#44
MAIO 2020
NO VA CHA MA PELO PAÍS Anastácia: a fantástica vida da Rainha do Forró
MERCADO O futuro imediato - e nebuloso - do setor musical
E MAIS Sepultura, Letrux, BaianaSystem, Lô Borges, Duda Brack
Sentimento de coletividade ganha força, na epidemia e na denúncia dos contratos ‘buy-out’, que prejudicam criadores
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MAIS CUR TIDO NO INSTAGRAM “Eu tenho muito orgulho de me autodenominar compositora”, disse Day, uma das convidadas do bate-papo Por Elas Que Fazem A Música. ubc.vc/DAY
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1º
Decisões recentes do governo federal impactam produção artística em diferentes áreas, como cinema e música, e enfraquecem a indústria cultural.
A UBC e a SPAUTORES lançam a versão em português do curso online e gratuito da CISAC que explica quem ganha o quê — e por quê — nas indústrias culturais.
“Era uma coisa pra menino. Hoje em dia não é mais assim”, disse Paula Toller sobre participar de bandas de rock. A entrevista foi durante o Por Elas Que Fazem A Música.
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01/04/2020 Coronavírus: Senado inclui artistas no benefício de R$ 600 mensais ubc.vc/SenadoCovid19
2° 03/04/2020 Coronavírus: #juntospelamúsica, da UBC, reúne ações de ajuda a artistas ubc.vc/JuntosPelaMusica
3° 30/03/2020 Coronavírus: como monetizar sua ‘live’ musical ubc.vc/CoronaMonetizacao
#44
MAIO 2020
RE VIS TA
A REVISTA UBC É UMA PUBLICAÇÃO DA UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES, UMA SOCIEDADE SEM FINS LUCRATIVOS QUE TEM COMO OBJETIVOS A DEFESA E A DISTRIBUIÇÃO DOS RENDIMENTOS DE DIREITOS AUTORAIS E O DESENVOLVIMENTO CULTURAL.
Diretor executivo Marcelo Castello Branco Coordenação editorial Elisa Eisenlohr Projeto gráfico e diagramação Crama design estratégico Editor Alessandro Soler (MTB 26293) Textos Alessandro Soler (Madri), Alexandre Matias (São Paulo), Andrea Menezes (Brasília), Christina Fuscaldo (Rio de Janeiro), Gilberto Porcidonio (Rio de Janeiro), Kamille Viola (Rio de Janeiro), Lúcia Mota (San Francisco, EUA), Ricardo Silva (São Paulo) Fotos Imagens cedidas pelos artistas. Créditos nas respectivas páginas, ao longo da edição. Tiragem 5.000 exemplares/Distribuicão gratuita Rua do Rosário, 1/13º andar, Centro Rio de Janeiro - RJ, CEP: 20041-003 Tel.: (21) 2223-3233 atendimento@ubc.org.br
por_ Paulo Sérgio Valle
Fui piloto de aviões durante algum tempo da minha vida. E aprendi que, em meio a turbulências, mau tempo, névoa, uma coisa que não se pode perder é a orientação, ainda que se tenha que mudar, temporariamente, o rumo.
EDITORIAL
Diretoria Paulo Sérgio Valle (Presidente) Antonio Cicero Erasmo Carlos Geraldo Vianna Manno Goes Marcelo Falcão Paula Lima
Faço essa analogia com a situação que estamos vivendo, atualmente, em nossa atividade musical. Primeiro, o vírus assustador; em seguida, a paralisação de tudo que com ela se conecta. Mas não podemos perder o rumo. A UBC sabe disso, e não poderia deixar seus artistas à deriva. Não deixou nem deixará. Temos limites, é claro, qualquer ajuda exige grandes esforços e senso de responsabilidade. E é assim que temos agido. Constituímos um fundo para apoiar nossos artistas que, devido ao isolamento, estão sem poder trabalhar. Esse fundo ganhou a preciosa parceria do Spotify e, sob o titulo de Juntos pela Música, vai auxiliar, em muito, nossos colegas mais carentes. Na contracapa desta revista, saiba mais sobre a iniciativa. Há que se destacar também que o Ecad e as associações que o compõem — UBC, Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Ficam e Socimpro — farão um adiantamento aos titulares nacionais mais necessitados. E não podemos esquecer que nossos funcionários, ainda que trabalhando em casa com todas as dificuldades que isso acarreta, mantêm sua competência e sua dedicação. Merecem todo o nosso respeito. Agora, temos nova diretoria, que assume em meio a essas turbulências, mas há de manter o bom rumo, como o fez a que se despede.
NOVIDADES NACIONAIS
PELO PAÍS: Anastácia
20 30 32
26
36 DÚVIDA DO ASSOCIADO
Vídeo sob demanda
ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO:
29
MERCADO: O mundo musical pós-epidemia
26
NOTÍCIAS INTERNACIONAIS
20
FIQUE DE OLHO
16
CARREIRA: Engajamento sentimental
12
CAPA: Contratos ‘buy-out’
6
PELO PAÍS: Sepultura
5
JOGO RÁPIDO: Russo Passapusso
ÍN DI CE 12 16
1 40
38
32
JOGO RÁPIDO
REVISTA UBC
5
RUSSO PASSAPUSSO Vocalista e líder do BaianaSystem comenta projeto em parceria com Buguinha Dub, consequência do confinamento após os shows mais massivos da história da banda por_ Alessandro Soler
de_ Madri
O BaianaSystem é, talvez, a banda mais associada às multidões no atual panorama da música brasileira. Seus shows são celebrações do encontro, do toque, têm pegada algo mística, quase religiosa. Sair da catarse do último carnaval soteropolitano, com algumas das apresentações mais multitudinárias da história da banda, e trancar-se em casa gerou um impacto gigantesco em seus membros. Nesta entrevista por telefone, Russo Passapusso comenta o produto disso: a versão de “O Futuro Não Demora” (2019) para o dub, em parceria com Buguinha Dub, num processo todo online. Por que o dub agora? Quando a gente é colocado dentro de um vácuo, quando mergulha fundo na água, o ouvido faz puffff. Isso, para mim, é dub. A gente foi colocado no vazio dos quartos, das casas. O (baixista da banda, Marcelo) Seko mora aqui ao lado, mas não posso vê-lo (a entrevista foi feita no início de abril, durante o confinamento). Pusemos em prática a ideia que já tínhamos de nos aproximarmos do dub. Procuramos o Buguinha, que tem um estúdio incrível no Recife, e começamos a mandar as músicas para ele. Gravamos algumas inserções, mas o repertório desse projeto é todo do disco de 2019. Que futuro vê depois dessa epidemia? A humanidade tem pensamentos, sentimentos e atitudes maravilhosas em situações de caos. “O fogo que queima em você também queima comigo”. Vejo uma tomada de consciência sobre várias coisas, as pessoas voltando para o encontro físico com outra cabeça, outra atitude. Vai depender muito mesmo de onde a gente vai colocar os pensamentos que estão surgindo. OUÇA MAIS A entrevista completa com Russo Passapusso ubc.vc/Russo
NOVIDADES NACIONAIS 6
por_ Kamille Viola
do_ Rio
LÔ BORGES E MAKELY KA,
ANCESTRALIDADE, CALMA E CORAGEM Depois do fim da banda Ventre, a vocalista criou o projeto ÀIYÉ, com o qual lança o disco “Gratitrevas”. No trabalho, ela passa por temas como espiritualidade, rituais, ritmos de resistência, saudade da avó, David Lynch e confissões, usando colagens de tambores, texturas e vivências. Com oito faixas assinadas pela artista (sendo “O Mito e a Caverna” parceria com Vitor Brauer), o disco foi feito entre Rio, São Paulo, Lisboa e Paris e produzido pela própria Larrisa e por Diogo Poloni. Coincidência ou não, o trabalho foi lançado em meio à epidemia mundial de coronavírus, que exigiu que pessoas de cidades inteiras pelo país (e pelo mundo) tivessem que ficar em isolamento em suas casas. “‘Gratitrevas’ é sobre resiliência. Sobre voltar-se para si em tempos difíceis. Evoca nossa ancestralidade, pede calma e coragem para a luta diária. Estamos mais ‘juntes’ do que nunca, afinal”, ela comenta. OUÇA MAIS As oito faixas do álbum ubc.vc/Grati
O cantor e compositor mineiro Lô Borges lançou “Dínamo”, álbum que é todo em parceria com o piauiense radicado em Belo Horizonte Makely Ka, que fez as letras. O processo de composição começou de uma forma nova para Lô: pelo celular. “Eu estava fazendo o show de estreia do ‘Rio da Lua’, aqui em Belo Horizonte, quando recebi, via WhatsApp, a primeira letra do Makely Ka. Falei com ele que tinha gostado da composição, que faria a música, e o processo começou assim”, contou ele no texto de divulgação do álbum. “Acho que o dínamo dá a ideia de retroalimentação, de energia eletromecânica gerando luz, de um ajudando o outro. Precisamos disso neste momento, talvez mais do que nunca”, analisa Makely à Revista UBC. “É curioso como esse disco foi premonitório em vários sentidos. Fala de autoisolamento em ‘Refúgio’, fala de superação da depressão em ‘Altajuda’, fala da necessidade de praticar a solidariedade e o companheirismo na própria canção-título”, pontua.
OUÇA MAIS As 10 faixas de “Dínamo” ubc.vc/LoMakely
foto_ João Diniz
LARISSA CONFORTO:
foto_ Rodrigo Tinoco
JUNTOS E À DISTÂNCIA
REVISTA UBC
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LAÇOS ESTREITOS: foto_ Julia Rodrigues
JOSYARA E GIOVANI CIDREIRA
OUÇA MAIS O disco na íntegra ubc.vc/Josyovani
TODOS OS LADOS DE
GIULIA BE Sucesso na internet — o clipe de “Menina Solta”, sozinho, tem mais de 88 milhões de visualizações no YouTube —, a cantora e compositora Giulia Be se prepara para lançar o primeiro EP, previsto para sair ainda este semestre, e soltou o terceiro single e clipe do trabalho, “Se Essa Vida Fosse Um Filme”. “Encarei esse EP como uma oportunidade para destacar meus diferentes lados enquanto compositora, então cada música tem um sabor diferente, ainda que de uma maneira coesa”, contou. Ela define seu processo de composição como aleatório. “Poderia idealizar um mundo onde, a partir do momento em que entro no estúdio, escrevo apenas hits, mas a realidade é que as melhores canções tendem a aparecer em momentos inconvenientes, e em lugares bem longe de qualquer microfone. Compor, para mim é acordar de um sonho com uma melodia e, imediatamente, pegar o celular para gravar antes que esqueça”, descreve.
Terceiro lançamento do projeto Joia ao Vivo, “Estreite” reúne duas potências da atual cena musical baiana: Josyara e Giovani Cidreira. O álbum foi registrado no Labsonica, espaço de experimentação sonora do Oi Futuro, e traz três composições dela e cinco dele, interpretadas pelos dois. Produzido por Junix 11, mistura elementos eletrônicos e experimentais, ritmos percussivos, guitarra e o marcante violão de Josyara, canções intimistas e explosivas.“Estar com Giovani sempre desperta a sensibilidade. Tenho dificuldade de chorar, mas, quando estou ouvindo sua voz, sua música me faz chover. E foi assim no decorrer da gravação”, ela disse à Revista. “Foi impressionante como, em pouco tempo, conseguimos construir algo tão forte. Acho que tem a ver com a intimidade musical que eu e Josy construímos”, completou Giovani.
VEJA MAIS O clipe de “Menina Solta” ubc.vc/menina
NOVIDADES NACIONAIS 8
foto_ Roberto Setton
JEZA DA PEDRA,
MAIS ACELERADO O rapper carioca Jeza da Pedra soltou o clipe de “FDC (Fortalece dos Contatinho)”. Produzida por Akadindo, a faixa é a segunda do álbum solo que o artista lança no segundo semestre deste ano, “Átomo de Verão”. “É uma mistura de funk 170BPM, ainda mais acelerado que o 150, com releitura de drum’n’bass”, conceitua. “É sobre essa coisa de as pessoas manterem os ‘contatinhos’ da internet para poder acionar em uma situação de carência”, diverte-se. O vídeo é uma animação, assinada por Byula, inspirada na estética japonesa lo-fi, atualizada para o contexto brasileiro. Paralelamente, segue o projeto Jeza Kassin, ao lado do produtor Kassin, que já lançou seis músicas. “Já temos mais seis prontas, e muita coisa ainda em processo”, adianta.
foto_Bia Varella
VEJA MAIS O clipe de “FDC” ubc.vc/FDC
SAMANTHA MAININE:
Formada em Composição e Regência pela Universidade Estadual Paulista (Unesp), e com passagens por corais e pela sonoridade erudita, Samantha Mainine passeia por rock, MPB e samba no EP “Pela Paz”. De autoria própria, a faixa “Sigo em Paz” fala sobre uma ruptura de amizade, mas também cabe para um relacionamento amoroso. As outras são “Viva” (de Kledir Ramil), “Pela Paz” (Paulo Miklos, Sérgio Britto, Branco Mello, Charles Gavin e Nando Reis, do repertório dos Titãs), “Ela Desatinou” (Chico Buarque) e a única parceria de Caetano Veloso e Maria Bethania, “Trampolim”. “A interpretação, na minha opinião, é também um processo composicional, onde eu preciso ler e reler uma obra já existente, conhecida do público ou não, e contar aquela história da minha forma”, ela descreve.
COMPOR, INTERPRETAR, RECOMPOR
OUÇA MAIS As cinco faixas de “Pela Paz” ubc.vc/paz
REVISTA UBC
foto_Zi Fernandes
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CÍCERO EXPANDE
SEU UNIVERSO
foto_José de Holanda
VEJA MAIS O clipe da faixa “Falso Azul” ubc.vc/FalsoAzul
O cantor e compositor carioca Cícero chega ao seu quinto álbum, “Cosmo”. Composto, arranjado e produzido por ele, foi gravado entre Brasil e Portugal, em estúdios e com diversos músicos dos dois países. O trabalho foi permeado por reflexões sobre a existência e o universo. “É um trabalho bastante contemplativo. A maior parte foi feita em Portugal, e o dia a dia de lá influenciou muito a maneira como encaro a vida hoje, com mais calma. Convidei muitos músicos portugueses e tive que me adequar ao modo como eles trabalham, mais técnico e matemático, o que acabou enriquecendo o disco”, disse ele ao jornal “Estado de Minas”. O álbum saiu em meio à pandemia de coronavírus, e o artista teve que cancelar dez shows: “Se, no primeiro (disco), estava tratando de questões minuciosas, do apartamento, da vida a dois, agora parto para a expansão máxima desse universo, abordando assuntos sobre o planeta. Acredito que um disco carrega uma força premonitória. Quando iria imaginar que ele sairia justamente no meio de uma crise mundial?”
TIGANÁ SANTANA,
Celebrando dez anos de seu primeiro álbum, o cantor, compositor e instrumentista Tiganá Santana lança dois discos em 2020. O primeiro é “Vida-Código”, quarto trabalho de sua carreira, que sai pelo selo sueco Ajabu!, com distribuição da Tratore no Brasil. São nove canções, quase todas compostas por ele, sendo uma em parceria com Alzira E (“Palavra de Honra”) e duas com Leonardo Mendes (“Flor Destinada” e a faixa-título). “Escolhi esse nome para o álbum porque me parece que estamos, necessariamente, nesse lugar de lidar com as cifras que a vida, maior das forças geratrizes, coloca diante das nossas experiências. É a assunção de que existir é, fundamentalmente, misterioso”, diz. O outro álbum é “Milagres”. Feito a pedido do selo alemão Martin Hossbach, é uma releitura de “Milagre dos Peixes”, de Milton Nascimento, censurado em 1973: “É uma tentativa de diálogo e tributo à grandeza e à importância de Milton para um Brasil e um mundo que se elevam com a existência de poéticas como a dele.”
DOIS DISCOS EM 2020
VEJA MAIS O clipe da canção “Vida Código” ubc.vc/VC
NOVIDADES NACIONAIS 10
HOMENAGEM DE
PABLLO VITTAR:
Gravado em agosto de 2019, no Auditório Araujo Viana, “Diogo Nogueira Ao Vivo em Porto Alegre” traz o artista cantando sucessos de nomes como Martinho da Vila, Zeca Pagodinho, Jorge Aragão, Clara Nunes e Gonzaguinha, entre outros, além de “Tá Faltando o Quê?” (de Xande de Pilares, Marcelo Batista e Diney). “Esse show foi gravado com casa lotada, todo mundo cantando junto, e foi uma noite histórica para mim. Desde o início da minha carreira, o público gaúcho me prestigia, e essa foi a minha forma de retribuir o carinho. Quis fazer uma homenagem a essa terra que me acolheu tão bem, quando lá morei. Lembro com carinho dessa época em que joguei (no Cruzeiro do RS), de toda a minha luta para me tornar jogador, minha mudança de cidade, do dia a dia puxado. Mas também trago a lembrança da lesão do joelho que me tirou dos gramados e me colocou nos palcos”, lembra Diogo à Revista.
Pabllo Vittar já havia soltado a primeira parte do álbum “111” em 31 de outubro de 2019, em comemoração a seu aniversário, 11 de novembro. As faixas que permaneciam inéditas ainda não tinham data de divulgação definida, mas vazaram na internet, e o lançamento acabou antecipado para março passado. “Tímida”, em parceria com Thalía, “Clima Quente”, com Jerry Smith, “Lovezinho”, com Ivete Sangalo, “Rajadão” e “Salvaje” somaram-se às quatro músicas que a cantora já havia divulgado anteriormente (“Amor de Que”, “Parabéns”, “Ponte Perra” e “Flash Pose”, com Charli XCX). As composições ficaram, mais uma vez, a cargo do Brabo Music Team. “Já passei por tantas coisas, não vai ser um vazamento que vai me abalar”, escreveu ela no Twitter. “Eu só quero dizer obrigada a todos os vittarlovers que me mandaram mensagem de carinho ontem e hoje! Não era assim que tínhamos planejado, mas vamos curtir muito e tacar stream”, brincou.
LANÇAMENTO ANTECIPADO
OUÇA MAIS OO álbum na íntegra ubc.vc/Diogo
foto_ Jernna Cost
foto_ Marjory Correa
DIOGO NOGUEIRA A PORTO ALEGRE
VEJA MAIS O clipe de “Tímida”, com Thalía ubc.vc/Timida
REVISTA UBC
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ZEEBA,
ERÓTICA.
Conhecido por cantar megahits da música eletrônica, como “Hear me Now” e “Never Let me Go”, Zeeba investe em um som mais acústico em seu primeiro álbum, “Reset”. Nascido em San Diego, na Califórnia, ele veio com os pais brasileiros ao país e voltou aos Estados Unidos para estudar música. Rafael Baptista (que toca violão no disco), Pedro Montagnana (piano) e Thomaz Ayres (percussão) produziram o trabalho, com arranjos de Hermes Reis (violão). O disco tem nove faixas, uma delas a primeira composição de Zeeba em português, “Tudo Que Importa”. “Foi diferente, claro, do que eu faço em inglês. Para as músicas em inglês, eu já tenho uma praticidade, em português eu fui um pouco mais criterioso”, disse. “As minhas músicas sempre têm mensagens reflexivas, sobre aonde você quer chegar e como tudo fica mais legal e mais bonito quando se tem alguém ao lado.”
Enquanto prepara seu segundo álbum, previsto para este ano, a cantora Duda Brack soltou a primeira amostra do trabalho: o single e clipe “Pedalada”, parceria dela com Chico Chico. A sensualidade dá a tônica do vídeo. “A carga erótica é algo que permeia o meu trabalho. Falo despudoradamente sobre isso, mesmo que eu não mencione diretamente numa letra. Acho que sempre vai estar em mim, na forma como eu canto, enxergo o mundo”, analisa. Produzido pela própria Duda Brack e pelo guitarrista Gabriel Ventura, o disco terá as participações de Ney Matogrosso, Lúcio Maia (guitarrista da Nação Zumbi) e o grupo Os Capoeira. “Digamos que vai ser um pop experimental. Sigo eu, aqui, tentando achar o meu jeito de fazer o meu som, sem querer me apoiar em nada que já é tangenciado, em nenhum estilo, em nenhum estereótipo musical: tem folk, pagodão baiano com jongo de ouro, funk com trap…”
AGORA EM PORTUGUÊS
DUDA
VEJA MAIS O clipe de “Pedalada” ubc.vc/DBrack
foto_ Icaro Bravo
OUÇA MAIS O álbum na íntegra ubc.vc/Zeeba
BACO:
Em meio à pandemia, Baco Exu do Blues lançou “Não Tem Bacanal na Quarentena”. A ideia era fazer agora o disco “Bacanal”, que encerraria a trilogia que começou com “Esú” e conta ainda com “Bluesman”. Mas, no meio do caminho, tinha o isolamento por conta da Covid-19, e tudo mudou. “Não foi bem uma decisão, foi mais uma necessidade de trabalhar durante a quarentena”, afirmou ao jornal “O Globo”. Músicas como “Amo Cardi B e Odeio Bozo”, “Preso Em Casa Cheio de Tesão” (com Lellê) e “O Sol Mais Quente” (com Aisha) fazem referência ao período da epidemia.
PARA NÃO FICAR PARADO
LEIA MAIS As nove faixas do novo trabalho de Baco ubc.vc/Baco
PELO PAÍS 12
REVISTA UBC
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Rainha do Forró, parceira de Dominguinhos em “Eu Só Quero um Xodó” e “Tenho Sede”, ela agora brilha em colaborações com Zeca Baleiro e Mariana Aydar por_ Christina Fuscaldo do_ Rio fotos_ de Manoel Araújo/Man Produções
O forró e suas vertentes foram apresentados aos brasileiros na década de 1940 por Luiz Gonzaga, um pernambucano que se vestia de cangaceiro para chamar a atenção para a realidade do sertão de onde havia saído. Duas décadas depois, o mesmo fez uma pernambucana quase 30 anos mais jovem chamada Lucinete Ferreira, que saiu de Recife e construiu sua carreira em São Paulo, onde virou Anastácia. Como para as outras mulheres do seu tempo (e dos seguintes), o caminho dela seria bem mais árduo. Anastácia ganhou o título de Rainha do Forró, compôs mais de 800 canções, sendo quase 300 em parceria com Dominguinhos, amor de sua vida, mas por, muitos anos, viu os créditos de “Eu Só Quero Um Xodó”, “Tenho Sede” e outros clássicos serem atribuídos só a ele. Prestes a completar 80 anos, no próximo dia 30 de maio, esta grande artista que não para de compor celebra o redescobrimento de seu talento por músicos mais jovens, entre eles Zeca Baleiro, produtor do álbum “Anastácia Com Vida”, que ela lança ainda este ano.
ANASTÁCIA, ALTO-ASTRAL E TALENTO AOS 80
PELO PAÍS 14
“Estou gravando este disco e, depois, quero produzir outro. Vou fazer o que puder para tirar o que tenho da gaveta. Tenho muitas composições inéditas, porque componho todos os dias. Compus uma música com Baleiro, ‘O Sertão Está Chorando Com Saudade de Você’, que gravei com Amelinha. Fiz uma letra em cima de uma melodia de Dominguinhos, ‘Venceu a Solidão’, que ele faleceu sem conhecer, e chamei Mariana Aydar para cantar comigo”, conta. Ela esbanja alto-astral. Mas sua vida não foi tão fácil quanto seu sorriso. Lucinete teve o nome alterado para Anastácia por seu empresário e pelo diretor artístico da gravadora na época do lançamento de seu primeiro álbum, em 1965, e ela só descobriu quando viu a capa do disco. Ao longo dos anos seguintes, para conseguir gravar suas próprias composições, precisou enfrentar seu primeiro companheiro. “Um dia fiz um samba e mostrei para Venâncio (que, além de pai de duas filhas dela, também foi compositor e empresário). Antes de jogar na lixeira, ele disse: ‘Presta não, minha fia!’ Catei o papel, quieta, e, um dia, mostrei ao sambista Noite Ilustrada. Ele, então, gravou ‘Conselho de Amigo’ em seu álbum. Foi a primeira vez que ganhei grana com uma composição. Venâncio só foi saber depois, quando pegou o disco e viu meu nome nos créditos.” Depois desse episódio, Anastácia teve composições registradas por Waldick Soriano, Claudia Barroso, Gal Costa, Gilberto Gil, Marinês, Nana Caymmi e, entre outros, Luiz Gonzaga, que a apadrinhou.
Já separada de Venâncio, conheceu Dominguinhos. Acabou impulsionando a carreira do acordeonista, incentivando-o a cantar e compor. Por 12 anos, eles viveram uma paixão tórrida, compuseram juntos e atuaram como dupla nos palcos. No fim dos anos 1970, ele arrumou outra namorada, seguiu seu rumo, e Anastácia se viu sozinha, de cabeça baixa, tentando se recuperar para recomeçar:
“Quem sabe daqui a cem anos minha história se eterniza?! Já escrevi um livro com a historiadora Lêda Dias (‘Eu sou Anastácia: histórias de uma rainha’, 2011). Depois que o disco sair, vou correr atrás para gravar um DVD. E também quero minha história nesse filme aí”, diz ela, que é a personagem principal de um roteiro de ficção desenvolvido pela autora desta reportagem.
“Ele foi o amor da minha vida. E uma doença. Ficamos 20 anos sem nos falarmos. Ele dava entrevistas e não falava no meu nome, nem para dizer que eu era parceira nos sucessos. Isso foi o que me deixou mais mordida. Mas, aos poucos, fui superando e voltando à batalha.” Batalha esta que, na medida do possível — num mercado em que, ainda hoje, as mulheres cantoras e compositoras arrecadam apenas 7% do montante de direitos autorais recolhidos no país, segundo dados do Ecad —, ela venceu. Anastácia já lançou 35 discos. Em 2017, teve seu “Daquele Jeito” indicado ao Grammy Latino. De cabeça erguida, não desistiu de alcançar Chiquinha Gonzaga (e ultrapassar muitos homens) em número de composições e de continuar nos palcos e estúdios destilando suas mensagens de amor, amizade, fé e esperança. Porque é disso que seu forró fala.
OUÇA MAIS “Desilusão”, com Anastácia e Mariana Aydar, e “Doce Cachaça”, dela e de Zeca Baleiro ubc.vc/Desilusão
REVISTA UBC
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TENHO MUITAS COMPOSIÇÕES INÉDITAS, PORQUE COMPONHO TODOS OS DIAS.”
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A banda mais conhecida do Brasil no exterior lança seu 15º álbum, “Quadra”, com o mesmo frescor do início e, ao mesmo tempo, a evidente maturidade de 35 anos de estrada por_ Gilberto Porcidonio
do_Rio
fotos_ Marcos Hermes
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Em uma entrevista ao canal do amigo João Gordo, o baixista Paulo Xisto, o integrante mais antigo em atividade no Sepultura, disse que a gravação de “Quadra”, o 15º álbum da banda de origem mineira que se tornou o “Pelé do heavy metal”, foi a mais difícil que ele já fez na vida. Mas completou: foi “um sofrimento bom”. Se a arte requer sacrifício, o quarteto formado por Paulo, pelo guitarrista Andreas Kisser, pelo vocalista Derrick Green e pelo baterista Eloy Casagrande é craque em não transparecer sofrimento. Prova disso é o prazer com que falam da nova cria. Com um conceito brilhantemente amarrado e diversos elementos que vão até o limite do repertório do metal, “Quadra” coleciona elogios, inclusive, pela forma em que o quarteto manteve o seu frescor através dos anos sem ficar ancorado ao passado — transmitindo maturidade ao mesmo tempo. Mas será que, para uma banda veterana de 35 anos de estrada, fica mais fácil ou mais difícil explorar repertório e mergulhar no próprio processo criativo? “Eu acho que não tem uma relação com ser mais fácil ou difícil, mas a gente está cada vez mais experiente, preparado, e está também no melhor momento como músicos. Todo dia a gente acorda para fazer o Sepultura. Esse é o nosso principal objetivo, e viver sempre no presente, sem ficar ansioso com o futuro nem preso no passado, diz Andreas Kisser. “Sempre respeitamos muito os elementos que
De mudanças o Sepultura entende. A banda começou em 1984, com os irmãos Igor e Max Cavalera, Paulo Xisto e, como vocalista, Wagner Lamounier. Um ano depois, Wagner saiu, e entrou o guitarrista Jairo Guedez (Jairo T.), que só ficou por um ano, substituído por Andreas Kisser. Assim, a formação que ajudou a moldar o heavy metal mundial por praticamente uma geração — com Max, desta vez, nos vocais — e elementos brasileiros nas composições durou até 1997. Naquele ano, Max saiu de forma conturbada, e o posto da voz gutural foi ocupado pelo americano Derrick Green, que ali permanece até hoje. Em 2006 foi a vez de Igor sair, dando lugar ao baterista Jean Dolabella. Em 2011, Eloy Casagrande passou a ocupar as baquetas. “The Mediator Between Head and Hands Must be The Heart”, de 2013; “Machine Messiah”, de 2017, e o atual, “Quadra”. O último trabalho embala 12 faixas em cima do conceito de quadra, que pode ser interpretado tanto como o espaço das quadras de esporte, por exemplo, “onde os jogos acontecem”, quanto pelo conceito grego de quadrivium, que engloba as quatro artes liberais: aritmética, geometria, astronomia e música.
temos na mão, a caraterística de cada um dos integrantes e o jeito diferente de cada um tocar, a cada vez que houve mudança de membros.” Para ele, a adaptabilidade evidente do Sepultura pode ajudar a explicar sua longevidade. “A gente vai experimentando. Não adianta a gente achar que a fórmula do Anthrax, por exemplo, vai funcionar para mim, e isso que é o legal. Banda com parente gerenciando, por exemplo, geralmente não dá muito certo, vide Police, o Ira!, o próprio (antigo) Sepultura… Mas tem outras com família que funcionam muito bem, então isso também não é uma regra”, reflete Kisser. Nesta nova fase profícua desde 2013, o Sepultura lançou três álbuns conceituais que lhe abriram as possibilidades sonoras e inventivas. “Foi uma evolução natural. Por isso é que escolhemos o mesmo produtor. Eu acho que, você tendo uma direção, o resto todo se encaixa. Quando faz um disco conceitual ou não, precisa de uma mensagem. Se a banda se reúne apenas para ficar discutindo negócios e dinheiro, é porque as coisas estão mal organizadas. Foca na arte, depois a gente resolve o resto. Senão, se estragam o business e também a arte”, avalia o guitarrista. Esse equilíbrio, diz Kisser, talvez os tenha levado naturalmente pelo caminho do sucesso, do destaque em grandes festivais: “Os da Europa são muito estratégicos para as bandas de qualquer estilo, e nós estamos neste ciclo desde 1990, quando participamos
REVISTA UBC
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do Dynamo Open Air na Holanda. Tocamos para um público que, geralmente, não iria a um show nosso e que de repente gosta, compra uma camiseta, ouve um disco. Além disso, você encontra empresários, bandas, pessoal da gravadora... Surgem ideias para se juntar, parcerias... Um festival é um ambiente muito fértil.”
OUÇA MAIS As 12 faixas de “Quadra” ubc.vc/Quadra
LEIA MAIS No site da UBC, o empresário do Sepultura, Tom Gil, analisa estratégias para fortalecer a cena rock ubc.vc/CincoRock
BANDA COM PARENTE GERENCIANDO GERALMENTE NÃO DÁ MUITO CERTO. VIDE O PRÓPRIO (ANTIGO) SEPULTURA.” Andreas Kisser
CAPA 20
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PRECISAMOS FALAR SOBRE
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Espírito de coletividade renovado no combate à Covid-19 se faz necessário ante um enorme desafio para criadores de música para audiovisual: a compra total de direitos autorais imposta por gigantes da produção como Netflix e Amazon por_ Alessandro Soler de_ Madri e Andrea Menezes de_ Brasília colaboração_ Lúcia Mota de_ San Francisco, EUA
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Como a UBC publicou na primeira semana de abril, a fatura imediata da crise da Covid-19 só para o setor de shows musicais no Brasil passa dos R$ 620 milhões em prejuízos — mas deve ser muito maior. O Ecad estimou as perdas em arrecadação de direitos autorais de execução pública em R$ 140 milhões só nos meses de março, abril e maio. Já o Data SIM, braço de pesquisas da SIM São Paulo, maior feira de música do Brasil, entrevistou mais de 1,3 mil players em todo o Brasil e calculou as perdas em R$ 483 milhões.
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A pandemia que castiga o mundo neste início de ano vai nos impactar como sociedade de maneiras e em escala ainda difíceis de prever. Uma recessão global é dada como certa, e a repercussão disso nos criadores de cultura, tão dependentes do encontro, da proximidade com o público, poderá alcançar níveis inéditos. Como no combate à doença, um renovado espírito de coletividade deverá ser a melhor arma para enfrentar outro problema crescente, prestes a estourar. Trata-se dos contratos de compra total de direitos de remuneração impostos aos autores de produtos audiovisuais (roteiristas, diretores, compositores de trilhas sonoras) por gigantes da produção de séries e filmes, como Netflix, Amazon ou Discovery.
Com um investimento de US$ 15,1 bilhões em audiovisuais originais mundialmente só em 2019, a Netflix se transformou na maior produtora mundial de séries e filmes. Não há como não trabalhar com eles. Mas é possível pressionálos a rever sua política de contratos buy-out. À revista “Billboard”, um porta-voz não identificado da Netflix afirmou que os acordos do tipo “não são obrigatórios nem impostos”. Informação que foi desmentida por Cécile Rap-Veber, diretora de licenciamentos da mais antiga sociedade de gestão coletiva musical mundial, a francesa Sacem. Ela denunciou os “contratos americanos” oferecidos pela Netflix aos autores, além da prática sistemática de tentar transferir o foro para os EUA, onde não há direitos de execução pública musical para televisão, cinema ou streaming, por exemplo. A tática de Rap-Veber é a da “vergonha”: dar visibilidade ao tema para que a Netflix e outras produtoras se vejam obrigadas a ceder: “Estão ganhando uma fábula de dinheiro graças ao trabalho dos nossos criadores. É justo que dividam os ganhos.”
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Essas companhias globais, denunciam entidades como a Cisac, praticamente agora só operam em determinados mercados com acordos do tipo, também conhecidos como buy-out (compra total). Em troca de uma soma que, em tese, cobriria os royalties futuros a que teriam direito os autores pela circulação das obras para as quais contribuíram intelectualmente, estes devem abrir mão de qualquer ganho futuro, ficando tudo com a própria produtora. A negociação, ao ser recusada pelos criadores, resulta muitas vezes na anulação da maioria das contratações. Por isso, entrou na mira de sociedades de gestão coletiva, de organizações de defesa dos autores e de legisladores mundo afora.
“É uma preocupação, um dos grandes desafios para os autores hoje, está no nosso radar agora e para o futuro. É muito importante que todos os criadores entendam como isso funciona, do que se trata, e as consequências desses contratos do tipo buyout para eles”, afirmou Gadi Oron, diretor geral da Confederação Internacional das Sociedades de Autores (Cisac), durante uma reunião em fevereiro. Diretora de assuntos jurídicos da entidade, a espanhola Cristina Perpiñá-Robert Navarro contou à UBC, em Madri, que a Cisac resolveu atacar o problema conforme se acumulavam as queixas vindas de sociedades de gestão coletiva ao redor do planeta. “Muitas sociedades, na Europa, na Ásia, começavam a negociar com plataformas como Netflix e Amazon. E, quando queriam incluir música, essas plataformas produtoras diziam ‘por tais e tais obras você não pode me cobrar porque temos a licença direta (buy-out) dos
A Cisac está prestes a lançar um hotsite para esclarecer as dúvidas dos autores. E um grupo de trabalho elaborará diretrizes para tentar influenciar legisladores de diversos países, harmonizando as leis internacionais e impedindo que os produtores que impõem o buy-out levem o foro dos contratos para os Estados Unidos. “Se o contrato se celebra nos EUA, vale a lei americana. Estamos tentando desenvolver um arcabouço de argumentos legais que valham em diferentes países, para que sociedades de autores de várias partes possam abordar o problema. Muitos criadores assinam esses contratos sem entender a extensão do buy-out. Ao abrir mão do dinheiro, ele não voltará. Colocamos muita ênfase na necessidade de conscientização”, resumiu Gadi Oron.
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músicos’”, ela descreveu. “O buy-out virou a prática normal e mais difundida em mercados como Estados Unidos e Ásia.” Para Perpiñá-Robert, a Diretiva Europeia de Direitos Autorais digitais, aprovada no ano passado, fornece uma boa base jurídica para harmonizar outras leis internacionais em torno da questão. “A diretiva prevê que o buy-out deve ser exceção, não regra. Se há um trecho de três segundos de uma música que não tem papel central na trama, pode estar justificado vender os direitos à produtora. Mas um contrato assim não pode se impor ao autor de uma trilha inteira”, ela comparou. Outros bons exemplos vêm de países como Espanha, Itália e Polônia. Todos têm legislações que impedem a venda completa dos direitos autorais de remuneração, não importa o que digam os contratos. No final de 2019, o Uruguai se juntou à lista. “Era uma questão de justiça. Num mundo cada vez mais controlado
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por corporações de distribuição digital, os criadores não podem estar submetidos à lei do mais forte”, afirmou o senador uruguaio Pablo Mieres, autor da nova norma de direitos autorais do país sul-americano. O problema, como lembra a diretora jurídica da Cisac, é a prática das plataformas produtoras de levar os contratos para os Estados Unidos, onde não há limites legais ao buy-out. Na França, um projeto de lei tenta impedir isso. Amparados em outra diretiva europeia, a de audiovisual, que prevê uma cota mínima de produção local de 30% para que plataformas como Netflix ou HBO possam operar no continente, legisladores debatem em Paris um projeto de abordagem inovadora. “O projeto prevê que, se há buy-out, não entra na cota de 30%. Ou seja, caso Netflix e companhia continuem a impor os contratos do tipo, não cumprirão a cota e terão que deixar o país”, avaliou Perpiñá-Robert. Nos Estados Unidos, não há ainda um movimento maciço em âmbito parlamentar para se opor ao buy-out. A base liberal da legislação anglo-saxã, amparada na ideia da livre negociação a qualquer custo, impõe barreiras a iniciativas do gênero. Nada que impeça a associação Your Music, Your Future (YMYF) de lutar. Formada por autores de diversos estados americanos — e também de outros países —, a iniciativa se uniu à Cisac na campanha de conscientização e educação que deve ganhar corpo nos próximos meses. “Não há como construir uma carreira musical baseada em contratos buy-out. Os royalties são o único caminho. O buy-out prejudica todo o ecossistema da música. Cada dólar de um trabalho pago em buy-out se retira do sistema para sempre”, disse à UBC Joel Beckerman,
compositor e fundador do YMYF ao lado de criadores de trilhas sonoras famosos como John Powell (série Bourne) e Miriam Cutler (“Love”). “Leis demoram muito para mudar, mas são a única solução permanente. Sabemos que, realisticamente, esse é um processo para cinco a 10 anos. Por isso a YMYF, seus 12 mil membros nos EUA e um movimento de compositor para compositor são tão vitais.”
Lucas Marcier é um dos principais compositores de trilhas para cinema e TV no Brasil. Ao lado de companheiros como Plínio Profeta, Fábio Góes, Guilherme e Ricardo Amado, Berna Sepas e muitos outros, ele criou um grupo para troca de informações sobre o buy-out no Brasil. “Muitas produtoras, principalmente as de fora, querem nos impor esses contratos. Temos peitado. O fato de estarmos entre os principais produtores de trilhas do Brasil nos dá poder de barganha”, ele explica. “Nossa pressão já tem surtido efeito. A Netflix parece mais disposta a negociar e se comprometeu a voltar a oferecer contratos mais dentro do que se faz no cinema e na TV aqui, com 25% para a parte autoral, 75% para a editorial, no Brasil; e 50/50 lá fora. O buy-out já não vem sendo tão imposto”, afirma. Para ele, não houve retaliações até agora, mas há um receio dos criadores, ao reivindicar seus direitos de modo isolado, de ficar queimados ou perder futuras oportunidades: “Não somos encrenqueiros, não queremos brigar com ninguém. Só pedimos nossos legítimos direitos.”
A pressão deles foi importante para que o Discovery Channel revisse a prática do buy-out melhor generalizado que, questionada por compositores, levou a produtora a anunciar que não contrataria mais ninguém e só usaria trilhas brancas, como são chamados os bancos de sons genéricos cujas composições também são objeto de buy-out antes da sua inclusão ali. Depois de uma intensa polêmica internacional, o gigante dos documentários voltou atrás. No Brasil, conforme a UBC investigou, não há ainda um movimento dessa proporção, mas artistas se unem cada vez mais para denunciar esses contratos abusivos. Sob anonimato — “não quero correr o risco de nunca mais trabalhar” —, o diretor de um documentário produzido por uma grande plataforma americana no país relembrou à UBC como foi sua negociação. “Não foi oferecida qualquer possibilidade de não ceder todos os direitos futuros a eles. A roteirista, o autor da trilha e até os produtores contratados tiveram que assinar o mesmo tipo de acordo. Ou é isso ou você não trabalha. O que é que vamos fazer?” Procuradas nos Estados Unidos, Netflix e Amazon Studios não comentaram as acusações de imposição do buy-out e informaram apenas que os contratos são celebrados prioritariamente com foro na Califórnia por se tratar de suas sedes.
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‘BUY-OUT’ EM SEIS PONTOS 1.
Grandes produtoras globais do ambiente digital, como Netflix e Amazon, estão impondo contratos que preveem a cessão total de direitos futuros pelos criadores envolvidos em séries e filmes (diretores, roteiristas e autores de trilhas sonoras originais). Em troca, esses criadores recebem uma quantia que, supostamente, cobre esses valores. A prática é chamada de buy-out, ou compra total.
2.
Para fugir de leis nacionais em países que têm restrições à venda total, como Espanha, Uruguai ou Itália, as produtoras levam os contratos para os EUA, onde não há regulação nesse sentido. Netflix e Amazon alegam fazê-lo porque na Califórnia estão suas sedes.
3.
A França debate um projeto de lei que excluiria as produções com buy-out da cota de 30% de produção local obrigatória, o que dificultaria a presença das gigantes do streaming em seu território.
4.
A Diretiva Europeia de Direitos Autorais no mercado digital prevê que o buy-out deve ser exceção, não regra, o que pode inspirar outros países na harmonização de suas leis nacionais.
5.
Cisac, Your Music, Your Future e outras organizações lançarão uma campanha global de conscientização nos próximos meses para tentar encontrar soluções para o problema.
COMPOSIÇÃO ORIGINAL PARA TV: UM MERCADO QUE CONTINUA A CRESCER Afonso Nigro faz parte de um exército crescente: o dos compositores de trilhas sonoras originais para TV, cinema, publicidade, internet... O cantor, compositor, ator e produtor, famoso por integrar durante anos o grupo Dominó, tem uma empresa de sucesso, a Nigro Entretenimento, que faz shows para empresas reunindo grandes nomes da música brasileira — inclusive online, durante a quarentena. Ele conta que, se a atividade de eventos e shows teve uma queda “brutal, sem paralelo”, as trilhas se mantiveram, o que dá uma dimensão da pujança desse segmento, como a Revista e o site da UBC vêm mostrando há pelo menos dois anos. “Como compositor de trilhas, tenho entre meus principais clientes o SBT e a Record. O modus operandi em que atuo com eles é similar ao que se vê no mercado: quando você começa a fazer trabalhos para essas emissoras, acaba entrando nas concorrências que reúnem pelo menos três ou quatro competidores na hora de lançar a música de um novo produto”, explica o criador, que assinou as trilhas de abertura de SBT Brasil, Jornal do SBT, “Cinema em Casa”, “Programa da Maísa” e diversos outros programas. “É fundamental ser generalista. Quem é muito especialista num determinado gênero não se dá bem. Me pedem coisas com pegada sertaneja, pop, rock, eletrônica... De sertanejo eu não entendo, mas me cerco de bons parceiros. Trabalho muito com Jay Napoli, Mauricio Monteiro e Jefferson Andrade. Cada um tem um gênero diferente, e a gente se complementa”, descreve o artista, que dá conselhos importantes a quem quer entrar nessa área: “É preciso se unir, não ter rivalidade. Saber que se trata de um trabalho coletivo, entender a cabeça do cliente, estar pronto para ouvir não. Entre nãos, mortos e feridos, quem tiver disposição para trabalhar duro vai se destacar e sobreviver.”
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EN GAJA MEN TO SENTIMENTAL Como a cantora Letrux desenvolveu uma relação única, quase sem paralelo, com seus fãs nas redes, sem marketing e métricas, mas com muita intuição por_ Alexandre Matias de_ São Paulo fotos_ Ana Alexandrino
Quem conhece o trabalho de Letícia Novaes, carioca de 38 anos que integrava a banda Letuce e se lançou solo como Letrux com o ótimo disco “Letrux Em Noite de Climão”, em 2017, sabe o quanto ela transforma suas redes sociais em uma continuação de seu trabalho no palco e no estúdio. “Sou reconhecida como artista acessível, respondo emails, tiro fotos com os fãs depois do
show”, ela explica. “Só não consigo quando querem sentar para bater um papo e falar da vida, e há uma fila gigante ainda para fazer foto, e eu estou cansada de avião, passagem de som e show, e amanhã tem outro show... Tento explicar que é mais fácil eu responder um comentário ou mensagem no Instagram. O show já é o papo, já é a entrega maior que posso dar.”
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Letícia lançou há pouco seu segundo disco, o dramático e sofisticado “Aos Prantos”, e fala sobre como a relação com os fãs mudou. “Sem dúvida, com Letrux fiquei mais em voga e tenho mais público, recebo presentes, cartinhas, mensagens, artes dos fãs, temos uma relação bem bonita e saudável”, define. “Cuido para que seja assim. Não quero ser endeusada e não quero que meu público seja
uma massa igual, sei que cada pessoa é um indivíduo com gosto, personalidade, dinâmica. Vamos crescendo juntos.” Ela usa as redes para dialogar com gente e incorporar essas interações no seu próprio processo criativo. “Pode acontecer de alguém fazer um comentário curioso, e aquilo despertar uma inspiração em mim.”
CARREIRA
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Foi assim na faixa “Esse Filme Que Passou Foi Bom”, em que menciona um pequeno paradoxo da vida social online: “Perdendo tempo com bobagem no direct/ Esquecendo de ligar pra vó”. “Quando percebo que eu e muitas pessoas passamos muito tempo na rede, não tenho como não ficar com isso no meu baú de inspiração, sabe?” Não há equipe de marketing, não há métricas nem análise de perfil de fãs para lançamentos mercadologicamente acertados.
Há intuição e vazão de sentimentos online: “Eu escrevo todos os textos, escolho fotos, poemas, livros, tudo. Acho que faz diferença, aproxima.” Foi assim que ela chegou a um equilíbrio que a deixa mais tranquila para trabalhar. “Sou uma artista que posta fotos dos livros que estou lendo, dos filmes que vi. E também fotos dos shows, agenda. Gosto disso tudo. Entendo quem só posta selfie e agenda de show, fotos das roupas que usa. Mas não é do meu interesse só isso. Acaba que uso as redes sociais como um breve resumo do que é minha vida no dia a dia.”
“Se você teve uma infância diferente, falar sobre isso, postar uma imagem sobre isso, pode gerar curiosidade. Alguma foto ou texto sobre seu processo criativo... Selfies são divertidas, mas procure um diferencial na legenda, uma frase, um verbo que não se usa muito, uma metáfora especial. Vídeos atraem muito, não só nos Stories, mas no feed também. Chamam atenção”, ensina a cantora a partir de suas experiências pessoas.
OUÇA MAIS O álbum “Aos Prantos” na íntegra ubc.vc/Prantos
INTERAGIR COM MILHARES DE PESSOAS E MANTER A SAÚDE MENTAL Com quase 200 mil seguidores nas redes, ela é consciente de que as 24 horas do dia não seriam suficientes para interagir com todo mundo o tempo todo. Optou por uma única rede social e abandonou outras nas quais já não se sentia bem. “Eu agora só uso o Instagram. Compartilho as coisas no Facebook, mas só estou no Instagram mesmo”, explica. “O Twitter (cuja conta ela apagou) não dá pra mim”, ela continua. “Pouca gente usando o nome real e dando a cara a tapa, então destilam-se ódios de maneira bem arbitrária. Minha sensibilidade não bate com isso. Minha sanidade mental é mantida a nado no mar, análise, terreiro, Reiki, astrologia, amor, ‘amigues’. Minha criatividade não tem hora marcada, claro que repito a frase do Picasso ‘que a inspiração me pegue trabalhando’. Crio meus métodos, dinâmicas, mas também deixo o fluir das coisas. E já não leio críticas, não me interessam. Acabo querendo criticar a pobre literatura e a falta de pesquisa de quem escreveu. Não é pessoal, sabe? Então, já não leio mais.”
FIQUE DE OLHO
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do_ Rio
UBC ELEGE
UBC E SPOTIFY DOAM
ECAD E ASSOCIAÇÕES
NOVA DIRETORIA
R$ 1 MILHÃO A TITULARES
ADIANTAM R$ 14 MILHÕES
Uma assembleia no último dia 30 de março elegeu a nova diretoria da nossa associação pelos próximos três anos. Além dos compositores Paulo Sérgio Valle (presidente) e Antonio Cícero (diretor-superintendente), que permanecem integrando a diretoria, assumem novos integrantes: Erasmo Carlos (diretor-vogal), Geraldo Vianna (diretor-administrativofinanceiro), Manno Góes (diretor de comunicação), Marcelo Falcão (diretor-secretário-geral) e Paula Lima (diretora-vogal). “A nova diretoria já está profundamente engajada nesta luta contra a epidemia, que é a luta de todos nós”, disse Paulo Sérgio Valle.
A principal sociedade de gestão coletiva do Brasil e a maior plataforma de streaming do mundo uniram forças na iniciativa Juntos Pela Música, para ajudar centenas de titulares em dificuldades financeiras decorrentes da paralisação da indústria cultural pela Covid-19. Um fundo inicial de R$ 1 milhão, com acréscimos de contribuições de empresas e pessoas físicas, via crowdfunding, já vem sendo distribuído. Serão quatro parcelas doadas aos titulares, numa distribuição humanitária e excepcional.
Antecipação de direitos autorais beneficiará 22 mil compositores, músicos e intérpretes brasileiros. Todos os titulares filiados a uma das sociedades do Ecad, e que tiveram rendimento anual entre R$ 500 e R$ 36 mil nos últimos três anos, poderão receber algo, de R$ 600 a R$ 900, segundo os rendimentos médios que tiveram nos últimos anos. Os valores adiantados serão descontados posteriormente, 60 dias depois de anunciado o final do estado de calamidade pública, em até 12 parcelas mensais e sem juros.
LEIA MAIS Mais informações sobre o fundo e outras iniciativas reunidas pelo Juntos Pela Música para auxiliar o setor cultural ubc.vc/juntospelamusica
LEIA MAIS Todos os detalhes e as regras dessa medida ubc.vc/CoronaAdianta
NOTÍCIAS INTERNACIONAIS 30
de_ Madri
A INDÚSTRIA
CONTRA O TIKTOK Uma associação que representa milhares de companhias discográficas e editoras, e que inclui a Universal, deve entrar com um processo multimilionário na justiça americana contra o TikTok por violação de direitos autorais. Aplicativo de vídeos e rede social que mais cresce no mundo, especialmente entre os jovens, o chinês TikTok não estaria pagando nada pelas dezenas de milhares de canções que seus usuários compartilham todos os dias. A Universal é uma das gigantes do setor em mais avançadas negociações com o app, mas a ausência de um acordo a levou a aderir à ameaça de um megaprocesso. “É um passo muito provável (a judicialização da questão)”, disse no início de abril ao diário “Financial Times” David Israelite, diretor executivo da National Music Publishers Association, dos EUA, que lidera a ofensiva contra o TikTok.
LED ZEPPELIN,
POLÊMICA POR
INOCENTADO DE PLÁGIO
COPYRIGHT NO TWITTER
O Led Zeppelin ganhou em março uma apelação no 9ª Circuito de Apelações, na Califórnia, numa longa batalha relacionada à canção “Stairway to Heaven”. Os juízes mantiveram uma decisão de instância inferior que inocentava a banda de plágio de alguns riffs da canção “Taurus”, da banda de rock psicodélico Spirit. Para analistas ouvidos pela revista “Variety”, o veredicto é positivo, ao pôr fim a uma série de ações “frívolas” e sem provas movidas nos últimos anos contra artistas famosos nos EUA.
O Twitter se vê envolvido no centro de uma controvérsia internacional, conforme põe em prática os princípios do Digital Millenium Copyright Act, dos Estados Unidos, que estabelece critérios estritos para o compartilhamento de músicas na rede. A rede social vem enviando notificações a vários usuários, incluindo famosos influenciadores digitais, obrigando-os a retirar conteúdos considerados sem licença. Segundo especialistas ouvidos pelo “The Post Millennial”, o algoritmo usado pela plataforma apresentaria falhas, e conteúdos legais também estariam sendo barrados. O Twitter não comentou as acusações.
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CORONAVÍRUS:
FACEBOOK LANÇA PACOTE GLOBAL
O Facebook for Business, segmento do gigante das redes sociais para clientes corporativos, lançou no final de março um programa de ajuda a pequenas empresas que oferecerá até US$ 100 mil em subsídios em dinheiro ou créditos para anúncios, no contexto da crise do coronavírus. Segundo o FB, empreendedores de mais de 30 países poderão participar da iniciativa.
LEIA MAIS O link para pleitear a ajuda e uma série de outras iniciativas, de governos e empresas, para socorrer a classe artística em meio à crise ubc.vc/JuntosPelaMusica
TRIBUNAL EUROPEU:
ALUGUEL DE CARRO NÃO É COMUNICAÇÃO AO PÚBLICO
Previsto na Convenção de Berna sobre direitos autorais, o direito de comunicação ao público dá aos autores a potestade de autorizar ou não a divulgação das suas obras — e receber pela difusão delas. Na Suécia, canções tocadas em rádios de carros deveriam ter seus valores correspondentes de comunicação ao público pagos não só pelas emissoras mas, por exemplo, por empresas locadoras de carros que alugam veículos com rádios instalados. Como as locadoras se recusavam a fazê-lo, duas sociedades de autores locais, STIM e SAMI, se envolveram numa demanda judicial que chegou à Corte de Justiça da União Europeia. No início de abril, o tribunal deu sua sentença: locação de carro não é comunicação ao público, e as empresas já não terão mais que pagar nada aos titulares.
MERCADO 32
COVID-19, OU O
FU RA CÃO
QUE INTERROMPEU A FESTA Paralisação da economia criativa — e da economia em geral — reverte abruptamente um dos momentos de maior expansão nos investimentos na indústria musical. O que virá a seguir? por_ Ricardo Silva
de_ São Paulo
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O mercado musical vive, talvez, a mudança de clima mais abrupta em sua história. A Crise — assim, com maiúscula — da pirataria, no princípio dos anos 2000 foi gigantesca, mas paulatina. O que a epidemia de Covid-19 provocou foi um furacão sem precedentes. Os últimos seis meses não têm nada a ver com o que prometem ser os próximos.
Suspensa em 2 de março, e sem data para a retomada, a OPA da Warner seria a segunda da companhia nos últimos 15 anos. Na primeira, a companhia de investimentos Access Industries comprou a companhia por US$ 3,3 bilhões. Desde então, a valorização, movida a streaming, foi acelerada. Até o ponto de que, antes da crise, analistas internacionais estimavam que o valor atual poderia se situar na ampla faixa entre US$ 15 bilhões e US$ 23 bilhões. A Universal, por sua vez, quando da compra de uma participação minoritária pela chinesa Tencent, alcançou incríveis US$ 33,3 bilhões. Os próximos meses deixarão claro o quanto o furacão da Covid-19 abalou essas estruturas.
Parece que foi num universo paralelo que, em dezembro de 2019, a gigante chinesa Tencent desembolsava US$ 3,4 bilhões para comprar uma fatia de 10% da Universal Music Group, com opção de compra de outros 10% ano que vem. Ou que, em fevereiro, a Warner Music anunciava uma oferta pública de ações (OPA) que, segundo analistas em Wall Street, poderia lhe trazer uma injeção de capital de US$ 1 bilhão. Ou ainda que a poderosa rádio via satélite SiriusXM comprava uma participação minoritária no SoundCloud por US$ 75 milhões... No futuro próximo, o panorama é outro: executivos, analistas e players em geral lambendo suas feridas e debatendo o tamanho da fatura para o setor musical (seguramente da casa de muitos bilhões de dólares). Nunca antes havíamos visto semelhante paralisação de shows, eventos, festivais, produções cinematográficas/séries de TV. E a depressão econômica, com a esperada perda de milhões de empregos, certamente impactará também o consumo direto de música.
MERCADO 34
“O que estávamos vendo nos últimos meses tinha clima de esquenta para uma grande festa. A volta por cima das grandes gravadoras, surfando a onda de um streaming em expansão, vinha atraindo um potencial inversor quase sem paralelo”, disse Mark Mulligan, analista do centro de pesquisas de mercado MIDiA Research. De olho no crescimento rápido do segmento, fundos de investimento de alto risco, que manejam os chamados venture capitals, já vinham despejando grandes somas de dinheiro em start-ups musicais e em empresas já sedimentadas como Spotify, SoundHound, Pandora, BandPage. De repente, a torneira secou.
Grandes crises, como se sabe, são grandes oportunidades. Se o streaming não viver um golpe apocalíptico nos próximos meses, espera-se que lidere (outra vez) a recuperação do mercado musical, com as gravadoras — acionistas e maiores beneficiadas dos lucros de plataformas como Spotify ou Amazon Music — na primeira linha de beneficiários. “O streaming já representa 80% dos resultados anuais da indústria, direta e indiretamente. Não há indicações de que a boa maré do consumo online sofra uma reversão tão acentuada. As margens das grandes gravadoras se recuperarão e voltarão a crescer”,
previu Stephen Duval, do fundo de investimentos 23Capital, que deve participar da OPA da Warner, quando esta for retomada. Já os segmentos de eventos, shows, festivais e congêneres precisará de um empurrão de governos. Países como Alemanha e França já anunciaram fundos multimilionários para investimento em atividades culturais, de modo a fazer a roda voltar a girar nos próximos meses. Nos Estados Unidos, pelo menos US$ 250 milhões do pacote federal de US$ 2 trilhões para mitigar os efeitos da pandemia terão a mesma finalidade. No Brasil, não há qualquer previsão de investimento do gênero por
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parte do governo de Jair Bolsonaro na cultura. Mas o setor privado já se prepara para voltar a investir. Ricardo Rodrigues, da agência Let’s Gig, que cuida das carreiras de artistas como Liniker e Luedji Luna, lembra que a agenda dos próximos meses está em aberto, o que nivela as oportunidades para todos. É como se o jogo começasse do zero. “São tempos inéditos para o mercado da música, e é curioso viver isso. É importante que todos os agentes do mercado dialoguem bastante para não termos uma guerra por sobrevivência. Teremos que manter a calma, respirar fundo, ser fortes. Mas vamos nos recuperar.”
TEREMOS QUE MANTER A CALMA, SER FORTES. MAS VAMOS NOS RECUPERAR.” Ricardo Rodrigues, agência Let’s Gig LEIA MAIS Unesco e Cisac juntam governos e players do mercado para debater saídas para a crise na cultura ubc.vc/Debate
ARRECADAÇÃO E DISTRIBUIÇÃO 36
VÍDEO SOB DEMANDA CRESCE.
MAS E OS PAGAMENTOS AOS TITULARES? Ecad faz levantamento da situação dos direitos autorais de execução pública em cada plataforma com atuação no Brasil do_ Rio
A ordem do dia — e do semestre — é #FiqueEmCasa. Natural que o consumo de vídeos e materiais audiovisuais em geral tenha explodido. Dados preliminares de plataformas como Netflix, GloboPlay e Amazon Prime Video mostram subidas de mais de 50% na audiência, a ponto de quase todas elas terem mudado suas configurações para oferecer versões de menor qualidade de som e vídeo, de modo a não colapsar o tráfego de rede. Com mais consumo, uma lógica pergunta é: os compositores de músicas originais e os criadores em geral das músicas usadas nas produções veiculadas ganham com esses vídeos? Perguntamos ao Ecad quais plataformas estão em dia com o pagamento de direitos autorais de execução pública. Confira a situação das plataformas que atuam no Brasil nas suas respectivas categorias.
PLATAFORMAS DE VÍDEO SOB DEMANDA (VOD, EM INGLÊS) Somente direitos autorais
Adimplentes
PLATAFORMAS DE STREAMING DE VÍDEO SOB DEMANDA (SVOD) Direitos autorais e conexos (com exceções)
• YouTube
Adimplentes
• Netflix (só autoral)
Inadimplentes ou em negociação
• Amazon Video (só autoral) • GloboPlay
• TikTok
• TelecinePlay
• Algar Vid+
• Twitch
• Sexy Hot
• Kwai
• Philos
• Olympic Channel • Vimeo
Inadimplentes ou em negociação
• VigoVideo
• FOX+ • HBO Go
PLATAFORMAS DE CONTEÚDO TRANSACIONAL SOB DEMANDA (TVOD), COM PAGAMENTO PARA ACESSO EXCLUSIVO A UM CONTEÚDO ESPECÍFICO
Adimplente • Microsoft Movies & TV
Inadimplentes ou em negociação
• Apple TV+ • Crunchyroll • Starz • PlayKids • Funkids • Looke • Darkflix • Cartoon Network Já! • DAZN • SPCine Play • Kinopop • Believe • PlayPlus
• Google Play
• Mubi
• Itunes
• Handflix • Univer • Filme Filme • Tamanduá • Fenderplay
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LEIA MAIS Para que o pagamento ocorra, hรก um documento fundamental a preencher: o cue-sheet. Saiba mais em ubc.vc/PreencherCueSheet
DÚVIDA DO ASSOCIADO 38
“As lives se multiplicaram no confinamento pelo Covid-19. Mas os titulares das canções tocadas recebem os valores devidos de execução pública?” [Pergunta postada durante a live da UBC com o Ecad, em 31 de março passado ]
REVISTA UBC O Ecad explica que a licença concedida às principais plataformas, YouTube e Facebook/Instagram, contempla lives. Isso significa que não há necessidade de artistas (ou produtores) pagarem à parte os direitos autorais pela execução pública musical quando forem fazer um evento ao vivo. Porém, para que os titulares recebam algo, é preciso que o Ecad receba relatórios com as músicas tocadas em cada live. E é aí que mora o problema.
das músicas. A boa notícia é que tal sistema já está em desenvolvimento. Já o YouTube tem o ContentID, um sistema que pode identificar o conteúdo musical (entre outros), incluindo as composições sem uso de fonograma, mas as taxas de sucesso na identificação não são conhecidas. Também não há ainda uma solução alternativa, como um formulário online, por exemplo, através do qual o produtor da live possa enviar a lista das canções.
Atualmente, algumas plataformas simplesmente ainda não têm como fazer esse controle. Facebook e Instagram, por exemplo, ainda não têm um mecanismo de identificação automatizado para reconhecimento
Plataformas como Facebook e YouTube alegam ter melhorado seus sistemas de controle - mesmo em fase de testes - para flagrar usos de músicas incluídas sem autorização e bloquear o vídeo. Casos de bloqueios, efetivamente, se
multiplicam e têm sido relatados nas redes sociais. A plataforma recomenda a quem encontrar uma música sua sem autorização numa live usar os canais normais de denúncia de conteúdos sem licença. Canais que fizeram lives podem usar o recurso “web asset” para tratar de reclamações e bloqueios oriundos do ContentID.
E VOCÊ, TEM DÚVIDA? Entre em contato com a UBC pelo e-mail atendimento@ubc.org.br, pelo telefone (21) 2223-3233 ou pela filial mais próxima.
UNIDOS, SOMOS MAIS FORTES A UBC reuniu, numa página especial do nosso portal, uma série de iniciativas de governos, empresas, Ecad e outras entidades para atenuar as perdas financeiras dos artistas. Editais de criação na quarentena, descontos em impostos, ajudas diretas do estado brasileiro e outras ações estão ali, com constante atualização. ACESSE UBC.ORG.BR E SAIBA MAIS
UBC, SPOTIFY E VOCÊ, JUNTOS PELA MÚSICA Você também pode participar de uma das maiores iniciativas privadas do país para ajudar músicos afetados pela pandemia. A UBC e o Spotify doaram R$ 1 milhão ao fundo Juntos Pela Música, um auxílio emergencial e humanitário para associados em risco financeiro. A cada R$ 1 que você doar, o Spotify acrescentará igual quantia, até o limite do seu programa global de ajudas. SAIBA MAIS E VEJA COMO DOAR EM BENFEITORIA.COM/JUNTOSPELAMUSICA