CLUBE DE PREVENÇÃO À DEPRESSÃO

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CLUBE DE PREVENÇÃO À DEPRESSÃO

“Mais vale uma gota de prevenção do que um oceano de cura”


ÍNDICE O SER HUMANO SAUDÁVEL...............................................................................................................................................................................PAG 04 A CONSTRUÇÃO DO SER HUMANO SAUDÁVEL............................................................................................................................................PAG 13 REEDUCAÇÃO PSÍQUICA ATRAVÉS DA NEURÓBICA..................................................................................................................................PAG 23 REEDUCAÇÃO SOCIAL.........................................................................................................................................................................................PAG 23 PORQUE AFINAL ADOECEMOS?........................................................................................................................................................................PAG 39 MECANISMOS DE DEFESA E ADAPTAÇÃO.....................................................................................................................................................PAG 43 COMO LIDAR COM UMA CRISE EXISTENCIAL..............................................................................................................................................PAG 52 O QUE É REALMENTE O SUCESSO?..................................................................................................................................................................PAG 56 O QUE É MOTIVAÇÃO?.........................................................................................................................................................................................PAG 58 COMO LIDAR COM O SENTIMENTO DE CULPA.............................................................................................................................................PAG 61 O ESTRESSE............................................................................................................................................................................................................PAG 63 A INFLUÊNCIA DA CRIATIVIDADE NA SAÚDE..............................................................................................................................................PAG 67 SABER DESCANSAR..............................................................................................................................................................................................PAG 73 UTILIZAR A VONTADE.........................................................................................................................................................................................PAG 78 DOMINAR A RAIVA...............................................................................................................................................................................................PAG 80 SUPERAR O MEDO.................................................................................................................................................................................................PAG 81 VENCER A TRISTEZA............................................................................................................................................................................................PAG 82 SABER SER FELIZ..................................................................................................................................................................................................PAG 83 ESCOLHER UM IDEAL..........................................................................................................................................................................................PAG 84 A SÍDROME DO DESÃNIMO (BURNOUT)..........................................................................................................................................................PAG 85 A INFLUÊNCIA DA MEDITAÇÃO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE..............................................................................................................PAG 88 A INFLUÊNCIA DA AUTO-ESTIMA NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE...........................................................................................................PAG 90 A INFLUÊNCIA DO MEIO AMBIENTE NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE.......................................................................................................PAG 97 A INFLUÊNCIA DA DEPRESSÃO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE................................................................................................................PAG 97 A INFLUÊNCIA DO AMOR NAS RELAÇÕES HOMEM/MULHER.................................................................................................................PAG 107 A INFLUÊNCIA DO MEIO SÓCIO CULTURAL & DO DINHEIRO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE........................................................PAG 115 A INFLUÊNCIA DA DOR COMO EXPRESSÃO DA DOR DO ESPÍRITO........................................................................................................PAG 122 A INFLUÊNCIA DO SOFRIMENTO DA ALMA E DOENÇA DO APARELHO DIGESTIVO. OBESIDADE E ANOREXIA NERVOSA.....PAG 129 COMPONENTE PSICOGÊNICO DAS DOENÇAS CARDIOVACULARES.......................................................................................................PAG 135 A INFLUÊNCIA DA RELAÇÃO PAIS/FILHOS NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE MENTAL..........................................................................PAG 138 A INFLUÊNCIA DO AMOR E CASAMENTO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE..............................................................................................PAG 147 INFLUÊNCIA DA RELIGIOSIDADE E DA ESPIRITUALIDADE NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE..............................................................PAG 153 NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA.....................................................................................................................................................................................PAG 153


PREVENÇÃO À DEPRESSÃO PRÓLOGO A ideia de escrever o sobre Prevenção à depressão começou a burilar minha mente já a algum tempo. A percepção da mensagem que nele tento transmitir, no entanto, é algo que vejo agora, foi se cristalizando lentamente em meu espírito e se refletindo nas minhas atitudes, através de vários anos de prática como psicanalista e terapeuta. A formação que recebi na universidade, complementada pela ideologia psíquica transmitida informalmente no dia a dia do convívio com as pessoas, foi muito dentro da organização dos afazeres e do racionalismo cartesiano. Aprendi a raciocinar dentro dos dogmas da ciência clássica, ou seja, vale o que pode ser provado, principalmente o que pode ser medido, dosado, transformado e quantificado. Ora, é possível dosar a quantidade de gordura no sangue, radiografar e medir o tamanho do fígado, isolar um vírus ou uma bactéria, mas não se pode “medir” o grau de tristeza ou de sofrimento de alguém. Por outro lado, a visão psíquica da maioria das pessoas é de um mal disfarçado desprezo por pessoas que falam que estão tristes, melancólicas ou depressivas. Muitos acham que a pessoa neste estado são golpistas ou estão querendo tirar vantagem da caridade ou solidariedade de alguns. Nos nossos pronto-socorro, os médicos não levam a sério as queixas ou doenças não visíveis fisicamente. Tendemos a considerar uma perda de tempo que, em um pronto-socorro, com tanta gente em estado grave (assim raciocinamos), dedicamos àqueles que, desdenhosamente, dizemos estar com “piripaque”. O tempo, contudo, foi mostrando, que tanto o que apresenta “piripaque” quanto o que padece de infarto ou câncer tem algo em comum: trata-se de pessoas que sofrem. E não apenas do sofrimento causado pela doença: sofrem na verdade, de uma mesma doença interior; a diferença resume-se apenas na forma como expressam o sofrimento. Comecei aos poucos a me interessar pela pessoa dos meus pacientes, e não apenas pelos sintomas que relatavam. Passei a querer saber de sua vida, sua família, suas dores e seus amores. E algo, para mim, surgiu límpido e cristalino: eram quase todos sofredores. Quase todos transmitiam desgosto e desânimo pela vida. De uma forma ou de outra, sempre descobria em cada história um traço de desamor. Negado, escondido, camuflado, mas presente. Ao mesmo tempo em que despertava lentamente para essa nova visão do doente e do adoecer, começou a operar-se em mim mesmo uma importante transformação pessoal. É possível que ela já viesse operando há algum tempo, mas foi essa época que comecei a percebê-la. Percebi-me mais liberto dos grilhões da inveja e da vaidade e, cada vez mais aberto e tolerante para com as pessoas, fossem elas quem fosse. Esforcei-me, a partir daí, para relegar a segundo plano as mesquinhas e insignificantes disputas pelo poder e tentei diminuir, tanto quanto possível, o papel da competição da minha vida. Tudo isso, porém, sem deixar de lutar em defesa do que parecia de pleno direito e digno de luta. Passei a perceber o enorme bem que me fazia o bem-querer que demonstrava às outras pessoas e a 3


retribuição que recebia, mesmo sem procurá-la. No trato com meus pacientes, exercitei a tolerância e a boa vontade, reduzindo, tanto quanto conseguia, o mau humor, a irritação e a prepotência. Cultivei a solidariedade e tentei conviver, sem impaciência, com o comportamento que a regressão, a carência, e o sofrimento costumam impor às pessoas depressivas. Estava então com o espírito preparado e aberto para essa nova compreensão do adoecer e de minha vida. Meu espírito treinado no racionalismo cartesiano, todavia, reclamava a comprovação científica; pedia embasamento teórico para a realidade que começava a desenhar-se diante dos meus olhos: aqueles que traziam dentro de si a capacidade de amar eram pessoas felizes; e estas não adoeciam, ou não adoeciam de doença grave. Foi nessa época que a necessidade de escrever sobre os aspectos psicogênicos das doenças e as explicações psicanalíticas para as doenças psicossomáticas. Com essa bagagem teórica e mais fruto daquilo que eu próprio observava no consultório, dispus-me a escrever o livro “Prevenção à depressão” que proporcionará às pessoas tomarem conhecimento das razões interiores do adoecer e a importância da espiritualidade, da psique, do amor, da sociabilidade e da solidariedade para a saúde.

O SER HUMANO SAUDÁVEL Em face dos indecifráveis mistérios do existir e do morrer, da falta de um sentido lógico para a vida, da tremenda sensação de desamparo e fragilidade com que ela, a vida, e seu contra-ponto, a morte, nos envolvem, somos, todos nós, presa de uma “angústia existencial”. Esta consiste em um estado de espírito que mistura, ao mesmo tempo ou sequencialmente, sensação de vazio, inutilidade, insegurança e medo. Comum a todos nós com frequência e intensidade variáveis, é, compreensivelmente, mais evidente e intensa naquelas fases em que as tribulações da vida, nos impõem maiores perdas, sejam elas de que natureza forem. Sintomática da universalidade dessa angústia, é observação de que, mesmo estando “tudo em ordem”, não conseguimos ficar alguns minutos “pensando na vida” sem ser invadidos por indefinível sensação de tristeza. Para fazer face a essa angústia, vários são os caminhos de que as pessoas lançam mão, e não é obrigatório que sejam mutuamente excludentes. Incluem-se entre tais caminhos os diversos mecanismos de defesa, a adesão a drogas, a dedicação fanática e extrema a uma causa, missão e/ou ao trabalho, o fazer do acúmulo de bens e poder a razão de ser da vida, a criação intelectual. Incluem-se ainda outras possibilidades mais claramente patológicas, como a ruptura com a realidade, ou seja, o recurso à loucura (psicose), o adoecer do ponto de vista físico e neurótico e a adoção de comportamento anti-social e violento. Nenhuma dessas soluções é, todavia totalmente satisfatória. Nenhuma nos proporciona algo sequer próximo ao que chamamos de felicidade e algumas são, inclusive, claramente nocivas, quer ao indivíduo, quer à sociedade ou a ambos. Uma possível exceção talvez caiba fazer no caso, não da religião, mas no tipo de 4


religiosidade ou espiritualidade caracterizada pelo que Freud, designou como “sentimento oceânico”. Tal sensação consistiria em um “sentimento peculiar de eternidade, sem fronteiras e ilimitado”. Nada teria a ver com um sistema de crenças, artigos de fé ou qualquer garantia de “outra vida” ou imortalidade pessoal. Dessa maneira, uma pessoa provida deste sentimento poderia se considerar religiosa, embora descrente de tudo o que, tradicional e ilusoriamente, nos ensinam as religiões. Ao analisar esse “sentimento oceânico”, Freud observa a dificuldade que teve para captar o que de fato viria a ser e sua total incapacidade de percebê-lo em si mesmo. Admitiu tratar-se da sensação de um vínculo indissolúvel, de um ser uno com o mundo externo como um todo. Pessoalmente, ouso interpretar o “sentimento oceânico” como o amor ou generosidade, na forma ampla. A capacidade de amar a todos indistintamente, tanto as pessoas quanto a natureza e ao mundo, de forma igualmente abrangente e “oceânica”, seria, a meu ver, o melhor caminho de que dispomos. A saída para o “buraco” existencial, estaria, pois, na generosidade. O próprio Freud, no mesmo ensaio em que discute o tal “sentimento oceânico”, admite que o recurso ao amor, isto é, a modalidade de viver que coloca o amor como centro de tudo, seja potencialmente uma das mais eficazes “técnicas de viver” para fugir do estado de infelicidade inerente à condição humana. A pergunta que ele mesmo se faz é se tal técnica é assim tão eficaz, por que são tão poucos os que, de fato conseguem adotála como caminho para a felicidade? A razão, responde, é que “nunca nos achamos tão indefesos contra o sofrimento como quanto amamos, nunca tão desamparadamente infelizes como quando perdemos o objeto amado ou seu amor”. As pessoas, então, por medo de amar, não amam; e sofrem pelo medo que tem do sofrimento, por paradoxal que possa parecer. Aliás, o próprio profeta Kalil Gibran já chamava a atenção para esse paradoxo ao nos perguntar se não seria o medo da sede, com o pote ainda cheio, uma angústia maior que a própria sede. Apesar desse medo e dificuldade, Freud admite que algumas pessoas, infelizmente uma minoria, acham-se capacitadas a encontrar a felicidade no caminho do amor. Para que tal seja possível, contudo, são necessárias modificações no interior da pessoa, de sorte a torná-la independente da necessidade de retribuição do amor que dá. As pessoas que atingem tal estágio de desenvolvimento interior amam o amor em si e, ainda segundo o Freud, voltam seu amor para todas as pessoas humanas, e não apenas para determinadas pessoas. Convém salientar, mais uma vez, que esse tipo de amor, embora derivado originalmente do mesmo impulso de vida do amor erótico, não tem a intensidade nem o caráter tempestuoso deste último. Ao contrário, os que assim amam, de forma que eu ousaria dizer ampla e irrestrita, parecem viver constantemente em um estado afetuoso e de “bem com a vida”, sem as agitações, excitações e incertezas que caracterizam o amor sexual. A ideia que também defendo, portanto – e, parcialmente ao menos, em muito boa companhia – é a de que o amor universal e incondicional é a melhor saída para nossa angústia existencial. Alcançado esse patamar, todas as outras saídas citadas são dispensáveis entre elas o adoecer orgânico e os distúrbios neuróticos de peso. Aceita a premissa, a questão que novamente se coloca e que de fato deve estar interessado ao leitor é: como 5


alcançar a capacidade de amar? Ou, dizendo melhor, como atingir o estágio de crescimento interior que nos permita amar de forma assim tão ampla? Não creio que nesse campo, possam se traçar regras aplicáveis a todos. Cada um deve buscar seu próprio caminho, não obstante o objetivo ser comum a todos. Há, porém, alguns pontos que se me afiguram fundamentais e sem os quais me parece difícil alcançar a tão desejada paz interior. “Receita” de felicidade A primeira delas, tanto em ordem de citação quanto de importância, base mesmo de todos os outros, é a aceitação de si mesmo. A psicanálise nos ensina, que há, dentro de todos nós, dois “eus”: o real – o que somos de fato – e o ideal, aquele que gostaríamos de ser e fingimos ser. Para as outras pessoas, estamos todo o tempo tentando passar a imagem de ser alguém diferente da pessoa que na verdade somos. Estamos, pois, tenhamos ou não consciência disso, permanentemente representando. Dizer que representamos não significa, necessariamente, dizer que estamos, deliberada e conscientemente, enganando os outros. Não, se trata disso. O personagem que criamos para nós, e que, desesperadamente, que seja verdadeiro, de certa forma faz parte de nós em cada papel que representamos. Ocorre que, como qualquer ator poderá testemunhar, o ato de representar é um esforço, e esforço desgastante. Nesse caso, do papel que tentamos assumir perante os outros, o desgaste é maior, visto que, no fundo, ele não nos agrada, até pelo preço que pagamos em incoerência. A incoerência se entre nosso discurso e nossa prática, e também entre nossas convicções e emoções. Estas últimas costumam mostrar muito de nosso eu verdadeiro e, por essa e outras razões, fazemos o máximo para disfarçá-las e encobri-las. Mas o desgaste gerado por esse esforço resulta nocivo, tanto para nossa paz interior como para nossa saúde. É como se, permanentemente, se travasse uma guerra em nosso interior, entre o eu real e o ideal. A saúde tende a ser afetada se, dia após dia, dizemos o contrário do que sentimos, rastejamos diante daquilo que detestamos e nos rejubilamos ante o que nada nos traz senão o infortúnio. Quanto mais conseguimos aproximar o eu real do ideal, mais próximos estaremos da paz interior (amor a si mesmo; autoestima) e, por conseguinte, da felicidade e da saúde. A aceitação de nós mesmos implica necessariamente o reconhecimento e a aceitação de nossas limitações e fragilidades. Tendemos, todos nós, mas principalmente os do sexo masculino, a esconder dos outros as fraquezas e a “posar” de fortes. Mas essa não é nossa realidade. Cada um de nós cria, para uso externo, uma aparência de segurança e fortaleza, mostrando-se aos outros tanto mais arrogantes e superiores quanto mais fracos somos. O curioso é que cada um sabe que sua própria segurança é falsa mas crê que a do outro seja verdadeira; sentindo o outro mais forte, sente-se ainda mais fraco e aguça com redobrado vigor suas defesas. A plena aceitação de nossa fragilidade está vinculada à aceitação também dos reveses e das vicissitudes que a vida forçosamente nos impõe. Há que ter resignação e conformação em face dos aspectos imponderáveis do viver e sobre os quais nosso esforço, vontade ou comportamento não podem influir. 6


O gostar de nós como somos e o reconhecimento das nossas limitações traz consigo vários e úteis subprodutos. O primeiro deles é livrar-se da inveja. Tenho dúvidas se alguém terá conseguido, ao menos em nossa época, livrar-se por inteiro da inveja. Mas estou certo de que, quanto mais nos aproximarmos da aceitação plena de nós mesmos, menos invejosos seremos. Outro subproduto é libertar-se da opinião dos outros como referencial de nosso próprio valor. É de todo ilógico medir nosso valor com base no que as outras pessoas pensam de nós. Não nos tornaremos piores nem melhores do que realmente somos pelo fato de fulano ou sicrano falarem bem ou mal de nós. Mas, apesar da lógica deste argumento, sabemos o quanto é difícil pô-lo em prática e não nos guiarmos pelo referencial alheio. O homem verdadeiramente livre, o espírito livre é justamente aquele que consegue de fato, libertar-se do referencial externo. É óbvio que, vivendo em sociedade, não podemos fugir a um mínimo de satisfação que a ela temos de dar. Mas a liberdade consiste, nem tanto em não pautarmos nossas atitudes pelas exigências do padrão, e sim em não nos deixar atingir interiormente pelo julgamento social, privilegiando nossos próprios valores e não aqueles que nos querem impor. Outro ponto importante e também vinculado à inveja e à vaidade é a importância que, nesta vida, atribuímos ao poder, ao dinheiro e ao consumo. Grande parte do nosso sofrimento, advém justamente do desejo de poder, prazer e riquezas materiais. O nó da questão não está em desejar e buscar o prazer e nem mesmo alimentar sonhos de consumo. O prazer é fundamental para a felicidade e a saúde das pessoas. Alguém já escreveu que não basta apenas dizer não ao que nos faz mal ou nos prejudica; é igualmente necessário que, com espírito leve e sem sentimento de culpa sejamos capazes de dizer sim ao que nos gratifica – o que pode incluir também o consumo. A questão está, como quase tudo na vida, no equilíbrio com que desejamos, na natureza de nossos desejos e fontes de prazer e na capacidade de conviver sem angústia e sofrimento com a não-consecução dos desejos, sejam eles quais forem. O prazer saudável, benéfico à pessoa e essencial para sua saúde, não tem nada a ver com os estereótipos de prazer criados pela sociedade de consumo. É um prazer vinculado às satisfações obtidas com o dia a dia e, em geral, não se afigura nem um pouquinho prazeroso aos outros. Como regra, não depende do acúmulo de bens ou da disponibilidade de dinheiro. Depende apenas do interior da pessoa, da visão que tem da vida e do mundo. Ora, é esta uma visão do prazer altamente subjetiva, pouco tendo a ver com os aspectos concretos e objetivos do dia a dia. Relaciona-se mais à capacidade de abstração da pessoa, de elaborar mentalmente jogando com o imaginário e não apenas com os dados da realidade. A capacidade de sonhar, enfim, parece também essencial para a saúde. Quem consegue verdadeiramente sonhar, abstrair-se do puramente objetivo, tende a crer naquilo que não existe como algo palpável, não apenas, mas, apenas no imaginário humano: o amor, a justiça, a generosidade, a honestidade, a dignidade. Ao que tudo indica, há um amplo espectro de relações inversas entre a capacidade de sonhar – isto é, de raciocinar fora da realidade objetiva – e a ocorrência de doenças. De um lado estariam os indivíduos 7


extremamente objetivos, que nada veem no mundo que não o concreto e que adoeceriam com facilidade e gravidade. No outro extremo estariam os loucos (psicóticos) aqueles que romperam com a realidade e que, dificilmente adoecem de alguma doença orgânica grave. Na faixa saudável do espectro se situariam as pessoas com uma rica vida mental, idealistas e sonhadoras, mas que sonham sem perder o vínculo com a realidade. Essa capacidade de sonhar tem muito a ver com o otimismo, o qual encerra, da forma como entendemos, um sentido um pouquinho diferente daqueles que habitualmente lhe emprestamos. As pessoas verdadeiramente otimistas são possuídas de um sentimento de gratidão e gosto pela vida que lhes permite tranquilidade frente ao futuro; não têm a certeza de que resolverão as dificuldades, mas sim a convicção de que se portarão bem diante delas. Há, por fim, um último aspecto que gostaria de discutir, nesta “receita” de felicidade: não levar a vida demasiado à sério. Sempre que colocados em face de um evento grave ou fatal, inesperado, ocorrendo pessoalmente ou com alguém próximo, o comentário de quase todos é um só, com pequenas variações: “Esta vida não vale nada; vivemos todos por um fio; brigamos, preocupamo-nos e nos angustiamos por e com bobagens e, de repente, a morte vem e zapt! Leva tudo”. É isso o que dizemos, mas não é bem assim que agimos. Continuamos na prática, a nos angustiar e preocupar e sofrer com as mesmas insignificantes bobagens de sempre. Na vida o que importa é o amor e o bem querer das pessoas, o viver as emoções e, atrelado a elas e entre si, a saúde e a felicidade. O resto é o resto, creiam nisso. Não vale a pena sofrer por nada além disso. É preciso tentar viver com humor e somente se deixar atingir pelo que de fato importa. Tem uma música de uma cantora popular que expressa o que estou tentando dizer, ou seja, faça isso que tudo se ajeita. Inclusive o que não tem jeito. Filhos? Ih, às vezes dão um trabalho! Pais? Conseguem ser, em certos momentos, tão difíceis como os filhos. Negócios? Adoram nos chatear. Para tudo isso e mais ainda, só há uma solução: “beijinho no ombro e thau thau”. É preciso não levar muito a sério os problemas; principalmente os graves. Mas agir assim tem que haver sutileza. Quem vê de fora parece ambígua e contraditória. É preciso “beijinho...” sem deixar transparecer que se o faz. Quando é o caso, fecha-se a cara, bate-se na mesa, chamase às falas. Por dentro é “beijinho...”. Nada importa, mas é preciso fingir que algumas coisas importam. A seriedade é uma necessidade social, o “beijinho...” é uma questão de foro íntimo. Afinal, não podemos deixar a nossa felicidade à mercê das circunstâncias. Sempre nos hão de tentar aporrinhar, tanto os que “não gostam da gente” e também os que gostam. Problemas, sempre todos teremos. O que é preciso é não nos importarmos com eles. Afinal, se o planeta consegue continuar girando apesar de toda essa maluquice que sobre ele impera, por que não podemos continuar a sorrir olimpicamente, apesar de tudo e de todos? Nada importa, é a bandeira do “beijinho...”. Para ele, tudo que se importa é não esquecer que nada importa, do quanto nos possam aporrinhar. Tudo passa e acaba por se arranjar, independentemente de nos 8


preocuparmos. Aliás em geral passa e se arranja mais fácil e rapidamente quando menos nos preocupamos. O “beijinho...” é um vivedor contumaz. Cultiva o riso por profissão de fé. Sabe que a vida é curta e só vale vive-la com alegria. Cuida, muito e bem, das amizades e do amor. Ao resto, “beijinho...”. Não se pretende com “beijinho...” e com a afirmação inicial de não a vida muito a sério, fazer apologia da irresponsabilidade. O que se propõe é a criação de uma espécie de redoma interior, que nos proteja e às nossas emoções das insignificantes importâncias deste mundo que criamos. É possível, e assim espero, que a discussão de todos esses aspectos tenha dado ao leitor a apreensão de um padrão de comportamento, de atitudes e, digamos, de filosofia de vida coerentes com a felicidade e saúde. Mas a questão original pode parecer não respondida: na prática, qual é o caminho? E ainda, adicionalmente, o que tem tudo isso a ver com o amor? A segunda parte da questão é de resposta mais fácil: nossa capacidade de amar relaciona-se, perdoem-me, com que nosso crescimento interior, nossa maturidade. Maturidade aqui não se deve confundir com envelhecimento, com o peso e o simples passar dos anos. A maturidade aqui a que nos referimos é psicológica, não cronológica. Um adulto jovem pode ser muito mais maduro que um de meia idade ou um idoso. Para os psicanalistas, a maturidade psicológica pressupõe um crescimento interior tal que o indivíduo esteja apto a ter um adequado controle de suas tendências egoístas, de sorte a lograr satisfazer às necessidades das outras pessoas, bem como as do meio social em que se insere. Uma pessoa madura deve estar apta a dar, tanto quanto recebe, e deve extrair genuína e íntima satisfação do amor que dá. Para atingir esse estado de equilíbrio, não é fácil o caminho a trilhar. Para aqueles, muito pouco infelizmente, que que tiveram a suprema ventura de receber no início da vida a quota de amor e segurança de que necessitam, a tarefa é menos árdua, embora longe de ser fácil. Para a grande, muito grande maioria, vítimas em graus variáveis do ódio, do desamor ou do “amor inadequado” de seus pais, o trabalho é duro e o desafio se apresenta quase como invencível. Por difícil que seja, porém, não é, felizmente, impossível. Esqueçamos o recurso psicanalítico em qualquer de suas modalidades. Centremos a discussão naquilo que cada um pode fazer por si mesmo. O primeiro passo, obviamente, é reconhecer-se infeliz; ou seja, reconhecer, por duro que seja esse reconhecimento e por mais que dele tentemos fugir, nossa inadequação ao viver. Podemos traçar aqui um paralelo interessante com o alcoolismo: por difícil que seja a cura, o primeiro passo em direção a ela é reconhecer-se alcoólatra. E os que lidam com alcoólatras sabem como é difícil obter esse primeiro passo, aparentemente tão simples. Reconhecida a existência do problema, o segundo passo, não menos óbvio, é querer de fato resolvê-lo. Também não é tão fácil quanto parece. Vimos o quanto podem as pessoas precisar da dor, do sofrimento e da doença e quanto podem temer a própria felicidade. Alcançado esse estágio, isto é, dados os dois passos cessam as obviedades e começa de fato a luta interior pelo crescimento. 9


Essa luta tem início, muitos já o disseram, pelo mergulho dentro de nós mesmos, pela tentativa de conhecer a pessoa que realmente mora dentro de nós. Em psicanálise se utiliza a expressão insight precisamente para designar essa visão interior e, mais especificamente, a percepção, em meio à viagem ao nosso íntimo, de algo relevante para a existência – algo que influencie nossa maneira de ser e desempenhe um papel determinante no comportamento e na forma de nos relacionarmos com as outras pessoas e de lidar com a vida. Como já dissemos, em regra geral, a raiz de nossos problemas situa-se em nossos primeiros anos: na qualidade das relações que mantivemos com os pais e adultos que nos cercaram, a qual depende da capacidade de que eles tiveram de nos transmitir amor e segurança, sem, contudo, cercear nosso desenvolvimento enquanto pessoas. Ditas as coisas dessa maneira, fica a impressão de que estamos irremediavelmente presos ao passado. Não é bem assim. O passado é, de fato, importante, importantíssimo aliás, mas não podemos ficar amarrados a ele. Atingida a idade adulta, o anseio e o esforço para granjear o amor dos pais acabou; não tem mais sentido e, em nível consciente, nem sequer é mais o que desejamos. Deve ser substituído pelo amor das outras pessoas, e é isso que no fundo buscamos resgatar em nossos relacionamentos amorosos, particularmente no amor erótico. Libertar-se das amarras e do sofrimento desse passado e da influência que exerce no presente é tarefa dificílima que poucos, se tanto, lograrão por inteiro. Mas há que pôr a razão em jogo e, obtida a percepção (insight) daquilo que é a fonte do desamor para conosco mesmo, temos de lutar por nossa evolução e nosso crescimento. Como já disse antes, quase todas as pessoas, diante da morte próxima, tendem a fazer um balanço de sua vida e a repensá-la. Se escapam, a maioria consegue, de fato, mudar para melhor sua vida interior. O que estou sugerindo é não esperar o infarto, o câncer, a depressão para repensar a vida, e sim repensá-la antes: tentar a mudança e concentrar na tarefa todo o nosso esforço. Pode parecer impossível, e de fato é muito difícil, obter êxito total nessa empreitada. Mas “o homem não teria obtido o possível, se não tivesse lutado, uma vez ou outra, para alcançar o impossível”. E o possível de alcançar com esse esforço de mudança nos será muito útil, por menor que seja em termos absolutos. Se a obtenção do insight a que nos referimos não for possível – e sem a ajuda de um psicanalista realmente é difícil – resta o caminho, dependente única e exclusivamente de nossa vontade, de tentar pôr em prática o padrão de comportamento que delineei em nossa “receita de felicidade”. Vejam que falo em tentativa, não em efetiva consecução – em primeiro lugar porque sei que são padrões de comportamento difíceis de atingir por intermédio de um simples ato de vontade: tenho bem presente quanto esforço e tempo se exige para avançar alguns milímetros em direção ao crescimento interior e à libertação do eu. Em segundo lugar, e talvez mais importante, acredito firmemente que o simples fato de tentar pôr em prática a receita já nos fará muito bem, a nós e a todos que nos cercam. O ser humano saudável e livre, em princípio, de doenças é aquele que se aproxima o mais possível de estado de crescimento, aceitação e desenvolvimento íntimo que lhe permita adotar, de fato e não apenas para consumo externo, um padrão de comportamento semelhante ao que descrevi. Não creio que alguém assim de fato exista; 10


mas, há os que conseguem chegar bem perto, e a estes, creio, podemos chamar saudáveis. Os psicanalistas relacionam algumas características que, em conjunto, configuram o perfil do que dominamos um ser humano saudável. Muitas repetem, na essência, o que vimos na “receita de felicidade”, mas vale a pena discuti-las. São elas: 

Conquista da independência e confiança em si mesmo: Os que lograram êxito nesta tarefa têm escassa necessidade de aprovação exterior. São tão seguros de si (de fato, e não na aparência), que demonstram, nas atitudes e no dia a dia quase completa despreocupação da busca de aprovação. Eu digo quase porque também a eles agrada o aplauso e a aprovação; a grande diferença, é que, ao contrário da maioria das pessoas, não necessitam deles para viver felizes e produzir. Seus valores e razões interiores são o que, de fato, guiam seu comportamento. Daí porque não buscam deliberadamente atitudes e comportamentos que visem chocar ou agredir às pessoas, mas sim o que de fato lhes agrada.

Controle adequado das reações emocionais e desvio dos impulsos instintivos nocivos para saídas socialmente aceitas: Esse tipo de controle, que não se deve confundir com a repressão pura e simples, permite à pessoa hipotética manter seus desejos e interesses razoavelmente controlados, a fim de satisfazer também as necessidades das outras pessoas. Consegue obter prazer tanto ao dar quanto ao receber, e este é o sinal maior da maturidade. À medida que vai se aceitando a si mesma e a seus impulsos instintivos, sua capacidade de dar e receber amor suplantarão os impulsos de agressão. Dessa forma, tal pessoa será capaz de ser agressiva e hostil quando se fizer necessário, mas não sentirá necessidade gratuita de agredir, mesmo que reprimida.

Abertura nas relações com as outras pessoas: Uma das marcas deste ser humano saudável que estamos descrevendo é o grau de honestidade que cultiva em suas relações. Não finge ser o que não é. Seu comportamento tende a guardar coerência e previsibilidade: não age diferentemente do que fala. Expressa de forma tão livre e espontânea o que pensa e sente que, às vezes, pode parecer ríspido, rude e ser mal interpretado em sua espontaneidade.

Não usa as pessoas nem tripudia sobre elas. Sabe ser tolerante com os defeitos e falhas alheios; pode ser gentil delicado e desarmado, porque se sente forte e seguro. Seu coração não abriga ódio ou rancor, nem alimenta sentimento de vingança. Sabe, sinceramente perdoar, por grave que que tenha sido a desfeita que lhe fizeram. Coopera com as outras pessoas e não procura ter controle ou domínio sobre elas. Vive e deixe-as viver. É generoso e justo, sem, por isso, se deixar usar pelos outros. 

Vivências das próprias emoções: Sejam elas boas ou más, o indivíduo que estamos descrevendo sabe vivenciá-las em sua plenitude. São pessoas que “vivem de um modo mais íntimo com seus sentimentos dolorosos, mas vivem também mais intensamente os sentimentos de felicidade. A raiva (não o ódio) é mais claramente sentida, mas o amor também; o medo é uma experiência mais profunda, mas também 11


o é a coragem. E a razão pela qual podem viver de uma maneira tão plena, num campo tão vasto, é que têm em si mesmos uma confiança subjacente de ser instrumentos dignos para enfrentar a vida. São pessoas que têm coragem de ser e, portanto, mergulham em cheio na corrente da vida”. Como consequência desse mergulho no viver, as pessoas que atingem tal grau de maturidade e plenitude trazem em si uma extraordinária capacidade de extrair prazer das coisas simples da vida. Amam o viver, e isso lhe basta. 

Amor à natureza: Embutido no amor pela vida, o ser humano saudável ama a natureza e suas manifestações. Tem especial capacidade de se encantar com fenômenos corriqueiros do dia a dia, como alvorecer e pôr do sol, o nascer da lua cheia, a imensidade do oceano, o vaivém incessante das ondas do mar, o desabrochar de uma flor e até mesmo, o canto dos passarinhos, por exemplo. Aliás, outra característica do ser humano saudável é o grande respeito que tem pela vida, em qualquer de suas formas.

Respeito às crianças: A qualidade das relações que nosso modelo de gente consegue manter com as crianças é altamente enriquecedora para ele e benéfica para elas. Consegue extrair um genuíno prazer desse convívio, nunca as vendo como estorvo ou sentindo-se importunado pelo comportamento infantil. Interessa-se pelas crianças, penetra em seu mundo, consegue amá-las de forma imensa e incondicional, ao mesmo tempo em que respeita como seres humanos que são e estimula seu crescimento e autoconfiança.

Aceitação e compreensão da realidade: O indivíduo, para ser saudável, deve ser dotado de uma larga cota de sonho – de sonhar acordado –, de grande dose de ideal, mas deve, também e ao mesmo tempo, aceitar a realidade e compreendê-la, sem fantasiá-la, e sem amaldiçoá-la. Inserida na compreensão e aceitação da realidade, está uma razoável compreensão/aceitação de suas limitações, potencialidades e deficiências. Em consequência, suas metas e objetivos na vida devem ser compatíveis com a visão da realidade que têm de si próprio e das circunstâncias que o cercam.

Deve saber conviver com seus fracassos sem se deixar abater por eles. Não tem receio de enfrentar situações novas e de ousar, não porque tenha certeza do sucesso, mas por ter convicção de que, se fracassar, será forte suficiente para conviver com o fracasso e dar a volta por cima. Indivíduos assim são, portanto, otimistas, na concepção ampla de otimismo que já anunciamos. “A medida de sua saúde mental não está em saber se escorregam, mas naquilo que fazem quando escorregam”. 

Tranquilidade de consciência: Embora o sentimento de culpa seja considerado pelos psicanalistas uma manifestação neurótica, é algo que, em maior e menor grau, todos padecemos. Apenas os psicopatas dele estão isentos. Mas o ser humano que estão descrevendo vive em relativa harmonia com sua consciência e não carrega a difusa e indefinida sensação de culpa que costuma tomar conta da maioria das pessoas. Seus momentos de arrependimento – e esse tipo de pessoa também os tem – são efêmeros e servem de aprendizado e crescimento: não envenenam seu presente e, muito menos, seu futuro. 12


Este é o modelo que, acredito, todos devem buscar, mesmo estando conscientes da dificuldade, e talvez da impossibilidade, de alcançá-lo por inteiro. Quem dele se aproximar viverá certamente uma vida plena, rica para si e enriquecedora para os que o cercam e, muito provavelmente, jamais adoecerá de doença grave. Envelhecerá com serenidade e dignidade e dificilmente parará de produzir ou deixará de participar da vida. Com o passar do tempo, aprimorará cada vez mais a capacidade de observar o comportamento humano e, em vez de um velho rabugento, será visto como um sábio conselheiro. Aceitará sem azedume as limitações próprias da idade e manterá, até o fim, quase intacta sua capacidade intelectual. A esta altura da vida, terá se libertado dos últimos e frágeis grilhões que porventura o tenham feito presa da vaidade e da inveja (que, em seu caso, sempre foram mais fracos que na maioria das pessoas). Se estiver só, conviverá bem com a solidão; com certeza a ideia da morte não o angustiará tanto quanto à maioria dos idosos. A vida plena e rica que viveu será garantia de sua serenidade. Morrerá, é claro, mas é quase certo que morrerá sem doença e de repente, no uso pleno de suas faculdades mentais e engajado em alguma atividade. A aceitação das ideias que aqui expusemos, a implementação da tentativa de pôr em prática o modelo de vida que descrevemos e de encontrar o caminho do conhecimento e crescimento interior poderão não alcançar êxito capaz de trazer felicidade ao próprio indivíduo. Mas, tenho certeza, se tentado sinceramente, esse caminho trará benefícios aos que o cercam. Se a pessoa tiver filhos, serão eles os grandes beneficiados. Daí porque, se assim agirmos, estaremos por essa via, contribuindo para formar homens mais felizes e melhores; e só por meio da construção de homens melhores, lograremos o sonho de construir um mundo melhor para todos os homens.

A CONSTRUÇÃO DO SER HUMANO SAUDÁVEL

Reeducação Psíquica Sempre estamos preocupados com os perigos externos que nos ronda. Esquecemos, porém, de uma outra força interna mais explosiva e destruidora. É a vida psíquica de pensamentos, impulsos, instintos, sentimentos e emoções do homem moderno em época de globalização, seu proceder e desejos inconfessados, suas pressas, preocupações e abatimentos nervosos, são mais ameaçadores que a bomba atômica. Cada dia se modificam as fronteiras da ciência, da indústria e da política. Cada dia nos vemos expostos a impressões excitantes, no rádio, na televisão, jornais, etc. Com a globalização tão forte e tão terrível é a pressão que isto exerce sobre a nossa mente, que para muitos, o viver torna-se cada dia mais difícil pela multiplicidade de eventos. Os países ditos de primeiro mundo, cujos cidadãos de ideais muito elevados e de grande capacidade mental e afetiva sentem no organismo toda esta cobrança. No nosso modo de pensar, já não existe aquela calma do “interior”, em que as ideias se sucedem ordenada 13


e gradualmente nem aquele receber com nitidez, paz e alegria as impressões com que o mundo das cores, das formas, e dos sons nos enriqueceria, alegraria e tranquilizaria. Pouco nos damos conta de que tudo isso porque temos a mente ocupada com ambiciosos projetos, com pensamentos e medos infundados, com tristezas e preocupações. Trocamos nossa paz interior por um tumulto de ideias ou imagens que se amontoam em nós, sem se poder gravar nem assentar na mente. Falta tranquilidade para concentrar a atenção numa só coisa, daí a confusão, cansaço cerebral, nervosismo, inquietude, insônia, etc. Na vida afetiva de sentimentos e emoções aquela moderação de nossos avós, aquelas sãs e santas expansões da vida de família vão cedendo lugar à multidão de impressões de, “Facebooks”, Twitters, Zaps, etc. que enche-nos de impressões anormais sem coesão, a excitações precoces e brutais, temores ou desejos exaltados, que se gravam ou se exageram ou se transferem a objetos indevidos, dando origem a várias fobias, estresses, obsessões, angústias, ansiedades, preocupações, tristezas e como consequência disto tudo a depressão. Na vida volitiva de desejos e decisões, já são poucas as personalidades com normas fixas a seguir. Poucos são a s pessoas que sabem encarar a vida e superar suas dificuldades. Pelo contrário, cada passo encontramos seres humanos sem princípios, sem força de vontade. Ou antes, é uma multiplicidade de impulsos incoerentes ou de desejos imoderados, procedentes das excitações externas ou do instinto desenfreado, que eliminam a decisão deliberada governada pela razão. Tudo isto produz indecisão, abulia, inconstância, e desânimo, a tal ponto que o “eu consciente superior” deixa de exercer o controle sobre o “eu inferior e inconsciente”, e a vontade perde as rédeas para dirigir nosso mundo psíquico. Vida agitada e ruidosa, divertida se quiserem, mas egoísta, triste, vazia, sem proveito, atormentada, anárquica. Vida em que não se sabe descansar sossegado, nem trabalhar eficientemente, nem querer deveras, nem dominar os sentimentos. Vida, enfim em que não se sabe ser intimamente feliz, mas na qual se encobre a tristeza e o vazio sob um montão de diversões e passatempos. PORTANTO, VAMOS REEDUCAR NOSSO MUNDO PSÍQUICO, PARA UMA VIDA MAIS SAUDÁVEL?

A atividade dupla da nossa mente: a) Receptora do mundo exterior, mediante sensações conscientes: atenção suave, quase passiva, para cores, formas, objetos, movimentos, sons etc. b) Emissora de imagens, ideias ou raciocínios elaborados consciente ou inconscientemente: atenção ativa, criadora. Baseamos a reeducação da mente na distinção entre receptividade e emissividade de nosso mundo psíquico, e na afirmação segundo o qual simultaneamente, não podemos ser, plenamente, receptores e emissores. Se nos damos conta exata do que vemos ou ouvimos, não podemos, ao mesmo tempo pensar no que nos entristece ou atemoriza; pelo contrário, se pensamos no perigo, deixamos de perceber cores e sons. 14


Receptividade Receber sensações conscientes compreende, não somente a simples excitação dos sentidos pelo ruído, cor, dureza e a consequente transmissão das correntes nervosas até os centros cerebrais, mas, também a experiência das sensações, a consciência das mesmas e deixá-las arquivadas na memória. Tais sensações, de fora para dentro, não frustradas pela distração nem alteradas por pensamentos subjetivos, são tônicos do cérebro e do sistema nervoso; produzem paz, alegria, tranquilidade e repouso.

Emissividade Quando temos ideias, imagens, associações de ideias, raciocínios, que emitimos voluntariamente ou que nos são impostos pelo inconsciente, isto é a atenção ativa, é produzir, é trabalhar. Daí a possibilidade de cansaço que varia conforme a espécie de atenção. Sentimentos e emoções A falta de interesse pelo que lemos, ouvimos ou fazemos, ou a maior repulsa ou atrativo que sentimos, ou a importância que damos aos nossos desejos e temores, são os maiores inimigos da concentração. As fobias ou ideias parasitas, as preocupações ou paixões desenfreadas, são as que mais distrações causam. O remédio consiste, primeiro, em descobrir esse foco perturbador e em debilitá-lo e destruí-lo. Antes de passarmos à essas ações, vamos falar um pouco dos sentimentos e emoções: As sensações ou experiências externas ou internas afetam parte sensível de nosso organismo. As ideias ou imagens meramente especulativas são da alçada da razão. As decisões pertencem à vontade. São reações parciais do ser humano e passam sem mais consequências para o arquivo de nossa memória. No entanto, há experiências, ideias e recordações com cargas afetivas de temor ou de esperança, de alegria ou tristeza, de ódio, ira, amor etc., que afetam todo o ser. Estas não passam tão ligeiras; parecem alojar-se no nosso corpo e tendem a continuar em nossa alma, influenciando nossa personalidade. São os sentimentos e emoções em que vibram nossos nervos e todo o nosso ser ante a felicidade ou ausência dela; emoções positivas ante a boa sorte, real ou imaginária; emoções negativas ante a desventura, real ou imaginária. Nos sentimentos, a reação é suave, conservando nosso ritmo e normalidade fisiológica. Mas, nas situações de emergência, surge a emoção que modifica esse ritmo e ativa a força muscular e hormonal. Esta vibração total, necessária para o desenvolvimento normal e o funcionamento equilibrado do organismo e do psiquismo. Sem suficiente amor, segurança e alegria, a criança cresce defeituosa e anormal. Quando faltou, na infância, este alimento emocional, aparecerá, mais tarde, um jovem ou adulto socialmente inadaptado, com frieza e adaptação afetiva, com exagerada tendência ao ódio ou tristeza. Ou então será um tímido, acovardado e indeciso, ou um pessimista e um frustrado. É o caso de uma infância desnutrida que produz candidatos às doenças. Assim como o remédio para estas, consiste numa superalimentação prolongada, assim também uma alimentação prolongada de emoções positivas fará com que voltem à normalidade os que delas careceram na infância. 15


Por outro lado, o excesso de intensidade e de duração nas emoções negativas como ira, temor tristeza, pode deixar o psiquismo muito condicionado ou inclinado ao desgosto, insegurança e frustração, principalmente quando teve que sofrer tudo isto na infância com um corpo e uma alma não suficientemente preparados. Nesta apostila, deixando de lado o labirinto de teorias, definições e classificações da afetividade, o que nos interessa é distinguir entre ocasião e causa da emoção para saber canalizá-la e governá-la. Tencionamos também conhecer seu influxo no cansaço mental, nas perturbações psíquicas e nos distúrbios psicossomáticos que constituem hoje grande parte das enfermidades da humanidade.

Mecanismo emocional Qualquer acontecimento pode ser ocasião de emoções: quando avistamos um relâmpago ou um animal feroz que tenha fugido do Zoológico, o rugido da tempestade ou do leão, os insultos de um inimigo, o falecimento de um parente querido, um fracasso, uma enfermidade, uma lembrança de um perigo que tenha passado; tudo isto pode ocasionar medo, ira ou tristeza. Do mesmo modo a presença da pessoa querida, suas palavras de alento, seus apreciados dons serão ocasião de amor, de segurança, de alegria. Influirá muitíssimo em nossas reações emocionais o estado de ânimo ou: 1. Humor passageiro: “estou eufórico, otimista, de bom humor”, dizemos às vezes e então passamos a interpretar tudo o que acontece com alento e prazer. Os raios de sol, as cores do campo nos dão alegria. Saudamos com efusão até a estranhos. Não damos importância às ocasiões de tédio. Este humor ou tom sentimental é variável, costumando persistir por algum tempo. Começa e termina quase sempre sem advertência de nossa parte. Predisposições para “mau humor” podem provir de fadiga muscular prolongada, de mal-estar digestivo ou circulatório ou de condições externas como clima, profissão, etc. De outro lado o perfeito funcionamento dos órgãos ou a simples melhoria deles, mas especialmente os acontecimentos prósperos nos induzem ao “bom humor”. 2. Humor persistente: Este pode coincidir às vezes com a causa inconsciente da emoção. Um menino que cresceu feliz com a convicção ingênua de que seus pais eram instruídos, sinceros e bons, descobriu aos 13 anos que havia neles maldade e engano como os outros adultos. A decepção sofrida foi tal que conservou ele, até o seminário, uma certa agressividade para com todos que convivessem com ele. Mas este mau humor inclinação inconsciente à ira desapareceram quando ouviu falar dos 3 conhecimentos do homem: 1) O conhecimento ingênuo do menino que julga a todos bons e sábios; 2) O do adolescente (após as primeiras decepções) que de todos se guarda por considerá-los maus; 3) O conhecimento maduro do adulto: ao reconhecer que em tudo se mistura o bom com imperfeições e faltas e ao reconhecer também pela fé que todos são filhos de Deus e muitos amados pela Infinita sabedoria Dele. 16


Terá que temer humor pessimista quem, nos fracassos ou temores de infância ou adolescência, não ouviu palavras de alento nem teve pensamento ou atos de valor ou também aquele que, por uma educação muito protecionista ou muito severa, não teve suficiente expressão de sua personalidade, nem enfrentou perigos, nem tomou decisões importantes etc. Tenderá ao ódio, ao descontentamento e à tristeza aquele que imagina perseguido ou foi educado sem amor nem alegria. Assim também aquele que, acostumado a mimos excessivos, sente, ao lhe faltarem estes, como se lhe faltassem algo de essencial para a felicidade. O humor afetivo, de causas frequentemente inconscientes, faz com que estejamos como sintonizados para a ira ou para o amor, para a tristeza ou alegria e influi, juntamente com o temperamento, nos pensamentos que virão espontâneos à mente à presença do acontecimento e que serão a causa de nossas emoções. De modo que os sucessos externos transmitidos pelos sentidos ao córtex cerebral ou algum sintoma interno ou qualquer sofrimento passado, trazido pela lembrança não são os causadores, mas apenas simples ocasiões da emoção. Causa da emoção. A causa eficiente é o EU: é a maneira como cada um de nós pensa ao relacionar o acontecimento com a própria felicidade, simbolizada para uns, em sua comodidade, saúde, riqueza ou caprichos; para outros, em seu ideal, virtude, honra, Deus e para todos, na nossa vida temporal e eterna. Emoção razoável. Este EU que relaciona e pensa é a razão e então nossa emoção será razoável e útil, como o temor que nos detém ante a luz vermelha do tráfego. Emoção danosa. Se é a imaginação exaltada pela paixão ou pelo humor ou pelo instinto, aquela que analisa o acontecimento, então nossa ira ou temor serão exagerados e danosos. Destas emoções descontroladas dizemos que destroem a saúde e a eficiência do gênero humano, se produzem de 3 maneiras básicas: Emoções negativas básicas. Se nos parece que o acontecimento corta o caminho a nosso bem-estar, à maneira de um obstáculo superável, tendemos a destruí-lo: é a Ira. Se vemos nele um perigo, isto é, uma força maior que não poderemos transpor, procuramos evitá-los e fugimos: é o Temor. Quando nos parece uma perda temos tristeza. Nestas 3 emoções a felicidade tem o signo negativo: está com obstáculo, perigo ou perda. Por isso chamamos negativas. Emoções positivas. Há outras emoções, como o amor, a segurança ou confiança, a alegria, nas quais a felicidade tem sinal positivo. Por elas nós nos abraçamos com a felicidade, nós nos asseguramos e gozamos dela. As reações que elas produzem: euforia, claridade mental, distensão muscular e ativação dos câmbios nutritivos e das defesas orgânicas contra a enfermidade. Elas aumentam nossa saúde e nos dão longevidade. Ao contrário das Emoções Negativas que as encurtam e destroem. De modo que não são os acontecimentos que causam nossa ira, temor ou tristeza, mas sim o pensamento que eles suscitam em nós e que não conseguimos dominar. Pela mesma razão, não são os sucessos prósperos ou adversos que causam nossa felicidade ou infelicidade, mas nossas ideias. Se tivermos pensamentos alegres, seremos felizes ainda no meio da dor: os mártires os tinham e cantavam alegres entre tormentos. Se 17


os tivermos tristes seremos desgraçados, ainda nadando em abundância. Causas conscientes e inconscientes. Os pensamentos conscientes causadores da raiva, se reduzem a 3 grupos: 1) “EU” que sou tão, bom, sábio...não posso tolerar este tratamento”. Meu parecer e querer devem ser respeitados. Aqui a raiz da Ira é a soberba e esta pode ter origens mais ou menos inconsciente: p. ex., se desde pequenos nos inculcaram a superioridade de nossa raça ou família ou nos deixaram entregues aos nossos caprichos. 2) “Ele, Ela, Eles, Elas” são injustos, maus, têm má vontade contra mim. Aqui a raiz está na falta de apreço ao próximo pelo desconhecimento de suas qualidades ou pela exagerada visão de seus defeitos. Como causa Inconsciente pode influir estar alguém amargurado por injustiças e mau trato desde a infância ou ter ficado decepcionado ou ter estendido ou transferido a ira da pessoa ou causa que a produziu a outra que se parece com ela ou a acompanha. 3) “Aquilo, o acontecimento, o sofrimento, é intolerável”. A disposição para pensar assim depende de pouco apreço pela dor ou da covardia para suportá-la. Uma educação mole, voluntariosa ou cheia de mimos poderia influir como Causa inconsciente. Do mesmo modo algum dos mecanismos do subconsciente ativo, como p.ex., a compensação. Não vemos com frequência, na mídia quando o marido sofre de complexo de inferioridade em seu trabalho ou negócio e com os familiares banca o “machão”, maltratando-os? No temor a Ideia Consciente que o produz será: “Um perigo ameaça minha fortuna, comodidade, vida, honra ou as dos meus”. E quanto mais grave, iminente ou inevitável se apresente o perigo, tanto maior será a inibição e comoção que produzirá. São também frequentes as Causas Inconsciente, p.ex. a repressão, a transferência ou extensão que aparecem saindo do sentimento Temor. A Causa Consciente da Tristeza é a ideia de perda ou frustração. Esta pode estar latente desde uma infância transcorrida sem afeto nem alegria ou causada por um perfeccionismo ou ambição exagerada e nunca satisfeita. Desenvolvimento da Emoção Negativa. Estes acontecimentos ou estímulos chegam pelos sentidos ou pela memória ao córtex cerebral e se estivermos atentos serão analisados serenamente pela razão ou, matizados pelo nosso estado de ânimo, serão interpretados sem discorrer pela alvoroçada imaginação relacionando-os com nossa felicidade. Se parece, se há ou parece haver neles algo contra nosso bem-estar ou seus símbolos, aparecem então em nós, claramente ou latentes, mas ativos, os pensamentos expostos acima e que são causadores da emoção. Qualquer um destes pensamentos, ou uma recordação, ou imagem mental equivalente é como um sinal de alarme que chega ao hipotálamo, pedindo que toda a força da emoção se libere para a nossa proteção. O hipotálamo “sala das máquinas” da emoção, responde prontamente, lançando à luta o sistema nervoso vegetativo e, por meio dele, põe imediatamente os músculos em tensão (atitude de luta). Se a emoção for intensa, põe também em super-atividade as glândulas de secreção interna adaptando quimicamente o 18


organismo à luta pela felicidade. A tiroide, glândula da emotividade e irritabilidade nervosa, aumentará a velocidade das reações, as supra-renais aumentarão suas energias e a hipófise reforçará as defesas e regulará as outras glândulas. Efeitos orgânicos. Esta tensão, por sua intensidade, ou pela repetição de atos, pode afetar todo o organismo ou suas partes mais frágeis. Pode produzir enfermidades ou dores funcionais, psicossomáticas. Somáticas porque afetam o corpo (soma) e psíquica por serem produzidas pelas ideias e sentimentos (psique). Se a tensão se localiza nos vasos sanguíneos, empalidecemos quando pelo temor, se contrai sua envoltura muscular. Outras emoções pelo contrário, os dilatam e, então nos ruborizamos. Quando se estreitam ou dilatam os vasos sanguíneos de grossura mediana da cabeça produzem 80% das cefaleias (dores de cabeça). A ansiedade por ver melhor ou mais depressa produz tensão nos músculos de acomodação da vista e daí nasce grande parte das hipermetropias ou defeitos funcionais da visão. Seria conveniente acostumar-se à visão passiva, isto é, deixar que os objetos ou letras entre em nós, sem buscá-los ansiosamente.  A tensão na faringe produz 95% do “bolo histérico” com dificuldade de engolir e até de respirar.  Localizada no pescoço esta mesma tensão causa 75% das dores na nuca.  Nos pulmões, ela dá origem ao sufocamento e hiperventilação e também vertigens e tonturas, porque nos faz perder muito dióxido de carbono e não conseguimos oxigênio suficiente.  Do coração em tensão nasce a maioria das taquicardias ou das palpitações ou das palpitações forte que costumam vir por via emotiva. Depois do coração o tubo digestivo é, talvez, o mais afetado pelas emoções. O ódio ou a tristeza é causador, também, da maioria dos problemas intestinais.  Muitos hipertensões arteriais melhoram com uma melhor vida espiritual.

Quantas vezes uma má notícia ou mau humor produzem inapetência, indigestão ou vômitos. Estes sobretudo por uma humilhante imposição não aceita nem sublimada. Isto não quer dizer que tais dores ou sintomas sejam irreais ou pura imaginação do paciente; nada disso. São enfermidades reais, físicas. O médico consultado examinará o paciente e, talvez diagnostique que não tem nada. Tal afirmação significa que os órgãos estão completamente sãos, mas seu funcionamento ficou perturbado pela emoção. O paciente tem uma enfermidade funcional e, se não corrigir a tempo, esse mau funcionamento chegará, talvez, a afetar também o órgão. E quanto mais rica for nossa afetividade e mais clara nossa inteligência, mais expostos estaremos a estas enfermidades se não nos controlarmos, pois, seremos capazes de ver várias razões para nos preocuparmos, onde os não tão dotados somente verão uma. Em vista disso vergaremos ao peso de mais responsabilidades o que significa maior emoção. Todo este processo poderia constituir a fase elementar e espontânea da emoção, desenvolvida maravilhosamente em frações de segundo, sem tempo para deliberar e, portanto, sem responsabilidade moral. Chamamos de elementar para distingui-la de excitações mais fortes que exigem também desde o início toda 19


força dos hormônios e para distingui-la, sobretudo, da emoção reforçada quando a emoção e o pensamento que a produz se fazem mais conscientes.

Emoção reforçada, mais consciente ou fase hormonal A comoção dos órgãos chega ao córtex cerebral. Percebemos que nossos músculos se preparavam para o ataque ou a defesa. Talvez, persista ainda o excitante ou sua lembrança. Neste caso podem dar-se três reações: da razão, da imaginação e da vontade. 1ª. Que deixemos a razão pensar serenamente sobre o acontecimento e sobre a perturbação corporal. Ao descobrir que esta era desnecessária e que o ocorrido não é tão desastroso ou que traz outros bens maiores, então a comoção se acalma e volta a paz. Assim deveríamos reagir sempre. Mas infelizmente, deixamos, muitas vezes, solta a imaginação. 2ª E a imaginação exige: Antes de tudo, atenção plena a seus temores, desgostos ou tristezas. Então, será muito difícil concentrar-se em outra coisa. Recordemos, por exemplo, um momento de cólera. Se alguém vem falar-nos de outro assunto mal lhe prestamos atenção. O mesmo sucede durante uma grande preocupação. Quão difícil é, em tais casos, concentrar-nos numa leitura ou conferencia! É que a emoção exige toda a atenção para o seu foco emotivo. E esta atenção assim total pode terminar num verdadeiro assédio da mente pelo pensamento incômodo, podendo provocar os seguintes efeitos: Fixação – Essas impressões ou pensamentos desagradáveis tendem a gravar-se, fixar-se na nossa mente, repetindo-se continuadamente sem que consigamos esquece-las ou desembaraçar-se delas. Gravar-se-ão mais, se lhe dermos importância e as temermos, como quem luta com medo contra os pensamentos impuros. Apagar-se-ão, pouco a pouco, se as desprezarmos e procedermos praticamente como se não a tivéssemos. A preocupação é um fiozinho de medo que cruza o espírito como um veio d’água. Se não conseguirmos estancá-lo a tempo, abrirá um leito profundo ao qual acabarão por afluir todos os nossos pensamentos. Este verdadeiro assédio à mente é incômodo e pode acabar em obsessão. Obsessão – Nela, o pensamento sexual ou da perda que sofremos ou que vamos sofrer, não nos deixa em paz um momento, a não ser que nos ocupemos com algo muito interessante. Há uma luta contínua pela conquista do centro da nossa atenção. O escrúpulo não é mais que uma obsessão de temor. Vencemo-la tirando a importância ao perigo eterno, em que nos imaginamos, convencendo-nos de que uma enfermidade emocional não pode ter consequências de eternidade. Em seguida procuramos afastar a mente do pensamento que produz o escrúpulo, sem empregá-la nem sequer no esforço de sair da dúvida. Esta deve ser desprezada praticamente. Mas, como diremos depois, muitas obsessões persistentes tem raízes profundas, inconscientes e necessitariam por isto da ajuda de um profissional da psique. Haverá quase sempre exagero de nossos males ou perigos, chegando a aterrorizar-nos ou enfurecer-nos por causas frívolas. Se nos surpreendermos várias vezes neste exagero tiremos para toda a vida a lição seguinte: “Vejo que me inclino a temer cem males, quando haveria um só e pequeno para temer. Portanto, 20


quando doravante me surpreender atemorizado, reagirei com alegria e com a paz de um sorriso, pois já sei que a causa do temor é subjetiva e seu motivo real, insignificante”. A imaginação, interpretando o estímulo, faz com que os sentimentos negativos de tristeza ou temor sejam mais fortes e repetidos. E esta repetição é, como mencionamos antes, a causa principal das enfermidades psicossomáticas. Às vezes, a enfermidade se instala por uma única experiência muito forte, um trauma psíquico. O mais frequente é que estas enfermidades venham por emoções pequenas mais continuas. Assim se nós fizermos da família um ninho de amor, as emoções negativas do trabalho serão enfrentadas, seus efeitos seriam anulados. Tendo uma vida espiritual sincera, encontraremos nela o melhor contrapeso para desgostos e temores. Realmente, se, ao rezar ou orar, temos consciência de que conversamos com Deus, isto nos dará momentos de plena satisfação. E se, ao cumprir o dever, compreendemos que estamos realizando a vontade D’Ele, isto é, o ideal da Sabedoria Infinita, ou, o que é idêntico, a coisa mais nobre e útil que alguém possa realizar, conseguiremos ter horas de plenitude emocional, que nos imunizam contra as enfermidades psicossomáticas. 3ª O terceiro efeito da imaginação exaltada pela emoção talvez deixe gravado no subconsciente um sentimento, uma tendência permanente, uma vez que, entre o sentimento repetido e a tendência permanente de insegurança, tristeza ou desgosto quase não há fronteiras. Quem tiver esta tendência, se sentirá feliz enquanto estiver bem ocupado com alguma atividade interessante. Mas desde o momento em que sua mente fica ociosa, imediatamente a ocupam sentimentos de insegurança e tristeza que lhe tiram a paz e a satisfação. A formação desta tendência, por ex., de insegurança, deve-se não tanto aos atos de terror ou fracasso, quanto à maneira negativa de suportá-los. Se, passado o sobressalto, a pessoa se convence por si mesma ou por meio de seus educadores que não havia motivo para tanto temor, nada ou quase nada de negativo ficará na subconsciência. Mas se essas vivências não tiverem sido enfrentadas por uma atitude de pensamento mais madura, ou por atos de valor, permanecerá como que um sentimento de insegurança. Este sedimento será tanto maior, quanto mais intensos e repetidos tenham sido os atos, os sentimentos e até as imaginações de terror produzidas talvez na infância por filmes ou contos de assombração. E esta tendência sublinhando o exagero, obsessão ou transferência, pode levar-nos a um desequilíbrio duradouro, a uma neurose. Chegará a ser o sol intruso que perturbará nosso sistema psíquico. Nosso mundo interno se assemelha ao sistema planetário. Ao redor da vontade racional, rainha das nossas faculdades, deve gravitar nossa vida psíquica: sensações, impressões, ideias, raciocínios, atos volitivos deliberados. Como no sistema planetário, quando o sol exerce sua atração sobre os planetas, reina ordem e equilíbrio, assim se dá conosco, quando nossa vida psíquica obedece à vontade. Mas se, na órbita da atração solar, se interpusesse um astro que, ao invés de submeter-se ao sol, exercesse sua atração sobre os outros astros, surgiria um desequilíbrio e desordem tanto maior, quanto mais independente do sol se tornasse tal astro e 21


quanto mais intensa fosse sua força atrativa. No nosso mundo interior, esse sol intruso é a emoção forte represada, transferida ou não enfrentada que se instalou em nós: será, talvez, uma fobia ou temor infundado que não sabemos dominar, ou um escrúpulo ou preocupação que nos persegue incessantemente, ou uma atração e impulso irresistível etc. Tudo isto atrai para si, continuadamente, pensamentos, atos e sentimentos. Quanto mais longa sua duração, mais satélites terá e mais debilitado e perturbado ficará o campo da vontade. Tiremos os satélites para enfraquecer o sol intruso, isto é, não pensemos nem ajamos sob sua influência e, sobretudo, descubramos, como apareceu em nós, a fim de destruí-lo. Isto não é fácil, sem ajuda de um profissional da psique. A terceira reação possível é que na vontade livre aceite a interpretação do estímulo dada pela imaginação e queira pô-la em prática, ordenando à ação. Compreende-se que, com tantas e tão intensas reações irracionais no córtex cerebral, a nova estimulação do hipotálamo seja também mais forte. E se este, já ao primeiro sinal de alarme respondia, lançando o sistema nervoso autônomo à luta pela felicidade, agora lançará também toda a força imensa das glândulas de secreção interna. Passará o alarme à sua vizinha a hipófise, que controla direta ou indiretamente toda a força hormonal do organismo. Na hipófise armazenam-se ou se produzem doze importantes hormônios. Trataremos aqui somente de dois. O adrenocorticóidetropo ou ACHT e o somato-tropo, SHT. Emoções depressivas e SHT. Quando agentes traumáticos externos destrutivos como veneno, infecção, calor, frio invadem o organismo, a hipófise libera grande quantidade de SHT para preparar o organismo contra o invasor com anticorpos, calor, inflamação etc. faz o mesmo, quando sobrevêm situações ou emoções depressivas, como tristeza, frustração, desespero, desalento, indecisão. Excesso de SHT pode produzir hipertensão, artritismo, asma, cansaço etc. Com respeito à fadiga, todos temos a experiência de que nos cansamos logo, quando trabalhamos com desânimo, tristeza ou repugnância ou, o que é o mesmo, com excesso de SHT. Pelo contrário não sentimos fadiga quando temos entusiasmo, alegria e otimismo. Por exemplo, a mãe que trabalha e se desvela por amor ao filho, não sente o cansaço. Emoções agressivas e ACTH. Às vezes, nossas emoções não são derrotistas ou depressivas, senão agressivas, como a do raivoso ou rancoroso; a do eterno reformador descontente de tudo e de todos; a do idealista que só visa metas acima das suas possibilidades, vítima de pressas e insatisfações contínuas; a do ambicioso sempre impelido para a superatividade por competição desenfreada. Então a hipófise libera o hormônio ACTH que não se distribui pelo corpo todo como o STH, mas diretamente ao córtex das glândulas supra-renais para ativá-las. Ali está a fábrica principal destas bombas do organismo, como poderíamos chamar aos hormônios, pois apesar de serem moléculas tão pequenas, tem tanta força para o bem e para o mal. Nessa parte externa das supra-renais se produzem 27 importantes hormônios, entre eles o famoso Cortisona. Na medula (parte mais interna das supra-renais se elabora a adrenalina, hormônio que dá rapidamente ao 22


organismo grande energia para fugir ao perigo ou para lutar pela felicidade). Admiremos aqui a Sabedoria do Criador dispondo que a adrenalina não produzisse no córtex, pela ação do ACTH, como os outros 27 hormônios, pois chegaria quase sempre tarde. Com efeito: 1) Haveria de aparecer o sinal de alarme no hipotálamo; 2) Este excitaria a hipófise, que 3) Liberaria o ACHT lançando-o na corrente sanguínea; 4) Pela qual então, lentamente o ACTH chegaria às supra-renais; 5) E só então poderia a adrenalina sair e difundir-se pelo organismo para produzir a força requerida! Mas no momento preciso, emocional, em que haveria de fugir ou atacar o inimigo, o organismo ainda não teria à disposição esta força extraordinária de emergência. Para que esta força nunca chegasse tarde, dispôs Deus que a adrenalina se elaborasse na medula das supra-renais, conectando esta, por via nervosa, ao hipotálamo. De modo que enquanto este recebe o sinal de alarme, já está a adrenalina saindo, em fração de segundos! Se estes 28 hormônios ativíssimos se encontram em excesso no organismo, pelo repetido ou pelo exagerado das emoções, é evidente que serão causa de perturbação e doença. Entre outras moléstias, é fácil que produzam diabete, úlcera, desnutrição, hipertensão, insônia e que nos tornem mais expostos a infecções. Se tomássemos o nosso pulso em momentos de excitação ou de cólera, contaríamos até 170 a 200 e mais pulsações por minuto e veríamos que a pressão sobe rapidamente de 12/13 para 23 ou mais. Nestes casos é bem possível um ataque cerebral ou cardíaco e a experiência mostra-nos que são muitos os que morrem diariamente de tais ataques se, estando organicamente afetados, se deixam levar por forte emoção. Vamos repetir que todas estas enfermidades são reais ou verdadeiras e não ficção ou imaginação do enfermo, embora induzidas e aumentadas pela emoção. E vamos consignar que, quanto maior riqueza de entendimento e de coração tivermos, teremos também maior probabilidade de cair nelas. Possuindo mais aspirações e podendo descobrir mais dificuldades, é natural que nos preocupemos mais que os menos dotados. Lembre-se sempre que: A piscina de saúde é a alegria. Banhemo-nos nela todos os dias”

REEDUCAÇÃO PSÍQUICA ATRAVÉS DA NEURÓBICA - A NOVA CIÊNCIA DE EXERCÍCIO CEREBRAL

Quando esquecemos o nome de um amigo próximo, o título de um filme ou uma reunião importante, é comum fazermos o seguinte comentário: “Estou perdendo a memória. Meu cérebro começou a pifar”. As mensagens e imagens dos meios de comunicação reforçam a sua crença de que esses pequenos esquecimentos indicam os estágios iniciais do processo de declínio mental. Em geral, a partir dos 40 ou 50 anos, começamos a notar esses pequenos lapsos: não lembrar onde deixou as chaves do carro ou os óculos, o que havia na lista de compras que esqueceu em casa, não conseguir entender as instruções de um novo aparelho de TV ou computador, esquecer onde estacionou o carro porque saiu do shopping por uma porta diferente. Esses pequenos lapsos podem não interferir muito em sua vida cotidiana, mas a ansiedade que provocam, 23


talvez atrapalhe. O contato com pessoas que têm dificuldades de percepção e memória à medida que envelhecem pode deixá-lo ansioso quando subitamente você esquece alguma coisa corriqueira. Não é de admirar que você pense precipitadamente que envelhecer é um declínio inevitável que leva ao esquecimento e confusão, ou até mesmo aos primeiros estágios da doença de Alzheimer. No entanto, os pequenos esquecimentos não indicam qualquer doença grave, sendo possível tomar providências para combatê-los. Pesquisas recentes apontam novos métodos que podem ser incorporados às atividades diárias a fim de desenvolver e manter as conexões cerebrais. Ao adotar essas estratégias, você pode até aumentar a capacidade do seu cérebro de lidar com declínios na agilidade mental. Há numerosos mitos sobre o envelhecimento do cérebro que os neurocientistas estão refutando todos os dias. As provas demonstram com clareza que o cérebro não tem de entrar em declínio à medida que envelhecemos. A Neuróbica é uma nova forma de exercício cerebral projetada para manter o cérebro ágil e saudável. Ações como escovar os dentes com a mão que você não está acostumado ou andar pela casa de olhos fechados, criam novos e diferentes padrões de atividades dos neurônios em nosso cérebro: é assim que a Neuróbica funciona. A Neuróbica é muito diferente de outros tipos de exercício cerebral, que em geral envolvem quebracabeças, palavras cruzadas, exercícios de memória e várias espécies de testes. Em vez disso, os exercícios da Neuróbica usam os cinco sentidos de novas maneiras, a fim de aumentar o impulso natural do cérebro para formar associações entre diferentes tipos de informações. As associações (juntar um nome a um rosto, ou um aroma a um alimento, por exemplo) são os blocos que constroem a memória e a base da maneira como aprendemos. Criar deliberadamente novos padrões associativos é uma parte fundamental do programa da Neuróbica. Reunir as descobertas da Neurociência com o que os cientistas já sabem sobre os nossos sentidos leva diretamente ao conceito de usar o poder associativo dos cinco sentidos para ajudar na capacidade cerebral de criar seus próprios nutrientes naturais. Resumindo, com a Neuróbica você pode desenvolver seu próprio alimento cerebral, sem drogas e sem dietas. A palavra Neuróbica é uma alusão deliberada ao exercício físico. Assim como as formas ideais de exercício físico enfatizam o uso de muitos grupos musculares diferentes para aumentar a coordenação e flexibilidade, os exercícios cerebrais ideais envolvem a ativação de muitas áreas diferentes do cérebro, de novas maneiras, para ampliar o alcance da ação mental. Por exemplo, um exercício como a natação torna o corpo mais apto em geral, capaz de fazer qualquer exercício. Da mesma forma, a Neuróbica torna o cérebro mais ágil e flexível. Assim, você pode assumir qualquer desafio mental, seja de memória, desempenho de tarefa ou criatividade. Isso acontece porque a Neuróbica usa um método baseado na maneira como o cérebro funciona. 24


REEDUCAÇÃO SOCIAL A Perfeição social, objetivo da humanidade em evolução, em que o homem cada vez mais consciente desta finalidade gravada em sua psique, continua fazendo mil e uma tentativas para representar a meta final do desenvolvimento humano. “A circunstância de, numa tribo pré-histórica, ser adorado um amuleto, um lagarto, um falo (considerado como fetiche), não nos parece justificada cientificamente. Não devemos esquecer, porém, até que ponto esta concepção primitiva favoreceu a vida coletiva da humanidade, seu sentimento social, pelo fato daquele que se encontrava sob a lei do mesmo fervor religioso, haver sido considerado como irmão, como tabu e assim, recomendado à proteção da grande tribo”. Mesmo que se quisesse duvidar de que já, no início da vida, existiu a tendência à superioridade, o comportamento de bilhões de anos mostra-nos claramente que, hoje, a tendência à perfeição é um fator hereditário encontrável em todos os indivíduos. Então qual é a perfeição para a qual tende o homem? O homem tende, cada vez mais para o aperfeiçoamento do seu sentido social. O melhor exemplo que se pode mencionar até agora, é o da elevação da humanidade quando se apresenta sob o aspecto da noção de Deus. Parece-me, entretanto, que cada qual faz de Deus uma concepção diferente da dos outros. Mas, diante de sua interpretação mais pura podemos dizer: eis uma expressão concreta, concebida, com felicidade, do ideal da perfeição. A força original que foi tão eficaz na instituição de fins religiosos condutores e que devia chegar a unir entre si todos os seres humanos, não passava do sentimento social, que é necessário considerar como uma aquisição da evolução, como o resultado dum esforço em ascensão no curso do ímpeto da evolução humana. Se uns procurarem identificar esse ideal de perfeição com a ânsia de dominar, se outros buscam encarnálo na submissão a um ser superior, os únicos que podem ser bem sucedidos nas experiências legítimas são os que procuram dar soluções realistas aos problemas da vida em sociedade. O sentimento social significa, antes de tudo, a tendência para uma forma de coletividade que é preciso imaginar eterna, como poderia ser quase imaginada, se houvesse atingido o ideal da perfeição, meta que significa a coletividade ideal de toda a humanidade, última realização da evolução. Devemos nos deter inteiramente a uma concepção do sentimento social, bem como de suas normas. Cada ser humano deve orientar-se para um estado em que serão solucionadas todas as questões vitais, todas as relações com o mundo exterior. Esta meta ideal de perfeição deve ter em si a meta de uma sociedade ideal, partindo-se do pressuposto de que tudo quanto consideramos precioso na vida, o que persiste e o que subsiste, é para sempre um produto desse sentimento social. É de se esperar que, num tempo que há de vir, o poder do sentimento social triunfe de todos os obstáculos exteriores, se for dado à humanidade tempo suficiente para esta realização. A essa época, o ser humano manifestará seu sentimento social tal como respira. Até lá nada mais nos resta senão compreender esta evolução necessária das coisas e ensiná-la aos outros. 25


Sentimento social Os seres humanos encontram-se sempre diante de problemas que exigem uma preparação social. A subordinação de todas as questões vitais aos três grandes e seguintes problemas: o da vida em sociedade, o do trabalho, e o do amor. É difícil ter-se um julgamento exato a respeito de um indivíduo se não se conhece a estrutura dos problemas que a vida lhe submete e a tarefa que estes lhe impõem. Será necessário pesquisar se ele mantém seu papel social ou se, ao contrário, tenta subtrair à sua missão, segue uma via prejudicial à comunidade a fim de vangloriar-se duma superioridade pessoal (é o caso recente de um governador do RJ). A personalidade equilibra-se em definitivo no momento em que um sentimento social esclarecido ajusta o indivíduo à sociedade, ao trabalho, ao amor. Graças a ele, a ânsia de poder é atenuada; o ideal profundo da personalidade deixa a ficção e estabelece-se sobre os dados do real. É sempre da falta de sentimento social ou que se chame como quiser – vida em comum, cooperação, humanismo ou mesmo ego-ideal – que nasce a insuficiência da preparação para os problemas da vida. É esta preparação insuficiente que, diante de problemas ou em seu desenvolvimento, faz nascer milhares de formas de expressão de inferioridade física e psíquica de insegurança. Se falha a disposição para o convívio com outras pessoas e para a cooperação com as mesmas, poder-seá verificar um sentimento acentuado de inferioridade com todas as suas variantes e todas as suas consequências, geralmente sob a aparência “de uma atitude hesitante e evasiva”. São as manifestações físicas e psíquicas, mais ou menos intrincadas, que fazem, então, sua aparição; conjunto que é chamado de “complexo de inferioridade”. A tendência infatigável à superioridade tenta ocultar esse complexo por meio de um “complexo de superioridade” que, sempre para fora do sentimento social, visa à aparência de uma superioridade pessoal. Ser humano: uma unidade estruturada O homem é uma unidade e um todo ordenados. Relembremo-nos esta verdade para a ela ligar uma observação sobre o homem concreto de quem se examina aqui a disposição interna. O homem como unidade social O que dissemos até aqui refere-se ao homem em sua vida pessoal. O psíquico compreende também suas relações com o mundo exterior, e é uma tarefa digna de elogios, um campo aberto para pesquisas. Estudar o psiquismo social tanto em si mesmo como em suas raízes, tornando-o utilizável para fins psíquicos. O psiquismo social interessa-se também pela moralidade e as conclusões da moral recobrem largamente as de um estudo psíquico séria. Há, porém, alguns pontos em que a aplicação do psiquismo social peca por excesso ou por escassez. O “erro por excesso”: Existe uma inquietação psicológica e moral, a inibição do ego, da qual a psicologia se ocupa em divulgar as causas. Quando esta inibição invade o terreno moral, por exemplo, quando se trata 26


de dinamismos, como o instinto de dominação, de superioridade e o instinto sexual, a psicoterapia não poderia tratar esta inibição do ego como uma espécie de fatalidade, como uma titânia do impulso afetivo, que nasce do subconsciente e que escapa ao controle da consciência e da alma. Comportamento dentro da sociedade A sociedade que vivemos é uma sociedade competitiva. Desde a escola a criança aprende a “ganhar”; os pais ficam encantados quando o filho tira o 1º (primeiro) lugar. Assim é que o progresso material individualista e o desejo de promoção, em vista de um prestígio maior, tem mais importância, que o sentimento de partilhar o mundo, da solidariedade, etc. Trata-se de viver, mais ou menos, sozinho na sua própria casa, guardando ciosamente seus bens, procurando sempre adquirir outros, colocando na porta a placa “cachorro bravo”. O ocidente perdeu o sentido de viver em sociedade, por isso florescem tantos pequenos grupos que tentam reencontrar o que estava perdido. Temos muito que aprender com o africano e com o índio. Eles nos lembram que o essencial na sociedade é o sentimento de pertencer a ela. Acontece, porém, que o sentido de pertencer a um tal grupo de uma sociedade impede de olhar os outros grupos com amor e objetividade. Então é guerra entre tribos. Às vezes a vida africana está baseada no medo. O grupo, a tribo, dão a vida a um sentimento de solidariedade, protegem e dão segurança, mas não são verdadeiramente libertadores. Se alguém se separa do grupo, fica sozinho com seus medos, suas fraquezas. Estes medos se concretizam em torno de ritos ou de feitiços que têm um poder de coesão. A verdadeira vida em sociedade é libertadora. Minha sociedade é meu povo, a comunidade onde vivo, e também a sociedade maior que está a nossa volta e por causa de quem nos reunimos. São aqueles que estão inscritos em minha alma, como eu estou inscrito na alma deles. Quer estejamos longe ou perto, meu irmão, minha irmã, permanecem inscritos no meu interior. Eu os carrego e eles me carregam e, quando nos encontramos, nós nos reconhecemos. Somos feitos uns para os outros, feitos da mesma terra, membros do mesmo corpo. O termo “meu povo” não quer dizer que eu esteja num estágio de superioridade com relação a ele. Não quer dizer que eles são meus, como eu sou deles. Somos todos solidários. O que lhes diz respeito também a mim diz. A expressão “meu povo” não implica que haja outros que eu rejeito. Não, “meu povo” é a minha comunidade constituída por aqueles que me conhecem e que me suportam. Pode e deve ser um salto para a sociedade inteira. Não posso ser um irmão social se primeiro não amar o “meu povo” e, a partir dele, todos os outros povos. Quanto mais se caminha pessoalmente para uma unidade interior, mais cresce e se aprofunda esse sentimento de pertencer. E não somente pertencer a uma comunidade, mais ao universo, à terra, ao ar, à água, a todos os seres vivos, à humanidade. Participar dos objetivos da sociedade. O projeto básico da sociedade humana é viver juntos para serem felizes. Se algumas pessoas decidem viver juntas sem especificar seus afins, sem explicitar o porquê de sua vida comum, depressa haverá conflitos, e tudo desmoronará. As tensões numa sociedade vêm, muitas vezes, do fato de as pessoas esperarem coisas 27


diferentes e de não dizerem. Isto é logo descoberto. A mesma coisa acontece no casamento. Não se trata simplesmente de querer viver juntos. Se quisermos continuar juntos, é preciso saber o que queremos fazer juntos, o que queremos ser juntos. A sociedade torna-se verdadeiramente uma e irradiante, quando todos os seus membros têm um sentimento de urgência. Há no mundo muita gente sem esperança, muitos gritos sem resposta, muitas pessoas morrendo na solidão. Quando a sociedade perceber que seus membros não estão nelas para eles mesmos, nem para se tornarem santos, mas sim para ser feliz e também seu próximo, é aí que a sociedade se tornará realmente sociedade. A sociedade só é sociedade quando a maioria dos seus membros estiver fazendo a passagem de “a sociedade para mim” ao “eu para a sociedade”, quer dizer, quando o coração de cada um estiver se abrindo para cada membro, sem excluir ninguém. A sociedade não é uma coabitação; isto é, um quartel ou um hotel ou ainda uma equipe de trabalho. É o lugar em que cada um, ou melhor, em que a maioria (temos de ser realistas!) está saindo das trevas do egoísmo para a luz do amor verdadeiro. O amor não é um sentimento nem uma emoção passageira. É uma atenção ao outro que se torna pouco a pouco compromisso, reconhecimento de uma aliança, de um sentimento de se pertencer mutuamente. É escutá-lo, pôr-se no seu lugar, compreendê-lo, é ver que ele é importante para mim. Para que um coração faça essa passagem do egoísmo ao amor, de “a sociedade para mim” ao “eu para a sociedade”, é necessário tempo. Para amar é necessário muitas das vezes renunciar a suas convicções, as suas sensibilidades, seus confortos. O caminho do amor é tecido de sacrifícios. As raízes do egoísmo são profundas no nosso inconsciente; são, muitas vezes, nossas primeiras reações de defesa, de agressividade, de procura de prazer pessoal. Amar não é somente um ato voluntário em que se toma sobre si, para controlar e ultrapassar sua sensibilidade, e um coração purificados que se voltam espontaneamente para o outro. Os dois grandes perigos na vida em sociedade são os “amigos” e os “inimigos”. Depressa as pessoas parecidas se aproximam; é gostoso estar ao lado de alguém que nos agrada, que tem as mesmas ideias que nós, o mesmo modo de vida, o mesmo tipo de humor. Somos alimento um para o outro; há elogios mútuos: “você é maravilhoso” “você também é maravilhoso”, “nós somos ótimos, somos inteligentes, os mais espertos”. As amizades humanas podem cair depressa num clube de medíocres, fechado em si. Só há um vangloriar-se mútuo e que leva a crer que somos os melhores. A amizade não é mais o encorajamento para ir mais longe, para servir melhor nossos irmãos. A amizade torna-se sufocante e constitui uma barreira que impede de ir ao encontro dos outros, de ser atentos às suas necessidades. Com o passar do tempo, certas amizades tornam-se uma dependência afetiva, que é uma espécie de escravidão. Na realidade ele me faz tomar consciência de uma fraqueza, de uma falta de maturidade, de uma pobreza no meu interior. E talvez seja isso que eu recuso olhar. Os defeitos que eu critico nos outros são, muitas 28


vezes, os meus próprios defeitos que recuso a olhar de frente. Aqueles que criticam os outros, e a sociedade e que procuram a sociedade ideal, estão muitas vezes fugindo de seus próprios defeitos e fraquezas. Recusam seu sentimento de insatisfação. O “falso amigo” é aquele em quem só vejo “pseudo” qualidades. Suscita em mim uma certa vitalidade, um bem-estar. Revela-me a mim mesmo e estimula-me. É por isso que o amo. O “inimigo”, pelo contrário, estimula em mim emoções que não quero encarar: agressividade, ciúme, medo, falsa dependência, ódio, todo esse mundo de trevas que existe em mim. Enquanto não aceitar ser uma mistura de luz e trevas, de qualidades e defeitos, de amor e ódio, de altruísmo e egocentrismo, de maturidade e imaturidade, continuo a dividir o mundo em “inimigos” (os maus) e em “amigos” (os bons); continuo a levantar barreiras em mim e fora de mim e a espalhar preconceitos. Quando aceito ter fraquezas e defeitos, mas também poder progredir para a liberdade interior e para um amor mais verdadeiro, então posso aceitar os defeitos e as fraquezas dos outros; eles também podem progredir para a liberdade do amor. Posso olhar todos os homens com realismo e com amor. Somos todos pessoas frágeis e mortais, mas temos uma esperança, pois é possível crescer. Não estamos fechados para sempre numa prisão de egoísmo e de trevas. É possível amar. Assim, tornase possível aceitar os outros e perdoar. Enquanto não vejo nos outros qualidades que refletem as minhas, não há crescimento possível; o relacionamento é estático e haverá um corte, mais cedo ou mais tarde. O relacionamento entre as pessoas só é autêntico e estável quando se fundamenta sobre a aceitação das fraquezas, o perdão e a esperança de um crescimento. Se o cume da vida em sociedade está na celebração, o seu coração é o perdão. A sociedade é o lugar do perdão. Apesar de toda a confiança que podemos ter uns dos outros, há sempre palavras que ferem, atitudes em que a gente se põe na frente do outro, situações em que as suscetibilidades se chocam. É por isso que viver juntos implica uma certa renúncia, um esforço constante e uma aceitação que é um perdão mútuo de cada dia. Muitas pessoas procuram certas comunidades sem saber que se entra para descobrir aí o mistério do perdão, logo chegará a decepção. O cultivo da paciência Nós não somos senhores da nossa sensibilidade, de nossas atrações, de nossas repulsas que vêm dessas profundezas do nosso ser que controlamos mais ou menos bem. Nossa sensibilidade foi constituída de mil medos e egoísmos desde a nossa infância; como também é constituída pelos gestos de amor. É uma mistura de trevas e de luz. E não é num dia que esta sensibilidade será endireitada. Isso exigirá mil purificações, perdões, num esforço diário. Transformar pouco a pouco a nossa sensibilidade, para poder começar a amar realmente o “inimigo”, é um trabalho exigente. Temos que ser pacientes com a nossa sensibilidade, nossos medos e misericordiosos 29


conosco mesmos. Para fazer esta passagem para a aceitação e amor do outro, de todos os outros, temos que começar simplesmente por reconhecer nossos bloqueios, nossos ciúmes, nossa mania de comparação, nossos preconceitos e nossos ódios mais ou menos conscientes, reconhecer que somos pobres, e que somos o que somos. Uma vez que reconhecemos, que temos esses bloqueios de antipatia, temos que nos esforçar para não deixar a língua livre, essa língua que tão depressa semeia a discórdia, que gosta de revelar as faltas e os erros dos outros, que se alegra quando os outros não têm razão. Quando aceitamos nossos defeitos, é mais fácil aceitar os dos outros. Ao mesmo tempo, é preciso também tentar, com lealdade, ver as qualidades do “inimigo”. Ele tem algumas, certamente. Mas porque eu tenho medo dele, ele tem provavelmente medo de mim. Se eu tenho bloqueios, ele também deve ter. É difícil para duas pessoas, que têm medo uma da outra, descobrirem qualidades mútuas. É preciso um mediador, um reconciliador, um artesão da paz, uma pessoa que tenha confiança e que se entenda também com o inimigo. Se eu confessar a um terceiro as minhas dificuldades, ele poderá ajudar-me a descobrir as qualidades do “inimigo”, ou pelo menos a compreender minhas atitudes e meus bloqueios. E depois, tendo visto as qualidades dele, poderei um dia usar a minha língua para falar bem dele. É um longo caminho que me levará um dia, a um gesto final, em que pedirei ao antigo “inimigo” um conselho ou um serviço. O fato de pedir ajuda, ou um serviço qualquer, toca muito mais do que querer ajudar ou prestar um serviço. A paciência, como o perdão, estão no coração da vida social: paciência conosco mesmos, com nosso ritmo de crescimento e paciência com os outros. A harmonia no ambiente do trabalho, em nossos lares, no lazer, está fundada sobre a aceitação e o amor da realidade do nosso ser, e da realidade dos outros, e sobre a paciência e a confiança necessárias para o crescimento. A confiança social partilhada No coração das relações sociais está a confiança mútua nascida do perdão do cotidiano e da aceitação das nossas pobrezas e fraquezas. Mas esta confiança não nasce num dia. É por causa disso que é preciso tempo para formar uma verdadeira relação social. Quando alguém começa a se relacionar socialmente, sempre se põe a representar uma certa personagem, porque quer ser conforme o que os outros esperam dele (a). Pouco a pouco descobre que os outros o amam tal qual ele é e têm confiança nele. Mas a confiança é uma coisa que deve ser provada e que deve crescer sempre. Os recém-casados amam-se muito talvez, mas este amor tem, por vezes, um elemento superficial e excitante ligado à descoberta que acaba de ser feita. O amor é mais profundo entre velhos esposos que passaram por provas e que sabem que nada mais vai abalar o seu casamento. Acontece o mesmo nas nossas relações sociais: é muitas vezes depois de sofrimentos, de grandes dificuldades e tensões que a confiança cresce. Uma relação social, onde há uma verdadeira confiança mútua é inabalável. 30


Nosso local de trabalho, nossa família, nossos vizinhos não é simplesmente um grupo de pessoas que vivem juntas; é uma corrente de vida, um coração, uma alma, um espírito. Viver em sociedade: no trabalho, na família, no lazer é descobrir e amar o segredo de nossa pessoa, naquilo que ela tem de único. É assim que nos tornamos livres. Então não vivemos mais conforme os desejos dos outros, ou conforme uma personagem, mas sim a partir do apelo profundo da nossa pessoa, e nos tornamos livres para descobrir a pessoa profunda do outro. O direito de ser eu mesmo Uma das grandes dificuldades do convívio social é que se obriga, às vezes, as pessoas a ser o que não são; impõem um ideal a que têm que se adaptar. Se não conseguem identificar-se com a imagem que se faz delas, temem não ser amadas ou então se decepcionar. Se conseguem, pensam que são perfeitas. Ora, em sociedade não se trata de pessoas perfeitas. A sociedade é feita de pessoas ligadas umas às outras cada uma feita de uma mistura de bem e de mal, de trevas e de luz, de amor e de ódio. E a sociedade é apenas a terra em que cada um pode crescer, sem medo, para a libertação das formas de amor que estão escondidas em si. Mas só haverá crescimento quando reconhecermos que há possibilidade de progresso e, portanto, que há um mundo de coisas para purificar no interior de nós, trevas para transformar em luz, medos para transformar em confiança. Muitas vezes, no convívio social, espera-se demasiado das pessoas e isso impede de se reconhecerem e de se aceitarem como são. Logo são julgadas ou classificadas em categorias. Então sentem-se obrigadas a se esconder atrás de uma máscara. Mas elas têm o direito de ser feias e sem graça, e de estar cheias de trevas no interior, ter cantos ainda endurecidos no coração aonde se esconde o ciúme e mesmo o ódio. Estes ciúmes, estas inseguranças são naturais, não são doenças vergonhosas, pertencem à nossa natureza ferida. É a nossa realidade. É preciso aprender a aceitá-las, a viver com elas sem dramas. Há pessoas psicologicamente muito feridas, que carregam verdadeiros bloqueios e neuroses profundas. Terrivelmente feridas e machucadas na infância, construíram barreiras enormes por causa da sua vulnerabilidade. Não se trata de mandá-las sempre para um psiquiatra, nem para psicoterapias. Elas também têm de exercer seu dom dentro da sociedade. Ajudemo-nos uns aos outros a aceitar essas neuroses e estas barreiras. É a melhor maneira de fazê-las desaparecer vagarosamente. É difícil fazer com que as pessoas compreendam que a perfeição absoluta não existe, que o equilíbrio pessoal e a harmonia sonhada só chegam depois de anos e anos de luta e de sofrimento, e que, mesmo assim, são apenas como toques de graça e paz. Se procurarmos sempre o equilíbrio, diria mesmo, se procurássemos muito a paz, nunca a alcançaremos, porque a paz é um fruto do amor e portanto do serviço aos outros. Aos que procuram esse ideal inacessível, gostaria de dizer: “Não procurem muito a paz, mas onde estiverem, doem-se; para de se olhar e olhem para as pessoas que estão com necessidade. Questionem-se como podem amar, hoje, melhor as pessoas. Então encontrarão a paz: encontrarão o repouso e esse famoso equilíbrio que 31


procuram entre interioridade e exterioridade, entre o tempo para si e o tempo para os outros. Não percam tempo correndo atrás da sociedade perfeita. Vivam plenamente na sua família, no seu bairro, no seu estado, no seu país. Parem de ver os defeitos que eles tem; olhem antes para os seus próprios defeitos. Às vezes é mais fácil escutar os apelos dos pobres, que estão longe, do que escutar os das pessoas que nos cercam. Não há glória em responder ao apelo daquele que está ao meu lado, dia após dia, e que me aborrece. Talvez só se seja capaz de responder aos apelos dos outros, quando se reconhecer e se assumir a sua própria fraqueza. Exercer o seu dom Por em prática o seu dom é construir a sociedade. Não ser fiel ao seu dom é prejudicar toda a sociedade e cada um dos seus membros. Por isso é importante que cada um conheça seus dons, os ponha em prática e se sinta responsável pelo seu crescimento; é necessário que seu dom seja reconhecido pelos outros e que lhes preste contas do seu modo como faz frutificar seu dom. Os outros precisam deste dom e têm o direito, pois, de saber como é posto em prática e devem encorajar quem o possui e ser fiel a ele e fazê-lo crescer. Cada um encontra seu lugar na sociedade, conforme o dom que possui. É assim que se torna não só único, mas também necessário para os outros. Só assim, as rivalidades e os ciúmes desaparecem. O ciúme é um dos flagelos que destroem a sociedade. É consequência de ignorarmos nossos dons ou de não acreditarmos o suficiente neles. Se estivéssemos suficientemente convencidos dos nossos dons, não teríamos ciúmes do dons dos outros, que sempre nos parecem melhores. Muitas sociedades formam seus membros para que sejam todos semelhantes, como se isso fosse uma qualidade baseada na abnegação. Tais sociedades são fundadas na lei, no regulamento. Pelo contrário, é preciso que cada um cresça no modo como pratica seus dons, para construir a sociedade, torná-la mais bela, mais irradiante. E não devemos só olhar os dons exteriores, os talentos. Há dons escondidos, latentes, muito mais profundos, e que devem florescer. Há pessoas que tem talentos fora do comum: são artistas, administradores competentes, etc. Às vezes a personalidade da pessoa está tão ligada à sua atividade, que criam-se maus hábitos e esses talentos são exercidos, mais ou menos para a glória pessoal, ou com o desejo de se afirmar e dominar. Em tais casos, vale mais que a pessoa não exerça seus talentos na sociedade. Ela teria dificuldade demais em fazê-lo para o bem dos outros. É preciso que ela descubra um dom mais profundo. Há outras pessoas, pelo contrário, são bastantes maleáveis e abertas ou com uma personalidade menos rígida. Poderão utilizar sua competência como um dom a serviço da sociedade. O dom é a parte que cada um traz para a edificação da sociedade. Se alguém não for fiel ao seu dom, faltará alguma coisa na construção. O dom não está necessariamente ligado a uma função. Pode ser a qualidade de amor que anima uma função, como pode ser uma qualidade de amor manifestada na sociedade fora de toda função. Há aqueles 32


que tem o dom de sentir imediatamente e de viver o sofrimento dos outros: é o dom da compaixão; outros tem o dom de sentir quando há alguma coisa que vai mal e são capazes de logo apontar o dedo: têm o dom do discernimento; outros têm o dom da luz, veem claro no que diz respeito às opções fundamentais da sociedade; outros têm o dom de animar e criar um clima propício para a alegria, o discernimento e o crescimento profundo dos outros; outros tem o dom de discernir o bem das pessoas e de as ajudar; outros tem o dom da acolhida. Cada um tem um dom e deve poder exercê-lo para o bem e o crescimento de todos. Os homens se organizam em sociedade para que cada pessoa se sinta livre para ser ela mesma, expressarse e dizer com toda confiança o que vive e o que pensa. Nem todas as sociedades chegam a esse ponto, mas é preciso que tendam para isto. Enquanto alguns tiverem medo de se expressar, medo de serem julgados ou considerados idiotas, medo de serem rejeitados, é sinal de que precisa progredir. No coração da sociedade deve haver uma escuta cheia de respeito e ternura que desperte no outro o que há de mais belo e de mais verdadeiro. Expressar-se não é simplesmente dizer que o que vai mal, suas frustrações ou suas cóleras – mas vezes é bom dizer – mas é falar de suas motivações profundas e do que se está vivendo. É muitas vezes o modo de exercer seu dom para alimentar os outros e ajudá-los a crescer. A sociedade é o lugar do crescimento para a libertação interior de cada pessoa, do desenvolvimento de sua consciência pessoal, de sua união com Deus, de sua consciência de amor, de sua capacidade de dom e de gratuidade. A sociedade não deve nunca ter a primazia sobre as pessoas. Pelo contrário. A beleza e a unidade de uma sociedade vem da irradiação de cada consciência pessoal, transparente, verdadeira, cheia de amor e livremente unida aos outros. Certas comunidades dentro da sociedade tendem a suprimir a consciência pessoal para que haja pseudo unidade maior. Tendem a impedir que as pessoas pensem e que tenham uma consciência pessoal; tendem a suprimir o segredo e a intimidade da pessoa, como se tudo o que se assemelhe a liberdade pessoal fosse contra a consciência de unidade do grupo e constituísse uma traição. Todo mundo deve pensar a mesma coisa, então, manipulam-se as inteligências; é uma lavagem cerebral. As pessoas tornam-se autômatos. Esta unidade funda-se no medo: medo de ser eu mesmo, medo de ficar sozinho, medo da autoridade tirânica, medo das forças ocultas e das represálias (se alguém se separar do grupo). A sedução das sociedades secretas e certas seitas é muito grande para as pessoas que têm falta de confiança em si próprias e que têm personalidade fraca, e às vezes sentem-se seguras ligando-se totalmente aos outros, pensar só o que os outros pensam, obedecer sem refletir e ser manipuladas. O sentimento de solidariedade torna-se maior ainda. A pessoa profunda fica frágil diante da força do grupo do qual se torna quase impossível sair. Há como uma chantagem latente; as pessoas são comprometidas de tal modo que não podem mais sair. Numa verdadeira sociedade, cada pessoa deve poder preservar o segredo profundo do seu ser, que não deve necessariamente confiar aos outros. Nem mesmo partilhar. Há certos dons de Deus, certos sofrimentos, certas fontes de inspiração que não devem ser ditas a sociedade. E cada um deve poder aprofundar-se na sua 33


consciência pessoal. Aqui está precisamente, a fraqueza e a força da sociedade: fraqueza, pois se está diante de um desconhecido, o desconhecido da consciência pessoal de cada um que, porque é livre, pode aprofundar-se na gratuidade e no dom e assim construir a sociedade; ou, pelo contrário, ser infiel ao amor, tornar-se mais egoísta, prejudicar a sociedade; fraqueza também, porque havendo prioridade da pessoa sobre a sociedade, a pessoa pode encontrar um outro lugar na sociedade, e não assumir mais a função que a sociedade poderia achar mais útil, ou pode mesmo deixar a sociedade e se tornar um eremita. Enquanto houver medos e preconceitos no coração dos homens, haverá guerras e desigualdades gritantes. Para resolver os grandes problemas políticos é preciso, em primeiro lugar, mudar os corações. A sociedade é o lugar vital que permite aos homens ser pessoas, sarar e crescer na afetividade profunda, caminhando para a unidade e a libertação interior. Diminuindo os medos e os preconceitos, aumenta a confiança nos outros e a sociedade pode irradiar e dar testemunho de um estilo e uma qualidade de vida que trarão uma solução para as perturbações do nosso mundo. A resposta para a guerra está em viver como irmãos, a resposta para as desigualdades está na partilha; a resposta para o desespero está numa confiança e numa esperança sem limites; a resposta para o preconceito e o ódio está no perdão. Sim, trabalhar para a sociedade é trabalhar para a humanidade. A paz é trabalhar para a solução política verdadeira. Há pessoas que têm dificuldades de viver com outras. Precisam de muita solidão, de um grande sentimento de liberdade e, sobretudo, de ausências de tensões. É preciso, de maneira absoluta, que não sofram pressões, caso contrário reagirão com depressão ou agressividade. São, muitas vezes, pessoas muito sensíveis e delicadas, que têm, quem sabe, uma grande riqueza de coração. Não poderiam suportar as dificuldades da vida em sociedade. São, antes, chamadas a viver sozinhas ou com alguns amigos privilegiados. Não devem pensar que, não sendo chamadas para uma vida em sociedade, são pessoas sem lugar, sem dom, sem vocação. O seu dom é outro. São chamadas a ser testemunhas do amor de um outro modo. Vivem uma certa vida social com amigos ou grupos com os quais se encontram regularmente. Descubro cada vez mais pessoas que são sós e a quem a solidão pesa. Entram na vida social com certos problemas emocionais, a que se pode chamar de “mau caráter” e que é, muitas vezes, fruto de sofrimento e incompreensões. É bom que essas pessoas possam entrar numa atividade social que será para elas um apoio, um lugar crescimento. Às vezes, na nossa vida social, nós nos colocamos diante do essencial. Partilhamos escutando uns e outros, descobrindo sua caminhada, o modo como Deus os conduz e os faz crescer. Fico impressionado ao ver que a partilha de nossas fraquezas e de nossas dificuldades é um estímulo maior para os outros do que a partilha dos nossos sucessos. No fundo, na vida em sociedade, temos sempre tendências para nos desencorajarmos. Pensamos que os outros fazem melhor ou que não têm as mesmas lutas. Quando descobrimos que estamos todos no mesmo 34


barco, que todos temos os mesmos medos, que todos temos os mesmos cansaços, isto nos ajuda a continuar. É curioso como a humildade de uma pessoa nutre os outros. É porque a humildade é verdade, é confiança. Um dos maiores pecados na vida social é, talvez, uma certa forma de tristeza e morosidade. É fácil ficar com alguns amigos criticando os outros, dizendo “estou cheio”, “tudo vai mal”, “não é mais como antes”. Esse estado de espírito, inscrito na face das pessoas é um verdadeiro câncer que pode espalhar-se por todo o corpo. A tristeza, como o amor ou a alegria, são ondas que se propagam imediatamente. Todos somos responsáveis pela atmosfera da sociedade. Autoridade & Poder Poder é ter possibilidade ou autorização para determinar, agir, mandar. Em todo lugar e nas diferentes situações vividas em sociedade, podemos encontrar vários exemplos de exercício do poder. Há quem lute pelo poder a qualquer preço, expondo seu lado negativo, mas o lado positivo do poder é caracterizado por uma preocupação constante com os objetivos comuns. Engana-se quem acha que ter poder é ter força, é apenas mandar, dar instruções, oprimir os outros. Ao contrário, poder é ter capacidade de exercer influência, ter capacidade de mudar o comportamento ou as atitudes de outros indivíduos. Aqueles que desempenham positivamente seu poder encorajam os membros da equipe a desempenhar suas tarefas com competência, sem medo. Pode ser comum e até parecer que sim, mas o poder não se limita aos administradores ou àqueles que ocupam cargos elevados. O poder, então, é um fato real, e dele não podemos fugir. Devemos sim, aprender a usá-lo e não abusar dele, para alcançarmos nossos objetivos. Já a função da autoridade numa sociedade só pode ser compreendida se for vista como um dom para construção desta sociedade. A autoridade é muito importante, pois o crescimento da sociedade depende de grande parte como ela é exercida. Mas olha-se, às vezes demais, a autoridade como um único dom. Um presidente de uma nação, por exemplo, não tem todas as respostas para as aflições de uma sociedade; sua função pelo contrário, é ajudar cada membro a ser ele mesmo e a exercer seus dons próprios, para o bem de todos. Uma sociedade só pode ser um corpo harmoniosamente unido numa mesma vida de relação. Se só se vir o esquema patrão-empregado, oficial-soldado, autoridade-executante, não se pode compreender o que é uma sociedade. A autoridade não é somente uma função do governo, mas de cada um daqueles que tem autoridade sobre alguém. Em qualquer sociedade há sempre um responsável por uma determinada atividade. O responsável por uma função, recebeu uma missão que lhe foi confiada quer pelo voto, quer pelo superior que o nomeou, logo deve prestar-lhes contas. De fato, a autoridade é para a liberdade e o crescimento das pessoas. O responsável deve ser um servidor das pessoas, para que todos cresçam. Um responsável deve preocupar-se com o que os outros pensam, mas não deve ficar preso a isso. Ele tem 35


uma responsabilidade e não tem o direito de assumir certos compromissos, de viver na mentira ou ser instrumento de injustiça. Aquele que tem a última palavra na sociedade carrega sempre uma parte de solidão; mesmo que seja ajudado por um conselho, estará sozinho nas decisões finais. É por isso que ele precisa, mais do que qualquer outro, ter um tempo só para si, para afastar-se dos acontecimentos. É neste momento de solidão que a inspiração nascerá nele e sentirá em que direção ir. É preciso que tenha confiança nessas intuições, sobretudo se forem acompanhadas de uma paz profunda, mas também procurar uma confirmação, falando delas com os membros da sociedade que têm mais discernimento, depois com o seu conselho ou com outros. Diante das decisões difíceis que comprometem o futuro, precisa, claro, raciocinar e refletir. Precisa ter o máximo possível de informações. Mas no fim, por causa da complexidade dos problemas e da impossibilidade de prever tudo, a autoridade deve – tendo assimilado tudo – apoiar-se sobre essas intuições profundas que recebeu na solidão. É o único modo para adquirir essa liberdade que lhe permitirá avançar e tomar decisões sem ter medo do fracasso. Há diferentes modos de exercer a autoridade e dar ordens: o do chefe militar, o do chefe de uma empresa e o responsável por uma comunidade. O general tem em vista a vitória; o chefe de empresa, o lucro; e o responsável por uma comunidade, o crescimento e bem-estar das pessoas. O responsável por uma nação tem uma dupla missão: deve conservar seus olhos, e os olhos da sociedade, fixos no essencial, nos objetivos fundamentais e mostrar sempre o caminho, para não deixar a nação perderse em histórias, em coisas secundárias e acidentais. Tem também por missão criar uma atmosfera de paz e de alegria entre a população. Pela relação com cada um, pela confiança que lhes manifesta, leva cada um a ter confiança nos outros. O terreno propício para o crescimento humano é um meio ambiente sem tensões, feito de confiança mútua. Quando há rivalidades, ciúmes, suspeitas, bloqueios de uns em relação a outros, não pode haver sociedade, nem crescimento, nem testemunho de vida. Há tantos modos de exercer a autoridade quanto há diversidade de temperamentos. Há aqueles que tem temperamento de chefe, que são criativos, que têm uma visão do futuro; caminham na frente. Há os que são mais tímidos e humildes: caminham no meio dos outros; são excelentes coordenadores. O essencial para qualquer responsável, é que ele seja servo mais do que chefe. Quem assume uma responsabilidade porque quer provar alguma coisa, porque, por temperamento, tem tendência para dominar e mandar, porque precisa aparecer ou porque quer privilégios ou prestígio, será sempre um mau responsável, porque não procura ser, antes de tudo, ser servo. Certas organizações escolhem às vezes, um responsável por causa de suas capacidades de administração, ou por causa de sua ascendência sobre os outros. Nunca se deve escolher um chefe por suas qualidades naturais, mas porque ele se mostrou, até então, alguém que colocou os interesses da instituição acima dos interesses pessoais. Vale mais alguém, mesmo tímido, ou que esteja pronto para servir os outros e a instituição, do que alguém que seja “capaz”, mais apaixonado por si mesmo. 36


A primeira qualidade de um responsável é amar os membros de seu círculo social, seja ele, familiar, trabalho ou lazer e sentir-se responsável pelo seu crescimento. Isto implica que ele carregue suas fraquezas. As pessoas sentem logo se o responsável os ama, tem confiança neles, ou se, pelo contrário, está lá para exercer um poder, ou impor sua visão, ou se é um fraco que só procura ser amado por eles. Ninguém se sentirá feliz se os responsáveis estiverem constantemente preocupados, sérios, fechados sobre si mesmo. É verdade que a responsabilidade é uma cruz que é preciso carregar cada dia, mas devemos aprender a carregála alegremente. Um dos perigos para o responsável é deixar que uma decisão se arraste, com medo de a tomar. Mas não tomar uma decisão já é uma decisão. É verdade que a paciência é uma qualidade importante para um responsável. Ele não deve agir debaixo de cólera. Precisa saber escutar, informar-se, ter o tempo necessário, mas, ao mesmo tempo, depois de ter se aconselhado, deve decidir e não se deixar governar pelo tempo e pela história. Um bom responsável é aquele que gera confiança e esperança. Quanto mais o tempo passa, mais vejo como é difícil exercer a autoridade na sociedade. Depressa se quer mandar por questão de honra, de prestígio ou da admiração que se recebe ou para provar alguma coisa. No interior de nós existe um pequeno tirano que quer poder e o prestígio e que se agarra a isso; quer-se dominar, ser superior. Teme-se qualquer crítica, qualquer controle, é o único a querer ter razão; acha que tudo pode, não delega responsabilidades e acha sabe tudo, fazendo tudo, mandando tudo, conservando a qualquer custo a sua autoridade. Os outros ficam reduzidos a executantes incapazes de julgar bem as coisas. Só se permite a liberdade na medida em que não atrapalhar nossa autoridade e com condição de a poder controlar. Quer-se que nossas ideias se realizem imediatamente; a sociedade torna-se, então, “nossa” coisa, “nosso” projeto. Todas essas tendências se infiltram facilmente no exercício da autoridade em diversos graus. É importante, na vida social, que os limites do poder de cada um estejam claramente definidos e até mesmo escritos. Rapidamente um pai ultrapassa o seu poder sobre os filhos ao querer formá-los conforme seu projeto. Depressa deixa de levar em conta sua liberdade ou seus desejos. Não é fácil, no exercício da autoridade, encontrar o meio termo entre o dominar demais e o deixar fazer tudo. O perigo do orgulho e o desejo de dominar é tão grande para o chefe que ele precisa de barreiras e limites que fixem até onde vai seu poder, e precisa de sistemas de controle que o ajudem a ser objetivo e a estar verdadeiramente a serviço da sociedade. A rivalidade e o ciúme entre certos membros da sociedade, é uma força terrível de destruição. Uma sociedade unida é como um rochedo; uma sociedade que se levanta contra si mesma, destrói-se rapidamente. As mulheres são muitas vezes rivais e têm ciúmes no campo do amor; os homens são rivais e ciumentos no campo do poder. 37


A rivalidade entre os membros de uma sociedade aparece, muitas vezes, quando se trata de votar para eleger um responsável; ou então é uma rivalidade por causa da irradiação espiritual ou intelectual. Estas lutas pelo poder e pela influência estão profundamente enraizadas no coração humano. Tem-se medo de não existir mais se não for eleito, se não conseguir ser promovido a tal cargo. Depressa se identificam cargo, dom e pessoa; popularidade, ser reconhecido pelo grupo e qualidade do ser. Nenhuma autoridade está ao abrigo de julgamentos rápidos que ferem as pessoas e as arrastam num círculo vicioso de cólera e tristeza. A humildade é a terra da unidade e a salvaguarda contra divisões sociais. Um responsável ou autoridade dentro da sociedade deve sempre preocupar-se com as minorias e com aqueles que não têm destaque social. Deve estar sempre os escutando e fazer-se seu intérprete diante da sociedade. É o defensor das pessoas, pois a pessoa, no seu ser profundo, não deve nunca ser sacrificada ao grupo. A sociedade é sempre para as pessoas, e não o contrário. Uma das coisas mais importantes, para aquele que tem autoridade, é ter prioridades claras e nítidas; não deve se perder em mil pequenos detalhes, pois corre o risco de perder a visão de conjunto. É preciso que permaneça constantemente com os olhos no essencial. No fundo, a melhor autoridade é aquela que faz um pouco, mas que lembra aos outros o essencial de sua função e da sua vida, que os chama para assumir responsabilidades, os sustenta, os confirma e os controla. Um responsável não deve jamais cansar-se de dividir o trabalho com os outros, mesmo se sentir que não fazem tão bem o trabalho quanto ele, ou diferente dele. É sempre mais fácil fazer as coisas do que ensinar os outros a fazê-las. Um responsável que cai na armadilha de querer fazer tudo ele mesmo corre o risco de se isolar. Quando se confia uma responsabilidade a alguém, é preciso sempre dar-lhes meios para poder assumi-la. É preciso evitar a super-proteção, que é afinal uma recusa de dividir a responsabilidade. É preciso dar o direito de errar, de dar com “os burros n’água”. Fazer tudo para evitar que alguém fracasse é também impedir que tenha sucesso. Mas carregar uma responsabilidade, não se pode estar completamente sozinho. É preciso alguém que aconselhe, sustente, encoraje e controle. Nunca se deve deixar alguém “virar-se” sozinho, quando as situações e as tensões são muitos pesadas. É preciso alguém a quem se possa falar livremente, que compreenda e que confirme na responsabilidade; uma presença discreta que não julga, que tenha experiência das coisas humanas, alguém em que se confia e que dá confiança. Caso contrário, o responsável corre o risco de não aguentar. “A cruz da responsabilidade é, às vezes, pesada e o amigo cheio de compreensão, o irmão ou irmã mais velho, são necessários para torná-las mais leve”.

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POR QUE AFINAL ADOECEMOS?

O que é doença? A doença, seja qual for, pode ser entendida como uma perturbação não resolvida no equilíbrio interior do ser vivo e em sua interação com o ambiente que o cerca (homeostase). A vida só é possível dentro de determinadas químicas (quantidade de sal no corpo, por exemplo), físicas (temperatura corporal) e ainda imunológicas. A concepção do psiquismo e de seu caráter dinâmico, introduzido por Freud, nos indicam que também aí há um equilíbrio a manter, que influencia e, ao mesmo tempo, é influenciado por outras variáveis. A perturbação no equilíbrio a que se faz referência pode provir tanto do interior quanto do exterior. Em qualquer dos casos, a primeira reação do organismo é tentar restabelecer o equilíbrio, seja eliminando o que o perturba, seja adaptando-se à nova situação. O entendimento do processo saúde/doença, inserido no ciclo vital de uma pessoa nos permite três observações importantes: a primeira é que, seguindo esse ciclo o seu curso natural, a doença seria um evento tardio, alcançando o indivíduo na velhice avançada, já incapacitado, podendo até nem a vir ocorrer, ou seja, a pessoa morreria sem apresentar doença propriamente dita, que é o objetivo que devemos perseguir. A ocorrência de estados de doença antes dessa fase terminal seria antinatural e poderia trazer, como consequência, a incapacidade, a velhice e/ou até mesmo a morte precoce. A segunda observação nos permite inferir que não há, necessariamente, uma clara delimitação entre a doença e a não-doença: haveria, na verdade, um continuum, uma espécie de “zona cinzenta” que, quase imperceptivelmente, se tornaria mais clara ou mais escura, conforme o caso. A última, mas não, menos importante, dessas observações mostra que o processo saúde/doença dependerá da conjunção da carga genética com que a pessoa nasce e dos fatores de risco a que se expõe ao longo da vida. Essa conjunção, por sua vez, é modulada pela interação do ser humano com o ambiente (ecologia), com o meio social (incluídas aqui a cultura e as relações com as outras pessoas) e tem como ponto central o psiquismo e a personalidade do indivíduo. A lógica dessa observação é a noção pluri-causalidade das doenças ou, em outras palavras, a aceitação de que a doença acontece como decorrência de vários fatores, e não de um único. Tome-se, por exemplo, o caso da AIDS. Se declararmos que o vírus HIV é a causa da doença, isso significará que sua presença pura e simples no organismo da pessoa, seria razão suficiente para declará-la doente, o que não é verdadeiro, visto que se pode portar o vírus sem estar doente. Por outro lado, por mais que alguém se apresente doente, não ´podemos dizer que tem AIDS se não existir (ou tiver existido) o vírus no organismo. Nesse caso a presença do vírus é fator (ou causa) essencial para a doença, mas não é necessariamente suficiente. Fatores (ou causas) suficientes são aqueles que possibilitam a causa essencial se manifestar como doença. Além destes, há também os fatores predisponentes ou desencadeantes, como é por exemplo, no caso 39


da AIDS, um comportamento sexual de risco (predisponente), ou um fato qualquer que haja desencadeado a doença em que era, até então, meramente portador do vírus (desencadeante). Em face da interpenetração dos diversos aspectos embutidos, não apenas na gênese, mas também na evolução e no desfecho de uma doença, diante de cada pessoa doente cabe perguntar: Porque adoeceu? Por que adoeceu do modo como adoeceu? Por que adoeceu nesta época da vida? Há, pois, em todas as doenças, uma conjunção de causas internas e externas. As internas dizem respeito ao padrão genético do indivíduo, a sua personalidade e a seu psiquismo e, intimamente ligado a estes, o estágio de desenvolvimento em que estiver na vida. A ideia que desenvolvemos no “Clube de prevenção à depressão” é a de que, sem esquecer a pluricausalidade das doenças, estas, para ocorrer, exigem como fator suficiente, na quase totalidade das vezes, algum tipo de sofrimento na esfera emocional. Na base desse sofrimento – ainda segundo acreditamos – haveria sempre um estado de desassossego íntimo, de desamor a si próprio, de insatisfação interior, enfim, para o qual o indivíduo não daria solução satisfatória e, portanto, teria a doença como consequência e forma de escape. Dentro desta concepção, o doente não pode mais ser percebido como um órgão ou conjunto de órgãos que não funciona bem, mas “como um ser vivo que não conseguiu adaptar-se à realização do existir”, incapaz que foi, em algum estágio da existência, de resolver de forma adequada e satisfatória seus conflitos interiores. Vários são os conflitos que deságuam no sofrimento do corpo, em um processo que denominamos de somatização (originalmente um termo empregado apenas para as manifestações físicas da conversão) [histeria] e que hoje, no sentido amplo, designa qualquer alteração somática [física] decorrente de sofrimentos psíquicos). Além do que já discutimos, três outros aspectos merecem abordagem: a necessidade e as vantagens do adoecer, as peculiaridades da doença de cada um e, por fim, as influências ambientais e aquelas oriundas do meio sócio-cultural em que se vive.

A necessidade do adoecer A muito os médicos chamavam a atenção para o fato de que o principal fator causal das doenças – ao menos das doenças graves – é a conduta. O psiquismo é, portanto, fundamental para a conservação da saúde e, ao modular o comportamento da pessoa, tem o poder de multiplicar a vulnerabilidade biológica do corpo, abrindo as portas para as manifestações orgânicas das doenças. Tudo se passa, porém, como se adoecer obedecesse a uma necessidade do indivíduo, de tal forma que a doença ou a saúde seriam “opções de vida da pessoa titular do corpo”. E por que haveria tal necessidade e a 40


opção, mesmo que inconsciente, para o adoecer? Várias seriam as razões possíveis, atuando isoladamente ou em conjunto. A primeira delas, já abordada acima, nos explicaria a doença como válvula de escape dos conflitos intrapsíquicos e emocionais O mais rijo e o mais saudável ego do mundo tem seu limite e sua medida de resistência. No caso do ego frágil, no entanto, isto é, das pessoas que não estão seguras e tranquilas interiormente, este limite será mais baixo, e tão mais baixo quanto maiores as fraquezas e o desassossego interiores. Na dependência da gravidade do conflito e da intensidade da agressão ao equilíbrio psíquico, o eu da pessoa) terá, nos sintomas orgânicos, a única alternativa para a sua desagregação. É o caso de um empresário que sofre um infarto, quando, depara-se com a falência de sua empresa ou uma esposa de um político que sofreu um “derrame” por não suportar uma vida de pressão de “prende ou não prende” do marido. Nesses casos, a doença, por paradoxal que pareça, é o preço a pagar por manter a vida dentro dos limites possíveis. Ocorreu nesse exemplo, no entanto, como ocorre frequentemente no emprego dos mecanismos de defesa, que o caminho escolhido pelo ego para fazer frente ao conflito, resultou mais destrutivo para o organismo, provavelmente que a própria agressão original. A segunda, porém, não menos importante e quiçá até mais frequente, razão para a necessidade de adoecer é a já referida incapacidade da pessoa de exprimir de forma adequada (inclusive verbalmente) suas emoções, fazendo-o, pois, como já dissemos pela linguagem dos órgãos. Há aqui, no entanto, além das dificuldades do próprio indivíduo, uma faceta cruel: o contexto cultural de nossa sociedade ocidental, onde em regra geral não há espaço nem tolerância para as manifestações de afeto, exteriorização das emoções ou do sofrimento psíquico. Essa postura intolerante diante do sofrimento psicológico fica evidente no próprio comportamento dos médicos com relação a esse tipo de dor. Há entre eles uma tendência a hierarquizar doenças, de sorte que se coloca a doença observável fisicamente como merecedora de atenção e capaz de ameaçar a vida do indivíduo, ao passo que aquele que sofre sem apresentar alterações orgânicas, é relegado à condição de portador de “doença de segunda categoria”, pouco merecedor de atenção e cuidados. Tal visão equivocada estende-se aos demais integrantes do grupo social, inclusive familiares, de tal maneira que a pessoa passa a envergonhar-se de sua dor psíquica e não ter espaço – nem coragem – para expressar a angústia gerada pelo conflito psicológico. Sendo assim impossibilitada de exteriorizar o sofrimento, a pessoa o incorpora à intimidade de algum órgão e faz – inconscientemente, e ressalte-se – do “sofrimento físico uma tentativa de discurso para legitimar a possibilidade de atendimento de sua mágoa”. O indivíduo faz então do corpo o palco para a expressão de sua angústia. Tome-se, por exemplo, o caso da esposa do político que citamos acima: se, diante das dificuldades e não suportando o sofrimento e a angústia, ela sofre um “derrame”, todos lhe darão amparo e solidariedade e ela será vista como alguém que tombou no campo de batalha: quase uma heroína, portanto. Mas, se, em face do 41


mesmo sofrimento e angústia, ela desandar a chorar e se lamuriar-se de sua dor, receberá, em lugar de solidariedade, desprezo (aberto ou velado) e, em vez, da guerreira valente que tombou combatendo, será visto como um fraco que não suportou a luta. Outro motivo a embasar a necessidade de adoecer: o desejo de autopunição. Refere-se a pessoas que, em nível inconsciente, se sentem culpadas e merecedoras de castigo. Tais pessoas mantêm, como o próprio corpo, uma relação ambivalente de amor e ódio: preocupam-se com ele mais que o “normal”, mas alimentam o desejo de puni-lo. Desprezam a si mesmas. Sentem-se portadoras de algo mau a se extirpado e têm o seu exemplo maior nos “polioperados”, isto é, naquelas pessoas que se submetem a várias operações ao longo da vida. Estes são pacientes que vão ao médico, “não com vistas a aliviar seu sofrimento, mas com o objetivo deliberado de extirpar algo de si mesmos”, isto é, de ser cortados, mutilados. É comum que já tenham feito uma simplificação de sua sofrida pessoa por meio da retirada do apêndice, da vesícula, de cistos e miomas de ovário e útero, de pólipos etc. Uma última razão, por fim, justifica a opção pelo adoecer: os chamados ganhos secundários que, em nossa cultura, a doença orgânica traz consigo. Assim, ao adoecer, o indivíduo regride, como se voltasse a ser criança, passando a ser objeto de afeições e carinhos especiais e a ser merecedor da indulgência dos outros. Para muitas pessoas, embora não para todas, a doença e o repouso na cama satisfazem suas necessidades de dependência, e elas quase recebem de braços abertos essa oportunidade. Quando éramos crianças e por qualquer razão, nos achávamos angustiados, e nosso choro era o sinal para que a mãe e outros adultos viessem em nosso socorro e nos cercassem de cuidados. Depois de adultos, a doença, muitas vezes e para muitas pessoas, faz a vezes desse choro e é o caminho para preencher aquelas mesmas carências e necessidades da infância. Além disso, há outras vantagens de natureza mais prática: a pessoa doente está isenta dos papéis sociais normais: não precisa ganhar seu sustento, trabalhar etc. e – muito importante – não é responsável pela doença, recebendo assim a indulgência social.

A doença de cada um As considerações acima indicam que, como regra, as pessoas adoecem porque têm necessidade de adoecer. Resta, entretanto, discutir o tipo de doença com que cada um adoece: seria aleatório ou obedeceria a algum determinante? O conhecimento disponível até o momento atesta que, a doença não pode ter uma concepção formal, e as razões mais profundas do adoecer são as verdadeiras. O fato de alguém adoecer da úlcera, e não de infarto, e de aquele outro sofrer de asma brônquica, e não de reumatismo, por exemplo, tem sua razão de ser ligada à confluência de fatores diversos, como o padrão genético com que nasce, mas principalmente à natureza de seus conflitos interiores e à forma como lida com eles, além da própria história de vida. 42


Vamos agora discutir de forma genérica as razões que determinam “a escolha da doença por parte daquele que adoece”. A primeira noção a considerar é a da existência, no organismo de todos nós, de locais ou órgãos de menos resistência (ponto de clivagem biológico). Essa fraqueza relativa seria constitucional e genética e, estando o organismo sob tensão – como de resto pode acontecer com qualquer material – é compreensível que ele se rompa no ponto mais fraco. Essa possível diferença de constituição, obviamente torna os seres humanos desiguais diante de toda a sorte de estímulos, sejam eles físicos, psíquicos, sociais ou espirituais, o que poderia estar na gênese das formas diversas de adoecer. Essa possível fraqueza estrutural, no entanto, não explica tudo. Há também, provavelmente, o valor simbólico do órgão e sua relação com o conflito psíquico da pessoa. Temos o caso de um pianista cujo prazer exclusivo consistia nessa ocupação, até que um quadro de artrite, que se iniciou pelas mãos, privou-o da única paixão que se permitia. Atualmente, porém, não se entregou e é um grande maestro. Alguns quadros digestivos parecem ter clara relação com seu significado simbólico de “receber, reter e expelir” (expulsar algo ruim do corpo). Tal significado simbólico do adoecer tem muito a ver, como já discutimos, com a incapacidade do doente de expressar seus sentimentos e emoções. O sintoma físico seria sempre um grito de socorro e uma tentativa de proclamar seu sofrimento. Há quem proponha que, quando alguém adoece, está adoecendo para alguém e por alguém. O tipo da doença e a época da vida em que adoece tem muito a ver com a história do indivíduo, as perdas e frustrações que sofreu e sofre e sua capacidade de lidar com ela. O indivíduo tem um modo de viver e, portanto, um modo de adoecer. A biografia de cada paciente explica as suas possibilidades de adoecer. Quando falamos em história da vida da pessoa que adoece, estamos nos referindo a dois aspectos principais: a natureza de seus conflitos intrapsíquicos e sua forma de se adaptar ou lidar com eles, isto é, os mecanismos de defesa de que lança mão, bem como as perdas e frustrações que tenha sofrido e vinha sofrendo ao longo da vida e, novamente, sua capacidade de aceitá-las e com elas conviver.

MECANISMOS DE DEFESA E ADAPTAÇÃO “O que caracteriza a vida psíquica do homem é justamente a luta encarniçada que trava, às vezes com sucesso, contra sua submissão aos comportamentos instintivos”. (C. Dejours)

A civilização é um elemento nocivo à felicidade humana. O fato de viver em sociedade nos impõe uma série de normas, proibições e regulamentos que quase sempre contrariam nossos mais fortes desejos e impulsos, ainda que inconscientes. “Para viver em sociedade, é preciso respeitar as leis, mas se pudéssemos, não as respeitaríamos. Os 10 mandamentos só existiram porque existem os dez desejos. Nunca foi necessário um 11º mandamento 43


exortando a não lamber o chão, porque ninguém não quer mesmo fazê-lo”. Estamos em permanente conflito entre os impulsos do instinto, representados pelo id e sua contenção pelo ego, em face da imperiosa de nos comportarmos de acordo com a realidade que nos cerca, e não como queremos. Acresça-se ainda o não menos importante papel do superego como censor das ações do ego e terceiro vértice do triangulo de forças que se embatem. A existência deste conflito, mesmo que dele não tenhamos consciência, é motivo de muito sofrimento que, se não adequadamente resolvido, certamente resultará em um estado de desequilíbrio do organismo a que chamamos doença. O ideal seria que pudéssemos modificar a realidade com que nos deparamos de tal forma que lográssemos satisfazer, ao mesmo tempo, o id, o ego e o superego. A realidade, como regra geral, não pode, contudo, ser modificada. O máximo que podemos fazer é adaptar-nos a ela. Esse processo de adaptação, no entanto, não ocorre impunemente, e não é de fácil execução. Os meios de que nossa psique lança mão para controlar o conflito entre os impulsos do id (instintivo e puramente animal) e a necessidade de ceder à realidade e as exigências do ego e do superego são denominados mecanismos mentais de defesa e adaptação. De uma forma mais simplificada, podemos entendê-los como “válvulas de escape” de uma panela de pressão: se não existirem, ou não funcionarem a contendo, a panela explode. A explosão em nosso caso é a doença ou até a morte. A existência desses mecanismos nos é benéfica e obrigatória, e todos a eles recorremos: graças a eles, vamos convivendo “razoavelmente bem” com a dura realidade da vida. Somos “normais”, enfim. Os problemas e as doenças (mentais ou físicas) passam a ocorrer em alguma, ou todas, dessas três situações:

1) Ineficácia ou inadequação dos mecanismos de defesa utilizados para apaziguar o conflito 2) Uso exagerado, em frequência e intensidade desses mecanismos, mesmo que adequados; 3) Uso de mecanismos nocivos em si mesmos, independente da intensidade ou sequência com que sejam utilizados. Instintos e “pulsões” Podemos definir instinto como uma disposição para fazer determinada coisa ou agirmos de uma dada maneira sem ter recebido para isso treinamento, ensinamento, experiência ou aprendizado prévio, ainda que por pura imitação. São, pois, padrões de comportamento inatos, isto é, as pessoas (ou animais) já nascem com eles e estão contidos no código genético da espécie, e não apenas de um dado indivíduo. Sendo assim, um determinado instinto deve, obrigatoriamente, ser encontrado em pelo menos um sexo de todos os membros de uma dada espécie. Os instintos são desencadeados ou ativados pela percepção de determinados objetos ou estímulos, e o seu controle é interno e profundo. Sendo assim, uma vez posta em movimento, a atividade designada por instinto 44


não dependerá de estímulos superficiais e mostrará tendência a persistir, até a satisfação do movimento que lhe deu origem. Em sua forma pura, os instintos não são observados na espécie humana. Mas o fato de não serem observados “em sua forma pura” não quer dizer que não existam. Na realidade, existem mas apresentam-se mascarados ou, diríamos melhor, “maquiados” pela aprendizagem, pela experiência e, sobretudo pela influência da cultura e da civilização. Uma boa oportunidade de observar a ação dos instintos entre os seres humanos numa forma mais próxima de sua “pureza” original é por ocasião de uma catástrofe. Aí, como regra, caem as máscaras, dissolve-se a maquiagem e exterioriza-se grande parte do animal que no fundo somos. O comportamento instintivo pode ser observado com maior nitidez entre os animais. Conclui-se que quanto mais civilizado for um ser humano, menos instintivo será seu comportamento e maior a carga repressiva na cultura sobre ele. Ao estabelecer uma relação direta entre grau de civilização e repressão, não estamos, necessariamente, afirmando que o homem civilizado seja menos sadio ou mais infeliz que o não civilizado. Sem dúvida, porém, seus mecanismos mentais serão mais complexos, e mais complexo certamente será seu esforço de adaptação. O selvagem, na verdade, ainda está mais às voltas com adaptação à própria natureza e a ela sobreviver e, provavelmente, menos preocupado em defender-se dos outros homens e em adaptar-se às regras por eles criadas. Tanto o homem civilizado quanto o não civilizado, entretanto, compartilham certos instintos primários que, por sofrerem influência em maior ou menor grau da cultura e da aprendizagem, seriam mais apropriadamente denominados impulsos (ou pulsões). Um impulso ou “pulsão” pode ser definido como uma necessidade de agir decorrente de um estado de desequilíbrio do organismo, seja ele derivado de dentro ou de fora do organismo. São os seguintes os impulsos primários: 1) Fome e busca de alimento; 2) Sede e busca de água; 3) Manutenção da temperatura do corpo; 4) Funções eliminadoras de micção e defecação; 5) Repouso após esforço prolongado; 6) Atividade após repouso prolongado; 7) Atividades sexuais

Mecanismos de defesa desejáveis Podemos, de uma forma didática, dividir os mecanismos de defesa em dois grupos: aqueles que, bem utilizados, são benéficos, saudáveis e, portanto, desejáveis, e os que são intrinsecamente nocivos e indesejáveis. Entre os desejáveis e potencialmente benéficos, os principais são: Recalque, Compensação, 45


Racionalização, Idealização, Formação de reação, Deslocamento e Sublimação. Qualquer um deles, utilizado de forma exagerada, seja em frequência ou intensidade, chega a produzir tantos distúrbios que prejudica nossa eficiência e alegria de viver. Na maioria das vezes, no entanto, eles conferem ao ego uma proteção eficaz contra a sensação de ansiedade gerada pelos conflitos, proporcionandolhes ao menos uma solução aparente. 

O recalque foi, inicialmente, considerado por Freud como sinônimo de mecanismo de defesa, consistindo assim todos os outros citados apenas em maneiras diferentes de lidar com o recalque. Posteriormente, porém, passou a utilizá-lo como um dos diversos mecanismos de defesa. Podemos entendê-lo como a rejeição inconsciente, pelo ego, de desejos, emoções, ou afetos, oriundos do id e considerados inaceitáveis pelo superego e pelo mundo. Tentando explicar de forma menos técnica, seria como se o ego fosse uma espécie de diretor de teatro numa e de representação com artistas amadores. Imaginemos, então, seu trabalho de controlar a multidão de entusiasmados jovens principiantes querendo subir ao palco e representar seu papel. (Tais principiantes seriam os impulsos e desejos do id).

A plateia, difícil de agradar, seria o mundo exterior. E, para complicar, nos camarotes estaria a ranzinza figura do crítico teatral (o superego), cuja aprovação é fundamental para o diretor (o ego), e este tudo fará para agradá-lo. Forçoso é, porém, que, entre os impacientes principiantes estejam criaturas belas e agressivas, ansiosas por subir ao palco e fazer um número de strip-tease ou mesmo gestos obscenos, para a plateia. Se o diretor permitisse que isso acontecesse, o fato chocaria tanto o público quanto o crítico, a representação, certamente, seria interrompida e todos correriam o risco de ir para a cadeia. Para evitar que isso aconteça e considerando a agressividade e rebeldia dessas criaturas, não resta ao diretor outra alternativa senão trancafiálas nos fundos do camarim. Dessa forma, com seus gritos, reclamações e murros nas portas, poderão causar distúrbios, nervosismo e até prejudicar, em maior ou menor grau, o desempenho da peça, mas ao menos ficarão ao abrigo dos olhos e dos ouvidos da plateia e do crítico. Os atores trancafiados correspondem aos impulsos recalcados. A analogia só não está perfeita porque, na realidade, o recalque desses impulsos pelo ego se dá em geral de forma inconsciente. 

A compensação é um dos mecanismos de defesa mais benéficos para o ego e, na maioria das vezes, também para a sociedade. Consiste numa forma do ego de defender-se do que lhe parece um ponto fraco (real ou imaginário), por intermédio de um esforço enorme e específico para superar a fraqueza, por vezes alcançando o extremo oposto. É o caso, por exemplo, de um cego que se dedica com tanto afinco ao trabalho e ao estudo que se torna mais bem sucedido e culto que a grande maioria das pessoas não deficientes. Ou ainda o caso do aluno pouco dotado que consegue ser o primeiro da classe pela dedicação aos estudos.

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A racionalização é talvez o mais utilizado dos mecanismos de defesa e aquele que mais utilizado dos mecanismos de defesa e aquele que mais operamos de forma consciente. É uma forma engenhosa de aplicar nossas atitudes e/ou sentimentos, atribuindo-lhes motivações aceitáveis para nós mesmos e que certamente não são aquelas que realmente nos movem. Consiste, na verdade, em desculpas que nos damos e que, em regra, apresentam-se a nossos olhos como de uma lógica e honestidade indiscutíveis (e realmente acreditamos que assim sejam). Um policial torturador pode, sem qualquer sentimento de culpa, dar vazão a seus impulsos sádicos, espancando e seviciando presos sob sua guarda, convencido de que está “protegendo a sociedade” contra perigosos malfeitores e “subversivos”.

A idealização é um mecanismo de defesa que pode ser entendido como forma modificada de racionalização. Por meio dele podemos, por exemplo, nos ver como os mais inteligentes e belos seres humanos na face da terra. Ou considerar assim as pessoas pelas quais nos apaixonamos. O grande risco da idealização é a cegueira que provoca, de tal sorte que não vemos os nossos defeitos ou os da pessoa pela qual estamos enamorados (e idealizando). Todos nós tendemos a não reconhecer, ou a desculpar, em nós mesmos, falhas que prontamente apontamos nos outros. A auto-idealização existe em todos nós e, dentro de certos limites, resulta útil, visto necessitarmos de segurança, confiança e fé em nós mesmos e em nosso valor – mesmo que os outros não consigam nos ver da mesma forma.

Formação de reação é o nome que os profissionais da psique dão a um comportamento que é justamente daquele que inconscientemente se deseja. Partir para o outro extremo é, por mais paradoxal que possa parecer, a única forma do ego se livrar da ansiedade gerada pelo não atendimento dos impulsos inconscientes. Esse mecanismo de defesa é também chamado de super-compensação (percebam a semelhança com a compensação, à qual fizemos referência há pouco) ou de reversão, sempre com o mesmo sentido, isto é, da assunção de um comportamento extremado e contrário ao impulso que lhe deu origem. A lógica deste mecanismo de defesa é a seguinte: para evitar que sejamos forçados a virar à direita, é necessário que, antecipadamente, tomemos à esquerda. Assim, se tivermos um desejo inconsciente profundo, porém, inaceitável pelo superego ou pela realidade, formamos uma reação contra ele, procedendo de forma contrária. Dessa maneira, uma crueldade violenta, inconscientemente recalcada, pode ser compensada por uma ternura e compaixão exageradas. Ou uma hostilidade reprimida, por submissão ou humildade extremas. Percebam que um aspecto marcante desse mecanismo de defesa é ser extremado. Por sua própria natureza, o resultado é, para a pessoa, um comportamento compulsivo, porém socialmente útil e valorizado.

Em algumas ocasiões, no entanto, chega a perturbar tanto a tranquilidade da pessoa que passa a ser nocivo.

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Substituição, também chamado deslocamento, é um mecanismo pelo qual as emoções (boas ou más) voltadas para uma dada pessoa ou ideia são deslocadas para, ou substituídas por outra ideia ou pessoa. “Quando os sentimentos deslocados são positivos (de amor), o mecanismo é bom, quando negativo (de ódio), o mecanismo é mau”. Exemplo clássico de substituição (ou deslocamento) é o daquele que, tendo enfrentado aborrecimentos no trabalho e não tendo podido descarregar a raiva e/ou a irritação sobre quem provocou o aborrecimento, o faz sobre a esposa e/os filhos quando chega em casa.

A sublimação é uma outra forma possível de substituição como regra de grande valor social. Esta consiste na transformação de impulsos inaceitáveis – ou não realizáveis – em atitudes e ações que não somente sejam aceitas, como também, em geral, sejam úteis para nós mesmos e para os que nos cercam. “É um método que usamos o tempo todo para viver e gostar de viver”.

Dessa forma, impulsos “competitivos, destrutivos e até homicidas” são sublimados por meio da prática de esportes agressivos, como boxe, lutas marciais, etc. A capacidade de sublimar é requisito essencial para a felicidade, o bem-estar e o gostar da vida. Existe, tudo leva a crer, uma relação de proporcionalidade direta entre essa capacidade e o grau de saúde mental e corporal de uma pessoa. Os psicanalistas acreditam que a generosidade e o amor pelos outros são sublimações de impulsos que, em sua origem, eram puramente eróticos. Da mesma forma, impulsos agressivos são sublimados em atividades construtivas, entre elas a criação artística. A sublimação é também uma forma de obter satisfação das diversas atividades a que nos dedicamos, sejam de lazer ou de trabalho.

Mecanismos de defesa nocivos 

Os mecanismos de defesa são, dentro de certos limites, úteis e mesmo essenciais para o indivíduo, visto que sem eles não conseguiríamos viver na civilização que construímos. Existem, porém, alguns que, por si só, independentemente de intensidade, adequação ou limites, serão sempre mais perniciosos que benéficos. A projeção é, deste grupo, um claro e frequente exemplo. Resumidamente, podemos defini-la como um recurso pelo qual atribuímos aos outros pensamentos e sentimentos que são nossos, mas que não aceitamos em nós mesmos. Assim, o eterno desconfiado, aquele que sempre acha que estão querendo enganá-lo e “puxar o tapete”, é na verdade desleal e falso nas relações com outras pessoas. O crédulo e confiante, otimista em relação aos outros, é provavelmente alguém confiável, leal e franco.

Também é exemplo de projeção a tendência, infelizmente tão comum em algumas pessoas, de apontar sempre um culpado (que não eles próprios, evidentemente) para seus erros e, principalmente, seus fracassos. O preconceito, inclusive o social, é uma forma de projeção, inserindo-se na tendência de quem projeta de achar sempre um “bode expiatório” para suas próprias mazelas e as do mundo. 48


A conversão é, talvez, de todos os mecanismos de defesa, àquele que de forma mais direta relaciona o sofrimento da mente aos males do corpo. É basicamente uma defesa do ego contra a ansiedade, originada geralmente de desejos de natureza física reprimidos. Esses conflitos exteriorizam-se, assim, através de sintomas ou distúrbios físicos, com frequência carregados de simbolização.

Também pode às vezes ocorrer como resposta a tensões insuportáveis que têm, por essa via, sua válvula de escape. Durante muito tempo o fenômeno foi denominado histeria, por se acreditar no passado que o distúrbio acontecia exclusivamente nas mulheres e se relacionava ao útero (histero em grego). Hoje o conceito ampliou-se, englobando todo tipo de ou mau funcionamento de um órgão decorrente de conflitos psíquicos, sem que haja alteração anatômica a embasá-los. Exemplos comuns de conversão são a paralisia de um membro, a perda da voz, perda da consciência, impossibilidade de engolir e outras variações tantas variações possíveis – todas tendo em comum a plena normalidade física do órgão afetado. É preciso deixar claro que, em regra, a pessoa não está conscientemente fingindo nem simulando. Ela realmente sente o sintoma. Deve, portanto, ser tratada como doente, e não como uma pessoa que esteja fingindo. Outro mecanismo que, embora distinto, se confunde com a conversão, por ensejar agressão direta ao organismo, é a: 

Autopunição ou masoquismo. Para aliviar a ansiedade nascida de um sentimento de culpa – derivado por sua vez de um mau comportamento real ou imaginário –, a pessoa se agride internamente. Outra possibilidade é que, pelas mesmas razões, busque punição por agente externo. Este pode ser a lei, a sociedade ou a busca de situações que impliquem risco de dano físico, infligido por outrem ou “acidental”.

Regressão: Por esse meio, a pessoa volta a assumir comportamentos próprios da infância e, principalmente passa a depender dos outros. A regressão geralmente ocorre em situações conflituosas, com as quais a pessoa não consegue lidar de forma racional e madura. Significa, em geral, uma incapacidade do eu consciente de enfrentar, ou controlar, o conflito. É como se, voltando a ser criança, a pessoa desistisse da luta e se entregasse aos cuidados dos outros.

O adoecer (organicamente falando) implica sempre graus variáveis de regressão e, sem dúvida, traz consigo uma relação de dependência com as outras pessoas que pode funcionar como trégua ou benefícios para sofrimento psíquico que se esteja vivendo. Outra forma indesejável de enfrentar nossos conflitos consiste, simplesmente, em sua negação. Da mesma forma que a conversão e a regressão, é um recurso do ego enfraquecido. Todos nós certamente já testemunhamos casos em que a realidade é por todos percebida e reconhecida, menos por aquele que sofre (ou sofrerá) suas consequências. 49


O isolamento e a fuga são também formas de negação. Exemplo clássico e extremado de isolamento é o eremita, ou misantropo. Exemplo mais frequente e menos extremado é o da pessoa que, rompendo uma relação amorosa e sofrendo muito por isso, somente consegue conviver com a situação isolando-se totalmente do ser amado.

Introjeção, identificação, simbolização Embora não constituam propriamente mecanismos de defesa, são três processos que, de forma automática e em grande parte inconsciente, permitem nosso ajustamento ao meio familiar e social. São, portanto, benéficos e necessários. A identificação ou introspecção pode ser definida como a incorporação, no interior do eu, de atitudes, desejos, objetivos e/ou ideais de pessoas ou grupos de pessoas. Nossa personalidade e nossa maneira de ser dependerão muito do que introjetarmos durante nosso desenvolvimento. A identificação, por seu turno, é algo menos profundo e constitui fenômeno que ocorre mesmo estando nossa personalidade já formada. É também um processo automático, pelo qual nos sentimos como uma pessoa que sente, ficando feliz com o que lhe dá felicidade, e vice-versa. Isso vale também para grupos de pessoas, grandes e pequenos, e explica os bairrismos, o nacionalismo, as torcidas de clubes de futebol e, muito importante, o trabalho em equipe. Por esse processo, e graças a ele, funcionários de um dado departamento de uma empresa agem e reagem como um conjunto em relação aos outros departamentos; funcionários da mesma empresa, por sua vez, agem/reagem do mesmo modo com relação aos de outra empresa, e assim por diante. Já a simbolização, como o próprio nome diz, é a utilização de símbolos para exprimir mensagens, valores, ideias, sentimentos. De forma consciente, a simbolização está presente em nosso cotidiano. As palavras, por exemplo, nada mais que são que símbolos. A aliança de casamento é outro símbolo. De forma inconsciente, no entanto é utilizado como estratagema de ajustamento do ego para tornar aceitáveis ideias ou objetos que seriam repelidos por nosso consciente. Um indivíduo que se revolta gratuitamente contra uma autoridade pode estar, na verdade, simbolizando nela o ódio a seu pai, o conscientemente ele jamais aceitaria. SUMÁRIO  Nascemos com um equipamento orgânico (corpo) e instintos básicos que compartilhamos, em grau maior ou menor, com outros animais, particularmente os mamíferos.  Na Idade da Pedra, esses instintos e a maneira do corpo de reagir a eles eram não somente úteis como até fundamentais para a sobrevivência do indivíduo e da espécie.  O advento da civilização e da vida social exigiu, contudo que o ser humano adaptasse corpo e instintos (que não se modificam) a uma nova realidade, na qual a livre vazão dos instintos e o governo do corpo por eles passaram a ser desastrosos e destrutivos, ao invés de benéficos e protetores.

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 Para essa adaptação, o psiquismo humano lança mão de mecanismos que procuram solucionar a situação de conflito/desequilíbrio gerada pela necessidade não atendida.  Tais mecanismos, chamados de defesa e adaptação, podem didaticamente se dividir em desejáveis e indesejáveis.  Os desejáveis, úteis e às vezes até essenciais para o nosso equilíbrio e felicidade, podem ser um fator de distúrbio ou doença se utilizados de forma inadequada ou exagerada (quer em frequência e/ou intensidade).  Os nocivos são intrinsecamente prejudiciais e podem causar distúrbios e/ou doenças pelo simples fato de ser utilizados.

Papel das perdas e frustrações Ambas são constantes na vida de todos nós, a tal ponto que, sem nenhum pessimismo poderíamos dizer que a vida se constitui numa sucessão de perdas, a começar pelo próprio passar do tempo, que não tem retorno e nos deixa cada vez mais próximos do fim inexorável. Além das pequenas perdas do dia-a-dia, no entanto, há que considerar aquelas pessoas que, em sua história de vida, foram atingidas por “infortúnios difíceis de suportar” e, por conseguinte, correriam mais riscos de sofrer doenças que aqueles que tiveram uma vida mais fácil: “terão em geral uma vida menos boa”. As frustrações e perdas pequenas, mas repetidas e constantes seriam também as causas de doenças. Estudos experimentais demonstraram que estímulos emocionais crônicos (não necessariamente de perda ou frustração) podem, exatamente como os estímulos crônicos por infecções, intoxicações ou traumatismos físicos, causar doenças e lesões ao corpo. Cabe lembrar que crônico, em medicina, pode ser entendido como algo que ocorre ao longo do tempo. É preciso considerar, contudo, o importante aspecto ligado à maneira do indivíduo de lidar com essas perdas e frustrações, tanto as grandes quanto, sobretudo, as micro-perdas do cotidiano, tais como perder a hora, um compromisso qualquer que não se cumpre, um engarrafamento no trânsito ou a desatenção de alguém que se estima. Parece claro – e todos podemos testemunhar isso – que “certos sujeitos se mostram muito frágeis diante da excitação, seja qual for, e estão, em estado de ser traumatizados por um sim e por um não, enquanto outros se defendem com uma eficiência digna de admiração”. As perdas e frustrações representam, sempre embora com intensidade variável, uma sobrecarga para o ego. Se essa sobrecarga atinge um ego enfraquecido, sem coesão, isto é, sobre alguém intimamente (e inconscientemente) não se preza, o resultado, com o passar do tempo, será a doença, psíquica e orgânica. A vulnerabilidade do ego à frustração parece representar a condição básica geradora, não só das neuroses, como também da predisposição às doenças orgânicas, enfatizando a importância da força e da coesão do ego como índice de saúde física e mental. Assim diante das perdas e frustrações, um ego enfraquecido tende a reagir com sentimento de carência e desesperança. Se, sentindo-se abandonado pelo “objeto” que perdeu, o indivíduo renuncia a ele – e aqui 51


podemos entender essa renúncia em sentido mais amplo, como uma desistência da própria vida – abrem-se os caminhos para as doenças orgânicas, até mesmo um resfriado comum. O termo objeto é empregado aqui com conotação psicanalítica de algo externo à pessoa que seja fonte de atração ou prazer. A maior ou menor resistência do ego às frustrações e perdas parece depender não apenas a hereditariedade, mas sobretudo, dos condicionamentos precoces infantis, de sua consolidação e da história pregressa e psíquica da pessoa. Outras razões, porém, deverão se juntar a essa fraqueza interior, para que a doença ocorra. COMO LIDAR COM UMA CRISE EXISTENCIAL Uma crise existencial pode ocorrer quando as respostas a perguntas sobre o significado e o propósito da vida (assim também como o seu lugar nela) deixam de fornecer satisfação, direção ou paz mental. Quando você se encontra contemplando a vida, sem saber que realização ilusória está procurando, as coisas podem ficar mentalmente caóticas. Porém, com um pouco de propósito e determinação, você irá voltar a ter paz. 1. Reconheça que está tendo uma crise existencial. Se estiver questionando o significado ou o propósito da sua existência, ou se as bases da sua vida parecem instáveis e passageiras, talvez você esteja passando por uma crise (geralmente chamada de “existencial”, por se relacionar a ideias exploradas pela escola filosófica do existencialismo), cuja origem pode ser:  A sensação de estar sozinho e isolado no mundo  Uma compreensão ou apreciação, recém-descoberta, pela mortalidade  A crença de que a vida não tem um propósito ou significado externo  A ciência da liberdade e das consequências de aceitar ou rejeitar essa liberdade  Uma experiência extremamente prazerosa ou dolorosa que lhe deixou procurando um significado. 2. Escolha o sentido da sua vida. O existencialismo postula que cada indivíduo tem o poder de escolher os parâmetros de sua existência. Decidir atribuir significado à sua vida você mesmo, sem a ajuda de mais ninguém, pode lhe ajudar a resolver uma crise existencial. Abaixo estão alguns métodos que podem ajudar. A autoconsciência humana está ativamente conectada à “repressão de seu excesso prejudicial de consciência”, e oferece quatro maneiras de fazê-lo. São: Isolação: Descarte todos os pensamentos ou sentimentos negativos ou perturbadores da sua consciência e os renegue ativamente. Efeito de ancoragem: Combata sentimentos de isolação ao “ancorar” sua consciência a valores ou ideais fixos, como “Deus, a Igreja, moralidade, destino, as leis da vida, as pessoas, o futuro”. Focar a sua atenção nessas coisas (independentemente se você as apoia ou contradiz) pode lhe ajudar a sentir como se sua consciência não estivesse à deriva. Distração: Impeça que seus pensamentos se transformem em ideias angustiantes ao preencher sua vida com distrações. Concentre toda sua energia em um passatempo, projeto, trabalho ou outra saída que possa consumir seus pensamentos.

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Sublimação: Reconcentre sua energia em distrações positivas e criativas, como música, arte, literatura ou qualquer outra atividade que você ache que lhe permita se expressar. 3. Entenda o que causou o problema. O problema não é seus pensamentos – é o seu apego a eles. Os seus pensamentos (e o idioma no qual você os vive) vêm de seu condicionamento, sua sociedade, sua reação a experiências. Tente ver a vida e seu lugar nela como realmente é. Questione tudo e tente ver além de todas as falsidades e condicionamentos sociais, políticos, espirituais e pessoais. 4. Reconheça que esse é um problema comum. Saiba que nós frequentemente nos sentimos como se estivéssemos presos em um jogo criado e controlado por outros que não possuem em mente os melhores interesses seus ou da humanidade. Quando você está em crise, parece que os outros vencem através da ignorância, do medo e da habilidade de controlar você a fazer o que eles querem. Pesquise a história da civilização e como essa raça começou e se perpetua. Depois, comece a formular o seu próprio entendimento sobre aonde ela pode estar indo. 5. Considere como a vida parece ser bem orquestrada. Algum tipo de consistência parece sim existir, pelo menos em um nível minúsculo. 6. Pare de se comparar aos outros. Sua habilidade de viver a alegria irá crescer drasticamente quando você parar de se comparar a outras pessoas e apenas se comparar a si mesmo ou a ninguém. Em uma reviravolta irônica do destino, você pode realizar tal façanha de maneira incremental, adotando uma postura mais estoica em relação à subjetividade. 7. Não tenha medo de criar suas próprias regras. Lembre-se de descartar o “deveria” – você está no comando (essa mensagem é um “deveria”, então não leve muito a sério). Você conduz seus valores, que por sua vez estão geneticamente ligados ao corpo. Quando não se sentir mais controlado por alguém, você pode passar por um pequeno período de ansiedade. Para combatê-lo, imagine-se no lugar de uma criança. O que o atrai? Mistério? Aventura? Experimentar novos aromas e texturas? Novas comidas? Faça algo para aprimorar a maneira como você sente a alegria. 8. Tente expressar qual é seu problema. Algumas pessoas escrevem longas frases para ajudar a determinar quais são seus problemas. Outras fazem-no através da composição de um poema na tentativa de transmitir pensamentos e sentimentos. Mais tarde, você pode elaborar em prosa. 9. Imagine-se recebendo conselhos de pessoas que você admira ou respeita. Não escolha ninguém abusivo. Tente imaginar o Sr. Rogério, o seu professor da primeira série, ou aquela pessoa de quem você gostava na 8ª série. Eles não ajudam muito, ajudam? Mas é divertido conversar com eles. 10. Imagine-se dando conselhos a outra pessoa na mesma situação que a sua. Você ainda acharia que esse é um problema tão grande? 11. Resolva o problema. O seu problema é legítimo se você não consegue identificar a causa dele. Pare por alguns dias para pensar caso a resolução do problema envolva muitas mudanças. 53


12. Aceite que você tem um problema caso ele seja insolúvel. Se for tarde, vá dormir; se você não conseguir dormir (faça um relaxamento). 13. Pegue o que você aprendeu. Caso se sinta insatisfeito mesmo depois de pesquisas exaustivas, lembre-se de que você ganhou muito conhecimento sobre a filosofia da situação. Você provavelmente descobriu que a ideia de verdade absoluta é absurda. Já que nós não sabemos de verdade se existe significado à existência ou não, nós podemos sempre recorrer à avaliação de riscos. Se colocar a vida e a morte em duas colunas, e a existência significativa/insignificante em duas fileiras, você descobrirá que continuar sobrevivendo é sua melhor opção (independentemente do horror que a existência possa trazer). 14. Tenha como objetivo criar paz e alegria. Em qualquer situação que você se encontrar, não machuque a você mesmo e nem aos outros; embora às vezes a dor pareça ser insuportável, tudo passa. Encontre significado nos simples prazeres da vida através de seus sentidos. Pare para cheirar as rosas, sentir a luz do sol, saborear a comida, ver a beleza e escutar seu coração chamando. Você pode dar significado para si mesmo e sua própria vida. Afinal, é a sua vida, o seu jogo, o seu experimento. Jogue seu jogo com respeito pelos outros e lide com as circunstâncias com o melhor que puder. Para vencer de verdade, peça respeitosamente a ajuda de outras pessoas. 15. Limpe o cômodo onde você estiver. Isso irá ajudar a clarificar seu poder sobre o mundo e lhe dá alguns minutos para fazer uma resolução de problemas básica. Não apenas ajeite, limpe. Use um produto de limpeza. 16. Lembre-se de que amanhã é um novo dia. É outra oportunidade para você fazer mudanças na sua vida e procurar a felicidade e a auto-realização. O poder é seu – o reivindique. 17. Questione-se. Você não teria uma crise existencial se não ligasse para o problema filosófico do desespero da existência; afinal, a impossibilidade de provar algo certamente aborreceria você. Se está lendo esta página, você se sente incomodado. Portanto, você deve se importar com o problema filosófico: por quê? Para ser consistente, é preciso refletir sobre suas motivações, como você normalmente faz. Uma questão útil para tal reflexão é: "Se descobrisse a Verdade e o sentido da vida, o que eu iria fazer, pensar e sentir?". Você pode descobrir um novo sentido para a vida ou simplesmente compreender que seus antigos objetivos e metas foram significativos. De qualquer modo, se os objetivos novos ou antigos forem prejudiciais, procure ajuda profissional.

Dicas Não tenha medo do fracasso. Se você perceber um, lide com ele com a perspectiva de que é apenas uma experiência que lhe dá sabedoria e oportunidade para mudar e crescer. Não importa o quanto possa ser tentador, não desconte sua insegurança nos outros. Se você acha que você não serve para nada, isso é coisa para você lidar. Colocar os outros pra baixo não irá mudar como você se sente sobre si mesmo, não importa quantas vezes você tentar. 54


Cuide do seu corpo. Beber mais água pode combater dores de cabeça e mudanças de humor, e aprimora o funcionamento do cérebro. Fazer uma caminhada pode lhe proporcionar uma nova perspectiva e um impulso de endorfinas. Não pense demais. A não ser que esteja num processo criativo. Isso nunca acaba bem, exceto com uma pessoa que tem natureza de coruja. Para alguém que nunca se sente bem durante o dia e só funciona direito à noite, reverta isso e não pense demais durante a manhã antes de estar acordado tempo suficiente para sentir qualquer coisa menos dor ou raiva. Encontre sucesso em coisas pequenas; isso irá encaminhá-lo para coisas maiores. Não se recuse a enfrentar um problema porque você ouviu falar que a vida deve ser mais significativa quando há sofrimento. Coma comida de verdade e beba água pura filtrada. Respire fundo pelo nariz e solte pela boca; respirações curtas pela boca mostram um sinal de pânico. Aceite as coisas (e as pessoas) que você não pode mudar ou controlar. Não tenha medo de rir e tirar sarro de si mesmo. É uma boa maneira de descobrir quem você realmente é. Essa prática lhe dá um sentimento verdadeiro de liberdade pessoal. É também uma boa maneira de clarificar o que é realmente importante. Se você achar difícil rir de alguma coisa, o seu problema é muito maior do que você planejou originalmente. Às vezes, você pode sentir como se estivesse apenas navegando pelas águas da vida, ao invés de realmente vivê-la você mesmo. Sente-se, concentre-se. O que você realmente quer realizar na vida? Então vá e faça. Decida viver, perdoar, aprender, amar e prosperar. Autores que lidaram com tais assuntos incluem Nietzsche, Sartre e Camus. Dependendo de quem você for, ler o trabalho dessas pessoas pode fazê-lo se sentir pior ou melhor. Se você é casado ou mora com um parceiro, aqui está uma regra geral: não o acorde hoje à noite se você o acordou na noite passada. Ele ama você, mas já lhe deu o conselho de que você precisa.

Medite.  Na verdade, não tenha medo de maneira alguma!  Esteja a serviço dos outros.  Seja o amor em ação.  Não recorra ao abuso de álcool ou drogas para lidar com sua crise. Embora essas coisas pareçam fornecer um alívio momentâneo, esses comportamentos compulsivos só irão piorar seu sofrimento mais tarde e tornar mais difícil para você crescer e aprimorar sua vida.  Não importa o que você faça, não se mate, corte ou machuque. Não faça nenhuma mudança permanente por causa de problemas temporários: destruir a única cópia do seu livro ou fazer uma tatuagem no rosto é inaceitável. Se você quiser entrar em uma briga com seus pais, pinte o cabelo de azul.

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 Respeite a existência dos outros. Se houver alguém ou algo lhe impedindo de alcançar seu objetivo, é melhor determinar um plano de ação mutualmente benéfico. Em outras palavras, matar, mutilar ou de qualquer forma machucar as pessoas é uma prática inaceitável que pode levar à sua própria ruína. Viva e deixe viver. Além disso, se você acha que a vida é um saco, bom, você nunca esteve na prisão. Se você realmente achar que a vida é mais significante através do sofrimento, então simplesmente ignore essa dica e vá em frente. Você certamente irá encontrar um significado bem intenso no seu interior.  Não hesite em ligar no disque denúncia por ajuda. Esses números existem para o benefício de pessoas que possuem dificuldades similares. A vida é difícil. Ajude os outros, e peça ajuda quando precisar.

O QUE REALMENTE É O SUCESSO? “Pela primeira vez, começamos a entender quais são os fatores que levam ao sucesso. Treino tem a ver. Fracasso também. Descubra por que algumas pessoas se dão bem na vida – e veja o que você pode fazer para chegar lá”.

Você chega cedo ao trabalho, entrega tudo no prazo, se dá bem com seus colegas e conhece os processos como ninguém. Ainda assim está há anos no mesmo cargo, fazendo o arroz com feijão de sempre. De repente, chega um novato na área. Ele é jovem, tem roupas da moda, se deu bem com a chefia e, pior, começou a abocanhar os melhores projetos. Em seis meses lá está ele promovido, na vaga que deveria ser sua. Em dois anos ele virou seu chefe. No fim, você deve reconhecer o talento do novato e aceitar que você não nasceu para ser chefe. Mas será que é isto mesmo? O que as pessoas bem-sucedidas têm o que você não tem? A resposta, dolorida, é: nada. Absolutamente nada. Seu chefe, o dono da empresa, o Pelé, não vieram ao mundo com um sinal gravado nos genes que diga: eu nasci para brilhar. Muito menos têm talento inato que você não possui. Para desespero dos medíocres da nação, a ciência está descobrindo que todo mundo (e isso inclui você) teria potencial para sentar-se à janela do ônibus quando quiser. É difícil se acostumar com a ideia de que nascemos todos com as mesmas chances de brilhar. Principalmente quando olhamos para aquelas pessoas que parecem ter habilidades sobrenaturais – aquelas que fazem você lembrar diariamente das suas limitações: as crianças prodígios, por exemplo. A maior de todas as crianças prodígios foi Wolfgang Amadeus Mozart. Aos 3 anos, o austríaco começou a tocar piano, aos 5 já compunha, aos 6 se apresentava ao rei da Bavária de olhos vendados, aos 12 terminou sua primeira ópera. Há séculos, ele vem sendo citado como prova absoluta de que o talento é uma coisa que vem de nascença para alguns escolhidos. Mas parece que não é bem assim. A vocação de Mozart não apareceu do nada. Seu pai era professor de música e desde cedo dedicou a sua vida a educar o filho. Quando criança, Mozart passava boa parte dos dias na frente do piano. As primeiras peças que compôs não eram obras-primas – pelo contrário, contêm muitas repetições e melodias que já existiam. Os críticos de música, aliás, 56


consideram que a primeira obra realmente genial que o austríaco escreveu foi um concerto de 1777, quando o músico já tinha 21 anos de idade. Ou seja, apesar de ter começado muito cedo, Mozart só compôs algo digno de gênio depois de 15 anos de treino. O mesmo pode ser observado com talentos das mais diversas áreas. Pelé, o rei do futebol tinha que ser arrancado pelos seus pais dos campos de futebol quando criança porque não queria fazer nada que não fosse jogar bola. Ou seja, mesmo aquelas pessoas bem sucedidas, que parecem esbanjar talento, ralaram muito antes de chegar lá. Isso faz sentido, se considerarmos a nova maneira como os cientistas têm enxergado a influência do genes na formação de talentos. Aquilo que costumamos chamar de “talento natural para liderança” ou “ aptidão nata para os esportes” parece não ter nenhuma relação com o nosso DNA. “Não há nenhuma evidência de que exista uma causa genética para o sucesso ou talento de alguém” dizem os estudiosos. Em 1992, pesquisadores ingleses e alemães resolveram estudar pessoas talentosas para entender o que as diferenciava dos reles mortais. Para isso, investigaram pianistas profissionais e os compararam com pessoas que tinham apenas começado a estudar, mas desistido. O problema foi que os cientistas não conseguiram achar ninguém com habilidades sobrenaturais entre 257 pessoas investigadas – todos eram igualmente dotados. A única diferença encontrada entre os dois grupos é que os pianistas fracassados tinham passado muito menos tempo estudando do que os bem-sucedidos. Quer dizer, não é que faltou talento para os amadores virarem mestres – faltou dedicação. Ok, isso não é novidade. Todo mundo sabe que a prática leva a perfeição. A novidade é que, pela primeira vez cientistas conseguiram medir o tempo necessário de estudo para alguém se destacar internacionalmente em alguma área: 10 mil horas. Foi a esse número que os cientistas chegaram depois de observar os grandes talentos das mais diversas áreas. Todo mundo que foi alguém, eles concluíram, ficaram esse tempo todo aperfeiçoando seu oficio. E não estamos falando de exercícios leves. O que realmente faz alguém ficar bom em algo é treino duro, dolorido no limite do executável. No fim das contas, é treino tão difícil que modifica seu cérebro. (Só para constar: estima-se que aos 6 anos Mozart já tivesse estudado piano durante 3500 horas. Quer dizer, ele não era talentoso, era assustadoramente dedicado.) Se treino é responsável por boa parte do sucesso das pessoas que chegaram ao ponto mais alto do pódio (outros fatores virão), é preciso entender o que as levou a se esforçar tanto. Quem passa 10 mil horas da vida se dedicando a qualquer coisa que seja tem pelo menos uma característica muito ressaltada: o autocontrole. É ele que permite que a pessoa não se lembre que seria mais legal dormir ou estar no bar do que trabalhando. A questão agora é entender por que algumas pessoas abrem mão do prazer imediato em troca do trabalho duro, e por que outras preferem sair mais cedo do escritório. O processo mental, na verdade, é muito simples: para ter autocontrole, é preciso não ficar pensando na tentação e focar naquilo que é realmente importante no momento – por exemplo, terminar o serviço. É possível que esses traços tenham uma origem genética, mas é mais provável que a diferença esteja em outro ponto importante para entender o sucesso: motivação. Quem está motivado para ganhar uma medalha olímpica ou fazer um bom trabalho também abre mão da 57


soneca da tarde com mais facilidade. Motivação e ambição são um negócio meio misterioso, na verdade. Não funciona para todos da mesma maneira. “A maioria das pessoas sonha com um emprego estável, um salário aceitável, um chefe legal. Nem todo mundo tem ambição ou quer crescer o tempo todo”. A evolução desta afirmação pode ser comprovada. Durante séculos de seleção natural, alguns poucos ambiciosos foram escolhidos para conquistarem os melhores pares, os maiores pedaços de comida e os cargos de liderança. Infelizmente, toda essa fartura não pode ir para todos – e a maioria teve de aprender a se satisfazer com pouco que sobrou. É duro dizer, mas sucesso depende também de uma boa quantidade de sorte. Estar na hora e lugar certos é também muito importante. Um outro fator importante é ter habilidade social, aliás, é um fator determinante para ser bem sucedido. “A personalidade de uma pessoa afeta não só a escolha do trabalho mas, mais importante, quão bem-sucedida ela vai ser na carreira”. Pessoas auto-conscientes, racionais e que pensam antes de agir costumam ganhar mais e subir mais nos cargos. Já quem é extrovertido e emocionalmente estável é mais feliz. Subir de status pode ser importante, mas o fator mais determinante para o sucesso ainda é sentir-se realizado”.

O QUE É MOTIVAÇÃO? A arte de motivar pessoas começa com a descoberta de como influenciar o comportamento de cada uma delas. Com isso, aumentam as oportunidades de alcançar os resultados esperados pela instituição. Motivação é a força que nos estimula a agir. No passado, acreditava-se que essa força precisava ser “injetada” nas pessoas. Hoje sabe-se que cada um de nós tem motivações próprias, geradas por fatores distintos. No ambiente de trabalho, procure estimular sua equipe a aliar as motivações pessoais às necessidades da instituição. Para obter o máximo dos funcionários, as instituições têm trocado a tática do “comando e controle” pela teoria da “informação e consenso”. Fazem isso baseadas na descoberta de que o reconhecimento pelo bom trabalho funciona mais do que a reprimenda por tarefas malsucedidas. AUTOMOTIVAÇÃO: A automotivação tem longa duração. Estimule sua equipe incitando-a a trabalhar em

iniciativas próprias e encorajando-a a assumir as responsabilidades pelas tarefas como um todo. Se tiver colaboradores desmotivados, procure descobrir o que os estimula e invista em medidas que possam ajudar. Pessoas motivadas são essenciais para trazer à instituição novas ideias, que valem ouro no competitivo mundo dos negócios. PARTICIPAÇÃO COLETIVA: Antigamente acreditava-se que a motivação tinha mão única: partia do superior

para os subordinados. Hoje isso não basta. As instituições bem administradas nas quais os funcionários não se limitam a cumprir ordens, os chefes precisam estar motivados para atuar satisfatoriamente. Encoraje seus colegas a partilhar ideias e a dividir o entusiasmo pelo trabalho. Use a motivação para obter a colaboração de quem trabalha com você. 58


IDENTIFIQUE NECESSIDADES: Pesquisas sobre o comportamento humano têm revelado que diferentes

necessidades estimulam as pessoas tanto no trabalho como na vida pessoal. Identificar e satisfazer esses anseios ajuda a obter o melhor de cada indivíduo. Abraham Maslow acreditava que, para motivar totalmente uma pessoa não bastava satisfazer apenas suas necessidades psicológicas e de segurança, pois, novas, de outra natureza, surgiriam. A hierarquia de Maslow pode ser aplicada em todos o aspectos da vida: Quanto mais ambiciosa e satisfeita a pessoa, maior será o seu potencial de contribuição à instituição.

A hierarquia de Maslow é especialmente importante no ambiente de trabalho porque ressalta que as pessoas não precisam apenas do dinheiro e recompensa, mas também de respeito e reconhecimento dos outros. Ao distribuir tarefas, criar condições de trabalho e montar estruturas organizacionais, considere as necessidades hierarquizadas por Maslow a fim de gerar maior reconhecimento psicológico e financeiro. As necessidades do grupo podem não ser iguais às de cada um de seus integrantes. Porém, é importante que os indivíduos se sintam partes de um mesmo “time”. Tente equilibrar as demandas de equipe com as individuais. Por exemplo: Condicione a satisfação de reivindicações isoladas ao cumprimento de metas coletivas – mas só prometa o que você tem condições de cumprir. Necessidades básicas no trabalho: salários e benefícios; Condições de trabalho; Política da empresa; status; segurança no trabalho; supervisão e autonomia; vida profissional; vida pessoal. “Motivadores” que geram satisfação: Conquistas; avanços; interesse; reconhecimento; responsabilidade. REDUZA A DESMOTIVAÇÃO: A desmotivação pode estar ligada a condições inadequadas ou ao excesso de

trabalho. Alguns sinais muito claros incluem um elevado índice de faltas e a alta rotatividade na equipe. É preciso identificar o foco da desmotivação para eliminar os fatores que a provocam. Vale lembrar que um 59


comportamento pouco entusiasmado e o baixo desempenho nem sempre denotam desmotivação profissional: se os sinais persistem mesmo quando a situação muda, o problema pode ser pessoal. VERIFIQUE O MORAL: É importante medir o moral de sua equipe a prazos regulares, para verificar por que

acontecem alguns problemas. Nos casos em que ocorrem muitas demissões, evidencia-se a desmotivação. A alta incidência de faltas também é reveladora, e exige ação imediata por parte da chefia. Você pode optar por “pesquisar” a atitude dos integrantes da equipe, o que pode demorar. Observe a postura das pessoas ao entrevistá-las, individualmente ou em grupos. Outro método para avaliar o moral consiste em fazer uma pesquisa de opinião aleatória. Lembre-se, no entanto, de que, após investigar a atitude da equipe, você terá de agir efetivamente a partir das suas descobertas. Caso contrário, o nível de desmotivação aumentará ainda mais. COMO MOTIVAR EQUIPES: O comportamento das pessoas muda quando elas estão num grupo, o que pode

levar tanto à histeria coletiva como ao espírito de união. Motive a equipe suprindo suas necessidades e fixando estratégias para alcançar objetivos.

COMO EVITAR A DESMOTIVAÇÃO: O processo de gerenciamento das pessoas nem sempre é tranquilo. As

emoções das partes envolvidas costumam interferir bastante no processo. A técnica mais valiosa para evitar a desmotivação é a adoção de uma postura simpática e amigável.

COMO LIDAR COM PESSOAS DESMOTIVADAS: Mesmo que você concentre esforços em evitar a desmotivação,

nem sempre terá êxito. O modo de lidar com pessoas apáticas varia. Conflitos entre membros da equipe exigem abordagem diferente do que quando a desmotivação deriva do estresse. Antes de tomar qualquer atitude, analise a desmotivação. As causas podem estar no estresse, em problemas emocionais ou doenças. Também existe a possibilidade de haver algo errado no próprio trabalho, ou no modo como o profissional o executa. Converse com a pessoa desmotivada para identificar o problema e busque uma solução específica para o caso. Se não conseguir peça a ajuda de um TERAPEUTA/RH. ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL: Para lidar com o trauma ligado à perda do emprego, cada vez mais instituições recorrem à ajuda do TERAPEUTA/RH, que amparam psicologicamente o demitido. Este pode ser um auxílio muito útil mesmo quando não é o caso de demissões. Nada impede que se convoque tal tipo de profissional, por exemplo, para discutir as causas da desmotivação com a equipe.

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COMO LIDAR COM SENTIMENTO DE CULPA Vivemos numa sociedade que cobra perfeição na vida pessoal e profissional, e as pessoas se sentem cada vez mais exigidas. Saiba quais são os dez fardos contemporâneos e como administrá-los Você tem dado atenção suficiente aos seus filhos? Cuida da saúde? Consegue cumprir todas as metas de trabalho? Leva uma vida sustentável? Faz algum tipo de trabalho voluntário? Tem investido na sua capacitação profissional? São poucas as pessoas que conseguem responder a todas essas perguntas com um sonoro e convincente sim. Entre as que dizem não, muitas se sentem invadidas por uma sensação de decepção consigo mesmas. E do incômodo inicial nasce um sentimento mais perene, profundo e complexo: a culpa. Culpa por não ficar com os filhos, por não fazer atividade física, nem se alimentar direito, ou deixar para depois aquela pós-graduação ou curso de línguas que iria impulsionar sua carreira. A culpa é uma incomoda companheira da contemporaneidade. Temos a impressão que somos permissivos, o que, em tese, reduziria as expectativas e diminuiria a sensação geral de culpa. Mas essa permissividade é só fachada. Sob o manto dessa suposta liberdade crescem expectativas cada vez numerosas e subjetivas, como a do corpo perfeito, do sucesso profissional e da família “perfeita”, que funcionam como grandes forças geradoras de ansiedade. Vivemos numa época em que a culpa é mais mortal do que nunca. Hoje os parâmetros de excelência se multiplicaram e acompanhá-los virou uma tortura. Estamos num tempo da cobrança insistente por um ideal que muitas vezes não sabemos nem qual é. Destrinchar as fontes de culpa tem sido um desafio dos especialistas em comportamento. Aprender a lidar com elas seria o próximo passo. Todo método que pretende ajudar a encarar as manifestações do sentimento parte de sua origem. De maneira geral, a semente está no desejo da perfeição – física, social, profissional, pessoal ou espiritual-, que, por ser inatingível, leva à frustração, mas no processo nos força a ultrapassar nossos limites. São muitos os exemplos que mostram quão distantes estamos de abandonar metas impossíveis. O aumento de casos da chamada “Síndrome do Desânimo”, uma espécie de esgotamento intelectual e físico, é um deles. AS CULPAS CONTEMPORÂNEAS

1) Culpa paterna: Quem sofre são os pais as mães que gostaria de passar mais tempo com os filhos e se sentem mal por terceirizarem a educação para as babás e professores e não darem a atenção que eles acham que as crianças precisam receber. Para lidar com isso é tentar dividir melhor o tempo, dentro do possível, sem sacrificar horas de descanso e lazer pessoal, por exemplo, e se envolver nos momentos de diversão com os filhos com a mesma dedicação com que mergulha no trabalho. 2) Culpa do sedentarismo: Quem sofre são aqueles que gostariam de se exercitar, mas não o faz. A pessoa acaba sentindo culpa por não ir à academia mesmo estando matriculada, e por não ter disposição para fazer passeios que promovam a atividade física. Para lidar com isso basta buscar atividades físicas que divirtam ou simplesmente aceitar que se exercitar é fundamental para a saúde. Também encontrar companhia para se exercitar, ajuda. 61


3) Culpa do trabalho: Quem sofre é a pessoa que gostaria de trabalhar de maneira mais eficiente, cumprir metas e dar mais atenção aos seus funcionários, mas não consegue. Ela sente culpa por não render o que acha que poderia render. Para lidar com isso estabeleça metas simples que podem ser cumpridas em prazos curtos e reconhecer não apenas os esforços dos colegas de trabalho, mas os próprios esforços também. 4) Culpa do lazer: Quem sofre são aqueles que gostariam de ter mais tempo para o lazer de qualidade – e isso não inclui ver televisão e dormir. As pessoas se sentem culpadas por não dedicar tempo suficiente ao que lhe dá verdadeiro prazer. Para lidar com isso devemos programar atividades de lazer com rigor semelhante ao dado às obrigações. Envolver amigos na programação. 5) Culpa tecnológica: Quem sofre são as pessoas que gostariam de serem adeptas de novas tecnologias, como Twitter, Facebook, Zap, etc., mas não conseguem. Elas acabam se sentido culpadas por não ter interesse pelo que é novo. Para lidar com isso deveremos entender que o ritmo tecnológico é difícil de acompanhar e aceitar a própria capacidade de absorção dessas novas tecnologias. Priorizar os hábitos digitais mais fundamentais – como e-mail e navegação na Internet -, antes de partir para aventuras mais complexas. 6) Culpa ecológica: Quem sofre são aqueles que gostariam de deixar um impacto menor no meio ambiente e ter uma vida mais sustentável, mas não conseguem. Sentem culpa de poluir o mundo e contribuir com o desequilíbrio ecológico. Para lidar com isso devemos reconhecer que o equilíbrio do mundo não depende exclusivamente de uma pessoa. Não se eximir das responsabilidades, mas aceitar que, do mesmo jeito que a culpa pelo aquecimento global não é só sua, a solução também não depende de você. 7) Culpa cultural: Quem sofre são as pessoas que gostariam de se dedicar ao aprimoramento intelectual, mas não conseguem. Sentem culpa por não ler o livro que deveriam ou queriam e por não ter curiosidade pelo que é culturalmente enriquecedor. Para lidar com isso precisam organizarem e priorizar os projetos de aprimoramento intelectual por interesse e complexidade. Alternar metas ambiciosas com metas simples e exequíveis em tempo mais curto – assim, o mecanismo de satisfação é atendido periodicamente. 8) Culpa alimentar: Quem sofre são aqueles que gostariam de ter uma alimentação mais saudável e variada, mas não conseguem. Sente culpa por se alimentar mal e, de certa maneira, maltratar o corpo. A gordura decorrente é outra grande fonte de culpa. Para lidar com isso como no caso do sedentarismo, cabe o forte argumento de que sua saúde depende em muito dos seus hábitos alimentares. Comer de tudo, mas sem exagerar nas quantidades. 9) Culpa social: Quem sofre com isso são as pessoas que gostariam de se doar mais, contribuir mais com o bem geral de quem vive em sua comunidade ou cidade. Sente culpa por ter mais tempo e dinheiro que a maioria e não compartilhar. Para lidar com isso por menor que seja a escala, envolver-se com algum tipo de trabalho cujo objetivo seja o bem comunitário. Criar obrigações e estabelecer metas que se encaixem na sua rotina. 10) Culpa de consumo: Quem sofre são aqueles que saem para comprar para comprar um produto específico, mas acaba levando mais do que deveria. Ou quem se sente culpado por gastar, independentemente da quantia. 62


Tem dificuldades para reconhecer o valor do que comprou e tende a superdimensionar o gasto em dinheiro. Para lidar com isso deveremos limitar o número de cartões de crédito, organizar e fazer listas de compras e segurar o máximo, os impulsos.  Não conseguindo se livrar dessas culpas procurar um especialista da psique.

QUAIS AS CULPAS QUE NORMALMENTE VIRAM DOENÇA?

1) Culpa depressiva: A pessoa sente culpa e responsabilidade pelos danos que causou e pela percepção que passa a ter o seu próprio potencial destrutivo. 2) Culpa inconsciente: A pessoa não tem consciência dos danos que cometeu, embora a culpa gere sentimentos de sofrimento psíquico. 3) Culpa Persecutória: A pessoa não sente remorso pelo mal que fez ao outro, mas por medo das retaliações que pode sofrer e por se sentir ameaçada. 4) Culpa delirante: A pessoa se considera culpada por tudo de ruim que acontece no mundo, pode se autoacusar de ter cometido crimes gravíssimos, de ser indigna e reivindicar punições para si. 5) Culpa consciente: A pessoa tem consciência de que causou dano ao outro ou a si mesma, e sofre por isso.  Essas cinco culpas carecem de tratamentos com o especialista da psique.

O ESTRESSE Derivada da palavra inglesa stress, o termo era originalmente empregado em física, no sentido de traduzir o grau de deformidade sofrido por um material quando submetido a um esforço, ou tensão. Em 1936 Hans Selye introduziu a expressão no jargão médico e biológico, expressando o esforço de adaptação dos mamíferos para enfrentar situações que o organismo perceba como ameaçadoras a sua vida e a seu equilíbrio interior. Para a adequada compreensão do papel que, ao longo dos próximos capítulos, se atribuirá ao estresse, às emoções e aos conflitos psíquicos na gênese das doenças, alguns aspectos fundamentais do estresse – como proposto originalmente por Selye – precisam ser aqui discutidos. Em primeiro lugar, cabe lembrar que os seres vivos assim permanecem – isto é, com vida – enquanto conseguirem manter um estado de equilíbrio interior chamado por Cânon de homeostase. Segundo tal concepção, qualquer modificação percebida pelo organismo nesse status quo seria sentida como ameaça a sua vida – enquanto sistema organizado – e desencadearia toda uma situação de alarme e preparação para fazer face ao perigo. À percepção dessa ameaça, o cérebro emitiria ordens para a mobilização de defesas e o sistema simpático seria ativado, com a consequente descarga de catecolaminas no sangue. Imagine-se, para facilitar a compreensão, a situação hipotética de um rato perseguido por um gato. Ao dar-se conta do perigo, todo organismo do rato, em resposta à descarga adrenérgica ordenada pelo 63


cérebro, prepara-se para fazer face à ameaça: o coração “bate” mais rápido e mais forte, de forma que mais sangue (energia) seja fornecido aos músculos; a respiração se acelera e, consequentemente, mais oxigênio é disponível; as pupilas dos olhos se dilatam, e assim o animal enxerga melhor; ao pelos se eriçam (vã no caso) de apresentar aspecto assustador ao inimigo. Todas essas alterações caracterizam o estresse, ou a tensão a que o organismo do rato está submetido naquele momento de perigo. Ocorreu nele o que podemos chamar de “reação geral de alarme”, aproximadamente similar à uma movimentação que ocorreria em um quartel, por exemplo, se soasse o alarme antiaéreo. Percebam que toda a tensão gerada no organismo do animal encontrará um desaguadouro na utilização de seus músculos, isto é, na realização de algum tipo de atividade física, visto que o rato: ou fugirá (mais provavelmente no exemplo dado) ou enfrentará o agressor. Percebam ainda que, em qualquer das duas hipóteses, ele terá utilizado os músculos que obedecem a sua vontade: o das patas e das mandíbulas. Uma das importantes características do estresse é ser uniforme e inespecífico. Isto é, a preparação do organismo será idêntica para qualquer tipo de ameaça ou agressão, independente da natureza ou do grau de perigo que represente. Na verdade, a ocorrência do estresse não requer necessariamente que haja perigo real, mas apenas uma súbita mudança, ou ameaça de mudança, no estado de equilíbrio. Desse modo, até uma boa notícia pode ser a causa de estresse. No caso dos seres humanos, o processo de estresse é basicamente o mesmo verificado nos outros animais (inclusive no rato do exemplo), com duas grandes diferenças: em primeiro lugar, as ameaças do mundo externo ao “eu” do indivíduo são de múltiplas origens e em sua percepção há um forte componente subjetivo – isto é – o componente imaginário, provindo do interior da pessoa, é muito mais significativo. Em segundo lugar, e não menos importante, a descarga da tensão gerada pela sensação de perigo ocorre principalmente sobre a musculatura lisa (isto é, sem estrias), que é justamente o tipo de musculatura responsável pela movimentação do estômago, dos intestinos das artérias e do coração. (Neste último, o músculo não é do tipo liso, mas como nesse tipo, tampouco obedece ao consciente da pessoa). Tal como fizemos no caso do rato, imagine-se a situação de um empregado que recebe, ou está em via de receber, uma violenta “bronca” do patrão. Seu organismo fica sobre tensão e se prepara, da mesma forma que ocorre com o rato do exemplo anterior, para enfrentar a situação que vê e sente como ameaçadora e perigosa. Ou seja, todo o seu corpo se apresenta para as duas reações naturais de qualquer animal diante do perigo: agressão ou fuga. A grande diferença é que este empregado, não sairá correndo, nem agredirá fisicamente (salvo uma ou outra exceção) seu patrão, a despeito do enorme desejo de fazê-lo. A consequência consistirá em que venham a sofrer essa descarga – ou, em outras palavras, funcionem como “órgãos de choque” – justamente aqueles órgãos acima citados: estômago, intestinos, artérias coração etc. Com a repetição desse mecanismo ao longo da vida (nas mais diversas situações), a pessoa adquirirá gastrite, úlcera, mau funcionamento do intestino, 64


“pressão alta” e infarto do miocárdio. Nas artérias – vasos sanguíneos que conduzem o sangue rico em oxigênio do coração para o resto do corpo, ao contrário das veias, que trazem sangue com pouco oxigênio do corpo para o coração, também regidas por musculatura lisa, a constante tensão gerada pela ação das catecolaminas acabará por “ferir” sua parede interna, possibilitando o depósito de placas de gordura que finalmente as obstruirão. O potencial nocivo, ou causador de doenças, criado pelas situações estressantes dependerá do tipo e da intensidade do estresse, mas, provavelmente, dependerá sobretudo de sua repetição e duração ao longo da vida e da forma como cada um lida com ele. Quanto ao tipo, pode-se didaticamente agrupar as fontes de estresse nos três “compartimentos” em que se insere a vida de uma pessoa, embora evidentemente as coisas não sejam tão simples e não se passem como tratássemos de divisões estanques. Esses compartimentos são: a família, o trabalho e o ambiente em que vive a pessoa. O último caso corresponde ao chamado estresse “social” ou “ambiental”, no qual se incluíram os problemas com vizinhos, com vendedor ou o profissional que lhe presta serviços, as discussões no trânsito etc. Incluem-se ainda no estresse ambiental a sensação de insegurança física vigente em nossas cidades e até as incertezas na área da instável economia do país. As situações estressantes relacionadas à família e ao trabalho são, a meu ver, as mais graves, não só pela natureza e multiplicidade das facetas que encerram, mas principalmente por configurar, na maioria das vezes, uma fonte permanente de tensão ao longo da vida. Ou seja, configuram situações de estresse crônico e duradouro. Portanto as relações na família e no trabalho são importantes para o bem estar e saúde das pessoas. A vida moderna gera muitas preocupações e nos levam a um frequente estado de angústia, estafa, medo e tensão, que podem conduzir ao estresse. Isso representa um desgaste orgânico e mental e em longo prazo, pode causar doenças. Com as demandas sempre presentes e mutáveis do trabalho na nova economia, não é de surpreender que as pessoas experimentem um maior estresse na vida diária. Qualquer vislumbre do futuro de sua carreira seria incompleto se não considerasse o estresse como um desafio que você certamente encontrará ao longo do caminho – um desafio para o qual você deve estar preparado a auxiliar outros para que aprendam a lidar com ele. Enfatizam que o ambiente de trabalho pode afetar a satisfação, desempenho e produtividade, sempre existiu estresse no trabalho, mas com a modernidade o assunto está em alta, pois existe o vínculo entre conflito do homem com a modernidade, onde cada vez mais existe pressão por resultados positivos e aumento de produtividade. Independente das características de personalidade individual, o dinamismo e pró atividade são cobrados a todo instante, desta forma o estresse ocupacional gera alto custo para as organizações, pois comprometem a qualidade de vida no trabalho, gerando desgastes intensos e consequentemente doenças ocupacionais. Mas as grandes organizações estão buscando cada vez mais investir em programas de prevenção e tratamento dos efeitos do estresse, com visão baseada no fato do stress estar diretamente ligado 65


ao desejo de reconhecimento pessoal e profissional dos indivíduos. O estresse gera intensa irritabilidade, conduta agressiva, queda de produtividade, isolamento, entre outros. Sinais de lentidão de raciocínio também são sintomas, geralmente líderes não são exemplos de qualidade de vida, o que gera conflito psicológico aos indivíduos. Algo a ser trabalhado é prevenir o sofrimento e reduzir a intensidade do estresse ocupacional e temos como base os processos seletivos, onde é possível avaliar características individuais de personalidade, como as pessoas reagem à pressão generalizada no trabalho. Outras técnicas de prevenção estão ligadas à alimentação balanceada, pois é fundamental no controle e prevenção do estresse, a melhor forma de prevenção é a de orientação individual para indivíduos com estresse, pois desta forma é possível conhecer o histórico e identificar o que está sendo prejudicial na saúde, e qual a melhor forma para lidar com este problema. As organizações também investem em programas de avaliação de pesquisa de clima organizacional, para identificar onde estão concentrados os maiores focos de insatisfação, programas de qualidade de vida são utilizados para melhoria de qualidade de vida dos trabalhadores, mas esta técnica implica diretamente na mudança de hábito. É comprovado que as empresas podem contribuir na busca de qualidade de vida, mas certamente para que se atinja este propósito, a responsabilidade maior é do próprio indivíduo, que deverá ser consciente que a melhoria depende em primeiro lugar, somente dele. As relações familiares tornam-se cada vez mais frias, devido à globalização, e cabe ao indivíduo conciliar o lado pessoal e profissional, sendo que é necessário descanso, para aumento de produtividade. É sabido que a tolerância está cada vez mais reduzida, e os casais sentem dificuldade para conciliar convivência entre família, vida social e todas outras atribuições. A família gera mais preocupação que o trabalho, mais que a vida isolada pode gerar aspectos negativos, outros fatores, como desemprego e aposentadoria, podem ser fontes de estresse. Para a organização cabe investir em programar que possibilitem interação entre a família dos trabalhadores e empresa, pois determinadas ações aumentam o nível de satisfação e consequentemente a produtividade, pois a pressão generalizada em busca de resultados faz cada vez mais que homens e mulheres vivam para o trabalho, mas é difícil esperar comprometimento total de indivíduos que dormem e se alimentam mal. Os indivíduos devem buscar equilíbrio através da ação de confiar em si mesmo, para que depois possa confiar nos outros, e consequentemente no meio externo, que faz parte da existência. A felicidade acompanha a potência e a impotência acompanha a depressão, mas o trabalho é a fonte de vida dos seres humanos, e gera bem estar físico e psicológico, o trabalho é um referencial que traz realidade e satisfação, e os indivíduos dependem do trabalho economicamente e devem fazer o possível para conseguir a auto realização, através disto é possível conquistar respeito e seriedade. Os comportamentos individuais e equilíbrio podem prevenir o estresse, pois quando uma atitude de desgaste é instalada gera resistência ao indivíduo, a auto-avaliação constante é fundamental no processo de equilíbrio de auto-estima, pois auxilia no crescimento psicológico. A maneira como percebemos o ambiente 66


é fundamental no processo preventivo de estresse, mas sabemos que a atitude positiva ou negativa depende do nível de maturidade individual. A INFLUÊNCIA DA CRIATIVIDADE NA SAÚDE A CRIATIVIDADE é inerente a todo ser humano, porém o homem moderno, principalmente o ocidental, leva uma vida de atividades complexas, tensões e agitação. Obrigado sempre a render o máximo, resta-lhe muito pouca ocasião de cultivar uma existência pessoal, uma vida interior. O homem ou a mulher é obrigado a viver totalmente em função do nível superficial da sociedade. Submerso no turbilhão de um dinamismo que ameaça arrastá-lo, vê-se necessitado de prestar atenção, quase simultaneamente, a numerosos eventos e atividades que aumentam perigosamente sua tensão, levandoo muitas das vezes à depressão. O homem ou a mulher colocados no meio destes dois pontos limites: sua resistência vital e a exigência social, se não logra organizar, com habilidade, um novo ritmo libertador, torna-se irremediavelmente condenado a passar a vida toda resistindo, mantendo esta constante corrida contra o relógio, com a perspectiva de que o menor tropeço poderá ser-lhe fatal. Não obstante, o homem ou a mulher têm que encontrar, junto à sua atividade exterior, maneira de poder aumentar a sua CRIATIVIDADE para solucionar os problemas sociais, familiares, obter um melhor desempenho profissional ou para ter uma existência equilibrada. Para melhorar sua CRIATIVIDADE é imperioso que faça uma reeducação psíquica e social melhorando assim sua sensibilidade social, a memória, controlando suas emoções e se tornando mais perceptivo. Em um mundo que pede cada vez mais CRIATIVIDADE para resolver com sucesso seus milhares de problemas, a ciência está empenhada em descobrir o que leva a mente humana ao insight – aquele momento que chamamos de “estalo” mental em que as peças do quebra-cabeça se encaixam e uma nova solução aparece como se estivesse apenas esperando um chamado. A boa notícia é que, contar pelos resultados de pesquisas recentes, a capacidade de gerar pensamentos criativos é algo possível a todos. Ela pode ser estimulada a partir de uma feliz combinação de estímulos dados na hora certa, personalidade e uma boa habilidade de observação e retenção de dados. Afinal, está confirmado que absorver informações variadas é a grande matéria prima da criação. “CRIATIVIDADE é apenas conectar coisas, e as ideias mais originais são aquelas que juntam conceitos

diferentes entre si. Por isso, o melhor para ser mais inventivo é explorar o mundo. E, enquanto estiver aprendendo, prestar atenção ao modo como isto acontece”. “E quebre as regras. Veja o que acontece se fizer algo ao contrário. A única falha em inventividade é não tentar de novo”. Essas conclusões estão baseadas em estudos feitos para decifrar as bases da engenhosidade no cérebro e os comportamentos que a fazem aflorar. Algumas das informações mais importantes foram extraídas de trabalhos que usaram aparelhos de exame de imagem para flagrar o cérebro trabalhando em tempo real no momento da criação. “Essas possibilidades 67


de olhar como o processo está ocorrendo é fantástica. Chegamos a uma nova de mapear a atividade cerebral que está levando a novos entendimentos sobre o assunto”. Pesquisas de cientistas descobriram que na hora do insight, o cérebro liga algumas áreas e desliga outras. Os cientistas viram uma diminuição da atividade no córtex pré-frontal dorsolateral e a elevação da função no córtex pré-frontal medial. Conclusão: na hora de criar, o cérebro “tira de campo” o setor que controla a adequação das ações ao ambiente e que antecipa e planeja como devemos nos comportar a cada momento. Uma área solicitada, por exemplo, quando escolhemos as palavras certas para conseguir aprovação numa entrevista de trabalho. A novidade impressionou pesquisadores. “É surpreendente saber que existe um padrão bipolar: a desativação de importantes regiões durante uma atividade criativa, ao lado de outras fortemente ativadas”. Os cientistas também descobriram outro retrato desse padrão. Eles compararam o funcionamento cerebral de criativos e de metódicos. Estudaram esses indivíduos antes e depois de um jogo durante o qual deveriam formar palavras com algumas letras impressas em cartas. Descobriram que os imaginativos têm uma atividade mais intensa em uma área associada ao esforço para conectar informações. “É assim até mesmo em repouso, quando não há nada para resolver ou criar”. No mesmo estudo descobriram uma queda no ritmo de uma região responsável pelo processamento visual pouco antes de a solução emergir. “Pode ser uma forma de o cérebro afugentar informações que irão distraílo para se concentrar e trazer uma solução à consciência”. Em mais uma pesquisa, os cientistas investigam um pedaço do cérebro vinculado à gestação de ideias, o córtex. “Ele parece ter papel importante na tarefa de colocar em evidência ideias guardadas no subconsciente que poderiam se tornar soluções. Os “estalos” começam no subconsciente e explodem na consciência em algum momento”, explicaram os cientistas. À luz dessas descobertas, vários conceitos estão sendo revistos. Um deles é a CRIATIVIDADE e inteligência são iguais e se equivalem. “As pesquisas mostram que grande parte das pessoas criativas tem inteligência média”. Outro mito sobre o qual recaem dúvidas é o do gênio solitário. Os psicanalistas e psicólogos dizem que a saída para provocar a CRIATIVIDADE na vida e no trabalho é a criação coletiva. E se possível com gente que tenha cultura diferente da sua. “A maioria associa CRIATIVIDADE ao momento do indivíduo que tem uma nova ideia”. Mas a colaboração é essencial para que essas ideias aconteçam com mais frequência. Um dos ingredientes que podem determinar o sucesso ou fracasso da criação coletiva é a aplicação do que os especialistas definem como fluxo da consciência. “Isso ocorre quando as pessoas trabalham em funções que correspondem às suas competências, têm um objetivo claro, recebem constante retorno sobre o andamento e obtenção da meta e estão livres para se empenhar completamente na sua tarefa”. A ciência já permite afirmar também que a CRIATIVIDADE é algo que pode ser estimulado desde cedo, como se imaginava. Não é preciso cercar uma criança com novidades tecnológicas, por exemplo, para que 68


ela se torne mais engenhosa. Ao contrário, os estudos demonstram que o segredo para estimular a inventividade na infância é deixar as crianças brincarem. Só isso. “Deve ser uma brincadeira em que possam imaginar o que quiserem e no próximo tempo, sem a participação de adultos para estimular a obtenção de conteúdos”, nesses momentos de introspecção, os pequenos traçam as tais conexões entre ideias que nutrem a inventividade. Um pouco de distração diante de problemas difíceis também parece ter efeito. “O pensamento consciente é melhor para tomar decisões analíticas. Mas o inconsciente é essencialmente para resolver problemas complexos. A ativação desse conteúdo pode fornecer faíscas inspiradoras para o insight”, dizem os pesquisadores. Talvez tenha sido a partir dessa associação entre distração e liberdade para o inconsciente que as grandes descobertas aconteceram. Bom humor é mais um elemento para essas combinações imprevisíveis. Os cientistas dizem que a CRIATIVIDADE se manifesta com mais frequência e facilidade em situações nas quais prevalecem o bom humor e um ambiente positivo. “Brincar sobre coisas associadas ao trabalho e o humor entre colegas aumenta a CRIATIVIDADE e o desempenho global”. Outro fator importante da CRIATIVIDADE é a comunicação: “Uma pessoa pode ter um conceito completamente diferente e novo, mas, se não tem capacidade para convencer os outros, nada conseguirá”.

Memória e sua influência na criatividade Conceitos de memória: Faculdade de reter as ideias e/ou reutilizar sensações, impressões ou quaisquer informações adquiridas anteriormente; Efeito da faculdade de lembrar de lembrar; a própria lembrança. Segundo os neurologistas e psicanalistas a memória comporta três fases: memorização ou fixação da informação, estocagem da informação e finamente reconstituição da informação. Opera uma triagem no material que se deve ser fixado; as lembranças estocadas são as que correspondem a uma intencionalidade do sujeito. A memória depende da ação de estruturas cerebrais precisas, ligadas entre si e situadas na face interna dos hemisférios cerebrais.

Sensibilidade e sua influência na criatividade Conceitos de sensibilidade: Faculdade do organismo vivo de experimentar impressões de ordem física; Faculdade que tem uma pessoa (artista, poeta, escritor) de captar ou transmitir impressões capazes de causar emoção. Segundo os neurologistas a sensibilidade é uma função do sistema nervoso que assegura, graças aos órgãos sensoriais, a detecção e a percepção de modificações psíquicas ou químicas provenientes do próprio corpo ou ambiente. A sensibilidade se organiza a partir dos receptores que levam às fibras nervosas uma mensagem codificada descrevendo a forma e a intensidade de um estímulo mecânico ou químico. As fibras nervosas se dirigem 69


para a medula espinhal e para o tronco cerebral. Depois de, no mínimo, um contato sináptico (comunicação de informações entre os neurônios), as informações são veiculadas até o tálamo e depois até o córtex cerebral. Este está conectado a outras áreas cerebrais, o que permite a percepção consciente da sensibilidade e as reações adequadas ao organismo. Filosoficamente o homem por natureza é um ser sensível. Segundo Aristóteles, o objeto dos sentidos, podendo ser próprio ou comum: sensível próprio é toda qualidade que só pode ser percebida por um único sentido (a cor, por exemplo); sensível comum é toda qualidade que pode ser percebida por diversos sentidos (o movimento, a extensão, por exemplo). Sensibilidade Social Já dissemos que o “Objetivo da humanidade, a “Perfeição social” em evolução, em que o homem cada vez mais consciente desta finalidade gravada em sua psiquê, continua fazendo mil e uma tentativas para representar a meta final do desenvolvimento humano”. Mesmo que se quisesse duvidar de que já, no início da vida, existiu a tendência à superioridade, o comportamento de bilhões de anos mostra-nos claramente que, hoje, a tendência à perfeição é um fator hereditário encontrável em todos os indivíduos. E para tentar chegar à perfeição, a CRIATIVIDADE e seus componentes, memória, sensibilidade, percepção e emoção, são imprescindíveis. Então qual é a perfeição para a qual tende o homem? O homem tende, cada vez mais para o aperfeiçoamento do seu sentido social. O melhor exemplo que se pode mencionar até agora, é o da elevação da humanidade quando se apresenta sob o aspecto da noção de Deus. Parece-me, entretanto, que cada qual faz de Deus uma concepção diferente da dos outros. Mas, diante de sua interpretação mais pura podemos dizer: eis uma expressão concreta, concebida, com felicidade, do ideal da perfeição. A força original que foi tão eficaz na instituição de fins religiosos condutores e que devia chegar a unir entre si todos os seres humanos, não passava da sensibilidade social, que é necessária considerar como uma aquisição da evolução, como o resultado de um esforço em ascensão no curso do ímpeto da evolução humana. Se uns procurarem identificar esse ideal de perfeição com a ânsia de dominar, se outros buscam encarnálo na submissão, os únicos que podem ser bem sucedidos nas experiências legítimas são os que procuram dar soluções realistas aos problemas com CRIATIVIDADE. A sensibilidade social significa, antes de tudo, a tendência para uma forma de coletividade que é preciso imaginar eterna, como poderia ser quase imaginada, se houvesse atingido o ideal da perfeição, meta que significa a coletividade ideal de toda a humanidade, última realização da evolução. Devemos nos deter inteiramente a uma concepção da sensibilidade social, bem como de suas normas. Cada ser humano deve orientar-se para um estado em que serão solucionadas todas as questões vitais, todas as relações com o mundo exterior com CRIATIVIDADE. Esta meta ideal de perfeição deve ter em si a meta de uma sociedade ideal, partindo-se do pressuposto de que tudo quanto consideramos precioso na vida, o que 70


persiste e o que subsiste, é para sempre um produto desse sentimento social. É de se esperar que, num tempo que há de vir, o poder da sensibilidade social triunfe de todos os obstáculos exteriores, se for dado à humanidade tempo suficiente para esta realização. A essa época, o ser humano manifestará seu sentimento social tal como respira. Até lá nada mais nos resta senão compreender esta evolução necessária das coisas e ensiná-la aos outros. Os seres humanos encontram-se sempre diante de problemas que exigem uma preparação com CRIATIVIDADE.

A subordinação de todas as questões vitais aos três grandes e seguintes problemas: o da vida de relação em sociedade, o do trabalho, e o do amor. É difícil ter-se um julgamento exato a respeito de um indivíduo se não se conhece a estrutura dos problemas que a vida lhe submete e a tarefa que estes lhe impõem. Será necessário pesquisar se ele mantém seu papel social ou se, ao contrário, tenta subtrair à sua missão, segue uma via prejudicial à sociedade a fim de vangloriar-se de uma superioridade pessoal. A personalidade equilibra-se em definitivo no momento em que um sentimento social esclarecido ajusta o indivíduo à sociedade, ao trabalho, ao amor. Graças a ele, a ânsia de poder é atenuada; o ideal profundo da personalidade deixa a ficção e estabelece-se sobre os dados do real. É sempre da falta de sentimento social ou que se chame como quiser – vida em comum, cooperação, humanismo ou mesmo ego-ideal – que nasce a insuficiência da preparação para os problemas da vida. É esta preparação insuficiente que, diante de problemas ou em seu desenvolvimento, faz nascer milhares de formas de expressão de inferioridade física e psíquica de insegurança. Se falha a disposição para o convívio com outras pessoas e para a cooperação com as mesmas, poder-seá verificar um sentimento acentuado de inferioridade com todas as suas variantes e todas as suas consequências, geralmente sob a aparência “de uma atitude hesitante e evasiva”. São as manifestações físicas e psíquicas, mais ou menos intrincadas, que fazem, então, sua aparição; conjunto que é chamado de “complexo de inferioridade”. A tendência infatigável à superioridade tenta ocultar esse complexo por meio de um “complexo de superioridade” que, sempre para fora do sentimento social, visa à aparência de uma superioridade pessoal, porém o aprofundamento à CRIATIVIDADE, não é uso para ser superior, mas sim solidário. O homem é uma unidade e um todo ordenados. Relembremo-nos esta verdade para a ela ligar uma observação sobre o homem concreto de quem se examina aqui a disposição interna. Quem estuda a CRIATIVIDADE do homem verdadeiro, deve, com efeito, tomar como objeto o homem “existencial”, tal como ele é, como fazem suas disposições naturais, as influências do meio, a educação, sua evolução pessoal, suas experiências íntimas e os acontecimentos exteriores. Somente existe este homem concreto. E, no entanto, a estrutura deste ego pessoal obedece, em seus mínimos detalhes, as leis ontológicas e metafísicas da natureza humana. 71


Foram elas que a formaram e que, pois, devem governá-la e formá-la. A razão disto é que o homem “existencial” se identifica, em sua estrutura íntima, com o homem “essencial”. A estrutura essencial do homem não desaparece quando a ela se acrescentam sinais individuais: ela não se transforma, outrossim, numa outra natureza humana. O que dissemos até aqui refere-se ao homem em sua vida pessoal e a sua vida de relação. Assim é que o progresso material individualista e o desejo de promoção, em vista de um prestígio maior, tem mais importância, que uma vida de relação plena.

Emoção e sua influência na criatividade Conceitos de emoção: Abalo moral ou afetivo; perturbação geralmente passageira, provocada por algum fato que afeta nosso espírito (boa ou má notícia, surpresa, perigo); Reação afetiva transitória, de grande intensidade, habitualmente provocada por uma estimulação vinda do meio ambiente; Impulso que gera os sentimentos, tanto conscientes como inconscientes.

Percepção e sua influência na criatividade Conceitos de Percepção: Ato ou efeito da faculdade de perceber; Psicologia: Processo cognitivo no qual um estímulo ou objeto, presente no meio ambiente próximo de um indivíduo, é representado em sua atividade psicológica interna, a princípio de forma consciente e depois automaticamente. A percepção consiste em um conjunto de atividades que têm como função apreender uma informação susceptível (sensibilidade extrema) de ser captada pelos órgãos sensoriais, sendo, numa primeira fase, identificada ou categorizada. A “teoria da Gestalt” contribuiu muito para a compreensão dos processos da percepção visual das formas e sua identificação. Algumas atividades perceptivas da apreensão da informação são comportamentos observáveis (por exemplo, os movimentos oculares), mas admite-se que as atividades internas de apreensão estão sempre presentes e que a percepção é um processo ativo. Uma vez que a informação visual, auditiva, olfativa, gustativa e tátil, foi apreendida, outros processos intervêm para a sua filtragem, anexação supressão, transformação ou interpretação. Concluídos esses processos, constrói-se uma representação interna do objeto ou estímulo. Existe também a sinestesia que é uma experiência subjetiva na qual as percepções que pertencem a uma modalidade sensorial e são regularmente acompanhadas de sensações que pertencem a uma outra modalidade, sem que esta última seja estimulada.

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SABER DESCANSAR O descanso compreende a suspensão do trabalho e do desgaste, a recuperação das energias e reservas. É preciso aprender a descansar: Na crise aguda do cansaço cerebral ou esgotamento nervoso, podemos considerar as células cerebrais como acumuladores de energia. Elas se carregam normalmente pelo sono repousando e pelo desinteresse mental e afetivo com relaxamento muscular. Descarregam-se pela atenção, que vem a ser a lâmpada da mente. No cansaço normal, uma vez que este provêm do trabalho do cérebro emissor, da tensão forçada, devemos fazer-nos receptores mediante as sensações conscientes: Aplicar a vista: deixar que o objeto penetre dentro de nós tal como é, sem modificações subjetivas, sem comparar, sem discorrer sobre as causas e efeitos etc. Olhar como as crianças, com naturalidade, sem ânsias, sem querer abranger todos os detalhes. Contemplar, por exemplo, uma lâmpada, uma paisagem, uma flor, uma cor, um detalhe etc. Procurar um efeito de conjunto que, com o hábito, será cada dia mais nítido. Ouvir um ruído próximo ou distante: ter consciência dele por alguns segundos ou, então, dar-se conta da ausência de ruídos. Aplicar os ouvidos sem atenção forçada. Repetir estes atos cinco vezes pela manhã e pela tarde. Com estes exercícios acalmaremos a irritação. Apalpar, sentindo o frio ou a dureza de cinco objetos. Perceba o que lhe toca no princípio.

Descansar pelo emprego de tempo Já dissemos que a ociosidade não é remédio. Nem na fadiga excessiva, nem na normal. É melhor trocar de ocupação, do que estar sem fazer nada, sobretudo se a ocupação, ao mesmo nos agrada e nos concede perfeita concentração. Donde se segue que saber empregar o tempo livre é fonte de saúde, eficiência, felicidade e longevidade. Assim teremos mais interesses e seremos mais interessantes. Os que se dedicam a trabalhos manuais deveriam interessar-se pelas artes liberais, afeiçoar-se à ciência, a um trabalho social ou religioso, aos livros. Pelo contrário, aqueles cujo trabalho é sobretudo, intelectual, deveriam interessar-se por ocupações exteriores que exijam algum esforço muscular ou habilidade manual. Assim descansarão melhor do que apenas trocando matéria de estudo. É também um bom meio para isto procurar experimentar sensações afetivas, por exemplo carinho por nossos parentes. Idêntico efeito produzem atos de respeito, de confiança. Sê religioso: de amor a Deus na oração, sentimento amoroso de sua Divina presença em todas as partes, sobretudo, em nosso próximo e em nós mesmos pela graça. Temos também que tentar evitar o excesso de esforço mental e a preocupação afetiva. Mas, junto com 73


esta ou causada por ela, há outra excitação nervosa e tensão muscular. Repercute esta facilmente nas mãos e nos pés, no diafragma, no rosto e sobretudo nos olhos, que frequentemente não se relaxam totalmente, nem no sono. Se, com exercícios adequados, deixamos tranquilos nervos e músculos, também o espírito se aliviará. Da mesma forma, se descansarmos a mente afrouxaremos também, com mais facilidade todos os membros. Como a alma está unida ao corpo, é lógico que toda a modificação de um influirá no outro. Relaxemos, pois, cada músculo, deixando-o solto. Comecemos pela testa: perder logo suas rugas ou contrações nervosas, se afrouxarmos os olhos deixando cair suavemente as pálpebras e imaginando que o globo se funde dentro das órbitas. Continuemos com a boca, fazendo com que seus ângulos subam e não baixem. Soltemos os maxilares e a língua, de modo que sua ponta toque levemente a raiz dos dentes inferiores (cara de bobo). Deixemos que as mãos caiam suavemente e os dedos fiquem soltos; que os pés estejam apoiados no solo sem qualquer esforço. Afrouxemos os músculos do pescoço, dos maxilares, do peito, do ventre etc.

Descanso pela respiração ritmada. Esta compreende três tempos: inspirar, expirar e descansar sem forçar o organismo. Neste terceiro tempo consegue-se o máximo de relaxamento.

Descansar a vista. Os múltiplos nervos e músculos de acomodação do globo e da mobilidade ocular põem-se tensos pela preocupação, ansiedade ou agitação psíquica. Se não os relaxamos antes de deitar, inútil esperar que se soltem de todo no sono, principalmente se a tensão foi profunda e prolongada. Se este processo continua por semanas e meses os músculos chegarão a perder sua elasticidade e não poderão acomodar bem o olho. Daí se originarão várias doenças oculares.

É preciso também saber descansar no sono O descanso, compreende a suspensão do trabalho e do desgaste e a recuperação de energias e reservas. Isto se consegue em grau máximo pelo sono perfeito, sem sonhos, nem pesadelos. Isto porque: 1º Nele se suspende o trabalho cerebral (pensamentos, imagens, sentimentos) e as funções da vida. Haverá somente movimentos automáticos e trocas de posição ocasionadas pela compressão excessiva dos membros. Se algum músculo não se afrouxou bem sentiremos nele dor e peso e amortecimento ao despertar. As sensações espontâneas e a vida subconsciente diminuem e cessam em proporção com a profundidade do sono e com o relaxamento muscular. 2º No sono se reduzem sem se suspenderem, as funções da vida vegetativa. A respiração é mais lenta, profunda e rítmica. A circulação leva menos sangue ao cérebro. O desgaste em todo o organismo é mínimo.

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3º Pelo contrário, ativa-se a recuperação nas células nervosas e no sangue (mais glóbulos vermelhos). Tornase mais eficiente a defesa contra os micróbios e a limpeza e eliminação das impurezas, realizada pelo fígado e rins. Distingamos, agora, entre descanso e sono Sem descanso, não podemos viver; sem sono, sim. Em outras palavras, sem essa suspensão de desgaste e sem recuperação de energias, não se pode conservar muito tempo a atividade, nem a vida. Mas se, embora sem perder de todo a consciência, nos mantivermos na cama com absoluto desinteresse e paz mental e com perfeito relaxamento muscular, chegaremos a conseguir 80%, 90% ou mais de descanso numa noite. Se concedermos ao sono perfeito 100% de descanso, ao sono excitado e com pesadelos não poderemos dar senão 70%, 60% ou menos de recuperação.

De acordo com isso: 1º Não é preciso preocupar-se tanto com dormir, mas antes, é preciso aprender a descansar. Não devemos ir à cama para dormir e sim para descansar. 2º Tampouco havemos de dar importância à quantidade de sono, mas a qualidade. Cinco horas de sono ou descanso perfeito por si bastariam para refazer-nos do desgaste diário. 3º Quando não pudermos dormir, consolemo-nos de que se nos oferece uma magnífica oportunidade para aprender a afrouxar melhor os músculos que, com frequência, conservam, até no sono, uma tensão residual. Assim, saberemos conseguir maior descanso para o futuro. Com este relaxamento perfeito e o desinteresse mental e afetivo, recuperaremos quase tantas energias como quando dormimos e poderemos trabalhar normalmente no dia seguinte.

Duração do sono Deve acomodar-se à idade, clima, raça e atividade do indivíduo. Como norma geral, poderíamos admitir a divisão do dia em três partes iguais: Oito horas de trabalho, oito para as refeições, deveres sociais e religiosos, lazer etc., e oito para o descanso. As crianças, até quatro anos, dormem doze ou mais horas. Até os doze anos, de nove a onze horas. Oito ou nove horas os jovens na idade do desenvolvimento e, passados os quarenta anos, bastarão sete e até seis horas de sono, incluindo nelas a sesta ou a última hora do sono, que costuma ser menos repousada. No inverno ou em climas frios, dormimos mais que no verão ou nos trópicos. Necessitam mais sono as pessoas que tenham mais desgaste, por atividade corporal ou mental, ou menos reservas, como os mais fracos ou mal alimentados. O dormir em demasia, além da perda de tempo embota os sentidos, a inteligência e a vontade, debilita o corpo e faz com que alguns organismos nervosos fiquem mais propensos ao descontrole pela maior vivacidade e a maior dificuldade em descansar de novo. 75


Posições no sono Não existe uma forma certa: deitar de costas sobre a cama com a cabeça para um lado é a posição que oferece maior relaxamento, pois o peso do corpo está repartido entre mais músculos, mas em compensação não é uma boa posição quem sofre de apneia. Dormir sobre o ventre ou de lado, podem ser, também aceitáveis, embora durem menos, pois as trocamos logo inconscientemente, ao sentir opressão em alguns músculos. No entanto, os nervosos deveriam evitar tais movimentos antes de dormir e resistir por meia hora aos impulsos de trocar de posição por calor, nervosismo etc. Insistam, pelo contrário, em afrouxar melhor os músculos. A sesta será aconselhável unicamente no caso de conseguir-se nela um sono reparador, e de não constituir um impedimento para a digestão e para um adormecer rápido à noite. Ainda que não se consiga dormir durante a sesta sempre será proveitoso reclinar-se durante uns quinze minutos com completo relaxamento muscular e desinteresse mental afetivo.

Evitando o cansaço da voz Muitos oradores, professores, atores, cantores ou outros profissionais da voz e até pessoas conversadeiras, ao falar em voz alta, costumam sentir cansaço, opressão no peito, comichão ou irritação na garganta. Arrancam uma voz antinatural, violenta e ficam exaustos com trinta ou mais minutos que falem ao público. Quantos deixaram sua profissão ou diminuíram seu rendimento por isto. A causa imediata é orgânica: respiração defeituosa por tensões musculares. Mas a raiz profunda dessas tensões se deve às emoções descontroladas. A boa voz se apoia sobre uma coluna de ar suficiente sustentada que, tendo como base a parte baixa do ventre e as costas sai sem impedimento pelo nariz e pela boca. A voz não será robusta e natural se a coluna de ar não tiver tensão suficiente para parágrafos longos; ou se encontra impedimento em sua saída.

Causas orgânicas e seus remédios Respiração defeituosa por tensão muscular. Necessitamos, antes de tudo: 1º Ar em abundância. Para conseguirmos esse ar em abundância, devemos dar ordens à mente para o alargamento das costelas flutuantes. Como todos os órgãos da fala são solidários entre si, logo as primeiras janelas por onde haverá de entrar o ar (ou nariz e a garganta), dilatar-se-ão também e a respiração far-se-á sem esforço e finalmente esta será automatizada. Pensemos no nariz dilatando-se por cima junto aos olhos, e por baixo, mas sem violência "nariz como de coelho" seria a imagem auxiliar. Nariz dilatado ao inspirar e dilatado também ao expelir o ar. 2º Coluna de ar constante e com base sólida. As costelas alargadas e o ventre não caído a produzirão. Para isso, alimentemos a respiração através do diafragma. Notaremos, pondo as mãos no quadris com polegares voltados para trás e procurando separá-las com a inspiração. Isto se consegue, também, como reflexo ao 76


termos bem abertas as asas nasais e os pômulos frouxos ou tendendo a levantar-se. 3º Que o ar saia sem impedimento pelo nariz. Este deve vibrar um pouco, quando falamos; que as palavras saiam como sopradas ou como se as atirássemos pelos olhos. Os pômulos não estejam caídos nem o lábio superior tenso ou as comissuras dos lábios para baixo. 4º Eliminemos as demais tensões do peito, nos ombros e omoplatas que diminuem a capacidade do tórax. Tenhamos os ombros para trás e baixos, as omoplatas tendendo a juntar-se, o peito suavemente levantado para cima, melhor ainda um pouco para frente, com consequente encolhimento do baixo ventre. Ensaiemos a posição correta, por exemplo, junto a uma parede, apoiando nela os calcanhares, mantendo normais e sem tensão a região lombar, os ombros e a cabeça. Com frequência, sobretudo, em pessoas de vida sedentária, são os músculos da cintura e das costas os que estão tensos e encurtam a respiração. Então, serão recomendáveis exercícios que afrouxem ou massagem. Causa psíquica: as emoções: Os estados emocionais de terror, preocupação, pressa, desânimo, ira etc., tendem a encurtar-nos a respiração. Impedem que esta se inicie como deve, por baixo do umbigo; dificultam a expansão para trás da curvatura inferior das costas; fazem com que os ombros se levantem e se inclinem para frente, e que os pômulos, o lábio inferior e as comissuras dos lábios desçam. Com isto o ar não entra nem sai com facilidade. Perdemos, então, a ressonância e o volume que a voz adquire, quando todos os músculos estão flexíveis. Lembremo-nos da voz e do encolhimento dos tímidos. Ao contrário, as emoções positivas do amor, alegria, segurança, otimismo dilatam o peito e os pulmões; fazem-nos respirar melhor e emitir o ar e a voz sem empecilhos.

Impostação da voz. Exercícios Práticos Antes de qualquer exercício, adotemos a posição correta acima indicada: corpo relaxado, direito, ventre baixo, peito ereto, ombros para trás e baixos, omoplatas aproximando-se, músculos do rosto frouxo, lábio superior e faces tendendo a levantar-se e o nariz e a garganta tendendo a dilatar-se.

Para afrouxar os maxilares ajudarão os seguintes exercícios: 1º Diante de um espelho mover o maxilar inferior da direita para a esquerda energicamente e logo depois, de cima para baixo. 2º Movê-lo descrevendo um semicírculo: desde o centro até à direita, dali para baixo e logo para cima pela esquerda para terminar no centro. 3º Repetir o exercício da esquerda para a direita, várias vezes.

Estes movimentos dão flexibilidade e liberdade a maxilares tensos. Para o lábio superior tenso e caído: levantá-lo repetidas vezes sem mover a base do nariz, ou também, abaixando a cabeça até que o rosto esteja olhando para trás, soltar o lábio. Vários minutos nesta posição nos darão uma sensação agradável de 77


relaxamento e de liberdade.

Para a língua e paladar: 1º Por a língua para fora, quando puder, horizontalmente plena ou em forma de colher, com golpes enérgicos. 2º Depois de por para fora a língua, em forma de colher, levantá-la e encurvá-la, seguindo a abóbada palatina. Baixá-la, descansar e repetir o exercício.

Para a respiração e fonação 1º Inspirar ativa, mas não violentamente, pelo nariz e deixar sair o ar com naturalidade também pelo nariz aberto (umas dez vezes). 2º Inspirar do mesmo modo e, ao lançar o ar pelo nariz, emitir um zumbido em "hum", sentindo as vibrações das cordas nasais (também umas dez vezes). Repetir isto várias vezes por dia e por vários dias para formar hábito. O fazer será suave; não gutural, mas nasal. 3º Fazer o mesmo, mas acrescentando a "Hum" "o-o" "Hum -a -a -a", deixando que o o e a saiam com ressonância na cabeça ou na testa. 4º Hum com e, i, u. Hum-ba-be-bi-bo-bu etc. 5º Finalmente, produzindo primeiro a vibração com "hum", poderemos ler as palavras ou frases ou parágrafos inteiros, procurando conservar o rosto na mesma atitude de "hum".

Ao falar, sobretudo, em público, abramos amplamente a boca, movamos bem os lábios, respiremos pela boca e pelo nariz e pronunciemos com decisão e distinção todas as sílabas. Isto fará, pelos reflexos espontâneos, que o organismo adote mais facilmente a posição correta. Obs.: Se quiser aprofundar os exercícios consulte um (a) fonoaudiólogo (a).

UTILIZAR A VONTADE Os animais irracionais saem perfeitos das mãos do Criador. Basta-lhes seguir o próprio instinto para se desenvolverem e conseguirem seu fim. Não necessitam de educação. O homem, porém, nasce incompleto: se segue seu instinto animal, debilita-se, adoece e morre. Por isso Deus lhe concede a razão. Dá-lhe, primeiro a inteligência dos pais e mestres, depois a própria, dizendo-lhe: completa-te A necessidade da educação funda-se na luta entre o psiquismo inferior sensitivo-afetivo que somente apetece os bens sensíveis, ainda contra os bens superiores, e o psiquismo superior intelecto-volitivo, capaz de conhecer e de procurar os bens superiores transcendentais, verdadeiros e eternos: bens da alma, bens sociais, bens divinos.

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Educar a vontade por motivos Como nossa vontade é faculdade do ser racional, naturalmente inclinada para o bem, lançar-se-á logo ao ato desde que, antes de agir, a preceda como guia luminoso, o entendimento, mostrando-lhe um bem, um motivo, um valor. Proponhamos, pois, a nós mesmos ou a nossos educandos, bens e valores: a) Objetivos: Que realmente sejam tais; bens em si: o útil, o honroso, o agradável, o necessário. Poderiam ser bens sensíveis percebidos pelos sentidos ou bens espirituais captados pelo entendimento: Bens para o tempo ou para a eternidade: bens parciais ou totais, sobrenaturais ou divinos. b) Subjetivos: Quer dizer, percebidos como tais pelo indivíduo, acomodados a sua capacidade. As crianças, por não terem ainda desenvolvido o entendimento, verão apenas bens sensíveis ou sensibilizados. Os adolescentes e adultos, porém, deverão aspirar também aos bens espirituais, transcendentais e sobrenaturais e, na medida do possível, reforçados com imaginação e o sentimento. c) Refletidos: Que se encontrem presentes à mente no momento da decisão e da execução. Por isso, ao prever o ato, procuremos, também recordar o motivo. Pela mesma razão, convém escrever os bons propósitos com as razões que os motivaram e convém voltar a lê-las, de vez em quando. Por falta de motivação, observam-se, com grande frequência, fracassos educativos nos colégios e nos lares. Crianças que assistiam à missa ou ao culto até diariamente durante anos, depois, quando maiores não voltam mais a fazê-lo. É porque iam levadas, não por motivos próprios, senão por seus educadores. Não fizeram o ato volitivo de querer ir à missa ou ao culto, senão, talvez, o oposto de não querer ouvi-la.

Educar a vontade por atos Há em todas as línguas, duas palavras magníficas, enobrecedoras e criadoras: "Sim" e "Não". Saber dizer "Sim", quando vamos a passo de gigante ou encosta acima, com dificuldade, mas sempre adiante. Saber dizer "Não", sem concessões, sem discussões, sem vacilações, isto engrandece e fortifica.

Governar a afetividade Os sentimentos e emoções (afetividade) são forças que Deus nos concede para formar, aperfeiçoar e tornar mais atraente a nossa personalidade. Eles dão colorido e variedade à nossa vida; ajudam-nos a querer e agir com mais facilidade, energia e constância. 1º Não nos governemos pela afetividade, nem façamos mudanças guiados pelos sentimentos. Ter como norma de ação "porque me agrada", é o mesmo que tomar um táxi ou um ônibus sem atender ao seu destino ou direção, só porque é mais cômodo ou mais bonito. Deixar de agir "porque me custa", é renunciar ao êxito, à alegria, à glória. 2º Dirijamos nossos sentimentos, diminuindo seus exageros, não dando demasiada importância ao que nos agrada e desagrada, ao que tememos ou desejamos, pois a experiência nos diz que a afetividade reforça as tintas, exagera o bom ou o mau, obscurece e altera verdade. 79


DOMINAR A RAIVA Para dominar esta emoção será útil conhecer sua trajetória psicológica.

1ª Fase: Espontânea A injustiça, o insulto ou o incômodo chegam pelos sentidos ou pela imaginação até o córtex cerebral. Se os concebemos como contrários à nossa vida, saúde, honra ou ideal, formamos um destes três conceitos práticos: "Eu, Eles, Aquilo". Eu - Com estas qualidades e méritos não mereço esse trato. Meu parecer e vontade devem ser respeitados. Eles - São injustos, cruéis, ingratos, insuportáveis. Devem ser castigados. Aquilo - (O acontecimento). É injusto, intolerável, perigoso.

Este conceito, principalmente se é muito forte e prolongado, estimula o hipotálamo (sala de máquina da emoção). Automaticamente, se põe, então, em atividade o sistema nervoso autônomo. Este, quer por si mesmo, põe em rápida comoção o coração, estômago, pulmões, músculos etc. Ao mesmo tempo nos invade o sentimento de desgosto e de antipatia. A única coisa que podemos fazer é: ou evitar o excitante ou, pelo menos, sua lembrança e duração. Podemos, sobretudo, evitar ou modificar o juízo prático: Eu, eles, aquilo, pela distração e, melhor ainda, pelo pensamento contrário, mediante uma educação adequada. Se fazemos isto, a comoção passa logo, sem deixar marca duradoura ou profunda.

2ª Fase: Mais ativa e controlável Quando essas comoções dos órgãos chegam ao córtex cerebral, percebemos que começamos a irritar-nos e, talvez, o estímulo continua a solicitar-nos. A vontade, que poderia ter desviado a atenção para outras coisas, cede à ira, retém o juízo prático "Eu, Eles, Aquilo", torna-o mais forte e prolongado e ordena o ataque. Este pode ser sem restrições e, então, desenvolve a cólera animal ou ira desenfreada como reações animais primitivas, quebrando por exemplo tudo que lhe estiver perto. Sentimos a hipertensão nos vasos sanguíneos e nos músculos, o coração palpita, os pulmões se agitam como para aproveitar mais oxigênio. O estômago se contrai, cortando-se ou perturbando-se a digestão. O organismo se envenena se a ira se prolonga. O cansaço e o desgosto nos invadem. Passada a emoção, encontramo-nos mais fracos para resistir e mais deprimidos por sentir-nos vencidos. Às vezes, costuma aflorar uma alegria maligna de ver o adversário sofrer. Todos esses danos se evitam controlando o juízo prático. Não ocorrem também, quando a ira é imposta pela razão e não pela paixão. Chegam os sinais da comoção emocional ao córtex cerebral; percebemos que estamos irados, que nosso organismo começava a preparar-se para o ataque ou a defesa; talvez, o estímulo ou a injúria ou sua lembrança quer continuar excitando-nos. Então, se em vez de nos deixar dominar pela emoção, ordenamos o controle, 80


o Eu, a vontade livre, pode seguir dois caminhos: 1º Modificar o juízo prático "Eu, Eles, Aquilo", debilitando-o pela distração, ou melhor, anulando-o pela apreciação contrária. 2º Pode também, ordenar a atitude interna oposta de amor e simpatia e sua expressão externa no rosto, na voz e nos músculos. Uma outra forma de controle é pela distração. Muitas vezes, ouvimos o conselho: "Acalme-se, não responda, domine-se, tenha paciência". Seria mais eficaz se, em lugar de querer tirar o sentimento ou os atos (que são efeitos de ideias), tirássemos ou modificássemos as ideias que os causam. Se quando alguém te insulta ou te desagrada com sua conduta, em vez de pensar no injusto ou grosseiro de seu proceder, concentras tua atenção em qualquer outra coisa: nos objetos ou cores que tens ante os olhos, ou nas ondas sonoras que te chegam de todas as partes, ou se és especialista da psique, em observar o desgaste de energia e reações de teu cliente ou interlocutor etc., apenas sentirás alguma comoção.

SUPERAR O MEDO A ira implica agressividade e tendência para destruir um obstáculo (verdadeiro ou suposto) da felicidade, mas que cremos superável. O temor se dá quando o obstáculo se nos apresenta como insuperável. Então, descartando-nos da luta, tratamos de fugir deste perigo ou evitá-lo. Impressões fortes de terror ou vivências multiplicadas de terror, embora somente sejam causadas pela conversa, imaginação viva, cinema, ou romance, vão deixando na subconsciência, à maneira de resíduos ou sedimentação, a tendência à insegurança, o sentimento de temor. Quando este sentimento encontra a mente desocupada, tende a ocupá-la com suas imagens temerosas, provocando as alterações orgânicas de inibição, temor, contração dos vasos sanguíneos, palidez, respiração arfante, palpitações etc.

Graus de temor Quando é preciso desfilar diante de muitas pessoas que nos observam, são muito poucos que conservam a naturalidade no caminhar. Se a desconfiança se converte em alarme por parecer-nos o perigo provável ou grave, rompe-se a unidade do nosso querer, pensar e agir e os músculos tremem. Se o mal aparece como inevitável, a angústia destrói o controle dos movimentos, das ideias e dos afetos. Finalmente, se o temor avança um grau a mais e aparece como iminente, grave e inevitável, apodera-se de nós o pânico com certa anarquia nos pensamentos, sentimentos e ações. Isto culmina na paralisação, em casos de terror, quando três adjetivos acima atingem o superlativo. Recordemos a confusão e a ausência de razão no pânico despertado por terremotos ou pelo incêndio de um teatro.

Como controlar o temor O temor é a emoção mais difícil de controlar, porque com frequência, não sabemos o que tememos ou 81


porque tememos, como na angústia e nas fobias ou temores infundados. Sua motivação costuma ser inconsciente, ou se transferiu da causa real para algum dos concomitantes; ou, reprimindo inconscientemente a reação natural que feriria nosso orgulho, lhe demos saída nesses medos simbólicos que reconhecemos infundados, mas que não sabemos dominar.

Dominar o temor inconsciente Para esses casos, impõe-se uma exploração mais profunda do subconsciente, das origens da anormalidade e das circunstâncias que a acompanham. Descoberto isto, é fácil superar esse temor. E esta descoberta normalmente é feita por um especialista (psicanalista ou psicólogo).

Vencer o temor consciente Se o temor é consciente, isto é, sabemos a causa dele, poderemos seguir os seguintes passos para vencêlo: 1º Antes de tudo é preciso agir. Pois o temor tende a inibir nossas atividades, não se deve reforçá-lo com a falta de ação, pelo contrário, tem que vencê-lo pela ação. 2º Concretizá-lo. O temor quanto mais vago e confuso, tanto mais aflige. Respondamos por escrito e com pormenores a estas perguntas: O que temo? Por quê? Ao fazermos estas perguntas, veremos com frequência que o temor era insignificante. 3º Refletir sobre ele. Que probabilidade há de que isto suceda? E se acontecer, será tão desastroso como temo? A imaginação sempre sobrecarrega nossas emoções. 4º Enfrentá-lo. E, supondo que isto venha suceder, não passaram por outros problemas semelhantes e não conseguiu superá-los? Posso morrer? E daí...? Não poderei começar a ser mais feliz na eternidade? Ao imaginar o pior que nos possa acontecer e ao aceitá-lo, achando-lhe uma solução humana ou divina, venceremos o medo exagerado.

VENCER A TRISTEZA Deve-se à emoção da tristeza à ideia de fracasso numa atividade ou empresa, à frustração de um desejo ou esperança, frustração da própria vida, falta ou perda de um bem, ou a um mal presente que sintetizamos na palavra dor. A tristeza retarda tudo o que for vitalidade, eficiência, saúde, metabolismos etc., e, às vezes, os paralisa. A verdadeira causa imediata do sentimento de tristeza será sempre, como indicamos a princípio, o pensamento ou ideia de fracasso, frustração, falta, perda ou mal presente que pode estar claramente em nossa mente ou confusamente em nosso subconsciente.

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Remédios para vencer a tristeza 1º Concretizar a causa: Concretizemos, analisemos, corrijamos e dominemos as ideias que nos causam tristeza: a) Ante um fracasso ou decepção: O fracasso numa carreira ou negócio, o mau resultado de uma atuação em público, produz tristeza por este pensamento: "Perdi tempo, honra, dinheiro". Seríamos felizes, se pudéssemos opor-lhe, como verdadeiro fundamento este outro: "Perdi um centavo, mas ganhei um milhão". E isto é verdade consoladora, sempre que procedermos com boa intenção. A decepção é, às vezes, puramente subjetiva, como quando esperamos mais que o razoável. O meio de assegurar a alegria, por exemplo, quando fazemos benefícios, consistirá em não buscar agradecimento humano, uma vez que este muitas vezes nos faltará, sobretudo nos benefícios gerais. b) A impotência e a enfermidade entristecem-nos pela ideia de que "somos uma carga inútil, não produzimos, sofremos". Os idosos inválidos costumam sentir isto, tanto mais ativos foram na juventude. Se conseguissem compreender que, na atividade que repercute na eternidade, somos mais eficientes pela paciência e pela oração, do que pelas nossas iniciativas e atividades humanas. c) A própria morte não deve tirar a alegria a uma família cristã. A morte de um ser querido nos entristece e, em geral, tudo termina para esta pessoa. Ou, então, olhando para nós mesmos, consideramos o morto como perdido para nós. O perdemos para sempre, costumam repetir erroneamente. O que fica deve ser a saudade, não a tristeza.

SABER SER FELIZ "A felicidade não se encontra; faz-se". A nossa ventura não depende do que nos falta, mas do bom uso do que temos. Nem se deve aos acontecimentos, mas à maneira como os encaramos. Entretanto muitos não encontram a felicidade: 1º Porque vão procurá-la onde não está: no vício, no prazer ilícito. Ao voltar para dentro de si mesmos, encontram o coração vazio, sentem tédio, desgosto e tristeza, que procuram esquecer por meio de diversões, cinemas, romances, etc. Mas não deixam a causa da infelicidade nem dão ao coração a satisfação do dever cumprido. Contentam-se com encobrir a falta de felicidade. 2º Ainda os que procuram a ventura onde está, às vezes, não a encontram; pois tropeçam na dor, o inimigo nº1 da felicidade, se, não sabem superá-lo nem controlar-se, se afogarão num mar de tristezas. No entanto o sofrimento não deve impedir nossa alegria. A dor e o sofrimento podem ser objetivos, por exemplo: doença, pobreza, fracassos que Deus quer positivamente que soframos. Podem também ser subjetivos: os efeitos que a dor produz em nós e que não dominamos: tristezas, preocupações, temores etc., que Deus somente permite, mas quer positivamente que os dominemos.

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ESCOLHER UM IDEAL Façamos uma distinção entre o ideal objetivo, como a ciência, a arte, a santidade, o bem da Pátria etc., que pode ser o alvo de nossas aspirações e o ideal como nos aparece no homem, no militar, no estudante etc., criado por nossa mente, que lhes tira todos os defeitos e que os exaltam de todas as qualidades possíveis, sublinhando-as até a mais alta perfeição. Isto seria o objeto de nossos ideais. O ideal subjetivo de que trataremos agora é uma tendência, uma inclinação, um desejo intenso e permanente desse objeto.

Elementos de um ideal 1) Elementos cognoscitivo: Antes de tudo, como seu nome parece indicá-lo, requer-se uma grande ideia (o ideal objetivo), ideia concreta e constante, um alvo, um fim, um bem nítido, claro e constantemente previsto. É, no bom sentido, uma ideia fixa, uma atenção, uma atuação permanente com todo o poder de concentração e de ação que isto implica. "Teme o homem de uma única ideia". 2) Elemento afetivo (é seu requisito característico). É uma tendência fixa, instintiva, sensível e espiritual ao mesmo tempo e sumamente intensa para esse bem que se apresenta constantemente como enchendo as aspirações de nosso ser. Desejo que atrai a si as inclinações afins e neutraliza as opostas. 3) Elemento volitivo e executivo. Essa atenção, este sentimento permanente é querido pela vontade e com isto adquire nova força e constância e se traduz em atos repetidos em procura desse bem (consequência natural da ideia fixa que leva ao ato, e da tendência constante para com ele).

Falso ideal ou paixão desenfreada É também um desejo, uma tendência em estado violento e constante, e por isto, tem grande força. Mas é desejo de um mal que se apresenta como um bem. A paixão sensual, a paixão do jogo, da bebida, a ambição etc., procuram um bem: prazer momentâneo, físico, de uma tendência, de um sentido. Essa ideia fixa associada às lembranças e sentimentos do prazer já experimentado enche o campo da consciência e não deixa refletir que aquele bem momentâneo, parcial, de uma parte de nosso ser, acarreta, talvez, pela enfermidade, o mal duradouro e geral de nosso corpo ou, se trata de um prazer proibido, acarreta o mal moral, o mal da alma, o pecado e finalmente o mal físico, definitivo, total, do corpo e da alma na eternidade infeliz. A paixão má desune, desarmoniza o homem, fazendo-o procurar um bem parcial que não pode saciar sua tendência instintiva para o bem total. Como consequência, causa interna, sentimento de tristeza, inquietação, descontrole psíquico. O eu não se sente seguro, não se encontra em seu caminho.

Efeitos do ideal Pelo contrário, o ideal nobre dá unidade, harmonia, vigor e plenitude a nossa vida, aumentando a perfeição física e psíquica de nossos atos. A unidade de pensamento e de desejo acaba com as ideias parasitas, 84


facilitando a concentração e dando ao trabalho e ao estudo seu rendimento máximo. O estado de concentração e de organização da consciência em torno de uma ideia dominante, não cansa e, sendo agradável, ajuda a descansar. Por isso, o ideal, que nos faz pensar constantemente no que muito desejamos, é fonte de descanso e alegria. Eis porque, ao tratar-se de pacientes cansados por excesso de trabalho, se procura descobrir quais são seus gostos ou ideias dominantes para ajudá-los a descansar.

Escolher um ideal 1º Ideal que não esteja em conflito com nosso bem total, com nosso fim último, mas que assegure e facilite sua execução. O ideal desta vida é preparar a outra. 2º Que esteja de acordo com nossas aptidões, com nossa personalidade 3º Que se encontre fora de nós e seja superior a nós. Se o ideal é o nosso corpo, seus limites são verdadeiramente estreitos. O ideal da vida é o desenvolvimento de todo o ser em proveito dos demais e em serviço de Deus. É a transformação de nossos instintos em espiritualidade e em amor superior: é viver em si e não fora de si, nos outros e não fora dos outros, em Deus e não fora de Deus. 4º Que seja prático. Que nos leve a realizar no momento presente o pensamento bom, o fim nobre que concebemos. Não nos esqueçamos de que "o momento mais formoso da vida, o mais rico, é o minuto presente no qual podemos emendar o passado e edificar o futuro". 5º É preciso concretizá-lo e sintetizá-lo em poucas palavras para repeti-las com frequência.

A SÍNDROME DO DESÂNIMO (Burnout) O trabalho pode ser fonte de prazer ou de dor, mas, quando a motivação desaparece, é preciso ter cautela. Aprender a lidar com as próprias emoções pode ser a saída para evitar doenças, a exaustão física e mental. Ganhar o pão de cada dia com o suor do próprio rosto já foi considerado uma pena a ser cumprida. Com o passar dos anos, o trabalho foi perdendo essa característica e incorporou valores capazes de conferir às pessoas dignidade, respeito e admiração: o homem é o que ele faz. Quando alguém escolhe uma profissão não deseja apenas obter um bom salário e um padrão de vida compatível, ou mesmo um futuro bem estruturado. O que o move, para além das vantagens econômicas de determinada carreira, é o desejo de se realizar como indivíduo. Superados os desafios da conquista de um bom emprego, pode acontecer que a repetição das tarefas diária desencadeie um mal-estar que se manifesta por meio de uma profunda insatisfação. Primeiro vem o desânimo. Depois, a motivação desaparece, seguida do completo desinteresse pelas relações no trabalho. Um processo de isolamento se inicia e são comuns estados de tensão e ansiedade, que estimulam as faltas ao emprego. O que parecia ser um cansaço passageiro pode ser a Síndrome do Desânimo (Burnout) ou exaustão física e emocional crônica, decorrente da constante exposição ao estresse no ambiente laborativo. A síndrome se manifesta por meio de diversos sintomas, podendo ser físicos (mal-estar geral, distúrbios 85


do sono, problemas gastrointestinais, cefaleia intermitente e/ou dificuldades sexuais); comportamentais (impaciência excessiva, impulsividade, irritabilidade e agressividade, uso excessivo de medicamentos, conflitos em família ou com o parceiro) ou cognitivo-afetivos (destacamento afetivo, incapacidade de concentração e de ouvir o que as pessoas dizem, rigidez de pensamento e resistência a mudanças, sensação de falência, raiva, ressentimento, sentimento de culpa e perturbação do humor/da tonalidade afetiva). O resultado é um esgotamento físico e mental que mina todas as energias do sujeito, levando-o à perda do interesse pela vida em geral, comprometendo sua identidade, motivação e produtividade. Nenhuma profissão está livre, porque o Burnout é inerente à atividade laborativa. Entretanto, nas atividades em que as pessoas se colocam diretamente em ação, utilizando as habilidades sociais e psíquicas para satisfazer as necessidades dos outros, que, por sua vez, nem sempre expressam gratidão ou reconhecimento, a síndrome tende a aparecer com maior frequência. A vulnerabilidade aos sintomas dependerá da forma como cada indivíduo reage ao estresse – situação que varia conforme o sexo e a idade (pessoas com idade avançada ou jovens que esperam demais da própria carreira são perfis de risco). Personalidades em que se identificam o que o especialista denomina de ansiedade neurótica (característica típica de quem se impõe metas impossíveis que, não alcançadas, estimulam a autopunição), baixa auto- estima, excessiva idealização da profissão e rigidez (incapacidade de adaptação às demandas, sempre mutáveis do ambiente externo), além de introversão também estão mais predispostas. Uma vez identificada a síndrome, muitas pessoas tomam decisão de mudar de emprego. Como terapeuta digo que esta estratégia funciona por determinado tempo (no outro emprego vai encontrar os mesmos problemas): a longo prazo pode agravar os sintomas pois é preciso entender por que determinada situação é prejudicial para aprender técnicas que diminuam essas reações negativas ao estresse. A melhor forma de prevenir o Burnout é por meio de terapia holística, pois potencializará seu autoconhecimento através da abordagem psicológica, social, espiritual, mental, profissional, familiar e física aprendendo a traçar limites entre a vida pessoal e profissional, equilibrando os próprios sentimentos. O aprendizado de técnicas de relaxamento físico e mental, além da frequência a grupos de apoio que permitam ajuda direta, conforto, compreensão e comparação são muito úteis e devem envolver toda a comunidade corporativa. As organizações precisam desenvolver projetos preventivos: O ideal seria que as empresas mantivessem programas de treinamento para levar os funcionários a importantes mudanças comportamentais, como novas propostas para trabalhar menos e melhor, traçar objetivos realistas, chegando até a implantação de estratégias administrativas que pudessem auxiliar a redução do estresse emocional. A falta de liderança é a principal causa do aumento de estresse no ambiente profissional. O resultado é que as habilidades da equipe adormecem, o interesse míngua, e tudo se transforma numa tarefa desagradável. Os métodos tradicionais de liderança e motivação parecem não funcionar mais. Daí a importância de encontrar novas formas de vivenciar o trabalho. Hoje as pessoas esperam e anseiam serem vistas e tratadas como peças necessárias para que as empresas 86


alcancem seus objetivos. Tudo depende da forma como se avalia a relação com o trabalho, superiores e/ou colegas. Nesse universo de expectativas, existem muitas coisas que podem causar frustração e, consequentemente, a perda de motivação. Assim como o corpo precisa de vitaminas e proteínas para ter boa saúde, certos nutrientes também são essenciais para sustentar o entusiasmo no ambiente de trabalho. Quando a pessoa obtém resultados positivos em suas ações, alcança um bom equilíbrio entre profissão e sentimento. É assim que ela evita o risco de se “apagar”. Quando as iniciativas profissionais não resultam em recompensas positivas, especialmente aquelas esperadas, a motivação desvanece. Quando a pessoa acha que não há mais nada a fazer, experimenta emoções como frustração, raiva, ansiedade, culpa e, às vezes, depressão e desespero. Mesmo que as condições mudem, ela não consegue enxergar e aprender com a experiência e continua agindo de forma negativa. O único caminho para superar o Burnout é libertar-se de ideias mágicas e onipotentes no ambiente de trabalho. Isso significa saber que é desnecessário ser amado por todos, ou mesmo ter a simpatia irrestrita dos superiores. Também é importante entender que ninguém precisa ser sempre competente e ter sucesso, nem é imprescindível ocupar-se de todos os problemas. Um profissional para ser eficiente e não se apagar deve se sentir responsável exclusivamente por si mesmo. Deve saber que seu trabalho é difícil e que não receberá muita ajuda, que precisará lidar com situações e pessoas desagradáveis, com ponto de vista diferentes do seu. É bom que aceite o fato de ser absolutamente imperfeito, assim como todos os demais, e que renuncie à vontade de salvar o mundo, procurando apenas elaborar e realizar metas realistas, ressaltando mais os sucessos que as derrotas, e focando mais nos processos que nos resultados. Formas de evitar o Burnout: 1) Administre as emoções: Estabeleça objetivos, programando um passo por vez, dando créditos a si mesmo por apoiar seu próprio progresso. Desenvolva o senso de competência e eficiência, que nada mais é do que a certeza de que você pode fazer. 2) Controle o estresse: Quando você consegue administrá-lo, entende que é possível lidar com situações difíceis sem ser intimidado por elas. Isso aprimora o “eu posso fazer”. 3) Adquira habilidades: Se você sabe que é possível adquirir as habilidades necessárias para enfrentar desafios, sente-se poderoso e decidido para vivenciar problemas, ficando mais disponível para avançar e alcançar o sucesso 4) Desenvolva bom suporte social: Uma forte rede social ajuda a diminuir os efeitos do Burnout. Existem associações profissionais que fornecem sistemas de suporte para seus membros. 5) Encontre um trabalho que se ajuste a você: O trabalho é elástico e não fixo. Existem várias formas de alcançar seus objetivos. Até o mais rígido deles pode ser adaptado ao seu próprio estilo. 6) Mudança de emprego: Essa é uma técnica clássica para prevenir a síndrome. Entretanto, é importante aprimorar a forma de lidar com a situação no trabalho atual. Em primeiro lugar, lembre-se de que você é mais valioso para sua empresa do que outra pessoa com as mesmas qualificações: você sabe como as coisas 87


funcionam ali; conhece a cultura da empresa e os outros colaboradores; sabe como as coisas são feitas e lembre-se sempre que não existem empresas perfeitas. 7) Pense Positivo: A forma como você pensa influencia sua motivação. As pessoas que lutam com o Burnout tendem a enxergar tudo como sem importância. Outra pessoa que pense positivo responderá de forma diferente. Uma situação com possibilidades é mais motivadora do que outra que parece ser inútil. 8) Desenvolva o desapego: Esse é um comportamento zen para a prevenção ou superação da síndrome. Trata-se de esquecer os resultados. É um pouco como ter espírito esportivo: O bom esportista entra em campo e trabalha duro para vencer, deixando de lado a vitória; já o mau esportista, quando perde, desconta no outro time.

De que maneira o Burnout afeta a sua saúde: 1) Sintomas físicos: fadiga constante e progressiva; Dores musculares ou dor na nuca, transtornos cardiovasculares (hipertensão arterial, infartos); Distúrbios do sistema respiratório (bronquite, asma, suspiros profundos); impotência, alterações menstruais), etc. 2) Sintomas comportamentais: Impaciência; Sentimento de impotência; Agressividade; Perda de iniciativa; Comportamento de alto risco etc. 3) Sintomas cognitivos-afetivos: Falta de concentração; Alteração da memória; Lentidão dos pensamentos; Sentimento de solidão; Desânimo; Baixa auto-estima; Dificuldade para relaxar e aceitar mudanças etc.

A INFLUÊNCIA DA MEDITAÇÃO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE A prática da meditação é de um valor incalculável para todos aqueles que desejam avançar pelo caminho espiritual, pois ao aquietar nossa natureza interior, nos permite manifestar os níveis superiores do nosso ser, os mesmos que nos comunicam e nos unificam com os planos mais elevados da existência, ou seja, Deus. Na verdadeira meditação, a atividade mental se reduz a níveis mínimos. Trata-se simplesmente de sentar sem fazer nada. A meditação limpa esse espelho e afina esse instrumento, para que, por intermédio dele, possamos alcançar o mais elevado, possamos chegar à consciência do nosso Ser real, da unidade de todas as coisas, de Deus.

Benefícios da Meditação  Diminui a frequência cardíaca e pressão arterial  Reduz os níveis de cortisol, que está associado com o estresse e ganho de peso  Aumenta a função imunológica  Melhora o fluxo de ar para os pulmões, resultando em respiração mais fácil, o que é útil não só para os

pacientes com asma, mas também para os atletas que necessitam de melhorar a resistência  Diminui o processo de envelhecimento

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 Melhora a criatividade, a capacidade de aprendizagem, a memória, a estabilidade emocional, sentimentos

de vitalidade e rejuvenescimento, a clareza mental e a felicidade  Diminui a ansiedade, a depressão, a irritabilidade e o mau humor  Pode ser feito em qualquer lugar, a qualquer hora e sem nenhum custo

Obs: Meditar não é pensar e não é imaginar.

Estratégia de meditação & relaxamento 1º) Adaptar-nos ao ambiente. 2º) Sentarmos comodamente. Coloque-se em uma posição confortável, na qual possa ficar imóvel por alguns minutos. Com as costas eretas, os pés descansando no chão e as mãos colocadas sobre as coxas. 3º) Limpar a mente através dos sentidos. Primeiramente procure aplicar a visão, por uns dez ou vinte segundos, a uma paisagem, a um objeto, a um pormenor, com atenção tranquila e quase passiva, sem pressa, sem fixar o pensamento em outra coisa, deixando, apenas que o objeto, tal qual é na realidade, entre dentro de você sem nenhum esforço, nem modificações subjetivas. Conservam-se os olhos brandos e com frequente piscar de olhos. Depois de uma pequena pausa, focalizar outro objeto ou pormenor. Aplicar o ouvido a um ruído próximo ou distante, também por poucos segundos. Deixar-se penetrar por este com naturalidade, sem discorrer sobre o fato, nem sobre a causa. Ser um mero receptor do ruído, e percebê-lo com prazer e descanso, fechando suavemente os olhos. Aplicar o tato, apalpando os objetos, sentido o frio, ou o calor, a dureza etc. Sentir a cadeira em que descansa. Sentir a própria respiração, o ar que entra, o peito que se enche etc. A primeira sensação percebida será a mais consciente. Ao se alimentar sentir de fato o gosto e o olfato do alimento. Exercitar-se nessas sensações várias vezes por dia, tendo a consciência nítida do que está fazendo. Em poucos dias, notará maior paz e alegria. Quando seguimos o curso de uma ideia com exclusão de qualquer outra, quando estamos atentos somente ao que estudamos ou ouvimos, esquecendo-nos de todo o resto e de nós mesmos, o rendimento intelectual é máximo, o prazer natural grande, e mínimo o cansaço. Duas horas desta concentração perfeita reparam-se em cinco minutos de descanso, por meio de receptividade tranquila. 4º) Não espere o fim de semana para relaxar: Todo dia parece ter algo que nos deixa tensos. Às vezes é um problema no trabalho no qual ficamos envolvidos um bom tempo e que levamos para casa. Outras vezes é uma preocupação com um filho. Podem ser também conflitos, preocupações e ansiedades com dinheiro, relacionamentos e por aí vai. O resultado disto é tensão e estresse, em níveis variados. De fato, parece mais realista esperar que ao longo de cada dia passemos por situações e emoções variadas. Mas se você não tem uma alternativa para lidar com os problemas, ou tem que esperar o fim de semana para relaxar, as tensões geradas vão se acumulando no corpo. Quer testar? Observe sua testa. Está relaxada? E seus ombros? Que 89


dizer das tensões que você pode nem estar mais notando? 5°) Você pode iniciar algum tipo de meditação. A mais simples é ficar prestando atenção na respiração, no ar que entra e sai pelo nariz, pode acontecer de você dormir. Isto é uma indicação de que está com sono atrasado. 6º) Quando decidir que é hora de encerrar, vá mexendo devagarzinho o corpo, começando pelas extremidades, até ativar toda a musculatura. Espreguice-se com prazer. Para levantar-se mais suavemente, vire o corpo para o lado e erga-o com o apoio dos braços e mãos. Espreguice-se mais um pouco após ficar de pé. Você pode usar este procedimento, por exemplo, antes de dormir. Em dias de mais atividade, pode ser aplicado a qualquer momento para se recuperar antes de prosseguir. Agora que você está acabando de ler, há uma decisão a ser tomada: fazer ou não fazer. Se houve um interesse inicial, sugiro que faça rapidamente uma primeira vez, só para assimilar as etapas, e uma segunda, para um primeiro teste da estratégia. E para avaliar possíveis benefícios a um prazo maior, imagine o que pode ocorrer com você e seu corpo se usufruir do relaxamento durante duas semanas, por exemplo. Assim você terá boas condições de decidir se vale a pena investir alguns minutos, uma ou duas vezes ao dia.

A INFLUÊNCIA DA AUTO-ESTIMA NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE

Você consegue lembrar-se da última vez que teve um desequilíbrio emocional, em que as crenças em si próprio e as suas capacidades se escapuliram? Como é que conseguimos manter as crenças que temos em nós de forma a vivermos menos ansiosos e com mais alegria? Imagine as coisas que conseguiríamos realizar se tivéssemos a crença que éramos capazes de nos propor a fazer qualquer coisa (dentro dos limites do aceitável) para atingir os nossos sonhos e objetivos, especialmente se conseguíssemos manter um nível de auto-estima que não fosse abalado perante nenhuma circunstância. O que é que você faria? A auto-estima surge da auto-imagem positiva que temos de nós, é algo que de forma pró-ativa construímos. A auto-estima não se constrói na passividade, nem quando pensamos que vem dos acontecimentos exteriores, a auto-estima desenvolve-se no mundo real. O que se pretende é uma construção sólida, e isto só é possível a partir do nosso interior. Durante as nossas rotinas diárias, a mente é especializada em procurar todos os tipos de coisas ou situações que fizemos mal, e certificar-se que estamos conscientes disso. Com esta força e tendência contra-produtiva que a nossa mente tem, beneficiaremos muito em regularmente trabalharmos no sentido de construir a nossa própria imagem. É comumente aceito que a forma como nos vemos a nós próprios afeta diretamente tudo aquilo que fazemos. Pessoas com a auto-estima elevada, promovem a capacidade para serem felizes, aumentam o seu bem-estar e consequentemente a produtividade nas suas vidas.

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Uma história familiar a muitos de nós Provavelmente você já passou ou está a passar por uma situação da sua vida em que se sente sobrecarregado, dia após dia as coisas vão-se acumulando (as que tem para fazer e o sentimento de responsabilidade daquelas que deixou por fazer), chegando a um ponto em que se vê forçado a abrandar. Deixa de fazer algumas das tarefas habituais, adia um prazo de entrega de algo, falta a alguns compromissos. Vai-se instalando um sentimento de decepção, pode até chegar a desenvolver sentimento de culpa. O estresse faz-se sentir e o desânimo aumenta. No entanto, você levanta-se de manhã com a intenção de fazer nesse dia o que deixou por fazer no dia anterior, mas verificando a dura realidade que não conseguiu cumprir com as expectativas. Você começa a cair num ciclo vicioso de acumulação de trabalho, tendo a percepção de que necessita dar um empurrão nos seus compromissos e obrigações. A sensação de incapacidade, de aperto e desespero vai aumentando, prejudicando e diminuindo a sua auto-estima. Em consequência do sentimento de alarme que foi acionado ao seu ego, o impulso é grande para a construção de justificações e desculpas sobre o problema instalado. No entanto, para aquele que tem um sentimento de falha, um sentimento de culpa e de incapacidade, outros sentimentos vão-se instalando, crescendo e minando a confiança em si mesmo. A probabilidade de cair no ciclo da procrastinação é grande, e este vício é um ótimo combustível para queimar a sua auto-estima. Você criou um estado mental propício à auto-crítica, auto-avaliações negativas e descrença nas suas capacidades, aptidões e habilidades. Criou um estado mental auto-depreciativo, que é um misto de lamúria, descrença e auto-imagem negativa. Outras histórias exemplificavas poderiam ser abordadas, histórias de traumas, de abusos, de precariedade de vida, de humilhação, de estresse psicológico, depressão, problemas agudos de ansiedade. Os casos e situações serão certamente muito diversificados dependendo da pessoa. De qualquer forma, independentemente das circunstâncias, os processos desencadeados e as incapacidades geradas são muitos semelhantes.

Enquadramento Vamos olhar com atenção:  Auto-estima = O quanto gostamos de nós mesmos  O quanto gostamos de nós mesmos = Nível de auto-domínio

O que é o domínio de si mesmo? É a habilidade que temos para nos conduzirmos a realmente fazer, o que queremos fazer, por outras palavras, tem a ver com a nossa auto-confiança e auto-disciplina. Uma pessoa que tem domínio sobre si mesmo, tem auto-integridade e capacidade para manter-se fiel às suas palavras e compromissos. Cada vez que deixamos de ouvir a nossa voz interior, e não agimos de acordo com algo que nós precisamos, ficamos susceptíveis a perdermos a confiança em nós mesmos e nas nossas habilidades. Esta 91


falta de fé, vai aumentando numa espiral descendente à medida que queremos realizar mais compromissos e objetivos.

Descrições de uma baixa-auto-estima:  Você pensa excessivamente sobre si mesmo, e analisa porque razão você é do jeito que é?  Você tem medo da adversidade, o que lhe provoca uma enorme angústia. Você pode ser alienado em relação

e em oposição aos seus pais, cuidadores e figuras de autoridade em geral?  Você não sorri facilmente. Você pode ter uma visão negativa, desesperançada de si mesmo, da sua família

e sociedade?  Você sente-se muito cansado. Você pode estar relutante ou incapazes de definir e alcançar os seus

objetivos?  Você fica com você mesmo. Você prefere ficar sozinho do que conhecer novas pessoas e estar com os

outros?  Você afasta as pessoas. Você tem dificuldade em fazer e manter amigos?  Você evita olhar nos olhos dos outros. Você tem dificuldade com a confiança verdadeira, intimidade e

afeto?  Você recusa-se a assumir riscos. Você sente-se carente e pode ter uma tendência a apegar-se à falsa

independência?  Você pode criar efeitos e situações negativas. E em casos extremos, pode ser anti-social e talvez violenta

(o)?  Coisas que outros não podem observar incluem: Você fala para si mesmo de forma negativa, você não diz

a verdade e/ou nem mantém a sua palavra, você não perdoa a si mesmo ou aos outros. Você pode não ter empatia, compaixão e remorso. Aumentar a auto-estima implica algumas mudanças de comportamento. O comportamento vai mudando com a prática e a intenção. A auto-estima é uma realização, um processo que energiza e lhe dá motivação. Não é algo que nós temos, mas desenvolve-se com a experiência das coisas que fazemos. A auto-estima é a experiência de ser capaz de enfrentar os desafios e promover a felicidade.

Como trabalhar a auto-estima A maioria de nós está familiarizado com o conceito de impulso e/ou dinâmica. Quando fazemos algo bem, independentemente de quão pequena a tarefa seja, vamos construir energia positiva e a dinâmica necessária, que tendencialmente poderá alimentar e energizar outras tarefas da nossa lista. Por exemplo, se você tiver acabado de lavar todos os pratos, cortado a grama à frente da sua casa e ajudado os filhos a fazer os trabalhos de casa, será mais fácil para você, psicologicamente, transitar rapidamente para outra situação ou assunto e completar a tarefa seguinte. Você terá construído o impulso necessário para terminar as coisas. Isto acontece 92


porque você está animado de energia, a qual utiliza na tarefa seguinte, impulsionado pelo sucesso gerado na execução da tarefa anterior. Por outro lado, quando adiamos o que queremos fazer ou sabemos que devemos fazer, perdemos a força, e o mais grave de tudo é que perdemos a confiança em nós mesmos. Uma forma de melhor entendermos estas questões pode ser através de um exercício mental. Imagine que você tinha um assistente pessoal na sua vida. Que você lhe vai pedindo para executar algumas tarefas específicas, à medida que ele as for executando de forma correta e acertada, mais segurança você vai ter nele, mais confiante vai ficando nas suas capacidades e prontidão. Aos poucos, vai atribuindo tarefas mais importantes à medida que a confiança é reforçada. Você desenvolve um profundo sentido de confiança nessa pessoa e na sua responsabilidade perante as tarefas atribuídas. Você confia nele. Inversamente, se o seu assistente pessoal adia-se aquilo que lhe pedia para fazer, com prejuízo para si, certamente iria perder a fé nas suas capacidades para seguir adiante. Você deixaria de confiar nele. Consequentemente deixaria de lhe atribuir algumas das tarefas consideradas importantes, e provavelmente iria ponderar em despedi-lo. Agora, pense em si mesmo como sendo o seu próprio assistente. Quanto mais se apoiar através de ações, mais segurança e confiança irá estabelecer em si mesmo. Irá então, ganhar mais confiança na sua capacidade de assumir e executar mais tarefas. As pequenas vitórias de nós mesmos, afetam diretamente o quanto gostamos de nós mesmos. Cada vez que conseguimos concretizar, realizar e seguir em frente, essa experiência torna-se num bloco sólido de auto-confiança, promovendo a construção de uma imagem mais positiva de nós.

Dicas para melhorar sua auto-estima Para construir a sua auto-estima, você deve estabelecer-se como o mestre da sua própria vida. Cada minuto da sua vida é um momento que pode utilizar para fazer coisas para se melhorar. Se você andou a adiar alguma tarefa ou ação durante grande parte do seu dia, não se martirize ou penalize por isso, mude o seu foco para o momento presente e o que você pode fazer. Comece com a menor coisa que acha que consegue fazer face à tarefa mais importante. Apresento a seguir algumas dicas que lhe permitirão promover o impulso ascendente para a construção de uma melhor auto-estima:

Comece com os passos pequenos Comece com algo que você pode fazer imediatamente e facilmente. Quando começamos com pequenos êxitos, construímos o impulso para ganhar mais confiança nas nossas capacidades. Cada tarefa completada, independentemente de quão pequena seja, é um passo importante na construção da sua confiança. Que pequenas ações você consegue fazer imediatamente, para demonstrar que é capaz de atingir as metas que estabeleceu para si mesmo? Por exemplo, limpe a sua mesa, organize os seus papéis, pague as suas contas, 93


faça uma caminhada ou elabore a lista de compras.

Crie uma visão convincente Use o poder da sua imaginação. Crie uma imagem de si mesmo como sendo uma pessoa confiante em que você aspira tornar-se. Quando você é essa pessoa, como você se sente? Como os outros o percebem? Qual é a linguagem corporal que utiliza? Como é que você fala? Imagine isso claramente na sua mente, com os olhos fechados. Sinta as coisas, sentimentos, a experiência de ser e de ver do ponto de vista dessa pessoa. Este é um exercício muito utilizado por atletas para aumentarem os seus níveis de confiança. No fundo é uma ferramenta que todos temos ao nosso dispor: a capacidade de simular (imaginar) cenários que queremos que aconteçam. Pratique com regularidade. Coloque uma música de fundo que o relaxe ou que o energize. Quando você terminar, memorize esse estado, as sensações e atitudes que teve e o quão capacitantes e energizantes são.

Socialize Saia da casa, convide um amigo para um almoço. A convivência com os outros dará oportunidades de estabelecer contato com outras pessoas, e praticar uma comunicação efetiva e relacionamento interpessoal.

Faça algo arrojado Como acontece com todas as habilidades, ficamos melhor à medida que vamos repetindo e praticando. Quanto mais vezes se propuser a fazer algumas das coisas que o assustam, ou sente dificuldade, menos assustador estas situações parecem e, mais preparado se irá sentir para as enfrentar e/ou realizar. O simples fato de se propor a enfrentar algumas coisas ou situações em que se sente menos capaz ou mais incomodado, permitir-lhe-á desconfirmar a sua incapacidade. Provavelmente irá verificar que o receio era infundado, ou mesmo que exista justificação para esse medo, que tem igualmente a capacidade de o enfrentar e ser bem sucedido.

Faça algo naquilo em que é bom No que é que você é especialmente bom e gosta de fazer? Regularmente fazer coisas em que você é bom, reforça a crença nas suas habilidades e pontos fortes. Proponha-se a fazer aquilo que faz bem e que gosta, reforce-se e elogie-se a si mesmo. Perceba como é que faz essas coisas, em que estado se encontra quando se sente energizado? Quando se sente em uníssono com a tarefa, o que é que diz para si mesmo, quais são as suas expectativas, qual é o seu estado de ânimo? Ninguém é bom em tudo o que faz, e igualmente ninguém é mau em tudo o que faz. Tente não utilizar qualificações de si mesmo do gênero tudo ou nada. Perceba que existem coisas que faz muito bem, leve isso em consideração. 94


Defina metas De acordo com um estudo feito na Universidade Virginia Tech, 80% dos americanos dizem que não têm metas. E as pessoas que estabelecem regularmente os seus objetivos ganham nove vezes mais ao longo das suas vidas, comparativamente aos que não os estabelecem. Ao definir metas claras, práticas e exequíveis, você tem um alvo em direção ao qual se pode movimentar. Com o estabelecimento de metas, os passos e ações que faz estão direcionados para a obtenção de um resultado. Quando você tomar um conjunto de medidas para alcançar esse objetivo (claro e específico), irá construir mais confiança e auto-estima nas suas habilidades para seguir em frente.

Ajude os outros a se sentirem bem Ajude alguém ou ensine-lhe algo. Quando você ajuda outras pessoas a sentirem-se melhor e a gostarem delas, certamente irá fazer você sentir-se bem consigo mesmo. Veja o que você pode fazer para os outros se sentirem bem ou estimulá-los a sorrir. Talvez lhes dando um verdadeiro elogio, ajudando-os com alguma coisa ou dizendo-lhes que você os admira. A interação social, a convivência e a solidariedade, são fundamentos e pilares de construção da felicidade de cada um de nós. São fatores de promoção de bem-estar, pois enquanto seres humanos somos seres gregários, por outras palavras temos a necessidade de viver em grupo e em contato como outros. O contato e a partilha são duas condições necessárias ao bom desenvolvimento e crescimento saudável. É na interação e contato humano que se fundamenta a vida. Os laços e os sentimentos que se criam são promotores da auto-estima e auto-confiança.

Obtenha clareza nas várias áreas da vida Esforce-se para obter clareza nas áreas de vida que precisam mais da sua atenção. A sua auto-estima está relacionada com o seu auto-conceito em todas as áreas importantes da sua vida. Anote todas as categorias principais da sua vida (sentimental, financeira, profissional, social, pessoal, familiar, sexual, entre outras). Em seguida, avalie numa escala de 1-10 em cada área. Trabalhe nas categorias que pontuou mais baixo. Cada área afeta as outras áreas. Desta forma invista na obtenção de um melhor bem-estar nas áreas de vida que através da sua percepção achou menos satisfatórias, analise os pontos fracos e fortes e elabore uma forma de poder minimizar o problema ou melhorá-lo. Por vezes, um dos erros comuns que as pessoas comentem é achar algumas áreas da sua vida como tendo necessidade de melhorar, para isso iniciam algumas ações, e se passado algum tempo verificam que não melhoram, desistem. Alerto para o fato de que algumas alterações e/ou melhorias levam tempo a surtir efeito, pelo que não deve esperar uma melhoria repentina, mas sim a médio ou longo prazo.

Construa um plano Ter um objetivo por si só, pode não surtir o efeito desejado. Deverá tentar esclarecer-se do que é necessário 95


para conseguir realizar os objetivos a que se propõe. Um dos principais motivos para alguns de nós ficarmos pelo caminho ou vermos a nossa vontade paralisada para realizar algo, deve-se ao fato de não construirmos um plano para alcançar os objetivos desejados. Por vezes não sabemos o próximo passo a ser dado, movimentamo-nos ao acaso, não tendo uma noção correta para onde nos dirigimos ou se nos estamos a afastar daquilo que queremos. Quando você se propõe a confeccionar um bolo, certamente terá muito mais sucesso se seguir as instruções claras e específicas da receita, do que jogar ingredientes aleatoriamente para dentro da taça. Motive-se Leia algo inspirador, ouça uma música que goste, converse com alguém que possa elevar o seu espírito. Procure algo que o possa motivar para se tornar uma pessoa melhor, para viver mais conscientemente, e para tomar medidas preventivas no sentido de criar uma vida melhor para si e para os outros. Tente perceber aquilo que mexe consigo, que lhe fornece energia, que o faz levantar-se cedo da cama, que lhe dá uma vontade enorme de concretizar e realizar algo. Se não consegue encontrar ou sentir isso, imagine para si o que gostaria de fazer. Podem ser pequenas coisas ou grandes coisas, isso não é o mais importante, o que realmente importa é perceber como é que se energiza e onde pretende colocar essa energia. Normalmente as duas coisas encontra-se juntas, ou seja, aquilo que nos dá energia é exatamente aquilo onde queremos aplicar a nossa energia. É como que um feedback positivo, começamos a gostar de fazer algo, ou imaginamos fazer algo, e ao propormo-nos a fazer, automaticamente, gera-se mais vontade de continuar. Desta forma, motivarse para fazer algo é sempre uma estratégia de ganhar/ganhar.

Afirmações Use afirmações, mas de forma adaptativa. Não me refiro a afirmações em vão, vazias e ocas, onde nos limitamos a dizer umas quantas coisas positivas na esperança que isso funcione. As afirmações são muito capacitadoras e orientadoras, mas apenas se forem suportadas e acompanhadas de ações. Sentado no sofá e dizendo: “Estou muito motivado e energizado para produzir” apenas esta frase não acrescentará nada à sua vida. Diga algo como “Eu estou sentado aqui neste sofá, sinto-me improdutivo, será isto o ideal para mim? O que é que eu poderia fazer?” A sua afirmação tem que ser sentida e coerente com aquilo que pretende realizar. Assim que você seja honesto consigo mesmo, proponha-se a fazer algo, mesmo que seja um pequeno passo, faça alguma coisa de acordo com a sua afirmação.

Deixe de se comparar Pare de se comparar a outras pessoas. Uma baixa auto-estima decorre do sentimento de sentir-se inferior aos outros. Por exemplo, se você fosse a única pessoa no mundo, você acha que poderia ter uma baixa autoestima? A auto-estima só entra em cena quando há outras pessoas à nossa volta e percebemos que somos inferiores. Não se preocupe com o que seu vizinho está fazendo. Perceba o que quer, daquilo que é capaz, e 96


eventualmente o que tem de melhorar ou mudar para alcançar os seus objetivos ou sonhos. Ainda que todos nós possamos ter uma tendência quase inata para a comparação, tente relativizar o máximo que conseguir quando sentir que se está a comparar. Podemos ter algumas pessoas que nos sirvam como modelo, mas se assim for, isso deverá servir para perceber em que deveremos trabalhar ou desenvolver para nos aproximarmos daquilo que queremos e não para nos depreciarmos. Certamente que se nos comparamos com alguém que nos serve de modelo, estaremos provavelmente alguns passos atrás. Se acionarmos uma visão construtiva e positiva iniciaremos um conjunto de ações, passo a passo, pouco a pouco seguiremos para a obtenção do resultado desejado. A auto-estima vem do domínio de si mesmo. Quanto mais coisas você se propuser, quanto mais coisas for conseguindo realizar (mesmo as pequenas coisas) e passo a passo for obtendo êxito, mais confiança vai crescendo em você, sedimentando a sua auto-estima. O seu nível de auto-estima afeta a sua felicidade e tudo que você faz.

A INFLUÊNCIA DO MEIO AMBIENTE (ECOLOGIA) NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE Entre os fatores que influem no adoecer, estão aqueles ligados à interação com o exterior em que a pessoa vive. Incluem-se aí o clima, a altitude, a poluição ambiental e as condições de moradia, transporte e alimentação. Explicam-se por essa via as doenças relacionadas a pobreza e a miséria, em que tais fatores são provavelmente mais relevantes que os demais. É óbvio que alguém que se alimenta mal ou não se alimenta, vivendo em condições insalubres, certamente adoecerá, independentemente de predisposição genética e do psiquismo. Da mesma forma, também o meio cultural em que se vive terá seu papel. A INFLUÊNCIA DA DEPRESSÃO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE A depressão compõe, ao lado da ansiedade, da angústia e da mania, o conjunto daquilo que os psicanalistas chamam de distúrbios em que a característica primária e dominante é a mudança do estado de ânimo de forma relativamente fixa e permanente. No caso da depressão, a mudança do estado de ânimo consiste no surgimento de um sentimento generalizado de tristeza ou melancolia, cujo grau pode variar desde um desalento moderado até ao mais intenso desespero. A duração é igualmente variável, podendo desaparecer em poucos dias ou estender-se por semanas, meses e até anos a fio. A parcela da população que, em todo mundo, é vítima pela depressão em alguma época da vida é quase tão grande quanto a que é atingida pela ansiedade: pode chegar a 20%, na dependência do maior ou menor grau de rigor que se empregue no diagnóstico. Dados recentes estimam que um em cada dez adultos, no mundo, sofre de depressão em um dado momento. Se considerada toda a vida das pessoas, isto é, se incluirmos não apenas os que são deprimidos neste momento, mas também aqueles que foram ou virão a ser 97


em alguma época da vida, o percentual certamente será maior. O crescente aumento da prevalência da depressão – particularmente no mundo ocidental – faz dela, ao lado da AIDS, a doença que começou no último quarto do século passado e também a doença da moda. Expressões como “estar na fossa”; “hoje estou p’ra baixo”; “estou de baixo astral”; “hoje estou na maior deprê” já incorporaram no dia-a-dia e são empregadas com inusitada frequência, particularmente entre adolescentes e adultos jovens. É necessário, entretanto, não confundir estados passageiros de melancolia com a verdadeira depressão. A tristeza faz parte da vida, e dela não há quem não padeça em algum momento, com ou sem algo concreto a motivá-la. Existem inclusive situações diante das quais o anormal talvez fosse não ficar deprimido. É o caso, por exemplo, da perda do emprego ou status social, do rompimento amoroso e da morte de uma pessoa querida ou ainda da descoberta de que se é portador de uma doença grave. A esse tipo de depressão, que pode acontecer a qualquer pessoa que seja vítima de algum dos eventos citados, os profissionais da psique costumam chamar “depressão reativa” ou vivencial, justamente por caracterizar uma reação normal à perda. Há, porém, limites tanto de intensidade quanto de duração, para a ‘normalidade” da reação. Tome-se, por exemplo, o caso do luto pela morte de uma pessoa querida, exemplo claro de uma depressão reativa “normal”. Imediatamente após o óbito, duas coisas podem acontecer: um intenso desespero tristeza ou certo alheamento como se a pessoa não percebesse, de pronto, toda a extensão da perda sofrida. Esse estado pode durar de algumas horas até cerca de duas semanas, durante as quais alguns podem não experimentar grande aflição ou angústia, ao passo que outros vivem uma “sensação de torpor e incapacidade para avaliar quaisquer reações emocionais”. De repente, a pessoa como que “cai na real” e, ao se dar conta da extensão da perda sofrida, passa a apresentar, em toda a sua plenitude, o quadro de depressão, com as mudanças de comportamento e sintomas característicos. Ao cabo de duas a seis semanas, os sinais de depressão começam a declinar, e já serão mínimos ou até inexistentes ao final do sexto mês. Este é o padrão habitual e é considerado “normal”. Há casos, porém, que extrapolam o padrão, e passam então a configurar uma situação de doença a exigir tratamento. Nesses casos, a duração do quadro depressivo estende-se além dos seis meses, ou, independentemente da duração, a intensidade é tal que leva a pessoa a tentativas de suicídio, a isolar-se, de modo a ficar inacessível até para parentes e amigos ou a incapacidade para o trabalho por um prazo superior a duas semanas. Existem duas explicações possíveis para uma reação doentia de luto. A primeira tem a ver com o próprio perfil psicológico da pessoa, sua maior ou menor tendência a deprimir-se, e a perda, neste caso, seria apenas a “gota d’água” de um quadro que, mais dia, menos dia, iria desabrochar por si mesmo ou a pretexto de outra perda qualquer. A segunda, de aceitação talvez mais difícil para a maioria das pessoas, tem a ver com o sentimento de culpa que se alimente com relação a que morreu. Este, advindo da sensação consciente ou inconsciente de não ter amado o falecido(a), de não ter feito por ele (a), enquanto vivo (a), tudo o que merecia, 98


de ter sido injusto(a), mau(a) ou tê-lo(a) ofendido(a), é o pano de fundo do luto anormal ou patológico, podendo ser causa, inclusive, de doenças orgânicas. É bem conhecido e tem sido descrito à exaustão o papel do luto como desencadeador de um sem número de doenças e até de mortes. Quantas vezes não ouvimos referências a alguém que adoeceu “de tristeza”, após a perda de um ente querido? Está provado que, durante o segundo ou terceiro ano da morte de alguém, registra-se entre os seus uma taxa de mortalidade algo mais elevada do que seria de se esperar. Isso é mais verdadeiro para quem perde um cônjuge que para quem perde outro familiar. Cerca de um em cada cinco viúvos de ambos os sexos morre no primeiro ano após a morte do cônjuge. Dado interessante a merecer estudos é a constatação de que essa mortalidade parece ser maior entre homens que entre as mulheres. O que foi dito aqui com relação ao luto vale, em linhas gerais, para outras perdas. Assim, no caso das separações amorosas ou conjugais, por exemplo, também há limites de intensidade e duração para a aceitação da “normalidade” da depressão. O mesmo se pode dizer da perda de emprego, status ou reputação social. No primeiro caso, enquanto o indivíduo estiver desempregado, é óbvio que, até por razões de ordem prática ligadas à sobrevivência, tenderá a ficar deprimido. No segundo caso, a intensidade da depressão terá muito a ver com a importância que o reconhecimento externo tem para a pessoa que sofreu a perda. Em qualquer caso , o “normal” é que, tal como o luto, após algum tempo “se dê a volta por cima” e se retorne ao ritmo habitual de vida.

O componente individual e cultural da depressão Os quadros de depressão instalam-se sempre, acreditam os profissionais do psiquismo, em consequência de uma sensação de perda. Estão aparentemente ligados, pois, como vimos acima, a perdas materiais ou afetivas. Neste último caso, não é obrigatório que efetivamente se “perca” alguém por morte ou separação. A sensação pode advir de um sentimento de decepção em relação aos outros ou até em relação a si mesmo. Na grande maioria dos casos, talvez na totalidade, os estados depressivos associam-se a um rebaixamento da auto-estima, com maior ou menor grau de perda ou abalo da imagem idealizada que se tenha de si mesmo. Os mais céticos (ou realistas) costumam dizer que a vida é uma sucessão de perdas, isso valeria para todos nós. O que diferencia, isto é, o que faz com que a maioria de nós não entremos em depressão, é a forma pela qual cada um lida com as perdas e, é obvio, com a real magnitude delas na vida de cada um. Na percepção de tal magnitude, por conseguinte, entra em jogo um importante componente subjetivo, individual, que, individual, que, por seu turno, dependerá não apenas da personalidade e do psiquismo do indivíduo, mas também das influências do meio sócio-cultural em que ele vive. A partir da percepção da perda, ou o indivíduo a assimila e com ela convive, ou entra em depressão. A “escolha” de uma dessas alternativas dependerá tanto dos fatores biológicos de sua constituição como do grau de coesão do ego, e ainda de sua capacidade psíquica/emocional de “elaborar” o sofrimento. O fator constitucional (biológico), de origem genética parece predominar nas chamadas depressões bipolares, como 99


é o caso da psicose maníaco-depressiva, na qual o indivíduo alterna períodos de grande euforia (mania) com profunda tristeza. Nas outras formas de depressão (dentre as que aqui mais nos interessam), parecem predominar os fatores ligados à personalidade e ao psiquismo e à interação destes com o meio em que a pessoa vive. Como salientamos anteriormente, todos temos “um ponto de rotura” até onde somos capazes de suportar o sofrimento e/ou frustração, sem que algo de mais grave nos aconteça. Esse limite parece ter muito a ver com a coesão interior. Um ego frágil, evidentemente, rompe-se com maior facilidade. Além disso, também intimamente ligada ao psiquismo do indivíduo está a referida capacidade de “elaborar” o sofrimento. Em verdade, o sofrimento, se bem trabalhado, enriquece a pessoa. Por essa razão, em ocorrendo a perda, não há porque negá-la ou negar o sofrimento. A dor tem que ser “sentida” e esgotada, além de assumida, pois só assim será vencida e amadurecerá a pessoa. Não é, pois, aconselhável a tendência que quase todos temos que evitar falar de um falecido a alguém que esteja de luto por ele, ou evitar circunstâncias que o lembrem. O mesmo vale no caso de desilusões amorosas; longe de desviar-se o assunto, ele deve ser objeto de conversas e de evidências, até que se esgote por inteiro. Uma observação interessante e passível de polêmica: o deprimido fica como que “anestesiado” afetivamente e, de certa forma, imune aos sofrimentos adicionais. Sendo assim, quando alguém está deprimido, é a ocasião propícia para lhe dar más notícias, ao contrário do habitualmente pensa e faz. A partir do momento em que se instala a depressão, sua maior ou menor duração e até sua gravidade e consequências nocivas para a pessoa dependerão também dos mesmos três(3) fatores citados: o biológico, a coesão do eu e a capacidade de elaboração. A depressão não resolvida pode resultar em doença orgânica, em suicídio, ou persistir, implicando graus variáveis de incapacitação do indivíduo, mas acarretando sempre um comprometimento de alegria de viver.

Os sintomas da depressão A característica a um só tempo mais sintética e abrangente da depressão levaria a defini-la como a incapacidade de sentir prazer, associada à absoluta falta de vontade de viver. É justamente essa “falta de vontade de viver” – que não significa necessariamente desejo de morrer – que ajuda a distinguir a verdadeira depressão da “fossa”, do ”baixo astral”, da “deprê” e da melancolia que vez por outra, com ou sem motivo consciente, assalta a todos nós. Didaticamente, os sintomas da depressão podem assim se agrupar: as alterações de humor, a lentidão das ações/ reações psíquicas ditos e de movimentação e os sintomas físicos propriamente ditos. No primeiro grupo, do humor, sobressai, como já salientado, a tristeza, com profundos sentimentos de desvalorização de si mesmo, acompanhados ou não de sentimentos de culpa. O suicídio é um risco, como veremos, e deve ser a principal preocupação de quem cerca ou trata o paciente. O segundo grupo, o da lentidão psicomotora, caracteriza-se, como a própria denominação informa, por 100


um amortecimento generalizado nas atitudes, na capacidade de raciocínio, nas reações emocionais, no andar, na gesticulação etc. Do ponto de vista psíquico, o deprimido caracteriza-se por enorme dificuldade de raciocínio e concentração. Os principais sintomas psíquicos da depressão são: a) Distúrbios do humor: Sentimento de infelicidade e tristeza; desesperança/impotência. b) Distúrbios do pensamento: Pessimismo, falta de entusiasmo; sentimentos de culpa; difamação de si mesmo; perda de interesse e motivação; baixa eficácia intelectual; baixa eficácia da capacidade de concentração e entendimento c) Distúrbios do comportamento: Aspecto negligenciado; lentidão nos gestos e movimentos; agitação mímica exprimindo tristeza; aspecto fixo na face; irritabilidade fácil d) Ansiedade: Comportamento suicida (ideias e tentativas)

São pessoas que, embora anteriormente habituadas à leitura, passam de repente a não conseguir mais compreender e fixar o que leem; são forçadas a ler até três vezes ou mais cada parágrafo, antes de conseguir captar a mensagem. Outro aspecto importante, ainda no campo da lentidão psíquica, é a já citada inibição afetiva. O indivíduo sente-se incapacitado para o intercâmbio afetivo/emocional com as outras pessoas, sendo comum comentários do tipo: “tenho a impressão de não gostar de ninguém”. Instala-se uma certa indiferença para com os outros e com o mundo e em relação ao futuro, como se igualmente estivesse perdida sua capacidade de fazer projetos e acalentar sonhos. São justamente esses aspectos de lentidão psicoafetiva que mais distinguiriam a depressão – doença da tristeza normal. Além disso, há também o terceiro grupo de sintomas, pelas alterações físicas somáticas. Os principais distúrbios orgânicos referidos pelos pacientes deprimidos são: insônia, dor de cabeça, perda de apetite, constipação intestinal ou diarreia, náuseas, sensação de opressão no peito, sensação de “bolo” na garganta, dificuldade de respirar; sensação de falta de ar, dor no peito, sensação de “falhas” no coração, dores nas costas, perda ou redução do apetite sexual. O sono é, talvez, o mais precoce e intensamente atingido, a tal ponto que se deve colocar em dúvida o diagnóstico de depressão se a pessoa estiver dormindo bem. A insônia do deprimido é, na maioria das vezes, terminal, isto é, a pessoa acorda bem antes do horário habitual de despertar e não consegue dormir mais. Pode, porém, ser do tipo mais clássico: dificuldade de conciliar o sono ao deitar. Os distúrbios do sono geram, por si só, muita ansiedade, isto é, a pessoa já vai deitar preocupada com a perspectiva de não conseguir dormir, ou não fazê-lo a noite toda, o que, por si só, já dificulta o sono. Ao despertar, sente-se cansada, exatamente com a sensação de não ter dormido bem. Além do sono, também o apetite fica perturbado. Na maioria das vezes o que há é inapetência, isto é, a pessoa não tem vontade de comer. Mais raramente, no entanto, pode haver um apetite exagerado, uma 101


verdadeira compulsão para comer, caracterizando o que os médicos chamam de bulimia. Existe, por fim, a questão do funcionamento do intestino. Embora possa haver diarreia, o mais comum, de longe, é que haja constipação intestinal. É possível que se encontrem erros alimentares e mesmo “ falta de tempo” para frequentar a privada regularmente; mas não tenho dúvidas a principal razão reside nos distúrbios psíquicos, a ansiedade e depressão entre eles. A respeito dos três aspectos discutidos, costumo dizer que dificilmente alguém que apresente, sem auxílio de remédios, sono, apetite e trânsito intestinal normais, estará padecendo de alguma doença ou sofrimento. Será certamente alguém feliz e saudável. A depressão “mascarada”. A fadiga Embora, na maioria das vezes, a pessoa deprimida preenche o perfil que traçamos acima, há casos em que a depressão é mascarada, isto é, apresenta-se sob forma de um sintoma físico qualquer, sem que a pessoa pareça ou se reconheça triste e deprimida. Estima-se que cerca de 50% dos pacientes deprimidos apresentem predominantemente queixas orgânicas, as quais podem incluir quadro de distúrbios gastrintestinais, dores generalizadas, tonturas e vertigens, dores de cabeça, sintomas ligados ao coração e até queixas ginecológicas e de incontinência urinária. Tal forma “mascarada” de exteriorizar-se a depressão parece mais frequente entre homens e em determinados meios sociais ou culturais, em que os sintomas físicos são mais valorizados que a exteriorização clara da tristeza. Esta, aliás, parece ser a explicação mais plausível para a grande desproporção entre homens e mulheres deprimidos: a doença e de duas a quatro vezes predominantemente entre as mulheres que entre os homens. Não está claramente explicada a razão da diferença, porém mais que a improvável maior suscetibilidade da mulher à depressão, parece que, por razões possivelmente psicossociais, ela se sente mais livre para exprimir como tristeza seu sofrimento psicológico. No homem, o mesmo sofrimento se exteriorizaria por alcoolismo, toxicomania e condutas anti-sociais e violentas. Outra maneira, razoavelmente frequente, de depressão mascarada é a fadiga. Esta é uma queixa extremamente comum, referida por nada menos de 25% a 75% de todos os pacientes que se consultam em ambulatório geral. O paciente a exprime como uma permanente sensação de cansaço e falta de disposição para quase todo o tipo de atividade. Embora a rigor possa ocorrer em sequência a um esforço físico importante, raramente este é o caso. Um esforço físico intenso provoca, na maioria das vezes, uma sensação gostosa de cansaço. A sensação de fadiga, pelo contrário, é desagradável e difusa. Excetuados os casos de doença orgânica claramente identificados (infecção, anemia, desnutrição, câncer etc.), a queixa de fadiga nada mais é que a resposta a um conflito emocional não resolvido, equivalente a uma forma menor de depressão. O indivíduo se sente como que desencorajado em relação a si mesmo, impotente diante das dificuldades. Os psiquiatras definem essa sensação como de desesperança e abandono. Sugerem que em sua gênese, 102


além de cumplicidade interna do indivíduo, existe um componente social externo que o pressiona e com ele interage. Dessa forma, a sensação de fadiga se ligaria também às condições de vida, de sentimentos não muito consciente às dificuldades com que o indivíduo deve lidar e frente às quais se sente impotente, a insuficiência de repouso etc. O provável é que, na maior parte dos casos, a queixa de fadiga seja uma manifestação neurótica, sendo via de escape de sentimentos não muito conscientes de agressão e de culpa, cuja intensidade é insuportável para o indivíduo. Raramente, pois, resulta de sobrecarga mental e nunca sobrecarga física. As causas externas atuariam então apenas como fatores desencadeantes/coadjuvantes.

Câncer e Depressão Apesar da discussão, ainda hoje vigente, quanto a ser ou não o câncer uma doença psicossomática – na verdade, todas as doenças o são, já o dissemos –, a noção das relações da doença com o estado da alma vem de longe. Os médicos já comentam a muito tempo “a importância do estado psíquico das pessoas na eclosão das neoplasias (câncer), tornando-as receptivas às transformações malignas”. Como se sabe, o câncer (ou “cânceres, já que são vários) nada mais é que a reprodução, desordenada e anormal, de um dado tipo de célula no organismo. A opinião corrente é a de que, em estado de depressão, o organismo perderia a capacidade de reconhecer e dar combate às células malignas, as quais se reproduziriam livremente. Além disso, a contração da musculatura lisa (aquela que independe de nossa vontade) em situações de estresse contribuiria para a disseminação das células cancerosas. Seja qual for o mecanismo, o fato concreto é que vários trabalhos científicos de autores diferentes têm estabelecido uma clara relação entre a eclosão do câncer e situações de perda levando à depressão. Há quem sugira haver certa relação entre o câncer de mama e a vivência, pela mulher, de relações conjugais empobrecidas e insatisfatórias. É curiosa a observação, de vários autores diferentes de que as pessoas portadoras de câncer são geralmente amáveis e bondosas. São generosas e prestativas de uma forma compulsiva e tendem a priorizar a necessidades dos outros em relação às próprias. Ocorre que tais pessoas, na verdade não se amam. Ser compulsivamente generosas para os outros é o caminho que veem para receber de volta o mínimo de amor de que desesperadamente necessitam. Não havendo a retribuição esperada, ficam, mais vulneráveis à doença. A ideia corrente é que os que sofrem de câncer, como regra geral, têm uma história de vida e um perfil psicológico onde pontificam sentimentos de abandono, solidão, culpa e autocondenação. Eles não conseguem conviver bem com as perdas que a vida lhes traz, possivelmente em decorrência de más experiências infantis de privação e desespero. Mais tarde, na vida adulta, diante de situações como perdas e separações de pessoas queridas ou importantes, toda sensação de desespero infantil seria revivida – porém de fato vivenciada, com forte tendência a negar e não exprimir o afeto. O doente de câncer seria assim alguém vivencia um “desespero contido”, mas toda raiva escondido dos outros e voltados para si mesmo. Ou resignado e cortês por fora, mas todo raiva e frustração por dentro. 103


Além do papel importante que possivelmente desempenha a gênese da doença, o perfil psicológico do paciente é relevante também quando consideramos a evolução do mal. Mesmo os que negam a importância do psiquismo no desencadeador do câncer concordam que sua evolução, uma vez presente, seja influenciada de forma significativa pela personalidade do doente, sua maior ou menor resistência psíquica e ainda por sua maior ou menor disposição de lutar pela vida. Aqueles que renunciam e se entregam evoluem mal e morrem logo. Os que mantém acesa a esperança e crença na vida; os que genuinamente querem viver; os que tem atitudes positivas, força de vontade e objetivos na vida e assumem o compromisso de lutar por eles; os que não se limitam apenas a aceitar passivamente o que dizem os médicos; estes, evoluem melhor, vivem mais e podem até curar-se. Além disso, mesmo que venham a morrer, o período entre o conhecimento da doença e a morte, será, provavelmente, não só maior como também melhor, em termos de bem-estar e qualidade de vida. Não há, pois, como descurar do poder da mente, da capacidade de mobilização das forças interiores que todos nós possuímos, embora nem sempre a utilizaremos.

Depressão e suicídio O suicídio é um dos principais riscos da depressão. Estatísticas de autores diferentes estimam que ela seja a causa em cerca de 75% dos casos de suicídio. Este, tal como a própria depressão, é um ato característica, se não exclusivamente, humano: não creio que em nenhuma outra espécie o suicídio seja praticado, ao menos de forma isolada, individual. Diz-se que em algumas espécies haveria, em determinadas épocas do ano, levas de suicídio coletivos. Mesmo que a observação seja procedente, ponho em dúvida o intuito deliberado e consciente de auto- destruição. A taxa de suicídios vem crescendo de modo alarmante no mundo ocidental, mormente em época de globalização, relacionamentos digitais etc. Além da depressão, outros fatores listados são considerados como predisposição à ocorrência de suicídio, destacando-se o alcoolismo e a toxicomania. Somente o alcoolismo isoladamente, já aumenta em 70 vezes o risco de suicídio. Mas há, ao que tudo indica, um fator, que interagindo com estes citados como predisponentes, desempenha importância capital: o isolamento social e familiar. Vários estudos mostraram que a ocorrência do suicídio depende muito do grau de integração da pessoa em seu meio social e das influências e controles que dele recebem. Aqueles socialmente isolados, inclusive no próprio ambiente familiar, são mais propensos ao suicídio, o que explica a razão pela qual tanto idosos quanto os divorciados e viúvos integrem o grupo de maior risco. Curioso, mais uma vez, é que este, entre os viúvos, é maior entre as viúvas, para a mesma faixa de idade. Outros fatores que contribuem para o incremento no risco de suicídio são a classe social e a profissão. Observa-se maior prevalência entre os que se situam em posição mais próxima ao topo da pirâmide social, principalmente os mais diferenciados intelectualmente: profissionais liberais, executivos, empresários etc. 104


Dentro desse grupo, a prevalência maior se dá entre médicos, dentistas e, surpreendentemente, estudantes universitários. Pesquisadores da USP verificaram que a taxa de suicídio entre os estudantes de medicina daquela faculdade foi quatro vezes superior à taxa da população geral. Um trabalho semelhante entre acadêmicos de medicina americanos e canadenses obteve resultados parecidos. É espantoso e inexplicável tão elevado percentual de suicídio entre pessoas com todo o futuro pela frente. Nessa faixa etária, por maior que sejam a angústia, a insegurança e o medo embutidos no desafio e na indefinição do futuro, eu esperaria uma maior ligação com a vida e a existência de motivações fortes para continuar a luta. Justamente o contrário do que ocorre com os maiores de 65 anos, outro grupo populacional de alto risco. Neste, tanto a aposentadoria (muitas vezes abusivamente compulsória) quanto a redução dos contatos sociais e dos rendimentos significam perda de status aos olhos da comunidade e do próprio indivíduo, afetando os seus propósitos existenciais e alimentando sentimentos de inutilidade e depressão. Em resumo, o suicídio decorre da interação de fatores diversos, que se podem assim agrupar:

# Predisposição psicológica # Predisposição social # Crises pessoais e acontecimentos capazes de gerar estresse e depressão.

Antes de dar o assunto por encerrado, dois tópicos ainda merecem abordagens: as tentativas de suicídio e a avaliação do risco de suicídio. As tentativas de suicídio são, um apelo dramático de ajuda por parte de quem, com ou sem razões objetivas, se encontra desesperado e sofrendo muito. Sendo assim, é com muita tristeza e até com desencanto que tenho testemunhado, ao longo da minha vida profissional, a mistura de desprezo e irritação que médicos e integrantes da equipe de saúde em geral nutrem pelo suicida frustrado. Se, por um lado, é compreensível que que, na agitação de pronto-socorro, lutando por salvar vidas e aliviar dores, os médicos e auxiliares se irritem em destinar tempo e material a quem voluntariamente tentou se matar, por outro, não há como esquecer que se tratam de pessoas que estão sofrendo, e sofrendo muito. Um comportamento similar, aliás, se observa entre as multidões que acompanham alguém que ameaça se jogar do alto de um prédio e não consegue o intuito. O que, segundo os jornais, se ouve das multidões são gritos de “pula, pula” e vaias quando, por desistência ou influência de terceiros, o indivíduo não pula. Resta a questão da avaliação do risco de suicídio. A esse respeito, é perigosa a crença de que os que ameaçam ou falam de suicídio de fato não o praticam. Apurou-se que entre 70% e 80% dos que efetivamente se suicidaram comunicaram o intento a alguém – e foram ignorados. As tentativas sérias e deliberadas de suicídio estão correlacionadas a homens de idade mais avançada, enquanto os gestos suicidas inconsequentes associam-se mais a mulheres jovens. Outro fator a aumentar o risco é o fato de possuir arma de fogo em casa, que aumentaria em cinco vezes a chance de alguém, na população em geral, cometer suicídio. Entre 105


adolescentes e menores de 24 anos, o risco seria dez vezes maior.

Tédio e felicidade O tédio, componente mais suave e mascarado de algumas formas de depressão, tal como esta tem sido considerada – por exemplo, pelos psicanalistas – a principal fonte de sofrimento psíquico nestas primeiras décadas do novo século. E assim o é porque, superadas as dificuldades básicas ligadas à sobrevivência (ao menos nas classes médias e superiores) e tendo alcançado um nível de avanço tecnológico gerador de conforto e facilidade, a humanidade encontrou uma nova fonte de sofrimento: a obrigação de ser feliz. O direito à busca da felicidade é, segundo Constituição norte-americana, um direito inalienável do ser humano. Mas obtê-la, seja lá o que chamemos de felicidade, não pode transformar-se em um dever. Pouco mais de cem anos após a promulgação da carta americana, Freud proclamou: não fomos feitos para ser felizes. Realmente o ser humano nunca está satisfeito. Por exemplo, quem está casado gostaria de estar solteiro e vice-versa. É difícil, muito difícil, deparar com alguém que se proclame satisfeito com a vida que leva. E assim é creio, nem tanto pelas dificuldades e tensões da chamada “vida moderna” ou por inaptidão (ou incapacidade) para a felicidade. Assim é, entre outras razões, pela mentalidade hoje reinante de que a vida pode, e sobretudo deve ser vivida como um permanente e renovado estado de prazer e bem-estar. A mídia e a cultura consumista e hedonista da nossa época têm nos vendido a ilusão de que “os outros”, os bem-sucedidos, os que “chegaram lá”, tem uma vida boa, uma sequência ininterrupta de prazeres. As coisas, porém, nós sabemos não são bem assim. O ser humano foi feito igualmente para a alegria e para a tristeza, e alguém que, vez por outra, não fique triste, com e sem motivo concreto, estará por certo quase tão doente e desligado da realidade quanto aquele que nunca, ou quase nunca, consegue estar feliz. Não se pode entender a felicidade, portanto, como uma vida sem sofrimento e tristeza, mas sim como uma predisposição às sensações de bem-estar, não devendo ser confundida com momentos de êxtase ou com o que poderíamos chamar “estados” de felicidade. Tais momentos, prazerosos que sejam, são por essência, transitórios e fugazes. Esgotam-se em si mesmos. O mais importante, e o que caracteriza a pessoa feliz, é a existência, em sua personalidade e sua maneira de ser, de um traço de felicidade; este é algo mais estável e relaciona-se àquela predisposição à qual já me referi. Pessoas assim conseguem manter acesos o otimismo e a esperança, mesmo nas fases em que a vida não é agradável. Ser otimista, convém lembrar, não é alimentar a certeza ou a esperança de que tudo acabará bem, mas a sensação genuína de que a vida vale a pena, apesar das dificuldades. O tédio em nossa época é, como já disse, em grande parte o resultado da “tirania da felicidade” e da ilusão que nos vendem a sociedade de consumo e a mídia. Cria-se, em todos, uma expectativa nunca alcançada: felicidade é a dos outros, não a nossa. Mas é também consequência da incapacidade da maioria das pessoas de gerar felicidade interior. Um dos maiores desafios do homem ocidental moderno é “conseguir tornar 106


interessante o seu cotidiano”. Vencer esse desafio – colorir o cotidiano – não parece ter nada a ver com a qualidade intrínseca desse cotidiano das pequenas e simples coisas e fatos do dia-a-dia. As pessoas felizes não vivem a buscar felicidade. Simplesmente vivem a vida e a “curtem” por inteiro. Conseguem extrair, da vida prazeres e recompensas que somente elas conseguem ver e sentir. Gostam de viver, menos pela vida que levam, e mais porque aceitam e gostam de si mesmos. A INFLUÊNCIA DO AMOR NAS RELAÇÕES HOMEM/MULHER Nas relações romântico/eróticas entre homens e mulheres, há espaço, embora não muito frequente, para um amor generoso, do tipo genuíno “bem querer”, mas há muito maior participação infelizmente, de agressividade, inveja e disputa. A necessidade vital que todos temos de nos ligar de uma forma forte e especial a alguém do sexo oposto (ou do mesmo sexo, no caso dos homossexuais) advém, tudo leva a crer, da sensação de ser incompletos e frágeis diante do mundo. Seria a expressão, mais uma vez, da tentativa inconsciente de retornar à placidez e segurança do útero – e à união forte e quase total com outro ser: a mãe. Para explicar esse tipo de impulso, a literatura mitológica da antiga Grécia nos diz que tudo adveio de um castigo dos céus. Teria existido, na Antiguidade, um animal formado por quatro pares de membros, duas cabeças, dois troncos etc. que, sentindo-se poderoso, entendeu de desafiar os deuses. Como castigo, Zeus o dividiu ao meio, resultando o ser humano que hoje somos: fracos, inseguros e necessitando terrivelmente de outra metade que nos complete e fortaleça. A mim se afigura muito curiosa a semelhança entre essa história e a do pecado original. Ambas associam o início da aventura humana, e o sofrimento a ela iminente, a erro e castigo. Não me parece estranhável então que a sexualidade e a culpa tenham estado quase sempre juntas, ao menos em nossa civilização ocidental. Ao longo de quase toda a história, com um possível intervalo breve na Grécia e Roma antigas, o sexo tem sido, na cultura judaico-cristã, associado ao pecado, a algo sujo e mau. Haveria uma única maneira de “limpálo” e, em certa medida, absolvê-lo: se praticado em nome do amor ou, como um dever, em nome da necessidade de procriação. Ainda assim, e mesmo em nossos dias, ele se reveste ainda de uma pesada conotação de culpa e pecado. Criou-se então, particularmente em nosso mundo ocidental, a aura e o mito do amor romântico, ou seja: aquele sentimento nobre e elevado que atrairia de forma intensa um homem de uma dada mulher, e somente ela, e vice-versa, que conteria uma fortíssima carga de desejo sexual, porém seria mais que isso. O amor romântico, no entanto, não existe desde os primórdios. Na época das cavernas, e por muito tempo depois, o que ligava homes e mulheres era o desejo físico, indiscriminado e passageiro, como se observa hoje entre os animais. A tendência à formação de um casal mais ou menos estável adveio muito mais das necessidades práticas ligadas à criação dos filhos e à sobrevivência do que à existência que hoje chamamos amor.

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Foi somente a partir da Idade Média, em especial do século 18 para cá, que poetas e trovadores passaram a cantar o amor e a paixão. É interessante observar que, ainda hoje as civilizações orientais, esse tipo de amor em grande parte inexistia ou tinha muito menos importância. Os casamentos ainda são, como regra, “arrumados” entre as famílias, obedecendo muito mais a conveniências materiais e políticas que qualquer afinidade entre os cônjuges. Não quer com isso negar a existência do amor romântico. Ele existe e, a meu ver, confunde-se com o que chamamos de paixão. Mas quero dizer, e a ideia não é originalmente minha, que é ele um fruto da cultura, e não filho da natureza. A Associação que tendemos a estabelecer entre amor e sexo vem, como disse, da ideia original de “purificar” o sexo. Mas não há como negar a evidência de que o amor romântico e o sexo estão inevitável e fortemente associados: este pode existir, e existe, sem aquele, mas é o impulso sexual, “purificado”, que está na raiz do amor romântico ou da paixão. O amor “platônico” existe quando não é possível aos amantes, de nenhuma maneira, concretizá-lo no plano físico. Mas a força e o impulso do desejo sexual serão sempre o motor de tudo, e para saciá-lo, expõem-se os amantes a todos os riscos: à morte, vergonha pública, à ruina ou ao que mais seja necessário. Como disse Dante, “O amor é o sentimento que move o sol e as estrelas”. Mas o que move o amor, esse tipo de amor que se confunde com a paixão, é, não tenho dúvidas, o sexo.

A importância da sexualidade Para Freud, a importância e a força da sexualidade seriam tamanhas, que ela estaria na base de todo tipo de sentimento amoroso, e não apenas naquele que atrai e une homens e mulheres. Segundo ele, todo tipo de amor que não o de natureza erótica seria, de fato, “amor inibido na sua finalidade”. Assim, afeição, amizade e tudo o mais que ligasse as pessoas umas às outras seriam resultados da inibição do impulso sexual, em decorrência da cultura e civilização. Sem querer ir ao exagero a que chegou Freud, não há como negar duas evidências: 1ª) A de que todas as outras modalidades de amor que não são eróticas são fruto da cultura; 2º) E a inegável importância da sexualidade. Para a natureza, a única coisa que de fato parece importar é a preservação da espécie. O indivíduo tem importância apenas enquanto veículo desta preservação. Tanto é assim que, ultrapassada a época da reprodução, a própria natureza encarrega-se de descartá-lo. Observadas as coisas sob este prisma e descartadas as conotações religiosas, não há outro impulso que confira um mínimo de lógica à vida: nossa passagem por aqui tem como principal finalidade a procriação, manter viva a vida. Aceita essa premissa, fica fácil entender a enorme força do impulso sexual e seu papel fundamental na existência humana. Fica fácil entender também, o esforço de proporcional grandeza que a cultura impõe às pessoas na adequação (repressão) destes impulsos aos ditames da civilização. Repressão, aliás, que, a rigor, praticamente já se inicia logo após o nascimento. Compreendendo a grandeza e a profundidade desse conflito, compreender-se-á também a dificuldade do 108


exercício de uma sexualidade sadia e o relevante papel que desempenha na saúde das pessoas. A atividade sexual entre nós obedece a um forte impulso de natureza biológica, como de resto, ocorre com todos os animais. Mas sua concretização e vivência fica “debaixo dos panos” de tal forma com os aspectos psicológicos, psicodinâmicos e culturais que a envolvem, que estes passam, na verdade a presidi-la.

Diferenças entre homens e mulheres A natureza do impulso sexual e talvez até sua magnitude são biologicamente diferentes em homens e mulheres. A simples observação da natureza, particularmente dos outros mamíferos, deixa bem clara a diferença. Nunca vi cadelas perseguindo cachorros ou brigando com outras cadelas pelos “favores” de um cão. Somente vi o contrário: machos se matando, esquecendo até de comer, para conseguir a fêmea. Isso vale para cães, gatos, bois, cavalos etc. e também para os homens, esta é a verdade, por mais que as feministas queiram negá-la e militantes da “igualdade dos sexos”. E assim é por uma razão muito simples. Em seu afã de preservar a espécie, a natureza programou o macho para tentar fertilizar o maior número de fêmeas ao longo da vida, pouco se preocupando com a qualidade dela e com sua capacidade de gerar crias saudáveis. Tanto é assim que trilhões de espermatozoides são produzidos por cada macho ao longo da vida, não havendo uma época fértil para ele: ela é permanente. Já com a fêmea ocorre o contrário: sua “programação” é no sentido da seleção, de forma a assegurar o melhor reprodutor para sua cria. Para isso, que disputem entre si os pretendentes, cabendo a fêmea ao vencedor. Ela é, pois, seletiva, e o “prêmio” deve ser concedido ao vencedor na disputa, pois a lógica manda que ele seja o mais forte, o melhor e, por conseguinte, o mais apto a gerar uma prole com melhores condições de sobrevivência. Biologicamente, portanto, os papéis são distintos e exigem do macho uma clara associação entre sexo, agressividade e luta, o que, se ocorrer na fêmea, será com menor intensidade. A constatação dessa diferença e a sua aceitação serão de capital importância para entrar na pauta de discussão dos casados. Por enquanto, vale destacar o fato de que o que parece simples e funcional na natureza complica-se bastante quando entram em cena os já citados fatores ligados à cultura e à psicologia e, talvez sobretudo à psicanálise. Esses outros fatores, ao entrar em ação, ampliam, ao invés de diminuir, as diferenças entre homens e mulheres e a forma muito diferente pela qual cada sexo vê e sente a sexualidade, o amor, os valores da vida, o mundo. Do ponto de vista psicanalítico, a grande diferença diz respeito à associação quase obrigatória que a mulher estabelece entre sexo, amor e intimidade e a pouca importância que os homens tendem a conferir aos dois últimos itens, quando relacionados à atividade sexual. Não quero, com isso, dizer que as mulheres, não condigam dissociar o sexo do amor, da intimidade e do compromisso. Mas as que o conseguem são a exceção que confirma a regra e, ainda assim, de forma episódica. O sexo descompromissado e casual costuma ser um 109


acidente, raro, diga-se de passagem, na vida da esmagadora maioria das mulheres, excluídas evidentemente as profissionais do ramo. Com relação ao homem, a história é outra. Os homens em geral, não só separam muito bem o sexo do amor, como até fogem deste último, da mesma forma e pelas mesmas razões pelas quais fogem da intimidade e do compromisso. A maioria das pessoas, particularmente as feministas, tendem a buscar exclusivamente na cultura as razões deste comportamento. A razão principal, porém, a meu ver, é outra. Sem ignorar a participação da cultura e da própria biologia, acredito – e não estou sozinho nesta crença – que o medo que os homens têm do envolvimento e da intimidade vem literalmente do berço: da relação que mantiveram com suas mães e da forma mais ou menos traumática pela qual foram obrigados a se separar delas.

A guerra dos sexos e a fragilidade masculina Aos observadores (as) mais atentos (as) do comportamento humano, porém, não passará despercebido que, por trás dos exaltados protestos e manifestações de amor, cuidados e de proteção, a grande maioria dos homens (todos talvez?), tentam esconder graus variáveis da hostilidade que devotam às mulheres. Alguém já disse que os homens heterossexuais são sexualmente atraídos pelas mulheres, mas gostam e se dão bem de fato com os outros homens. É com eles, com os outros homens, que gostam de estar, de conversar, divertirse. É aos homens que respeitam. Já com o homossexual masculino se passa exatamente o contrário: eles têm desejo sexual pelos homens mas gostam mesmo das mulheres. São elas sua companhia predileta para tudo o mais que não seja atividade sexual, e com elas se dão muitíssimo bem, como regra geral. Essa é a realidade, por mais estranho que possa soar a nossos ouvidos. E porque é assim? Por que os homens ou a maioria dos homens, odeiam as mulheres? Para os psicanalistas freudianos, a explicação reside na relação mãe com o filho varão e a necessidade com que este se defronta de afastar-se dela. Para eles, os homens transferiram para as outras mulheres – as que vão encontrar ao longo da vida – a frustração e o ódio que devotam as mães, por ter sido obrigados a separarem-se delas. A partir dessa frustração e da mal resolvida separação, passam a buscar nas outras mulheres o amor perfeito e intenso que experimentaram com as mães, antes de forçados a delas se separar. Só que esta é uma busca de antemão condenada ao fracasso. Mulher alguma conseguiria prover amor tão intenso e incondicional como aquele que, no início da vida, uniu a mãe a seu filho varão. E, sem ter plena consciência disso, os homens seguem pela vida tentando punir e ferir a fonte da renovada frustração. Ou seja, as outras mulheres. A dinâmica do processo explica a profunda ligação que os homossexuais masculinos geralmente mantêm com suas mães. Por não odiá-las, não têm também por que odiar as mulheres. Por isso gostam delas, embora por elas não tenham desejo sexual. Por isso gostam delas, embora por elas não tenham desejo sexual. A agressividade e a hostilidade dos homens em relação às mulheres se expressa, no limite dos casos extremos, no estupro e na franca agressão física. No dia-a-dia, porém, traduz-se no desrespeito e nas 110


tentativas e manifestações abertas e/ou veladas de humilhação e desprezo. Importante subproduto desse quadro, e principalmente do conflito e da ambivalência que gera no inconsciente do garoto, é a dificuldade – quase incapacitante – que terá, quando adulto, de entregar-se de forma total e integral ao amor de uma mulher. A malograda experiência de amor com a mãe, a devastadora sensação de ter sido traído e abandonado, ensina-o, (assim ele sente) que a dependência e a vulnerabilidade em relação às mulheres são perigosas. A mulher, simbolizando a figura da mãe, passa a meter medo e despertar-lhe rancor. Decide então, inconscientemente, nunca mais permitir que a mulher alguma tenha tal poder sobre ele. Esse tipo de conflito e essa decisão são vivenciados por todos os homens. O que os diferencia seriam a forma e a intensidade com que cada homem os vivenciará na idade adulta. Explica-se, assim, a separação bem clara que o homem faz entre amor e sexo e o medo terrível que tem do envolvimento da intimidade e da entrega. As coisas são, entretanto, muito diferentes com relação à garota. Seus vínculos de amor com a mãe, no começo da vida, não são tão fortes quanto aqueles do garoto. Por isso não precisam passar pela ruptura traumática, como ocorre com o filho varão, e não desenvolvem, por conseguinte, a frustração, o medo e raiva que ele atravessa. A relação da garota com a mãe é ambivalente e conflituosa mas origina-se na rivalidade e da competição, e não padece da mesma repressão inconsciente que ocorre com o garoto. É uma hostilidade mais consciente e manifesta e, por isso, menos nociva. Por outro lado, as relações da menina com o pai, não tem a mesma intensidade. Primeiro porque, nesta fase da vida, ao menos em nossa cultura, tende o pai ser uma figura mais periférica, como regra geral. Segundo, porque os laços de amor pai/filha não são tão fortes como mãe/filho. Disse Freud, e é possível que esteja certo, inexistir no mundo, um amor tão forte e incondicional quanto o que liga a mãe ao seu filho varão. A consequência disso tudo é que a masculinidade passa assim a se definir pela separação e é ameaçada pela intimidade. A feminilidade, ao contrário, se define pelo apego e é ameaçada pela separação, já que a garota não vivenciou, ou o fez com intensidade muito menor, o trauma da separação da figura materna. E não aprendeu portanto, a com ela conviver. Até aqui já abordamos dois dos três pontos que determinam as diferenças entre homens e mulheres e condicionam as relações entre os sexos: o biológico e o psíquico. Resta discutir o terceiro e, a meu ver, o menos importante deles, mas ainda assim tremendamente relevante, que é aquele resultante da cultura e da civilização. Nos tempos das cavernas, é lícito supor, embora não possamos ter certeza disso, que a atividade sexual dos ancestrais não diferisse muito do que hoje nos é dado ver entre os animais. O amor certamente não existia, nem qualquer tipo de ligação ou preferência de um dado homem por uma mulher específica, ou vice-versa. É possível que houvesse, já naquele tempo, uma diferença fundamental de nossos antepassados em relação aos animais. Tanto o touro quanto o cavalo e o cão por exemplo, têm de respeitar o cio da fêmea, isto é, o 111


período em que elas querem e permitem o sexo. Os machos citados assim o procedem não por “educação” ou respeito à fêmea ou a alguma lei da natureza. O que os contém, provavelmente, é a impossibilidade física de obrigar a fêmea à cópula, se a tanto ela não estiver disposta. Ora, na espécie humana, a desproporção da força física dos machos em relação às fêmeas é muito grande, ao contrário do que se vê nos demais mamíferos, o que teria possibilitado ao macho humano a posse física da fêmea sempre que o desejasse e mesmo contra a vontade dela. A única barreira terá sido provavelmente a oposição de outro macho. Na medida que o processo de socialização foi se desenvolvendo – e não cabe discutir as razões pelas quais ocorreu –, começou a tendência de pares estáveis e a constituição das primeiras “famílias”. É possível que tenham começado a surgir também os primeiros “brotos” do que hoje chamamos de amor. O fato é que, com a formação dos pares estáveis, a fêmea da espécie passou a ter um “dono” que a “protegia” e impedia a investida dos outros machos. Passou a ter o direito de dizer “não”, ao menos aos outros machos que porventura a assediassem. Ocorre que o desejo sexual, mais intensos no indivíduo masculino, deixou-os na posição de inferioridade: a de desejar, pedir e lutar para conseguir a fêmea. A esta, cabia a posição superior de atender, ou não, a esse desejo. Transposta para nossa cultura, nos dias de hoje, tal situação de inferioridade agravou-se: primeiro, por terem o sexo e a posse física da mulher, particularmente da mulher atraente, se transformado lamentavelmente em produto de consumo e símbolo de status. O homem, em nossa cultura, em geral deseja a mulher bonita e cobiçada, nem tanto para o seu deleite, mas como demonstração de seu valor e seu sucesso em face aos demais. Pois bem, inserido nesse contexto e ainda pelas diferenças biológicas já citadas, o menino se vê preso de intenso desejo sexual pelas garotas, tão logo vai se aproximando da puberdade. Mas elas o esnobam. Excitalhes a sensação de ser intensamente desejadas, mas elas não desejam com a mesma intensidade. Além do mais, a cultura estimula o garoto a manifestar o desejo e a tomar a iniciativa, correndo o risco de rejeição, muito embora existam, atualmente, meninas que tomam a iniciativa: Por exemplo o “beijaço” que elas promovem nas baladas sem qualquer espontaneidade. Ora, quem se vê na situação de precisar pedir e corre o risco de receber um não como resposta sente-se, evidentemente, inferiorizado. Para compensar essa assimetria do poder sexual – são as mulheres que afinal escolhem e decidem –, tão logo o garoto aprende que precisa ter “algo mais” poder, fama, dinheiro. Deve se mostrar, aos olhos das mulheres, apto a vencer o meio; deve exibir desempenho, ser vitorioso. Nada mais, em síntese, do que a reprodução por outros meios da velha e milenar disputa da fêmea. E que a mereça o vencedor. Como já salientamos, quem tanto necessita do reconhecimento e de vitórias no mundo exterior para sentir-se são os que, na verdade, se sentem fracos. E é justamente o que acontece com os homens. Há ainda outra razão para a insegurança e a fragilidade masculinas. É a própria fisiologia do sexo. A dependência crucial que tem o homem da ereção e a sua absoluta falta de controle voluntário sobre ela 112


representam, qualquer mulher o percebe e todo homem o sabe (embora possa não reconhecer de público), um motivo de ansiedade e preocupação. Novamente deve o homem mostrar desempenho, do que, mais uma vez, é totalmente dispensada a mulher. Essa situação de fragilidade e inferioridade do homem diante da mulher traz inúmeras consequências adversas para o bem-estar de todos, inclusive, por incrível que possa parecer, para a paz da humanidade como um todo. A primeira delas é a necessidade, imposta ao homem, de mostrar desempenho: é o que chamo de “ditadura do sucesso”, embora caiba discutir esse distorcido conceito de sucesso. A competição e ambição desmedidas e irracionais são os subprodutos mais evidentes que daí decorrem. A segunda é a tendência à “coisificação” da mulher. Não respeitar a mulher, tê-la na conta de mais um item de consumo e status é, não tenho dúvidas, mais um dos mecanismos de defesa de que os homens lançam mão para compensar a sensação de inferioridade e o medo da rejeição. Afinal, dói muito menos ser rejeitado por uma “coisa” que por um ser humano completo. A “coisificação” da mulher recebe um tremendo reforço de nossa cultura. Toda vez que alguém, algum comercial, reportagem, publicidade ou ficção, quer transmitir a imagem de um homem bem-sucedido, aparece a trinca, ora convertida em quarteto: dinheiro, poder, fama e belas mulheres. O inverso não é verdadeiro. Ninguém associa o sucesso de uma mulher ao seu acesso a “belos homens”, o de homens no plural, sejam eles belos ou não. Nesse campo, a “vitória feminina” é associada à existência de um único homem, que ela ame e por quem seja amada. A vivência do amor, enfim. A terceira consequência de inferioridade masculina é a agressividade. Já vimos que, biologicamente, a sexualidade do macho, ao menos entre os mamíferos, está associada à agressividade, visto que em geral deve lutar pela posse da fêmea. Além disso, há a razão psicológica, ligada ao ódio da mãe e por fim, o uso da agressividade com mecanismo de defesa, por parte dos emocionalmente fracos. Como já vimos, nas relações humanas o agressivo é o fraco, não o forte. Completa-se assim o painel que explica a enorme dificuldade no relacionamento homem/mulher. Explicam-se, assim, as razões da guerra e da disputa entre os sexos e o quanto essa “guerra” afasta homens e mulheres da vivência de uma sexualidade sadia e, portanto, benéfica à saúde.

Na direção de uma sexualidade sadia O sexo tem importância vital na vida das pessoas e, por conseguinte, em sua saúde. No entanto, algo que deveria ser simples e natural – como parece sê-lo entre os animais – transforma-se, para nós, em fonte de muita complicação, sofrimento e angústia. A direção de uma sexualidade sadia passa em primeiro lugar pela ausência de culpa. Prazer que, direta ou indiretamente, consciente ou inconscientemente, se associa a sentimentos de culpa não é de fato prazer. Aparentemente progredimos muito nesse campo. Todos nós, homens e mulheres de nossa época, passamos a ideia nos termos libertado dos grilhões que, por séculos, ligaram sexualidade a pecado, aferrolhando nossa consciência e comprometendo nosso prazer. Mas tenho dúvidas se, no íntimo, estamos de fato libertos. 113


Há uma diferença muito grande entre o reconhecimento intelectual de que o sexo é bom, saudável, natural e não pecaminoso e a real vivência interior desse reconhecimento. Prova maior dessa dissociação entre o discurso e a prática é a enorme dificuldade que temos de conviver com a sexualidade infantil e de falar de sexo com as crianças. Ficamos “cheios de dedos”, desconfortáveis e, como regra, fugimos quanto podemos de uma conversa desse tipo; ou, ao contrário, nossa ansiedade é tanta, que a forçamos de forma antinatural e não espontânea. A mensagem subliminar dos mistérios e dos medos que envolvem o sexo é, então passada às crianças, que a introjetam e assim a vivenciarão quando adultos. O segundo aspecto importante de uma sexualidade sadia é que atenda simultaneamente a dois componentes que, diferentemente dos animais, constituem sua essência entre nós: satisfação física e interação humana, isto é, contato humano íntimo. Não quero, com isso, dizer que o sexo saudável seja necessariamente aquele em que os parceiros estejam envolvidos emocionalmente, embora sem dúvida esse seja incomparavelmente mais gostoso e gratificante. A interação humana de que falo é a troca de emoções que extrapola o gozo físico e que expressa sensibilidade, transmitida tanto por gestos quanto por palavras. Também aqui são as mulheres muito melhores que os homens. Primeiro porque é raro e episódico para a quase totalidade delas o sexo casual. Segundo porque, mesmo quando ocorre e até com um recém-conhecido, elas conseguem em geral imprimir uma dimensão humana ao encontro. Os homens, infelizmente, têm como regra exatamente o comportamento inverso: exceções são os que conseguem algo mais que a pura e simples satisfação física, salvo quando estão, de fato, sentimentalmente envolvidos com a parceira. Espanta-me e entristece-me a frequência com que ouço, nas conversas masculinas sobre sexo e mulheres, o desagrado que a maioria dos homens revela pelo aconchego físico que as mulheres procuram após o orgasmo e a vontade que eles manifestam de, nesse momento, estar bem longe dali. As mesmas razões – “coisificação” da mulher e medo da intimidade – explicam o sucesso que, ainda nos dias de hoje, o sexo pago faz entre os homens. A terceira “regra” para a obtenção de um relacionamento amoroso mais sadio é, na medida do possível, desvinculá-lo do sentimento de posse ou qualquer vestígio, por remoto que seja, de obrigatoriedade. Sei que é muito difícil, particularmente para quem está apaixonado, conseguir conter o impulso de sentir-se dono e controlador da pessoa amada. Mas há que combatê-lo, tendo sempre em mente que o amor tem laços, não grilhões. Da mesma forma, e correlacionada com o sentimento de posse, vem a questão da “obrigatoriedade”. Nenhum prazer que não seja absolutamente espontâneo é, de fato, sentido e vivenciado como real prazer, por mais prazerosa que seja intrinsecamente a atividade. Há por fim, a questão da prática do sexo como um meio de autoafirmação. O exercício saudável da sexualidade fortalece sem dúvida a autoconfiança. É “normal” e até desejável que assim seja. Ele alivia não só as tensões sexuais, mas também inúmeras outras e as angústias, o que também é bom. O problema é quando se exageram essas outras “finalidades” do sexo, principalmente no que tange à autoafirmação. Para o narcisista a relação normal existente entre sexualidade e autoconfiança se transforma numa doentia 114


relação entre sexualidade e vaidade. A atividade sexual, o fato de sentir-se atraente ou desejável, a quantidade e variedade de experiências sexuais, “tudo se transforma mais numa questão de vaidade do que de desejos e gozo”. O interessante, mas não surpreendente, é que, quanto mais diminui a interação pessoal à qual acima nos referimos e quanto mais aumenta o componente puramente físico da relação, tanto maior é essa participação da vaidade. Quanto maior a preocupação inconsciente da pessoa quanto a sua incapacidade de ser amada, maior será a preocupação consciente de ser física e sexualmente atraente.

A paixão Ela se confunde com o que conceituamos como amor romântico. É quase por definição passageira. Pareceme altamente recomendável que todos experimentemos a paixão, nem que seja por uma vez na vida. Mas não recomendo a ninguém que viva permanentemente nesse estado. Até porque, acho, seria impossível, ao menos pela mesma pessoa. Os experimentos têm indicado que o tempo máximo de duração da paixão não vai além dos 3 ou 4 anos. A partir daí, duas coisas podem acontecer: ou a relação acaba ou se transforma em companheirismo. Fazem exceção os casos onde existam obstáculos intransponíveis para a concretização do amor, ou para que os amantes se vejam com frequência desejada. Nessas circunstâncias, pode ser possível a sobrevivência da paixão por mais tempo ou até por todo o tempo. É curioso especular em torno da razão pela qual as pessoas se apaixonam por fulano e não por cicrano. Existem provavelmente razões de ordem psicológica, cultural e biológica para que assim seja. A influência psicológica, ligada à imagem idealizada que desde cedo construímos inconscientemente, tem, acredito, influência preponderante. No amor-paixão, parece, não nos apaixonamos pela pessoa de fato, de carne e osso, mas sim pela imagem que dentro de nós construímos dela. Tal imagem idealizada tem, como já disse, muito a ver com nossas experiências infantis, particularmente aquelas ligadas ao pai e a mãe. Além disso, é quase certo que haja também um forte componente biológico, ligado à liberação, no organismo, dos apaixonados, da substância química do amor. Qual o tipo de afinidade entre fulana(o) e sicrana(o) que tal liberação apenas com eles e não com os outros, eu desconheço. É a tal “questão de pele”, a que tantas vezes já ouvimos as pessoas se referirem para explicar a forte atração que sentem um pelo outro. O fato concreto é que a paixão é boa, gostosa e uma importante fonte de motivação e energia vital. Mas não é duradoura. Sendo assim, pode até ser a base do impulso maior para as pessoas casarem, mas dificilmente será sustentáculo de um casamento.

A INFLUÊNCIA DO MEIO SÓCIO CULTURAL & DO DINHEIRO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE

O estudo das doenças ao longo da história da humanidade nos mostra um dado curioso, para o qual vale a pena chamar a atenção do leitor: nos primórdios da aventura humana, as pessoas adoeciam e morriam principalmente em decorrência das condições ambientais adversas, da fome e, um pouco mais tarde das pestes.

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Depois tivemos a fase em que predominavam as doenças infecto-contagiosas, embora algumas degenerativas já se fizessem presentes. No século 20 e, agora, no século 21, estamos vivendo o predomínio do que vem chamando, ironicamente, doenças da civilização, ou “feitas pelo homem”, a saber: pressão alta, os “derrames”, o infarto, o diabetes, o câncer. Também as ligadas ao meio ambiente: a poluição ambiental, as condições de moradia, transporte e alimentação. Explicam-se por essa via as doenças relacionadas a pobreza e a miséria, em que tais fatores são provavelmente mais relevantes que os demais. É óbvio que alguém que se alimenta mal ou não se alimenta, vivendo em condições insalubres, certamente adoecerá, independentemente de predisposição genética e do psiquismo. Atualmente estamos tendo doenças ligadas ao meio sócio-cultural, à ecologia e a vários fatores: Dengue, Zica, Chucungunha, Febre Amarela, etc. O papel do dinheiro como fator de doença, no entanto, transcende o da pobreza. Assim é que, tanto nas classes médias quanto nas mais abastadas, nas quais não há comprometimento de nenhum dos fatores citados acima, a questão, econômico-financeira permanece um importante fator de angústia e, por extensão, de doença. E por que é assim? É assim porque, em nossa cultura, de há muito o dinheiro deixou de ser meio de assegurar a sobrevivência para ser um fim em si mesmo. Poucas coisas se me afiguram tão irracionais no comportamento humano como a compulsão para o acúmulo de bens e dinheiro. E ela existe porque as pessoas tentam através dela atenuar a sensação de desamparo e insegurança que nos chega já com o nascimento e, principalmente, a necessidade de nos sentirmos superiores às outras pessoas. E essa necessidade de sentir-se superior aos outros, deriva, não tenho dúvidas, de uma razão única a sensação íntima – mesmo que inconsciente – de inferioridade. O desprezo e o desamor a si mesmo são, pois, motores da ambição, da vaidade e do destrutivo sentimento de inveja. Então, no afã de conseguir ter o que lhes possa servir para exibir aos outros sua superioridade, assumem compromissos que não se possa honrar, sofre-se por não conseguir o que os outros conseguiram, sacrificam-se a saúde e a paz para alcançar o que, muito provavelmente, nem se desejaria, não fossem tais coisas símbolo de status e sucesso a exibir ao mundo. Ultrapassando o limiar da pobreza, portanto, a questão do dinheiro é fator de doença na razão direta do desassossego e da baixa auto-estima interior. Quem se preza e se ama não necessita desesperadamente dos sinais exteriores de sucesso para sentir-se na condição de merecedor do amor de outras pessoas. A conclusão do já foi dito até aqui é que os argumentos que utilizamos para explicar ou justificar a necessidade de adoecer, esteve sempre a falta de amor a si mesmo, a incapacidade de exteriorizar emoções, a necessidade desesperada e vital de reconhecimento e da atenção do mundo exterior. Nosso bem-estar, saúde, felicidade e, como somatória disso tudo, nossa qualidade de vida dependerão, e muito, da qualidade de relação que mantivermos com as outras pessoas. O inverso, logicamente, não menos verdadeiro: da máxima qualidade dessas relações se derivarão, sem dúvida, os maiores agravos a nossa felicidade e saúde. Como em geral, e por razões que logo discutiremos, a relações com os outros são muito mais fonte de 116


sofrimento e aborrecimento que de satisfação, explica-se que tantos, pensem e ajam como se o inferno, de fato, fossem os outros. Na verdade, o inferno está dentro de nós mesmos. Ou, em outras palavras, o que dificulta nosso relacionamento com os outros são nossos próprios conflitos interiores e, principalmente, nossa insegurança interior – mais, muito mais, que as dificuldades que os outros possam interpor ao êxito do relacionamento, embora esse componente externo tenha também o seu papel. Nosso inferno particular deriva de pequenos demônios que nos habitam: os conflitos entre os impulsos instintivos de vida e morte, e ainda aqueles resultantes do processo de socialização, de nossa vida civilizada e, portanto, adquiridos e não instintivos, como a inveja, a competição e as ambições neuróticas.

A agressividade Embutida no impulso ou pulsão da morte, há um dos maiores empecilhos às relações humanas: a agressividade inerente a todos nós, homens e mulheres. Agressividade que vem dos tempos primitivos, quando foi essencial para nossa sobrevivência e que, em algum grau, nos é essencial até hoje. A questão é o componente de destruição e agressão às outras pessoas que, ao lado do componente útil, positivo e necessário, se embute na agressividade. É a esse aspecto negativo da agressividade, melhor entendido como uma violência instintiva, ao que doravante estaremos nos referindo. Por mais que, como lembra Freud, tentemos não aceita-la, a verdade, triste verdade, é que os homens não são pessoas naturalmente gentis que “no máximo, podem defender-se quando atacadas. Pelo contrário, são criaturas entre cujos dotes instintivos há poderosa carga de agressividade”. Maior, talvez, que entre os próprios animais. O que contém nossa agressividade, o que impede de darmos vazão a nossos impulsos de destruição e morte do semelhante, é justamente a civilização (incluída aí a religião), com suas regras, proibições e seu poder de coerção. É o processo de socialização, pois, que nos leva a reprimir, tanto quanto podemos, a materialização de nossa agressividade e tendência destrutiva. A prova maior disso é que, quando livres da repressão externa e inseridos em um meio social que aplaude e estimula o comportamento violento, o desejo de infligir sofrimento ao semelhante se mostra com toda sua força e “revela o homem como uma besta selvagem, para quem a consideração com sua própria espécie é algo estranho”. Nessas circunstâncias, o indivíduo é capaz das maiores atrocidades e de obter do sofrimento alheio um prazer que, com certeza, não se vê em absolutamente nenhuma espécie animal. É o caso das atrocidades das guerras, dos torturadores das forças policiais, etc. O impulso agressivo, é, como disse, contido pela religião e pela civilização, incluídos aí, além dos externos, os controles que interiorizamos. É por conta desse controle interno, quem nem todos daríamos vazão a impulsos agressivos, mesmo com a certeza de que não seríamos descobertos ou punidos pela sociedade. Ocorre que a repressão a um instinto, seja ela interna ou externa, não se dá de graça, isto é, sem custos ou consequência para a pessoa. 117


A agressividade reprimida não desaparece: é preciso dar vazão a ela de alguma maneira, pois, como se observa, aplica-se também o princípio físico da conservação da energia. Vários são os caminhos a que pode recorrer o psiquismo da pessoa para escoar a agressividade reprimida. Antes de discuti-los, porém, gostaria de fazer referência a um “componente adquirido” da agressividade, traduzido na verdade por uma incapacidade de amar os outros e consequente, por sua vez, com a cota insuficiente de amor que se recebeu quando criança ou, nos casos mais graves, da violência de que se foi vítima. É o caso das crianças que, além de não ter sido amadas, foram de fato odiadas por seus pais. Vítima de um ódio e violência cuja causa não compreende, a criança só terá para esse ódio uma explicação: a culpada é ela mesma; é ela que é ruim e não merece amor. A consequência é a formação de um indivíduo interiormente fraco e inseguro, a alimentar fantasias de onipotência em relação às outras pessoas, e a perseguir desesperadamente a glória de um “triunfo vingador”. São pessoas que tentam camuflar sua fraqueza fingindo-se fortes; agridem por não serem capazes de amar; rejeitam o amor dos outros – de que tanto necessitam – por não se julgar dele merecedores. O preocupante disso tudo é que pessoas assim tendem a ser os líderes, os governantes, os comandantes e os chefes; constituem boa parte dos workaholics e dos indivíduos de personalidade tipo A (São pessoas ambiciosas, perfeccionistas, mas muito estressadas), embora, como já salientamos, na gênese destes últimos entrem também outros fatores de similar significado, como é o caso da angústia da separação. Uma outra parte das vítimas do ódio dos pais descamba para a violência pura e simples: violência explosiva, compulsiva e gratuita. Tal caminho prevalece, embora não seja exclusivo, entre os que integram as camadas socialmente desfavorecidas, dado que, nesse grupo social, a cultura do meio não reprime, até estimula, a agressividade e a violência. Explicam-se assim as verdadeiras barbaridades que, com crescente e inquietante frequência, temos visto grassar nos grandes centros urbanos. Mas a maioria de nós reprime os impulsos instintivos de violência. Mas eles não desaparecem, e é preciso dar-lhes algum destino. Vários são os caminhos possíveis, não mutuamente excludentes. Um deles é refinar e camuflar as manifestações de agressividade, de forma a pô-las a salvo das garras da lei e da censura social. Todos conhecemos muito bem esse processo; todos, uns mais, outros menos, dele já fomos vítimas ou, por meio deles os algozes. Um outro meio, dos mais utilizados é voltá-la contra nós mesmos. No limite, nos suicidamos. No meio termo, adotamos comportamento ou práticas claramente autodestrutivas ou então adoecemos. Outro caminho possível, mas salutar e desejável, é sublimar a agressividade, investindo-a no trabalho, na criação e na prática de esportes. É o que, no limite, fazem os workaholics em relação ao trabalho. É o que, com equilíbrio, fazem aqueles que trabalham com prazer mas sem fazer do trabalho a razão de ser de sua vida. Os que se dedicam a atividades que implicam criação – escritores, poetas, pintores, escultores, artesãos, compositores etc. – constituem clássico exemplo de alta carga de agressividade, sublimada em algo 118


socialmente meritório. A prática de esportes e exercícios físicos em geral é também prática salutar, não somente pelos inúmeros benefícios que traz à saúde, como também por constituir um escoadouro natural para a tensão e o impulso de agressão. Há, por fim, outra válvula de escape para a agressividade, esta também salutar e desejável: seu investimento na libido. Isto é, transformar a energia do impulso de morte em energia alimentadora da pulsão da vida. Ou, falando mais simplesmente: transformar o ódio em amor, a agressividade em generosidade. Por paradoxal que possa parecer, é este um caminho possível e o mais eficaz para aplacar a violência. E o melhor, também, para a nossa saúde e felicidade.

Inveja, ambição, vaidade Antes de abordar mais a fundo a questão da generosidade e sua importância para a saúde, vamos discutir alguns outros fatores, de certa forma ligados à agressividade, que também dificultam as relações entre as pessoas. São os pequenos demônios adquiridos pelo processo de socialização, ao menos em nossa cultura ocidental. A inveja, já o dissemos, é, talvez junto com o ódio, o mais destrutivo dos sentimentos. Mas, é, também, por mais que relutemos em reconhecê-lo, o mais prevalente em todos nós. Solidarizar-se e entristecer-se sinceramente com o sofrimento de alguém não é difícil. É até frequente e possível, embora se deva ter em mente que satisfações exageradas de dor pela dor alheia encobrem, muitas vezes, íntima e inconfessável satisfação. O difícil e raro é nos regozijarmos, sincera e intimamente, com o que de bom possa estar acontecendo a outra pessoa. Embora as reações de inveja sejam mais frequentes no campo profissional, não se limitam tão somente a esta área. Estendem-se também às relações familiares e sociais. E abrangem não apenas aspectos materiais, mas todo tipo de atributos que o outro tenha e não tenhamos, inclusive e talvez sobretudo, sua felicidade e o amor e admiração que seja capaz de inspirar. Uma característica mais nociva da inveja e de seus correlatos, a vaidade e a competição, é que não basta ao invejoso/vaidoso conseguir determinado fim. Para que se sinta bem, faz-se necessário o outro não o consiga. O que satisfaz não é só chegar lá mais impedir que o outro chegue; o importante não é ser feliz mas não deixar que outros o sejam; não basta apenas ser rico, necessário se faz ser mais rico que o vizinho. Uma das coisas que mais dão prazer ao ser humano, é sentir-se importante, destacar-se dos demais. Ser tido como especial é essencial para auto-estima das pessoas”. Para atingir esse objetivo, para alcançar importância e saciar a vaidade, a maior parte das pessoas se dispõe a fazer qualquer tipo de sacrifício. Abrem mão do lazer e do convívio com a família, matam-se de trabalhar, sacrificam até mesmo as convicções, violam a ética e fraudam a lei, e isso quando não descambam para a criminalidade pura e simples.

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A generosidade é a saída Espero, embora sob o risco de ter sido chato e repetitivo, ter lhe convencido, caro leitor, de que o que mais dificulta nossa relação com as outras pessoas é nossa fraqueza interior. É esta sensação interior de fragilidade – fruto, repito, de desamor para conosco mesmo – que cria a tremenda necessidade de nos defendermos das outras pessoas e dela nos afastar. Para esconder nosso medo, erguemos preventivamente nossas defesas. Criamos nossas barreiras. Armamo-nos de uma fachada e de uma couraça que dificultam a visão e o alcance dos outros a nosso interior. Sentimo-nos falsamente protegidos. Tendo já exaustivamente identificado a razão básica de todo nosso sofrimento – e do sofrimento que infligimos aos outros –, qual seria a solução? A mais óbvia: amar a nós mesmos; fortalecermo-nos interiormente e, por essa via, amarmos às outras pessoas, cessando de vê-las como inimigos em potencial. Simples no enunciado, esta proposição é, todos os sabemos, extremamente difícil na execução. As razões do desamor a nós mesmos, nossa fragilidade, são complexas, vêm de longe. Acredito que a percepção por parte do indivíduo de seu conflito interior e das razões que dificultam seu relacionamento com as outras pessoas possa sinalizar a senha para um esforço consciente e racional de mudança. Não se pretende, com isso, afirmar que, por um simples ato de vontade, as pessoas se livram da inveja, da vaidade, da intolerância para com os outros. Mas não tenho dúvidas de que o reconhecimento da causa básica da existência daqueles sentimentos, aliado a um desejo genuíno de dar-lhes combate, seja por si só um importante fator de mudança. Ou, em outras palavras, o simples fato de tentar já será altamente positivo. Quando se fala em generosidade, as pessoas em geral são tentadas a confundi-la com caridade, porém as duas virtudes não são exatamente a mesma coisa. Caridade, nos ensina os dicionários, é benevolência, complacência, é benefício, é dar esmola. Já a generosidade implica gostar de dar em sentido mais amplo que o puramente material. Implica saber perdoar, implica nobreza e lealdade. Dessa forma, muitas pessoas são caridosas mas não são, de fato generosas. Exemplo claro dessa distinção é o da pessoa que dá esmolas no sinal de trânsito, promove Natal dos pobres, distribui comida na porta de casa, ajuda entidades beneficentes, chega até a adotar uma criança. Mas seu dia a dia é intolerante com as pessoas, humilha e/ou subordinados, trapaceia nos negócios e nas relações pessoais, é rancorosa e vingativa. Quem faz caridade pode até ser uma pessoa boa e generosa; nem sempre, no entanto, isso ocorre e a caridade serve apenas de lenitivo para o sentimento de culpa. A generosidade, pois, tem muito pouco a ver com o dar coisas e muito a ver com dar emoções; tem tudo a ver com a postura diante das pessoas – principalmente com a capacidade de tolerar fraquezas e defeitos, de procurar entender as razões de suas atitudes e seu comportamento, mesmo quando nos atingem ou agridem, de não guardar ódio nem alimentar desejos de vingança, de ser leal e honesto, inclusive mostrando-se como de fato se é. Um componente importante da generosidade é, pois, tentar entender o que o outro sente e por que sente. 120


É tentar entender suas motivações; é colocar-se em seu lugar; é tentar sentir-se como a outra pessoa se sente. Nem sempre vamos conseguir, mas o simples fato de honestamente tentar já é, não tenho dúvidas, salutar, útil e benéfico, com aliás já foi dito. Alguém já disse não haver limites para a maldade humana. Pois bem, apesar de tudo que temos visto acontecer neste nosso mundo, permito-me ter ainda a convicção – mais que a esperança – de que nenhum de nós é totalmente mau e que o potencial de bondade e generosidade existe em cada ser humano, por mais monstruoso que seu comportamento o faça parecer. Reconheço, para que não me tomem por um ingênuo otimista com relação à natureza humana, que todos sem exceção, trazemos dentro de nós fragilidade, temores, pequenos demônios, enfim, de graus e natureza variáveis. Para fazer face a tais temores e demônios, criamos a mais variadas defesas. Reconheço que como parte deste esforço de defesa, as pessoas podem vir a comportar-se de maneira incrivelmente vil, feroz, animal, destrutiva, imatura, anti-social e nociva. Mas, ao lado desse reconhecimento e dessa constatação, tenho também a convicção, forjada em todos esses anos de vivência profissional e humana, quer como psicanalista, quer como psicoterapeuta, que, quanto mais uma pessoa é compreendida e aceita, maior será “abandonar as falsas defesas” às quais recorreu, para enfrentar sua fragilidade diante da vida. Acredito que, quanto mais uma pessoa for tratada com respeito, sensibilidade e como ser humano, tanto mais tenderá a responder de forma similar, isto é, com respeito, sensibilidade como ser humano. Por mais árduo e difícil que possa parecer tal esforço de compreender as outras pessoas, ele jamais será infrutífero e, forçoso é dizê-lo, será muito mais benéfico a nós mesmos, independentemente do benefício que traga aos outros. As dificuldades com que nos deparamos na tentativa de compreender a maneira de ser e a motivação das outras pessoas reside, por incrível que pareça, muito mais em nós mesmos que naquilo que os outros possam dificultar a própria compreensão. No mundo e no ambiente social em que vivemos, tentar sinceramente compreender às outras pessoas é uma atitude que encerra riscos e, portanto, nos assusta. Se me permito compreender de fato a outra pessoa é quase certo que isso trará uma mudança em minha forma de lidar com ela e, provavelmente, no próprio ambiente em que com ela convivo, seja no trabalho, em casa ou no lazer. Tal mudança implicará quase certamente que mudem igualmente as relações de poder, que sempre se estabelecem entre as pessoas, bilateralmente, e no ambiente onde convivem. A perspectiva de mudança assusta, porque todos receamos mudar. Acredito, embora essa seja uma interpretação muito pessoal, que o medo universal do ser humano às mudanças decorra justamente, dessa sensação interior de fragilidade e insegurança que, em graus variáveis, todos trazemos. Temos medo das mudanças porque tememos o desconhecido. Temos medo do que não podemos controlar. Já houve quem, a esse respeito, fizesse uma observação curiosa quanto à razão pela qual voar causa muito mais medo às pessoas que o automóvel, embora seja 121


provado e comprovado ser o avião um meio de transporte muito mais seguro. A razão é uma só no carro temos, temos a falsa sensação de que detemos o controle; no avião, a sensação é inversa, embora neste caso verdadeira: não controlamos absolutamente nada e, por isso temos medo. O medo e resistência que, consciente ou inconscientemente, oferecemos às mudanças serão tanto maiores e intenso quanto maiores forem a fragilidade interior e a insegurança da pessoa. É um medo, sem dúvida, compreensível, porém, a rigor, irracional e ilógico, como o é o medo de voar de avião. Como todo medo irracional, somente será vencido se enfrentando, isto é, se nos expusermos a ele. O medo do que possa mudar não é, no entanto, a única dificuldade com que deparamos, na tarefa de tentar compreender aos outros, em particular embora não exclusivamente, no trabalho. Um outro grande fator de entrave é a competição. Compreender ou tentar compreender aqueles com os quais convivemos significa tentar ajudá-los; e quem, nesta nossa civilização ocidental, se propõe honestamente a ajudar alguém percebido como rival e com quem disputa poder e/ou afeto, seja no trabalho, em casa ou na vida social? Haverá quem o faça, mas são ainda muito poucos, dado que a competição e a inveja são a marca das relações pessoais de nossa época. Conclusões Tenho a plena convicção de que o segredo e a essência da felicidade, portanto da saúde, reside em nos aproximarmos, de forma honesta e desarmada, das pessoas. Em permitir que se abatam nossas defesas; em deixar que caia, a armadura atrás da qual nos escondemos e pensamos que nos protegemos. É necessário que não tenhamos medo de nos mostrar às outras pessoas, tal como de fato somos. Com nossos momentos de angústia e aflição, com nossos rompantes de irritação, com nossa insegurança e fragilidade. Com os impulsos de mesquinharia, de inveja, de ciúme e até mentira e hipocrisia, que a todos assaltam, variando apenas a intensidade e a frequência. Essa mudança de comportamento vale para todas as áreas de nosso relacionamento: familiares, colegas de trabalho, amigos, vizinhos, clientes etc. É um processo difícil, lento, arriscado, mas que, uma vez iniciado, terá um potencial de benefícios bem maior que o de riscos. A INFLUÊNCIA DA DOR COMO EXPRESSÃO DA DOR DO ESPÍRITO A capacidade de sentir dor quando submetido a algum estímulo que ameaça a integridade do organismo é essencial para a sobrevivência de todos os animais superiores, nós, humanos, entre eles. Assim, se encostamos a mão em uma chapa quente, por exemplo, é a dor que nos faz retirá-la rapidamente e impedir que sofra dano. Sem dor, portanto, não haveria vida, por mais sedutora que seja a hipótese de uma vida sem dor. Esse tipo de dor, como reflexo a um estímulo físico externo, nocivo e concreto, é universal e certamente independe do estado psíquico da pessoa, embora este possa intensificar sua percepção e exteriorização. Já a dor proveniente do interior do organismo comporta um grau importante de sensibilidade individual, de sorte 122


que uns suportarão menos que os outros. A existência de tal componente individual no limiar da dor parece relacionar-se, no organismo, ao nível de substâncias chamadas endorfinas, que grosseiramente (como o próprio nome sugere) poderiam ser entendidas como analgésicos liberados no interior do organismo. O nível dessas substâncias, por seu turno, parece guardar nítida relação com o estado psíquico e emocional da pessoa. Dessa maneira, nas pessoas deprimidas, a “taxa” de endorfinas do organismo seria baixa e a pessoa sentiria a dor com mais intensidade. Por outro lado, naquele, que está alegre e de bem coma vida, a mesma dor doeria menos. Outro aspecto importante diz respeito às exteriorizações do sentimento doloroso, que parecem guardar nítida relação com a história de vida do indivíduo, em que a manifestação da dor foi, ao longo do tempo, o meio através do qual obteve carinho, estímulo e atenção. Essas exteriorizações são os meios de que a pessoa lança mão para demonstrar aos que a cercam que está sentindo dor. Consistem em gemidos, gritos, solicitações de assistência e/ou remédios, posturas como andar com o corpo dobrado, colocar as mãos nas costas ou na cabeça etc. Com relação aos gemidos, tenho observado, ao longo de todos esses anos que exerço a psicanálise, que dificilmente um paciente gemerá se estiver sozinho. Ou seja, independentemente da natureza da dor, o gemido somente terá sentido (para quem geme) se houver outra pessoa para ouvi-lo. Existem pessoas, e todos que trabalham na área da saúde podem observar isso, que, de tanto usar a dor ao longo da existência para obter atenção e ser objetos de cuidados, desenvolvem, voluntária e involuntariamente, um comportamento reflexo em relação a dor. Desse modo “cultivam” sua dor pela vida, e com o passar do tempo, ela se torna desproporcional, ou até independente, da existência de algum estímulo orgânico real. Com o comportamento doloroso, essas pessoas estarão tentando obter, os estímulos positivos que já obtiveram anteriormente.

O significado simbólico da dor A dor é um sintoma e, como todos os sintomas ou mais ainda que os outros, encerra um importante componente simbólico que transcende uma mera relação de causa e efeito entre estímulo e resposta. Claro que não estamos falando aqui da dor reflexa a um estímulo externo, concreto e óbvio, como uma pancada, ferimento ou queimadura, e sim da dor que vem “de dentro”. Como todo sintoma orgânico, a dor é também uma forma de expressar sofrimento, pedir ajuda e atenuar a angústia interior. Pode-se entendê-la como uma forma falha, fracassada imprópria de contornar o conflito interior que, consciente ou inconscientemente, angustia a pessoa. Tal como salientado antes, também pode ser o meio de manifestar através do corpo os afetos e sofrimentos não expressos verbal e claramente. Nesse sentido, de bloqueio da expressão afetiva, a repressão da agressividade desempenha um papel importante. Seria como se, carregada de agressividade contida, a pessoa não agredisse os outros, mas a si mesma. A natureza do conflito, a forma de lidar com ele e os aspectos sócio culturais envolvidos determinariam o simbolismo da manifestação dolorosa. 123


Existem pessoas, e creio que todos nós conhecemos pelo menos uma, que dão nítida impressão de que, sem dor, não conseguiriam viver. A dor parece fazer parte da sua vida de tal forma “que sempre dói alguma coisa e, quando não há dor, inquietas, essas pessoas tentam encontrá-la em alguma parte do corpo. São chamados paciente propenso à dor. À propensão à dor desses indivíduos parece a forma que encontram para assegurar o equilíbrio psíquico. São pessoas que, do ponto de vista psicodinâmico, renovam, vida a fora, o ciclo de agressão (geralmente reprimida) – culpa – depressão – reparação da culpa por intermédio do sofrimento, castigando o próprio corpo. O surgimento da dor nesses pacientes costuma ocorrer quando vivenciam conflitos de ordem sexual ou de relacionamento pessoal, situações carregadas de agressividade nem sempre exteriorizada. Surgem também por ocasiões de perda, seja de alguém querido ou de uma situação que a pessoa valoriza (status, emprego etc). São dores plenas de simbolismo, e o interrogatório médico em geral revela uma sofrida história de vida, com fortes tendências masoquistas e sentimentos de culpas, a exigir punição. Além disso, há ainda a satisfação que o próprio obtém para si mesmo com a aureola de mártir de que se reveste.

As dores de cabeça. A enxaqueca A dor de cabeça que os médicos chamam de cefaleia é provavelmente a mais frequente e cosmopolita de todos os sintomas humanos, estimulando-se que 78% das pessoas em todo o mundo sofrem, ou já sofreram, de dor de cabeça. Embora existam inúmeras razões de ordem puramente física para sua ocorrência, são as razões de ordem emocional, psicológica e/ou afetiva que, a meu ver, na condição de psicanalista, predominam. A própria sabedoria popular, ao denominar “dor de cabeça” o aparecimento de problemas de qualquer natureza, já reconhece o estreito vínculo entre os aborrecimentos e as dores de cabeça. Um dado importante a reforçar essa noção é o fato de que, tão frequentes em adultos, as cefaleias são muito raras em crianças, nas quais, por seu turno, abundam as “dores de barriga” – que seriam para alguns o equivalente infantil da enxaqueca adulta. Excluídas as causas orgânicas, tais como infecções dentárias, nasais, e auditivas, distúrbios visuais, tumores e aneurismas cerebrais, as dores de cabeça ligadas aos males do espírito podem se dividir, de forma simplificada, em dois grandes grupos: as cefaleias tensionais e as vasculares, ou enxaqueca. A cefaleia tensional, como o próprio nome diz, resulta da tensão a que as pessoas se veem submetidas em face dos problemas do dia a dia e nas relações insatisfatórias que mantem consigo mesma e com os outros. Seria, na verdade, mais uma faceta das situações de estresse, que, como já vimos, criam no organismo toda uma preparação para o enfretamento de algo percebido como perigoso e ameaçador. O ser humano, ao se defrontar com o perigo real ou imaginário, ou com outro indivíduo que acredita ameaça-lo, quer do ponto de vista econômico, quer do social, intelectual ou afetivo, contrai toda a musculatura, mas principalmente a do pescoço e da face. 124


Um fenômeno semelhante acontece com os animais; a diferença, é que, ao contrário deles, não sabemos relaxar. Como na maioria das vezes, o que vemos como perigo é, na verdade, representado e sentido no subconsciente, não acreditamos que tenha passado e continuamos contraídos. E o resultado possível consiste, entre outras coisas, em dores de cabeça e na nuca. Além disso, os estados crônicos de tensão ou estresse contribuem decisivamente para aumentar a tensão arterial. E a “pressão alta” é, por si só, causa de cefaleia. Todos nós convivemos forçosamente com algum grau de tensão física e emocional em nosso cotidiano. Somente os que se desligaram da realidade – os psicóticos – estarão livres dela e, das doenças orgânicas em geral. Da mesma forma, os espíritos mais simples, aqueles que não são capazes de imaginar o ontem e muito menos de preocupar-se com o amanhã, estariam também livres de tensão. Existem, contudo, pessoas mais propensas a padecer de cefaleias tensionais, que seriam um dos sintomas prediletos dos que vivem em estado de ansiedade crônica e vivenciando continuamente sentimentos agressivos quase nunca explicitados. As enxaquecas, por seu turno, originam-se, ao que tudo indica, de mecanismos completamente diferentes das cefaleias tensionais. São chamadas, pelos médicos cefaleias vasculares justamente por guardar uma relação causa/efeito com o estado das artérias superficiais do crânio e da face; isto é, estas estariam anormalmente contraídas ou dilatadas. Esse estado anormal das artérias é indubitavelmente desencadeado pela liberação no organismo de substâncias que agem sobre elas, como é o caso da serotonina. Não por coincidência, é também a serotonina um fator importante no componente bioquímico dos quadros depressivos. Admite-se que a enxaqueca possa ser uma forma mascarada de depressão, de tal sorte que, quando é covenientemente tratada e desaparece, pode ser substituída por um quadro francamente depressivo. Tal como a depressão, a enxaqueca, embora tenha seu componente bioquímico/orgânico, é fundamentalmente uma expressão de sofrimento psíquico e tem origem nos recônditos da psique. Sofrem de enxaqueca, em geral, as pessoas compulsivas, perfeccionistas e masoquistas, rígidas, que impõem a si mesma grande constrangimento e sofrimento para atender a exigências interiores inconscientes. O interessante é que, quando questionadas e colocadas diante da hipótese de sofrer interiormente de conflitos crônicos não resolvidos, elas o negam terminantemente. Como regra, relacionam-se mal com as pessoas que lhe são próximas e apresentam grandes dificuldades de adaptação às chamadas “passagens da vida: adolescência, casamento, primeiro filho, menopausa, crise da meia-idade e velhice. A maior parte dos que sofrem de enxaqueca, particularmente em suas formas mais graves, provem de famílias que atribuem grande valor a normas rígidas de conduta e comportamento, onde a expressão emocional, quer de afeto, quer de agressividade, é reprovada e reprimida. O conflito gerado entre a necessidade afetiva e/ou expansão da agressividade e o medo da reprovação dos familiares desencadeia a crise de dor. A grande frequência com que as filhas (o mal é bem mais frequente nas mulheres) de enxaquecosas sofrem também de enxaquecas é muito mais explicável, a meu ver, pelo modelo familiar que 125


o mesmo pela hereditariedade. Há quem proponha que os portadores de enxaqueca apresentem traços psicodinâmicos e de personalidade comparáveis aos do alérgico ou asmático: uma relação infantil e de dependência com a mãe. Problemas que remontam, enfim, à primeira infância. Como já destacado, a enxaqueca tem muito a ver com a repressão da expressão de emoções e conflitos não resolvidos, entre eles, também e talvez sobretudo, aqueles ligados à sexualidade. Duas outras evidências do componente psicogênico das enxaquecas são a alternância psicossomáticas e a “enxaqueca do fim de semana”. Esta última é aquela que ocorre desde a noite a noite de sexta-feira até o amanhecer da segunda e pode ter três explicações: insatisfação no ambiente familiar, excessiva e anormal dependência do trabalho para o equilíbrio psíquico e bem-estar emocional (caso dos workaholics) e, ainda, a chamada “descompressão psíquica”. Por essa expressão se entenderia a enxaqueca provocada pelo alívio das tensões ligada ao trabalho, o que me parece uma hipótese pouco provável. Em resumo, e para concluir, a enxaqueca, como quase todas as doenças, corresponde a uma tentativa de resolução de problemas específicos e situações conflituosas, ligadas principalmente à sexualidade, a uma problemática edipiana não bem resolvida e à agressividade reprimida. É sintoma, pois, de um mal mais secreto; um pouco de um recanto escondido, que a pessoa que sofre desvenda, de tempos em tempos, e exibe, de forma repentina e apenas parcial, à família, aos que a cercam e também ao médico.

As dores reumáticas. A artrite reumatoide Reumatismo é uma designação genérica que engloba dezenas de doenças diferentes, que têm em comum o fato de atingir as articulações e músculos vizinhos e ser de longe bem mais frequente em mulheres do que de homens. Entre essas dores, a artrite reumatoide, em suas diversas variantes, é talvez a mais frequente e aquela onde o componente psicogênico foi melhor estudado. Caracteriza-se, na maioria dos casos, mas não em todos, pelo aparecimento de inchaço, dor, rigidez e deformação dos dedos das mãos, embora outras articulações possam também se atingidas. Características dos que sofrem de artrite reumatoide  Na grande maioria dos casos são mulheres  Perfeccionismo e excesso de escrúpulos  Espírito de sacrifício (“submissão perversa”)  Tirania benevolente (disfarçada)  Grande tendência à atividade física; são trabalhadoras incansáveis ou grande esportistas  Dificuldade de estabelecer relações satisfatórias com pessoas que lhe são próximas  Dificuldade de exprimir afetividade, inclusive e principalmente sob forma física (carinhos por exemplo)  Não aceitação do próprio sexo e frigidez (nas mulheres); distúrbios na potência sexual, nos homens  Moralidade excessiva 126


O perfil psicológico e comportamental das pessoas com artrite reumatoide é clássico e facilmente reconhecível em quase todos os casos. São, em regra, mulheres com forte tendência agressiva, procurando sempre dominar o meio que as cercam, particularmente o meio ambiente familiar. Têm gosto e valorizam muito o exercício da autoridade e a moralidade, que costuma ser exagerada e exprime, na verdade, a má relação da pessoa com a sexualidade. Sua vida sexual é pobre, frequentemente inexiste; a grande dificuldade de aceitação do próprio sexo. Além da inadequação sexual, há também uma enorme dificuldade no estabelecimento de relações afetivas genuínas com as outras pessoas, e neste particular e na tendência masoquista, aproximam-se muito do perfil que traçamos para quem sofre de enxaqueca. De fato, tal como estas, são pessoas que sofrem de si mesmas. A insatisfação oriunda dessa inadequação afetiva e sexual, da recusa inconsciente da própria feminilidade, provoca nessas mulheres uma necessidade masoquista e doentia de servir aos outros, principalmente no meio familiar. Tal serviço compulsivo, o desejo incontrolável de ser a “empregada da família”, constitui na verdade uma manifestação disfarçada de hostilidade, uma forma de expressar seu sentimento de culpa, uma maneira de manipular os familiares, tentando por essa via influenciá-los e manter sobre eles seu domínio. Essas características de comportamento de quem sofre de artrite reumatoide faz com que exerçam, ou tentem exercer, o que os especialistas têm denominado “tirania benevolente”, que apesar de benevolente, não deixa de ser nociva. Se por um lado a família tende a acomodar-se à situação e aproveitar-se do desejo compulsivo da mãe de servir, de sacrificar-se, ajudar aos demais, por outro, essa situação que ela própria procura e necessita é também ao mesmo tempo e paradoxalmente, uma fonte de sofrimento e exasperação, até porque tem seu reverso: a necessidade de tudo controlar e a todos dominar. Criam-se, assim, de ambas as partes “tirania” e “tiranizados”, uma mão dupla de ressentimentos e de mútuo sofrimento, principalmente para a “tirana”. Haveria, por parte das que sofrem de artrite reumatoide, uma recusa inconsciente de entrar numa relação familiar sadia, baseada em trocas mutuas. Como podem tais situações de conflito interior e perfil psicológico redundar em deformidades articulares e ósseas, por vezes importantes, que se observam na artrite reumatoide? O mecanismo é fácil de entender, se lembrarmos que a artrite reumatoide está intensamente ligada à agressividade reprimida. Trava-se no íntimo da pessoa, uma dura luta entre os impulsos de agressão e a necessidade de não lhes dar vazão, isto é, controlalos. Todo esforço – não muito consciente, ressalte-se – do indivíduo é no sentido de alcançar o melhor equilíbrio possível entre as duas tendências opostas. Aprendem, então, a canalizar os impulsos de agressão para atividades socialmente aceitas e valorizadas e que impliquem atividade física: trabalho pesado, esportes, jardinagem e controle ativo da casa. Além da agressividade e justamente por causa dela, essas pessoas alimentam forte sentimento de culpa que aplacam servindo aos outros, como já salientamos. Quando não conseguem o equilíbrio que buscam, ou quando ele é “perturbado por fatores ou acontecimentos que bloqueiam a descarga adequada dos processos de culpa, a agressividade inibida crônica leva a espasmos musculares e ao aumento tônus (tensão) muscular. Como esse tônus aumentando envolve a ativação, ao 127


mesmo tempo, de grupos musculares de ação antagônica, criam-se condições mecânicas para a inflamação das articulações (artrite) e para a sua deformação. Já fizemos referência à pobreza de que geralmente se reveste a vida sexual das mulheres portadoras de artrite reumatoide e como pouco se permitem ao prazer, se é que a algum de fato se permitem. Casam-se geralmente com maridos fracos, impotentes ou doentes, submissos e passivos. A vida dessas mulheres costuma ser profundamente infeliz, com acentuada dificuldade na expressão física dos afetos. As “dores nas costas”. As doenças da coluna vertebral As “dores nas costas” constituem, depois da dor de cabeça, a mais frequente das queixas dos que procuram consultórios de clínica geral. Já no século retrasado, Charcot, célebre neurologista francês, mestre e ídolo de Freud, descrevera a tríade de sintomas que leva seu nome, formada pelas queixas de fraqueza, dor de cabeça e dores nas costas. Nesse conjunto, de fundo eminentemente psíquico, as “dores na coluna”, ou nas costas, merecem especial destaque pelo que encerram de simbólico e pelo que influenciam a vida e o bem-estar das pessoas. O bom funcionamento da coluna intervém no andar, na atividade sexual, na capacidade de levantar pesos e executar trabalhos. A região lombar, desempenha papel importante nas atividades básicas da vida: “opor-se, manterse ou, ao contrário, curvar-se, ceder, sujeitar-se. Ela é nó das lutas e dos fracassos: em um dos polos a derrota, a depressão, o abatimento; no outro polo, a recusa, a disposição para o enfrentamento, a revolta, a reivindicação”. Sendo a coluna o eixo vertical do corpo, é sinônimo de atividade e trabalho, e assim as situações que influem na segurança e estabilidade do indivíduo podem ser a causa de dores nas costas. A impossibilidade de erguer adequadamente a coluna agride o amor-próprio da pessoa, embutindo a ideia – simbólica, evidentemente – de que está abandonando a dignidade humana, “regredindo” à condição animal. A própria postura do indivíduo pode refletir o estado de seu psiquismo, expressando o que poderíamos chamar de uma “linguagem corporal”, da mesma forma que também o é a fisionomia. Quem está triste tem uma postura arqueada, “com a parte superior do corpo dobrada e os ombros curvados, como se carregasse o mundo sobre as suas costas”. A posição favorece, por mecanismos diversos, o aparecimento de dores e cansaço muscular. Também no caso das dores nas costas, as mulheres predominam. Supõe-se que, nelas, a dor nas costas exerce importante componente de fracasso e inadequação sexual, além de servir de desculpa para esquivarse à prática de sexo com o marido. Nos homens, em que o mal é mais raro, mas igualmente existe, servem de desculpa para os fracassos, a falta de iniciativa, a fuga ao trabalho.

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A mulher e a dor Há dores que somente a mulher pode sentir, como é o caso da dor do parto, cólica menstrual etc. a constatação que as doenças que têm a dor como expressão essencial são muito mais frequentes e intensas nas mulheres. Além disso, acrescentaria ainda que, mesmo em outras enfermidades, as pacientes reclamam muito mais da dor que os homens e recorrem, com mais frequência e intensidade, aos chamados operantes da dor. Creio que a explicação mais plausível para o fato seria que a dor pode ser uma forma mascarada: o condicionamento cultural. Assim há, com relação as mulheres, maior aceitabilidade social para a utilização da queixa de dor física como expressão de seus conflitos internos, particularmente aqueles ligados a esfera sexual. Os homens, “por terem de ser fortes”, não encontram espaço para este caminho e recorrem à violência, ao álcool, às drogas e também à promiscuidade sexual e ao “donjuanismo”. A INFLUÊNCIA DO SOFRIMENTO DA ALMA E DOENÇA DO APARELHO DIGESTIVO. OBESIDADE E ANOREXIA NERVOSA

A relação entre distúrbios do aparelho digestivo e sofrimento psíquico é uma das mais antigas noções da psicossomática, muito divulgada até em meio midiático. Várias são as razões que explicam tão próxima relação: o fato de dois componentes do tubo digestivo, a boca e o anus, ser importantes vias de comunicação do interior do organismo com o meio exterior: a importância da alimentação e da excreção na formação da personalidade e no psiquismo da criança nos primeiros anos de vida; e, por fim, a estreita vinculação do tudo digestivo com o sistema nervoso autônomo e mecanismos hormonais de estresse. Tanto o ato de comer quanto o de defecar encerram os primeiros tipos de relação humana e são, portanto, veículos de comunicação do recém-nascido com o meio externo. Ser nutrido e em seguida ser limpo constituem os primeiros cuidados com que o bebê recebe da figura materna, e a natureza dessa relação influenciará decisivamente sua futura maneira de ser e viver, a forma de relacionar-se com as outras pessoas, a maior ou menor capacidade de ser feliz. O ato de comer encerra ainda significados simbólicos diversos do ponto de vista psicológico, tais como o desejo hostil de erradicar o inimigo, a necessidade de receber amor, o medo de sofrer privação, o receio e reação à separação, afastamento/perda do seio materno etc. Por outro lado, a função da defecação tem muito a ver com a necessidade de reter, segurar, conter e ser limpo, vinculando-se de forma importante à ação repressora do meio exterior. A importância de ambas as funções – alimentação e defecção – fica clara no sem números de expressões simbólicas que usamos no dia-a-dia que com elas se relacionam: “eu não te engulo”, “você me dá náuseas”; “eu te como com os olhos”, “fiquei mordido de raiva” etc. Também ilustrativo dessa importância, particularmente nos primeiros anos, é o fato de as cólicas abdominais e dores vagas na barriga constituírem principal queixa dos bebês e crianças pequenas. As dores abdominais seria as equivalentes infantis da enxaqueca do adulto, já que as crianças dificilmente sofrem de dor de cabeça. Finalmente há a questão da íntima vinculação entre o tubo digestivo e o estresse. Como se recordam, o 129


estresse consiste em toda uma reação do organismo à frente de um inimigo que ameaça a vida animal. Tal reação, apropriada nos tempos das cavernas, continua a ser, do ponto de vista físico e bioquímico, exatamente a mesma nos dias de hoje, embora tanto o inimigo quanto as situações sentidas como ameaçadoras tenham mudado – e muito. Ora, nos primórdios – e ainda hoje nos animais – a preparação para morder e devorar o inimigo era parte essencial das práticas de defesas. Compreensível, portanto, que até hoje, nosso estômago produzindo secreção gástrica (ácida e destrutiva) nas situações de tensão. Compreensível, também, que a ação corrosiva, dessas substâncias resultem úlceras e gastrites. Distúrbios gastro-intestinais de origem emocional: Falta de apetite (anorexia); Apetite exagerado (bulimia); Náuseas e vômitos; Dificuldade de engolir (disfagia); “Gases” (aerofagia e aerocolia); “Bolo” na garganta ou no estômago; Dores abdominais diversas; Dispepsias ou “males do fígado”; diarreia; Constipação intestinal; Gastrite e úlcera; enterites; colites.

Úlcera e gastrite Para que ocorra uma úlcera, três fatores devem existir: secreção exagerada de suco gástrico, sobre o qual influiriam fatores genéticos e hereditários; perfil psicológico propício; e a ocorrência de episódio gerador de intensa frustração e que corresponderia ao desencadear da úlcera. Mesmo o primeiro fator, a hipersecreção gástrica, pode encerrar, e creio que certamente encerra, um componente psicodinâmico, que seria representado pela necessidade não satisfeita de mamar, isto é, a pessoa propensa a úlcera teria sido um bebê com maior desejo de mamar que os outros recém-nascidos. Haveria então, como ponto central de seu psiquismo uma frustração oral, para usar o jargão psicanalítico, que os tornaria personalidades extremamente carentes de afeto e dependentes. Essa dependência, traduzida pelo desejo de ser cuidado, acariciado e “amamentado”, teria expressão bloqueada, isto é, o indivíduo não encontraria “espaço” para exprimir de forma clara sua carência ou, o que é muito comum, não a aceitaria e reagiria com agressividade voltada para dentro de si mesmo, bloqueada que ela fora também em sua exteriorização contra o meio. A complexidade desse conflito geraria, em algumas pessoas portadoras de úlcera ou propensas a sê-lo, um mecanismo compensador que as impulsionaria a uma luta constante e consciente para obter sucesso e independência. Tal busca da segurança como compensação para os desejos não aceitos e não exteriorizados de dependência lança a pessoa a um nível destrutivo de busca de sucesso profissional. Geralmente as pessoas tendem a explicar a úlcera no homem “bem-sucedido” e ocupado pelos problemas encontrados no trabalho. Na verdade, talvez, o raciocínio correto seja o inverso: o indivíduo seria bem-sucedido justamente por ter o perfil psicológico do ulceroso: ambicioso e realizador no plano social. Seriam pessoas com uma constante “fome emocional”, e a tal tipo de fome o organismo reagiria da mesma forma como à fome de fato, quando a pessoa é bebê: com aumento da secreção ácida no estômago. 130


Nem todos os ulcerosos, no entanto, vão buscar no sucesso exterior a compensação para a carência interior. Há quatro tipos de personalidade entre os que sofrem de úlcera: O tipo I, hiperativo-competitivo, rejeitaria exageradamente suas tendências passivas e de dependência e afirmaria ao máximo suas tendências ativas; seria o “vendedor”, mandão, líder e chefe. O tipo II, chamado de compensado, estabelece uma relação de compromisso entre as duas tendências: é geralmente ativo profissionalmente e passivo em casa, ou viceversa; seria o tipo de evolução mais favorável, raramente necessitando ser operado, exibindo inclusive boa adaptação social. No outro extremo estaria o tipo IV, o dependente, socialmente inadaptado, exibindo exageradamente suas tendências passivas, com bastante frequência precisando ser operado e que constitui o tipo de pior evolução. Um pouco antes e em posição mais ou menos intermediária estaria o tipo III, ou alternante, socialmente instável e, como a própria denominação deixa entrever, apresentando alternância entre as duas tendências: sucessivamente passivo e ativo. Todos eles teriam, todavia, como característica comum e básica, a carência geralmente inconsciente de carinhos, cuidados e afetos e a incapacidade de expressá-la, bem como a agressividade daí decorrente. Fechariam então a boca, isto é, não comunicariam suas necessidades e “abririam” o estômago para a ferida (úlcera). Os cientistas estudaram o funcionamento do estômago de um paciente observando diretamente o estado da mucosa gástrica (fina “pele” que reveste internamente o estômago sob várias condições através de uma abertura (fístula) que colocava em contato com o exterior. Numa ocasião, como parte da experimentação planejada, o paciente foi frontalmente acusado de cobrar demais nas despesas de trabalho que fizera para seus patrões. A acusação o magoou muito, mas empregado que era, ele foi incapaz de expressar sua irritação e passou a andar num estado reprimido de indignação e ressentimento. Verificaram os observadores que, durante esse estado, a mucosa gástrica se tornara mais vermelha e o suco gástrico era produzido em maior volume e com maior acidez. Constataram ainda que, neste estado, quando tocada por uma vareta de vidro, a mucosa sangrava muito e feria-se facilmente. Interessante é a observação de que os estados depressivos melhoraram a úlcera, tudo se passando como se, exteriorizando a tristeza interior, o indivíduo não mais precisasse “engoli-la” e ferir o estômago.

O fígado, pobre caluniado. A vesícula biliar Existem talvez poucas queixas que sejam, ao mesmo tempo, tão frequentes e infundadas com o “sofrer do fígado”. Culpa-se o fígado pela ressaca que sucede ao uso excessivo de bebidas alcoólicas, pelo mal-estar gerado por uma alimentação “pesada” ou exagerada e por todo o tipo de desconforto ligado à digestão. Na verdade, as doenças do fígado não são tão frequentes como se pensa, são sempre situações graves e, como regra, pouco têm a ver com dificuldades digestivas, náuseas, etc. A grande responsável pelos males atribuídos ao fígado é a vesícula biliar, esta sim, frequentemente acometida por processos que obstruem os trajetos da bílis ou alteram sua produção e que causam sintomas digestivos de variável intensidade. 131


Ao contrário do fígado, sabe-se hoje, no caso da vesícula há clara relação com o psiquismo e as emoções. Identificou-se um fator comum na gênese, tanto dos quadros depressivos quanto nos males da vesícula biliar como o hipotálamo, região do cérebro intimamente vinculada às emoções e à sensação de saciedade (da fome). Propõe-se, já há algum tempo, que a escassez de colecistocina resulta, ou pode resultar, simultaneamente em depressão. Além disso, experiências de autores diversos mostraram uma clara relação entre os distúrbios da vesícula e as emoções. Assim a raiva inibe a produção de bílis, ao passo que a alegria e a ansiedade a aumentariam.

As doenças dos intestinos: constipação, diarreia e retocolite ulcerativa A movimentação dos intestinos é também profundamente influenciada pelas emoções, bem mais, ressalte-se, que a da vesícula. Uma explicação interessante para essa vinculação remonta a nosso passado longínquo, nos tempos da pré-civilização, quando o homem dispunha tão-somente de dois meios de fazer frente a situação de perigo: a agressão e a fuga físicas. Tanto para lutar quanto para correr era (e continua sendo) útil que o corpo estivesse o mais leve possível. É compreensível, portanto, que diante dessas situações, nos animais tanto quanto nos homens, ocorresse a liberação dos esfíncteres, isto é, que o animal urinasse ou defecasse. Isso explica porque, até hoje, algumas pessoas apresentam diarreia ou se urinam em situações de medo ou tensão, justificando a expressão: “c.......-se de medo”, de todos conhecida. O homem moderno e “civilizado”, como já salientamos em capítulo precedente, reage a situações como ameaçadoras com ataque ou fuga de natureza muito mais simbólica e interior que real e física. O organismo, no entanto, não sabe (ou não quer saber) disso e continua reagindo como no passado. Explica-se assim a razão pela qual as alterações do trânsito intestinal, particularmente a constipação, são achados tão frequentes, ao menos em nossa civilização ocidental, e isso não apenas por alimentação inadequada. Haveria basicamente dois tipos de resposta dos intestinos às emoções: a hiperdinâmica, com aumento de sua movimentação, e a hipodinâmica, com a diminuição. No caso da hiperdinâmica, haveria diarreia, não necessariamente querendo traduzir fezes líquidas, e sim a necessidade de defecar várias vezes ao dia – na maioria das vezes, embora não obrigatoriamente, nas situações de tensão ou antecedendo-as. O aumento da movimentação dos intestinos estaria associado à angústia e à agressividade e seria uma característica das pessoas mais ativas e agressivas. Já a reação hipodinâmica, com diminuição da movimentação dos intestinos, isto é, a constipação intestinal, seria encontrável em pessoas que guardam seus sentimentos, “engolem” a raiva e tendem a reagir ao temor da agressão com sentimentos de derrota. Podem ser também mais passivas e, com frequência, malhumoradas, mantendo um relacionamento áspero com os outros. São enfim pessoas literalmente “enfezadas”, no sentido de que estão “cheias de fezes”. A palavra enfezada vem justamente daí, e a linguagem popular, ao associá-la a pessoas raivosas e mal-humoradas parece ter acertado em cheio. 132


Doença intestinal bem mais séria e com importantíssimo componente psicossomático é chamada retocolite ulcerativa, um estado de inflação crônica dos intestinos – cólon e reto – com diarreia, evacuações sanguinolentas e dores abdominais. Seria “a das doenças psicossomáticas”, tão importante é este componente em sua gênese. Os que padecem do mal, são como regra, pessoas com forte agressividade reprimida e dificuldade de exprimir emoções, sejam quais forem. Embora haja, na gênese da recotolite, um componente de auto - agressão de natureza imunológica, os aspectos psiquiátricos parecem predominar, equivalendo para alguns a um quadro de depressão psicótica. Sob o aspecto psicodinâmico, haveria uma forte relação de dependência com uma mãe exigente e controladora, o que poderia explicar o “eu” frágil característico desses pacientes.

Anorexia nervosa e obesidade A anorexia nervosa é talvez um dos mais intrigantes distúrbios do psiquismo humano. Consiste na recusa deliberada de alimentar-se e, principalmente, na necessidade compulsiva e obsessiva de perder peso. Para isso, vale tudo: recusar-se a comer, provocar vômitos, usar laxantes etc. É um distúrbio que ocorre quase exclusivamente em adolescentes femininas e mulheres jovens, embora possa mais raramente ocorrer em homens. Acha-se profundamente vinculado a conflitos familiares, especialmente da filha com a mãe, e a dificuldade de aceitação do sexo feminino. Por isso é muito comum na puberdade e às vezes na fase que antecede ao casamento. Conflitos conjugais podem também provocá-la. O oposto da anorexia nervosa é a bulimia, o desejo compulsivo de comer, principalmente alimentos de alto teor calórico. É como se houvesse uma necessidade compulsiva de engordar. A bulimia resulta, quase sempre, em obesidade, embora nem toda obesidade resulte em bulimia. Estima-se que cerca de 30% dos obesos apresentem distúrbio. Excetuando-se raros casos em que decorre de distúrbios hormonais – como funcionamento deficiente da glândula tiroide, por exemplo –, a obesidade encerra importante componente psíquico, afetivo e emocional. É preciso inicialmente distinguir dois tipos de obeso: aquele que é gordo desde bebê – a chamada obesidade de desenvolvimento – e o que engorda na adolescência ou na idade adulta, geralmente como reação a eventos importantes na vida que marcam o início do processo de ganho de peso e que, por essa razão, é denominado de obesidade reativa. Tais eventos não são evidentemente os mesmos para cada pessoa, encerrando, cada um, um significado especial para cada indivíduo em particular. Como regra, no entanto, os eventos que com maior frequência marcam o início da obesidade reativa são: menarca, casamento, nascimento de filhos, separação, perda de pessoas queridas, perda ou mudança de emprego, mudança de residência etc. Todas essas são situações sentidas como desestabilizadoras, isto é, que ameaçam o estado de equilíbrio interno do indivíduo. Para avaliar a ansiedade e a tensão decorrentes da ameaça, a pessoa come, comendo, compensa o desequilíbrio psicológico, embora na maioria das vezes não tenha consciência disso. 133


É óbvio que todos passamos por várias das situações descritas, sem que por isso passemos a comer demais e nos tornemos obesos. Os que reagem dessa forma têm baixo limiar de tolerância às frustrações e dificuldade de elaborar psiquicamente conflitos emocionais. O ato de alimentar-se é então associado ao aparecimento de estados como ansiedade, depressão, insegurança e nervosismo. Já nos chamados obesos de desenvolvimento, isto é, os que são gordos desde os primeiros meses de vida, confundem desde cedo suas necessidades de alimentação com as necessidades afetivas e essa confusão parece perdurar por toda a vida. Tendem assim a vivenciar desejos das naturezas mais diversas como necessidade de alimentos. Embora não se possa ignorar a importância do patrimônio genético, parece haver, particularmente neste grupo, uma importante e equivocada participação da mãe ou de quem lhes faça as vezes, hiperalimentando as crianças. É notória – e os pediatras disso são testemunhas – a compulsiva preocupação das mães com a alimentação dos bebês e filhos pequenos e o prazer que têm de exibi-los gordinhos e fofinhos, hiperalimentando-os sem levar em conta suas reais necessidades. Além disso, tendem a ignorar todas as outras necessidades do bebê e a interpretar o choro e o desconforto sempre como fruto da fome, ou pelo menos aplacáveis com comida. Essa conduta leva a criança desde cedo a ver a comida e o mundo através da associação: estímulo desagradável – alimento – satisfação. A maior ou menor importância que tal percepção da comida e do mundo terá na vida futura do indivíduo dependerá da integração dinâmica de três fatores básicos:  Patrimônio biológico-genético (gene-pool)  Frequência, intensidade e adequação das experiências de satisfações alimentares e  O grau em que vivências e experiências posteriores da vida confirmem ou relativizem tais experiências.

A obesidade constitui um mal em si mesmo, condição predisponente que é para várias doenças. Além disso, porém, há todo o prejuízo psicológico gerado pela condenação social que em nossa época envolve os obesos. A pessoa gorda tende a ter uma má imagem de si mesma, com desvalorização de seu corpo e consequentes reflexos na sexualidade e na felicidade. A baixa auto-estima é agravada pela marcação cerrada dos pais e das pessoas próximas que a todo momento lembram ao obeso que ele “precisa perder peso”, “está muito gordo”, tem de “tomar vergonha”, “parar de comer” e outras observações do gênero, todas de caráter recriminatório. Ora, todo gordo e, como regra geral, não gostaria de sê-lo. Ficar a pressioná-lo e relembrá-lo da condição me parece de todo inconveniente e contraproducente. Tal conduta somente faz agravar a angústia, a ansiedade e a depressão que, com frequência, se associam à obesidade. Quando, o que é frequente, esse tipo de pressão se inicia já na infância, o indivíduo internaliza uma má imagem de si mesmo que dificilmente será resgatada mais tarde, mesmo que venha perder peso. Transformar-se-á, se se conseguir a façanha, em uma “gordomagro” o qual, mesmo não sendo mais obeso, exibirá ainda as características emocionais e comportamentais dos que o são, inclusive no que tange à visão crítica de sua imagem corporal. 134


Há ainda um último e muito sério inconveniente o desconforto e a angústia gerados pela pressão familiar sobre uma adolescente obesa pode ser uma das causas desencadeantes de anorexia nervosa, a grave condição que há pouco discutimos.

COMPONENTE PSICOGÊNICO DAS DOENÇAS CARDIOVACULARES Os problemas mentais que se acompanham de dor, prazer, esperança ou medo causam uma agitação que influencia o coração (William Harvey) Desde milênios, creio mesmo que desde que o primeiro lampejo de raciocínio e desejo de conhecer a si próprio e a seu corpo transitou pela mente humana, que o coração vem sendo considerado um órgão especial. Mesmo não sendo o único órgão vital do corpo, há profunda vinculação, simbólica e real, entre ele e a vida. Além dessa concepção de órgão sede da vida, de a muito associa-se também a coração à ideia de sede das emoções. A concepção – equivocada, sabe-se hoje – explica-se pela estreita ligação entre o funcionamento do coração e o sistema neurológico e, portanto, as emoções. Não sendo, como de fato, não é, sede e origem dos sentimentos e das emoções, é, contudo, o órgão que de forma mais clara reflete seus efeitos. É compreensível, portanto, que os cientistas a muito tempo, já propusessem a ligação entre as emoções e o coração e que os médicos suspeitassem de que a ansiedade em excesso e os conflitos emocionais crônicos se relacionavam à elevação na incidência das doenças cardiovasculares, particularmente a aterosclerose das artérias coronárias. As artérias coronárias, como se sabe, são os vasos responsáveis por levar ao miocárdio (músculo, que ao contrair-se e relaxar alternadamente, faz “bater” o coração) o sangue rico em oxigênio e nutrientes que mantém vivo e contraindo-se adequadamente. A ocorrência de um progressivo depósito de gordura e outras substâncias em suas paredes constitui a doença que os médicos chamam de arteriosclerose coronariana. O progresso desse depósito passa a obstruir o interior da artéria e dificultar a passagem do sangue. É essa obstrução progressiva que causa a angina e, nos casos de obstrução total, o infarto do miocárdio. Os médicos designam como doente coronariano ou simplesmente “coronariano” o portador desse tipo de doença e como “insuficiência coronariana” dos males daí decorrentes, entre eles os já referidos infartos e angina. A aterosclerose coronária e suas consequências não são a única forma de o coração adoecer. De todas, no entanto, a doença das artérias coronárias é, de longe, predominante e aquela cuja gênese maior e mais importante papel desempenham no psiquismo, as emoções e o estresse. Este último fator tem, no coração, o seu grande órgão-alvo. Os efeitos do estresse sobre o indivíduo, e em particular sobre seu coração, encerram, como seria esperável, um importante componente individual. Submetidas a uma mesma situação geradora de tensão, pessoas distintas apresentarão também distintas respostas. Mas ainda: há pessoas mais propensas a se envolverem em situações estressantes e a estressar-se do que as outras. Tal componente individual independe da profissão e do meio em que a pessoa viva: depende primordialmente, da estrutura de sua personalidade, 135


incluídos os aspectos genéticos envolvidos. Obviamente que, inserida em condições ambientais estressantes como as que predominam nos modernos centros urbanos e em nossa sociedade ocidental, tal predisposição psíquica se extrapolaria e refletiria de forma mais intensa no comportamento do indivíduo. Os cientistas classificaram as pessoas em alguns tipos de personalidade. No momento só nos interessa os tipos A e B. Os integrantes do grupo A são extremamente competitivos, sempre plenos de trabalho e com falta de tempo. Com frequência sacrificam, em nome do trabalho, suas férias e seu descanso; mesmo de férias não relaxam por inteiro. No outro extremo situam-se as pessoas do grupo B: tranquilas, lentas, raramente se comprometendo com prazos rígidos; evitam assumir encargos extras e múltiplas tarefas simultaneamente; livram-se assim da sensação de premência de tempo e da guerra contra o relógio que é uma das principais características da personalidade tipo A. ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA PERSONALIDADE TIPO A

 Tendências à hiperatividade e ao perfeccionismo  Extrema sensibilidade às críticas  Dificuldades de lidar com derrotas e frustrações. É um mau perdedor  Controle rígido sobre os outros e sobre si mesmo  Extrema dedicação ao trabalho, com pouco ou nenhum tempo voltado ao lazer  Busca de situações competitivas  Tendência a reprimir os próprios sentimentos, embora reaja com sensibilidade.  Dificuldade em lidar com a própria ansiedade.

De acordo com alguns cientistas, a doença coronariana é sete vezes mais frequente entre integrantes do grupo A, quando comparados aos do grupo B. E mais: além de mais frequente, seria também mais grave. A personalidade tipo A, “parece ser um complexo ação/emoção caracterizado por uma luta crônica e incessante, realizada por pessoas que tentam atingir mais em menor tempo, abrigando hostilidade em seu interior. Essa conjunção de urgência no tempo e hostilidade interior, não obrigatoriamente se manifesta, são fonte de permanente aborrecimento, ódio, irritação e impaciência, todos elementos centrais da personalidade do tipo A. Alguns cientistas definem o indivíduo tipo A como “um complexo ação-emoção, ou uma luta crônica e incessante para fazer mais em menos tempo e, se preciso, fazê-lo contra a oposição de outras pessoas ou coisas. O último aspecto, o enfretamento das outras pessoas, tem muito a ver com a hostilidade. Corroborando a tese dos malefícios da repressão das emoções, verificou-se que a mortalidade por doença coronariana é quase duas vezes maior entre os que reprimem sua raiva de outrem que entre os que a ela dão vazão. Dessa forma, a associação hostilidade interior x raiva reprimida parece ser o grande componente nocivo da personalidade 136


tipo A, ao menos em termos de doença das coronárias. Verificou-se também, a clara relação positiva entre hostilidade e mortalidade, não apenas por doença coronária, mas também por câncer e outras causas não cardíacas de morte. O indivíduo portador da personalidade tipo A é exatamente o perfil dos homens que lideram e comandam, empreendedores e realizadores. Pode-se dizer que a pessoas do grupo A é “um condenado ao êxito”, mas é, também, em regra, um condenado ao sofrimento. Não quero com isso dizer que os grandes líderes e empreendedores sejam fatalmente futuros coronarianos. Lógico que outros fatores, além da personalidade, certamente influem. Além disso, parece que a tendência à liderança social somente passa a ser nociva ao indivíduo (em termos de doença do coração) quando condições adversas põem em risco tal liderança.

CARACTERÍSTICAS DA FALA DAS PESSOAS COM PERSONALIDADE TIPO A

 As primeiras palavras são acentuadas em relação às outras, principalmente no início da conversação; em seguida, certas palavras são pronunciadas de modo explosivo.  As últimas palavras da sentença são pronunciadas com muita rapidez  As palavras são repetidas com ênfase demasiada  Uso frequente de interrupção enquanto escutam: “Hum”, “Ah” etc.  Discutem quando interrompidas.  Silêncio (pausa lenta) entre o fim da questão e a resposta.  Aumento do volume da voz.  Velocidade ao falar.

A hipertensão arterial A condição de elevação persistente da pressão arterial advém, como regra geral, de uma resistência anormalmente elevada que as artérias opõem. O aumento anormal da resistência das artérias e, portanto, da pressão arterial parece decorrer de várias causas. Em 90% dos casos, contudo, nenhuma causa é identificada e a hipertensão é dita “essencial”. Embora as razões para esse fato ainda não estejam esclarecidas, parece fora de dúvida que fatores emocionais desempenham um significativo papel, se não na gênese do processo, ao menos no seu agravamento e desencadeamento. Estados de ansiedade, tensão, agressão, hostilidade, ressentimento e outros semelhantes podem resultar – e com frequência resultam – em elevação sistemática da pressão sanguínea. Para alguns estudiosos do assunto, o portador de “pressão alta” seria basicamente um indivíduo inseguro, sentindo-se permanentemente ameaçado e, por essa razão, sempre pronto a se defender. Essa condição de expectativa crônica gera um permanente estado de agressividade que não chega, no entanto, a se exteriorizar. 137


O hipertenso viveria, assim, permanentemente engajado num conflito entre a hostilidade interior e sua inibição, o qual se relacionaria também com a necessidade de dependência do hipertenso, em contraposição a um forte desejo de independência. Tal estado geraria, desse modo, uma situação persistente de “paz armada”, em que existe todo o preparativo e a tensão da guerra, mas esta não acontece. Seria como um vulcão em ebulição antes da erupção, a qual nunca acontece. O fato concreto é que técnicas de relaxamento e tratamento intensivos por psicoterapia analítica têm se revelado úteis como coadjuvantes no tratamento da hipertensão arterial, às vezes dispensando até o emprego de medicamentos. Nesse contexto, inclui-se o valor e o benefício da prática de uma atividade física regular e moderada. O “derrame” cerebral O acidente vascular cerebral (AVC), conhecido pela população em geral como “derrame”, compreende na verdade duas situações: uma hemorragia no interior do cérebro (e nesse caso, sim, o termo “derrame’ seria apropriado) e o “entupimento” ou trombose de algumas artérias que levam sangue ao cérebro (caso denominado pelos médicos AVC isquêmico, onde o termo derrame é impróprio. As duas situações guardam íntima vinculação com a “pressão alta”, sendo muito rara a ocorrência do AVC, quer hemorrágico, quer isquêmico, em pessoas com pressão arterial normal. A vinculação íntima com a hipertensão mostra, por si só, o papel do componente psíquico na gênese do quadro. Mas, além disso, há também o significado do AVC como uma “fuga”, uma retirada da vida e uma forma trágica e triste de comunicar aos outros, particularmente aos que lhe são próximos, seu sofrimento e inconformismo.

Considerações finais Existe, como há muito se sabe, uma estreita ligação entre o cérebro, as emoções que aí se originam e o coração, espelho de tais emoções. Pequenas e autolimitadas reações de alarme (como medo e ansiedade) ocorrem cerca de 20 a 40 vezes ao longo do dia das pessoas, e a cada vez que isso ocorre se liberam catecolaminas no sangue e, por conseguinte, o coração “bate” mais rápido e mais forte e a pressão aumenta. Tais reações, como disse, são frequentes e aparentemente circunscritas no tempo, e não parecem ser nocivas. São as situações crônicas de tensão, isto é, o estado prolongado de apreensão e a sensação de “perda de controle”, que mantém permanentemente ativado o sistema de luta e defesa do organismo e constitui, este sim, um importante fator de risco para infarto do miocárdio, a hipertensão arterial e o “derrame”. Embora não se possa negar o papel das condições externas ambientais e sociais, o estado permanente de tensão e apreensão é algo que vem do interior da pessoa e deve-se fundamentalmente ao desassossego, à insegurança íntima e a baixa avaliação que o indivíduo faz de si mesmo. Em suma, ele não se ama e, não ama os outros. E por isso adoece.

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A INFLUÊNCIA DA RELAÇÃO PAIS/FILHOS NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE MENTAL

Este assunto é para mim um dos mais importante na prevenção da depressão. E diversas são as razões que me fazem pensar assim. Em primeiro lugar, porque acredito firmemente que, da natureza da relação que se mantenha com os filhos, dependem em grande parte nossa felicidade e nosso bem-estar. “É nas relações de amor com os filhos que se embutem as mais intensas sensações de plenitude da existência humana”, e por conseguinte, a felicidade que se pode extrair do convívio com eles “é das mais ricas que a vivência terrena nos proporciona”. A maioria das pessoas, infelizmente, não atinge a percepção dessa plenitude e nem alcança a vivência dessa felicidade. Para a grande maioria das pessoas, os filhos são um dever, não um prazer. São um estorvo ou, nos casos mais suaves, fontes de aborrecimento e preocupação, em vez de lenitivo e alívio. Espanta-me e entristece-me a extraordinária frequência com que, no consultório, ouço queixas, recriminações e amargor dos pais em relação aos filhos. Esquecem-se e, se lembrados, não aceitam que os filhos são, para o bem e o para o mal, aquilo que deles os pais fizeram. Se deram errado é porque em algum ponto do caminho eles, os pais, erraram. E que, portanto, se culpas há a expiar, é a eles que cumpre fazê-lo. A segunda razão pela qual atribuo tanta importância a este assunto é a convicção que tenho de que a construção de um mundo melhor passa necessariamente pelo aprimoramento das relações de amor entre pais e filhos. A psicanálise/psicologia nos ensina que todas as formas de doença mental e comportamento antissocial se derivam, direta ou indiretamente, de dificuldades no relacionamento entre pais e filhos. E as dificuldades nas relações entre pais e filhos, múltiplas em suas facetas e formas de apresentação, tem todavia uma única e clara origem: a incapacidade daqueles de transmitir amor a estes. Raros serão os pais, pai ou mãe, capazes de admitir, até para si mesmos, quanto mais para os outros, que não amam seus filhos. Multiplicam-se, no entanto – e o que vem a público é uma ínfima parte – os casos de agressão física grave e até assassinatos de filhos pelos pais. Além desses casos extremos – autênticos casos de polícia –, qualquer observador atento poderá perceber, como aliás já salientamos, a hostilidade e a ambivalência que permeiam, aberta ou veladamente, as relações entre pais e filhos. Mais frequentemente ainda, o que existe talvez não seja sequer a falta de amor, e sim a incapacidade de transmiti-lo. Do ponto de vista da formação da criança, não fará tanta diferença, excluídos os casos de franca agressão e hostilidade, se os pais não a amam de fato ou se amando-a, não conseguem lhe transmitir a certeza desse amor. E transmitir a nossos filhos a certeza do nosso amor é o que de mais importante por eles podemos fazer, não tenho disso menor dúvida. Não é fácil, entretanto, obter êxito nesta tarefa. Não pelas dificuldades das crianças de captar nosso amor, se ele de fato existir, mas por nossa dificuldade em transmiti-lo. Dificuldades advindas não apenas da visão equivocada que muitos temos da educação e do convívio com os filhos, mas principalmente de nossos próprios conflitos interiores e da ambivalência dos sentimentos. E, no entanto, os nossos filhos precisam desesperadamente da segurança desse amor, particularmente do 139


amor da mãe e principalmente nos primeiros anos. Todos os sentimentos de segurança do bebê são investidos na mãe ou quem lhe faça as vezes. Por isso, é fundamental que o bebê seja objeto de um longo e ininterrupto período de cuidados maternais. Se a mãe não estiver disponível, os cuidados devem preferivelmente ser dispensados por uma única pessoa. A substituição da mãe por alguém que lhe faça as vezes enfrenta um grande limite na questão da amamentação: esta somente a mãe pode prover e ela é, sem dúvida, muito importante. A importância das relações com a mãe como fator de saúde ou doença evidencia o seguinte questionamento: e como fazer nos dias de hoje, quando o trabalho externo da mãe obriga à colocação do filho em creches ou deixá-lo entregue aos cuidados de babás? Esta é uma questão cuja resposta suscita polêmica, mas tudo leva a crer que a qualidade poderá suprir a quantidade, desde que esta atenda a um mínimo e aquela se aproxime do máximo. Isto é, talvez o importante não seja a mãe ficar todo o dia com o filho mas sim estar com ele o tempo que puder, todos ou quase todos os dias e, principalmente, conseguir nessas ocasiões lhe transmitir verdadeiramente amor, e não apenas cuidados. É necessário ter em mente que dedicação, zelo, cuidado, preocupação etc. podem até ser elementos do amor, mas não chegam, por si só, a ser amor. Creio que a grande maioria das mães presta tais cuidados ao filho. Mas ao julgar pela agenda dos profissionais da psique, pela superlotação das prisões e pela falta de vagas nos hospitais, poucas têm de fato conseguido transmitir aos filhos a certeza de que são amados. A necessidade do amor é tanta, que se descreve, inclusive, um “nanismo psicológico”, isto é, o caso de crianças que não crescem fisicamente por falta de uma dose mínima de amor. Dai se deduz, corretamente, que o amor e a afeição são tão importantes para o bebê e a criança pequena como o é a alimentação. Uma questão de grande relevo que se coloca diz respeito ao caráter incondicional do amor. Sou da opinião de que o amor – de todos os tipos, mas sobretudo aquele dos pais pelos filhos, somente tem sentido se for incondicional. Isto é, se independer de a criança “comportar-se bem”, “estudar” etc. Não se deve tampouco exigir, e nem sequer esperar, que eles nos amem em retribuição. É possível e quase certo que, se amados de forma incondicional e tiverem a certeza desse amor, os filhos também nos ame “de verdade”, e não apenas pelo aspecto formal de que devem amar aos pais. Mas, verdadeiro e autêntico que seja, esse sentimento não alcançará, ultrapassada a infância, a mesma intensidade e desprendimento de que são capazes os pais – alguns pais, ressalte-se. A defesa que faço do amor incondicional não significa, porém, que em nome dele tudo à criança se permita. Devemos passar aos filhos, em minha opinião, a segurança de que os amamos independentemente de serem crianças boas ou más, de passarem ou de ano na escola. Mas é importante fazê-lo ver que serão mais amados ainda – e admirados – se se conduzirem por determinados padrões mínimos de comportamento. Amar de forma incondicional não deve se confundir com ausência de disciplina e/ou autoridade. Mas a 140


necessidade da disciplina e/ou autoridade não deve servir de biombo para a violência, o desamor e o desrespeito dos pais pelos filhos. A violência, física ou não, e o desrespeito dos pais pelos filhos são, na maioria das vezes, praticados em nome da necessidade de discipliná-los e do exercício da autoridade. Quase sempre, porém, tal necessidade é apenas o biombo atrás do qual os pais tentam esconder, de si próprios e das outras pessoas, a ambivalência e o ódio que devotam aos filhos. É chocante de ler, mas é a triste realidade, por dolorosa que seja. Não há dúvida de que temos o dever de transmitir aos filhos os princípios fundamentais que nos regem, a lei moral em que acreditamos e as regras básicas de higiene, de convívio social e – muito importante – de respeito às outras pessoas. Temos também o inalienável dever de incutir-lhes, gradativamente e na proporção de sua capacidade de compreensão, o senso de responsabilidade por seus atos e das obrigações que lhes cabem, entre elas os deveres escolares e participação das tarefas caseiras. Para obter tudo isso, contudo, não é necessário recorrer a violência, a castigos, a repreensões carregadas de ódio e irritação. Basta apenas que amemos nossos filhos. Se conseguirmos transmitir amor a eles, junto transmitiremos também, sem nenhum esforço, de forma natural e quase imperceptível, quase tudo o mais que quisermos, inclusive as normas de conduta e os privilégios morais que comungamos. Assim como aprendem espontaneamente a falar, aprendem também a comportar-se bem e ser corteses. A transmissão desse amor e a crença e confiança que a criança tenha nele compreendem vários elementos, entre eles dois que julgo essenciais: respeito e coerência. Respeitar a criança significa fundamentalmente tratá-la como ser humano que é, com desejos, vontades e sentimentos próprios. A surrada frase de que “a criança não tem querer”, que os de minha geração e os que a antecederam tanto ouviram (espero, sinceramente, que hoje em dia seja mais rara), traduz um dos maiores equívocos dos pais e educadores que adotam como lema. É lamentável que tantos pais ajam de acordo com esse modo de pensar e somente decidam tratar a criança “como gente” quando ela for “gente”, querendo dizer com isso adultos, ou quase. Então, na maioria das vezes, será tarde demais. A ruptura já terá acontecido. Os laços de amor, legítimos e espontâneos, já estarão envenenados pela mágoa e pelo ressentimento. As experiências indicam que são justamente aquelas crianças tratadas de igual para igual pelos pais que tendem revelar desenvolvimento intelectual mais elevado, maior originalidade, maior segurança emotiva e maior domínio sobre si mesmo, quando comparadas àquelas oriundas de famílias autoritárias, adeptas do “criança não tem querer”. As ordens e as proibições que se fizerem necessárias devem desde cedo serem explicadas e justificadas. Responder aos questionamentos infantil “por que não posso tal coisa” com frases do tipo: “porque não pode”, ou “porque não quero”, é rigorosamente uma violência e, sem dúvida, deseducadora. O pai ou a mãe devem exercer a autoridade e a disciplina calçados em sua convicção de que seu ponto de vista, em face de uma dada situação, é melhor para a criança. Deve sempre justificar e explicar suas razões ao filho(a), de forma 141


adequada às circunstâncias e a sua idade. Além disso, o ponto de vista da criança deve sempre receber dos pais a devida consideração. E os pais devem ter maturidade e equilíbrio para rever sua posição se a lógica, o bom senso e a argumentação da criança assim o indicarem. É preciso ter em mente que não há sentido em exercer a autoridade pela autoridade, onde o que se pretende é somente mostrar quem manda. Nenhum valor possui a autoridade senão na mesma medida em que for exercida no sentido da vida da criança, de suas necessidades, de seu desenvolvimento. A rigor, somente cabem dois tipos de proibições: o que comprovadamente prejudique a saúde da criança ou que implique desrespeito e/ou prejuízo a terceiros. Cabe aqui um alerta: tendo se optado por manter determinada proibição, há que ter firmeza de sustentá-la, enquanto se acreditar que foi justo. A verdade é que – e esta é a minha própria experiência com meus filhos – pais que de fato amam e conseguem transmitir esse amor praticamente não precisam proibir nem mandar: simplesmente conversam e trocam ideias, e os filhos agem de acordo. O exercício sadio da autoridade e da disciplina deve, pois, basear-se no amor e no entendimento, de tal forma que seja livremente aceito e não imposto. Sem aceitação, o que há é o exercício da coação e da prepotência, baseadas na força e no medo. O respeito a tal disciplina desaparecerá tão logo desapareçam as condições dos pais de exercer a força e infundir o medo. Ou ainda quando estiverem por perto para exercêla. Não são de estranhar, pois, a violência e a contestação dos filhos em relação aos pais, tão logo a força destes não mais possa se empregar e o temor desapareça. Compreendo a angústia e a ansiedade dos pais com a “educação” e a “formação” de seus filhos, mas vejo com muita tristeza quanto os deseducam. Se simplesmente os amarem e respeitarem, as coisas fluirão naturalmente, tudo a seu tempo. A esse respeito, permito-me transcrever uma imagem comparativa para descrever o processo de educar sem pressa, naturalmente, com respeito amor e paciência. Vamos fazer esta comparação com a montagem de um quebra-cabeças. “Suas partes parecem a princípio desconexas e até inconciliáveis; se no afã de encaixá-las, empregamos a força, de modo algum se obterá o ajustamento e, possivelmente, quebraremos ou deformaremos as peças. Mas quando com paciência, calma e inteligência, procuramos os elementos que se ajustam, descobrimos com agradável surpresa que eles se casam, entrosam e encaixam de modo perfeito e nos admiramos de como é tão facilmente possível armá-los”. O respeito aos filhos inclui também o respeito a suas aspirações, suas aptidões e seu projeto de vida. É muito comum e lamentável que os pais projetem, sobre os filhos e seu futuro, suas próprias expectativas e venham a cobrar deles, direta ou indiretamente, o que não conseguiram realizar. São pais que pensam estar criando os filhos para si mesmos, e não para o mundo. Na maioria das vezes, comparamos com os filhos dos outros. Por esse caminho, criam pessoas fracas e dependentes. O segundo elemento importante no exercício da autoridade com amor é a coerência. Não adianta nada, por exemplo, ensinar os filhos a não mentir se mentirmos para eles; tentar infundir-lhes respeito pelas outras 142


pessoas se os desrespeitamos ou aos outros, em nosso comportamento do dia-a-dia. Nossas fraquezas e dificuldades de agir conforme o nosso discurso devem ser honestamente passadas a nossos filhos. Mas eles devem perceber nosso genuíno desejo de acertar, ainda que erremos muito – e tenhamos a coragem de reconhecê-lo. Além de respeito e coerência, outros aspectos do nosso relacionamento com os filhos são também relevantes. São eles: Convivência – Conviver o maior tempo, desde a mais tenra idade, e extrair desse convívio um genuíno prazer é um elemento importantíssimo do amor. Tal convivência inclui, sem dúvida, a conversa e a intimidade, o conhecimento da pessoa que é o filho. É necessidade ter em mente que a dedicação ao trabalho e a necessidade de ganhar a vida não devem servir de pretexto para a ausência do lar nem transformar o filho em um estranho. É extremamente frequente, sempre que um delinquente juvenil é apanhado, ouvirmos dos pais algo como: “Esse menino sempre teve tudo, não posso entender como isso aconteceu”. Por esse “teve tudo”, não posso entender como isso aconteceu”. Por esse “teve tudo” entendam-se casa, comida, brinquedos, dinheiro, presentes, carro. Ainda na década de 60, um estudo levado a efeito nos Estados Unidos concluiu que “pais fracassados, que usam os filhos como escape para as suas dificuldades emocionais, jamais param, olham ou ouvem os filhos; nunca entenderam que paternidade é uma tarefa que exige tempo integral. Muitas pessoas que trabalham 80 horas por semana deveriam tentar algo diferente: retornar a suas famílias. Ao retornar seu papel como pais, poderão reformular suas vidas. É importante ganhar o pão de cada dia, mas ganhar mais dinheiro não deve destruir o processo de educar os filhos”. A sabedoria popular nos ensina, e com ela concordo em gênero, número e grau, não haver sucesso na vida que compense o insucesso na família. E quem coloca a família no compartimento de bagagem na viagem da vida escolhe o atalho mais curto para a infelicidade e a doença. Preocupemo-nos em gastar tempo com nossos filhos, não dinheiro. E que nesse tempo gasto com os filhos não seja entendido como tempo perdido, mas como um dos melhores usos que podemos fazer de nosso tempo. Evitar a superproteção – Muitos pais, principalmente mães, pretendem criar seus filhos em uma redoma, protegidos dos perigos do mundo. Acham que assim o fazem por amor aos filhos. Ledo engano. A superproteção, já vimos é também o biombo do desamor. É uma forma desses pais ou mães de compensar e conviver com o tremendo sentimento de culpa por não amar de fato os filhos. O crescimento e amadurecimento do ser humano passa necessariamente pelo sofrimento e pela dor. Passa pela consciência de que a vida e o mundo estão plenos de asperezas e dificuldades. Tentar esconder ou superproteger as crianças dos riscos e das dores implícitos no viver é não prepará-los para a vida, é contribuir para formar pessoas fracas, dependentes, medrosas e, por conseguinte, infelizes. É preciso ter em mente que a vida começa de novo a cada geração. Que cada um terá de viver – e aprender – com suas próprias experiências. Que, por mais que nos esforcemos, não conseguiremos transmitir a nossos filhos 143


efetivamente o que aprendemos em nossas próprias vidas. É, pois, deixá-los amadurecer de forma livre e espontânea. É necessário conviver maduramente com a doce amargura de vê-los crescer e partir. É necessário estimular sua iniciativa e também a assumir responsabilidades e riscos de acordo com a sua idade, e tolher, desnecessária e arbitrariamente seus movimentos. Contato físico – Uma das mais frequentes queixas dos filhos, quando permitem aflorar as mágoas que guardam dos pais, diz respeito à ausência de carinho físico. De quantos filhos e filhas já adultos ouvi, no meu consultório, lamentarem-se a pouca frequência ou às vezes até a frequência zero, com que seus pais os tocavam, abraçavam, beijavam. Não basta apenas acharmos e sentimos que amamos os filhos. É fundamental que digamos isso a eles com todas as letras e, ainda, que expressemos fisicamente este amor. A esmagadora maioria dos pais tem uma tremenda dificuldade de manter contato físico com os filhos, tão logo eles vão deixando de ser criancinhas. Em parte isso pode se dever à real ausência de amor. O mais provável, no entanto, é que o fator principal sejam as dificuldades do adulto de lidar com a própria sexualidade. Isso é particularmente verdadeiro na relação pai e filho. O tremendo receio – pavor, ousaria dizer – de que o filho homem venha a ser um homossexual leva a maioria dos pais a reprimir ao máximo a expressão física de seu amor. Este é, no entanto, um triste engano. Em todos os casos de homossexualidade masculina que conheço (conhecimento adquirido no consultório), a figura do pai é autoritária e/ou distante (não estou falando de distância devido ao período que está trabalhando), nunca meiga e terna. O relacionamento com o filho é, desde cedo, conflituoso, repressor e áspero, e não cúmplice e amigo. Uma criança que recebeu uma cota adequada de carinho físico de seus pais será certamente um adulto que gozará de uma prazerosa sexualidade e de grande capacidade de amar. A importância do bom-humor e otimismo – Este é um item habitualmente não muito levado em conta, mas que também encerra muita importância. Um ambiente familiar descontraído, onde se respire confiança e otimismo, passa necessariamente pelo bom ânimo dos pais, por sua atitude otimista diante da vida. Quando discutimos acima a respeito de não devermos esconder das crianças os riscos e dores inerentes à vida, pode ter ficado a impressão de que tal postura implicaria transmitir-lhes uma visão pessimista do mundo. Trata-se justamente de fazer o contrário. Temos de infundir-lhes o otimismo, e somente conseguiremos fazê-lo se formos, nós mesmos, otimistas. Percebam que não há aí nenhuma contradição, visto que, ser otimista não é achar que tudo dará certo e que a vida é um mar de rosas. Ser otimista é achar e sentir que a vida e a luta valem a pena, independentemente dos resultados. Até aqui demos grande importância a mãe e as suas relações com a criança, como fator de saúde ou doença, de felicidade ou infelicidade das pessoas. É possível que, nesta altura do campeonato, tanto o leitor como a leitora estejam perguntando: e o pai, como é que fica? Do ponto de vista biológico, o pai é, não tenho dúvidas, uma figura periférica. As fêmeas dos mamíferos e 144


também de algumas aves defendem e protegem suas crias com unhas e dentes, de forma instintiva e não ensinada. Os machos em regra geral nem sabem quem são seus filhos. É lícito supor, portanto, que exista na mulher um “instinto de maternidade”, mas que nada similar exista no homem. A paternidade, significando laços especiais e de amor entre pai e filhos, seria então fruto da cultura e da civilização, e não da biologia. Por cultural que seja, é inegável a grande importância psicológica da figura materna, principalmente a partir do oitavo mês de vida da criança, quando, conforme já vimos, vai o bebê tomando consciência que ele e a mãe são seres distintos e de que, além dele e dela, existem outras pessoas no mundo, entre as quais, o pai. Situar essa importância a partir do oitavo mês não significa que o pai não deva participar da vida e dos cuidados com o bebê logo desde o início, já nos primeiros dias. Muito pelo contrário, é extremamente desejável que assim o faça. Só há uma coisa que a mãe pode fazer pela criança, que o pai não pode: amamentá-la. Fora isso, e mesmo na inexistência de um instinto biológico de paternidade, o pai pode e deve cercar o recém-nascido de tanto carinho e amor como o faz a mãe, além de compartilhar com ela os encargos e cuidados. Essa participação precoce do pai na vida da criança amenizará, e muito, certamente, a percepção dele pela criança – em particular, mas não exclusivamente, se do sexo masculino – como um estranho que entra em cena tardiamente para disputar o amor da mãe. E facilitará, por conseguinte, sua integração no mundo afetivo do filho. Embora, do ponto de vista psicológico, a figura paterna tenha grande importância para a menina, inclusive como fonte de valorização de sua feminilidade, a relação com o menino parece mais complicada e, portanto, fonte maior de distúrbios. A problemática edipiana é, já o dissemos, mais acentuada, como regra entre pai e filho que entre mãe e filha, embora esta seja também “uma relação delicada”. Como consequência, as relações de hostilidade e a competição entre pai e filho costumam ser, não só mais frequente, como também mais intensas e de mais difícil solução. Entra em cena aqui como agravante a questão cultural. Sob o prisma cultural, três aspectos devem ser considerados. O primeiro diz respeito à falsa concepção de virilidade, que afasta o pai do contato físico e da intimidade com seu filho. Não conversam ou conversam assuntos de ordem prática; não se conhecem. Não se tocam. Ao contrário do que ocorre entre mãe e filha, aqui a cumplicidade é difícil de se estabelecer, o carinho físico é raro ou, mais frequentemente, inexiste de todo, a exteriorização dos afetos é acanhado, tímido, reprimido. O segundo aspecto a considerar é o papel de autoridade e repressão que ainda cabe ao pai em nossa cultura. As relações de amor são, a meu ver, incompatíveis com o exercício de poder e do mando. Cria-se assim uma contradição incontornável, geradora de ambivalência, de sentimento de culpa, de ressentimento. Além de fonte de autoridade e de poder, nosso padrão cultural confere ao pai também a função de provedor e exige dele o sucesso a qualquer preço. Na ânsia de alcançar esse equivocado sucesso, distancia-se o homem de seus filhos e família. Esse modelo de pai autoritário, severo, provedor do ponto de vista material, mas distante emocionalmente, está evidentemente agonizando. Aqui e acolá ainda encontramos alguém, mas já é raro, ao menos nos centros 145


urbanos mais desenvolvidos. Mas se o modelo antigo está morrendo, o novo ainda não se achou. Repete-se aqui a mesma situação que desenhamos para o novo perfil da mulher, em suas relações com os homens. Na busca desse novo modelo de pai, tanto quanto nas dificuldades de lidar com a nova mulher, os homens atuais me parecem perdidos e atarantados. Podem até conformar-se em abrir mão do poder e da autoridade inconteste; aceitam, com maior ou menor relutância, compartilhar as tarefas caseiras. Com bem maior dificuldade, conseguem conviver com uma mulher que ganhe mais e/ou tenha mais prestígio que ele. Mas, em sua maioria, não estão conseguindo estabelecer com seu filho homem os laços de cumplicidade e ternura (inclusive física) que são a essência do amor. É interessante observar, que o mesmo homem que se mostra assim incapaz com relação aos filhos não será, em regra, com relação ao neto. A este ele conseguirá amar e demonstrar esse amor, inclusive do ponto de vista de proximidade física, de uma forma incondicional, desprendida, leve, solta, genuína. E a única explicação plausível para o fenômeno é que este, o neto, nunca foi visto nem sentido como competidor e rival; nunca disputou com ele a mesma mulher; não precisou ser objeto do exercício de seu poder. As tentativas desse novo e perdido pai de aproximar-se do filho homem, de acumpliciar-se com ele, de amálo de fato e expressar esse amor, têm esbarrado em suas barreiras interiores, no remorso da ambivalência, da rejeição e do afeto reprimido, em um equivocado conceito de virilidade. Concluindo, espero ter deixado claro a enorme importância do amor para nossos filhos e o quanto é difícil, em face de nossas próprias limitações, nossa maior ou menor (in)capacidade de amar de fato, transmitir a eles a certeza desse amor. Espero também ter conseguido, respeitados o ponto de vista e a situação individual de cada leitor, transmitir os aspectos que, a meu ver, são fundamentais para contornar tais dificuldades. Espero sobretudo ter deixado claro que, da natureza das relações de amor que mantivemos com nossos filhos dependerá em grande parte nossa saúde e, não menos importante, a saúde do mundo e da humanidade. Espero ter deixado claro depender exclusivamente de nós, do amor que transmitimos, o êxito ou o fracasso, o sucesso ou a derrota, na doce tarefa de fazer de nossos filhos pessoas felizes. É preciso que nos convençamos de que não nos compete formar a personalidade dos filhos e sim criar condições favoráveis e ajudá-los a desenvolver sua própria personalidade e ser pessoas felizes, à sua maneira. É preciso bom senso e equilíbrio. Mas é preciso, sobretudo, “ter espírito largo, vista larga, coração largo, de modo a que coloquemos o fundamento, em nossos filhos, de coragem para a vida e não covardia. Devemos contribuir para que sejam alegres, e não azedos; confiantes e não pessimistas; fortes e não fracos; bons, porque acreditam na bondade, e não ressentidos contra todos, porque ressentidos consigo mesmos. Eu nunca soube de uma pessoa feliz, que tivesse se tornado criminoso. Pensemos nisso!

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A INFLUÊNCIA DO AMOR E CASAMENTO NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE Tudo o que todos nós queremos na vida é amor e aconchego. E considero a família como fonte maior desse amor e aconchego. Ora, fica óbvia a relação que há entre saúde e a família. O estabelecimento dessa relação não sou eu que inventei, nem é uma mera suposição. Se não bastassem os vários autores, médicos, psicanalistas e psicólogos que desde há muito a proclamam, os fatos estão aí para comprová-la. Todos os que se ocupam de doentes graves sabem da importância de um meio familiar saudável como mola propulsora de sua recuperação. A existência de um vínculo afetivo familiar sólido com cônjuge e filhos desempenha um relevante papel terapêutico. A consciência por parte do doente de que há alguém por quem sobreviver ou alguém vivendo para ele confere-lhe forças para lutar. A vinculação entre família e saúde não se resume apenas no auxílio que presta na recuperação dos pacientes. Há também seu efeito profilático, isto é, o papel de evitar que as pessoas venham a adoecer. A importância de um saudável ambiente familiar não se reflete apenas sobre a saúde dos cônjuges. Também os filhos – e talvez sobretudo eles – sofrem sua influência. É o amor e a segurança que a criança recebe dos pais nos primeiros anos que lhe conferirão a segurança interior que resultará na capacidade de amar a si, aos outros e à vida e, portanto, constituir uma pessoa feliz e saudável. Parece fora de dúvida, portanto, a importância da família para a saúde das pessoas. Ocorre que infelizmente, na grande maioria dos casos, ao menos em nossa época de mundo digital e cultura globalizada, essa influência tem sido mais negativa que positiva. Ou em outras palavras: a intensidade, frequência e disseminação dos conflitos familiares têm transformado a família, lamentavelmente, em fonte de doença e não de saúde. Desde há alguns anos, tenho me tornado um observador atento da dinâmica familiar dos que me são próximos e, em especial, de meus clientes. E tenho observado, com as exceções suficientes apenas para confirmar a regra, que dificilmente deixam de haver sérios conflitos familiares como pano de fundo do processo de adoecimento das pessoas.

A crise do casamento Infelizmente, a dolorosa realidade em relação ao casamento nos mostra a dificuldade, a quase impossibilidade, das pessoas de conseguir que o amor sobreviva ao casamento. Para o psicanalista italiano C. Caligaris o casamento feliz e duradouro simplesmente não existe em lugar nenhum. O que chamamos de um casamento “normal” é, em geral, uma catástrofe: “corresponde a um cotidiano feito de sadismo e sadomasoquismo morais, muito mais que sexuais, cheios de pequenos atos de silêncio da sala de jantar e nos barulhos da cama. Não há, de minha parte, intenção de discutir aqui em profundidade as razões pelas quais é tão difícil, ou talvez impossível, haver um casamento duradouro que seja de fato feliz e enriquecedor para as ambas as partes. Não posso nem quero, no entanto, fugir à tentação de abordar, mesmo que superficialmente, os pontos 147


em que, a meu ver, se assentam tais razões. Em primeiro lugar, há diferenças básicas – psicológicas e biológicas – entre homens e mulheres que sem dúvida, possivelmente, mais separam do que unem. Em segundo lugar, porém não menos importante, há as dificuldades psicológicas individuais. Ou, em outras palavras, cada um tem suas próprias neuroses, as quais, se já dificultam ao indivíduo viver em paz consigo mesmo, mais dificuldades ainda trarão para a vida a dois. É comum ouvirmos dizer que o casamento é uma “complementação de neuroses”, o que em grande parte é verdadeiro. Ocorre que, se por um lado esse “encaixe de neuroses” contribui para manter o casal unido de forma doentia, como se as neuroses de cada um fossem os dois lados de uma algema, por outro a intensidade do sofrimento que provoca pode empurrar um ou, mais raramente, ambos os cônjuges para fora da relação. O terceiro ponto diz respeito ao fim da paixão. Vimos que não nos apaixonamos por alguém real, de carne e osso, mas sim por alguém que idealizamos. Vimos também que a paixão não é duradoura, a menos que algum obstáculo se interponha a sua consecução. Como, em regra, o casamento significa justamente o fim de quaisquer obstáculos, implicará forçosamente a morte da paixão e, por conseguinte, da idealização. Os cônjuges deparam-se, então, com o outro tal como de fato é, e não como imaginavam que fosse. Explica-se assim a enorme frequência da queixa “Fulano (ou Fulana) mudou muito”, que tanto tem servido para justificar o fim do casamento. Não há dúvida, certamente, de que as pessoas de fato mudam com o passar do tempo, e é salutar que assim seja. Mas, a despeito da mudança real, o que parece predominar na desilusão com o parceiro é a morte da idealização. Porém a questão da mudança real nos conduz ao quarto ponto fraco do casamento: a época em que se dá a escolha do parceiro. Habitualmente, e para ambos os sexos, tal escolha se dá entre os 20 e os 30 anos de idade. Ora, esta é em geral uma fase da vida em que ainda não nos encontramos, isto é, não amadurecemos ao ponto de uma plena aceitação de nós próprios, de estabilização interior. Como consequência, tendemos a nos ligarmos a pessoas muitos diferentes do que somos, com atributos que gostaríamos de ter e não temos. Com o amadurecimento e à medida que a pessoa tende a desenvolver-se e a evoluir na direção de uma maior aceitação de si mesmo, a situação muda. Passamos a buscar alguém mais parecido conosco, mais próximo de nossos valores e da nossa maneira de ser. Não é de estranhar, portanto, que os casamentos realizados por volta e após os 35 anos tenham muito mais chances de ser casamentos melhores. A última das razões que vejo para a crise que atravessa o casamento contemporâneo é, creio, a de maior importância e peso: a emancipação da mulher. Durante séculos e até poucas décadas, a posição subalterna e dependente da mulher, seu conformismo, sua falta de expectativa e horizontes propiciou um “arranjo” que aparentemente funcionava bem: o homem mandava, ela obedecia: o homem tinha amantes, ela as aceitava e, como regra, não pensava em “devolver a traição”. O homem era, de fato, o “amo e senhor”, o “chefe” da família. Ela, a “rainha do lar”, não passava, na maioria das vezes, de uma criada de luxo, à qual o marido recorria para o sexo, pouco se importando se ela o desejava e/ou gostava. 148


Esse tipo de casamento de fato durava muito e raramente acabava. Mas era e é – pois ainda os há assim – extremamente pobre, e totalmente incompatível com os anseios mínimos de quem quer que tenha efetivamente crescido interiormente, sejam homens ou mulheres. A nova postura feminina, as expectativas que as mulheres passaram a acalentar em uma relação mais plena de cumplicidade, intimidade e respeito recíproco; sua ascensão profissional e independência financeira (cada vez mais há casais onde os rendimentos da mulher superam os do marido), as cobranças no campo da sexualidade, o desenvolvimento intelectual – tudo isso, em conjunto –, se por um lado deixou as próprias mulheres confusas, confundiu muito mais a cabeça dos homens. E deixou nu, mais do que nunca, a fragilidade masculina e a falácia de sua pretensa fortaleza. A grande tragédia é que, como já se disse inúmeras vezes, destruiu-se o modelo antigo e não se encontro um novo. “Perdemos, homens e mulheres, o caminho de casa”, e até achar de novo um rumo vamos penar bastante.

Vale a pena tentar Costuma-se dizer que a democracia é uma instituição falha e imperfeita, mas a humanidade ainda não encontrou outro regime melhor para viver. O mesmo se aplica ao casamento. Por falho, inadequado e pouco funcional que nos pareça, ainda é a melhor solução de que dispomos para a geração e criação dos nossos filhos e para preencher nossa necessidade de aconchego, amor e segurança. Sendo assim, deve se empenhar todo esforço, me parece, na tentativa de fazê-lo funcionar e ser fonte de paz e tranquilidade, e não de sofrimento e angústia. O primeiro passo, neste sentido, é uma adequação das expectativas. Não se pode pretender do casamento um mar de rosas e uma perene sensação de bem-estar. A primeira expectativa a enquadrar na realidade diz respeito à perenidade do amor. O amor-paixão, romântico, é, já vimos passageiro. A paixão “cansa e pesa”. O importante é, no peneirar dos sentimentos, não deixar de estar atento, de forma que o amor sobreviva ao crepúsculo da paixão. O amor sobrevivente será, contudo, necessariamente um amor diferente. Com a atenuação do desejo físico, motor da paixão, o que se deve tentar preservar é o amor companheiro, o bem querer no sentido literal da expressão, a admiração e respeito recíprocos, a gostosa sensação de ternura e aconchego, a vida sexual que, despida da urgência e da febre da paixão, traz consigo o tranquilo e gostoso prazer dos caminhos já conhecidos, da intimidade, da possibilidade de esquecer as representações e as defesas. Ditas assim, as coisas parecem simples. Mas poucos, infelizmente, se é que os há, são os casais que conseguem de forma duradoura alcançar esse estado. Embora cada caso seja um caso, e não caiba, portanto, falar em regras, existem alguns pontos que, a meu ver, são fundamentais na tentativa de lograr um casamento prazeroso. São eles:

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Investir na relação – Para que um casamento possa funcionar, necessário se faz que ambos os parceiros tenham o casamento e seu e seu êxito como o aspecto mais importante de sua vida e merecedor, por conseguinte, de atenção e cuidados. É ilusão pensar que a relação prossegue sozinha, sem ser deliberada e cuidadosamente cultivada, ou ainda, que possa ficar aos cuidados de um só dos parceiros. E a doce arte de cultivar o amor não é tarefa para de vez em quando, ou tão somente para ocasiões especiais. É feita das pequenas atenções do dia a dia e, principalmente, de grande dose de respeito recíproco. Comunicação – Especialistas no assunto dizer, e com eles concordo, que o casamento começa a desabar quando a comunicação verbal entre os cônjuges começa a declinar. Barreiras nessa comunicação, ou a inexistência dela, representam um fator mais importante até que o próprio entrosamento sexual para o sucesso da relação. A comunicação entre os cônjuges, inclui-se uma gama variada de situações. A primeira delas refere-se à necessidade da clara verbalização, por parte de cada um, do que quer e do que lhe aborrece na relação. O comum é que uma das partes se aborreça com algum fato, atitude ou maneira de ser do outro, ou anseia por alguma coisa que o outro faça e não diz claramente. Espera que ele compreenda e entenda seu silêncio, ou entenda as mensagens subliminares que pensa estar enviando. Quando isso não acontece, o que é muito comum, aquilo que era apenas algo que incomodava se transforma em mágoa e ressentimento. O casal entra então em um jogo inconsequente e altamente destrutivo, uma conta corrente de mágoas não comunicadas e de mútua retaliação. Dessa maneira, um deles diz a si mesmo: “Você me aprontou esta manhã; à noite, ou na próxima vez, você me paga”. E o que paga, à noite, na cama ou fora dela, muitas vezes nem sabe o que está pagando. Esse progressivo acúmulo de ressentimentos envenena qualquer relacionamento, conjugal ou não, e acaba com qualquer casamento. No contexto das dificuldades na comunicação, quase tão importante quanto um tentar comunicar o que sente é o esforço da parte contrária para, de fato, captar o que o outro quer dizer. Isso é crucial quando das inevitáveis discussões conjugais. Para exemplificar de maneira prática a dificuldade, nessas ocasiões, de ouvir o que o outro diz, sugiro a experiência de gravar uma discussão conjugal e, passada a crise, ambos ouvirem a fita. O casal verá, diz ele, que se travou um verdadeiro diálogo de surdos, onde um não parecia ouvir, ou de fato não ouviu mesmo, o que o outro estava querendo dizer. A importância da comunicação não se restringe apenas à exteriorização dos sentimentos negativos. Também os positivos devem ser expressos, da forma mais clara possível e também verbalmente. Isso inclui dizer ao outro, com todas as letras, o quanto o ama e a importância dele(a) em sua vida. Nesse particular, os homens são mais contidos que as mulheres, raro sendo aqueles que, mesmo amando, têm coragem de verbalizar claramente esse sentimento junto à mulher amada. Tanto com relação ao elogio quanto à exteriorização verbal do sentimento amoroso referida acima, é fundamental a observância de duas regras de ouro: sinceridade e oportunidade. Elogiar o que de fato não apreciamos, assim como dizer a alguém que o(a) amamos sem na realidade o fazer, além de ser uma maldade, 150


é contraproducente e resultará certamente em agravos à relação. É melhor, nessas circunstâncias, ficar calado. Quanto à oportunidade, embora de muito menor relevância que a sinceridade, é também de grande valor. A Bíblia diz que “maçãs de ouro com enfeite de prata, é a palavra falada em tempo oportuno”. Nesse sentido, o da oportunidade, o leitor pode talvez estranhar a observação acima de que o elogio é melhor ainda quando pronunciado na presença de terceiros. Isso não significa que não seja valoroso e bemvindo na intimidade, mas será mais apreciado ainda se testemunhado. “É inteligente e bem pensado o marido deixar os outros perceberem que ele ama e aprecia a esposa” ou vice-versa. Observa-se nos casamentos que “deram certo” um claro desejo de ambos os cônjuges de testemunhar publicamente em favor do companheiro. “Quando um marido e mulher ocasionalmente se elogiam em público, e de modo explícito, provavelmente nada de ruim deverá acontecer com este casamento” – desde que evidentemente respeitada a regra de ouro da sinceridade. Respeito à individualidade – O sentimento de posse, embutido no relacionamento amoroso e a disputa pelo poder que a partir daí travam os cônjuges constituem também um sério entrave à felicidade conjugal. Cometem um grave equívoco os que vêm como uma relação bem-sucedida aquela na qual os cônjuges tudo fazem juntos, em que as expectativas, os prazeres, as amizades, os espaços de um sejam necessariamente os mesmos do outro. A relação ideal e adulta é, ao contrário, a que permite a cada um o espaço para crescer e desenvolver-se na direção das suas potencialidades. É aquela na qual se concede, a cada parte, o direito de ter e viver sua própria vida, sem prejuízo da vida em comum que tem com a outra. “Em qualquer relacionamento em que duas pessoas se tornam uma, o resultado final será duas meias pessoas”. O nó da questão aqui é que, como regra, um dos cônjuges apenas se anula e passa a viver a vida do outro. Esse é um tipo de arranjo que, evidentemente, não será duradouro e, se for duradouro, certamente não será satisfatório. Costumo dizer que o amor tem laços, não grilhões, e que a ninguém cabe a pretensão, e muito menos o direito, de se arvorar em senhor e dono da vida de outra pessoa. A guerra pelo poder que se instala na esfera conjugal – e dificilmente haverá casal que consiga liberta-se dela por inteiro – nada mais é que o reflexo da disputa pelo poder nas relações entre homens e mulheres, mesmo que não casados, e nas relações humanas em geral. “O poder cria uma ilusão de que se é alguém” e sua necessidade, embora comum a todos nós, conforme já destacamos, é tanto maior quanto mais fraca for internamente a pessoa. E quanto mais fraco for internamente alguém, menor será sua capacidade de amar. A disputa pelo poder nas relações homem/mulher é, pois, desfaz todo o amor construído. O amor que de fato é amor, que é o transbordamento, para o ambiente e para outra pessoa, do bem-estar que alguém traz dentro de si, o amor de alguém que amadureceu e cresceu como gente, esse, o amor verdadeiro, não aprisiona o ser amado. Não aspira a submetê-lo. Não quer fazê-lo à sua imagem e semelhança. Realiza-se e regozija-se, na verdade, com a liberdade e o crescimento do ser amado. 151


O respeito pela individualidade de cada cônjuge encerra um aspecto eminentemente prático, mas de grande significado simbólico: a questão do espaço físico na casa. O modelo de casamento com que convivemos na classe média, onde marido e mulher compartilham, obrigatoriamente e ao longo dos anos, o exíguo espaço de um mesmo quarto e um mesmo leito compromete, e muito, o fundamental direito de cada um à privacidade. Ao desejo de adormecer absolutamente solitário com seus pensamentos, de ver televisão ou de ler, sem ser importunado ou sem importunar ao outro. As questões de ordem prática do espaço físico e os conflitos que gera, encerram, como disse, importante significado simbólico, relacionado à necessária defesa de nosso “espaço psicológico”. À necessidade de ter “nosso lugar” e estabelecer o limite para a “invasão do outro no nosso interior”. A percepção do desconforto que a excessiva e constante proximidade física gera tem levado inúmeros casais, particularmente entre os segmentos sociais economicamente mais favorecidos, a promover algum grau de separação física, mantendo intatos, no entanto, os laços conjugais. A magnitude dessa separação física varia desde a simples separação das camas até o extremo de separar as casas, passando antes pelos quartos separados. O que até há pouco tempo era tido como exemplo de um casamento falido – quartos separados – pode ser visto hoje, ao menos em alguns casos, como evidência de uma relação sadia, na qual se preserva a privacidade sem comprometer a intimidade e a força da relação. Como esse tipo de solução somente é possível a muitos poucos – por razões de ordem econômica, principalmente, mas também psicológicas e emocionais –, todo esforço deve ser feito no sentido de respeitar o desejo de privacidade de cada um, mesmo em espaço físico restrito. A cumplicidade – A sensação de cumplicidade entre marido e mulher diante dos outros e da vida me parece a pedra angular de uma relação viva e prazerosa. Essa sensação inclui a certeza de poder contar com o outro, haja o que houver. Inclui o partilhar de experiências, expectativas e anseios; inclui a tranquilizadora segurança de poder se mostrar ao outro tal como se é, sem máscaras, sem fingimento, sem defesas. Relação cúmplice e rica é aquela na qual se “descansa” e se relaxa, não a que tensiona e angustia.

Quando a separação é inevitável Vivenciar um casamento e uma vida familiar feliz é, já o disse, de extrema relevância para a saúde e felicidade das pessoas. Esforçar-se para que tal seja possível e ter esse objetivo como o mais importante na vida é perfeitamente recomendável e desejável. Há ocasiões, porém, em que todas as tentativas e esforços foram feitos sem lograr êxito, então é preciso reconhecer que “não dá mais” Vivenciar e conduzir ao longo da vida um casamento irremediavelmente falido, fonte permanente de tensão e angústia, é o caminho certo para a doença. Lamentavelmente, é grande, muito grande mesmo, provavelmente a maioria, o número de casais que vivenciaram por toda uma vida um casamento desse tipo. São unidos como que pelo ódio, pelo “encaixe perfeito das neuroses”. O que os mantém juntos não é o amor. 152


Longe disso, o que os mantém juntos é o medo. A maioria dos casamentos são sustentados pela presença de um vínculo legal, filhos, dependência econômica e a pressão do grupo social. Para mim, no entanto, sem negar a influência desses fatores, o fundamental é o medo que as pessoas têm de enfrentar a mudança e o desconhecido. E por isso se acomodam. Acomodam-se por medo de sofrer e condenam-se, paradoxalmente, a sofrer por toda a vida. Convivem com um triste e amargo cotidiano, repleto de maldosas indiretas e observações, pleno de rancores nunca expressos ou expressos pela metade, cheios de silêncios e vazios. Verdadeiros celeiros de mesquinharias e maldades. Às vezes, a acomodação e o medo recorrem a um outro caminho para conviver menos traumaticamente com esse inferno: o casal finge que está tudo bem. Estabeleceram um pacto não escrito e não verbalizado, por força do qual ambos sabem que o casamento, de fato, está em crise ou até acabou, mas fazem de conta que está tudo bem. Tão morta está a relação, que nem ânimo para brigar esse casal tem. Talvez com menos clareza, essa solução é tão ou mais nociva que a outra. É preciso, pois, ter a coragem da mudança, de mudar o casamento, se ainda for possível. Ou de oficializar e reconhecer o seu fim, se já está irremediavelmente destruído. INFLUÊNCIA DA RELIGIOSIDADE E DA ESPIRITUALIDADE NA MANUTENÇÃO DA SAÚDE

A religiosidade e a espiritualidade vêm sendo claramente identificadas como fatores protetores aos problemas psicológicos, nos diversos níveis, que podem acontecer no curso da nossa existência. Estudos têm apontado para evidência de que as pessoas que frequentam regularmente um culto religioso ou a missa, que dão relevante importância à sua crença religiosa, ou ainda que praticam, no cotidiano, as propostas da religião professada, apresentam menores índices de problemas psicológicos, físicos, sociais e profissionais. Além disso, os que já adquiriram apresentam melhores índices de recuperação quando seu tratamento é permeado por uma abordagem espiritual, de qualquer origem, quando comparados a outras pessoas que são tratados exclusivamente por meio médico.

NÍVEIS DE CONSCIÊNCIA

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1) A sombra – Aqui o homem têm seu Self distorcido, ele aliena várias porções da Psiquê em detrimento de alguma que causa incongruência. É um nível negativo e patológico. 2) Ego – É o nível superficial da consciência, onde o homem se identifica com uma imagem criada, seu self indivídual, sem se interessar profundamente em questões sociais ou ecológicas, ou seja, pensando em si próprio. 3) Biossocial - Neste nível o homem tende a ter uma preocupação com o outro, enxergando também o que o rodeia. Ele aceita uma responsabilidade perante os outros, e pelo ambiente natural. 4) Existencial - O homem encontra, neste nível, a ligação entre corpo/mente, que tende a auto-organização, é ligado a um alto grau de desenvolvimento e auto-atualização. É o grau perfeito para a filosofia e o humanismo. Emoção e razão se unem para o crescimento. 5) Transpessoal - Este é o nível mais profundo que, hoje em dia, consegue-se chegar. É um nível aproximado das experiências místicas, onde tudo está imerso no todo, mas não de uma forma linear, cartesiana. Os limites do Ego são ultrapassados. É possível entrar em contato com o inconsciente coletivo, entre outros fenômenos relacionados. Há quem diga que é possível fenômenos como pré-cognição e telepatia, mas estes não são considerados comuns ou científicos, pois estão dentro da parapsicologia, mas ainda assim são válidos dentro da teoria.

ESTA APOSTILA CONTÉM DOXOGRAFIAS INTERNET E BIBLIOGRÁFICAS

JORGE MACHADO  PSICANALISTA, TERAPEUTA EXISTENCIAL & DE RECURSOS HUMANOS (RPMT 01/3233, ESCRITOR.  ESPECIALIZADO EM DESENVOLVIMENTO PESSOAL, SOCIAL E PROFISSIONAL.  Graduado em Comunicação Social (Relações Públicas) pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro  Pós-Graduação em Psicopedagogia (latu sensu –In actu) Universidade Gama Filho  Cursos de extensão, curriculares e extra-curriculares em: Psicologia (UERJ & COMFAMA), Psicologia Social (UERJ), Antropologia (UERJ), Sociologia (UERJ), Filosofia (UERJ & COMFAMA), Marketing Social & Neuróbica.

 AUTOR DOS LIVROS: “FILOTERAPIA”; “EMPREENDEDORISMO – uma questão de vontade”; “ONTOARTE – A arte do ser”; “LIDERANÇA CRIATIVA”; “ALMAS GÊMEAS EXISTEM?”; “PREVENÇÃO DO BULLYING”; “PSICANÁLISE EXISTENCIAL”; ”PREVENÇÃO AO USO DE DROGAS”; “TEOTERAPIA”, entre outros.

Contato: celular (21) 966.754.759; e-mail jorgemachadorh@gmail.com


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