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PELO PAÍS: Mês da Consciência Negra
PELO PAÍS
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UMA NOVA CONSCIÊNCIA
Neste mês de novembro dedicado à valorização da ancestralidade negra, artistas da música reforçam debate sobre o racismo institucional do país
por_ Gilberto Porcidonio do_ Rio
A cada 23 minutos, um jovem negro morre assassinado no Brasil. O desprezo pela vida de pessoas afrodescendentes é um flagelo que marcou toda a nossa história — mas, de uns tempos para cá, algo mudou. A sociedade trouxe de vez este tema para a ordem do dia, e na música não é diferente. Emicida, Mano Brown, Paula Lima, Jeza da Pedra, Mombaça: são muitos os artistas que denunciam, na sua obra e no seu discurso público, a desigualdade racial e as vulnerações sistemáticas dos direitos da população negra.
Em seu podcast, Mano a Mano, o rapper Mano Brown resumiu: “Já vi muito George Floyd (homem negro assassinado por um policial branco, ano passado, nos Estados Unidos) na minha vida. (A onda de protestos por sua execução) é um marco que, mesmo sendo moda, impulsionada por uma moda, impactou o mundo.”
Cantora, compositora e diretora da UBC, Paula Lima sabe bem disso. Ela se define como uma mulher negra que sabe quem é e de onde veio. Por isso, sempre teve aflorada a questão racial, com suas necessárias e urgentes reflexões. Porém, admite, o episódio de Floyd, cuja morte terrível foi gravada por um celular e deu a volta ao mundo, fez aflorar algo diferente nela.
Mombaça
“Eu venho de uma época em que pouquíssimas pessoas falavam abertamente sobre isso. Antes, era entre a família, com os amigos. Depois, discussões em grupos pequenos sobre cotas, discriminação e o genocídio (dos negros). A partir do assassinato brutal do Floyd, todo o mundo se colocou naquele lugar. Eu me vi ali, vi meu pai, meu primo, meu amigo”, relata Paula, que também tem no assassinato da vereadora carioca Marielle Franco, em 2018, outro ponto de mudança na sua forma de se portar, inclusive artisticamente: “Hoje, posso dizer que essa voz faz parte da minha fala e da minha música. Sou uma pessoa que protesta e é consciente da estrutura racista que vigora.”
Há um ano, o cantor e compositor Mombaça lançou o clipe “Vidas Negras Importam – Eu Também Não Consigo Respirar”, no qual reuniu personalidades negras como a cantora e atriz Zezé Motta, o atleta Robson Caetano e a atriz senegalesa Mariama Bah. Nascido em uma família evangélica bem musical do bairro de Paciência, na Zona Oeste do Rio, o multiartista já havia se engajado fortemente em 2014, na véspera da Copa, quando se discutia o racismo das torcidas.
“O dia em que estávamos fechando o clipe (de ‘Vidas Negras’) foi o mesmo do assassinato do João Alberto Freitas no Carrefour de Porto Alegre, então pegamos uma cena e colocamos com um texto de repúdio”, explica Mombaça.
A ira contida contra séculos de opressão e desprezo pelas vidas pretas derivou em uma onda de manifestações. Ao GNT, o rapper Emicida disse, comentando o caso do músico Evaldo Rosa e do reciclador Luciano Macedo, mortos por soldados do Exército com 80 tiros, “por engano”, no Rio: “Se o Brasil tivesse respeito pelos seus cidadãos, era para esse país estar pegando fogo hoje.”
O rapper Jeza da Pedra analisa: “Assistimos à letalidade provocada pelo racismo no conforto da tela dos nossos celulares e, a despeito de ainda não haver mudanças estruturais consistentes, acredito que a classe artística preta vem denunciando cada vez mais (essa realidade).”
Mombaça faz coro. O discurso coletivo contra o racismo e a falta de igualdade, ele crê, é o que fará a diferença: “Eu não consigo fazer nada sozinho, por isso chamo os meus irmãos (da arte e da academia) para trazer um olhar mais refinado para a questão. A arma que nós temos é a música.”
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