, presente ou futuro seja em mar ou na terra. Por fim, subsidiariamente, por força do princípio da proporcionalidade, postula pela limitação do quantum da multa ao montante de R$ 100.000,00 (cem mil reais), valor atribuído à causa. IV. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem comum de uso do povo, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. V. No que diz respeito à reparação do dano ao meio ambiente, o ordenamento jurídico pátrio agasalha a responsabilidade objetiva e impõe o dever de recomposição integral dos prejuízos por parte dos agentes infratores. A responsabilidade por dano ambiental, portanto, possui evidenciado caráter objetivo, sendo necessária a presença do nexo e do dano, independentemente do caráter volitivo do agente (dolo/culpa). VI. Consoante entendimento do STJ, o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. 206
Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. (REsp 605.323/MG; RECURSO ESPECIAL 2003/0195051-9Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI) VII. No presente caso, em 08/11/2010, houve o vazamento de 250 barris (aproximadamente 39.700 litros) de fluido de perfuração BR-MUL no mar durante a operação de perfuração do poço 1-SES-157 pelo navio sonda NS-9 (SC-LANCER), localizado a cerca de 25 km da costa do Estado de Sergipe. VIII. O Laudo Técnico Ambiental nº 017/2011, emitido pela Marinha do Brasil esclareceu que [...] “a região costeira mais ao sul do estado de Sergipe apresenta um complexo estuarino importante, com os rios Piauí-Fundo-Rcal, a barra de São Cristóvão, onde fica a foz do rio Vaza-Barris e o rio Sergipe, denotando uma área de elevado índice de sensibilidade ambiental litorânea ao óleo (ISL)”. IX. Acrescentou que: “Predominam nesse complexo ambientes de grande sensibilidade ambiental (ISL 10), como banhados, brejos, margens de rios, vegetação de mangues, apicuns e de bacia. Em algumas porções são também encontrados ambientes de ISL 9, como terraço de baixa-mar, e praias de areia média com ISL. Os trechos da linha de costa do rio Piauí até o rio Vaza-Barris até a foz do rio Sergipe, com suas praias dissipativas de areia média e fina expostas, faixas arenosas contíguas às praias, não vegetadas sujeitas à ação de ressacas e campos de dunas expostas, 207
caracterizam um ISL igual a 3 em toda a sua extensão (ARAÚJO et al., 2007). Cabe salientar também que o rio Sergipe é uma Área de Proteção Permanente (Lei Estadual Nº. 2.825/1990) e, a foz do rio Vaza-Barris, uma área de Proteção Ambiental, ‘APA da Foz do Rio Vaza-Barris’, criada pelo Decreto Estadual Nº 2.795/1990.” X. O relatório destacou, ainda, que “estudos realizados na Bacia de Campos indicaram que, em curto prazo, os impactos oriundos das descargas de fluidos não aquosos sintéticos associados a cascalhos podem variar muito, desde alterações menores na estrutura da comunidade biológica, a distâncias moderadas (centenas de metros) a partir do ponto de descarga, até a virtual extinção da biota em áreas localizadas nas imediações do ponto de lançamento”, concluindo, por fim, que o incidente deveria ser classificado como “dano ambiental moderado”. XI. No caso, aplicáveis as medidas compensatórias ao invés de se buscar a restauração natural do bem agredido, tendo em vista a impossibilidade de retorno ao status quo ante, em face do transcurso do tempo e das características do produto vazado. XII. No que toca aos pedidos de limitação do quantum indenizatório ao valor atribuído à causa, o Direito brasileiro não admite a imposição de indenização com finalidade punitiva imediata (punitive damage) em face da ocorrência de danos ambientais. Caso em que o valor da reparação deve considerar a extensão do dano ambiental, a ser apurada, na fase de liquidação de sentença, quando, então, os prejuízos serão valorados por arbitramento, como entendeu o sentenciante a quo. XIII. Apelação improvida.
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ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Recife, 22 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO: Trata-se de apelação em face de sentença que, em sede de ação civil pública promovida pelo Ministério Público Federal, julgou procedentes os pedidos autorais para condenar a empresa SCHAHIN ENGENHARIA LTDA. à obrigação de indenizar, consistente em reparar os danos ambientais causados pela poluição hídrica decorrente do lançamento ao mar de fluido de perfuração oriundo do Navio Sonda NS-09, em valor a ser liquidado posteriormente na forma da lei, com a utilização do “Método CETESB”, valor indenizatório a ser revertido ao Fundo de Defesa dos Direitos Difusos, criado pelo art. 13 da Lei nº 7.347/85 e regulamentado pelo Decreto nº 1.306/94. Condenação da ré ao pagamento de honorários advocatícios, cujo valor será fixado na fase de liquidação da sentença, nos termos do art. 85, § 4º, II, do CPC/2015. SCHAHIN ENGENHARIA S.A., em suas razões de recurso, sustenta, preliminarmente, a ausência de interesse de agir da presente demanda, tendo em vista que não foi causado nenhum dano ambiental pela apelante, não apontando a sentença, em momento algum, qual teria sido a prova do dano. No mérito, alega a inexistência de dano ambiental, porquanto, segundo defende, o fluido sintético de perfuração BR-MUL não é material nocivo ao meio ambiente e sim biodegradável, consoante o Laudo Técnico Ambiental nº 17/2011, elaborado pela Marinha do Brasil. Acrescenta que não foram atendidos os requisitos ensejadores de responsabilidade civil, já que, muito embora tenha ocorrido o 209
vazamento do “fluido de perfuração base parafina BR-MUL” inexistiu qualquer dano ambiental, presente ou futuro seja em mar ou na terra. Por fim, subsidiariamente, por força do princípio da proporcionalidade, postula pela limitação do quantum da multa ao montante de R$ 100.000, 00 (cem mil reais), valor atribuído à causa. É o relatório. Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO (Relator): Não merecem prosperar o presente apelo. O meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem comum de uso do povo, cabendo ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo. A Constituição Federal trata da proteção ao meio ambiente em seu art. 225, in verbis: Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e dos ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III- definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; (...) VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológi-
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ca, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.
No que diz respeito à reparação do dano ao meio ambiente, o ordenamento jurídico pátrio agasalha a responsabilidade objetiva e impõe o dever de recomposição integral dos prejuízos por parte dos agentes infratores. A responsabilidade por dano ambiental, portanto, possui evidenciado caráter objetivo, sendo necessária a presença do nexo e do dano, independentemente do caráter volitivo do agente (dolo/culpa). Conforme disposto no § 3° do art. 225: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados”. A Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, n.º 6.938/81, cujo art. 14, § 1º, reza que “o poluidor é obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade”. Por sua vez, o art. 3º, IV, da referida lei, define poluidor como “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental”. Já o art. 4º, VII, dispõe que a Política Nacional do Meio Ambiente visará “à imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados, e ao usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”. As normas ambientais revelam-se como providências ressarcitórias de natureza civil de natureza propter rem que buscam, de maneira simultânea e complementar, a restauração do status quo ante da biota/bioma afetada e a reversão à coletividade dos benefícios econômicos auferidos com a utilização ilegal e individual desse bem que é de uso comum do povo. Consoante entendimento do STJ, o sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, § 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 211
4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso. (REsp 605.323/MG; RECURSO ESPECIAL 2003/0195051-9; Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI) No presente caso, em 08/11/2010, houve o vazamento de 250 barris (aproximadamente 39.700 litros) de fluido de perfuração BR-MUL no mar durante a operação de perfuração do poço 1-SES-157 pelo navio sonda NS-9 (SC-LANCER), localizado a cerca de 25 km da costa do Estado de Sergipe. O Laudo Técnico Ambiental nº 017/2011, emitido pela Marinha do Brasil esclareceu que [...] “a região costeira mais ao sul do estado de Sergipe apresenta um complexo estuarino importante, com os rios Piauí-Fundo-Rcal, a barra de São Cristóvão, onde fica a foz do rio Vaza-Barris e o rio Sergipe, denotando uma área de elevado índice de sensibilidade ambiental litorânea ao óleo (ISL)”. Acrescentou que: Predominam nesse complexo ambientes de grande sensibilidade ambiental (ISL 10), como banhados, brejos, margens de rios, vegetação de mangues, apicuns e de bacia. Em algumas porções são também encontrados ambientes de ISL 9, como terraço de baixa-mar, e praias de areia média com ISL 3. Os trechos da linha de costa do rio Piauí até o Rio Vaza-Barris até a foz do rio Sergipe, com suas praias dissipativas de areia média e fina expostas, faixas arenosas contíguas às praias, não vegetadas sujeitas à ação de ressacas e campos de dunas expostas, caracterizam um ISL igual a 3 em toda a sua extensão (ARAÚJO et al., 2007). Cabe salientar também que o rio Sergipe é uma Área de Proteção Permanente (Lei Estadual n° 2.825/1990) e, a foz do Rio Vaza-Barris, uma área de Proteção Ambiental, “APA da Foz do Rio Vaza-Barris”, criada pelo Decreto Estadual nº 2.795/1990.
O relatório destacou: 212
Mesmo que em menor intensidade em relação aos outros tipos de fluidos, o fluido de base sintética pode impactar o assoalho marinho, uma vez que pouco se dispersa na coluna d’água. Outro aspecto de grande importância que deve ser considerado é que quando ocorre o descarte do fluido aderido ao cascalho e sua posterior deposição sobre o fundo marinho, os organismos que vivem associados ao sedimento podem ser afetados (CAMPOS, 2007; HABITEC & PETROBRAS, 2009). Estes organismos estão suscetíveis à anoxia proveniente da decomposição do fluido base agregado ao cascalho, a alterações no habitat devido a modificações no tamanho e composição dos sedimentos marinhos, à toxidade e à bioacumulação de componentes do fluido.
Indicou ainda que “estudos realizados na Bacia de Campos indicaram que, em curto prazo, os impactos oriundos das descargas de fluidos não aquosos sintéticos associados a cascalhos podem variar muito, desde alterações menores na estrutura da comunidade biológica, a distâncias moderadas (centenas de metros) a partir do ponto de descarga, até a virtual extinção da biota em áreas localizadas nas imediações do ponto de lançamento”, concluindo, por fim, que incidente deve ser classificado como “dano ambiental moderado”. Não há dúvidas sobre a ocorrência de dano ambiental, devendo o interesse privado ceder frente ao interesse da coletividade, e que se expressa em ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado, o que foi erigido pelo constituinte originário em bem de uso comum do povo, e direito das presentes e futuras gerações (art. 225, caput, da CF/88) (PROCESSO: 00006194620104058101, AC587766/CE, DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI, Terceira Turma, JULGAMENTO: 18/08/2016, PUBLICAÇÃO: DJe 29/08/2016 - Página 68). Consoante entendimento do STJ, “O sistema jurídico de proteção ao meio ambiente, disciplinado em normas constitucionais (CF, art. 225, parágrafo 3º) e infraconstitucionais (Lei 6.938/81, arts. 2º e 4º), está fundado, entre outros, nos princípios da prevenção, do poluidor-pagador e da reparação integral. Deles decorrem, para os destinatários (Estado e comunidade), deveres e obrigações de
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variada natureza, comportando prestações pessoais, positivas e negativas (fazer e não fazer), bem como de pagar quantia (indenização dos danos insuscetíveis de recomposição in natura), prestações essas que não se excluem, mas, pelo contrário, se cumulam, se for o caso”. (REsp 605.323/MG ; RECURSO ESPECIAL 2003/0195051-9, Ministro TEORI ALBINO ZAVASCKI) No caso, entendo ser aplicável ao caso as medidas compensatórias ao invés de se buscar a restauração natural do bem agredido, tendo em vista a impossibilidade de retorno ao status quo ante, em face do transcurso do tempo e das características do produto vazado. No que toca aos pedidos de limitação do quantum indenizatório ao valor atribuído à causa, o Direito brasileiro não admite a imposição de indenização com finalidade punitiva imediata (punitive damage) em face da ocorrência de danos ambientais. Caso em que o valor da reparação deve considerar a extensão do dano ambiental, a ser apurada, na fase de liquidação de sentença, quando, então, os prejuízos serão valorados por arbitramento, como entendeu o sentenciante a quo. Diante do exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
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COMPOSIÇÃO DA TERCEIRA TURMA
Desembargador Federal Cid Marconi Presidente da Terceira Turma Período: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Rogério Fialho
Desembargador Federal Fernando Braga
JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0801265-18.2018.4.05.8400RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA Apelantes: BELQUIOR MATEUS ALVES DE LIMA E LUCAS FELIPE DA SILVA BARBOSA Apelado: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL Repte.: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Adv./Proc.: DR. ROUSSEAUX DE ARAUJO ROCHA EMENTA: PENAL E PROCESSO PENAL. APELAÇÃO. ROUBO MAJORADO (CP, ART. 157, CAPUT E § 2º, I E II). CONCURSO DE PESSOAS, EMPREGO DE ARMA DE FOGO E RESTRIÇÃO DE LIBERDADE (SUBTRAÇÃO DE BENS PERTENCENTES À POLÍCIA FEDERAL E AMEAÇAS A AGENTE DE POLÍCIA FEDERAL QUE EXTRAPOLARAM À GRAVE AMEAÇA ÍNSITA AO TIPO). CORRUPÇÃO DE MENOR (LEI 8.069/90, ART. 244-B). ASSOCIAÇÃO CRIMINOSA ARMADA (CP, ART. 288, PARÁGRAFO ÚNICO). AUTORIA E MATERIALIDADE COMPROVADAS. DOSIMETRIA. HIGIDEZ. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS. ANÁLISE. REDUÇÃO DA PENA PELA CONFISSÃO. PEDIDO PREJUDICADO. ATENUANTE JÁ RECONHECIDA NA SENTENÇA EM RELAÇÃO A TODOS OS CRIMES. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DA PENA AQUÉM DO MÍNIMO. ÓBICE PRECONIZADO NA SÚMULA 231/STJ. SENTENÇA LASTREADA NO CONJUNTO HARMÔNICO DE PROVAS JUDICIAIS E EXTRAJUDICIAIS. ABSOLVIÇÃO NÃO RECOMENDADA. SENTENÇA CONDENATÓRIA CONFIRMADA. APELAÇÕES IMPROVIDAS. 1 - Apelação criminal interposta pela Defesa contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara/RN (Id. 4058400.4052912), que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia, condenando os réus pela prática 218
do crime previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, com redação anterior à lei nº 13.654/2018, e art. 288, parágrafo único, ambos do Código Penal, e art. 244-B da Lei nº 8.069/90, passando a dosar as penas nos seguintes termos: I - Em relação a BELQUIOR MATEUS ALVES DE LIMA, pelo crime de roubo (art. 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal) em 6 anos, 3 meses, e 18 dias de reclusão, e 141 dias-multa; pelo crime de corrupção de menores (art. 244-B da Lei nº 8.069/90) em 1 ano e 3 meses de reclusão; pela associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal) em 1 ano, 2 meses e 10 dias de reclusão. Em decorrência do Concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), totalizando a PENA CONCRETA E DEFINITIVA em 8 (oito) anos, 8 (oito) meses e 28 (vinte e oito) dias de reclusão, devendo ser cumprida, nos termos do art. 33, § 2º, alínea a, e § 3º, e art. 59, inciso III, ambos do Código Penal, em regime inicialmente fechado e 141 (cento e quarenta e um) DIAS-MULTA. II - Em relação a LUCAS FELIPE DA SILVA BARBOSA, pelo crime de roubo (art. 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal) em 5 (cinco) anos, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, 102 (cento e dois) DIAS-MULTA; pelo crime de corrupção de menores (art. 244-B da Lei nº 8.069/90) em 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de reclusão; pela associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal) em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão. Em decorrência do concurso material de crimes, totalizando a PENA CONCRETA E DEFINITIVA em 7 (sete) anos, 9 (nove) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão, devendo ser cumprida, nos termos do art. 33, § 2º, alínea a, e § 3º, e art. 59, inciso III, ambos do Código Penal, em regime inicialmente fechado e 102 (cento e dois) DIAS-MULTA. 219
FATOS 2 - Réus, com a ajuda de mais três pessoas, sendo uma delas menor de idade, identificada como I.N.V.S., teriam subtraído de uma residência localizada em Natal/RN, por volta das 14h do dia 31 de dezembro de 2017, mediante violência e grave ameaça, com emprego de armas de fogo e com restrição à liberdade das vítimas, bens pertencentes à Polícia Federal que se encontravam com a Agente de Polícia Federal Sarah Madera Callegaro, na sua residência, além de objetos dela e de parentes seus. 3 - Os acusados associaram-se ao menor de idade já citado, que teria sido corrompido pelos acusados, além dos menores P.H.S. e P. (sem identificação completa nos autos) para o fim de cometer crimes, dentre eles um assalto a Gutenberg Luiz de Farias, no dia 30 de dezembro de 2017, de quem subtraíram, mediante grave ameaça, o veículo marca Chevrolet, modelo Prisma, que serviu de apoio para os roubos vindouros; um assalto à residência de Fernando Miliari dos Santos no dia 3 de janeiro de 2018, nos moldes do perpetrado, no caso concreto, contra a Agente de Polícia Federal Sarah Callegaro, de quem foi subtraído bens pertencentes à Polícia Federal; e um homicídio de um Policial Militar na cidade de Natal/RN, também no início de janeiro de 2018. Os menores I.N.V.S e P.H.S. vieram a óbito ainda no mês de janeiro de 2018, em consequência da ação criminosa (em confronto com Policiais) estando o menor P. (sem identificação completa) foragido. MATERIALIDADE DELITIVA 4 - Confirmação. Não houve insurgência pela acusação e defesa de ambos os réus quanto à materialidade delitiva dos crimes de roubo majorado, de corrupção de menor e associação criminosa armada, pelo que se confirma a sen220
tença nesta parte, vez que transitada em julgado para a acusação e defesa. AUTORIA DELITIVA (RECURSO EXCLUSIVO DO RÉU BELQUIOR LIMA) 5 - Inexistem fatos novos, no recurso da defesa do acusado BELQUIOR LIMA, que autorizem a pretendida absolvição por ausência de prova de autoria delitiva. Sentença que evidencia, juntamente com os elementos de prova apurados no inquérito policial e corroborados na instrução criminal, de forma inequívoca, que: I - as vítimas Sarah Madera Callegaro e Ciro José Callegaro, em procedimento de reconhecimento pessoal realizado em sede policial, reconheceram com segurança e certeza a pessoa do réu BELCHIOR LIMA como sendo um dos assaltantes que praticaram o roubo no dia 31.12.2017, tendo a vítima Ciro José Callegaro ratificado o reconhecimento em juízo; II - por meio das interceptações telefônicas, o celular da vítima Sarah Madera Callegaro foi encontrado com a irmã do réu BELCHIOR LIMA, a qual relatou, em sede policial, que seu irmão é membro de um grupo armado oriundo da comunidade do “Vietnã”, situada no bairro de Santos Reis, local onde o celular deu sinal de GPS após ter sido roubado do interior da residência da agente da Polícia Federal Sarah Madera Callegaro; III - embora o réu LUCAS BARBOSA tenha negado a participação do réu BELCHIOR LIMA, alegando ter cometido o crime apenas em concurso com o adolescente I.N.V.d.S, “Glay” e “Henrique”, as vítimas foram categóricas em afirmar que o roubo foi cometido por 5 (cinco) assaltantes não por 4 (quatro); IV - a ausência de fragmentos de impressão digital em condições técnicas de confronto e individualização pela perícia papiloscópica não é suficiente para ensejar a absolvição do ape221
lante, porquanto há nos autos outros elementos probatórios capazes de comprovar a autoria do réu BELCHIOR LIMA; V - o réu, quando questionado a respeito do que teria feito no dia do assalto, apresentou duas versões distintas, sendo que nenhuma delas foi corroborada pelo depoimento de sua namorada, que relatou uma terceira narrativa dos fatos. Além disso, também foi encontrado na residência do réu um revólver cal. 38, semelhante àquela usada durante o roubo; VI - as provas constantes dos autos confirmam a coautoria do réu BELCHIOR LIMA no crime de roubo já analisado, praticado pelos réus BELCHIOR LIMA e LUCAS BARBOSA em concurso com outras 3 (três) pessoas, dentre elas o adolescente I.N.V.d.S., cuja menoridade (á época dos fatos – 31/12/2017) era de pleno conhecimento dos apelantes, vez que nascido aos 6 de abril de 2003. Versão confirmada no interrogatório do réu Belquior, que corrompendo o adolescente I.N.V.d.S com ele praticando infração penal equiparada a roubo, não há que se falar em absolvição quanto ao crime previsto no art. 244-B da Lei nº 8.069/90; VII - Além dos crimes narrados na denúncia, os autos registram também a prática de outros dois delitos cometidos pelo grupo armado do qual fazem parte ambos os apelantes, qual sejam, o roubo de um veículo da marca Chevrolet, modelo Prisma, usado na fuga do assalto cometido à vítima Sarah Madera Callegaro e seus parentes, e o roubo contra a vítima Fernando Miliari Santos e sua família, em 03.01.2018. A própria irmã do réu BELCHIOR LIMA confirmou que seu irmão, ora apelante, é membro de um grupo armado oriundo da comunidade do “Vietnã”, situada no bairro de Santos Reis, o que corrobora com as conclusões já apresentadas. 222
6 - “A existência de provas colhidas em juízo, sob o crivo do contraditório, que corroborem a veracidade dos elementos produzidos extrajudicialmente, sustentando a versão apresentada pela acusação,é suficiente para autorizar a manutenção da integridade do édito condenatório”: STJ - AgRg no HC 118.761/MS, Rel. Min. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, DJe 16/03/2009. Pedido de absolvição do réu BELCHIOR LIMA improcedente. DOSIMETRIA DA PENA (INSURGÊNCIA EXCLUSIVA DA DEFESA DO RÉU LUCAS FELIPE): 7 - Apenas a defesa do réu LUCAS FELIPE insurge-se quanto à dosimetria da pena, de modo que a sentença condenatória transitou em julgado, nesta parte da aplicação da pena, para a acusação e para a defesa do réu BELCHIOR MATEUS 8 - Delito previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, do CP (argumenta que as circunstâncias do crime, consideradas negativa na sentença, seriam inerentes ao tipo incriminador): I - Inexiste reparo a ser efetuado na sentença. O juiz analisou tal circunstância judicial, com respaldo no arcabouço fático, convencendo-se de forma motivada que: “as circunstâncias [do crime] foram bastante negativas, já que o crime se perpetrou com invasão de residência, havendo crianças no local, com ameaças mais veementes quando descoberto pelos agentes que uma das vítimas era policial, profissão que, atualmente, sofre perseguição e agressão, inclusive mortes, gratuitas, simplesmente pelo fato de se ser um agente público”. II - Os desvalor dado ocorreu pelo fato de existir crianças na casa durante o assalto e a existência das ameaças proferidas à vítima dos assaltantes - Sarah Madera Callegaro, agente da Polícia Federal. Revelam os autos que tais ameaças 223
excederam à grave ameaça inerente ao tipo penal de roubo, constituindo verdadeiro ritual de “tortura psicológica” à pessoa da policial federal. Alie-se à circunstância de que a empreitada ocorreu numa tarde de véspera de ano novo – 31 de dezembro – quando estavam presentes na casa invadida pelos réus, parentes e amigos da Policial Federal – vítima do assalto. III - A valoração negativa das circunstâncias do crime não integram o tipo incriminador de roubo. Inexistência de bis in idem. 9 - Crime do art. 244-B da Lei nº 8.069/90 (requer fixação da pena-base no mínimo legal) I - Ao valorar negativamente a circunstância judicial das consequências do crime, a sentença consignou: “que as consequências extrapenais do delito foram relevantes, uma vez que o menor de idade ingressou no mundo da criminalidade e veio a óbito”. II - Nada a modificar na sentença. A configuração do crime do artigo 244-B da Lei nº 8.068/90, independe da prova da efetiva corrupção do menor I.N.V.S., vez que se trata de crime formal (Súmula nº 500 do STJ). Ademais, a vítima, agente de polícia federal, ao prestar depoimento, declarou que a menoridade do agente era perceptível, independentemente de portar ou não um documento de identificação, pois possuía compleição física de uma pessoa de onze anos. Instrução que demonstrou que o menor era nascido aos 6 de abril de 2003. III - Das interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal, o adolescente foi morto em confronto com a polícia no dia 06.01.2018, depois de haver participado de uma tentativa de roubo, incitado pelo réu Lucas, com arma de fogo, no bairro de Morro Branco. Há nos autos, ainda, o laudo necroscópico nº 68/2018 (fls. 114-116 do PJe), que indica o instrumento causador da morte, a saber, projétil de arma de fogo. 224
10 - Aplicação, em todos os crimes pelos quais foi condenado, da atenuante prevista no art. 65, I, do CP, porquanto o réu, ao tempo dos fatos, era menor de 21 anos (nascido aos 4 de fevereiro de 1997, tendo o crime ocorrido em 31 de dezembro de 2017). Pedido prejudicado, análise já realizada na sentença, que consignou: I - “presentes, na espécie, as circunstâncias atenuantes de confissão e menoridade, previstas no art. 65, incisos I e III, alínea d, do Código Penal, e inexistindo circunstâncias agravantes, MINORO a sanção em 6 (seis) meses (...)”. II - Para os crimes de associação e de corrupção de menores, ao reconhecer a existência de circunstâncias atenuantes e diminuir a pena, fixou-as no mínimo legal possível. 11 - Descabida qualquer redução da pena para aquém do mínimo previsto, diante do óbice preconizado no Enunciado da Súmula nº 231 do STJ, in verbis: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. 12 - Sentença apelada condenatória, que se confirma na sua integralidade, pois em consonância com os elementos de prova apurados no Inquérito e corroborados na instrução criminal. 13 - Em harmonia com o parecer da PRR - 5ª Região, apelações dos réus improvidas. ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, negar provimento às apelações dos réus, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 28 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA - Relator 225
RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA: Trata-se de apelação criminal interposta pela defesa do acusado LUCAS FELIPE DA SILVA BARBOSA (Id. nº 4058400.4231528) e BELQUIOR MATEUS ALVES DE LIMA (Id. nº 4058400.4388123) contra sentença proferida pelo Juízo Federal da 2ª Vara/RN (Id. 4058400.4052912), que julgou parcialmente procedente o pedido formulado na denúncia, condenando os réus pela prática do crime previsto no art. 157, § 2º, incisos I e II, com redação anterior à Lei nº 13.654/2018, e art. 288, parágrafo único, ambos do Código Penal, e art. 244-B da Lei nº 8.069/90, passando a dosar as penas nos seguintes termos: I - Em relação a BELQUIOR MATEUS ALVES DE LIMA, pelo crime de roubo (art. 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal) em 6 anos, 3 meses, e 18 dias de reclusão, e 141 dias-multa; pelo crime de corrupção de menores (art. 244-B da Lei nº 8.069/90) em 1 ano e 3 meses de reclusão; pela associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal) em 1 ano, 2 meses e 10 dias de reclusão. Em decorrência do Concurso material de crimes (art. 69 do Código Penal), totalizando a PENA CONCRETA E DEFINITIVA em 8 (oito) anos, 8 (oito) meses e 28 (vinte e oito) dias de reclusão, devendo ser cumprida, nos termos do art. 33, § 2º, alínea a, e § 3º, e art. 59, inciso III, ambos do Código Penal, em regime inicialmente fechado e 141 (cento e quarenta e um) DIAS-MULTA. II - Em relação a LUCAS FELIPE DA SILVA BARBOSA, pelo crime de roubo (art. 157, caput e § 2º, incisos I e II, do Código Penal) em 5 (cinco) anos, 7 (sete) meses e 6 (seis) dias de reclusão, 102 (cento e dois) DIAS-MULTA; pelo crime de corrupção de menores (art. 244-B da Lei nº 8.069/90) em de 1 (um) ano e 15 (quinze) dias de reclusão; pela associação criminosa armada (art. 288, parágrafo único, do Código Penal) em 1 (um) ano e 2 (dois) meses de reclusão. Em decorrência do concurso material de crimes, totalizando a PENA CONCRETA E DEFINITIVA em 7 (sete) anos, 9 (nove) meses e 21 (vinte e um) dias de reclusão, devendo ser cumprida, nos termos 226
do art. 33, § 2º, alínea a, e § 3º, e art. 59, inciso III, ambos do Código Penal, em regime inicialmente fechado e 102 (cento e dois) DIAS-MULTA. Segundo a denúncia, os réus, com a ajuda de mais três pessoas, sendo uma delas menor de idade, identificada como Iwdson Natalício Vasconcelos da Silva, teriam subtraído de uma residência localizada nesta Capital, por volta das 14h do dia 31 de dezembro de 2017, mediante violência e grave ameaça, com emprego de armas de fogo e com restrição à liberdade das vítimas, bens pertencentes à Polícia Federal que se encontravam com a Agente de Polícia Federal Sarah Madera Callegaro, além de objetos dela e de parentes seus. Sustentou o órgão ministerial que os acusados associaram-se ao menor de idade já citado, que teria sido corrompido, Paulo Henrique dos Santos e Paulo (sem identificação completa nos autos) para o fim de cometer crimes, dentre eles um assalto a Gutenberg Luiz de Farias, no dia 30 de dezembro de 2017, de quem subtraíram, mediante grave ameaça, o veículo marca Chevrolet, modelo Prisma, que serviu de apoio para os roubos vindouros; um assalto à residência de Fernando Miliari dos Santos no dia 3 de janeiro de 2018, nos moldes do perpetrado contra a APF Sarah Callegaro; e um homicídio de um Policial Militar nesta Capital, também no início de janeiro de 2018. Apontou, ainda, a denúncia que Iwdson Natalício e Paulo Henrique vieram a óbito ainda no mês de janeiro de 2018, estando Paulo foragido. Nas suas razões de apelação, ambos acusados pugnam pela reforma da sentença, alegando: I - O réu BELQUIOR LIMA: (i) inexistência de prova da autoria do crime de roubo, de corrupção de menor e associação criminosa armada; (ii) desclassificação do crime do art. 157 para o do art. 180, ambos do Código Penal. II - O réu LUCAS BARBOSA pela reforma da dosimetria da pena-base para o crime de roubo (circunstâncias do crime favorável ao réu) e para o crime de corrupção de menores (consequências do crime favorável); exclusão da causa de aumento do inciso I do § 2º do art. 157 do CP; aplicação da atenuante da confissão espontânea – art. 65, I, do CP. 227
Contrarrazões pela acusação (Id. 4058400.4532410 e Id. 4058400.4265446). A PRR-5ª Região ofertou o parecer (Id. nº 4050000.14086836), opinando pela manutenção da sentença. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROGÉRIO FIALHO MOREIRA (Relator): Os crimes imputados ao acusado estão assim tipificados: Roubo Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Pena - reclusão, de quatro a dez anos, e multa. (...) § 2º - A pena aumenta-se de um terço até metade: I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma; II - se há o concurso de duas ou mais pessoas; (...) Corrupção de menores Art. 244-B. Corromper ou facilitar a corrupção de menor de 18 (dezoito) anos, com ele praticando infração penal ou induzindo-o a praticá-la: Pena - reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos. Associação criminosa armada Art. 288. Associarem-se 3 (três) ou mais pessoas, para o fim específico de cometer crimes: Pena - reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos. Parágrafo único. A pena aumenta-se até a metade se a associação é armada ou se houver a participação de criança ou adolescente.
Nas razões recursais, o réu BELQUIOR LIMA pugna pela : (i) inexistência de prova da autoria do crime de roubo, de corrupção de menor e associação criminosa armada; (ii) desclassificação do crime do art. 157 para o do art. 180, ambos do Código Penal. 228
Por sua vez, o réu LUCAS BARBOSA insurge-se tão somente por questões atinentes à dosimetria da pena. Passo à análise. I - DA AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVAS Não houve insurgência pela acusação e defesa quanto à materialidade delitiva dos crimes de roubo majorado, de corrupção de menor e associação criminosa armada, pelo que se confirma a sentença nesta parte, vez que transitada em julgado para a acusação e defesa. Apenas a defesa do acusado BELQUIOR LIMA insurge-se quanto à autoria dos crimes de roubo majorado, de corrupção de menor e associação criminosa armada. Nesse ponto, a sentença apelada trouxe os seguintes destaques e fundamentos: Do crime de roubo majorado (...) De antemão, convém registrar que, em observância ao princípio da irretroatividade da lei penal mais gravosa, será considerada na presente sentença, no tocante às causas de aumento de pena no crime de roubo, a redação legal anterior às modificações que vieram ao mundo jurídico com o advento da Lei nº 13.654, de 23 de abril de 2018, porquanto os fatos imputados foram supostamente praticados em tempo anterior (dezembro de 2017). (...) No pertinente à autoria do delito em apreciação, as provas carreadas aos autos comprovam a participação dos réus na prática criminosa. Quanto ao réu LUCAS FELIPE, além de as vítimas Sarah Callegaro e Ciro Callegaro terem-no reconhecido como um dos autores do roubo a sua residência por meio de fotografias durante as investigações (Sarah – fls. 57 e 59/60) e em Juízo (Ciro – intervalo entre 6min20s e 8min38s de seu depoimento registrado no termo de Id.: 4058400.3843635: segundo ele, o acusado era o que estava de camisa branca na sala de audiências), o próprio réu confessou, no intervalo entre 3min53s e 3min57s de seu interrogatório, gravado no mesmo termo, sua participação no crime, acrescentando que estava com uma das armas de fogo utilizadas na ação. 229
O Supremo Tribunal Federal já decidiu que “o reconhecimento fotográfico do acusado [realizado na fase inquisitorial], quando ratificado em juízo, sob a garantia do contraditório e da ampla defesa, pode servir como meio idôneo de prova para lastrear o édito condenatório” (HC 104.404/MT, 1.ª Turma, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, DJe de 29/11/2010). Noutro pórtico, embora o acusado LUCAS FELIPE tenha dito que só participaram da empreitada criminosa 4 (quatro) pessoas ele, Natalício, Glay e Henrique e tenha negado a participação do corréu BELQUIOR MATEUS, que também declarou não ter praticado o delito, as provas coligidas aos autos conduzem a outra conclusão. Em primeiro lugar, as vítimas do assalto, Sarah Callegaro e Ciro Callegaro, foram uníssonas em afirmar que foram 5 (cinco), e não 4 (quatro), pessoas que adentraram em sua residência para cometer o assalto. Essas mesmas vítimas, durante as investigações, apontaram o réu BELQUIOR MATEUS, “com segurança e presteza”, como sendo uma das pessoas que assaltaram sua casa, consoante se extrai dos documentos juntados às fls. 93 e 94. A defesa, contudo, refutou esse reconhecimento, argumentando que o réu foi colocado em uma sala com outras três pessoas com características físicas parecidas com as suas, porém todas eram colegas de trabalho de Sarah Callegaro, o que tornaria o ato inválido. De fato, da leitura dos termos mencionados, datados de 1º de fevereiro de 2018, vislumbra-se que as três pessoas ladeadas com o acusado, para fins de reconhecimento, eram, à época, Agentes ou Escrivães da Polícia Federal, colegas de trabalho, portanto, da vítima Sarah Callegaro. Tal constatação, entretanto, não tem o condão de invalidar o reconhecimento feito, como requerido pela defesa. Isso porque a jurisprudência pátria vem atualmente relativizando o reconhecimento pessoal, aceitando como prova acusatória fotografias de suspeitos com as características do suposto criminoso ou mostrando à vítima uma única pessoa que seja parecida com o autor 230
do crime, para que se proceda ao reconhecimento, consoante se infere do julgado (STJ - QUINTA TURMA, RHC 60.592, Rel. Min. LEOPOLDO DE ARRUDA RAPOSO (DESEMBARGADOR CONVOCADO), DJe: 23/09/2015). Foi exatamente isso que ocorreu nos autos do Processo nº 0800084-79.2018.4.05.8400, vinculado à presente ação, ao se atestar que, “após verem fotografias de BELQUIOR, a servidora (Sarah Callegari) e demais familiares que estavam no imóvel na hora do roubo dão quase como certo que o jovem era um dos cinco que efetuou o roubo na residência no dia 31 de dezembro de 2017”, consoante a Informação nº 003/2017-DELEPAT/SR/PF/RN, juntada às fls. 73/77 e datada de 15 de janeiro de 2018, ou seja, antes do reconhecimento impugnado pela defesa. Ainda nesse campo, importante ressaltar que o Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que as disposições insculpidas no art. 226 do Código de Processo Penal, que regulamenta o reconhecimento de pessoas e coisas no Processo Penal, configuram uma recomendação legal, e não uma exigência, cuja inobservância não enseja a nulidade do ato, consoante o recente julgado (STJ - QUINTA TURMA, AGARESP 944.953, Rel. Min. RIBEIRO DANTAS, DJe: 19/05/2017) Não bastassem esses argumentos para afastar a alegação levantada pela defesa, de invalidade do reconhecimento do réu BELQUIOR MATEUS na fase investigativa, ressalte-se que a vítima Ciro Callegaro, ao ser ouvida em Juízo, no intervalo entre 6min20s e 8min38s de seu depoimento, ratificou o reconhecimento anterior, desta feita apontando o acusado, que vestia uma camisa verde no dia da audiência, “com quase certeza”, como um dos autores do assalto em sua residência. Além de ter sido reconhecido como um dos autores do roubo em apreciação tanto na seara policial quanto em audiência, também enfraquece a tese da defesa e, ao revés, robustece a acusatória o fato de o réu ter narrado duas versões diferentes de onde teria estado no dia do assalto, as quais divergiram também da versão dada por Natália Bruna Rodrigues da Silva, namorada do acusado, em depoimento prestado às fls. 59/60 do Processo nº 080036280.2018.4.05.8400. 231
Em seu interrogatório policial (fls. 95/97), o acusado asseverou ter permanecido o dia inteiro em casa com sua companheira Natália. Já em seu interrogatório judicial, disse ter ido sozinho ao supermercado Nordestão comprar carne para um churrasco, não juntando aos autos, porém, qualquer comprovante dessa compra. Por sua vez, Natália Bruna afirmou que, “no dia 31/12/2017, BELQUIOR passou o dia em casa, tendo saído por volta das 15h00 para fazer compras no Midway Mall, juntamente com a declarante e a irmã dele, RENATA”. A existência de três versões diversas sobre o paradeiro do réu BELQUIOR MATEUS em dia tão marcante (31 de dezembro, geralmente um dia em que as pessoas estão planejando os preparativos para a festa de réveillon e agitadas por causa da virada do ano), sem qualquer prova das alegativas, enfraquece a tese de negativa de autoria. Reforça ainda mais essa conclusão a circunstância de um dos bens subtraídos no assalto em referência o celular de Sarah Callegaro ter sido encontrado com a irmã do réu BELQUIOR MATEUS, Renata Ingride Raiane de Lima, inquirida como declarante no termo de audiência já referenciado. Note-se que não há prova alguma nos autos que dê sustentáculo à versão dada pelo acusado no interrogatório judicial quanto a ter comprado tal objeto de Natalício por R$ 350 (trezentos e cinquenta reais), em virtude de estar sem celular. Ao revés. As provas jungidas aos autos contrariam tal versão, pois foram apreendidos em sua residência, apenas quinze dias após essa suposta compra, 3 (três) aparelhos de celular com características semelhantes às do roubado. Por fim, ainda cabe o registro de que também foi apreendido na residência do acusado BELQUIOR MATEUS, sem a documentação pertinente, um revólver calibre 38 (fls. 83/84), mesmo tipo de arma de fogo utilizado no roubo em análise, não explicitando o réu a razão de estar tal instrumento em seu domicílio. Todos esses elementos o reconhecimento do acusado pelas vítimas do crime, as versões evasivas sobre o paradeiro do réu no dia do delito, a apreensão de bem roubado com a irmã do acusado e a apreensão de bens em poder do réu, inclusive arma de fogo do
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mesmo tipo usado no assalto convergem para uma certeza quanto à prática do crime de roubo pelo acusado BELQUIOR MATEUS. Assim, vislumbra-se que os réus, em concurso de agentes e mediante violência e grave ameaça, com emprego de armas de fogo, praticaram o assalto à residência da Agente de Polícia Federal Sarah Madera Callegaro localizada nesta Capital, no dia 31 de dezembro de 2017, merecendo acolhimento parcial a pretensão deduzida pelo titular da ação penal, no sentido de os acusados serem condenados pela prática do crime de roubo, com as causas de aumento previstas nos incisos I e II do § 2º do art. 157 do Código Penal, já que eram imputáveis ao tempo dos fatos e detentores de potencial conhecimento da ilicitude da conduta perpetrada, sendo-lhes perfeitamente exigível a opção por conduta diversa. Na dosimetria da pena relativa ao réu LUCAS FELIPE, serão aplicadas as circunstâncias atenuantes da confissão e da menoridade réu nascido em 4 de fevereiro de 1997 (fl. 109), tendo o crime ocorrido em 31 de dezembro de 2017. Configurado o crime de roubo pelo arcabouço probatório reunido nos autos, não cabe a desclassificação de delitos requerida pela defesa do réu BELQUIOR MATEUS (...) Do crime de corrupção de menores Não obstante a caracterização do crime em referência independa de prova da efetiva corrupção do jovem, sendo suficiente a comprovação da participação do inimputável em prática delituosa na companhia de maior de 18 (dezoito) anos, imprescindível para sua consumação que o agente tenha conhecimento da menoridade do corrompido, por ser esse um dos elementos do tipo. In casu, não há controvérsias sobre a participação de Iwdson Natalício Vasconcelos da Silva, juntamente com os réus, no crime de roubo à residência da Agente de Polícia Federal Sarah Callegaro localizada nesta Capital, consoante assinalado no item II.2 desta sentença. A menoridade de citada pessoa, independentemente de portar ou não um documento de identificação, era de fácil percepção, consoante asseverou a vítima Sarah Callegaro em depoimento prestado na sede policial (fls. 14/15), ao declarar que a compleição física do menor de idade “era de uma criança de onze anos”. 233
Por sua vez, a vítima Ciro Callegaro, no intervalo entre 9min40s e 11min15s de seu depoimento em Juízo, disse que, a princípio e pelo nervosismo, não percebeu tal fato de imediato, mas, logo após a ação criminosa, concordou com sua esposa e sogro ao comentarem que um dos assaltantes era praticamente uma criança. De fato, ao se observar as fotos juntadas às fls. 70/71, percebe-se que a pessoa ali retratada não parece ter mais de 18 (dezoito) anos, o que se confirma pela informação, à fl. 69, de que ela nasceu em 6 de abril de 2003, sendo menor de idade à época dos fatos, portanto. Em contraponto a tais afirmativas, o réu LUCAS FELIPE negou em Juízo, no intervalo entre 4min18s e 4min25s de seu interrogatório, que soubesse a idade de Natalício da Silva, chegando a dizer que ele não aparentava ser menor de idade. A versão de referido acusado não encontra respaldo nos autos, pois, além das impressões das vítimas e deste julgador supra expostas, o corréu BELQUIOR MATEUS declarou, no intervalo entre 3min18s e 3min38s de seu interrogatório, que sabia que Natalício da Silva era menor de idade, apostando na idade de 16 anos, e que todo mundo onde morava (Rua da Estrela, em Santos Reis, antes da mudança para outro endereço em 24 de janeiro deste ano, segundo o depoimento de Natália Bruna, sua namorada, às fls. 59/60 do Processo nº: 0800362-80.2018.4.05.8400) sabia que ele era menor de idade. Vale salientar que o acusado BELQUIOR MATEUS, em seu interrogatório policial (fls. 95/97), disse conhecer LUCAS FELIPE “apenas de vista, sabendo que ele estava morando na Rua da Estrela, em número que não sabe dizer”, ou seja, na mesma rua em que o acusado BELQUIOR MATEUS afirmara residir e que todos conheciam Natalício da Silva como menor de idade, de modo que ambos tinham ciência acerca da idade de Natalício da Silva na ocasião do crime. (...) Do crime de associação criminosa armada O crime em questão é necessariamente plurissubjetivo, configurando-se com o agrupamento de três ou mais agentes, de forma permanente e estável, para o fim determinado de cometer crimes. 234
Nesse sentido, tem-se que o ânimo associativo dos agentes, ao lado do número suficiente de pessoas, são elementos fundamentais a sua configuração, características que o diferenciam da figura da codelinquência. Ademais, o crime de associação criminosa é totalmente autônomo e independente dos demais delitos que o grupo possa vir a cometer, consumando-se com a associação dos agentes para essa finalidade e ainda que o bando jamais concretize as infrações almejadas, razão pela qual assevera NUCCI que “o delito do art. 288 tem prova autônoma dos diversos crimes que o bando puder praticar. Assim, nada impede que o sujeito seja condenado pela prática de quadrilha ou bando, porque as provas estavam fortes e seguras, sendo absolvido pelos crimes cometidos pelo grupo, tendo em vista provas fracas e deficitárias”. Assinale-se, por oportuno, que quando há prova da associação estável de três pessoas em diante, o crime não se descaracteriza se houver absolvição de algum envolvido ou o desconhecimento da autoria de um dos integrantes. Noutra quadra, o parágrafo único do art. 288 do Código Penal, a partir da Lei nº 12.850/2013, prevê causa especial de aumento de pena quando o grupo for armado. Nesse tema, o Pretório Excelso posicionou-se no sentido de que, para a caracterização da quadrilha armada (nomenclatura do crime anterior), é suficiente que ao menos um dos integrantes da quadrilha porte arma, o que evidencia a maior periculosidade do bando à paz social, bem protegido pela norma penal em estudo, como se dessume do aresto abaixo transcrito: CRIME DE QUADRILHA ARMADA (CP, art. 288, par. único). - A utilização de arma por qualquer membro da quadrilha constitui elemento evidenciador da maior periculosidade do bando, expondo todos que o integram à causa especial de aumento de pena prevista no art. 288, parágrafo único, do Código Penal. Para efeito de configuração do delito de quadrilha armada, basta que um só de seus integrantes esteja a portar armas.
Feitas essas considerações e volvendo para a imputação contida na peça acusatória, no sentido de que os acusados asso235
ciaram-se com a finalidade de cometer delitos, em especial o de roubo, verifica-se que há nos autos prova suficiente não apenas do vínculo subjetivo estável entre os acusados, mas também do uso ostensivo de arma de fogo. A denúncia narrou a prática de, pelo menos, três delitos de roubo pelo grupo criminoso, sendo o primeiro deles o de um carro, marca Chevrolet, modelo Prisma, ocorrido em 30 de dezembro de 2017, de propriedade de Gutemberg Luiz de Farias, que reconheceu, às fls. 23/24 e em Juízo (intervalo entre 5min54s e 5min56s de seu depoimento), o acusado LUCAS FELIPE como um dos dois assaltantes. O grupo, logo em seguida, cometeu os assaltos contra Sarah Callegaro e família e Fernando Miliari Santos e família em 31 de dezembro de 2017 e 3 de janeiro de 2018, respectivamente, usando o mesmo modus operandi: rendição das vítimas na entrada de suas residências por 2 (dois) agentes usando armas de fogo, subtração de objetos, geralmente de fácil carregamento, como aparelhos celulares e notebooks, em rápido espaço de tempo (10 a 15min), e fuga em veículo previamente roubado para esse fim, no caso, o Prisma mencionado supra. Como ficou consignado no item II.1 desta sentença, o assalto à residência de Sarah Callegaro e família foi praticado pelos réus BELQUIOR MATEUS e LUCAS FELIPE, devidamente reconhecidos pelas vítimas, juntamente com Natalício, Glay e Henrique, estando dois agentes armados, dentre eles LUCAS FELIPE, tendo a fuga ocorrido em veículo Prisma. Por seu turno, o roubo à família de Fernando Miliari Santos contou com seis agentes, sendo dois armados, tendo o réu LUCAS FELIPE sido reconhecido por Bianca Miliari às fls. 58/60. Há notícia nos autos da participação de alguns adolescentes na ação delitiva, sendo Natalício provavelmente um deles. Em seus interrogatórios, os réus afirmaram se conhecer do local onde moravam (bairro de Santos Reis, nesta Capital) e que de lá também conheciam Natalício, que, segundo LUCAS FELIPE, praticava roubos. O réu LUCAS FELIPE também declarou em seu interrogatório policial (fls. 105/106) que Henrique e Paulo, também conhecido 236
como Glay, participaram, juntamente com ele, do homicídio do Policial Militar DARLAN, ocorrido em 29 de janeiro de 2018. Vale salientar, ainda, que, em busca feita na residência do acusado BELQUIOR MATEUS, foi apreendido um revólver calibre 38 (fls. 83/84), mesmo tipo de arma de fogo usado nos assaltos praticados pelo grupo. Por todos esses elementos, extrai-se que existia entre BELQUIOR MATEUS, LUCAS FELIPE, Natalício (já falecido – fls. 69/71), Henrique (provavelmente falecido – fl. 116) e Paulo, conhecido também por Glay (foragido), vínculo associativo estável e permanente, havendo a intenção de atuarem em empreitadas criminosas, com o uso ostensivo de arma de fogo. Neste cenário, o fato de alguns agentes não participarem da execução material de alguns dos crimes perpetrados pela sociedade criminosa não desnatura a autoria deles, uma vez que o crime em referência se consuma pela simples associação e não pelos resultados. Da mesma forma, “para a configuração do crime de bando, irrelevante ocasional variação de agentes, pois não exigível haja concorrência uniforme e constante de todos os integrantes da quadrilha na execução dos crimes a que se propuseram” (RTJ 214/293). (...)” No que se refere ao réu BELQUIOR MATEUS ALVES DE LIMA MATEUS, cuja defesa insurgiu-se quanto à ausência de autoria dos crimes pelos quais foi condenado na sentença, inexistem no recurso de apelação fatos novos que autorizem a reforma da fundamentação acima transcrita, que evidencia, juntamente com a prova coligida aos autos, de forma bastante robusta e convincente que: I - as vítimas Sarah Madera Callegaro e Ciro José Callegaro, em procedimento de reconhecimento pessoal realizado em sede policial, reconheceram com segurança e certeza a pessoa do réu BELCHIOR LIMA como sendo um dos assaltantes que praticaram o roubo no dia 31.12.2017, tendo a vítima Ciro José Callegaro ratificado o reconhecimento em juízo; II - por meio das interceptações telefônicas, o celular da vítima Sarah Madera Callegaro foi encontrado com a irmã do réu BEL237
CHIOR LIMA, a qual relatou, em sede policial, que seu irmão é membro de um grupo armado oriundo da comunidade do “Vietnã”, situada no bairro de Santos Reis, local onde o celular deu sinal de GPS após ter sido roubado do interior da residência da agente da Polícia Federal Sarah Madera Callegaro; III - embora o réu LUCAS BARBOSA tenha negado a participação do réu BELCHIOR LIMA, alegando ter cometido o crime apenas em concurso com o adolescente I.N.V.d.S, “Glay” e “Henrique”, as vítimas foram categóricas em afirmar que o roubo foi cometido por 5 (cinco) assaltantes não por 4 (quatro); IV - a ausência de fragmentos de impressão digital em condições técnicas de confronto e individualização pela perícia papiloscópica não é suficiente para ensejar a absolvição do apelante, porquanto há nos autos outros elementos probatórios capazes de comprovar a autoria do réu BELCHIOR LIMA; V - o réu, quando questionado a respeito do que teria feito no dia do assalto, apresentou duas versões distintas, sendo que nenhuma delas foi corroborada pelo depoimento de sua namorada, que relatou uma terceira narrativa dos fatos. Além disso, também foi encontrado na residência do réu um revólver cal. 38, semelhante àquela usada durante o roubo; VI - as provas constantes dos autos confirmam a coautoria do réu BELCHIOR LIMA no crime de roubo já analisado, praticado pelos réus BELCHIOR LIMA e LUCAS BARBOSA em concurso com outras 3 (três) pessoas, dentre elas o adolescente I.N.V.d.S., cuja menoridade (à época dos fatos – 31/12/2017) era de pleno conhecimento dos apelantes, vez que nascido aos 06 de abril de 2003, versão confirmada no interrogatório do réu Belquior. Corrompendo o adolescente I.N.V.d.S com ele praticando infração penal equiparada a roubo, não há que se falar em absolvição quanto ao crime previsto no art. 244-B da Lei nº 8.069/90; VII - Além dos crimes narrados na denúncia, os autos registram também a prática de outros dois delitos cometidos pelo grupo armado do qual fazem parte ambos os apelantes, qual sejam, o roubo de um veículo da marca Chevrolet, modelo Prisma, usado na fuga do assalto cometido à vítima Sarah Madera 238
Callegaro e seus parentes, e o roubo contra a vítima Fernando Miliari Santos e sua família, em 03.01.2018. A própria irmã do réu BELCHIOR LIMA confirmou que seu irmão, ora apelante, é membro de um grupo armado oriundo da comunidade do “Vietnã”, situada no bairro de Santos Reis, o que corrobora com as conclusões já apresentadas. Desse modo, diante do farto contexto probatório, a coautoria do réu BELQUIOR MATEUS ALVES DE LIMA resta devidamente comprovada nos autos, não havendo que se falar em absolvição por ausência de provas, pois, em concurso de agentes e mediante grave ameaça, com emprego de arma de fogo, praticaram o assalto à residência da agente de Polícia Federal Sarah Madera Callegaro, em 31 de dezembro de 2017, subtraindo bens pertencentes à Polícia Federal que se encontravam com a vítima Sarah Madera, além de objetos pessoais dela e de seus parentes. É firme a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça no sentido de que “restando evidenciado que a condenação do recorrente embasou-se na consideração de provas produzidas durante a instrução criminal, com a devida observância do devido processo legal, além dos elementos informativos colhidos extrajudicialmente, não há falar em violação do artigo 155 do Código de Processo Penal”. Nesse sentido: STJ - AgRg no REsp 1497490/RJ, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 06/10/2015, DJe 27/10/2015). No mesmo sentido, “a existência de provas colhidas em juízo, sob o crivo do contraditório, que corroborem a veracidade dos elementos produzidos extrajudicialmente, sustentando a versão apresentada pela acusação,é suficiente para autorizar a manutenção da integridade do édito condenatório”: STJ - AgRg no HC 118.761/MS, Rel. Min. CELSO LIMONGI (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TJ/SP), SEXTA TURMA, DJe 16/03/2009. A defesa do réu BELQUIOR MATEUS requer, ainda, desclassificação do crime de roubo para o delito receptação, argumentando que apenas adquiriu o aparelho celular da vítima Sarah Madera Callegaro sabendo de que se trata de mercadoria de origem ilícita, sem, contudo, ter participado do assalto.
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Todavia, há nos autos provas suficientes do envolvimento do réu no roubo ocorrido no dia 31.12.2017. Por outro lado, não trouxe a defesa nenhum elemento capaz de comprovar a alegação de que o réu teria “apenas” receptado o referido aparelho telefônico. Em consequência, cometendo os réus BELQUIOR MATEUS e LUCAS FELIPE fato típico, antijurídico e culpável, visto que imputáveis ao tempo do fato e detentores de potencial conhecimento da ilicitude de sua conduta, sendo-lhes exigível conduta diversa, impõe-se sua condenação às penas do delito insculpido no art. 244-B da Lei nº 8.069/90 e art. 288, parágrafo único, do Código Penal e Artigo 157 do CP. II - DOSIMETRIA DA PENA Apenas a defesa de LUCAS FELIPE insurge-se quanto à dosimetria da pena, de modo que a sentença, nessa parte da aplicação da pena, transitou em julgado para a acusação e para a defesa do réu BELQUIOR MATEUS Quanto ao delito previsto no art. 157, § 2,º, incisos I e II, do CP, argumenta que as circunstâncias do crime consideradas negativa na sentença, seriam inerentes ao tipo incriminador. Inexiste reparo a ser efetuado na sentença. O juiz analisou tal circunstância judicial, com respaldo no arcabouço fático, convencendo-se de forma motivada que “as circunstâncias [do crime] foram bastante negativas, já que o crime se perpetrou com invasão de residência, havendo crianças no local, com ameaças mais veementes quando descoberto pelos agentes que uma das vítimas era policial, profissão que, atualmente, sofre perseguição e agressão, inclusive mortes, gratuitas, simplesmente pelo fato de se ser um agente público”. Houve uma valoração negativa pelo fato de existir crianças na casa durante o assalto e a existência das ameaças proferidas à vítima dos assaltantes – Sarah Madera Callegaro, agente da Polícia Federal, revelando os autos que tais ameaças excederam à grave ameaça inerente ao tipo penal de roubo, constituindo verdadeiro ritual de tortura psicológica à pessoa da policial federal. Alie-se à circunstância de que a empreitada ocorreu numa tarde de véspera de ano novo – 31 de dezembro – quando esta240
vam presentes na casa invadida pelos réus, parentes e amigos da Policial Federal – vítima do assalto. A valoração negativamente das circunstâncias do crime, no caso concreto, não integram o tipo incriminador de roubo, razão pela qual não há que se falar em bis in idem. Requer, no que se refere ao crime do art. 244-B da Lei nº 8.069/90, a reforma da dosimetria para que a pena-base seja fixada no mínimo legal, porquanto não teria o réu responsabilidade sobre o falecimento do adolescente I.N.V.d.S., o que, segundo a defesa, afastaria o desvalor dado às consequências do crime. Ao valorar negativamente a circunstância judicial das consequências do crime, a sentença consignou: “que as consequências extrapenais do delito foram relevantes, uma vez que o menor de idade ingressou no mundo da criminalidade e veio a óbito”. Nada a modificar na sentença, nesse ponto. Os autos evidenciam que das interceptações telefônicas realizadas pela Polícia Federal, que informa que o adolescente foi morto em confronto com a polícia no dia 06.01.2018, depois de haver participado de uma tentativa de roubo no bairro de Morro Branco. Há nos autos, ainda, o Laudo Necroscópico nº 68/2018 (fls. 114-116 do PJ-e), que indica o instrumento causador da morte, a saber, projétil de arma de fogo. Por fim, requer o acusado LUCAS a reforma das dosimetrias das penas pelos crimes em que foi condenado, para que seja aplicada, em todos eles, a atenuante prevista no art. 65, I, do CP, porquanto o réu, ao tempo dos fatos, era menor de 21 anos (nascido aos 4 de fevereiro de 1997, tendo o crime ocorrido em 31 de dezembro de 2017). Referido pleito encontra-se prejudicado, pois já devidamente atendido na sentença que consignou: “presentes, na espécie, as circunstâncias atenuantes de confissão e menoridade, previstas no art. 65, incisos I e III, alínea d, do Código Penal, e inexistindo circunstâncias agravantes, MINORO a sanção em 6 (seis) meses(...)” Id. nº 4058400.4052912. Frise-se, inclusive, que para os crimes de associação e de corrupção de menores, ao reconhecer a existência de circunstâncias atenuantes e diminuir a pena, fixou-as no mínimo legal possível, 241
mostrando-se descabida qualquer redução para aquém do mínimo previsto, diante do óbice preconizado no Enunciado da súmula nº 231 do STJ, in verbis: “A incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. Quanto à incidência da majorante do emprego de arma de fogo, é descabido o argumento de ausência de perícia no artefato para aferir o seu potencial lesivo, quando no caso concreto as declarações prestadas pela vítimas, a Agente de Polícia Federal Sarah Callegaro e Ciro José Callegaro, além do interrogatório do acusado LUCAS FELIPE, tornam inquestionável o uso de armas de fogo (no caso dois revólveres calibre 38 – fl. 37 dos autos – IPL apenso) na ação empreendida pelos réus, sendo as armas aptas a produzir à ação a grave ameaça exigida no tipo penal em apreço. O Supremo Tribunal de Federal já decidiu que a ausência de perícia na arma de fogo não afasta a causa de aumento do artigo 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, pois o reconhecimento da referida causa de aumento prescinde da apreensão e da realização de perícia na arma, quando provado o seu uso no roubo, por meio de outros meios de prova: STF - HC 99.446-MS, Rel. Min. Ellen Gracie. Além disso, cabe à defesa demonstrar que a arma é desprovida de potencial lesivo, não se tratando de ônus probatório da acusação. Nesse sentido, STJ, EREsp nº 961.863-RS - Relator p/ Acórdão Ministro GILSON DIPP, Terceira Seção - DJe 06/04/2011. Em igual sentido: “a regra é que uma arma possua potencial lesivo; o contrário, a exceção. Se assim alega o acusado, é dele o ônus Se assim alega o acusado, é dele o ônus dessa prova (art.156 do CPP). Se restou comprovada a utilização da arma de fogo, como no caso concreto, o ônus de demonstrar eventual ausência de potencial lesivo deve ficar a cargo da defesa, sendo inadmissível a transferência desse ônus à vítima ou à acusação” - STJ - HC nº 11.456-SP - Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, Quinta Turma, DJe 22/02/2010. Na análise do caso concreto, verifica-se que o magistrado fundamentou todos os elementos do art. 59 do Código Penal para fixar a pena-base da apelante. Após, analisou as circunstâncias agravantes e atenuantes, fixando a pena provisória. Em seguida, analisou as causas de aumento ou de diminuição da pena, previstas 242
em diversos dispositivos da Parte Geral do Código Penal, e, ainda, no próprio tipo penal para fixar a pena definitiva. Irreparável a sentença apelada, que não merece qualquer reparo, pois em consonância com os elementos de prova coligidos no Inquérito e corroborados na instrução criminal. Ante o exposto, nego provimento aos recursos interpostos pelos réus.
APELAÇÃO CRIMINAL Nº 0806182-65.2018.4.05.8405RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA Apelantes: PIRAMIDE PALACE HOTEL LTDA., RIO DE JANEI RO EMPREENDIMENTOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA., RITZ-G5 SPE 1 LTDA., SAMI GIRIES ELALI, ANDRÉ DE SOUZA DANTAS ELALI, LUIZ EDUAR DO MATIDA FERNANDES, G CINCO PLANEJA MENTOS E EXECUÇÕES LTDA., RITZ PROPERTY INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA., SCR BRASIL PARTICIPAÇÕES S.A., CURRAIS NOVOS EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS SPE LTDA., ELALI ADVOGADOS, LONDRES EMPREENDIMEN TOS IMOBILIÁRIOS SPE LTDA. E NOVA IORQUE EMPREENDIMENTOS IMOBILIARIOS SPE LTDA. Apelado: DEPARTAMENTO DE POLÍCIA FEDERAL NO ES TADO DO RN Advs./Procs.: DRS. JENNIFER CRISTINA ARIADNE FALK BADA RÓ, GUSTAVO HENRIQUE R IVAHY BADARÓ, AN DRÉ FELIPE ALVES DA SILVA, FERNANDO LUCE NA PEREIRA DOS SANTOS JÚNIOR, MATHEUS ANTENOR CHIOCHETA, JÉSSICA DIEDO SCAR TEZINI, MARCOS AURÉLIO SANTIAGO BRAGA, CARLA DE MORAIS COUTINHO, JONAS ANTUNES DE LIMA NETO EMENTA: PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. OPERAÇÃO CAVILOSO. REVOGA243
ÇÃO DA MEDIDA DE SEQUESTRO. TRANSCURSO DE 5 MESES SEM O OFERECIMENTO DE DENÚNCIA. OFENSA AO ART. 2º, § 1º, DO DL 3.240/41. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta contra decisão proferida pelo Juízo da 15ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, que, nos autos da Operação Caviloso, decretou o sequestro, o arresto e o bloqueio de bens imóveis, móveis (veículos) e ativos financeiros dos apelantes, limitado ao valor de 150 milhões de reais, nos autos de pedido de busca e apreensão e sequestro, em investigação policial relacionada a esquema de pirâmide financeira (art. 2º da Lei 1.521/51) e aos delitos de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98), de evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86), de operacionalização de instituição financeira sem autorização legal (art. 16, c/c art. 1º da Lei 7.492/86), de organização criminosa (arts. 1º, § 1º, e 2º da Lei 12.850/2013), de sonegação fiscal (arts. 1 e 2º, I, da Lei nº 8.137/90), de estelionato (art. 171 do CP), de falsificação de documento particular (art. 298 do CP), de apropriação indébita (art. 168 do CP) e de uso de documento falso (304 do CP). 2. Apesar de a decisão judicial ter sido prolatada em 11.12.2018 e a constrição efetuada em 18.12.2018, até o presente momento (transcurso de 5 meses), o MPF não ofertou denúncia contra os apelantes e seus respectivos representantes. 3. Ultrapassado (em 2 meses) o prazo de 90 dias para o início da ação penal, após a efetivação do sequestro, previsto no art. 2º, § 1º, do DL 3.240/41, deve cessar a constrição judicial sobre o bem dos apelantes. Precedentes desta Terceira Turma (PROCESSO: 08006382320184058300, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 08/08/2018); (PROCESSO: 08051557120184058300, DESEMBARGADOR 244
FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 17/10/2018). 4. A presente decisão não obsta ulterior sequestro, bloqueio ou arresto, desde que fundamentado em nova situação fática a justificar a cautelar e haja o respeito ao prazo legal para a formação da opinio delicti, após a efetivação da medida. 5. Apelação provida, para determinar ao Juízo a quo a imediata revogação, sem a necessidade de se aguardar o trânsito em julgado, do sequestro, do bloqueio e do arresto sobre os bens dos apelantes que foram objeto deste apelo. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado. Recife, 31 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA: Trata-se de apelação interposta por ANDRÉ ELALI, RITZ PROPERTY INVESTIMENTOS IMOBILIÁRIOS LTDA. e OUTROS contra decisão proferida pelo Juízo da 15ª Vara Federal do Rio Grande do Norte, que, nos autos da Operação Caviloso, decretou o sequestro, o arresto e o bloqueio de bens imóveis, móveis (veículos) e ativos financeiros dos apelantes, limitado ao valor de 150 milhões de reais, nos autos de pedido de busca e apreensão e sequestro, em investigação policial relacionada à esquema de pirâmide financeira e aos delitos de lavagem de dinheiro (art. 1º da Lei 9.613/98), de evasão de divisas (art. 22, parágrafo único, da Lei 7.492/86), de operacionalização de instituição financeira sem autorização legal (art. 16, c/c art. 1º, da Lei 7.492/86), de organização criminosa (arts. 1º, § 1º, e 2º da Lei 12.850/2013), de sonegação 245
fiscal (arts. 1 e 2º, I, da Lei nº 8.137/90), de estelionato (art. 171 do CP), de falsificação de documento particular (art. 298 do CP), de apropriação indébita (art. 168 do CP) e de uso de documento falso (304 do CP). Alegam os apelantes, em síntese, que: i. não há fundamentação idônea na decisão judicial que determinou a constrição dos bens, ante a ausência de indicação de qual medida legal incidiria no caso (DL 3.240/41 ou CPP); ii. confusão, por parte do Juízo a quo, entre os institutos legais do sequestro, do arresto e do bloqueio; iii. ausência de individualização dos bens alvo de constrição; iv. inexistência de dados concretos que justifiquem o limite da constrição, tendo se baseado o magistrado em verdadeiro “chute”, pois reconheceu que “não se sabe os valores supostamente devidos em face de eventuais responsabilidades tributária e/ou penais”. Em contrarrazões, o MPF pugnou pelo não provimento do recurso. Em parecer, a PRR-5 Região opinou pelo não provimento do apelo. É o relatório. Dispensada a revisão, nos termos regimentais, uma vez que o apelo não versa sobre pena de reclusão. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA (Relator): De início, destaco excertos da decisão que decretou a constrição (em 11.12.2018 – Id. 4058405.4568404), de forma a situar o presente caso: 2. Fundamentação: (...) Quanto ao mérito da representação, tem-se, conforme relatado anteriormente, que a investigação em curso indica que os dirigentes da Ritz Property Investimentos Imobiliários Ltda., desde Dean Leigh Thomas, passando por Paul Michael Telfer até André de Souza Dantas Elali e Luiz Eduardo Matida Fernandes, realizaram atos de captação e aplicação de recursos atraindo investidores para deles receber dinheiro
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destinado a empreendimentos no Brasil. Todavia, há indícios de que tais recursos não seriam, de fato, destinados a aquisição patrimonial, mas sim a título de investimento com ganho financeiro previamente ajustado, negociações essas que envolvem quantias milionárias. O documento denominado “PURCHASE AND SALE AGREEMENT”, juntado às fls. 166/169 do IPL 256/2015, aponta que a negociação de compra e venda dos lotes do condomínio Palm Springs pode, na verdade, tratar-se de um contrato de investimento com promessa de retorno estipulado em 64%, em 36 meses, conforme especificado no item 10.1 de tal documento. Além disso, no documento de fl. 05 do Apenso II, Volume Único, escrito em língua inglesa, consta, de acordo com a tradução e transcrição realizada pela Polícia Federal, que a empresa RITZ-G5 orgulhosamente comunica que todos os investidores do Palm Springs receberam o seu retorno financeiro na programação prometida, e que a última parcela do retorno financeiro coincidiria com o aniversário da empresa. Paul Thomas Telfer, em seu termo de declarações às fls. 19/23 dos autos nº 196-03.2017.4.05.8405, especificamente no item 18 de suas declarações, relatou que os contratos estabeleciam que o investidor receberia o capital investido com o acréscimo do 64%, detalhando que, a partir do aporte, seriam pagos 8% de lucro passados seis meses, 16 % após vinte e quatro meses e mais 40% ao fim de três anos, e que os percentuais de 8% e 16% eram pagos a partir de recursos mantidos em Singapura, na conta da Ritz Asia. Também chama atenção o fato investigado de que a negociação das frações dos empreendimentos imobiliários não envolveria os lotes em si, mas sim de unidades chamadas “UDI’s”, que não coincidiriam exatamente com os lotes. De tal sorte, na eventualidade de um comprador adquirir apenas uma “UDI”, seu lote teria mais de um “proprietário”, a robustecer a tese de que o que estava sendo vendido não era a propriedade de um imóvel em forma de terreno e sim o investimento propriamente dito. Os noticiantes afirmaram em suas declarações (fls. 08/09 do IPL 256/2015 e fls. 19/23 dos autos nº 19603.2017.4.05.8405) que existia um esquema de “pirâmide 247
financeira”, em que os lotes eram vendidos sob a promessa de juros elevados. Tal fato está evidenciado em documentos apresentados por Paul M. Telfer, às fls. 22/65 do Apenso II, especificamente no contrato com o título de “PURCHASE AND SALE AGREEMENT”, documento também em língua inglesa e traduzido pela Polícia Federal como acordo de compra e venda, o qual tem como objeto UDI - UNDIVIDED FRACTIONAL INTERESTS (participação fracionária indivisa) do empreendimento PARNAMIRIM HILLS, alienado por Ritz Property Investimentos Imobiliários Ltda para Adam Tan. No referido documento, é indicado que o pagamento deve ser feito ao custodiante BAYSWATER FIDUCIARY SERVICES PTE LTD e, em seu anexo C, está disposto que a projeção de lucro do negócio é de 28% no período de 24 meses (fl. 59), o que corresponde a dois mil e oitocentos dólares para cada UDI (U$ 10.000,00) investido. Além disso, o item 6.5 (fl. 27) do referido documento esclarece que o propósito do comprador é apenas para fins de investimento. A suposta promessa de retorno certo aos investidores dos empreendimentos imobiliários, ao que parece, seria na verdade uma promessa de pagar juros aos investidores antigos com o dinheiro que angariasse dos investidores mais novos, conforme relatado pela autoridade policial, talvez usando parte desse dinheiro para começar novo empreendimento imobiliário e assim sucessivamente, situação que, por óbvio não é sustentável (pirâmide financeira). A esse respeito, a autoridade policial menciona que um lote do condomínio Palm Springs, medindo 401 metros quadrados, à época, estava sendo vendido por R$ 240.099,55, mas que atualmente é possível encontrar diversos anúncios comerciais com ofertas de lotes no referido condomínio, por R$ 60.000,00. Tais atividades de captação e aplicação de recursos estão, em tese, previstas no art. 1º, caput, da Lei 7.492/86, que conceitua instituição financeira para efeito dessa lei, pelo que que Paul Michael Telfer, Dean Leigh Thomas, André de Souza Dantas Elali e Luiz Eduardo Matida Fernandes teriam incorrido, em tese, no delito do art. 16 da referida lei, ao fazer operar instituição financeira sem a devida autorização, além do art. 2º, inc. IX, da Lei 1.521/51. 248
Ainda de acordo com o que consta dos autos, diferentemente do que se delineava no início da apuração, o grupo sob investigação teria reiteradamente captado recursos de estrangeiros, não apenas relacionado ao empreendimento Palm Spring, mas também empreendimentos como o Airtropolis, Cabugi Hills, Green Field Village, Majestic Village, Parnamirim Hills, Park Village, Trampoline of Victory Village e Parnamirim Field Village. Ou seja, a prática de captação de recursos não foi um ato único, mas teria se dado de forma repetida. As informações disponíveis nos autos, encaminhadas pelo Banco Central e também as fornecidas por instituições financeiras indicam que apenas parte dos recursos captados no exterior foram remetidos para o Brasil, havendo indícios de que quantia expressiva dos valores captados em Singapura foi remetida para conta bancária em Luxemburgo, em nome da empresa RITZ-G5 LUX SÀR, que tem como representante André Elali. Isso porque, conforme consta às fls. 412/414 dos autos 196-03.2017.4.05.8405, o documento “Value of Monies Raised since July 2015” resume os valores recebidos pelo grupo investigado e indica que, até o dia da apresentação de tal prova aos autos (08/03/2017), o grupo investigado recebeu o total de R$ 315.101.800,00 dos investidores, entre julho de 2015 a março de 2017, enquanto as transações de câmbio das pessoas físicas e jurídicas investigadas totalizaram apenas R$ 88.880.099,80 a crédito, havendo indícios de que a quantia de R$ 226.221.700,20 foi captada e mantida no exterior e não declarada à Receita Federal. Tal suspeita é reforçada pelo que consta do teor do e-mail de Aidan Whelan (Id. 4443679), documento redigido em inglês, cuja tradução realizada pela Polícia Federal na representação ora em análise menciona que aquele se intitula diretor de conformidade do grupo de compliance da RITZ-G5 e na correspondência faz um alerta de que André (André Elali) e Luiz (Luiz Eduardo Matida) estão cientes da existência de uma conta no BFS, acreditando aquele ser a instituição financeira “Bayswater Fiduciary Services”, e em seguida Aidan Whelan questiona a razão de a empresa brasileira manter uma conta Off-Shore ao invés de remeter os recursos para o Brasil, mencionando ainda que do montante de R$ 54.000.000,00, apenas R$ 1.362.000,00 foram remetidos para o Brasil. As tabelas anexas ao refe249
rido e-mail apresentam valores que teriam sido recebidos pela Ritz Property Investimentos Imobiliários Ltda. e pela Ritz Property Investment Asia Pte Ltd, ambas em conta off-shore, e os valores remetidos ao Brasil por tais empresas, todos no período de abril de 2016 a setembro de 2016, com a demonstração detalhada acerca dos valores. Os documentos de fls. 108 e 151 dos Autos nº 19603.2017.4.05.8405 também sinalizam que teriam sido realizadas transações na conta da RITZ no DBS BANC, totalizando mais de cem milhões de reais, sem indícios do envio de tais recursos ao Brasil. Tal transação teria sido realizada em atendimento à solicitação feita por Avril Seah, que encaminhou e-mail tendo como assunto “RELEASE OF FOUNDS FOR PERIOD 1 TO 15 AUGUST 2016” (Id. 4444489 - fl. 2), no qual solicita a liberação de SGD 11.414.030,00 da BAYSWATER, o mais rápido possível, em favor da RITZ PROPERTY INVESTIMENT ASIA. Ou seja, há diversos indícios da prática do crime de evasão de divisas. Ainda de acordo com as informações obtidas no Inquérito Policial, uma das formas encontradas pelos investigados para enviar os recursos existentes em Singapura ao Brasil pelas vias legais de remessa e torná-los “limpos” seria contratar um empréstimo “fictício”, ou seja, remeter os valores para o Brasil a título de mútuo, não correspondendo, porém, ao verdadeiro motivo da transação, com o provável intuito de materializar da fase chamada de “integração” no processo de lavagem de capitais. Às fls. 86/94 do Processo 0000196-03.2017.4.05.8405 constam documentos em língua inglesa, os quais, segundo transcrição realizada por parte da Polícia Federal, foram apresentados por Paul M. Telfer e são referentes à abertura de uma conta da empresa RITZ-G5 LUX SARL, sediada em Luxemburgo, na instituição financeira ING Luxembourg S.A., também sediada em Luxemburgo, figurando como representantes da empresa Luiz Matida e André Elali (fl. 87) e, como controladores, Luiz Matida, André Elali e Sami Elali (fl. 88). Os documentos de fls. 95/103 do Processo 000019603.2017.4.05.8405, também conforme transcrição feita pela Polícia Federal, são referentes à declaração inicial de contrato de prestação de serviços entre RITZ-G5 LUX SARL e INTERTRUST (LUXEMBOURG) SARL, na qual 250
declaram-se como beneficiários da empresa RITZ-G5 LUX SARL: SAMI GIRIES ELALI (fls. 95/96) e LUIZ EDUARDO MATIDA FERNANDES (fls. 98/99), sendo este apontado como CEO da Ritz Brasil e Ásia e, quanto a RITZ-G5, é mencionada como empresa líder em desenvolvimento e investimento internacional, com escritórios no Brasil, no Reino Unido e em Singapura, que tem grande parte da atividade de investimento concentrada no Nordeste do Brasil, no Rio Grande do Norte e em sua capital, Natal (“Funds come from the position of the undersigned who is CEO of Ritz Brazil & Asia. Ritz-G5 is a leading international development and investment company with offices in Brazil, UK and Singapore. Much of the Ritz-G5 Group’s investment activity is focused in Northeast Brazil, Rio Grande do Norte and its capital city, Natal”), e declaram-se como detentores do capital social da empresa SCR SINGAPORE HOLDING PTE. LTD, no percentual de 50% cada um: ANDRE DE SOUZA DANTAS ELALI e LUIZ EDUARDO MATIDA FERNANDES. O documento à fl. 100 do Processo 0000196-03.2017.4. 05.8405 está com assinaturas atribuídas a SAMI GIRIES ELALI, ANDRÉ DE SOUZA DANTAS ELALI e LUIZ EDUARDO MATIDA FERNANDES e demonstra o funcionamento das operações: 1) SAMI GIRIES ELALI e LUIZ EDUARDO MATIDA FERNANDES são beneficiários (50% cada) da empresa SCR SINGAPORE, localizada em Singapura; 2) Investidores colocam recursos na empresa SCR SINGAPORE; 3) Recursos são enviados para a empresa RITZ-G5 LUX, em Luxemburgo; 4) Equity or debt (capital ou dívida) são remetidos para o Brasil para Real State Assets (ativos imobiliários); 5) LUIZ MATIDA e ANDRE ELALI seriam os gerentes das empresas SCR SINGAPORE e RITZ-G5 LUX; 6) SAMI GIRIES ELALI seria o beneficiário final (UBO - Ultimate Beneficiary Owner), assim como LUIZ MATIDA, que também é gerente. As investigações até o momento realizadas também apontam que houve a contratação de mútuo por intermédio de dois contratos de empréstimo com o fundo Summit Global Asset SPC - Latam Hospitality Fund SP, no montante de U$ 30.000.000,00, e aumento de capital social da SCR Brasil mediante a subscrição de ações no valor de R$ 2.659.816,42, pela RITZ-G5 LUX SÀRL, empresa de Luxemburgo representada por André Elali. 251
Segundo consta das atas de três assembleias da SCR Brasil, extraídas da Junta Comercial do Estado de São Paulo: 1) em novembro de 2016 André Elali e Luiz Eduardo Matida Fernandes aprovaram o aumento de capital da SCR Brasil para R$ 42.498.275,00, em decorrência da subscrição de novas ações da RITZ-G5 totalizando R$ 10.000,00, divididas entre a G Cinco Planejamento e Execuções Ltda., representada por Sami Giries Elali, e Luiz Eduardo Matida Fernandes. Também foi aprovada a contratação de mútuo por intermédio de dois contratos de empréstimo com o fundo SUMMIT GLOBAL ASSET SPC - LATAM HOSPITALITY FUND SP, no montante de U$ 30.000.000,00 (fls. 25/28 dos autos 196-03.2017.4.05.8405); 2)em 13 de dezembro de 2016 a ata apresenta correção dos imóveis incorporados ao capital social da SCR Brasil, relacionando diversos lotes do empreendimento Palm Spring (fls. 56/58 dos autos 196-03.2017.4.05.8405); 3) em 18 de maio de 2017 a ata descreve a aprovação do aumento de capital social da SCR Brasil, mediante a subscrição de ações no valor de R$ 2.659.816,42, pela RITZ-G5 LUX SÀRL, empresa de Luxemburgo representada por André Elali, mencionando que os referidos recursos são provenientes do contrato de câmbio firmado entre a Companhia e o Banco Santander S.A. (fls. 66/68 dos autos 196-03.2017.4.05.8405). Ressalte-se que, conforme exposto no Relatório de Análise Bancária, os fatos sob investigação se assemelham aos investigados na Operação Godfather, deflagrada no ano de 2014, cujas medidas apontavam para a existência de uma organização de pessoas e empresas suspeitas de fraudes contra o sistema financeiro. De acordo com informações mencionadas pela Polícia Federal, as empresas, com sede em Natal/RN, captavam recursos de particulares no exterior com promessa de ganhos na ordem de 12% a 20% ao ano, sendo que o investimento nunca era devolvido, prática que, somente no mercado de Singapura, teria lesado cerca de 2 mil investidores. A esse respeito, cabe transcrever o que está relatado no Relatório de Análise Bancária elaborado pela Polícia Federal, em suas fls. 49/52: II) Importante salientar que na investigação em comento, também surge a figura de Andre de Souza Dantas Elali, tendo se beneficiado, inclusive, de distribuição de lucros, conforme os recibos juntados aos autos. 252
Sua empresa à época, Massari Investimentos Imobiliarios LTDA. - ME, teria sido usada como interposta pessoa (“laranja”) para remessa de recursos do exterior para o “GRUPO ECOHOUSE” e André teria sido, juntamente com o Sr. Anthony Jon Domingo Armstrong Emery, o idealizador da sistemática adotada para eximir-se do pagamento dos tributos devidos utilizando-se, por exemplo, da simulação de contratos de mútuo. III) Outra convergência entre as duas investigações é pessoa de Fernando Lucena Pereira dos Santos Junior, CPF 064.740.154-11, que pertencia, em 2011, no momento da sua constituição, ao quadro societário da empresa ECOHOUSE BRASIL CONSTRUCOES LTDA - ME, com 49% do capital social. Já no caso em tela, o nome de Fernando Lucena Pereira dos Santos Junior aparece como signatário de um arquivo chamado “Simplified Legal Due Diligence Report” apresentado junto a um material de divulgação do empreendimento Cabugi Hills. Relatório simplificado de diligência prévia é o nome que se dá ao processo de investigação de uma oportunidade de negócio que o investidor deverá aceitar para poder avaliar os riscos da transação. Seu nome também aparece em procuração judicial da empresa Ritz Property Investimentos Imobiliários Eireli no arquivo referente ao processo de nº 083750973.2016.8.20.5001: (...) Além das coincidências citadas, ressalte-se a sua aparição como originário ou destinatário de recursos das contas com afastamento de sigilo bancário em análise no presente relatório, fato que será abordado em tópico próprio. IV) Por fim, uma terceira correspondência entre os dois casos, é a aparição do nome de Aritelmo Franco Silva. Na investigação do grupo ECOHOUSE, Aritelmo surge com um dos contabilistas “independentes” que forneciam os documentos atestando a efetiva e correta execução das obras. Atestado esse que era colocado
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nos contratos como condição para a liberação dos recursos dos investidores pela empresa depositária, como forma de garantir aos investidores a lisura do negócio, conforme exposto no item 4.10.5 deste relatório. Já na investigação quanto ao grupo RITZ, Aritelmo surge no Dossiê Integrado de Pessoas Físicas, OFI 0015.000168-42017, tendo recebido R$ 30.000,00 de SAMI GIRIES ELALI. Aparece também como contador da empresa RITZ-G5 SPE 1 LTDA. na Informação nº 46/2015 DELEFIN/ DRCOR, além de constar como responsável pelo preenchimento das declarações de informações econômico-fiscais de pessoa jurídica DIPJ dos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014 da empresa G CINCO PLANEJAMENTOS E EXECUÇÕES LTDA. Não obstante a sua aparição como originário ou destinatário de recursos das contas com afastamento de sigilo bancário em análise no presente relatório, fato que será abordado em tópico próprio. Vê-se, pois, que existem indícios acerca da existência de valores produto de sonegação e de crime financeiro, remetidos a Luxemburgo e lá mantidos ocultos, como também de remessa ao Brasil, simulada na forma de mútuo, em favor da SCR Brasil, atos que, em tese, caracterizam “lavagem” de capitais, com repercussão transnacional, uma vez que os valores foram captados em Singapura e remetidos para o Brasil, delito definido no art. 1º da Lei 9.613/98. Assim, segundo se infere, há a suspeita que André Elali já teria de alguma forma tido contato com crimes semelhantes e, em face da interrupção da referida prática pela deflagração da operação Godfather, teria iniciado uma nova forma de operacionalizar crimes contra o sistema financeiro e tributário. Os procedimentos investigatórios indicam ainda que, paralelamente aos delitos sob investigação, ante o comparecimento à Polícia Federal de Paul M. Telfer, verificou-se uma possível manobra praticada por André de Souza Dantas Elali, Luiz Eduardo Matida Fernandes e Sami Giries Elali para se apropriar da Ritz Property, afastando da empresa Paul Michel Telfer, com a possível falsificação de documen254
tos para assumir o controle da Ritz Property logo após a empresa ter repassado dezenas de milhões de reais para Sami Elali, em face da cessão de cotas do Pirâmide Palace Hotel Ltda. Caso comprovadas as práticas, teria havido o cometimento de diversos crimes, entre eles apropriação indébita, falsificação e uso de documentos falsos e estelionato. Some-se a isso a existência de indícios de que o grupo investigado teria cometido fraude visando a blindar seu patrimônio de dívidas, promovendo a transferência dos ativos da RITZ PROPERTY de modo a esvaziar a empresa e deixá-la com o passivo, tendo a empresa sucessora, SCR BRASIL, recebido os bens, clientes e direitos. De acordo com o que consta dos autos, no dia 30/05/2016, em Ata de Decisão do Titular (fls. 74/79 do Apenso III - Vol. Único), a empresa RITZ PROPERTY distribui para Luiz Eduardo Matida, a título de lucros, bens e direitos antes pertencentes à empresa, que totalizam o valor de R$ 24.847.875,00; no dia 01/06/2016, em Assembleia Geral Extraordinária da empresa SCR BRASIL PARTICIPAÇÕES (fls. 138/144 do Apenso III - Vol. Único), os acionistas aprovaram o aumento do capital social da empresa em 509.700 novas ações totalmente integralizadas por Luiz Eduardo Matida Fernandes. Todavia, conforme bem observado pela autoridade policial, essa integralização se deu através da conferência ao capital social dos bens e direitos que recebeu da empresa RITZ PROPERTY a título de lucros no dia 30/05/2016, como se percebe dos valores atribuídos aos bens mencionados nos itens 1 e 2 da Ata, de R$ 4.783.658,87 e R$ 20.064.216,13, os quais somam exatos R$ 24.847.875,00. Na ata de Assembleia realizada no dia 31/05/2016 (fls. 80/83 do Apenso III - Vol. Únici), Sami Elali transfere para a empresa SCR BRASIL PARTICIPAÇÕES S.A. todas as cotas que detém do Hotel Pirâmide; na ata de Assembleia realizada no dia 28/11/2016 a empresa contrata mútuo junto à empresa SUMMIT GLOBAL ASSET SPC - LATAM HOSPITALITY FUND SP localizada em Cingapura (fls. 25/28 dos autos 196-03.2017.4.05.8405) e, na mesma assembleia, Matida e a empresa G Cinco passam para a SCR 9.999 cotas da empresa RITZ-G5 SPE 1 LTDA.; na ata de Assembleia realizada no dia 18/05/2017 a empresa RITZ G5 LUX SARL integraliza R$ 2.659.816,42 via contrato de câmbio (fls. 66/68 dos autos 196-03.2017.4.05.8405). 255
A mesma prática estaria ocorrendo no exterior, com a criação de uma conta bancária à empresa RITZ-G5 LUX SÀRL, sediada em Luxemburgo, no banco INTERTRUST e submissão de documento no qual Sami Giries Elali é caracterizado como “Ultimate Beneficial Owner”. De tal sorte, há indícios acerca do esvaziamento patrimonial da RITZ PROPERTY em favor da SCR Brasil, dirigida por André Elali e Luiz Eduardo Matida Fernandes e de no exterior, por seu turno, houve a criação de empresa estrangeira, assim como a abertura de conta bancária em Luxemburgo, conhecido paraíso fiscal, conta essa destinatária dos recursos captados de investidores em Singapura, havendo suspeitas de que essa ação venha a lesar futuramente os pequenos investidores de Singapura, tal qual verificado na Operação Godfather. (...) Hallison Rego Bezerra Juiz Federal
A constrição judicial sobre os bens dos apelantes foi efetivada na data de 18.12.2018 (Id. 4058405.4607099). Contudo, até o presente momento, o MPF não ofertou denúncia contra ele. Isto é, desde a efetivação do sequestro, do bloqueio e do arresto, houve o transcurso de 05 meses, que corresponde exatamente à inércia do órgão ministerial. Desta forma, encontra-se ultrapassado, em 2 meses, o prazo de 90 dias (3 meses) para o início da ação penal, após a efetivação do sequestro, conforme determina o art. 2º, § 1º, do DL 3.240/41, razão pela qual se deve determinar a revogação da constrição judicial. Nesse sentido, julgados desta Terceira Turma: PROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. RESTITUIÇÃO DE BEM ALVO DE MEDIDA DE SEQUESTRO E DE BUSCA E APREENSÃO. TRANSCURSO DE MAIS DE 8 MESES SEM O INÍCIO DA AÇÃO PENAL. OFENSA AO ART. 2º, PARÁGRAFO 1º, DO DL 3.240/41. APELAÇÃO PROVIDA. 1. Trata-se de apelação em face de decisão proferida pelo Juízo da 13ª Vara Federal de Pernambuco que, em 256
incidente de restituição de bens apreendidos, negou o pedido de devolução do veículo Toyota Hilux placa PDJ 2022, apreendido e alvo da medida assecuratória de sequestro no âmbito da denominada “Operação Torrentes”, na data de 09.11.2017. 2. Até o presente momento, o MPF não ofertou denúncia contra aquele que aponta como sendo o proprietário de fato do bem. 3. Ultrapassado, em muito (mais de 08 meses), o prazo de 90 dias para o início da ação penal, após a efetivação do sequestro, previsto no art. 2º, parágrafo 1º, do DL 3240/41, deve-se cessar a constrição judicial sobre o aludido bem. 4. Apelação provida, para determinar a restituição do bem. (PROCESSO: 08006382320184058300, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 08/08/2018, PUBLICAÇÃO:) PROCESSO ORIGINÁRIO:0809781-70.2017.4.05.8300. 13ª VARA FEDERAL. PEPROCESSUAL PENAL. APELAÇÃO CRIMINAL. CAUTELAR DE SEQUESTRO DE BENS E VALORES. TRANSCURSO DE MAIS DE 10 MESES SEM O INÍCIO DA AÇÃO PENAL. OFENSA AO ART. 2º, PARÁGRAFO 1º, DECRETO-LEI 3.240/41. 1. Apelação criminal contra a decisão do Juízo da 13ª Vara Federal de Recife/PE, que indeferiu o pedido de liberação dos valores e bens bloqueados, todos constritos por força de decisão proferida no âmbito da denominada Operação Torrentes, a saber: a) veículo Honda Civic, placa PEF 2695, ano 2011/2011; b) R$ 188.949,50, constantes de conta no banco Bradesco e c) R$ 26,39, depositados na Caixa Econômica Federal. 2. Contudo, apesar de apontar o investigado, ora apelante, como sócio da D.T.I. SOLUÇÕES EMPRESARIAIS LTDA., com 50% (cinquenta por cento) do capital social, de 17/03/2010 a 20/05/2013, irmão de Ítalo e Tiago Jaques e representante da D. T. I. SOLUÇÕES EMPRESARIAIS LTDA. ME na Ata de Registro de Preço nº 12/2012 (decorrente do Pregão 36/2012), eivado de irregularidades, o MPF não ofertou denúncia contra ele. 3. Ultrapassado, em muito (mais de 10 meses), o prazo de 90 dias (03 meses) para o início da ação penal, após a efetivação do sequestro, conforme determina o art. 2º, parágrafo 1º, do DL 3240/41. Assim, deve cessar a constrição judicial sobre os aludidos bens e valores. 257
4. Apelação provida. (PROCESSO: 08051557120184058300, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 17/10/2018, PUBLICAÇÃO:)
Assim, deve cessar a constrição judicial (de bloqueio, de sequestro e de arresto, já que tratadas indistintamente pelo Juízo a quo) sobre os bens dos apelantes. Ressalte-se que a presente decisão não obsta ulterior sequestro, bloqueio ou arresto, desde que seja este baseado em nova situação fática a justificar a cautelar e haja o respeito ao prazo legal para a formação da opinio delicti após a efetivação da medida. Ante o exposto, dou provimento ao apelo, para determinar a revogação imediata, independentemente do trânsito em julgado deste acórdão, pelo Juízo a quo da constrição judicial aplicada em relação aos bens dos apelantes que foram objeto deste apelo. É como voto.
MANDADO DE SEGURANÇA CRIMINAL Nº 081194372.2018.4.05.0000-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI Impetrante: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO Impetrado: UNIÃO FEDERAL Aut. Coatora: JUIZ FEDERAL TITULAR DA CORREGEDORIA DA PENITENCIÁRIA FEDERAL DE MOSSORÓ (RN) EMENTA: PENAL E PROCESSUAL PENAL. MANDADO DE SEGURANÇA. MONITORAMENTO, ESCUTA E GRAVAÇÃO AMBIENTAL DE CONVERSAS DOS PRESOS E INTERLOCUTORES (VISITANTES E ADVOGADOS) NO ÂMBITO DE PENITENCIÁRIA FEDERAL. RENOVAÇÃO DE PRAZO. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL INTERPOSTO PELA DPU. VIOLAÇÃO A DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. INOCORRÊNCIA. DIREITO DO PRESO A ENTREVISTA PESSOAL 258
E RESERVADA COM SEU ADVOGADO. PRERROGATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA (ART. 44, VII, DA LEI COMPLEMENTAR Nº 80/94). RELATIVIZAÇÃO EM CASOS DE DESVIRTUAMENTO DO EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PARA FINS DELITUOSOS. COMUNICAÇÃO ENTRE OS DETENTOS E ADVOGADOS. ENVIO DE MENSAGENS AO AMBIENTE EXTERNO DESTINADAS A FACÇÕES CRIMINOSAS. NECESSIDADE DA MEDIDA. SEGURANÇA DENEGADA. 1. Ação de Segurança impetrada pela Defensoria Pública da União com o objetivo de reformar decisão que determinou a renovação da autorização judicial de monitoramento, escuta e gravação ambiental de diálogos produzidos nas dependências da Penitenciária Federal de Mossoró/ RN (PFMOS) pelos presos, seus advogados e os visitantes, pelo prazo de por 360 (trezentos e sessenta) dias requerida pela direção do Presídio para monitorar, por meio de gravação ambiental, as conversas produzidas nas áreas internas do estabelecimento prisional, onde possa haver encontros e diálogos entre os internos com quaisquer pessoas, inclusive durante atendimentos realizados pelos Defensores Públicos. 2. Em uma interpretação sistemática dos princípios constitucionais, e levando em conta a proporcionalidade, mesmo o direito à privacidade ou sigilo dos presos e visitantes não é absoluto, é possível a sua restrição para a preservação do interesse da coletividade na prevenção de novos crimes e na proteção da sociedade e de terceiros, sobretudo com relação à segurança pública. 3. A Direção da Penitenciária Federal em Mossoró/RN e o Serviço de Inteligência do Presídio constataram a quebra do isolamento dos presos, com o envio de mensagens diretamente dos membros de facções criminosas custodiados ao mundo exterior através dos visitantes (fa259
miliares, amigos, cônjuges e namoradas) e dos advogados. 4. Diálogos gravados ao longo dos anos de 2017 e 2018 que indicam claramente que advogados estão sendo usados como instrumento para o envio de mensagens ao mundo exterior, muitas vezes para a prática de atos criminosos, de forma que tal troca de informações entre presos e defensores não estão relacionadas ao exercício da advocacia, sendo esta a oportunidade de comunicação entre as facções criminosas. 5. Possibilidade de renovação do monitoramento das conversas reservadas entre presos e advogados, inclusive defensores públicos, em casos excepcionais, com base em razões de segurança pública e de preservação da ordem pública e prisional (CF, art. 6º e art. 144), para fins de investigação criminal, especialmente em face das atividades ilícitas praticadas por organizações criminosas de dentro do sistema prisional, com o auxílio dos advogados que servem servir ao crime. 6. Recomendação nº 09 formulada pelo Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal, promovido pelo Conselho da Justiça Federal, segundo a qual “pode haver o monitoramento de sons e imagens das conversas entre advogado e preso, no parlatório, desde que a medida vise garantir a segurança pública e a regular execução da pena no estabelecimento penal, mantido o absoluto sigilo em relação ao material produzido”. Segurança denegada. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os presentes autos em que figuram como partes as acima identificadas, decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, denegar a segurança, nos termos do relatório e voto do Desembargador Relator, que passam a integrar o presente julgado.
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Recife, 1° de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI: Ação de segurança impetrada pela Defensoria Pública da União com o objetivo de reformar decisão que determinou a renovação da autorização judicial de monitoramento, escuta e gravação ambiental de diálogos produzidos nas dependências da Penitenciária Federal de Mossoró/RN (PFMOS) pelos presos, seus advogados e os visitantes, pelo prazo de por 360 (trezentos e sessenta) dias requerida pela direção do Presídio para monitorar, por meio de gravação ambiental, as conversas produzidas nas áreas internas do estabelecimento prisional, onde possa haver encontros e diálogos entre os internos com quaisquer pessoas, inclusive durante atendimentos realizados pelos Defensores Públicos. Argumenta a Impetrante a ilegalidade da decisão, porque, nos termos do art. 5º, XII, da Constituição Federal e ao art. 1º, caput, da Lei nº 9.296/96, a inviolabilidade das comunicações apenas pode ser afastada por ordem judicial nos casos expressamente previstos em lei para fins de investigação criminal ou instrução processual penal, ambas inexistentes no presente caso, bem como a irregularidade da elasticidade do prazo de interceptação concedido (quase um ano). Alega, ainda, a violação à prerrogativa de comunicação reservada dos membros da Defensoria Pública da União com os seus assistidos, prevista no art. 44 da Lei Complementar nº 80/94, salientando que os indícios de utilização indevida do sigilo profissional para a troca de informações ou mensagens entre os presos e o ambiente externo restringiram-se a determinados advogados particulares, não pairando tal suspeita em relação à atuação dos membros da Defensoria Pública da União, de forma que seus membros deveriam ser excluídos do monitoramento ambiental. Requer, ao final, a concessão de medida liminar com efeito suspensivo, a fim de sustar os efeitos da decisão que renovou a autorização para o monitoramento, escuta e gravação ambiental de 261
conversas produzidas nas áreas internas da penitenciária federal de Mossoró. Subsidiariamente, requer a suspensão da decisão com relação aos atendimentos realizados pelos Defensores Públicos, devendo-se observar o direito de entrevista reservada entre estes e os detentos. Em face da ausência de perigo de perecimento urgente, foi oficiada a autoridade apontada como coatora para prestar informações, sem apreciação da liminar, ainda sob a Relatoria do Des. Carlos Rebêlo - Id. 4050000.11949897. Em suas informações, a Autoridade apontada como coatora reafirmou a necessidade de monitoramento, extensível a todos os presos, visitantes e advogados, em face da constatação, pelos Serviços de Inteligência, de que tem colaborado com o envio de mensagens dos detentos ao mundo exterior, de forma que os líderes das organizações criminosas conseguem enviar mensagens aos seus subordinados, prosseguindo no comando das facções. Ao final, ressalta que o direito à inviolabilidade da intimidade e da advocacia, não são absolutos, podendo ser relativizados em situações como a que ora se apresenta, de forma a ser cumprido o objetivo do encarceramento e garantida a segurança pública e a ordem social - Id. 4050000.12242137. Com vista, a douta Procuradoria da República opinou pela denegação da segurança, devido à ausência de ilegalidade da decisão, porque a Lei de Execução Penal admite, em seu artigo 41, o controle em relação às comunicações do preso com o mundo exterior, o que já foi apreciado pelo STF, no HC 70.814-5/SP, no sentido de que a administração penitenciária, com fundamento em razões de segurança pública, de disciplina prisional ou de preservação da ordem jurídica, pode realizar interceptações no ambiente prisional. Salienta que os presos no Sistema Penitenciário Federal são exatamente os mais perigosos, notadamente aqueles que, caso sejam ou permaneçam encarcerados em estabelecimento estadual, comprometam a segurança pública, pois, mesmo recolhidos ao cárcere, mantêm liderança em organização criminosa, com participação na prática de delitos.
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Por fim, reafirma que a decisão de monitoramento deve ser necessariamente geral, de forma a alcançar todos os internos, pois, caso seja parcial, os outros presos, visitantes e advogados livres da fiscalização correm o risco de ser coagidos a transmitir as mensagens, o que seria prejudicial à maioria dos profissionais que trabalham corretamente e não aceitam ser instrumento de mensagens relativas a atividades criminosas. Com relação à suposta afronta ao Estatuto da Advocacia e ao art. 44 da Lei Complementar nº 80/94, ressalta que as respectivas normas legais apresentam ressalvas à inviolabilidade, transparecendo que não se trata de um direito absoluto, ao afirmar que as comunicações defensor/preso devem ter como objeto apenas o que se relaciona ao exercício da advocacia, não havendo violação caso constatado o conteúdo diverso do viés processual entre o preso e seu respectivo patrono. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL CID MARCONI (Relator): A decisão impugnada determinou a renovação da autorização judicial de monitoramento, escuta e gravação ambiental de diálogos produzidos pelos presos, visitantes e advogados, nas dependências da Penitenciária Federal de Mossoró/RN (PFMOS), pelo prazo de por 360 (trezentos e sessenta) dias, em face da apresentação, pela Diretoria do Presídio de fortes indícios de que a oportunidade de prestação efetiva de assistência jurídica de determinados advogados aos presos estava sendo burlada, o que seria uma afronta ao art. 71 do Manual de Assistências do Sistema Penitenciário Federal (Anexo I da Portaria nº 63/2009 - DISPF/ DEPEN/MJ), sem a prestação efetiva de defesa técnica, tendo o serviço de inteligência do Presídio que determinados líderes de facções criminosas constritos estavam em claras tratativas, com seus patronos jurídicos, no sentido de enviar e receber informações e ordens aos demais integrantes da organização, além de impor agenda de atendimentos jurídicos aos demais membros da facção lá custodiados.
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O Sistema Penitenciário Federal destina-se a custodiar e segregar os líderes das organizações criminosas buscando impedir que eles prossigam na atividade criminosa através do envio de ordens ou comunicações a seus subordinados, não havendo dúvidas quanto à legitimidade de isolamentos do mundo exterior, como resposta do Estado ao crime organizado, especialmente considerando a premissa de que se trata de presos de alta periculosidade e/ou membros líderes de organizações criminosas, com claras inclinações à articulação delitiva ou de gestão dos assuntos do grupo criminoso. O Fórum Permanente do Sistema Penitenciário Federal, promovido pelo Conselho da Justiça Federal, aprovou a Recomendação nº 09, cuja dicção é a seguinte: A pedido do Ministério Público ou da autoridade penitenciária, por ordem fundamentada do Juízo Corregedor do Presídio Federal de Segurança Máxima, pode haver o monitoramento de sons e imagens das conversas entre advogado e preso, no parlatório, desde que a medida vise garantir a segurança pública e a regular execução da pena no estabelecimento penal, mantido o absoluto sigilo em relação ao material produzido.
Deve ser aplicado, assim, o disposto no art. 3º, inciso II, da Lei nº 12.850, de 2013, e nos casos em que o juiz, na qualidade de corregedor do presídio, em razão de evidências concretas de que os presos estão se utilizando das visitas e dos advogados para transformar a Penitenciária em centro de comando da facção criminosa, ordenando crimes à distância, pode autorizar o diretor do presídio, por ordem judicial fundamentada, a flexibilizar o direito à inviolabilidade da intimidade dos presos, dos visitantes e dos advogados, acrescentando, em relação a estes, a relativização da inviolabilidade da advocacia. No caso, a Direção da Penitenciária Federal em Mossoró/RN e o Serviço de Inteligência do Presídio constataram a quebra deste isolamento dos presos, com o envio de mensagens diretamente dos membros de facções criminosas custodiados ao mundo exterior através dos visitantes (familiares, amigos, cônjuges e namoradas) e dos advogados.
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Há nos autos trechos de interceptações ambientais já realizadas, nos quais foi constatado que os presos, seus visitantes e advogados se comunicam em código, principalmente quando tratam de valores que devem ser repassados pela ORCRIM a terceiros, inclusive aos advogados, citando como exemplo a ocorrida em 03/04/2018, no qual o interno Roberson Vieira de Souza, no parlatório da Vivência Charlie, solicitou ao seu advogado que tratasse das questões financeiras de Dona Marlene, esposa de outro preso, por ser ela a responsável pela “coordenação das visitantes do PCC em Mossoró/RN”, código usado para tratar de pagamentos do PCC para ela, que seria a pessoa responsável por fotografar as placas dos veículos usados pelos servidores da Segurança Pública do Estado. Na ocasião, o Chefe da Vivência alertou o causídico acerca de sua conduta - Id. 4050000.12242141. Também no dia 27/02/2018, o interno preso Rogério dos Santos (“Original”), membro do PCC, repassou a outros membros do PCC uma série de mensagens cifradas enviadas pela sua esposa, que teria recebido apenas metade do “doce” (a droga comumente conhecida como LSD”, e que estaria aguardando para receber o resto “da caminhada” – Id. 4050000.12242141. Os diálogos mencionados acima indicam claramente que visitantes e advogados estão sendo usados como instrumento para o envio de mensagens ao mundo exterior, muitas vezes para a prática de atos criminosos, de forma que tal troca de informações entre presos e defensores não estão relacionadas ao exercício da advocacia, sendo esta a oportunidade de comunicação entre as facções criminosas, de forma que o Juiz Corregedor da Penitenciária Federal de Mossoró possuía motivos o suficiente para decretar e, posteriormente, renovar o monitoramento de conversas realizadas no parlatório. No tocante à alegada inviolabilidade das comunicações alegada pela DPU, é preciso salientar que, nenhum princípio constitucional é absoluto, ficando submetidos a uma interpretação sistemática da Constituição Federal, devendo ser analisados com base na proporcionalidade, de forma que mesmo o direito à privacidade ou sigilo dos presos e visitantes não é absoluto, sendo necessária a preservação do interesse da coletividade, como a prevenção de
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novos crimes e a proteção da sociedade e de terceiros, sobretudo, daqueles ligados à segurança pública e à execução das penas dos internos, agentes políticos ou da administração do sistema prisional, podem justificar a restrição de tal sigilo. Nesse ponto, é irretocável a decisão atacada que aponta em seus fundamentos a necessidade da medida de escuta ambiental, contrapondo e compatibilizando a intimidade da relação de presos, advogado e visitantes, com o direito da sociedade à paz e à segurança pública, que também é um direito fundamental (art. 5º, caput e art. 144 da CF/88). Nem se argumente que os membros da Defensoria Pública da União devem ser excluídos dos efeitos do monitoramento, escuta e/ ou gravação ambiental de conversas produzidas nas áreas internas do estabelecimento prisional onde haja encontros e diálogos com os internos, em face da prerrogativa prevista no art. 44, VII, da Lei Complementar nº 80/94. A medida de monitoramento, a escuta, captação e gravação ambiental de diálogos, imagens e/ou documentos dos contatos de presos com os visitantes, aí incluídos os seus advogados, precisa, para ter eficácia, ser necessariamente geral, alcançando todos os internos e seus contatos, pois, caso seja parcial, os outros presos, visitantes, advogados e defensores públicos correm o risco de ser coagidos a transmitir as mensagens, o que seria prejudicial à maioria dos profissionais que trabalham corretamente e não aceitam ser instrumento de mensagens relativas a atividades criminosas. Ressalte-se que não haverá prejuízo à defesa dos presos, porque, conforme salientado pelo Juiz Corregedor, “não se anula o direito à assistência jurídica dos internos, pois os serviços continuarão a ser prestados mediante atendimento no parlatório” – Id. 4050000.12242137. Nesse sentido anoto os seguintes precedentes: EMENTA: HABEAS CORPUS IMPETRADO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO PREVISTO NO ORDENAMENTO JURÍDICO. 1. NÃO CABIMENTO. MODIFICAÇÃO DE ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL. RESTRIÇÃO DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. EXAME EXCEPCIONAL QUE VISA PRIVILEGIAR A AMPLA DEFESA E O DEVIDO 266
PROCESSO LEGAL. 2. NULIDADE DOS ELEMENTOS DE PROVA COLETADOS POR MEIO DE INTERCEPTAÇÃO AMBIENTAL REALIZADA EM PRESÍDIO. 3. VIOLAÇÃO DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE INTIMIDADE E PRIVACIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INEXISTÊNCIA DE GARANTIAS ABSOLUTAS. APLICAÇÃO DO POSTULADO DA PROPORCIONALIDADE. 4. SENTENÇA DE PRONÚNCIA BASEADA EM OUTRAS PROVAS. AUSÊNCIA DE DEMONSTRAÇÃO DE PREJUÍZO CONCRETO. 5. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. 1. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, buscando a racionalidade do ordenamento jurídico e a funcionalidade do sistema recursal, vinha se firmando, mais recentemente, no sentido de ser imperiosa a restrição do cabimento do remédio constitucional às hipóteses previstas na Constituição Federal e no Código de Processo Penal. Nessa linha de evolução hermenêutica, o Supremo Tribunal Federal passou a não mais admitir habeas corpus que tenha por objetivo substituir o recurso ordinariamente cabível para a espécie. Precedentes. Contudo, devem ser analisadas as questões suscitadas na inicial no intuito de verificar a existência de constrangimento ilegal evidente – a ser sanado mediante a concessão de habeas corpus de ofício –, evitando-se prejuízos à ampla defesa e ao devido processo legal. 2. A comunicação – e se está examinando a comunicação entre pessoas presas – merece respeito, devendo ser resguardado o direto fundamental à intimidade. No entanto, na ordem constitucional pátria não existem garantias ou direitos absolutos, que possam ser exercidos a qualquer tempo e sob quaisquer circunstâncias. No plano da realidade concreta, diante de situações de incompatibilidade entre dois ou mais direitos fundamentais, mostra-se imperiosa a efetiva compreensão e aplicação do postulado da proporcionalidade ou razoabilidade. 3. Na espécie – em que, ao que tudo indica, os crimes foram praticados por organização criminosa especializada no tráfico de drogas, contando com a participação e auxílio de agentes penitenciários, motivados os réus pela disputa por pontos de venda de entorpecentes –, a autoridade policial e o Poder Judiciário, embora necessariamente jungidos pelo Direito, devem ter sua atuação 267
menos obstada, sendo necessária exegese que combine os direitos do acusado aos princípios, também constitucionais e fundamentais, da integridade estatal, da promoção do bem de todos e da segurança pública. Precedentes. 4. Além disso, não demonstrou a defesa o efetivo prejuízo decorrente do procedimento adotado pela autoridade policial, pois além de o vaso sanitário em que posicionado o gravador estar fixado no exterior das celas, sendo as conversas desenvolvidas espontaneamente e em voz alta entre os acusados, que não estavam sozinhos no local, o teor das comunicações não foi relevante para a prolação da sentença de pronúncia, que se baseou, notadamente, nos depoimentos das testemunhas e nas interceptações telefônicas. Precedentes. 5. Habeas corpus não conhecido. (STJ - HC 251.132/RS. Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, 5ª Turma, DJe 07/03/2014) EMENTA: PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. QUADRILHA ARMADA. (1) MINISTÉRIO PÚBLICO. PODERES INVESTIGATÓRIOS. ILEGALIDADE. AUSÊNCIA. (2) ESCUTA AMBIENTAL. EMBASAMENTO PARA DECRETAÇÃO EM DESFAVOR DE OUTROS INVESTIGADOS. LEGITIMIDADE. AUSÊNCIA. 1. A compreensão firmada no seio desta Corte é que não há ilegalidade na investigação criminal encetada pelo Ministério Público (ressalva de entendimento da relatora). 2. Não é apropriado o ajuizamento de habeas corpus em favor de certo paciente a fim de discutir suposta ilegalidade que teria acometido outros investigados. In casu, foi determinada a escuta ambiental, no parlatório de presídio, para a colheita dos diálogos de supostos membros de facção criminosa paulista com seus advogados, a fim de se colher elementos sobre a planificação de homicídios de autoridades do governo bandeirante. 3. O sigilo das comunicações entre advogados e clientes é inviolável. Todavia, tal garantia não tem o condão de acobertar o suposto emprego espúrio do múnus público para a prática delitiva. 4. Recurso em habeas corpus a que se nega provimento. (STJ - RHC 26.063/SP, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis Moura, 6ª Turma, DJe 02/10/2012) 268
EMENTA: PENAL. AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. PRESÍDIO FEDERAL DE MOSSORÓ. RENOVAÇÃO DE ESCUTA AMBIENTAL. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO A DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS. INOCORRÊNCIA. PROPORCIONALIDADE DA MEDIDA. COMUNICAÇÃO ENTRE OS DETENTOS, ADVOGADOS E VISITAS. ENVIO DE MENSAGENS AO AMBIENTE EXTERNO DESTINADAS A FACÇÕES CRIMINOSAS. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Cuida-se de agravo em execução penal interposto pela Defensoria Pública da União insurgindo-se contra decisão proferida pelo Juiz Corregedor da Penitenciária Federal de Mossoró (PFMOS) que deferiu pedido de renovação, por mais 360 dias, da autorização para monitoramento, escuta, gravação ambiental de conversas produzidas nas áreas internas daquele estabelecimento prisional. 2. Segundo as informações prestadas pela Corregedoria da Penitenciária, a medida de escuta ambiental foi adotada com base na constatação da área de inteligência penitenciária de que os internos utilizavam-se do direito de receber visitas de familiares e seus advogados para o envio de mensagens ao cenário externo para os seus subordinados nas facções criminosas. 3. Ao contrário do que defendido pelo agravante, não há violação ao sigilo profissional da advocacia, privada ou pública, eis que tal prerrogativa se relaciona à sua atuação profissional, não se estendendo, por óbvio, à atividade criminosa, não se anulando o direito à assistência jurídica dos internos, pois os serviços continuarão a ser prestados mediante atendimento no parlatório. 4. Não se vislumbra violação aos direitos e garantias fundamentais previstos no art. 5º, incs. X e XII, da Carta Magna, visto que a medida de monitoramento e de escuta ambiental é de conhecimento prévio de todos os detentos, seus advogados e demais visitantes, e o conteúdo das conversas não pode ser utilizado como meio de prova da prática de crimes cometido antes do ingresso no sistema prisional, sendo assegurado o sigilo, conforme ressaltado pela Corregedoria Judicial. 5. Cuida-se de medida de segurança necessária no âmbito interno do estabelecimento prisional, adotada no interesse da Segurança Pública, o qual, sendo também direito fundamental, se sobrepõe aos interesses indivi269
duais, prescindido a sua adoção de que haja inquérito em curso ou ação penal ajuizada, dado o caráter administrativo preventivo. 6. Agravo em execução penal não provido. (TRF5 - Processo 0811111-30.2016.4.05.8400, Rel. Desembargador Federal Edilson Nobre, julg. 06/06/2017)
Com essas considerações, denego a segurança. É como voto.
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COMPOSIÇÃO DA QUARTA TURMA
Desembargador Federal Manoel Erhardt Presidente da Quarta Turma Período: março/2019 a março/2021
Desembargador Federal Edilson Nobre
Desembargador Federal Rubens Canuto
JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA N° 35.249-PB Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMA RÃES Apelante: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Apelada: RITA DE LIMA VIEIRA Repte.: PROCURADORIA DO INSS Adv./Proc.: DR. ANTÔNIO CARNEIRO DE SOUSA (APDA.) EMENTA: DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA. LEI Nº 8.742/93. PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS PARA RESTABELECIMENTO DO BENEFÍCIO. CASAL DE IDOSO. VULNERABILIDADE SOCIOECONÔMICA. MITIGAÇÃO DO CRITÉRIO OBJETIVO. - Mantida a condenação do INSS ao restabelecimento do benefício. reforma apenas no que se refere aos juros de mora. - Apelação parcialmente provida. ACÓRDÃO Vistos etc., decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por unanimidade, dar parcial provimento à apelação, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 4 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES: Cuida-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face de sentença que julgou procedente o pedido da autora, que visava o restabelecimento do benefício assistencial.
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O apelante argumenta pela incompetência absoluta da Justiça Estadual, que julgou o pedido de anulação do débito, requerendo a nulidade deste capítulo da sentença. Além disso, pleiteia que seja mantido o ato administrativo de suspensão do benefício da autora, alegando que a mesma teria agido de má-fé. Aduzindo, ainda, que a autora não mais preencheria o requisito da hipossuficiência econômica. Subsidiariamente, o INSS ainda requer que os juros de mora e correção monetária obedeçam aos índices da caderneta de poupança. Devidamente intimada, a apelada apresentou contrarrazões às fls. 184/189 dos autos. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (Relator): Cuida-se de apelação interposta pelo Instituto Nacional do Seguro Social em face de sentença que julgou procedente o pedido da autora, que visava o restabelecimento do benefício assistencial. As peças da lide informam que a autora da demanda teve o seu benefício suspenso, em sede administrativa, com base no fator socioeconômico, o qual seria superior à renda per capita estabelecida na lei. No ato sentencial, o Juízo a quo decidiu pelo restabelecimento do benefício, bem como pela anulação do débito que a autarquia previdenciária reputou à autora. Insatisfeito, o INSS em sede de apelação argumenta pela incompetência absoluta da Justiça Estadual, no julgamento da anulação do débito, requerendo a nulidade deste capítulo da sentença. Além disso, pleiteia que seja mantido o ato administrativo de suspensão do benefício da autora, alegando que a mesma teria agido de má-fé. Aduzindo, ainda, que a autora não mais preencheria o requisito da hipossuficiência econômica. Subsidiariamente, o INSS ainda requer que os juros de mora e correção monetária obedeçam aos índices da caderneta de poupança. 275
O art. 203 da Constituição Federal de 1998, em seu inciso V, assegura o pagamento de benefício de prestação continuada à pessoa portadora de deficiência que está impossibilitada de realizar atividade laboral, bem como ao idoso que comprove não possuir meios de prover a própria manutenção ou tê-la provida por sua família. A Lei nº 8.742/93 regulamenta tal dispositivo, e dispõe em seu art. 20 o benefício assistencial da prestação continuada, nos seguintes termos: Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Se faz importante analisar especialmente os parágrafos destacados do referido artigo, nos quais: § 1° Para os efeitos do disposto no caput, a família é composta pelo requerente, o cônjuge ou companheiro, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto. § 2° Para efeito de concessão do benefício de prestação continuada, considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas. § 3° Considera-se incapaz de prover a manutenção da pessoa com deficiência ou idosa a família cuja renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo. § 4° O benefício de que trata este artigo não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social ou de outro regime, salvo os da assistência médica e da pensão especial de natureza indenizatória. § 6º A concessão do benefício ficará sujeita à avaliação da deficiência e do grau de impedimento de que trata o
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§ 2°, composta por avaliação médica e avaliação social realizadas por médicos peritos e por assistentes sociais do Instituto Nacional de Seguro Social - INSS. § 10. Considera-se impedimento de longo prazo, para os fins do § 2° deste artigo, aquele que produza efeitos pelo prazo mínimo de 2 (dois) anos. § 11. Para concessão do benefício de que trata o caput deste artigo, poderão ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade do grupo familiar e da situação de vulnerabilidade, conforme regulamento.
Apreciando o caso concreto, tenho que a sentença foi acertada ao dar provimento ao pleito contido na inicial, haja vista que constam, nos autos, elementos suficientes aptos a comprovar o requisito da hipossuficiência da apelada – o qual foi o argumento utilizado para a suspensão do benefício pelo INSS. Foi realizado um estudo social na residência da autora, que explicitou, em diversas passagens, a situação de vulnerabilidade da demandante. Trata-se de um casal de idosos, a apelada com 77 anos, e seu esposo com 81 (na data do estudo social em 2017). As condições da própria moradia do casal já fazem um bom indicativo da situação socioeconômica vivenciada: piso no cimento, as paredes sequer são rebocadas, com móveis bastante simplórios e básicos. O casal não possui veículos e celulares bem antigos. A caracterização da higiene foi percebida como “desorganização na casa, tendo em vista a idade avançada do casal e sua precária situação financeira, o que faz os mesmos passarem por muitas privações”. Destaco, ademais, a dificuldade que pessoas com a idade tão avançada comumente passam para a manutenção de sua saúde. No qual constatou-se que o esposo da requerente tem problemas com anemias e diabetes, e a própria apelada também sofre com diabetes. Em todo esse contexto, houve a aferição que a única renda percebida pelo casal é a aposentadoria de um salário mínimo do cônjuge, e conforme alegam “é quase todo comprometido com o tratamento de saúde do mesmo”. 277
Foram anexadas imagens, fls. 148/150, que também corroboram significativamente para o convencimento da qualidade de vulnerabilidade desta família. É bem verdade que em uma análise objetiva, a renda do casal ultrapassaria o critério de 1/4 do salário mínimo per capita, haja vista que são duas pessoas. Entretanto, é jurisprudência consolidada que o critério objetivo, que concerne a renda, deve ser entendido como facilitador da aferição de uma situação de miserabilidade, mas não pode servir como empecilho ao reconhecimento desta condição por outros meios. Afinal, a complexidade social tende a abarcar muitas situações e nuances distintas do que a lei consegue objetivamente regular. É descomedimento alegar que este núcleo familiar pode suprir todas as despesas advindas de suas enfermidades e faixa etária, sem que isso implique a ampliação da vulnerabilidade social destas pessoas. Isto posto, considerando o resultado das provas colacionadas, observa-se que restam preenchidas as condições para o restabelecimento do benefício assistencial da prestação continuada. No que tange sobre a incompetência da Justiça Estadual para a anulação do débito – alegado pelo INSS – também não merece prosperar. Pois a Constituição, em seu artigo 109, parágrafo terceiro, confere à Justiça Estadual a competência para tais julgamentos quando não houver vara de Justiça Federal. Por fim, no que tange aos juros de mora e correção monetária, merece prosperar em parte as alegações da autarquia. Visto que esta Turma entende que deve ser adotada a posição do STF, nos autos dos RE 870.947/SE, julgado sob o rito da Repercussão Geral. Nesse precedente, cumpre advertir, restou assentado que os juros de mora devem ser fixados, nas condenações oriundas de relação jurídica não tributária – como se vê na hipótese em análise – segundo o índice de remuneração da caderneta de poupança, nos termos do art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação conferida pela Lei nº 11.960/09.
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No caso concreto, verifica-se que deve ser reformado o entendimento que manteve os juros de 0,5% ao ano, devendo ser aplicado os termos conforme art. 1º-F da Lei nº 9.494/97. Já no que se refere à correção monetária, deve-se manter os termos da sentença, haja vista que a Lei 6.899/81 aplica o INPC como critério. Visto isso, com tais considerações, deve-se reformar a sentença prolatada apenas para a modificação do índice de juros moratórios. É como voto.
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 081593626.2018.4.05.0000-PB (PJe) Relator: Agravante: Agravado: Adv./Proc.:
DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE MUNICÍPIO DE SUMÉ DR. NEWTON NOBEL SOBREIRA VITA (AGRDO.) EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. BEM DE TITULARIDADE DO MUNICÍPIO AGRAVADO. INVALIDADE DA DOAÇÃO FEITA EM FAVOR DA AGRAVANTE. DOADOR QUE NÃO ERA PROPRIETÁRIO DO BEM AO TEMPO DO NEGÓCIO. DECISÃO DE IMISSÃO PROVISÓRIA NA POSSE MANTIDA. AGRAVO INTERNO PREJUDICADO. RECURSO IMPROVIDO. 1. A decisão recorrida deferiu a tutela provisória de urgência pleiteada pelo Município de Sumé/ PB, ora agravado, para determinar sua imissão provisória na posse do imóvel descrito na inicial, em desfavor da Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), ora agravante. 2. O imóvel disputado foi doado pelo Município de Sumé/PB à Companhia de Desenvolvimento 279
da Paraíba - CINEP, em 19 de fevereiro de 2002, tendo sido posteriormente devolvido à edilidade, mediante nova escritura de doação, em 2 de maio de 2017. 3. As posteriores doações formalizadas nos anos de 2005 e 2008 pelo Município de Sumé/PB em favor da UFCG, tendo por objeto diversos imóveis de sua propriedade, que incluiriam o bem reivindicando, não são válidas, pois o doador não dispunha, à época, do poder de dispor dos bens, que eram propriedade da CINEP. 4. Comprovadas a titularidade do bem e a urgência do pleito, é de ser mantida a decisão recorrida, que determinou a imissão provisória na posse. 5. Agravo de instrumento improvido. Prejudicado o agravo interno. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, em que são partes as acima mencionadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do TRF da 5ª Região, por unanimidade, em negar provimento ao agravo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Recife, 4 de julho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT: 1. Trata-se de agravo de instrumento interposto pela UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE em face de decisão exarada pelo Juízo da 11ª Vara Federal da SJ/PB que deferiu a tutela provisória de urgência pleiteada pelo MUNICÍPIO DE SUMÉ/ PB, ora agravado, consistente em imissão provisória na posse, 280
determinando que a ora agravante desocupasse a área objeto da ação no prazo máximo de 30 (trinta) dias, com multa diária de R$ 500,00 (quinhentos reais), em caso de descumprimento. 2. Alega a agravante, em apertada síntese, que: (a) é legítima proprietária da área sob litígio; (b) acostou vasta documentação demonstrando que o imóvel foi objeto de doação em seu favor, através das Leis Municipais nº 911/2005, 938/2008 e 942/2008; (c) é inverídica a afirmação de que a agravante invadiu qualquer área pertencente ao agravado, pois o imóvel ora disputado está contido nos terrenos doados em seu favor; (d) não é injusta possuidora do bem, pois detém justo título; (e) não consta dos autos a individualização (memorial descritivo, croqui etc) da área reivindicanda. 3. Foi deferido o pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso (Id. 4050000.13216791), decisão que foi desafiada por agravo interno, ainda pendente de julgamento. 4. Foram ofertadas contrarrazões ao instrumental. 5. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT (Relator): 1. Recebo o recurso, eis que preenchidos os pressupostos legais de admissibilidade. 2. Versam os autos acerca de pedido de reivindicação formulado pelo MUNICÍPIO DE SUMÉ em face da UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE, que estaria ocupando irregularmente o imóvel descrito na inicial – área de 2,4 hectares, encravada no Município de Sumé/PB, situada no Conjunto Frei Damião, onde hoje funcionam instalações da instituição de ensino agravante. 3. É cediço que a ação reivindicatória é via processual posta à disposição do legítimo proprietário do bem para recuperar a coisa que está em posse de outrem que não ostenta o título dominial, dando concretude ao poder de sequela inerente à propriedade (art. 1.228 do Código Civil). 4. Apontam a doutrina e a jurisprudência que a reivindicatória há de preencher três requisitos: (a) prova inequívoca da proprie281
dade sobre o bem reivindicando; (b) caracterização e delimitação precisa do bem e (c) exercício de posse injusta pelo ocupante. Nesse sentido: AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. PRESENÇA DOS REQUISITOS. NECESSIDADE DE REEXAME DE PROVA. IMPOSSIBILIDADE. INTELIGÊNCIA DA SÚMULA 7/ STJ. DECISÃO MANTIDA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. A reivindicatória, de natureza real e fundada no direito de sequela, é a ação própria à disposição do titular do domínio para requerer a restituição da coisa de quem injustamente a possua ou detenha (CC/1916, art. 524, e CC/2002, art. 1.228), exigindo a presença concomitante de três requisitos: a prova da titularidade do domínio pelo autor, a individualização da coisa e a posse injusta do réu (REsp 1.060.259/MG, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 04/04/2017, DJe de 04/05/2017). 2. O Tribunal estadual, mediante análise do acervo fático-probatório dos autos, entendeu não estarem presentes provas suficientes para corroborar a propriedade e a posse injusta em relação ao imóvel. De acordo com o acórdão recorrido e a sentença, o pedido é improcedente porque foi possível a individualização da coisa, mas não se conseguiu determinar o domínio e a posse injusta. 3. A alteração das premissas fáticas estabelecidas no acórdão recorrido, tal como postulada nas razões do apelo especial, exigiria novo exame do acervo fático-probatório constante dos autos, o que se sabe vedado pela Súmula 7 do STJ. 4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp 1.259.039 / GO. Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça. Rel.: Min. Lázaro Guimarães (Desembargador convocado). DJe: 20/06/2018)
5. O imóvel disputado foi doado pelo Município de Sumé/PB à Companhia de Desenvolvimento da Paraíba - CINEP, em 19 de fevereiro de 2002, conforme autorizado pela Lei Municipal nº 826/2002, tendo sido posteriormente devolvido à edilidade, mediante nova escritura de doação, em 2 de maio de 2017. 6. Ocorre que as Leis Municipais nº 911/2005, 938/2008 e 942/2008 autorizaram o Município de Sumé a doar 4 (quatro) imó282
veis em favor da Universidade Federal da Campina Grande, sem ressalvar a doação outrora realizada em favor da CINEP, constando dos autos as respectivas escrituras de doação. 7. Alega a agravante que o imóvel reivindicando está contido nos terrenos doados através das citadas leis municipais, razão por que é sua legítima proprietária, não havendo que se falar em posse injusta. 8. Entendo, todavia, que o Município de Sumé/PB, ao tempo da edição das Leis nº 911/2005, 938/2008 e 942/2008, não podia dispor do bem, haja vista que não era seu legítimo proprietário, em virtude da doação perfectibilizada em favor da CINEP. 9. Nota-se, com efeito, que o bem objeto da demanda apenas retornou ao domínio da edilidade (e, portanto, à sua esfera de disponibilidade) em 2017, quando foi doado pela CINEP em seu favor. 10. Essa circunstância torna ociosa a discussão acerca da inclusão do bem reivindicando naquelas áreas doadas por autorização dos referidos diplomas legislativos municipais. 11. Isto porque, na hipótese de o bem estar incluído nas aludidas áreas, não poderia ser objeto de doação pelo Município, eis que este, à época, não era seu proprietário. Por outro lado, se o bem não estava ali incluído, não foi transferido através das respectivas escrituras de doação. 12. Comungo, aqui, do entendimento esposado pelo juízo prolator da decisão ora fustigada, in verbis (Id. 4058203.2991705): Feitas essas considerações, da análise da documentação trazida aos autos, constata-se que o Município autor comprovou que detém a propriedade do terreno onde se situa o parque de exposições, tendo em vista que figura como donatário no contrato de doação pactuado com a Companhia de Desenvolvimento da Paraíba - CINEP, de quem recebeu a titularidade da área, conforme demonstrado nos documentos que faz acompanhar a inicial (Id. 4058203.2896356/2896358). Na verdade, o que se pode inferir é que houve a devolução do imóvel, pois o mesmo bem, anos antes, havia sido doado pelo Município de Sumé-PB à mesma autarquia estadual supracitada, ato regularizado através 283
de lavratura de escritura pública de doação, datada de 19/02/2002, no Cartório de Imóveis da Comarca de Sumé (Id. 4058203.2896360/2896361). Aliás, essa primeira doação (em 2002) praticada pelo Município de Sumé em favor da CINEP, relativa à área onde se situa o parque de exposições, é fato que demonstra a irregularidade da doação posteriormente ensejada pelo mesmo Município de Sumé em favor da UFCG (Id. 4058203.1471879, pgs. 10/18). Evidentemente, nessa linha do tempo, o município não poderia ter doado bem imóvel de que não era mais proprietário. Verifico, ademais, que diferente da parte autora, a autarquia federal não juntou, num exame perfunctório da matéria, documentação apta a comprovar que detém a propriedade do terreno objeto da presente demanda. Conclui-se, assim, num exame sumário da matéria, que o terreno de 2,4 hectares onde se situa o parque de exposições está inserido em terreno de propriedade do Município de Sumé, cuja área é limítrofe, contígua, com o terreno de propriedade da UFCG, mas com ele não se confunde.
13. Entendo que a decisão recorrida bem analisou o acervo documental carreado aos autos, em cotejo com a legislação pertinente à matéria, não merecendo reparos. 14. A urgência do pleito de imissão na posse está bem demonstrada nos autos, tendo o agravado comprovado que pretende reformar o Parque de Exposições e Feiras situado no local, estando em tramitação contrato de repasse firmado com a União para viabilizar a obra. 15. Revogo a decisão liminar que concedeu efeito suspensivo ao recurso. 16. Fica prejudicado o agravo interno. 17. Do exposto, nego provimento ao agravo. 18. É como voto.
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HABEAS CORPUS Nº 0800587-46.2019.4.05.0000-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR Impetrante: ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIO NAL DO RIO GRANDE DO NORTE Impetrado: JUÍZO DA 14ª VARA FEDERAL DA SEÇÃO JUDI CIÁRIA DO RIO GRANDE DO NORTE Paciente: LIZIANNE MEDEIROS COSTA Advs./Procs.: DRS. ANNE DANIELLE CAVALCANTE DE MEDEI ROS E OUTRO EMENTA: HABEAS CORPUS. PENAL. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA PARA O PROSSEGUIMENTO DA DENÚNCIA. CRIMES DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO (ART. 89, CAPUT E PARÁGRAFO ÚNICO, C/C ART. 84 DA LEI N° 8.666/1993). ART. 1º, I, DO DECRETO-LEI 201/69. ADVOGADO. PARECER. CONCESSÃO DA ORDEM. 1. Habeas corpus objetivando o trancamento de ação penal movida contra procuradora municipal, a qual emitiu parecer pela inexigibilidade de licitação para contratação de bandas para apresentação em festividades do São João. 2. O Supremo Tribunal Federal, em apreciando a matéria para fins de responsabilização administrativa nos autos do MS 24.631 (Pleno, v.u., rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 09-08-2007), considerou relevante se perquirir qual a densidade da vinculação que a consulta ostenta frente à emissão de futura decisão ou ato administrativo, distinguindo, assim, três situações de consulta, a saber: a) a facultativa, na qual a autoridade administrativa não se vincularia à opinião emitida; b) a obrigatória, na qual a autoridade administrativa ficaria obrigada a decidir nos moldes expostos na resposta à consulta, com parecer favorável ou não, podendo, porém, agir de forma diversa após 285
emissão de novo parecer; e 3) a vinculante, na qual a lei estabeleceria a obrigação de “decidir à luz de parecer vinculante”, não podendo o administrador decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. 3. Hipótese em que não se afigura obrigatória a emissão de parecer jurídico, uma vez o art. 26, e seu parágrafo único, da Lei 8.666/93, não contem exigência explícita no sentido de ouvida de órgão de assessoramento jurídico, mas sim de motivação quanto ao ponto a que se reporta. Portanto, tal consulta é uma faculdade e não uma obrigação. 4. Para o trânsito da denúncia, o órgão ministerial acentuou que da flagrante não observância dos requisitos para o reconhecimento da exigibilidade seria possível vislumbrar “conluio doloso” entre a ex-prefeita, a Procuradora-Geral do Município e o empresário. Mas isso não foi além da menção genérica. Conluio, por sua vez, pressupõe um ajuste explícito entre duas pessoas, para a obtenção de um fim indevido. Possível equívoco constante de parecer não pode, só por só, representar a prática de conluio, pelo menos numa ótica razoável. 5. A denúncia não descreve onde residiria o conluio. Não apontou, por exemplo, se há nos autos interceptação telefônica que, indiciariamente, levaria a tanto. Também não demonstrou que tal poderia ser visualizado a partir de depoimento, ou de uma quebra de sigilo bancário, constantes do inquérito ou de outro informe. Daí se percebe que o parecer foi emitido dentro das informações constantes nos autos do processo administrativo, razão pela qual afastada, de plano, a existência de dolo ou erro grosseiro. 6. Especialmente, quanto ao suposto peculato, se tal ocorreu, nos termos da denúncia, foi diante da execução do ajuste administrativo e não em face do parecer, não havendo descrição de 286
conduta do paciente do qual se pudesse extrair versão contrária. 7. Ressalte-se que, pelos mesmos fatos, não foi recebida ação de improbidade ajuizada em detrimento da paciente, sendo tal decisão confirmada por esta Corte. 8. Ordem concedida para trancar o curso da ação em relação à paciente. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos do processo tombado sob o número em epígrafe, em que são partes as acima identificadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em sessão realizada nesta data, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas que integram o presente, por unanimidade, conceder a ordem, nos termos do voto do Relator. Recife, 28 de março de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR: A ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL - SECCIONAL DO RIO GRANDE DO NORTE, em petição firmada pelo seu Presidente, Dr. ALDO DE MEDEIROS FILHO, juntamente com o Dr. TIAGO CORTEZ MEIRA DE MEDEIROS, Presidente da Comissão de Defesa das Prerrogativas e Valorização da Advocacia, formaliza impetração de habeas corpus em favor de LIZIANE MEDEIROS COSTA, a qual teve denúncia recebida pelo Juízo Federal da Décima Quarta Vara da Seção Judiciária do Rio Grande do Norte, por suposta prática do delito tipificado no art. 89 da Lei 8.666/93. Alega, em suma, que existe, em detrimento da paciente, constrangimento ilegal, uma vez a sua conduta da paciente, ao emitir parecer, expressa manifestação consultiva, sem qualquer conteúdo 287
decisório, bem como porque não há que se cogitar de ato perpetrado mediante conluio para a prática do art. 89 da Lei 8.666/93. Liminar deferida (Id. 4050000.14143893). A autoridade coatora (juiz da 14ª Vara Federal do Rio Grande do Norte) prestou as suas informações (Id. 4058400.4784632), defendendo que os elementos referenciados e juntados pelo MPF na denúncia evidenciam, satisfatoriamente, a presença da justa causa para o exercício da ação penal: a) A contratação das bandas “Circuito Musical, “Naldinho Ribeiro”, “Forrozão Ferro na Boneca” e “Boyzinhos do Forró” mediante hipótese de inexigibilidade de licitação (art. 25, III da Lei n° 8.666/93) que requer a consagração “pela crítica especializada ou pela opinião pública”, não havendo qualquer comprovação ou conhecimento público notório de que as referidas bandas tivessem esse destaque especial no mercado musical potiguar, regional e nacional; b) A não contratação direta das bandas, nem por empresário exclusivo, uma vez que Edvânio de Oliveira Dantas - ME teria celebrado contratos de agenciamento com os empresários de cada um dos grupos artísticos, conforme fls. 8/11, 13/17, 19/23 e 24/25 do vol. III do processo administrativo de prestação e análise de contas constante da mídia de fl. 27 do IC n° 1.28.000.001891/2016-51; c) Relatórios de Demandas Externas da Controladoria-Geral da união (CGU) n° 201408282 e n° 201408281, nos quais se conclui que o pagamento às bandas contratadas, pela Prefeitura de Monte Alegre/RN, foi consideravelmente superior aos valores pagos por shows realizados pelas mesmas bandas e na mesma época em outros municípios potiguares, bem como que houve ilegalidade na forma da licitação, pois a contratação das bandas foi por meio de empresário intermediário. Averiguou-se, ainda, que um dos grupos musicais foi representado, na mesma região do Rio Grande do Norte (Agreste), em datas consecutivas, por duas empresas diferentes, o que indica a possível não “exclusividade” de representação artística. Os comparativos feitos põem em dúvida, ainda, a tese de que as diferenças de valor de contratação teriam respaldo pelas leis de mercado. Parecer da Procuradoria Regional da República pela denegação da ordem (Id. 4050000.14346660). É o relatório. 288
VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL EDILSON PEREIRA NOBRE JÚNIOR (Relator): O pedido liminar foi indeferido com base nos seguintes fundamentos: No caso dos autos, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL apresentou denúncia contra MARIA DAS GRAÇAS MARQUES DA SILVA, então Prefeita do Município de Monte Alegre (RN), a paciente e EDVÂNIO DE OLIVEIRA DANTAS, em face da contratação da empresa deste, como intermediária das bandas “Circuito Musical”, “Naldinho Ribeiro”, “Forrozão Ferro na Boneca” e “Boyzinhos do Forró”, para, em cumprimento a convênio celebrado pela municipalidade com o Ministério do Turismo, realizarem apresentações nos eventos de festas juninas realizados nos dias 23 e 28 de junho de 2010. Narra a denúncia que a paciente, à época Procuradora-geral do Município de Monte Alegre (RN), teria aduzido que, em tal período, a empresa Edvânio de Oliveira Dantas - ME, seria a única que poderia tratar da apresentação de ditas bandas referidas, sendo sua empresária exclusiva, bem assim que aquelas possuem grande aceitação pela crítica local, regional e nacional. Tal situação, no entender do MPF, evidenciaria flagrante não observância dos requisitos para a contratação direta, bem como conluio entre o gestor municipal, a procuradora e o empresário, salientando: a) nos termos do art. 25, III, da Lei 8.666/93, que as bandas contratadas são semelhantes a dezenas de outras com atuação no Nordeste; b) as bandas não foram contratadas por meio de empresário exclusivo, uma vez a empresa individual Edvânio de Oliveira Dantas - ME teria celebrado contratos de agenciamento com os empresários de cada um dos grupos artísticos. De logo, é de ser revisitado o tema sobre o alcance da responsabilidade do profissional jurídico que, à luz de determinada situação, emite parecer. Este, por seu caráter opinativo, não decisório, não é, em sede de princípio, qualificável como decisão ou ato administrativo, capaz de expressar a vontade da Administração Pública.
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O Supremo Tribunal Federal, em apreciando a matéria para fins de responsabilização administrativa nos autos do MS 24.631 (Pleno, v.u., rel. Min. Joaquim Barbosa, julgado em 09-08-2007), considerou relevante se perquirir qual a densidade da vinculação que a consulta ostenta frente à emissão de futura decisão ou ato administrativo, distinguindo, assim, três situações de consulta, a saber: a) a facultativa, na qual a autoridade administrativa não se vincularia à opinião emitida; b) a obrigatória, na qual a autoridade administrativa ficaria obrigada a decidir nos termos nos moldes expostos na resposta à consulta, com parecer favorável ou não, podendo, porém, agir de forma diversa após emissão de novo parecer; e 3) a vinculante, na qual a lei estabeleceria a obrigação de “decidir à luz de parecer vinculante”, não podendo o administrador decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. Restou enfatizado que, na última hipótese, ou seja, de parecer vinculante, poder-se-ia cogitar do efetivo compartilhamento do poder administrativo de decisão, razão pela qual, em princípio, o seu subscritor poderia vir a ter que responder conjuntamente com o administrador, pois seria também administrador nesse caso. Agiria, assim, numa equiparação ao administrador. Fora disso – e a decisão foi explícita no ponto – somente se poderia cogitar da responsabilidade do parecerista quando, em se tratando de parecer obrigatório, mas não vinculativo, houvesse a demonstração de culpa ou erro grosseiro. Aproximadamente uma década após o julgado, visando a sanar omissão legislativa sobre a matéria – o que foi notado pelo voto do Min. Joaquim Barbosa –, a LINDB, com o acréscimo de art. 28 pela Lei 13.655/2018, estatuiu: Art. 28. O agente público responderá pessoalmente por suas decisões ou opiniões técnicas em caso de dolo ou erro grosseiro. No caso dos autos, o qual versa sobre inexigibilidade de licitação, vê-se que o seu rito procedimental não consagra a obrigatoriedade de emissão de parecer jurídico. O art. 26, e seu parágrafo único, da Lei 8.666/93, não contém exigência explícita no sentido de ouvida de órgão de assessoramento jurídico, mas sim de motivação quanto ao ponto a que se reporta. Portanto, tal consulta é uma faculdade. 290
Portanto, não se tem parecer obrigatório nem muito menos vinculativo. A ouvida da Procuradoria Jurídica é facultativa. Sendo assim, tem-se, nos termos do precedente do Pretório Excelso, o parecer não tem o condão de determinar a tomada da decisão administrativa, devendo se afastar de plano a responsabilidade do seu subscritor. Essa circunstância, isoladamente, já se afigura, à primeira vista, suficiente para afastar a responsabilidade do subscritor pela emissão de seu parecer. Mas, ainda que se pudesse considerá-lo como obrigatório – porque vinculante à toda evidência não o é –, não existe na narrativa nada que possa, ainda que superficialmente, evidenciar dolo ou erro grosseiro. Não se desconhece que, para o trânsito da denúncia, o órgão ministerial acentuou que da flagrante não observância dos requisitos para o reconhecimento da exigibilidade seria possível vislumbrar “conluio doloso” entre a ex-prefeita, a Procuradora-Geral do Município e o empresário. Mas isso – enfatize-se – não foi além da menção genérica. Conluio, por sua vez, pressupõe um ajuste explícito entre duas pessoas, para a obtenção de um fim indevido. Possível equívoco constante de parecer não pode, só por só, representar a prática de conluio, pelo menos numa ótica razoável. A denúncia, por sua vez, não descreve onde residiria o conluio. Não apontou, por exemplo, que há nos autos interceptação telefônica que, indiciariamente, levaria a tanto. Também não demonstrou que tal poderia ser visualizado a partir de depoimento, ou de uma quebra de sigilo bancário, constantes do inquérito. Estacionou-se, com o devido respeito, na menção genérica e na inferência decorrente das irregularidades no procedimento de inexigibilidade. Uma leitura do parecer afasta a mínima possibilidade de erro grosseiro. Quanto à exclusividade, a subscritora do parecer deixou claro que constavam dos autos quatro cartas de exclusividade, enunciando que a empresa do réu Edvânio seria a única que, no período dos aludidos festejos, estava autorizada para tratar de assuntos dos grupos artísticos contratados.
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Já no particular da estimativa de preço, o parecer deixa claro que este se encontrava dentro do praticado no mercado, tendo inclusive sido aprovado pelo Ministério do Turismo quando do exame do plano de trabalho, sem contar que, em épocas de festas juninas, é sabido que os cachês são mais elevados em virtude de uma maior procura. Ademais, ao tratar da contratação de serviço a ser prestado por profissional do meio artístico, o parecer se encontra motivado, devendo o requisito de consagração pela crítica especializada ou pela opinião pública levar em consideração a realidade local, mais precisamente que a contratante é pequeno município no interior nordestino, com população estimada pelo IBGE em 2010 de 20.685 habitantes. Não se mostra, portanto, razoável que somente fosse possível, nos termos do art. 25, III, da Lei 8.666/93, a escolha de bandas de fama nacional quando as indicadas, no âmbito da região e do Estado do Rio Grande do Norte, são indiscutivelmente consagradas pela opinião de quem prestigia tais eventos. Daí se percebe que o parecer foi emitido dentro das informações constantes nos autos do processo administrativo, razão pela qual afastada, de plano, a existência de dolo ou erro grosseiro. Com o devido respeito, mais adequada vislumbro a decisão proferida pelo Juízo Federal da Quarta Vara, ao não receber petição inicial de ação de improbidade (PJe 0805168 - 03) – de nítido colorido sancionador – justamente por reconhecer a ausência de ato antijurídico. Transcrevo passagem da referida decisão: Ocorre que, compulsando os autos, observo que a ré LIZIANNE MEDEIROS COSTA opinou por ser inexigível a realização de procedimento licitatório e, consequentemente, pela contratação direta de EDVÂNIO DE OLIVEIRA DANTAS - ME, tendo em vista a documentação que lhe foi apresentada no processo administrativo, a qual dava conta de que aquele era realmente o empresário exclusivo das atrações musicais já mencionadas, até aquele momento. Foi, portanto, induzida a erro, não existindo, de outra banda, prova nos autos que denote seu conluio com a Prefeita. Ao reverso, ao fim de seu parecer, a acusada deixou claro que o opinamento estava sub censura desta, submetendo-o à consideração da mesma. 292
Assim, tendo em vista que a improbidade apontada é voltada para o exercício da advocacia pela demandada em comento, não havendo qualquer indício de que estivesse mancomunada com os demais requeridos no propósito de aplicar irregularmente os recursos públicos destinados ao Município ou mesmo de que tivesse participado das tratativas ou acompanhado todos os pormenores da contratação e os seus desdobramentos, agindo com culpa ou má-fé no exercício de seu mister público, tenho que não merece ser processada por esses fatos. Tal entendimento se harmoniza com a jurisprudência do egrégio Supremo Tribunal Federal, segundo a qual “É lícito concluir que é abusiva a responsabilização do parecerista à luz de uma alargada relação de causalidade entre seu parecer e o ato administrativo do qual tenha resultado dano ao erário. Salvo demonstração de culpa ou erro grosseiro, submetida às instâncias administrativo-disciplinares ou jurisdicionais próprias, não cabe a responsabilização do advogado público pelo conteúdo de seu parecer de natureza meramente opinativa” (MS 24.631, Rel. Min. Joaquim Barbosa, j. 09.08.2007). Nessa linha de entendimento, trago ainda à evidência o seguinte julgado do Colendo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, que igualmente guarda similitude fática com a questão sob análise: ADMINISTRATIVO. BNB. TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. CONDENAÇÃO. IRREGULARIDADES EM LICITAÇÃO. AUSÊNCIA DE RESPONSABILIDADE DOS MEMBROS DE ÓRGÃO OPINATIVO OU CONSULTIVO DA DIRETORIA. I. No âmbito do Banco do Nordeste do Brasil, foi constituído órgão denominado CODAD - Comitê de Apreciação de Processos de Investimentos e de Despesas Administrativas, cuja função, descrita em resolução interna, é deliberar sobre certas matérias e opinar naquelas de alçada da Diretoria. II. No caso concreto, o TCU reconheceu supostas irregularidades em procedimento licitatório e de renovação de contratos, condenando o gerente e os membros do 293
CODAD ao pagamento de multa. Todavia, o exame dos autos revela que, no caso, a manifestação do órgão teve caráter opinativo ou consultivo, pois a decisão tida como ilegal coube à Diretoria. III. Uma vez configurado, na hipótese, o papel meramente opinativo do órgão, não podem seus membros, equiparáveis ao conceito de parecerista, ser responsabilizados pelo ilícito administrativo, haja vista a ausência de caráter decisório ou vinculante de sua manifestação de vontade. Precedentes do STF: MS nº 24.631/DF, Pleno, Rel. Joaquim Barbosa, DJ 01/02/2008. IV. Apelação improvida. (TRF5, 4ª T., AC 200881000059128, Des. Federal Margarida Cantarelli, DJe 01/12/2009, p. 762.) (grifei) Quanto à narrativa constante das laudas 3 a 6 da denúncia, observa-se que se trata de atos que sucederam na fase de execução do contrato administrativo e, na hipótese de consubstanciarem ilícitos criminais, não podem ser imputados à paciente, porquanto sua atuação se restringiu à emissão de parecer prévio ao ato de inexigibilidade de licitação. Desse modo, mais uma vez, a um primeiro subido de olhos, sou de que resta manifesta a atipicidade da conduta da paciente, agora por outro fundamento.
Prestadas as informações, bem como vindo à ribalta parecer da Procuradoria Regional da República pela denegação da ordem, necessários se fazem alguns acréscimos. Primeiramente, no particular do argumento autônomo de que se trata de parecer facultativo, é de se assentar que, para a presença da obrigatoriedade da autoridade ouvir o parecerista, faz-se indispensável que, para a edição do ato final ao qual se refere o procedimento, haja previsão específica em lei ou regulamento quanto a essa formalidade. A existência de órgão com expertise geral para assuntos que envolvam determinada matéria não tem o condão de tornar obrigatório o que, por natureza, é facultativo. Socorrendo-me da doutrina, constato a oportuna lição de Osvaldo Aranha Bandeira de Mello: “Quando o órgão consultivo for previsto em lei para pronunciamento sobre a generalidade de 294
assuntos em dada matéria – como seja uma consultoria jurídica –, para ser obrigatório o parecer impõe-se expressa exigência legal ou regulamentar enumerando essas hipóteses”1. Idêntico ponto de vista é o exposto, no direito estrangeiro, por Diogo Freitas do Amaral2, a partir do teor do art. 98, nº 2º, do anterior Código do Procedimento Administrativo lusitano, o qual guarda correspondência com o art. 91 do vigente Decreto-Lei 04/20153. Ainda que assim não fosse – e, portanto, fosse possível se cogitar de parecer obrigatório ou vinculativo –, não posso deixar de notar que as informações não demonstraram – até porque a denúncia não o fez – elementos que conduzissem a um conluio entre a paciente e os demais réus. Estacionou-se em irregularidades apontadas pelo órgão de controle, as quais, por si só, não são capazes de configurar um crime de hermenêutica. O fato de, posteriormente às apresentações, ter chegado ao conhecimento da fiscalização que os grupos musicais em tela foram representados, na Região do Agreste Potiguar, por duas empresas, não leva à responsabilização da paciente, na qualidade de emissora de parecer. Igualmente, a só menção, de forma isolada, aos preços que tais bandas perceberam nos Municípios de Goianinha e Santo Antônio, sem mais elementos, não justificam a afirmação que o parecer foi emitido de forma dolosa. De mais a mais, observe-se que, ao opinar, a paciente tinha como subsídio a aprovação, por parte do Ministério do Turismo,
1 Princípios gerais de direito administrativo - Introdução. 3ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007. Volume I, p. 584. 2 Curso de direito administrativo. 2ª reimpressão. Coimbra: Almedina, 2003. Vol. II, p. 274.
Artigo 91º Espécies de pareceres 1 - Os pareceres são obrigatórios ou facultativos, consoante sejam ou não exigidos por lei, e são vinculativos ou não vinculativos, conforme as respetivas conclusões tenham ou não de ser seguidas pelo órgão competente para a decisão. 2 - Salvo disposição expressa em contrário, os pareceres legalmente previstos consideram-se obrigatórios e não vinculativos. Disponível em: www.dre.pt. Disponível em: 20-02-2019. 3
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de plano de trabalho, onde examinado a adequação da proposta no caso concreto. A despeito de meu perfil musical não se harmonizar com o das bandas contratadas, não posso deixar de salientar que, a julgar pela quantidade de pessoas que prestigiam tais eventos, estes fazem em abundância o gosto da população dos municípios do Estado do Rio Grande do Norte e, porventura, dos estados vizinhos. Desse modo, considerando-se, no particular, a realidade, ao invés da frieza dos papéis, penso que o parecer em causa não poderá ser equiparado a ato criminoso. No entanto, vislumbrar crime em parecer, proferido em casos como tais, sem que se exponha ajuste doloso que o vicie, parece não ser a política mais consentânea com o combate à corrupção. Por tais fundamentos, confirmando a liminar antes deferida, concedo a ordem para trancar o curso da ação em relação à paciente LIZIANE MEDEIROS COSTA. Oficie-se. É como voto.
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COMPOSIÇÃO DAS TURMAS AMPLIADAS
PRIMEIRA E TERCEIRA TURMAS
Des. Federal Rogério Fialho
Des. Federal Fernando Braga
Des. Federal Roberto Machado
Des. Federal Cid Marconi
Des. Federal Alexandre Luna
Des. Federal Élio Siqueira
SEGUNDA E QUARTA TURMAS
Des. Federal Paulo Roberto
Des. Federal Manoel Erhardt
Des. Federal Edilson Nobre
Des. Federal Paulo Cordeiro
Des. Federal Rubens Canuto
Des. Federal Leonardo Carvalho
JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS AMPLIADAS
APELAÇÃO / REMESSA NECESSÁRIA Nº 081323002.2018.4.05.8300-PE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMA RÃES Apelante: FAZENDA NACIONAL Apelado: MOBIBRASIL EXPRESSO S.A. Adv./Proc.: DR. GUSTAVO DE FREITAS CAVALCANTI COSTA (APDO.) EMENTA: TRIBUTÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. VALORES DAS REDUÇÕES DE MULTA E JUROS CONCEDIDOS ATRAVÉS DO PERT NÃO PODEM SE CONSIDERADOS FATURAMENTO. INCABÍVEL O SEU CÔMPUTO NA BASE DE CÁLCULO DO IRPJ, CSLL, PIS E COFINS. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. APELAÇÃO E REMESSA OFICIAL IMPROVIDAS. 1. Cuida-se de recurso contra sentença que determinou à autoridade coatora que se abstenha de efetuar o lançamento do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os valores das reduções de multas e juros concedidos no âmbito do PERT ou de efetuar qualquer outro ato de cobrança, direta ou indireta, a exemplo da inclusão da impetrante em cadastros de inadimplência. 2. Alega a Fazenda Nacional, em síntese, o direito à reforma da sentença, para declarar a legalidade de tributação do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS sobre os valores descontados de multa e juros dos débitos tributários indicados ao parcelamento da Lei nº 13.496/2017. 3. Em uma análise minuciosa dos autos, verifica-se que a Lei nº 13.496/2017 não instituiu hipótese de renúncia de receita, apenas introduziu descontos em passivos, que não são base oponível de tributação. 4. Dessa forma, não há modificação a ser realizada na douta sentença, pois os juros e multas 300
perdoados em decorrência de adesão ao PERT não podem ser configurados como receita, logo, demonstra-se descabido o seu cômputo na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. 5. Precedente. Apelação e remessa oficial improvidas. ACÓRDÃO Prosseguindo o julgamento: Decide a Quarta Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em composição ampliada, por maioria, negar provimento à apelação e à remessa oficial, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Vencidos os Desembargadores Federais Edilson Pereira Nobre Júnior e Paulo Machado Cordeiro. Recife, 16 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES: Insurge-se a Fazenda Nacional ante sentença que concedeu a segurança para determinar à autoridade coatora excluir os valores das reduções de multas e juros concedidas no PERT da base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, a fim de que se abstenha de efetuar o lançamento do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os valores das reduções de multas e juros concedidos no âmbito do PERT. Alega a Fazenda Nacional, em síntese, o direito à reforma da sentença, para declarar a legalidade de tributação do IRPJ, da CSLL, do PIS e da COFINS sobre os valores descontados de multa e juros dos débitos tributários indicados ao parcelamento da Lei nº 13.496/2017.
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Sustenta, ainda, que a lei de forma clara e direta determina que o total de receitas será apurado independentemente de sua denominação ou classificação contábil, logo, qualquer acréscimo do contribuinte é suficiente para a caracterização da receita tributável, independente de outro aspecto financeiro. Contrarrazões pelo improvimento. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LÁZARO GUIMARÃES (Relator): Cuida-se de recurso contra sentença que determinou à autoridade coatora que se abstenha de efetuar o lançamento do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS sobre os valores das reduções de multas e juros concedidos no âmbito do PERT ou de efetuar qualquer outro ato de cobrança, direta ou indireta, a exemplo da inclusão da impetrante em cadastros de inadimplência. A presente controvérsia cinge-se ao debate se a remissão de débitos tributários é fato gerador do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, notadamente se os descontos de juros e multas concedidos pela Lei nº 13.496/2017, que introduziu o Programa Especial de Regularização Tributária (PERT), configuram montante tributável por esses tributos. Em uma análise minuciosa dos autos, verifica-se que a Lei nº 13.496/2017 não instituiu hipótese de renúncia de receita, apenas introduziu descontos em passivos, que não são base oponível de tributação. Ademais, a citada Lei não autoriza a União Federal a tributar as reduções de multa e juros, pois tais descontos não se caracterizam no conceito de receita, muito menos de lucro utilizado pela Constituição Federal para estabelecer as competências (art. 110 do CTN). Portanto, os descontos nos juros e multas apenas constituem uma redução no passivo fiscal, sendo totalmente dissonante como fato gerador ou base de cálculo de tributos como: IRPJ, CSLL, PIS e COFINS, a orientação jurisprudencial desta e. Corte adota 302
o entendimento da impossibilidade de utilização do valor de outro tributo como base de incidência de outro, in verbis: TRIBUTÁRIO. NÃO INCLUSÃO DO ICMS NAS BASES DE CÁLCULO DO PIS E DA COFINS. ENTENDIMENTO FIRMADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL EM SEDE DE REPERCUSSÃO GERAL. SENTENÇA MANTIDA. 1. O cerne da presente controvérsia consiste em perquirir se deve ser incluído o ICMS nas bases de cálculo do PIS e da COFINS. 2. O PIS e a COFINS têm seus fatos geradores e bases de cálculo definidos, respectivamente, pelas Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003. As referidas leis dizem que ambas as contribuições incidirão sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil. Entretanto, tais dispositivos devem ser analisados sob a perspectiva daquilo que efetivamente ingressa no patrimônio do contribuinte na qualidade de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições (RE 606.107 - Relatora ROSA WEBER). 3. Nesse aspecto, o ICMS não pode ser incluído nas bases de cálculo do PIS e da COFINS, tendo em vista que o imposto estadual não ingressa efetivamente no patrimônio do contribuinte, eis que ele é repassado ao Estado, integrando-se à receita do aludido ente federativo. 4. Nesse sentido, o STF, quando do julgamento, em 15/03/2017, do RE 574.706/PR, com repercussão geral reconhecida, consolidou o entendimento de que é inconstitucional a inclusão do ICMS na base de cálculo do PIS e da COFINS. A tese firmada pelo supremo foi a de que “O ICMS não compõe a base de cálculo para fins de incidência do PIS e da COFINS”. 5. No julgamento em questão, prevaleceu o argumento de que a arrecadação do ICMS não se enquadra entre as fontes de financiamento da seguridade social previstas nas Constituição, pois não representa faturamento ou receita, razão pela qual não poderia ser incluída na base de cálculo das sobreditas contribuições. Salientou-se, ainda, que, como nos autos do processo submetido a julgamento, não constava nenhum pedido de modulação dos efeitos da decisão, tal matéria não foi submetida à 303
votação, razão pela qual não há óbice à aplicabilidade do precedente em questão ao presente caso. Demais disso, desde a publicação do acórdão paradigma “os processos suspensos em primeiro e segundo graus de jurisdição retomarão o curso para julgamento e aplicação da tese firmada pelo tribunal superior” (art. 1.040, III, CPC). Entendo, portanto, desnecessário esperar o desfecho do julgamento dos embargos de declaração interpostos contra a decisão prolatada no RE nº 574.706/PR, posto que a tese ali sufragada espelha entendimento já consolidado no STF, cujos termos não se afiguram passíveis de serem modificados em decorrência do deslinde do recurso de integração. 6. A indicação da dificuldade prática de realizar a exclusão do ICMS da receita bruta das vendas de mercadorias como razão substancial para a sua inclusão definitiva no conceito de faturamento não se demonstra adequada, ante a patente contraposição entre os seus elementos caracterizadores primordiais, eis que o tributo se afigura como desembolso, dispêndio, parcela que onera a atividade econômica desenvolvida, enquanto a receita é ingresso na qualidade de elemento novo e positivo, sem reservas ou condições. 7. De se ver, então, que a distinção de técnicas de apuração demonstra a inadequação, em relação ao ICMS, da transposição irrefletida da extensão da abrangência do conceito de renda bruta estabelecido pela novel disciplina inscrita na Lei nº 12.973/2014, de modo a prevalecer a tese sufragada pelo STF. 8. O valor a ser compensado/restituído deve-se referir ao ICMS indevidamente incluído na base de cálculo do PIS e da COFINS, sendo pouco relevante que ele tenha sido efetivamente recolhido aos cofres públicos, eis que, conforme vimos, o seu valor, enquanto externalidade que onera o fluxo operativo da cadeia econômica, não se ajusta ao conceito de faturamento. Ademais, a técnica utilizada para operacionalizar a não cumulatividade em nada interfere no conceito de receita bruta, servindo apenas para evitar o aumento excessivo da carga tributária decorrente da possibilidade de cumulação de incidências ao longo da cadeia econômica (fenômeno também denominado superposição tributária).
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9. A restrição para que a compensação se opere apenas com tributos da mesma espécie, prevista no art. 26, parágrafo único, da Lei 11.457/2007, se aplica apenas em relação às contribuições sociais previstas nas alíneas a, b e c do parágrafo único do art. 11 da Lei nº 8.212/1991. O PIS e a COFINS são contribuições sobre faturamento, não estando abrangidas pela norma supra que restringe a aplicação do art. 74 da Lei nº 9.430/96. 10. A compensação do indébito deve observar o prazo prescricional quinquenal e o trânsito em julgado exigido pelo art. 170-A do Código Tributário Nacional - CTN. Aos valores a serem restituídos deve ser aplicada, nos termos da Lei nº 9.250/95, a Taxa SELIC, excluído qualquer outro indicador de atualização monetária, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.111.175/SP, de relatoria da Ministra Denise Arruda, julgado sob o rito do artigo 543-C do Código de Processo Civil de 1973. 11. Apelação e remessa oficial não providas. (PROCESSO: 08028089020174058400, DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA, 3ª Turma, JULGAMENTO: 17/05/2018, PUBLICAÇÃO:).
Dessa forma, não há modificação a ser realizada na douta sentença, pois os juros e multas perdoados em decorrência de adesão ao PERT não podem ser configurados como receita, logo, demonstra-se descabido o seu cômputo na base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Com estas considerações, nego provimento à apelação e à remessa oficial, para manter a sentença pelos seus próprios e jurídicos fundamentos. É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0801305-97.2018.4.05.8400-RN (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLI VEIRA ERHARDT Apelante: UNIÃO FEDERAL Apelada: MARIA DE NAZARETH SANT’ANNA Recte. Ades.: MARIA DE NAZARETH SANT ANNA Adv./Proc.: DR. MARCOS VALÉRIO MAMEDE DOS SANTOS EMENTA: ADMINISTRATIVO. DEPENDENTE DE MILITAR. EXCLUSÃO DO SISTEMA DE SAÚDE 32 ANOS DEPOIS DE SEU INGRESSO. IRMÃ SOLTEIRA APOSENTADA POR IDADE. MUDANÇA NA REGULAMENTAÇÃO MILITAR. SEGURANÇA JURÍDICA. DANOS MORAIS. INOCORRÊNCIA. APELAÇÃO E RECURSO ADESIVO IMPROVIDOS. 1. A sentença apelada julgou parcialmente procedente o pedido formulado para reconhecer a nulidade do ato que determinou a exclusão da autora da assistência médico-odontológica da Aeronáutica, condenando a UNIÃO a reincluí-la no cadastro de dependentes do seu irmão, na condição de beneficiária do Fundo de Assistência Médico-Hospitalar e Odontológica OSA/SISAU, com a continuidade da prestação dos respectivos serviços. 2. Entre os direitos legalmente garantidos aos militares, consta “a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários” (art. 50, IV, e, da Lei nº 6.880/80). 3. Dita assistência é extensível aos dependentes, enquadrando-se, entre eles, a irmã solteira desde que não receba remuneração (art. 50, § 3º, f). 306
4. Na hipótese vertente, verifica-se que a postulante se enquadra na definição legal de dependente, considerando que se trata de irmã solteira de militar. 5. É certo que o art. 50, inciso IV, alínea e, § 3º, f, da Lei nº 6.880/80, condiciona a percepção do benefício assistencial à não percepção de remuneração. 6. Entretanto, o mencionado Estatuto disciplina que, para fins de dependência: “não serão considerados como remuneração os rendimentos não-provenientes de trabalho assalariado, ainda que recebidos dos cofres públicos, ou a remuneração que, mesmo resultante de relação de trabalho, não enseje ao dependente do militar qualquer direito à assistência previdenciária oficial” (art. 50, § 4º). 7. No caso dos autos, o ICA 106-24/2006, ao regulamentar esse benefício, não especificava de forma detalhada o tipo de remuneração que afastaria a condição de dependente da irmã solteira. Em tal regulamentação, a Administração Militar não considerava a aposentadoria por idade, percebida pela demandante, como remuneração capaz de afastar a condição de dependente e, em consequência, a autora, irmã do militar, recebia a assistência médico-hospitalar e odontológica há aproximadamente 32 (trinta e dois) anos. Inclusive essa situação era confirmada a cada recadastramento. 8. Com a edição do ICA 160-5/2017, a organização militar, ao regulamentar a situação da irmã do militar, dispôs que a aposentadoria e a pensão por morte deveriam ser consideradas como remuneração para fins de afastar o direito à percepção da assistência médico-hospitalar e odontológica. Assim, como a autora percebe aposentadoria por idade, a Administração a excluiu do benefício. 307
9. Verifica-se que a inovação regulamentar instituída pela Administração Castrense, ao alterar a situação jurídica da postulante, pessoa idosa beneficiária da assistência médico-odontológica há aproximadamente 32 (trinta e dois) anos, atenta contra a segurança jurídica, à proteção dos direitos fundamentais da pessoa idosa, que por sua vulnerabilidade deve merecer uma atenção especial do Poder Público, além de violar o princípio da razoabilidade que aliás decorre da própria legalidade. Deve ser relativizada a novel exigência da espécie de remuneração percebida, considerando a situação fática consolidada no tempo. (Precedente da Quarta Turma do TRF5: 08163476920184050000, Relator Edilson Nobre, DJU: 23/03/2019). 10. Não restou caracterizada a ocorrência de danos morais, já que a exclusão da autora do Sistema de Saúde da Aeronáutica não lhe trouxe prejuízo no que se refere ao atendimento médico-hospitalar e odontológico, que não meros aborrecimentos, inclusive considerando o deferimento do pedido de antecipação de tutela. 11. Apelação da UNIÃO e recurso adesivo improvidos. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos 0801305-97.2018. 4.05.8400, em que são partes as acima mencionadas, acordam os Desembargadores Federais da Quarta Turma do TRF da 5a Região, em sua composição ampliada, por maioria, em negar provimento à apelação e ao recurso adesivo, nos termos do relatório, voto e notas taquigráficas constantes dos autos, que ficam fazendo parte do presente julgado. Recife, 9 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT - Relator 308
RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT: 1. Trata-se apelação interposta pela UNIÃO e recurso adesivo contra sentença que, ao confirmar a tutela anteriormente concedida, julgou parcialmente procedente o pedido inicial, para reconhecer a nulidade do ato que determinou a exclusão da autora da assistência médico-odontológica da Aeronáutica, condenando a UNIÃO a reincluí-la no cadastro de dependentes do seu irmão, JOSÉ LUIZ DE SANT’ANNA, na condição de beneficiária do Fundo de Assistência Médico-Hospitalar e Odontológica OSA/SISAU, com a continuidade da prestação dos respectivos serviços. 2. Em sede de razões de apelação a União aduz que a autora recebe aposentadoria por idade da Previdência Social e portanto percebe, além da pensão militar, assistência previdenciária oficial, não ensejando o direito a Assistência Médico-hospitalar conferida aos dependentes dos militares das Forças Armadas. 3. Por sua vez, a parte autora alegou que as razões da apelação interposta foram dissociadas do que fora decidido na sentença, além de insistir no direito a indenização pelos danos morais ditos sofridos. 4. Foram apresentadas as contrarrazões. 5. É o que havia de relevante para relatar. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL MANOEL DE OLIVEIRA ERHARDT (Relator): 1. A sentença apelada julgou parcialmente procedente o pedido formulado para reconhecer a nulidade do ato que determinou a exclusão da autora da assistência médico-odontológica da Aeronáutica, condenando a UNIÃO a reincluí-la no cadastro de dependentes do seu irmão, JOSÉ LUIZ DE SANT’ANNA, na condição de beneficiária do Fundo de Assistência Médico-Hospitalar e Odontológica OSA/SISAU, com a continuidade da prestação dos respectivos serviços.
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2. Inicialmente, presentes os requisitos de admissibilidade, recebo os recursos de apelação interpostos, em ambos os efeitos, exceto na parte em que foi deferida a antecipação de tutela, a teor do art. 1.010, NCPC. 3. Entre os direitos legalmente garantidos aos militares, consta “a assistência médico-hospitalar para si e seus dependentes, assim entendida como o conjunto de atividades relacionadas com a prevenção, conservação ou recuperação da saúde, abrangendo serviços profissionais médicos, farmacêuticos e odontológicos, bem como o fornecimento, a aplicação de meios e os cuidados e demais atos médicos e paramédicos necessários” (art. 50, IV, e, da Lei nº 6.880/80). 4. Dita assistência é extensível aos dependentes, enquadrando-se a irmã solteira desde que não receba remuneração (art. 50, § 3º, f). 5. Na hipótese vertente, verifica-se que a postulante se enquadra na definição legal de dependente, considerando que se trata de irmã solteira de militar. 6. É certo que o art. 50, inciso IV, alínea e, § 3º, f, da Lei nº 6.880/80, condiciona a percepção do benefício assistencial à não percepção de remuneração. 7. Entretanto, o mencionado Estatuto disciplina que, para fins de dependência: “não serão considerados como remuneração os rendimentos não provenientes de trabalho assalariado, ainda que recebidos dos cofres públicos, ou a remuneração que, mesmo resultante de relação de trabalho, não enseje ao dependente do militar qualquer direito à assistência previdenciária oficial” (art. 50, § 4º). 8. No caso dos autos, o ICA 106-24/2006, ao regulamentar esse benefício, não especificava de forma detalhada o tipo de remuneração que afastaria a condição de dependente da irmã solteira. Em tal regulamentação, a Administração Militar não considerava a aposentadoria por idade, percebida pela demandante, como remuneração capaz de afastar a condição de dependente e, em consequência, a autora, irmã do militar, recebia a assistência médico-hospitalar e odontológica há aproximadamente 32 (trinta 310
e dois) anos. Inclusive essa situação era confirmada a cada recadastramento. 9. Com a edição do ICA 160-5/2017, a organização militar, ao regulamentar a situação da irmã do militar, dispôs que a aposentadoria e a pensão por morte deveriam ser consideradas como remuneração para fins de afastar o direito à percepção da assistência médico-hospitalar e odontológica. Assim, como a autora percebe aposentadoria por idade, a Administração a excluiu do benefício. 10. Todavia, verifica-se que a inovação regulamentar instituída pela Administração Castrense, ao alterar a situação jurídica da postulante, pessoa idosa beneficiária da assistência médico-odontológica há aproximadamente 32 (trinta e dois) anos, atenta contra a segurança jurídica, à proteção dos direitos fundamentais da pessoa idosa, que por sua vulnerabilidade deve merecer uma atenção especial do Poder Público, além de violar o princípio da razoabilidade que aliás decorre da própria legalidade. Deve ser relativizada a novel exigência da espécie de remuneração percebida, considerando a situação fática consolidada no tempo. 11. A propósito do tema, trago à colação a ementa de julgado da Quarta Turma deste TRF5, in verbis: AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. BENEFÍCIO DE ASSISTÊNCIA À SAÚDE. FUNSA. FILHA DE EX-COMBATENTE. EXCLUSÃO. NSCA 160-5/2017. IMPOSSIBILIDADE. CASADA. ALEGAÇÃO DA PARTE AGRAVADA. DECLARAÇÃO DA AUTORA AFIRMANDO SER SOLTEIRA. PONTO CONTROVERTIDO. AUSÊNCIA DE ESCLARECIMENTOS. EXORBITAÇÃO DO PODER REGULAMENTAR. CONCEITO DE REMUNERAÇÃO DEFINIDO EM LEI. AGRAVO PROVIDO. 1. A presente controvérsia cinge-se em saber se a autora, ora agravante, tem direito a permanecer como beneficiária do Fundo de Saúde da Aeronáutica - FUNSA, para fins de continuidade de tratamento e de acompanhamento médico, na condição de filha de ex-combatente e militar decarreia já falecido. 2. No caso dos autos, a ora agravada foi excluída do Sistema de Saúde da Aeronáutica quando do recadastramento de beneficiários do FUNSA, sob os seguintes fundamentos: a requerente é pensionista militar, o que 311
configura recebimento de remuneração; é casada, conforme declaração da mesma; não preenche os critérios constantes nos itens 5 e 6 da NSCA 160-5/2017. 3. Ademais, de encontro a tal afirmação, a requerente colacionou sua declaração para fins de inclusão/recadastramento de dependentes do SISAU, datada de 29/01/2018, na qual afirma que seu estado civil é de solteira (Id. nº 4058300.6372722), além de outros documentos, como certidão de nascimento e declaração de pensão. 4. Da leitura do art. 50, IV, e (Lei 6.880/80), combinado com o disposto no parágrafo 2°, III, do mesmo artigo, a parte agravante se enquadra na qualidade de dependente de militar. 5. O conceito de remuneração exposto na NSCA 1605/2017 não é coerente com o disposto na legislação vigente, notando-se que a Administração exorbitou do seu poder regulamentar, ao restringir um conceito já definido em lei (Estatuto dos Militares). 6. Irrazoável a conduta da Administração que, reconhece a autora como dependente, para fins de percepção da pensão por morte de seu pai, ex-militar, mas não a considera como dependente para usufruir da assistência à saúde. 7. Agravo de instrumento provido. (08163476920184050000, Relator Edilson Nobre, DJU: 23/03/2019)
12. A respeito do recurso adesivo interposto, em primeiro lugar, não restou configurada, no presente caso, a hipótese de apelação dissociada da sentença, já que os argumentos lançados na respectiva peça recursal dizem respeito ao contexto legal ora analisado. 13. Por outro lado, com bem ressaltou a ilustre sentenciante, não restou caracterizada, no caso em análise, a ocorrência de danos morais, já que a exclusão da autora do Sistema de Saúde da Aeronáutica não lhe trouxe prejuízo no que se refere ao atendimento médico-hospitalar e odontológico, que não meros aborrecimentos, inclusive considerando o deferimento do pedido de antecipação de tutela. 14. Diante do exposto, nego provimento à apelação e ao recurso adesivo para confirmar a sentença. 15. É como voto. 312
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 145.140-PE Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA Agravante: USINA CENTRAL OLHO D’ÁGUA S/A Agravada: UNIÃO (FAZENDA NACIONAL) Terc. Inter.: CAIXA ECONÔMICA FEDERAL (CAIXA) Advs./Procs.: DRS. VIVIANE CARACIOLO ALBUQUERQUE FER REIRA E OUTROS EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CUMPRIMENTO DE SENTENÇA. REMUNERAÇÃO/CORREÇÃO DE DEPÓSITOS JUDICIAIS. IMPUTAÇÃO DE ERRO À CAIXA QUANTO AO PROCEDIMENTO A ELES RELATIVO. NECESSIDADE DE AÇÃO PRÓPRIA. DECISÃO AGRAVADA MANTIDA. 1. Trata-se de agravo de instrumento contra decisão que, no Processo nº 0016251-25.1995.4. 05.8300 (cumprimento de sentença), revogou a ordem de correção monetária dos depósitos judiciais vinculados ao processo originário, somente pela SELIC, no período de 30/10/2006 até 27/05/2010. O Juízo a quo entendeu que, não sendo a CAIXA parte no feito de origem, a determinação de atualização monetária dos valores depositados por meio de incidência exclusiva da SELIC, no período em referência, não poderia, em sede de cumprimento de sentença, atingir a CAIXA como questão antecedente à liberação de parte dos depósitos em favor da ora recorrente, ressalvando a possibilidade desta última (depositante) demandá-la em ação autônoma. 2. Inicialmente, convém destacar que, há época dos depósitos judiciais realizados pela parte agravante (em 30/10/2006 e 09/01/2007), coexistiam dois regimes de depósito judicial, quais sejam: o regulado pela Lei nº 9.289/1996 [depósitos não tributários, remunerados/corrigidos pela Taxa Referencial (TR)] e o disciplinado pela Lei nº 313
9.703/1998 (depósitos tributários, remunerados/ corrigidos pela SELIC). Na verdade, apenas com a edição da Lei nº 12.099/2009, consoante os termos nela estabelecidos, houve a unificação dos depósitos tributários e não tributários, com transferência à conta única do Tesouro Nacional, momento a partir do qual haveria remuneração/ correção pela SELIC. 3. No caso em tela, verifica-se que a recorrente fez depósitos judiciais por meio de guias da CAIXA e não por meio de DARFs, conforme se pode inferir das guias de depósito acostadas aos autos (fls. 609 e 646), firmadas pelo representante legal da empresa (André Luiz A. Japiá). Nessa linha, os depósitos na conta nº 1029.005.48.738-6 foram corrigidos/remunerados de acordo com os índices aplicáveis aos depósitos não tributários (Lei nº 9.289/1996). Assim, não se há de falar em afronta ao disposto nas Súmulas nºs 179 e 271 do STJ, porquanto a CAIXA, como dito, remunerou/ corrigiu os depósitos aplicando os índices correlatos ao regime escolhido, independentemente de ação específica. 4. Por sua vez, o fato de a ação originária não ter a CAIXA como parte, até porque aquela demanda buscava anular parte das notificações de débitos fiscais (nºs 2.758/1985, 12.410/1988 e 12.886/1990) expedidas contra empresa pelo INSS [sucedido processualmente pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL)], exige a propositura de ação própria, em que sejam assegurados o contraditório e a ampla à CAIXA, para que possam ser discutidas e apreciadas as alegações de suposto(a) erro/culpa da CAIXA na geração da conta em que efetivados os depósitos judiciais e de eventual responsabilidade da CAIXA na fiscalização/ conferência/validação dos dados dos depósitos judiciais, ainda que as guias tenham sido preenchidas com erro, 314
para fins de incidência, no período de 30/10/2006 até 27/05/2010, da SELIC ao invés da TR. 5. Registre-se, por oportuno, que a pretensão de alterar a correção monetária promovida pela CAIXA é que faz surgir a necessidade de ajuizamento de ação específica, uma vez que a USINA CENTRAL OLHO D’ÁGUA S/A busca, in casu, imputar à CAIXA suposto equívoco no procedimento relativo aos depósitos judiciais. 6. Dessa forma, a decisão agravada, ao verificar que a CAIXA não era parte no feito de origem, promoveu devidamente a revogação da ordem de correção dos depósitos somente pela SELIC, no período em referência, ressalvando corretamente a possibilidade de propositura de ação autônoma para discutir suposto(a) erro/responsabilidade/culpa da CAIXA nos procedimentos vinculados aos depósitos judiciais da empresa, ora agravante. 7. Agravo de instrumento improvido. ACÓRDÃO Decide a Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, por maioria, em sessão ampliada, negar provimento ao agravo de instrumento, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que passam a integrar o presente julgado. Recife, 12 de junho de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA: Trata-se de agravo de instrumento, com pedido de antecipação dos efeitos da tutela recursal, interposto pela USINA CENTRAL OLHO D’ÁGUA S/A contra decisão, às fls. 1772/1773, proferida pelo magistrado federal da 9ª Vara Federal da Seção Judiciária de Per315
nambuco (SJPE) que, no Processo nº 0016251-25.1995.4.05.8300 (cumprimento de sentença), revogou a ordem de correção monetária dos depósitos judiciais vinculados ao processo originário, somente pela SELIC, no período de 30/10/2006 até 27/05/2010. O Juízo a quo entendeu que, não sendo a CAIXA parte no feito de origem, a determinação de atualização monetária dos valores depositados por meio de incidência exclusiva da SELIC, no período em referência, não poderia, em sede de cumprimento de sentença, atingir a CAIXA como questão antecedente à liberação de parte dos depósitos em favor da ora recorrente, ressalvando a possibilidade desta última (depositante) demandá-la em ação autônoma. A agravante, após um breve relato dos fatos, aduziu, em síntese, que: i) o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já teria pacificado o entendimento de que a responsabilidade pela correção monetária e pelos juros, depois de realizado o depósito judicial, seria da instituição financeira onde o numerário fora depositado, sendo desnecessário, para tal finalidade, o ajuizamento de nova demanda; ii) deveria incidir no caso a inteligência das Súmulas nºs 179 e 271 do STJ; iii) os depósitos judiciais teriam sido realizados pelo preposto da recorrente com base no número da conta gerado pela CAIXA (nº 1029.005.00048738); iv) somente ao levantar os valores teria percebido que a correção monetária/remuneração dos valores fora menor do que o devido; v) a CAIXA seria responsável pela arrecadação, guarda e transferência do numerário para o Tesouro Nacional, cabendo-lhe a fiscalização de toda a operação, de modo a desempenhar corretamente o encargo que lhe foi atribuído por lei; vi) a responsabilidade da CAIXA seria objetiva, pois a captação do depósito judicial se deu com regra jurídica específica (art. 1, § 3º, I, da Lei nº 9.703/1998), a qual deveria ser observada; vii) ainda que a responsabilidade da CAIXA fosse subjetiva, na hipótese vertente, subsistiria a sua obrigação de devolver 316
o valor devidamente atualizado monetariamente pela SELIC, em decorrência do elemento culpa (teria informado o número com código errado da conta judicial); viii) tratando-se de débitos tributários, deveria a CAIXA ter gerado uma conta com o código de identificação para tal tipo de operação, conforme disposto no art. 4º da Instrução Normativa (IN) SRF nº 421/2004; ix) ainda que a CAIXA tivesse gerado o código correto e a recorrente tivesse se equivocado, subsistiria a responsabilidade da CAIXA, pois caberia a ela se cercar de todas as cautelas para que o depósito fosse realizado de forma correta, por força do disposto no art. 5º da IN SRF nº 421/2004; x) o STJ já teria confirmado a responsabilidade da CAIXA mesmo quando há erro no preenchimento da respectiva guia pelo depositando, visto que teria sido permitido depósito por meio de documento inadequado; e xi) a existência de erro formal na captação do recurso não desfiguraria a sua natureza de depósito judicial referente a tributo federal, conforme se poderia inferir do § 2º do art. 1º da Lei nº 9.703/1998. A recorrente requereu atribuição de efeito suspensivo ativo ao agravo de instrumento, a fim de que sejam restabelecidas as decisões às fls. 1619/1621 e 1701/1702, proferidas em 02/09/2016 e 20/05/2016, respectivamente, reconhecendo-se a responsabilidade da CAIXA em pagar a diferença da SELIC então pleiteada, além da SELIC acumulada de novembro/2014 até o efetivo depósito da diferença apontada. Ao final, pugnou pelo provimento do recurso, confirmando-se a liminar porventura concedida. Às fls. 1788/1789, foi indeferida a liminar recursal. A UNIÃO (FAZENDA NACIONAL), às fls. 1791/1792, informou não ter interesse em contrarrazoar o presente recurso, destacando que a controvérsia instalada atrairia o interesse da CAIXA, razão pela qual esta deveria ser intimada para apresentar resposta ao agravo de instrumento. Intimada para apresentar contrarrazões (fl. 1795), a CAIXA, às fls. 1799/1812, defendeu a não aplicação das Súmulas nºs 317
179 e 271 do STJ e a ausência de responsabilidade da instituição financeira no caso em tela. Ao final, requereu o desprovimento do agravo de instrumento. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL FERNANDO BRAGA (Relator): Inicialmente, convém destacar que, há época dos depósitos judiciais realizados pela parte agravante (em 30/10/2006 e 09/01/2007), coexistiam dois regimes de depósito judicial, quais sejam: o regulado pela Lei nº 9.289/1996 [depósitos não tributários, remunerados/corrigidos pela Taxa Referencial (TR)] e o disciplinado pela Lei nº 9.703/1998 (depósitos tributários, remunerados/ corrigidos pela SELIC). Na verdade, apenas com a edição da Lei nº 12.099/2009, consoante os termos nela estabelecidos, houve a unificação dos depósitos tributários e não tributários, com transferência à conta única do Tesouro Nacional, momento a partir do qual haveria remuneração/correção pela SELIC. No caso em tela, verifico que a recorrente fez depósitos judiciais por meio de guias da CAIXA e não por meio de DARFs, conforme se pode inferir das guias de depósito acostadas aos autos (fls. 609 e 646), firmadas pelo representante legal da empresa (André Luiz A. Japiá). Nessa linha, os depósitos na Conta nº 1029.005.48.738-6 foram corrigidos/remunerados de acordo com os índices aplicáveis aos depósitos não tributários (Lei nº 9.289/1996). Assim, não se há de falar em afronta ao disposto nas Súmulas nºs 1791 e 2712 do STJ, porquanto a CAIXA, como dito, remunerou/corrigiu os depósitos aplicando os índices correlatos ao regime escolhido, independentemente de ação específica.
O estabelecimento de crédito que recebe dinheiro, em depósito judicial, responde pelo pagamento da correção monetária relativa aos valores recolhidos. 1
2 A correção monetária dos depósitos judiciais independe de ação específica contra o banco depositário.
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Por sua vez, entendo que o fato de a ação originária não ter a CAIXA como parte, até porque aquela demanda buscava anular parte das notificações de débitos fiscais (nºs 2.758/1985, 12.410/1988 e 12.886/1990) expedidas contra empresa pelo INSS [sucedido processualmente pela UNIÃO (FAZENDA NACIONAL)], exige a propositura de ação própria, em que sejam assegurados o contraditório e a ampla à CAIXA, para que possam ser discutidas e apreciadas as alegações de suposto(a) erro/culpa da CAIXA na geração da conta em que efetivados os depósitos judiciais e de eventual responsabilidade da CAIXA na fiscalização/conferência/ validação dos dados dos depósitos judiciais, ainda que as guias tenham sido preenchidas com erro, para fins de incidência, no período de 30/10/2006 até 27/05/2010, da SELIC ao invés da TR. Registro, por oportuno, que a pretensão de alterar a correção monetária promovida pela CAIXA é que faz surgir a necessidade de ajuizamento de ação específica, uma vez que a USINA CENTRAL OLHO D’ÁGUA S/A busca, in casu, imputar à CAIXA suposto equívoco no procedimento relativo aos depósitos judiciais. Dessa forma, a decisão agravada, ao verificar que a CAIXA não era parte no feito de origem, promoveu devidamente a revogação da ordem de correção dos depósitos somente pela SELIC, no período em referência, ressalvando corretamente a possibilidade de propositura de ação autônoma para discutir suposto(a) erro/ responsabilidade/culpa da CAIXA nos procedimentos vinculados aos depósitos judiciais da empresa, ora agravante. Ante o exposto, nego provimento ao agravo de instrumento. É como voto.
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APELAÇÃO CÍVEL Nº 0802252-79.2017.4.05.8500-SE (PJe) Relator: Apelante: Adv./Proc.: Apelados:
DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO DANIELA MOURA BEZERRA DR. EMILIO EDUARDO SANTOS RAMOS FUND. COORD. DE APERFEIÇOAMENTO DE PESSOAL DE NÍVEL SUP. E OUTRO EMENTA: ADMINISTRATIVO. CUMULAÇÃO DE BOLSAS DO CAPES E DA FNDE. RESSARCIMENTO DO VALOR RECEBIDO. IMPOSSIBILIDADE. BOA-FÉ DO ESTUDANTE. PROTEÇÃO DA CONFIANÇA E DA SEGURANÇA JURÍDICA. 1. Trata-se de apelação interposta pela autora contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe, que julgou improcedente o pedido de anulação de ato administrativo que declarou ilegal a acumulação de bolsa de estudo da CAPES com a proveniente da FNDE, esta vinculada à UAB, e exigiu a devolução dos valores recebidos no ano de 2014. 2. Compulsando os documentos coligidos aos autos, verifico que assiste razão à apelante, porquanto atuou em plena consonância com as diretrizes traçadas pela Portaria Conjunta CAPES/ CNPq nº 01/2007, c/c Portaria CAPES nº 76/2010, as quais expressamente previam a possibilidade de cumulação entre bolsas de estudo provenientes da CAPES e da FNDE, esta vinculada à UAB. 3. As informações constantes no processo demonstram que o acúmulo de recebimento de bolsas da CAPES e da FNDE se deu por culpa exclusiva da Administração, fato que apenas corrobora com a tese levantada pela apelante, de que os valores foram recebidos de boa-fé. 4. Não é razoável que a autora seja obrigada a devolver os valores recebidos no ano de 2014, uma vez que o equívoco no acúmulo de bolsas de estudo se deu unicamente por erro da Admi320
nistração, a qual possui, em observância dos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança, o dever de comportar-se em conformidade com o ato anteriormente praticado. 5. O STJ consolidou o entendimento de que “os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determinado sentido, que criaram uma aparência de estabilidade das relações jurídicas, venha adotar atos na direção contrária, com a vulneração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa, já se acreditava incorporado ao patrimônio dos administrados” (STJ, RMS 20.572/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, DJe 15/12/2009). 6. A própria Administração Pública já sedimentou o entendimento de que as quantias recebidas de boa-fé, por servidor público ou beneficiário, em virtude de erro em interpretação administrativa, são irrepetíveis e, portanto, insuscetíveis de reposição ao erário. 7. Precedente desta Primeira Turma: Processo nº 0801318-33.2017.4.05.8400, Relator Desembargador Federal Leonardo Resende Martins (convocado), unânime, j. maio 2018. 8. Apelação provida, para condenar os recorridos a restituírem os valores indevidamente cobrados da autora a título de ressarcimento ao erário, corrigidos monetariamente nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. ACÓRDÃO Vistos e relatados os presentes autos, decide a Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em composição ampliada, por maioria, dar provimento à apelação, nos termos do relatório e
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voto anexos, que passam a integrar o presente julgamento. Vencidos os Desembargadores Federais Élio Wanderley de Siqueira e Fernando Braga Damasceno. Recife, 20 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO - Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO: Trata-se de apelação interposta por DANIELA MOURA BEZERRA contra sentença proferida pelo Juízo da 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Sergipe (que julgou improcedente o pedido de anulação de ato administrativo que declarou ilegal a acumulação de bolsa de estudo da CAPES com a proveniente da FNDE, esta vinculada à UAB, e exigiu a devolução dos valores recebidos no ano de 2014), em que a recorrente alega: 1) o caso dos autos não pode ser analisado apenas pela Lei nº 11.273/2006, como consta na sentença, uma vez que a autora recebeu os valores das bolsas de forma cumulada de boa-fé; 2) as informações prestadas pelos apelados sempre foram no sentido de que não existia qualquer irregularidade na cumulação de bolsa CAPES com a bolsa da FNDE, fato que induziu a apelante em erro; 3) irregularidade da devolução dos valores recebidos de boa-fé, sendo incabível a restituição do pagamento indevido feito pela Administração em virtude de má aplicação do direito; 4) o Ministério Público Federal, por meio da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul, ao tratar quanto ao assunto objeto da apelação em realce, expediu a RECOMENDAÇÃO PRDC/RS Nº 1/2017, com data de 19 de janeiro de 2017, recomendando que não fosse realizada qualquer cobrança (Id. nº 4058500.1454845). Contrarrazões apresentadas pela CAPES e pelo FNDE (Id. nº 4058500.1604849). Vem-me o processo concluso por força de distribuição. Sendo caso de dispensa de revisão, peço dia para julgamento. É o relatório. 322
VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ROBERTO MACHADO (Relator): Inicialmente destaco o atendimento dos pressupostos intrínsecos (cabimento, legitimidade, interesse e ausência de fato extintivo e impeditivo do direito de recorrer) e extrínsecos (tempestividade e regularidade formal) de admissibilidade, pelo que merece trânsito o apelo. Quanto à preliminar de ilegitimidade passiva do FNDE, entendo por rejeitá-la, considerando que quando informada da cumulação indevida, foi dada à autora a opção de devolver os valores recebidos correspondentes a menor bolsa, tendo a autora optado por devolver os valores da bolsa de tutor do FNDE. Passo, então, ao exame do mérito. Narrou a autora na inicial que: 1) foi aprovada, em 2013, no doutorado de Sociologia da UFS e, em 2014, no processo seletivo simplificado para cadastro de reserva de tutores à distância, para atuar nos cursos de “Especialização Direitos Infanto-Juvenis no Ambiente Escolar - Escola que Protege” e “Educação em Direitos Humanos”; 2) durante os anos de 2014 e 2015, cumulou duas bolsas: a relativa ao curso de doutorado, proveniente da CAPES, e referente à Universidade Aberta do Brasil - UAB, na qualidade de tutora à distância, proveniente do FNDE, ressaltando que sempre teve ciência de que tal acúmulo era legal e possível, por se tratar da única possibilidade de cumulação de bolsas permitida (CAPES + FNDE, esta vinculada à UAB, quando se atua na condição de tutor); 3) foi surpreendida, em março/2016, com notificação da UFS acompanhada de ofício com entendimento da CAPES sobre o acúmulo indevido das bolsas, sob o argumento de que os valores conferidos pelo FNDE não se referiam à UAB, logo não poderiam ser cumulados; 4) devidamente notificada, apresentou defesa em abril/2016, tendo a Comissão de Bolsas do Programa de Pós-Graduação emitido parecer favorável, que foi apresentado à CAPES em outubro/2016, esta pela impossibilidade de acumulação das bolsas, no ano de 2014, com opção de devolução de valores recebidos correspondentes à bolsa menor, o que foi devidamente cumprido, vindo a juízo para postular a nulidade do ato e 323
a restituição dos valores desembolsados; 5) entende que recebeu os valores de boa fé e teve transtornos causados pela devolução de valores, no importe de R$ 7.650,00, aduzindo que não cabe à Administração transferir a responsabilidade do próprio erro ao administrado de boa fé. Compulsando os documentos coligidos aos autos, tenho por certo que assiste razão à apelante, porquanto atuou em plena consonância com as diretrizes traçadas pela Portaria Conjunta CAPES/CNPq nº 01/20071, c/c Portaria CAPES nº 76/20102, as quais expressamente previam a possibilidade de cumulação entre bolsas de estudo provenientes da CAPES e do FNDE, esta vinculada à UAB, nos seguintes termos: Portaria Conjunta CAPES/CNPq nº 01, de 12 de dezembro de 2007 Art. 1º Os bolsistas da CAPES e do CNPq, matriculados em programas de pós-graduação no país, selecionados para atuar nas instituições públicas de ensino superior como tutores da Universidade Aberta do Brasil - UAB, de que trata o Decreto nº 5.800, de 8 de junho de 2006, nos termos da Lei nº 11.502 de 11 de julho de 2007, terão as respectivas bolsas de estudo preservadas pelas duas agências, pelo prazo da sua duração regular. Portaria CAPES nº 76, de 14 de abril de 2010 Art. 9° Exigir-se-á do pós-graduando, para concessão de bolsa de estudos: XI - não acumular a percepção da bolsa com qualquer modalidade de auxílio ou bolsa de outro programa da CAPES, de outra agência de fomento pública, nacional ou internacional, ou empresa pública ou privada, excetuando-se: c) conforme estabelecido pela Portaria Conjunta nº 1 Capes/CNPq, de 12/12/2007, os bolsistas CAPES, matriculados em programas de pós-graduação no
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país, poderão receber bolsa da Universidade Aberta do Brasil - UAB, quando atuarem como tutores. Em relação aos demais agentes da UAB, não será permitido o acúmulo dessas bolsas. (Grifos nossos)
Nesse ponto importa ressaltar que os atos administrativos são dotados de presunção de legitimidade, gerando no administrado confiança digna de proteção e, por isso, a boa-fé da recorrente se presume. Além disso, ao confrontarmos as informações constantes no processo, resta cabalmente demonstrado que o acúmulo de recebimento de bolsas da CAPES e do FNDE se deu por culpa exclusiva da Administração, fato que apenas corrobora com a tese levantada pela apelante, de que os valores foram recebidos de boa-fé. Vejamos: UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE - DECLARAÇÃO3 Declaramos nosso entendimento (...) de que a percepção de bolsa de pós-graduação no país pela CAPES ou pelo CNPq e de tutor da Universidade Aberta do Brasil não configura acúmulo irregular de bolsas, conforme legislação específica, qual seja, Lei Federal 11.273, de 06 de fevereiro de 2006. 25 de abril de 2016. TROCA DE E-MAIL’S ENTRE A APELANTE E A PROCURADORIA DA CAPES4 De: monitorabolsas@capes.gov.br Para:ellabmoura@yahoo.com.br “Possivelmente houve erro da instituição ao considerar as bolsas abrangidas pela Lei 11.273 como bolsas da UAB.” 06 de outubro de 2016.
Desse modo, não é razoável que a apelante seja obrigada a devolver os valores recebidos no ano de 2014, uma vez que o equí-
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voco no acúmulo de bolsas de estudo se deu unicamente por erro da Administração, a qual possui, em observância dos princípios da boa-fé, da segurança jurídica e da proteção da confiança, o dever de comportar-se em conformidade com o ato anteriormente praticado. Sobre o tema, o STJ consolidou o entendimento de que “os princípios da segurança jurídica e da boa-fé objetiva, bem como a vedação ao comportamento contraditório (venire contra factum proprium), impedem que a Administração, após praticar atos em determinado sentido, que criaram uma aparência de estabilidade das relações jurídicas, venha adotar atos na direção contrária, com a vulneração de direito que, em razão da anterior conduta administrativa, já se acreditava incorporado ao patrimônio dos administrados” (STJ, RMS 20.572/DF, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 01/12/2009, DJe 15/12/2009). É plenamente admitida pela jurisprudência pátria a aplicação do princípio da boa-fé, e do seu subprincípio do venire contra factum proprium às relações entre a Administração Pública e o particular. Precedentes: STJ, RMS 43.683/DF, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 28/04/2015, DJe 07/05/2015; AgRg na Pet 10.274/DF, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/08/2014, DJe 23/09/2014; Dcl no MS 14.649/DF, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 26/02/2014, DJe 06/03/2014. Ressalte-se que o próprio STF5 já fixou a tese de que a devolução de quantias percebidas por erro da Administração vulnera, sem dúvida alguma a proteção da boa-fé ou da confiança e, em última instância, a própria segurança jurídica das relações entre cidadão e Estado. A própria Administração Pública já sedimentou o entendimento de que as quantias recebidas de boa-fé, por servidor público ou beneficiário, em virtude de erro ou equívoco em interpretação administrativa, são irrepetíveis e, portanto, insuscetíveis de reposição ao acervo patrimonial estatal. Assim, entendo pela plena aplicabilidade, por analogia, da tese supracitada, sendo desnecessária a reposição ao erário de valores
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(STF, MS 25641, DJ 22/02/08)
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indevidamente recebidos pela apelante, uma vez que verificada: 1) presença de boa-fé da recorrente; 2) ausência, por parte do recorrente, de influência ou interferência para a concessão da vantagem impugnada; 3) existência de dúvida plausível sobre a interpretação, validade ou incidência da norma infringida, no momento da edição do ato que autorizou o pagamento da vantagem impugnada; 4) interpretação razoável, embora errônea, da lei pela Administração. Em caso semelhante ao dos autos, já decidiu esta Primeira Turma pela impossibilidade de devolução: EMENTA: ADMINISTRATIVO. ENSINO SUPERIOR. ACUMULAÇÃO DE BOLSAS DO CAPES E DA FNDE. LICITUDE DO ACÚMULO CONFORME EDITAL Nº 03/2013. NÃO COMPROVAÇÃO DA MÁ-FÉ DO AUTOR NO TOCANTE AO RECEBIMENTO DAS BOLSAS. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1. Trata-se de apelação interposta pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e pela Fundação Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível superior (CAPES) em face de sentença proferida pelo Juízo da 1ª. Vara Federal do Rio Grande do Norte, em que Diego Rocha Lima relatou que recebeu bolsa da CAPES/ DS, entre fevereiro de 2013 a outubro de 2014, no valor de R$ 2.200,00/mês, como estudante de pós-graduação no Doutorado em Engenharia Elétrica e Computação da UFRN. Informou que entre outubro/2013 a setembro/2014 recebeu bolsa mensal no valor de R$ 765, 00 do Instituto Metrópole Digital - IMD/UFRN, por ter sido selecionado no programa e-Tec, mantido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação - FNDE, prestando serviços de tutor. Finalmente, comunicou que em 05/05/2016, recebeu Ofício nº 004/2016 do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Elétrica e Computação - PPgCEE/UFRN em virtude da ilegalidade no recebimento das bolsas supracitadas, requerendo a devolução do valor recebido da CAPES no período de janeiro a setembro de 2014, no montante total de R$ 19.800. 2. O cerne da questão reside em saber se houve licitude e boa-fé do recorrido no acúmulo das bolsas dos programas federais. 3. O Edital nº 03/2013, do IMD/UFRN, informa que não há óbice na acumulação da bolsa e-Tec com outra bolsa 327
de mestrado ou doutorado das agências de fomento do governo, mediante anuência do orientador, segundo item 5 do referido edital, que trata da remuneração dos tutores. A declaração do docente que autorizou o acúmulo das bolsas pelo estudante encontra-se acostada nos autos. 4. Conforme ressaltado na sentença, “17. Ora, restou satisfatoriamente demonstrado que a situação de acúmulo de bolsas ora questionada era de pleno conhecimento do orientador do demandante, não se podendo olvidar que este, em obediência ao edital mencionado, obteve, previamente, a carta de anuência e autorização expressa do Professor Daniel Aloise (seu orientador), para acumular o recebimento das bolsas, como mostra o documento de Id. nº 4058400.2074356, colacionado à exordial. 18. Além disso, o art. 9º, inciso XI, da Portaria CAPES nº 76, de 14 de abril de 2010, exige como requisito para a concessão da bolsa de estudos que o pós-graduando não acumule “a percepção da bolsa com qualquer modalidade de auxílio ou bolsa de outro programa da CAPES, de outra agência de fomento pública, nacional ou internacional, ou empresa pública ou privada”, salvo as taxativas exceções previstas. 5. Frisa-se que o próprio FNDE declara categoricamente não ser uma agência de fomento. A autarquia comunica que a atividade de fomento envolve incentivos à inovação e desenvolvimento científico e tecnológico, mas sua finalidade corresponde a “aperfeiçoar o processo de aprendizagem na educação básica pública, por intermédio da melhoria da estrutura física ou pedagógica das escolas”, conforme alínea e do art. 3º da Lei n° 5.537/1968 – lei que instituiu o FNDE –, demonstrando que não há ilegalidade no acúmulo das bolsas. 6. Observa-se que no processo administrativo instaurado para apurar a acumulação de bolsas, o parecer da Comissão de Bolsas do PPgEEC aduz claramente que o estudante não faltou com as obrigações assumidas, seja como tutor, seja como aluno do Doutorado em Engenharia Elétrica e Computação, de forma que a percepção das bolsas configuram a contraprestação das atividades efetivamente prestadas, não se vislumbrando ofensa ao princípio da eficiência. 7. O discente demonstrou pelos documentos acostados nos autos que o processo de aprovação das bolsas foi autorizado pela UFRN, destacando-se principalmente o 328
fato de que não houve omissão da condição de bolsista de pós-graduação por parte do autor/apelado. Logo, se a própria Instituição permitiu o recebimento das bolsas, ciente das circunstâncias do caso, criando uma situação de aparente regularidade, não há como inferir a má-fé do autor, que deve ser comprovada. 8. Por fim, segundo destacado na sentença, “21. Além disso, se houve equívoco, este se deu por parte da própria UFRN, que publicou edital permitindo a cumulação de bolsas custeadas pelo FNDE e CAPES, em equívoca interpretação às normas já editadas pela CAPES”. 9. Apelação improvida. (Processo nº 0801318-33.2017.4.05.8400, Relator Desembargador Federal Leonardo Resende Martins (convocado), unânime, j. maio 2018).
Assim, dou provimento à apelação, para condenar os recorridos a restituírem os valores indevidamente cobrados da autora a título de ressarcimento ao erário, corrigidos monetariamente nos termos do Manual de Cálculos da Justiça Federal. Condeno, ainda, os réus ao pagamento das custas e dos honorários advocatícios, fixados em 10% sobre o valor da condenação, pro rata. É como voto.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800643-40.2016.4.05.8001-AL (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Apelante: UNIÃO FEDERAL Apelada: MARIA IRLA SILVA Repte.: DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO EMENTA: PROCESSUAL CIVIL, CONSTITUCIONAL, ADMINISTRATIVO E SANITÁRIO. APELAÇÃO. FORNECIMENTO DE PRÓTESE PELO ESTADO. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. ANÁLISE SEGUNDO OS PARÂMETROS DEFINIDOS PELO STF NA STA Nº 175/CE. NÃO DE329
MONSTRAÇÃO DA INEFICIÊNCIA DA POLÍTICA PÚBLICA EXISTENTE. PROVIMENTO. 1. Apelação interposta pela UNIÃO, em face de sentença que a condenou, juntamente com o ESTADO DE ALAGOAS, a fornecer à autora “prótese modular endoesquelética para membro inferior direito com encaixe de contenção isquiática em termoplástico e fibra de carbono com válvula de expulsão de ar automática, acompanhada de dois (2) lineres de silicone seal-in com cinco anéis de vedação; joelho monoeixo com pistão hidráulico que possa subir e descer escadas com passos alternados, com dispositivo para modo bicicleta; é de resposta dinâmica com lâminas bipartidas e célula rotacional com capa cosmética”. 2. A jurisprudência é pacífica, quanto à legitimidade da União, dos Estados-membros e dos Municípios para o caso em análise. De fato, a CF/88 (art. 196) erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado, sendo obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Município), assegurar às pessoas o acesso à medicação e aos procedimentos médicos necessários para a cura de suas mazelas. 3. Em sede de recurso extraordinário julgado sob a sistemática da repercussão geral, o STF pacificou o entendimento de que “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados”, de modo que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente” (Pleno, RE nº 855.178/SE, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 05.03.2015, DJe 16.03.2015). 4. A forma de organização do SUS, o modo como, internamente a ele, são repartidas as atribuições entre os entes federados, a divisão de incumbências definida na Lei nº 8.080/90 ou as regras nela insertas referentes ao procedimento de incor330
poração de novos fármacos e tratamentos não podem servir de justificativa para que qualquer um deles se desvista de sua responsabilidade em relação à concretização do direito à saúde dos cidadãos, que pode ser cobrada através do Poder Judiciário. 5. Descabe falar-se que o eventual fornecimento de medicamento ou de tratamento por imposição judicial, preenchidas as condições necessárias para tanto, implica violação aos arts. 16, 17, 18, 19, 19-M a 19-U da Lei nº 8.080/90 (concernentes à divisão das competências do SUS entre as esferas federal, estadual e municipal), do art. 265 do CC (referente à configuração da solidariedade) e dos arts. 2º, 5º, LV, 196 e 198 da CF/88 (atinentes à separação de Poderes, aos princípios do contraditório e da ampla defesa e à organização do SUS). 6. O art. 196 da CF/88 reza que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 7. Quando da análise do Agravo Regimental na STA nº 175/CE, versando sobre a concretização do direito à saúde inscrito no art. 196 da CF/88, o STF terminou por definir parâmetros para a solução judicial de casos concretos envolvendo direito à saúde. 8. No caso, a autora tem sequelas de fratura no fêmur direito (amputação ao nível do terço médio da coxa) e o médico que a acompanha prescreveu modelo específico de prótese ortopédica. No entanto, não apontou ele as razões pelas quais apenas esse equipamento com essas especificações – e não, as próteses usualmente fornecidas no âmbito do SUS – atende às necessidades da autora. À questão “a prótese ortopédica é fornecida 331
pelo SUS?” feita pela DPU, o médico respondeu: “Esse modelo não é fornecido pelo SUS”. Diante dos questionamentos “Por que este modelo de prótese? Algum outro tipo, fornecido pelo SUS, também atenderia a demanda da paciente?”, o médico afirmou: “Prótese permite melhor função e adaptação do paciente”. Finalmente, frente à questão “Se o SUS fornece a prótese, por que afastar o protocolo?”, o profissional médico asseverou: “Protocolo não tem estabelecido e sem previsão de colocação da prótese”. 9. É certo que houve perícia oficial, mas ela, igualmente, a princípio, não indicou as razões pelas quais apenas a prótese ortopédica especificada pelo médico é adequada para a autora. Na verdade, uma das considerações postas pelo vistor foi que é importante o acesso e o efetivo uso da prótese, “mas necessita que cumpra todo procedimento preparatório do coto da amputação (membro residual) para que posteriormente sejam realizadas as medidas para a confecção da prótese indicada pelo médico assistente”. O perito do Juízo se limita a referenciar o modelo prescrito pelo médico da autora, sequer informando os equipamentos disponíveis no âmbito do SUS e o motivo pelo qual esses devem ser substituídos pelo modelo recomendado pelo médico particular. Veja-se que ele deixa sem resposta a questão “Há cobertura de tal procedimento pelo SUS?”. Concluiu, dizendo: “a indicação existe e é factível de concretização, desde que seja cercada dos cuidados adequados para a efetiva utilização do dispositivo protético pleiteado”. 10. Diante do laconismo da manifestação do perito do Juízo, a Primeira Turma determinou a complementação das informações periciais. 11. Numa primeira complementação, o perito se reportou a considerações feitas no primeiro laudo (no sentido de que o uso da prótese 332
pretendida é importante do ponto de vista psicológico, mas não conduz a prejuízos físicos; e de que a especificação do médico assistente foi aproximada, podendo haver necessidade de ajustes). Asseverou que “a indicação do modelo de prótese com especificações em detalhes era a única apresentada no processo até momento da realização do procedimento pericial”, não tendo sido adotadas providências “em expor os locais e os tipos de prótese que disponibiliza a toda a sociedade”. 12. A UNIÃO apresentou os dados de que sentiu falta o perito, indicando as próteses disponibilizadas pelo SUS e os estabelecimentos cadastrados. Diante disso, o perito se manifestou, afirmando, inicialmente, em termos gerais, que, independentemente do tipo de prótese que venha a ser utilizada, antes de sua implantação, o paciente deve passar por uma série de procedimentos (preparação do coto e reabilitação). Para o caso concreto, o perito consignou que, segundo os documentos apresentados pela UNIÃO, “há uma diversidade de lugares credenciados pelo SUS aqui neste Estado de Alagoas para materializar o objetivo da suplicante”. Diz, ainda, que, “quanto ao tipo exato de prótese somente a avaliação como indicado acima e respeitado os trâmites desde o primeiro contato até o andar independente com a utilização de próteses de prova é que chegaremos a um consenso do modelo mais adequado e possível para o caso”. 13. O que se extrai da prova médico-pericial é que a autora pretende obter uma prótese diferenciada, às expensas dos cofres públicos, sem se submeter às possibilidades protéticas disponibilizadas pelo SUS, não tendo sido demonstrado qualquer aspecto particular do seu estado de saúde ou físico que justifique essa desconsideração do aparto disponível na rede pública de 333
saúde a todos os cidadãos. Destarte, não estão satisfeitas as condições que autorizam o Poder Judiciário a determinar que a Administração Pública proceda diferente, em relação à política pública existente na área. 14. O fato de a prótese já ter sido comprada não conduz à hipótese de falta de interesse processual ou perda de objeto. Primeiro, porque não há notícia de que já tenha sido implantada na autora, que, segundo o perito, precisaria passar por uma série de etapas para tanto. Segundo, porque a improcedência do pedido implicará, nessas circunstâncias, o reconhecimento de um crédito em favor dos demandados, que foram obrigados a pagar por equipamento que não deveria ter sido dado à demandante. 15. Apelação provida, para julgar improcedente o pedido. ACÓRDÃO Decide a Primeira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região, em composição ampliada, por maioria, dar provimento à apelação, para julgar improcedente o pedido, nos termos do voto do relator, na forma do relatório e notas taquigráficas constantes nos autos, que ficam fazendo parte integrante do presente julgado. Recife, 20 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO: Trata-se de apelação interposta pela UNIÃO, em face de sentença que a condenou, juntamente com o ESTADO DE ALAGOAS, a fornecer à autora “prótese modular endoesquelética para membro inferior direito com encaixe de contenção isquiática em termoplástico e fibra de carbono com válvula de expulsão de ar automática, 334
acompanhada de dois (2) lineres de silicone seal-in com cinco anéis de vedação; joelho monoeixo com pistão hidráulico que possa subir e descer escadas com passos alternados, com dispositivo para modo bicicleta; é de resposta dinâmica com lâminas bipartidas e célula rotacional com capa cosmética”. Em suas razões recursais, a apelante alegou que: a) não possui legitimidade passiva ad causam; b) o SUS fornece próteses, não estando assegurado pelo art. 196 da CF/ 88 o fornecimento de material específico e de forma individualizada à autora; e) a realização dos direitos materiais está submetida à reserva do possível; f) a multa fixada afronta os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Em primeiro exame dos autos, a Primeira Turma determinou a conversão do julgamento em diligência, devendo os autos retornarem ao Primeiro Grau, para fins de complementação da perícia, para que o perito do Juízo respondesse, justificadamente, a seguinte questão: o SUS disponibiliza próteses e, disponibilizando, por que deve ser fornecida à autora prótese diferenciada daquela que é disponibilizada a toda a sociedade (quais as peculiaridades da situação física e de saúde da autora que justificam o tratamento diferenciado de parte do Poder Público)? Em petição de Id. 11546473, a DPU informou que a prótese foi adquirida em sede de execução provisória, não sendo mais possível o desfazimento da compra. O perito do Juízo prestou informações complementares, acerca das quais as partes foram chamadas a se manifestarem. O feito foi incluído em pauta de julgamento. É o relatório. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL ÉLIO SIQUEIRA FILHO (Relator): Como sumariado, trata-se de apelação interposta pela UNIÃO, em face de sentença que a condenou, juntamente com o ESTADO DE ALAGOAS, a fornecer à autora “prótese modular endoesquelética para membro inferior direito com encaixe de contenção isquiática 335
em termoplástico e fibra de carbono com válvula de expulsão de ar automática, acompanhada de dois (2) lineres de silicone seal-in com cinco anéis de vedação; joelho monoeixo com pistão hidráulico que possa subir e descer escadas com passos alternados, com dispositivo para modo bicicleta; é de resposta dinâmica com lâminas bipartidas e célula rotacional com capa cosmética”. Analiso, inicialmente, a alegação de ilegitimidade passiva ad causam. É cediço que a jurisprudência é pacífica, quanto à legitimidade da União, dos Estados-membros e dos Municípios para o caso em análise. De fato, a CF/88 (art. 196) erige a saúde como um direito de todos e dever do Estado, sendo obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados, Distrito Federal e Município), assegurar às pessoas o acesso à medicação e aos procedimentos médicos necessários para a cura de suas mazelas. Em sede de recurso extraordinário julgado sob a sistemática da repercussão geral, o STF pacificou o entendimento de que “o tratamento médico adequado aos necessitados se insere no rol dos deveres do Estado, porquanto responsabilidade solidária dos entes federados”, de modo que “o polo passivo pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente” (Pleno, RE nº 855.178/SE, Rel. Ministro Luiz Fux, julgado em 05.03.2015, DJe 16.03.2015). Esse entendimento vem se mantendo no STF, consoante se verifica dos seguintes arestos: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA SOB A SISTEMÁTICA DA REPERCUSSÃO GERAL. RE 855.178-RG. JULGAMENTO IMEDIATO. POSSIBILIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO. DESNECESSIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (ARE 909.527 AgR, Relator Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 10/05/2016, DJe de 30/05/2016) DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. DIREITO À SAÚDE. TRATAMENTO MÉDICO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERADOS. 336
CONSONÂNCIA DA DECISÃO RECORRIDA COM A JURISPRUDÊNCIA CRISTALIZADA NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. REAFIRMAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA EM REPERCUSSÃO GERAL - RE 855.178-RG/PE, REL. MIN. LUIZ FUX. RECURSO EXTRAORDINÁRIO QUE NÃO MERECE TRÂNSITO. ACÓRDÃO RECORRIDO PUBLICADO EM 28.3.2015. 1. Esta Suprema Corte, ao julgamento do RE 855.178RG/PE, Rel. Min. Luiz Fux, DJe 16.3.2015, submetido à sistemática da repercussão geral, reafirmou a jurisprudência no sentido da responsabilidade solidária dos entes federados pelo dever de prestar assistência à saúde, destacando que o polo passivo da ação pode ser composto por qualquer um deles, isoladamente, ou conjuntamente. 2. O entendimento adotado pela Corte de origem, nos moldes do assinalado na decisão agravada, não diverge da jurisprudência firmada no âmbito deste Supremo Tribunal Federal. 3. A existência de precedente firmado pelo Plenário desta Corte autoriza o julgamento imediato de causas que versem sobre o mesmo tema, independentemente da publicação ou do trânsito em julgado do paradigma. Precedentes. 4. As razões do agravo regimental não se mostram aptas a infirmar os fundamentos que lastrearam a decisão agravada. 5. Agravo regimental conhecido e não provido. (RE 933.857 AgR, Relator Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 16/02/2016, DJe de 15/03/2016) DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITO À SAÚDE. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. SEPARAÇÃO DOS PODERES. VIOLAÇÃO. NÃO CONFIGURADA. OBRIGAÇÃO SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. PRECEDENTES. HIPOSSUFICIÊNCIA. SÚMULA 279/STF. 1. É firme o entendimento deste Tribunal de que o Poder Judiciário pode, sem que fique configurada violação ao princípio da separação dos Poderes, determinar a implementação de políticas públicas nas questões relativas ao direito constitucional à saúde. 2. O acórdão recorrido também está alinhado à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, reafirmada no 337
julgamento do RE 855.178-RG, Rel. Min. Luiz Fux, no sentido de que constitui obrigação solidária dos entes federativos o dever de fornecimento gratuito de tratamentos e de medicamentos necessários à saúde de pessoas hipossuficientes. 3. A controvérsia relativa à hipossuficiência da parte ora agravada demandaria a reapreciação do conjunto fático-probatório dos autos, o que não é viável em sede de recurso extraordinário, nos termos da Súmula 279/STF. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (ARE 894.085 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, julgado em 15/12/2015, DJe de 17/02/2016)
O STJ vem esposando a mesma compreensão, de acordo com os julgados abaixo referenciados: ADMINISTRATIVO. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. SISTEMA ÚNICO DE SAÚDE (SUS). AUSÊNCIA DE OMISSÃO NO ACÓRDÃO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. SÚMULA 83/ STF. PRETENSÃO DE REEXAME DE PROVAS. SÚMULA 7/STJ. 1. É assente o entendimento de que a Saúde Pública consubstancia direito fundamental do homem e dever do Poder Público, expressão que abarca a União, os Estados-membros, o Distrito Federal e os Municípios, todos em conjunto. 2. O legislador pátrio instituiu um regime de responsabilidade solidária entre as pessoas políticas, para o desempenho de atividades voltadas a assegurar o direito fundamental à saúde, que inclui o fornecimento gratuito de medicamentos e congêneres a pessoas desprovidas de recursos financeiros para o tratamento de enfermidades. 3. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a medicamentos. 4. Das razões acima expendidas, verifica-se que o Tribunal a quo decidiu de acordo com jurisprudência desta Corte, de modo que se aplica à espécie o enunciado da Súmula 568/STJ. 338
Agravo interno improvido. (AgInt no AREsp 852.363/MG, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2016, DJe 28/06/2016) ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS E TRATAMENTO DE SAÚDE. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. ALEGAÇÃO DE OFENSA À LEI COMPLEMENTAR 101/2000. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO DE FUNDAMENTO ADOTADO PELA CORTE DE ORIGEM. SÚMULA 283/STF. ARGUMENTAÇÃO QUE ATACA A INCIDÊNCIA DA SÚMULA 182/STJ. ÓBICE NÃO UTILIZADO NA DECISÃO AGRAVADA. DEFICIÊNCIA RECURSAL. AGRAVO INTERNO. CONHECIMENTO PARCIAL. DESPROVIMENTO. 1. O Superior Tribunal de Justiça, em reiterados precedentes, tem decidido que o funcionamento do Sistema Único de Saúde - SUS é de responsabilidade solidária dos entes federados, de forma que qualquer deles tem legitimidade para figurar no polo passivo de demanda que objetive o acesso a meios e medicamentos para tratamento de saúde. 2. Aplica-se a Súmula 283/STF, quanto à suposta ofensa a dispositivos da Lei Complementar 101/2000, tendo em vista que não houve impugnação de fundamento basilar que ampara o acórdão recorrido, concernente à ausência de demonstração de comprometimento do orçamento municipal. 3. Não se conhece das razões do agravo interno, no ponto em que traz considerações sobre a não aplicabilidade do óbice da Súmula 182/STJ, tendo em vista que a decisão agravada em nada dispôs sobre o tema. 4. Agravo interno parcialmente conhecido e, nessa parte, desprovido. (AgInt no AREsp 866.810/MG, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 07/06/2016, DJe 20/06/2016)
Reforce-se que a forma de organização do SUS, o modo como, internamente a ele, são repartidas as atribuições entre os entes federados, a divisão de incumbências definida na Lei nº 8.080/90 ou 339
as regras nela insertas referentes ao procedimento de incorporação de novos fármacos e tratamentos não podem servir de justificativa para que qualquer um deles se desvista de sua responsabilidade em relação à concretização do direito à saúde dos cidadãos, que pode ser cobrada através do Poder Judiciário. Assim, descabe falar-se que o eventual fornecimento de medicamento ou de tratamento por imposição judicial, preenchidas as condições necessárias para tanto, implica violação aos arts. 16, 17, 18, 19, 19-M a 19-U da Lei nº 8.080/90 (concernentes à divisão das competências do SUS entre as esferas federal, estadual e municipal), do art. 265 do CC (referente à configuração da solidariedade) e dos arts. 2º, 5º, LV, 196 e 198 da CF/88 (atinentes à separação de Poderes, aos princípios do contraditório e da ampla defesa e à organização do SUS). De mais a mais, eventuais compensações que se façam necessárias entre os entes federativos, por força da distribuição de atribuições entre eles no âmbito do SUS, podem ser demandadas administrativa e judicialmente, mas não nestes autos. Prossigo. O art. 196 da CF/88 reza que “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Quando da análise do Agravo Regimental na STA nº 175/CE, versando sobre a concretização do direito à saúde inscrito no art. 196 da CF/88, o STF terminou por definir parâmetros para a solução judicial de casos concretos envolvendo direito à saúde. Se, por um lado, o STF realçou a fundamentalidade do direito à saúde e o dever do Estado de concretizá-lo, propiciando os meios necessários ao seu gozo pelos cidadãos, por outro, não deixou de abordar às complexidades relacionadas à sua efetivação, sobretudo em função de sua natureza social, prestacional e da necessidade de compatibilização entre o “mínimo existencial” e a “reserva do possível”. Nesse tocante, é cediço que o direito à saúde está relacionado à dignidade da pessoa humana e que é 340
dever do Estado garanti-lo, mas também é certo que os recursos estatais para a efetivação de direitos são finitos. Apontando para essa problemática, a leitura do voto do Ministro Gilmar Mendes (Relator) permite extrair algumas diretrizes importantes a serem consideradas pelo Julgador, quando estiver diante de demandas em que os entes federados são chamados a fornecer medicamentos ou tratamentos médicos, cumprindo com o seu dever de propiciar os meios necessários à garantia do direito à saúde e, consequentemente, do direito à vida dos administrados: 1º) “não há um direito absoluto a todo e qualquer procedimento necessário para a proteção, promoção e recuperação da saúde, independentemente da existência de uma política pública que o concretize”, donde se conclui que, se já existe uma política pública suficiente e eficiente de resguardo da saúde e de combate a doenças, os cidadãos terão direito à implementação dos instrumentos farmacológicos e procedimentos nela albergados, ainda que outros existam no meio médico. Mas, se a política pública inexiste ou é insuficiente ou ineficiente, o Poder Judiciário está autorizado a intervir na garantia do direito fundamental à saúde (cf. STF, 2T, RE nº 801.841 AgR, Relator Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 04/08/2015, DJe 04/09/2015); 2º) “deverá ser privilegiado o tratamento fornecido pelo SUS em detrimento de opção diversa escolhida pelo paciente, sempre que não for comprovada a ineficácia ou a impropriedade da política de saúde existente”, não estando afastada “a possibilidade de o Poder Judiciário, ou de a própria Administração, decidir que medida diferente da custeada pelo SUS deve ser fornecida a determinada pessoa que, por razões específicas do seu organismo, comprove que o tratamento fornecido não é eficaz no seu caso”, podendo, assim, ser questionados os Protocolos Clínicos e Diretrizes Terapêuticas do SUS, em atenção às particularidades orgânicas do paciente, às peculiaridades da patologia de que sofre ou ao seu estado de saúde (cf. STF, 1T, ARE nº 926.469 AgR, Relator Min. ROBERTO BARROSO, julgado em 07/06/2016, DJe 21/06/2016); 3º) por regra, “é vedado à Administração Pública fornecer fármaco que não possua registro na ANVISA”, tratando-se 341
de medida de garantia da segurança e da saúde pública, o que não impede que, em casos excepcionais, se autorize o fornecimento de medicamentos sem registro na agência de vigilância sanitária brasileira, constatados outros parâmetros de segurança (Cf. STF, Pleno, SL nº 815 AgR, Relator Min. RICARDO LEWANDOWSKI (Presidente), julgado em 07/05/2015, DJe 05/06/2015); 4º) o SUS não está obrigado a custear tratamento ou a fornecer medicamento de cunho experimental, com resultados controversos ou quando inexistam evidências científicas de sua eficácia no enfrentamento do problema de saúde para o qual indicado, não se podendo confundir, contudo, tratamento experimental, sobre o qual inexiste comprovação médico-científica de sua eficácia, com o procedimento mais moderno, reconhecido pela ciência e recomendado especificamente para o problema de saúde do paciente, e que não consta do rol do SUS por estar ele desatualizado; 5º) nenhuma demanda de saúde deve ser analisada, senão depois de devidamente instruída, reunindo-se as provas necessárias do estado de saúde do paciente e da necessidade do medicamento ou tratamento médico indicado, devendo ser julgada mediante fundamentação clara e concreta, caso a caso. É à luz desses parâmetros que deve ser resolvido o caso concreto. Pois bem. No caso, a autora tem sequelas de fratura no fêmur direito (amputação ao nível do terço médio da coxa) e o médico que a acompanha prescreveu modelo específico de prótese ortopédica. No entanto, não apontou ele as razões pelas quais apenas esse equipamento com essas especificações – e não as próteses usualmente fornecidas no âmbito do SUS – atende às necessidades da autora. À questão “a prótese ortopédica é fornecida pelo SUS?” feita pela DPU, o médico respondeu: “Esse modelo não é fornecido pelo SUS”. Diante dos questionamentos “Por que este modelo de prótese? Algum outro tipo, fornecido pelo SUS, também atenderia a demanda da paciente?”, o médico afirmou: “Prótese permite melhor função e adaptação do paciente”. Finalmente, frente à questão “Se 342
o SUS fornece a prótese, por que afastar o protocolo?”, o profissional médico asseverou: “Protocolo não tem estabelecido e sem previsão de colocação da prótese”. É certo que houve perícia oficial, mas ela, igualmente, a princípio, não indicou as razões pelas quais apenas a prótese ortopédica especificada pelo médico é adequada para a autora. Na verdade, uma das considerações postas pelo vistor foi que é importante o acesso e o efetivo uso da prótese, “mas necessita que cumpra todo procedimento preparatório do coto da amputação (membro residual) para que posteriormente sejam realizadas as medidas para a confecção da prótese indicada pelo médico assistente”. O perito do Juízo se limita a referenciar o modelo prescrito pelo médico da autora, sequer informando os equipamentos disponíveis no âmbito do SUS e o motivo pelo qual esses devem ser substituídos pelo modelo recomendado pelo médico particular. Veja-se que ele deixa sem resposta a questão “Há cobertura de tal procedimento pelo SUS?”. Concluiu, dizendo: “a indicação existe e é factível de concretização, desde que seja cercada dos cuidados adequados para a efetiva utilização do dispositivo protético pleiteado”. Diante do laconismo da manifestação do perito do Juízo, a Primeira Turma determinou a complementação das informações periciais. Numa primeira complementação, o perito se reportou a considerações feitas no primeiro laudo (no sentido de que o uso da prótese pretendida é importante do ponto de vista psicológico, mas não conduz a prejuízos físicos; e de que a especificação do médico assistente foi aproximada, podendo haver necessidade de ajustes). Asseverou que “a indicação do modelo de prótese com especificações em detalhes era a única apresentada no processo até momento da realização do procedimento pericial”, não tendo sido adotadas providências “em expor os locais e os tipos de prótese que disponibiliza a toda a sociedade”. A UNIÃO apresentou os dados de que sentiu falta o perito, indicando as próteses disponibilizadas pelo SUS e os estabelecimentos cadastrados. Diante disso, o perito se manifestou, afirmando, inicialmente, em termos gerais, que, independentemente do tipo de prótese 343
que venha a ser utilizada, antes de sua implantação, o paciente deve passar por uma série de procedimentos (preparação do coto e reabilitação). Para o caso concreto, o perito consignou que, segundo os documentos apresentados pela UNIÃO, “há uma diversidade de lugares credenciados pelo SUS aqui neste Estado de Alagoas para materializar o objetivo da suplicante”. Diz, ainda, que, “quanto ao tipo exato de prótese somente a avaliação como indicado acima e respeitado os trâmites desde o primeiro contato até o andar independente com a utilização de próteses de prova é que chegaremos a um consenso do modelo mais adequado e possível para o caso”. O que se extrai da prova médico-pericial é que a autora pretende obter uma prótese diferenciada, às expensas dos cofres públicos, sem se submeter às possibilidades protéticas disponibilizadas pelo SUS, não tendo sido demonstrada qualquer aspecto particular do seu estado de saúde ou físico que justifique essa desconsideração do aparto disponível na rede pública de saúde a todos os cidadãos. Destarte, não estão satisfeitas as condições que autorizam ao Poder Judiciário determinar que a Administração Pública proceda diferente em relação à política pública existente na área. O fato de a prótese já ter sido comprada não conduz à hipótese de falta de interesse processual ou perda de objeto. Primeiro, porque não há notícia de que já tenha sido implantada na autora, que, segundo o perito, precisaria passar por uma série de etapas para tanto. Segundo, porque a improcedência do pedido implicará, nessas circunstâncias, o reconhecimento de um crédito em favor dos demandados, que foram obrigados a pagar por equipamento que não deveria ter sido dado à demandante. Com essas considerações, dou provimento à apelação para julgar improcedente o pedido. Condeno a autora em honorários advocatícios que arbitro em R$ 1.000,00 (um mil reais), com base no art. 85, § 8º, do CPC/2015, ficando a exigibilidade da parcela suspensa, nos termos do art. 98, § 3º, do CPC/2015. É como voto. 344
APELAÇÃO CÍVEL Nº 0800774-97.2016.4.05.8103-CE (PJe) Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CAR VALHO Apelantes: SINDICATO DOS TRABALHADORES RURAIS AGRICULTORES E AGRICULTORAS FAMILIARES DE CATUNDA - CE E OUTRO Apelado: INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS Adv./Proc.: DR. FRANCISCO LAÉCIO DE AGUIAR FILHO (APTE.) EMENTA: PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO AO INSS DE VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. SEGURADA ESPECIAL. DECLARAÇÃO DO SINDICATO. OMISSÃO DA CONDIÇÃO DE EMPRESÁRIA. MÁ-FÉ COMPROVADA. I - Trata-se de ação de ressarcimento por pagamento de benefício obtido irregularmente ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra Maria do Socorro Mendes dos Santos e o Sindicato dos trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares de Catunda - CE. II - O MM. Juiz de Primeiro Grau julgou procedente o pedido, condenando solidariamente a segurada e o Sindicato a devolver ao INSS a quantia de R$ 36.316,14 (trinta e seis mil, trezentos e dezesseis reais e catorze centavos). Honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). III - As partes interpuseram apelação. O Sindicato alegou ilegitimidade passiva e que não deveria ter sido condenado solidariamente com a segurada, pois a declaração é emitida com base nas informações trazidas pela própria filiada. A autora alegou boa-fé e que exercia a atividade rural quando do requerimento do benefício, pugnando pela não devolução dos valores recebidos em virtude da natureza alimentar. IV - Afirma o INSS em sua inicial (Id. 4058103. 1655234) que a apelante Maria do Socorro Men-
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des dos Santos juntou provas de atividade rural para obter o benefício de aposentadoria por idade como segurada especial, ocultando sua condição de sócia de empresa de serviço de montagem em São Paulo/SP (Id. 4058104.1843384 - p.35). V - Para atingir tal objetivo, a segurada obteve ajuda do Sindicato dos trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares de Catunda/CE, tendo conseguido uma declaração de exercício de atividade rural do período de 1994 a 2010 mesmo residindo em São Paulo/SP e não exercendo atividade rural em Catunda (Id. 4058104.1843384 - p. 8). VI - A apelante fez o requerimento administrativo em 06/01/2010 e recebeu a aposentadoria até 31/12/2015, pois o Tribunal de Contas da União determinou a revisão dos benefícios de segurados especiais que tivessem CNPJ ativo na época da data do início do benefício (Id. 4058104.1843384 - p. 28). VII - Assim, requer a autarquia federal a devolução da quantia de R$ 36.316,14 (trinta e seis mil, trezentos e dezesseis reais e catorze centavos), conforme documento juntado aos autos (Id. 4058104.1843479 - p. 46/48). VIII - Houve regular procedimento administrativo, possibilitando que a segurada apresentasse defesa (Id. 4058104.1843479). IX - Esta demanda não versa sobre a mesma controvérsia tratada pelo REsp 1.381.734, afetado sob o rito dos recursos especiais repetitivos, o qual analisa a possibilidade de devolução de valores recebidos de boa-fé pelo segurado da previdência, em razão de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. X - Afirma o Sindicato que não deveria ter sido condenado ao ressarcimento, pois é impossível conhecer o tempo exato de trabalho realizado pelos filiados e não possui os mesmos instru346
mentos de pesquisa do INSS. Além disso, a apelante teria apresentado outras provas para a concessão do benefício. XI - A alegação do Sindicato não merece prosperar, pois deveria ter aferido a veracidade das informações trazidas pela segurada, mas acabou concorrendo para que ela recebesse indevidamente a aposentadoria. XII - Alegou a apelante que abriu a empresa em 1993 e ainda naquele ano deixou de trabalhar com a mesma. No entanto, consta nos autos um documento que comprova que a empresa ainda estava ativa em 2008 (Id. 4058104.1843384 - p. 35) e há declarações de inatividade da referida empresa apenas no período de 2009 a 2013 (Id. 4058104.1843479 - p. 8/12). XIII - Além disso, a autarquia apresentou uma cópia da alteração do contrato social da Pré-Montagem Santos LTDA. datada de 18/08/2014, quando a segurada ainda recebia aposentadoria como trabalhadora rural (Id. 4058104.1843479 - p. 16/20). XIV - Ficou comprovado que a apelante omitiu a sua condição de empresária, caracterizando má-fé. Não assiste razão à segurada ao afirmar que possui direito de continuar com os valores recebidos por terem caráter alimentar. XV - A Lei 8.213/91 em seu art. 11, § 10, I, d, estabelece que participar de sociedade empresária descaracteriza o enquadramento na categoria de segurado especial. O art. 115, II, da mesma Lei, autoriza o ressarcimento ao INSS de benefício previdenciário pago além do devido. XVI - Assim, verificada a ilegalidade da concessão ocasionada pela parte apelante, a devolução do montante recebido indevidamente é medida que se impõe para não caracterizar enriquecimento sem causa. XVII - Honorários recursais fixados em 2% (dois por cento) sobre os honorários advocatícios esta347
belecidos na sentença, com a cobrança suspensa conforme o art. 98, § 3º, do CPC. XVIII - Apelação improvida. ACÓRDÃO Acordam os Desembargadores Federais da Segunda Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª região, por maioria, em negar provimento à apelação, nos termos do voto do Relator e das notas taquigráficas que estão nos autos e que fazem parte deste julgado. Prosseguindo o julgamento, em sua composição ampliada, a Turma, por maioria de votos, negou provimento apelação, nos termos do voto do Relator. Vencido o Exmo. Sr. Desembargador Federal Frederico Wildson da Silva Dantas. Recife, 20 de maio de 2019. (Data do julgamento) DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO Relator RELATÓRIO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO: Trata-se de ação de ressarcimento por pagamento de benefício obtido irregularmente ajuizada pelo Instituto Nacional do Seguro Social - INSS contra Maria do Socorro Mendes dos Santos e o Sindicato dos trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares de Catunda - CE. O MM. Juiz de Primeiro Grau julgou procedente o pedido, condenando solidariamente a segurada e o Sindicato a devolver ao INSS a quantia de R$ 36.316,14 (trinta e seis mil, trezentos e dezesseis reais e catorze centavos). Honorários advocatícios no valor de R$ 1.000,00 (mil reais). As partes interpuseram apelação. O Sindicato alegou ilegitimidade passiva e que não deveria ter sido condenado solidariamente com a segurada, pois a declaração é emitida com base nas informações trazidas pela própria filiada. A autora alegou boa-fé e que exercia a atividade rural quando do requerimento do benefício, 348
pugnando pela não devolução dos valores recebidos em virtude da natureza alimentar. O INSS não apresentou contrarrazões. Subiram os autos, sendo-me conclusos por força de distribuição. É o relatório. Peço a inclusão do feito em pauta para julgamento. VOTO O SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL LEONARDO CARVALHO (Relator): Afirma o INSS em sua inicial (Id. 4058103.1655234) que a apelante Maria do Socorro Mendes dos Santos juntou provas de atividade rural para obter o benefício de aposentadoria por idade como segurada especial, ocultando sua condição de sócia de empresa de serviço de montagem em São Paulo/SP (Id. 4058104.1843384 - p. 35). Para atingir tal objetivo, a segurada obteve ajuda do Sindicato dos trabalhadores rurais, agricultores e agricultoras familiares de Catunda/CE, tendo conseguido uma declaração de exercício de atividade rural do período de 1994 a 2010 mesmo residindo em São Paulo/SP e não exercendo atividade rural em Catunda (Id. 4058104.1843384 - p. 8). A apelante fez o requerimento administrativo em 06/01/2010 e recebeu a aposentadoria até 31/12/2015, pois o Tribunal de Contas da União determinou a revisão dos benefícios de segurados especiais que tivessem CNPJ ativo na época da data do início do benefício (Id. 4058104.1843384 - p. 28). Assim, requer a autarquia federal a devolução da quantia de R$ 36.316,14 (trinta e seis mil, trezentos e dezesseis reais e catorze centavos), conforme documento juntado aos autos (Id. 4058104.1843479 - p. 46/48). Houve regular procedimento administrativo, possibilitando que a segurada apresentasse defesa (Id. 4058104.1843479).
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Esta demanda não versa sobre a mesma controvérsia tratada pelo REsp 1.381.734, afetado sob o rito dos recursos especiais repetitivos, o qual analisa a possibilidade de devolução de valores recebidos de boa-fé pelo segurado da previdência, em razão de interpretação errônea, má aplicação da lei ou erro da Administração. Afirma o Sindicato que não deveria ter sido condenado ao ressarcimento, pois é impossível conhecer o tempo exato de trabalho realizado pelos filiados e não possui os mesmos instrumentos de pesquisa do INSS. Além disso, a apelante teria apresentado outras provas para a concessão do benefício. A alegação do Sindicato não merece prosperar, pois deveria ter aferido a veracidade das informações trazidas pela segurada, mas acabou concorrendo para que ela recebesse indevidamente a aposentadoria. Alegou a apelante que abriu a empresa em 1993 e ainda naquele ano deixou de trabalhar com a mesma. No entanto, consta nos autos um documento que comprova que a empresa ainda estava ativa em 2008 (Id. 4058104.1843384 - p. 35) e há declarações de inatividade da referida empresa apenas no período de 2009 a 2013 (Id. 4058104.1843479 - p. 8/12). Além disso, a autarquia apresentou uma cópia da alteração do contrato social da Pré-Montagem Santos LTDA. datada de 18/08/2014, quando a segurada ainda recebia aposentadoria como trabalhadora rural (Id. 4058104.1843479 - p. 16/20). Ficou comprovado que a apelante omitiu a sua condição de empresária, caracterizando má-fé. Não assiste razão à segurada ao afirmar que possui direito de continuar com os valores recebidos por terem caráter alimentar. A Lei 8.213/91 em seu art. 11, § 10, I, d, estabelece que participar de sociedade empresária descaracteriza o enquadramento na categoria de segurado especial. O art. 115, II, da mesma lei, autoriza o ressarcimento ao INSS de benefício previdenciário pago além do devido. Assim, verificada a ilegalidade da concessão ocasionada pela parte apelante, a devolução do montante recebido indevidamente 350
é medida que se impõe para não caracterizar enriquecimento sem causa. Honorários recursais fixados em 2% (dois por cento) sobre os honorários advocatícios estabelecidos na sentença, com a cobrança suspensa conforme o art. 98, § 3º, do CPC. Diante do exposto, nego provimento à apelação. É como voto.
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JULGAMENTO HISTÓRICO
Palco de grandes decisões, o TRF5 protagonizou julgamentos históricos. Na década de 1990, o último integrante da primeira composição da Corte ainda em atuação no Tribunal, Desembargador Federal Lázaro Guimarães, foi o relator do primeiro processo no Brasil com decisão contrária ao bloqueio das contas bancárias na vigência do Plano Collor. Fonte: Notícias do TRF5. Divisão de Comunicação Social.
ARGUIÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA APELAÇÃO NO MANDADO DE SEGURANÇA Nº 2.379-PE Relator: O SENHOR JUIZ LÁZARO GUIMARÃES Apelante: BANCO CENTRAL DO BRASIL Apelados: RÔMULO PEDROSA SARAIVA E OUTRO Advs./Procs.: DRS. WAGNER TENÓRIO FONTES E OUTROS (APTE.) E RÔMULO PEDROSA SARAIVA (APDOS.) EMENTA: CONSTITUCIONAL. BLOQUEIO DE CRUZADOS NOVOS DEPOSITADOS EM CONTAS BANCÁRIAS. EMPRÉSTIMO COMPULSÓRIO SEM DEFINIÇÃO EM LEI COMPLEMENTAR. VIOLAÇÃO DO ART. 148, CF. PROPRIEDADE DOS VALORES DEPOSITADOS. CONTRATOS DE DEPÓSITO BANCÁRIO E DE CONTA POUPANÇA. - Legislação que não poderia atingir o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI). - Declaração de inconstitucionalidade do art. 6º, parte final, e seu parágrafo 1º, da Lei 8.024/90. ACÓRDÃO Vistos, relatados e examinados estes autos, em que são partes as acima indicadas, decide o Tribunal Regional Federal da 5ª Região, à unanimidade, em sessão plenária, declarar a inconstitucionalidade do art. 6º, parte final, e seu parágrafo 1º, da Lei 8.024/89, nos termos do voto do Relator, na forma do relatório e notas taquigráficas que integram o presente. Custas como de lei. Recife, 20 de março de 1991. (Data do julgamento) JUIZ LÁZARO GUIMARÃES - Relator RELATÓRIO O SENHOR JUIZ LÁZARO GUIMARÃES: Assim relatei o feito, na Segunda Turma: Insurge-se o apelante contra sentença que determinou o desbloqueio de cruzados novos em caderneta de poupança, 354
reconhecendo a inconstitucionalidade dos arts. 5º, 6º e 7º da Medida Provisória nº 168/90, convertida na Lei 8.024/90. Alega, em resumo, nulidade da sentença, por ser extra petita e sem fundamentação, bem como por falta de citação da União como litisconsorte necessário, inexistência de alteração simulada do padrão monetário, ou de empréstimo compulsório, na determinação de bloqueio de cruzados novos no que excedesse de Cz$ 50.000,00, inexistência de confisco e adequação da norma ao comando do art. 22, I, da Constituição Federal. Com contra-razões, pela confirmação do decisório, vieram os autos. Dispensei nova ouvida do Ministério Público Federal, em razão do disposto no art. 17 da Lei 1.533/51 e da regra do art. 207, RITRF/5ª.
Quando do julgamento da apelação, o ilustre Procurador Ivaldo Olímpio de Lima manifestou-se, em sustentação oral, pela declaração de inconstitucionalidade, dada a violação do direito de propriedade. A Turma, à unanimidade, acolheu a argüição. Dispensei nova ouvida do Ministério Público, sendo, então, o feito incluído em pauta para julgamento por este Plenário. É o relatório. VOTO O SENHOR JUIZ LÁZARO GUIMARÃES (Relator): Reporto-me ao voto que proferi na Segunda Turma, ao examinar a questão constitucional: No mérito, entendo que a Lei 8.024 – art. 6º, parte final, e seu parágrafo 1º – excedeu, por demais, a competência da União para legislar sobre sistema monetário. Segundo o professor Manoel Gonçalves Ferreira Filho, citado pela apelante, tal competência se exerce quando a União legisla sobre a circulação e a conversibilidade da moeda. Poderia a lei retirar de circulação cruzados novos e colocar novo padrão monetário em seu lugar, mas, ao estabelecer a conversão, acrescentou uma limitação que extrapola o sentido de conversibilidade, retendo indevidamente os va355
lores excedentes de Cz$ 50.000,00 para somente permitir a sua disponibilidade a partir de setembro de 1991 e em doze parcelas mensais. Trata-se de um empréstimo compulsório anômalo, sem a necessária instituição mediante lei complementar (art. 148, CF), além de violar o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, CF). Há manifestações, pela imprensa, de juristas de relevo, tais como J.J. Calmon de Passos e Hugo de Brito Machado, no sentido da aplicação à hipótese da autorização do art. 5º, XXV, CF, de requisição de uso de propriedade particular, no caso de iminente perigo público. Com o devido respeito, discordo dos eminentes mestres. Em primeiro lugar, não há qualquer referência na MP 168 a perigo público, nem o ato impugnado consiste em requisitar uso de propriedade. O Banco Central não fica autorizado a usar dos recursos das contas bancárias, mas é instituído depositário dos mesmos, privando-se os titulares da livre movimentação. O depósito bancário e as contas-poupança configuram, segundo os melhores doutrinadores, depósito irregular, pelo qual as partes – a instituição financeira (depositária) e o poupador (depositante) convencionam que o depositário restituirá não a coisa depositada, mas uma coisa semelhante. A propósito, vale a lição dos MAZEAUD: Cette présomption n’existe pas dans le dépôt: tout, même portant sur des choses consomptibles, est présumé dépôt régulier. Cette différence est justifiée: I’usage de la chose, que est de I’essence du prêt, comporte normalement la disposition de cette chose, Iorsqu’elle est consomptible; au contraire, le dépositaire n’a pas normalement I’usage de la chose déposée; or, il I’obtient si le dépôt est analysé comme depôt irrégulier; il lui incombe donc de l’établir. On remarquera, d’ailleurs, que permetre au dépositaire de consommer la chose, présente un grand danger, le déposante perdant son droti réel sur la chose et devenant simple créancier soumis à la loi du dividende; la conservation de la chose, but du contrat de dépôt n’est vraiment assurée, le déposant n’est garanti contre la faillite ou la déconfiture 356
du dépositaire que si, la chose étant individualisée, non fongible, le déposant en reste prorpiétaire. ... En fait, cependant, le dépôt irréguller, c’est-à-dire dans lequel les parties ont considèré comme fongible la chose déposée, est devenu trés important: dépôts d’argent dans les banques ou les caisses d’épargne, dépôts de valeurs mobilières non individualisées. 1518 - Caractères - Le dépôt irrégulier, contrairement au dépôt régulier, opére transfert de la propriété: les choses fongibles déposées deviennent la propriété du depositaire... (in Leçons de DroitCivil, t.3, Ed. Montchristien, Paris, 1974, pág. 798) No momento em que determinou a transferência da qualidade de depositário dos valores em cruzados excedentes de Cz$ 50.000,00 da instituição financeira para o Banco Central, a Lei MP 168 atingiu diretamente o contrato de abertura e movimentação de conta corrente bancária (depósito irregular), obstando o exercício do direito de crédito do correntista, que poderia ser exercido a qualquer momento, mediante emissão de cheque. Por mais que se busque um meio de justificação do ato, nada se encontrará na Constituição que permita o cerceamento da disponibilidade dos valores depositados. É verdade que a propriedade de tais valores, na medida em que se conceitue o depósito como irregular, é da instituição financeira, mas esta não foi alcançada, de verdade, pela medida, porque ficou paralisada a disponibilidade do depositante sobre o saldo de sua conta. Como o Banco Central foi instituído depositário, isso significa que se transferiu a qualidade que tinha a instituição depositária e, em conseqüência, a propriedade do dinheiro depositado. Houve um empréstimo compulsório mascarado, prevendo a lei o pagamento, a partir de setembro de 1991, em doze parcelas, com juros de 6 por cento ao ano e correção monetária pela variação do BTN fiscal. Tudo isso sem lei complementar e com a modificação do contrato de depósito bancário em plena execução. Há, também, quem considere que o depositante – titular da conta bancária – permanece com o domínio sobre os valores depositados. Para esses, como o ato de bloqueio 357
não afetou a titularidade da conta, não se poderia caracterizar empréstimo compulsório, nem confisco, mas simples ato administrativo de regulação do modo de conversão de cruzados em cruzeiros. Nesse caso, persiste o vício da inconstitucionalidade, porque atingido o direito de propriedade no seu elemento essencial consistente na livre disponibilidade dos valores depositados. Como se vê, quer se compreenda o contrato de depósito bancário, ou de caderneta de poupança, como depósito irregular, quer se o entenda como depósito regular especial, em que o depositante permanece como proprietário dos valores depositados, há sempre, no ato de bloqueio, a violação de uma garantia constitucional, seja a do ato jurídico perfeito – art. 5º, XXXVI, CF –,seja a do direito de propriedade – art. 5º, XXII, CF.
Mantenho esse entendimento, acentuando que o bloqueio de contas bancárias, além de infringir o ato jurídico perfeito e de caracterizar a retenção compulsória de valores privados, pelo poder público, sem prévia lei complementar autorizadora de empréstimo compulsório, atinge a própria base do regime da livre iniciativa e da garantia da propriedade. Não há argumento capaz de justificar tal arbítrio, salvo justificação política de cunho totalitário. Por essas razões, declaro a inconstitucionalidade do art. 6º, parte final, e seu parágrafo 1º, da Lei 8.024/90. VOTO O SENHOR JUIZ NEREU SANTOS: Sr. Presidente, também entendo, na mesma esteira do posicionamento do eminente Juiz Lázaro Guimarães, que se trata de um empréstimo compulsório e, como tal, teria que ser instituído através de lei complementar, segundo o que determina o art. 148 da Constituição Federal. Apenas discordo do eminente Relator quando este entende, em seu voto, que a propriedade de tais valores, na medida em que se conceitue o depósito em poupança como irregular, é da instituição financeira. Não entendo que, mesmo que seja depósito irregular, venha este a ser da instituição financeira. Não vejo como chegar a esta conclusão do eminente Relator. No mais, acompanho-o. 358
VOTO O SENHOR JUIZ RIDALVO COSTA: Sr. Presidente e egrégio Tribunal, também acompanho o voto do Sr. Juiz Lázaro Guimarães e fiquei a meditar quando S. Exa. dissertava acerca do contrato de depósito bancário. Cada vez mais me convenço de que o Banco Central, naqueles outros mandados de segurança impetrados por ele contra atos de Juízes que determinaram o levantamento ou desbloqueio de contas, não sofria nenhum dano, e, portanto, os mandados de segurança eram incabíveis. Quero apenas fazer esta ressalva, acompanhando integralmente o voto do Sr. Juiz Lázaro Guimarães. VOTO O SENHOR JUIZ LÁZARO GUIMARÃES: Sr. Presidente e Srs. Juízes, tenho entendido que é razoável a compreensão do bloqueio de valores depositados como uma requisição. Há uma diferença imensa entre manifestação doutrinária e decisão judicial. Na verdade, a ciência jurídica é absolutamente incapaz de oferecer uma manifestação que seja a única correta. As prescrições jurídicas, sejam as leis, os decretos, ou outras normas editadas pelo Poder Público, têm natureza inteiramente diversa das descrições ou proposições descritivas, formuladas pela doutrina jurídica. Em trabalho por mim publicado, analisando esta questão e no qual afirmei a possibilidade de se compreender o bloqueio como requisição, não coloquei, e nem poderia fazê-lo, uma conclusão como questão fechada. Apenas apontei uma possibilidade. Meditei bastante, como diria o eminente Juiz José Delgado, a respeito desta temática; li também com muita atenção os argumentos dos que refutaram a proposição descritiva por mim colocada, e convenci-me de que, realmente, o ato de bloqueio fere o direito de propriedade; fere mais fundo do que a requisição que está constitucionalmente autorizada. Se compreendermos o conceito de requisição com amplitude que teria ele a abarcar hipóteses como a do bloqueio de ativos financeiros, estaríamos abrindo uma brecha perigosa no direito de propriedade.
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Temos que considerar que a regra é a garantia da propriedade. A requisição é excepcional, não podendo, pois, a norma que a admite ser objeto de interpretação ampliativa. De sorte que, com estas considerações, ressalvando a minha opinião doutrinária já manifestada, acompanho o eminente Relator e os Juízes que me precederam. VOTO-VISTA O SENHOR JUIZ JOSÉ DELGADO: Sr. Presidente, a respeito do depoimento de S. Exa., o Dr. Hugo Machado, que a doutrina sofre várias transmutações, S. Exa. mesmo conhece algumas das minhas posições doutrinárias não aplicadas sentencialmente. Sr. Presidente, peço vênia à Corte e paciência, também, para expor meu ponto de vista a respeito: A questão posta em debate consiste em se saber se há ou não constitucionalidade da parte final do art. 6º e parágrafo primeiro respectivo da Lei nº 8.024, de 12.04.90, publicada do DOU, de 13.04.90, que observou limite máximo de NCz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos) para conversão em cruzeiros e determinou, somente, a partir de 16 de setembro de 1991, em doze parcelas mensais iguais e sucessivas, a conversão das quantias que excederem àquele limite. De início, destaco que os dispositivos legais referidos receberam a seguinte redação: Art. 6º Os saldos das cadernetas de poupança serão convertidos em cruzeiros na data do próximo crédito de rendimento, segundo a paridade estabelecida no § 2º do art. 1º, obedecido o limite de NCz$ 50.000,00 (cinquenta mil cruzados novos). § 1º As quantias que excederem o limite fixado no caput deste artigo, serão convertidas, a partir de 16 de setembro de 1991, em doze parcelas mensais e sucessivas.
A respeito da matéria acima assinalada, há várias manifestações doutrinárias.
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Uma corrente entende que a retenção imposta pelo legislador consagra um empréstimo compulsório que, além de anômalo, não foi criado mediante Lei Complementar (art. 148, CF). Uma segunda corrente afirma que a retenção de cruzados e a sua não conversão violou ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXV, CF). Uma terceira posição, enxergando o alto percentual (84%) a que chegou a inflação em março de 90 como iminente perigo público, consagra o ato do governo, com apoio da lei, como forma de requisição de uso de propriedade particular, pelo que encontra autorização no art. 5º, XXV, da CF. Há, ainda, os que entendem ser grave o vício de inconstitucionalidade dos dispositivos retrocitados, porque foi atingido o direito de propriedade no seu elemento essencial consistente na livre disponibilidade dos valores depositados (art. 5º, XXII, CF). Por fim, sustenta-se que, por ser da competência da União legislar sobre o sistema monetário (art. 22, VI, CF), os dispositivos atacados não contêm a mácula da inconstitucionalidade, por tratarem, exatamente, implícita e explicitamente, desse aspecto autorizado pela Carta Magna. Examino as variações apontadas. Não me animo a encontrar compatibilidade constitucional entre os dispositivos em foco e art. 22, VI, da CF. Isso porque, em primeiro lugar, não visualizo, no ato legislativo que bloqueou a poupança, característica para ser considerado como componente do sistema monetário, de medidas, títulos e garantias dos metais, haja vista se apresentar com uma feição muito mais alongada por impor restrição ao direito de uso da propriedade. A competência privativa da União de legislar sobre sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais não pode ir além da situação de regulamentar os fenômenos financeiros, cuja ocorrência de maior relevo é a emissão de moeda pelo Banco Central. Não obstante o sistema monetário abranger uma riqueza interminável de vários aspectos da vida social, incluindo-se em seu círculo a intermediação de recursos, todo o seu modo operacional há de ser desenvolvido de forma que não desvirtue qualquer princípio fundamental posto na Carta Magna. Há de se considerar que, 361
em respeito à estrutura adotada para a Carta Magna, os princípios fundamentais seguidos por ela são marcos limitadores para o exercício do poder, que há de realçar sempre o respeito à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e ao pluralismo político. O sistema de princípios adotado pela Constituição nos revela, entre outras, mensagens indicando que o cidadão brasileiro se submete a uma espécie de poder, cujo exercício tem como finalidade garantir o desenvolvimento econômico integrado de forma nacional e a promoção do bem-estar social, tudo se fazendo dentro de um Estado limitado pelo Direito que foi elaborado pelo povo por meio dos representantes eleitos ou qualquer outro processo juridicamente assegurado. Esse fundamentos não podem ser afastados pelo intérprete ao elucidar o conteúdo das normas constitucionais, tendo em vista o efeito de sua aplicação, para que elas revelem o seu verdadeiro sentido, por se integrarem a um sistema de princípios. Se o contrário acontecer, há possibilidade de se concretizar expressivo conflito que comprometerá, de modo fundamental, a eficácia das regras jurídicas constitucionais. Por essa razão, considero como presente a lição de Linares Quintana, de que a Constituição deve ser interpretada como um conjunto harmônico, no qual o significado de cada parte deve determinar-se em harmonia, com o das partes restantes, porque nenhuma de suas disposições deve ser considerada isoladamente e porque se deve preferir, sempre, a interpretação que se harmonize e não a que coloque em conflito as diversas cláusulas da lei suprema. (Cf. Linares Quintana, “Tratado de 1ª Ciência del Derecho Constitucional”, tomo II, Editorial Alfa, Buenos Aires, 1953, p. 479) Em conseqüência do afirmado, firmo a conclusão de que a abrangência do art. 22, VI, da Constituição Federal há de atingir, tão-somente, os aspectos uniformes de operacionalização do sistema monetário e de medidas, títulos e garantias dos metais, pelo que a sua força normativa não pode ser estendida a fenômenos econômicos ou financeiros que se encontram abrigados em qualquer um dos princípios fundamentais adotados pela Carta Magna. Creio não ser possível, em face do disposto no artigo em questão, justificar a sua constitucionalidade sob o argumento de que, ao dispor sobre o bloqueio dos saldos de ativos financeiros, 362
se está tratando de elemento contido no sistema monetário. Assim penso, porque, conforme ensina Manoel Ferreira Filho, ao comentar, o artigo 8º, XVIII, j, da Constituição de 1967, emendada em 1969, por sistema monetário há de se entender a competência da União “para fixar o tipo da moeda, seus padrões, suas divisões, bem assim, legislar sobre sua circulação e conversibilidade”. Acrescenta, ainda: “Sendo essencial para a unidade nacional, a unidade monetária, é necessário que a União e só ela conte com o poder de legislar sobre o sistema monetário” (Comentários ... Saraiva, 1934, 5ª edição, pg. 90). Na mesma linha de compreensão está o pronunciamento de José Tadeu Chiara, conforme verbete “Sistema Monetário”, in Enciclopédia Saraiva de Direito, ao anotar que, por sistema monetário, deve se entender o conjunto de regras jurídicas que dispõem sobre emissão, criação e circulação da moeda, bem como dos mecanismos jurídico-econômicos que têm por objeto suas relações internas e externas. Pelo visto, no instante em que a Constituição atribui competência à União para legislar sobre sistema monetário, está lhe conferindo, de modo implícito e até explícito, atribuições para: a) criar e extinguir tal e qual moeda; b) atribuir-lhe ou retirar-lhe o curso forçado; c) fixar-lhe o respectivo padrão; d) estabelecer regras de conversão da moeda antiga para a nova, seja ao par, seja em outra proporção; e) dispor sobre o prazo e as condições gerais ou diversificadas para a conversão; e f) fixar normas concernentes à conversão para moeda de outros países. Não comporta, como demonstrado, no campo delimitado e caracterizador do que seja sistema monetário, a permissibilidade constitucional para que se imponha indisponibilidade de uso por tempo determinado ou indeterminado de ativos financeiros depositados em instituições bancárias. Ao se exceder o legislador, nesse ponto, não pode se pretender justificar a constitucionalidade do dispositivo sob a inspiração de que trata de matéria inserida no círculo da compreensão do que seja sistema monetário. 363
Se não se me apresentassem com essa distorção, com a devida vênia, os fundamentos da corrente que pretende defender o bloqueio da poupança de outros ativos financeiros com apoio na aplicação do art. 22, VI, da CF, penso que, mesmo que aceito fosse esse argumento, uma incongruência de característica formal torne sem validade e eficácia o art. 6º, e seu parágrafo único, da Lei nº 8.024, de 12.04.90, a parte em que estabelece o bloqueio, por não ter sido lançado no mundo jurídico através de Lei Complementar. Isso porque a União Federal está regulando finanças públicas, o que exige a combinação do art. 21, VI, com o art. 163, incisos I, II e III. Este de teor seguinte: Lei complementar disporá sobre: I - finanças públicas; II - dívida pública externa e interna, incluída a das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; III - concessão de garantias pelas entidades públicas;
No particular, invoco o ensinamento de Edvaldo Brito, in “Sistema Financeiro Nacional - “Aspectos Polêmicos na Nova Ordem Constitucional”, in “A Nova Ordem Constitucional”, pg. 287; O artigo 22 dispõe sobre matéria pertinente ao sistema financeiro nos seus incisos VI, VII, XIX e XXIII. A regra é a de que à União compete legislar, com exclusividade, sobre sistema monetário, política de crédito, sistema de poupança e seguridade social. Apenas esta última matéria dispensa o quorum do art. 69.
No esquema acima traçado, verifico, também, que a retenção, mesmo sem utilização dos ativos financeiros (poupança, CDB, RDB, open, fundos etc.) pelo Governo Federal, constitui assunto de dívida pública interna. Em decorrência, só por Lei Complementar, conforme o art. 163, II, da Constituição Federal de 1988, pode-se dispor a respeito. Pensamento diferente não tem Ives Grandra da Silva Martins: E a última inconstitucionalidade reside em ter o Poder Executivo tratado de dívida interna e dos títulos públicos por lei ordinária, quando a Constituição Federal exige lei complementar, como se pode ler em seu art. 163: Art. 163 - Lei Complementar disporá sobre: 364
(...) II - dívida pública externa e interna, incluídas as das autarquias, fundações e demais entidades controladas pelo Poder Público; (...) IV - emissão e resgate de títulos da dívida pública.
Não comungo, por outro ângulo, com a conclusão dos que afirmam que o bloqueio dos ativos financeiros encontra amparo no art. 5º, XXV, da Constituição Federal, que assim dispõe: No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano.
É o fenômeno denominado de requisição da propriedade particular pelo poder público e que só pode ocorrer quando, de fato, existir situação caracterizadora de iminente perigo público. Não obstante o Brasil, em março de 1989, apresentar-se sujeito aos efeitos de uma hiperinflação, não considero a possibilidade de se instalar tal estado de desequilíbrio financeiro e econômico como capaz de ser considerado como de iminente perigo público, em face de, em tese, haver possibilidade de controle por meio de medidas governamentais. Se as adotadas para esse fim não produziram eficácia, não há como, juridicamente, transformar-se a incapacidade de gerência da política monetária da Nação como causa fundamental de gerar o conceito de iminente perigo público. A estrutura conceitual de “iminente perigo público” nos leva a considerá-lo como sendo uma situação extraordinária e insuscetível de controle pelos meios de que dispõe o Estado. É um estado de desorganização dos fenômenos naturais, sociais ou políticos que ameaça provocar um grande mal para os variados estamentos da sociedade, capaz de provocar lesões ou morais às pessoas. São circunstâncias que prenunciam um grande mal para as pessoas, afetando-lhes o direito à vida, à saúde e à integridade física. A exemplificar, as catástrofes provocadas pelas inundações, guerras, epidemias, movimentos de guerrilha interna, etc. São, em suma, fatos que, pela sua própria natureza, provocam impactos que são de difícil ou quase impossível controle pela ação imediata do ser humano.
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A possibilidade de uma hiperinflação ser instalada em uma Nação, não obstante a sua gravidade, não recebe, segundo entendo, prestígio de ser considerado como iminente perigo público, à luz do disposto no art. 5º, inciso XXV, da Constituição Federal. A tradição jurídica constitucional sobre a entidade “iminente perigo público”, em nenhum momento construiu tal expansão, pelo que entendo não tê-lo feito o constituinte de 1988. Despiciendo se afirmar que a incapacidade do Estado de assegurar a estabilidade do padrão monetário não pode ser a causa fundamental de se considerar o caos financeiro, criado como uma situação de “perigo público iminente”, nos limites postos pela Carta Maior. Os mecanismos para estancar qualquer meteórica inflação, se bem administrados, são capazes de produzirem os efeitos necessários, sem que sejam distorcidos conceitos de entidades jurídicas constitucionais e sem ferimento aos direitos e garantias fundamentais do cidadão. Outro aspecto há de ser considerado relevante para que não se considere o bloqueio dos ativos financeiros aqui questionados como ato de requisição autorizado pelo art. 5º, XXV, da CF. Trata-se da não efetiva utilização da coisa apossada. Certo é que, conforme pensamento doutrinário, conforme, para existir a configuração constitucional da requisição civil, além da posse temporária do bem, há de se comprovar a sua necessária utilização, que só pode dar para atender a perigo público iminente, isto é, para que sirva como instrumento material capaz de fazer cessar ou diminuir as conseqüências provocadas pela situação extraordinária instalada e incontrolável pelo Poder Público. A respeito da não utilização dos cruzados novos bloqueados, considere-se o afirmado pelo Banco Central do Brasil, no instante em que apresentou resposta ao pleito em exame. Assim afirma: Mais se robustece essa evidência quando se sabe que os depósitos em causa não se tornarão disponíveis para a União e nem servirão como moeda de pagamento de quaisquer despesas do Estado.
Vê-se, conseqüentemente, que o próprio Banco Central afasta a possibilidade da utilização das quantias retidas.
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A corrente que entende ser empréstimo compulsório a manutenção dos cruzados novos em depósitos indisponíveis, afirma ser inconstitucional a legislação que o criou por ter vulnerado os cânones dos artigos 148 e 150, III, b, da Lei Maior. Permito-me, com a apresentação, da vênia merecida, discordar dos que assim pensam. A convivência íntima com os contornos dos artigos da Lei nº 8.024/90 não me anima a conceber a retenção dos cruzados novos como figura enquadrável no conceito de empréstimo compulsório. Este, na visão constitucional atual, apresenta-se caracterizado como sendo um imposto restituível, que se submete aos princípios da legalidade, da irretroatividade, da anterioridade e às normas gerais de direito tributário. Atuam, no mundo jurídico, sujeitos ao regime jurídico-tributário, pelo que foram desfeitas, com a posição da Nova Carta, todas as divergências existentes a respeito da sua disciplinação. Hoje, conforme assinalado por eminentes tributaristas, o empréstimo compulsório é pacificamente entendido como um tributo restituível e afetado a finalidades específicas. Em conseqüência, o veículo legislativo permitido para a sua exigência é a lei complementar, independentemente da modalidade com que ele se apresente. No tocante é anterioridade, duas situações devem ser observadas. Os empréstimos compulsórios que tiverem por finalidade ser recursos para investimentos relevantes, de interesse nacional, urgentes, só podem ser cobrados no ano seguinte àquele em que foi publicada a lei complementar (art. 148, II, CF/88); os que objetivarem recursos para atender às necessidades de guerra ou sua iminência, ou para servir de fundos para fazer face a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, impossíveis de serem atendidas com os recursos normais do tesouro, embora estejam submetidos ao princípio da legalidade (lei complementar), não necessitam obedecer ao princípio da anterioridade, pelo que podem ser cobrados no dia seguinte ao da instituição. Em face de tais características do empréstimo compulsório, não encontro condições de enquadrar o bloqueio dos ativos financeiros no seu campo conceitual. Não há, como visto, a menor conexão entre o dispositivo infraconstitucional que se questiona e os comandos da norma abstrata do artigo 148 da Lei Maior. Mais se robustece essa evidência, conforme assinala o Banco Central, 367
em sua defesa nos autos, quando se sabe que os depósitos em causa não se tornarão disponíveis para a União e nem servirão como moeda de pagamento de quaisquer despesas do Estado. Por tais fundamentos, afasto a pretensão de se considerar empréstimo compulsório a situação fática-legal examinada, pelo que não há de se falar em ofensa aos artigos 148 e 150, III, b, da Constituição Federal. Como desenvolvido nos itens antecedentes, não aceito o bloqueio dos ativos financeiros que se concretizou por força do art. 6º, § 1º, da Lei nº 8.024/90, em primeiro lugar, como elemento integrante do conceito de sistema monetário, em segundo lugar, mesmo se assim pudesse se conceituar, a forma de disciplinamento pretendida carecia de lei complementar; em terceiro lugar, não o visualiso como sendo requisição civil, a suportar autorização constitucional; e, em quarto lugar, não o discuto como tendo características de empréstimo compulsório. Resta, no elenco das correntes citadas, analisar se o art. 6º, e o seu parágrafo 1º, da Lei nº 8.024/90, feriram, diretamente, ato jurídico perfeito e o direito do uso da propriedade privada. A respeito, filio-me ao pensamento exposto por substanciosa corrente doutrinária que defende haver, na expressão coercitiva da legislação questionada, uma frontal rebeldia ao ordenamento constitucional, especialmente, no referente às regras jurídicas maiores que asseguram o direito de propriedade e a conseqüente prerrogativa de usá-lo para fins lícitos, bem como os que garantem a preservação dos atos jurídicos perfeitos. A sedimentação do meu entendimento, nesse rumo, decorre da dicção contida no artigo 5º, inciso XXII, da Constituição Federal que, de modo incisivo, assegura a todos os brasileiros, entre tantos outros direitos e garantias fundamentais, a inviolabilidade do direito à propriedade. O legislador constituinte, expressando enfaticamente a vontade da Nação, fez registrar no caput do art. 5º que “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...” Não satisfeito em ter alçado, de modo expresso, a garantia do direito à propriedade, no caput do art. 5º, fez repetir o mesmo 368
princípio no inciso XXII, afirmando, mais uma vez, que é garantido o direito de propriedade. Desnecessário lembrar aqui, por ser de conhecimento de todos os que militam com os fenômenos da ciência jurídica, que o conceito constitucional de propriedade é mais lato do que o emitido pelo direito privado. Isso porque, em face da evolução da presença do Estado na vida dos cidadãos, tornou-se necessário e fundamental que se impedisse que o Estado, por medida genérica ou abstrata, ou por atuação discricionária e sem justificativa legal, restringisse o particular de usar bens econômicos ou deles se apropriasse sem um devido processo legal. As exceções sofridas por esse direito e garantia fundamentais são as impostas pela própria Carta Magna e as decorrentes do exercício ordinário do poder de polícia. Há de se compreender, para bem se assimilar a extensão da garantia do direito de propriedade com de grau fundamental, que a nossa Carta Magna, conforme observe Celso Bastos (pg. 119, “Comentários à Constituição do Brasil”, 2º Volume - Saraiva), “malgrado algumas incursões estatizantes ou nacionalistas, ainda assim é um documento eminentemente consagrador do liberal capitalismo. No nosso sistema, a propriedade privada tanto colabora para a expansão da individualidade, quando incidente sobre meios de produção, quanto sobre bens de consumo, daí porque no nosso sistema constitucional a propriedade estar simultaneamente vinculada ao regime das liberdades pessoais que estatui, como também a própria ordem econômica”. Em conseqüência, conclui Celso Bastos, “Não pode a lei colocar fora do domínio apropriável pelos particulares certos tipos ou classes de bens, o que só é dado à Constituição fazer”. No círculo desse panorama jurídico-constitucional, que impõe ao Juiz o dever de obedecer aos segmentos que o formam, em face do compromisso assumido com a Nação de ser fiel à legalidade, não encontro guarida para imprimir validade e eficácia à parte final do artigo 6º e ao seu parágrafo primeiro, tudo da Lei nº 8.024, de 12.02.90, por vê-los na contramão do respeito ao princípio fundamental a que acabo de me reportar. Há, ainda, no curso do processo, outros posicionamentos jurídicos apresentados pelas partes, especialmente, pelo Banco Central. Creio, que o enfático reconhecimento da inconstituciona-
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lidade que registro, afasta, por ter-se tornado sem objeto, qualquer discussão em patamar diferente. Com essa conclusão, Sr. Presidente, acompanho o voto do eminente Relator, em toda a sua extensão. É como voto. VOTO O SENHOR JUIZ CASTRO MEIRA: Sr. Presidente e Srs. Juízes, ouvi os argumentos brilhantes que já foram expostos pelos eminente pares. Dispenso-me, portanto, de tecer maiores considerações já que também sou pela inconstitucionalidade dessa norma que está sendo colocada em votação. Protesto apenas para, oportunamente, juntar voto escrito ao acórdão que será proferido. VOTO O SENHOR JUIZ PETRUCIO FERREIRA: Sr. Presidente, como o Dr. Hugo Machado ressaltou no seu voto, constitui-se o art. 6º da Lei nº 8.024 numa ofensa indiscutível ao poder de propriedade. O Dr. José Delgado, por sua vez, fez ver que não se adequa àquele dispositivo a requisição ou a empréstimo compulsório, e nem ao próprio poder que o Estado tem em relação à legislação financeira. Na verdade, constitui-se tal dispositivo em uma intervenção inconstitucional ao direito de propriedade do indivíduo, razão porque acompanho todos os demais que me antecederam pela inconstitucionalidade do mesmo dispositivo. VOTO O SENHOR JUIZ ORLANDO REBOUÇAS: Sr. Presidente, depois de ouvir atentamente os votos dos ilustre Pares que me antecederam, cm mais atenção para o do eminente Relator e de S. Exa., o eminente Juiz José Delgado, que, a meu ver, exauriu a matéria, profiro meu voto para ressaltar que considero igualmente inconstitucionais os dispositivos da Medida Provisória nº 168, convertida na Lei nº 8.024, de 1990, que determinaram o
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bloqueio dos saldos de ativos financeiros depositados em nome de pessoas físicas e jurídicas de nosso País. No meu entender, essas medidas de bloqueio dos ativos financeiros caracterizam-se como um autêntico empréstimo compulsório na modalidade prevista no inciso II do art. 148 da Constituição Federal, mediante lei complementar, institui empréstimos compulsórios no caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional, observado o disposto no art. 150, III, b. Assim, este empréstimo compulsório para investimento público necessitaria de uma lei complementar para instituí-lo, e na qual também fosse observado o princípio constitucional da anterioridade tributária. Modalidade de empréstimo compulsório esta que, na ordem jurídica anterior à Constituição Federal de 1988, estava regulada no art. 15, III, do Código Tributário Nacional, que permitia a instituição de empréstimo compulsório em conjuntura que exigisse absorção temporária do poder aquisitivo. É evidente que as medidas adotadas pelo Governo que assumiu em 15.03.90 tiveram o intuito de retirar moeda de circulação como uma forma de combate à inflação: reduzindo-se a moeda disponível, acarretar-se-ia uma retração no consumo e, conseqüentemente, a diminuição da referida inflação. Ocorre que, na ordem jurídica anterior, este empréstimo compulsório poderia ser instituído a qualquer tempo através de legislação ordinária, sem a observância do princípio da anterioridade. E devemos lembrar que o anteprojeto da Constituição Federal, elaborado pela chamada Comissão dos Notáveis, tendo à frente o saudoso Senador Afonso Arinos, propunha uma forma de investimento compulsório, que seria exatamente a figura da tomada compulsória de recursos financeiros das pessoas físicas e jurídicas – dos contribuintes – para atender a conjuntura que exigisse absorção temporária do poder aquisitivo. Tal proposta não prosperou e, enfim, o que a Constituição Federal trouxe, em matéria de empréstimo compulsório, é o que está no art. 148 da Constituição Federal de 1988. Portanto, no meu entender, a medida também afrontou o art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal, segundo o qual a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Nesse caso, seria o ato jurídico perfeito.
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No meu entender, foi também afrontado o inciso LIV do mesmo art. 5º da Constituição Federal, segundo o qual ninguém será privado da liberdade e de seus bens sem o devido processo legal. A Medida Provisória nº 168, evidentemente, lançou mão de ativos financeiros, de dinheiro, de recursos, de poupanças de particulares, principalmente da classe média nacional, que ao longo de tantos anos objetivavam uma garantia para uma velhice tranquila. Enfim, sem qualquer processo, sem qualquer notificação, sem qualquer medida judicial ou extra-judicial, não foi assegurada, aos proprietários daqueles saldos, ampla defesa. Confiscaram, assim, recursos financeiros, afrontando claramente o inciso LIV do art. 5º da Constituição Federal. Por fim, no tocante à corrente que entende que teria havido nesta medida o amparo do mesmo art. 5º, XXV, da Constituição Federal, diz: “No caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano”. “Empréstimo compulsório para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou de sua iminência”. E: “No caso de investimento público de caráter urgente de relevante interesse nacional, observado o princípio da anterioridade”. Nesta segunda hipótese, está claramente travestido o bloqueio de recursos ativos financeiros pertencentes a pessoas jurídicas e privadas, instituído através de lei ordinária e sem a observância do princípio da anterioridade, consagrado na Constituição Federal para instituição da anterioridade, consagrado na Constituição Federal para instituição de tributos, o que torna este bloqueio de ativos financeiros evidentemente inconstitucional. Mesmo que acolhêssemos as correntes de estudiosos que entendem não se tratar de um empréstimo compulsório, igualmente esta medida afronta outras disposições da Constituição Federal, principalmente aquela que, com bem ressaltou o eminente Relator no seu voto, refere-se aos depósitos em caderneta de poupança, contas correntes, depósitos a prazo fixo e outras modalidades de investimento, contratados entre o depositante e a instituição bancária, gerou-se, então, o fato consumado e, portanto, um ato jurídico perfeito que teria que ser respeitado em todas as sua cláusulas,
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principalmente quanto à liberdade do depositante em movimentar as suas contas no momento em que bem lhe conviesse. Evidente que tal dispositivo garante à autoridade pública requisitar bens de propriedade particular, no caso de iminente perigo público, bens estes que serão devolvidos quando cessar o perigo e assegurada a indenização ao proprietário, se houver dano. O dispositivo constitucional deixa evidente que tal medida refere-se a bens imóveis ou bens móveis que não sejam dinheiro. É o que se deduz de acordo com o diploma legal anterior à atual Constituição Federal, mais precisamente o Decreto-Lei nº 3.365, de 1941, Lei das Desapropriações, em seu art. 36, que prevê a requisição ou a ocupação temporária de bens imóveis, nos casos que ali se especifica. Mesmo assim, admitindo-se que pudesse, na forma deste dispositivo, haver a requisição ou a ocupação temporária ou uso temporário de dinheiro – uso este que não seria o uso ativo, mas o uso para resguardá-lo da circulação, mesmo tratando-se de uma requisição – era preciso que estivesse caracterizado e decretado o estado de perigo público ou iminência de perigo público. Ora, o que é perigo público no âmbito nacional? Perigo público, no âmbito nacional, está especificado na Constituição Federal como a decretação do estado de sítio ou estado de defesa. Isto é, no caso de guerra, de iminência de guerra e de calamidade pública. Principalmente nestes casos em que deve haver a decretação prévia do perigo público ou da iminência deste para que possa haver requisição ou ocupação temporária de bens. No caso, não se manifesta este perigo público. É verdade que estávamos às portas de uma hiperinflação, mas não há notícia de que, se tal perigo tenha havido, tenha tido como conseqüências manifestações ou fatos que atentassem contra a integridade, contra a vida ou contra a saúde de nossa população. Portanto, não há que se cogitar de uma requisição para uso temporário de dinheiro, mas como um autêntico empréstimo compulsório. É o caso que se traduz à medida que estudamos a Lei nº 8.024, de 1990, cuja inconstitucionalidade reconheço nos termos do voto do Relator. 373
VOTO O SENHOR JUIZ CASTRO MEIRA: Discute-se a constitucionalidade do art. 6º, e seu § 1º, da Lei nº 8.024, de 12.04.90, que limitou a cinquenta mil cruzados novos a conversibilidade em cruzeiros dos saldos das cadernetas de poupança, determinando que as quantias excedentes serão convertidas, a partir de 16 de setembro de 1991, em doze parcelas mensais e sucessivas. A inconstitucionalidade dessa indisponibilidade já foi cumpridamente demonstrada nos votos que me precederam, especialmente no percuciente estudo sobre a matéria com que acaba de nos brindar o eminente Juiz JOSÉ DELGADO. Em resumo, demonstrou S.Exa. que a norma limitativa não se compatibiliza com o art. 22, VI, da Constituição Federal, eis que a competência da União para legislar sobre sistema monetário e de medidas, títulos e garantias de metais não comporta a permissibilidade para que imponha a indisponibilidade, ainda que por tempo determinado de ativos financeiros depositados em instituições bancárias. Mas, se fosse o caso, haveria o óbice do art. 163, II, da Constituição Federal, como já houvera demonstrado Ives Gandra da Silva Martins. Como relembrou o ilustre Relator, alguns juristas, como Mestre Calmon de Passos e nosso colega HUGO MACHADO, cogitaram em justificar a medida com supedâneo no art. 5º, XXV, da Constituição Federal. Este último, porém, como ouvimos todos, reformulou essa posição. Na verdade, o próprio legislador jamais acenou com a justificativa da existência de “iminente perigo público”. Além disso, bem assinalou o Juiz JOSÉ DELGADO que seria indispensável a prova de que os bens particulares teriam efetiva utilização pelo Poder Público. Na tentativa de delinear uma explicação jurídica para a nova figura, parece-me que efetivamente mais se aproxima do empréstimo compulsório. O Código Tributário Nacional permitia sua instituição no caso de conjuntura que exigisse a absorção temporária do poder aquisitivo (art. 15, III). No início da nova administração Federal, o País debatia-se com altíssimos índices inflacionários, o que levou 374
o Presidente da República a baixar a Medida Provisória que veio a ser convertida na Lei nº 8.024/90. Todavia é consabido, a nova Constituição não recepcionou aquela figura, sempre combativa na doutrina, pois previu a instituição de empréstimo compulsório apenas para os demais casos então referidos no art. 15 do CTN – despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência – criando ainda a hipótese do empréstimo compulsório para o caso de investimento público de caráter urgente e de interesse nacional. Em nenhum deles há sustentação para a indisponibilidade dos saldos de poupança. Além disso, haveria inatendido o requisito da exigência de lei complementar constante no art. 148. Desse modo, analisando a figura jurídica ora surgida, numa ótica negativa, constata-se que lhe falta embasamento constitucional, pois o legislador não tinha competência para impedir a utilização de bens depositados em cadernetas de poupança. Sob uma ótica positiva, é flagrante a violação ao direito de propriedade e ao ato jurídico perfeito. Celebrado o contrato com a instituição financeira, não pode a lei surpreender a todos, impedindo o depositante de poder livremente usar os recursos depositados. Na expressão do saudoso Aliomar Baleeiro, as garantias constitucionais representam verdadeiro escudo em defesa do cidadão. Essa garantia do direito individual tem sido um princípio do regime democrático, valendo lembrar que já na Magna Carta, assinada por João Sem Terra, em 1215, ficou escrito que nenhum homem livre seria privado de seus bens. Diante de um tema da ciência jurídica, situada entre as ciências sociais, devemos esforçar-nos para compreender o fenômeno, pois, como assinalava Dilthey, as ciências do espírito usam o método da compreensão, enquanto nas ciências da natureza aplica-se a explicação. Certamente, ao Congresso Nacional não passou desapercebida tão gritante eiva de inconstitucionalidade, sobretudo porque aquelas mesmas pessoas foram as mesmas que, menos de dois anos atrás, dotaram o País de uma nova Constituição, inspirada nos princípios de respeito aos direitos humanos e da garantia do direito à propriedade.
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Na raiz de tudo, para mim, está o excesso de poderes que se conferiu ao Presidente da República, através das Medidas Provisórias. Neste caso, viram-se os legisladores diante de um fato consumado, impedindo-se de, naquele momento, levá-los a uma rejeição do ato normativo. Não havia a menor dúvida, entretanto, da inconstitucionalidade. Visualizando o direito não apenas como mera norma, mas como a conduta humana compartida e referida pela norma (Cossio) ou na concepção tridimensionalista de Reale, como fato, valor e norma, fácil é compreender que a conduta governamental incidia em lamentável equívoco ao buscar a solução dos graves problemas nacionais em maltrato às regras básicas, inclusive o sempre proclamado respeito aos depósitos em cadernetas de poupança. Essa infidelidade a um compromisso, tido como sagrado, além de causar lesão às garantias constitucionais já enunciadas, constitui verdadeira infração à obrigação moral de elaboração de uma lei honesta, valendo, a propósito, estas palavras de Georges Ripert no prefácio do livro de Gaston Lerouge, “Theorie de La Fraude en Droit Fiscal”: Eu diria com plena convicção: é preciso que o legislador dê o bom exemplo. O desrespeito à regra jurídica é sem dúvida, uma falta moral, mas, para impor respeito, é preciso que o Estado soberano também respeite (em sua legislação) a moralidade.
Os fatos demonstraram, posteriormente, que além de todos esses aspectos, a norma impugnada representou uma verdadeira delegação legislativa às autoridades econômicas, passando a ter um efeito perverso, na medida em que os grandes especuladores financeiros que transferiram seus capitais para a caderneta de poupança, na busca de melhor remuneração, puderam obter a liberação sob pretextos os mais diversos, enquanto o poupador clássico ficou de fora dessas medidas tomadas conforme o juízo do Presidente do Banco Central, no arrepio da Constituição e das mais comezinhas regras de eqüidade. Reconheço a boa intenção do Governo Federal. Todavia, na busca da boa ordem para as finanças públicas – objetivo socialmente desejável –, é indispensável que se respeite o valor
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jurídico fundamental: a segurança. O cidadão precisa saber que ele pode contratar um depósito com instituição financeira certo de que amanhã poderá dispor dos recursos conforme planejara, deles fazendo, o uso que bem entender. Em termos axiológicos, é necessário que a busca da ordem não avilte a segurança. Ambos são valores jurídicos que devem conviver na realização de uma sociedade mais humana e efetivamente democrática. Com essas considerações, acompanho o Relator para reconhecer a inconstitucionalidade do art. 6º, parte final e seu parágrafo 1º, da Lei nº 8.024/90.
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ÍNDICE SISTEMÁTICO
JURISPRUDÊNCIA DO PLENO Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima Ação Rescisória n° 0811822-44.2018.4.05.0000-PB (PJe)....... 11 Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho Conflito de Competência n° 0804594-47.2018.4.05.8300-PE (PJe)....................................... 18 Desembargador Federal Vladimir Souza Carvalho Embargos de Declaração na Ação Rescisória n° 0805119-05.2015.4.05.0000-AL (PJe)....................................... 21 Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira Conflito de Competência Cível nº 0806403-09.2019.4.05.0000-PE (PJe)....................................... 24 Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior Desembargador Federal Paulo Cordeiro (Relator p/Acórdão) Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade Cível nº 0815379-05.2017.4.05.8300-PE (PJe)....................................... 30 Desembargador Federal Cid Marconi Ação Rescisória nº 0809035-76.2017.4.05.0000-RN (PJe)....... 40 Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior Ação Rescisória nº 7.612-PE..................................................... 54 Desembargador Federal Carlos Rebêlo Júnior Conflito de Competência Cível nº 0804777-52.2019.4.05.0000-CE (PJe)...................................... 71 Desembargador Federal Rubens Canuto Agravo Interno (Vice-Presidência) nº 4.822-SE......................... 77 Desembargador Federal Rubens Canuto Agravo Regimental Cível nº 0804265-69.2017.4.05.8300-PE (PJe)....................................... 89
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JURISPRUDÊNCIA DA PRIMEIRA TURMA Desembargador Federal Roberto Machado Apelação Cível nº 0804611-36.2016.4.05.8500-SE (PJe)....... 103 Desembargador Federal Alexandre Luna Freire Apelação Cível nº 581.210-PE ................................................ 111 Desembargador Federal Alexandre Luna Freire Apelação Cível nº 597.965-CE ................................................ 122 Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Habeas Corpus Criminal nº 0803854-26.2019.4.05.0000-RN (PJe).................................... 132 JURISPRUDÊNCIA DA SEGUNDA TURMA Desembargador Federal Paulo Roberto de Oliveira Lima Agravo de Execução Penal nº 0800737-47.2019.4.05.8400-RN (PJe).................................... 159 Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro Agravo de Instrumento nº 0815710-21.2018.4.05.0000-PE (PJe) .................................... 164 Desembargador Federal Paulo Machado Cordeiro Apelação Criminal n° 0015567-65.2016.4.05.8300-PE (PJe) .................................... 170 Desembargador Federal Leonardo Carvalho Apelação Cível nº 0802176-60.2014.4.05.8500-SE (PJe)....... 205 JURISPRUDÊNCIA DA TERCEIRA TURMA Desembargador Federal Rogério Fialho Moreira Apelação Criminal nº 0801265-18.2018.4.05.8400-RN (PJe).................................... 218 380
Desembargador Federal Fernando Braga Apelação Criminal nº 0806182-65.2018.4.05.8405-RN (PJe) ................................... 243 Desembargador Federal Cid Marconi Mandado de Segurança Criminal nº 0811943-72.2018.4.05.0000-RN (PJe)..................................... 258 JURISPRUDÊNCIA DA QUARTA TURMA Desembargador Federal Lázaro Guimarães Apelação / Remessa Necessária n° 35.249-PB....................... 274 Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt Agravo de Instrumento n° 0815936-26.2018.4.05.0000-PB (PJe) .................................... 279 Desembargador Federal Edilson Pereira Nobre Júnior Habeas Corpus nº 0800587-46.2019.4.05.0000-RN (PJe)...... 285 JURISPRUDÊNCIA DAS TURMAS AMPLIADAS Desembargador Federal Lázaro Guimarães Apelação / Remessa Necessária nº 0813230-02.2018.4.05.8300-PE (PJe)..................................... 300 Desembargador Federal Manoel de Oliveira Erhardt Apelação Cível nº 0801305-97.2018.4.05.8400-RN (PJe)........ 306 Desembargador Federal Fernando Braga Agravo de Instrumento nº 145.140-PE..................................... 313 Desembargador Federal Roberto Machado Apelação Cível nº 0802252-79.2017.4.05.8500-SE (PJe)....... 320 Desembargador Federal Élio Siqueira Filho Apelação Cível nº 0800643-40.2016.4.05.8001-AL (PJe)........ 329
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Desembargador Federal Leonardo Carvalho Apelação Cível nº 0800774-97.2016.4.05.8103-CE (PJe)....... 345 JULGAMENTO HISTÓRICO Desembargadora Federal Lázaro Guimarães Arguição de Inconstitucionalidade na Apelação no Mandado de Segurança nº 2.379-PE............................................................ 354
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ÍNDICE ANALÍTICO
A Crt e Cv
PrCv e Cv
Cv
Pen e PrPen
Ação civil pública. Dano ambiental. Poluição hídrica. Vazamento de 50 barris de fluído sintético de perfuração Br-Mul, na costa marítima do Estado de Sergipe. Área de proteção permanente. Laudo Técnico Ambiental nº 17/2011, da Marinha do Brasil. Dano ambiental moderado. Indenização. Valor a ser fixado na fase de liquidação por meio de arbitramento. AC 080217660.2014.4.05.8500-SE (PJe)......................205 Ação de cobrança. Seguro de vida. Suicídio nos dois primeiros anos de vigência do contrato. Art. 798 do CC. Critério objetivo. Premeditação. Indiferença. Danos morais. Improvimento. AC 080461136.2016.4.05.8500-SE (PJe)......................103 Ação reivindicatória. Bem de titularidade do município agravado. Invalidade da doação feita em favor da agravante. Doador que não era proprietário do bem ao tempo do negócio. Decisão de imissão provisória na posse mantida. Agravo interno prejudicado. Recurso improvido. AGTR 081593626.2018.4.05.0000-PB (PJe)......................279 Agravo interno. Decisão que negou seguimento a recurso extraordinário. Ausência de fundamentação. Ofensa à ampla defesa e ao art. 93, inc. IX, da CF/88. Decisão que aplicou as teses firmadas no ARE 748.371 e QO no AI 791.292/PE. Agravo interno improvido. AGIVP 4822-SE........................77
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B Prev
Benefício de prestação continuada. Lei nº 8.742/93. Preenchimento dos requisitos para restabelecimento do benefício. Casal de idoso. Vulnerabilidade socioeconômica. Mitigação do critério objetivo. APELREEX 35249-PB....................................................274 Fin e Trbt
Ct
Benefícios fiscais concedidos pela União. Possibilidade. Recurso extraordinário com Repercussão Geral nº 705.423. Aplicabilidade. Ausência de violação à norma jurídica. Inexistência de provas novas. Improcedência do pedido rescisório. AR 081182244.2018.4.05.0000-PB (PJe)......................11 Bloqueio de cruzados novos depositados em contas bancárias. Empréstimo compulsório sem definição em lei complementar. Violação do art. 148, CF. Propriedade dos valores depositados. Contratos de depósito bancário e de conta poupança. ARGINC na AMS 2379-PE.............................................354 C
Trbt e PrCv
Adm
Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica. Inaptidão empresarial. Registro ex officio dependente de intimação da interessada e da concessão de prazo para regularização. Providências não observadas. Imposição de multa em desfavor da Fazenda Pública. Descabimento. AGTR 081571021.2018.4.05.0000-PE (PJe)......................164 Concurso público. Legitimidade. Cláusula de barreira. Repercussão Geral. RE 635.739/ AL. Agravo interno improvido. AGREGCIV 0804265-69.2017.4.05.8300-PE (PJe).......89 385
PrCv
PrCv
PrPen
PrCv
Pen e PrPen
Conflito de competência. Execução fiscal. Lei n° 13.043/2014. Revogação do artigo 15, I, da Lei nº 5.010/66. Fim da delegação de competência à Justiça Estadual para processar e julgar as execuções fiscais contra devedores domiciliados em comarcas que não fossem sede de Vara Federal. Permanência na Justiça Estadual das execuções fiscais ali ajuizadas antes da vigência da Lei n° 13.043/2014. Caso concreto. Ação ajuizada originariamente na Justiça Federal. Competência do Juízo Federal. Ainda que a declinação seja anterior à vigência da Lei 13.043/14. Cc 0806403-09.2019.4.05.0000PE (PJe).....................................................24 Conflito negativo de competência entre Juízo Federal e Juizado Especial Federal. Anulação de ato administrativo de indeferimento de férias. Conflito conhecido. Competência da Vara Federal comum. CC 0804777-52.2019.4.05.0000-CE (PJe).......71 Conflito negativo de jurisdição suscitado pelo Juízo Federal da 13ª Vara da Seção Judiciária de Pernambuco, ante a remessa de ação criminal feita pelo Juízo Federal da 4ª Vara da mesma Seção Judiciária. CC 0804594-47.2018.4.05.8300-PE (PJe).......18 Conversão da ação de busca e apreensão em ação de depósito. Citação realizada. Revelia. Inexistência de nulidade. Concessão de gratuidade judiciária. Provimento parcial da apelação. AC 597965-CE......................122 Crime de falsidade ideológica. Cartolinas de tiro apontando como autores pessoas
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diversas do atirador. Quantidade de acertos apta à demonstração de capacidade de manipulação de arma de fogo. Requisito para a concessão do porte perante o DPF. Apresentação posterior dos documentos à Polícia Federal. Desnecessidade para a consumação do delito. Crime de natureza formal. Inexigibilidade de resultado material. Consumação. Apelante que ostentava qualidade de instrutor credenciado perante o DPF. Porte que seria requerido perante o DPF. Demonstração de mácula a serviço e interesses da União. Competência da Justiça Federal. Realização de perícia nas cartolinas. “Corpo de delito” destruído pelo próprio autor da falsidade. Impedimento de se valer da própria torpeza. Arrependimento eficaz. Impossibilidade de configuração em face da natureza formal do delito, que sequer exige resultado. Existência de quatro circunstâncias desfavoráveis ao apelante. Pena-base acima do mínimo legal. Dosimetria adequada. Recurso improvido. ACR 0015567-65.2016.4.05.8300-PE (PJe).......170
PrCv e Adm
Cumprimento de sentença. Remuneração/ correção de depósitos judiciais. Imputação de erro à Caixa quanto ao procedimento a eles relativo. Necessidade de ação própria. Decisão agravada mantida. AGTR 145140 PE...............................................................313 Adm
Cumulação de bolsas do capes e da FNDE. Ressarcimento do valor recebido. Impossibilidade. Boa-fé do estudante. Proteção da confiança e da segurança jurídica. AC 0802252-79.2017.4.05.8500-SE (PJe).......320
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D Adm
Prev
Dependente de militar. Exclusão do sistema de saúde 32 anos depois de seu ingresso. Irmã solteira aposentada por idade. Mudança na regulamentação militar. Segurança jurídica. Danos morais. Inocorrência. Apelação e recurso adesivo improvidos. AC 0801305-97.2018.4.05.8400-RN (PJe)......306 Devolução ao INSS de valores recebidos indevidamente. Segurada especial. Declaração do sindicato. Omissão da condição de empresária. Má-fé comprovada. AC 0800774-97.2016.4.05.8103-CE (PJe).......345 E
PrCv
Embargos declaratórios atacando o julgado de duas omissões, uma no que se relaciona ao conteúdo do julgado alojado no REsp 921.449-AL, quando o Superior Tribunal de Justiça considerou ser, para caso idêntico, a competência desta Corte; e, por não ter aplicado o art. 968, § 5º e § 6º, do Código de Processo Civil, daí buscar a embargante que seja determinada a emenda da inicial, com posterior remessa ao Tribunal Superior ou, ao menos, seja satisfeito o requisito do prequestionamento dos dispositivos legal acima elencados, indispensável à interposição regular dos recursos excepcionais. ED na AR 0805119-05.2015.4.05.0000-AL (PJe)...........................................................21 PrPen
Execução penal. Entrevista jornalística em penitenciária federal. Comprometimento da finalidade do sistema penitenciário federal.
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Ct e Adm
Não configuração. Divulgação de livro. Ressocialização do preso. Decisão de deferimento. Manutenção. AGEXP 080073747.2019.4.05.8400-RN (PJe)......................159 Exercício da advocacia. Servidor público do Ministério Público Estadual. Impedimento. Vedação prevista na Resolução 27/2008 do CNMP. Arguição de inconstitucionalidade. Rejeição. IAIC 0815379-05.2017.4.05.8300PE (PJe).....................................................30 F
PrCv, Ct, Adm Fornecimento de prótese pelo Estado. e San Legitimidade passiva ad causam. Análise segundo os parâmetros definidos pelo STF na STA nº 175/CE. Não demonstração da ineficiência da política pública existente. Provimento. AC 0800643 40.2016.4.05.8001-AL (PJe).......................329 I Ct e PrCv
Inexigibilidade de título. Não reconhecimento. Inconstitucionalidade inexistente. ADI 2.344. Inaplicabilidade. Mera suspensão de decisão. Preclusão. Afastamento. Erro de fato. Ocorrência. Procedência da rescisória. Procedência parcial da ação originária. AR 7612-PE......................................................54 M Trbt e PrCv
Mandado de segurança. Valores das reduções de multa e juros concedidos através do PERT não podem se considerados faturamento. Incabível o seu cômputo na
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base de cálculo do IRPJ, CSLL, PIS e COFINS. Manutenção da sentença. Apelação e remessa oficial improvidas. APELREEX 0813230-02.2018.4.05.8300-PE (PJe).......300
Pen e PrPen
Monitoramento, escuta e gravação ambiental de conversas dos presos e interlocutores (visitantes e advogados) no âmbito de penitenciária federal. Renovação de prazo. Agravo em execução penal interposto pela DPU. Violação a direitos e garantias fundamentais. Inocorrência. Direito do preso a entrevista pessoal e reservada com seu advogado. Prerrogativa da defensoria pública. Relativização em casos de desvirtuamento do exercício da advocacia para fins delituosos. Comunicação entre os detentos e advogados. Envio de mensagens ao ambiente externo destinadas a facções criminosas. Necessidade da medida. Segurança denegada. MS 0811943-72.2018.4.05.0000-RN (PJe)...........................................................258 O PrPen
Operação caviloso. Revogação da medida de sequestro. Transcurso de 5 meses sem o oferecimento de denúncia. Ofensa ao art. 2º, § 1º, do DL 3.240/41. Apelação provida. ACR 0806182-65.2018.4.05.8405-RN (PJe).......................................................... 243 P Pen e PrPen
Pleito de revogação de prisão preventiva do paciente, estabelecida para garantia da ordem pública. Ausência de comprovação do periculum libertatis. Desproporção da medida extrema. Paciente empresário do 390
ramo de comercialização de medicamentos e de material hospitalar, suposta e diretamente beneficiado por emenda parlamentar de coinvestigado. Indícios de reiteração delituosa não satisfatoriamente comprovados. Severa constrição patrimonial, determinada pelo juízo impetrante, nas empresas e contas individuais do paciente, como medida suficientemente bastante a sobrestar futuras participações do paciente e de suas empresas em contratos públicos. Concedida medida liminar de soltura. Impõe-se manter a revogação da segregação. Deferimento da ordem de habeas corpus. HC 080385426.2019.4.05.0000-RN (PJe)......................132 R
Cv
Responsabilidade civil. Indenização por danos morais. Valor. Razoabilidade. Sucumbência. Apelação. Provimento, em parte. AC 581210-PE..................................................111 Pen e PrPen
Roubo majorado. Concurso de pessoas, emprego de arma de fogo e restrição de liberdade. Corrupção de menor. Associação criminosa armada. Autoria e materialidade comprovadas. Dosimetria. Higidez. Circunstâncias judiciais. Análise. Redução da pena pela confissão. Pedido prejudicado. Atenuante já reconhecida na sentença em relação a todos os crimes. Impossibilidade de redução da pena aquém do mínimo. Óbice preconizado na Súmula 231/STJ. Sentença lastreada no conjunto harmônico de provas judiciais e extrajudiciais. Absolvição não recomendada. Sentença condenatória confirmada. Apelações improvidas. ACR 0801265-18.2018.4.05.8400-RN (PJe)......218 391
T Pen
Trancamento de ação penal. Habeas corpus. Ausência de justa causa para o prosseguimento da denúncia. Crimes de dispensa indevida de licitação. Advogado. Parecer. Concessão da ordem. HC 0800587-46. 2019.4.05.0000-RN (PJe)...........................285 V
PrCv
Violação manifesta de norma jurídica. Conceito de “serviços hospitalares” à luz das alterações promovidas pela Lei 11.727/2008. Redução das alíquotas de IRPJ e CSLL. Erro na aplicação de precedente vinculante. REsp 1.116.399/BA. Não constatação. AR 0809035-76.2017.4.05.0000-RN (PJe)......40
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