Anais IX Semana de Letras 2015

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Shirley de Souza Gomes Carreira Cátia Aparecida Vieira Barboza Organizadoras

ANAIS DA IX SEMANA DE LETRAS Estudos Linguísticos e Literários: Pontes Dialógicas

10 e 11 de novembro de 2014

1ª Edição Nilópolis

2015


Copyright © 2015 Shirley de Souza Gomes Carreira & Cátia Aparecida Vieira Barboza (Org.) Editor: UNIABEU – Centro Universitário Projeto Gráfico e Editoração Eletrônica: Shirley de Souza Gomes Carreira. DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO DA PUBLICAÇÃO (CIP)

C314s

Semana de Letras (10. : 2014 : Nilópolis, Rio de Janeiro). Anais da IX Semana de Letras: Estudos linguísticos e literários: pontes dialógicas da UNIABEU : Nilópolis, 10 e 11 de novembro de 2014 / 10. Semana de Letras ; Organizadoras: Shirley de Souza Gomes Carreira & Cátia Aparecida Vieira Barboza. – Nilópolis: UNIABEU, 2015. 86 p. ; 21cm ISBN: 978-85-98716-10-7 Disponível para acesso online: www.uniabeu.edu.br 1. Estudos linguísticos 2. Estudos literários 3. Estudos culturais 4. UNIABEU I. Carreira, Shirley de Souza Gomes II. Barboza, Cátia Aparecida Vieira. III. Título CDD 378.981

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário Luís Cláudio Borges CRB7/6309


SUMÁRIO

Apresentação

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Programação e Resumos

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Textos Completos

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1. Genbaku – Performance

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2. Análise e resumo dos conteúdos transculturais e transdisciplinares para estudo das respostas do ENADE

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3. Nelson Rodrigues e aspectos da indústria cultural

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4. Perspectivas empíricas sobre a leitura literária: reações à leitura em língua portuguesa e em língua inglesa

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5. O teatro de Dias Gomes: do herói ao bode expiatório

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6. Apontamentos sobre o Realismo Fantástico ou Mágico na Literatura Brasileira: análise de obras de Moacyr Scliar

64

7. A Comunicação dos Surdos: o desafio do bilinguismo frente ao oralismo

74

8. Gêneros textuais e ensino de literatura

84

9. O fantástico na literatura contemporânea

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APRESENTAÇÃO

É com satisfação que apresento uma nova publicação do curso de Licenciatura em Letras do UNIABEU – Centro Universitário. Os Anais da IX Semana de Letras com o tema, Estudos Linguísticos e Literários: Pontes Dialógicas trazem contribuições dos participantes do evento que teve como objetivo promover o diálogo interdisciplinar a fim de ampliar a experiência acadêmica de nossos discentes.

Pensar em Letras é pensar em palavras e signos e na forma como representamos nossas ideias e nos comunicamos usando o discurso. Iniciamos nosso encontro, indo além das palavras através da arte da expressão corporal com a performance “Genbaku” que comunicou por gestos e dança de forma teatral várias emoções do horror e da superação dos que vivenciaram os horrores da bomba atômica. Também contemplamos nesta edição temas de relevância acadêmica como o ENADE, o Teatro de Dias Gomes e Nelson Rodrigues, Machado de Assis, o realismo fantástico, a comunicação dos surdos, aspectos do ensino de língua estrangeira ligados ao Pibid-Uniabeu entre outros temas que reforçaram as possibilidades de pesquisa e ensino na área de Letras. O evento também comemorou os 10 anos de existência do curso de Letras, cujo primeiro vestibular ocorreu em dezembro de 2003, para o funcionamento inicial em 2004.1, no Campus 1 (Belford Roxo). Com a implantação da Escola Superior de Formação de Professores no Campus 2 (Nilópolis) para funcionamento inicial em 2007.1, o curso foi gradativamente transferido para onde funciona atualmente. Ao longo desses dez anos, o curso contou sempre com um corpo docente envolvido nas propostas, que solidificou nossa presença como uma instituição de pesquisa e ensino que até hoje se destaca através de seus egressos que


6 sempre procuram dar continuidade à vivência acadêmica adquirida na graduação. Deve também se destacar o trabalho dos coordenadores que contribuíram nessa caminhada. A Profa. Cláudia Fabiana de Oliveira Cardoso, que plantou a semente de ideias e projetos, e o Prof. Edson de Siqueira Estarneck, que ampliou o plano inicial e adicionou sua pitada de ousadia sem perder o equilíbrio. Com a certeza de que temos muito a oferecer aos nossos discentes, agradeço aos que colaboraram com nossos dez anos de existência e reafirmo a importância das licenciaturas para a sociedade. Faço uma menção especial aos que participaram da IX Semana de Letras e aos que colaboraram na concretização de mais uma publicação que oferecemos à comunidade acadêmica. Cátia Aparecida Vieira Barboza


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PROGRAMAÇÃO E RESUMOS


10 DE NOVEMBRO, SEGUNDA-FEIRA

ABERTURA 19h – 19:30h Genbaku Resumo: 原爆 é um projeto performático baseado nas premissas de expressão corporal estabelecidas a partir do butô, gênero híbrido de dança-teatro que nasceu no período pós Segunda Guerra, no Japão. A apresentação tem como título Genbaku, (que significa Bomba Atômica), tem por objetivo fazer uma releitura da performance “Bomba”, apresentada na JIC -2013 (UFRJ). A performance visa, antes de mais nada, prestigiar o evento, oferecendo aos participantes e interessados a possibilidade de assistir uma apresentação prática do butô. Acredita-se ser de extrema relevância a interdisciplinaridade entre dança e teatro, literatura e estudos da língua. Catherine de Souza Medeiros Alves (UFRJ) AUDITÓRIO 1

PALESTRAS 19:30h – 21:30h 1. Análise e resumo dos conteúdos transculturais e transdisciplinares para estudo das respostas do ENADE Resumo: As instituições, gestores e professores buscam o aprimoramento das avaliações de aprendizagem, e a contribuição dos graduandos de diferentes cursos, nos estudos e nas provas, são fundamentais para o resultado que definirá a qualidade do ensino que receberam das instituições formadoras. O objetivo de nosso trabalho é o de analisar qual o tempo que o graduando dedica às questões do ENADE, e qual a sua avaliação sobre a importância dessas respostas para a sua formação. Justificativa: dois membros dessa pesquisa participaram da prova do ENADE 2011 como concluintes da 2ª graduação, e buscam nessa experiência positiva, contribuir, para o esclarecimento do acadêmico que ainda tem dúvidas sobre o contexto de uma avaliação de nível nacional onde, os conteúdos transdisciplinares e transculturais se farão presentes. Palavras-chave: Transcultural, Transdisciplinar, Estudo, Avaliação. Profa. Ms. Christiane Maria Costa Carneiro Penha (UNIABEU) Prof. Ms. Antonio Ricardo Penha (CHPenha Projetos Educacionais)


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Sala: AUDITÓRIO1

Vagas: 70

2. Perspectivas empíricas sobre a leitura literária: reações à leitura em língua portuguesa e em língua inglesa Resumo: O objetivo desta palestra é falar sobre aspectos cognitivos e emocionais da resposta de leitores à leitura de trechos de obras literárias originais em língua inglesa e dos mesmos textos traduzidos para a língua portuguesa. Demonstra-se através deste estudo aspectos que podem auxiliar na formação de uma proposta pedagógica que ajude a compreender o que torna os leitores mais efetivos. Palavras-chave: linguística aplicada; leitura em LM e LE; empírico; emoção. Profa. Dra. Cátia Aparecida Vieira Barboza (UNIABEU) Sala: 213

Vagas: 41

3. O teatro de Dias Gomes: do herói ao bode expiatório Resumo: Alfredo Dias Gomes ficou muito conhecido pelas suas telenovelas na TV brasileira, e também, ou justamente por esse motivo, banido de certa forma da literatura brasileira: escritor, novelista, dramaturgo, comunista, subversivo. Dono de um espírito crítico incomparável que fez do incômodo uma arte, a sua literatura. Sempre inquieto e preocupado em achar uma razão para estar vivo; a obra que nos deixa aponta para esta urgência de escrever, relatar, se queixar, denunciar, de colocar o dedo na ferida. Suas principais obras serão postas em evidência como a hipocrisia religiosa em O Santo Inquérito e O Pagador de Promessas; A Invasão com a questão do déficit habitacional no Brasil; etc. A genialidade desse grande dramaturgo ficou ainda mais evidente quando as críticas contundentes que continuou a fazer ganharam a suavidade da comédia através do discurso de personagens muito bem construídos como Odorico Paraguaçu, de O Bem-Amado. Falaremos também de As primícias, o Berço do Herói, O Túnel, Derrocada e muitas outras. Palavras-chave: Dias Gomes, Teatro, tragicomédia. Prof. Leandro Braga di Salvo (Mestrando/UFRJ) SALA: 110

Vagas: 65

MESA REDONDA 1. Análise do discurso: contribuições para a reflexão sobre leitura e o processo de organização conversacional Resumo: Salienta-se, inicialmente, ser este um trabalho interdisciplinar de Língua Portuguesa e Exercício da Ação Docente. Objetiva-se, em Língua


10 Portuguesa, apresentar uma abordagem sobre leitura na perspectiva da Análise do Discurso, de acordo com Pêcheux. Visa-se a esclarecer não só as noções de sujeito, leitor e texto, bem como o processo de interação que constitui o ato de ler, ressaltando a importância de observar-se o confronto de sentidos. Para tal, elege-se o gênero crônica como objeto de estudo, especificamente a: “Subsídios para uma nova cartilha”, de João Ubaldo Ribeiro . Quanto à disciplina Exercício da Ação Docente, considera-se relevante demonstrar que a conversação é uma prática social muito presente na vida do homem e, para estabelecê-la, ele precisa, além de habilidade linguística, de outros recursos, como os não verbais e os paralinguísticos. A Análise da Conversação estuda esses recursos em momentos de interação real, inicialmente preocupando-se em descrever os processos de organização da conversação. Os textos escritos que reproduzem as conversas não são exatamente esses momentos, mas, muitas vezes, utilizam recursos muito sugestivos do processo de conversação empírico. Desse modo, pretende-se através de um texto literário_ a fábula “A formiga e a mosca”, de Fedro_ apontar sucintamente alguns desses expedientes usados pelo falante. Palavras-chave: Leitura; Conversação; crônica; fábula. Profa. Dra. Anete Mariza Torres Di Gregório (UNIABEU) Profa. Ms. Sandra Verônica Vasque Carvalho de Oliveira (UNIABEU) Sala: AUDITÓRIO 1Vagas: 200

MINICURSO 1. Writing: Paragraph by paragraph Resumo: This workshop aims to present some basic considerations about the process of writing a text as a task of theme expositions or of idea argumentations. Students write what comes to their minds without being concerned with what evaluators focus on the development of a good text in English and with the organization of it. Considering the stylistic ability of writers some tips will be exposed in order to inform some strategies about how to produce a text into the format required in proficiency exams. Palavras-chave: Writing, text organization, cohesion, coherence. Prof. Ms. Edson de Siqueira Estarneck (UNIABEU) Sala: 108Vagas: 45


11 11 DE NOVEMBRO, TERÇA-FEIRA PALESTRAS 1. Nelson Falcão Rodrigues: algumas reflexões sobre a sua escrita a partir de elementos de O beijo no asfalto. Resumo: Este trabalho tem como objetivo apresentar alguns elementos da obra de Nelson Falcão Rodrigues (1912-1980) a partir de uma pequena análise da peça O beijo no asfalto, a fim de apresentar o autor, como também falar sobre alguns elementos de tradição e de transgressão de usos e costumes em sua obra. Palavras-chave: Teatro, Literatura Brasileira, Modernidade. Prof. Dr. Anderson Figueiredo Brandão (UNIABEU) Sala: AUDITORIO 2 (sala 116)

Vagas: 70

2. Machado de Assis: uma questão de Escola Resumo: A produção literária de Machado de Assis é marcada pela reflexão acerca do fazer literário. Nesta palestra, mostraremos que seus romances não podem ser enquadrados em nenhuma Escola literária, o que torna Machado um escritor que transcende “seu tempo e espaço”. A partir de uma leitura poética de seus nove romances, temos por objetivo questionar a limitação estética proporcionada pela periodização escolástica. Ao pensarmos a arte desta forma, procuramos observar o rendimento estético da obra, menos como atenuante para as dores da vida do que como aspecto potencializado justamente pela entrega a especulações sobre o que fazemos sobre a terra. Palavras-chave: Literatura brasileira, século XIX, Machado de Assis. Prof. Dr. Anderson da Costa Xavier (IFRJ) Sala: AUDITÓRIO 1Vagas: 200 3. Apontamentos sobre o Realismo Fantástico ou Mágico na Literatura Brasileira: análise de obras de Moacyr Scliar Resumo: As discussões sobre as relações entre realidade e ficção vigoram desde Platão. Autores como Erich Auerbach, Geörg Lukács e Luiz Costa Lima são alguns dos teóricos de literatura que desenvolveram importantes conceitos sobre a mímesis. Embora o realismo em literatura seja frequentemente relacionado aos séculos XVIII e XIX e às obras de autores como Balzac, Stendhal, Mann ou Machado de Assis, os conceitos de realismo se ressignificaram ao longo do século XX, e as relações entre literatura e realidade ainda suscitam importantes discussões. A partir das décadas de 1960 e 1970 no Brasil o termo realismo vincula-se ao gênero fantástico, surgindo então o realismo fantástico, ou mágico, em consonância com o realismo mágico desenvolvido na América Latina por autores como Gabriel Garcia


12 Marques e Cortázar. Nesta literatura são problematizadas as discrepâncias sociais, o vazio individual e o período histórico de auge das ditaduras políticas. Na literatura brasileira destaca-se, então, a obra do autor Moacyr Scliar, apresentada no presente trabalho.

Palavras-chave: Realismo Fantástico ou Mágico; Literatura Brasileira; Moacyr Scliar. Profa. Fernanda dos Santos Silveira (mestranda/UFRJ) Sala: 110Vagas: 65

4. A Comunicação dos Surdos: o desafio do bilinguismo frente ao oralismo Resumo: Por muito tempo o surdo não foi reconhecido dentro de suas especificidades como sujeito capaz de ter uma vida normal. Muitas abordagens foram utilizadas para se desenvolver a comunicação do surdo, dentre elas está o oralismo, a comunicação total e o bilinguismo que se destaca como abordagem que permite o surdo se comunicar exclusivamente pela língua de sinais e a língua escrita de seu país. Desta forma, o bilinguismo valoriza a cultura e a identidade surda. Mas diante destas abordagens, a sociedade muitas vezes por falta de conhecimento, busca constantemente a cura da surdez tentando transformar o surdo em ouvinte, acreditando que só assim ele será uma pessoa normal. Assim, a sociedade ao impor a cultura do oralismo, não se prepara para a inclusão dos surdos que utilizam a língua de sinais negando a eles o direito a uma educação bilíngue. Palavras-chave: Surdez, Comunicação, Bilinguismo e Oralismo Profa. Ms. Layane Cristine de Souza (UNIABEU) Sala: 108Vagas: 45

MESA REDONDA 1. Os desafios da relação ensino / aprendizagem de LI no cenário da baixada fluminense: experiências de um pibidiano Resumo: A proposta deste trabalho é lançar um olhar sobre o cenário de ensino de LE em escolas públicas populares e, partindo das observações, investigações e vivências experimentadas no Pibid Uniabeu Subprojeto LetrasInglês, refletir sobre possibilidades de mudança na perspectiva pela qual é entendida a relação ensino/aprendizagem da disciplina, considerando os cenários onde essa relação é vivenciada, os fatores que nela interferem, seus personagens, os objetivos, as estratégias e os resultados pretendidos, ou seja, aquilo que a compõe.


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Palavras-chave: Aprendizagem significativa; ensino/aprendizagem de segunda língua; escolas públicas populares. Profa. Esp. Selma Penha de Araújo Laeber Fabio da Silva Custodio (bolsista PIBID/UNIABEU) Cristiana de Moura Pinto (bolsista PIBID/UNIABEU) Sala: 302Vagas: 60

2. Gêneros textuais e ensino de literatura Resumo: Sabendo-se que os gêneros textuais se caracterizam como objetos culturais com objetivos específicos em situações sociocomunicativas, podemos associar a variedade de textos também à construção e transformação de identidades culturais. Nesta mesa, propomos uma discussão sobre inúmeros diálogos presentes entre as literaturas de língua portuguesa, a partir da perspectiva das identidades culturais; e como tais leituras intertextuais podem estar presentes nas aulas de língua portuguesa e de literatura. Palavras-chave: gêneros textuais; ensino; língua portuguesa; literaturas Profa. Dra. Claudia Fabiana de Oliveira Cardoso (UNIABEU) Profa. Ms. Simone Ribeiro da Conceição (SME-RJ) Sala: 214

Vagas: 70

MESA COORDENADA 1. Os desafios e encantos de se ensinar língua estrangeira em escolas públicas populares – Pibid/UNIABEU em foco Resumo: O objetivo do trabalho é apresentar as experiências compartilhadas entre os bolsistas do Pibid (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência), a professora supervisora e os alunos do Ensino Fundamental II de uma escola do município de Mesquita, em relação ao ensino da Língua Inglesa. Primeiramente, indicaremos o perfil do ensino do Inglês nas escolas públicas populares, o da escola em questão e o de seus alunos. Subsequentemente, o foco será na forma como a professora conduz o ensino, em como o trabalho de Reforço Escolar “Happy English” tem sido realizado e na resposta dos alunos ao mesmo. Pretendemos mostrar que, com esforço e dedicação de todos os envolvidos, ainda é possível se encantar com a docência em escolas públicas populares. (Coord.) Profa. Esp. Cristiane de Moraes Salvino (UNIABEU) Profa. Esp. Lívia Alexandra Morais da Silva Bastos (supervisora Pibid) Renata Santana Pereira Oliveira (bolsista Pibid/UNIABEU)


14 Raquel Miranda Joaquim Soares (bolsista Pibid /UNIABEU) Jéssica dos Santos Gaspar Baptista (bolsista Pibid /UNIABEU) Maria da Glória Barreiro (bolsista Pibid /UNIABEU) Amanda Tatiane Dias Silva Souza (bolsista Pibid /UNIABEU) Jéssica Santos Equey (bolsista Pibid /UNIABEU) Ingrid Braz Fernandes (bolsista Pibid/UNIABEU) Sala: 301Vagas: 100

MINICURSO 1. O fantástico na literatura contemporânea Resumo: A literatura fantástica originou-se da literatura gótica do século XVIII, como consequência da rejeição do pensamento teológico medieval e da metafísica. No século XIX, sugiram as primeiras teorias acerca de sua presença na literatura; porém, foi no século XX que passou a ser alvo de análises literárias e a ser tratado como um campo de investigação pela academia. Este minicurso visa a mostrar a trajetória das teorias sobre o fantástico, bem como a feição que este assume na literatura contemporânea. Palavras-chave: Fantástico; teoria; literatura contemporânea. Profa. Dra. Shirley de Souza Gomes Carreira Sala: 213 Vagas: 41


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TEXTOS COMPLETOS


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GENBAKU – A PERFORMANCE

Catherine de Souza Medeiros Alves (UFRJ) 1 Resumo: 原爆 é um projeto performático baseado nas premissas de expressão corporal estabelecidas a partir do butô, gênero híbrido de dança-teatro que nasceu no período pós Segunda Guerra, no Japão. A apresentação tem como título Genbaku, (que significa Bomba Atômica), e teve a honra de abrir o evento Semanas de Letras – 2014 da UNIABEU. A performance se deu em auditório, com uma breve comunicação oral posterior, a qual explanava a pesquisa teórica que fundamentara a performance. Durante a apresentação, recursos de projeção em data show e áudio se fizeram necessários, contando com a utilização de imagens documentais sobre os ataques atômicos sofridos pelo Japão, mais precisamente em Hiroshima e Nagasaki, cidades que foram devastadas à época da Segunda Guerra Mundial. A duração de ambos os trabalhos complementares que resultam em Genbaku foi de aproximadamente 40 minutos. Palavras chave: Butô, Dança, Literatura

Abstract: 原爆 is a performatic project based on premises of body language established by Butoh, a hybrid genre of acting-dance that was born after Second World War, in Japan. The presentation is called Genbaku (that means “atomic bomb”) and it has the honor to open UNIABEU’s Letters and Literature week, 2014. The performance took place in an auditorium. After this, there was a short oral explanation, which presented the research which gave the theoretical foundations to the presentation. During the presentation, audio and video devices were needed to show the documental films about the atomic attacks suffered by Japan, most precisely Hiroshima and Nagasaki, devastated cities during Second World War. Both performance and theoretical presentation that compose Genbaku took around forty minutes. Keywords: Butoh, dance, literature.

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Graduanda em Letras (Português/Japonês). Bolsista de Iniciação Cultural e Artística da UFRJ – Projeto “100 Anos Sem Euclides”.


17 Introdução Sobre a grafia da palavra “Butô”, no presente artigo, optamos por usar a forma já dicionarizada2. Entretanto, em citações, conservamos a grafia da preferência do autor de cada citação. Porém, vale a pena comentar que há variações na grafia, mas não no significado. Estas variações podem ser “Butou”, “Butoh” ou “Butô”, dependendo do sistema de transcrição que se usa. O critério aqui foi este: conservar a escrita de cada autor e, no texto deste trabalho, optar pela grafia dicionarizada.

A performance Genbaku, que significa “bomba atômica” propõe uma releitura deste estopim para o nascimento do butô. Propõe uma experiência sinestésica, um primeiro contato com esta arte performática, que nasceu no período do Japão pós-guerra, e que é intrigante, intensa e carregada da angústia de toda uma nação devastada. Antes marginalizado, o grito silencioso do butô ecoa até hoje, no tempo e no espaço presente, onde finalmente encontra reconhecimento. Butoístas estão espalhados pelo mundo inteiro, dançando seus dramas, suas questões e inquietudes. Cada um, agregando sua própria cultura, sua própria história, formando assim seu próprio butô. Mas a busca pela essência teve, claro, um mergulho no passado e na tradição, ainda que fosse intenção – como arte revolucionária – cortar o cordão umbilical. Por isso, podemos identificar algumas semelhanças com a tradição japonesa (principalmente o teatro Nô), e com os movimentos que estavam eclodindo na Europa, através de Wigman e outros. O butô bebeu nas fontes da dança moderna, e da tradição. Devorou os americanos, e fez valer a lei da antropofagia. Tornou-se um gênero híbrido, que oscila entre dança, teatro e performance.

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Segundo o dicionário Aurélio, software: “[Do jap., palavra composta pelos ideogramas chineses bu, ‘dança’, e tô, ‘bater o pé’, ‘andar pesadamente’.] Substantivo masculino. 1.Teatr. Movimento (7) que combina dança e teatro performáticos, criado por dois japoneses, Tatsumi Hijikata (1927-1986) e Kazuo Ohno (1906-2010), em meados dos anos 50. [Marcado pela experiência nuclear, o butô funda-se numa estética que proclama o ‘belo-horrível’ e expõe o lado obscuro e simultaneamente sublime da natureza humana]”


18 Genbaku lida de maneira híbrida com as angústias dos sentimentos gerados pelas únicas bombas atômicas usadas até hoje. Hiroshima e Nagasaki contribuem para o desespero e o sofrimento, mas há também espaço para a expressão da esperança, que motivou o povo japonês a reconstruir suas cidades e a continuar vivendo. Como já disse Christine Greiner, em seu livro Butô – pensamento em evolução, “Mas o que poderia ser uma grande revolta, transformou-se em angústia e foi, em parte, absorvida pela arte.” É esta a arte absorvente que propomos em Genbaku.

Sobre a origem do butô Etimologicamente, é interessante perceber os radicais a partir dos quais é formada a palavra Butô 舞踏. O primeiro ideograma significa “dança”, e o segundo, “passo”, podendo também significar “experiência” 3.

E, embora

saibamos que “O significado da expressão butoh é amplo – não pode ser reduzido à compreensão de sua etimologia.”, como Baiocchi afirma, o uso deste nome não nos soa nada arbitrário. Claro que há relação de passos e de dança, tanto que muitos fazem analogias tomando como ponto de partida nada mais nada menos que a relação entre a etimologia da palavra com a dança propriamente executada. Como Baiocchi afirma, Na mídia nacional e internacional encontramos interpretações várias da palavra, como as seguintes: - bu (dança) e toh (golpear a terra) - bu (movimentos etéreos) e toh (gestos contraditórios e concretos); - bu (pairar, esvoaçar) e toh (pisar, amassar o chão); - bu (mãos) e toh (pés). (Baiocchi, 1995, p. 23)

Porém, estas interpretações nos são exemplo claro de “Dualismos, que costumam aparecer com frequência nas análises teóricas do butô”, na visão de Greiner. E somos obrigados a concordar, pois definições rasas como estas tendem a limitar o butô a movimentos de mãos e pés, ou, quando muito, de braços e pernas. É bem verdade que, como vamos ver adiante, o que está no espaço cênico vai muito além dos movimentos visíveis executados pelos membros do bailarino. No começo (cronológico) do butô, quando Tatsumi 3

Segundo o dicionário Jisho. In: <http://www.jisho.com> (Acessado em 10/12/2012.)


19 Hijikata “arquitetou”4 o butô, havia uma especificidade maior5, que, com o tempo, foi se perdendo. O que pode não necessariamente ser de fato considerado uma perda, mas sim, um ganho. Mas, na falta de outra palavra que definisse aquela dança, optou-se por uma que ao menos fosse capaz de nomear tal manifestação artística de maneira satisfatória. Buscou-se então, uma palavra já constante no vocabulário japonês, formada por ideogramas japoneses, mas que carregava em si uma significação nada japonesa. A palavra butoh, durante o período Meiji (final do séc XIX), designava danças de salão, principalmente as vindas do Ocidente. Por muito tempo esquecido, o termo voltou a ser usado a partir dos anos 60, embora com significado diferente do original. (Baiocchi, 1995, p. 22)

Nomear uma arte que intuía ser essencialmente japonesa e que nascera de um processo interno de protesto contra o invasor-estrangeiro é – no mínimo – uma contradição irônica.

Proposital? Hijikata e Ohno não desejavam

imacular o butoh e patenteá-lo como uma arte puramente japonesa (tal qual são o Nô, ou o Kabuki), mas “avesso a sínteses, afirmava que desejava criar uma expressão artística que só os japoneses entendessem.” Ora, Baiocchi chama este viés de “etnocentrista” e segue dizendo, a respeito desta ironia, que “a assimilação de elementos da cultura chinesa e da ocidental dá uma característica de hibridismo à cultura japonesa. É um padrão que se repete há séculos.” (Baiocchi, 1995, p. 31) Isto nos coloca de forma clara a questão etimológica, quando observamos a origem e o uso inicial da palavra butô. Entretanto, como dito anteriormente, não nos restrinjamos à etimologia. Conheceremos, mais adiante, o contexto histórico que motivou o processo originário do butô.

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Jean Viala, francês, coautor do livro Shades of Darkness, editado em 1988 no Japão, conclui: “Se Kazuo Ohno é a alma do butoh, então Tatsumi Hijikata é o arquiteto.” 5 Inicialmente Tatasumi Hijikata acrescentou o adjetivo ankoku (escuro) ao substantivo buyo (dança). Estava criado o ankoku buyo (dança das trevas). Mais tarde, mudou para ankoku butoh e, logo em seguida, para butoh.


20 O contexto Histórico-artístico A vanguarda artística japonesa, durante a era Taisho (1912 – 1926) e o início do modernismo Showa (1926 ao começo dos 30), constituía uma reação ao nacionalismo da precedente era Meiji. Os novos discursos giravam em torno da criatividade de cada artista e das questões pessoais. Nos anos 30 e 40, o surrealismo cresceu bastante em relação ao pequeno número de futuristas e dadaístas que haviam proliferado, até então. E, no pós-guerra, já se encontrava um pouco de tudo. (Greiner, 1998, p. 8)

Foi neste Japão pós-guerra, carregado de referências e informações dos mais diversos movimentos artísticos, que o butô surgiu. Por esse, e por outros motivos, não podemos enquadrar o butô em algum determinado movimento. De forma que é possível reconhecer nele, apenas, os traços. Traços de Modernismo6, pois deseja em parte romper com a tradição visível nas artes marciais e nas artes clássicas (como, por exemplo, o já citado Teatro Nô), e em parte resgatar uma identidade, como explica Arata: “... a modernidade não serviu apenas para contrapor o que já existia, foi um resgate de raízes mais profundas”. (Arata, 1995, p. 27; apud Greiner, 1998, p. 17) Além disto, tem-se a semelhança com alguns aspectos dos movimentos Surrealista 7 e Dadaísta, como ressalta Greiner:

De todos os movimentos estéticos, butô é mais frequentemente identificado com o surrealismo. Em outros estudos, butô é identificado com o Dadá. Aquele movimento em que não se permitira concluir, fechar, explica Baitello (1994:13). Qualquer afirmação conclusiva deverá considerar o seu oposto, deverá estar pronta para ser destruída, porque o que interessa não é a sua conclusão, mas a não conclusão, o campo das possibilidades (...). (Greiner, 1998, p. 17)

Mas o butô tem um diferencial, e não é meramente “inspirado” em algum movimento, não é preocupado com a estética perfeita (como muitas das artes japonesas), nem engajado em causas associadas a partidos políticos 6

Chama-se genericamente Modernismo (ou Movimento Modernista) o conjunto de movimentos culturais, escolas e estilos que permearam as artes e o design da primeira metade do século XX. [...] O movimento moderno baseou-se na ideia de que as formas "tradicionais" das artes plásticas, literatura, design, organização social e da vida cotidiana tornaram-se ultrapassadas, e que se fazia fundamental deixá-las de lado e criar no lugar uma nova cultura. 7 O Surrealismo foi um movimento artístico e literário nascido em Paris, na década de 1920, inserido no contexto das vanguardas que viriam a definir o Modernismo, no período entre as duas Grandes Guerras Mundiais


21 específicos. O butô tem, sim, a sua própria estética e um certo engajamento, mas estes fogem ao comum. A sua estética é tida como a “estética do feio”, enquanto que o seu engajamento é comprometido consigo mesmo, no intuito de encontrar a possível verdadeira essência humana. O que é completamente compreensível se entendermos o contexto histórico em que o butô se desenvolveu. Ora, a situação pós-guerra pode ser articulada com a ideia de “recuperação através da arte”. Pois, a miséria material em que o Japão se encontrava fazia com que os olhares se voltassem para dentro do ser; e, uma vez destruído o entorno do ser, não havia outra opção senão olhar para si e perceber que essa miséria também estava no interior do ser humano. Tal postura filosófica retoma a ideia de ciclo. Afinal, qual seria a miséria original? Que miséria seria responsável por outra(s)? Será que os japoneses estavam, ao criar o butô, manifestando uma miséria interna que sempre existiu e apenas foi “acordada” com a situação de calamidade exterior? Ou será que ela só ocorreu por consequência da miserável condição pós-guerra que lhes fora imposta? É fundamental notar que esta condição foi infligida por outros seres humanos, igualmente miseráveis (os americanos). Através de um exercício simples, podemos fazer uma analogia com o motivo que gerou um dos maiores clássicos da literatura brasileira, Os Sertões, de Euclides da Cunha: a Guerra de Canudos. Os japoneses seriam facilmente identificados com os canudenses, e os EUA, com as Forças Armadas defensoras da República. Um massacre em proporções equivalentes. Uma população inteira dizimada. A tragédia que silenciou um povo. Mas os mortos voltam para dançar. Uma dança vingadora, tal qual a obra de Euclides, que pretendia ser (e foi) um livro vingador. Assim também pretendem ser as performances realizadas: um butô vingador. Um butô que correlaciona o passado com o presente, o Japão com o Brasil, a literatura com a dança, a arte com a realidade.

Considerações Finais

A performance de butô apresentada na Abertura da Semana de Letras da UNIABEU, teve como tema principal a raiz japonesa, ainda não


22 antropofagizada. Mas não podemos deixar de abordar a literatura euclidiana, que tem sido outro ponto fundamental em nossas recentes pesquisas. Talvez porque quando associamos com algo mais próximo da nossa realidade, criemos uma empatia e entendimento maior. Além da literatura euclidiana, é inserido também em sua ação performática o conceito de antropofagia oswaldiana, a partir do qual nos permitimos devorar a arte japonesa para nos apropriarmos dela, em busca de uma releitura social de traumas vividos pela sociedade brasileira em diferentes épocas, em conformidade com a abordagem literária de Euclides da Cunha e tantas outras denunciatórias. A apresentação Genbaku é uma releitura crítica desse momento histórico – A Segunda Guerra - e é essencial para a compreensão de nossa sociedade atual, tanto na esfera mundial, como na nacional e até individual. Mas Genbaku, como rege o princípio do butô, (e de muitas outras artes orientais) é um percurso, inacabado, inaugural, seminal, que faz pensar e desperta incômodo. É literatura em dança. É dança que gera literatura.

Referências Bibliográficas: BAIOCCHI, Maura. Butoh: dança veredas d’alma. São Paulo: Palas Athena, 1995. FARO, Antônio José. 1933-1991 – Pequena história da dança. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. GREINER, Christine. Butô: pensamento em evolução. São Paulo: Escrituras Editora, 1998. KLEIN, Susan Blakely. Ankoku Butô, the premodern and postmodern influences on the dance of utter darkness. New York: East Asia Program Cornell University


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ANÁLISE E RESUMO DOS CONTEÚDOS TRANSCULTURAIS E TRANSDISCIPLINARES PARA ESTUDO DAS RESPOSTAS DO ENADE Christiane Maria Costa Carneiro Penha (UNIABEU) Antonio Ricardo Penha (APMB) Resumo: As instituições, gestores e professores buscam o aprimoramento das avaliações de aprendizagem, e a contribuição dos graduandos de diferentes cursos, nos estudos e nas provas, são fundamentais para o resultado que definirá a qualidade do ensino que receberam das instituições formadoras. Nesse contexto, o Exame Nacional do Desempenho dos Estudantes verifica competências e habilidades básicas das áreas do conhecimento sobre conteúdos aplicados nos cursos de graduação com questões transculturais e transdisciplinares. Segundo o manual do estudante – 2014 “a partir das questões de Formação Geral, espera-se que os graduandos evidenciem a compreensão de temas que transcendam seu ambiente de formação profissional específico e que sejam importantes para a realidade contemporânea”. O objetivo de nosso trabalho é o de analisar qual o tempo que o graduando dedica às questões do ENADE, e qual a sua avaliação sobre a importância dessas respostas para a sua formação. Justificamos o nosso objetivo descrevendo a experiência que vivemos quando participamos da prova do ENADE 2011, como concluintes da 2ª graduação. Nesse sentido, esperamos contribuir para o esclarecimento do acadêmico que ainda tem dúvidas sobre o contexto de uma avaliação de desempenho em nível nacional, que valorizará o seu currículo e da sua instituição formadora. Palavras-chave: Transcultural, Transdisciplinar, Avaliação.

Abstract: The institutions, managers and teachers seek the improvement of learning assessments, and the contribution of graduates of different courses of studies and tests are essential for the result that will define the quality of education received training institutions . In this context , the National Student Performance Exam verifies basic skills and ability of the areas of knowledge about applied content in undergraduate courses with cross-cultural and cross-disciplinary issues. According to the Student Handbook - 2014 "from the general training issues, it is expected that graduates evidence the understanding of issues that transcend its environment specific training and are relevant to contemporary reality. The aim of our work is to analyze what time undergraduates dedicated to ENADE issues , and what is your assessment of the importance of these answers to their training . We justify our goal describing the experience that we live when we participate in the proof of ENADE 2011 as graduates of the 2nd degree. In this sense , we hope to contribute to the understanding of academic


24 who still have doubts about the context of the assessment of national performance that will value your resume and your educational institution . Keywords: Cross-Cultural , Transdisciplinary , Evaluation .

Introdução

O professor é um construtor de possibilidades adaptáveis que valorizam as propostas pedagógicas visando a melhor qualidade de ensino para seus alunos. Nesse contexto, a importância de criar conteúdo a partir de sua experiência acadêmica, e, da observação da realidade de sua classe, são instrumentos para que defina a melhor prática que deve seguir, diante de valores transculturais, e transdisciplinares dos recursos em educação. Dentro dessa perspectiva, continuar no processo de formação, capacitação e qualificação é o destino do profissional que leciona, uma vez que seus alunos estarão sempre a par de sua vida acadêmica, numa visão de futuro, de exemplo, de avaliação significada. E se tratando de avaliação o professor é o mentor e mediador de resultados, e quando ele é avaliado, espera-se que obtenha bom resultado. Algumas posições sobre o processo de avaliação incomodam alunos e docentes com a mesma intensidade. Tem influência das normas, condutas e opções que perpassam pelo modelo de exame que consideram as questões de objetividade e subjetividade nas tarefas avaliativas. A esse respeito Hoffmann (2006), diz que a objetividade e a subjetividade são entendidas referindo-se a forma de elaboração das questões de um teste, ou seja: Pela correção, justamente, que as questões se caracterizam em “objetivas” ou “subjetivas”. Elas são objetivas quando ao aluno se torna possível uma única resposta diante de alternativas simples, múltiplas, itens de lacunas, por exemplo. A forma de correção pelo professor é objetiva, porque não lhe cabe interpretar se a resposta está certa ou errada, mas simplesmente procurar por resultados previamente determinados (gabaritos). Ao contrário, se as questões sugerem uma resposta pessoal do aluno, opiniões, considerações, dissertação sobre determinado assunto, então o professor terá de interpretar (subjetivamente) a resposta para considera-la certa ou errada. As “questões de cruzinha”, portanto, são denominadas objetivas, pela sua sistemática de correção essencialmente (HOFFMANN, 2006, p. 50).


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Assim o professor que participa do ENADE como concluinte de segunda graduação e, sendo conhecedor das normas de avaliação, estará apto em contribuir com respostas objetivas e subjetivas (conscientes), para o aperfeiçoamento das instituições de ensino do país, onde ainda é possível afirmar, que não alcançamos a democratização da educação, pois a sobrecarga que assola a escola fez aparecer uma educação parcial, que propõe “educação para todos”, sem que isso defina a qualidade dos conteúdos dessa máxima. O ENADE permite reconhecer essa diferença dentro de um país do tamanho do Brasil. Segundo o Manual do estudante (2014), O Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes –Enade é componente curricular obrigatório dos cursos de graduação do país e tem como objetivo aferir o desempenho dos estudantes em relação aos conteúdos programáticos previstos nas diretrizes curriculares do respectivo curso de graduação, suas habilidades para ajustamento às exigências decorrentes da evolução do conhecimento e suas competências para compreender temas exteriores ao âmbito específico de sua profissão, ligados à realidade brasileira e mundial e a outras áreas do conhecimento. (...) O ENADE constitui um dos aspectos principais para o cálculo dos indicadores de qualidade do ensino superior no Brasil. São partes fundamentais nesse processo: o Conceito do ENADE, o Conceito Preliminar de Curso (CPC) e o Índice Geral de Cursos Avaliados da Instituição (IGC). (...) Além da oportunidade de realizarem uma autoavaliação através do exame nacional, no sentido que verificarem que aspectos foram realmente apreendidos ao longo de sua formação acadêmica (Manual do Estudante – ENADE – 2014 p. 6).

Análise do conhecimento transdisciplinar e transcultural Na revisão da literatura sobre a amplitude da questão do conhecimento transdisciplinar e transcultural, verificamos que de acordo com Assmann (1998), “transdisciplinar” significa ir além das disciplinas transcendendo objetos e métodos disciplinares. Determinados temas como ética, cidadania e sociedade, fazem parte da vida cotidiana, inclusive a acadêmica, podendo ser considerados como conteúdos transdisciplinares e que, algumas vezes, por força de um currículo tradicional, acabam ficando em segundo plano.


26 Para Beltrão, Macário e Barbosa (2010), transdisciplinar é o projeto didático onde cada disciplina observa um mesmo fenômeno a partir do seu ângulo de visão, com uma contribuição diferente para melhorar a compreensão de um mesmo conceito. As vivências através dos estágios e atividades complementares constituem

uma

oportunidade

real

do

acadêmico

exercitar

esses

conhecimentos transdisciplinares. Por exemplo, ao estudar sobre adaptações curriculares de médio porte são necessárias muito mais que a leitura de textos para aquisição de conhecimentos gerais. Considera nesse contexto, buscar experiências transculturais com informações de outros grupos, em leituras que apresentem o sentido da arte, história, língua e identidade. No Brasil é possível aprender com temas transculturais a partir das culturas negra e indígena, da cultura e identidade surda, e, com a cultura dos imigrantes. Constitui um desafio a criatividade de professores e alunos, já que algumas informações só podem ser obtidas através de depoimentos dentro da tradição oral ou sinalizadas, passadas de pai para filho, sem registro escrito. Recentemente fomos surpreendidos por uma professora do ensino superior que nos relatou o fato de estar ministrando uma aula numa turma que tinha um aluno com deficiência visual. Desconhecendo a situação do aluno, verificou apenas que enquanto falava, ouvia um barulho como se fosse uma ponta de caneta batendo repetidas vezes na mesa. Aborrecida com o barulho alto e repetido, ordenou que parasse, pois estava incomodando. O aluno sentado no meio da sala, era cego e utilizava sua reglete (material adaptado), que funciona perfurando e registrando no papel a escrita em braile. Educadamente o aluno Informou que não poderia deixar de fazer o barulho, pois essa era sua forma, sua maneira de registrar a aula, através desse instrumento, que pela cultura de inclusão, já deveria estar inserida no contexto da educação brasileira. Esse exemplo é apenas um de destaque entre outros, onde a inclusão, que é tema transdisciplinar tão preconizado por leis, decretos e resoluções, muitas vezes apresenta um hiato, dentro das práticas pedagógicas. Nesse sentido, Forquim (1995) afirma que a “cultura da escola, que congrega


27 diferenças, é constituída de um mundo social que tem características, ritmos, linguagens, ritos, modos, seu regime próprio de produção e gestão de símbolos”, onde a nosso ver será necessário o aprimoramento das instituições e pessoas. Outros autores como Beltrão, Macário e Barbosa (2006) descrevem que “justamente por se tratar de questões urgentes do e no social, os formuladores de políticas para a educação sentem a urgência cada vez mais de temas transversais que são exigência da sociedade”, [...] na persecução e compreensão, das normas e regulamentos da linguagem específica, na tessitura do modo de trabalho estão as relações, os elos entre as distintas disciplinas–disciplinaridade, dando lugar à interdisciplinaridade, da qual resulta a transdisciplinaridade, estágio superior das relações interdisciplinares. Assim só pode haver inter e transdisciplinaridade se antes houver disciplinaridade. [...] A interdisciplinaridade interelaciona as áreas de conhecimento e a transdisciplinaridade ao permear, cria outra área do saber. (BELTRÃO, MACÁRIO e BARBOSA, 2006, p. 45-46).

Rocha e Tosta (2009), consideram transdisciplinar e transcultural a relação entre a educação e a cultura, numa ação mais que próxima. Para esses autores: [...] nunca como agora a educação e a pedagogia abriram-se em tempos de teorias e propostas de multiculturalismo e de transdisciplinaridade a todos os campos do saber e da ciência com os quais ela estabelece um diálogo. Precisamos compreender não apenas educandos–crianças, adolescentes, jovens e adultos em suas dimensões e com os seus rostos mais individuais e individualizados..., mais também como sujeitos sociais e atores culturais. Saber vê-los e compreendelos como pessoas que trazem a escola à escola as marcas identitárias de seus modos de vida e das culturas patrimoniais de suas casas, famílias, parentelas, vizinhanças comunitárias, grupos de idade e de interesse (ROCHA e TOSTA, 2009, p.1214).

Análise e resumo para estudo das respostas do ENADE Sobre o significado do ENADE para os estudantes, é possível perceber que uma grande parcela possui uma concepção errada sobre o real sentido de sua participação. Suas respostas sobre a questão revelam um desejo de maior reconhecimento sobre as suas competências individuais, não querendo


28 contribuir para o resultado geral que monitora e dá conceitos a instituição de ensino. “O ENADE para mim é uma prova que fazemos para que o MEC avalie a instituição que estudamos. (....) No fundo, no fundo nós fazemos prova para a Faculdade ter boa nota com o MEC” (A, 38 anos). “O ENADE é mais uma prova, depois de tantas outras que fizemos ao longo da graduação. Quando pensamos que acabou, tem mais essa.” (C, 27 anos). “Acho que nós tínhamos que ter algum benefício para fazer essa prova do ENADE porque a nota que tiramos é para melhorar a nota da Faculdade, a nota não é pra mim, eu já passei. (...) Tem faculdade por aí que leva lanche, coloca van para os alunos, para a passagem no dia da prova, faz um agrado, sabe”. (J. 32 anos). “Acho que o ENADE é uma prova que não prova nada, como avaliar tudo que eu aprendi em 3 anos?” (M., 25 anos).

Sobre as dúvidas de acadêmicos no processo de aquisição de conhecimento, e principalmente na avaliação de seu desempenho que possibilitará análises mais coerentes com o projeto de construção da educação moderna e eficiente, autores como Kauark e Muniz (2009), afirmam que o acadêmico precisa entender

os

conhecimentos universais e

também

reaprendê-los para aplica-los através dos diversos meios e ambientes. Analisando os depoimentos de alguns graduandos acima fica claro que nem todos compreenderam, a real importância de sua participação no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes, sendo necessária a implementação de esforços para modificar a resistência atual. Considerações Finais Este trabalho teve por objetivo analisar algumas dúvidas que habitam a mente dos graduandos inscritos no ENADE, a partir da nossa contribuição nesse processo como concluintes do ENADE 2011. Causou-nos apreensão e assombro, ouvir graduandos de diferentes cursos, afirmarem, que o resultado final de suas participações nos estudos e nas provas, não era fundamental para o resultado que definiria a qualidade do ensino que receberam das instituições formadoras.


29 Está registrado na introdução desse trabalho, que segundo o manual do estudante – 2014, “espera -se que os graduandos evidenciem a compreensão de temas que transcendam ao seu ambiente de formação profissional específico e que sejam importantes para a sua realidade contemporânea”. Entendemos com esse desejo dos institutos de avaliação, que também é o desejo de professores, que será preciso envolver o aluno nas questões da sociedade, informando-o, de sua responsabilidade para o coletivo e não somente para si. Acreditamos que anos de avaliação classificatória, tenha calejado nossos estudantes para o objetivo de atingir (individualmente) apenas as maiores notas, ou simplesmente o suficiente para a aprovação nos cursos de graduação, considerando o resultado do seu esforço, e não, de professores e instituição. Diante das reflexões que compartilhamos, verificamos que as nossas dúvidas perpassam também pelo campo da formação de novos professores, pois cada um terá a nobre tarefa de formar cidadãos para o mundo, sem que avalie primeiro a sua competência em aprovar cidadãos para o melhor emprego, para o consumo, onde a sua realização pessoal tem base no “quanto mais eu tenho ou ganhe é melhor”. Destacar a importância de projetos de ensino e aprendizagem que envolvam recursos didáticos associados as atividades transdisciplinares e transculturais, é um exercício de construção de saberes e de cidadania, que pode sim esclarecer a nossos graduandos, que o significado do ENADE e de outros modelos de avaliação, é o de contribuir com a melhoria de formação para todos. O presente trabalho não esgota esse assunto, ao contrário, nos coloca como aprendentes do tema, pois revela que são necessários novos estudos devido à complexidade dos fatos apresentados nesta pesquisa.

Referências Bibliográficas ASSMANN, Hugo. Reencantar a educação: rumo a sociedade aprendente. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 1998.


30 BUCKINGLAN, D. Aprendizagem e Cultura Digital. Revista Pedagógica Pátio. Porto Alegre- RS: Editora Artmed, Ano XI, número 44, Nov2007/Janeiro 2008, p. 8 -11. BELTRÃO, Fernanda B., MACÁRIO, Nilza M., BARBOSA, Lucia da S. Motricidade e Educação para a Paz. Rio de Janeiro: Shape, 2010. FORQUIM, J. C. Sociologia da Educação – 10 anos de pesquisa. Rio de Janeiro: Vozes, 1995. HOFFMAN, Jussara. Avaliação Mediadora: uma construção da pré-escola à universidade. Porto Alegre: Editora Mediação, 2006. KAUARK, F. & MUNIZ, L. Os saberes da profissão: redefinindo a docência na diversidade. Revista Direcional Educador. Ano 5, edição n. 52, maio 2009, p. 34 – 37. Manual do Estudante do ENADE – 2014. MEC-Brasília – DF. Disponível em: http://enade2014/ENAD%20manual_do_estudante_2014.pdf ROCHA, A. E TOSTA, H. Educação: aspectos e implicações pedagógicas. São Paulo: Plexus Editora, 2009.


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NELSON RODRIGUES E ASPECTOS DA INDÚSTRIA CULTURAL Anderson Figueredo Brandão (UNIABEU)

Resumo: Este artigo tece algumas considerações sobre relações possíveis entre a linguagem da modernidade e aspectos da obra de Nelson Rodrigues (19121980). Para tanto, analisamos alguns elementos da peça O beijo no asfalto, escrita no ano de 1960. Outrossim, inserimos em nosso texto, elementos da crítica à cultura, principalmente os elementos midiáticos oriundos da Indústria Cultural. Palavras-chave: Modernidade; Teatro; Indústria Cultural. Abstract: This article presents some considerations about possible links between the language of modernity and aspects of Nelson Rodrigues´s works (1912-1980). Therefore, we analyze some piece of elements of the play O beijo no asfalto, written in the year 1960. Furthermore, we insert in our text critical elements of cultural analyzes, especially in the media features from Cultural Industry. Keywords: Modernity; Theatre; Cultural Industry.

Todo ínfimo conhecimento tem em si uma enorme satisfação: não enquanto verdade, mas como crença de ter descoberto a verdade. Que tipo de satisfação é essa? Nietzsche

Caminhamos entre estranhas certezas, estamos constantemente diante do que consideramos certo ou errado, bem ou mal, aceitável ou não. No entanto, geralmente não percebemos que esses paradigmas tão nossos têm o poder de se apresentar-se quase como uma segunda pele fixada em nós pela cultura adquirida nas mídias, no lar, nas escolas, nas instituições tradicionais ou mesmo em lugares menos ou pior frequentados e que poucos de nós os mencionaríamos em público. Esses discursos, que buscam encobrir suas faces contingentes, formadas por necessidades específicas e inseridas no bojo da história das sociedades são, na maioria das vezes, fruto de um trabalho de naturalização


32 de diversas tipologias de discursos em nossa fala, em nossa maneira de pensar. Assim, julgamos, inferimos de acordo com regras feitas por antiquíssimas gerações que nos precederam sem mesmo buscar compreender a validade das forças de submissão com as quais esmagamos classes, gêneros, raças, políticas, ideologias “menores” ou não ajustadas às forças preponderantes de coesão normalizadora, vulgarizada pela expressão: “opinião pública”. Nas palavras de Nelson Rodrigues: A opinião deixou de ser um ato pessoal, uma posição solitária, um gesto de orgulho e desafio. É o jornal, é o rádio, é a televisão, é o anúncio, é o partido que pensa por nós. Há sujeitos que nascem, envelhecem e morrem sem ter jamais ousado um raciocínio próprio. Há toda uma massa de frases feitas, de sentimentos feitos, de ódios feitos. ( RODRIGUES, 1997, p.123)

O homem já encontra a linguagem e o mundo pré-estabelecidos. As formas possíveis de conceitos e de pré-conceitos o aguardam prontos a submetê-lo a suas compartimentalizações, às suas ordens explícitas e implícitas em comportamentos que são aceitos, terminantemente proibidos ou mesmo suportados quando na intimidade. Somos atores em constante representação no imenso teatro do mundo – qualquer falha em nossos trajes, palavra indiscreta, insinuação perdida, gesto mal compreendido pode nos levar ao fosso do degredo social ou à exclusão voluntária – mas como escapar da irredutibilidade da informação, dos discursos midiáticos oficiais que formatam as nossas opiniões, criam e desconstroem tiranos, vítimas e silêncios a todo tempo e em todo lugar? Em uma interessante reflexão sobre a relação entre os produtos da Indústria Cultural e a Arte, Marilena Chauí nos ensina algumas categorias que bem nos servem para diferenciar os dois tipos de produtos, arte como fruto do trabalho e a reprodução em série como produto da Indústria Cultural: Em primeiro lugar, é trabalho, ou seja, movimento de criação do sentido, quando a obra de arte e a de pensamento capturam a experiência do mundo dado para interpretá-la, criticá-la, transcendê-la e transformá-la — é a experimentação do novo. Em segundo lugar, é a ação para dar a pensar, dar a ver, dar a refletir, a imaginar e a sentir o que se esconde sob as


33 experiências vividas ou cotidianas, transformando-as em obras que as modificam porque se tornam conhecidas (nas obras de pensamento), densas, novas e profundas (nas obras de arte). Em terceiro, em uma sociedade de classes, de exploração, dominação e exclusão social, a cultura é um direito do cidadão, direito de acesso aos bens e obras culturais, direito de fazer cultura e de participar das decisões sobre a política cultural. (CHAUÍ, 2014, p.137)

É dessa forma que podemos perceber diferenças entre os discursos ratificadores de ideologias e o artístico. Esse último, por conta de suas próprias características internas, vai na direção contrária à tradição que reifica o sujeito, pois se fundamenta na criação de novos sentidos, na ação para pensar e no direito de acesso aos discursos transformadores essencialmente artísticos. Esse é o primeiro ponto que eu gostaria de fundamentar convosco nesta palestra, pois é a partir desses elementos – ou melhor, do conflito dialético entre elementos como criação e reprodutibilidade técnica (para citar uma categoria de Walter Benjamin); arte e lugar comum; transgressão e moral que iremos equacionar alguns elementos mais importantes da obra de Nelson Rodrigues. Em todos esses movimentos, é importante notar que há forças de reação às mudanças, aos discursos que propõem transformações e é nesse jogo que podemos equacionar uma parte considerável dos textos literários que, mesmo sendo produzidos por pessoas que faziam parte das camadas conservadoras de seus respectivos contextos sociais, foram capazes de criar obras que revolucionaram a linguagem e a maneira de pensar daqueles que entraram em contato com seus textos fundamentalmente transgressivos. Vamos falar um pouco da obra de Nelson Rodrigues. A peça Vestido de noiva, encenada em 1943, é conhecida como a obra que inaugurou a linguagem moderna no Teatro brasileiro, ainda que nos anos quarenta do século XX, quando as outras modalidades artísticas já se preparavam para entrar em fases posteriores do Modernismo, iniciado, no Brasil, tradicionalmente a partir da Semana de Arte Moderna ocorrida em São Paulo no ano de 1922. Nelson chegou mesmo a ser aplaudido por autores modernistas consagrados, como podemos ver no fragmento assinado por Manuel Bandeira:


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Nelson Rodrigues é poeta. Talvez não faça nem possa fazer versos. Eu sei fazê-los. O que me dana é não ter como ele esse dom divino de dar vida às criaturas de minha imaginação. Vestido de noiva em um outro meio consagraria um autor. Que será aqui? Se for bem aceita, consagrará... o público. (RODRIGUES, 1993, p.182)

As próximas peças de Nelson Rodrigues lhe proporcionaram sérios problemas com a censura da época, como é o caso de Álbum de Família, escrita em 1945 e estreada em 1967, por conta de 22 anos de censura. Anjo Negro, escrita em 1946, só pôde ser estreada em 1948. Ou seja, Nelson teve que conviver com a censura durante toda a sua vida, mesmo sendo um notório reacionário. No ano de 1949, quando apareceria a “farsa irresponsável” Dorotéia, o autor foi solicitado a escrever sobre a sua dramaturgia na revista Dyonysos, do Serviço Nacional de Teatro. Suas palavras no artigo “Teatro desagradável” mostraram-se absolutamente conscientes do resultado que seus textos suscitavam nos espectadores: a presença inexorável de uma dramaturgia que estava destinada a incomodar, a causar polêmicas e arrebatar opiniões acaloradamente a favor ou contra as suas peças. Enfim, textos que carregavam a marca indelével do desagradável. Com Vestido de noiva, conheci o sucesso; com as peças seguintes, perdi-o, e para sempre. Não há nesta observação nenhum amargor, nenhuma dramaticidade. Há, simplesmente, o reconhecimento de um fato e sua aceitação. Pois a partir de Álbum de família – drama que se seguiu a Vestido de noiva – enveredei por um caminho que pode me levar a qualquer destino, menos ao êxito. Que caminho será este? Respondo: de um teatro que se poderia chamar assim – “desagradável”. Numa palavra, estou fazendo um “teatro desagradável”, “peças desagradáveis”. No gênero destas, inclui (sic, devendo-se lerse incluo ou incluí), desde logo, Álbum de família, Anjo negro e a recente Senhora dos afogados. E por que “peças desagradáveis”? Segundo já disse, porque são obras pestilentas, fétidas, capazes, por si sós, de produzir o tifo e a malária na plateia. (RODRIGUES, 1993, p.37)

Nelson Rodrigues, em parte por conhecer os meandros da atração que suas obras ocasionavam no público comum e, claro, por ser um profissional que desde cedo trabalhou em jornais nos quais a notícia era


35 escolhida por seu caráter inusitado, extraordinário, contava com o valor promocional do escândalo, da polêmica, embora, não poucas vezes se ressentisse com a violência que era atacado, ora pelo público comum, ora pelos seus desafetos ou críticos mais acirrados na intelectualidade. No entanto, malgrado o valor promocional, havia a vontade de instaurar uma dramaturgia que se aproximasse realmente dos espectadores para, através dos dados do desagradável, provocar-lhes o que o autor definiu como um “fluxo de consciência”, conforme esclareceria muito mais tarde, no início dos anos 70, em uma das crônicas que fez para o jornal O Globo, intitulada “O Autor como um Ladrão de Cavalos”.

Saí do Feydeau com todo um novo projeto dramático (digo “novo” para mim). O que teria eu que fazer, até o fim da vida, era o “teatro desagradável”. Brecht inventou a “distância crítica” entre o espectador e a peça. Era uma maneira de isolar a emoção. Não me parece que tenha sido bem-sucedido em tal experiência. O que se verifica, inversamente, é que ele faz toda sorte de concessões ao patético. Ao passo que eu, na minha infinita modéstia, queria anular qualquer distância. A plateia sofreria tanto quanto o personagem e como se fosse também personagem. A partir do momento em que a plateia deixa de existir como plateia - está realizado o mistério teatral. (RODRIGUES, 1995, p.286)

Nelson Rodrigues não destinou essas peças desagradáveis ao simples entretenimento, a serem esquecidas pelo público em prol das agruras quotidianas durante o seu breve caminho para casa. Ao contrário, seus textos vêm a despertar reações de fascínio e, ao mesmo tempo, adversas num público incomodado com seu microcosmo eivado de transgressões, inversões de valores tradicionais – o amor a se tornar obsessão e incesto, só para dar um exemplo – no cerne da célula fundamental sobre a qual ainda pensamos as sociedades: os núcleos familiares. O “teatro desagradável” ofende e humilha e com o sofrimento está criada a relação mágica. Não há distância. O espectador subiu ao palco e não tem a noção da própria identidade. Está ali com o homem. E, depois, quando acaba tudo, e só então é que se faz a “distância crítica”. A grande vida da boa peça só se desfaz quando baixa o pano. É o momento de fazer nossa


36 meditação sobre o amor e sobre a morte. (RODRIGUES, 1995, p.286)

Vamos agora traçar algumas considerações sobre O beijo no asfalto, peça escrita em 1960 a pedido da atriz Fernanda Montenegro. Essa peça nos proporciona uma reflexão sobre o efeito dos meios de comunicação de massa na formação da opinião do indivíduo e como esses simulacros são realizados com intuitos diversos e que, por fim, se tornam verdades que possuem o poder de massacrar os indivíduos que tiveram o azar de cair em sua mira de ataque. Um exemplo que, na peça O beijo no asfalto, nos mostra o quanto a fresta realizada pela presença do signo literário é elemento e revelador de tensões que ficariam perenemente encobertas, não fosse o seu auxílio. AMADO – Olha. Agorinha, na praça da Bandeira. Um rapaz foi atropelado. Estava juntinho de mim. Nessa distância. O fato é que caiu. Vinha um lotação raspando. Rente ao meio-fio. Apanha o cara. Em cheio. Joga longe. Há aquele bafafá. Corre pra cá, pra lá. O sujeito estava lá, estendido, morrendo. CUNHA (que parece beber as palavras do repórter) – E daí? AMADO (valorizando o efeito culminante) – De repente, um outro cara aparece, ajoelha-se no asfalto, ajoelha-se. Apanha a cabeça do atropelado e dá-lhe um beijo na boca. (RODRIGUES, 1993, p. 945)

O beijo em torno do qual toda a trama dessa peça gira é, na verdade, um ato que não pode realmente ser explicado, apesar das obsessivas tentativas que permeiam o seu enredo. Essa ausência cria uma angústia por entender, desperta a coletiva vontade de saber que atravessa a toda a trama. Na verdade, esse ato cai no vazio da impossibilidade de explicação: um simples ato de misericórdia que não possui um fim na realização de algum desejo, uma ação que se inicia e termina em si mesma, o que a faz escapar do fascismo da linguagem, conforme no ensinou Roland Barthes. Mas a língua, como desempenho de toda linguagem, não é nem reacionária, nem progressista; ela é simplesmente: fascista; pois o fascismo não é impedir de dizer, é obrigar a dizer. (BARTHES, 1978, p.14)


37 É o próprio ato que exige uma explicação, uma normatização através dos meandros comuns aos atos sociais não domesticados: a punição daquilo que é diferente, a tentativa de enquadrar o inominável em uma configuração pré-estabelecida nos parâmetros de contenção e direcionamento sociais. Já que é impossível explicar, normatizar, direcionar o beijo, outros poderes emergem em substituição à falência da linguagem e sob a forma de caricatura. Por isso, uma série de ideias pré-concebidas a respeito de uma possível homossexualidade do autor do beijo vão tomando forma, vão se tornando mais e mais fortes até transformarem a vida desse personagem num verdadeiro inferno: um lugar onde não há mais pares, onde a solidão e o abandono imperam. Eis aí uma genial inversão nesse enredo, posto que um ato possivelmente surgido da caridade e da compaixão – elementos altamente dignificados numa sociedade herdeira do ideário judaico-cristão – torna-se gerador de degredo social. ARANDIR – Na polícia, ainda agora. Eu me senti, de repente, tão só. Foi uma sensação tremenda. Naquele momento, eu tive assim uma vontade de gritar: Selminha! Dália! (com desespero estrangulando a voz) Quase grito, quase! (mudando de tom) Cheguei aqui e sei que você vai... (RODRIGUES, 1993, p.956)

Portanto, é na descontinuidade do poder de comunicabilidade da linguagem que aparece a fresta através da qual várias formas de sujeição do indivíduo são apresentadas. Essa fresta dá a possibilidade de existência da “voz” da sociedade, daquela que se arvora a ser tradutora dos sentimentos, desejos e repúdios sociais: a Imprensa. O poder de destruição e criação da Imprensa é apresentado de forma bastante clara nessa peça: uma máquina que sobrevive de escândalos que possam alimentar continuamente o espectador. Tudo aquilo que escapa à normalidade, que é entendido como um comportamento desviante, suscita curiosidade, desejo de incorporar à linguagem dualista do certo e do errado, do macho e do homossexual, do culpado e do inocente. Eis aí configurada a clássica vontade de saber, de controlar, de domesticar os corpos e as consciências. A pressão que é feita para levar o personagem à marginalização é a fantasia perversa criada em torno do beijo:


38 um ato como esse deve ter um objetivo, não pode ter um fim em si mesmo, posto que uma grande ameaça gira em torno daquilo que é inominável, incompreensível. Portanto, que outro sentido que um ato como esse deve assumir, senão o do desejo sexual pelo outro? A homossexualidade, neste caso, é vista como elemento destruidor dos laços matrimoniais, como o desvio causado pela incontinência de uma vontade de intimidade com uma pessoa do mesmo sexo e que se realiza – talvez aí a verdadeira transgressão – abertamente, à vista de todos os transeuntes, em plena Praça da Bandeira, no Rio de Janeiro. O suposto desejo por pessoas do mesmo sexo é colocado como parâmetro negativo que afasta a possibilidade do querer pessoas do sexo oposto e, através disso, de uma participação efetiva na sociedade. Se “Arandir” é homossexual não poderia ser casado, se não poderia ser casado, não poderia constituir família, se não é apto à família, não é um membro respeitável na sociedade, se não é um membro respeitável na sociedade, não pode ter direito a um emprego ou a outras benesses da convivência pública, se não possui esses direitos, é um marginal, se é um marginal, deve ser degredado, se tentar fugir, é culpado e se é culpado deve ser anulado através da prisão ou da morte. Esse verdadeiro ciclo de condenação do outro a partir de ideias préconcebidas que trafegam normalmente nas sociedades ocidentais é colocado em evidência de forma tão clara, tão cristalina que não resta outra coisa ao leitor senão se horrorizar com essa lógica à qual ele também está conscientemente ou não atrelado: ele também é, em parte, cúmplice desse horror. Essa cumplicidade é realçada através de atos nos quais personagens destituídos de moral comungam com desejos e comportamentos normalmente vistos como positivos ou aceitáveis por heterossexuais masculinos. Se o desejo não se realiza através dessa “vontade” fascista, a única saída é a pederastia, o desvio da comunhão dos machos que se voltam para um objetivo comum: a boa, a fêmea nua. CUNHA (caricioso e ignóbil) – Escuta. O que significa para ti. Sim, o que significa para “você” uma mulher!? ARANDIR (lento e olhando em torno) – Mas eu estou preso?


39 CUNHA (sem ouvi-lo e sempre melífluo) – Rapaz, escuta! Uma hipótese. Se aparecesse, aqui, agora, uma mulher, uma “boa”. Nua. Completamente nua. Qual seria. É uma curiosidade. Seria a tua reação? (RODRIGUES, 1993, p.952)

Aquele

que

escapa

dessa

“irmandade”

está

em

posição

de

marginalização e deve ser punido, posto que essa escolha não se dá somente no âmbito de um desejo individual, mas daquilo que se mostra em público, do que é frontalmente brandido contra a domesticação e direcionamento da vontade de homens e mulheres unidos em torno dos laços mantenedores das relações sociais. Portanto, é no desvão revelado pela dialogia perene no signo literário que podemos encontrar uma série de frestas através das quais as relações de poder se tornam claras, saem de seu tranquilo patamar de eternização e revelam que, na verdade, o seu subterrâneo é móvel, procura incessantemente se adaptar às ameaças que questionam sua autoridade e aplicabilidade a qualquer situação ou momento. 8

En effet, de manière tout à fait frappante, depuis des siècles, des milliers d'ouvrages ont été consacrés au mariage, à la famille, à l'amour ou à la sexualité dês hétérosexuels, mais en fait l'hétérosexualité en tant que telle n'apparaissait guere dans ces écrits : elle était en général le point de vue, et donc le point aveugle de toute vision.(LES TEMPS MODERNES, 2003, p.120)

O ponto cego de toda visão, a inquestionabilidade de determinados pressupostos que, de tão enraizados em nossa cultura, chegam a compor um quadro aparentemente estático onde a sexualidade, a família, as relações entre indivíduo e a Indústria Cultural – a todo tempo criando desejos, vontades e oferecendo seus produtos para aplacá-los – são vistas sob o estigma da normalidade.

8

Tradução nossa: De fato, de maneira realmente impressionante, há séculos, milhares de obras têm sido consagradas ao casamento, à família, ao amor ou à sexualidade dos heterossexuais, mas, de fato, a heterossexualidade tal e qual é aparece muito pouco nesses escritos: ela é, em geral, o ponto de vista e, claro, o ponto cego de toda visão.


40 Esses mesmos laços representam a continuidade das relações de submissão e de poderio que fundamentam as regras sociais em grande parte das sociedades ocidentais. Por esse motivo, tudo o que escapa a essa teia deve ser submetido ao degredo, à margem de um comportamento tradicionalmente

entendido

como

negativo,

como

usurpador

dos

comportamentos normatizados pelas regras sociais. O efeito de “O Beijo no Asfalto” é jogar com a perenidade de relações de submissão e de domesticação dos indivíduos. A transgressão é, na verdade, criada pelo jornalista que o transforma – através da máquina sempre ávida da Imprensa – num pastiche de tragédia: a Imprensa e a Polícia, representados respectivamente pelos personagens “Amado Batista”e “Cunha” passam a urdir uma trama, que é costurada minuciosamente com a linha da ameaça à integridade física dos personagens, da criação de uma história na qual “Arandir” e o morto eram amantes. AMADO – A polícia sabe que havia. Havia entre seu marido e a vítima uma relação íntima. SELMINHA (no seu espanto) – Relação íntima? AMADO – Uma intimidade, compreendeu? Um tipo de intimidade que não pode existir entre homens. Um instante, Cunha. A viúva já desconfiava. O negócio do banheiro, entende? E quando leu o “Beijo no Asfalto”, viu que era batata. Basta dizer o seguinte: ela. Sim, a viúva! (triunfante) não foi ao cemitério. CUNHA (com uma satisfação bestial) – Menina, olha. Está na cara que seu marido não é homem.(RODRIGUES, Nelson, 1993, p.977)

O beijo toma a forma de um crime passional, com direito a casamentos desfeitos e amores proibidos. A reação que o espalhafatoso aparelho do entretenimento inicia, engenho que se alimenta daquilo que ajuda a condenar qualquer subjetividade que lhe pareça desviante, é a da anulação de “Arandir”, que passa a ser destituído de toda a possibilidade de usufruir dos valores “positivos” que a domesticação dos corpos havia lhe proporcionado: um casamento, um emprego, uma vida em sociedade a liberdade e, por fim, a vida. APRÍGIO – Arandir! (mais forte) Arandir! (um último canto) Arandir!


41 Cai a luz, em resistência, sobre o cadáver de Arandir. Trevas. (RODRIGUES, 1993, p.989)

Nelson Rodrigues foi um homem genial e, como todos eles, contraditório. Ele criou uma dramaturgia que trouxe a modernidade aos teatros brasileiros, fundou personagens, cravou frases no imaginário coletivo, deixou suas marcas entre as palavras que escreveu. Fernando Pessoa, Martin Heidegger, T.S Eliot, Nelson Rodrigues e tantos outros foram reacionários, defenderam abertamente regimes totalitários, apoiaram as direitas mais cruéis e escreveram textos que ficaram para sempre no cânone da literatura ocidental – mas, o que realmente importa? Quando os regimes passarem e os homens forem diferentes, quando pudermos, brasileiros, experimentar (embora isso não tenha acontecido até hoje) formas legítimas de governo populares a fim de julgar não através das palavras de outros, mas através da própria experiência, o que é melhor, a direita ou a esquerda, quando tudo isso acontecer, as suas literaturas ainda permanecerão insustentáveis, corrosivas, revolucionárias e nos levarão inexoravelmente ao estranhamento, à transformação e, com isso, nos sentiremos sozinhos. Nossas palavras não ecoarão mais nas televisões, nos programas humorísticos, nas mídias de entretenimento. Tudo será angústia e despertar em suas literaturas. Ao acontecer isso, talvez pensemos: Maldita é a solidão daquele que tem contra si a “doxa” do lugar comum, a medonha “opinião pública”. Finalizamos com um depoimento de Nelson Rodrigues sobre o julgamento da assassina de seu irmão Roberto Rodrigues. Após um intenso debate na mídia da época, a decisão do júri chocou-o profundamente e, sem dúvida, ajudou a formar uma das mais transgressivas obras já escritas em solo brasileiro – o Moderno e Maldito teatro desagradável de Nelson Rodrigues. O assassinato do meu irmão Roberto. O julgamento coincidiu com o meu aniversário. Eu fazia, se não me engano, dezoito anos no dia 23 de agosto de 1930. Meses antes morrera meu pai; pode-se dizer que a mesma bala assassinara os dois. Meu Deus, não havia muito o que discutir. Eis a questão: - podia alguém “matar Mário Rodrigues ou um dos seus filhos”? Temos o direito de matar o filho, ou a filha, ou a mulher do nosso inimigo? Não assisti ao julgamento. Fiquei, em casa, ouvindo pelo rádio. Eis a verdade: - a opinião pública achava que se podia matar


42 um dos filhos de Mário Rodrigues; não diretamente o próprio Mário Rodrigues, mas um dos filhos, e tanto podia ser Roberto como o Mário, Mário como Mílton, Stella com Nelson ou até, a recém-nascida Dulcinha. Lembro-me de um jornal que resumia, no título, um juízo final: - “Justo atentado”. E, em casa, antes de dormir, eu ficava pensando: e a espinha serrada, por que não conseguiram extrair a bala? E o algodão nas narinas? E a filha por nascer? E o meu pai morto? O júri fez o que a opinião pública exigia. Eu estava, no meu canto, em casa, esperando o pior. E veio o resultado: absolvição, por uma maioria de três votos, se não me engano, três votos. O locutor dava berros triunfais. E o resultado mereceu uma ovação formidável. Um clima de auditório de rádio, de TV e mais de rádio do que TV. Naquele momento, instalou-se em mim uma certeza, para sempre: - a opinião pública é uma doente mental. E pensei numa fuga impossível. Viver e morrer numa ilha selvagem, só habitada pelos ventos e pelo grito das gaivotas.

Referências Bibliográficas: ADORNO, Theodor W.; HORKHEIMER, Max. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. Rio de Janeiro: J. Zahar, 1985. CASTRO, Ruy. O anjo pornográfico. São Paulo: Companhia das Letras, 1992. EAGLETON, Terry.(trad. Silvana Vieira e Luis Carlos Borges) Ideologia. São Paulo: UNESP, 1997. _______________. (trad. Waltensir Dutra) introdução. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

Teoria da literatura: uma

LES TEMPS MODERNES. Paris: Gallimard. no 624.mai/juin/juillet 2003. RODRIGUES, Nelson. A cabra vadia: novas confissões. São Paulo: Companhia das Letras, 1995. ______________________. A menina sem estrela. São Paulo: Companhia das Letras, 1993. ______________________. Flor de obsessão. São Paulo: Companhia das Letras, 1997. ___________________. O reacionário. São Paulo: Companhia das Letras, 1995.


43

PERSPECTIVAS EMPÍRICAS SOBRE A LEITURA LITERÁRIA: REAÇÕES À LEITURA EM LÍNGUA PORTUGUESA E EM LÍNGUA INGLESA Cátia Aparecida Vieira Barboza - UNIABEU

Resumo: O objetivo deste trabalho é falar sobre aspectos cognitivos e emocionais da resposta de leitores à leitura de trechos de obras literárias originais em língua inglesa e dos mesmos textos traduzidos para a língua portuguesa. Diante da atual crise da leitura, demonstra-se através deste estudo aspectos que podem auxiliar na formação de uma proposta pedagógica que ajude a compreender o que torna os leitores mais efetivos. Palavras-chave: leitura em LM e LE; empírico; emoção. Abstract: The purpose of this presentation is to talk about cognitive and emotional aspects concerning students’ answers to the reading of fragments of literary works originally written in English and the same samples translated to Portuguese. Considering the current crisis in terms of reading, we aim to demonstrate with the study presented, aspects that can help the creation of a pedagogical proposal that may help understand what makes readers more effective. Keywords: ML and FL reading; empirical; emotion.

Introdução: Por que lemos? O

estudo

aqui

apresentado

tem

como

base

questionamentos

desenvolvidos em minha tese de doutorado (BARBOZA, 2013). Sendo esta uma das motivações pelas quais escolhi cursar Letras, venho sempre buscando responder essa pergunta: Por que lemos? E como podemos formar leitores? Para um leitor como eu, a leitura esteve sempre relacionada ao prazer, em consonância com as palavras de Morais (1996, p.12): Os prazeres da leitura são múltiplos. Lemos para saber, para compreender, para refletir. Lemos também pela beleza da linguagem, para nossa emoção, para nossa perturbação.


44 Lemos para compartilhar. Lemos para sonhar e para aprender a sonhar.

Entretanto, os resultados apresentados em pesquisas com graduandos do curso de Letras, demonstraram que nem todos que cursavam Letras necessariamente compartilhavam essa experiência de pensar a leitura, principalmente a leitura literária, como uma atividade prazerosa. Para muitos desses que serão futuros professores de literatura, a leitura, e principalmente a leitura de obras canônicas não é nem mesmo uma atividade espontânea e se realiza somente para atender às exigências do curso, para estudo. Essa questão é bastante intrigante, pois esses deveriam ser os responsáveis por despertar novos leitores. Entender o que motiva o prazer na leitura também significa entender o que afasta o leitor de uma experiência positiva e configura a atual crise da leitura. Uma parte do problema se deve a questões cognitivas. Como reagir a algo que não compreendemos? Demonstraremos que uma parte significativa da população não domina a leitura plenamente, caracterizando diferentes níveis de alfabetismo funcional. Dentre as bases teóricas citamos os estudos empíricos sobre a leitura literária, foco da Ciência Empírica da Literatura (CEL). Também colaborando para uma maior compreensão do que vamos observar estão os estudos que tratam da emoção. A pesquisa que gerou este artigo baseia-se na observação das reações à leitura de trechos de textos literários no original, em inglês e os mesmos textos traduzidos para a língua portuguesa. A justificativa principal desse e de outros estudos empíricos sobre a leitura literária, é ampliar e estimular pesquisas que busquem compreender as ações e motivações dos leitores, assim deverá ser mais fácil buscar formas de reverter o quadro de crise. A crise da leitura Atualmente fala-se bastante sobre uma “crise da leitura”, que se verifica tanto no plano cognitivo, quanto no plano afetivo. No plano cognitivo, as últimas avaliações de indicadores nacionais como o IDEB e o PISA9 demonstram que 9

IDEB: Índice de Desenvolvimento da Educação Básica


45 os estudantes brasileiros apresentam dificuldades para ler e apresentam um nível de desempenho em leitura e compreensão textual que está bem abaixo da média mundial. Ano 2005 2007 2009 2011 2013

Ensino Fundamental 1º ao 5º 6º ao 9º 3,8 3,5 4,2 3,8 4,6 4,0 5,0 4,1 5,2 4,1

Ensino Médio 3,4 3,5 3,6 3,7 3,7

Tabela 1: Resultados do Ideb de 2005 a 2013

10

O desempenho do Brasil no plano mundial também demonstra dificuldades:

Nº de participantes Pontos em Leitura

2000 4.893

2003 4.452

2006 9.295

2009 20.127

2012 18.589

396

403

393

412

410

Tabela 2: Quadro evolutivo dos resultados do Brasil no PISA

11

Em uma análise comparativa, considerando-se a média OCDE12, o Brasil encontra-se no G3, ou seja, registra resultados abaixo da expectativa e não ultrapassou o Nível 1, considerado básico para a compreensão de textos. De acordo com o Inaf13, o Brasil já avançou, mas ainda não conseguiu progressos visíveis para o pleno domínio de habilidades que são hoje condição imprescindível para a inserção em uma sociedade letrada. Quanto ao plano afetivo, verifica-se que a maioria dos estudantes brasileiros não coloca a leitura como uma atividade de lazer. A pesquisa

PISA do inglês: Programme for International Student Assesment. 10

Ideb – Resultados e Metas. Disponível em: <http://ideb.inep.gov.br/resultado/> Acesso em 02-11-2014. De acordo com dados obtidos em: < http://portal.inep.gov.br/internacional-novo-pisa-resultados> Acesso em: 02-11-2014. 12 OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico. A OCDE, é responsável pela construção de indicadores educacionais comparáveis internacionalmente, bem como pela elaboração de estudos técnicos, pesquisas e levantamentos para a análise das dimensões da constituição de indicadores. Fonte: < http://portal.inep.gov.br/o-que-e> Acesso em: 02-11-2014. 13 O Inaf (Indicador de Alfabetismo Funcional), apresentado pelo Instituto Paulo Montenegro, registra quatro níveis de alfabetismo: analfabetos, alfabetizados em nível rudimentar, alfabetizados em nível básico, alfabetizados em nível pleno. 11


46 “Retratos da Leitura no Brasil”14, promovida pelo Instituto Pró-Livro, em 2011, verificou que o número de leitores diminuiu de 2007 (55%) para 2011, que registrou 50% de leitores. Os motivos principais para essa queda não são os preços dos livros. Segundo a pesquisa, em primeiro lugar registra-se a falta de interesse (78%) e em seguida a falta de tempo (50%). Deve-se levar em consideração também a relação entre a leitura e o estudo. A pesquisa demonstra que entre os entrevistados que estudam, o percentual de leitores é três vezes superior ao de não leitores. Já entre aqueles que não estão na escola, a parcela de não leitores é cerca de 50% superior ao de leitores. Como podemos notar, tanto no plano cognitivo, quanto no plano afetivo, apresentam-se vários problemas que dificultam uma experiência de leitura mais significativa para os estudantes brasileiros, e essa dificuldade que se amplia nas séries iniciais do ensino fundamental, se estende até os níveis médio e superior. Na próxima seção falaremos sobre linhas teóricas e pesquisas empíricas que buscam compreender esse fenômeno. A CEL e os estudos sobre a emoção: perspectivas teóricas Para fundamentar o estudo aqui sucintamente apresentado, falaremos um pouco sobre a Ciência Empírica da Literatura (CEL) e os estudos sobre a emoção e sua relação com a leitura literária. A CEL foi desenvolvida como parte de estudos inter e transdisciplinares realizados na Alemanha pelo grupo NIKOL15 e fundada por Siegfried J. Schmidt em 1973. A proposta inicial do grupo era a de conferir aos estudos literários um status científico, desenvolvendo uma ciência que estudasse as atividades literárias, se opondo à tradicional hermenêutica literária. Segundo Schmidt (1989, p.2), uma teoria empírica da literatura deve partir de uma teoria da ação, onde se muda o foco do texto literário isolado, para atividades baseadas no texto literário realizadas pelos agentes deste sistema LITERATURA, em seus respectivos contextos sociais. Sendo assim,

14

Disponível em: <http://prolivro.org.br/home/index.php/atuacao/25-projetos/pesquisas/3900pesquisa-retratos-da-leitura-no-brasil-48> Acesso em 02-11-2014. 15 NIKOL – Nicht Konservativ Literaturwissenschaft, ou Ciência da Literatura Não-Conservadora.


47 O estudo empírico da literatura focaliza questões que se centram no estudo da literatura como prática cultural, incluindo os diversos efeitos que provoca nos leitores, os vários aspectos sobre a forma como os textos literários são mediados e consumidos como produtos culturais que devem competir com textos e mídias (SCHRAM e STEEN, 2001, p. 2-3).

A pesquisa que apresentamos neste artigo se enquadra nesta caracterização, pois analisamos agentes reais, os leitores, e como avaliam sua interação com o objetivo literário, neste caso, os fragmentos de obras usados na pesquisa. Outra importante base para este estudo são as teorias que tratam da emoção. Durante vários séculos, os estudos nessa área eram considerados subjetivos e só adquiriram status científico a partir do século XX. As bases filosóficas dos estudos sobre as emoções iniciam-se na Antiguidade Clássica a partir das reflexões propostas por Platão e Aristóteles. No século XVII, Spinoza e Descartes debateram, respectivamente, as questões do monismo e do dualismo. No século XX, o primeiro a retomar a discussão sobre as emoções é Charles Darwin, que propõe uma Teoria Evolutiva, onde as emoções atuam como mecanismo de sobrevivência. A partir do final do século XX, com o advento da neurociência, os estudos científicos sobre as emoções ganharam força. Dentre as discussões está a relação entre cognição e emoção que retoma a questão do dualismo proposto por Spinoza. Várias teorias surgiram relacionadas à questão da relação entre cognição e emoção. Para o pesquisador Richard Lazarus há uma primazia da cognição, ou seja, para que haja emoção, antes deve haver uma atividade cognitiva, na forma de julgamentos, avaliações ou pensamentos (cf. LAZARUS, 1982; 1984), ou seja, antes que a emoção aconteça, a pessoa compreende o que está acontecendo e o que isso representa para si. Para Lazarus a qualidade e a intensidade das emoções são controladas por processos cognitivos (cf. LAZARUS, 1984, p. 127). O psicólogo Robert B. Zajonc defende uma teoria naturalista, onde as emoções são produto de processos naturais que acontecem independente de


48 processos

cognitivos,

ou

seja,

independentes

de

normas

sociais

e

interpretação consciente (cf. ZAJONC, 1980; 1984). Atualmente, nos estudos desenvolvidos por Paul Ekman, percebe-se mais claramente a relação entre os estudos sobre emoção e as teorias sobre recepção literária e aprendizagem. Entende-se que seja como algo inato ou como produto socialmente construído, as emoções estão ligadas a algo ao qual o indivíduo atribui alguma relevância (cf. EKMAN, 2003). Sendo assim, entendemos que o leitor tende a se emocionar com leituras que sejam relevantes em sua vida, e essa identificação é o que o motiva a novas leituras. Durante muitos anos a restrição a uma abordagem puramente cognitiva, desconsiderou o papel das emoções na recepção literária. Atualmente cresceu o interesse no assunto e aumentou o número de pesquisas empíricas que visam estudar essa temática. Um estudo empírico sobre a leitura literária Agora que já pontuamos nossa justificativa e aspectos teóricos, vamos falar um pouco sobre o desenvolvimento e estrutura da pesquisa realizada. A pesquisa em que se baseia este trabalho caracteriza-se como um estudo empírico que levantou questionamentos partindo da análise e categorização das impressões dos participantes após a leitura de trechos em língua inglesa e em língua portuguesa das obras Mrs. Dalloway de Virginia Wolf e do conto “Bliss”, escrito por Katherine Mansfield. A pesquisa iniciou-se em 2011 e foi concluída em 2013 e teve um total de 307 participantes divididos entre os que fizeram a leitura e apreciação do trecho original (estudantes e professores de inglês) e os que fizeram a leitura e apreciação do trecho da obra traduzido para o português (leitores diversos). Os participantes que fizeram a leitura do texto original também fizeram um teste de nivelamento para aferir sua proficiência de leitura na língua inglesa. Outro aspecto observado foi uma autoavaliação relativa à experiência de leitura. Inicialmente, foi feito um estudo piloto presencial, que se mostrou inadequado, dada a complexidade dos instrumentos utilizados, sendo assim substituído pela utilização de meios virtuais de coleta de dados utilizando ferramentas como o Google Docs (atual Google Drive) para captação dos


49 dados e a divulgação dos links para os instrumentos através de e-mail e também através de redes sociais (Facebook). No total foram utilizados quatro instrumentos, dois com o fragmento em inglês, um de cada obra e da mesma forma, dois com o fragmento em língua portuguesa. As traduções utilizadas foram de publicações da obra por editoras brasileiras consagradas. A partir da análise das respostas dadas pelos participantes à apreciação da leitura dos trechos das obras literárias, foram obtidas seis categorias. As categorias observadas na análise de acordo com Barboza (2013, p. 115) são:

Abrev. Categorias Descrição EPC Expressão de Descrição de aspectos relacionados ao processos cognitivos ato da leitura (dificuldades, fluxo, auto avaliação etc.) PAT Percepção de aspectos Descrição, avaliação ou interpretação de textuais aspectos ligados ao texto (gênero, estilo, linguagem etc.) EPE Expressão de prazer Descrição da emoção (positiva/negativa) estético causada pelos aspectos estéticos relacionados ao texto como objeto textual e artístico. EEP Expressão da emoção Descrição/avaliação da emoção/ atitudes/ da personagem comportamento da personagem. IPE Identificação com a Descrição da emoção como catarse, personagem partindo de uma identificação/ falta de identificação expressa pelo leitor com a situação ou sentimento vivenciado pela personagem. EEL Expressão da emoção Descrição da emoção (positiva/negativa) do leitor provocada no leitor pela leitura de um modo geral. As categorias apresentadas sugerem desde os níveis mais cognitivos de apreciação da leitura até níveis onde é possível identificar maior envolvimento afetivo do leitor. É importante observar que as categorias descritas dificilmente ocorrem isoladamente, mas co-ocorrem nas apreciações descritas pelos leitores.

Impressões sobre leitura em língua materna e em língua inglesa Após a primeira fase de análise qualitativa, ou seja, a categorização das respostas dos participantes e a análise comparativa dos resultados, podemos


50 dar continuidade ao estudo observando alguns aspectos quantitativos. Nessa fase utilizamos um programa para análise estatística, o SPSS for Windows versão 17.0, que é usado especialmente para ciências sociais. Na análise quantitativa nos chamou a atenção não o número de participantes que demonstraram maior aproximação afetiva com os fragmentos lidos, mas aqueles que vivenciaram um número maior de experiências cognitivas e emotivas durante a leitura. Observamos, por exemplo, que os participantes que foram classificados como “básico” no teste de proficiência de leitura em língua estrangeira, também foram os que identificaram menos categorias a partir da leitura do texto. Neste caso, por se tratar de um texto em língua estrangeira, a dificuldade de leitura talvez tenha comprometido uma experiência mais completa de leitura. Em contrapartida, os participantes que foram aferidos como “avançado” no teste de proficiência, foram os que apresentaram uma maior diversidade de categorias em suas respostas e também foram os que apresentaram mais equilíbrio entre os aspectos cognitivos e afetivos. Os maiores percentuais foram observados nas categorias PAT e EEL, ambas registrando 52,4%. Na comparação entre a autoavaliação na experiência de leitura e as categorias identificadas nas respostas dos participantes verificamos que de uma forma geral houve um equilíbrio em relação aos aspectos cognitivos e afetivos. Entretanto notamos que houve uma frequência maior de categorias registradas nas respostas dos participantes que leram o texto em inglês do que nos participantes que leram o texto em português. O prolongamento da experiência estética que se dá através do estranhamento em relação à língua pode ter contribuído para prolongar a percepção e assim ampliar a apreciação da leitura. Será que o desafio, por se tratar de uma língua estrangeira foi um estímulo a mais para um envolvimento/aprofundamento maior na leitura? Curiosamente,

esperávamos

um

resultado

contrário,

onde

os

participantes que leram o texto em sua língua materna se envolvessem mais na leitura. Curiosamente, o fato de dominarem a língua parece ter feito com que fizessem uma leitura mais rápida e superficial. Também o fato de se tratar somente de um fragmento tenha feito com que não tenham tido tempo de se


51 envolver na leitura. A área de formação também pode ter sido relevante nesse resultado. Enquanto o grupo de inglês teve 92,8% de participantes do curso de Letras, o grupo de português teve somente 62,1% dos participantes de Letras, sendo 37,9% de áreas diversas. Considerações Finais O objetivo deste trabalho foi apresentar aspectos cognitivos e emocionais da resposta de leitores à leitura de trechos de obras literárias originais em língua inglesa e dos mesmos textos traduzidos para a língua portuguesa. Inicialmente fizemos uma breve exposição sobre os dados que demonstram a crise da leitura no Brasil e também as bases teóricas que sustentam essa pesquisa: a Ciência Empírica da Literatura e os estudos científicos sobre as emoções. Iniciando a parte de análise, observamos as categorias obtidas a partir da observação das respostas na apreciação dos participantes. Os resultados mostram que os participantes que leram em português e os que leram os fragmentos em inglês tiveram comportamentos diferentes. Os participantes que leram o fragmento na língua materna contrário à expectativa, não apresentaram um resultado que demonstrasse maior envolvimento (cognitivo ou emocional) à leitura do texto. Já os participantes que leram o texto em inglês demonstraram maior variedade nas categorias. Retomando a questão da crise da leitura, verificamos que mesmo entre leitores mais experientes como os participantes do estudo descrito, a atividade de leitura em língua portuguesa não motiva, não estimula reações no leitor. Cabe investigar porque quem leu os fragmentos em inglês reagiu mais e demonstrou mais envolvimento. Talvez para quem estuda uma LE, a leitura seja mais que decodificação de signos, ela seja um desafio. A forma que aprendemos também talvez seja um fator que influencie na apreciação da leitura. É comum o aluno que começa a aprender a língua estrangeira associála ao lúdico, ao prazer, enquanto que na língua materna o texto vem frequentemente ligado a regras gramaticais, avaliações e cobranças. Fica a reflexão de que o estímulo à leitura deve ser repensado do ponto de vista pedagógico. Longe de tarefas e atividades ligadas a avaliações e


52 cobranças, a escola deve estimular a leitura associada ao lúdico, ao desafio e acima de tudo dando liberdade para que o leitor em formação possa fazer suas escolhas. Dessa forma, a leitura não será associada somente ao estudo, mas irá além do plano acadêmico, tornando-se significativa para a vida.

Referências Bibliográficas: BARBOZA, Cátia Aparecida Vieira. Aspectos Empíricos do Tratamento do Objeto Literário: Um Estudo Comparativo. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2003. 168 fl. mimeo. Dissertação de Mestrado do Curso Interdisciplinar de Linguística Aplicada. EKMAN, Paul. Emotions Revealed: Recognizing Faces and Feelings to Improve Communication and Emotional Life. New York: Henry Holt and Co., 2003. G1 Educação. “Ideb fica abaixo da meta no ensino médio e no ciclo final do fundamental”. Disponível em: <http://g1.globo.com/educacao/noticia/2014/09/ideb-fica-abaixo-de-meta-nociclo-final-do-ensino-fundamental-e-no-medio.html>. Acesso em 02-11-2014. LAZARUS, R. S. Thoughts on the relation between cognition and emotion. American Psychologist, v. 37, p. 1019–24, 1982. LAZARUS, R. On the primacy of cognition. American Psychologist, v. 39, n. 2, p. 124-129, 1984. MANSFIELD, Katherine. Bliss and Other Stories. London: Nabu Press, 2010 [1920]. MANSFIELD, Katherine. Felicidade e Outros Contos, tradução de Julieta Cupertino. Rio de Janeiro: Revan, 1991. MORAIS, José. A arte de ler. Tradução de Álvaro Florencini. São Paulo: UNESP, 1996. SCHRAM, Dick; STEEN, Gerard (Eds.) The Psychology and Sociology of Literature: In honor of Elrud Ibsch. Philadelphia: John Benjamins, 2001. WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Penguin Popular Classics. London: Penguin Books, 1996 [1925]. WOOLF, Virginia. Mrs. Dalloway. Tradução de Mário Quintana. 1. ed. Especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.


53 ZAJONC, R. B. Feeling and thinking: preferences need no inferences. American Psychologist, v. 35, n. 2, p. 151-175. 1980. ZAJONC, R. B. On the primacy of affect. American Psychologist, v. 39, n. 2, p. 117-123. 1984.


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TRAGICOMÉDIA – O HERÓI E O BODE-EXPIATÓRIO NA OBRA DE DIAS GOMES Leandro Braga di Salvo (UFRJ) Resumo: Este artigo pretende chamar a atenção para a obra de Dias Gomes: grande dramaturgo brasileiro, que teve muitas peças encenadas e outras tantas adaptadas para a televisão. O autor foi eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1991 e até hoje seus personagens são carinhosamente lembrados pelo público. Neste trabalho, queremos a atenção para dois tipos de incidência nas peças deste autor. A primeira é a questão do bode-expiatório, alguém sobre quem recai as culpas de um povo ou um grupo de gente. A outra é a figura do herói, sobre quem se projetam olhares de bravura, coragem, destemor e abnegação que muitas das vezes não correspondem á verdade dos fatos. Ambos, o herói e o bode-expiatório, são elementos que constantemente emergem do clamor do povo brasileiro em determinadas circunstancias e são bem muito bem retratadas na obra de Dias Gomes, especialmente através de personagens bem construídos. Palavras-chave: Dias Gomes, teatro, literatura. Abstract: This study intends to call attention to the writings of Dias Gomes, great Brazilian playwright, who had several of his plays presented and many others adapted to television. Dias was elected to Brazilian Academy of Letters and Literature (Academia Brasileira de Letras) in 1991 and his characters are tenderly remembered by Brazilian public. In this work, we focus on two kinds on incidences in this authors’ plays. The first is the scapegoat, someone over who falls on the guilty of an entire people or a group of people. The other is the hero, over whom people projects looks of braveness, courage, untamed and abnegation that, in many times, are not related to the accuracy of the facts. Both, hero and scapegoat, are elements that usually emerge by the clamor of Brazilian people in specific circumstances and they are very well portrayed in Dias Gomes’ literature, specially through well built characters. Keywords: Dias Gomes, theatre, literature.

Introdução A revolução no universo teatral brasileiro, que é chamada por muitos teóricos de “Teatro Moderno Brasileiro” aconteceu em 1937, com a montagem da peça “Vestido de Noiva”, de Nelson Rodrigues. Daí o teatro brasileiro começou a ganhar uma nova cara através de uma nova geração de atores e dramaturgos voltados para questões mais particulares da nossa sociedade


55 brasileira: além do já citado Nelson Rodrigues; Ariano Suassuna (Auto da Compadecida), Gianfrancesco Guarnieri (Eles não usam Black-tie), Plínio Marcos (Navalha na Carne), o teatro do oprimido de Augusto Boal... e um autor baiano chamado Dias Gomes. No teatro de Dias Gomes podemos achar um pouco daquilo que vários desses outros autores costumavam abordar: o moralismo em peças como “As primícias”, o homem do interior como o Zé do Burro de “O pagador de promessas” ou a crendice do homem rural de “A revolução dos beatos”, a crítica afiada na política como em “O Bem Amado” e “O Berço do Herói”, o submundo como em “A invasão”, a opressão como em “O Santo Inquérito” só para citar alguns exemplos. Muitas das vezes seus textos apresentavam ainda uma grande dose de ironia e comicidade que nos faz rir de nossas próprias desgraças socioculturais. Com palavras tão afiadas, impossível não encontrar problemas. O autor relata em sua autobiografia intitulada “Apenas um subversivo”; o então Governador da Guanabara, Carlos Lacerda, disse a seu respeito ao assumir diante de um grupo de atores, a autoria da ordem para censurar a peça “O Berço do Herói”: “Nelson Rodrigues é pornográfico, Dias Gomes é pornográfico e subversivo.” (GOMES,1998) Diante de um universo tão vasto, vamos trazer nossas atenções para dois extremos que constantemente se cruzam no imaginário da sociedade brasileira. O primeiro deles é o bode-expiatório.

O Bode-Expiatório A expressão é muito usada para designar o indivíduo que responde e/ou paga por algum erro ou desvio que recai sobre toda uma coletividade. Segundo Vassalo: A expressão bode expiatório significa muito mais do que um mero estereótipo linguístico. Ele remete a um fenômeno transtemporal, pois aparece em várias épocas e culturas. (...) O sentido persecutório incide, assim, não só sobre indivíduos isolados quanto sobre grupos, mas não ocorre aleatoriamente, porquanto para a sua eclosão são necessárias determinadas circunstâncias e um sentido específico. (VASSALO,1985, pg. 111)


56 O que poucos sabem é que o bode-expiatório tem origens bíblicas. O livro do Levitico, fala de um ritual para a expiação que era feito pelos sumos sacerdotes para limpar o povo de seus pecados. Tomará os dois bodes e os colocará diante do Senhor à entrada da Tenda da reunião. Deitará sortes sobre os dois bodes, uma para o Senhor e outra para Azazel. Oferecerá o bode sobre o qual caiu a sorte para o Senhor e o oferece-lo-á em sacrifício pelo pecado.(...) Quanto ao bode sobre o qual caiu a sorte para Azazel, será apresentado vivo ao Senhor, para que se faça a expiação sobre ele, a fim de envia-lo a Azazel no deserto.(...) o bode levará, pois, sobre si, todas as iniquidades deles para uma terra selvagem. (Lev 16, 7-10.22)

Este é talvez o único ou um dos poucos rituais em que o animal não é sacrificado. O bode em muitas culturas é visto como um animal que carrega em si o bem e o mal, daí um é sacrificado para Deus e o outro vai ser entregue para Azazel que é uma entidade demoníaca que acreditavam habitar o deserto. Daí a visão que se tem do deserto: quente, seco, onde nada cresce, nada germina; não por acaso, Jesus Cristo foi tentado justamente no deserto, aonde jejuou. Em contraposição à figura árida do deserto estão os jardins; como os Jardins das Oliveira ou os Jardins do Éden que fora criado por Deus e é descrito como repleto de vida e beleza. Ao seguir para o deserto para ser tentado, Cristo era o bode-expiatório; que viria para pagar (na cruz) os pecados de todos. Jesus-bode enviado ao deserto, ao resistir ás tentações retorna Cordeiro de Deus, que é um animal associado ao bem, diferente do dualismo que o bode carrega. Na mitologia grega, o Pan (aquele que é metade homem, metade bode) é um personagem amigo que, volta e meia, acaba fazendo alguma travessura. Na cultura grega, o ritual do bode expiatório é chamado de pharmakós (ϕαρµακος); em português originou o vocábulo “fármaco”, que é o medicamento que cura, mas que também pode entorpecer. Damasceno chama a atenção para a necessidade deste ritual nas sociedades de ontem e de hoje, ainda respeitadas das diferenças temporais. O ritual do bode-expiatório é, pois, sagrado, mas também catártico, purificador. A comunidade canaliza para um ser a angústia e incerteza diante do desconhecido, e assim purificada, pode iniciar uma nova época. (DAMASCENO, 1986)


57 Na peça “O Santo Inquérito”, a personagem Branca Dias é acusada de ser permissiva com pecados que, na visão católico-cristã, são de inspiração do diabo. Isto vai se agravando a tal ponto que ela, bem como o pai e o noivo, são levados à Inquisição para responder por estes “crimes” os quais a moça (cujo nome já é um dado a mais para enfatizar sua pureza de atitudes) não imagina ter cometido. Seu maior acusador é justamente seu guia espiritual: Padre Bernardo, que na verdade, transfere para a moça a tentação que reside nele desde que Branca entrou num rio para lhe salvar a vida quando se afogava. O padre a viu com o vestido molhado colando no corpo e revelando-lhe as formas, sentiu os lábios da moça durante a respiração boca a boca e desde então era atormentado por maus pensamentos. No fim das contas, salvar a vida do padre em uma extremidade da trama fê-la perder a sua própria vida ao final, num processo catártico, doloroso e injusto. Como dialético tem-se na mão um instrumento implacável; com ele pode fazer as vezes de tirano; compromete a quem obtiver a vitória. O dialético deixa a seu antagonista o cuidado de provar que não é idiota; enfurece e ao mesmo tempo priva de toda ajuda. O dialético degrada a inteligência de seu antagonista.” (NIETZSCHE, 2000, pg. 26)

O pensamento de Nietzsche pode ser observado na ação do padre. Ele, com toda sua eloquência teológica, articula as mais variadas justificativas, mas não a fim de trazer esclarecimento. Ele manipula os fatos visando sua autopreservação humana e institucional - purificador de si mesmo - ainda que viesse a custar a vida de um inocente. Uma das mais famosas obras do autor é o Pagador de Promessas, que além de premiadíssima como peça, sua adaptação para o cinema arrebatou a histórica Palma de Ouro em Cannes. Em “Pagador”, Zé do Burro é um homem humilde da roça que quer apenas pagar a promessa à Santa Bárbara: carregar uma cruz “tão pesada como a de Cristo” (palavras do próprio Zé) até a igreja da santa pela cura do seu burro Nicolau. O problema é que o padre proíbe o cumprimento da promessa quando descobre que esta fora feita num terreiro de Iansã, entidade que no candomblé corresponde a Santa Bárbara. Dentro de uma religiosidade cristã brasileira podemos observar o abismo existente entre a visão metódica de Padre Olavo com toda teologia, filosofia,


58 bulas, encíclicas e documentos religiosos e o raciocínio simplório de Zé que, na falta de uma teologia elaborada, cria um raciocínio lógico baseado nas relações humanas como se pode ver na fala do próprio personagem: Não, nesse negócio de milagres, é preciso ser honesto. Se a gente embrulha o santo, perde o crédito. De outra vez o santo olha, consulta lá os seus assentamentos e diz: - Ah, você é o Zédo-Burro, aquele que já me passou a perna! E agora vem me fazer nova promessa. Pois vá fazer promessa pro diabo que o carregue, seu caloteiro duma figa! E tem mais: santo é como gringo, passou calote num, todos os outros ficam sabendo. (GOMES,1972, pag.14)

A partir da negativa do padre e diante da resistência de Zé, a praça, que está vazia no inicio, vai se tornando cada vez mais populosa e com o povo sempre atribuindo valores á ação do incompreendido camponês. Muitos buscam querer se beneficiar da fama que vai sendo montada á revelia de Zé, que mantém seu pensamento fixo em seu objetivo, desconhecendo haver se tornado o epicentro de uma tragédia. Para Magaldi em Zé-do-Burro, Dias Gomes confirma seu brilhantismo ao trazer para os palcos um indivíduo ingênuo e desprovido de qualquer escudo contra a sociedade. O autor joga muito bem com a falta de defesa do herói, numa situação em que desde logo se avolumam outros interesses, para mostrar a desproteção do homem num mundo governado por forças que lhe são superiores. (MAGALDI,1998, pag 250)

Ainda Rosenfeld traz um curioso paralelo com Dom Quixote de La Mancha, “o seu nome, aliás, acentua certo teor quixotesco e a obra de Cervantes, como se sabe, baseia seu humor no tema do herói medieval, perdido no mundo moderno”(ROSENFELD, p. 1991). A determinação de Zé do Burro em cumprir sua promessa somada a sua inocência e sua fé, tanto no sobrenatural quanto na humanidade, ganha o público que se compadece e sofre até o sacrifício do herói, ainda que façamos parte dessa sociedade que tanto necessita expiação.

O herói No outro extremo da figura do bode expiatório encontramos a figura do herói! Em Dias Gomes ele pode ter várias facetas, inclusive o humilde e já mencionado Zé do Burro. Ele busca ser o herói de si mesmo ao não se permitir dobrar ante todos os esquemas sociais que não compreende, mas que não


59 permitem que ele conclua sua promessa após andar sete léguas com a cruz nas costas, estando a poucos passos do altar de Santa Bárbara. Assim fala Zé no auge de sua angústia: “Não... mesmo que ela (Santa Bárbara) me abandone... eu preciso ir até o fim... ainda que já não seja por ela... que seja só pra ficar em paz comigo mesmo.” (GOMES, 1972, p.91) Odorico Paraguassu, incrivelmente é outro herói bem característico das obras desse autor; justamente um que não possui as características heroicas tradicionais do imaginário popular. Ele é um prefeito corrupto que vive tentando se dar bem através de seu poder político; mas não é alheio ao povo, pelo contrário, ele quer ser o herói dos sucupiranos. Nessa busca, Odorico presenteia seu povo sempre com discursos inflamados, recheados de neologismos e outras palavras vazias pelos coretos da cidade, constantemente sendo ovacionado por seus conterrâneos que acham bonito o palavrório, mas que nada entendem em sua ignorância. (...) o herói aposta na novidade. Ele é visto como um agente da mudança. No contexto da modernidade, qualquer fator de mudança confunde-se muito com a ação política e revolucionária do herói (...) a complexa relação entre ação política e mudança social torna difícil precisar e limitar o heroísmo na modernidade e mais ainda, a nomeação do herói. (RAMOS, 2004, p. 14)

A peça “O Bem-Amado”, na qual Odorico é protagonista, é a busca do personagem pelo heroico que se resume a tão somente encontrar um defunto para inaugurar a grande obra de sua administração pública: um cemitério. Engenho este que é um paradoxo, pois apenas poderá ser gozada pelos cidadãos após a morte. O arquiteto inventa uma construção que não só é determinante do modo de sua (do labirinto) habitação, como também é capaz de produzir efeitos para além de si, tem vigência para além de seu próprio espaço. (CASTRO, 1992, p. 421)

O sucesso da empreitada do cemitério irá além do próprio Odorico. Seu objetivo é que lhe sirva de meios para ir além na política e no gosto do povo. Para tal, o prefeito chega a contratar um “fazedor de defuntos”, que é o excangaceiro Zeca Diabo, para realizar seu intento. Ironicamente numa cidade onde a qualidade de vida é excepcional, Odorico subverte a ordem e, com isso,


60 vai ao encontro da morte (não a de si próprio) para se tornar o herói do povo sucupirano. Por outro lado, se a morte “escapa” do herói, o que lhe restaria então? Roque Santeiro foi uma das telenovelas de maior sucesso da televisão brasileira. Muita gente não sabe que Roque Santeiro na verdade é a adaptação de uma peça chamada “O berço do herói” que foi proibida durante a ditadura de 1964. Ao invés do santo que não era santo, o herói covarde: Cabo Jorge foi para a guerra e não retornou; foi tido como morto em combate heroico. A cidade, em sua homenagem, assumiu o nome do herói de guerra e passou a viver de seus feitos gloriosos, até que Cabo Jorge em pessoa retorna ao seu vilarejo. Um covarde se dizendo arrependido e querendo se desculpar com todos. A mentira porém, já havia crescido além dos limites da cidade e da ganância de seus políticos. No que se refere ao texto, ROSENFELD diz que “o interesse maior da peça reside precisamente no fato de ser expressão lúcida da ‘crise do herói’, já exposta por Hegel e Nietzsche” (ROSENFELD, p.1991). Quem acha esta uma história incrível e fantasiosa não sabe que ela foi verídica. Dias Gomes se baseia num relato de Euclides da Cunha em sua obra maior, Os Sertões, sobre Cabo Jorge, ordenança do General Moreira Cesar. a lenda do cabo Roque, abalando comovedoramente a alma popular. Um soldado humilde, transfigurado por um raro lance de coragem marcara a peripécia culminante da peleja. (...) De joelhos junto ao corpo do comandante, batera-se ate ao último cartucho, tombando, afinal, sacrificando-se por um morto (...) o soldado obscuro transcendia à História quando —vítima da desgraça de não ter morrido —, trocando a imortalidade pela vida, apareceu com os últimos retardatários supérstites em Queimadas. (CUNHA,1985, p.365)

Essa tão grandiosa obra consegue abarcar toda uma teoria que atinge desde a questão mítica até recair sobre o ser humano. O próprio Cabo Jorge é o advogado de si mesmo revelando sua humanidade falha, totalmente oposta ao mito que lhe foi criado á revelia. Pensem bem: o fim-do-mundo depende do fígado de um homem. E vocês ficam aqui cultuando a memória de um herói absurdo. Absurdo sim, porque imaginam ele com qualidade que não pode ter. (GOMES, 1999, p. 153)


61 Esta defesa de si mesmo é também um autoquestionamento sobre quem ele realmente é e as mudanças que provoca no ambiente; sobre ele está o destino de sua cidade, ou seja, além do conflito gerado em sua mente por estar em constante mudança, ele também é um gatilho desencadeador de mudanças, conforme afirma RAMOS, em sua dissertação: Se associarmos o conceito de metamorfose ao estudo da figura do herói na ficção é porque em muitos textos ele se apresentará como “ser em transformação”, em autoquestionamento. Não são raros os casos em que o escritor moderno usará o protagonista-herói como instrumento de avaliação da própria narrativa e do processo de construção do texto. Neste sentido, é extremamente plausível analisarmos a personagem heroica como ser “metamorfo” (além da forma) não meramente funcional estrutural, mas também porta voz de um discurso dominante. Ele pode ainda figurar na ficção como categoria ausente, sem uma forma definida. (RAMOS, 2004, p. 13)

Porém, Cabo Jorge é vencido pela necessidade que a sociedade tem da figura do herói a fim de manter vivas suas crenças, heranças mais nobres e até mesmo esperanças futuras. “Adianta não, vocês querem porque querem um herói. A glória da cidade precisa ser mantida. A honra do Exército precisa ser mantida.” (GOMES, 1999, p. 153) Cabo Jorge morre para permanecer herói, porém ele vai para a morte como um bode expiatório. Tendo buscado sua cidade (suas origens) para se redimir de sua covardia, para se manter vivo; acaba sendo sacrificado para que a figura heroica continue a pairar sobre o lugar e expie os pecados do povo. O mito ganha vida própria e vence o ser humano numa batalha onde só um pode ter lugar no mundo; e o mito acaba sendo mais forte, ainda que sem os músculos e a carne do humano.

Considerações Finais

Conforme foi apresentado, Dias Gomes expõe em suas obras o elemento humano que existe por trás dos heróis do povo ou daqueles que são execrados para sua salvação. Na sociedade, muitas vezes são expostos apenas os acontecimentos como os feitos heroicos de Cabo Jorge e os projetos mirabolantes de Odorico Paraguassu ou então a ousadia de Zé do


62 Burro e os pecados de Branca Dias. Com a reação popular vem a ascensão ou a purgação de acordo com as conveniências. Desde a escola falamos em heróis brasileiros: Tiradentes, herói da Inconfidência Mineira; D. Pedro I, herói da Independência; Duque de Caxias, patrono do Exército Brasileiro e tantos outros extraídos de nossos livros de história e que ganharam ênfase no período da ditadura militar. Nas ultimas décadas os heróis ganharam versões modernas: craques do futebol como Romário e Ronaldo Nazário, que tiveram grande êxito em Copas do Mundo passadas foram recebidos como heróis nacionais. Ayrton Senna, campeão brasileiro de automobilismo, passou para a história justamente como fazem os heróis, ao morrer em combate: sofreu um grave acidente durante um grande prêmio de Fórmula 1 na Itália. Mas a derrota da seleção brasileira de futebol por sete a um para a Alemanha na Copa do Mundo de 2014 que nós estávamos sediando foi um exemplo de que o nosso esporte não apenas faz heróis, mas muito se buscou (e até hoje se busca) um bode expiatório para tão vergonhoso placar. A morte do jornalista Tim Lopes durante uma reportagem investigativa sobre o tráfico de drogas numa das favelas mais violentas do Rio de Janeiro causou enorme comoção popular através da cobertura dedicada da imprensa. Foram dias a fio noticiando cada passo das investigações até se chegar a um nome - Elias Maluco - declarado inimigo numero um do Rio de Janeiro e preso numa grandiosa operação policial sob a atenção das câmeras de TV. Tim Lopes foi vítima de um sistema permissivo com o narcotráfico, sobretudo dominado em áreas mais carentes; porém, o bandido considerado seu executor foi o bode expiatório para honrar a justiça brasileira, vingar toda a classe dos jornalistas e dar ao povo a sensação de uma cidade mais segura desde então. Dias Gomes com seu teatro e tantos personagens inesquecíveis, trouxe a nós mesmos no palco e assim, cunhou seu brilhantismo na literatura brasileira. O herói e o bode-expiatório estão arraigados na cultura e na mente da maioria dos brasileiros: alguém que nos salve e alguém que pague por nós. Entre um e outro – um povo sofrido, cuja educação está entre as de pior qualidade no mundo entre países em desenvolvimento, e que tenta, ora na covardia, ora na luta, sobreviver um pouquinho a cada dia.


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Referências Bibliográficas A Bíblia Sagrada. São Paulo: Ed.Ave Maria - 1987 . CASTRO, A. J. J. e . Ícaro e a metafísica - um elogio da vertigem. Concinnitas, Rio de Janeiro, v. 4, p. 417-429, 2002. CUNHA, Euclides da. Os Sertões. São Paulo: Editora Brasiliense S.A., 1985 GOMES, Alfredo Dias. Apenas um Subversivo. 2ª. Ed. Rio de Janeiro:Editora Bertrand Brasil – 1998. GOMES, Alfredo Dias. O Berço do Herói. 1ª. Ed. Rio de Janeiro:Editora Bertrand Brasil – 1999. GOMES, Alfredo Dias. O Pagador de Promessas. 31ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora Ediouro, 1998. GOMES, Alfredo Dias. O Santo Inquérito. 2ª. Ed. Rio de Janeiro: Editora Civilização Brasileira – 1976. GOMES, Dias. O Bem-Amado/Dias Gomes; adaptação Mauro Alencar; colaboração Eliana Pace. – São Paulo: Globo, 2008 – (Grandes Novelas). MAGALDI, Sabato. Panorama do teatro brasileiro. Coleção Ensaios. Serviço Nacional do Teatro. 3ª. Ed, revista e ampliada. São Paulo: Global Editora, 1998. MORAES, Silvia Damasceno Andrade de. O Ritual do Bode Expiatório: uma violência presente em nossos dias. In. Revista Calíope No 5. (julho/dezembro) (p. 160-167) Rio de Janeiro: UFRJ – 1986. NIETZSCHE, Friedrich. Crepúsculo dos ídolos: ou como filosofar com o martelo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 2000. RAMOS, Luciane de Oliveira. Metamorfoses do herói na construção da identidade brasileira. – UFRJ – Rio de Janeiro – 2004. ROSENFELD, Anatol. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. São Paulo: Editora Brasiliense. 10ª Ed. 1991. _______. Teatro Grego: Ésquilo, Sófocles, Eurípedes e Aristófanes. (Seleção de Jaime Bruna). São Paulo: Editora Cultrix. STEINER, George. “O leitor incomum”. Nenhuma paixão desperdiçada. Tradução de Maria Alice Maia. Rio de Janeiro: Record, 2001. VASSALO, Ligia. O Bode Expiatório ou A perseguição do nada. In. Perspectivas II – Ensaios de Teoria e Crítica. (p. 111-125) Rio de Janeiro: UFRJ – 1985.


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APONTAMENTOS SOBRE O REALISMO FANTÁSTICO, OU MÁGICO NA LITERATURA BRASILEIRA: ANÁLISE DE OBRAS DE MOACYR SCLIAR Fernanda dos Santos Silveira (UFRJ) Resumo: As discussões sobre as relações entre realidade e ficção vigoram desde Platão. Autores como Erich Auerbach, GeörgLukács e Luiz Costa Lima são alguns dos teóricos de literatura que desenvolveram importantes conceitos sobre a mímesis. Embora o realismo em literatura seja frequentemente relacionado aos séculos XVIII e XIX e às obras de autores como Balzac, Stendhal, Mann ou Machado de Assis, os conceitos de realismo se ressignificaram ao longo do século XX, e as relações entre literatura e realidade ainda suscitam importantes discussões. A partir das décadas de 1960 e 1970 no Brasil o termo realismo vincula-se ao gênero fantástico, surgindo então o realismo fantástico, ou mágico, em consonância com o realismo mágico desenvolvido na América Latina por autores como Gabriel Garcia Marques e Cortázar. Nesta literatura são problematizadas as discrepâncias sociais, o vazio individual e o período histórico de auge das ditaduras políticas. Na literatura brasileira destaca-se, então, a obra do autor Moacyr Scliar, apresentada no presente trabalho. Palavras-chave: Realismo Fantástico; Literatura Brasileira; Moacyr Scliar. Abstract: Discussions about the relations between fiction and reality performed since Plato. Authors such as Erich Auerbach, Lukács Geörg and Luiz Costa Lima are some literary theorists who developed important concepts about mimesis. Although the realism in literature is often related to the 18th and 19th centuries and the works of authors as Balzac, Stendhal, Mann or Machado de Assis, the concepts of realism was reviewed on the 20th century, and relations between literature and reality still raise important discussions. From the decades of 1960 and 1970 in Brazil the term realism binds to the fantastic genre, appearing then the fantastic realism, or magician, in keeping with the magical realism developed in Latin America by authors as Gabriel Garcia Marques and Cortázar. In this literature are discussed the social discrepancies, the individual void and the historical period in the pinnacle of political dictator. In Brazilian literature stands, then, Moacyr Scliar’s work, presented in this paper. Keywords: Fantastic Realism; Brazilian Literature; Moacyr Scliar.

Introdução As discussões sobre a relação entre realidade e ficção vigoram desde Platão e Aristóteles. Durante o século XX autores, como Auerbach e Adorno, se ocuparam da maneira como a realidade era configurada ou representada na


65 literatura dos séculos XVIII e XIX, e das primeiras décadas do século XX, observando as relações entre indivíduo e sociedade a partir das novas formas de vida moderna. Mais recentemente a narrativa realista continuará vigente sob outras formas, uma das quais o realismo fantástico ou mágico, gênero muito profícuo na literatura latino-americana da segunda metade do século XX e que se evidencia na obra de autores como Cortázar, Borges, Rulfo e Onetti. Na literatura brasileira destacam-se Murilo Rubião, José J. Veiga e Moacyr Scliar. Neste artigo propõe-se uma análise sobre o realismo fantástico na literatura brasileira através da obra de Moacyr Scliar e os pressupostos históricos, sociais e identitários problematizados em sua obra. Para aprofundamento teórico foram trazidos os conceitos desenvolvidos por Tzevatan Todorov em Introdução à literatura fantástica, de 1970. Antes serão revisitados alguns dos principais conceitos de realismo, a fim de compreender a importância do realismo em literatura e sua vigência.

Conceitos de realismo O termo realismo não é uniforme, tanto em sua definição quanto na maneira pela qual seus pressupostos são utilizados na análise literária. Suscita questões filosóficas de profundo valor ao estar vinculado às concepções de “real” e de “realidade”. Embora tenha se tornado um termo estigmatizado, o debate sobre as relações entre real e ficcional nas artes, e em particular na literatura, não está terminado, tendo, ainda, passado por ressignificações. Dentre os principais conceitos sobre o realismo em literatura estão os pressupostos desenvolvidos por críticos como Geörg Lukács, autor de O Romance histórico e A ontologia do ser social. Para Lukács a arte não poderia ser compreendida sem uma compreensão preliminar dos processos de evolução sociais e históricos nos quais as obras se constituem, mantendo assim uma relação com a realidade exterior (COUTINHO, 2005, P. 39). Erich Auerbach em seu livro Mimesis, de 1946, aponta o realismo como categoria inerente à literatura e não como um estilo de época ou apenas a representação fotográfica do real transposto para obra literária. O filósofo alemão concluiu que a partir de Stendhal e Balzac inaugurou-se o realismo


66 moderno ao serem introduzidos na literatura personagens quaisquer da vida cotidiana, no seu condicionamento às circunstâncias históricas. Auerbach afirma: Na medida em que o realismo moderno sério não pode representar o homem a não ser engastado numa realidade político-sócio-econômica de conjunto concreta e em constante evolução – como ocorre agora em qualquer romance ou filme -, Stendhal é o seu fundador. (AUERBACH, 1946, p. 414).

Já para o crítico brasileiro Antonio Candido (1993), as narrativas realistas partem de materiais e estímulos não literários que, manipulados artisticamente, criam um mundo novo em que as realidades são sentidas com mais sensibilidade do que o mundo real. Candido (1993) buscou mostrar de que maneira a narrativa se constitui a partir de matérias não literários , manipulados a fim de se tornarem aspectos de uma organização estética regida pelas suas próprias leis, não as da natureza ou , da sociedade ou do ser. No entanto, natureza, sociedade e ser parecem presentes em cada página, tanto assim que o leitor tem a impressão de estar em contacto com realidades vitais, de estar aprendendo, participando, aceitando ou negando, como se estivesse envolvido nos problemas que eles suscitam (CANDIDO, 1993, p. 9).

Candido propõe ainda que mesmo textos que são considerados de predominância não realista podem mostrar a vigência do realismo. Embora pareça um paradoxo, segundo ele, o sentido de verdade e realidade de um texto relaciona-se muito mais à sua organização interna do que sua referencialidade ao mundo exterior, por ser a impressão de verdade consequência da coerência interna, ainda que sejam alegóricos ou simbólicos, pois “são alternativas, voltadas para o sentimento de vazio que corrói os grupos e os seres, projetando-os em outras dimensões” (CANDIDO, 1993, p. 12).

O realismo na literatura contemporânea: novas relações entre realidade e ficção Assim como os conceitos sobre realismo são muitos, também muitas são as mudanças pelas quais passaram as formas de representação ao longo do século XX, principalmente com as modificações pelas quais passou a sociedade. As relações entre sujeito e realidade são muito mais fragmentadas e/ou não imediatamente compreensíveis ou datadas, mas, apesar de sua


67 aparência ilusória ou alegórica, constitui novas formas de estruturação do real e da relação do homem com o real e, logo, novas maneiras de narrá-lo. Tânia Pellegrini (2007) conclui que a vigência do realismo, em obras contemporâneas, foi capaz de se manter graças às refrações das primeiras concepções a respeito do termo e conceito e, assim, é um fenômeno observável na literatura contemporânea, exemplificada na literatura brasileira depois da ditadura, em autores como Chico B. de Holanda e Milton Hatoum. Já para o teórico Karl Erik Schøllhammeras novas vias do realismo não dão continuidade, propriamente, às formas diversas do realismo histórico e representativo dos séculos XIX e XX. Sua proposta analisa formas de experiências literárias no limite da representação e que lançam mão de estratégias de performance e agenciamento à procura de efeitos e afetos no seu processo integral de realização.Schøllhammer propõe conceitos como realismo do choque e realismo performático, que buscam de maneira urgente relacionar literatura e as questões sociais que assolam a história recente, em particular da sociedade brasileira. Esta literatura tematiza a violência, a desigualdade e a exclusão e problematizam a permanência e a transformação da tradição realista e a relação entre literatura e sociedade. Na segunda metade do século XX surgem obras que serão designadas sob os termos realismo mágico ou fantástico que evidenciam novas formas de narrar que são realistas e ao mesmo tempo extrapolam os conceitos de realismo até então entendidos, como explicado no trecho abaixo: Assim, realismo mágico veio a ser o achado crítico interpretativo que cobria de um golpe, a complexidade temática (que era realista de outro modo) do novo romance e a necessidade de explicar a passagem da estética realistanaturalista para a nova visão (mágica) da realidade (CHIAMPI, 1980, p. 19).

O elemento fantástico em literatura não é, de fato, uma forma de narrar surgida no século XX.Segundo Tzevetan Todorov, em Introdução à literatura fantástica, de 1970, a época da narrativa fantástica inaugura-se com Jan Potocki em Le Manuscrit trouvé à Saragosse, de 1847, embora o autor da literatura fantástica de maior repercussão seja Edgar Allan Poe. Todorov, quanto à estrutura do gênero fantástico, afirma que


68 (...) o fantástico se fundamenta essencialmente numa hesitação do leitor – um leitor que se identifica com a personagem principal – quanto à natureza de um acontecimento estranho. Esta hesitação pode se resolver seja porque se admite que o acontecimento pertence à realidade; seja porque se decide que é fruto da imaginação ou resultado de uma ilusão. (TODOROV, 1970, p. 166).

O leitor hesitará em designar se determinado acontecimento é ou não possível, dado que a inserção do sobrenatural na narrativa acontece em um ambiente reconhecível e cognoscível, verossímil. Mantém-se a ambiguidade entre o mundo real conhecido e um mundo onde o sobrenatural é possível. Todorov levanta a questão: “por que o fantástico?”, e esta questão relaciona-se às suas funções. O autor postula: “o fantástico permite franquear certos limites inacessíveis quando a ele não se recorre” (p. 167). Com o recurso do fantástico, temas censurados como a homossexualidade, o incesto, uma sensualidade exacerbada, o psicótico, a necrofilia etc. são, então, abordados, mas esta censura poderia vir tanto da moralidade da sociedade quanto da psique dos próprios autores.Todorov afirma que Mais do que um simples pretexto, o fantástico é um meio de combate contra uma e outra censura: os desmandos sexuais serão melhores aceitos por qualquer espécie de censura se forem inscritos por conta do diabo. (TODOROV, 1970, p. 167).

O que Todorov está afirmando é que o fantástico possibilitava a transgressão de determinados limites: “a função do sobrenatural é subtrair o texto à ação da lei e, por isso mesmo, transgredi-la” (p. 168). Entretanto, com o advento da Psicanálise, Todorov afirma que a literatura fantástica chega ao fim, uma vez que as questões da psique humana não mais necessitam ser veladas. Mas as questões suscitadas na literatura fantástica do século XIX não são as mesmas das literaturas moderna e contemporânea. A designação literatura fantástica, ou mágica que nomeiam obras da segunda metade do século XX trata de outras questões, como a violência, a banalidade,as discrepâncias da cultura. Floresceu abundantemente na literatura latinoamericana deste período, embora influenciada pela arte europeia dos anos 1920 e 1930. Na América Latina, as obras tematizavam as novas relações dos homens e seus contextos sociais, em particular as relações entre política e os indivíduos (este é um período de regimes ditatoriais em países da América


69 Latina, como Chile e Brasil).É, ainda, importante salientar que os termos realismo e fantástico, apesar da aparente oposição são possíveis uma vez que, mais recentemente, as fronteiras entre os gêneros literários ficaram cada vez mais diluídas. Na literatura brasileira os autores mais proeminentes vinculados ao realismo fantástico ou mágico são Murilo Rubião, Péricles Prade, Moacyr Scliar, Roberto Drummond e Victor Giudice. Entretanto a designação da escrita literária destes autores não é homogênea, como Antonio Hohlfeldt, faz em Conto Brasileiro Contemporâneo, em que reúne a obra destes autores sob a designação de conto alegórico. Embora, neste trabalho, mantenha-se a nomeação realismo fantástico ou mágico, é ainda importante distingui-lo da literatura fantástica europeia, como o fez José Hildegrando Dacanal: Há uma diferença básica a opor-se entre aquela literatura europeia praticada em torno do elemento fantástico e a que hoje em dia se realiza entre nós: enquanto naquela o elemento irreal ou não real apenas serve como ratificação do real como único dado existente, na literatura latino-americana, aí incluída a brasileira, a oposição fica totalmente afastada, de tal sorte que ambos os elementos convivem sem maiores problemas. (DACANAL, 1970, p. 85).

Para uma exemplificação do realismo fantástico ou mágico na literatura brasileira, são aqui analisadas algumas das obras do autor gaúcho Moacyr Scliar. Dentre sua vasta obra destacam-se de A Guerra no Bom Fim, 1972, A majestade do Xingu, de 1997, e A mulher que escreveu a Bíblia, 1999. Do conjunto de sua obra em que se verificam os elementos do realismo fantástico podem ser destacados os contos que compõem o livro O Carnaval dos Animais de 1968e o romance O centauro no jardim, de 1980. No livro de contos O Carnaval dos animais, a temática principal é a da violência e o seu oposto: a banalidade entediada. Regina Zilberman no prefácio ao livro de Scliar, afirma que, na obra scliariana (...) o fantástico continua possibilitando o exercício da atividade crítica; e estabelece uma relação de contiguidade com o cotidiano, iluminando sua banalidade e acentuando a carga opressiva que exerce sobre o indivíduo, quando este vive num regime de relações de produção marcado pela desigualdade (ZILBERMAN, 2012, p. 18).


70 No conto Canibal, da primeira parte de O Carnaval dos Animais, é retratada a perversidade humana, assim como a tendência à dominação do outro e seu rebaixamento. No conto, há duas mulheres, Bárbara, mulher alta e loira, casada com um rico fazendeiro, e sua irmã de criação, Angelina, caracterizada como “uma criatura esguia e escura”. Depois de uma pane no avião em que viajavam, as duas mulheres veem-se sozinhas e distantes de qualquer tipo de civilização. Entretanto, Bárbara havia trazido um baú com os mais variados e finos alimentos, que ela se recusará a compartilhar com Angelina. Esta, depois de três dias faminta, começa a amputar seu próprio corpo para comer: Nos dias seguintes, Angelina comeu os dedos das mãos, depois dos pés. Seguiram-se as pernas e as coxas. Bárbara ajudava-a a preparar as refeições, aplicando torniquetes, ensinando como aproveitar o tutano dos ossos. No décimo dia, Angelina viu-se obrigada a abrir o ventre (Ibid., p. 83).

E por fim: No vigésimo dia, Angelina expirou; e foi no dia seguinte que a equipe de salvamento chegou ao altiplano. Ao verem o cadáver semidestruído, perguntaram a Bárbara o que tinha acontecido; e a moça, visando preservar intacta a reputação da irmã, mentiu pela primeira vez na vida: - Foram os índios. Os jornais noticiaram a existência de índios antropófagos na Bolívia, o que não corresponde à realidade (Ibid., p. 84).

No conto chama a atenção o fato de, ainda que Angelina ampute e coma partes do próprio corpo, ela continua viva. E ainda a relação de dominação entre as classes sociais tipificadas pelas duas personagens. Angelina, apesar da recusa de Bárbara em dar-lhe comida, vai sendo ludibriada a destruir-se ainda mais. Por fim, a Bárbara culpa os índios, mentira que a mídia noticia. Segundo Zilberman, nestes contos, em que a violência é exacerbada (...) ocorre antes de tudo a denúncia da brutalidade da sociedade, incomum e inaceitável por atentar contra os princípios de humanidade que deveriam nortear a civilização. E, se é incomum, passa a ser mostrada como tal, esclarecendo o modo singular e pessoal com que o ficcionista se utiliza do gênero fantástico (ZILBERMAN, 2005, P. 18).

Maria da Glória Bordini, no ensaio Moacyr Scliar e o conto insólito, de 2011, afirma que, em Canibal, Scliar “aproveita o insólito aterrorizante ou que causa extrema repulsa e se filia à corrente da literatura fantástica” (Ibid., p. 73).


71 Outra narrativa em que há o elemento fantástico é o romance O centauro no jardim, 1980, a obra scliariana mais traduzido. A personagem principal é Guedali, criado pela família secretamente por ter nascido centauro: Meu pai olha ao redor, sem compreender. As filhas estão encolhidas num canto, apavoradas, soluçando. Minha mãe jaz sobre a cama, estuporada. Mas o que está acontecendo aqui, grita meu pai, e é então que me vê. Estou deitado sobre a mesa. Um bebê robusto corado; choramingando, agitando as mãozinhas – uma criança normal, da cintura para cima. Da cintura para baixo: o pelo de cavalo. Da cintura para baixo, sou um cavalo. Sou – meu pai nem sabe da existência desta entidade – um centauro (Ibid., p. 16).

Adulto, Guedali foge pelo interior sul do Brasile casa-se com Tita, uma centaura. Os dois viajam para o Marrocos ebsão submetidos a uma cirurgia que retira deles a característica equina. Entretanto, a nova forma física intensifica as inquietações de Guedali e ele pede ao médico que reverta a operação. Segundo Illan Stavanis, em Moacyr Scliar, 73, Storyteller of Jewish Latin America, de 2011, a respeito da obra de Scliar: O corpo, em particular o corpo judeu, foi seu interesse permanente. Suas numerosas histórias (...) apresentam personagens que sofrem uma variedade de mutações (deformações, transformações, reconfigurações) e, consequentemente, devem achar um modo de lidar com elas. Só triunfam quando encontram sentido em sua monstruosidade (STAVANS, online)16.

No romance, Scliar problematiza as questões da identidade fragmentada dos homens e suas estranhezas. Utiliza-se o fantástico para dar conta deste hibridismo através da apresentação da figura mitológica do centauro. Esta narrativa é, ao mesmo tempo, realista e fantástica, em que se representa o homem moderno em busca de sua própria identidade e lutando contra a alienação. A narrativa trata ainda sobre os conflitos da classe média brasileira nos tempos da ditadura militar e as incertezas quanto ao futuro. Em resposta ao Jornal O Lince, de novembro de 2008, sobre o enquadramento de sua obra ao realismo fantástico, Scliar responde: 16

Disponível em http://forward.com/articles/136015/moacyr-scliar--storyteller-of-jewish-latin-ameri/. Consultado em 14 de outubro de 2014.


72 Os contos de O carnaval dos animais e livros como O centauro no Jardim, sim. Era uma influência muito forte na época – por causa da repressão política. Recorríamos ao imaginário, à metáfora, como forma de denúncia17.

Embora estas duas obras sejam as mais representativas do realismo fantástico na obra scliariana, outros trabalhos do autor podem ser elencados. É o caso de O anão do televisor, de 1979, e O olho enigmático, de 1986. Em outros romances como A guerra no Bom Fim há a presença do fantástico, como na figura da personagem Rosa, que tinha dentes na vagina. Por fim, ainda se faz importante ressaltar a temática judaica na obra de Scliar. Judeu, filho de imigrantes da Bessarábia (Rússia), tematizou em sua obra a vida dos judeus nas regiões do Rio Grande do Sul. Muitas de suas personagens são filhos de imigrantes judeus, que estão em conflito entre a tradição familiar e a cultura brasileira em que estão inseridos. O fantástico nas obras de Scliar também revelam as identidades híbridas, conflituosas deles.

Considerações Finais No presente artigo buscou-se evidenciar o realismo fantástico ou mágico na literatura brasileira a partir da obra de Moacyr Scliar, um dos expoentes do gênero no país. Sua obra tematiza tanto questões mais gerais a respeito da natureza humana, quanto questões particulares da sociedade brasileira e a situação de imigrantes judeus e seus filhos e sua integração à sociedade brasileira. Ainda intentou-se trazer à voga discussões a respeito das relações entre realidade e literatura, ou realidade e ficção, e as maneiras como o realismo vinculado aos séculos passados se ressignifica diante das novas relações entre homem e sociedade nos tempos pós-moderno e contemporâneo e sua representação na literatura, pois, como Lévinas observa, em Da existência ao existente, de 1998, é a literatura que permite, ainda mais que as ciências políticas, históricas ou sociológicas, abordar questões de devida profundidade de forma abrangente e prismática, uma vez que são das pessoas, suas percepções e sentimentos, e não de um grupo que possa parecer homogêneo 17

Disponível em http://www.jornalolince.com.br/2008/nov/entrevista/scliar.php. Consultado em 02 de outubro de 2014.


73 que ela trata, pois “penetra nessa materialidade que [...] constitui o fundo obscuro da existência” (LÉVINAS, 1998, p. 70).

Referências Bibliográficas AUERBACH, Erich. Mimesis: a representação da realidade na literatura ocidental. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. CANDIDO, Antonio.O discurso e a cidade. 4ª Edição. Rio de Janeiro: Ouro sobre azul, 2010. CHIAMPI, I. O realismo maravilhoso. Ed. Perspectiva. São Paulo, 1980. DACANAL, José Hildebrando. Realismo Mágico. Porto Alegre, Ed. Movimento, 1970. PELLEGRINI, Tânia. Realismo: postura e método. In: Letras hoje, v. 42, p. 137155, 2007. SCHOLLHAMMER, Karl Erik.Realismo afetivo: evocar realismo além da representação. In: Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea. N° 39, Brasília jan/jun de 2012, p. 129-148. SCLIAR, Moacyr. O Centauro no jardim. São Paulo: Companhia das Letras, 2004, 10ª edição. SCLIAR, Moacyr. O carnaval dos animais. 2. Ed. – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2012. TODOROV, Tzvetan. Introdução à literatura fantástica. Tradução Maria Clara Correa Castello. – São Paulo: Perspectivas, 2012. – (Debates ; 98 / dirigida por J. Guinsburg. 1 reimpressão da 4. Ed. De 2010).


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A COMUNICAÇÃO DOS SURDOS: O DESAFIO DO BILINGUISMO FRENTE AO ORALISMO

Layane Cristine de Souza (UNIABEU)

Resumo: Por muito tempo o surdo não foi reconhecido dentro de suas especificidades, não sendo vistos como sujeito capaz de ter uma vida normal. Muitas abordagens foram utilizadas para se desenvolver a comunicação do surdo, dentre elas destaca-se o oralismo, que busca o uso exclusivo da oralidade. Em seguida, destaca-se a comunicação total que, com o objetivo de desenvolver a oralidade, permite que o surdo aprenda a língua de sinais e o alfabeto manual. Por último, o bilinguismo se destaca como abordagem que permite o surdo se comunicar exclusivamente pela língua de sinais e a língua escrita de seu país. Desta forma, o bilinguismo valoriza a cultura e a identidade surda. Mas diante destas abordagens, a sociedade muitas vezes por falta de conhecimento, busca constantemente a cura da surdez tentando transformar o surdo em ouvinte, acreditando que só assim ele será uma pessoa normal. Neste caso, a sociedade não se prepara para a inclusão dos surdos que utilizam a língua de sinais, fato que também reflete na escola, onde o surdo muitas vezes não recebe uma educação bilíngue de qualidade, pois a educação ainda é permeada pela cultura do oralismo. Palavras chaves: Surdo, Sociedade, Comunicação.

Abstract: For a long time the deaf was not recognized within its particularities, not being seen as a subject able to have a normal life. Many approaches have been used to develop the deaf communication, among which stands out the oralism, which seeks the exclusive use of orality. Then there is the total communication that, in order to develop oral communication, allows the deaf to learn sign language and manual alphabet. Finally, bilingualism stands out as an approach that allows the deaf to communicate only by sign language and the written language of their country. Thus, bilingualism enhances culture and deaf identity. But before these approaches, society often for lack of knowledge, constantly seeking to cure deafness trying to turn a deaf listener into believing that the only way it will be a normal person. In this case, the company does not prepare for the inclusion of deaf people who use sign language, a fact that also reflects in the school where the deaf often do not receive a bilingual education quality because education is still permeated by the culture oralism. Keywords: Deafness, Society, Communication.


75 Introdução Este artigo busca compreender o processo de inclusão do surdo na escola e na sociedade, partindo do princípio de que o Bilinguismo é uma abordagem metodológica que favorece esta inclusão a partir do momento que considera o surdo dentro de características sócio-históricas, valorizando a cultura surda como fator importante para a formação da identidade deste indivíduo. O atual cenário da educação do surdo no Brasil encontra-se ainda com muitos percalços. Um destes percalços é o conflito entre as abordagens metodológicas muitas vezes não se interagem afetando diretamente o ensinoaprendizagem do surdo na sala de aula. O bilinguismo e o oralismo são duas abordagens metodológicas que buscam maneiras de desenvolver uma forma de comunicação para que o surdo possa interagir com a sociedade. Dentre estas abordagens, o bilinguismo se destaca como corrente que possibilita o surdo a se comunicar com a língua de sinais, esta considerada a primeira língua, e o português escrito como segunda língua garantida pela lei 10.436/2002 e pelo decreto 5.626/2005. Nesta lei, a Libras (língua brasileira de sinais) é reconhecida como forma de comunicação e expressão da comunidade surda brasileira. O oralismo, por sua vez, se apresentou como abordagem obrigatória no Brasil no período 1880 após o Congresso de Milão até 1960, ocasião em que somente foi permitida a comunicação do surdo através do oralismo, sem o auxílio de sinais (CHOI et al., 2012). Apesar do bilinguismo estar garantido em lei, o oralismo ainda é muito utilizado por surdos, principalmente em filhos de ouvintes. Ressalte-se, que também é garantido em lei o atendimento por esta abordagem aos alunos que por ela optarem (Decreto 5.626/2005). O conflito se instala no momento em que muitas escolas e professores não utilizam e nem valorizam o bilinguismo por falta de conhecimento da linguagem de sinais e da cultura surda. Outro entrave é a busca dos pais pela “cura” da surdez, buscando a oralização de seus filhos e quando não possibilitada, o indivíduo acaba tendo um contato tardio com a língua de sinais, fato que aumenta seu atraso no desenvolvimento de uma linguagem.


76 Desta forma, as abordagens são vistas erroneamente como opostas, onde a pessoa surda que utiliza Libras fica proibida de se comunicar através da oralidade e os alunos surdos oralizados ficam impedidos de fazer uso dos sinais. Neste contexto, torna-se necessária uma aplicação maior das leis de inclusão, pois apesar de muitos municípios afirmarem que adotam uma política de inclusão, com a criação de polos de acompanhamento ao surdo, é possível encontrar em várias escolas, surdos que vêm tendo o seus direitos negados, sendo forçados a utilizar a oralidade como única forma de comunicação.

O surdo e a trajetória de sua comunicação Por muitos anos, os surdos não foram reconhecidos como sujeitos capazes de pensar e de se comunicar, sendo-lhes negado o direito de ter uma vida social normal. Entre os séculos XVI e XVII iniciou-se uma fase de descobertas, onde professores tutores treinavam seus métodos variados na tentativa de oralizar os surdos. Após 1760, surgiram os primeiros institutos na Europa, onde várias abordagens eram usadas para se desenvolver a comunicação do surdo (CHOI et al., 2012). Segundo Strobel (2008), o discurso ouvintista defende que o surdo só terá uma vida normal, a partir do momento em que ele for oralizado, vivenciando a cultura ouvinte, caso contrário, o surdo será considerado um “desviante”. A autora ressalta que esta corrente ganhou força após o Congresso Internacional de Educadores de surdos ocorrido em Milão, na Itália, no ano de 1880, onde os surdos foram proibidos de usar a língua de sinais, sendo obrigados a usar a oralidade, inclusive nas escolas de surdos. Neste período, muitas instituições de atendimento a criança surda funcionavam como asilos e dormitórios, compartilhados por crianças surdas, que mais tarde, no início da vida adulta retornavam para suas famílias (STROBEL, 2008). Este período de proibição da utilização da língua de sinais durou cerca de cem anos e como consequência os surdos começaram a apresentar um baixo rendimento escolar, impossibilitando-os de concluir os estudos em nível médio e superior (CHOI et al., 2012). Por volta de 1960, estudos começaram a


77 mostrar que filhos surdos de pais surdos tinham um melhor rendimento escolar em relação aos filhos surdos de pais ouvintes, o que levou à adoção da comunicação total. Esta abordagem permite ao surdo se comunicar através da fala, dos sinais e do alfabeto manual, priorizando ainda a linguagem oral (CHOI et al., 2012). Choi et al. (2012) destaca que a partir de 1980, houve um aumento dos movimentos pelo reconhecimento da cultura surda para a adoção da língua de sinais. Neste momento o bilinguismo toma força, onde o surdo utiliza-se da língua de sinais como primeira língua e como segunda língua, a língua escrita de seu país. De acordo com os estudos de Strobel (2008) nos chama atenção para o fato de apesar da repressão por muitos anos pelo oralismo, a língua de sinais não se extinguiu, mas as comunidades surdas têm até hoje, que se organizar para lutar contra a prática do ouvintismo e para transmitir sua cultura surda. A cultura surda apesar de pouco difundica entre a sociedade, se destaca por valorizar a forma diferenciada com que o surdo entende e modifica o mundo, buscando assim, adaptá-lo para suas experiências visuais. Desta forma, Strobel (2008, p.24) diz que tal cultura engloba não só a língua, mas “as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos de povo surdo”. Segundo Strobel (2012), é através do contato com a cultura surda nas comunidades surdas, o sujeito surdo desenvolve a sua identidade aprendendo a valorizar esta cultura, obtendo autoconfiante e orgulho de sua não se deixando abater pela deficiência. Ao se distanciar da cultura surda o surdo se espelha na cultura do ouvinte, desta forma, a sociedade muitas vezes nega ao surdo a oportunidade de participar efetivamente da sociedade, pois não dispõe recursos que são necessários para a sua verdadeira inclusão como intérpretes e diversos recursos visuais.

Surdez: do diagnóstico à escolha pela forma de comunicação Segundo Amorim (2012) abordar o assunto da surdez ainda é complicado, pois para muitas pessoas o surdo não é um indivíduo que apresenta uma cultura própria. De acordo com os dados coletados do IBGE


78 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) 2010, existem cerca de 9.717.318 pessoas no Brasil com algum tipo de perda auditiva (IBGE, 2010). Este dado nos faz repensar sobre o tema da surdez, pois é uma parte significativa da população brasileira que apresenta esta perda auditiva. Diante da realidade brasileira, a libras é reconhecida como língua nativa e materna dos surdos, sendo sua comunicação através dos sinais, com a utilização do canal visual. (FRANÇA; ONO, 2011). A linguagem, assim como a libras, tem um papel importante na construção do indivíduo, pois é capaz de mediar às interações e a construção dos significados do mundo (GESUELI, 2006). Segundo Cruz e Quadros (2011), a aquisição da linguagem acontece de forma natural na relação do bebê com o meio e com as pessoas, seja na língua falada ou sinalizada. Segundo as autoras, qualquer criança tem a capacidade de adquirir uma linguagem quando vivencia uma aquisição de forma natural, até mesmo filhos surdos de pais surdos são capazes de aprender a língua de sinais de forma natural. A apropriação da cultura e da história do indivíduo somente é possível após a aquisição de uma língua, por isso, torna-se importante que o surdo parcial ou total, adquira uma língua. Segundo os autores Costa, Fonseca e Gutierrez (2010, p. 104), o fato da pessoa ter surdez pode acarretar “um atraso no desenvolvimento de suas funções psíquicas superiores”, podendo ser evitado através do uso da língua de sinais, meio para o surdo ter acesso à cultura, ao conhecimento e ao desenvolvimento de suas interações sociais. No caso de crianças surdas filhas de ouvintes, por não ter conhecimento da libras, os pais providenciam um contato tardio de seus filhos com a língua de sinais, atrasando também a aquisição de sua linguagem (CRUZ; QUADROS, 2011). Desta forma muitos pais por não conhecer a língua de sinais estimulam a aprendizagem da linguagem oral em seus filhos. De todo o processo de desenvolvimento da pessoa com surdez, o principal momento é a descoberta precoce para que o indivíduo surdo receba o atendimento adequado o mais rápido. Dentre as diferentes abordagens terapêuticas, é comum fonoaudiólogos e/ou médicos indicarem a oralidade e o


79 uso de aparelhos auditivos para a comunicação do surdo, o que muitas vezes não atende as necessidades das crianças surdas (CRUZ; QUADROS, 2011). Diante da falta de recursos para a inclusão do surdo, muitas vezes os pais se sentem indignados com o diagnóstico, pois não vêm uma divulgação sobre pessoas surdas que conseguiram ter uma vida normal e construir carreiras, desta forma não sabem da capacidade que seus filhos podem ter. Para Amorim (2012), os pais percebem que seus sonhos nunca se realizarão, em um pensamento limitado. Diante deste sentimento de culpa por terem concebido um filho surdo, as famílias iniciam uma jornada em busca por uma “cura” na esperança de que um dia o seu filho poderá ouvir (STROBEL, 2008). Segundo Amorim (2012) muitos pais após o diagnóstico tratam seus filhos como coitadinhos, ao invés de educá-los com limites como qualquer outra criança. Ao buscar ajuda nas comunidades surdas, os pais ouvintes, às vezes se assustam com a cultura surda, pois é algo novo para eles. Desta forma, por se sentirem como estrangeiros nestes ambientes, os pais preferem deixar o filho se desenvolver na cultura ouvinte, na busca de tornar o filho surdo cada vez mais “normal” (STROBEL, 2008). Diante da busca por tratamento, os pais se deparam com muitos profissionais fonoaudiólogos no Brasil que optam pela abordagem oral, pois a sua formação não favorece a língua de sinais. A intervenção profissional poderia ser feita através da língua de sinais, mesmo no caso do atendimento clínico voltado para a oralização, pois desta forma o surdo teria uma aquisição da língua oral como segunda língua (CRUZ; QUADROS, 2011). Segundo Vilhalva (2004) esta pedagogia oral-auditiva deveria ser utilizada em complemento e não para substituir a língua de sinais. Segundo Cruz e Quadros (2011), mesmo em alguns casos onde a família opta pela aprendizagem bilíngue de seu filho, a família continua a utilizar a comunicação através da oralidade com a esperança do filho desenvolver também a oralidade, isso quando não predomina a falsa ideia de que ao aprender a língua de sinais, o surdo fica impossibilitado de desenvolver a oralidade. Desta forma, há a necessidade de informar aos pais que as fases de aquisição de linguagens naturais nas crianças surdas acontecem através do


80 mesmo processo verificado nas crianças ouvintes, podendo inclusive, traçar parâmetros de observação entre os processos (QUADROS, 2011). Um dos fatores que reforça a igualdade deste processo são alguns estudos mostrando que pais ouvintes que utilizam a libras com seus filhos surdos, também adequam os sinais ao nível de linguagem da criança (CRUZ; QUADROS, 2011). Desta forma ao criar uma fala oral infantilizada com a criança para sua melhor compreensão, os pais de crianças surdas também podem adequar a sua forma de sinalizar para a compreensão das crianças surdas. Skiliar (1998) defende que a Libras deve ser valorizada, pois as línguas de sinais foram passadas por surdos, geração após geração, sendo um produto de um processo sócio-histórico. A verdadeira acessibilidade do surdo só acontecerá a partir do momento em que houver acesso aos meios de comunicação, informação e conhecimento. Para isso é necessário não só a utilização de tecnologias, mas também de produtos e serviços que auxiliam neste processo (FRANÇA; ONO, 2011). Neste contexto a sociedade ainda precisa olhar para a libras como uma língua capaz de ter os mesmos objetivos de uma língua oral, sendo capaz de transmitir as mesmas informações. Desta forma a sociedade passará a difundir mais a língua de sinais e a respeitar seu uso.

Bilinguismo e a cultura surda Segundo Buzar e Kelman (2012) as crianças surdas apenas se sentem em um estado fora do normal quando encontram na sociedade um lugar que não é feito e preparado para elas, sendo esta anormalidade, resultado de uma experiência social. As autoras ressaltam que ao se organizar o trabalho pedagógico para alunos com surdez, um dos primeiros passos é garantir a comunicação fluente entre todos os presentes no processo, como alunos, pais, e professores, sejam eles surdos ou ouvintes. Segundo Vilhalva (2004), é preciso conhecer a cultura surda e as características da comunidade surda, pois não basta conhecer a libras para que o trabalho pedagógico funcione de maneira eficaz. A cultura surda não é feita somente da língua de sinais, mas também de literatura surda, tecnologia,


81 arte surda, comportamento diferenciado e também de uma experiência de vida voltada para o visual. Em busca de uma verdadeira educação bilíngue para os surdos, Buzar e Kelman (2012, pp. 6-7) destacam alguns pontos que precisam ser implantados na escola, como “professores fluentes em Língua de Sinais, intérpretes de libras, professores de Libras como primeira língua e de Língua Portuguesa como segunda língua”. Através da utilização dos recursos necessários para o atendimento do aluno com surdez, todos os profissionais dentro de suas funções devem trabalhar em busca do mesmo objetivo, tornando possível a aprendizagem significativa do aluno surdo (COSTA; FONSECA; GUTIERRE, 2010, p. 105). Desta forma o surdo conseguirá se desenvolver como qualquer indivíduo e saberá também escolher a melhor forma para se comunicar com a sociedade sabendo que será aceito e respeitado dentro de qualquer abordagem, mas desta vez sem algo imposto pela sociedade.

Considerações Finais Durante muitos anos os surdos tiveram uma busca constante pelos seus direitos. E por mais que tenhamos avançado no campo da legislação, como a Lei 10.436/2002 é necessária à adoção de meios para garantir a eficácia da legislação em vigor. A luta do surdo é constante para ter seus direitos garantidos em todos os âmbitos da sociedade. A sociedade ainda vive em busca da cura da surdez priorizando a oralização do surdo. Desta forma, há um constante conflito entre as abordagens do oralismo e do bilinguismo. Sabe-se que a corrente do bilinguismo é a tese que apoia a cultura surda, mas este trabalho segue a linha da doutrina defendida pela a autora Vilhalva (2004), ao afirmar que as duas abordagens são conciliáveis, para que a cultura surda seja valorizada e não sufocada pela cultura do oralismo. Neste contexto, pode-se perceber a importância do surdo desenvolver uma linguagem de maneira natural, mediante estímulos naturais.

Nota-se

então, a importância de ter um ambiente que favoreça esta aprendizagem, que no caso da língua de sinas, pressupõe-se um ambiente bilíngue que favoreça


82 a cultura e a identidade surda. Mesmo que a família opte pela oralização, é importante um diagnóstico rápido da surdez, bem como o início de seu atendimento clínico-terapeutico, para que esta criança possa desenvolver o quanto antes uma comunicação. Conclui-se que o tema em relação à comunicação do surdo é muito pertinente, pois ainda se busca uma adequação da sociedade para a inclusão do surdo através da difusão da língua de sinais e dos recursos visuais, além da preparação das escolas bilíngues que possam realmente atender as necessidades do aluno com surdez, de forma a conferir ao surdo as mesmas condições de desenvolvimento dos outros alunos sem surdez.

Referências Bibliográficas AMORIM, Gildete da Silva. Surdez, Educação e interpretação em Língua de Sinais. n° 37. Rio de Janeiro: Revista Espaço, 2012. BRASIL. Decreto n° 5.626, de 22 de dezembro de 2005. Regulamenta a Lei no 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais Libras, e o art. 18 da Lei no 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/ccivil_03/_Ato20042006/2005/Decreto/D5626.htm. Acesso em 01 setembro 2014. BRASIL. Decreto no. 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais - Libras e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10436.htm. Acesso em 01 setembro 2014. BUZAR, Edeiice Aparecida Santos; KELMAN, Celeste Azulay. A (in) visibilidade do aluno surdo em classes inclusivas: discussões e reflexões. n° 37. Io de Janeiro: Revista Espaço, 2012. CHOI, Daniel; GASPAR, Priscilla; NAKASATO, Ricardo; PEREIRA, Maria Cristina da Cunha; VIEIRA, Maria Inês. Libras: conhecimento além dos sinais. São Paulo: Ed. Pearson, 2012. COSTA, Simone de Fátima Saldanha C.; FONSECA, Alessandra do Carmo & GUTIERREZ, Ericler Oliveira. O aprender e o ensinar: produção de sentidos subjetivos em uma turma de alunos surdos. Informativo Técnico-Científico Espaço do INES, Rio de Janeiro, n° 34, p. 103-111, jul-dez 2010. CRUZ, Carina Rebello; QUADROS, Ronice Muller de. Língua de sinais: instrumento de avaliação. Porto Alegre: Artmed, 2011.


83 FRANÇA, Ana Claudia Camila Veiga de.; ONO, Maristela Mitsuko. Interação de pessoas surdas mediada por sistemas de produtos e serviços de comunicação. Cadernos Gestão Pública e Cidadania; São Paulo, v. 16, n. 59, Jul./Dez. 2011. Disponível em: <http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/cgpc/article/viewFile/3749/2353>. Acesso em 20 setembro 2014. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). (2010) Disponível em: <ftp://ftp.ibge.gov.br/Censos/Censo_Demografico_2010/Caracteristicas_Gerais _Religiao_Deficiencia/tab1_3.pdf>. Acesso em 20 setembro 2014. SKLIAR, C. A Surdez: um olhar sobre as diferenças. Porto Alegre: Ed. Mediação, 1998. STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Editora da UFSC, 2008. VILHALVA, Shirley (2004) Pedagogia surda. <http://www.editora-arara-azul.com.br/pdf/artigo8.pdf>. setembro 2014.

Disponível em: Acesso em 20


84

GÊNEROS ORAIS E LITERATURAS AFRICANAS NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA Simone Ribeiro da Conceição (Mestre/UFF) Resumo: Este artigo pretende auxiliar na elaboração de aulas de língua portuguesa que priorizem a diversidade norteadora dos Parâmetros Curriculares Nacionais em vigor na educação brasileira. Os PCNs estimulam o uso de diferentes gêneros textuais em um ensino de língua portuguesa distanciado da abordagem gramatical e baseado na análise, interpretação e produção de textos que viabilizam o desenvolvimento das competências linguística e discursiva necessárias para a inclusão dos alunos na sociedade da informação. A partir desta compreensão, o estudo sugere o uso dos Cadernos Pedagógicos da SME/RJ para realização de atividade de leitura de um conto africano publicado nesse material didático instrucional. As reflexões tecidas evidenciam que a atividade de interação sociocomunicativa torna possível recorrer aos traços dos gêneros orais para conhecer aspectos da memória, história e valores marcantes na matriz cultural africana. Realizando uma introdução às literaturas africanas, a sala de aula de língua portuguesa colabora com a circulação de informações relevantes para o ensino de história da África e cultura afrobrasileira, com base nas quais se constroem conhecimentos significativos para a educação das relações étnico-raciais e para combate ao racismo, tal como proposto pela Lei nº 10.639/03. Palavras chave: ensino; língua portuguesa; Africa. Abstract: This article intends to help planning Portuguese language classes that prioritize the diversity of national education parameters (Parâmetros Curriculares Nacionais) being used nowadays in Brazilian education. The PCNs stimulate the use of different textual genres and the teaching of language distanced from grammar and based on the analysis, interpretation and writing that make possible the development of linguistic and discourse competences necessary to include students in society. Considering that, the study suggests the use of “Cadernos Pedagógicos da SME/RJ” for a reading activity based on an African short story published in that resource. The reflections demonstrate that the social communicative interaction makes possible the use of traces of oral genres to know aspects from the memory, history and values of African culture. Making an introduction to African literature the Portuguese language class contributes on spreading information that is relevant to teaching African history and Afro-Brazilian culture in order to build important knowledge to education in etnic-racial relations and for fighting prejudice as suggested by the law nº10.639/03. Key-words: teaching; Portuguese language; Africa.


85 Introdução A escrita deste trabalho integra o conjunto de ações que buscam ampliar as reflexões e práticas criadas para efetivar a aplicação da Lei nº 10.639/03 no ensino brasileiro. Aplicar a lei exige conhecimentos nem sempre presentes na formação docente, o que limita o aproveitamento de conteúdos, encontrados no material didático instrucional de diferentes disciplinas e, pertinentes para o desenvolvimento de atividades que auxiliem no ensino de história, memória e culturas africanas e da cultura afro-brasileira. Constatada tal realidade, convém fornecer apoio aos docentes de diferentes níveis, confrontados com a tarefa de ensinar estas culturas e histórias por muito tempo inexistentes no currículo de formação de professores, aos quais destinamos esta breve interlocução no intuito de colaborar com o preenchimento de lacunas existentes no vasto campo de saberes oriundos da história e matriz cultural africanas.

O discurso da diversidade no curso da educação brasileira No século XX entrou em vigor a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - Lei nº 9394/96, segundo a qual: “a educação abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais". A mudança ocorreu

no

mesmo

período

em

que

diferentes

movimentos

sociais

intensificaram lutas responsáveis por medidas destinadas a ampliar a cidadania, dentre as quais destacamos a mobilização de ativistas do movimento negro, atuantes na criação de medidas destinadas a reparar distorções resultantes em desigualdades históricas observadas na sociedade brasileira. No final do século XX, entraram em vigor os Parâmetros Curriculares Nacionais – Diversidade Cultural, propostos pelo Ministério da Educação. No rol das ações afirmativas deflagradas desde então, no século XXI, o governo federal sanciona a Lei nº 10.639/03, com objetivo de colocar em circulação e valorizar o legado africano, relevante em diversos aspectos da vida social, mas subestimado na educação brasileira. Moldados a partir dos padrões europeus, os conteúdos da educação brasileira preteriram saberes e fazeres ligados à história e cultura africanas.


86 Por reconhecer a importância desses temas para a equidade da sociedade brasileira, a Lei nº 10.639/03 instituiu a obrigatoriedade do ensino de História e Cultura Africanas, promovendo alterações visíveis nos livros didáticos e no material didático instrucional. Em função da nova exigência curricular, salas de aula passaram a contar com material didático e paradidático composto por textos verbais e não verbais utilizados em diferentes disciplinas. Desse modo, surgiram vias de construção de conhecimento sobre protagonistas negros, suas histórias, bem como a atuação de afrodescendentes na criação da cultura afro-brasileira cada vez mais reconhecida como fator positivo e significativo para a identidade do país. O quadro resumido aponta o formato assumido pela educação nacional no século XXI, com o qual este artigo propõe colaborar. Para tanto, realizaremos uma abordagem sobre o estudo de um conto popular africano inserido nos Cadernos Pedagógicos da Secretaria Municipal de Educação/RJ. Os apontamentos tecidos têm por objetivo refletir sobre o aproveitamento desse material didático instrucional, bem como apontar o conto africano como material proveitoso para o estudo de história e culturas africanas, viabilizando a implementação da Lei nº 10.639/03 nas salas de aula do ensino fundamental. Com a atividade de leitura realizada em grupo, o conto tradicional reencontra sua forma oral, configurando uma situação sociocomunicativa propícia para circulação de saberes referentes à matriz africana, a partir dos quais se torna possível a desconstrução de estereótipos que pesam sobre a população africana e afro-brasileira, dificultando a equidade nas relações étnico-raciais.

O texto e o contexto As mudanças operadas na educação estão identificadas com o projeto de construção de uma sociedade democrática, calcado em Parâmetros Curriculares Nacionais que definem a escola como espaço implicado com a construção da identidade de cidadãos participativos e conscientes da diversidade existente em nossa sociedade. A relevância da diversidade resultou em reformulações nas orientações curriculares para o ensino de língua portuguesa, nas quais foram ampliados os tipos e gêneros textuais, sendo enfatizadas as práticas voltadas para o desenvolvimento das habilidades


87 linguísticas básicas, tais como: falar, escutar, ler e escrever, minimizando o ensino-aprendizagem de conteúdos gramaticais desvinculados do material textual utilizado na interação sociocomunicativa. O ensino passou privilegiar a relação entre a aprendizagem escolar e a vida prática, por isso as situações de interação comunicativa mereceram maior interesse. A esse respeito, José Carlos Azeredo esclarece que Toda situação de interação sociocomunicativa caracteriza-se por um conjunto de comportamentos, atitudes e atos de seus protagonistas: as trocas verbais são regidas por contratos de comunicação, isto é, por convenções interativas que regulam o comportamento verbal apropriado a cada situação de comunicação. É o contrato de comunicação que indica que, em certas situações, cabe a uma pessoa falar enquanto as outras escutam. (AZEREDO, 2010, p. 20)

A observação tecida por Azeredo permite inferir um contrato de comunicação configurado durante uma atividade de leitura realizada em sala de aula, na qual o texto assume forma oral e exige a escuta de todos, tal como numa roda de contação existente na tradição africana. Na sala de aula do século XXI, obter o silêncio necessário para a escuta é um desafio. Ao contrário dos meninos à volta da fogueira, nossos meninos, sempre à volta das telas de led de seus celulares, estão distantes do encantamento provocado, no passado, pelas narrativas orais. Diante desse quadro, é enorme o desafio de puxar o fio da narrativa e fazer ouvir textos literários e não literários, ambos importantes para o contato com a linguagem formal, prática da expressão oral, da escuta e compreensão do material textual lido. Portanto, a atividade de leitura mobiliza habilidades básicas indispensáveis para o fortalecimento da competência linguística expressa nas orientações curriculares e desejável para o efetivo exercício da cidadania nas atuais sociedades da informação. Ciente de todas as demandas expostas, no fim da primeira década do século XXI, o município do Rio de Janeiro procurou adequar o ensino de língua portuguesa às diretrizes assumidas pela educação brasileira e aos referidos PCNs, concebendo orientações curriculares para o ensino de língua portuguesa que definem o uso do texto e dos diferentes gêneros textuais na construção de conhecimentos sobre a língua portuguesa, seus usos, aspectos sintáticos e semânticos. Elaborado por equipe pedagógica guiada por


88 consultoria da profª. Maria Teresa Tedesco, o manual com Orientações Curriculares18 da área de língua portuguesa assegura que “o ensino de língua materna deve estruturar-se, desde o início, em torno de textos, para que os alunos leiam e escrevam com autonomia, familiarizando-se com a diversidade de textos existentes na sociedade” (O.C., 2010, p.7)

O Caderno pedagógico e as múltiplas manifestações do texto. Para assegurar a diversidade dos gêneros textuais em sala de aula, no ano de 2010, o ensino de língua portuguesa do município do Rio de Janeiro passou a contar com os Cadernos Pedagógicos, material didático instrucional elaborado por professores e composto por textos e atividades diversificadas. Alvo de críticas de natureza conteudística e formal, que apontam para a repetição de conteúdos e problemas técnicos na formatação, os Cadernos Pedagógicos que apoiam o ensino de língua portuguesa, têm como maior mérito a seleção e oferta de textos literários e não literários. Em seu conteúdo, associam texto verbal e não verbal de vários tipos e gêneros, colaborando com a construção de conhecimento sobre as variações da linguagem e da língua portuguesa em leituras e atividades que levam em conta que outro conceito que merece destaque é a prática da leitura, concebendo-a como um processo de atribuição de sentidos que se dá a partir da interação entre o texto e o leitor, não sendo, portanto, mera decodificação de textos. (O. C., 2010, p.6)

A leitura dos Cadernos Pedagógicos aponta uma diversidade de gêneros e de temáticas é no material elaborado em conformidade com os Parâmetros Curriculares, a Lei nº 10.639/03 e a Lei nº 11.645/08. Visando oferecer subsídios para a implementação dessas leis na prática pedagógica, os Cadernos compilam diferentes gêneros discursivos, predominantemente narrativos, dentre os quais encontramos o conto africano utilizado na atividade de leitura abordada neste trabalho. A iniciativa de circulação do texto africano merece especial atenção, pois tal ação combate a dificuldade de acesso a um material de distribuição 18

As citações ao manual de Orientações Curriculares de Língua Portuguesa serão identificadas pelas iniciais O. C.


89 ainda restrita. Cabe frisar que, para muitos professores, o contato com a textualidade africana é reduzido em função de falhas na grade curricular de alguns cursos de formação professores de língua portuguesa, para os quais o estudo das literaturas africanas se resume a disciplinas eletivas presenciais ou à distância. Convém ressaltar que a inclusão do conto no Caderno Pedagógico facilita o acesso ao texto africano, no entanto, a leitura deste texto tende a ser preterida ou menos explorada por professores que foram privados da construção de conhecimento sobre a matriz cultural africana em seus cursos de formação e possuem tempo reduzido para busca de atividades de capacitação. Para realizar um trabalho a partir de conteúdos implicados com matriz africana e cultura afro-brasileira, será necessária a percepção da importância dos temas para transformações na sala de aula e na sociedade brasileira, na qual a África, africanidades e escurecimentos ainda incomodam. Por isso, a abordagem das temáticas e desconstruções de estereótipos implicados, requer a postura apontada por Carlos Moore: A sensibilidade do docente determinará, em muitos casos, a predisposição à aceitação, ou à rejeição, das teses raciológicas e manipulações legitimadoras que, inevitavelmente, vestirão a roupagem “acadêmica”. Por isso, o docente incumbido do ensino da matéria africana deverá cultivar a sensibilidade em relação aos povos e culturas oriundos deste continente. Num país como o Brasil, onde as tradições e culturas africanas nutrem, de maneira tão vigorosa, a personalidade do povo brasileiro, a empatia com a África apareceria como algo natural, mas ela não é, apesar de todos os brasileiros serem herdeiros das tradições e cosmovisões desse continente. (Carlos Moore, p. 206, 2008)

Em mãos de professores sensíveis à importância da temática, a atividade de leitura proposta nas próximas seções adota o conto africano como oportunidade

de

interação

sociocomunicativa

para

abordagem

de

conhecimentos interessantes para o fortalecimento da identidade afro-brasileira e conhecimento de valores presentes nas tradições e cosmovisões vindas do continente africano.


90 Diversidade Antes do estudo a atividade, cabe apresentar uma análise do conjunto de Cadernos Pedagógicos elaborados pela Secretaria Municipal de Educação. Duas características evidentes na publicação são a diversidade de gêneros discursivos/textuais e de linguagens. Com textos recolhidos em obras literárias e não literárias de diferentes países, os Cadernos Pedagógicos criam acesso a um vasto material textual e atividades diversificadas. Dentre os conteúdos trabalhados, verificamos a ênfase no estudo dos gêneros discursivos do tipo narrativo, sendo o conto um dos gêneros mais trabalhados.

Algumas edições dos Cadernos dedicam especial atenção ao

estudo dos contos, inserindo entre eles alguns contos africanos e atividades relacionadas ao estudo destes. As atividades oferecidas concentram-se em habilidades voltadas à interpretação do texto, ao reconhecimento das estruturas textuais características a cada gênero e ao estabelecimento de relações lógico-discursivas, sem explorar aspectos históricos e culturais presentes nas entrelinhas desses textos e muito interessantes para o conhecimento de aspectos da história e das culturas africanas, das quais descende boa parte da população brasileira. Transpostos para a escrita, os contos orais africanos produzidos em diferentes países constituem uma abordagem sobre a diversidade de culturas existentes no continente africano. Observando os objetivos explícitos da comunicação, bem como aquele implícitos, a leitura dos contos africanos permite transversalizar disciplinas, pois, como previsto no art. 26-A da Lei nº 11.645, de 10 março de 2008: “os conteúdos referentes à história e à cultura afro-brasileira serão ministrados no âmbito de todo o currículo escolar, em especial nas áreas de Educação Artística e de Literatura e História Brasileiras”.

Antes, durante e depois da leitura: saberes lidos, ouvidos e apre(e)ndidos Organizado e elaborado por Renata Ramos Sader, o Caderno Pedagógico do 3º bimestre de 2014, reúne diversos gêneros textuais e atividades que possibilitam a visibilidade de sujeitos, fazeres culturais, dados históricos e geográficos africanos. O conjunto de textos permite contextualizar


91 a presença africana na história mundial e na cultura brasileira. Encontramos neste Caderno uma letra de samba composta por Marinho da Vila (C.P., p.14), uma letra de canção entoada nas rodas de capoeira (C.P., p.10), um texto sobre a origem e uso do instrumento musical caxixi – tocado por praticantes de capoeira (C.P., p.12). Vale ressaltar, ainda, uma breve nota sobre a trajetória da capoeira, inicialmente marginalizada e, atualmente, reconhecida como bem da cultura imaterial. Numa leitura atenta, informações apresentadas ou implícitas nos textos literários e não literários do Caderno do 3° bimestre favorecem a abordagem de dados referentes à história africana, bem como às personagens, saberes e fazeres africanos ou afro-brasileiros. Dentre os textos não literários estão duas sinopses de filmes inspirados em Nelson Mandela (C. P., p. 8 e 9). Reforçando os conhecimentos sobre esse protagonismo negro, o poema Invictus (C.P., p.5). Ainda na senda dos protagonismos negros, o caderno faz uso de trechos do livro “Meu avô africano” (C.P., p.2), de Carmem Lucia Campos, obra destinada ao público infantil e marcada por trechos destacados neste Caderno por ressaltarem a ancestralidade e a sabedoria, dois valores relevantes na tradição africana. Sensibilizar os leitores para a existência de valores diferentes dos que norteiam as atuais sociedades da informação e do consumo é um artifício valioso para ampliar o diálogo e a construção de sentidos a partir da leitura do conto “Os três irmãos africanos”, recontado pelo autor Rogério Barbosa. Nessa narrativa curta três irmãos, há muito e muito tempo, viviam em uma pequena aldeia no antigo reino do Congo. Os rapazes eram perdidamente apaixonados pela princesa real. Mas como eram simples aldeões, sabiam que nenhum deles poderia se casar com a moça. Desiludidos, os três saíram mundo afora, em busca de uma nova vida. Andaram, andaram e andaram, durante dias e noites infindáveis, através de florestas e desertos, até alcançarem um povoado oculto entre as montanhas. (C.P., p. 20)

A

situação inicial do

conto

evidencia aspectos que permitem

transversalizar a leitura, enriquecida com apontamentos geográficos sobre os personagens africanos e sobre o continente. Nesse sentido, o tempo do Reino do Congo e seu posicionamento no mapa mundi permitem um breve diálogo


92 com a História e Geografia. A transversalização pode ser oportuna para desconstruir a visão empobrecida da África, ressaltando as dimensões e riqueza natural do continente, que, para muitos, é um país. Como assinala o professor Carlos Moore, “o respeito à verdade quanto à inscrição histórica dos povos africanos, no tempo e no espaço, deve nortear todos os esforços de pesquisa e de ensino de história da África” (2008, p.208). No caso da atividade de leitura em questão, o ensino de histórica da África pode surgir de forma transversal, a partir do esforço do professor em dialogar com saberes de outras áreas do conhecimento. Cenário da narrativa, a região do antigo Reino do Congo surgiu na metade do século XIV, no lugar que hoje abriga três países do continente africano Congo, Angola e República Democrática do Congo. O período de surgimento deste Reino permite trabalhar com implícitos como a existência de sociedades africanas com elevado nível de organização, contrariando o senso comum. Desse modo, a leitura auxilia numa construção de conhecimento sobre o continente, reconhecido como berço da humanidade, no qual surgiram povos responsáveis pelo desenvolvimento de inúmeras técnicas aplicadas na fundição, construção civil, tecelagem e alimentação de sociedades formadas em diversos locais fora da África, para aonde foram levados africanos tornados escravos. Livres, os três irmãos se unem para salvar a princesa. Ao optar por uma ação colaborativa, os protagonistas ressaltam a prática comunitária adotada como valor nas culturas tradicionais africanas. Portanto, com a leitura deste texto recolhido no gênero oral, transmite-se aos ouvintes a importância do trabalho colaborativo valorizado na matriz cultural africana e desvalorizado em função do individualismo instaurado nas atuais sociedades. Ao final da narrativa, após constatar a importância de cada um para a estratégia que salvou sua filha, o rei considera os três irmãos merecedores de desposar a jovem. Entra em cena o diálogo da igualdade e, como nos conselhos africanos, a escuta de todos é importante: Eu também, quando conto esta história, sempre fico na dúvida. E, você, leitor? Em sua opinião, qual dos três irmãos merece receber a mão da bela princesa? O dono do espelho, o do tapete ou o da rede? Por quê? (C.P., p. 20)


93 Portanto a atividade de leitura torna-se efetiva prática sociocomunicativa, da qual os alunos participam como interlocutores e interlocutores, lendo, ouvindo e construindo conhecimentos que auxiliam na formulação de opiniões distanciadas do senso comum. Enriquecido pelos saberes trocados, os participantes refletem sobre valores sustentados pela cultura africana, bem como sobre os protagonistas negros tão raros nas narrativas europeias e brasileiras. Seguindo a tradição do gênero oral, quem conta um conto acrescenta num ponto. Por isso, o final desta história terminada com pontos de interrogação estimula os participantes a opinar sobre o final mais justo. Com a atividade de leitura, o texto oral consiste em fenômeno surgido a partir de uma situação comunicativa e sócio histórica criada em uma sala de aula do século XXI, a partir dos saberes postos em circulação por um conto tradicional africano recolhido na tradição oral.

Considerações Finais Como observado no texto dos Cadernos Pedagógicos do 3º bimestre, “os mitos e as lendas africanas foram preservados graças à narração oral das histórias” (C. P., p. 20). Consideramos que a leitura deste conto efetiva o desejo de transmitir, e, assim preservar toda uma mitologia africana e os valores por ela transmitidos. As narrativas do gênero oral resguardam saberes e traços culturais importantes para a tarefa de implementar o ensino de história e cultura da África. O empenho em cumprir tal tarefa não consiste em um ato legalista, trata-se, sim, da responsabilidade moral assumida conscientemente pelo sujeito ético que, na posição de professor, observa inúmeros episódios pejorativos

promovidos

por

distorções

na

visão

dos

africanos

e

afrodescendentes. Ao abrir espaço para situações sociocomunicativas como a proposta neste trabalho, a aula de língua portuguesa explora plenamente o material didático instrucional para a desconstrução de pré-conceitos oriundos da origem étnica comum a muitos brasileiros. Inserido no material didático, o conto africano pode ser enriquecido quando o professor, e condutor da leitura, conta


94 com uma formação que o dotou de conhecimentos os quais permitem explorar implícitos e explícitos que colaboram com respeito e valorização da diversidade existente nas personagens, cenário e, algumas vezes, em seu vocabulário. Portanto, a questão da formação do professor, bem como de sua capacitação para um trabalho mais proveitoso com os dados existentes nos gêneros orais e demais textos da literatura africana é um tópico importante o suficiente para uma outra abordagem. Em nosso país pluriétnico, é incontornável o diálogo sobre a diversidade, a partir do qual se desconstrói o racismo, moldando relações raciais mais respeitosas e salas marcadas por um novo olhar sobre a África e sua herança tão presente na sociedade brasileira.

Referências Bibliográficas AZEREDO, José Carlos. Fundamentos da Gramática do português. Rio de Janeiro: Zahar, 2010. MOORE, Carlos. A África que incomoda: sobre a problematização do legado africano no quotidiano brasileiro. Belo Horizonte: Nandyala, 2008. M’BOKOLO, Elikia. África negra: História e civilizações. Tomo I. Salvador/São Paulo: EDUFBA/Casa das Áfricas, 2009. RIO DE JANEIRO. Secretaria Municipal de Educação. Orientações Curriculares. Área específica língua portuguesa: Áreas Específicas, 2010. Meio digital ________. Caderno Pedagógico . 2014. 3º bimestre https://onedrive.live.com/view.aspx?cid=09A0409FEB089278&resid=9A0409FE B089278%21393&app=WordPdf http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11645.htm


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O fantástico na literatura contemporânea Shirley de Souza Gomes Carreira (UNIABEU)

Resumo: A literatura fantástica originou-se da literatura gótica do século XVIII, como consequência da rejeição do pensamento teológico medieval e da metafísica. No século XIX, sugiram as primeiras teorias acerca de sua presença na literatura; porém, foi no século XX que passou a ser alvo de análises literárias e a ser tratado como um campo de investigação pela academia. Este minicurso visa a mostrar a trajetória das teorias sobre o fantástico, bem como a feição que este assume na literatura contemporânea. Palavras- chave: Fantástico. Insólito. Literatura contemporânea. Abstract: The fantastic literature stemmed from the gothic literature of the eighteenth century as a result of the rejection of medieval theological thought and metaphysics. In the nineteenth century, the first theories about its presence in the literature appeared; however, it was in the twentieth century it became the subject of literary analysis and turned into a field of academic research. This short course aims to show the trajectory of the theories about the fantastic as well as the feature that it assumes in contemporary literature. Keywords: Fantastic. Uncanny. Contemporary literature.

Pode-se dizer que o fantástico enquanto gênero surgiu entre séculos XVIII e XIX, chegando ao ápice no século XX. No final do século XVIII e início do XIX, o gênero exigia a presença do sobrenatural, com a presença de monstros e fantasmas; ao longo do século XIX, passou a explorar o psicológico, dando vulto à loucura, às alucinações e pesadelos de modo a demonstrar a angústia no interior do sujeito; e, finalmente, no século XX, o fantástico passou a deter-se na incoerência entre elementos do cotidiano. Em Introdução à Literatura Fantástica, Tzvetan Todorov buscou sistematizar o que viria a ser considerado como um gênero literário, ou seja, o fantástico na narrativa, atribuindo-lhe características definidas. De acordo com Todorov (2004), a essência desse gênero consiste na irrupção, em nosso


96 mundo, de um acontecimento que não pode ser explicado pelas leis racionais, bem como da hesitação, da incerteza diante de um fato aparentemente sobrenatural. Todorov estabelece três condições para a existência do fantástico:

Primeiro, é preciso que o texto obrigue o leitor a considerar o mundo das personagens como um mundo de criaturas vivas e a hesitar entre uma explicação natural e uma explicação sobrenatural dos acontecimentos evocados. A seguir, a hesitação pode ser igualmente experimentada por uma personagem (...). Enfim, é importante que o leitor adote uma certa atitude para com o texto: ele recusará tanto a interpretação alegórica quanto a interpretação “poética” (TODOROV, 2004, p. 39).

Para Irlemar Chiampi,

O fantástico contenta-se em fabricar hipóteses falsas (o seu “possível” é improvável), em desenhar a arbitrariedade da razão, em sacudir as convenções culturais, mas sem oferecer ao leitor, nada além da incerteza. A falácia das probabilidades externas e inadequadas, as explicações impossíveis – tanto no âmbito do mítico – se constroem sobre o artifício lúdico do verossímil textual, cujo projeto é evitar toda asserção, todo significado fixo. O fantástico “faz da falsidade o seu próprio objeto, o seu próprio móvil” (CHIAMPI, 1980, p. 56).

Nesta breve reflexão buscaremos nos deter em alguns exemplos do fantástico na literatura contemporânea, mais especificamente nas obras de Saramago, Mia Couto e Erico Veríssimo. Já em Memorial do Convento, Saramago introduz o elemento fantástico ao criar a protagonista do romance, Blimunda, mulher que tem uma estranha habilidade: ver “por dentro” das pessoas, não apenas as suas entranhas, mas também as suas vontades, seus desejos pessoais. E é a própria personagem quem adverte: “O meu dom não é heresia, nem é feitiçaria, os meus olhos são naturais.” Assim como as outras personagens do romance, o leitor também hesita diante da mulher “de olhos excessivos”, capaz de comunicar-se telepaticamente com a própria mãe no auto de fé.


97 Em Ensaio sobre a cegueira, é a cegueira coletiva que traz à tona o fantástico. Ao examinar o primeiro cego, o oftalmologista “Não encontrou nada na córnea, nada na esclerótica, nada na íris, nada na retina, [...] nada no nervo óptico, nada em parte alguma” (SARAMAGO, 2007, p. 23). A hesitação entre

uma explicação racional e realista e o acatamento do sobrenatural evolui à medida que a imunidade da mulher do médico não é tampouco explicada no romance, muito embora a cegueira branca continue a espalhar-se. Igualmente, o fantástico também está presente em O ano da morte de Ricardo Reis, quando o heterônimo de Pessoa, um ano depois da morte de seu ortônimo, retorna a Lisboa, vindo do Brasil, e tem contato com o fantasma de Pessoa, falecido um mês antes. Nesse último exemplo encontramos situação análoga a de Incidente em Antares, de Érico Veríssimo. No romance em questão, cuja ação se passa em 1963, as duas famílias que têm o poder político em Antares se unem contra o proletariado. Em 11 de dezembro, há uma a greve geral na cidade e a morte inesperada de sete pessoas, incluindo a matriarca dos Campolargo, Quitéria. Durante o cortejo de Dona Quitéria, os Campolargo são impedidos de sepultá-la, pois os coveiros, em greve, cercam o cemitério, impedindo o enterro, e desta forma, aumentam a pressão sobre os patrões. Os mortos, não sepultados, adquirem "vida" e passam a vasculhar a vida dos parentes e amigos, revelando, então, a podridão moral da sociedade. Como as personagens são cadáveres, estão livres das pressões sociais e podem criticar à vontade a sociedade. Assim como Ricardo Reis, que deixa de ser uma criatura, vindo habitar o mundo do seu criador, os mortos de Antares invadem o mundo dos vivos, refletindo criticamente sobre os acontecimentos. Também é na confluência de um mundo de mortos e vivos que o fantástico opera em O outro pé da sereia, de Mia Couto. O romance, que se passa em dois planos diferentes, de modo a representar a dialética do africano, que se debate entre passado e presente, apresenta acontecimentos fantásticos em ambos os planos.


98 No passado, o Padre Antunes, a quem os preceitos rígidos dos membros do clero no que diz respeito aos negros incomodam tremendamente, sofre uma mutação de raça:

Até 4 de janeiro, data do embarque em Goa, ele era branco, filho e neto de portugueses. No dia 5 de janeiro, começara a ficar negro. Depois de apagar um pequeno incêndio em seu camarote, contemplou as suas mãos obscurecendo. Mas agora era a pele inteira que lhe escurecia, os seus cabelos se encrespavam. Não lhe restava dúvida: ele se convertia num negro. __ Estou transitando de raça, D. Gonçalo. E o pior é que estou gostando mais dessa travessia do que de toda a restante viagem. (COUTO, 2006, p. 164).

No plano do presente, outros acontecimentos insólitos remetem ao fantástico: Mwadia é casada com Zero, “um homem silencioso que tinha começado a esquecer-se”. Vivem em um local sugestivamente denominado Antigamente. Os primeiros indícios da presença do insólito surgem quando o narrador se reporta ao fato de que Zero, ao banhar-se, sempre tinge a água de sangue. Quando Zero descobre uma imagem da virgem e os pertences de Padre Gonçalo da Silveira, que em 1560 trouxera a imagem para Moçambique, Mwadia, sua mulher é incumbida de levá-la até Vila Longe, onde outrora moraram, dada a impossibilidade, não explicada, de Zero voltar lá. Vila Longe é um local onde vários acontecimentos insólitos ocorrem. Na casa da mãe de Mwadia, há a "parede dos ausentes"; no corredor, onde retratos de todos os defuntos da família estão reunidos, em um tipo de memorial mórbido. Estranhamente, na casa de uma família "que nunca chora", um balde é posto junto à parede, para recolher as lágrimas dos mortos: “Os mortos de Vila Longe faleciam "como era devido naquele lugar: sem nunca chegar a morrer“ (COUTO, 2006, p. 77). Outros eventos insólitos continuam a ocorrer. Assim como o Padre Antunes no passado, os olhos de Jesustino, goês, padrasto de Mwadia,


99 começam a clarear e, ante o espanto da enteada, ele afirma estar mudando de raça. Constança, mãe de Mwadia, após a morte do primeiro marido, decidira ficar instantaneamente velha, e, com a força de seu desejo, começaram a surgir-lhe rugas e cabelos brancos. Além disso, assim como em filmes de vampiros, Na cidade, há pessoas cujo reflexo nunca aparece em espelhos. Ao fim do romance, apesar dos fortes indícios que são deixados ao longo da narrativa, o leitor se vê diante de uma situação fantástica: Mwadia inesperadamente descobre que o padrasto matara o seu marido e retorna a Antigamente, levando o retrato de Zero que a mãe lhe dera para que o pendurasse na parede dos ausentes. Só então, Mwadia percebe que também ali, em Vila Longe, já não havia mais ninguém: Como aceitar que Vila Longe já não tinha gente, que a maioria morreu e os restantes se foram? Como aceitar que a guerra, a doença, a fome tudo se havia ravado com garras de abutre sobre a pequena povoação? Vila Longe cansara-se de ser mapa. Restavam-lhe as linhas ténues da memória, com demasiadas campas e nenhuns viventes.(COUTO, 2006,p.330)

É o marido quem a recebe em Antigamente: “E como foi lá em Vila Longe? As campas estão bem tratadas? [...] Custa-lhe aceitar, eu sei, Mwadia. Com o tempo você vai aceitar” (COUTO, 2006, p.330) À noite, ao sentar-se na varanda, a parede dos ausentes desenhou-se diante de si, no interior de sua própria alma. Pendurou nela a foto do último ausente, beijou o rosto do marido adormecido e “hesitou à saída do quintal, como se escolhesse entre que ausentes ela deveria viver. Só depois tomou o caminho do rio”. (COUTO, 2006, p.331) Em todas as obras apresentadas, pode-se dizer que o fantástico surge como um questionamento da realidade, interrogando a nossa interpretação do mundo que nos cerca.


100 Referências bibliográficas

CHIAMPI, Irlemar. O Realismo Maravilhoso. São Paulo, Perspectiva:1980.

COUTO, Mia. O outro pé da sereia. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

SARAMAGO, José. Ensaio Sobre a Cegueira. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.

_____. O Ano da Morte de Ricardo Reis. Lisboa: Caminho, 1984.

TODOROV, Tzvetan. Introdução à Literatura Fantástica. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 2004. VERÍSSIMO, Érico. Incidente em Antares. São Paulo: Cia das Letras, 2005.


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