ANÁLISE DE SITUAÇÃO
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
ANÁLISE DE SITUAÇÃO 1
ANÁLISE DE SITUAÇÃO Child Disciplinary Practices
© UNICEF/ ANGA2015-0048/Germano Miele
2
Foto de capa: © UNICEF/ANGA2014-0679/André Silva Pinto
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA Multiple Indicator Cluster Surveys
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
CRIANÇAS E MULHERES
EM ANGOLA
ANÁLISE DE SITUAÇÃO Child Disciplinary Practices
© UNICEF/ ANGA2015-0050/Germano Miele
4 CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
O presente relatório sobre a Situação das Crianças em Angola foi elaborado pela equipa do UNICEF em Angola com o apoio de uma equipa de consultores da Oxford Policy Management (OPM). A preparação do relatório contou com a assistência técnica dos seguintes elementos do UNICEF Angola: Ana Patrícia Silva (Especialista em Protecção da Criança), Clara Barona (Chefe de Comunicação para o Desenvolvimento), Boukare Bonkongou (Gestor de Saúde), Domingos Chiconela (Chefe, Água, Higiene e Saneamento), Edina Kozma (Chefe, Protecção da Criança), Pieter Potter (Chefe, Educação), Desire Adomou (Especialista em Educação), Jorge Trula (Oficial de Política Social), Nelson Bernabe (Oficial de Nutrição), Renato Pinto (Gestor de VIH Sida), Vandana Agarwai (Gestora de Nutrição). Stefano Visani (Chefe, Política Social) coordenou o processo de análise e preparação do relatório e deu contributos técnicos para os capítulos 1, 2, 3 e 7. Francisco Ferreira Songane (Representante do UNICEF) e Amélia Russo de Sá (Representante Adjunta do UNICEF) supervisionaram o desenvolvimento do SitAn e contribuíram com comentários e recomendações em diversas partes do relatório. Durante a elaboração do relatório foram consultados vários indivíduos oriundos de diferentes instituições em Angola incluindo o Coordenador Residente das Nações Unidas, outras agências das Nações Unidas em Angola e Organizações não-governamentais (entre as quais: ADRA, Development Workshop, Rede de Luta contra a Pobreza Urbana de Luanda). Nelson Pestana e Aslak Orre da Universidade Católica de Angola deram contributos sobre o tema da descentralização. Ao longo da preparação do relatório, o pessoal do UNICEF consultou os oficiais do governo das respectivas contrapartes e garantiu que os seus pontos de vista estivessem refletidos no relatório. Foram ainda recebidos valiosos comentários e contributos dos seguintes membros das equipas do Escritório Regional do UNICEF para a África Oriental e Austral: Luwei Pearson (Assessor Regional de Sobrevivência e Desenvolvimento da Criança), Peter Harvey (Assessor Regional de Água e Saneamento), Inge Vervloesem (Especialista Regional de Educação), Natalia Elena Wilder Rossi (Especialista Senior de Política Social). A consultora Abigail Holman fez revisão editorial completa da versão Inglesa do relatório antes da sua tradução para Português. A Consultora Laura Alonso deu um valioso contributo na fase final da revisão editorial e da impressão das versões inglesa e portuguesa. A tradução do relatório para Português foi feita por Judite Balói. As fotografias que constam no relatório foram tiradas por André Silva Pinto, Bruno Caratão, Germano Miele, José Silva Pinto, Vinicius Carvalho e Xavi Ximancas e não podem ser reproduzidas sem a autorização expressa do UNICEF.
5 ANÁLISE DE SITUAÇÃO
Agradecimentos
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ANÁLISE DE SITUAÇÃO
6
Índice Lista de figuras, tabelas e caixas Abreviaturas e acrónimos
8 10
Prefácio 15 Sumário Executivo
17
1 Introdução
27
1.1 Objectivos da análise de situação
27
1.2 Métodos e limitações
28
1.3 Quadro conceptual
28
2 Contexto do país
33
2.1 Boom económico pós-conflito: Angola como produtor de petróleo de renda média alta
34
2.2 População e urbanização
36
2.3 Pobreza monetária
37
2.4 Vulnerabilidade rural e mudanças climáticas
39
2.5 Governação
41
2.6 Quadro legal e político para os direitos da criança
42
3 Equidade: Até que ponto o progresso no desenvolvimento social e económico é usufruído por todos?
45
3.1 Comparação do desempenho de Angola a outros países de renda média alta na África Subsaariana 45 3.2 Equidade nos principais resultados e acesso aos serviços sociais básicos
49
3.3 Conclusões
53
4 Garantir a sobrevivência e a saúde da criança
55
4.1 Mortalidade materno-infantil
55
4.2 Cuidados de saúde materna e infantil
57
4.2.1 Principais intervenções
58
4.2.2 Obstáculos do lado da oferta: Infra-estrutura, recursos humanos e medicamentos
62
4.2.3 Comportamentos de saúde e barreiras do lado da procura ao uso dos serviços de saúde 66 4.3 Malnutrição infantil
68
4.3.1 Baixo peso e deficiências de micronutrientes
68
4.3.2 Incremento de um pacote integrado de intervenções nutricionais
73
4.4 Crianças e VIH/SIDA
75
4.4.1 Perfil da epidemia
76
4.4.2 Resposta nacional ao VIH/SIDA: prevenção, tratamento e cuidados
76
4.5 Água, saneamento e higiene 4.5.1 Utilização de fontes de água e instalações de saneamento melhoradas
79 80
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4.5.2 Práticas de higiene
82
4.5.3 Desafios políticos para a expansão e manutenção da cobertura
82
4.6 Resumo de acções prioritárias
85
5 Educação: Dar às crianças instrumentos para prosperar
89
5.1 Programas de cuidados da primeira infância (CPI)
89
5.2 Participação no ensino primário e secundário: crescimento e desigualdade
90
5.3 Alfabetização e criação duma segunda oportunidade à educação
93
5.4 Ensino técnico profissional: equipar os adolescentes para entrarem no mercado de trabalho
95
5.5 Sucesso de aprendizagem e qualidade de ensino
95
5.6 Eficiência do sistema de educação
96
5.7 A reforma do ensino e obstáculos do lado da oferta
97
5.8 Redução das barreiras do lado da procura à educação
102
5.9 Resumo de acções prioritárias
104
6 Protecção da criança da violência, abuso, exploração, discriminação e exclusão social
107
6.1 Perfil de vulnerabilidade e riscos
107
6.2 Criação de um sistema integrado de serviços de protecção da criança preventivos e proactivos
112
6.2.1 Serviços de cuidados sociais
114
6.2.2 Registo de nascimento
116
6.2.3 Justiça para as crianças
117
6.3 Resumo de acções prioritárias
119
7 Enfrentar a pobreza infantil através da protecção social
121
7.1 O papel das transferências de renda na criação de capital humano e redução da pobreza
121
7.2 Transferências sociais em Angola
126
7.3 Desenvolvimento e ampliação do programa de transferência de renda em Angola
128
7.4 Resumo de acções prioritárias
131
8 Conclusões e recomendações
133
Resumo das recomendações
134
Referências 138 Anexo A
143
Tabela A.1 Indicadores seleccionados do bem-estar humano e da criança: desempenho dos países de renda média alta da África Subsaariana
143
Tabela A.2 Disparidades entre as zonas urbanas-rurais nos indicadores de desenvolvimento humano e da criança
144
Tabela A.3 Disparidades nos indicadores de desenvolvimento humano e da criança, por quintiles de riqueza
145
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
7
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ANÁLISE DE SITUAÇÃO
8
Lista de figuras Figura 1.1 Quadro Conceptual: resultados referentes à criança e seus factores determinantes
29
Figura 2.1 Taxa de crescimento real do PIB em Angola e na África Subsaariana (%), 2004 - 2012
34
Figura 2.2 Finanças do Estado: receita e despesa como % do PIB em Angola e na África Subsaariana
35
Figura 2.3 População urbana e rural, 1970-2020 (Divisão da População da ONU)
37
Figura 3.1 Desempenho em termos dos principais resultados do desenvolvimento social (alfabetização, nutrição e mortalidade de menores de 5 anos): Onde Angola se posiciona na região, no mundo e nos países de renda média alta da África Subsaariana
46
Figura 3.2 Cobertura dos serviços de saúde materno-infantil e água e saneamento melhorados: Posição de Angola dentro da região e dos países de renda média alta da África Subsaariana
48
Figura 3.3 Acesso à educação: Classificação de Angola em termos de taxas líquidas de frequência no ensino primário e secundário dentro da região e dos países de renda média alta na África Subsaariana
49
Figura 3.4 Disparidades urbanas-rurais em Angola para indicadores de desenvolvimento humano e da criança seleccionados 50 Figura 3.5 Disparidades no desenvolvimento humano e da criança por riqueza dos agregados familiares em Angola: Mortalidade de menores de 5 anos, utilização de serviços de saúde, água, saneamento e educação 52 Figura 3.6 Índices de paridade de género relativos à educação e alfabetização, por local de residência rural e urbana, 2011
53
Figura 4.1 Estimativas da mortalidade infantil em Angola, 1990-2013: Mortes por 1.000 nados vivos
56
Figura 4.2 Percentagem de crianças menores de 5 anos que dormem debaixo de redes mosquiteiras tratadas com insecticida, por zona de residência, quintil de riqueza e nível de escolaridade do chefe do agregado familiar, 2011
59
Figura 4.3 Percentagem de crianças menores de 5 anos com febre, que recebem ACT no mesmo dia ou no dia seguinte ao início da febre, por zona de residência, escolaridade da mãe e quintil de riqueza, 2011
60
Figura 4.4 Cobertura dos serviços de saúde materna em Angola, 2008 e 2011
61
Figura 4.5 Problemas encontrados em consultas nas unidades sanitárias, conforme citado por pacientes que tiveram uma consulta nos 30 dias anteriores ao inquérito (% de pacientes), 2011
63
Figura 4.6 População por unidade sanitária e por médico por província, Angola, 2012
64
Figura 4.7 Principais razões apresentadas pelos pais para não levarem as crianças menores de 5 anos às unidades sanitárias quando estavam doentes (durante os 30 dias anteriores ao inquérito)
66
Figura 4.8 Conhecimentos e práticas relacionados com a prevenção da malária nas zonas urbanas e rurais de Angola, 2011
67
Figura 4.9 Percentagem de mulheres com idades entre 12-19 anos, que tenham dado à luz, pelo menos uma vez, por faixa etária e local de residência
68
Figura 4.10 Baixo peso em crianças de 6-59 meses, por local de residência urbano-rural e regiões geográficas de 2007
69
Figura 4.11 Disparidades regionais, geográficas e rurais-urbanas no consumo de sal iodado
71
Figura 4.12 Consumo de alimentos dos agregados familiares: Proporção de agregados familiares que consomem uma, duas, três ou mais refeições por dia, por local de residência e quintil de riqueza, 2011
72
Figura 4.13 Proporção de crianças menores de 6 meses em aleitamento materno exclusivo por região (%), Angola, 2007
73
Figura 4.14 Cobertura da testagem do VIH, tratamento e serviços de PTV, Angola, 2010-2011
77
Figura 4.15 Conhecimentos e práticas relacionadas com o VIH/SIDA (%)
78
Figura 4.16 Tendências na utilização de fontes de água e instalações de saneamento melhoradas, nas zonas urbanas e rurais, Angola, 1990-2012
81
Figura 4.17 Uso de fontes de água de superfície para beber e defecação a céu aberto, por quintil de riqueza, 2011 82 Figura 5.1 Razões apresentadas pelos pais de crianças de 3-5 para não frequentarem programas de CPI
90
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Figura 5.2 Taxas líquidas de frequência do ensino primário e secundário, por quintiles e locais de residência, 2011 92 Figura 5.3 Percentagem de órfãos duplos e de todas as crianças de 10-14 anos que frequentam a escola, Angola, 2008-2009
92
Figura 5.4 Taxas líquidas de frequência referentes ao ensino primário e secundário, por género e local de residência, 2011
93
Figura 5.5 Taxas de alfabetização do adulto (15 anos ou mais), por género e local de residência, Angola, 2011
94
Figura 5.6 Número médio de alunos do ensino primário, por professor e por sala de aula, 2008-2012
98
Figura 5.7 Razões apresentadas pelos pais para as crianças não frequentarem ou nunca terem frequentado a escola (%), 2008-2009
102
Figura 6.1 Proporção de crianças que vivem com os dois, um ou nenhum dos pais, 2008-2009
108
Figura 6.2 Registo de nascimento entre crianças menores de 5 anos, por residência e quintil de riqueza (% registadas à nascença), 2008-2009
109
Figura 6.3 Proporção da população com deficiência e da população em geral com idade igual ou superior a seis anos, que nunca frequentou a escola (%), 2008-2009
109
Figura 6.4 Barreiras ao registo de nascimento: Principais razões apresentadas pelas mães de crianças menores de 5 anos, que não as registaram à nascença para não o fazerem, por local de residência e quintiles
116
Figura 7.1 Componentes da protecção social
122
Figura 7.2 Percentagem de famílias que recebem assistência em dinheiro ou em espécie, por fonte de assistência e características dos agregados familiares, 2008-2009
127
Figura 7.3 Tendências e projecções demográficas, Angola, 2000-2050 (% da população por faixa etária)
129
Lista de Tabelas Tabela 2.1 Indicadores macroeconómicos e de finanças públicas, Angola, 2004-2012
35
Tabela 2.2 População por província
37
Tabela 2.3 Pobreza monetária em Angola, por características da população, 2008/2009
38
Tabela 4.1 Utilização de serviços de saúde materna, por local de residência, nível de escolaridade do chefe do agregado familiar e quintiles de riqueza, 2011
62
Tabela 5.1 Sucesso de aprendizagem: % de alunos da 2ª classe que passam os testes de leitura/escrita e de numeracia, com base no currículo da 1ª classe, 2005
96
Tabela 5.2 Formação de professores: Percentagem de todos os professores sem formação por nível, em seis províncias de Angola, 2010
99
Tabela 7.1 Principais programas de transferência de renda da África Subsaariana, 2012
125
Tabela 7.2 Exemplos dos impactos de transferências de renda e POP
126
Lista de Caixas Caixa 1.1 Agenda de Desenvolvimento Pós-2015
31
Caixa 2.1 Vulnerabilidade e privações nos bairros pobres peri-urbanos de Angola
39
Caixa 3.1 Riqueza familiar e desigualdades nos indicadores de desenvolvimento humano e da criança
51
Caixa 4.1 Causas de mortalidade de menores de 5 anos em Angola
57
Caixa 4.2 Deficiências de micronutrientes em Angola
71
Caixa 6.1 Vulnerabilidade e protecção de crianças com deficiência
109
Caixa 7.1 Transferências sociais e ‘procura’ de serviços sociais básicos
123
Caixa 7.2 Transferências sociais em África
125
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ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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Abreviaturas e acrónimos ACS
Agentes Comunitários de Saúde
ACT
Terapias de Combinação baseadas em Artemisinina (Artemisinin-based combination therapy)
AF
Agregado Familiar
AIDI
Atenção Integrada das Doenças da Infância
b/d
Barris por dia
CACS
Conselhos de Auscultação e Concertação Social
CAP
Conhecimentos, Atitudes e Práticas
CASI
Centros de Acção Social Integrada
CCR
Transferência condicional de renda
CEC
Centros Educativos Comunitários
CECOMA
Central de Compras e Aprovisionamento de Medicamentos
CFMP
Cenário Fiscal de Médio Prazo
CIC
Centros Infantis Comunitários
cm
Centímetro
COV
Crianças Órfãs e Vulneráveis
CSP
Cuidados de Saúde Primários
CNAC
Conselho Nacional da Criança
CNAPED
Conselho Nacional da Pessoa com Deficiência
CPEE
Comissões dos Pais e Encarregados Escolares
CDC
Convenção sobre os Direitos da Criança
CPI
Cuidados da Primeira Infância
CSG
Subsídio de Apoio à Criança (Child Support Grant) da África do Sul
DPARS
Direcção Provincial de Assistência e Reinserção Social
DPE
Direcção Provincial de Educação
DPT
Difteria, pertussis (tosse convulsa) e tétano
DVA
Deficiência de Vitamina A
ENSAN
Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional
EPAL
Empresa Pública de Abastecimento de Água de Luanda
ETP
Ensino Técnico Profissional
FMI
Fundo Monetário Internacional
FSDEA
Fundo Soberano de Angola
GIGP
Gestão Integrada da Gravidez e Parto
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g/L
Gramas por litro
IBEP
Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População
IIM
Inquérito de Indicadores da Malária
INAC
Instituto Nacional da Criança
INCAPSIDA
Inquérito sobre os Conhecimentos, Atitudes e Práticas sobre o SIDA
INE
Instituto Nacional de Estatística
INEFOP
Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional
INFQ
Instituto Nacional de Formação de Quadros
INIDE
Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento da Educação
INLS
Instituto Nacional de Luta contra o SIDA
INN
Inquérito Nacional de Nutrição
IPG
Índice de Paridade de Género
IRA
Infecção Respiratória Aguda
ITN
Redes tratadas com Insecticida (Insecticide-treated net)
IVA
Imposto sobre o Valor Acrescentado
JMP
Programa de Monitoria Conjunta para o Abastecimento de Água e Saneamento (Joint Monitoring Programme for Water Supply and Sanitation) do UNICEF e OMS
Kz
Kwanza
MAS
Malnutrição aguda severa
MAM
Malnutrição aguda moderada
MAPTSS
Ministério da Administração Publica, Trabalho e Segurança Social
MAT
Ministério da Administração Territorial
TCMA
Tratamento Comunitário da Malnutrição Aguda
MED
Ministério da Educação
MICS
Inquérito de Indicadores Múltiplos (Multiple Indicator Cluster Survey)
MINAGRI
Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural
MINAMB
Ministério do Ambiente
MINEA
Ministério da Energia e Água
MINSA
Ministério da Saúde
MINARS
Ministério da Assistência e Reintegração Social
MINFAMU
Ministério da Família e Promoção da Mulher
MINFIN
Ministério das Finanças
MINPLAN
Ministério do Planeamento
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Abbreviations and acronyms
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MOGECA
Modelo de Gestão Comunitária de Água
NU
Nações Unidas
ODM
Objectivo de Desenvolvimento do Milénio
ODS
Objectivo de Desenvolvimento Sustentável
OGE
Orçamento Geral do Estado
OIT
Organização Internacional do Trabalho
OMS
Organização Mundial de Saúde
ONG
Organização não-governamental
ONUSIDA
Programa Conjunto das Nações Unidas para o VIH/SIDA
OP
Operações Parafiscais
OSC
Organização da Sociedade Civil
PAAE
Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar
PAEP
Projecto de Apoio ao Ensino Primário
PAN-EPT
Plano de Acção Nacional – Educação para Todos
PAS
Programa de Apoio Social
PAV
Programa Alargado de Vacinação
PCR
Reacção em cadeia da polimerase (Polymerase Chain Reaction)
PIB
Produto Interno Bruto
PNAS
Política Nacional de Assistência Social
PND
Plano Nacional de Desenvolvimento
PNDS
Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário 2012-2021
PNSA
Política Nacional de Saneamento Ambiental
PNUD
Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento
POP
Programa de Obras Públicas
ppm
Partes por milhão
PSNP
Programa de Redes de Segurança Produtivas (Productive Safety Nets Programme) da Etiópia
PT
Parteira tradicional
PTA
Programa terapêutico ambulatório
PTV
Prevenção da transmissão vertical (do VIH)
Q
Quintil (riqueza dos agregados familiares; Q1 = 1º quintil, Q2 = 2º quintil, Q3 = 3º quintil, Q4 = 4º quintil, Q5 = 5º quintil)
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QUIBB
Inquérito de Indicadores Básicos de Bem-Estar
RDC
República Democrática do Congo
RME
Repartições Municipais de Educação
RNB
Rendimento Nacional Bruto
SACMEQ
Consórcio da África Austral e Oriental para a Monitorização da Qualidade da Educação (Southern African Consortium for Monitoring Educational Quality)
SADC
Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (Southern African Development Community)
SIDA
Síndroma de Imunodeficiência Adquirida
STLC
Saneamento Total Liderado pela Comunidade
SICA
Sistema de Indicadores para a Criança Angolana
SIGE
Sistema de Informação de Gestão da Educação
SIGFE
Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado
SNFP
Serviço Nacional de Formação Profissional
SONANGOL
Sociedade Nacional de Combustíveis
TARV
Tratamento Anti-Retroviral
TBF
Taxa bruta de frequência
TFT
Taxa de fecundidade total
MAG
Malnutrição Aguda Global
TLF
Taxa líquida de frequência
TMI
Taxa de mortalidade infantil
TMM
Taxa de mortalidade materna
UA
União Africana
UE
União Europeia
UIH
Unidade de internamento hospitalar
UNICEF
Fundo das Nações Unidas para a Infância
UN IGME
Grupo Interagências das Nações Unidas para Estimativa sobre a Mortalidade Infantil (United Nations Inter-agency Group for Child Mortality Estimation)
USD
Dólar americano
UTNSA
Unidade Técnica Nacional de Saneamento Ambiental
TM<5
Taxa de mortalidade infantil de menores de 5 anos
VIH
Vírus da Imunodeficiência Humana
ZIP
Zonas de Influência Pedagógica
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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14 CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Prefácio Ao completar a sua transição de um período de reconstrução para uma fase de desenvolvimento estável, Angola tem uma oportunidade única de aprofundar os sucessos obtidos até à data e consolidar o seu estatuto de país de renda média alta, onde todos os segmentos da sociedade usufruam dos benefícios de uma maior riqueza. Dos 24 milhões de angolanos, a maioria (13 milhões) são crianças, ou seja menores de 18 anos. Garantir que estas crianças e suas famílias beneficiem cada vez mais e de forma igual do desenvolvimento social e económico de Angola é o melhor investimento que o país pode fazer para a sustentabilidade do crescimento e o sucesso no seu futuro; para tal, é necessária uma consideração especial pelos membros mais vulneráveis e desfavorecidos da sociedade angolana, bem como um investimento direccionado a estes membros. Focalizar nas crianças é também uma obrigação legal que Angola se comprometeu a cumprir quando se encontrava entre os primeiros países a assinar a Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) em 1990. Recorrendo aos dados e análises mais recentes, este relatório proporciona uma referência abrangente sobre a situação das crianças em Angola, cujo enfoque incide em particular no progresso, com vista a garantir que os seus direitos à sobrevivência, desenvolvimento e protecção sejam respeitados, protegidos e exercidos. O relatório mostra, de uma maneira geral, que a situação das crianças em Angola melhorou significativamente desde o fim da guerra civil. O Governo de Angola deu passos importantes com vista a fortalecer o quadro de políticas nacionais em áreas-chave relacionadas com os direitos da criança e o desempenho da grande maioria dos indicadores sociais melhorou. Angola enfrenta agora o desafio de implementar quadros políticos e legais e levar os serviços e as protecções directamente às crianças e suas famílias, removendo as desigualdades que neste momento impedem um progresso dinâmico. O presente relatório pretende contribuir para os esforços do país no sentido de enfrentar com sucesso estes desafios, proporcionando uma análise holística e baseada em evidências das realizações obtidas até à data, os factores que ajudaram ou entravaram o progresso, bem como os riscos e as oportunidades no contexto angolano. Nas áreas de sobrevivência, educação e protecção da criança, o relatório identifica recomendações exequíveis que possuem um potencial comprovado de produzir resultados rápidos e sustentáveis para os direitos e bem-estar da criança em Angola. Angola encontra-se numa conjuntura importante, com recursos para investir no desenvolvimento harmonioso das crianças e suas famílias e construir um futuro seguro para as gerações vindouras. O UNICEF continuará a trabalhar lado a lado com o Governo de Angola e a prestar apoio ao desenvolvimento económico e social que seja sustentável e baseado numa prosperidade cada vez mais partilhada.
Francisco Ferreira Songane Representante do UNICEF em Angola
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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16 CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Durante os anos que se seguiram ao fim da guerra em 2002, Angola registou uma expansão rápida e sustentada da sua economia e um aumento enorme de recursos do governo. De 2004 a 2012, a economia Angolana cresceu mais rapidamente do que a dos outros países da África Subsaariana. O Governo de Angola tem realizado esforços significativos para reconstruir os sistemas e infra-estruturas de saúde e educação, devastados por quase 4 décadas de guerra civil. No entanto, persiste uma longa viagem até à realização plena dos direitos das crianças angolanas e para garantir que os benefícios do crescimento económico sejam usufruídos de maneira equitativa e sustentável. A análise de situação faz o balanço do progresso registado até à data, para garantir os direitos e o bem-estar dos 13,2 milhões de crianças1 de Angola e analisa os factores que facilitaram ou entravaram o desenvolvimento. Mais recursos do governo constituem uma oportunidade preciosa para Angola fazer investimentos significativos na saúde, educação e protecção da criança e continuar a trajectória positiva de reconstrução e desenvolvimento pós-guerra. Este relatório pretende servir de referência abrangente sobre a situação das crianças em Angola, com uma análise detalhada de até que ponto os seus direitos à sobrevivência, desenvolvimento e protecção são respeitados, protegidos e cumpridos. Em cada sector, a análise faculta uma actualização sobre a situação dos principais indicadores em diferentes grupos populacionais, examina quadros políticos e legais relevantes e avalia o acesso e a qualidade dos programas e serviços existentes. A análise está inserida no quadro da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), que foi ratificada por Angola em 1990. Pretende contribuir para os processos decisórios nos sectores que têm um papel a desempenhar na protecção e realização dos direitos da criança. A análise apresentada neste relatório baseia-se numa revisão e síntese abrangentes dos dados disponíveis. A análise das tendências registadas nos principais indicadores sociais foi limitada em alguns casos pela inexistência de fontes de dados fiáveis e comparáveis. Os sistemas de dados administrativos são fracos em Angola e os dados de inquéritos nacionais também estão sujeitos a várias limitações. O quadro conceptual desta análise assenta nas relações existentes entre o bem-estar da criança, ou ‘resultados’, e os factores determinantes imediatos e subjacentes do bem-estar. A situação relativa aos direitos e bem-estar da criança é analisada a dois níveis diferentes: primeiro, os ‘resultados’ como a mortalidade infantil, a situação de saúde e nutrição, o desenvolvimento cognitivo, o aproveitamento escolar e a literacia, a pobreza infantil e a liberdade da violência e do abuso; e segundo, as ‘realizações’ ou o acesso e utilização de serviços básicos que contribuem para os resultados. A análise olha em seguida para as condições estruturais e as formas como estas interagem com factores intermédios, tais como a oferta e a qualidade de serviços sociais básicos, o nível de vida dos agregados familiares, o conhecimento e práticas individuais, bem como a degradação ambiental e as mudanças climáticas para influenciar o ritmo e a equidade dos resultados para as crianças.
Contexto do País Em 2002, Angola encerrou quatro décadas de conflito quase contínuo e conseguiu direccionar as energias e recursos para a edificação da estabilidade e para acelerar o desenvolvimento económico e social. O período pós-conflito de estabilização e recuperação trouxe um crescimento económico rápido e sustentado, guiado
13,2 milhões é um número estimado, aplicando a percentagem usada pela Divisão de População das Nações Unidas para calcular a proporção da população total de menores de 18 em Angola (54 por cento) em relação a estimativas gerais provisórias da população do Censo de 2014.
1
17 ANÁLISE DE SITUAÇÃO
Sumário Executivo
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
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18 pela expansão da indústria do petróleo, assim como pelo envolvimento revitalizado do governo na promoção do desenvolvimento económico e social. Na era pós-conflito, estima-se que a pobreza monetária tenha reduzido substancialmente e o rápido crescimento e urbanização da população, a degradação ambiental e a governação surgiram como factores-chave que afectam a situação das crianças. A importância do investimento no capital humano não está devidamente reflectida nas prioridades das despesas do governo. As despesas do sector social continuam relativamente reduzidas, representando, aproximadamente, um terço do total da despesa do governo nos últimos anos. A rápida urbanização está na origem do crescimento de enormes assentamentos informais dentro e ao redor das principais cidades, em particular à volta de Luanda. A proporção da população que vive nas zonas urbanas subiu acentuadamente para 58 por cento e o crescimento da população urbana colocou uma pressão enorme na infra-estrutura e serviços sociais, assim como nos mercados de trabalho urbano. Em 2008, altura em que a pobreza foi medida pela última vez num inquérito nacional, 37 por cento dos angolanos vivia abaixo da linha de pobreza nacional. Cerca de 40 por cento de todas as crianças menores de 15 anos viviam na pobreza e representavam um pouco mais de metade do total do número de pobres. A incidência de pobreza nas zonas rurais (58 por cento) era três vezes maior do que nas zonas urbanas (19 por cento). O nível e a profundidade da pobreza rural estão em grande contraste com o potencial agrícola significativo do país. Os pequenos agricultores de Angola utilizam técnicas de cultivo que apresentam baixos níveis de produtividade e contribuem para a insegurança alimentar e a degradação ambiental. Aproveitar os recursos de Angola para melhorar a infra-estrutura e os serviços necessários à diversificação económica e desenvolvimento do capital humano requer reformas institucionais com vista a fortalecer a governação. Como parte de um processo de desconcentração, certas funções e despesas seleccionadas do governo foram transferidas dos níveis administrativos nacionais para subnacionais; todavia, esta abordagem resultou em limitações na autoridade dos ministérios em relação aos órgãos administrativos subnacionais, que têm uma fraca capacidade, especialmente fora das capitais provinciais. Angola registou um progresso substancial no estabelecimento de um quadro legal mais forte para os direitos da criança; contudo, existe a necessidade de traduzir melhor os compromissos políticos e legais em programas e protecções reais. Angola ratificou os principais instrumentos legais internacionais sobre os direitos da criança, incluindo a CDC em 1990. A adopção da Lei da Criança2 em 2012 constituiu um passo importante rumo à incorporação dos direitos e princípios da CDC na legislação angolana. A Lei incorpora os 11 Compromissos com a Criança, que constituem o cerne de uma agenda nacional da criança.
Equidade: Em que medida o progresso registado no desenvolvimento económico e social é usufruído por todos? Em 2012, Angola foi reclassificado pelo Banco Mundial como um país de renda média alta. Esta classificação baseia-se no RNB per capita, mas não reflecte a situação do desenvolvimento social. O desempenho de Angola em termos de indicadores de desenvolvimento social é misto quando analisado comparativamente à África Subsaariana (ASS) como um todo e em atraso quando comparado com outros países africanos na faixa de renda média alta. Até certo ponto, esta situação pode ser atribuída ao facto de o desenvolvimento económico de Angola ser relativamente recente e o desenvolvimento social inerentemente levar mais tempo a revelar melhorias. Para se equiparar ao desempenho social e económico de longo prazo dos países ricos de África e outros continentes, Angola deve realizar investimentos acrescidos em capital humano, a começar desde a infância.
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A Lei No 25/122 de ‘Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança’ foi aprovada em 2012
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Equidade nos principais resultados e acesso a serviços sociais básicos As zonas rurais de Angola estão em piores condições do que as zonas urbanas em todos os indicadores de desenvolvimento social e, em alguns sectores como de água e saneamento, ensino secundário, alfabetização, saúde materna e sobrevivência da criança, a disparidade é profunda. As crianças das zonas rurais apresentam uma probabilidade 1,5 maior de morrer antes de atingirem os 5 anos de idade do que as crianças das zonas urbanas (IBEP 2008-2009). Apenas um quarto dos partos ocorridos nas zonas rurais tem lugar nas unidades sanitárias, comparativamente a três quartos nas zonas urbanas (QUIBB). As taxas de trabalho infantil em crianças dos 10 aos 17 anos eram quase quatro vezes mais elevadas nas zonas rurais do que nas zonas urbanas e a taxa líquida de frequência (TLF) rural nas escolas secundárias é um quinto da taxa das zonas urbanas. A proporção estimada da população que usa fontes melhoradas de água para beber nas zonas rurais, é apenas cerca de metade do nível das zonas urbanas e a proporção que usa instalações de saneamento melhoradas é apenas de um quinto da das zonas urbanas (JMP). As grandes desigualdades registadas no desenvolvimento humano e da criança estão também associadas à riqueza dos agregados familiares, embora certos indicadores mostrem que mesmo as famílias ‘mais ricas’ podem viver níveis de privação elevados. As raparigas e as mulheres, os órfãos e as pessoas portadoras de deficiência são vítimas de níveis acrescidos de desvantagem. Para reduzir a desigualdade, existe a necessidade de garantir que os programas e as políticas nos sectores sociais atendam explicitamente às disparidades.
Garantir a sobrevivência e saúde da criança Desde o fim da guerra, Angola tem registado progressos na melhoria das hipóteses de sobrevivência das crianças; contudo, a mortalidade infantil em Angola continua elevada e dentro da população angolana existem grandes disparidades nos resultados da saúde e no acesso a serviços de saúde e à água potável e instalações de saneamento. A malária, a diarreia e as infecções respiratórias agudas (IRA) constituem a maioria esmagadora das causas de morte de crianças. Embora o Governo de Angola promova abordagens integradas da prestação de serviços de saúde, estas não foram aplicadas na prática. Estão a ser introduzidas novas vacinas através do Programa Alargado de Vacinação (PAV); contudo, as taxas de vacinação continuam baixas. Registou-se uma expansão constante dos serviços de prevenção e tratamento da malária, no entanto a cobertura está aquém das necessidades em muitas zonas. A mortalidade infantil causada por doenças infecciosas poderia ser reduzida substancialmente através do incremento de intervenções preventivas e curativas. A cobertura dos serviços de saúde materna está a aumentar, mas continua baixa. Registam-se igualmente défices graves na qualidade dos serviços de saúde materna disponíveis, bem como grandes desigualdades na utilização dos serviços de saúde materna entre os grupos de riqueza e as populações urbanas e rurais.
Obstáculos do lado da oferta na saúde O Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário (PNDS) prioriza os cuidados de saúde primários, mas o Governo enfrenta grandes desafios para os conseguir pôr em prática. O Serviço Nacional de Saúde tem um total de 2.356 unidades sanitárias, das quais mais de um quinto não está a funcionar e mais de metade não tem fornecimento de energia. Muitas unidades sanitárias de primeiro nível não estão em condições de fornecer um conjunto completo de serviços básicos, o sistema de referência é fraco e há um grande défice em termos de infra-estrutura de saúde, quer nas zonas urbanas como rurais. O Serviço Nacional de Saúde enfrenta uma grave escassez de pessoal qualificado. De acordo com a OMS, Angola possui apenas 0,08 médicos por 1.000 habitantes e estes estão fortemente concentrados nas principais cidades, em especial, em Luanda. É necessária uma estratégia sólida de recursos humanos, estando em curso importantes iniciativas destinadas a aumentar o número de pessoal qualificado na área de saúde. Um sistema sólido de promoção da saúde, prevenção e cuidados curativos básicos, baseado nas comunidades, poderia complementar e aliviar a pressão sobre os serviços prestados nas unidades sanitárias.
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20 O PNDS proporciona um quadro poderoso para o fortalecimento do sistema de saúde e uma implementação efectiva requer um sistema de informação mais sólido. A implementação do PNDS também exigirá um grande aumento no financiamento ao sector da saúde, o qual tem vindo a receber uma parte cada vez menor do orçamento nos últimos anos. Em 2014, o sector da saúde recebeu 5 por cento da despesa orçamentada do governo (excluindo o serviço da dívida), apenas um terço da meta de 15 por cento definida pelos governos africanos na Declaração de Abuja em 2001. O acesso aos cuidados de saúde depende não apenas da oferta e da qualidade dos serviços de saúde, mas também da procura. Embora o Serviço Nacional de Saúde oficialmente providencie cuidados de saúde a título gratuito, os custos cumulativos de procurar cuidados – incluindo os custos directos e de oportunidade – continuam a constituir uma barreira para muitas famílias. Registam-se grandes lacunas nos conhecimentos, atitudes e práticas (CAP) relacionados com a saúde, com consequências significativas na nutrição, higiene e VIH/SIDA.
Malnutrição Infantil A malnutrição registada no seio das crianças em Angola contribui significativamente para a mortalidade infantil e pode provocar danos permanentes no desenvolvimento cognitivo de crianças de tenra idade, comprometendo o seu bem-estar e produtividade na idade adulta. Quase um terço das crianças de 6-59 meses sofria de malnutrição crónica na altura do último Inquérito Nacional de Nutrição (INN), que teve lugar em 2007. Embora estima-se que a prevalência da desnutrição em Angola diminuiu nos últimos anos, continua a ser alta. O baixo peso crónico nos níveis registados em Angola pode ter impactos a nível da população sobre o capital humano e constituir uma ameaça considerável ao desenvolvimento socioeconómico nacional. Além do baixo peso, as deficiências de micronutrientes ameaçam o crescimento, o desenvolvimento e a sobrevivência dos bebés e crianças de tenra idade em Angola. A nível de políticas, foram assumidos compromissos no sentido de incrementar um conjunto abrangente de intervenções na área de nutrição, mas existe a necessidade de implementar na íntegra as disposições contidas nas políticas. O pacote oficial de medidas do Governo para melhorar a nutrição dos bebés e crianças de tenra idade é, em grande medida, consistente com as boas práticas mundiais; contudo, devido à inexistência de dados administrativos fiáveis e consolidados sobre os programas nutricionais, torna-se difícil avaliar até que ponto está a ser implementado. A situação de emergência provocada pela seca em 2012 e 2013 levou a uma grande expansão de serviços de tratamento da malnutrição grave nas zonas afectadas, mas apenas uma minoria das crianças foi abrangida e os esforços visando prevenir a malnutrição aguda continuam inadequados. O fortalecimento da capacidade institucional e dos recursos humanos para a nutrição constitui uma prioridade urgente em Angola.
Crianças e o VIH/SIDA Até à data, Angola é um país que tem sido poupado da devastação humana e económica que o VIH/SIDA trouxe para os outros países da África Austral, mas os obstáculos enfrentados na prestação de serviços e as fraquezas verificadas no sistema de saúde não deixam espaço para complacência. A prevalência do VIH nos adultos em Angola está neste momento estimada em 2,3 por cento e tem sido estável nos últimos anos (ONUSIDA 2013). Contudo, a cobertura das intervenções de prevenção, tratamento e cuidados é fraca, particularmente na área do SIDA pediátrico e de prevenção da transmissão vertical (PTV) de mãe para filho. Oito em cada dez mulheres grávidas que vivem com o VIH em Angola não recebem medicamentos antiretrovirais para prevenir a transmissão vertical (PTV). Angola é o único dos 22 países prioritários do Plano Global em que o número de novas infecções pelo VIH em crianças continuou a aumentar. As lacunas na cobertura do TARV reflectem baixos níveis de testagem do VIH. Os conhecimentos e práticas não são conducentes à protecção contra a infecção pelo VIH, em especial no seio das mulheres e nas zonas rurais. São necessários investimentos na capacitação, expansão de serviços de testagem e melhoria da aquisição e distribuição de medicamentos e kits de testagem.
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Água, saneamento e higiene A falta de acesso à água potável e saneamento, bem como práticas de higiene insuficientes são as principais causas de doenças infecciosas, contribuem para o baixo peso e são um factor determinante da mortalidade infantil. Em Angola, foram conseguidos avanços importantes em relação à água e saneamento nas zonas urbanas, enquanto as zonas rurais registaram poucos avanços nos últimos anos. Aumentar o acesso geral à água potável requer melhorias no abastecimento de água rural. A aprovação da Política Nacional de Saneamento Ambiental é de carácter urgente para guiar a implementação e a expansão no sector. As más práticas de higiene e comportamentais constituem também um motivo de preocupação. Os comportamentos que contribuem para a propagação de doenças incluem a defecação a céu aberto, o não tratamento da água para beber e baixas taxas de lavagem das mãos. Os dados a nível nacional ocultam grandes disparidades: as famílias pobres angolanas têm um acesso muito mais limitado à água potável e ao saneamento do que os agregados familiares mais ricos. Os 20 por cento dos angolanos mais pobres dependem esmagadoramente das fontes de água de superfície, para a obtenção de água para beber (60 por cento) e praticam a defecação a céu aberto (74 por cento).
Educação: Dar às crianças instrumentos para prosperar A educação é um direito humano fundamental, garantido pela Constituição de Angola, crucial para o bemestar económico e social da população e para o desenvolvimento do país a longo prazo. Ao longo da última década, Angola deu passos importantes com vista a aumentar o acesso à educação; o número de alunos matriculados em todos os níveis de escolarização mais do que quadriplicou, passando de 2,2 milhões em 2001 para 9,5 milhões em 2014. Porém, é necessário um maior progresso para resolver as desigualdades de acesso e melhorar a qualidade de ensino. A participação nos programas de CPI de crianças menores de 6 anos continua fraca e existem preocupações quanto à qualidade das classes de iniciação. A alocação para a educação pré-escolar no orçamento do Estado para 2014 é insuficiente para obter a grande expansão do ensino pré-primário prevista no Plano de Acção Nacional – Educação para Todos (PAN-EPT). O aumento registado na inscrição de alunos foi conseguido graças ao investimento do governo na infra-estrutura escolar e ao recrutamento e afectação de professores. Embora os números absolutos de alunos tenham aumentado, as taxas líquidas de frequência (TLF) e as taxas de conclusão do ensino secundário continuam abaixo da média dos países da África Subsaariana, sendo constatadas grandes desigualdades na educação entre as zonas urbanas e rurais e os grupos de riqueza. As crianças órfãs apresentam uma probabilidade muito menor de frequentar a escola, particularmente as que perderam ambos os pais. Embora as matrículas no ensino especial tenham aumentado, poucas crianças portadoras de deficiência e com necessidades especiais têm acesso às escolas. Angola quase atingiu a paridade de género no ensino primário, apesar de ainda não ter conseguido este feito nas zonas rurais ou a nível secundário. As taxas líquidas de frequência no ensino secundário são particularmente baixas para rapazes e raparigas nas zonas rurais. Angola registou um avanço substancial no combate ao analfabetismo. As projecções para 2015 estimam a taxa de alfabetização do adulto em 71 por cento3 (UNESCO 2014). Em 2007, o Governo adoptou uma estratégia com vista a fortalecer a formação em alfabetização e oferecer oportunidades aos adolescentes e jovens, que abandonaram cedo a escola, para retomarem a sua educação. No geral, os ingressos nos programas de alfabetização e educação do adulto aumentaram, mas estes programas não cobrem completamente as necessidades.
Os dados do inquérito mais recente disponível em Angola são do QUIBB 2011, que constatou a existência de uma taxa de alfabetização de adultos de 66 por cento
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22 Sucesso de aprendizagem e qualidade do ensino A qualidade do ensino – e, por extensão, os resultados de aprendizagem – continuam a constituir uma área de preocupação. Um aumento enorme do número de alunos, uma grande mistura etária nas salas de aula e insumos inadequados, colocaram uma grande pressão sobre o sistema de educação, prejudicando a aprendizagem dos alunos. Um fraco desenvolvimento cognitivo das crianças em idade pré-escolar, em resultado do baixo peso e da deficiência de micronutrientes, bem como a inexistência de um ambiente propício para estudar em casa, são factores que podem também enfraquecer os resultados de aprendizagem. Os investimentos na avaliação da qualidade do ensino e do sucesso de aprendizagem são cruciais para monitorizar o desempenho do sistema de educação e permitir que sejam tomadas medidas correctivas, em particular nas primeiras classes.
Reforma educativa e obstáculos do lado da oferta Após a adopção da Lei de Bases do Sistema de Educação em 2001, o Governo procurou melhorar o desempenho do sistema de educação através de uma reforma educativa de longo alcance, implementada por fases desde 2004. A implementação da reforma deparou-se com dificuldades e, apesar dos grandes investimentos na construção de escolas, a disponibilidade de salas de aula não acompanhou o aumento rápido do número de alunos. Uma grande prioridade é investir mais nos professores, cuja formação, motivação e tempo de contacto com os alunos são os factores determinantes mais importantes da qualidade do ensino e podem ser significativamente melhorados. Oficialmente, o ensino primário é gratuito, mas as famílias devem pagar vários pequenos montantes associados ao envio dos seus filhos à escola. À medida que as crianças se tornam adolescentes, o trabalho e a gravidez são responsáveis por um número crescente de desistências, uma vez que os custos de oportunidade ofuscam os custos directos da escola, em particular entre as crianças mais velhas. Os programas de alimentação escolar devem ser alargados como uma estratégia que visa incentivar e facilitar a frequência escolar, enquanto o ajuste do calendário escolar para acomodar os ciclos agrícolas é uma medida que poderia mitigar os custos de oportunidade da educação para as crianças das zonas rurais.
Protecção das crianças contra a violência, abuso, exploração, discriminação e exclusão social As crianças, em especial as órfãs, são mais vulneráveis às violações dos seus direitos. Um número estimado em 9,5 por cento de crianças em Angola são órfãs de um ou ambos os pais e os órfãos representam apenas uma pequena proporção das inúmeras crianças que não vivem com os seus pais biológicos (IBEP 2008-2009). As crianças que vivem completamente fora de um ambiente familiar, tais como crianças na prisão e crianças que vivem na rua, encontram-se entre as mais vulneráveis. A deficiência acarreta o risco de privação e exclusão social para as crianças afectadas. A lei do trabalho angolana prevê um certo grau de protecção para as crianças, mas a aplicação limitada da lei prejudica a sua eficácia e as crianças dos agregados familiares pobres e das zonas rurais encontram-se em risco particularmente elevado de envolvimento em alguma forma de trabalho. A violência doméstica e o abuso colocam riscos significativos às mulheres e crianças e os incidentes são largamente subnotificados. As crianças, e em especial as raparigas, enfrentam riscos associados ao casamento prematuro e à gravidez precoce; 7 por cento das raparigas dos 12 aos 14 anos e 55 por cento das raparigas dos 15 aos 19 já tiveram o seu primeiro filho. O casamento prematuro, e acima de tudo a gravidez precoce, limitam as oportunidades, muitas vezes levando-as a interromper os seus estudos e afectando as perspectivas de emprego no futuro. Embora firmemente estabelecido, o quadro político para a protecção da criança carece de clareza operacional e a implementação está atrasada. O sistema de protecção da criança é fraco e dotado de poucos recursos em termos de pessoal e financiamento. As insuficiências registadas na informação, planificação e orçamentação representam um constrangimento na implementação das políticas de protecção da criança.
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Serviços de cuidados sociais Em Angola, a assistência social evoluiu de um foco na assistência humanitária e de reinserção no período pós-guerra imediato e passou a ter uma ênfase mais ampla nos direitos das famílias e pessoas vulneráveis. Os serviços de cuidados sociais geridos pelo Governo para as crianças são presentemente de pequena escala, subfinanciados e com uma ligação fraca aos outros sectores. O esboço da Política Nacional de Assistência Social (PNAS) propõe o estabelecimento de Centros de Acção Social Integrada (CASI) para preencher a lacuna nos serviços descentralizados, a começar pelo nível municipal. O quadro do pessoal dos CASI seria constituído por assistentes sociais, sendo necessário um investimento substancial na sua formação, um ajustamento nos organigramas municipais e a afectação de assistentes sociais aos municípios do país. Melhorar o acesso ao sistema de registo civil é uma medida crucial para se atingir o objectivo de registo de nascimento universal, definido no Plano de Desenvolvimento Nacional do Governo. A maioria das crianças angolanas (69 por cento) não foi registada à nascença e sem prova da sua identidade legal, correndo o risco de não ter acesso aos seus direitos de cidadania, incluindo serviços sociais essenciais. Os baixos níveis de registo devem-se às insuficiências dos serviços e a outros constrangimentos na procura do registo.
Justiça de Menores O acesso à justiça é um direito inalienável de todas as crianças. As crianças que entram em contacto com o sistema judicial devem encontrar processos especializados, adequados à idade, rápidos e diligentes, que estejam adaptados às necessidades e aos direitos da criança e que respeitem o princípio de interesse superior. Em Angola, a legislação nacional relacionada com a justiça de menores está bem desenvolvida, mas existe a necessidade de um progresso mais rápido na implementação da Lei da Justiça de Menores. Apenas uma das dezoito províncias – Luanda – tem um tribunal infantojuvenil especializado.
Abordar a pobreza infantil através da protecção social Um sistema de protecção social forte é fundamental para reduzir a vulnerabilidade dos pobres aos riscos sociais, reforçar a sua resiliência aos choques e melhorar o capital humano e a produtividade. Embora o actual sistema de protecção social em Angola seja fraco, o esboço do PNAS lança alicerces sólidos para o fortalecimento e expansão da cobertura de protecção social. A protecção social tem como objectivo fortalecer a capacidade das famílias de gerir riscos e choques e de reduzir a sua vulnerabilidade a longo prazo. As transferências sociais de renda, em particular, tornaram-se num instrumento de eleição para reforçar a resiliência, promover a redistribuição, facilitar o acesso aos serviços sociais e reduzir a pobreza a longo prazo. Embora os mecanismos de solidariedade informais ofereçam uma espécie de rede de segurança a nível comunitário, o sistema de assistência social formal em Angola ainda é rudimentar. 12 por cento dos agregados familiares recebem alguma forma de assistência, sendo o grosso constituído por ofertas de familiares e amigos. O principal programa de transferência social em Angola é o Programa de Apoio Social (PAS), que prestou assistência em espécie a cerca de 600.000 pessoas em 2011, o equivalente a cerca de 3 por cento do total da população, ou a 8 por cento da população que vive na pobreza monetária. A maior parte da assistência em Angola é de curta duração e esporádica, sendo prestada, essencialmente, para responder a choques temporários (Santos 2012 e OPM 2013a). Em conformidade com o esboço do PNAS, que inclui transferências de renda como uma medida para reduzir a pobreza e a vulnerabilidade, está a ser introduzido em regime piloto um novo programa de transferência de renda e prevê-se que outros programas entrem na fase de desenho num futuro próximo. O esboço do PNAS combina o fortalecimento dos serviços de cuidados sociais e o estabelecimento de um sistema de transferências sociais com reformas institucionais, dando especial atenção às transferências para as crianças mais jovens. As transferências às crianças tornar-se-ão progressivamente mais acessíveis em Angola, devido às mudanças demográficas e às elevadas taxas de crescimento económico a longo prazo.
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24 Conclusões e recomendações Angola deve aproveitar as oportunidades apresentadas pelo crescimento económico e pela estabilidade para direccionar o seu foco e investimento para a equidade no desenvolvimento social. Para tal, cada decisão política e de financiamento deve ser deliberadamente dirigida aos segmentos mais vulneráveis e desfavorecidos da população, com vista a proteger os seus direitos, promover o seu bem-estar e garantir a sustentabilidade dos ganhos de desenvolvimento. Priorizar os membros mais vulneráveis da população terá inerentemente um maior impacto, uma vez que os investimentos onde a privação é mais grave podem produzir resultados significativos em grande escala.
Sobrevivência e Desenvolvimento da Criança Para acelerar a redução da mortalidade infantil, será necessário redobrar esforços em todas as dimensões da saúde e bem-estar, incluindo o fornecimento e a qualidade de serviços de saúde, segurança alimentar familiar e nutrição infantil, acesso à água e saneamento e comportamentos relacionados com a saúde das famílias. Recomendações prioritárias: 1. Expandir um pacote integrado de serviços de saúde promocionais, preventivos e curativos de grande impacto, priorizando a vacinação de rotina, uma maior cobertura das intervenções de malária e um maior envolvimento com as comunidades, com o objectivo de melhorar os comportamentos relacionados com a saúde. 2. O pacote abrangente de intervenções de nutrição, identificado nos documentos de política nacional, deve ser traduzido em realidade operacional, priorizando as intervenções de mudança de comportamento e fortalecendo os recursos humanos a todos os níveis para a implementação dos programas de nutrição. 3. Expandir a prevenção e o tratamento do VIH e SIDA nas crianças e adolescentes como parte de uma acção mais alargada para conter a doença e o seu impacto. 4. Criar e expandir rapidamente a gestão comunitária de doenças infantis. É necessário que a política de saúde em Angola aborde, de forma adequada, a promoção, prevenção e tratamento de doenças comuns da infância a nível comunitário através de recursos de saúde nas comunidades. 5. O compromisso político em relação aos cuidados de saúde primários deve ser posto em prática através de um maior investimento na infra-estrutura de saúde e recursos humanos, particularmente nas zonas rurais, medidas para pôr fim à rotura de stocks de medicamentos, estabelecimento de um sistema de referência efectivo, maior cobertura das intervenções comunitárias e maior despesa pública na saúde. 6. Alargar a cobertura de fontes de água melhoradas e instalações de saneamento nas zonas rurais e nos assentamentos pobres peri-urbanos, através da abertura e manutenção de furos nas aldeias, uso do modelo de gestão de água comunitária nas aldeias e comunidades peri-urbanas, expansão do saneamento total liderado pela comunidade (STLC) e finalização e implementação da Política Nacional de Saneamento Ambiental. 7. Melhorar as actividades de comunicação, com vista a aumentar o conhecimento e promover comportamentos propícios a uma melhor saúde.
Educação O progresso registado no aumento do número absoluto de alunos deve ser consolidado com investimentos na qualidade e equidade do ensino, para melhorar os resultados de aprendizagem. Recomendações prioritárias: 8. Aumentar o financiamento à educação da primeira infância (EPI). 9. Melhorar a qualidade do ensino através de mais acções de formação e apoio para os professores nas áreas de ensino centrado na criança, e reforçando drasticamente a formação de professores, a supervisão e a gestão escolar. A formação em exercício para professores deve ser alargada através do recurso às zonas de influência pedagógica (ZIP). 10. Acelerar o investimento na construção e manutenção de escolas a todos os níveis do ensino geral, em particular no ensino secundário. Garantir que as escolas ofereçam um ambiente de aprendizagem seguro e saudável a todas as crianças, incluindo as raparigas e mulheres jovens.
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11. Aumentar a procura da educação através da adopção de regulamentos detalhados, destinados a fazer vigorar a adesão ao princípio de ensino primário gratuito, a identificação de um modelo de alimentação escolar viável a nível nacional e actividades de sensibilização das comunidades, destinadas a promover o valor da educação, a importância de as crianças começarem a escola na idade certa e promover a conclusão do ensino. 12. Melhorar a equidade na educação, através da implementação de um quadro político destinado a promover o acesso igual à educação para as crianças com necessidades especiais e introduzir, em regime piloto, medidas com vista a promover a educação da rapariga a nível do ensino secundário, em particular nas zonas rurais. 13. Fortalecer a planificação, o financiamento, a gestão e a monitoria do sistema de educação, com melhorias a serem introduzidas no sistema de informação de gestão da educação e uma maior alocação da despesa pública à educação; a despesa por aluno deve procurar equiparar-se à dos outros países de média renda da SADC. 14. Aumentar a dotação global da despesa pública à educação. A dotação à educação deve ter como objectivo, no mínimo, igualar o nível de despesas por aluno, noutros países de média renda da SADC. 15. Avaliar programas de alimentação escolar e pôr em prática um modelo nacional viável, como solução para atrair e reter as crianças na escola, particularmente nas zonas mais desfavorecidas.
Protecção da criança Um sistema integrado de protecção da criança deve fornecer serviços preventivos e proactivos a nível local e garantir que todas as crianças estejam registadas e sejam capazes de exercer os seus direitos à protecção e justiça e ter acesso aos serviços relacionados. Recomendações prioritárias: 16. Criar unidades de acesso descentralizadas para o fornecimento de serviços de protecção preventivos e proactivos, com legislação e regulamentos que definem a finalidade, as funções e os procedimentos destas estruturas. 17. Capacitar redes informais de protecção da criança a nível comunitário, como pilares de uma resposta integrada em termos de formação e recursos financeiros, bem como directivas adequadas para regular a sua interacção com os serviços sociais através de sistemas de referência. 18. Fortalecer o registo civil e os sistemas de estatísticas vitais e adoptar estratégias multisectoriais, com vista a facilitar o acesso ao registo de nascimento e a procedimentos de identificação. 19. Desenhar e implementar um modelo adequado de justiça para as crianças em todas as províncias, que designe claramente as responsabilidades e procedimentos institucionais e que providencie a formação do pessoal e as dotações orçamentais, para os tribunais provinciais oferecerem protecção especializada às crianças.
Protecção social A adopção do PNAS é o primeiro passo necessário para fortalecer a protecção social não contributiva. O enfoque deve, então, passar a incidir na preparação adequada para a implementação das medidas incluídas no PNAS através das seguintes acções: 20. Garantir que a expansão da protecção social seja guiada por uma política sectorial coesa, como forma de evitar duplicações e a má coordenação de esforços. Uma vez aprovada, a PNAS irá fornecer uma base sólida para a expansão da protecção social não contributiva. 21. Criar uma instituição nacional especializada, responsável pela gestão da implementação das transferências sociais. 22. Desenhar e implementar o programa cuidadosamente com base numa análise sólida e nas lições aprendidas de outros países; o desenho do programa deve incluir critérios claros para a identificação e registo de beneficiários e um sistema funcional de monitoria e avaliação. 23. Investir na capacitação administrativa e nos sistemas necessários para a implementação do programa de protecção social, incluindo o desenho e a introdução de um sistema informatizado de informação de gestão e mecanismos para a transferência de pagamentos aos beneficiários. 24. Alocar fundos suficientes do governo através da redução de subsídios de combustíveis caros e regressivos.
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Desde o fim da guerra civil em 2002, Angola registou uma expansão rápida e sustentada da sua economia e um enorme aumento dos recursos do governo. De 2004 a 2012, Angola tinha a economia com o crescimento mais rápido da África Subsaariana, com o produto interno bruto (PIB) a aumentar em média 11,5 por cento ao ano. O boom económico seguiu-se a quase quatro décadas de guerra civil que devastaram a infra-estrutura e serviços públicos e resultaram na migração massiva da população para os centros urbanos. Embora Angola tenha registado esforços significativos para reconstruir os sistemas de saúde e educação e para fortalecer a governação, continua a haver pela frente uma jornada longa e desafiante para que se consiga realizar cabalmente os direitos das crianças angolanas e garantir que os benefícios do crescimento sejam usufruídos de maneira equitativa e sustentável. Este relatório faz o balanço do progresso registado até à data, para garantir os direitos e bem-estar dos 13,2 milhões de crianças 4 de Angola, e analisa os factores que facilitam ou entravam o desenvolvimento. Mais recursos do governo constituem uma oportunidade preciosa de Angola fazer investimentos significativos na saúde, educação e protecção da criança e continuar a trajectória positiva de reconstrução e desenvolvimento pós-guerra.
1.1 Objectivos da análise de situação O presente relatório pretende servir de referência abrangente sobre a situação da criança em Angola, com uma análise detalhada de até que ponto os seus direitos à sobrevivência, desenvolvimento e protecção são respeitados, protegidos e cumpridos. Em cada sector, a análise apresenta a situação dos principais indicadores em diferentes grupos populacionais, examina quadros políticos e legais relevantes e avalia o acesso e a qualidade dos programas e serviços existentes. Esta análise pretende contribuir para os processos decisórios nos sectores que têm um papel a desempenhar na protecção e realização dos direitos da criança. Espera-se que os principais intervenientes e órgãos decisórios utilizem a análise e as recomendações contidas neste relatório como uma referência para a programação e definição de políticas. A análise está inserida no quadro da Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC), que foi ratificada por Angola em 1990. A estrutura do relatório obedece ao quadro de direitos estabelecidos na CDC. A seguir a este capítulo introdutório e a um resumo do contexto social e económico de Angola (Capítulo 2), o Capítulo 3 apresenta uma visão geral do desempenho do país no que diz respeito aos direitos e bem-estar das crianças. Esta visão geral apresenta dados actuais a nível nacional, juntamente com dados desagregados por local de residência e riqueza dos agregados familiares, de modo a avaliar a equidade na realização dos direitos da criança em Angola. O Capítulo 3 contrasta o desempenho de Angola com o dos países da África Subsaariana como um todo e com um ‘grupo de pares’ de outros países de renda média alta na África Subsaariana para se obter uma compreensão mais profunda do desenvolvimento em relação aos recursos do governo. Os capítulos posteriores avaliam o desempenho de Angola na realização dos direitos específicos das crianças, incluindo a sobrevivência (Capítulo 4), o desenvolvimento (Capítulo 5) e a protecção (Capítulos 6 e 7), analisando o ritmo, o grau e as tendências do progresso, assim como factores determinantes e obstáculos relacionados. As conclusões e recomendações detalhadas seguem a análise sectorial em cada capítulo e estão resumidas no último capítulo do presente relatório (Capítulo 8).
4 13,2 milhões é um número estimado, aplicando a percentagem usada pela Divisão de População das Nações Unidas, para calcular a proporção da população total de menores de 18 anos em Angola (54 por cento) em relação às estimativas gerais provisórias da população do Censo de 2014.
27 ANÁLISE DE SITUAÇÃO
Capítulo 1. Introdução
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 1. Introdução
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
28 1.2 Métodos e limitações O presente relatório foi elaborado pelo escritório do UNICEF em Angola, com o apoio de uma equipa de consultoria da Oxford Policy Management (OPM) e em consulta com o Escritório Regional do UNICEF para a África Oriental e Austral, com sede em Nairobi. A análise apresentada neste relatório baseia-se numa revisão abrangente e na síntese de dados de uma variedade de fontes, designadamente, inquéritos familiares nacionais, sistemas de informação de rotina específicos aos sectores, dados de programas do governo e das ONG e estudos e pesquisa de pequena escala. Foi analisada a qualidade e a fiabilidade dos dados dos inquéritos nacionais e os sistemas de informação, os quais foram utilizados sempre que foi possível. As estimativas baseadas nos dados do recenseamento foram actualizadas utilizando as estimativas de população provisórias obtidas do recenseamento geral da população de 2014. Nos casos em que faltavam dados relevantes ou que os mesmos não podiam ser validados – que foi o caso em particular dos dados históricos necessários para a análise de tendências – o relatório recorreu a estimativas de modelos produzidos por instituições globais5. Nesta análise, foi também utilizada uma série de avaliações e estudos nacionais e internacionais. É apresentada no fim do relatório uma lista de referências completa. A análise de tendências nos principais indicadores de desenvolvimento social foi limitada, em alguns casos, pela escassez de fontes de dados fiáveis e comparáveis. Tal como acontece em muitos países em desenvolvimento, os sistemas de dados administrativos em Angola são fracos. Estes sistemas fazem essencialmente o acompanhamento da utilização de serviços públicos em sectores específicos. Os dados reportados a partir dos pontos de prestação de serviços são muitas vezes incompletos e estes sistemas não têm a capacidade de validar dados em falta ou inconsistentes. Por isso, optou-se por inquéritos representativos a nível nacional, como fontes de dados referentes à cobertura e utilização de serviços, assim como a análise de resultados individuais e a nível da população. Contudo, estes inquéritos também estão sujeitos a limitações significativas. Em primeiro lugar, o inquérito nacional abrangente mais recente, que forneceu dados sobre indicadores sociais e de pobreza importantes – o Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População (IBEP) 2008/2009 – já tinha sido elaborado há sete anos, na altura da elaboração do relatório. Segundo, os inquéritos realizados antes do fim da guerra em 2002 não são considerados representativos a nível nacional, pelo facto de as áreas seriamente afectadas pelo conflito estarem inacessíveis às equipas do inquérito e, por conseguinte, não foram representadas nas conclusões dos inquéritos.
1.3 Quadro conceptual O quadro conceptual desta análise assenta na relação existente entre o bem-estar da criança, ou ‘resultados’, e nos factores determinantes imediatos e subjacentes ao bem-estar. Este quadro é representado por uma ‘árvore de problemas’ (ver a Figura 1.2), que simplifica relações complexas em quatro níveis: resultados (representados pelas folhas), realizações (ramos), factores determinantes intermédios (o tronco) e os factores determinantes fundamentais (raízes).
Este relatório usa estimativas de tendências na sobrevivência da criança geradas pelo Grupo Interagências das Nações Unidas para Estimativas sobre a Mortalidade Infantil (UN IGME), estimativas de tendências nos indicadores de água e saneamento, produzidos pelo Programa de Monitoria Conjunta (JMP) e estimativas de indicadores da educação produzidos pelo Instituto de Estatística da UNESCO (UNESCO Institute of Statistics - UIS).
5
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Figura 1.1 Quadro Conceptual: resultados referentes à criança e seus factores determinantes
Resultados referentes à criança
(mortalidade, estado de saúde e nutricional, desenvolvimento cognitivo e sucesso de aprendizagem, violência e abuso, pobreza da criança)
Acesso aos serviços (serviços de saúde, educação, água e saneamento, registo de nascimento, assistência social, serviços de cuidados sociais, justiça)
Desastres naturais e vulnerabilidade sazonal
Ambiente e mudanças climáticas
Padrões de Conhecimentos, vida familiar atitudes e práticas e barreiras de custos aos serviços sociais
Crescimento económico, distribuição e pobreza
Cultura e relações de género
Oferta e qualidade de serviços sociais
Governação (leis, instituições, políticas e finanças)
As folhas e os ramos da ‘árvore de problemas’ representam a situação dos direitos da criança e o seu bem-estar a dois níveis diferentes: primeiro, as folhas que representam os ‘resultados’, tais como a mortalidade infantil, o estado de saúde e nutricional, o desenvolvimento cognitivo, o sucesso de aprendizagem e literacia, a pobreza infantil e a protecção da violência e do abuso; segundo, os ramos superiores representam as ‘realizações’ ou o acesso e utilização de serviços básicos que contribuem para os resultados. Estes serviços incluem serviços de saúde preventivos e curativos, educação, fontes de água potável e saneamento, registo de nascimento, serviços de cuidados sociais, protecção social e um sistema judicial. Embora os dois níveis de direitos constem da CDC e outros instrumentos de direitos humanos, este relatório procura distingui-los, abordando o acesso aos serviços como um nível intermédio que contribui para os resultados das crianças. Pode notar-se que alguns dos indicadores que medem o acesso e os resultados são os mesmos indicadores usados para acompanhar o progresso rumo aos Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM).
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
29
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 1. Introdução
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
30 As raízes da árvore representam os factores estruturais subjacentes que determinam o ritmo e a equidade do progresso. Estes factores determinantes fundamentais existem a um nível social mais profundo, afectando o acesso aos serviços básicos e os resultados da criança através de vários canais intermédios. Os factores determinantes fundamentais estão agrupados em quatro tipos diferentes: económicos (inclui o crescimento, a distribuição e a pobreza); ambientais (inclui as mudanças climáticas), culturais (inclui o género); e factores determinantes relacionados com a governação. Estes quatro tipos de factores determinantes não se excluem mutuamente; na verdade, eles são altamente interdependentes e, se forem considerados de forma holística, são tanto a causa como o efeito de um nível geral de desenvolvimento económico e social de um país. Por exemplo, a pobreza reflecte e condiciona o desenvolvimento económico e social, contribui e é afectada pela degradação ambiental e interage com normas e práticas socioculturais, muitas vezes através da educação. A governação, aqui interpretada como sendo o quadro de leis, instituições, políticas e finanças públicas, reflecte o nível de desenvolvimento e, ao mesmo tempo, determina o ritmo e a natureza do seu progresso. O meio ou o tronco da árvore representa factores intermédios que ligam os factores determinantes da raiz ao acesso a serviços e, em última instância, aos resultados relativos às crianças. Estes níveis intermédios foram simplificados sobremaneira na Figura 1.1 uma vez que as interacções são demasiado complexas para serem representadas num diagrama. Nesta parte da árvore, a oferta e a qualidade dos serviços sociais básicos interagem no padrão de vida dos agregados familiares e no seu acesso financeiro aos serviços sociais, conhecimentos, atitudes e práticas individuais e na degradação ambiental e mudanças climáticas. A oferta e a qualidade dos serviços básicos referem-se à infra-estrutura e recursos humanos, à cadeia de aprovisionamento e distribuição e a outros factores que afectam a disponibilidade e a prestação de serviços sociais básicos. O nível de vida dos agregados familiares diz respeito ao consumo doméstico, posse de bens e os custos directos e indirectos associados ao acesso aos serviços, tais como escolas e unidades sanitárias. Os conhecimentos, atitudes e práticas muitas vezes reflectem factores socioculturais subjacentes, assim como a educação e o acesso à informação. Por último, as mudanças climáticas e a degradação ambiental contribuem para aumentar a incidência e a gravidade dos desastres naturais e dos seus impactos, por exemplo, sobre a insegurança alimentar sazonal nas populações rurais largamente dependentes da agricultura de sequeiro e da criação de gado. Este relatório contém uma análise dos direitos da criança à sobrevivência, desenvolvimento e protecção a cada nível da árvore de problemas, avaliando a actual situação do bem-estar das crianças, o seu acesso aos serviços básicos e seguindo as interacções dos factores determinantes intermédios e subjacentes. As conclusões e recomendações levam em conta o contexto único e as oportunidades apresentadas pelo crescimento económico recente de Angola, bem como o compromisso político em relação ao desenvolvimento.
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Caixa 1.1 Agenda de Desenvolvimento Pós-2015 O presente relatório utiliza os Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM) e os seus indicadores como referência para medir o progresso do desenvolvimento em Angola. Com a era dos ODM a aproximar-se do fim em 2015, a agenda de desenvolvimento pós-2015 e os indicadores associados estão neste momento a ser elaborados e servirão de novo quadro internacional para o desenvolvimento humano. Na altura em que o relatório foi elaborado, o novo quadro, objectivos e metas – a serem conhecidos por Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) – ainda estão a ser discutidos. Esta análise faz referência a indicadores chave dos ODM, mas assenta no quadro conceptual acima descrito para manter a relevância, antevendo uma agenda pós-2015 finalizada. O sistema das Nações Unidas está a realizar esforços sem precedentes com vista a trazer as vozes das comunidades para o diálogo em torno da Agenda Pós-2015. Em 2013, foram realizadas consultas públicas em vários países, incluindo Angola. A consulta nacional em Angola reuniu representantes de organizações da sociedade civil (OSC), do governo, de organizações bilaterais e multilaterais, crianças e jovens. O objectivo destas consultas era obter contribuições para uma agenda global que irá reflectir as aspirações das pessoas de todo o país, de todas as idades e de todos os estratos sociais. No centro destes esforços encontra-se o Grupo de Trabalho sobre os Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (Open Work Group (OWG) on Sustainable Development Goals). O OWG foi criado após a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2012, e conhecida por Rio+20. Constituído por 70 Estados Membros que partilham 30 assentos, o OWG tem estado a trabalhar no sentido de desenvolver ODS para consideração da Assembleia Geral das Nações Unidas. O relatório do OWG, finalizado em Julho de 2014, reflecte questões de importância para as crianças, identificando pontos fortes dos ODM e destacando áreas que os ODM não reconheceram nem abordaram devidamente, nomeadamente, a desigualdade, a violência contra as crianças e a pobreza infantil. Talvez uma das lições mais importantes aprendida dos ODM tenha sido a necessidade de olhar para além dos dados nacionais e globais em relação à equidade, para realmente se entender o progresso.
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
31
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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32 CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Há doze anos, em 2002, Angola concluiu quatro décadas de conflito quase contínuo e virou as suas atenções para a estabilidade e o desenvolvimento económico e social. De 1961 a 1975, Angola esteve envolvida na Guerra Colonial de independência de Portugal. Em 1975, a independência e a partida dos portugueses abriu uma nova era de violência e instabilidade em que facções políticas armadas lutaram umas contra as outras pelo poder. No seu pico, Angola tornou-se um foco de conflito para a Guerra Fria e o conflito civil foi intensificado com o envolvimento de potências estrangeiras, uma vez que o país estava também embrenhado em lutas regionais. Meio milhão de colonos portugueses abandonou Angola na altura da independência e, durante a guerra civil que se seguiu, milhões de angolanos também foram deslocados, fugindo para os países vizinhos ou, na sua maioria, instalando-se nas cidades à procura de protecção das forças beligerantes no mato. Os custos económicos e humanos do conflito – ampliados por estas migrações em massa – eram imensos. A partir de 2002, o período pós-conflito de estabilização e recuperação trouxe um crescimento económico rápido e sustentado, movido pela expansão da indústria do petróleo, assim como revitalizou o engajamento do governo na promoção do desenvolvimento económico e social. Tal como a Secção 2.1 irá descrever, o crescimento rápido da produção de petróleo e o seu elevado preço a nível mundial alimentaram um boom económico e produziram receitas maiores do que nunca para o Governo de Angola. De uma perspectiva de finanças públicas, poucos países africanos estão tão bem posicionados como Angola para fazer os investimentos necessários para garantir que as crianças sobrevivam e se desenvolvam como cidadãos saudáveis e com uma boa escolarização, contribuindo como adultos para um maior crescimento e desenvolvimento económicos. Estima-se que a pobreza monetária6 tenha reduzido substancialmente após o fim do conflito7. Apesar da melhoria real, o último inquérito nacional aos agregados familiares sobre as condições de vida, que teve lugar em 2008-2009, constatou que mais de um terço da população ainda vivia abaixo da linha de pobreza. Tal como a Secção 2.2 passará a analisar, o maior desafio de Angola neste momento é maximizar as oportunidades apresentadas pelas receitas provenientes do petróleo, utilizando a riqueza de forma estratégica e sustentável para financiar os investimentos necessários à diversificação da economia, criar capital humano e acelerar a introdução de melhorias no bem-estar da sua população. Na era pós-conflito, o rápido crescimento populacional e urbanização, a degradação ambiental e a governação são factores-chave que afectam a situação das crianças. Devido à deslocação durante a guerra, a oportunidades económicas limitadas e à fraca disponibilidade e qualidade de serviços públicos nas zonas rurais, Angola tornou-se num dos países mais urbanizados de África. A Secção 2.3 analisa como a urbanização massiva conduziu ao crescimento de assentamentos peri-urbanos desordenados, que apresentam enormes desafios para o emprego e para o fornecimento de serviços públicos, nomeadamente, habitação, água, saneamento, escolas e unidades sanitárias. A Secção 2.4 descreve a vulnerabilidade das populações rurais dependentes da agricultura de sequeiro e chama a atenção para a contínua degradação ambiental e os riscos no modo de vida associados às mudanças climáticas. A governação é discutida na Secção 2.5, em particular na planificação e nos sistemas de gestão das finanças públicas, bem como nos efeitos da descentralização na qualidade e acessibilidade dos serviços públicos essenciais para o bem-estar da criança. A Secção 2.6 conclui o capítulo com uma análise do quadro legal e político dos direitos da criança em Angola.
A pobreza monetária é medida pela definição de uma cesta de produtos alimentares e não alimentares que se julga que é suficiente para satisfazer as necessidades básicas; o valor desta cesta representa a linha de pobreza. 7 Em Angola, a comparação das taxas de pobreza monetária ao longo do tempo apresenta desafios devido às “diferenças significativas de metodologia (usada) para medir a pobreza, o tipo de inquérito empregue na cobertura geográfica, a amostra e a duração do trabalho de campo” (IBEP, Vol. 1, INE, 2011). Apesar de tais limitações, vários estudos (Assunção, 2006; UCAN, 2010, PNUD 2006, PNUD 2008) sugerem que a pobreza aumentou durante a década de 90, atingindo o seu pico com cerca de 68 por cento da população a viver abaixo da linha de pobreza em 2001. A pobreza começou a reduzir de novo no início dos anos 2000, coincidindo com o fim do conflito armado. 6
33 ANÁLISE DE SITUAÇÃO
Capitulo 2. Contexto do país
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 2. Contexto do país
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
34 2.1 Boom económico pós-conflito: Angola como produtor de petróleo de renda média alta Ao longo da última década, Angola registou uma das taxas de crescimento do PIB mais elevadas do mundo. O crescimento real do PIB registou o seu pico em mais de 20 por cento ao ano em 2005-2007, tendo sido em média de 11,5 por cento ao ano durante o período de nove anos de 2004 a 2012. O crescimento do PIB em Angola foi duas vezes maior que o da África Subsaariana como um todo (5,8 por cento) e substancialmente maior do que a taxa de crescimento médio noutros países portadores de petróleo da região (7,6 por cento) durante o mesmo período (FMI 2013 e 2014). O crescimento abrandou abruptamente com o surgimento da crise económica global8, mas ressurgiu, atingindo 5,2 por cento em 2012 (FMI 2014). Nesse ano, com um rendimento nacional bruto (RNB) per capita de US$ 4.580, Angola foi classificada pelo Banco Mundial como um país de renda média alta, juntando-se a apenas cinco outros países da África Subsaariana com este ranking: a África do Sul, o Botswana, o Gabão, as Maurícias e a Namíbia.9 Angola possui agora a terceira maior economia da África Subsaariana, depois da África do Sul e da Nigéria.
Figura 2.1 Taxa de crescimento real do PIB em Angola e na África Subsaariana (%), 2004 - 2012
Fonte: FMI 2013.
O crescimento tem sido alimentado essencialmente pelo petróleo, com a produção a quadruplicar no último quarto do século, passando de 474.000 barris por dia (b/d) em 1990 para 748.000 b/d em 2000 e 1,73 milhões b/d em 2012. Angola é, agora, o segundo maior produtor de petróleo da África Subsaariana, produzindo neste momento cerca de 70 por cento do petróleo produzido pela Nigéria, que tem uma população mais ou menos 8 vezes maior que a população de Angola. Os recursos gerados pela indústria do petróleo têm o potencial de produzir um impacto massivo sobre a pobreza e o desenvolvimento social e de melhorar as perspectivas e o bem-estar das crianças em Angola. O petróleo representa a maior parte das receitas, permitindo níveis elevados de despesa do governo. Os países exportadores de petróleo normalmente apresentam rácios elevados de receita do governo por PIB10 resultantes da forte tributação da indústria do petróleo. Em Angola, o rácio receita/PIB registou uma média de 45 por cento durante o período 2004-2012 (ver a Figura 2.2) (FMI 2013 e 2014). Consequentemente, a despesa do governo também tem sido muito elevada relativamente ao PIB. A média da despesa foi de aproximadamente 39 por cento do PIB durante o período de 2004-2012, comparativamente a cerca de 27 por cento na África Subsaariana como um todo (ver a Figura 2.2). Entretanto, o crescimento do PIB levou a uma grande expansão no nível absoluto de despesa pública, embora com uma correcção fiscal acentuada em 2010-2011 no advento da crise económica mundial. Até 2012, a despesa per capita do governo tinha aumentado para US$ 2.260 – 88 por cento mais do que em 2004.11 No pico da crise global em 2009, Angola registou um crescimento per capita negativo. As classificações do World Bank Country and Lending Group baseiam-se no Rendimento Nacional Bruto (RNB) per capita. Em 2012, os países de renda média alta foram os que registaram um RNB per capita de US$ 4.036 a $12.475. Esta classificação não leva em conta outros indicadores de desenvolvimento humano e não implica que todos os países num determinado escalão estejam a registar níveis de desenvolvimento semelhantes. 10 Na África Subsaariana, este rácio foi de 32 por cento para os países exportadores de petróleo em 2004-2012, comparativamente a 26 por cento para a região como um todo (FMI 2013). 11 Medido a preços constantes e taxas de câmbio de 2004. 8 9
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Figura 2.2 Finanças do Estado: receita e despesa como % do PIB em Angola e na África Subsaariana
Fonte: FMI 2013.
Tabela 2.1 Indicadores macroeconómicos e de finanças públicas, Angola, 2004-2012 2004-2012 (média)
2007
2008
2009
2010
2011
2012
11.5
22.6
13.8
2.4
3.4
3.7
10.8
$2,893
$2,560
$3,270
$3,800
$3,870
$3,970
$4,580
Receita do Estado (% do PIB)
44.8
45.8
50.9
34.5
43.5
48.8
45.9
Despesa do Estado (% do PIB)
39.0
34.5
42.0
41.9
40.0
40.2
40.8
Dívida pública (% do PIB)
35.9
21.4
31.6
36.4
37.6
31.5
29.3
Produção de petróleo (milhões de barris/dia)
1,599
1,747
1,979
1,809
1,755
1,660
1,731
Crescimento real do PIB (%) RNB per capita (USD)
Fontes: FMI 2012, 2013 e 2014.
A grande dependência do petróleo também constitui uma fonte de vulnerabilidade, uma vez que o petróleo é um recurso finito e as oscilações nos seus preços a nível mundial expõem Angola a choques económicos periódicos. As tendências de produção a longo prazo são difíceis de prever e não se sabe se e durante quanto tempo novas descobertas poderão substituir a produção dos campos de petróleo, que se espera que venha a registar um declínio a partir de 2017 (FMI 2014). Angola é também vulnerável aos choques de preços do petróleo, conforme demonstrado pelas crises de 2008/2009 e pela mais recente queda iniciada em meados de 2014. Em 2009, no pico da crise financeira mundial, a súbita baixa de preços do petróleo trouxe um declínio de 42 por cento nos termos comerciais e uma queda de 16 pontos percentuais na receita do Estado em percentagem do PIB (ver Tabela 2.1). Mais recentemente, a queda do preço do petróleo de US$115 para $59 p/b, durante o período de Junho a Dezembro de 2014, determinou uma diminuição do valor das exportações (estimada em menos 27 mil milhões de USD para 2015) e das receitas fiscais (estimada em 17 biliões de USD em 2015). Embora Angola esteja hoje mais preparada para enfrentar os efeitos da queda do preço do petróleo, o impacto a curto e medio prazo da queda dependerá principalmente da sua duração e da resposta em termos de política monetária e receitas ficais. De qualquer modo, a recente redução do preço do petróleo considera-se um acontecimento temporário e estima-se que o preço suba, a médio prazo, para US$ 75-80 p/b (FMI 2014). Angola está a realizar esforços substanciais no sentido de diversificar a sua economia. O sector petrolífero não só fornece uma grande parte da receita do Estado, como também representa directamente
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
35
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 2. Contexto do país
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
36 quase metade do PIB12. Indirectamente, o sector petrolífero também desempenha um papel enorme na economia, uma vez que grande parte do PIB não petrolífero de sectores como a energia, água, construção, estradas e outras infra-estruturas depende fortemente do investimento público financiado pelas receitas provenientes do petróleo. No entanto, excluindo os canais indirectos de tributação e as despesas do governo, a indústria do petróleo tem ligações fracas com o resto da economia e cria relativamente poucos postos de trabalho. O Governo de Angola está bem ciente da necessidade de diversificar a economia além do sector petrolífero, com vista a promover um crescimento mais inclusivo e sustentável, criar emprego de grande escala e reduzir a pobreza, bem como reduzir a vulnerabilidade do país aos choques do mercado do petróleo. A diversificação é um dos principais objectivos da estratégia de desenvolvimento a longo prazo, articulados em Angola em 2025 (MINPLAN 2004), e requer investimentos substanciais tanto no capital físico como humano, assim como um ambiente de negócios mais propício. Os investimentos no capital humano começam na infância, com a realização dos direitos e bem-estar da criança e colhendo grandes retornos a longo prazo, à medida que as gerações mais novas crescem para uma força de trabalho saudável e bem instruída, que é necessária para uma economia dinâmica, competitiva e mais resiliente. A importância dos investimentos em capital humano ainda não está devidamente reflectida nas prioridades dos gastos do governo. A despesa do sector social continua relativamente baixa, representando aproximadamente um terço do total da despesa do Estado nos últimos anos. Foi alocado aos sectores sociais 30 por cento do orçamento de 2014 (MINFEM 2014)13. A despesa referente à educação em Angola representou apenas 7 por cento do total da despesa do Estado no orçamento de 2014 – entre as taxas mais baixas de África – e tem vindo a reduzir desde 2011 (ver a Secção 5.8). A parte da despesa do sector da saúde também reduziu, registando uma queda para 5 por cento da despesa total do Estado no orçamento de 2014, muito abaixo da meta de 15 por cento definida pela União Africana na Declaração da Abuja em 2001 (ver a Secção 4.2).
2.2 População e urbanização A população de Angola é muito jovem: mais de metade de todos os angolanos tem idade inferior a 18 anos. A Divisão da População das Nações Unidas estima que a população total de Angola tenha aumentado a uma taxa média anual de 3,3 por cento desde 2005-2010, comparativamente a uma taxa de crescimento médio da população de 2,7 por cento para a África Subsaariana como um todo. Os resultados preliminares do Recenseamento Geral da População, realizado em Maio de 201414, indicam que a população angolana atingiu os 24,4 milhões, cifra muito maior do que a Divisão da População das Nações Unidas e o Instituto Nacional de Estatística (INE) de Angola tinham projectado. O crescimento rápido da população de Angola deve-se essencialmente a uma elevada taxa de fecundidade, que se situa acima da média da África Subsaariana.15 Em consequência disso, a proporção da população que é constituída por crianças e adolescentes menores de 18 anos é particularmente grande: 54 por cento comparativamente a 50 por cento para a África Subsaariana como um todo e 31 por cento em todo o mundo. Cerca de um em cada cinco angolanos (19 por cento) tem menos de 5 anos de idade (UNICEF, 2014). Angola tornou-se um dos países mais urbanizados de África num espaço de tempo muito curto. Em apenas 40 anos, de 1970 a 2010, a proporção da população que vive nas zonas urbanas aumentou acentuadamente de 15 por cento para 58 por cento, de acordo com a Divisão da População das Nações Unidas (ver a Figura 2.3). Os resultados preliminares do Recenseamento Geral da População de 2014 concluíram que 62 por cento dos angolanos vivem nas zonas urbanas e mais de um quarto de toda a população vive na capital nacional, Luanda (27 por cento em 2014, ver a Tabela 2.3). A rápida urbanização foi acelerada pela deslocação massiva da população durante a guerra e criou grandes desafios para o planeamento urbano, habitação, abastecimento de água e fornecimento de infra-estrutura social nas cidades (ver a Caixa 2.1), deixando as zonas rurais escassamente povoadas.
47 por cento em 2012, de acordo com o Banco Nacional de Angola. No orçamento do Estado preliminar de 2015, a alocação aos sectores sociais aumentou ligeiramente, atingindo quase 34 por cento. 14 Os resultados preliminares do censo foram publicados em Outubro de 2014. 15 As estimativas da taxa de fecundidade total (TFT) varia de 5,4 por cento (no IBEP 2008-2009) a 6,0 por cento (estimativa da ONU referente a 2012) e 6,3 por cento (a partir dos dados colectados num inquérito nacional da malária em 2011). Estas estimativas são comparáveis a uma média de 5,2 por cento para a África Subsaariana (UNICEF, 2014). Recentemente, o crescimento da população pode também ser movido pelo crescimento económico e/ou reflecte que os dados numéricos anteriores podem ter ligeiramente subestimado a população total. 12
13
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Tabela 2.2 População por província, 2014 (INE 2014) Número
% do total
Cabinda
688,285
2.8
Zaire
567,225
2.3
Uíge
1,426,354
5.8
Luanda
6,542,944
26.8
427,971
1.8
1,793,787
7.4
Malange
968,135
4.0
Lunda Norte
799,950
3.3
Benguela
2,036,662
8.4
Huambo
1,896,147
7.8
Bié
1,338,923
5.5
Moxico
727,594
3.0
Kuando Kubango
510,369
2.1
Namibe
471,613
1.9
2,354,398
9.7
Cunene
965,288
4.0
Lunda Sul
516,077
2.1
Bengo
351,579
1.4
Total
24,383,301
100.0
Kwanza Norte Kwanza Sul
Huíla
Figura 2.3 População urbana e rural, 1970-2020 (Divisão da População da ONU)
Fontes: Divisão da População das Nações Unidas 2013 (para a população urbana e rural) e INE 2014 (para a população por províncias).
2.3 Pobreza monetária Em 2008, altura em que foi feita a última medição num inquérito nacional, constatou-se que cerca de 37 por cento dos angolanos vivia abaixo da linha de pobreza nacional16 17. Nos agregados familiares pobres, as despesas mensais estavam em média 13 pontos percentuais abaixo da linha de pobreza; por outras palavras, o ‘índice de intensidade da pobreza’ era de 13 por cento18 (IBEP 2008-2009). Aproximadamente 40 por cento de todas as crianças menores de 15 anos viviam na pobreza e representavam um pouco acima de metade do número total de pobres (ver a Tabela 2.2). É típica uma incidência de pobreza maior nas crianças, comparativamente à população como um todo, e ela reflecte o facto de que os pobres tendem a possuir famílias mais numerosas do que os não pobres. Também se constatou que os idosos (> 65 anos) tinham uma incidência de pobreza superior à média (40 por cento), mas representavam A linha de pobreza é o método padrão usado para medir o número de pessoas que vive na ‘pobreza monetária’. A linha de pobreza corresponde ao valor de uma cesta de produtos alimentares e não alimentares que se julga ser o suficiente para satisfazer as necessidades básicas. Em Angola, a linha de pobreza nacional foi definida em Kz 4.973 (cerca de USD $50) por mês, por pessoa, na altura do último inquérito nacional que colectou dados sobre a pobreza. Isto significa que as pessoas com um nível de consumo mensal abaixo deste valor foram classificadas como pobres. 17 O Inquérito Integrado sobre o Bem-Estar da População (IBEP), realizado em 2008-2009, fornece os dados mais recentes sobre a pobreza em Angola. 18 O Índice de Intensidade da pobreza faculta informação sobre a que ‘distância’ os agregados familiares se encontram da linha de pobreza. Esta medida captura a diferença média entre a despesa dos agregados familiares pobres e a linha de pobreza. 16
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
37
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 2. Contexto do país
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
38 apenas 2,7 por cento do número total de pobres, uma vez que este grupo etário constitui uma proporção relativamente pequena da população. A pobreza é muito maior nas zonas rurais do que nas cidades. A incidência da pobreza nas zonas rurais (58 por cento) era três vezes maior do que nas zonas urbanas (19 por cento) e a intensidade da pobreza rural era de 22 por cento, comparativamente a 13 por cento a nível nacional e 5,3 por cento nas zonas urbanas. Apesar da maior incidência e intensidade da pobreza nas zonas rurais, os pobres das zonas urbanas ainda representam uma parte significativa (28 por cento) do total da população que vive na pobreza, devido à maior dimensão das populações urbanas. Embora o IBEP não tenha desagregado entre agregados familiares nas partes centrais das cidades e os que se encontram nas zonas peri-urbanas, provavelmente haveria grandes disparidades nos níveis de pobreza entre estes dois contextos urbanos muito diferentes (ver a Caixa 2.1).
Tabela 2.3 Pobreza monetária em Angola por características da população, 2008/2009 Índices de pobreza (%)
% da população rural
Incidência da pobreza
Intensidade da pobreza
Severidade 19 da pobreza
36.6
12.7
6.0
100.0
Urbana
18.7
5.3
2.2
28.0
Rural
58.3
21.6
10.7
72.0
Crianças (0-14 anos)
40.2
14.1
6.7
52.8
Jovens (15-24 anos)
30.5
10.2
4.7
16.2
Idosos( > 65 anos)
39.9
12.4
6.0
2.7
Trabalhador no sector agrícola
66.2
25.6
12.8
67.9
Trabalhador por conta própria
53.1
19.8
9.7
79.2
Sexo masculino
37.4
13.0
6.2
83.3
População total Local de residência
Grupos etários
Características do chefe do agregado familiar
Sexo feminino
33.2
11.1
5.2
16.7
Idade ≥ 65 anos
46.5
17.6
9.2
7.9
Sem escolarização
61.7
23.6
11.9
26.7
Com ensino primário
46.0
15.8
7.5
58.6
Fonte: IBEP 2008-2009.
A pobreza é maior nos agregados familiares chefiados por pessoas idosas, não escolarizadas, envolvidas na actividade agrícola e/ou que trabalham por conta própria. Tal como a Tabela 2.2 indica, a incidência da pobreza abrange 66 por cento das pessoas que vivem em famílias chefiadas por trabalhadores agrícolas – 8 pontos percentuais mais do que a incidência de pobreza geral nas zonas rurais. As pessoas que vivem em agregados familiares constituídos por agricultores pobres representam 68 por cento do número total de pobres e registam uma intensidade da pobreza de quase 26 por cento. Uma vez que a maioria dos pequenos agricultores trabalha por conta própria, existe uma certa sobreposição com os agregados familiares que se enquadram na categoria de trabalhadores por conta própria. Mais de metade da população que vive em agregados familiares, cujos chefes são trabalhadores por conta própria (53 por cento), é pobre e a intensidade da pobreza referente a este grupo é de 20 por cento. Estes agregados familiares representam 79 por cento de todos os pobres, testemunhando a dimensão e o grande nível O Índice de Severidade da Pobreza leva em consideração não apenas a distância que separa os pobres da linha de pobreza (ou seja a intensidade da pobreza), mas também as desigualdades entre os pobres. Ou seja, é atribuído maior peso aos agregados familiares que se encontram mais afastados da linha de pobreza.
19
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
de privações do sector informal em Angola. O IBEP constatou que dois terços da população economicamente activa trabalham por conta própria ou afirmam que estão no trabalho familiar não remunerado; nas zonas rurais, esta proporção atinge os 87 por cento em comparação com 44 por cento nas zonas urbanas.
Caixa 2.2 Vulnerabilidade e privações nos bairros pobres peri-urbanos de Angola A rápida urbanização levou ao crescimento de enormes assentamentos informais em todas as grandes cidades e seus arredores, em particular à volta de Luanda. Um estudo sobre o mercado de terras em Luanda (Banco Mundial e DW 2011) constatou que três quartos da população da capital, de cerca de 6 milhões, vivem nas zonas peri-urbanas, com fracos direitos de posse, tornando esta população vulnerável à expulsão e à súbita perda de bens, sendo também incapaz de usar os bens como colateral para obter créditos bancários para melhoramentos nas habitações ou para o desenvolvimento de pequenos negócios. Apenas 8 por cento dos agregados familiares nos assentamentos informais (conhecidos por musseques) de Luanda possuem qualquer documento oficial que comprove a posse legal. O crescimento da população urbana (estimado em 4,5 por cento ao ano durante o período de 2005-2010) colocou uma grande pressão na infra-estrutura e serviços sociais urbanos, bem como nos mercados de trabalho urbano, além de apresentar desafios ambientais importantes. Com o aumento da pressão resultante do crescimento urbano contínuo, também aumentam as implicações para a futura estabilidade social. A água potável não é largamente acessível nos bairros pobres peri-urbanos. Um inquérito realizado pela Rede de Pobreza Urbana, um grupo de ONG que trabalha com o objectivo de melhorar as condições de vida em Luanda, constatou que 70 por cento dos agregados familiares nos municípios de Cazenga, Cacuaco, Viana, Kilamba Kiaxi e Sambizanga dependiam da água à venda em tanques privados e camiões cisterna, uma vez que muito poucas famílias nestas zonas beneficiam do abastecimento de água canalizada. A água vendida a partir dos tanques e camiões cisterna é proveniente do Rio Bengo e muitas vezes não é tratada, colocando graves riscos à saúde (ver a Secção 4.5). Existe uma desigualdade extrema no mercado de água, em que se verifica que os preços do Mercado informal muitas vezes são superiores às tarifas oficiais subsidiadas, cobradas pela água canalizada para as zonas mais afluentes. Os preços nos bairros do sul de Luanda, mais longe do Rio Bengo, são especialmente elevados (Cain e Mulenga 2009). O saneamento também é de má qualidade nestas zonas, uma vez que muito poucos agregados familiares estão ligados ao sistema de esgotos e a grande densidade populacional exacerba os riscos de ocorrência de epidemias. Os serviços sociais têm estado sobrecarregados devido ao crescimento da população urbana e são particularmente inadequados nas zonas peri-urbanas mais novas e de maior crescimento. As escolas urbanas estão muito superlotadas e, muitas vezes, estão localizadas longe dos assentamentos informais recentemente desenvolvidos. O mesmo se aplica às unidades sanitárias (ver a Secção 4.2). Nestas zonas, as famílias mais pobres geralmente enviam os seus filhos às escolas informais (conhecidas por explicações) e recorrem a profissionais de saúde privados que operam no mercado informal não regulado. Os mercados de trabalho estão também sobrecarregados pela oferta, sempre em expansão, de mão-de-obra essencialmente não qualificada, situação que forçou a descida dos salários e aumentou o sector informal. De acordo com dados do IBEP, 44 por cento da população urbana economicamente activa trabalha por conta própria ou está envolvida em trabalho familiar não remunerado. Esta proporção pode ser muito mais elevada nas zonas peri-urbanas, onde um grande número de crianças está envolvido na mão-de-obra. Devido à grande concorrência, os rendimentos provenientes da economia informal são baixos e o trabalho é muitas vezes esporádico. Os mecanismos informais de protecção social, baseados nas obrigações das famílias alargadas, na solidariedade e na reciprocidade das comunidades, foram enfraquecidos nos contextos urbanos. Embora muitos agregados familiares incluam membros fora da unidade da família nuclear, incluindo crianças, parece haver uma instabilidade considerável dentro das famílias e uma grande proporção de famílias chefiadas por mulheres, devido à separação e ao divórcio. As mães solteiras muitas vezes têm de criar os seus filhos com pouco ou nenhum apoio dos pais
2.4 Vulnerabilidade rural e mudanças climáticas A dimensão e a intensidade da pobreza rural estão em nítido contraste com o potencial agrícola significativo do país. A Secção 2.2 analisou como a pobreza é mais generalizada e mais enraizada nas zonas rurais, particularmente para os agregados familiares dependentes da agricultura para o seu sustento. Dois terços dos agregados familiares chefiados por agricultores são pobres e o seu consumo médio per capita situa-se 25 por cento abaixo da linha de pobreza, mas o sector agrícola de Angola tem o potencial de ser um dos mais produtivos de África. O país possui vastas áreas de terra arável por explorar e as vantagens de uma baixa densidade populacional rural e um clima geralmente favorável para o cultivo. A mistura de diversas zonas agro-climáticas, que vão desde o norte com clima tropical húmido até o sul mais
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
39
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 2. Contexto do país
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
40 árido, com uma pluviosidade particularmente boa e solos adequados no planalto ocidental, tornou Angola num dos principais exportadores de produtos agro-alimentares em África até à década de 70.20 Neste momento, o sector agrícola depende fortemente da agricultura comercial e de mecanismos de comercialização estruturados, os quais colapsaram durante a guerra civil. Com o desaparecimento da agricultura comercial em larga escala e o crescimento da população urbana, Angola passou de exportador líquido de alimentos para um enorme importador líquido de alimentos. Angola produz actualmente cerca de 1 milhão de toneladas de cereais, menos da metade dos cerca de 2,4 milhões de toneladas necessários a nível nacional (ONU 2013). Os pequenos agricultores de Angola dependem de técnicas de agricultura itinerante21 que apresentam baixos níveis de produtividade e contribuem para a insegurança alimentar e a degradação ambiental. Embora a agricultura comercial esteja a ser reavivada e seja o foco principal da política agrária do governo, os pequenos agricultores dominam o sector, usando métodos tradicionais de cultivo de sequeiro e de agricultura itinerante, com poucos insumos externos (ex. fertilizantes, pesticidas e sementes melhoradas) para cultivar pequenas parcelas de 2-3 hectares. Este tipo de agricultura é altamente vulnerável à seca e a condições climáticas extremas, causa danos ambientais em resultado das técnicas de agricultura itinerante e períodos curtos de pousio para a regeneração dos solos e apresenta rendimentos muito baixos (Sykes 2013). Muitas famílias rurais estão em risco de insegurança alimentar, particularmente durante a ‘época de escassez’ que antecede as colheitas. O desmatamento, que é uma consequência quer da agricultura itinerante, quer da grande procura de lenha e carvão para combustível, contribui para a degradação ambiental. A Lei de Terras (Nº 9/2004) prevê alguma protecção contra a exploração e expropriação arbitrárias, mas as populações rurais com direitos costumeiros de posse de terras nas zonas mais férteis e geograficamente mais acessíveis são vulneráveis à invasão de interesses comerciais. As apropriações de terras por agricultores comerciais no sudoeste também ameaçam os meios de sustento de pastores seminómadas. O acesso ao registo de terras e aos sistemas judiciais é muito difícil para as populações rurais pobres, enquanto a política agrária focaliza mais na promoção da agricultura comercial de grande escala do que no desenvolvimento da produtividade de pequenos agricultores familiares e pastores (Sykes 2013). Deve ser conseguido um equilíbrio para promover a produtividade no sector da agricultura, ao mesmo tempo que se protege os interesses dos pequenos agricultores, suas famílias e o ambiente. As mudanças climáticas exacerbam a vulnerabilidade nas zonas rurais. Embora o clima de Angola seja normalmente favorável à agricultura, em comparação com muitas outras partes de África, o país não está imune aos efeitos adversos do aquecimento global. Um estudo de tendências climáticas a longo prazo, realizado por geógrafos da Universidade de Oxford para o PNUD, constatou que a temperatura média anual em Angola aumentou 1,5oC entre 1960 e 2006, uma média de 0,33oC por década, enquanto a pluviosidade média anual reduziu a uma taxa média de 2 mm por mês (2,4 por cento) por década durante o mesmo período, afectando de maneira particular a segunda parte da época chuvosa (Março-Abril).22 As mudanças climáticas podem também contribuir para uma maior frequência de eventos climáticos extremos, tais como secas e cheias. Secas graves ocorridas entre 2011 e 2013 dizimaram colheitas e aumentaram a insegurança alimentar em grande parte da zona sul e centro de Angola. De acordo com uma avaliação realizada em Maio-Junho de 2013, a seca afectou aproximadamente 1,8 milhões de pessoas, das quais 700.000 estavam em risco de insegurança alimentar (ONU 2013). As inundações constituem um outro risco grave que afecta as principais bacias hidrográficas, especialmente no sul de Angola. Em 2008, as cheias registadas na Huíla e Cunene desalojaram 30.000 pessoas. As calamidades naturais complicam ainda mais os problemas existentes de baixa produtividade agrícola e insegurança alimentar sazonal e têm implicações sérias no bem-estar das crianças das zonas rurais. Estas crianças podem enfrentar situações de malnutrição aguda associada à insegurança alimentar, particularmente durante os períodos de seca, epidemias, destruição de infra-estrutura social em resultado das cheias e podem ter a sua educação afectada devido à migração temporária ou a outros eventos desestabilizadores. Em 2012 e 2013, as perdas registadas na produção de cereais e leguminosas atingiu cerca de 100 por cento em algumas zonas do Cunene, Namibe, Benguela, Kwanza Sul e sul da Huíla e 40 por cento no norte da Huíla. A crise levou a um surto de malnutrição aguda em crianças de tenra idade, exigindo uma rápida resposta de emergência.23 Estas vulnerabilidades exigem uma capacidade instalada de gestão de risco de desastres, tanto Angola já foi o quarto maior produtor mundial de café e também exportou sisal, açúcar e algodão. A agricultura itinerante é um sistema de cultivo em que uma parcela de terra é desbravada e cultivada durante um curto período de tempo, depois abandonada e deixada a produzir a sua vegetação normal, enquanto o agricultor passa para uma outra parcela de terra. (OCDE). 22 Ver McSweeney C, New M e Lizcano G, UNDP climate change country profiles: Angola, http://country-profiles.geog.ox.ac.uk. A pluviosidade, que está relacionada com a oscilação da Zona de Convergência Intertropical, está quase inteiramente concentrada no período entre Outubro e Abril. 23 Ver o Capítulo 4, Secção 4.3. 20 21
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
para implementar medidas preventivas, incluindo a adaptação às mudanças climáticas, como para montar uma resposta rápida às emergências.
2.5 Governação Aproveitar os recursos de Angola para melhorar a infra-estrutura e os serviços necessários à diversificação económica e desenvolvimento do capital humano requer reformas institucionais de vulto, com vista a fortalecer a governação. Entre elas destaca-se o fortalecimento do sistema judicial, com o objectivo de melhorar a aplicação da lei e a protecção dos direitos, o aprofundamento dos processos democráticos, em particular para uma melhor governação local e reformas na gestão das finanças públicas para uma maior transparência e responsabilização na utilização de recursos públicos. Esta análise não permite uma discussão aprofundada destas questões, mas duas áreas merecem atenção particular: (1) o âmbito limitado da descentralização e (2) as fraquezas registadas na gestão das finanças públicas. Como parte de um processo de desconcentração, certas funções e despesas seleccionadas do Governo foram transferidas dos níveis administrativos nacionais para os subnacionais; contudo, os mecanismos de controlo e fiscalização ainda não foram estabelecidos aos níveis subnacionais. O presente sistema de administração subnacional é essencialmente de desconcentração administrativa, no âmbito da qual a maior parte das funções administrativas locais é delegada aos 18 governos provinciais e dentro das províncias a 156 administrações municipais e 560 comunais.24 A Lei Nº 17/10 sobre a “organização e funcionamento da administração local do Estado” definiu o governo provincial como um “órgão desconcentrado de administração central, cujo objectivo é garantir que as funções do Executivo sejam realizadas na província”25. As administrações comunais prestam contas à administração municipal que, por sua vez, responde perante o governo provincial. A figura principal neste sistema é o governador provincial, que é nomeado pelo Presidente da República e a ele presta contas. O governador provincial nomeia os administradores municipais e comunais e, neste momento, não existem estruturas do governo eleitas a nível provincial, municipal ou comunal. De acordo com o Decreto-lei Nº 02/07, foram criados órgãos consultivos, conhecidos por Conselhos de Auscultação e Concertação Social (CACS) em algumas zonas, mas estes também são órgãos nomeados e não têm poderes de decisão.26 Por conseguinte, a prestação de contas às populações locais é bastante fraca. Existe uma disposição, primeiro incluída na Lei de Revisão Constitucional em 1992 e repetida na Constituição de 2010, que prevê a criação de autarquias autónomas eleitas; todavia, esta disposição não foi implementada e ainda não se sabe quando é que estes órgãos serão criados, que âmbito territorial terão e que poderes e recursos lhes serão atribuídos. Esta abordagem particular em relação à desconcentração em Angola resultou em limitações na autoridade dos ministérios em relação aos órgãos administrativos subnacionais. A prestação de contas é unidireccional, da base para o topo, isto é, das administrações comunais e municipais até aos governos provinciais e dos governos provinciais para o Ministério da Administração Territorial (MAT) e a Presidência, que detém o poder de nomear e demitir os governadores provinciais. Uma mudança importante na década de 90 foi a conversão das antigas ‘delegações provinciais’ dos ministérios centrais em ‘direcções provinciais’, que prestam contas aos governadores provinciais.27 A nível autárquico, as ‘repartições’ sectoriais desempenham um papel semelhante, funcionando como unidades integrais da administração municipal. A maioria dos ministérios, incluindo os da educação, saúde e assistência social, retêm o mandato de política geral, normas, regulamentos e monitoria e de alguns investimentos.28 Contudo, desde que as direcções provinciais e as repartições municipais obtiveram os seus recursos financeiros através dos governos provinciais e administrações municipais (em princípio na base de orçamentos provinciais e municipais) e não através dos orçamentos sectoriais, na prática, os ministérios exercem pouca influência.29
24 Este sistema mudou apenas ligeiramente em decretos e leis sucessivos sobre a matéria, nomeadamente os Decretos Nº 17/99 e 29/00, o Decretolei Nº 02/07 e a Lei Nº 17/10. 25 Lei Nº 17/10, Artigo 10. 26 Para uma análise do papel dos CACS na prática, ver Pestana N e Orre A, Visão panorâmica sobre o processo de descentralização em Angola, documento não datado. 27 A mudança das delegações provinciais para direcções provinciais foi tornada sistemática no Decreto No 29/00 e reajustada na Lei Nº 17/10, excluindo apenas as delegações provinciais dos Ministérios do Interior, Finanças e Justiça. 28 A Lei Nº 17/10 indica, no seu Artigo 34, que a “direcção provincial depende, a nível orgânico, administrativo e funcional, do Governo Provincial” e que “as áreas especializadas da Administração Central prestam apoio metodológico e técnico às Direcções Provinciais através do respectivo Governador Provincial”. Em contrapartida, de acordo com o artigo 40, as delegações provinciais do Interior, Finanças e Justiça funcionam sob um sistema de ‘dupla subordinação’, de acordo com o qual elas dependem administrativa e metodologicamente do ministério central e funcionalmente do governo provincial. 29 As administrações comunais não são unidades orçamentais e, como tal, as suas dotações estão integradas nos orçamentos dos municípios (Artigo 84 da Lei No 17/10).
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Capítulo 2. Contexto do país
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42 Os órgãos administrativos subnacionais têm uma capacidade muito fraca, especialmente fora das capitais provinciais. De acordo com fontes do governo, 79 por cento do pessoal do governo a nível subnacional trabalha nas capitais provinciais, 19 por cento nas administrações municipais e apenas 1 por cento nas administrações comunais (MINPLAN 2010). No geral, o pessoal do governo a nível subnacional tem fracas qualificações académicas: apenas três por cento têm o estatuto de técnicos superiores como graduados do ensino superior e quase todos estes (97 por cento) encontram-se nas capitais provinciais. É importante continuar a melhorar a qualidade da gestão das finanças públicas em Angola, para aprofundar o recente progresso registado na manutenção da estabilidade macroeconómica geral. As prioridades desta área incluem a incorporação de todos os fluxos de recursos extra-orçamentais num sistema unificado de orçamento do Estado, o desenvolvimento de um quadro fiscal de médio prazo para uma planificação efectiva com base em políticas e procedimentos fortalecidos para a avaliação dos projectos de investimento público. Um grande desafio será garantir a transparência e responsabilização nas finanças públicas, pondo fim à prática de fluxos paralelos de recursos públicos fora do quadro do Orçamento Geral do Estado (OGE) e aos procedimentos do Sistema Integrado de Gestão Financeira do Estado (SIGFE)30. As despesas devem estar enquadradas num único orçamento geral do Estado, sujeito a controlo e exame minucioso para garantir que os recursos sejam utilizados de maneira eficiente e eficaz para atender às prioridades das políticas públicas. É necessário, urgentemente, um cenário fiscal de médio prazo (CFMP) para melhorar a planificação do investimento. Angola tem ficado para trás em relação a outros países em desenvolvimento na introdução do CFMP como ferramenta de planificação orçamental de médio prazo. O CFMP é uma ferramenta de planificação essencial em todos os sectores, incluindo os relacionados com os direitos da criança. Um CFMP sólido permite aos governos priorizar as despesas e planificar investimentos públicos multianuais, com uma provisão adequada para futuros custos correntes. A primeira etapa rumo a um CFMP eficaz foi a inclusão de um cenário macroeconómico quinquenal no orçamento de 2013. O FMI recomendou que a elaboração de um CFMP devia ser acompanhada por medidas destinadas a fortalecer procedimentos para a avaliação de projectos de investimento e para consolidar a implementação da orçamentação, com base em programas que ligue as despesas aos resultados programados (FMI 2014).
2.6 Quadro legal e político para os direitos da criança Angola registou um avanço substancial na criação de um quadro legal mais sólido para os direitos da criança; no entanto, poucos compromissos políticos e legais foram cabalmente traduzidos em programas e protecções reais. Angola ratificou os principais instrumentos legais internacionais sobre os direitos da criança, incluindo a CDC em 1990 e dois protocolos facultativos que abordam o envolvimento das crianças em conflitos armados, a venda de crianças, a prostituição infantil e a pornografia infantil. Angola ratificou também a Carta Africana sobre os Direitos e Bem-estar da Criança31 e a Convenção 182 da OIT relativa à Proibição e Acção Imediata para a Eliminação das Piores Formas de Trabalho Infantil. Outras convenções internacionais relevantes, ratificadas por Angola, incluem a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, ratificada em 2012, e a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, ratificada em 1986. Angola ainda não ratificou o 3º Protocolo Opcional da CDC sobre o estabelecimento de um procedimento de reclamações individuais32 nem o Protocolo de Palermo para Prevenir, Reprimir e Punir o Tráfico de Pessoas, em particular de Mulheres e Crianças. É notável que a Constituição de 2010 inclua artigos em que são assumidos fortes compromissos em relação aos direitos da criança.33
Durante muitos anos, a empresa petrolífera nacional SONANGOL realizou grandes operações parafiscais (OP). Também se registaram grandes atrasos na transferência de receitas devidas pela SONANGOL para o Ministério das Finanças. Estas práticas são motivo de preocupação (ver FMI 2012 e 2014) e poderiam ser resolvidas através da implementação cabal de reformas recentes destinadas a eliminar as OP e garantir o pagamento atempado das receitas do petróleo pela SONANGOL. 31 Tal como acontece com a CDC, a Carta é um instrumento abrangente que define os direitos da criança e princípios e normas relacionados. 32 Este protocolo contém duas formas que permitem às crianças desafiar as violações dos seus direitos, que tenham sido cometidas pelos Estados: primeiro, um procedimento de comunicação que permite que as crianças encaminhem as reclamações sobre violações dos seus direitos ao Comité dos Direitos da Criança das Nações Unidas (o órgão que monitoriza o cumprimento, pelos Estados, das suas obrigações ao abrigo da CDC) e segundo, um procedimento de inquérito a violações graves e sistemáticas dos direitos da criança. 33 O Artigo 35 da Constituição indica que “a protecção dos direitos da criança, ou seja, o direito da criança a uma educação completa e harmoniosa e à protecção da saúde, condições de vida e educação da criança, constitui uma prioridade absoluta da família, do Estado e da sociedade”. Os Artigos 77 e 79 afirmam o direito aos cuidados de saúde, incluindo especificamente os cuidados de saúde materno-infantil, bem como o direito à educação, enquanto o Artigo 80 defende o direito da criança à “atenção especial da família, da sociedade e do Estado” que, em conjunto, “devem garantir a protecção integral da criança contra todas as formas de abandono, discriminação, opressão, exploração e exercício abusivo da autoridade na família e nas demais instituições”. Este artigo também incorpora um dos princípios fundamentais da CDC sobre o interesse superior da criança e faz referência especial ao dever do Estado de fornecer protecção especial aos órfãos, crianças com deficiência, crianças abandonadas e todas as crianças privadas de um ambiente familiar normal. 30
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
43 A adopção da Lei Integral da Criança em 2012 foi um grande passo em direcção à incorporação dos direitos e princípios da CDC e da Carta Africana na legislação angolana. Ela complementa a legislação de protecção em áreas específicas, tais como o Código da Família (Lei No 1/88), a Lei do Trabalho (Lei No 2/00), a Lei da Adopção (Lei No 7/80), a Lei de Bases sobre a Protecção social (Lei No 7/04), a Lei Contra a Violência Doméstica (Lei No 25/11), a Lei sobre o Julgado de Menores (Lei No 9/96), entre outras. A Lei da Criança representa um importante avanço, por providenciar pela primeira vez um quadro holístico integrado para os direitos da criança em Angola. Define estes direitos, bem como as respectivas obrigações dos responsáveis em muitas áreas diferentes, especificando, em particular, os serviços que o Estado deve fornecer para cumprir estes direitos. A Lei é particularmente sólida na defesa dos direitos sociais relativos à sobrevivência e desenvolvimento da criança e define obrigações detalhadas do Estado para o fornecimento de serviços mínimos fundamentais, incluindo para a educação da primeira infância, água e saneamento, nutrição infantil, registo de nascimento e prevenção, tratamento e cuidados do VIH/SIDA. A Lei inclui também um vasto leque de direitos de protecção que tratam do tráfico, violência e abuso, exposição prejudicial à internet, cuidados alternativos e justiça de menores, e afirma o princípio de interesse superior da criança.35 É prestada particular atenção aos direitos das crianças portadoras de deficiência. A Lei Integral da Criança fornece uma base sólida para a realização dos direitos da criança; no entanto, algumas disposições cruciais continuam em falta. A natureza da Lei da Criança é a de uma ‘lei-quadro’ e não prevê disposições suficientemente detalhadas em algumas áreas. Especificamente, a Lei não fornece detalhes suficientes sobre as obrigações e procedimentos dos responsáveis por garantir que os direitos sejam respeitados ou as sanções sejam aplicadas aos responsáveis por violações. A Lei também tem algumas imprecisões: por exemplo, embora afirma que as opiniões da criança devem merecer a devida consideração e peso (de acordo com a idade da criança, a sua maturidade e estágio de desenvolvimento) sobre todas as questões a ela relativas (incluindo quaisquer processos judiciais e administrativos) coloca o princípio da participação da criança – um dos pilares da CDC – como um dever e não como um direito. Outras disposições importantes que não estão previstas na Lei da Criança incluem: (1) a proibição das piores formas de trabalho infantil; (2) a proibição do recrutamento de crianças para as forças armadas, polícia ou milícias; (3) a regulamentação das formas não institucionais de cuidados alternativos, como adopção e tutela; (4) a proibição do casamento infantil, sem excepções, incluindo ao abrigo da lei costumeira; (5) a proibição do uso de crianças na mendicidade; (6) a protecção dos direitos de herança das crianças; e (7), o direito à segurança social, incluindo as disposições relativas à assistência social para garantir um padrão mínimo de vida e reduzir a vulnerabilidade. As disposições da Lei são ambíguas sobre alguns temas, como a punição corporal de crianças, que não é expressamente proibida, e muito genérica sobre as questões de tráfico de crianças e crianças no sistema judicial36. Por último, a Lei não articula claramente as componentes e os procedimentos de um sistema de protecção da criança, incluindo os deveres e responsabilidades dos principais actores, tais como gabinetes de bem-estar social, a polícia, o sistema judicial e outros provedores de serviços e mecanismos de referência relacionados. A Lei incorpora os ‘11 Compromissos com a Criança’, que foram adoptados pelo Governo em 2007, como o núcleo de uma agenda nacional para as crianças. Revistos em 2011, os ‘11 Compromissos’ dizem respeito à sobrevivência da criança, segurança alimentar e nutrição, registo de nascimento, educação da primeira infância, ensino primário e formação profissional, bem como à Justiça Juvenil, o VIH/SIDA, violência contra as crianças, protecção social e competências familiares. Os compromissos também abordam os meios de comunicação, cultura e desporto e o sistema de planeamento e orçamento (CNAC 2011). Os compromissos facultam um quadro geral para promover os direitos da criança em cada um destes domínios, mas ainda têm de ser traduzidos em acções concretas através de processos nacionais de plano e orçamento e/ou através da gestão de programas e serviços. As recomendações que visam operacionalizar estes compromissos são discutidas, sector por sector, nos próximos capítulos deste relatório. O Conselho Nacional da Criança (CNAC), criado em 2007, actua como um órgão consultivo multissectorial para monitorar as políticas públicas para a promoção e defesa dos direitos da criança e, especificamente, a aplicação da Lei Integral da Criança. O Conselho é composto por representantes de vários ministérios e instituições públicas, associações profissionais, ONGs, igrejas e outras entidades da sociedade civil e quatro crianças em representação de organizações da criança. A actividade principal da CNAC é a organização de uma série de fóruns nacionais da criança que foram realizados duas vezes por ano desde a criação do Conselho. Através destes fóruns, o CNAC tem sido instrumental na promoção dos 11 Compromissos e numa maior visibilidade dos direitos da criança no discurso de políticas públicas. A Lei No 25/122 sobre a ‘Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança’ foi adoptada em 2012. O Artigo 6 defende o princípio de interesse superior da criança, destacando a sua primazia em litígios que envolvam a criança e em situações em que duas normas estejam em conflito. 36 Para uma análise detalhada da Lei Integral da Criança angolana ver Sloth-Nielsen, 2013. 34 35
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CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Este capítulo é apresentado em duas partes: a primeira contém uma visão geral do desempenho de Angola na realização dos direitos da criança, em comparação com outros países da África Subsaariana, enquanto a segunda analisa a equidade do desenvolvimento social em Angola. Tal como foi anteriormente mencionado, em 2012, Angola foi reclassificada pelo Banco Mundial como um país de renda média alta. Esta classificação baseia-se no PIB per capita, mas não reflecte a situação do desenvolvimento social do país. Por conseguinte, é útil entender qual é o desempenho de Angola em termos de indicadores, comparativamente a outros países do mesmo grupo de renda. Considerando que a prosperidade económica de Angola é relativamente recente e que o desenvolvimento social inerentemente avança a um ritmo mais lento, esta análise olha para outros países de renda média alta como ponto de referência para aquilo que pode ser conseguido em Angola com mais recursos ao longo do tempo, fazendo também referência aos dados regionais e globais para uma perspectiva mais ampla. 37 A segunda parte deste capítulo compara diferentes grupos populacionais em Angola, para analisar a equidade no desenvolvimento social e económico e para identificar grupos especialmente desfavorecidos na sociedade angolana. A análise usa um número limitado de indicadores-chave para ilustrar as disparidades internas nas populações urbanas e rurais, género e riqueza familiar, destacando que os benefícios do desenvolvimento económico e social não são usufruídos de forma equitativa pela população. Segue uma análise, sector por sector, mais detalhada nos Capítulos 4-6.
3.1 Comparação do desempenho de Angola a outros países de renda média alta na África Subsaariana O desempenho de Angola, no que diz respeito aos indicadores de desenvolvimento social, é misto quando analisado em função da África Subsaariana (ASS) como um todo e em atraso quando comparado a outros países africanos da faixa de renda média alta. Angola é muito mais rico do que a maioria dos países da ASS, com um rendimento nacional bruto (RNB) per capita de US$ 5.010 em 2013, comparativamente a uma média de US$ 1.615 para a África Subsaariana como um todo. 38 Em 2012, Angola juntou-se ao grupo de países de renda média alta, actualmente definido pelo Banco Mundial como sendo os países com um RNB per capita situado na faixa de US$ 4.126 a $12.745.39 Além de Angola, existem cinco países de renda média alta na África Subsaariana: África do Sul, Botswana, Gabão, Maurícias e Namíbia. Todos estes países têm um RNB per capita mais elevado que o de Angola, situando-se entre os US$ 5.840 e $10.650 em 2013, mas eles definiram padrões a que Angola pode aspirar com os seus crescentes e variados recursos. Para se equiparar, a longo prazo, ao desempenho social e económico dos países ricos de África e além, Angola deve fazer investimentos reais no capital humano, a começar pela infância. Sobrevivência da Criança A mortalidade das crianças menores de 5 anos – o indicador mais significativo do progresso registado nos direitos da criança e no desenvolvimento socioeconómico – continua muito elevada em Angola. O IBEP 2008/9 estimou a taxa de mortalidade de menores de 5 anos (TM <5) 40 em 194 Ver também a Tabela A.1 no anexo A que contém comparações num vasto leque de indicadores. Os dados do RNB per capita são da autoria do Banco Mundial, World Development Indicators (Indicadores do Desenvolvimento Mundial), em data. worldbank.org 39 Esta faixa reflecte os actuais critérios de classificação de renda média alta. Quando Angola foi classificada como um país de renda média alta pela primeira vez em 2012, a faixa deste grupo de países era de US$ 4.086 a $12.615. 40 A taxa de mortalidade em menores de 5 anos e a taxa de mortalidade infantil são medidas como mortes por 1.000 nados vivos. 37
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Capítulo 3. Equidade: Até que ponto o progresso no desenvolvimento social e económico é usufruído por todos?
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Capítulo 3. Equidade: Até que ponto o progresso no desenvolvimento social e económico é usufruído por todos?
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46 mortes por 1.000 nados vivos. A mortalidade infantil (ou seja abaixo de 1 ano) foi estimada em 119 mortes por 1.000 nados vivos. As estimativas baseadas em modelos gerados pelo Grupo Interagências das Nações Unidas para Estimativas sobre a Mortalidade Infantil (UN-IGME) indicam que até 2013, a TM <5 reduziu para 167 e a taxa de mortalidade infantil para 102. As estimativas do UN-IGME baseiam-se em projecções do IBEP 2008-2009, que foi o último inquérito nacional que procedeu à colecta de dados sobre a mortalidade em Angola. A estimativa do UN-IGME referente à TM <5 em Angola é aproximadamente dois terços mais elevada que a média referente à África Subsaariana, que inclui muitos países que são muito mais pobres do que Angola e/ou foram afectados pela guerra. Entre os países de renda média alta da ASS, Angola é um caso excepcional extremo; a TM <5 nestes países varia de 15 nas Maurícias a 62 no Gabão (Ver a Figura 3.1). Nutrição As taxas de malnutrição da criança em Angola são comparáveis às dos outros países de renda média alta. A prevalência da malnutrição crónica – o resultado do baixo peso crónico – foi estimada pela última vez no Inquérito Nacional de Nutrição de 2007 em 29 por cento em Angola, comparativamente à média global de 25 por cento e a uma média regional da ASS de 38 por cento. A taxa de malnutrição crónica noutros países de renda média alta da ASS varia de 17 por cento no Gabão a 33 por cento na África do Sul41 (Ver a Figura 3.1). Alfabetização Angola registou melhorias substanciais na alfabetização dos adultos, mas esta continua baixa, relativamente aos outros países de renda média alta da ASS, o que constitui uma desvantagem para um maior desenvolvimento económico e social. De acordo com os dados mais recentes do QUIBB, um pouco acima de dois terços dos adultos (69 por cento) são alfabetizados, uma proporção muito menor do que nos outros países do grupo de renda de Angola (ver a Figura 3.1). Os níveis de alfabetização são particularmente baixos nas mulheres (57 por cento), em comparação com os homens (82 por cento) em Angola, enquanto todos os outros países do grupo de renda média alta conseguiram alcançar a paridade de género na alfabetização.42
Figura 3.1 Desempenho em termos dos principais resultados do desenvolvimento social (alfabetização, nutrição e mortalidade de menores de 5 anos): Onde Angola se posiciona na região, no mundo e nos países de renda média alta da África Subsaariana
Fontes: (1) Para Angola: Grupo Interagências para Estimativas sobre a Mortalidade Infantil, estimativas de 2013, Inquérito Nacional de Nutrição 2007 e QUIBB 2011 (para dados sobre a alfabetização); (2) Para outros países: UNICEF, State of the World’s Children 2014.
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Não estão disponíveis dados das Maurícias referentes a este indicador. Com efeito, no Botswana e na Namíbia, a alfabetização das mulheres é ligeiramente superior à dos homens.
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Acesso a um melhor abastecimento de água e saneamento O acesso a fontes de água melhoradas foi expandido, particularmente nas zonas urbanas de Angola, mas continua abaixo da média regional e as taxas de acesso são significativamente mais baixas do que nos outros países de renda média alta. Apenas metade (53 por cento) da população angolana usa fontes de água melhoradas (ou seja, fontes protegidas da contaminação fecal ou química). Esta taxa é 10 pontos percentuais mais baixa que a média da África Subsaariana e muito pior que os países de todos os grupos de rendimento, onde as taxas de acesso variam de 88 por cento no Gabão a 100 por cento nas Maurícias. Angola apresenta taxas ligeiramente melhores de uso de instalações de saneamento melhoradas, particularmente nas zonas urbanas (ver também a Secção 4.5). Saúde materno-infantil Embora se estime que a cobertura da vacinação tenha aumentado nos últimos anos, o acesso à maioria dos serviços de saúde materno-infantil continua limitado (ver a Secção 4.2). Apesar de a malária ser a principal causa de morte de crianças de tenra idade e o problema de saúde número um em Angola, os dados disponíveis mostram uma taxa de utilização muito baixa de intervenções preventivas e curativas. De acordo com o Inquérito da Malária de 2011, apenas 26 por cento das crianças menores de 5 anos em Angola dormem debaixo de redes mosquiteiras tratadas com insecticida, em comparação com a média regional da ASS de 36 por cento. Do mesmo modo, apenas 28 por cento das crianças menores de 5 anos, que estão doentes com febre, recebem medicamentos anti-maláricos em Angola, comparativamente a 37 por cento em toda a África Subsaariana (IIM 2011) 43. Verifica-se igualmente uma grande disparidade entre Angola e outros países de renda média alta da ASS no acesso aos serviços de saúde materna, reflectida como uma proporção de partos institucionais. Apenas 51 por cento dos partos em Angola têm lugar nas unidades sanitárias – ligeiramente superior à média da África Subsaariana (48 por cento), mas muito baixa para os países de renda média alta. Nos outros países de renda média alta da ASS, a proporção de partos institucionais ultrapassa os 80 por cento e está próxima dos 100 por cento nas Maurícias e no Botswana (Ver a Figura 3.2). O risco de morte materna44 em Angola é de 1 em 35, em comparação com 1 em 94 no Gabão, menos de 1 em 200 no Botswana, Namíbia e África do Sul e 1 em 900 nas Maurícias (OMS 2014). A melhoria da disponibilidade, utilização e qualidade dos serviços de saúde materna, com particular enfoque no aumento da proporção de partos institucionais, é crucial para reduzir a mortalidade materna e neonatal em Angola. Devido, em parte, à fraca utilização e qualidade dos serviços pré-natais, Angola possui uma taxa muito mais baixa de cobertura das mulheres grávidas seropositivas com profilaxia anti-retroviral para prevenir a transmissão vertical de mãe para filho do VIH (PTV) do que outros países do seu grupo de renda. A cobertura da PTV em Angola foi de 39 por cento em 2013, comparativamente a 70 por cento no Gabão, 83 por cento na África do Sul e mais de 90 por cento no Botswana e na Namíbia. Com uma taxa de prevalência do VIH em adultos de 2,3 por cento, Angola é um país que foi poupado até agora de uma epidemia do VIH/SIDA na dimensão vista noutros países da África Austral. Contudo, a baixa cobertura dos serviços de prevenção e tratamento não deixa margem para complacência. Angola é o único de 22 países prioritários identificados no Plano Global para a Eliminação de Novas Infecções em Crianças 45 em que o número de novas infecções pelo VIH em crianças continuou a aumentar. As novas infecções em crianças aumentaram em 9 pontos percentuais cumulativos desde 2009-2012 (ver a Secção 4.4).
As comparações com outros países de renda média não são significativas, uma vez que a maior parte desses países não são zonas endémicas da malária ou conseguiram erradicar esta doença. 44 O risco de morte materna é a probabilidade de uma mulher de 15 anos morrer, eventualmente de uma causa materna, pressupondo que os actuais níveis de fecundidade e mortalidade (incluindo a mortalidade materna) não mudam no futuro, tomando em consideração causas de morte concorrentes. 45 Na totalidade, o Plano Global para a Eliminação de Novas Infecções em Crianças até 2015 e Manter as suas Mães Vivas foi elaborado através de um processo consultivo sob a liderança da ONUSIDA. 43
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Capítulo 3. Equidade: Até que ponto o progresso no desenvolvimento social e económico é usufruído por todos?
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48 Figura 3.2 Cobertura dos serviços de saúde materno-infantil e de abastecimento de água e saneamento melhorados: Posição de Angola dentro da região e dos países de renda média alta da África Subsaariana
Fontes: (1) Para Angola, QUIBB 2011 relativo a dados sobre partos institucionais, INLS para estimativas da cobertura da PTV em 2012 e Programa de Monitoria Conjunta para o Abastecimento de Água e Saneamento UNICEF/OMS (estimativas de 2011); (2) Para outros países, UNICEF, State of the World’s Children 2014.
Educação Angola registou um progresso significativo na expansão do acesso ao ensino primário, mas é necessário um maior investimento na qualidade e acessibilidade da educação para colmatar a lacuna existente em relação aos outros países da ASS do grupo de renda média alta. Nos últimos anos, Angola tem registado um aumento de alunos considerável e rápido em números absolutos; todavia, as taxas de ingresso tardio no ensino primário, de repetição e de abandono prematuro, contribuem para uma taxa de conclusão do ensino primário muito baixa (ver a Secção 5.5). O Banco Mundial estimou que em 2010, menos de metade dos alunos concluiu o último ano do ensino primário (47 por cento) e a taxa de conclusão do ensino primário era ainda mais baixa nas raparigas (40 por cento). Recentes dados administrativos do Ministério da Educação indicam que 78,1 por cento concluiu o ensino primário (MED 2014). Em contrapartida, a vizinha Namíbia conseguiu atingir uma taxa de conclusão do ensino primário de 85 por cento e nas Maurícias, esta taxa atingiu os 99 por cento em 2012. A taxa líquida de frequência (TLF) do ensino primário em Angola (78 por cento para as raparigas e 80 por cento para os rapazes) situa-se acima da média da África Subsaariana, mas é inferior à de todos os outros países de renda média alta da região. No nível secundário, o desempenho de Angola fica atrás do da região como um todo. A TLF em Angola é de apenas 27 por cento para as raparigas e 29 por cento para os rapazes, 5 pontos percentuais abaixo das médias da África Subsaariana e consideravelmente menor que nos outros países de renda média alta (ver a Figura 3.3).
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Figura 3.3 Acesso à educação: Classificação de Angola, em termos de taxas líquidas de frequência no ensino primário e secundário, dentro da região e dos países de renda média alta na África Subsaariana
Fontes: QUIBB 2011 referente a Angola e UNICEF, State of the World’s Children 2014 para os outros países.
3.2 Equidade nos principais resultados e acesso aos serviços sociais básicos Existem grandes disparidades geográficas, em particular entre as zonas urbanas e rurais e entre o litoral e o interior. Historicamente, o desenvolvimento económico e social em Angola tem se concentrado nas áreas costeiras, ao longo dos corredores ferroviários para o interior46. A maior parte do resto do interior, em particular o leste do país, tem sido afectada por um acesso limitado às rotas de transporte, mercados e serviços públicos. As disparidades geográficas aumentaram durante a guerra, altura em que a comunicação interna se tornou cada vez mais difícil no interior e os serviços públicos entraram em colapso nas zonas rurais. Uma grande parte da população rural migrou para as cidades, especialmente os que se encontravam ao longo da costa. Embora o Governo tenha feito esforços substanciais no sentido de expandir e reabilitar a infra-estrutura de transportes, os mercados não estão bem desenvolvidos e alguns serviços públicos, tais como escolas secundárias, unidades sanitárias e conservatórias do registo civil, ainda não chegaram a muitas zonas do país. Devido ao enorme crescimento da população urbana, ao planeamento urbano limitado e ao fornecimento de serviços deficiente, também se registam grandes disparidades no desenvolvimento social entre as principais zonas urbanas e os bairros degradados das zonas-peri urbanas (ver a Caixa 2.1 no Capítulo 2). Infelizmente, os inquéritos nacionais não prevêem a desagregação de dados entre zonas urbanas e peri-urbanas, pelo que uma análise detalhada das disparidades dos indicadores-chave do desenvolvimento limita-se a comparações entre as zonas urbanas e rurais (ver a Figura 3.4).47
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As grandes cidades costeiras, incluindo Luanda, Benguela e Lobito. As principais cidades ao longo dos corredores ferroviários incluem Huambo e Lubango. A Tabela A.2 no Anexo A fornece dados sobre as disparidades entre as zonas rurais e urbanas, relativas a um maior leque de indicadores.
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Capítulo 3. Equidade: Até que ponto o progresso no desenvolvimento social e económico é usufruído por todos?
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50 Figura 3.4 Disparidades entre as zonas urbanas e rurais em Angola, relativas a indicadores seleccionados de desenvolvimento humano e da criança
Fontes: QUIBB 2011 (para os indicadores de mão-de-obra infantil, educação, alfabetização e saúde materna); IIM 2011 para os indicadores de malária; e IBEP 2008-2009 (para o registo de nascimento e mortalidade de menores de 5 anos); estimativas do JMP 2011 para água e saneamento.
As zonas rurais estão em piores condições do que as urbanas, no que diz respeito aos indicadores de desenvolvimento social e, em alguns sectores como o de água e saneamento, ensino secundário, alfabetização, saúde materna e sobrevivência da criança, a disparidade é significativa. As crianças das zonas rurais apresentam uma probabilidade 1,5 vezes maior de morrer antes dos 5 anos do que as crianças das zonas urbanas (IBEP 2008-2009). De acordo com o QUIBB 2011, apenas um quarto dos partos registados nas zonas rurais ocorrem em unidades sanitárias, em comparação com três quartos nas zonas urbanas. O QUIBB também constatou que as taxas de trabalho infantil (entre crianças dos 10 aos 17 anos) eram quase quatro vezes mais elevadas nas zonas rurais. O inquérito nacional da malária realizado em 2011, constatou que a proporção de crianças menores de 5 anos com febre que recebem medicamentos contra a malária nas zonas rurais era metade da das zonas urbanas, onde menos de 50 por cento recebem tratamento. A proporção estimada da população que usa fontes de água para beber melhoradas, nas zonas rurais, é apenas de cerca de metade do nível das zonas urbanas e a proporção que usa instalações de saneamento é de apenas um quinto da das zonas urbanas.48 As zonas rurais de Angola são significativamente desfavorecidas nas áreas de educação, especialmente no ensino secundário: a TLF do ensino secundário é mais de cinco vezes superior nas zonas urbanas do que nas rurais e a alfabetização do adulto é duas vezes superior nas zonas urbanas (QUIBB 2011).
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Estimativas do Programa de Monitoria Conjunta OMS/UNICEF.
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As grandes desigualdades no desenvolvimento humano estão também associadas à riqueza familiar, embora certos indicadores mostrem que mesmo os agregados familiares ‘mais ricos’ podem conhecer níveis elevados de privações. A Figura 3.5 usa uma selecção de indicadores chave para ilustrar como o bem-estar humano e da criança aumenta com a riqueza familiar.49 Em alguns casos, a diferenciação entre os quintiles de riqueza é bastante acentuada.50 Ao interpretar as associações entre a riqueza e o bem-estar, é importante lembrar que existe uma sobreposição considerável entre as distribuições da população urbana-rural e inter-quintiles, uma vez que a maioria esmagadora da população rural se enquadra nos dois quintiles de riqueza mais pobres (83 por cento), comparativamente a apenas 14 por cento da população urbana (QUIBB 2011).
Caixa 3.1 Riqueza familiar e desigualdades nos indicadores de desenvolvimento humano e da criança Água e saneamento Uma grande maioria da população do quintil mais pobre (Q1) utiliza fontes de água imprópria para consumo, tais como rios e lagos, para obter água para beber e recorre à defecação a céu aberto no mato. A utilização de fontes de água insalubre reduz com o aumento da riqueza: um terço da população do segundo quintil e cerca de um quinto do terceiro quintil usa água de superfície insalubre, comparativamente a menos de 5 por cento nos dois quintiles mais ricos. Acesso a serviços de saúde Existem grandes disparidades relacionadas com a riqueza na utilização de serviços de saúde. As mulheres grávidas do quintil mais rico são 2,4 vezes mais propensas a ter 4 ou mais consultas pré-natais e acima de 4 vezes mais propensas a ter um parto institucional, em comparação com as mulheres grávidas do quintil mais pobre. As crianças menores de 5 anos do quintil mais rico apresentam uma probabilidade 2,9 maior de dormir debaixo de uma ITN e 2,4 vezes maior de receber tratamento contra a malária, quando estão doentes com febre, do que as crianças do quintil mais pobre. Contudo, mesmo no quintil mais rico, um pouco mais de um terço (34 por cento) das crianças menores de 5 anos dorme debaixo de uma rede mosquiteira tratada com insecticida e 42 por cento recebe tratamento contra a malária quando estão doentes com febre. Educação As disparidades na educação por quintil de riqueza são mais extremas no nível secundário. O rácio líquido de frequência (TLF) no ensino primário aumenta progressivamente de 67 por cento no quintil mais pobre para 89 por cento no quintil mais rico, embora seja notório que, mesmo nos agregados familiares mais ricos, 11 por cento das crianças dos 6-12 anos não frequenta a escola primária. As disparidades são muito maiores no ensino secundário, reflectindo em parte a concentração das escolas secundárias nas zonas urbanas. Apenas 4 por cento das crianças dos 12 aos 18 anos do quintil mais pobre frequentam o ensino secundário, em comparação com 8 por cento dos que se enquadram no segundo quintil mais pobre e 57 por cento no quintil mais rico. Não constitui surpresa que a alfabetização do adulto siga um padrão semelhante: os adultos do quintil mais rico são duas vezes mais propensos a ser alfabetizados que os do mais pobre (87 por cento em comparação com 41 por cento). Sobrevivência da criança Embora a mortalidade de menores de 5 anos e a mortalidade infantil sejam ligeiramente mais elevadas nos agregados familiares mais pobres, as taxas de mortalidade são elevadas em todos os grupos de riqueza e as diferenças relativas são bastante pequenas. Não é pouco comum haver uma variação ligeira na mortalidade infantil dos quintiles de riqueza nos países de baixa renda da África Subsaariana, mas seria menos típica num país de renda média alta como Angola. Uma variação relativamente pequena sugere que a riqueza e as condições ambientais são, de uma maneira geral, relativamente más, afectando todos os agregados familiares, independentemente da sua riqueza. É possível que o baixo peso e as deficiências de micronutrientes – factores determinantes importantes da sobrevivência da criança – sejam elevados em todos os quintiles. Contudo, esta relação não pode ser explorada, uma vez que os dados de nutrição existentes não podem ser desagregados por riqueza familiar.
Ver a Tabela A.3 no Anexo A que contém dados sobre uma selecção mais vasta de indicadores por quintiles de riqueza. O índice de riqueza é uma medida da riqueza familiar construída a partir dos dados do inquérito sobre a terra, habitação e outros bens dos agregados familiares, de modo a agrupá-los em cinco grupos de tamanho igual, ou ‘quintiles’, subindo do mais pobre ao mais rico. Deste modo, o 1º quintil (Q1) corresponde aos 20 por cento mais pobres da população, enquanto o 2º quintil (Q2) é o segundo mais pobre e por aí adiante até ao 5º ou quintil mais rico (Q5). 49 50
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Capítulo 3. Equidade: Até que ponto o progresso no desenvolvimento social e económico é usufruído por todos?
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52 Figura 3.5 Disparidades no desenvolvimento humano e da criança, por riqueza dos agregados familiares em Angola: Mortalidade de menores de 5 anos, utilização de serviços de saúde, água, saneamento e educação
Sources: IBEP 2008-2009 for child mortality, QUIBB 2011 for health service utilization (except malaria), water, sanitation and education, and MIS 2011 for malaria indicators.
Angola conseguiu a paridade a nível do ensino primário nos rácios líquidos de frequência do sexo feminino por masculino (QUIBB 2011); todavia, os dados administrativos mostram que as taxas de desistência parecem ser superiores nas raparigas do que nos rapazes, resultando numa taxa inferior de conclusão do ensino primário para as raparigas. 51 Por nível secundário, surge uma grande disparidade de género: o índice de paridade de género (IPG) referente à TLF do ensino secundário é de 0,93. Por outras palavras, existe um fosso de 7 pontos percentuais entre os sexos na TLF do ensino secundário, em desvantagem das raparigas. O fosso é particularmente acentuado nas zonas rurais, onde o IPG referente à TLF do ensino secundário é de 0,54. Porém, a disparidade de género nas zonas rurais é ofuscada pelo facto de muito poucas crianças de ambos os sexos frequentarem o ensino secundário; apenas 11 por cento dos rapazes e 6 por cento das raparigas dos 12 aos 18 anos das zonas rurais frequentam o ensino secundário. Os dados sobre as taxas de abandono e conclusão são extraídos de fontes administrativas e considerados não fiáveis de uma maneira geral (ver o Capítulo 5).
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O estatuto de órfão e a deficiência são outras dimensões da desvantagem e da desigualdade na infância. As crianças que perderam os dois pais (órfãos duplos) apresentam uma frequência escolar mais baixa que os não órfãos. O inquérito IBEP 2008-2009 concluiu que 74 por cento dos órfãos duplos dos 10-14 anos estavam na escola, 12 pontos percentuais menos do que todas as crianças nesta faixa etária. Constatou-se que as raparigas eram especialmente vulneráveis: apenas 64 por cento das raparigas órfãs de pai e mãe neste grupo etário frequentavam a escola. As crianças portadoras de deficiência são outro grupo altamente vulnerável que enfrenta o isolamento social e a discriminação, assim como as desvantagens inerentes à capacidade funcional diminuída. As pessoas portadoras de deficiência tinham um nível de escolaridade muito mais baixo do que o resto da população; cerca de um terço das pessoas com deficiência nunca tinham estado na escola, em comparação com um quinto da população em geral. Os portadores de deficiência do sexo feminino são vítimas de desvantagens agravadas e quase metade nunca tinha ido à escola (ver a Secção 6.1).
Figura 3.6 Índices de paridade de género relativos à educação e alfabetização, por local de residência rural e urbana, 2011
Fonte: QUIBB 2011.
3.3 Conclusões Este capítulo mostra que, comparativamente a outros países de renda média alta da região, Angola fica para trás em termos de desenvolvimento social, conforme medido por indicadores seleccionados. Até certo ponto, isto pode ser atribuído ao facto de o desenvolvimento económico de Angola ser relativamente recente e de o desenvolvimento social inerente levar mais tempo a mostrar melhorias. Para chegar aos níveis de desenvolvimento social dos outros países do grupo de renda média alta, Angola terá de manter o foco e aumentar o investimento nos sectores sociais. A nível nacional, o desenvolvimento social parece estar a acompanhar o crescimento económico, mas os dados disponíveis mostram enormes disparidades no acesso a serviços sociais básicos e de saúde e os resultados educacionais entre os diferentes grupos populacionais. Os angolanos que vivem nas zonas rurais e os dos agregados familiares mais pobres e/ou envolvidos na agricultura ou na economia informal são os que se encontram em pior situação. As raparigas e mulheres, os órfãos e os portadores de deficiência são vítimas de níveis adicionais de desvantagem. Para reduzir a desigualdade, torna-se necessário garantir que os programas e políticas dos sectores sociais combatam explicitamente as disparidades. Os capítulos seguintes deste relatório oferecem uma análise mais aprofundada do progresso e da igualdade em sectoreschave (saúde, educação e protecção) e oferecem recomendações específicas para melhorar a equidade e a sustentabilidade do desenvolvimento socioeconómico de Angola.
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ANÁLISE DE SITUAÇÃO Child Disciplinary Practices
(© UNICEF/ANGA2014-0674/André Silva Pinto
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Na qualidade de signatário da Declaração do Milénio e da Convenção sobre os Direitos da Criança, o Governo de Angola assumiu compromissos fortes para a sobrevivência da criança, abrangendo os direitos a cuidados de saúde, nutrição adequada e água potável e saneamento. A Constituição da República de Angola, juntamente com os 11 Compromissos com a Criança e a legislação nacional, como a Lei da Criança (Lei Nº 25/12), consagra ainda mais esses direitos. Os direitos ao mais alto nível possível de saúde, nutrição adequada e acesso à água potável e ao saneamento não são apenas direitos individuais, mas também précondições para o desenvolvimento humano, a redução da pobreza e o crescimento económico sustentável. Estimativas globais sugerem que cada melhoria de 10 pontos percentuais na esperança de vida à nascença está associada a um aumento do crescimento do PIB de, pelo menos, 0,4 pontos percentuais por ano, mantendo constantes os outros factores de crescimento (Sachs et al 2001). O inverso também é verdadeiro, de que sem níveis mínimos de saúde, os países não podem manter taxas de crescimento elevadas a longo prazo (López-Casasnovas et al 2003). A estreita relação existente entre a saúde da população e a saúde a longo prazo da economia é particularmente relevante no caso de Angola, onde as receitas do petróleo podem financiar investimentos sustentáveis. Desde o fim da guerra que Angola tem registado progressos na melhoria das hipóteses de sobrevivência das crianças; no entanto, a mortalidade infantil em Angola continua a ser elevada, devido ao baixo acesso a serviços essenciais de saúde, a altas taxas de baixo peso e a deficiências de micronutrientes e ambientes insalubres. Dentro da população angolana, existem grandes disparidades nos resultados de saúde e no acesso a serviços de saúde e à água potável e instalações de saneamento. Os pobres e os que vivem nas zonas rurais são desproporcionalmente vulneráveis a riscos de saúde e têm menor acesso aos serviços. Este capítulo apresenta uma análise das tendências na sobrevivência da criança, a equidade nos resultados de saúde e no acesso aos serviços e informações relacionados, bem como os principais factores determinantes dos resultados de saúde para as crianças. A Secção 4.1 começa por uma avaliação das tendências, desigualdades e factores determinantes da mortalidade infantil e materna. A Secção 4.2 avalia a cobertura dos serviços de saúde materno-infantil, os obstáculos que afectam a oferta e a qualidade dos serviços de saúde, as barreiras de acesso do lado da procura e conhecimentos e comportamentos que afectam os resultados de saúde. O restante capítulo apresenta uma análise mais aprofundada da situação das crianças e as respostas do governo nas áreas de nutrição (Secção 4.3), VIH/SIDA (Secção 4.4) e água e saneamento (Secção 4.5).
4.1 Mortalidade materna e infanto-juvenil A mortalidade infanto-juvenil em Angola está gradualmente a diminuir; no entanto, um número demasiado elevado de crianças continua a morrer antes de completar os cinco anos. Devido à inexistência de dados comparáveis ao longo do tempo, as estimativas de mortalidade infantil de Angola devem ser analisadas com cautela. Contudo, ainda podem ser consideradas como indicadores da saúde e bem-estar das crianças e da sociedade como um todo. As taxas de mortalidade são movidas por uma vasta gama de factores, nomeadamente, o acesso aos cuidados de saúde, água potável e saneamento adequado, renda familiar e disponibilidade de alimentos, práticas de alimentação infantil e estado nutricional das crianças. Os mais recentes inquéritos nacionais fiáveis com dados referentes à mortalidade infantil e em menores de cinco anos são o MICS 2001 e o IBEP 2008-2009. O MICS 2001 estimou a mortalidade infantil e em menores de 5 anos em 250 e 150 óbitos por 1.000 nados vivos, respectivamente; muito provavelmente trata-se de uma estimativa por defeito, uma vez que as áreas mais afectadas pelo conflito não estavam acessíveis na altura e, logicamente, tiveram taxas de mortalidade ainda mais elevadas. Tendo em conta as limitações dos dados de 2001 como base de referência, o IBEP 2008-2009 mostra um declínio substancial na mortalidade da criança e infantil para 194 e 116 óbitos por 1.000 nados vivos, respectivamente. O Grupo Interagências das Nações Unidas para Estimativas sobre a Mortalidade Infantil (UN-IGME) utilizou dados existentes para modelar a mortalidade infantil em Angola para 2013, estimando a mortalidade de menores de cinco anos em 167, a mortalidade infantil em 102 e a mortalidade neonatal em 42 óbitos por 1.000 nados vivos (Ver a
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Capítulo 4. Garantir a sobrevivência e a saúde da criança
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56 Figura 4.1). Supondo que as estimativas do UN-IGME são mais ou menos precisas, uma em cada seis crianças angolanas não completa o quinto aniversário. Tal como o Capítulo 3 assinalou, estas estimativas colocam Angola entre os países com pior desempenho do mundo, no que diz respeito à sobrevivência da criança. Apesar dos progressos recentes, Angola ainda está muito longe de atingir a meta dos ODM, relativa à mortalidade infantil em menores de 5 anos de 75 óbitos por 1.000 nados vivos52 em 2015.
Figura 4.1 Estimativas da mortalidade infantil em Angola, 1990-2013: Mortes por 1.000 nados vivos
Fonte: Grupo Interagências das Nações Unidas para Estimativas sobre a Mortalidade Infantil, estimativas actualizadas a 16 de Setembro de 2014.
As crianças angolanas que vivem nas zonas rurais, correm um risco maior de morrer do que as que vivem nas zonas urbanas. O IBEP 2008-2009 indica que perto de um quarto (23 por cento) das crianças rurais morrem antes de completar cinco anos, em comparação com 15 por cento das crianças urbanas. Não estão disponíveis dados recentes baseados em inquéritos sobre a mortalidade materna, mas os modelos da ONU estimaram a taxa de mortalidade materna (TMM) em 450 por 100.000 nados vivos (OMS e UNICEF, 2010). Hemorragias, infecções puerperais, pré-eclâmpsia e eclâmpsia são as principais causas directas de mortalidade materna e as causas indirectas incluem a malária, a hepatite e a anemia associada a deficiências na alimentação das mães. Apenas 57 por cento das mulheres grávidas vão a quatro ou mais consultas pré-natais e apenas cerca de metade de todos os partos ocorrem numa unidade sanitária (ver a Secção 4.3.1). A pobreza e práticas socioculturais que resultam no início precoce da actividade sexual, a gravidez na adolescência, o espaçamento inadequado dos partos e a fecundidade elevada são factores que contribuem para a vulnerabilidade das mulheres durante o parto (ver a Secção 4.3.3), enquanto constrangimentos do lado da oferta limitam o acesso às unidades sanitárias e, especialmente, aos serviços obstétricos de emergência (ver a Secção 4.3.2). A malária, a diarreia e as infecções respiratórias agudas (IRA) representam a causa da grande maioria das mortes de crianças. Embora não existam estatísticas precisas sobre as causas de mortalidade em crianças de tenra idade em Angola, dados administrativos do Ministério da Saúde indicam que a malária é a principal causa de mortalidade infantil, seguida por doenças diarreicas, IRA e sarampo. Todas estas quatro doenças são preveníveis e tratáveis a baixo custo. A subnutrição, assunto que é analisado na Secção 4.4, é um dos principais factores subjacentes de mortalidade infantil. A meta dos ODM de 2015 baseia-se numa redução de dois terços da mortalidade em menores de 5 anos desde 1990. Em 1990, o UN-IGME estimou que a taxa de mortalidade em menores de 5 anos (TM <5) em Angola era de 226 mortes por 1.000 nados vivos.
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Nos últimos anos, Angola tem registado vários surtos de cólera, que podem rapidamente atingir um nível de epidemia, em condições onde o saneamento é de má qualidade e as fontes de água não são seguras. Em 2013, foram notificados mais de 5.300 casos de cólera, principalmente no Cunene, com 184 mortes até o final de Novembro (MINSA e OMS 2013). Embora a poliomielite tivesse sido quase erradicada em Angola, esta doença também surgiu como uma ameaça para as crianças nos últimos anos. Não foram detectados novos casos do vírus selvagem da pólio desde 2011, mas há um risco permanente de reimportação da Índia e do lado da fronteira norte da República Democrática do Congo (RDC), tal como aconteceu em 2005 e 2007-2011.53 A estratégia de erradicação da pólio 2013-2015 do UNICEF Angola observou que “a experiência de Angola com a poliomielite veio recordar de forma dramática que os países que eliminaram a pólio dentro das suas fronteiras não estão imunes a um novo surto de pólio, até que todo o mundo esteja livre desta doença evitável por vacinação.”
Caixa 4.1 Causas de mortalidade de menores de 5 anos em Angola As principais causas de mortalidade infantil em Angola incluem a malária, as doenças diarreicas, as infecções respiratórias agudas (IRA) e o sarampo. A subnutrição é um factor subjacente numa grande proporção de mortes de crianças menores de 5 anos. • A malária foi responsável por 57 por cento das mortes registadas em crianças menores de 5 anos nos hospitais, em 2011. Na população como um todo, esta doença está na origem de cerca de 35 por cento da procura de cuidados curativos, 20 por cento dos doentes internados nos hospitais e 25 por cento da mortalidade materna (MINSA 2012). • As infecções respiratórias agudas (IRA), incluindo a pneumonia e a influenza, são a terceira principal causa de doença e mortalidade em crianças pequenas. Existem vários tipos de IRA, mas as mais comuns e graves são causadas por Haemophilus influenzae e Streptococcus pneumoniae, que podem ser prevenidas através de vacinação. O calendário de vacinação actual já inclui a vacina contra a Haemophilus influenza (na vacina pentavalente), enquanto a vacina contra a Streptococcus pneumoniae foi introduzida em 2013 (ver abaixo). A OMS estima que em cada ano em Angola existam 125.000 casos e 36.400 mortes por Streptococcus pneumonia em crianças menores de 5 anos. • As doenças diarreicas são comuns devido ao uso generalizado de fontes de água não potável e à baixa cobertura de instalações de saneamento melhoradas (ver a Secção 4.5). Em 2010, as unidades sanitárias registaram 244.526 casos de doenças diarreicas em crianças com menos de 5 anos. A OMS estima que anualmente só o rotavírus provoca 300.000 casos de diarreia e 21.300 mortes de crianças menores de 5 anos. • O sarampo contribui para a mortalidade infantil durante as epidemias cíclicas. Em 2011, foram notificados 13.115 casos de sarampo e 436 óbitos durante um surto de sarampo, principalmente em crianças de 1-4 anos de idade. Note-se que estes números subestimam consideravelmente o impacto do sarampo, uma vez que dependem da notificação de casos, que é bastante fraca em Angola, em parte devido à fraca cobertura dos serviços de saúde em algumas zonas. Estima-se que sejam notificados menos de 60 por cento dos casos conhecidos e o sarampo muitas vezes não é registado como a causa da morte nos hospitais. Estima-se que as complicações neonatais causem até um quinto das mortes de crianças e poderiam ser reduzidas se mais partos ocorressem nas unidades sanitárias e agentes comunitários de saúde qualificados estivessem disponíveis para prestar serviços promocionais, preventivos e curativos, durante a primeira semana de vida (ver as Secções 4.2 e 4.3).
4.2 Cuidados de saúde materna e infantil Esta secção avalia a cobertura e a qualidade dos cuidados de saúde materna e infantil. Após uma análise da cobertura dos principais serviços de saúde materna e infantil, são analisados dois factores determinantes da cobertura: (1) a oferta de serviços de saúde, incluindo infra-estrutura, medicamentos e recursos humanos e (2) os factores que afectam a procura de serviços de saúde, tais como os conhecimentos, atitudes e práticas relacionados com a saúde.
Anteriormente, Angola conseguiu interromper a transmissão da pólio em 2001. Em 2010, foram notificados 34 casos e apenas 4 casos foram registados em 2011. 53
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58 4.2.1 Principais intervenções A mortalidade infantil por doenças infecciosas poderia ser reduzida substancialmente através da ampliação de intervenções preventivas e curativas simples. Estas intervenções incluem o uso de redes mosquiteiras, a pulverização intra-domiciliária e o tratamento atempado e adequado da malária, o tratamento de IRA com antibióticos, melhor abastecimento de água, saneamento e higiene para evitar doenças diarreicas e vacinações contra as IRA, o sarampo e outras doenças infantis perigosas. A promoção de boas práticas nutricionais, em particular o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros seis meses de vida e o aporte adequado de vitamina A também são medidas críticas e práticas para proteger as crianças dos riscos de infecção (ver a Secção 4.3). Esta subsecção concentra-se particularmente em três componentes vitais dos cuidados de saúde materna e infantil: a vacinação de crianças contra doenças preveníveis por vacinação, a prevenção e o tratamento da malária e a prestação e utilização dos serviços de saúde materna. Embora o governo promova oficialmente abordagens integradas para a prestação de serviços de saúde, estas não têm sido aplicadas na prática. Está comprovado internacionalmente que abordagens como a Atenção Integrada às Doenças da Infância (AIDI) e de Gestão Integrada da Gravidez e Parto (GIGP) são formas mais rentáveis de atender às necessidades da saúde materno-infantil.54 A AIDI e a GIGP estão incorporadas no Plano Nacional de Desenvolvimento Sanitário 2012-2021 (PNDS). O PNDS prioriza cuidados de saúde primários e a criação de competências de gestão de casos pelo pessoal de cuidados de saúde, ao mesmo tempo que fortalece o sistema geral de saúde e melhora as práticas de saúde das famílias por meio de actividades de promoção e prevenção baseados na comunidade. Angola enfrenta neste momento o desafio considerável de expandir, trazendo os benefícios das abordagens integradas para as pessoas que delas mais precisam. Vacinação Estão a ser introduzidas novas vacinas através do Programa Alargado de Vacinação (PAV). Até 2012, o calendário do PAV em Angola incluiu nove vacinas para crianças menores de 1 ano de idade: vacinas contra a BCG, pólio (3 doses), vacina pentavalente (difteria, pertussis (tosse convulsa), tétano, hepatite B e Haemophilus influenza tipo b (Hib), numa vacina administrada em 3 doses), vacina contra o sarampo, vacina contra a febre-amarela e vacina antitetânica para as mulheres em idade fértil. A vacinação contra a Streptococcus pneumoniae – o principal agente causador da meningite bacteriana pediátrica – foi acrescentada em 2013 e em 2014 também foi introduzida a vacina contra o rotavírus – a principal causa de diarreia grave em crianças. Estas vacinas adicionais têm o potencial de reduzir drasticamente a incidência de IRA e doenças diarreicas, contribuindo para a redução da mortalidade infantil. Dadas as insuficiências do sistema de saúde de Angola, é importante que a introdução de novas vacinas seja acompanhada pelo fortalecimento adequado do sistema, com vista a garantir que elas atinjam o maior número de crianças possível, sem comprometer ainda mais o funcionamento geral. De acordo com o IBEP 2008-2009, menos de um terço das crianças com idade entre os 12-23 meses foram completamente imunizadas, embora dados administrativos mais recentes indiquem taxas de imunização mais elevadas. Em 2008, apenas 29 por cento das crianças com idades compreendidas entre os 12-23 meses receberam todas as vacinas principais do PAV.55 O cumprimento do calendário de vacinação é problemático, tal como é demonstrado pelo declínio na cobertura das doses subsequentes da vacina DPT de 41 por cento para a primeira dose para 27 por cento para a terceira dose. A cobertura vacinal mostrou grandes disparidades entre as zonas rurais e urbanas – 43 por cento das crianças urbanas de 12-23 meses foram totalmente vacinadas, em comparação com apenas 12 por cento das crianças rurais. As taxas de vacinação completa aumentaram com a riqueza das famílias, de 13 por cento das crianças com idade entre 12-23 meses nos dois quintiles mais pobres para 55 por cento no quintil mais rico. As taxas de vacinação também aumentaram com o nível de escolarização da mãe da criança (IBEP 2008-2009). Dados do Ministério da Saúde apresentam um quadro diferente, que mostra taxas de imunização substancialmente mais elevadas. Foi reportada a cobertura total da vacina pentavalente-1 em 99 por cento para a maior parte do período de 2007-2011, enquanto em relação à pentavalente-3 a cobertura foi de 73-91 por cento, dependendo do 54 As abordagens integradas têm uma série de vantagens em relação a abordagens “verticais” centradas nas doenças; reconhecendo a interacção entre as diferentes doenças e entre a infecção e a nutrição, as abordagens integradas permitem empregar os escassos recursos financeiros, humanos e de infra-estrutura de forma eficiente, através de uma gama de serviços. Além disso, a criança recebe uma avaliação abrangente no ponto de serviço, contribuindo para uma redução considerável dos custos de oportunidade para as mães. 55 O calendário completo do PAV em 2008 incluiu vacinas contra a BCG, pólio (3 doses), DPT 3 (3 doses) e sarampo.
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ano. Foi reportado que a cobertura vacinal do sarampo durante esse período se situava na faixa de 77-93 por cento (em comparação com a estimativa do IBEP de 58 por cento). Equipas móveis realizaram cerca de 25 por cento das vacinas de rotina. O Ministério da Saúde indicou que a cobertura estava muito abaixo das médias nacionais numa série de zonas remotas, situadas a uma grande distância dos postos de saúde, devido à falta de pessoal, viaturas e equipamento da cadeia de frio. Foi reportado que 23 municípios tiveram uma cobertura da DPT3 abaixo dos 50 por cento em 2011 (MINSA 2012). É essencial uma vigilância contínua para garantir que Angola continue livre da pólio. Após um surto de casos de pólio, registado em 2007-2011, o Governo implementou uma estratégia de emergência em 2011, que conseguiu interromper a transmissão da pólio. A resposta incluiu medidas destinadas a impedir a reimportação do vírus selvagem da pólio da RDC, actividades de sensibilização das comunidades e campanhas de vacinação contra a poliomielite, juntamente com acções de controlo e vacinação obrigatória para as pessoas que atravessavam a fronteira, bem como a vigilância da paralisia flácida aguda. Dias repetidos de imunização nacional foram apoiados pelo UNICEF e a OMS. Será fundamental garantir uma grande cobertura de vacinação de rotina para que Angola possa proteger o seu estatuto de país livre da pólio a longo prazo. Prevenção e tratamento da malária Registou-se uma expansão contínua de serviços de prevenção e tratamento da malária, mas a cobertura ainda está aquém do desejado em muitas zonas e está sujeita a grandes disparidades geográficas e socioeconómicas. Embora a proporção de crianças que dormem debaixo de redes mosquiteiras tratadas com insecticida (ITN) esteja a aumentar progressivamente, dois terços das crianças ainda não estão protegidas desta forma. Ainda que a comparabilidade dos dados da pesquisa seja questionável, as estimativas indicam que a cobertura de ITN aumentou de 2,3 por cento em 2001 (MICS 2001) para 17 por cento em 2006 (IIM 2006/7) e 30 por cento em 2011 (QUIBB 2011). A tendência é claramente positiva; no entanto, a grande maioria das crianças menores de 5 anos ainda não dorme debaixo de redes mosquiteiras tratadas com insecticida. Inquéritos realizados recentemente reflectem grandes disparidades na utilização de redes mosquiteiras tratadas com insecticida: a cobertura é muito menor nas zonas rurais e entre as famílias mais pobres (ver a Figura 4.2). O IIM 2007 revela que outras medidas preventivas, como a pulverização residual intra-domiciliária, foram usadas por apenas 7 por cento dos agregados familiares. Um maior investimento em medidas preventivas, incluindo redes mosquiteiras tratadas com insecticida e a pulverização residual intradomiciliária não só salvaria um grande número de vidas de jovens, mas também reduziria significativamente o enorme fardo que as pessoas afectadas pela malária representam no sistema de saúde.
Figura 4.2 Percentagem de crianças menores de 5 anos que dormem debaixo de redes mosquiteiras tratadas com insecticida, por zona de residência, quintil de riqueza e nível de escolaridade do chefe do agregado familiar, 2011
Fonte: QUIBB 2011.
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60 O nível de tratamento oportuno e adequado da malária é baixo e, particularmente, sensível às desigualdades socioeconómicas e geográficas. Menos de um terço (29 por cento) das crianças menores de cinco anos, com febre, recebeu algum tratamento contra a malária em 2011, situação que se manteve quase inalterada desde 2007. Menos crianças ainda receberam a Terapia Combinada baseada em Artemisinina (ACT), recomendada, no próprio dia ou no dia seguinte ao início da febre: 14 por cento, de acordo com o IBEP 20082009 e 12 por cento, de acordo com o IIM 2011. A proporção de crianças que recebeu ACT, imediatamente após o início da febre, é particularmente baixa nas zonas rurais (7 por cento) e nos quintiles mais pobres (3 por cento) (IIM 2011). Também se registaram disparidades alarmantes na cobertura do tratamento entre regiões com diferentes níveis de risco de malária.56 É necessário um esforço redobrado para expandir a cobertura da ACT para que todas as crianças, independentemente do nivel deriqueza ou localização, recebam tratamento oportuno e adequado (ver a Figura 4.3).
Figura 4.3 Percentagem de crianças menores de 5 anos, com febre, que recebem ACT no mesmo dia ou no dia seguinte ao início da febre, por zona de residência, escolaridade da mãe e quintil de riqueza, 2011
Fonte: IIM 2011.
Serviços de saúde materna O Governo promove uma abordagem integrada, com o intuito de reduzir a mortalidade materna centrada no fortalecimento dos serviços de saúde materna e neonatal ao nível municipal, através de cuidados de saúde primários, sensibilização da comunidade e referência das mães em situação de risco para as unidades sanitárias de segunda linha. A estratégia tem como objectivo garantir que as mulheres grávidas tenham acesso a um pacote essencial de serviços de saúde materna e que os partos sejam assistidos por pessoal qualificado. Estes objectivos foram atingidos apenas de forma muito limitada, especialmente nas zonas rurais.
As regiões afectadas pela malária são definidas como hiper-endémicas, meso-endémicas estáveis e meso-endémicas instáveis, o correspondente, aproximadamente, às zonas climáticas de Angola, designadamente o norte húmido, o centro e o sul seco.
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A cobertura dos serviços de saúde materna está a aumentar, mas continua a ser baixa. As taxas de consulta pré-natal aumentaram em 16 pontos percentuais para uma ou mais consultas e em 10 pontos percentuais para quatro ou mais consultas entre 2008 e 2011. No entanto, apenas 57 por cento das mulheres grávidas têm acesso às quatro ou mais consultas recomendadas. Da mesma forma, embora tenha havido algum progresso no aumento da proporção de partos institucionais, de 42 por cento em 2008-2009 para 51 por cento em 2011, metade de todas as mulheres continua a ter o parto em casa (ver a Figura 4.4). (IBEP 2008-2009, QUIBB 2011) Também existem lacunas graves na qualidade dos serviços de saúde materna disponíveis. Por exemplo, a proporção de mulheres grávidas que recebe tratamento intermitente preventivo da malária57 durante a gravidez, continua a ser muito baixa e quase não se alterou entre os inquéritos de 2008 (16 por cento) e de 2011 (17,5 por cento). A percentagem de mulheres que recebeu duas ou mais vacinas contra o tétano durante a sua última gravidez foi de 68 por cento em 2008, não havendo dados mais recentes disponíveis. (IBEP 2008-2009, QUIBB 2011).
Figura 4.4 Cobertura dos serviços de saúde materna em Angola, 2008 e 2011
Fontes: IBEP 2008-2009, QUIBB 2011.
Os dados do QUIBB de 2011 mostram desigualdades muito grandes na utilização de serviços de saúde materna de acordo com o nível de riqueza e as populações urbanas e rurais (ver a Tabela 4.1). Por exemplo, a proporção de partos que ocorrem nas unidades sanitárias é de apenas 20 por cento no quintil mais pobre, em comparação com 87 por cento no quintil mais rico e 74 por cento nas zonas urbanas, em comparação com 25 por cento nas zonas rurais. Em suma, três quartos das mulheres rurais não dão à luz nas unidades sanitárias. Verifica-se o mesmo padrão nos partos assistidos por pessoal qualificado. Além disso, um quarto das mulheres grávidas das zonas rurais não vai às consultas pré-natais, em comparação com 6 por cento nas zonas urbanas, e apenas 41 por cento nas zonas rurais vão às quatro ou mais consultas recomendadas, em comparação com 71 por cento nas zonas urbanas. As disparidades são ainda mais notáveis entre os quintiles de riqueza: as mulheres no quintil mais rico são acima de quatro vezes mais propensas a dar à luz nas unidades sanitárias do que as mulheres no quintil mais pobre – mais de um quinto das quais não recebem nenhuns cuidados pré-natais.
O tratamento preventivo intermitente é aqui definido como duas ou mais doses de SP (Fansidar) durante a gravidez, incluindo, pelo menos, uma dose durante uma consulta pré-natal.
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Tabela 4.1 Utilização de serviços de saúde materna por local de residência, nível de escolaridade do chefe do agregado familiar e quintiles de riqueza, 2011
Local de residência
Escolaridade do chefe do agregado familiar
Quintil de riqueza
Total
% de partos institucionais
% de partos assistidos por profissionais de saúde
1+consultas prénatal (% mulheres grávidas)
4+consultas prénatal (% mulheres grávidas)
Urbana
74.0
75.7
94.4
71.2
Rural
25.2
35.2
76.6
41.4
Nenhuma
35.9
42.5
81.3
47.4
Primária
72.5
79.6
93.7
73.3
Secundária+
90.8
91.0
96.5
79.4
Q1
20.1
26.4
71.0
32.2
Q2
29.4
40.3
77.9
43.0
Q3
54.1
60.4
91.4
59.1
Q4
67.2
73.2
96.1
74.4
Q5
87.0
84.0
94.7
78.8
50.9
56.9
85.9
57.0
Fonte: QUIBB 2011.
4.2.2 Obstáculos do lado da oferta: Infra-estrutura, recursos humanos e medicamentos O PNDS prioriza os cuidados de saúde primários, mas o Governo de Angola enfrenta grandes desafios para pôr em prática essa pretensão. Os cuidados de saúde primários, incluindo as suas dimensões de promoção, prevenção e cura, devem assentar no provimento de serviços pelas unidades sanitárias mais periféricas (postos de saúde e centros de saúde) complementados por brigadas móveis. Os postos e centros de saúde constituem o primeiro nível de um sistema de saúde de três níveis e são geridos pelos municípios. De acordo com o PNDS, os serviços de cuidados de saúde primários devem responder a 85 por cento de toda a procura de cuidados de saúde e ajudar a tornar o sistema de saúde mais eficaz e equitativo. O PNDS indica, assim, que “a partir de 2012, a alocação de recursos públicos deve dar prioridade absoluta ao primeiro nível de serviços baseados nos cuidados de saúde primários...” (MINSA 2012, volume 1, página 52).. O Plano pinta um quadro desolador do estado actual dos serviços de cuidados de saúde primários: “De uma maneira geral, a rede de infra-estrutura de nível primário tem instalações antigas que estão em mau estado de conservação e com poucos recursos em termos de equipamentos e pessoal. Muitas instalações ainda não têm condições básicas para o seu funcionamento, como água, energia, saneamento e outros materiais. Das 1.854 unidades sanitárias em funcionamento, 22 por cento são de construção improvisada e 51 por cento não têm água potável.” (PNDS, volume 1, página 61). “Os postos de saúde são o tipo de unidade sanitária mais numeroso em todo o país, e constituem o principal ponto de entrada para o Serviço Nacional de Saúde. No entanto, a sua presença generalizada tem um impacto muito limitado sobre a melhoria da saúde das comunidades, tanto no que diz respeito ao número e à competência dos seus profissionais, como em termos de oferta limitada e da qualidade dos serviços que prestam, resultando num custo-eficácia muito baixo” (PNDS, volume 2, página 258).
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Funções básicas de prestação de serviços muito abaixo das normas estabelecidas. De acordo com dados citados no PNDS, o Serviço Nacional de Saúde tem um total de 2.356 unidades sanitárias, das quais mais de um quinto (21 por cento) não estão a funcionar e mais de metade (1.200) não tem energia eléctrica, o que limita o seu horário de funcionamento, bem como o uso de equipamento. Muitas unidades não possuem instrumentos básicos, como estetoscópios (disponíveis em apenas 40 por cento das unidades sanitárias) e balanças (disponíveis em 47 por cento das unidades). Apenas 67 por cento de todas as unidades sanitárias têm equipamentos de cadeia de frio. Em consequência destas e de outras lacunas, incluindo rupturas frequentes de stocks de medicamentos (ver abaixo), apenas metade de todas as unidades sanitárias de primeiro nível fornecem um pacote completo de serviços de cuidados de saúde primários e 18 por cento de serviços de planeamento familiar. Os serviços obstétricos de emergência básicos estão disponíveis em apenas 166 unidades sanitárias e os serviços obstétricos de emergência completos em apenas 51 unidades sanitárias. Os pacientes queixam-se, em particular, dos longos períodos de espera, da falta de stock de medicamentos e dos custos que têm que suportar (ver a Figura 4.5). Por um lado muitas unidades sanitárias de primeiro nível não têm a capacidade de fornecer um conjunto completo de serviços básicos, por outro, o sistema de referência também é fraco e desorganizado. O sistema de referência funciona ao acaso, uma vez que Angola não dispõe actualmente de um conjunto claro de normas e procedimentos para orientar as referências dentro do sistema de saúde. Nas províncias menos desenvolvidas e mais escassamente povoadas, os mecanismos de referência são muitas vezes ineficazes, sem uma rede mais extensa de serviços de saúde de segunda linha e sem ambulâncias. A grave escassez de ambulâncias e de outras viaturas dificulta o acesso às unidades sanitárias de segundo nível e aos serviços essenciais lá prestados, tais como cuidados obstétricos de emergência.
Figura 4.5 Problemas encontrados em consultas nas unidades sanitárias, conforme citado por pacientes que tiveram uma consulta nos 30 dias anteriores ao inquérito (% de pacientes), 2011
Fonte: QUIBB 2011.
Registam-se grandes défices na infra-estrutura de saúde, tanto nas zonas urbanas como nas rurais, embora por razões diferentes. As populações das zonas rurais remotas estão muitas vezes longe de qualquer unidade sanitária. De acordo com o QUIBB 2011, 71 por cento da população rural vive a mais de 40 minutos de marcha para qualquer unidade sanitária e apenas 11 por cento pode chegar a um hospital dentro de 40 minutos. Em contrapartida, a infra-estrutura dos serviços de saúde nas zonas urbanas, em particular em Luanda, está fisicamente mais perto, mas está sobrecarregada devido ao número de utentes que deve atender. Aplicando as estimativas populacionais do INE, referentes a 2012, dados do MINSA sobre a distribuição das unidades sanitárias, a população média por unidade sanitária é, de longe, maior em Luanda, situando-se em 46.809, seguida do Bié, com 12.039 (ver a Figura 4.7). É necessária uma rede muito maior de centros de saúde para satisfazer as necessidades das populações das zonas urbanas e peri-urbanas de Luanda.
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64 O Serviço Nacional de Saúde regista uma grave escassez de pessoal qualificado. Segundo a OMS, Angola tem apenas 0,08 médicos por 1.000 habitantes, em comparação com 0,37 e 0,34 na Namíbia e no Botswana (OMS 2013). Os dados do MINSA e as estimativas populacionais do INE apresentam um rácio mais optimista de 0,18 médicos por 1.000 habitantes; mas, ainda assim, é apenas metade do número da vizinha Namíbia e do Botswana. Há também um grande défice de outros quadros de saúde, incluindo parteiras (0,01 por 1.000 habitantes), o que prejudica consideravelmente a prestação de serviços de saúde materna. O pessoal de saúde está fortemente concentrado nas grandes cidades, especialmente em Luanda. Embora o número de unidades sanitárias per capita seja mais baixo em Luanda, estas unidades são relativamente bem cuidadas – não menos que 42 por cento dos médicos estão em Luanda, muito mais do que a proporção dos habitantes de Luanda em relação a população nacional (28 por cento). Como a Figura 4.6 mostra, a população por médico é particularmente elevada em algumas províncias do sul, especialmente Huíla (42.816) e Kuando Kubango (26.293). Estes números são, respectivamente, sete e quatro vezes maiores do que em Luanda (6.014). Os dados a nível provincial ocultam ainda mais a disparidade entre as zonas urbanas e rurais. No geral, 85 por cento dos médicos estão em Luanda e nas capitais provinciais. Como o PNDS observa, “as principais consequências desta distribuição assimétrica são a desigualdade na qualidade dos serviços prestados, a sobrecarga dos hospitais gerais, os atrasos na gestão de pacientes (longos períodos de espera para operações cirúrgicas) e, na maioria das vezes, um aumento da mortalidade” (página 211 do volume 2).
Figura 4.6 População por unidade sanitária e por médico por província, Angola, 2012
Fonte: Estimativas da população do PNDS (MINSA 2012) e do INE, referentes a 2012. Calculado das estimativas da população de 2012 e dos dados mais recentes disponíveis sobre a infra-estrutura e o pessoal.
É necessária uma estratégia de recursos humanos forte, estando já em curso iniciativas importantes para aumentar o número de pessoal de saúde qualificado. Foram criadas cinco novas faculdades de medicina nas províncias de Benguela, Cabinda, Huambo, Huíla e Malange e o seu primeiro grupo de médicos graduou-se em 2014. Juntas, estas faculdades devem graduar cerca de 1.000 médicos por ano até 2020, aumentando drasticamente o total de 3.541 médicos do Serviço Nacional de Saúde em 2011. Além disso, um decreto em 2012 criou 13 novas escolas para a formação de técnicos de saúde de nível médio. Para reduzir as disparidades entre as zonas rurais e urbanas, os investimentos em acções de formação devem ser acompanhados de incentivos destinados a atrair e reter os médicos e outros profissionais de saúde nos centros urbanos mais pequenos e nas zonas rurais, mas nenhum sistema de incentivos desta natureza está ainda em vigor. Vários decretos em 2003 estabeleceram subsídios por afectação em locais com dificuldades para o pessoal médico que trabalha nas zonas remotas; no entanto, estes subsídios nunca foram implementados. A posterior desconcentração de responsabilidades pela gestão do pessoal de saúde aos níveis provincial e
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municipal tornou mais difícil ao Ministério da Saúde a nível nacional planificar e implementar medidas destinadas a melhorar a equidade na distribuição territorial dos recursos humanos (MINSA 2012). Os sistemas de aquisição e distribuição de medicamentos, actualmente, não garantem que os serviços de saúde tenham stocks adequados. O PNDS afirma que “constantes roturas de stock levam a um agravamento do estado de saúde da população” (volume 2, página 266). Na sequência da adopção de uma Política Nacional Farmacêutica em 2010, em 2011 o Governo criou uma nova agência para a aquisição e distribuição centralizada de medicamentos, a Central de Compras e Aprovisionamento de Medicamentos (CECOMA). A melhoria da gestão de medicamentos irá exigir o uso de mecanismos transparentes e competitivos de aquisições pelo sector público, a criação de um sistema nacional informatizado de gestão de informação e procedimentos para a planificação e priorização de aquisições (incluindo a adopção de uma lista nacional de medicamentos essenciais), investimentos em melhoria da logística (armazéns, refrigeração e transporte), a formação de pessoal e o aumento do financiamento. Também é necessário, com urgência, reforçar a capacidade da inspecção farmacêutica e o estabelecimento de um laboratório nacional dedicado ao controlo de qualidade. Está previsto um plano estratégico para o sector farmacêutico. O sistema de saúde deve envolver-se activamente com as comunidades, com o objectivo de expandir a cobertura dos serviços promocionais, preventivos e curativos. As normas para a implementação do pacote essencial de serviços de cuidados de saúde materno-infantil, elaborado pelo Ministério da Saúde, com o apoio de agências das Nações Unidas em 2007, propôs um sistema proactivo em que sejam usadas equipas móveis para prestar serviços de saúde em comunidades remotas. No entanto, além de campanhas preventivas organizadas a nível nacional para a vacinação, suplementação da vitamina A, desparasitação e distribuição de redes mosquiteiras, a cobertura tem sido fraca. Poucos serviços municipais de saúde têm sido capazes de organizar e implementar um sistema regular de brigadas móveis para as comunidades rurais, devido à falta de transporte, escassez de medicamentos e limitações de recursos humanos. Um forte sistema de promoção da saúde, prevenção e cuidados básicos curativos de base comunitária complementaria e aliviaria a pressão sobre os serviços baseados nas unidades sanitárias, mas o seu grau de implementação é pouco significativo em Angola. Os cuidados de saúde comunitários trouxeram benefícios positivos em muitos países em desenvolvimento 58 e eram uma parte integrante do sistema de saúde de Angola, no período imediatamente a seguir à independência, mas entraram em colapso quando a guerra intensificou na década de 1990. A Política Nacional de Saúde, aprovada em 2010, e o PNDS prevêem o restabelecimento de um sistema de serviços promocionais, preventivos e curativos simples de base comunitária, através dos agentes comunitários de saúde (ACS), vinculados e apoiados por unidades sanitárias. Projectos-piloto de afectação de ACS foram recentemente patrocinados pelo Ministério da Saúde e governos provinciais, seleccionados com o apoio do UNICEF e outros parceiros de desenvolvimento. O Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU) tem prestado um apoio semelhante às parteiras tradicionais (PT) em algumas províncias. Contudo, iniciativas baseadas na comunidade têm sido financiadas principalmente por doadores, num regime ad hoc, e ainda não foram adoptadas dentro de qualquer programa nacional59. O PNDS fornece uma poderosa estrutura para o fortalecimento do sistema de saúde, mas uma implementação eficaz requer um sistema de informação muito mais forte. O Sistema de Informação em Saúde existente não funciona correctamente. A falta de dados robustos sobre os serviços prestados coloca grandes desafios para a planificação e implementação; é fundamental reconstruir este sistema para a gestão racional do sistema de saúde.
A Etiópia, Zâmbia, África do Sul, Malawi, Mali e Níger possuem evidências dos benefícios decorrentes dos cuidados de saúde comunitários na África Subsaariana. 59 Uma avaliação recente (ADPP) constatou que, embora estes projectos-piloto tenham conseguido obter algum sucesso na melhoria de comportamentos relacionados com a saúde, registaram várias insuficiências: o papel relativamente insignificante dos ACS na prestação de cuidados curativos simples a nível das comunidades, o fraco back-up e supervisão dos ACS e parteiras tradicionais por parte do sistema formal de saúde, a falta de transporte e procedimentos pouco claros para a transferência de pacientes para as unidades sanitárias, fornecimento inadequado de kits e medicamentos para os ACS e parteiras tradicionais, cursos de reciclagem inadequados e incentivos materiais insuficientes e irregulares. Dadas estas limitações, a avaliação concluiu que o impacto dos projectos-piloto em matéria de saúde e mortalidade materna e infantil não era “evidente” (ADPP, página 74). 58
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66 A implementação do PNDS também irá exigir um aumento substancial no financiamento do sector da saúde, que nos últimos anos tem recebido uma fracção cada vez menor do orçamento. Em 2011, o sector da saúde recebeu 6,8 por cento da despesa pública orçamentada (excluindo o serviço da dívida) e apenas 5 por cento em 2014.60 A dotação para a saúde, que inclui a saúde militar, bem como os serviços de saúde civil, é apenas um terço da meta de 15 por cento definida pelos governos africanos na Declaração de Abuja da UA em 2001 e cerca de três quartos (77 por cento) da despesa necessária de Kz 409 biliões previstos no orçamento do PNDS de 2014 61 (MINSA e USAID 2013). Apesar da priorização dos cuidados de saúde primários declarada no PNDS, os gastos da saúde parecem estar fortemente desviados para os cuidados secundários e terciários, com uma grande parte do orçamento de 2014 para a saúde, atribuída aos serviços hospitalares gerais e especializados. No entanto, é difícil fazer uma análise mais aprofundada das despesas da saúde, uma vez que não estão disponíveis dados recentes ao público e até mesmo o orçamento do PNDS carece de uma base de referência.
4.2.3 Comportamentos de saúde e barreiras do lado da procura ao uso dos serviços de saúde O acesso aos cuidados de saúde depende não só da oferta e da qualidade dos serviços de saúde, mas também da procura. O IBEP 2008-2009 constatou que entre as crianças menores de cinco anos, que tinham adoecido no mês anterior, apenas 58,7 por cento tinham sido levadas para um profissional de saúde e esta proporção era muito menor nas zonas rurais. As principais razões que os pais apresentaram para não levar os seus filhos às unidades sanitárias quando estavam doentes eram de que a criança não estava doente ao ponto de precisar de uma consulta de saúde (36 por cento), custo elevado (21 por cento), distância (20 por cento) e inexistência de uma unidade sanitária (16 por cento) (ver a Figura 4.7).
Figura 4.7 Principais razões apresentadas pelos pais para não levarem as crianças menores de 5 anos às unidades sanitárias quando estavam doentes (durante os 30 dias anteriores ao inquérito)
Fonte: IBEP 2008-2009.
Embora seja suposto o Serviço Nacional de Saúde prestar cuidados de saúde de forma gratuita, os custos cumulativos da procura de cuidados – incluindo os custos directos (pagamento pelos serviços) e indirectos, tais como os custos de transporte ou de oportunidade – continuam a ser uma barreira para muitas famílias. As contas nacionais de saúde, produzidas com o apoio da OMS em 2008, mostraram que o Governo de Angola financia cerca de dois terços da despesa total da saúde (65 por cento), enquanto o terço restante é financiado principalmente através de gastos individuais (23 por cento), seguido pelas empresas públicas e privadas (9 por cento) e pelos parceiros internacionais (3 por cento) (MINSA 2012). Estes números incluem as despesas dos angolanos mais ricos, que recorrem a serviços de saúde privados. Para os que se dirigem às unidades sanitárias do Estado, o custo dos medicamentos pode ser uma grande despesa. Oficialmente, os medicamentos 60 61
Dados do Ministério das Finanças, Orçamento do Ano Corrente – Exercício 2014, disponíveis em http://www.minfin.gov.ao/docs/dspPrcaCorren.htm O orçamento do PNDS exclui gastos referentes à saúde militar.
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são fornecidos gratuitamente no Serviço Nacional de Saúde, mas como foi observado anteriormente, frequentes roturas de stock forçam os pacientes a comprar medicamentos em farmácias privadas ou no mercado informal não regulamentado (ver a Secção 4.2.2). Por vezes, os pacientes também incorrem em custos informais quando chegam a unidade sanitária para facilitar ou acelerar o acesso aos serviços. A melhoria da qualidade da prestação de cuidados de saúde pública e, em particular, o fornecimento e distribuição de medicamentos ajudariam a atenuar algumas das barreiras relacionadas com os custos para os cuidados de saúde. As práticas individuais e comunitárias relacionadas com a saúde, incluindo a procura, estão fortemente ligadas à escolaridade. Existem amplas evidências que demonstram uma correlação entre o nível de escolaridade das mães e/ou chefes de agregados familiares e os resultados de saúde para as crianças em Angola. Ver, por exemplo, os dados contidos nas Figuras 4.2 e 4.3, que associam a escolaridade ao tratamento e prevenção da malária e na Tabela 4.1 à utilização de serviços de saúde materna. Em virtude de os níveis de escolaridade estarem intimamente relacionados com o local de residência urbana-rural e a riqueza das famílias – os principais factores determinantes da saúde – seria necessária uma análise regressiva multivariada, para medir a importância relativa da escolaridade como factor causal das práticas e resultados de saúde. No entanto, é provável que os baixos níveis de escolaridade e taxas implicitamente fracas de alfabetização de adultos tenham um efeito directo em alguns resultados de saúde, por limitarem o acesso ao conhecimento. Há grandes lacunas nos conhecimentos, atitudes e práticas (CAP) relacionados com a saúde, com consequências significativas na nutrição, higiene e VIH/SIDA. Os conhecimentos, crenças e normas culturais contribuem para: os baixos índices de aleitamento materno, exclusivo de crianças menores de seis meses, os baixos níveis de lavagem das mãos e tratamento da água para beber, defecação ao ar livre nas zonas rurais e aumento do risco de VIH, especialmente nas mulheres e nas zonas rurais. O baixo nível de conhecimento sobre a transmissão da malária pode também contribuir para a sua propagação; por exemplo, o IIM 2011 constatou que 27 por cento das mulheres com idades compreendidas entre os 15-49 anos não sabem que a malária é transmitida por picadas de mosquito e que 30 por cento não sabem que pode ser prevenida dormindo debaixo de uma rede mosquiteira. As proporções de mulheres sem conhecimentos básicos sobre a transmissão e prevenção da malária são muito mais elevadas nas zonas rurais: 41 por cento e 45 por cento, respectivamente, explicando, em parte, por que mesmo nas famílias que possuem uma rede mosquiteira, menos de dois terços das crianças menores de 5 anos (61 por cento), na verdade, dormem debaixo dela (ver a Figura 4.8).
Figura 4.8 Conhecimentos e práticas relacionados com a prevenção da malária nas zonas urbanas e rurais de Angola, 2011
Fonte: IIM 2011.
As normas, atitudes e práticas socioculturais subjacentes, relacionadas com a saúde reprodutiva e sexual, aumentam os riscos de mortalidade materna e infantil, bem como de transmissão do VIH (ver a Secção 4.5). Estas práticas incluem o início precoce das relações sexuais e baixas taxas de uso de anticonceptivos, resultando em gravidez precoce (antes de atingir a maturidade física e/ou social) e fecundidade elevada. A procriação normalmente começa muito cedo: o IBEP 2008-2009 constatou que 55 por cento das mulheres
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68 deram à luz antes dos 20 anos e que 7 por cento deu à luz, pela primeira vez, antes dos 15 anos (ver a Figura 4.9). As mulheres jovens que dão à luz antes de terem atingido a maturidade física são mais propensas a ter complicações durante o parto e evidências de muitos países mostram que os seus bebés têm um maior risco de baixo peso à nascença, aumentando os riscos de morte materna e neonatal.62 Embora não estejam disponíveis dados sobre o espaçamento dos nascimentos em Angola, dada a elevada taxa de fecundidade total (6,3 filhos por mulher, subindo para 7,7 nas zonas rurais), é provável que o espaçamento inadequado represente um risco adicional para as mães e os recém-nascidos (ver o Capítulo 2). Apenas 12 por cento das mulheres com idades entre os 12-49 anos numa união marital usam contraceptivos modernos (IBEP 2008-2009).
Figura 4.9 Percentagem de mulheres com idades entre 12-19 anos que tenham dado à luz pelo menos uma vez, por faixa etária e local de residência
Fonte: IBEP 2008-2009.
4.3 Malnutrição em crianças O baixo peso nas crianças de Angola contribui significativamente para a mortalidade infantil e pode causar danos permanentes no desenvolvimento cognitivo das crianças de tenra idade, comprometendo o seu bem-estar e a produtividade na idade adulta. A nível da população, as perdas de capital humano devido ao baixo peso infantil podem prejudicar o crescimento económico e os esforços de redução da pobreza. Existe uma carência de dados sobre nutrição em Angola, tornando a análise aproximada na melhor das hipóteses, mas a informação que está disponível, sugere que a nutrição deve ser priorizada e as intervenções destinadas a reduzir o baixo peso em crianças devem ser alargadas com urgência. O Governo de Angola desenvolveu uma Estratégia Nacional de Nutrição para Crianças em 2011 (MINSA 2011b) e os seus pontos principais, incluindo um pacote abrangente de medidas para reduzir o baixo peso, foram incorporados no PNDS. Tal como noutros sectores, o Governo deve agora traduzir a estratégia em prática.
4.3.1 Baixo peso e deficiências de micronutrientes Quase um terço das crianças de 6-59 meses sofre de malnutrição crónica, de acordo com o Inquérito Nacional de Nutrição (INN), realizado em 2007. Embora esteja agora desactualizado, sete anos, o INN é a fonte mais recente disponível de dados de um inquérito representativo a nível nacional, sobre o baixo peso em Angola (MINSA 2007). O INN constatou que mais de 16 por cento das crianças de 6-59 meses estavam abaixo do peso (peso para a idade) e estimou a prevalência de malnutrição crónica em crianças menores de 5 anos – resultado de baixo peso crónico – em 29 por cento. O baixo peso crónico é causado por um défice prolongado de ingestão de nutrientes e é um importante factor determinante indirecto de mortalidade infanto-juvenil. As crianças que sobrevivem a subnutrição crónica podem sofrer danos irreversíveis à sua saúde e desenvolvimento. O baixo peso enfraquece a resistência das crianças à doença, enquanto a doença contribui para o baixo peso e estima-se que ao nível mundial esta sinergia entre doenças e malnutrição cronica contribua directa ou indirectamente para 45 por Dados do Inquérito Demográfico e de Saúde de Moçambique em 2011 mostram que o risco de morrer antes dos 5 anos é 2,1 vezes maior em crianças nascidas de mães com menos de 18 anos de idade e 2,3 vezes maior em crianças nascidas menos de 24 meses após um parto anterior em comparação com outras crianças. Quando a gravidez precoce e um espaçamento curto entre os nascimentos (menos de 24 meses) são combinados, o risco de morte antes dos 5 anos é 4,35 vezes maior.
62
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cento das mortes em crianças com idade inferior a 5 anos. (The Lancet 2013). O baixo peso materno durante a gravidez e a malnutrição crónica durante os dois primeiros anos de vida, antes de o cérebro estar quase totalmente formado (os primeiros 1.000 dias) podem ter efeitos a longo prazo no crescimento e prejudicar permanentemente o desenvolvimento cognitivo. Numerosos estudos têm demonstrado que o baixo peso crónico durante os primeiros 1.000 dias de vida pode vir a ter efeitos negativos graves, anos mais tarde, no sucesso de aprendizagem das crianças na escola e na sua produtividade e ganhos como adultos. A subnutrição crónica nos níveis vistos em Angola pode ter impactos ao nível de população em termos de capital humano e constitui, portanto, uma ameaça significativa para o desenvolvimento socioeconómico nacional. Embora os dados disponíveis não permitam que sejam feitas estimativas específicas para Angola, o Banco Mundial (2006) calculou que, globalmente, as perdas de produtividade na vida adulta, causadas por subnutrição crónica na primeira infância, representam uma perda de 2-3 por cento do PIB. Na maioria das zonas fora de Luanda, as taxas de malnutrição crónica estavam próximas ou eram superiores a 30 por cento, o limiar estabelecido pela OMS para definir uma ameaça à saúde como tendo um “elevado nível de importância para a saúde pública” (ver a Figura 4.1). A prevalência de malnutrição crónica entre crianças menores de 5 anos foi de 33 por cento nas zonas rurais e 30 por cento ‘noutras zonas urbanas’, mas muito mais baixa em Luanda (19,6 por cento). As regiões geográficas com a maior prevalência de malnutrição crónica localizam-se nas províncias do Oeste (Benguela e Kwanza Sul), do Sul (Cunene, Huíla e Namibe) e do Centro-Sul (Bié, Huambo e Kuando Kubango), com taxas de 34,3 por cento, 33,7 por cento e 31,3 por cento, respectivamente. Nas províncias do Leste (Lunda Norte, Lunda Sul e Moxico), estas regiões também apresentaram as maiores proporções de crianças com baixo peso.63
Figura 4.10 Baixo peso em crianças de 6-59 meses, por local de residência urbano-rural e regiões geográficas de 2007
Fonte: INN 2007.
Não é possível calcular com precisão as tendências, devido à falta de dados, mas não parece ter havido grandes melhorias no estado nutricional das crianças desde o fim do conflito. Foram realizados dois inquéritos nacionais de colecta de dados sobre a nutrição (MICS 1 em 1996 e MICS 2 em 2001) antes do INN em 2007; no entanto, nenhum desses inquéritos é considerado de representatividade nacional, devido ao acesso limitado às áreas afectadas por conflitos. Não obstante, a aplicação dos novos Padrões de Crescimento da Criança, adoptados pela OMS em 2006, aos dados antropométricos do MICS 200164, permite uma certa coerência com as medidas usadas pelo INN e sugere que a malnutrição crónica diminuiu entre 2001 e 2007. Em 2001, 51 por cento das crianças sofriam de malnutrição crónica – uma das taxas mais altas do mundo. Em 2007, a malnutrição crónica em crianças menores de 5 anos reduziu 63 64
Infelizmente, o INN 2007 não criou quintiles de riqueza e, por essa razão, não foi possível analisar as disparidades em termos socioeconómicos. Os dados foram extraídos da Base de Dados Global da OMS sobre o Crescimento da Criança e Malnutrição.
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70 para 29 por cento – uma taxa melhor, embora ainda preocupante. Uma vez que era provável que as áreas afectadas por conflitos, não abrangidas pelo MICS em 2001, tivessem piores resultados nutricionais do que as áreas acessíveis, a taxa de malnutrição crónica real a nível nacional nessa altura pode ter sido ainda superior a 51 por cento. Embora não existam dados recentes, é provável que a malnutrição aguda (baixo peso)65 tenha aumentado durante os últimos três anos, devido a uma emergência provocada pela seca em 2012, que afectou grande parte do país e, em particular, as províncias do sul. Em 2013, a ONG Visão Mundial informou que a malnutrição aguda global atingiu os 24 por cento entre as crianças avaliadas nos municípios afectados pela seca no Cunene e 29 por cento na Huíla (ONU 2013). A malnutrição aguda, ou o baixo peso para a altura, reflecte uma falta de nutrientes durante um período curto, geralmente associada à redução da ingestão de alimentos. A malnutrição aguda normalmente aumenta nas zonas rurais durante a ‘época de fome’ que antecede as colheitas, em resultado da seca ou de uma doença persistente ou recorrente. É uma condição que põe a vida em risco e que requer uma alimentação suplementar imediata ou terapêutica em casos graves. O INN 2007 indicou que mais de oito por cento das crianças menores de 5 anos sofria de malnutrição aguda. Esta taxa manteve-se praticamente inalterada desde as estimativas de 2001, embora seja necessário ter cautela na interpretação de tendências. Surpreendentemente, o INN constatou a existência de taxas de malnutrição aguda mais altas na capital (10 por cento) do que nas zonas rurais (8 por cento) e noutras zonas urbanas (7 por cento), por razões que não são imediatamente óbvias. Além do baixo peso, a deficiência de micronutrientes também ameaça o crescimento, o desenvolvimento e a sobrevivência de bebés e crianças pequenas em Angola. Os micronutrientes são as vitaminas e os minerais essenciais para o crescimento e desenvolvimento saudáveis. Como noutras partes do mundo em desenvolvimento, as deficiências de micronutrientes mais comuns em Angola são de vitamina A, ferro, iodo e zinco. Estas deficiências têm graves consequências, especialmente para as crianças. O ferro é essencial para o desenvolvimento motor e cognitivo das crianças e também é importante para as mulheres durante a gravidez, para atender às necessidades do feto em crescimento. A deficiência de ferro (anemia) aumenta o risco de parto pre-termo, baixo peso à nascença e mortalidade materna devido à hemorragia. A vitamina A desempenha um papel crucial no sistema imunológico e a deficiência de vitamina A (DVA) contribui substancialmente para a mortalidade infantil. O zinco é igualmente importante para o sistema imunológico, enquanto o iodo é crucial para o desenvolvimento do cérebro. A deficiência de iodo é a principal causa do atraso mental, evitável em todo o mundo, e o Banco Mundial estimou que a deficiência crónica de iodo reduz o QI médio em 13,5 pontos (Banco Mundial, 2006). Embora a base de evidências seja limitada, a deficiência de micronutrientes parece ser generalizada em Angola (Ver a Caixa 4.2).66
A Malnutrição Aguda Global (MAG) é a soma da prevalência de malnutrição aguda severa (MAS), mais a malnutrição aguda moderada (MAM) a nível da população. A MAM é definida pela OMS/ UNICEF como: Pontuação-Z do Peso-para-Altura <-2 mas >-3. A malnutrição aguda severa é definida como Pontuação-Z de Peso-para-Altura <-3 ou uma circunferência do braço de <11,5 centímetros ou a presença de edema bilateral ou malnutrição crónica visível. 66 O INN 2007 não recolheu os dados bioquímicos necessários para fazer estimativas sobre a prevalência da deficiência de micronutrientes. 65
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Caixa 4.2 Deficiência de micronutrientes em Angola Deficiência de ferro (anemia) De acordo com a Base de Dados Mundial da OMS sobre Anemia, a anemia (definida como um nível de hemoglobina inferior a 110 g/L) afecta quase 30 por cento das crianças em idade pré-escolar e 57 por cento das mulheres grávidas em Angola (OMS 2009a). No entanto, os números são extraídos de um inquérito realizado há mais de uma década e meia, em 1998/99, quando Angola estava em guerra e havia pouco ou nenhum acesso às populações em muitas zonas do país. Existem dados mais recentes sobre a prevalência de anemia grave dentro de uma definição de casos ligeiramente mais estreita (hemoglobina <80 g/L), a partir dos Inquéritos de Indicadores da Malária (IIM), realizados em 2006/07 e 2011. Estes dados mostram uma queda na prevalência de anemia grave entre crianças de 6-59 meses, de 3,6 por cento em 2006/07 para 2,6 por cento em 2011. A prevalência é maior na faixa etária de 6-11 meses (5,2 por cento), o que sugere que não estão a ser introduzidos alimentos adequados, ricos em ferro, na dieta das crianças após o desmame. Como seria de esperar, há uma forte correlação entre a prevalência de anemia grave e a riqueza das famílias, com as taxas a reduzirem de 4,5 por cento e 4,2 por cento nos dois quintiles mais pobres para 1,7 por cento no quintil mais rico. Os dados também mostram uma maior prevalência de anemia nas áreas de malária hiper-endémica. Estranhamente, quer o IIM de 2006/07 quer o de 2011 mostram que a anemia grave é mais prevalecente nas zonas urbanas do que nas rurais, embora seja mais baixa em Luanda (1,6 por cento). Deficiência de iodo Embora não existam dados disponíveis sobre a prevalência da deficiência de iodo em si, tanto o MICS de 2001 como o INN de 2007 fornecem dados sobre a proporção de agregados familiares que consomem sal iodado em dose adequada (> 15 partes por milhão) – a principal fonte de iodo. Embora os dados mais antigos devam ser interpretados com cautela, por razões já analisadas, as duas fontes disponíveis mostram uma melhoria na prevalência do consumo de iodo, de 35 por cento em 2001 para 45 por cento em 2007. No entanto, mais de metade das famílias ainda não tem uma fonte adequada de iodo. O INN constatou diferenças regionais acentuadas no consumo de sal iodado, com níveis extremamente baixos no Norte (17 por cento) e Nordeste (20 por cento) (ver a Figura 4.11). Este facto foi atribuído ao contrabando de sal não iodado proveniente da República Democrática do Congo (McDonald et al, 2011). Infelizmente, não há dados mais recentes disponíveis. Deficiência de Vitamina A (DVA) Os únicos dados disponíveis sobre a DVA são extraídos da Base de Dados Mundial da OMS e estão muito desactualizados (as estimativas são extraídas do mesmo inquérito de 1998/99, assim como os dados sobre a anemia). Neste momento, a prevalência de DVA foi de 64,3 por cento em crianças em idade pré-escolar e 15 por cento nas mulheres grávidas. (OMS 2009b) Deficiência de zinco Não há dados nacionais referentes à deficiência de zinco, mas em 2009, a Micronutrient Initiative estimou que 46 por cento da população angolana pode não estar a consumir quantidades adequadas de zinco.
Figura 4.11 Disparidades regionais, geográficas e rurais-urbanas no consumo de sal iodado
Fontes: IIM 2011; INN 2007.
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72 Os problemas nutricionais em Angola têm várias causas, nomeadamente, o nível de consumo de alimentos, doenças, e acesso aos serviços de saúde e cuidados e práticas de higiene. Muitas famílias angolanas simplesmente não têm acesso adequado à alimentação, em resultado da pobreza e da insegurança alimentar. O número de refeições que as famílias consomem por dia é um indicador de aproximação útil para medir o acesso a uma alimentação adequada. O inquérito QUIBB de 2011 concluiu que, a nível nacional, 9 por cento dos lares têm apenas uma refeição por dia. No quintil mais pobre, apenas 18 por cento das famílias têm três ou mais refeições por dia, em comparação com 62 por cento no quintil mais rico (ver a Figura 4.12). Uma dieta nutricionalmente diversificada reveste-se de particular importância para as crianças e mulheres grávidas. Existe menos informação sobre a diversidade alimentar em Angola; no entanto, estimou-se que, metade das famílias consumia carne, pelo menos, uma vez por semana, enquanto 75 por cento consumia peixe e 92 por cento tinha vegetais verdes, pelo menos, uma vez por semana. Os agregados familiares no quintil mais pobre consomem muito menos carne (50 por cento) e peixe (31 por cento) por semana do que as famílias mais ricas. As doenças infantis como a malária, diarreia e IRA contribuem para os fracos resultados nutricionais, ao passo que as deficiências nutricionais, nomeadamente, as deficiências de micronutrientes, reduzem a resistência das crianças às doenças, criando um círculo vicioso de causa e efeito. A puericultura, alimentação e práticas de higiene, bem como os riscos ambientais e a falta de acesso a fontes melhoradas de água e saneamento, contribuem ainda mais para os maus resultados de saúde e nutrição, especialmente nas zonas rurais (ver a Secção 4.5).
Figura 4.12 Consumo de alimentos dos agregados familiares: Proporção de agregados familiares que consomem uma, duas, três ou mais refeições por dia, por local de residência e quintil de riqueza, 2011
Fonte: QUIBB 2011.
As práticas inadequadas de alimentação de bebés e crianças são comuns em Angola. Para garantir o crescimento adequado, o desenvolvimento e a sobrevivência de bebés e crianças com idade inferior a dois anos, a OMS recomenda que a amamentação seja iniciada dentro de uma hora após o nascimento, que os bebés sejam amamentados exclusivamente durante os primeiros seis meses de vida, que recebam alimentos ricos em nutrientes adequados à sua idade, a partir dos seis meses, e que continuem a ser amamentados além de, pelo menos, 12 meses de idade. Há graves carências de todas estas práticas em Angola. Embora 90 por cento dos bebés sejam amamentados em algum momento da sua vida, apenas 55 por cento inicia o aleitamento materno logo após o nascimento (INN 2007). Menos de um terço (31 por cento) das crianças com menos de 6 meses de idade é amamentado exclusivamente, com uma grande variação geográfica que vai dos 11 por cento no Leste de Angola até 43 por cento no oeste (ver a Figura 4.13). As práticas alimentares podem reflectir diferenças regionais nas crenças culturais e/ou no conhecimento sobre os benefícios da amamentação e os riscos associados à introdução precoce de outros líquidos ou sólidos.
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Figura 4.13 Proporção de crianças menores de 6 meses em aleitamento materno exclusivo por região (%), Angola, 2007
Fonte: INN 2007.
4.3.2 Utilização abrangente do pacote integrado de intervenções nutricionais A nível político, foram assumidos compromissos com o objectivo de implementar em grande escala um conjunto abrangente de intervenções na área de nutrição, mas a implementação tem sido lenta. A Estratégia Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (ENSAN) foi adoptada em 2009 e a aprovação pelo Ministro da Saúde, de uma estratégia mais específica para a nutrição de lactentes e crianças, teve lugar dois anos mais tarde (MINSA 2011a). A implementação da ENSAN é coordenada pelo Ministério da Agricultura e Desenvolvimento Rural (MINAGRI), mas sob a supervisão de um organismo multissectorial mais amplo, o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional, vinculado directamente ao Gabinete do Presidente da República. A estratégia centra-se, em particular, na melhoria da produção de alimentos e no fortalecimento dos mercados domésticos de alimentos, além de melhorar o acesso aos alimentos por parte de grupos vulneráveis, através de mecanismos de protecção social – uma grande prioridade nacional, que ainda não foi totalmente implementada (ver o Capítulo 7). No Ministério da Saúde, uma secção dedicada à nutrição é responsável por coordenar a implementação da estratégia de nutrição de lactentes e crianças. Um dos principais objectivos desta estratégia é reduzir a prevalência de malnutrição crónica em crianças menores de 5 para menos de 10 por cento até 2015. Vale a pena destacar também que as componentes de saúde das estratégias de nutrição foram incorporadas no PNDS 2012 -2021 (MINSA 2012). Além disso, o segundo dos 11 Compromissos com a Criança é dedicado à segurança alimentar e nutricional para crianças de até 5 anos (CNC 2011). No entanto, ainda há muito por fazer para traduzir estes compromissos em programas e intervenções da linha de frente. A estratégia nacional de nutrição para bebés e crianças pequenas – citada na ENSAN e no PNDS – estabelece um pacote de 11 intervenções prioritárias para tratar das dimensões de saúde e comportamentais da nutrição infantil. A mais importante dessas intervenções prioritárias é: • Medidas para combater o ciclo vicioso da malnutrição e infecção; • Intervenções para a mudança do comportamento, incluindo para a promoção do aleitamento materno exclusivo em crianças menores de 6 meses e a introdução de alimentação complementar adequada depois dos 6 meses; • Medidas destinadas a reduzir as deficiências de micronutrientes, incluindo a suplementação de micronutrientes, a fortificação de alimentos produzidos localmente e a promoção de práticas alimentares salutares; • O tratamento da malnutrição aguda, designadamente através de um maior acesso à gestão comunitária da malnutrição e de uma melhor implementação de protocolos para o tratamento da malnutrição aguda. O pacote oficial de medidas do Governo, que visam melhorar a nutrição de lactentes e crianças jovens, é largamente consistente com as melhores práticas globais. O pacote está alinhado com as intervenções
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74 recomendadas numa avaliação global recente de evidências sobre a nutrição infantil, publicada pela revista médica The Lancet (2013). Existe um amplo consenso internacional em torno do pacote recomendado de intervenções para a nutrição infantil; no entanto, algumas intervenções recomendadas a nível global não foram incluídas na estratégia de Angola, incluindo a suplementação de zinco para o tratamento de diarreia, formulações em pó de micronutrientes para crianças de tenra idade, a suplementação de vitamina A para as mulheres no pós-parto e a fortificação de ferro dos alimentos básicos. Angola enfrenta agora o desafio de traduzir as intenções estratégicas em acção e de intensificar as intervenções eficazes para atingir a cobertura nacional. Devido à falta de dados administrativos fiáveis e consolidados sobre os programas de nutrição, é difícil avaliar o grau de implementação do pacote de intervenções oficialmente endossado. Empiricamente, é sabido que, embora estejam a ser lançadas algumas intervenções, o âmbito e a dimensão da implementação ainda estão aquém das necessidades. A pouca informação disponível sobre a actual programação da nutrição é apresentada a seguir:67
(i) Intervenções para a mudança de comportamento Foi lançado um pequeno número de campanhas de sensibilização para promover a mudança de comportamento, mas há pouca informação sobre a sua cobertura ou resultados. A Iniciativa Hospital Amigo da Criança ofereceu aconselhamento às mães sobre o aleitamento materno, até terminar o financiamento do UNICEF em 2012. No entanto, a educação baseada nas unidades sanitárias não pode chegar até às mulheres que não dão à luz nessas unidades – que neste momento é mais de metade de todas as mães em Angola. O UNICEF também apoiou um programa de ‘competências familiares’, que usa activistas comunitários para promover as boas práticas na alimentação de lactentes e crianças, higiene e outros comportamentos importantes para a saúde e nutrição da criança. Neste momento, praticamente não se faz nenhum uso dos meios de comunicação (rádio ou televisão) para promover as boas práticas de amamentação. (ii) Prevenção de deficiências de micronutrientes O progresso na luta contra as deficiências de micronutrientes apresenta um quadro misto. A suplementação de vitamina A, uma vez por ano, para crianças de 6-59 meses atingiu uma taxa de cobertura nacional de 84 por cento em 2013 (Ministério da Saúde). Os únicos dados de inquéritos disponíveis datam de 2007 e mostram que, naquela altura, 68 por cento das crianças de 6-59 meses tinham recebido suplementos de vitamina A nos 6 meses anteriores (INN 2007). Os ganhos de cobertura são animadores; no entanto, a suplementação anual de vitamina A68 ainda está aquém da recomendação médica de suplementação, duas vezes por ano, para a prevenção da DVA. Embora o PNDS preveja a fortificação de alimentos básicos com ferro, esta ainda não é uma prática comum. Também não foram implantadas medidas para fornecer suplementos de ferro e ácido fólico às mulheres, excepto as mulheres grávidas como parte dos cuidados pré-natais. Não se sabe até que ponto os suplementos de ferro e ácido fólico chegam até às mulheres através de cuidados pré-natais e as que não vão às consultas pré-natais não têm acesso aos suplementos (ver a Secção 4.2.1). A deficiência de iodo foi abordada na legislação de 2008, a qual estabelece que todo o sal deve ser iodizado (Decreto-Lei Nº 79/08) e, já em 1997, o Governo criou uma Comissão Técnica Nacional de Iodo, com um secretariado no MINADERP, com a tarefa de supervisionar a implementação de regulamentos anteriores do governo. Contudo, tem se revelado problemático garantir o cumprimento efectivo da lei, que não foi complementada por qualquer decreto que estabeleça procedimentos de implementação detalhados. Em 2012, o Unicef observou uma série de constrangimentos para resolver o problema da deficiência de iodo, incluindo a falta de subsídios ou incentivos financeiros, tais como direitos de importação ou isenção do IVA para o sal iodado e a falta de um sistema de monitoria e fiscalização forte. O iodato de potássio, que é usado para colocar iodo no sal, é fornecido gratuitamente aos produtores, mas de forma esporádica (pelo Governo ou pelo UNICEF). Parece ter havido progressos consideráveis no sentido de garantir que o grosso do sal produzido em Angola seja iodado (estimativa de 89 por cento em 2011); mesmo assim, a produção nacional cobre apenas um quarto das necessidades nacionais e menos de metade do sal utilizado para consumo humano. Enquanto a maior parte do sal importado através dos principais portos é iodado, o mesmo não acontece com o sal mais barato contrabandeado para o país, a partir de todas as suas fronteiras terrestres porosas, especialmente, a partir da RDC. A prevenção e o tratamento de doenças infecciosas e factores relacionados, tais como o uso de fontes de água e instalações de saneamento melhoradas, são discutidos noutra secção deste capítulo. 68 A suplementação de vitamina A está integrada na campanha nacional de vacinação através dos dias de saúde da criança (campanha Viva a Vida) e muitas vezes inclui a desparasitação. 67
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(iii) Prevenção e tratamento da malnutrição aguda A emergência causada pela seca registada em 2012 e 2013 levou a uma grande expansão dos serviços destinados ao tratamento da malnutrição aguda nas zonas afectadas, mas, ainda assim, apenas uma minoria das crianças afectadas foi abrangida e os esforços para prevenir a malnutrição aguda continuam a ser insuficientes. Em 2013, em resposta à seca, o Governo lançou um plano de contingência nacional em seis províncias (Cunene, Kuando Kubango, Huíla, Namibe, Benguela e Kwanza Sul). O número de unidades funcionais de internamento hospitalar (UIH) para o tratamento da malnutrição aguda severa aumentou de apenas 24 em nove províncias em Junho de 2012, para 61 em onze províncias até Junho de 2013. Além disso, 38 por cento dos centros de saúde e postos de saúde (606 de um total de 1.590) nas províncias afectadas tinham programas terapêuticos ambulatórios funcionais (PTA). Em 2013, os serviços de UIH e de OTP trataram aproximadamente 44.400 crianças com malnutrição aguda severa (MAS). O Ministério da Saúde também lançou a promoção da tratamento comunitário da malnutrição aguda (TCMA), que está comprovado internacionalmente tratar-se de uma estratégia altamente eficaz em termos de custos 69 e para a qual foram definidas orientações em Angola, em 2011. Dada a natureza dispersa das populações rurais e a cobertura limitada de serviços de saúde nas zonas rurais, o TCMA é particularmente apropriada em Angola, no entanto, ainda não é amplamente aplicada. Em 2013, o TCMA estava operacional em apenas 22 de 164 municípios do país, com financiamento através de fundos de emergência da ONU. Nesse ano, os agentes comunitários de saúde cuidaram do tratamento de 29.400 crianças com MAS e pouco mais de 65.000 crianças com malnutrição aguda moderada (MAM). Com base nas estimativas de uma avaliação rápida nutricional realizada em Abril e Maio de 2013, a malnutrição aguda global relacionada com a seca afectou mais de 533.000 crianças. Portanto, pode-se estimar que os programas de tratamento atingiram cerca de 26 por cento das crianças necessitadas. Apesar da expansão dos serviços, três quartos das crianças afectadas não foram abrangidas e, as que foram, tinham tido acesso ao tratamento através do apoio de ONG com financiamento dos doadores, que vai ser difícil manter no futuro. A capacidade institucional e de recursos humanos para a nutrição é insuficiente neste momento para implementar uma programação de nutrição completa à escala nacional. Há uma escassez crítica de nutricionistas qualificados a todos os níveis e é necessário tomar medidas urgentes, com vista a treinar nutricionistas suficientes para trabalhar nos municípios, que neste momento não têm pessoal com qualificações específicas ou mandato para a nutrição. A resposta de emergência a surtos relacionados com a seca e malnutrição aguda proporcionou uma acção de formação rápida para agentes comunitários de saúde. No entanto, para fortalecer significativamente os serviços de nutrição e traduzir as estratégias já existentes em planos operacionais orçamentados, é necessária informação oportuna e fiável. É necessário um sistema de vigilância nutricional padronizado, juntamente com mecanismos de monitoria e avaliação mais sólidos para identificar as necessidades, lacunas e obstáculos e orientar a incrementação e orçamentação. As intervenções previstas na estratégia nacional de nutrição para lactentes e crianças pequenas são relativamente baratas e têm retornos sociais e económicos elevados. Evidências a nível mundial revelam que, ao garantir uma nutrição adequada durante a janela crítica de 1.000 dias, desde a gravidez até aos dois anos de idade, podem ser evitados danos irreversíveis e a longo prazo para a saúde das crianças e o seu desenvolvimento cognitivo e físico (The Lancet 2013). Além disso, vários estudos têm demonstrado que estas intervenções podem ser implementadas a um custo baixo e trazem enormes retornos na forma de vidas salvas e benefícios económicos de longo prazo (Horton et al 2010). Os benefícios destas intervenções podem estender-se até ao futuro, uma vez que a saúde e o bem-estar dos lactentes de hoje e das crianças pequenas irá alimentar a criatividade, a produtividade e a prosperidade da próxima geração de adultos em Angola.
4.4 Crianças e VIH/SIDA Angola tem sido até agora poupada da devastação humana e económica que o VIH/SIDA trouxe a outros países da África Austral; no entanto, os obstáculos no fornecimento de serviços e deficiências no sistema de saúde não deixam margem para complacência. Estima-se que actualmente a prevalência do VIH em adultos em Angola seja de 2,3 por cento e manteve-se estável durante os últimos anos (ONUSIDA
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Ver evidências da Zâmbia (Bachmann, 2009) e do Bangladesh (2010).
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76 2013).Todavia, a cobertura das intervenções de prevenção, tratamento e cuidados é baixa e piorou ainda mais nos últimos anos, particularmente na área do SIDA pediátrico e da prevenção da transmissão vertical de mãe para filho (PTV); o Governo lançou recentemente um plano de resposta acelerada para enfrentar estes desafios. Angola é um dos 22 países de alta prioridade, visados pelo Plano Global para a Eliminação das Novas Infecções em Crianças e Manter as suas Mães Vivas, adoptado pela Reunião de Alto Nível da Assembleia Geral das Nações Unidas sobre o SIDA em Julho de 2011.
4.4.1 Perfil da epidemia Todos os anos, um número estimado em 28.000 pessoas, incluindo 5.100 crianças, são infectadas pelo VIH e cerca de 13.000 pessoas – 2.600 com menos de 15 anos – morrem de SIDA. A prevalência do VIH é maior nas mulheres do que nos homens. As mulheres são fisiologicamente mais vulneráveis à infecção e, geralmente, têm um risco mais elevado devido ao baixo uso de preservativos, poligamia e normas sociais fortes que restringem a autonomia das mulheres nos relacionamentos. Níveis mais altos de analfabetismo e menor acesso à informação entre as mulheres limitam a sua capacidade de prevenir e procurar tratamento para o VIH e SIDA (ver abaixo). O Programa Conjunto das Nações Unidas para o VIH/SIDA (ONUSIDA) estima que as mulheres representam cerca de 59 por cento da população infectada, com idade igual ou superior a 15 anos, em Angola.70 Angola é o único dos 22 países prioritários do Plano Global em que o número de novas infecções pelo VIH nas crianças tem continuado a aumentar. A partir de 2009 - 2012, as novas infecções pelo VIH nas crianças registaram um aumento acumulado de 9 por cento. As crianças mais pequenas geralmente são infectadas pelas suas mães, que podem transmitir o vírus no útero, durante o parto ou através da amamentação. De acordo com modelos de dados do VIH/SIDA, cerca de 20.000 mulheres grávidas que vivem com o VIH dão à luz a cada ano. Em 2013, um número estimado em 29.000 crianças menores de 15 anos vivia com o VIH, contra 23.008 em 2010 (ONUSIDA 2013 e INLS 2012).
4.4.2 Resposta nacional ao VIH/SIDA: prevenção, tratamento e cuidados Oito em cada dez mulheres grávidas que vivem com o VIH em Angola não recebem medicamentos anti-retrovirais para prevenir a transmissão vertical de mãe para filho (PTV). O tratamento anti-retroviral (TARV) para a PTV pode reduzir o risco de transmissão para menos de 2 por cento. Contudo, a cobertura do programa de PTV, que começou em 2004, é baixa e inconsistente. Por conseguinte, a taxa de transmissão do VIH de mães infectadas para os seus filhos não melhorou nos últimos anos, mantendo-se em cerca de 33 por cento entre 2009 e 2012 (ONUSIDA 2013). Aumentar a cobertura da PTV é uma prioridade urgente. Numa fase inicial em 2007, a integração dos serviços de PTV em serviços de saúde reprodutiva tradicionais, aliada à expansão das unidades de testagem em todo o país, possibilitou a expansão da cobertura de mulheres grávidas que vivem com o VIH, de 14 por cento em 2008 para 16 por cento em 2009 e 31 por cento em 2010 (INLS). Porém, o INLS informou que a cobertura da PTV diminuiu em 2011, caindo para 23,5 por cento (INLS 2012). Além disso, estes números parecem referir-se apenas às mulheres com VIH que utilizaram os serviços pré-natais.71 Se se fizer a estimativa da cobertura da PTV para o número total de mulheres grávidas que vivem com o VIH, as proporções são ainda mais baixas: 39 por cento em 2013, (ONUSIDA 2014). As baixas taxas de cobertura da PTV estão ligadas a uma testagem inadequada das mulheres grávidas (ver mais adiante), à fraca cobertura das pessoas a quem foi detectado o VIH (uma redução de 63 por cento em 2010 para 54 por cento em 2011) e a fraca adesão ao tratamento por parte das que iniciaram um regime para a PTV. A adesão varia de 55 por cento a 65 por cento na maioria das províncias (INLS de 2012). Embora a cobertura do TARV tenha aumentado desde 2008, continua a ser baixa, especialmente entre as crianças. Segundo estimativas oficiais, a cobertura do TARV da população elegível aumentou de 19 por cento em 2008 para 36 por cento em 2011 (INLS 2012). Apesar desta melhoria, a maioria das pessoas que necessita de tratamento não o recebe. As crianças são particularmente desfavorecidas: apenas 15 por cento das crianças 70 71
Derivado de modelos que usam dados da testagem do VIH durante as consultas pré-natais. O IBEP 2008/2009 estimou que 67 por cento das mulheres grávidas vai a 1 ou mais consultas pré-natais.
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elegíveis menores de 15 anos recebem tratamento, em comparação com 48 por cento das pessoas com mais de 15 anos (ver a Figura 4.14). Além disso, até 2013, havia apenas um regime de TARV pediátrico disponível no país, limitando as opções para ajustar ou adaptar o tratamento para atender às diferentes necessidades das crianças muito jovens e evitar efeitos secundários nocivos.
Figura 4.14 Cobertura da testagem do VIH, tratamento e serviços de PTV, Angola, 2010-2011
Fonte: INLS, 2012; ONUSIDA 2013.
Lacunas na cobertura do TARV reflectem baixas taxas de testagem do VIH. Apesar de ter havido um aumento impressionante do número de unidades sanitárias que fazem o teste de VIH, de apenas oito em 2003 para 811 em 2011, apenas uma pequena proporção geral da população-alvo é testada. Sendo as mulheres grávidas o grupo mais fácil de abranger através de serviços de cuidados pré-natais, representaram 55 por cento de todos os testados em 2010 e 2011. No entanto, mesmo a cobertura de mulheres grávidas é limitada, pois nem todas as mulheres vão às consultas pré-natais (ver a Secção 4.2.1) e também porque os serviços de testagem estão disponíveis em apenas dois terços dos municípios (111 de 164 em 2011). A testagem do VIH é ainda mais dificultada por frequentes roturas de stock de kits de testes rápidos. O inquérito INCAPSIDA 2010 constatou que, de uma maneira geral, apenas 15,4 por cento das mulheres e 14,9 por cento dos homens de 15-49 anos tinham sido testados em relação ao ano anterior e conheciam o resultado do seu teste. A cobertura de testes foi ainda menor entre as mulheres mais jovens: apenas 7,8 por cento das pessoas com idades entre 15-19 anos e 11,1 por cento das pessoas com idades entre 20-24 anos tinham sido testadas no ano anterior e conheciam o resultado. Os índices de testagem do VIH de crianças nascidas de mães seropositivas são historicamente baixos. A testagem do VIH em lactentes é mais difícil do que em crianças mais velhas ou adultos, porque não podem ser usados testes rápidos e o único laboratório de biologia molecular do país, com capacidade para a realização do teste de PCR – Reacção em Cadeia da Polimerase do DNA - encontra-se em Luanda e não realiza este procedimento para o diagnóstico infantil precoce. O INLS estima que a cobertura da testagem de PCR dos lactentes (<2 meses de idade) nascidos de mães infectadas pelo VIH foi de 7,6 por cento em 2011 (INLS, 2012). No seguimento das recomendações de um projecto da Fundação Clinton, que anteriormente realizava testes de PCR para lactentes em Luanda, um novo projecto-piloto de testes de PCR para o diagnóstico infantil precoce deverá ser lançado em Luanda, em 2014, e posteriormente expandido para as províncias. Os conhecimentos e práticas ainda não são conducentes à protecção contra a infecção, especialmente entre as mulheres e nas zonas rurais. A maioria dos homens e mulheres das zonas urbanas já ouviu falar do SIDA (95 por cento e 92 por cento, respectivamente), mas este conhecimento reduz drasticamente nas zonas rurais para 72 por cento nos homens e 58 por cento nas mulheres (ver a Figura 4.15) (INCAPSIDA 2010). Apenas 38 por cento das mulheres de 15-49 anos podem identificar correctamente, pelo menos, duas maneiras de reduzir o risco de transmissão do VIH: 44 por cento identificou o uso do preservativo ou a necessidade de limitar as relações sexuais a um único parceiro e 37 por cento identificou a abstinência como forma de evitar a infecção.72 Entre os jovens com idades compreendidas entre os 15-24 anos, menos O conhecimento da prevenção do VIH foi ligeiramente maior, mas de forma consistente, nos homens: 51 por cento dos homens conhecia dois métodos de prevenção, 57 por cento identificou o uso do preservativo, 59 por cento indicou a limitação do número de parceiros sexuais e 51 por cento identificou a abstinência como formas de prevenir a transmissão do VIH 72
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78 de metade dos homens e mulheres tem conhecimento “abrangente” do VIH/SIDA, definido como sendo a capacidade de: (a) identificar, pelo menos, duas maneiras de reduzir o risco de transmissão do VIH; (b) rejeitar ideias erradas comuns sobre a transmissão e (c) saber que uma pessoa com aspecto saudável pode ter VIH.73 Apenas 41,9 por cento das mulheres jovens tinham conhecimento abrangente do VIH, em comparação com 48,2 por cento dos jovens do sexo masculino. O conhecimento de VIH/SIDA melhorou ligeiramente desde 2008,74 mas continua a ser inaceitavelmente baixo. A prevenção da transmissão do VIH é prejudicada pelo baixo índice de utilização do preservativo. O INCAPSIDA 2010 constatou que apenas 19,8 por cento das mulheres e 43,2 por cento dos homens, que tiveram mais de um parceiro sexual no ano anterior, indicaram o uso do preservativo na última relação sexual. As taxas de uso do preservativo são geralmente baixas em Angola: apenas 7,6 por cento das mulheres em união marital, com idades compreendidas entre 12-49 anos, indicaram o uso do preservativo com os seus parceiros (IBEP 2008-2009).
Figura 4.15 Conhecimentos e práticas relacionados com o VIH/SIDA (%)
Fonte: INCAPSIDA, 2010.
Muito poucas famílias e crianças afectadas pelo VIH e SIDA recebem apoio para fazer face aos impactos económicos e psicossociais da doença. Esses impactos podem ser imensos, muitas vezes incluindo a perda de rendimentos por parte dos adultos produtivos e o risco de uma descida para a pobreza, estigmatização social e graves consequências psicossociais – especialmente para as crianças – decorrentes da doença e da perda de membros da família. Estima-se que 120.000 crianças em Angola tenham perdido um ou ambos os pais devido ao SIDA, mas praticamente não existem programas de apoio a estas crianças e suas famílias. Novas directrizes de tratamento adoptadas pela OMS em 2013 simplificam os protocolos de tratamento e expandem o acesso ao tratamento, ao recomendarem o início precoce do TARV e a cobertura universal das mulheres grávidas e crianças com VIH. A previsão é de que se essas directrizes forem plenamente implementadas a nível mundial, mais de 19 milhões de novos casos de VIH e 12 milhões de mortes relacionadas com o SIDA poderiam ser evitadas até 2025 (OMS 2013). Essas directrizes aumentaram o limiar do CD4 para elegibilidade ao TARV (para que mais pessoas tenham acesso ao tratamento mais cedo) e recomendam que todas as mulheres grávidas com VIH iniciem a profilaxia anti-retroviral, independentemente de cumprirem os critérios de elegibilidade ao TARV. É crucial que Angola reforce uma resposta multifacetada ao VIH e SIDA, para colmatar as lacunas existentes no conhecimento, testagem, PTV, tratamento, protecção e cuidados. Angola ainda pode Ideias erradas comuns sobre a transmissão do VIH incluíram que o VIH pode ser transmitido por picadas de mosquito, por poderes sobrenaturais, ou através da partilha de alimentos com uma pessoa infectada. 74 O IBEP 2008-2009 mediu o conhecimento abrangente de transmissão do VIH e definiu-o em 25,3 por cento nas mulheres jovens e 32,1 por cento nos homens jovens. 73
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evitar os elevados custos humanos, económicos e fiscais, que a pandemia do VIH/SIDA impôs aos seus vizinhos da SADC. Para isso, será necessário que Angola redobre os esforços em todo o continuum de prevenção, tratamento, protecção e cuidados, a fim de inverter as recentes quedas registadas na qualidade e alcance dos serviços e expandir a cobertura rapidamente. Tal como noutras áreas de cuidados de saúde, o compromisso político para combater o VIH/SIDA foi assumido, mas não tem sido seguido por uma implementação rápida e eficaz. O Governo adoptou uma estratégia de resposta acelerada, que visa eliminar novas infecções entre crianças até o final de 2015, garantindo que 90 por cento das mulheres grávidas infectadas pelo VIH recebam TARV e que todos os adultos, adolescentes e crianças que vivem com o VIH e que precisam de tratamento o recebam. Para atingir esse objectivo, em 2015, a cobertura do TARV teria de ter duplicado e a cobertura da PTV deveria ter mais do que quadruplicado desde 2012. Com base nas tendências na cobertura do TARV e da PTV entre 2010 e 2012, é muito pouco provável que Angola consiga cumprir essas metas até 2015. Para conseguir uma cobertura universal do TARV e da PTV, é necessário primeiro resolver as deficiências gerais no sistema de saúde e os obstáculos específicos que afectam a prestação de serviços. Actualmente, os profissionais de saúde têm uma capacidade limitada de fornecer serviços de PTV e SIDA pediátrico, principalmente nas zonas rurais. As lacunas em termos de capacidade são agravadas por uma supervisão fraca e uma gestão inadequada. Os profissionais de saúde qualificados, que fornecem serviços de cuidados pré-natais, estão muitas vezes sobrecarregados pelo seu volume de trabalho e prioridades incompatíveis. A fraca integração dos serviços de PTV nas clínicas pré-natais resulta no diagnóstico tardio do estado serológico das mulheres grávidas e, consequentemente, no início tardio do TARV. Muitas mulheres só são testadas e diagnosticadas com VIH na sala de partos, quando é demasiado tarde. Assim que as mulheres são colocadas num regime de PTV, são necessárias estratégias para melhorar a fraca adesão ao tratamento. A expansão da cobertura da PTV também significa abordar a questão mais geral da fraca utilização dos serviços de cuidados pré-natais e do parto nas unidades sanitárias. São necessários investimentos rápidos na capacitação, expansão de serviços de testagem para mais municípios, campanhas em massa de testagem e tratamento (‘busca activa’), e a melhoria da aquisição e distribuição de medicamentos e kits de testes para evitar roturas de stock. Os serviços do SIDA pediátrico requerem uma atenção especial para aumentar a cobertura da testagem e tratamento em crianças de tenra idade. É crucial que haja um melhor conhecimento e consciencialização em relação ao VIH, como forma de melhorar comportamentos preventivos e fortalecer a procura de serviços de testagem e tratamento. As actividades de sensibilização devem ser especificamente direccionadas às mulheres das zonas rurais. Por último, o apoio às famílias afectadas pelo VIH e SIDA deve ser integrado em programas de protecção social, como será discutido no Capítulo 7.
4.5 Água, saneamento e higiene A falta de acesso à água potável e saneamento e práticas de higiene insuficientes são as principais causas de doenças infecciosas, contribuem para o baixo peso e são factores chave da mortalidade infantil. Em Angola, embora a cobertura esteja em expansão e já seja bastante elevada nas zonas urbanas, o acesso a fontes de água e instalações de saneamento melhoradas continua limitado nas zonas rurais. Muitas famílias rurais ainda usam fontes de água de superfície de alto risco, tais como rios, lagoas e lagos e praticam a defecação a céu aberto no mato, contribuindo para a propagação de doenças transmitidas pela água. Poucas famílias tratam a água e a lavagem das mãos não é amplamente praticada. As condições ambientais, aliadas a práticas de higiene, facilitam a propagação de doenças infecciosas. A grande maioria das doenças diarreicas – que estão na origem de cerca de um quarto de todas as mortes de crianças em Angola – está associada à água não própria para o consumo, saneamento inadequado ou higiene insuficiente. As más condições de água e saneamento também contribuíram para repetidos surtos de cólera (ver a Secção 4.2.1). Estão disponíveis dados relacionados com a água e saneamento em Angola de vários inquéritos, incluindo o MICS 2001, 2006/7 e os Inquéritos Indicadores da Malária 2011, IBEP 2008-2009 e QUIBB 2011. As diferenças na metodologia utilizada por diferentes inquéritos, bem como as limitações que afectam as amostras e a colecta
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80 de dados, tornam difícil construir uma imagem detalhada e precisa das tendências e equidade no acesso a fontes de água e instalações de saneamento.75 O Programa de Monitoria Conjunta do Abastecimento de Água e Saneamento (JMP)76 tentou ajustar e interpretar dados de inquéritos já existentes para produzir uma série cronológica de dados consistentes sobre alguns indicadores de cobertura devidamente seleccionados. Por esse motivo, as estimativas do JMP foram utilizadas para a análise de tendências, enquanto a análise detalhada da situação actual da cobertura e as desigualdades na cobertura utiliza dados dos inquéritos nacionais mais recentes (IIM 2011 e QUIBB 2011).
4.5.1 Utilização de fontes de água e instalações de saneamento melhoradas Apesar de avanços recentes, as estimativas do JMP indicam que Angola não está no rumo certo para atingir a meta relativa à água dos ODM e mais de um quinto da população continua a utilizar água de superfície para beber. As metas de água e saneamento dos ODM visam reduzir para metade a proporção da população sem acesso sustentável à água potável e ao saneamento básico entre 1990 e 2015. De acordo com estimativas do JMP, a parte da população que bebe água potável proveniente de fontes melhoradas aumentou de 42 por cento em 1990 para 54 por cento em 2012, muito longe da meta de 71 por cento77 dos ODM. Além disso, o JMP estima que 22 por cento da população nacional utiliza água de superfície para beber, percentagem praticamente inalterada desde 1990 (24 por cento). Dados de pesquisas nacionais recentes sugerem que uma proporção ainda maior da população depende da água de superfície: 24 por cento reportado no QUIBB 2011 e 31 por cento no IIM 2011. De acordo com os dados do JMP, houve uma melhoria substancial no acesso à água nas zonas urbanas. A Figura 4.17 mostra um aumento constante da cobertura de água urbana, a partir de uma estimativa de 43 por cento em 1990, para 68 por cento em 2012. Este aumento foi impulsionado por grandes investimentos na reabilitação e ampliação de sistemas de água canalizada urbanos, a partir de meados da década de 2000, resultando no alcance da meta dos ODM nas zonas urbanas. Os dados do JMP e obtidos de inquéritos não desagregam os dados de cobertura urbana de modo a mostrar as diferenças entre as zonas urbanas ‘principais’ e as peri-urbanas mais desfavorecidas; no entanto, estudos locais mostram que o uso de fontes de água melhoradas continua muito baixo na maioria das zonas periurbanas. Em Luanda, onde vive mais de um quarto do total da população, muitas famílias dependem da água do rio não tratada, que é trazida por caminhões-cisterna, armazenada e vendida a retalho, a partir de tanques locais nos bairros pobres de Luanda (musseques).78 De acordo com o IIM 2011, 22 por cento da população urbana consome água de caminhões-cisterna e presume-se que esta percentagem seja consideravelmente maior em Luanda, em particular nos musseques.79
Vale a pena notar que o MICS 2001 não foi plenamente representativo a nível nacional, uma vez que algumas regiões do país não estavam acessíveis durante a guerra. Além disso, houve mudanças nas categorias e definições utilizadas nos diferentes inquéritos, com o IBEP e o QUIBB em especial ao afastarem-se de algumas categorias padrão utilizadas internacionalmente para definir fontes de água e instalações de saneamento melhoradas. Também há inconsistências na classificação de fontes de água primárias e secundárias, sendo um caso em apreço a dificuldade em classificar a grande proporção de água consumida em Luanda que é proveniente de fontes fluviais, é transportada por camiões-cisterna e depois armazenada em tanques e vendida por retalhistas nas zonas peri-urbanas. 76 O JMP é um programa das Nações Unidas (UNICEF e OMS) que fornece globalmente estimativas validadas de indicadores de água e saneamento para todos os países do mundo. Para mais informações, consultar: http://www.wssinfo.org/ 77 O JMP define uma fonte melhorada de água potável como sendo uma fonte que, pela natureza da sua construção ou através de uma intervenção activa, é protegida da contaminação exterior, em particular da contaminação por matéria fecal. 78 Luanda enfrenta problemas de abastecimento de água particularmente graves, devido ao crescimento dramático da sua população e ao investimento limitado na manutenção e expansão do sistema de abastecimento de água, que é da era colonial, há mais de 30 anos desde a independência até ao fim da guerra, ao desenvolvimento dos enormes bairros degradados, sem planeamento urbano ou prestação de serviços e à falta de fontes de água subterrânea locais. Grande parte da água consumida em Luanda é bombeada do rio Bengo, situado nas proximidades. 79 O QUIBB 2011 apresenta uma percentagem muito menor da população urbana que obtém água de camiões-cisterna, mas isto parece ser porque, ao contrário do MIS, o QUIBB incluiu uma categoria “tanque” (que representa 29 por cento da população urbana) e a maior parte da água do rio, trazida aos musseques por camiões-cisterna, é despejada primeiro para tanques pertencentes a retalhistas locais, antes de ser vendida aos consumidores finais (ver Cain e Mulenga, 2009). 75
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Figura 4.16 Tendências na utilização de fontes de água e instalações de saneamento melhoradas nas zonas urbanas e rurais, Angola, 1990-2012
Fonte: Programa de Monitoria Conjunta (OMS e UNICEF 2013).
Houve pouca mudança desde 1990 no acesso à água potável nas zonas rurais e o uso generalizado de fontes de água de superfície continua a ser uma grande preocupação nessas zonas. De acordo com estimativas do JMP, a cobertura da água rural em 2012 foi de 34 por cento, ainda menor do que os 42 por cento de cobertura estimados pela mesma fonte para o ano de 1990 (ver a Figura 4.16). O alto nível de utilização de fontes de água de superfície nas zonas rurais destaca-se como um dos principais motivos de preocupação. Os dados sobre a utilização de fontes de água de superfície nas zonas rurais são bastante consistentes em todas as fontes, situando-se na faixa de 48-51 por cento (IBEP 2008-2009, MIS 2011, QUIBB 2011 e JMP 2011). De uma maneira geral, as famílias das zonas rurais estão mais longe das fontes de água potável: 84 por cento dos agregados familiares das zonas rurais estão a uma distância de 40 minutos de uma fonte de água potável, em comparação com 94 por cento nas zonas urbanas (QUIBB 2011). Além disso, ir buscar água a uma longa distância impõe um pesado fardo para as mulheres e raparigas, especialmente nas zonas rurais. Angola tem registado progressos no aumento do acesso ao saneamento seguro, especialmente nas zonas urbanas. O JMP estima que o uso de instalações de saneamento melhoradas duplicou, passando de 29 por cento em 1990 para 60 por cento em 2012.80 Nas zonas urbanas, estima-se que 87 por cento da população usava instalações de saneamento melhoradas em 2012. 81 A cobertura do saneamento foi impulsionada por programas educacionais de higiene em curso, realizados pelo Governo de Angola e os seus parceiros nas zonas peri-urbanas de grande densidade populacional. O progresso tem sido limitado nas zonas rurais onde o acesso ao saneamento seguro aumentou de uma base extremamente baixa (7 por cento em 1990): em 2012, apenas um em cada cinco agregados familiares utilizou instalações de saneamento seguro (JMP). O IIM 2011 constatou que a cobertura do saneamento rural era apenas de 16 por cento, menor que as estimativas do JMP. Uma questão de preocupação específica é a grande proporção da população que pratica a defecação a céu aberto,82 em particular nas zonas rurais. Embora essa proporção tenha diminuído desde 1990 (72 por cento), o JMP e o IIM 2011 indicam que 58-60 por cento da população rural ainda defecam… em espaços abertos. Durante os últimos cinco anos, o Governo e parceiros têm estado a trabalhar no sentido de melhorar o saneamento nas zonas rurais, com uma abordagem de Saneamento Total Liderado pela Comunidade (CLTS), cujo enfoque incide na mudança de comportamento para acabar com a defecação a céu aberto e aumentar a procura de melhores serviços de saneamento, bem como o desenvolvimento dos mercados de saneamento nas zonas rurais. Para o acompanhamento dos ODM, instalações de saneamento melhoradas são definidas como sendo as que separam higienicamente excrementos humanos do contacto humano. 81 O JMP estimou a cobertura do saneamento urbano em 87 por cento para 2012, mas há um certo cepticismo em relação a estes números, nomeadamente, no esboço da Política Nacional de Saneamento Ambiental, no qual se constatam ‘fortes indícios de que as taxas de cobertura registadas no passado podem ter sido sobrestimadas’ (página 19).. 82 A defecação a céu aberto é quando fezes humanas são eliminadas nos campos, florestas, arbustos, colecções de água abertas, praias e outros espaços abertos. 80
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82 Dados ao nível nacional ocultam grandes disparidades: as famílias pobres angolanas têm um acesso muito mais limitado à água potável e ao saneamento do que as famílias mais ricas. Os 20 por cento mais pobres em Angola dependem esmagadoramente de fontes de água de superfície para a obtenção de água para o consumo (60 por cento) e praticam a defecação a céu aberto (74 por cento). O uso de água de superfície e a defecação a céu aberto diminuem, à medida que a riqueza dos agregados familiares aumenta e é quase insignificante nos dois quintiles mais ricos.
Figura 4.17 Uso de fontes de água de superfície para beber e defecação a céu aberto, por quintil de riqueza, 2011
Fonte: QUIBB 2011.
Água e saneamento inadequados têm implicações graves para a economia nacional, decorrentes dos efeitos sobre a saúde, uso do tempo, produtividade e outros factores. Não estão disponíveis dados específicos sobre estes efeitos em Angola, mas um estudo recente da OMS estimou perdas económicas globais, associadas ao abastecimento de água e saneamento inadequados, em US$ 260 biliões por ano. O mesmo estudo estimou que o retorno económico médio sobre os gastos de saneamento era de US$ 5,50 por cada dólar investido. (OMS 2012).
4.5.2 Práticas de higiene As práticas comportamentais de higiene insuficiente também são motivo de preocupação. Além do grande número de pessoas que pratica a defecação a céu aberto, o que em si é, em parte, um problema comportamental e de acesso, outros comportamentos negativos que contribuem para a propagação de doenças incluem o não tratamento da água para beber e a não lavagem das mãos, depois de defecar ou urinar, ou antes de preparar ou consumir alimentos. Quase dois terços de todos os angolanos (62 por cento) que usam fontes de água não potável, não tratam a água para beber. A proporção é muito maior nas zonas rurais (92 por cento), apesar do facto de a maioria dos residentes das zonas rurais usar água de superfície, poços desprotegidos ou outras fontes de água não melhoradas (QUIBB 2011). A lavagem das mãos também não é amplamente praticada, especialmente nas zonas rurais; apenas 25 por cento da população rural e 36 por cento da população em geral indicam que lavam as mãos após a defecação (IBEP 2008-2009).
4.5.3 Desafios políticos para a expansão e manutenção da cobertura O progresso notável registado no aumento do acesso à água potável nas zonas urbanas deve-se a grandes investimentos de recursos públicos, em particular em sistemas de água canalizada. O Governo de Angola programou despesas de investimento de mais de US$ 1,1 bilião em água e saneamento, ao longo do período 2007-2016 e, como um sector, a água e saneamento recebe cerca de dois por cento do orçamento do Estado. Grande parte do investimento foi feito em grandes sistemas de água canalizada para as zonas urbanas e pequenas cidades, especialmente as capitais provinciais e municipais. Tem havido algum esforço no sentido de expandir estes sistemas para fornecer fontenários comunitários nas zonas peri-urbanas, mas isto constitui um desafio, sob o ponto de vista técnico, em muitas das zonas maiores
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e mais densamente povoadas, sem um processo mais amplo de urbanização dos bairros degradados. O Governo estava ciente da necessidade de expandir o acesso a fontes de água melhoradas nas zonas rurais e em 2007 lançou o programa “Água para Todos”. Orçado em US$ 651 milhões no período 2007-2012, “Água para Todos” teve como objectivo proporcionar o acesso à água potável a, pelo menos, 80 por cento da população rural até 2012. Com um forte apoio da Presidência, este programa é supervisionado por uma comissão de coordenação técnica interministerial e gerido a nível nacional pelo Ministério da Energia e Águas (MINEA), com operações em grande parte descentralizadas aos governos provinciais. Devido ao facto de o ponto de partida ser extremamente baixo, a meta de cobertura era muito ambiciosa para o curto período de tempo planificado e o programa já foi prorrogado. De acordo com os dados da Comissão de Coordenação Técnica, a cobertura de fontes de água melhoradas nas zonas rurais chegou aos 56 por cento até Setembro de 2013 (CTCPAPT 2013).83 O investimento tem se concentrado em sistemas de água canalizada locais, em pequenas vilas rurais, com 486 destes sistemas concluídos e 123 em andamento, desde Setembro de 2013. O aumento ao acesso global de à água potável em Angola requer melhorias no abastecimento de água rural e os sistemas de água canalizada recém-instalados devem ser acompanhados pela construção de pontos de abastecimento de água nas aldeias. Com base no sucesso alcançado com sistemas de água canalizada, o programa “Água para Todos” poderia concentrar-se, cada vez mais, no abastecimento de água em aldeias e reforçar a cobertura através de uma componente de abastecimento de água rural direccionada, acompanhada por um sistema sólido de fornecimento de peças sobressalentes. 84 O maior acesso ao saneamento em Angola deve-se, sobretudo, a melhorias nas zonas urbanas; porém, nas zonas rurais tem havido pouco ou nenhum progresso nos últimos anos. Praticamente todos os financiamentos do governo, destinados ao saneamento, representam um grande investimento em esgotos em rede nas cidades de Angola. As iniciativas, com vista a melhorar o saneamento nas zonas rurais, vieram principalmente dos parceiros de desenvolvimento, incluindo a União Europeia, o UNICEF e as ONG que trabalham com o Ministério do Ambiente (MINAMB) e os governos provinciais. As iniciativas de saneamento rural incluíram a abordagem de Saneamento Total Liderado pela Comunidade (STLC). O STLC foi introduzido em regime piloto, com sucesso, pelo UNICEF na província da Huíla e o Governo alocou cerca de US$ 1 milhão para expandir o programa. É de se esperar que o Governo de Angola continue a aumentar o financiamento para o incremento progressivo do STLC. É necessário aprovar a Política Nacional de Saneamento Ambiental com urgência, para orientar a implementação e expansão do sector. 85 A Unidade Técnica Nacional de Saneamento Ambiental (UTNSA) tem vindo a trabalhar há algum tempo, com o apoio de um grupo técnico interministerial, na elaboração de uma Política Nacional de Saneamento Ambiental (PNSA), cuja aprovação e adopção será um passo fundamental para o futuro desenvolvimento do sector. Garantir a sustentabilidade das infra-estruturas de água nas zonas rurais é um grande desafio, que exige abordagens comunitárias em relação à gestão e melhores escolhas tecnológicas, financiamento e recursos humanos para operar e manter os sistemas de abastecimento de água. Nas zonas rurais, onde a capacidade financeira da população é baixa, as peças sobressalentes raramente estão disponíveis e a capacidade institucional é fraca, sendo fundamental adoptar tecnologias simples e acessíveis. Nem sempre tem sido assim, como foi observado numa Visão Geral do Estado do País de 2010, da autoria do Banco Mundial. 86 Embora ainda não tenham sido realizados estudos aprofundados, a experiência em Angola mostra que 30 a 40 por cento dos sistemas de água não funcionam após os
As estatísticas de cobertura do Governo de Angola divergem das estimativas do JMP, porque se baseiam em estimativas da população, em suposições sobre a cobertura média da população em termos de poços e sistemas de água e na presunção de que toda a infra-estrutura existente está a funcionar. 84 A experiência bem-sucedida de outros países da região, e não só, mostra que é possível obter uma maior cobertura nacional, associando os grandes sistemas de abastecimento de água às cidades e vilas a uma componente para as aldeias rurais com bombas manuais e pequenos sistemas solares de abastecimento de água. 85 O saneamento está institucionalmente separado da água, com a responsabilidade ao nível nacional transferida do MINEA para o Ministério do Meio Ambiente, que também é responsável pela política e pela definição da estratégia de saneamento. 86 A manutenção de dois dos três tipos de bombas manuais, oficialmente aprovadas para uso em Angola – Volanta e Vergnet – não pode ser feita ao nível da comunidade e “em qualquer caso, não há redes de peças de reposição de bombas manuais totalmente operacionais em todo o país, seja de forma comercial ou pública, o que torna a reparação das bombas manuais um desafio para os governos locais e as comunidades”. (Banco Mundial 2010, página 28). 83
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84 primeiros anos de instalação (UNICEF e União Europeia, 2011). Há também a preocupação de que os pequenos sistemas de água canalizada, preferidos pelo programa “Água para Todos” nas pequenas vilas rurais, possam ser difíceis de manter, tanto tecnologicamente como financeiramente. Como forma de superar a falta de pessoal qualificado no sector da água a nível local, está a ser criada pelo governo uma escola profissional nacional, com o apoio do Banco Mundial, União Europeia e UNICEF. A nível das aldeias ou comunidades, uma estratégia fundamental para melhorar a sustentabilidade é envolver as comunidades na concepção e gestão de projectos de abastecimento de água desde o início. O Modelo de Gestão Comunitária de Água (MOGECA) foi testado com sucesso nas zonas rurais e periurbanas, mas ainda não foi incrementado como modelo padrão para garantir a apropriação pela comunidade e sustentabilidade. Nas zonas urbanas, as tarifas muito baixas subsidiadas beneficiam essencialmente as famílias mais ricas, deixando os sistemas de abastecimento de água canalizada financeiramente inviáveis. Juntamente com ligações clandestinas generalizadas, os sistemas de abastecimento de água urbanos não conseguem cobrir os seus custos operacionais devido as tarifas baixas. Por conseguinte, o orçamento do Estado teve de financiar investimentos para expandir os sistemas de água canalizada urbanos, bem como cobrir os défices operacionais desses sistemas. Devido às disparidades no acesso à água canalizada, entre as zonas centrais e peri-urbanas, o custo da água também se tornou extremamente desigual. As tarifas de água regulamentadas oficialmente, pagas principalmente pelos moradores dos bairros urbanos de “cimento”, que estão ligados à rede principal, são muito mais baixas do que as pagas pelas famílias mais pobres que não estão ligadas à rede e que devem comprar água não tratada nas zonas peri-urbanas. Em 2005, o Banco Mundial estimou que, em Luanda, os que dependem da água obtida de fornecedores do sector informal pagam 20 a 60 vezes mais por metro cúbico do que os clientes da rede da Empresa Pública de Abastecimento de Água de Luanda (EPAL). Um estudo posterior, que apresentou os resultados de uma pesquisa do preço da água em todos os 264 bairros de Luanda, confirmou que se mantinham diferenças extremas entre as tarifas oficiais e os preços do mercado informal e que este último tinha aumentado exponencialmente nos bairros de Luanda mais distantes da principal fonte de água, o rio Bengo (Cain e Mulenga 2009). Há urgência em introduzir reformas institucionais e financeiras, para tornar os sistemas urbanos viáveis e expandir a cobertura até às zonas peri-urbanas. A lei de água de 2002 (Lei N 6/02) definiu as bases de uma reforma institucional de grande envergadura do sector da água para enfrentar estes desafios. Com o apoio posterior do Projecto de Desenvolvimento Institucional do Sector da Água, financiado pelo Banco Mundial, a reforma em si foi concebida de modo a prever o licenciamento de empresas de serviços públicos de água e saneamento provinciais, a criação de um órgão regulador e de reformas tarifárias, para assegurar a viabilidade financeira. Embora o Governo tenha adoptado regulamentos para o novo sistema em 2013, o progresso na materialização da implementação da reforma, incluindo o aumento das tarifas oficiais, tem sido lento.87 O licenciamento de operadores privados nas grandes capitais provinciais está em curso. Dada a natureza monopolista do mercado, a criação de um órgão regulador sólido e independente será crucial. É igualmente importante, tal como previsto nos novos regulamentos, estabelecer um sistema tarifário que combine a necessidade de viabilidade financeira com a necessidade de garantir o acesso equitativo, tendo em conta a capacidade de pagar, designadamente, através de uma tarifa social. Nas zonas peri-urbanas, a experiência mostra que a gestão comunitária de fontanários, vinculada à utilização de tecnologia robusta de baixo custo e a mecanismos de recuperação de custos, é o modelo mais viável para garantir um abastecimento de água sustentável e a preços acessíveis (Cain e Mulenga 2009). É também crucial que, de forma provisória, seja regulamentada a actividade dos fornecedores de água do sector informal, os quais continuarão a desempenhar um papel importante no transporte, armazenamento e venda de água para as populações peri-urbanas, durante mais algum tempo, especialmente em zonas onde é difícil tecnologicamente construir ligações da conduta principal até aos fontanários comunitários. Estima-se que o mercado informal de água em Luanda, sozinho, tenha um valor superior a US$ 250 milhões por ano (Cain e Mulenga 2009). Actualmente, estes fornecedores não estão regulamentados e não têm qualquer tipo de controlo para garantir que a água que eles vendem, tenha sido tratada. 87
Regulamento de abastecimento público de água e de saneamento de águas residuais.
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4.6 Resumo de acções prioritárias Para acelerar o progresso tão necessário na redução da mortalidade infantil, serão necessários esforços redobrados em todas as dimensões da saúde e bem-estar discutidos neste capítulo – a oferta e a qualidade dos serviços de saúde, a segurança alimentar das famílias e a nutrição infantil, o acesso à água e saneamento e comportamentos das famílias relacionados com a saúde. Estratégias e compromisso semelhantes, especialmente para alargar a cobertura dos serviços de saúde e nutrição materna, são cruciais para a redução da mortalidade materna. Deve ser incrementado um pacote integrado de serviços de saúde promocionais, preventivos e curativos, de grande impacto, com especial empenho no sentido de abranger as famílias mais pobres e as zonas rurais, com vista a reduzir a morbilidade e salvar vidas. Este pacote deve priorizar as seguintes acções: • Reforço da vacinação de rotina, em particular, através de equipas móveis e avançadas, para chegar às comunidades rurais mais remotas e da vigilância e mobilização contínuas, com o objectivo de impedir o ressurgimento da poliomielite. O reforço da vacinação de rotina deve estar direccionado à eliminação do tétano neonatal e do sarampo e aumentar drasticamente a cobertura de vacinas contra o pneumococo e o rotavírus recentemente introduzidas. • Expansão da resposta à malária – a principal causa directa da mortalidade infantil – através de uma maior cobertura de redes mosquiteiras tratadas com insecticida e da pulverização residual intra-domiciliária, para proteger as crianças e as suas famílias, da malária. A utilização atempada de terapias combinadas baseadas em Artemisinina (ACT) também deve ser ampliada, para tratar as crianças e reduzir a mortalidade por malária. • Expandir a cobertura e melhorar a qualidade dos serviços de saúde materna, especialmente nas zonas rurais, com o intuito de aumentar a proporção de partos que ocorrem nas unidades sanitárias e assegurar a rápida transferência e transporte de mulheres com gravidezes de risco para as unidades sanitárias de segunda linha, com serviços obstétricos de emergência. Os serviços de saúde materna também deverão priorizar a promoção de cuidados pós-natais a nível comunitário, para as mães e recém-nascidos na primeira semana após o nascimento, para acabar com as mortes evitáveis. • Envolvimento com as comunidades para melhorar os comportamentos relacionados com a saúde. Urge que o Ministério da Saúde, em colaboração com outros ministérios-chave, investa na capacitação nacional e apoie a criação e o incremento progressivo de actividades de promoção da saúde a nível da comunidade. O conjunto abrangente de intervenções nutricionais, já identificadas nos documentos de política nacional, deve ser traduzido em realidade operacional. As seguintes acções deveriam ser priorizadas: • Reforçar e expandir as intervenções de mudança de comportamento, particularmente, visando o início da amamentação logo após o nascimento do bebé e práticas de higiene. • Intensificar a luta contra a deficiência em micronutrientes, nomeadamente, através do aumento da frequência da suplementação da vitamina A, para duas vezes por ano, da aplicação mais rigorosa da legislação nacional sobre a iodização do sal, do fornecimento de suplementos de zinco para tratar a diarreia e do uso rotineiro de ácido fólico de ferro para prevenir a anemia entre as grávidas. A fortificação de alimentos básicos com ferro deve ser considerada, para resolver o problema mais amplo de deficiência de ferro em crianças e mulheres em idade fértil. • Maior prevenção e tratamento da malnutrição aguda, através de uma combinação de unidades de internamento hospitalar (UIH) para o tratamento dos casos mais graves, programas terapêuticos ambulatórios e gestão comunitária por agentes comunitários de saúde (ACS), recorrendo à abordagem TCMA. • Finalmente, há uma necessidade urgente de reforçar os recursos humanos para oferecer programas de nutrição. São necessárias mais pessoas a nível central, provincial e municipal, com qualificações, formação actualizada e mandato para trabalhar especificamente em nutrição. Os recursos humanos devem reflectir a escala dos problemas de nutrição em Angola.
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Capítulo 4. Garantir a sobrevivência e a saúde da criança
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86 É necessário um esforço especial para ampliar a prevenção e o tratamento do VIH e SIDA em crianças e adolescentes, como parte de uma acção mais ampla para conter a doença e o seu impacto. Embora a prevalência do VIH em Angola se tenha mantido relativamente baixa e estável, em comparação com os países vizinhos da África Austral, não há espaço para complacência. Os conhecimentos e comportamentos ainda não são conducentes à prevenção da transmissão do VIH e as taxas de cobertura da testagem e tratamento são baixas, especialmente entre as crianças. A estratégia de resposta acelerada, que visa eliminar novas infecções em crianças de tenra idade até 2015, define as medidas a tomar, incluindo o incremento rápido e dramático da PTV, testagem e tratamento, bem como o redobrar de esforços de comunicação para melhorar os conhecimentos e práticas. O PNDS enfatiza o reforço dos cuidados de saúde primários (CSP) e promove abordagens integradas de saúde materna, neonatal e infantil. O compromisso político tem de ser materializado, com o objectivo específico de alcançar a equidade na cobertura dos serviços de saúde e nos resultados de saúde. São necessários grandes investimentos públicos, apoiados por melhores dotações orçamentais para e no sector da saúde, bem como reformas políticas e capacitação em larga escala, incluindo: • Mais investimentos em infra-estrutura de saúde, com vista a ampliar a rede de CSP dos postos e centros de saúde, bem como unidades de referência secundária nas zonas rurais, especialmente nas províncias orientais mais necessitadas. Também é necessária uma nova infra-estrutura de saúde nas zonas peri-urbanas de Luanda e de outras grandes cidades onde o crescimento populacional tem sobrecarregado as instalações existentes. • Formação de um grande número adicional de profissionais de saúde e (re)afectação de pessoal para as províncias do interior e zonas rurais, em particular, acção complementada pela concepção, financiamento e implementação de um sistema eficaz de incentivos para o pessoal, destinado à correcção dos desequilíbrios na distribuição territorial dos profissionais de saúde e à melhoria da qualidade dos serviços. • Medidas para pôr fim à rotura do stock de medicamentos devem ser estabelecidas no plano estratégico proposto para o sector farmacêutico e implementadas com ênfase na melhoria da aquisição e distribuição de medicamentos essenciais. • Estabelecimento de um sistema de referência eficaz das unidades sanitárias de nível primário para o secundário. Para funcionar, o sistema de referência deve basear-se num conjunto de normas e procedimentos bem definidos e documentados e dispor de recursos suficientes para as ambulâncias e outros meios de transporte. • Uma maior ênfase na cobertura proactiva, para que as comunidades possam prestar serviços de saúde promocionais, preventivos e curativos. A sensibilização eficaz da comunidade pode ser conseguida investindo mais em equipas móveis e avançadas para levar os serviços até às comunidades remotas e através da intensificação do uso de agentes comunitários de saúde (ACS), com base num conjunto claro de directrizes nacionais que estão a ser actualmente elaboradas no contexto de uma nova política nacional de ACS. Estas directrizes devem delinear as funções promocionais, preventivas e curativas dos ACS e ser acompanhadas de incentivos materiais adequados para recompensar e reter os ACS, da oferta de acções de formação e reciclagem adequadas, de normas para a supervisão pelo pessoal de saúde local, do fornecimento aos ACS de kits de medicamentos e outros materiais, bem como de mecanismos de referência de pacientes para as unidades sanitárias. • As melhorias na despesa pública na área de saúde, que nos últimos anos tem recebido dotações orçamentais reduzidas (e cada vez menores), não reflectem a prioridade dada oficialmente aos cuidados de saúde primários na Política Nacional de Saúde e no PNDS e estão aquém da meta de 15 por cento da dotação orçamental estabelecida na Declaração de Abuja de 2001. Melhorar a saúde e sobrevivência da criança também requer um grande esforço para expandir a cobertura de fontes de água e instalações de saneamento melhoradas, em especial nas zonas rurais e bairros periurbanos degradados, para complementar os avanços registados na ampliação dos sistemas de água canalizada e esgotos nas cidades e pequenos sistemas de abastecimento de água em vilas rurais. Para o efeito, deve ser dada uma grande prioridade às seguintes acções:
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• Dar uma maior ênfase à abertura e manutenção de furos de água nas aldeias, para combater a grande utilização de fontes de água de superfície nas zonas rurais. As soluções para uma maior cobertura de fontes de água melhoradas devem passar cada vez mais por soluções tecnológicas apropriadas, que reconhecem os desafios práticos nas zonas rurais, incluindo os sistemas de abastecimento de água alimentados por energia solar. • Incrementar o uso do modelo de gestão comunitária da água em aldeias e comunidades peri-urbanas, como a forma mais eficaz de garantir a apropriação pela comunidade e a sustentabilidade tecnológica e financeira de poços e fontenários. Da mesma forma, fortalecer a capacidade local para a operação e manutenção adequadas dos sistemas de abastecimento de água recentemente instalados. • Concluir, aprovar, divulgar e implementar a Política Nacional de Saneamento Ambiental, como a base para o desenvolvimento e o fortalecimento do sector de saneamento nos próximos anos. • Incrementar o saneamento total liderado pela comunidade (STLC), a nível nacional, e apoiar o marketing social de materiais de saneamento para eliminar progressivamente a prática generalizada de defecação a céu aberto, que continua a constituir um grande perigo para a saúde, especialmente nas zonas rurais. • Implementar reformas institucionais e financeiras, com o propósito de tornar os sistemas urbanos de abastecimento de água e saneamento financeiramente viáveis e libertar recursos para a ampliação da cobertura para as zonas peri-urbanas. As reformas devem incluir a área tarifária, de modo a assegurar a equidade no preço da água entre as famílias com água canalizada e as que não a têm e um órgão regulador forte, com a tarefa de garantir o cumprimento das obrigações contratuais pelas empresas de água e proteger os interesses dos consumidores, em especial o acesso equitativo à água pelos pobres (através de uma tarifa social e subsídios cruzados). Em todas essas áreas, as actividades de comunicação devem ser aprimoradas como forma de melhorar o conhecimento e promover comportamentos conducentes a uma melhor saúde. A promoção de comportamentos mais saudáveis, incluindo melhores práticas de nutrição e higiene, pode contribuir significativamente para a redução dos riscos de saúde, devendo ser dada uma atenção muito maior do que a que neste momento está a ser dada. A comunicação para a mudança de comportamento é uma dimensão vital de estratégias, destinadas a melhorar a saúde da população e das crianças em particular. A melhoria das comunicações seria possível através do aumento do financiamento interno ao Programa de Competências Familiares existente, devendo ser prestada atenção a campanhas, em larga escala, dos órgãos de informação e à divulgação a nível da comunidade, para as famílias nas zonas rurais onde a cobertura da informação é fraca. As autoridades tradicionais, igrejas, parteiras tradicionais e agentes comunitários de saúde, escolas e assistentes sociais devem fazer parte integrante da divulgação e da comunicação. As mensagens devem abordar especificamente: • Cuidados pós-natais para a detecção precoce de sinais de perigo para a mãe e o recém-nascido. • Práticas de amamentação, incluindo a amamentação imediata após o nascimento do bebé, o aleitamento materno exclusivo durante os primeiros seis meses de vida e a introdução de alimentos complementares adequados depois dos seis meses. • Conhecimentos sobre a malária e o uso de redes mosquiteiras tratadas com insecticida, para proteger as crianças e as mulheres grávidas contra a malária, especialmente nas zonas rurais, onde o conhecimento básico sobre a malária é baixo. • Utilização de serviços de vacinação de rotina e, em particular, a observância pelas mães dos calendários de vacinação dos seus filhos. • Práticas de higiene, incluindo a consciencialização em relação à importância do saneamento melhorado, para a saúde e para a sobrevivência das crianças, bem como a promoção da lavagem das mãos e do tratamento da água, especialmente no seio dos pobres e nas zonas rurais. • Saúde sexual e reprodutiva para adiar o início da actividade sexual, reduzir a gravidez na adolescência, aumentar o espaçamento dos nascimentos, reduzir a fertilidade, aumentar a consciencialização em relação à importância das consultas pré-natais e partos institucionais e para melhorar a protecção contra a transmissão do VIH e de outras infecções transmissíveis sexualmente.
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A educação é um direito humano fundamental, garantido pela Constituição de Angola, crucial para o bem-estar económico e social da população e para o desenvolvimento do país a longo prazo. A educação promove o crescimento económico e reduz a pobreza, por aumentar o capital humano e melhorar a produtividade laboral, ao mesmo tempo que fortalece a capacidade inovadora da economia (Hanushek et al, 2010). Níveis mais elevados de resultados educativos estão associados a uma maior igualdade de género e níveis de participação social. Ao melhorar o acesso à informação e ao conhecimento, a educação é também uma parte integrante de uma melhor saúde e nutrição e está associada a uma maior capacidade financeira dos agregados familiares. A estratégia de desenvolvimento a longo prazo ‘Angola 2025’ articula uma visão da educação como sendo um dos motores do desenvolvimento económico e social dentro do objectivo geral de promover o acesso de todos os angolanos ao emprego produtivo e remunerativo e de maximizar o valor dos recursos humanos (MINPLAN, 2004). Ao longo da última década, Angola deu grandes passos no aumento do acesso à educação, mas é necessário mais progresso para fazer face às desigualdades de acesso e também para melhorar a qualidade do ensino. O número de alunos matriculados em todos os níveis de escolarização mais do que quadriplicou, passando de 2,2 milhões em 2001 para 9,5 milhões em 2014. O progresso registado até à data na expansão do acesso a vários níveis do sistema educativo, incluindo a alfabetização e a educação de ‘segunda oportunidade’ para os adolescentes e adultos, é avaliado nas Secções 5.1-5.4, juntamente com os limites desta expansão e, em particular, as disparidades de acesso que cerceiam as oportunidades para as crianças das famílias mais pobres e das zonas rurais. As Secções 5.5-5.7 abordam a qualidade e a eficiência do ensino, temas que suscitam um interesse cada vez maior no meio de preocupações em relação ao fraco sucesso de aprendizagem e elevadas taxas de repetição e abandono escolar. Por último, os factores económicos, socioculturais e outros, que limitam a procura do ensino, são analisados na Secção 5.8, olhando em particular para as razões que fazem com que as crianças iniciem o ensino primário depois da idade oficial de 6 anos e depois desistem, antes de concluir o ensino primário.
5.1 Programas de cuidados da primeira infância (CPI) A participação em programas de CPI de crianças menores de 6 anos continua fraca. Os últimos dados representativos a nível nacional do IBEP 2008-2009 indicaram que apenas 9,3 por cento das crianças dos 3-5 frequentavam programas pré-escolares de CPI, muito aquém da meta de 30 por cento definida nos 11 Compromissos com a Criança. As taxas de participação nos CPI eram mais elevadas nas zonas urbanas do que nas rurais (11,6 por cento, em comparação com 7,6 por cento) e estavam associadas à riqueza familiar, em que a frequência aumentava de 6,8 por cento das crianças do quintil mais pobre para 16,5 por cento das crianças do quintil mais rico. Os pais e encarregados de educação, cujos filhos não frequentavam programas de CPI, apresentaram três razões principais para tal: as crianças eram consideradas “demasiado pequenas” para ir a escola (38 por cento), não havia programa disponível (38 por cento) ou os programas de CPI existentes eram demasiado caros (15 por cento) (ver a Figura 5.1). Em 2012, apenas 40.720 crianças – o equivalente a 1 por cento da população estimada de 0-5 anos – frequentava centros de CPI, sob a responsabilidade do Ministério de Reinserção Social (MINARS).88
Centros Infantis Comunitários (CIC) e Centros Educativos Comunitários (CEC). Ver a Estratégia de Expansão da Rede de Educação e Cuidados da Primeira Infância (MINARS 2013).
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Capítulo 5. Educação: Dar às crianças instrumentos para prosperar
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Capítulo 5. Educação: Dar às crianças instrumentos para prosperar
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90 Figura 5.1 Razões apresentadas pelos pais de crianças de 3-5 anos para não frequentarem programas de CPI Outro: 9% Caro: 15%
Não existe: 38%
Criança demasiado pequena: 38%
Fonte: IBEP 2008-2009.
A iniciação (classe zero pré-primária) também apresenta um nível elevado de ingresso bruto, mas o ingresso inclui muitas outras crianças, contribuindo para a preocupação em relação à qualidade das aulas. A iniciação está ligada às escolas primárias regulares e pretende receber crianças de 5 anos. Dados administrativos do Ministério da Educação (MED) mostram que o ingresso na iniciação aumentou de 237.208 em 2001, tendo atingido um pico de 938.389 em 2007 e em seguida reduziu, em 2014, para 645.258. A vaga de ingressos verificada no início dos anos 2000 reflectiu a decisão do Governo de tornar a iniciação uma parte central do sistema de ensino básico. Contudo, os investimentos públicos não têm sido adequados e a escassez de salas de aula apropriadas e professores pré-primários especializados afectaram negativamente a qualidade do ensino a este nível. As instalações e o ensino de má qualidade podem ter contribuído para o declínio dos ingressos na iniciação desde 2007, embora esta tendência possa também dever-se, em parte, à observância mais rigorosa dos requisitos de idade, facto que teria reduzido o número de crianças acima da idade na iniciação. A taxa bruta de ingressos na iniciação foi estimada em 100,1 por cento em 2014, sugerindo que é provável que muitas crianças nesta classe tenham mais de 5 anos de idade. A melhoria em curso no abastecimento e na qualidade dos programas de CPI é uma prioridade crucial, uma vez que os investimentos na educação da primeira infância têm um retorno muito elevado, melhorando o aproveitamento dos alunos no ensino primário e mais além. A dotação do orçamento do Estado ao ensino pré-escolar para 2014 foi de apenas US$ 3 milhões. Este valor é insuficiente para se conseguir uma expansão significativa do ensino primário, prevista no novo Plano de Acção Nacional – Educação para Todos (PAN-EPT) para 2013-2020. Os CPI são o foco de um dos seis objectivos centrais definidos no PAN-EPT, nomeadamente, “expandir e melhorar em todos os aspectos os cuidados e a educação da primeira infância, em especial para as crianças mais vulneráveis e desfavorecidas” (página 71). O PAN-EPT define metas ambiciosas para aumentar a cobertura dos CPI para 50 por cento entre as crianças da faixa etária dos 0-3 anos e 70 por cento na faixa etária dos 3-5 anos, até 2020.
5.2 Participação no ensino primário e secundário: crescimento e desigualdade Angola registou passos importantes na expansão do ingresso dos alunos a todos os níveis de ensino; porém, são necessárias mais melhorias para aumentar o número de alunos que chegam até ao ensino secundário. De acordo com dados do MED, entre 2001 e 2014, o número total de alunos aumentou em 108 por cento no ensino primário (1ª-6ª classes), 470 por cento no primeiro ciclo do ensino secundário (7ª-9ª classes) e 281 por cento no segundo ciclo do ensino secundário (10ª-12ª classes ou em alguns casos 10ª-13ª). O aumento nos números absolutos resultou em maiores taxas líquidas de frequência (TLF), tanto a nível primário
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como secundário.89 De acordo com os dados do inquérito nacional, a TLF do ensino primário (definida como a proporção de crianças dos 6-11 anos na 1ª-6ª classes) subiu para 76 por cento em 2008-2009 e 79 por cento em 2011. A TLF do ensino secundário também aumentou de uma base de referência muito mais baixa de 19 por cento (para crianças dos 12-17 anos) em 2008-2009 para 28 por cento (para crianças dos 12-18 anos) em 2011 (IBEP 2008-2009, QUIBB 2009)90. Foram obtidos aumentos dignos de registo no ingresso de alunos, graças a um investimento substancial do governo na infra-estrutura escolar, recrutamento e afectação de professores. Durante o período de 2003-2014, foi construído um total de 42.231 salas de aula das escolas primárias e secundárias e, desde 1975 foram recrutados mais de 63.000 professores do ensino primário (MED 2014). Foram feitos grandes investimentos na formação de professores, com o objectivo de melhorar a qualidade do ensino. É necessário intensificar esforços a nível do ensino secundário, onde a frequência líquida continua baixa (28 por cento) comparativamente a TLF do ensino secundário noutros países da SADC (ver o Capítulo 3, Figura 3.3). Embora tenham sido construídas mais 8.737 salas de aula desde 2003, o número de escolas secundárias não acompanhou o número de alunos em rápido crescimento. A proporção de crianças que ingressa tarde na escola está a reduzir, embora continue elevada. Historicamente, uma das razões da baixa TLF do ensino primário tem sido o ingresso tardio das crianças na 1ª classe cuja idade oficial é de 6 anos. Em 2014, apenas 30,6 por cento das crianças de 6 anos frequentavam a 1ª classe (MED 2014). As razões do ingresso tardio são analisadas mais adiante, na Secção 5.8. Aliado à repetição de classes, o ingresso tardio contribui para uma elevada proporção de crianças e jovens acima da idade no sistema escolar. A título de exemplo, o IBEP constatou que 58 por cento das crianças em idade de frequentar o ensino secundário (12-17 anos) ainda frequentavam o ensino primário. Ser mais velho aumenta o risco de desistência, uma vez que o custo de oportunidade da escola é muito mais elevado para os adolescentes que noutras circunstâncias estariam a trabalhar, do que para as crianças mais novas. Os que começam tarde e os repetentes podem também prejudicar a qualidade do ensino, pois os professores esforçam-se por ensinar o mesmo currículo, ao mesmo ritmo, a alunos de idades e níveis de desenvolvimento cognitivo diferentes. As baixas taxas de conclusão do ensino primário e de transição para o ensino secundário são uma questão que carece de atenção urgente. Dados do MED (2014) indicam que a média nacional de conclusão do ensino primário é de 78,1 por cento. No entanto, existem claras diferenças regionais. Dados do MED de 2010 91 mostram que a taxa bruta de conclusão do ensino primário varia de um nível muito baixo de 10 por cento no Bié a 46 por cento no Kwanza Sul. Angola possui uma das taxas mais baixas de conclusão bruta do ensino primário da África Subsaariana (ver o Capítulo 3). Além da proporção significativa de crianças que nunca frequentou o ensino primário – estimada em 7 por cento em 2008-2009, um grande número dos que ingressam na escola primária desiste antes de concluir o curso de 6 anos – uma questão que é analisada em mais detalhe na Secção 5.6. Dos que concluem o ensino primário, apenas 60 por cento ingressam no ensino secundário (MED 2013). Existem desigualdades dignas de realce na educação entre as zonas urbanas e rurais e entre diferentes grupos de riqueza; as crianças mais pobres e das zonas rurais apresentam uma probabilidade muito menor de ingressar na escola, especialmente no nível secundário. A taxa líquida de frequência (TLF) no ensino primário era acentuadamente mais baixa nas províncias do leste, nomeadamente, Moxico (59 por
A taxa líquida de frequência (TLF) é o número de alunos no grupo etário oficial para um determinado nível do sistema de educação que frequenta a escola nesse nível expresso como uma percentagem da população no grupo etário oficial. A taxa bruta de frequência (TBF) é o número total de alunos de qualquer idade que frequenta a escola a um determinado nível do sistema de educação, independentemente da idade, expresso como uma percentagem da população no grupo etário oficial correspondente a esse nível de ensino. 90 É difícil fazer uma comparação com os dados do MICS 2001, porque o ensino primário, nessa altura, tinha 4 anos apenas (oficialmente para as crianças de 6-9 anos) e o inquérito não tinha representatividade a nível nacional, devido à falta de acesso às zonas afectadas pelo conflito. Todavia, estes factores sugerem que a TLF do ensino primário em 2011 (com base nas definições actuais) teria sido muito mais baixa do que o número reportado no MICS, de 55,8 por cento. 91 Relatório do MED de 2011 com dados desagregados por província para Benguela, Bié, Cunene, Huambo, Huíla, Kwanza Sul e Namibe. 89
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92 cento), Lunda Norte (56 por cento) e na província de Bengo, no noroeste, (56 por cento). As crianças das zonas rurais apresentam uma frequência líquida significativamente mais baixa no ensino primário (72 por cento) do que as crianças das zonas urbanas (85 por cento) e as crianças mais pobres também apresentam uma menor probabilidade de ingressar na escola. No quintil mais pobre, a TLF do ensino primário era de apenas 67 por cento, em comparação com 89 por cento no quintil mais rico (ver a Figura 5.2). No nível secundário, as disparidades são ampliadas; a TLF do ensino secundário nas zonas urbanas (44 por cento) é mais de cinco vezes superior à das zonas rurais (8 por cento) e menos de uma em cada dez crianças dos 12-18 anos de agregados familiares mais pobres frequentam a escola secundária, em comparação com 4 por cento no primeiro quintil de riqueza e 8 por cento no segundo quintil (QUIBB 2011). Colocado de outra forma, é extremamente improvável que as crianças nascidas em famílias mais pobres, especialmente nas zonas rurais, atinjam ou progridam para o ensino secundário, qualquer que seja a sua aptidão de aprendizagem. Esta desigualdade extrema na educação não só afecta as hipóteses de vida das crianças, como também deixa um enorme potencial humano por explorar em Angola.
Figura 5.2 Taxas líquidas de frequência do ensino primário e secundário, por quintiles e locais de residência, 2011
Fonte: QUIBB 2011.
As crianças órfãs apresentam uma probabilidade muito menor de frequentar a escola, em particular as que perderam os dois pais. Uma em cada cem crianças em Angola (0,9 por cento) perdeu os dois pais e apenas 74 por cento dos órfãos duplos dos 10-14 anos frequentam a escola, em comparação com 86 por cento de todas as crianças desta faixa etária (Ver a Figura 5.3). Entre os órfãos duplos, as raparigas são particularmente vulneráveis à exclusão da escola; apenas 64 por cento das raparigas que perderam ambos os pais na faixa etária dos 10-14 anos frequentam a escola, em comparação com 85 por cento dos rapazes órfãos duplos e uma média de 83-86 por cento das raparigas na população em geral.
Figura 5.3 Percentagem de órfãos duplos e de todas as crianças de 10-14 anos que frequentam a escola, Angola, 2008-2009
Fonte: IBEP 2008-2009.
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Embora o ingresso na educação especial tenha aumentado, muito poucas crianças com deficiência e necessidades especiais têm acesso às escolas. A política oficial promove a integração destas crianças em escolas normais, sempre que for possível. No entanto, algumas crianças com deficiência grave requerem educação especial. Embora a educação especial tenha registado uma expansão considerável na última década, com o número de crianças matriculadas a aumentar cinco vezes de 4.357 em 2001 para 31.762 em 2014 (MED), as crianças na educação especial ainda representam uma parte pequena de todas as crianças no ensino primário. A informação sobre a qualidade da educação especial ou sobre o sucesso de aprendizagem nas crianças com necessidades especiais de aprendizagem em Angola é insuficiente para se fazer uma análise mais circunstanciada. Angola quase atingiu a paridade de género no ensino primário, mas ainda se regista o caso de um número menor de raparigas do que de rapazes que frequentam o ensino primário, em especial nas zonas rurais. Ao nível primário, a disparidade de género entre raparigas e rapazes reduziu substancialmente. Em 2011, o índice de paridade de género (IPG) – medido como o rácio das TLF das raparigas por rapazes – foi de 0,98 tanto nas zonas urbanas como rurais. Ao nível secundário, persiste uma desigualdade de género mais grave, causada, em grande medida, por disparidades nas zonas rurais. O IPG nacional é de 0,93 e o urbano é de 0,97, enquanto nas zonas rurais o IPG cai para 0,54. Apenas 6 por cento das raparigas das zonas rurais dos 12-18 anos frequentam a escola secundária, em comparação com 11 por cento dos rapazes. Embora a equidade de género não deva ser descurada, a preocupação mais urgente é de que poucas crianças dos dois sexos frequentam a escola secundária nas zonas rurais.
Figura 5.4 Taxas líquidas de frequência, referentes ao ensino primário e secundário, por género e local de residência, 2011
Fonte: QUIBB 2011.
5.3 Alfabetização e criação duma segunda oportunidade à educação Angola registou um avanço significativo no combate ao analfabetismo. Historicamente, as taxas de analfabetismo do adulto eram surpreendentemente elevadas. Estimativas indicam que apenas 15 por cento dos adultos de idade igual ou superior a 15 anos, em 1975, sabiam ler e escrever. Contudo, projecções referentes a 2015 estimam a taxa de alfabetização do adulto em 71 por cento 92 (UNESCO 2014), confirmando as melhorias no acesso à educação e os investimentos feitos em programas de alfabetização, formação de professores e produção de materiais didácticos. Infelizmente, homens e mulheres não beneficiaram de forma igual e a taxa de alfabetização projectada para as mulheres (61 por cento) fica consideravelmente atrás da dos homens (82 por cento) (UNESCO).
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Os dados mais recentes de inquéritos disponíveis em Angola são do QUIBB 2011, que constatou uma taxa de alfabetização do adulto, de 66 por cento
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94 Embora as taxas de alfabetização tenham aumentado, o analfabetismo continua a constituir motivo de preocupação, particularmente nas zonas rurais, entre as mulheres, e nos quintiles mais pobres. Em 2011, o último inquérito nacional que mediu a alfabetização constatou que 31 por cento da população com idade igual ou superior a 15 anos é analfabeta, uma pequena redução de 34 por cento, medida em 2008-2009 (QUIBB 2011, IBEP 2008-2009). As disparidades históricas de género na educação resultaram em taxas de analfabetismo que são duas vezes mais elevadas nas mulheres93 do que nos homens e, nas zonas rurais, não menos de 70 por cento das mulheres são analfabetas (ver a Figura 5.5). O analfabetismo possui graves consequências, particularmente para os angolanos pobres das zonas rurais e para as mulheres, limitando as suas opções de geração de renda a ocupações tradicionais pouco qualificadas, tais como, a agricultura de subsistência e o pequeno comércio, limitando também a sua participação no crescimento e desenvolvimento económico mais amplo. Além disso, o analfabetismo limita o acesso à informação, a aquisição de habilidades para a vida e conhecimentos importantes, incluindo em áreas como a puericultura, nutrição, saúde e higiene. Em 2007, o Governo adoptou uma estratégia destinada a fortalecer a formação em alfabetização e oferecer oportunidades aos adolescentes e jovens que abandonaram a escola cedo, para retomarem a sua educação. A estratégia previa o apoio financeiro e técnico para a formação de formadores e para a produção de materiais de formação e aprendizagem. O governo também lançou um programa de alfabetização e educação de adultos – o Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar (PAAE), em parceria com várias organizações da sociedade civil. No cômputo geral, os ingressos nos programas de alfabetização e educação de adultos aumentaram, tendo atingido 731.278 em 2014 com um número de estudantes envolvidos em atividades pós-literárias ainda maior – 1.3 milhões (MED, 2014). Tendo em conta estes recentes dados, o PAAE cobriria mais de um terço da população adulta que não sabe ler e escrever, estimada em 3,3 milhões em 2011. Uma avaliação do PAAE indicou um sucesso considerável na criação de oportunidades para os adolescentes e jovens retomarem a sua educação. Contudo, o programa não foi suficiente para descongestionar as escolas primárias regulares, onde ainda se registam grandes números de crianças acima da idade (UNICEF 2013a). Além disso, o programa foi menos bem-sucedido na admissão de adolescentes que nunca tinham frequentado o ensino primário (ao contrário dos que se matricularam e posteriormente desistiram). A avaliação também manifestou a preocupação de que o currículo tinha uma duração demasiado curta para consolidar a alfabetização, criando o risco de um retorno ao analfabetismo.
Figura 5.5 Taxas de alfabetização do adulto (15 anos ou mais), por género e local de residência, Angola, 2011
Fonte: IBEP, 2008-2009.
Note-se que as pequenas discrepâncias existentes nas estatísticas de alfabetização do adulto devem-se à fonte de dados apresentada. As projecções da UNESCO para 2015, reportadas no Education for All Global Monitoring Report 2013/14, dão conta dos dados e tendências nacionais existentes. Os dados referentes às disparidades urbanas-rurais nas taxas de alfabetização são extraídos do QUIBB 2011. Ambas as fontes confirmam a existência de taxas significativamente mais elevadas nos homens em Angola. 93
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5.4 Ensino técnico profissional: equipar os adolescentes para entrarem no mercado de trabalho Devido às baixas taxas de ingresso no ensino secundário, é crucial que sejam oferecidas opções de educação que proporcionem aos adolescentes e jovens as habilidades de que necessitam para entrarem no mercado de trabalho. As políticas e programas nesta área são da responsabilidade de dois ministérios, nomeadamente, o Ministério da Educação e o Ministério da Administração Pública, Trabalho e Segurança Social (MAPTSS), cujas funções respectivas não estão claramente demarcadas. O Ensino Técnico Profissional, sob a tutela do Ministério da Educação, está subdividido em dois ciclos: formação profissional básica (nível II) e formação técnica de nível médio (nível III)94. Podem ter acesso a esta última formação os estudantes que concluíram a nona classe. O MAPTSS é responsável pelo funcionamento do Serviço Nacional de Formação Profissional (SNFP), que está sob a tutela do Instituto Nacional de Emprego e Formação Profissional (INEFOP)95 e tem quatro objectivos específicos: • Melhorar a formação profissional inicial de jovens e adultos em todos os sectores económicos, incluindo o sector informal; • Apoiar a formação adicional e cursos de reciclagem da força de trabalho; • Promover a formação profissional dos grupos mais desfavorecidos e vulneráveis; • Promover a formação de formadores, directores e gestores de nível médio. O número de alunos matriculados no ensino técnico profissional aumentou quatro vezes, tendo passado de 37.500 em 2001 para 147.750 alunos em 2014 (MED) dos quais aproximadamente 50 por cento ingressou nas escolas de formação profissional sob a tutela do INEFOP. A maioria destes estudantes das escolas de formação do INEFOP está inscrita em cursos de curta duração e cerca de metade dos que concluíram com sucesso durante o período 2009-2011 (66.297 de um total de 133.119) fez cursos de informática. Não se sabe se estes graduados dos vários programas tiveram sucesso em obter emprego e utilizar as suas habilidades no trabalho. De acordo com uma revisão do PAN-EPT, uma das insuficiências destes programas tem sido a falta de diálogo com os empregadores acerca das necessidades de formação (MED 2011). Tanto os programas do MED como do MAPTSS estão também esmagadoramente concentrados nas zonas urbanas. A eficácia da formação profissional poderia ser fortalecida, garantindo que ela seja cada vez mais orientada para a procura e que mantenha laços sólidos com o mercado de trabalho que, em última instância, oferece oportunidades de emprego aos formandos.
5.5 Sucesso de aprendizagem e qualidade de ensino A qualidade de ensino – e por extensão, os resultados de aprendizagem – continua a constituir uma área de preocupação. Um aumento enorme do número de alunos, a grande mistura de idades nas salas de aula e investimentos inadequados, contribuíram para colocar uma grande pressão sobre o sistema de educação, prejudicando o que mais interessa: a aprendizagem dos alunos. O fraco desenvolvimento cognitivo das crianças em idade pré-escolar, em resultado do baixo peso e de deficiências de micronutrientes (ver a Secção 4.3), bem como a falta de um ambiente favorável no lar para estudar, são factores que podem também enfraquecer os resultados de aprendizagem. Uma avaliação dos alunos da 2ª classe, realizada em 10 províncias em 2006, constatou que um número elevado de alunos não tinha atingido as competências básicas
O nível II começa após o ensino primário (sexta classe do ensino obrigatório) e tem uma equivalência de nona classe. O nível III tem uma duração de três anos, e é equivalente à décima segunda classe e, dependendo de um conjunto de critérios previamente definidos, dá aos estudantes acesso ao ensino superior. 95 A estrutura descentralizada do INEFOP compreende 18 Unidades de Emprego e Formação Profissional, 45 Centros de Emprego, 29 Centros de Formação, 9 Centros Integrados de Emprego e Formação Profissional, 1 Centro de Reabilitação Profissional, 59 Pavilhões de Artes e Ofícios e 55 oficinas de formação profissional para a formação nas zonas mais remotas. O INEFOP também é responsável por 1 centro de formação tecnológica (CINFOTEC), 1 Centro Nacional de Formação de Formadores (CENFOR), 1 Escola de Hotelaria e Restauração e Escolas Rurais de Artes e Ofícios. Além disso, existem aproximadamente 360 Centros Privados, licenciados pelo INEFOP, que oferecem cursos de formação profissional essencialmente no sector terciário. 94
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96 em matemática e na leitura e escrita em português, que se espera de alunos que concluíram a 1ª classe (MED, INIDE e ADPP, 2006). Na província que registou os piores índices de aproveitamento (Cunene), apenas cerca de um terço dos alunos da 2ª classe passou os exames do 1º nível de matemática, leitura e escrita (ver a Tabela 5.1). Os investimentos na avaliação da qualidade e sucesso de aprendizagem das escolas é crucial para monitorar o desempenho do sistema de educação e permitir que sejam tomadas medidas correctivas, particularmente nas primeiras classes. Neste momento, o sector da educação não tem um sistema sistemático de desempenho e avaliação para a medição regular dos resultados de aprendizagem. Embora as províncias organizem exames nas escolas primárias e secundárias, os resultados desses exames não são usados para análise e avaliação do desempenho dos professores e do currículo. O investimento na avaliação da educação é primordial, não apenas porque mede o desempenho dos programas e promove a utilização criteriosa dos recursos, mas também porque contribuirá para identificar e disseminar as melhores práticas. Angola aderiu recentemente ao Consórcio da África Austral e Oriental para a Monitorização da Qualidade da Educação (SACMEQ) e, com o arranque do ‘Aprendizagem para Todos’, um projecto da educação apoiado pelo Banco Mundial para 2013-2017, estão a ser tomadas medidas positivas, rumo à adopção de avaliações formativas e regulares do desempenho dos professores e do aproveitamento dos alunos.
Tabela 5.1 Sucesso de aprendizagem: % de alunos da 2ª classe que passam os testes de leitura/escrita e de numeracia, com base no currículo da 1ª classe, 2005 Província
Leitura/escrita
Numeracia
Bengo
46%
55%
Benguela
50%
64%
Cabinda
53%
65%
Cunene
37%
33%
Huambo
63%
70%
Huíla
65%
52%
Luanda
58%
75%
Lunda Sul
68%
74%
Malange
46%
56%
Uíge
44%
48%
Fonte: MED, INIDE e ADPP, 2006.
5.6 Eficiência do sistema de educação Melhorar a eficiência do sistema de educação constitui uma prioridade fundamental. A eficiência do sistema de educação é medida pela conversão de investimentos como: edifícios escolares, professores, inspectores e materiais em resultados de ensino, tais como, a conclusão de vários níveis do sistema de educação e resultados de aprendizagem. Para maximizar o custo-eficiência, é necessário obter um equilíbrio óptimo entre o custo destes investimentos e os resultados do sistema.96 Níveis elevados de repetição implicam a necessidade de professores melhor treinados. Reveste-se, pois, de particular importância a monitoria das proporções de alunos que transitam com sucesso para a classe seguinte, em comparação com os que repetem as classes ou desistem. Não estavam disponíveis para esta análise de dados sobre a repetição e
96 Vale a pena realçar que reduzir os custos é uma medida que não irá melhorar o custo-eficiência se a qualidade de ensino for prejudicada, levando ao insucesso, desistências e reprovações. Com efeito, reduzir os custos gerais poderia aumentar os custos por aluno que se gradua, se forem necessários mais alunos-anos para produzir um graduado.
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desistências, mas os dados administrativos de 2010, que abrangem sete províncias97, mostram que a taxa global de transição no ensino primário, relativa a estas províncias, era de apenas 72 por cento, enquanto 12 por cento dos alunos reprovavam e 16 por cento desistiam. Dos alunos matriculados, 11 por cento estavam a repetir a classe (MED 2011a). Os factores do lado da oferta e da procura, que contribuem para as elevadas taxas de repetição e desistência, são analisadas na Secção 5.8. A reforma da educação introduziu a passagem automática nas 1ª, 3ª e 5ª classes, como uma estratégia para reduzir a repetição e as desistências. O Ministério da Educação indica que as taxas de passagem melhoraram drasticamente de 47 por cento antes da reforma, para 80 por cento depois da sua entrada em vigor (MED 2013), ao mesmo tempo que se reduziu a repetição de 27 por cento para 10,8 por cento e a taxa de desistências de 27 por cento para 11,1 por cento (MED 2014). A reforma da educação é discutida em maior detalhe na Secção 5.8.
5.7 A reforma do ensino e obstáculos do lado da oferta No seguimento da adopção da Lei de Bases do Sistema de Educação em 2001, o Governo procurou melhorar o desempenho do sistema de educação através de uma reforma de grande alcance, que tem sido implementada por fases, desde 2004. A Lei de 2001 aumentou a duração do ensino primário de quatro para seis anos, enquanto a reforma se destinava a expandir a rede escolar e melhorar a qualidade de ensino, a eficácia e a equidade dentro do sistema (INIDE 2009). O Decreto No 2/05 de 14 de Janeiro de 2005 definiu um cronograma para a implementação progressiva da reforma, cobrindo etapas de preparação, orientação, avaliação e implantação a nível de todo o país, do conteúdo curricular revisto, formação de professores e livros escolares para cada classe do novo sistema. A reforma introduziu igualmente a promoção automática nas 1ª, 3ª e 5ª classes, como foi anteriormente referido, um mecanismo para a avaliação contínua dos alunos e um novo sistema de monodocência, através do qual se esperava que um único professor ensinasse todas as disciplinas numa classe do ensino primário. Um Plano Director de Formação de Professores, referente ao período 2008-2015, tinha como objectivo melhorar a formação inicial e em exercício dos professores. A implementação da reforma tem sido repleta de dificuldades, o que limita a sua eficácia. Um estudo realizado em Luanda, Huambo e Huíla observou que após seis anos de implementação progressiva da reforma, “…parecem persistir problemas graves relativos à inovação e qualidade de ensino propostas pela reforma da educação” (Azancot de Menezes 2010). Foram destacados vários problemas, nomeadamente: (1) a escassez de professores do ensino primário qualificados e a falta de professores com formação para ensinar disciplinas específicas introduzidas pela reforma, (2) a escassez de salas de aula e de ferramentas de avaliação e (3) salas de aula superlotadas. A continuação dos esforços do Governo de Angola no sentido de providenciar o financiamento e assistência técnica, assim como o compromisso político demonstrado, irão, sem dúvidas, contribuir para mitigar algumas das dificuldades enfrentadas na implementação das reformas do sector da educação. É necessário um maior investimento em infra-estrutura escolar, para satisfazer as necessidades de um número crescente de alunos. Apesar de grandes investimentos na construção de escolas, a disponibilidade de salas de aula não tem acompanhado o ritmo do rápido crescimento do número de alunos, o que está na origem de turmas grandes, turnos duplos e triplos e número reduzido de horas de contacto. Os alunos têm uma média de apenas três horas de contacto com o professor por dia (MED, UNICEF e IICE 2011). Os dados sobre a educação em sete províncias mostram que, em média, são usados dois ou três turnos por dia para ensinar quase todas as classes do ensino primário e secundário (MED 2011a). Nas zonas rurais, muitas aulas são dadas ao relento, debaixo das árvores, por falta de salas de aula (Azancot de Menezes, 2010) e o número de alunos por sala de aula tem vindo a piorar desde 2008, atingindo os 104 alunos por turma do ensino primário em 2014 (MED) (ver a Figura 5.6). O rácio aluno-sala de aula é ainda maior no ensino secundário: 159 no primeiro ciclo e 194 no segundo ciclo em 2012 (MED 2013). Poucas escolas primárias têm bibliotecas, laboratórios ou recintos desportivos (Azancot de Menezes 2010; MED e UNICEF). Regista-se também uma grande escassez de carteiras e cadeiras para os alunos e muitas escolas não têm fontes de água ou casas de banho, muito menos computadores. 97
Benguela, Bié, Cunene, Huambo, Huíla, Kwanza Sul e Namibe.
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98 Figura 5.6 Número médio de alunos do ensino primário, por professor e por sala de aula, 2008-2012
Fonte: MED 2014 (Dados para 2013 não disponíveis).
A expansão da rede de escolas rurais é crucial para reduzir as distâncias que as crianças têm de percorrer até chegar à escola, uma barreira importante à frequência das crianças nas zonas rurais. Um terço (33 por cento) da população rural vive a mais de 40 minutos da escola primária mais próxima (QUIBB 2011). O acesso físico ao ensino secundário é ainda mais difícil, particularmente nas zonas rurais, contribuindo para um nível de ingressos muito baixo de crianças no nível secundário. Em 2011, 80 por cento da população rural vivia a mais de 40 minutos de distância da escola secundária mais próxima. Estes dados recordam a importância de investimentos contínuos, com vista a expandir a rede de escolas primárias e secundárias, com base numa avaliação cuidadosa das áreas escolares e das populações de crianças em idade escolar. A construção de sala de aula também deve ser incrementada nas zonas urbanas, onde muitas escolas estão absolutamente superlotadas devido à grande densidade da população urbana e ao rápido crescimento da população em idade escolar. A construção de mais salas de aula possibilitaria a transição gradual para o fim do sistema de turnos duplos e triplos e aumentaria e tempo de contacto entre professores e alunos, uma medida crucial para melhoria da qualidade de ensino e dos resultados de aprendizagem. Uma outra prioridade absoluta é investir mais na formação de professores, cujos números, formação, motivação e tempo de contacto com os alunos são os factores determinantes mais importantes da qualidade do ensino. O Governo conseguiu aumentar substancialmente o número de professores que entram para o sistema, acompanhando o ritmo do número de alunos em rápido crescimento e mantendo um rácio aluno-professor estável 33-37:1 nos últimos anos (ver a Figura 5.6). No nível secundário, parece até haver uma superabundância de professores de história e geografia, mas para outras disciplinas continua a haver escassez de professores (MED 2014). Uma área crucial de preocupação nos níveis primário e secundário é a qualidade do ensino e o tempo de contacto limitado dos professores com os alunos, devido ao sistema de turnos, absentismo e o início tardio das aulas. Um grande número de professores em funções não é qualificado. Muitos professores ainda necessitam de receber formação inicial e de ter acesso à formação em exercício, enquanto outros nem sequer concluíram um ciclo completo de ensino básico. Os dados disponíveis de seis províncias em 2010 (MED 2011a) indicam que 32 por cento dos professores na iniciação, 27 por cento no ensino primário, 10 por cento no primeiro ciclo do ensino secundário e 12 por cento no segundo ciclo do ensino secundário, não tinham qualquer formação como professores (ver a Tabela 5.2).
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Tabela 5.2 Formação de professores: Percentagem de todos os professores sem formação, por nível, em seis províncias de Angola, 2010 Benguela
Cunene
Huambo
Huíla
Kwanza Sul
Namibe
Total
Iniciação
29.0
43.6
20.5
37.7
42.2
31.3
31.7%
Primário
25.4
31.9
16.3
33.1
8.4
20.3
27.0%
Secundário I
10.3
16.7
12.7
6.3
8.3
9.5
10.0%
Secundário II
9.3
36.5
8.5
6.4
9.2
35.6
11.7%
Fonte: MED 2011a.
A expansão da formação de professores, incluindo a formação em exercício para professores não qualificados, é uma grande prioridade. Ao abrigo do Plano Director de Formação de Professores 20082015, o Governo expandiu o número de institutos de formação de professores (parte do segundo ciclo do ensino secundário), aumentando a capacidade de formação inicial para uma nova geração de professores. O número de estudantes inscritos nos institutos de formação de professores mais do que duplicou desde 2001, passando de 37.447 para 59.525 em 201298. Todavia, é necessária a formação em exercício para o grupo de professores que foi recrutado sem formação prévia, assim como para satisfazer as exigências que pesam sobre todos os professores, devido ao aumento da duração do ensino primário para seis anos e às mudanças no currículo, decorrentes da reforma da educação. A formação em exercício deve ser providenciada através das Zonas de Influência Pedagógica (ZIP), um sistema segundo o qual uma escola localizada centralmente ou um centro de recursos seleccionado presta apoio em termos de capacitação a todas as escolas dentro de uma zona designada. A actual eficácia do sistema de ZIP varia substancialmente de uma província para outra. Os directores das escolas necessitam de formação para melhorar a gestão e aumentar a autonomia das escolas, conforme previsto pela reforma da educação e pelo PAN-EPT. No caso das escolas secundárias, os directores devem fortalecer a sua capacidade de receber e gerir fundos do erário público. O apoio à gestão deveria também centrar-se no fortalecimento dos laços entre as escolas e as comunidades que atendem, com o objectivo de melhorar a participação das comunidades nos assuntos da escola, em particular, através de Comissões de Pais e Encarregados de Educação (CPEE). Embora a formação de professores seja um ponto de partida crucial, estes precisam de encorajamento, apoio e incentivos para que possam ter um bom desempenho, em particular em contextos difíceis. Relatórios de avaliação destacaram baixos índices de satisfação profissional no seio dos professores e directores das escolas, por razões que se prendem com os baixos salários (apesar de um aumento modesto durante a última década) e atrasos no pagamento de salários, assim como oportunidades limitadas de formação em exercício, condições de ensino difíceis e recursos inadequados (Azancot de Menezes 2010). É difícil a previsão de vagas para o ensino nas zonas rurais, por várias razões, nomeadamente: (1) condições de vida difíceis e serviços limitados nas zonas rurais, (2) falta de incentivos financeiros ou de habitação condigna para os professores. Muitos professores afectos às escolas rurais continuam a viver nas capitais provinciais ou municipais e viajam diariamente às suas próprias custas para chegar às suas escolas. Devido à irregularidade e dificuldade de transporte, muitas vezes chegam atrasados, reduzindo a duração dos turnos e o tempo de contacto com os alunos. É fundamental desenvolver estratégias adequadas para atrair e reter professores nas zonas rurais e resolver os problemas de transporte que reduzem o tempo na sala de aula. Algumas estratégias seriam: (1) o fornecimento de habitação aos professores nas comunidades rurais, (2) a contratação e formação de professores locais, (3) a concessão de subsídios de fixação razoáveis, para os professores que estejam
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MED, 2012.
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100 dispostos a transferir-se e a leccionar nas zonas rurais, regidos por termos claramente articulados num contrato vinculativo e (4) o fornecimento de transporte subsidiado fiável, para os professores que vivem nas cidades, mas estão dispostos a deslocar-se para as zonas rurais e ensinar. A reforma da educação introduziu mudanças significativas no currículo escolar; todavia, coloca-se a necessidade de garantir que os professores sejam devidamente preparados para implementar essas mudanças. Foi posto em prática um novo currículo para cada classe do ensino primário e secundário, com os respectivos livros escolares, durante vários anos, a partir de 2004. Além das disciplinas fundamentais como Português e Matemática, os novos currículos introduziram material sobre temas como o VIH/SIDA, ambiente, música, desporto e educação para o trabalho. Porém, a formação em exercício providenciada foi inadequada para ajudar os professores a fazer face às exigências do currículo, de modo a reflectir as reformas. Muitos professores também acharam difícil satisfazer os requisitos de ensinar todas as disciplinas (monodocência). Os sistemas de produção e distribuição do livro escolar devem ser fortalecidos. O livro escolar deve ser distribuído gratuitamente pelos alunos, mas o Ministério da Educação registou uma “fraca capacidade de produção e distribuição do livro, mobiliário e material escolar” e nem todos os alunos têm acesso a materiais de aprendizagem adequados (MED 2011b). Em 2011, foi reportado que as províncias receberam um pouco acima de metade (52 por cento) do número de livros escolares que tinha sido encomendado a nível nacional. O sucesso académico dos alunos depende inerentemente do seu acesso a materiais de aprendizagem de qualidade. É necessária a monitoria e avaliação regular do processo de distribuição do livro escolar, para garantir que todos os alunos recebam os livros necessários. Este objectivo pode ser alcançado através do cumprimento da lei e dos regulamentos existentes, relativos à distribuição do livro escolar. Cerca de metade das crianças fala português como língua materna e, embora tenham sido feitos alguns esforços no sentido de acomodar as crianças que falam as línguas locais, existe a necessidade de uma abordagem mais sistemática do ensino bilingue. O uso do português como meio de instrução coloca as crianças que cresceram a falar as línguas africanas locais numa desvantagem distinta na escola. O direito à educação para cada criança foi reafirmado pelo Artigo 9 da Lei de Bases da Educação de 2001. O Ministério, recentemente, iniciou uma pesquisa sobre o ingresso de filhos de populações migrantes e existe uma série de projectos em Angola que introduzem a instrução nas línguas locais em regime piloto, com a introdução gradual do português. Todavia, persistem muitos desafios na sistematização do ensino bilingue, nomeadamente, (1) dificuldades em identificar professores que falam a língua local e (2) a falta de materiais de aprendizagem específicos nas línguas locais, para as primeiras classes do ensino primário. Estas lacunas no ensino bilingue constituem um grande obstáculo e impedem a aprendizagem de crianças que não são falantes nativos do português. Uma vez que a maior parte destas crianças é proveniente das zonas rurais e de famílias mais pobres, a inexistência de um ensino bilingue sistemático reforça os padrões de desigualdade na educação e outras áreas. As escolas primárias não recebem transferências directas do orçamento e muitas vezes enfrentam dificuldades em satisfazer os seus custos operacionais, sem recurso a contribuições dos pais e encarregados de educação. Não existe ainda nenhum sistema para a concessão de subsídios de capitação ou transferências, semelhantes às escolas primárias, tal como acontece em países como o Gana e Moçambique, para compensar a supressão oficial das propinas escolares (ver a Secção 5.8). Isso faz com que muitas escolas não tenham outra opção senão angariar fundos das famílias das crianças, a fim de cobrir os custos operacionais básicos, tais como, trabalhos de reparação e manutenção ou o pagamento de serventes e guardas de segurança. As escolas secundárias foram reconhecidas como unidades orçamentais e recebem transferências directas do Ministério das Finanças. As escolas primárias devem receber apoio na forma de materiais das Direcções Provinciais de Educação ou das Repartições Municipais de Educação (RME), mas esse apoio parece ser raro na prática e/ou é insuficiente para as necessidades reais (Azancot de Menezes 2010; MED e UNICEF). O Governo de Angola está a ponderar a criação de um regulamento integrado para as escolas primárias e secundárias, que cubra a disponibilização de financiamento, materiais de ensino e aprendizagem, alimentação escolar e transporte. A implementação bem-sucedida deste regulamento seria um desenvolvimento muito importante para o sector e poderia melhorar substancialmente a gestão das escolas a todos os níveis.
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O Plano de Acção Nacional – Educação para Todos (PAN-EPT) revisto é um plano global para o período 2013-2020, que reafirma “o papel estratégico da educação como um direito humano e como um veículo de redução da pobreza e de atenuação das desigualdades sociais, como condição essencial para o desenvolvimento sustentável do país” (MED 2013, página 68). O Plano tem seis objectivos: 1. Expandir e melhorar a educação da primeira infância; 2. Conseguir o acesso universal gratuito e a conclusão universal do ensino primário até 2020; 3. Proporcionar oportunidades de aprendizagem adequadas e equitativas ao longo da vida para equipar jovens e adultos para uma vida activa; 4. Aumentar o número de adultos alfabetizados, em particular mulheres, em 50 por cento até 2020; 5. Eliminar as disparidades de género no ensino primário e secundário até 2017 e alcançar a plena igualdade de género na educação até 2020; 6. Melhorar a qualidade de todos os níveis de ensino, em especial para as competências de literacia, numeracia e habilidades para a vida. A implementação efectiva do PAN-EPT requer maiores esforços, com vista a fortalecer o sistema de informação de gestão da educação e a resolver o problema da escassez de gestores qualificados, bem como a difusão de responsabilidades entre os diferentes níveis administrativos. Deficiências no sistema de informação de gestão da educação (SIGE) dificultam uma planificação eficaz e a monitoria e avaliação do sector. O SIGE foi introduzido em regime piloto pelo Projecto de Apoio ao Ensino Primário (PAEP) em oito províncias e deve ser expandido a nível nacional, com investimentos em tecnologia e recursos humanos, de modo a produzir estatísticas da educação fiáveis. Os dados do SIGE e do censo populacional de 2014, juntamente com um mapeamento planificado da infra-estrutura escolar, devem fornecer uma base de evidências sólida, para priorizar os investimentos na expansão da rede escolar. No entanto, uma planificação e monitoria eficazes também são prejudicadas pelo número reduzido de pessoal qualificado nas estruturas de ensino a nível provincial e municipal e pelo facto de que muito poucos directores de escolas têm qualquer formação em gestão. A forma específica que a “desconcentração” tomou em Angola também complica o desenvolvimento de um sistema coerente de planificação, gestão e financiamento do sector. Na prática, certas funções operacionais e alguns investimentos foram transferidos para os governos provinciais, deixando a política geral e a planificação no MED nacional. Os fundos destinados a operações também fluem através dos governos provinciais e, portanto, o nível de financiamento provincial para a educação depende do grau de prioridade dada à educação por cada governo provincial, e pelos governadores em particular. O MED não tem autoridade vertical sobre as DPE e RME, excepto como fonte de políticas, normas e regulamentos (MED, UNICEF e IICE 2011). Alguns outros aspectos do sistema continuam centralizados. Por exemplo, o Ministério das Finanças paga todos os salários, o INIDE produz e distribui livros didácticos e o MED financia alguns investimentos. Neste sistema complexo, é difícil garantir a coerência e a equidade na planificação e financiamento do desenvolvimento da educação A despesa pública com a educação deve ser aumentada, pelo menos, até ao nível de outros países africanos com uma grande população em idade escolar. No geral, foram atribuídos à educação 7 por cento do orçamento do Estado (excluindo o serviço da dívida) em 2014, continuando a registar um declínio constante desde 2011, altura em que as despesas com a educação foram orçadas em 11 por cento. Não estão disponíveis dados recentes referentes à despesa executada, real, em educação, mas em 2008, foi estimada em 7 por cento da despesa pública total (MINFIN 2009). Comparativamente, a educação recebe mais de 20 por cento da despesa em muitos países africanos99 e Angola é o único país africano a gastar menos de 10 por cento (UNESCO, 2011). Medido em paridade de poder de compra, em dólares americanos, a despesa pública por aluno do ensino primário em Angola, em 2006, foi de US$ 181, pouco mais de um décimo do nível no Botswana ($1.574 em 2007), um sexto do nível na África do Sul ($1.325 em 2007) e um quinto do nível da Namíbia ($1.325). Também há distorções na estrutura da despesa, com praticamente todo
Por exemplo, o Burkina Faso, Burundi, Costa do Marfim, Etiópia, Lesoto, Mali, Moçambique, Namíbia, Ruanda e Tanzania alocam, no mínimo, 20 por cento do orçamento do Estado à educação.
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102 o orçamento corrente da educação alocado aos salários, deixando poucos recursos para outros investimentos qualitativos, como, por exemplo, a formação de professores. A educação da primeira infância e pré-escolar, bem como os programas de alfabetização em particular, têm sido severamente subfinanciados, recebendo, cada um, menos de 0,1 por cento do orçamento da educação em 2014.100
5.8 Redução das barreiras do lado da procura101 à educação A frequência escolar depende tanto da oferta de educação (escolas, professores e outros investimentos) como da procura de educação, que é influenciada pelos custos para as famílias, pela percepção dos benefícios da educação e por factores socioculturais. A principal razão dada pelos pais e encarregados de educação, quando lhes foi perguntado por que os seus filhos de 6-17 anos não frequentavam a escola, era “a distância até à escola” (36 por cento) – um factor do lado da oferta, relacionado com a infra-estrutura escolar e a falta de transporte escolar financiado pelo Estado (IBEP 2008-2009). A segunda razão mais comum para a não frequência foi “não gostar de estudar” (30 por cento), o que pode reflectir atitudes culturais, bem como problemas na qualidade dos serviços de educação, e o terceiro motivo citado foi a falta de materiais de aprendizagem (9 por cento). “Não gostar de estudar” também pode reflectir a percepção de que o estudo tem um baixo nível de retornos em termos de emprego e salário no futuro. Embora não explicitamente mencionado, é possível que a segurança e higiene – incluindo a falta de água e de instalações sanitárias em muitas escolas – seja uma preocupação especial para as raparigas.
Figura 5.7 Razões apresentadas pelos pais para as crianças não frequentarem ou nunca terem frequentado a escola (%), 2008-2009
Fonte: IBEP 2008-2009.
A percepção de que as crianças “não têm idade suficiente” é a principal razão apresentada para a inscrição tardia das crianças na escola primária. A entrada tardia na escola, juntamente com a subsequente reprovação, leva a que muitas crianças estejam acima da idade na escola primária, com implicações negativas para a posterior retenção, uma vez que as crianças do ensino primário, que atingem a adolescência, são muito mais propensas a abandonar a escola, devido à concorrência com o trabalho ou gravidez e/ou casamento, no caso das raparigas. O IBEP 2008-2009 informou que 40 por cento das crianças de 6-9 anos de idade que nunca foram à escola foram consideradas demasiado pequenas. Para as crianças que nunca tinham frequentado
Dados do Ministério das Finanças, Orçamento do Ano Corrente – Exercício 2014, disponível em http://www.minfin.gov.ao/docs/dspPrcaCorren.htm. ‘Barreiras do lado da procura’ refere-se a factores relacionados com os utilizadores de serviços (neste caso, a educação) que limitam ou impedem o acesso aos serviços. As barreiras do lado da procura incluem as que dependem dos conhecimentos, comportamentos e práticas dos utilizadores dos serviços, por exemplo, a falta de conhecimento da disponibilidade do serviço, equívocos em relação à utilidade dos serviços, etc. As barreiras do lado da procura também podem resultar da falta de meios financeiros suficientes por parte dos utilizadores, para cobrir os custos directos e indirectos necessários para se ter acesso aos serviços (por exemplo, custos de transporte, taxas de serviços, etc.).
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a escola, factores do lado da oferta, tais como, a falta de escolas, a falta de professores ou a distância até à escola são as segundas barreiras mais importantes à matrícula (23 por cento) e, em seguida, o custo (12 por cento). Na faixa etária mais jovem, o trabalho ou tarefas domésticas eram muito menos susceptíveis de impedir as crianças de frequentar a escola (2 por cento). Há uma necessidade de aumentar o número de escolas que fornecem refeições aos alunos, como uma medida destinada a incentivar e facilitar a frequência escolar, especialmente entre as crianças mais jovens. Evidências a nível internacional indicam que a alimentação escolar é um factor de atracção forte, que contribui para aumentar a frequência escolar (ver, por exemplo, Adelman et al 2008). Em Angola, a pobreza e a insegurança alimentar significam que muitas crianças não são alimentadas em casa de manhã e que vão para a escola com fome (ver a Secção 4.3). Foi proposto, pela primeira vez, um programa de alimentação escolar pelo MED, em 2001, o qual foi alargado a nível nacional em 2007; no entanto, a informação disponível indica que o programa abrange apenas um número reduzido de escolas.102 Onde o programa existe, o mesmo é implementado por empresas privadas contratadas pelos governos provinciais. Oficialmente, o ensino primário é gratuito, mas as famílias têm de pagar vários custos associados para mandar os seus filhos à escola. Nos termos do Artigo 7º da Lei de Bases da Educação de 2001, as escolas primárias públicas não podem cobrar taxas, mas, devido à falta de transferências orçamentais sistemáticas e ao apoio material inadequado, consoante analisado anteriormente, algumas escolas cobram taxas ou contribuições informais, geralmente através das comissões (CPEE), para satisfazer as suas despesas correntes ou de capital. Ainda não existe um conjunto claro de regulamentos sobre a implementação do ensino primário gratuito, que deve ser apoiado por uma actividade inspectiva para monitorar o cumprimento. Na sequência de um estudo preparatório recente, existem planos para que tal regulamentação seja elaborada juntamente com procedimentos para transferências compensatórias para as escolas (MED e UNICEF, 2012). As famílias também têm de comprar o uniforme escolar e, em alguns casos, livros e material escolar básico, como cadernos e canetas. À medida que as crianças se tornam adolescentes, o trabalho e a gravidez são as causas de um crescente número de desistências. Os custos de oportunidade – em que a frequência escolar compete com o trabalho dentro e fora de casa – ofuscam os custos directos da escola, especialmente entre as crianças mais velhas. No geral, o trabalho e as tarefas domésticas são citados por 11 por cento dos pais como a razão de os seus filhos de 6-17 anos estarem fora da escola. Esta proporção sobe para 17 por cento entre as crianças de 15-17 anos de idade. Da mesma forma, a gravidez torna-se um factor cada vez mais importante na adolescência, tendo sido citada como sendo a razão de as crianças abandonarem a escola por 2,6 por cento dos pais de crianças fora da escola (rapazes e raparigas) com idades entre 12-14, e 7,3 por cento para crianças com idades entre 15 e 17 anos. Entre as raparigas que já não frequentam a escola, a gravidez foi o motivo de 15 por cento de desistências. Tal como já foi mencionado anteriormente, a entrada tardia na escola primária e a reprovação, significa que muitas crianças na escola primária já são adolescentes e, por esse motivo, em risco de desistência por estas razões, antes de concluírem a 6ª classe. Embora não sejam necessárias certidões de nascimento para o ingresso no ensino primário, elas são exigidas para os exames de admissão na faculdade e para a matrícula no ensino secundário, pelo que, não ter certidão de nascimento pode ser uma barreira para muitas crianças, particularmente nas zonas rurais. No nível secundário, a falta de escolas ou recintos para os alunos é, de longe, a barreira mais importante à frequência. Os custos directos também aumentam no nível secundário, uma vez que o ensino secundário não é gratuito. Ajustar o calendário escolar de modo a acomodar ciclos agrícolas poderia reduzir os custos de oportunidade de educação para as crianças das zonas rurais. O calendário escolar é definido a nível nacional e cumprido em todo o país. Todavia, o período mais intenso de actividade agrícola coincide com a época das chuvas, que começa em Outubro, um pouco antes do fim do ano lectivo. A necessidade de trabalhar nos campos agrícolas obriga muitos alunos a abandonar a escola, mesmo antes dos exames de fim de ano (UNICEF 2011a). Em algumas zonas, a migração sazonal ou os ritos de iniciação também podem entrar em
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Não foi possível obter dados básicos sobre a implementação do programa de alimentação escolar.
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Capítulo 5. Educação: Dar às crianças instrumentos para prosperar
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104 choque com o calendário escolar, facto que pode ter um impacto adverso sobre a frequência escolar. Adaptar o calendário escolar às realidades económicas e culturais locais é uma medida que poderia facilitar a frequência e o aproveitamento escolares das crianças afectadas.
5.9 Resumo de acções prioritárias Embora o acesso ao ensino básico tenha melhorado drasticamente desde o fim da guerra, os avanços na educação não beneficiaram todos os angolanos de forma igual. Muitas crianças, especialmente nas zonas rurais, não têm acesso fácil ao ensino básico. Por conseguinte, as principais prioridades para os próximos anos referem-se à necessidade de melhorar o acesso equitativo e de qualidade, bem como fortalecer a planificação, o financiamento, a gestão e monitoria das escolas. Melhorar o acesso equitativo à educação exigirá as seguintes acções: 1. Aumentar o financiamento para a educação da primeira infância (EPI), incluindo para as ‘classes de iniciação’, como forma de garantir que as crianças estejam prontas para aprender e tenham sucesso quando começam o ensino primário. Um maior financiamento deve centrar-se na construção de centros infantis mais próximo das comunidades e a formulação de uma estratégia de comunicação quanto à importância da entrada atempada e oportuna na educação para as crianças. 2. Acelerar o investimento na construção e manutenção de escolas em todos os níveis de ensino geral e, em particular, no ensino secundário. Reforçar o direccionamento geográfico da nova infraestrutura, para aumentar o acesso a escolas nas zonas rurais e reduzir as disparidades geográficas. Também é importante garantir que as escolas sejam construídas de acordo com as normas de segurança e saneamento acordadas e expandir o fornecimento de água potável e saneamento a todas as escolas. 3. Continuar a prestar assistência técnica para fortalecer a educação de segunda oportunidade, priorizando as seguintes acções: (1) reforçar a coordenação e a implementação do Programa da Alfabetização e Aceleração Escolar (PAAE); (2) promover a utilização de ‘projectos móveis’ para os grupos étnicos e migratórios; (3) adaptar os calendários escolares às exigências do trabalho sazonal ou à estação seca / chuvosa e (4) fazer a planificação da educação em situações de emergência. 4. Adoptar regulamentos detalhados e impor o cumprimento do princípio do ensino primário gratuito. Uma regulamentação abrangente (ao contrário de um conjunto de regulamentos diferentes para as finanças, alimentação escolar, entrega de livros, transporte, uniformes, etc.) deve reger a implementação do ensino gratuito para todos. Devem ser realizados estudos sobre os custos por aluno no ensino secundário, com o intuito de avaliar a possibilidade de estender o ensino gratuito, no mínimo, ao primeiro ciclo do ensino secundário. 5. Avaliar a eficácia do programa de alimentação escolar e identificar um modelo viável para a implementação a nível nacional, como uma medida para atrair e reter as crianças na escola. O programa de alimentação escolar deve garantir que as zonas mais carenciadas do país sejam abrangidas, procurar fortalecer a participação da comunidade e promover a aquisição de alimentos locais. 6. Desenvolver e aplicar um quadro de políticas que promova a igualdade de acesso para as crianças com necessidades especiais. Directivas claras referentes à implementação devem incluir a formação de professores, o fornecimento de materiais de aprendizagem especiais e melhorias na acessibilidade física das salas de aula. O acesso equitativo à educação para crianças com deficiência deve ser um aspecto primordial neste contexto. A educação bilingue nas classes iniciais do ensino primário também é uma importante estratégia para abranger as crianças que não falam o português como língua materna. 7. Acções-piloto destinadas a promover a educação da rapariga no ensino secundário, particularmente nas zonas rurais.
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8. Estabelecer e intensificar as actividades em curso, de sensibilização da comunidade para disseminar mensagens sobre o valor da educação, a importância de as crianças começarem a escola na idade certa e promover a conclusão da escolaridade. 9. Intensificar os esforços com vista a proporcionar às escolas um ambiente seguro e saudável para todas as crianças, incluindo raparigas e mulheres jovens. Isto inclui acções de sensibilização para a questão da violência na escola e a introdução de medidas em regime piloto para garantir que as escolas ofereçam um ambiente de aprendizagem amigo da criança e seguro. A melhoria da qualidade de ensino deve centrar-se nas seguintes acções: 10. Fortalecer a gestão do INFQ, com vista a melhorar a formação inicial e em exercício dos professores, com foco na pedagogia integrada, planificação de aulas, ensino orientado para a criança, ensino de habilidades para a vida e avaliações de alunos e professores a todos os níveis (educação da primeira infância, e ensino primário e secundário). 11. Aumentar o financiamento destinado à retenção e formação de professores, como contributo para pôr fim ao sistema de turnos, aumentando assim o número de horas de contacto alunoprofessor. O aumento das horas de contacto pode ser conseguido através da (1) melhoria da colocação e motivação dos professores, (2) tomada de decisões com base em estudos de procura e oferta de professores e (3) criação de incentivos significativos para que os professores trabalhem nas zonas rurais (melhor habitação para os professores, perspectivas de carreira, subsídios de dificuldades específicos, etc.). 12. Melhorar a produção e a distribuição de materiais de aprendizagem através de um maior controlo da cadeia de abastecimento, melhor distribuição, manutenção e armazenamento. Deve ser efectuada uma avaliação do actual sistema de distribuição e utilização, para identificar as melhores medidas destinadas a fortalecer as cadeias de abastecimento de materiais de aprendizagem. O fortalecimento da planificação, financiamento, gestão e monitoria do sistema de educação exigirá as seguintes acções: 13. Aumentar a quota global da despesa pública destinada à educação, de modo que as despesas por aluno sejam, no mínimo, equivalentes às dos outros países de média renda da SADC. 14. Efectuar uma avaliação organizacional para identificar os pontos fortes e fracos da administração da educação aos níveis nacional, provincial e municipal. A avaliação deve ter por objectivo identificar as lacunas em termos de pessoal nas diferentes direcções e repartições, de acordo com as prioridades estabelecidas no Plano Nacional de Desenvolvimento da Educação (PNDE) para o período de 2015-2025. 15. Iniciar acções de formação e de apoio aos directores de escolas e comissões escolares em matéria de liderança da educação em áreas como a planificação para a melhoria do desempenho escolar, gestão financeira e acompanhamento do aproveitamento dos alunos e do desempenho dos professores. O apoio deve permitir que a inspecção escolar faça visitas regulares às escolas e assessore / oriente os directores das escolas e comissões escolares sobre as medidas necessárias para melhorar o desempenho escolar. 16. Envidar mais esforços para melhorar o sistema de informação de gestão da educação e, gradualmente, incluir mais informação sobre os resultados da aprendizagem e o desempenho dos professores, em especial nas áreas de alfabetização, matemática, ciências e habilidades para a vida.
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© UNICEF/ ANGA2015-0047/Germano Miele
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Todas as crianças têm direito a um ambiente de protecção, onde possam viver livres da violência, abuso e negligência. Por natureza, as crianças são mais vulneráveis do que os adultos e carecem de maior protecção, mas algumas são particularmente mais vulneráveis devido à falta de um ambiente familiar propício, preconceitos de género, invalidez, violência doméstica, pobreza, desemprego ou práticas tradicionais prejudiciais. Estas crianças enfrentam riscos acrescidos de abuso e exploração, assim como a exclusão e a privação social – particularmente quando tiverem perdido os cuidados e o afecto de um ou dos dois pais. Os factores que afectam a vulnerabilidade de uma criança podem estar enraizados na pobreza e/ou em valores e comportamentos socioculturais. A Secção 6.1 descreve o perfil de riscos e vulnerabilidade das crianças em Angola. A Secção 6.2 avalia em que medida Angola pôs em prática os sistemas e serviços necessários para reduzir a vulnerabilidade, prevenir e responder a violações dos direitos de protecção das crianças. A Secção 6.3 identifica as principais prioridades para o estabelecimento de um sistema eficaz de protecção da criança.
6.1 Perfil de vulnerabilidade e riscos As crianças, e em especial as órfãs, são vítimas de uma vulnerabilidade acrescida às violações dos seus direitos. O IBEP 2008-2009 faculta os dados mais recentes sobre a orfandade, estimando que 9,5 por cento das crianças em Angola são órfãs de um ou ambos os pais. Embora não exista uma grande diferença na proporção de órfãos nas zonas urbanas e rurais, a orfandade apresenta alguma associação com a riqueza do agregado familiar. No quintil mais rico, 6,7 por cento das crianças são órfãs, em comparação com 12,8 por cento no quintil mais pobre – provavelmente um efeito da relação existente entre a pobreza e a mortalidade. Um por cento das crianças de Angola (0,9 por cento) perdeu os dois pais. Os órfãos representam apenas uma pequena proporção do grande número de crianças que não vivem com os seus pais biológicos. O IBEP 2008-2009 estimou que 12 por cento das crianças não vivem nem com o pai nem com a mãe, muito embora menos de uma em cada doze destas crianças sejam órfãos duplos. Com efeito, em mais de dois terços destes casos, ambos os pais estão vivos. No geral, um terço das crianças em Angola não vive com um ou os dois pais (ver o círculo na Figura 6.1). Dos 18 por cento das crianças que vivem com as mães, apenas 13 por cento têm os pais vivos (ver a Figura 6.1). Segundo o Instituto Nacional da Criança (INAC), os pais ausentes, frequentemente não sustentam materialmente os seus filhos. Existe uma prática generalizada de tutela informal, muito utilizada, mas nem sempre dentro de famílias alargadas. Nas suas formas mais extremas, a separação das crianças dos seus pais implica o abandono deliberado ou o tráfico. Evidências de muitos países revelam que as crianças privadas dos cuidados dos seus próprios pais correm um maior risco de abuso e privação. Estas crianças são menos susceptíveis de estar na escola e de ter o seu nascimento registado e apresentam uma maior probabilidade de estar envolvidas em trabalho infantil.
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Capítulo 6. Protecção da criança contra a violência, abuso, exploração, discriminação e exclusão social
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 6. Protecção da criança
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108 Figura 6.1 Proporção de crianças que vivem com os dois, um ou nenhum dos pais, 2008-2009
Fonte: IBEP 2008-2009.
As crianças que vivem completamente fora do ambiente familiar, como é o caso de crianças institucionalizadas e crianças que vivem na rua, encontram-se entre as mais vulneráveis de todas as crianças. Estas crianças estão privadas dos cuidados e do afecto dos adultos numa família e estão expostas a riscos muito elevados de violência, abuso e exploração, assim como a privações no acesso à educação e a cuidados de saúde. Uma das principais manifestações da violência reportada ao INAC envolve crianças, muitas vezes órfãs que são acusadas de feitiçaria e, por essa razão, estão sujeitas à violência e ao abandono (MINFAMU 2013). O tráfico de crianças para exploração como empregadas domésticas ou trabalhadoras ou profissionais do sexo é reconhecido como um problema, mas praticamente não existe informação sobre a magnitude ou a natureza do fenómeno. Embora as crianças que vivem completamente fora de um ambiente familiar sejam uma população relativamente reduzida, a sua situação carece de atenção devido aos riscos desproporcionais que elas enfrentam. A delinquência juvenil em Angola tem vindo a aumentar nos últimos anos, tanto nas zonas urbanas como rurais, mas com maior incidência nas cidades e subúrbios circundantes. As taxas crescentes de delitos cometidos por adolescentes e o envolvimento de crianças pelos adultos em actividades criminais reflectem o desafio actual de restabelecer a estabilidade social após cerca de 40 anos de conflito. A guerra infligiu avultados danos físicos e emocionais ao país, destruindo as estruturas sociais e familiares e deixando muitas crianças e adolescentes sem apoio para mitigar a sua exposição a sérios riscos associados ao crescimento num contexto de grande desigualdade social, níveis elevados de desemprego, migração forçada e pobreza. A deficiência física constitui mais uma vulnerabilidade que aumenta os riscos de privação e exclusão social para as crianças afectadas. De acordo com o QUIBB 2011, a deficiência afecta 3 por cento da população total e 1,3 por cento das crianças, embora seja provável que estes números subestimem a verdadeira situação, uma vez que dependem de relatos dos próprios103. As principais causas da deficiência nas crianças são factores genéticos, complicações durante a gravidez e o parto, doenças da infância e acidentes, incluindo ferimentos provocados por minas. O QUIBB estimou que 13 por cento dos agregados familiares têm, pelo menos, um membro portador de uma deficiência. As crianças com deficiência podem ser vítimas de um risco mais elevado de violência devido à dificuldade de se defenderem ou de se expressarem. Existe um risco real de as crianças portadoras de deficiência não serem registadas à nascença devido a sentimentos de vergonha ou de estigma social, factores que limitam ainda mais o seu acesso às escolas regulares, serviços de assistência social e outros benefícios. As crianças com deficiência têm acesso limitado a serviços especializados, são muitas vezes mantidas no isolamento dentro de casa e correm o risco de abandono, estigmatização e exclusão social (ver a Caixa 6.1). As crianças que vivem num agregado familiar com um adulto deficiente podem tornar-se cuidadores à custa da sua própria educação e desenvolvimento. 103
O QUIBB 2011 não tinha métodos especializados de detecção de deficiência.
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Devido às baixas taxas de registo de nascimento, um grande número de crianças angolanas não tem prova da sua identidade legal e corre o risco de não ter acesso aos seus direitos, incluindo serviços sociais essenciais. Menos de um terço (31 por cento) das crianças com idade inferior a 5 anos em Angola foi registada à nascença. A taxa de registo é ligeiramente maior nas zonas urbanas (33 por cento) do que nas zonas rurais e é particularmente sensível à riqueza do agregado familiar; o registo aumenta de 27 por cento nos dois quintiles mais pobres para 43 por cento no quintil mais rico (ver a Figura 6.4). Em algumas províncias, tais como Kwanza Sul, Malanje e Bié, menos de 20 por cento foram registadas. Embora as escolas primárias não insistam na apresentação de uma certidão de nascimento para a matrícula nas primeiras classes, a partir da 4ª classe é normalmente exigida a certidão de nascimento e constitui um requisito formal para o ingresso no ensino secundário. As crianças cujo nascimento não foi registado, apresentam taxas de frequência escolar mais baixas do que as crianças com certidão de nascimento. Além disso, a verificação da identidade e da idade através de certidões de nascimento ou bilhetes de identidade (obtidos a partir dos 5 anos) permite que os assistentes sociais e outros actores protejam as crianças das violações dos seus direitos, tais como, o casamento precoce e o trabalho infantil. Também facilita a observância dos direitos de protecção especial da crianças nos sistemas judicial e penal, em conformidade com a Lei (ver a Secção 6.2) e, no caso de crianças separadas, ajuda os assistentes sociais a encontrar os pais ou familiares.
Figura 6.2 Registo de nascimento de crianças menores de 5 anos, por residência e quintil de riqueza (% registadas à nascença), 2008-2009
Fonte: IBEP 2008-2009.
Caixa 6.1 Vulnerabilidade e protecção de crianças com deficiência As crianças portadoras de deficiência encontram-se entre os membros mais vulneráveis da sociedade, tendo de enfrentar, não apenas o problema da diminuição de capacidades funcionais, mas também o estigma e a discriminação. A prestação e a acessibilidade inadequadas de serviços especializados, aliadas à desvantagem e à discriminação, colocam estas crianças em alto risco de exclusão social. As pessoas, com deficiência historicamente tiveram muito menor acesso à educação do que a população em geral (ver a Figura 6.3); na população com idade igual ou superior a 6 anos, 32 por cento dos portadores de deficiência nunca tinham frequentado a escola, em comparação com 20 por cento da população em geral. Quase metade dos portadores de deficiência do sexo feminino (45 por cento) nunca tinha frequentado a escola. Figura 6.3 Proporção da população com deficiência e da população em geral com idade igual ou superior a seis anos, que nunca frequentou a escola, 2008-2009 (%)
Fonte: IBEP 2008-2009.
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Capítulo 6. Protecção da criança
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110 Quadro de políticas O Governo adoptou um vasto pacote de instrumentos de legislação, políticas e planeamento, destinados a defender os direitos das pessoas com deficiência e alargar o seu acesso aos serviços. Estes incluem: • Lei das Pessoas com Deficiência (Lei No 21/12), • Decretos presidenciais no 237/11 e no 238/11 que definem a política e a estratégia para as pessoas portadoras de deficiência, facultando um conjunto de guias normativos para a sua protecção, promoção e integração social. • Legislação específica que regula a educação especial (Decreto no 56/79), os veteranos de guerra deficientes (decretos no 85/81 e 86/81) e a pensão de invalidez (Lei No 6/98). • Lei da Protecção Social (Lei No 7/04) que define as bases e os objectivos da assistência social básica, alargando especificamente a protecção às pessoas com deficiência e às crianças e adolescentes com necessidades especiais ou em risco. • Decreto no 105/12 que cria o Conselho Nacional de Pessoas com Deficiência (CNAPED) • Decreto no 207/14, que aprova a Estratégia de Intervenção Social para Inclusão de Crianças com Deficiência. Em Junho de 2012, o CNAPED adoptou um Plano de Acção Nacional Integrado da Deficiência para o período de 2012 a 2017 e, em Dezembro de 2012, Angola ratificou a Convenção sobre os Direitos de Pessoas com Deficiência. O Conselho Nacional da Criança (CNAC) adoptou a Estratégia de Intervenção para a inclusão Social de Crianças com Deficiência, validada no 6º Fórum da Criança, realizado em Maio de 2013. O enfoque do quadro de políticas para as pessoas portadoras de deficiência em Angola incide esmagadoramente nos adultos e até a Lei Nº 25/12 sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança tem pouco conteúdo específico relacionado com a criança com deficiência. Torna-se necessário introduzir legislação específica para as crianças com deficiência, de modo a proporcionar um quadro multidisciplinar geral para a sua protecção.
Programas Foi registado um total de 89.438 pessoas com deficiência, (incluindo 28.456 crianças) nas Direcções Provinciais de Assistência e Reinserção Social, em Março de 2012. Excluindo a educação especial, um número semelhante (87.769) recebeu algum tipo de assistência entre Janeiro de 2011 e Junho de 2013, essencialmente sob a forma de mobilidade e outros apoios técnicos, apoio à formação, emprego e actividades de geração de renda, bem como serviços de reabilitação física (MINARS 2013). Estima-se que apenas 15 por cento da população com deficiência, incluindo 20 por cento das crianças portadoras de deficiência, estejam registadas junto aos serviços provinciais de assistência social e/ou receberam assistência do Estado. Dado que os inquéritos provavelmente reportam, por defeito, a prevalência de deficiências, estas proporções são provavelmente estimativas por excesso, pelo que os programas que apoiam adultos e crianças com deficiência devem ser drasticamente drasticamente para melhorar a cobertura.
Saúde Existe a necessidade de melhorar o acesso aos serviços de reabilitação física, ao mesmo tempo que se desenvolvem outros serviços especializados. Angola possui 11 centros ortopédicos e de reabilitação física, dos quais três estão localizados na capital. O acesso aos serviços de reabilitação fora da capital é difícil, especialmente para os que vivem nas zonas rurais. • O Programa de Assistência às Pessoas com Deficiência, aprovado pelo decreto presidencial nº 151/12, tem como objectivo aumentar a cobertura, em particular através da capacitação em matéria de produção de próteses (MINARS 2013). • O Plano Nacional de Desenvolvimento da Saúde (PNDS) aborda a necessidade de aumentar a cobertura dos serviços de reabilitação física, ao mesmo tempo que cria novos serviços para pessoas com deficiências sensoriais, intelectuais e múltiplas.
Educação A nível nacional existem 14 escolas de educação especial para crianças com deficiência grave e alguns professores recebem formação para atender às necessidades das crianças portadoras de deficiência em salas de aula integradas. Dados do Ministério da Educação indicam que o número de crianças inscritas na educação especial quintuplicou (incluindo turmas integradas) entre 2001 e 2011, altura em que os programas abrangeram 23.193 crianças. Contudo, a educação especial ainda cobre apenas cerca de um quarto das mais de 90.000 crianças em idade escolar, portadoras de deficiência.
Apoio social Angola ainda não implementou um subsídio de invalidez para as pessoas portadoras de deficiência, embora tal tenha sido legislado há 16 anos. A Lei Nº 6/98 previa um subsídio do Estado para pessoas com uma incapacidade permanente de trabalhar e nenhum outro benefício de segurança social ou meio de sustento. Este subsídio ofereceria um mecanismo compensatório valioso (incluindo para as crianças com deficiência), mas não chegou a ser implementado por falta dos regulamentos necessários.
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As crianças pobres e as das zonas rurais de Angola correm um grande risco de envolvimento em alguma forma de trabalho infantil104. O IBEP 2008-2009 constatou que uma em cada cinco crianças com idades compreendidas entre os 5 e os 14 anos estava envolvida em alguma forma de trabalho infantil. As crianças que vivem nas zonas rurais apresentavam uma probabilidade muito maior de trabalhar (32 por cento) do que as que vivem em contextos urbanos (11 por cento)105. O trabalho infantil está também associado à pobreza; as crianças do quintil mais pobre apresentavam uma probabilidade duas vezes maior de estarem envolvidas no trabalho infantil (26 por cento) do que as crianças no quintil mais rico (11 por cento). A prevalência de trabalho infantil é particularmente grande em algumas províncias, tais como, o Cunene (45 por cento) e o Zaire (55 por cento), e a mais baixa regista-se em Luanda (9 por cento). Alguns tipos de trabalho, tais como, o trabalho do sexo comercial, expõem as crianças a um risco muito grande de abuso e infecção pelo VIH ou outras doenças transmitidas sexualmente, mas há muito pouca informação sobre a prevalência de trabalho sexual nas crianças. A lei do trabalho angolana faculta um certo grau de protecção às crianças, mas a aplicação limitada da lei prejudica a sua eficácia. A Lei Nº. 02/00 permite o emprego de crianças dos 14 aos 17 anos, apenas com a autorização dos pais ou encarregados de educação, e proíbe o emprego em actividades que sejam prejudiciais ao desenvolvimento da criança. Contudo, existe uma necessidade urgente de desenvolver um quadro regulador claro, que defina os mecanismos de aplicação e responsabilização e que estabeleça protocolos formais para referência. A violência doméstica e o abuso constituem uma ameaça significativa para as mulheres e as crianças e os incidentes são largamente ocultados. O INCAPSIDA 2010 constatou que 29 por cento das mulheres em união marital, dos 15 aos 49 anos, reportaram que tinham sido vítimas de violência física ou sexual nos últimos 12 meses. A proporção de mulheres que foi vítima de violência doméstica aumentou com a idade, de 20 por cento nas mulheres de 15-19 anos para 30 por cento nas mulheres de 20-24 anos e 32 por cento nas mulheres de 25-49 anos. A violência masculina contra as esposas/mulheres e o uso de punição corporal para ‘educar’ e disciplinar as crianças parece ser comum e aceite em algumas culturas locais. A aceitação cultural da violência doméstica constitui uma grande barreira à aplicação da Lei, sustentando o receio e a relutância de denunciar os casos. Os actos de violência sexual raramente são denunciados à polícia ou levados a tribunal – sendo muitas vezes considerados assuntos pessoais cuja melhor forma de os resolver é dentro da família ou através da mediação entre famílias. A vulnerabilidade das raparigas e das mulheres ao abuso doméstico é aumentado pela sua dependência económica dos parceiros do sexo masculino que, muitas vezes, são vários anos mais velhos. As crianças, e em especial as raparigas, enfrentam riscos associados ao casamento prematuro e à gravidez precoce. Entre as mulheres de 12 a 19 anos, casadas ou que se encontram numa união marital, 11,9 por cento têm maridos que são, pelo menos, 10 anos mais velhos e, entre as raparigas dos 12 aos 14 anos, a proporção que tem maridos no mínimo 10 anos mais velhos, aumenta para 41 por cento (IBEP 2008-2009). A proporção de mulheres com maridos, pelo menos, 10 anos mais velhos é maior no quintil mais rico nas zonas urbanas, sugerindo que os homens mais ricos das zonas urbanas apresentam uma maior probabilidade de casar com raparigas muito mais novas do que eles. A proporção de raparigas que se casam com idade inferior ao mínimo de 18 anos estabelecido na legislação angolana (com algumas qualificações ao abrigo do Código Civil) é relativamente baixa, em comparação com outros países da África Subsaariana. Não obstante, 0,4 por cento de todas as crianças e cerca de 1 por cento das raparigas dos 12 aos 14 anos já foram casadas. Entre os adolescentes dos 15 aos 19 anos, uma em cada cinco raparigas é casada106 e muitas mais já estiveram grávidas, pelo menos, uma vez: 7 por cento das raparigas dos 12 aos 14 anos e 55 por cento das raparigas dos
O trabalho infantil é definido como sendo a “Percentagem de Crianças dos 5 aos 14 anos de idade envolvidas em actividades de trabalho infantil no momento de realização do inquérito. Considera-se que uma criança está envolvida em actividades de trabalho infantil, com base na seguinte classificação: (a) crianças dos 5 aos 11 anos de idade que na semana anterior ao inquérito fizeram, pelo menos, uma hora de actividade económica ou, pelo menos, 28 horas de trabalho doméstico e (b) crianças dos 12 aos 14 anos que durante a semana anterior ao inquérito fizeram, pelo menos, 14 horas de actividade económica ou, pelo menos, 42 horas de actividade económica, aliada ao trabalho doméstico” (UNICEF). 105 Também foram colectados dados sobre o trabalho infantil no QUIBB 2011. Todavia, tais dados referem-se ao grupo etário dos 10 aos 17 anos de idade. Os dados do QUIBB indicam que o trabalho infantil afecta 30 por cento das crianças desta faixa etária. Embora não exista praticamente nenhuma diferença entre indivíduos do sexo masculino e feminino, o QUIBB constatou que um número muito mais elevado de crianças de 10-17 anos estava envolvido no trabalho infantil nas zonas rurais (57 por cento) do que nas zonas urbanas (9 por cento). 106 Para todos os adolescentes (raparigas e rapazes) dos 15-19 anos, a proporção da união marital é de 9,7 por cento. 104
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Capítulo 6. Protecção da criança
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112 15 aos 19 anos já deram à luz o seu primeiro filho, com uma pequena diferença entre os grupos de riqueza, locais de residência ou níveis de escolarização (IBEP 2008-2009). O casamento prematuro e, acima de tudo, a gravidez precoce afectam negativamente as oportunidades das raparigas na vida, muitas vezes levando-as a interromper os seus estudos, limitando as perspectivas de emprego no futuro. As raparigas que têm filhos antes de atingirem completamente a maturidade também enfrentam riscos acrescidos de mortalidade materna e neonatal, bem como situações debilitantes, tais como, a fístula obstétrica. Tal como se assinala no Capítulo 5, para 15 por cento das raparigas com idades compreendidas entre os 15 e os 17 anos, que estão fora da escola, a gravidez foi citada como motivo de abandono da escola. Várias secas que afectam ciclicamente Angola exacerbam os riscos à protecção existentes e enfraquecem os mecanismos comunitários de protecção da criança. Uma Avaliação Rápida da Protecção da Criança, realizada pelo INAC em 2012, na Província do Kwanza Sul e que contou com o apoio do UNICEF, demonstrou que as crianças estão mais expostas à violência psicológica e física, devido à tensão crescente nos agregados familiares, que se confrontam com um acesso limitado a alimentos e rendimentos. As raparigas são particularmente vulneráveis à violência sexual, em especial quando têm de percorrer longas distâncias para ir buscar água para a família. As visitas de campo e consulta com os parceiros de desenvolvimento nas províncias do Cunene e da Huíla, em 2013 e 2014, revelaram que, em consequência da seca, as crianças estavam envolvidas no trabalho infantil e na migração com o gado (transumância). As crianças também eram mais vulneráveis à negligência dos adultos e as raparigas jovens eram susceptíveis de serem deixadas em casa sozinhas a cuidar dos irmãos mais novos, enquanto os pais percorriam longas distâncias até aos mercados vizinhos ou terras agrícolas.
6.2 Criação de um sistema integrado de serviços de protecção da criança preventivos e proactivos Mitigar efectivamente as ameaças de violência, abuso, exploração, negligência, discriminação e exclusão requer um sistema de protecção com políticas e leis, regulamentos, serviços formais e informais e práticas familiares que minimizem a exposição das crianças aos riscos, resolvendo os factores sociais e económicos da vulnerabilidade e fortalecendo a própria resiliência das crianças. Um ambiente de protecção sólido não só minimiza a vulnerabilidade e os riscos, como cria também um contexto positivo para o desenvolvimento físico, intelectual e emocional da criança, ajudando, deste modo, a garantir que todas as crianças contribuam e beneficiem do desenvolvimento económico e social mais amplo. O desenvolvimento de um quadro de políticas efectivo para a protecção da criança é complementar ao processo de criação de um sistema de protecção social forte, provido de componentes preventivas e proactivas. O papel mais amplo da protecção social de proteger os direitos da criança, desenvolver a sua capacidade, criar resiliência e promover a redução da pobreza, a equidade e a coesão social é um aspecto analisado no Capítulo 7. O enfoque desta secção incide especificamente na gestão de riscos e na resposta às violações dos direitos de protecção da criança. A existência de sistemas de protecção da criança efectivos reduz os riscos conducentes a abusos, através de medidas preventivas que consciencializam e permitem a detecção precoce de riscos e capacitam as comunidades, famílias e crianças, para que possam mitigar as ameaças. Os sistemas de protecção da criança também devem poder fornecer uma resposta eficaz, quando os riscos são graves ou em caso de ocorrência de violações, e promover o tratamento, a recuperação, a resiliência e a autoestima das pessoas que foram vítimas de abusos, incluindo a sua reintegração em famílias e inclusão social mais ampla. O quadro legal e político para a protecção da criança está devidamente estabelecido. O Capítulo 2 analisou os avanços registados em resultado da entrada em vigor da Lei Nº 25/12 (a Lei sobre a Protecção e Desenvolvimento Integral da Criança) e também de legislação que prevê a protecção da criança em áreas específicas107. A Lei N° 25/12 reforçou o enquadramento legal dos 11 Compromissos para com a Criança,
Incluindo: o Código da Família (Lei nº 1/88) que regula o casamento, a adopção, a tutela, as responsabilidades parentais, etc., assim como o Código Penal, a Lei do Trabalho (Lei no 2/00), a Lei de Bases de Protecção Social (Lei no 7/04), a Lei e o Regulamento sobre a Violência Doméstica (Lei No 25/11) que abordam todos os tipos de violência cometida em casa, em estabelecimentos educacionais, hospitais e instituições, bem como a Lei do Julgado de Menores, que estabelece o Julgado de Menores e estabelece o sistema de protecção judicial das crianças em conflito com a lei e/ou em situação de risco ou vítimas de violência.
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adoptados pelo Governo em 2007 como um quadro político que engloba a sobrevivência, o desenvolvimento e a protecção da criança. Quatro dos 11 compromissos dizem respeito, especificamente, aos direitos de protecção: o Compromisso 3 aborda o registo de nascimento, o Compromisso 6 referente à justiça juvenil, o Compromisso 8 que aborda a violência contra a criança e o Compromisso 9 que diz respeito à protecção social e competências familiares. Outros documentos de políticas relevantes à protecção da criança incluem a Estratégia Nacional de Prevenção e Combate à Violência Contra as Crianças, liderada pelo INAC, bem como o Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica. As reformas legais em curso devem ser aproveitadas como oportunidades para harmonizar ainda mais a legislação nacional com os padrões internacionais. De forma particular, a revisão do Código Penal deve abordar a idade mínima de responsabilidade criminal, assim como outras questões atinentes à protecção. Embora firmemente estabelecido, o quadro de políticas relativo à protecção da criança carece de clareza operacional e a sua implementação está atrasada. O quadro legal de protecção da criança articula, com clareza, os princípios gerais e as componentes de protecção em diferentes áreas; todavia, ainda é necessário definir o conteúdo e os procedimentos de programas específicos, juntamente com as responsabilidades institucionais e os mecanismos financeiros para a operacionalização. O impacto do quadro legal da protecção das crianças angolanas será muito limitado, até que sejam definidos e implementados os detalhes operacionais. A criação de um forte ambiente de protecção para as crianças envolve todos: o Estado, o sector privado, as organizações da sociedade civil, as igrejas, os órgãos de informação, as comunidades, as famílias e as próprias crianças. O Estado é vinculado, tanto pela sua obrigação constitucional de proteger as crianças, como pelos compromissos assumidos ao abrigo do direito internacional. As famílias – e em especial os pais e encarregados de educação – são os mais directamente responsáveis pela protecção e cuidados da criança no dia-à-dia. Devido à diversidade e à complexidade de factores subjacentes às violações dos direitos de protecção da criança em Angola, muitos sectores e instituições devem ser envolvidos. As violações dos direitos da criança, muitas vezes devem ser abordadas simultaneamente por diversos actores, ou requerem o encaminhamento de famílias e pessoas a serviços complementares (especializados) prestados por diferentes instituições. Os serviços de assistência social, sob a tutela do Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS) em Angola, estão no centro de um sistema multidisciplinar. Outros actores cruciais incluem os sectores da lei e ordem, justiça, educação, saúde e trabalho, assim como o Instituto Nacional da Criança (INAC) e o Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU). Devido ao processo de desconcentração e descentralização administrativa em curso em Angola, os governos provinciais e as administrações autárquicas têm um papel particularmente importante a desempenhar no fornecimento de serviços de protecção. Tendo em conta a sua natureza multissectorial, as estruturas administrativas subnacionais estão, em princípio, bem posicionadas para facilitar a coordenação entre os sectores e o desenvolvimento de mecanismos de referência eficazes. A nível central, o Conselho Nacional da Criança (CNAC) tem o mandato para desempenhar um papel de coordenação, conforme descrito no Capítulo 2. As redes informais de protecção da criança a nível comunitário devem ser capacitadas para serem os pilares de uma resposta de alcance profundo e integrada. A eficácia destas redes pode ser melhorada, garantindo que elas sejam reconhecidas e geridas por membros da comunidade, ao invés de organizações externas. As redes de protecção comunitárias devem ser equipadas directamente com recursos de formação e financeiros, assim como providas de directivas apropriadas para regular a sua interacção com os serviços sociais através de sistemas de referência. A protecção da criança requer a aplicação da lei, o estabelecimento de mecanismos de responsabilização claros, a gestão de casos e políticas e programas operacionais. Na prática, o sistema de protecção da criança é fraco e com recursos inadequados em termos de pessoal e de fundos e, padece de uma má coordenação entre os sectores e entre o Estado e os actores da sociedade civil. Uma área de preocupação importante é a inexistência virtual de serviços de assistência e unidades descentralizadas de acesso aos serviços, a nível local ou das comunidades, em especial fora de Luanda e nas capitais provinciais. Além disso, não existe um sistema funcional de gestão integrada de casos e regista-se uma insuficiência de procedimentos e mecanismos de referência bem definidos para serviços especializados e complementares. Outras insuficiências dignas de
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114 relevo são as barreiras de acesso ao registo civil e a inércia que retarda a criação de um sistema judicial eficaz para as crianças, que seja consistente com as normas e os princípios internacionais. Tal como acontece noutros sectores, os sistemas de dados e de informação são cruciais na monitoria e planificação da prestação de serviços para a protecção da criança e, simultaneamente, com a respectiva orçamentação, estas áreas necessitam de um fortalecimento substancial. Ainda não existe um sistema integrado de gestão de informação sobre a protecção da criança, com indicadores e procedimentos acordados para a recolha e gestão de dados. O CNAC propôs um Sistema de Indicadores para a Criança Angolana (SICA), como forma de implementar a sua ambição de se tornar um ‘observatório nacional’ dos direitos da criança. Na prática, este sistema de indicadores englobante teria de criar sistemas de informação de gestão dentro de sectores individuais (assistência social, educação, justiça, lei e ordem, etc.), que não existem neste momento. Além disso, não existe um sistema de estatísticas vitais funcional no país e apesar dos avanços registados pelo INE em algumas províncias, os dados da saúde e do registo civil não comunicam efectivamente. A inexistência de um cálculo de custos adequado das intervenções constitui uma outra insuficiência, pois resulta na adopção de planos e estratégias irrealistas que não são sustentadas por dotações orçamentais adequadas. Estas insuficiências na informação, planificação e orçamentação, constituem constrangimentos significativos à implementação das políticas de protecção da criança.
6.2.1 Serviços de acção social Os serviços de acção social constituem um ramo da protecção social que presta serviços preventivos e proactivos para combater a violência, o abuso, a exploração, a discriminação e a exclusão social, incluindo para as crianças. Os serviços de acção social fazem parte da ‘protecção social básica’, consoante a definição da Lei de Bases de Protecção Social (Lei No 7/04). O sistema de protecção social é analisado mais detalhadamente no Capítulo 7. Em Angola, a assistência social, incluindo os serviços de acção social, passou de um enfoque na assistência humanitária e de reinserção no período pós-guerra imediato, para uma maior ênfase nos direitos das famílias e pessoas vulneráveis, incluindo, em particular, as pessoas portadoras de deficiência, as famílias afectadas pelo VIH e SIDA, as crianças órfãs e outras vulneráveis, as pessoas idosas desamparadas e isoladas, bem como as vítimas de desastres naturais. A nível central, os serviços formais de de acção social estão sob a tutela do MINARS, que é responsável pela política nacional, pela definição de normas e pela orientação da implementação de programas aos níveis subnacionais. As actividades do MINARS encontram-se organizadas em cinco programas, cada um deles constituído por vários projectos: • O Programa de Apoio Social é um programa de transferência social em espécie, que distribui assistência alimentar e não alimentar às famílias vulneráveis (ver o Capítulo 7); • O Programa de Emprego e Geração de Renda, o qual fornece kits e formação para ajudar um pequeno número de pessoas singulares a abrir microempresas; • O Programa de Prevenção da Institucionalização procura oferecer alternativas à colocação de crianças em lares e orfanatos, nomeadamente, através do plano de mães tutelares para crianças abandonadas; fornecer substitutos do leite e alimentos complementares (leite e papa) às mães que não podem amamentar e a promover alternativas ao encarceramento de crianças em conflito com a lei; • O Programa de Assistência ao Idoso apoia idosos desamparados e sem apoio familiar; • O Programa de Capacitação Institucional oferece acções de formação a assistentes sociais e outro pessoal do sector de protecção. Os serviços de de acção social para crianças, geridos pelo Governo para as crianças, são neste momento de pequena escala, subfinanciados e com uma limitada articulação com os outros sectores108. Os serviços estão, na sua maioria, concentrados em Luanda e em algumas das capitais provinciais e, de uma maneira geral, a sua cobertura é muito fraca. Por exemplo, em 2011 o plano de Mães Tutelares apoiou o acolhimento de apenas 238
Além do MINARS, outros ministérios também prestam serviços de cuidados sociais. Destaca-se entre eles o Ministério da Família e Promoção da Mulher (MINFAMU), que apoia um programa de fortalecimento de competências familiares e a prestação de assistência às vítimas de violência doméstica 108
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crianças menores de 3 anos. Os serviços de de acção social são quase inteiramente inexistentes na maior parte das zonas rurais, onde as preocupações relativas à protecção da criança são por vezes tratadas numa base informal e não sistemática, através de estruturas comunitárias como a igreja, ONG, autoridades tradicionais (sobas) e outros líderes locais. As estruturas comunitárias que tratam da protecção e acção social nem sempre têm formação adequada, recursos financeiros, reconhecimento e apoio das administrações locais para o fazer. A inexistência de um sistema de serviços integrados de acção social a nível local constitui um grande desafio à protecção efectiva das crianças. É necessária uma rede de estruturas de acção social integrada e multifuncional, dotada de assistentes sociais a nível das comunidades, para o fornecimento de actividades preventivas e serviços de resposta para as famílias, crianças e outros grupos de risco. Em Angola não existe qualquer estrutura desta natureza e a carreira de assistente social nem sequer é reconhecida no quadro do pessoal oficial dos municípios e comunas. Os poucos assistentes sociais existentes no sistema estão concentrados nas capitais provinciais e, acima de tudo, em Luanda, onde o número de quadros qualificados ultrapassa, de longe, o de todas as restantes províncias. Os governos provinciais e as administrações municipais responsáveis pela prestação de serviços devem atribuir uma prioridade muito maior e muito mais recursos à acção social. Embora as Direcções Provinciais de Assistência e Reinserção Social (DPARS) devam seguir as orientações técnicas do ministério a nível central, administrativamente elas fazem parte dos governos provinciais. Este sistema duplo continua até o nível municipal, onde as actividades de assistência social são realizadas sob a orientação da DPARS a nível provincial, enquanto o pessoal (‘técnicos para a área social’) faz parte da administração municipal e presta contas ao administrador do município. À excepção das principais capitais, o INAC não está representado na maioria dos municípios. Em algumas áreas, também existem unidades de assistência social especializadas, tais como o CIC/CEC para a educação da primeira infância (ver o Capítulo 5), lares de idosos, orfanatos e instituições que prestam serviços para pessoas portadoras de deficiência. Tal como acontece nos outros sectores, a desconcentração administrativa através dos governos provinciais e administrações municipais estruturados horizontalmente (ao invés de através de ministérios estruturados verticalmente) significa que o grau de prioridade dado à acção social a nível local depende, em grande medida, do interesse individual dos governadores provinciais e da alocação de recursos orçamentais provinciais. Não existem verbas orçamentais para a acção social a nível municipal. O esboço da Política Nacional de Assistência Social propõe a criação de Centros de Acção Social Integrados (CASI) para colmatar a lacuna em termos de unidades descentralizadas de acesso aos serviços, começando pelo nível municipal. O pessoal dos CASI deve ser constituído por assistentes sociais, sendo necessário um investimento substancial na sua formação, um ajustamento no quadro de pessoal a nível municipal e a colocação de assistentes sociais em municípios de todo o país, para a prestação de um pacote básico de serviços. Também teriam de ser estabelecidos mecanismos de financiamento adequados, de preferência designando os CASI, como unidades orçamentais, e alocando recursos orçamentais adequados para que possam realizar as suas funções sem dependência das alocações provinciais. O esboço da política indica que os CASI teriam um misto de funções preventivas e proactivas e envolver-seiam em actividades de comunicação social, com o objectivo de sensibilizar as comunidades em relação aos riscos e mudar práticas prejudiciais, tais como o casamento infantil. Os CASI também realizariam trabalho de prevenção junto às famílias através do aconselhamento, com vista a reduzir a probabilidade e a gravidade de ameaças, tais como, a ruptura familiar, a violência doméstica e o abuso ou negligência de crianças. Os CASI também teriam a função de intervir na eventualidade de abusos reais, prestando apoio às vítimas e encaminhando-as a serviços especializados. Por último, os CASI ajudariam a facilitar o acesso a serviços básicos, tais como, o registo de nascimento, serviços de educação e saúde e programas de assistência social por parte das famílias e crianças em situação de marginalização e exclusão social. A gestão de casos integrada requer ligações interinstitucionais sólidas e o estabelecimento de mecanismos de referência efectivos. É vital que as questões ligadas à protecção da criança não estejam isoladas dentro dos programas verticais, mas sim que sejam integradas nos sectores e instituições com mandatos e competências relevantes. A nível local, os CASI proporcionariam um quadro de gestão de casos integrada, com encaminhamento a serviços especializados, consoante as necessidades. Por exemplo, as referências poderiam ligar as mulheres e crianças, vítimas de violência, a refúgios temporários, serviços de saúde e serviços policiais e legais, sempre que fosse relevante.
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116 Os CASI devem também trabalhar em estreita colaboração com as estruturas comunitárias reconhecidas na Lei da Criança (Lei Nº 25/11), como o pilar de um sistema de protecção da criança, que deve fornecer “serviços de qualidade às crianças com base em padrões e normas estabelecidos”. As redes de protecção da criança já foram criadas em algumas áreas, constituídas por líderes locais e voluntários, tais como, professores, sobas (líderes tradicionais), padres e, em muitos casos, funcionários do governo e/ou trabalhadores e ONG. Onde estão a funcionar, estas redes ajudam a identificar e a responder a violações dos direitos da criança, a reduzir práticas prejudiciais e a transformar as atitudes e os comportamentos das comunidades.
6.2.2 Registo de nascimento Melhorar o acesso ao sistema de registo civil é crucial para atingir o objectivo da universalidade do registo de nascimento, definido no Plano Nacional de Desenvolvimento do Governo. A cobertura do registo de nascimento é baixa e apenas 31 por cento das crianças menores de 5 anos de idade têm certidão de nascimento. Tal deve-se, em grande medida, às insuficiências dos serviços de registo e aos padrões e práticas sociais que limitam a procura de registo. As principais razões mencionadas pelas mães, para não registarem os seus filhos, são o custo e a distância, representando respectivamente 33 por cento e 16 por cento das crianças menores de 5 anos não registadas (IBEP 2008-2009). Estas barreiras revestem-se de particular importância nas zonas rurais e para as crianças de famílias mais pobres (ver a Figura 6.4). Por conseguinte, é crucial levar os serviços de registo de nascimento para mais perto da população rural e cortar os custos directos e indirectos do acesso a esses serviços. A terceira razão mais importante do não registo de crianças é o facto de os bilhetes de identidade (BI) dos pais terem caducado, situação que foi mencionada por 8 por cento das mães inquiridas. Por isso, é também importante facilitar o acesso aos serviços de renovação dos BI. Em contrapartida, muito poucas mães não registaram os seus filhos à nascença porque consideraram que não era importante (3,5 por cento), desconheciam que o nascimento tinha que ser registado (1,7 por cento) ou não sabiam onde registar o nascimento (4,5 por cento) (IBEP 2008-2009).
Figura 6.4 Barreiras ao registo de nascimento: Principais razões apresentadas pelas mães de crianças menores de 5 anos, que não as registaram à nascença para não o fazerem, por local de residência e quintiles
Fonte: IBEP 2008-2009.
O Governo reconheceu a necessidade de envidar um esforço adicional e, recentemente, adoptou várias medidas tendentes a aumentar a cobertura do registo de nascimento. Medidas tomadas recentemente incluem a isenção das taxas dos emolumentos do registo de nascimento para todas as crianças menores de 5 anos de idade,109 a isenção do pagamento das taxas de registo para todos os cidadãos angolanos por um período de três anos até 2016110 e a isenção do pagamento de taxas para emissão do do Boletim de Registo Civil e Bilhete
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Decreto no 31/07. Decreto Presidencial nº 80/2013.
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de Identidade, quando solicitado pela primeira vez111. Além disso, em conformidade com as recomendações da 28ª Sessão do Comité dos Direitos da Criança, o Governo lançou um projecto de massificação do registo de nascimento, que tem como meta proceder ao registo de 8 milhões de cidadãos até 2017. Embora as campanhas de grande escala contribuam para reduzir progressivamente o número acumulado de crianças não registadas,112 deve ser mantido um grande foco na criação de um sistema de rotina que seja sustentável a longo prazo. A sustentabilidade do sistema de registo em Angola dependerá de uma maior disponibilidade dos serviços de rotina, da disponibilidade de pessoal qualificado em número suficiente e da criação e implementação de procedimentos adequados. A importância e urgência de investimento em pessoal qualificado foram, mais uma vez, levantadas durante um diagnóstico recente realizado pelo governo, que concluiu que o sistema de registo civil necessitaria de um total de 2.810 funcionários públicos, ou seja, mais de duas vezes e meia os 1.064 existentes neste momento. O Ministério da Justiça tem de continuar a estabelecer parcerias operacionais com outros ministérios, com vista a fortalecer o sistema de registo. A título de exemplo, foi recentemente estabelecida uma importante parceria com o Ministério da Saúde para fornecer serviços de registo nas secções de maternidade das unidades sanitárias. Esta parceria permite o registo crucial de recém-nascidos no local. Com efeito, uma maior cooperação com as estruturas governamentais de outros sectores como a administração territorial, saúde, educação, etc. poderia aumentar consideravelmente os pontos de acesso aos serviços de registo, particularmente nas zonas mais carenciadas do país. Os dados referentes ao registo civil continuam incompletos e, por essa razão, não são utilizados como fonte de estatísticas vitais em Angola. Há uma necessidade de fortalecer a cooperação do Instituto Nacional de Estatística, entidade responsável pela recolha e análise de dados, com o Ministério da Saúde e as Conservatórias do Registo Civil. O Plano do Sector da Justiça (2010-2025) inclui a implementação de vários projectos e medidas para o período compreendido entre 2014 e 2017 para reforçar o registo, a informação e a coordenação, enfatizando a utilização de tecnologias de informação para o armazenamento, registo, divulgação e recuperação de informação, melhorando a comunicação e trazendo um maior dinamismo à cooperação no registo civil. A disponibilidade regular de dados demográficos vitais de qualidade é fundamental para o funcionamento da administração pública e para a prestação de serviços aos cidadãos. Na ausência de documentos legais, como uma certidão de nascimento, os direitos e privilégios individuais são excluídos, criando oportunidades e brechas legais para a ocorrência de situações de abuso e exploração, afectando especialmente as populações vulneráveis, nomeadamente, as crianças e mulheres.
6.2.3 Justiça para as crianças O acesso à justiça é um direito inalienável de todas as crianças; isso inclui o acesso a medidas céleres, eficazes e justas para proteger os seus direitos, prevenir ou resolver litígios e controlar o abuso do poder através de processos transparentes, acessíveis e responsáveis. As crianças que entram em contacto com o sistema judicial devem ter disponíveis processos especializados, adequados à sua idade, rápidos e diligentes, que estejam adaptados às necessidades e direitos da criança e respeitem o princípio do seu interesse superior.113 Em Angola, a legislação nacional relacionada com o acesso à justiça para as crianças está bem desenvolvida, através de uma série de disposições contidas na Constituição, na Lei do Julgado de Menores e na Lei da Criança. O quadro legislativo foi actualizado em 2008, com a aprovação dos Decretos Executivos Conjuntos nºs 17/08 e 18/08, que regulam as medidas socioeducativas ou de prevenção criminal
Decreto Executivo nº 309/13 de 23 Setembro. O Ministério da Justiça prevê a realização de uma campanha de registo, com recurso a equipas móveis, para alcançar as zonas remotas, conforme o previsto no Plano Nacional de Desenvolvimento. 113 Princípio do Interesse Superior da Criança (Artigo 3º da Convenção sobre os Direitos da Criança): O interesse superior da criança deve ser a principal preocupação na tomada de decisões que possam afectá-las. Todos os adultos devem fazer o que é melhor para as crianças. Quando os adultos tomam decisões, devem pensar em como as suas decisões afectarão as crianças. Este aspecto aplica-se especialmente aos responsáveis pela formulação de leis, políticas e orçamento. (UNICEF; consultado em http://www.unicef.org/CDC/files/Guiding_Principles.pdf). 111
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118 da Liberdade Assistida e da Prestação de Serviço Comunitário, respectivamente. A legislação estabelece um modelo de responsabilidade penal para crianças, de acordo com a Convenção sobre os Direitos da Criança, que dá prioridade às medidas não privativas de liberdade orientadas para a reinserção social dos adolescentes e de suas famílias. A legislação actual destina-se, especialmente, a evitar arbitrariedades, muitas vezes impostas a crianças pobres e desfavorecidas sob o pretexto de prevenção da criminalidade. Tem como objectivo fortalecer o sistema legal de tal forma que as crianças/adolescentes só possam ser responsabilizados em conformidade com as garantias constitucionais do devido processo legal, que inclui o direito à liberdade e à presunção de inocência e a justiça. A reabilitação, a remissão114 e outros mecanismos alternativos que envolvam famílias, comunidades e vítimas, com o apoio de assistentes sociais e do sistema judicial, é uma abordagem mais segura e mais eficaz do que as medidas punitivas para os adolescentes, particularmente o encarceramento. Esta é a política firmada pelo Governo, que alinhou formalmente o quadro legal para a justiça de crianças, com as normas internacionais estabelecidas na Convenção sobre os Direitos da Criança e nas Regras Mínimas das Nações Unidas sobre a Administração da Justiça de Menores (Regras de Pequim), através da Lei do Julgado de Menores (Lei Nº 9/96). Os adolescentes em conflito com a lei enfrentam um grande risco de abuso, especialmente se forem detidos com adultos. Também são susceptíveis de privação dos seus direitos à educação, saúde e contacto com a família. Estas condições, agravadas pela estigmatização, fornecem fracas perspectivas de reinserção social e de teruma vida produtiva na idade adulta. Em Angola, há uma necessidade de um progresso mais rápido na implementação da Lei do Julgado de Menores. Apenas uma das dezoito províncias – Luanda – dispõe de um tribunal especializado para crianças. Em todas as outras províncias, as crianças acusadas ou vítimas de crimes são assistidas nos tribunais provinciais. Existem evidências de que alguns adolescentes com idade superior aos 16 anos condenados à prisão e, são encarcerados em prisões regulares com reclusos adultos. Um estudo realizado na Huíla constatou que, embora o sistema judicial agilize os casos de crianças e procure oferecer alternativas à detenção, tais como, a liberdade condicional, o aconselhamento e a frequência da escolaridade obrigatória, não é dado seguimento a esses mecanismos, devido à inexistência de responsabilidades institucionais claras, recursos financeiros ou pessoal qualificado (Mozaiko ONG de 2013). A prestação de serviço comunitário ou a liberdade assistida raramente são utilizadas como alternativas para as crianças em conflito com a lei. O estudo também constatou que fora da capital provincial, o sistema não funciona devido à falta de recursos. A aplicação do quadro legal nacional de justiça para crianças requer soluções práticas, para melhorar a coordenação entre os sectores sociais e judiciais e entre os principais ministérios (Justiça e Direitos Humanos, Interior e Assistência Social). Além disso, a aplicação deve corrigir a falta de Comissões Tutelares e outros órgãos subsidiários ao Julgado de Menores nas províncias, a falta de centros de detenção separados para crianças e a falta de regulamentos relacionados com a privação da liberdade. Por último, torna-se necessário garantir que todos os magistrados, agentes da lei e da ordem e outros intervenientes tenham conhecimentos adequados e estejam cientes das questões relacionadas com a protecção e direitos da criança. Algumas deficiências na implementação de medidas destinadas a fortalecer a justiça de crianças reflectem problemas que afectam o sistema judicial em geral. O acesso à justiça, por parte das vítimas de violência ou de outros crimes, é extremamente difícil, em especial para os pobres e os que vivem nas zonas rurais, devido à distância dos tribunais, processos lentos e onerosos, fraco conhecimento dos direitos e do processo judicial e uma falta de assistência jurídica. A profissão jurídica está esmagadoramente localizada em Luanda, que tem 93 por cento dos 656 advogados do país (MINPLAN 2010). Em resultado do número insuficiente de procuradores e magistrados, de procedimentos burocráticos pesados e da falta de informatização, os tribunais estão sobrecarregados, levando a atrasos dos casos que chegam para julgamento. Existe um sistema de assistência jurídica, mas o acesso a ele é particularmente difícil para os pobres, devido à distância e à falta de informação. Nas zonas rurais, opera um sistema judicial informal
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Desviar ou canalizar os jovens delinquentes para fora do sistema de justiça de menores.
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através das autoridades tradicionais. Os sistemas informais têm a vantagem da acessibilidade, tornando possível o processamento de delitos menores, utilizando o direito consuetudinário e a mediação comunitária. No entanto, há também contradições importantes entre o direito consuetudinário e o estatutário, em particular no que diz respeito aos direitos das mulheres no casamento e no divórcio, a guarda dos filhos, a propriedade e a herança.
6.3 Resumo de acções prioritárias 1. Criar unidades descentralizadas de acesso aos serviços de protecção preventivos e proactivos. Sem uma rede de assistentes sociais, será difícil registar avanços na redução dos riscos de protecção à criança ou fornecer uma resposta adequada às famílias e crianças em stress agudo ou que são vítimas de abuso. Para estabelecer unidades descentralizadas de acesso aos serviços funcionais e eficazes a nível local, será necessário: • Adoptar legislação e regulamentos que definam a finalidade, funções e procedimentos destas estruturas. Estes regulamentos devem abranger especificamente a gestão de casos e o encaminhamento para outros serviços sociais e órgãos de protecção. • Introduzir um quadro de assistentes sociais dentro da estrutura organizacional das administrações municipais e formar e afectar um número suficiente de assistentes sociais às unidades descentralizadas de acesso aos serviços. • Designar unidades descentralizadas de acesso aos serviços como unidades orçamentais e garantir a disponibilização de recursos adequados com base no cálculo de custos das suas actividades. 2. Redobrar os esforços com vista a fortalecer os sistemas de registo civil e de estatísticas vitais e adoptar estratégias multissectoriais para facilitar o acesso ao registo de nascimento e a procedimentos de identificação. Mais de 4 milhões de crianças angolanas não têm certidão de nascimento. A falta de prova de identidade legal dificulta o acesso a serviços essenciais e tem implicações na obtenção de direitos de cidadania, incluindo o direito de voto. A seguir surgem como acções prioritárias: • Estender o acesso gratuito ao registo de nascimento a todas as crianças menores de 18 anos. • Introduzir serviços de registo de nascimento em todas as unidades sanitárias/maternidades. • Estabelecer protocolos com os ministérios sectoriais como forma de aumentar os pontos de acesso aos serviços de registo, sobretudo nas zonas rurais. • Concluir o processo de informatização do sistema de registo civil para melhorar a eficiência e a segurança. • Garantir o fluxo regular de dados de estatísticas vitais entre os diferentes ministérios. 3. Criar e implementar um modelo adequado e especializado de justiça para as crianças em todas as províncias. As crianças que entram em contacto com o sistema judicial devem encontrar processos especializados, apropriados à idade, céleres, diligentes e integrados na polícia, sistema judicial e serviços sociais. Tais processos devem estar adaptados às suas necessidades e direitos específicos e devem respeitar o princípio de interesse superior. Muitas das crianças que entram em contacto com o sistema judicial, cometeram pequenos delitos, e muitos devido à falta de apoio ou supervisão dos pais. As soluções tendentes a responsabilizar as famílias e os adolescentes pelos seus actos e de garantir a reinserção social de crianças em conflito com a lei nas comunidades incluem o aconselhamento psicossocial, o regresso ou inscrição na escola, mecanismos de liberdade assistida e de prestação de serviço comunitário. Outras crianças procuram o sistema judicial para obter protecção como vítimas ou testemunhas de crimes/ violência ou como sujeitos de processos administrativos, tais como, a adopção. O modelo de justiça deverá designar, claramente, as diferentes responsabilidades institucionais (envolvendo o Ministério da Justiça e Direitos Humanos, do Interior, a Procuradoria-Geral, a Assistência Social, em particular) e os procedimentos a serem seguidos e prever a formação de pessoal e dotações orçamentais específicas para que os tribunais provinciais possam oferecer protecção especializada às crianças em contacto com o sistema judicial.
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Um sistema de protecção social sólido é fundamental para reduzir a vulnerabilidade dos pobres aos riscos sociais, reforçar a sua resiliência a choques e melhorar o capital humano e a produtividade. Conforme analisado no Capítulo 3, milhões de angolanos continuam presos na armadilha da pobreza. As famílias pobres têm um tamanho que é geralmente maior do que a média e apresentam uma elevada taxa de dependência devido ao facto de terem mais filhos. Elas tendem a ser chefiadas por pessoas que têm baixos níveis de escolaridade e trabalham por conta própria na agricultura de pequena escala ou no pequeno comércio e, por conseguinte, não possuem o capital humano, poupanças e acesso ao crédito ou bens físicos que lhes permitam sair da pobreza. As mulheres e as crianças que vivem em famílias pobres são particularmente vulneráveis. A análise da equidade nos capítulos anteriores mostrou que as mulheres pobres estão expostas a riscos de saúde reprodutiva mais elevados do que as mulheres mais ricas, devido a níveis mais elevados de fecundidade e gravidez precoce e ao menor uso de serviços de saúde materna. As mulheres das famílias pobres também suportam um pesado fardo de tarefas produtivas dentro e fora de casa e são responsáveis por cuidar das crianças. Os seus filhos são mais propensos do que os de famílias mais ricas, a sofrer de baixo peso, falta de tratamento adequado quando estão doentes, entram tarde para a escola, abandonam cedo a escola e envolvem-se no trabalho infantil. Os efeitos da fraca participação na educação, a falta de acesso a cuidados de saúde e o baixo peso durante a infância repercutem-se até a fase adulta, diminuindo o bem-estar e a produtividade, com impactos sociais e económicos graves a longo prazo. O baixo investimento no desenvolvimento humano durante a infância cria um ciclo vicioso de transmissão da pobreza de uma geração para a seguinte. Também restringe o desenvolvimento nacional, para além dos limites das indústrias enclave, como o petróleo e a mineração, arrisca perpetuar as desigualdades que corroem a estabilidade social e poderia, eventualmente, prejudicar os esforços pós-conflito de construção de uma sociedade mais coesa e pacífica. O actual sistema de protecção social em Angola é débil, mas uma proposta de Política Nacional de Assistência Social (PNAS) (MINARS 2013) estabelece bases sólidas para o fortalecimento e a expansão da cobertura da protecção social. Historicamente, o sistema de protecção social tem se limitado a regimes de segurança social contributiva, para a pequena minoria de angolanos que trabalha no sector formal da economia. Este sistema formal não atingiu a massa dos pobres, que trabalham predominantemente na agricultura familiar de pequena escala, no pequeno comércio e noutros ramos da economia informal. No outro extremo do espectro, alguns programas de assistência social, geridos pelo Ministério da Assistência e Reinserção Social (MINARS), proporcionaram algum alívio ad hoc a algumas das famílias mais vulneráveis. Até ao momento, não existe nenhum programa de protecção social nacional de grande dimensão, que visa especificamente redistribuir recursos para os milhões de angolanos que não têm conseguido beneficiar do rápido crescimento económico dos últimos anos. Porém, essa situação pode mudar em breve, com o projecto do PNAS, que aguarda aprovação formal do Governo (ver a Secção 7.3). Além disso, o Programa Nacional de Redução da Pobreza do Ministério do Comércio lançou recentemente um programa de transferência de renda, fornecendo dinheiro a pessoas pobres, para a aquisição de um conjunto previamente definido de bens (ver a Secção 7.2).
7.1 O papel das transferências de renda na criação de capital humano e redução da pobreza No auge da crise económica global, em Abril de 2009, a Organização das Nações Unidas apelou aos governos em todo o mundo para estabelecer um “patamar de protecção social” como forma de proteger os pobres das ondas de choque da crise (ONU 2009). A União Africana, na Declaração de Windhoek de Outubro de 2008, tinha apelado anteriormente aos países africanos, para que criassem sistemas mais fortes de protecção social, como parte dos seus esforços mais amplos para reduzir a pobreza (UA 2008).
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Capítulo 7. Enfrentar a pobreza infantil através da protecção social
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Capítulo 7. Enfrentar a pobreza infantil através da protecção social
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122 A protecção social tem como objectivo fortalecer a capacidade das famílias de gerir os riscos e choques e de reduzir a sua vulnerabilidade a longo prazo. É um termo genérico que abrange muitos tipos diferentes de programas, tais como, o subsídio de desemprego, pensões e subsídios de apoio à criança, regimes de segurança social, programas de obras públicas e serviços de assistência social. No entanto, o cerne da protecção social, geralmente, é composto por três grandes componentes, juntamente com um conjunto de actos legislativos relativos à protecção (ver a Figura 7.1): • Programas de seguro social, que são de natureza contributiva, fornecendo um mecanismo de partilha de risco para enfrentar as contingências da vida (desemprego, doença, invalidez, velhice, etc.) e que tendem a limitar-se aos que se encontram no emprego formal, restringindo imenso a sua cobertura nos países africanos com grandes sectores informais; • Programas de assistência social, que fornecem transferências sociais não contributivas, geralmente financiados por impostos e beneficiam os pobres ou grupos vulneráveis ou específicos, tais como, deficientes, idosos ou crianças, seja em dinheiro ou em espécie; • Serviços de acção social, que são o ramo ‘não-monetário’ da protecção social, prestando serviços de prevenção e de resposta, para enfrentar os riscos de violência, abuso, exploração, discriminação e exclusão social, incluindo para as crianças (conforme analisado no capítulo anterior)115.
Figura 7.1 Componentes da protecção social
Protecção Social Não contributiva Transferências sociais (Assistência social)
Serviços de acção social
Contributiva Seguro social (Segurança Social)
Legislação de Protecção
As transferências de renda (ou transferências sociais monetárias), de forma particular, tornaram-se um instrumento de eleição para aumentar a resiliência, promover a redistribuição, facilitar o acesso aos serviços sociais e reduzir a pobreza a longo prazo. Os programas de transferência de renda estão focalizados aos beneficiários, usando uma variedade de métodos, nomeadamente, a focalização por nível de pobreza ou por categorias específicas de vulnerabilidade, muitas vezes definida por idade (crianças e idosos), deficiência ou outras características individuais ou familiares, incluindo a pobreza. As transferências de renda são implementadas em muitos países em desenvolvimento, bem como nos países industrializados. O objectivo específico das transferências sociais varia de acordo com a natureza da transferência ou do grupo alvo, mas geralmente têm múltiplas vantagens: • Ao transferir recursos para os agregados familiares, os programas de transferência de renda ajudam a garantir um nível mínimo de consumo para atender às necessidades básicas e garantir a dignidade humana. • Ao facilitar que as famílias vulneráveis suportem os custos directos e indirectos do acesso aos serviços sociais básicos, tais como, os cuidados de saúde e escolas, e que atendam às necessidades nutricionais dos seus filhos, as transferências sociais monetárias permitem que estas famílias reforcem o seu capital humano, melhorando as oportunidades de vida dos seus filhos e contribuindo para o crescimento da economia nacional e o desenvolvimento. • Ao aumentar e estabilizar os recursos familiares, as transferências permitem que as famílias mais pobres comecem a fazer pequenas poupanças – muitas vezes pela primeira vez, para aceder ao microcrédito e investir na melhoria da sua produtividade, ajudando a abrir um caminho de longo prazo, para sair da pobreza e para tornar o crescimento económico mais inclusivo e ‘em prol dos pobres’. 115
Os serviços de assistência social foram analisados na secção 6.3.1.
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• Ao injectar dinheiro na economia local, as transferências contribuem para estimular o desenvolvimento local nas comunidades e regiões pobres através de efeitos multiplicadores. • Durante as crises económicas, como foi o caso da crise económica mundial em 2008-2009, a expansão das transferências sociais pode ter um efeito estabilizador da procura agregada, ajudando a prevenir um declínio mais grave da actividade económica. • Ao estabilizar a renda e o nível de consumo, em caso de choques económicos adversos ou de desastres naturais como secas ou inundações, as transferências ajudam a reforçar a resiliência das famílias vulneráveis, tornando desnecessário recorrer a estratégias adversas de sobrevivência, tais como, a venda de gado ou de outros bens produtivos domésticos ou a retirada das crianças da escola para começarem a trabalhar. • Por último, como um mecanismo de redistribuição, de redução da pobreza e de promoção do acesso aos serviços, as transferências de renda ajudam a reduzir a desigualdade e a fortalecer a coesão social. Isso pode ter um efeito transformador sobre as sociedades, que estão a braços com elevados níveis de desigualdade e exclusão social e pode contribuir para evitar o risco de tais tensões sociais se transformarem em conflito interno. (DFID 2005 e Banco Mundial 2012a e 2012b; The Transfer Project 2014) As transferências sociais são geralmente pagas em dinheiro, com regularidade a longo prazo, embora se possam justificar transferências temporárias em espécie, em condições específicas. As transferências de dinheiro oferecem aos beneficiários uma maior flexibilidade para atender às suas diferentes necessidades do que as transferências em espécie, e são normalmente pagas com regularidade, durante um longo período de tempo, a fim de desenvolver a capacidade, a longo prazo, dos beneficiários ou porque, em certos casos, por exemplo, de idosos ou de pessoas com deficiência, a ‘graduação’ não é um objectivo realista. As transferências em espécie, tais como, assistência alimentar, também têm a desvantagem de contribuir para a depreciação dos mercados agro-alimentares locais, desincentivando assim a produção agrícola local. Em geral, só quando os mercados não funcionam bem, devido a conflitos ou outros factores, ou por causa da natureza especializada dos produtos em causa (por exemplo, alimentos terapêuticos para crianças que sofrem de malnutrição aguda, equipamentos para pessoas portadoras de deficiência, ou artigos básicos de sobrevivência após a ocorrência de desastres naturais) é que as transferências em espécie de curto prazo têm um papel valioso e específico.
Caixa 7.1 Transferências sociais e ‘procura’ de serviços sociais básicos O acesso aos serviços de saúde e educação reflecte tanto a oferta desses serviços como a sua procura. O acesso à educação, por exemplo, requer não só a existência de escolas e professores nas proximidades de um agregado familiar (a oferta), mas também a vontade dos pais de mandar os filhos para a escola (a procura). A procura é afectada por custos directos e indirectos e, ainda, por factores socioculturais (como o casamento prematuro e a gravidez precoce, facto que leva as raparigas a abandonar a escola) e problemas com a qualidade do serviço social (um problema do lado da oferta), bem como os ‘retornos’ percebidos para os investimentos das famílias para aceder ao serviço. No caso da educação, os custos directos podem incluir propinas escolares formais e informais e a compra de livros, material escolar e uniformes. Os custos indirectos ou de oportunidade também são importantes. As famílias pobres podem preferir que uma criança contribua para a renda ou recursos familiares, por exemplo, auxiliando o trabalho nos campos agrícolas da família ou vendendo mercadorias no mercado local, em vez de frequentar a escola. Ao aumentar a renda familiar, as transferências de renda podem compensar estes custos directos e indirectos e, deste modo, aumentar a procura de serviços básicos. As transferências condicionais de dinheiro (TCD) visam reforçar a procura de serviços sociais básicos, através da introdução de condições explícitas que exijam o uso de serviços da educação e/ou de saúde pelos filhos dos beneficiários. No entanto, há poucas evidências de impactos adicionais atribuíveis às condições inerentes às TCD, para além do efeito no nível de renda das próprias transferências. Além disso, no contexto africano, há preocupações sobre a viabilidade das TCD em países que enfrentam graves constrangimentos do lado da oferta, em termos de prestação de serviços sociais, a capacidade inadequada nas escolas e unidades sanitárias para verificar o cumprimento das condições pelos beneficiários e a falta de assistentes sociais para dar seguimento e resolver os casos de incumprimento. Também há preocupações de que as condições podem impor custos de transacção desnecessários aos beneficiários e até mesmo risco de exclusão dos mais vulneráveis.
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CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Capítulo 7. Enfrentar a pobreza infantil através da protecção social
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124 Alguns programas vinculam as transferências a condições comportamentais dos beneficiários. Estas transferências condicionais de renda (TCR) visam tirar proveito dos efeitos das transferências de renda, promovendo a mudança positiva do comportamento. Normalmente, as TCR condicionam o recebimento de transferências à vacinação das crianças de tenra idade, à frequência escolar de crianças em idade escolar e à participação dos adultos em sessões informais educativas sobre as práticas de higiene, nutrição e cuidados infantis. No entanto, a aplicação de condições a transferências de dinheiro, aspecto que foi lançado em grande escala na América Latina, tem sido objecto de controvérsia considerável (ver a Caixa 7.1). Os grandes programas de transferência de renda introduzidos por países de renda média na África Austral, como o Subsídio de Apoio à Criança da África do Sul (CSG), são todos incondicionais. O CSG é o maior programa de transferência de dinheiro de África, beneficiando 11,5 milhões de crianças em 2012 (ver a Caixa 7.2). Outros programas vinculam as transferências à participação em programas de obras públicas (POP). Nesses dispositivos de ‘ajuda ao emprego’, a transferência torna-se efectivamente num salário pago, seja em dinheiro ou em espécie, como acontece nos programas de comida por trabalho. As obras públicas destinam-se a reduzir a pobreza a curto prazo, através da disponibilização de rendimento salarial e, a longo prazo, melhorando o stock de bens da comunidade (estradas rurais, sistemas de irrigação, infra-estrutura social, etc.) ou do reforço da protecção ambiental (por exemplo, através do reflorestamento e obras de combate à erosão). Nas zonas rurais dos países em desenvolvimento, muitas vezes os POP visam especificamente reduzir a insegurança alimentar cíclica, que resulta da sazonalidade da produção alimentar e da renda familiar, que estão dependentes da pluviosidade, fornecendo uma rede de segurança durante o período de escassez que antecede as colheitas. Um dos maiores programas deste tipo em África é o Programa de Redes de Segurança Produtivas da Etiópia (Productive Safety Nets Programme – PSNP), que beneficia 7,6 milhões de habitantes muito pobres das zonas rurais, anualmente, através de dezenas de milhares de projectos de obras públicas locais. Há evidências substanciais dos efeitos positivos de transferências de renda no desenvolvimento, em particular no que diz respeito à redução da pobreza, desenvolvimento do capital humano e estimulação do desenvolvimento económico nas comunidades pobres. Estudos realizados na África do Sul demonstraram que as transferências sociais reduziram a pobreza monetária e o coeficiente de Gini,116 melhoraram a nutrição das crianças de tenra idade e aumentaram os ingressos no ensino primário na idade certa. Há também fortes evidências do Quénia e da Etiópia de impactos positivos variados das transferências sociais (ver a Tabela 7.2). A nível mundial, as evidências de avaliações em muitos países mostram que as transferências de renda tiveram impactos significativos sobre o consumo das famílias, diversidade alimentar, ingresso escolar, acesso a serviços de saúde e desenvolvimento da primeira infância. Estão também a surgir evidências da África do Sul e do Quénia, do impacto das transferências de renda no bem-estar do adolescente e na prevenção do VIH. Evidências de impactos económicos e produtivos das transferências de renda vêm de vários países como o Quénia, Zimbabwe, Malawi, Etiópia, Lesoto, Zâmbia e Gana. Transferências sociais de renda também tiveram impactos estatisticamente significativos sobre a malnutrição crónica na Colômbia, México, Nicarágua e África do Sul.117 Diversas avaliações também mostraram efeitos positivos das transferências de renda sobre o ingresso e frequência escolar, especialmente nas zonas rurais e nas famílias mais pobres e – em países com níveis iniciais de frequência do ensino primário mais elevados – ao nível do ensino secundário.118 Vários desses estudos também mostraram uma redução do trabalho infantil.
116 O índice de Gini mede até que ponto a distribuição de renda ou as despesas de consumo das pessoas ou agregados familiares dentro de uma economia se desviam de uma distribuição perfeitamente igual. 117 Ver Leroy et al, 2009, sobre os impactos das TCD na nutrição e Agüero et al, 2010, sobre o impacto das TCD sul-africanas na nutrição. 118 Ver por exemplo Rawlings e Rubio (2005), Damon e Glewwe (2007) e Fiszbein et al (2009).
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Caixa 7.2 Transferências sociais em África Apesar de os sistemas de protecção social na maior parte dos países de África terem sido historicamente fracos, limitando-se, na sua maioria, a regimes de segurança social contributiva dos funcionários públicos e outros empregados do sector formal, tem se registado uma onda de interesse em estabelecer e expandir programas de transferências de renda e de obras públicas nos últimos anos, principalmente como um meio de acelerar a redução da pobreza. A União Africana apelou ao desenvolvimento de transferências sociais pelos Estados-membros na Declaração de Windhoek em 2008. Uma revisão recente identificou um total de 123 programas de transferências sociais não contributivas na África Subsaariana (Banco Mundial, 2013). Embora alguns destes regimes tenham sido inspirados pelo sucesso das TCR em países latino-americanos como o México e o Brasil e tenham tentado imitar esse modelo, outros programas mais internos evitaram a vinculação das transferências às condições comportamentais. Vários países de rendimento médio, especialmente na região da SADC, criaram programas nacionais de transferência de renda de grande dimensão e eficazes, destinados a grupos demográficos vulneráveis, seja como programas universais ou aplicando um filtro de pobreza. A África do Sul tem o programa mais avançado na região, com uma grande variedade de transferências direccionadas à pobreza, mas incondicionais, incluindo um subsídio de apoio à criança, uma pensão de aposentação e uma pensão de invalidez. O programa sul-africano abrange actualmente 15,6 milhões de pessoas, a um custo equivalente a 2,4 por cento do PIB. Estes subsídios e pensões reduziram a prevalência da pobreza, aumentaram a frequência escolar e melhoraram a nutrição, a saúde e a participação no mercado de trabalho. A maioria dos países de média renda da SADC tem pensões sociais (por velhice e invalidez) e a Namíbia também tem um subsídio de apoio à criança.
Tabela 7.1 Principais programas de transferência de renda da África Subsaariana, 2012 Países
África do Sul
Programa
Elegibilidade
Número de beneficiários
Valor da transferência ($/mês)
Custo como % do PIB
Pensão social de velhice
Idosos pobres 60+
2,9 milhões
124
1,0
Pensão social de invalidez
Pobres com deficiência
1,2 milhões
124
0,5
11,5 milhões
28
0,9
90.000
25
0,3
Subsídio de Apoio à Criança (CSG) Crianças pobres <18 Pensão social de velhice
Idosos 65+ (universal)
Cabo Verde
Pensão social de velhice
Idosos muito pobres
21.000
60
0,8
Etiópia
Productive Safety Net Programme Famílias rurais muito pobres (PSNP)
7,6 milhões (2009)
...
1,2
Gana
Livelihood Empowerment against Poverty (LEAP)
Famílias muito pobres com idosos, deficientes ou COV
68.000 agregados familiares
7-13 (conforme o tamanho do AF)
...
Quénia
Transferências de Renda para Crianças Órfãs e Vulneráveis (CT-OVC)
Famílias muito pobres com COV
230.000 COV
21 (média por AF)
...
Lesoto
Pensão social de velhice
Homens 70+ e mulheres 65+ (universal)
69.000
34
1,8
Pensão social de velhice
Idosos 60+ (universal)
162.000
103
2,2
Pensão social de invalidez
Deficientes (universal)
30.516
93
0,4
PSSB (Programa de Subsídio Social Básico)
Famílias pobres com idosos, deficientes ou com doenças crónicas
278.000 agregados familiares
8-17 (conforme o tamanho do AF, 2013)
0,2
Pensão social de velhice
Idosos 65+ (universal)
147.000
54
0,8
27.000
54
0,1
Subsídio de Sustento de Crianças
Crianças <18 em famílias muito pobres
86.000
10-20 por criança
...
Pensão social de velhice
Idosos 60+ (universal)
60.000
26
0,5
Botswana
Maurícias
Moçambique
Namíbia
Suazilândia
Pensão social de invalidez
Fontes: Banco Mundial 2013; Banco Mundial, Indicadores de Desenvolvimento Mundial; HelpAge International; South African Social Security Agency; South African Department of Social Affairs; Statistics Mauritius; UNICEF; Namibia Economist.
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Capítulo 7. Enfrentar a pobreza infantil através da protecção social
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126 Tabela 7.2 Exemplos dos impactos de transferências de renda e de POP País
Programa
Impactos (beneficiários comparados a não beneficiários)
Subsídio de Apoio à Criança (CSG)
• Crianças beneficiárias com mais de 5 cm de altura • Aumento de 8 pontos percentuais no ingresso escolar por crianças de 6 anos na 1ª classe • Redução de 1 ponto no coeficiente de Gini
Productive Safety Net Programme (PSNP)
• Aumento de 19 por cento no consumo de calorias • Construção de bens da comunidade • Aumento de 28 por cento de bens de gado • Melhoria na produção agrícola • Investimentos não agrícolas pelos beneficiários • Aumento do número de ingressos escolares e uso de serviços de saúde
Quénia
Transferências de renda para Crianças Órfãs e Vulneráveis (CT-OVC)
• Queda de 13 pontos percentuais na incidência de pobreza (a uma linha de pobreza de $1/dia) • Melhoria de 8 pontos percentuais no índice de diversidade de consumo de alimentos • Aumento de 6 pontos percentuais nos ingressos no ensino secundário por crianças de 13-17 anos • Queda de 3 pontos percentuais no trabalho infantil
Maurícias
Pensão social de velhice
• Sem a pensão social, 30 por cento dos agregados familiares com idosos seriam pobres, em comparação com 6 por cento neste momento
Brasil
Bolsa Família (TCR para agregados familiares pobres)
• Queda de 0,5 pontos no Coeficiente de Gini • Melhorias nas taxas de vacinação e de consultas pré-natais • Aumento de 11,5 pontos percentuais no ingresso escolar por crianças de 5-15 anos no 1º decil
Colômbia
Familias en Acción (TCR para famílias pobres)
• Queda de 6,9 pontos percentuais na proporção de malnutrição crónica em crianças menores de 2 anos • Queda de 11 pontos percentuais na incidência de diarreia em crianças menores de 3 anos
México
Progresa/ Oportunidades (TCR para famílias pobres)
• Queda de 45 por cento na gravidade da pobreza • Aumento de 7 por cento no consumo de calorias • Aumento da altura de crianças menores de 5 anos (+15 cm nas zonas rurais e +1,1 cm nas zonas urbanas) • Ingresso escolar até 3,5-5,8 pontos percentuais para rapazes e 7,2-9,3 pontos percentuais para raparigas e duração média de escolaridade até 0,66 anos
Nicarágua
Red de Protección Social (TCR para famílias pobres)
• Queda de 5,5 pontos percentuais na proporção de crianças com malnutrição crónica • Aumento de 13 pontos percentuais no ingresso escolar e aumento de 20 pontos percentuais na frequência escolar
África do Sul
Etiópia
Fontes: International Food Policy Research Institute, Washington DC; Save the Children, Londres; Banco Mundial, Washington DC; Economic Policy Research Institute, Cape Town; Oxford Policy Management, Oxford; Leroy et al, 2009; Case, Hosegund & Lund, 2005; Damon & Glewwe, 2007; Rawlings & Rubio, 2005.
7.2 Transferências sociais em Angola Enquanto os mecanismos de solidariedade informais proporcionam uma espécie de rede de segurança a nível da comunidade, o sistema formal de assistência social em Angola ainda é rudimentar. Segundo dados do IBEP 2008-2009, 12 por cento das famílias recebem algum tipo de assistência. No entanto, a maior parte desta assistência (8,2 por cento) vem como presentes de familiares e amigos. Muito menos é fornecido pelo Governo (2,5 por cento), igrejas (1,0 por cento) ou ONG (0,5 por cento), como se pode constatar na Figura 7.2.
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Figura 7.2 Percentagem de famílias que recebem assistência em dinheiro ou em espécie, por fonte de assistência e características dos agregados familiares, 2008-2009
Fonte: IBEP 2008-2009.
O principal programa de transferência social em Angola é o Programa de Apoio Social (PAS), que prestou assistência em espécie a cerca de 600.000 pessoas em 2011, segundo dados do governo. Este número é equivalente a cerca de 3 por cento da população total, ou 8 por cento da população que vive em situação de pobreza monetária. À semelhança de outros programas de assistência social muito menores, o PAS é supervisionado a nível nacional pelo MINARS e gerido a nível operacional pelas direcções provinciais de assistência e reinserção social, em conjunto com o pessoal dos municípios. Em 2011, o PAS distribuiu 7.953 toneladas de ajuda alimentar e não alimentar. A sua principal subcomponente é a cesta básica, um centro de distribuição de alimentos que visa melhorar a dieta das famílias vulneráveis. A distribuição é irregular, oscilando de acordo com a disponibilidade de recursos. O programa é implementado por meio de contratos com empresas privadas, que essencialmente adquirem produtos alimentícios importados, para distribuição às províncias, e não incentiva a produção nacional de alimentos através da aquisição nos mercados locais. Entre os outros produtos distribuídos pelo PAS, estão as chapas de zinco para ajudar os refugiados de regresso e pessoas afectadas por calamidades naturais a construir, vários tipos de kits técnicos para a promoção de actividades produtivas por pessoas vulneráveis e meios auxiliares de locomoção e outros equipamentos para pessoas portadoras de deficiência. Outra iniciativa do MINARS, o Programa de Geração de Trabalho e de Rendimento, auxilia os beneficiários vulneráveis a tornarem-se mais auto-suficientes, facilitando o acesso à formação e fornecendo kits. No entanto, devido à sua complexidade técnica, organizacional e económica, o número de beneficiários é muito reduzido (cerca de 19.000 em 2011). A maior parte da assistência em Angola é de curto prazo e esporádica, sendo prestada principalmente para responder a choques temporários ou, em alguns casos, para fornecer apoio pontual para o arranque de actividades produtivas (Santos 2012 e OPM 2013a). Em consonância com o esboço do PNAS, que inclui transferências de renda como medida para reduzir a pobreza e a vulnerabilidade, um novo programa de transferência de renda está em fase piloto e outros programas estão previstos para entrar na fase de concepção num futuro próximo. Em 2014, o Programa Nacional de Redução da Pobreza, sob a tutela do Ministério do Comércio, introduziu em regime piloto um programa de transferência de renda, que disponibiliza às famílias pobres 5.000 kwanzas (US$ 50) por mês, por meio de um cartão pré-pago (Cartão Kikuia), para a compra de um conjunto de produtos previamente definido (alimentos, materiais de ensino, etc.), em lojas estabelecidas para o efeito pelo Governo. No momento da elaboração do presente relatório, uma loja está alegadamente operacional e outras duas estão em construção; ainda não está disponível informação mais detalhada sobre a execução deste programa. O direccionamento e selecção dos beneficiários do programa são da responsabilidade das autoridades locais e não está claro se foram definidos critérios adequados e se estes são usados para garantir que o direccionamento dos beneficiários seja eficaz na inscrição das famílias mais vulneráveis. Em 2014, o MINARS iniciou a execução de um programa de quatro anos (APROSOC), financiado pela União Europeia, em parceria com o UNICEF, que inclui um programa piloto de transferência de renda dirigido às crianças vulneráveis, com idade inferior a 5 anos. Está previsto que a fase de concepção do programa piloto
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128 de transferência de renda comece em 2015. Outros projectos de transferência de renda de menor escala foram implementados nos últimos anos em Angola; um projecto-piloto no Cunene em 2010-2011, direccionado às famílias pobres afectadas pelo VIH e SIDA. A única transferência de renda que está neste momento legislada em Angola (Lei Nº 6/98, de 7 de Agosto de 1998) – um subsídio para pessoas com deficiência – ainda não está operacional, depois de 16 anos, porque os regulamentos para a sua implementação não chegaram a ser adoptados.
7.3 Desenvolvimento e ampliação do programa de transferência de renda em Angola Criar e ampliar progressivamente um programa de transferência de renda bem concebido e implementado iria acelerar o progresso na redução da pobreza e vulnerabilidade em Angola. Angola está num ponto de viragem no seu desenvolvimento. As tarefas imediatas de ajuda humanitária do período pós-conflito, incluindo o apoio ao regresso e reassentamento de refugiados e pessoas deslocadas, foram realizadas e as atenções estão agora viradas para o desafio de longo prazo, de reduzir a vulnerabilidade estrutural dos pobres. Um programa de transferência de renda em larga escala, concebido de forma sólida e bem implementado, não só iria aumentar o consumo das famílias pobres, como também facilitaria o seu acesso aos serviços sociais básicos, melhoraria os investimentos dessas famílias nos seus filhos, permitir-lhes-ia participar no crescimento económico e ajudaria a reduzir as desigualdades na sociedade angolana. O primeiro passo para o estabelecimento de um sistema deste tipo foi a aprovação da Lei de Bases da Protecção Social (Lei Nº 7/04, de 15 de Outubro de 2004). Esta lei previa a “protecção social básica”, compreendendo programas de assistência social para “promover o bem-estar das pessoas, famílias e comunidades, prevenir situações de privação e marginalização e garantir níveis mínimos de subsistência e dignidade”. Estes programas constituiriam o primeiro nível de um sistema de três níveis. Os outros dois níveis seriam a “protecção social obrigatória”, que se refere aos regimes de segurança social contributiva para os trabalhadores do sector formal e a “protecção social complementar”, que abrange os regimes privados de segurança social e outros voluntários. A Lei Nº 7/04 identifica uma série de potenciais grupos-alvo: pessoas e famílias em situação de pobreza extrema, mulheres, crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, idosos em situação de dependência física ou que vivem em isolamento, pessoas portadoras de deficiência, pessoas que enfrentam situações de exclusão social e desempregados em risco de marginalização. No entanto, a lei tinha poucos detalhes, fornecendo poucas informações sobre os tipos específicos de programas a serem criados. Em conformidade com o que está estabelecido no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND), o esboço do PNAS fornece conteúdo material para o nível primário de protecção social básica previsto pela Lei 7/04. Desenvolvido pelo MINARS com a assistência do UNICEF, a proposta de política foi apresentada a uma conferência nacional de protecção social em Setembro de 2013 (MINARS 2013). Destina-se a tirar proveito das obrigações constitucionais do Estado para promover o desenvolvimento social119 e os compromissos contidos na Lei Nº 7/04 em relação à protecção social básica. A proposta de Política define um objectivo geral para o sistema nacional de assistência social: “... estabelecer o quadro de assistência social, de forma a garantir aos indivíduos e agregados familiares em situação de vulnerabilidade ou carência um nível de vida digno, o acesso aos serviços básicos, a protecção dos seus direitos sociais, a redução dos riscos e os seus efeitos negativos e o reforço da resiliência económica e social das pessoas e agregados familiares vulneráveis, numa base previsível e sustentável.” A política combina o fortalecimento dos serviços de acção social e o estabelecimento de um sistema de transferências sociais com reformas institucionais. As propostas para o desenvolvimento de serviços mais eficazes de acção social já foram discutidas no Capítulo 6. No que diz respeito às transferências sociais (pilar 1 da Política), o objectivo específico é “melhorar o nível de vida das pessoas e famílias mais vulneráveis”. A Política reafirma o compromisso na Lei N.º 6/98, de 7 de Agosto de 1998, de fornecer subsídios para pessoas com deficiência, e dada a actual restrição das pensões de aposentação para a pequena minoria de aposentados do sector formal com direitos de pensão contributiva, também prevê o estabelecimento de uma pensão social financiada pelo Estado, tal como nos outros países de média renda da SADC. Nomeadamente, o Artigo 21 trata da “adopção de critérios para a redistribuição da riqueza que beneficie os cidadãos e, em particular, os grupos mais vulneráveis e desfavorecidos da sociedade”.
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A Política dá atenção especial aos subsídios para as crianças, reconhecendo a importância do risco e privação em idades jovens e o potencial impacto sobre o desenvolvimento dos investimentos no capital humano, durante a primeira infância. A Política prevê o estabelecimento de um sistema de subsídios de apoio à criança; no entanto, dada a elevada proporção de crianças na população e o custo fiscal potencialmente elevado, se todas as crianças devessem receber subsídios, a Política opta por uma estratégia de implementação progressiva, começando pelas crianças mais jovens, com idade até aos quatro anos. Esta abordagem, que é semelhante à que foi adoptada pela África do Sul no início do CSG em 1998, reconhece a importância de apoiar a sobrevivência e o desenvolvimento da criança, quando os riscos para as crianças são maiores e o retorno em melhorias na nutrição infantil em particular é elevado.120 Os subsídios de apoio à criança tornar-se-ão progressivamente mais acessíveis em Angola, devido às mudanças demográficas e altas taxas de crescimento económico de longo prazo. As tendências demográficas são um determinante fundamental do custo dos programas de protecção social. Como o Capítulo 2 analisou, em Angola a população está a crescer rapidamente em cerca de 3,3 por cento ao ano, e as crianças menores de 15 anos representam actualmente cerca de 45 por cento da população total. No entanto, a composição etária da população é susceptível de mudar ao longo das próximas décadas, uma vez que se prevê que as taxas de fecundidade retrocedam e a esperança de vida aumente (ver a Figura 7.3).
Figura 7.3 Tendências e projecções demográficas, Angola, 2000-2050 (% da população por faixa etária)
Source: ILO, 2011.
Em resultado da diminuição da fecundidade e do aumento da esperança de vida, o rácio de dependência nacional irá diminuir, enquanto a proporção da população em idade activa aumenta e a proporção de crianças menores de 15 contrai, reflectindo as taxas de fecundidade e de natalidade anteriores. Por outras palavras, existem actualmente cerca de duas pessoas em idade activa, para cada pessoa demasiado jovem ou demasiado velha para trabalhar. Em 2030, haverá cerca de 2,3 angolanos em idade activa, para cada angolano fora da força de trabalho. Se for mantida uma taxa de crescimento do PIB elevada, à medida que o rácio de dependência reduzir, deve tornar-se cada vez mais fácil para Angola financiar um programa de subsídios de apoio à criança ao longo das próximas três a quatro décadas. Deve ser cuidadosamente tomada em consideração uma série de questões com vista a garantir que os programas de transferência de renda que serão implementados em Angola consigam atingir os resultados esperados. Tal inclui disposições adequadas para os critérios de elegibilidade (direccionamento), o registo de beneficiários, os valores da transferência, os custos do programa e a sustentabilidade orçamental, bem como a capacidade institucional. Os primeiros 1.000 dias de vida são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo das crianças e, posteriormente, para o sucesso da sua aprendizagem na escola, a sua produtividade e ganhos na vida adulta e a um nível cumulativo têm consequências importantes para o crescimento económico e desenvolvimento nacional. 120
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Capítulo 7. Enfrentar a pobreza infantil através da protecção social
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130 • Critérios de focalização (targeting) dos programas. Os governos que desenvolvem programas de transferência social devem decidir se e como direccionar a assistência. Tal como foi anteriormente mencionado, a maioria dos grandes programas de transferência de renda financiados pelo Estado na África Austral são de natureza categórica, dirigidos às crianças, idosos e pessoas com deficiência. Esta é a abordagem prevista no esboço do PNAS. Alguns desses programas, tais como, as pensões sociais no Botswana, Lesotho e Maurícias, são universais, enquanto outros, como as pensões e subsídios de apoio à criança na África do Sul, aplicam um filtro de pobreza. A focalização com base na pobreza em países como Angola é notoriamente difícil, caro e propenso a grandes erros, devido à fraca capacidade administrativa, à complexidade dos métodos de focalização, à grande dimensão do sector informal e à dificuldade inerente de avaliar o rendimento ou a riqueza das famílias. Acima de tudo, as diferenças limitadas dos padrões de vida entre as famílias nos deciles inferiores da população, representa um desafio à focalização na base da pobreza. Qualquer mecanismo de focalização baseado na pobreza, seria susceptível de produzir erros elevados de inclusão e exclusão neste contexto.121 A focalização demográfica é muito mais simples e mais barata. Uma outra opção seria focalizar os programas nas zonas geográficas mais necessitadas, apesar da focalização geográfica correr o risco de ser politicamente sensível. • Registo de beneficiários. Seja qual for o método de focalização utilizado, é essencial a criação de um sistema de registo eficiente e preciso. Num contexto em que muitas das pessoas mais pobres não têm documentos de identificação e os sistemas de informação são de má qualidade, isso pode ser um desafio. O lançamento de grandes programas de transferência social exigirá investimentos paralelos para fortalecer o sistema de registo civil e assistência aos potenciais beneficiários, para que possam obter bilhetes de identidade (BI), certidões de nascimento ou outros documentos de identificação (ver o Capítulo 6). Embora seja necessário incorporar uma protecção adequada contra a fraude na concepção do sistema, também é vital para garantir que os procedimentos não sejam tão rigorosos que, inadvertidamente, excluam pessoas elegíveis. Alguns exemplos de abordagens inovadoras da região são a pensão social de velhice do Lesotho, que usa cartões de eleitor e consulta os chefes locais para verificar a identidade e as idades das pessoas. Será necessário emitir aos beneficiários um número ou cartão de identificação e os seus dados pessoais devem ser lançados num sistema de informação de gestão (SIG), que deve ser criado de raiz em Angola. • Como determinar o valor da transferência. Uma outra questão fundamental é o valor monetário que deve ser transferido para os beneficiários. A transferência deve ser suficientemente grande para alcançar os objectivos do programa, mas o seu valor também deve equilibrar as implicações orçamentais (acessibilidade) com o que é socialmente aceitável no contexto do país. As evidências mostram que, para poder ter impacto, o valor da transferência deve ser de, pelo menos, 20 por cento do nível de consumo do agregado familiar. Como a tabela da Caixa 7.1 mostra, o tamanho das transferências varia muito de país para país e dentro da região africana. Normalmente, os países mais ricos são mais generosos nas suas transferências, reflectindo posições fiscais mais saudáveis e um maior custo de vida nesses países. É importante introduzir um mecanismo de ajustes periódicos dos valores das transferências no desenho do programa, de modo a evitar que o seu valor seja corroído pela inflação. • Custo e viabilidade financeira. Os governos africanos e, em particular, os ministérios das finanças, estão inevitavelmente preocupados com as implicações financeiras da introdução de grandes programas de protecção social não-contributiva. Estas preocupações devem-se ao facto de que, uma vez introduzidos, pode ser uma medida politicamente impopular eliminar estes programas e, portanto, vinculam o Governo a responsabilidades financeiras de longo prazo. Como parte da preparação do PNAS, foram produzidas estimativas de custos de várias opções de transferência social (OPM 2013c). É razoável concluir que estes programas são potencialmente acessíveis para Angola, especialmente tendo em conta as tendências demográficas e económicas projectadas, acima analisadas. Em Angola, a ‘protecção social’ no sentido lato representou 11 por cento do orçamento do Estado de 2013. Todavia, a maior parte deste valor destinou-se a subsídios aos combustíveis (OPSA, 2013). Esses subsídios caros e regressivos, no valor de 4,8 por cento do PIB em 2013, beneficiam os segmentos mais ricos da sociedade (FMI 2014). O Governo iniciou recentemente uma eliminação progressiva destes subsídios, medida que deverá libertar recursos consideráveis para aumentar as transferências sociais e outros gastos sociais.
Uma análise da política e das opções técnicas para as transferências sociais, realizada como parte da preparação para a Política Nacional de Assistência Social, usou um teste indicativo (proxy means test - PMT) e descobriu que um subsídio de apoio à criança, direccionado a menores de 5 anos no 1º quintil, excluiria incorrectamente 46 por cento do grupo-alvo, enquanto 32 por cento dos beneficiários seriam de outros quintiles e, deste modo, seriam incluídos no programa, por engano (OPM 2013c). 121
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• Capacidade institucional. A gestão e entrega de transferências sociais requerem sistemas administrativos sólidos para identificar e registar os beneficiários, fazer pagamentos e seguir outros procedimentos. É importante que haja um sistema informatizado (SIG), bem como mecanismos de pagamento eficientes, que muitos países subcontratam a instituições como, correios, bancos, instituições de microfinanças ou empresas de telefonia móvel. Embora muitos governos enfrentem limitações de capacidade, as evidências mostram que, quando as transferências sociais são priorizadas pelos governos nacionais, estes são capazes de realizá-las à escala. Alguns exemplos positivos, entre muitos existentes, incluem o PSNP na Etiópia e as pensões sociais em grande parte da África Austral. Um aspecto fundamental que ressalta dessas experiências é a necessidade de manter os programas de protecção social simples e evitar mecanismos de focalização e de pagamento complexos. Também é necessário investir na construção dos sistemas necessários. Um pré-requisito para um programa de transferência social de sucesso é definir claramente os papéis e responsabilidades institucionais. As evidências disponíveis sugerem que, separar a implementação do programa da formulação de políticas e da fiscalização, é uma medida que pode aumentar a eficiência. Na África do Sul, por exemplo, a gestão de programas de transferência social é da responsabilidade de uma instituição especializada, a Agência Sul-Africana de Segurança Social (South African Social Security Agency – SASSA) e Moçambique possui uma instituição semelhante para o seu Programa de Subsídio Social Básico (PSSB). Em Angola, o esboço do PNAS manifesta a intenção de adoptar esta abordagem, detalhando que será criado um Instituto Nacional de Assistência Social (INAS), com o objectivo de implementar as transferências sociais do nível central para o municipal, de modo a garantir que as transferências sejam geridas de forma transparente e unificada e que sejam fiáveis e entregues de uma maneira previsível aos beneficiários e sem atrasos. Um outro elemento importante é garantir que haja um sistema e capacidade suficiente para um acompanhamento adequado da execução do programa, bem como para avaliar o seu impacto e usar essa informação com o intuito de melhorar a concepção e a implementação.
7.4 Resumo de acções prioritárias A criação e ampliação progressiva de programas bem concebidos e correctamente implementados de transferência de renda – conforme é proposto no esboço do PNAS – iriam acelerar o progresso de Angola rumo à redução da pobreza e ao desenvolvimento humano e resolver algumas das barreiras financeiras de acesso aos serviços sociais básicos. A adopção do PNAS é o primeiro passo necessário para fortalecer a protecção social não contributiva, uma vez que esta política fornece o quadro em que a planificação detalhada e a capacitação para a implementação poderão avançar. O enfoque deve, então, passar a incidir numa preparação adequada para a aplicação das medidas incluídas na Política. Tal exigirá as seguintes acções específicas: 1. Criação de uma instituição nacional especializada, responsável pela gestão da implementação das transferências sociais. A criação de tal instituto já está prevista no PND 2014-2019. Com efeito, a experiência de outros países mostra que a presença de uma instituição dedicada à coordenação da implementação pode desempenhar um papel crucial para o sucesso dos programas de transferência de renda e de outras intervenções de assistência social (exemplos de sucesso de instituições dessa natureza existentes na região, incluem a África do Sul e Moçambique). 2. Uma análise e decisões prudentes para garantir que a concepção e a implementação do programa sejam sólidas e se baseiem nas lições aprendidas de outros países. Um grande corpo de evidências internacionais mostra que uma concepção e implementação sólidas são cruciais para que os programas de transferência de renda possam produzir os resultados esperados, em termos de redução da pobreza e melhor distribuição de recursos. Isso inclui a predefinição de critérios claros para a focalização e para o registo dos beneficiários, bem como um sistema de monitoria e avaliação que funcione correctamente. 3. Determinação de custos dos programas, com base em estudos e decisões cautelosas sobre o valor dos montantes das transferências e a sua possível indexação, tendo em conta o custo-eficiência, a rentabilidade e a sustentabilidade financeira dos programas; 4. O investimento na criação da capacidade e sistemas administrativos necessários para implementar o programa de protecção social, incluindo a concepção e a introdução de um sistema de informação de gestão informatizado e mecanismos para o pagamento de transferências aos beneficiários. 5. Atribuição de fundos governamentais suficientes, facilitada pela redução de subsídios caros e regressivos aos combustíveis. Uma revisão dos programas de transferência de renda na África Subsaariana mostrou que a atribuição a esses programas varia entre 0,3 por cento e 2,5 por cento do PIB.
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© UNICEF/ ANGA2015-0049/Germano Miele
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Emergindo de um período de reconstrução pós-conflito, com recursos substanciais do governo, esta análise mostra que para que Angola possa maximizar a qualidade e a durabilidade do progresso é crucial que direccione o seu foco e investimentos para a equidade no desenvolvimento social. Para tal, todas as decisões políticas e de financiamento devem, deliberadamente, ter como alvo os segmentos mais vulneráveis e carenciados da população, para proteger os seus direitos e promover o bem-estar, garantindo assim a sustentabilidade dos ganhos de desenvolvimento. Desde o fim da guerra em 2002, Angola tem vindo a usufruir de uma prosperidade económica e estabilidade social sem precedentes. Estas condições, aliadas ao envolvimento activo do Estado, no desenvolvimento e recursos nacionais consideráveis, abriram o caminho para melhorias consideráveis nos indicadores socioeconómicos em Angola. No entanto, Angola ainda está muito atrás de outros países de renda média alta na África Subsaariana, no que diz respeito à sobrevivência da criança, saúde, educação, água e saneamento e, em muitos casos, a cobertura de serviços situa-se bem abaixo da média de toda a região. Além disso, existem disparidades enormes em Angola: as famílias mais pobres e as que se encontram nas zonas rurais estão numa situação pior, em termos de acesso aos serviços sociais e de saúde, educação e resultados de protecção das crianças. Angola enfrenta agora o desafio de consolidar os progressos alcançados até à data, expandir os benefícios do crescimento económico para toda a população e aumentar o ritmo, a eficiência e a sustentabilidade do desenvolvimento social. Acelerar os avanços registados no desenvolvimento social requer que se enfrente a gravidade da desigualdade de condições económicas e sociais das diferentes populações em Angola. A desigualdade não só é vivida por aqueles que estão em pior situação, mas é prejudicial à sociedade e ao país como um todo: as sociedades altamente desiguais tendem a crescer mais lentamente do que as que apresentam uma maior equidade, têm menos sucesso na sustentação do crescimento e recuperam mais lentamente das crises económicas. Quando a desigualdade e a disparidade atingem níveis extremos, elas fomentam o descontentamento que pode levar à instabilidade política e gerar conflito. Priorizar os segmentos mais vulneráveis da população irá, inerentemente, ter um impacto maior, uma vez que os investimentos onde a privação é mais grave, podem produzir resultados significativos em grande escala. A redistribuição da riqueza e a redução da desigualdade estão entre as prioridades declaradas do Governo de Angola e a conversão da prioridade política em acção constitui o maior desafio e também oportunidade que o país enfrenta neste momento. Várias intervenções surgiram nesta análise, que permitiriam que Angola acelerasse o desenvolvimento social, reduzindo ao mesmo tempo a desigualdade. A parte restante deste capítulo apresenta 24 intervenções prioritárias que são simples de implementar, provaram ser eficazes nos países em desenvolvimento, são adequadas no contexto angolano e estão em linha com os compromissos políticos existentes.
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Capítulo 8. Conclusões e recomendações
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Capítulo 8. Conclusões e recomendações
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134 Resumo das recomendações Sobrevivência e saúde da criança Combater as altas taxas de mortalidade infantil deve ser uma prioridade nacional. A mortalidade entre as crianças em Angola é muito elevada. As intervenções que reduzem a mortalidade da criança também contribuem para o desenvolvimento saudável das crianças em adultos capazes de atingir o seu pleno potencial. Para acelerar a redução da mortalidade infantil, serão necessários esforços redobrados em todas as dimensões da saúde e bemestar, incluindo a oferta e a qualidade dos serviços de saúde, a segurança alimentar das famílias e a nutrição infantil, o acesso à água e saneamento e comportamentos relacionados com a saúde das famílias. Recomendações prioritárias: 1. Incrementar e reforçar as intervenções de grande impacto através de um pacote integrado de serviços de saúde promocionais, preventivos e curativos de grande impacto. Deve ser dada prioridade a: • Vacinação de rotina (PAV). Em Angola, menos de uma em cada quatro crianças com idade inferior a 2 anos (23 por cento) foi totalmente vacinada. É necessária uma maior atenção para garantir que o equipamento da cadeia de frio seja fiável, especialmente nas unidades sanitárias periféricas. Além disso, o uso de equipas móveis e avançadas deve ser expandido para que cheguem às zonas mais carenciadas. • Aumentar a cobertura dos serviços de prevenção e tratamento da malária. As intervenções de prevenção devem ter como objectivo aumentar o uso de redes mosquiteiras tratadas com insecticida e a pulverização residual intra-domiciliária, para proteger as crianças e suas famílias da malária. • Melhorar a cobertura e a qualidade dos serviços de saúde materna, especialmente nas zonas rurais, com vista a aumentar a proporção de partos institucionais e assegurar a transferência e o transporte de mulheres com gravidez de alto risco para unidades com serviços obstétricos de emergência. Os serviços de saúde materna melhorados devem incluir cuidados pós-parto comunitários para as mães e recém-nascidos na primeira semana após o parto. 2. Fortalecer a capacidade dos programas de nutrição. O pacote abrangente de intervenções na área de nutrição, identificado nos documentos de políticas nacionais, deve ser traduzido em realidade operacional. Os níveis central, provincial e municipal devem estar equipados com recursos humanos proporcionais, à escala da malnutrição em Angola. Capacidade nacional e subnacional adequada será essencial para operacionalizar o pacote oficial de intervenções nutricionais, incluindo: • A redução das deficiências de micronutrientes, através da suplementação semestral de vitamina A, da aplicação da legislação sobre a iodização do sal, zinco para tratar a diarreia e ácido fólico de ferro para prevenir a anemia materna. • A prevenção e o tratamento da malnutrição aguda, através da cobertura alargada de unidades de internamento hospitalar, programas terapêuticos ambulatórios e gestão comunitária. • Intervenções de mudança de comportamento que promovam a amamentação precoce e a higiene. 3. Ampliar a prevenção e o tratamento do VIH e SIDA em crianças e adolescentes, como parte de uma acção mais alargada para conter a doença e o seu impacto. Até agora, Angola tem sido poupada de uma epidemia nacional de VIH/SIDA, mas a complacência é perigosa: a baixa cobertura dos serviços de prevenção e tratamento não conseguiu reduzir a incidência do VIH e novas infecções parecem estar a aumentar no seio das crianças em particular. Os conhecimentos e comportamentos da população em geral ainda não são conducentes à prevenção da transmissão do VIH, enquanto as taxas de cobertura de testagem e tratamento permanecem muito baixas, especialmente nas crianças. Apenas 14 por cento do número estimado de crianças portadoras de VIH com idade entre 0-14 anos recebem tratamento. As medidas que devem ser tomadas já estão previstas na estratégia de resposta acelerada, que visa eliminar novas infecções em crianças pequenas, até 2015. As prioridades incluem o rápido incremento da PTV, testagem e tratamento do VIH, bem como esforços redobrados de comunicação para aumentar os conhecimentos e melhorar as práticas. 4. Criar e expandir rapidamente a gestão comunitária de doenças infantis. A política de saúde em Angola aborda, de forma inadequada, a promoção, prevenção e tratamento de doenças comuns da infância a nível comunitário, através de recursos de saúde nas comunidades. Experiências documentadas de países de todo o mundo e da África Subsaariana (Etiópia, Zâmbia, África do Sul, Mali, Níger, etc.) demonstraram que os agentes comunitários de saúde e as parteiras tradicionais são um recurso vital na implementação de programas de saúde pública, como o controlo da malária e a vacinação.
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5. Expandir a cobertura de fontes melhoradas de abastecimento de água e instalações de saneamento, em especial nas zonas rurais e bairros degradados peri-urbanos. Para consolidar os progressos registados na ampliação dos sistemas de abastecimento de água canalizada e esgotos nas cidades e de pequenos sistemas de abastecimento de água nas vilas rurais, deve ser dada prioridade às seguintes acções: • Perfuração e manutenção de furos de água nas aldeias, com o objectivo de reduzir a grande utilização de fontes de água de superfície nas zonas rurais. • Expansão do modelo de gestão de água comunitária em aldeias e zonas peri-urbanas, para garantir a apropriação pela comunidade e a sustentabilidade dos poços. • Conclusão e implementação da estratégia nacional de Saneamento Ambiental. • Expansão a nível nacional do Saneamento Total Liderado pela Comunidade (STLC). • Implementação de reformas institucionais e financeiras, com vista a garantir que os sistemas urbanos de abastecimento de água e saneamento sejam financeiramente viáveis, que o preço seja justo e que sejam libertados recursos para alargar a cobertura do abastecimento de água canalizada para as zonas peri-urbanas. 6. Fortalecimento dos cuidados de saúde primários. O PNDS coloca uma grande prioridade nos cuidados de saúde primários (CSP). Para operacionalizar o compromisso político em relação aos CSP, será necessário melhorar as dotações orçamentais para e dentro do sector da saúde, fortalecer as reformas e realizar acções de capacitação em grande escala. Exemplos de acções específicas destinadas a fortalecer os CSP incluem: • Aumentar o investimento em infra-estrutura de saúde para ampliar a rede de postos de saúde e centros de saúde nas zonas rurais, especialmente nas províncias do leste mais necessitadas e nas zonas peri-urbanas. • Aumentar os recursos humanos para a saúde em áreas rurais, fornecendo acções de capacitação para um grande número adicional de trabalhadores de saúde e uma afectação racional às províncias das zonas do interior e rurais. A (re)afectação deve ser apoiada por um sistema bem concebido de incentivos para que os profissionais de saúde trabalhem e permaneçam nas zonas desfavorecidas. • Medidas decisivas tendentes a pôr fim à rotura de stock de medicamentos, através de acções destinadas a melhorar a previsão e gestão de stocks e a aquisição, armazenamento e distribuição de medicamentos essenciais. • Estabelecimento de um sistema de referência das unidades sanitárias primárias para as secundárias, especialmente para os cuidados obstétricos de emergência. Protocolos padronizados e transporte (ambulâncias) serão contributos essenciais para um bom sistema de transferências. • Reforçar a cobertura para levar os serviços às comunidades remotas e desfavorecidas, nomeadamente, através de equipas móveis. 7. Intensificar as intervenções de comunicação social para melhorar o conhecimento e promover comportamentos saudáveis para uma melhor saúde infantil e materna. A promoção da melhoria da nutrição, saúde reprodutiva e práticas de higiene pode ter um efeito importante na redução dos riscos de saúde e na mortalidade da criança. O Programa de Competências Familiares oferece plataformas eficazes para a expansão da comunicação social através de campanhas em larga escala, utilizando os meios de comunicação e a divulgação a nível das comunidades para as famílias, através das autoridades tradicionais, igrejas, parteiras tradicionais e agentes comunitários de saúde, escolas e assistentes sociais. Educação Tendo registado avanços importantes no aumento do número de ingressos no ensino primário, Angola precisa de se centrar na melhoria da qualidade, nos resultados de aprendizagem e na equidade do sistema de educação. As acções prioritárias para fortalecer o acesso à educação e melhorar a aprendizagem incluem: 8. Investir mais recursos na educação da primeira infância, incluindo a pré-escolar / iniciação. A educação da primeira infância é fundamental para garantir que as crianças comecem a escola prontas para aprender e contribui para a melhoria dos resultados de aprendizagem e para menores taxas de reprovação no ensino primário. Actualmente, menos de 0,01 por cento da despesa pública é dedicada à educação da primeira infância, apesar do facto de os retornos do investimento a este nível serem significativamente maiores do que em qualquer outro nível de ensino. Angola deve recorrer às melhores práticas regionais para fortalecer a qualidade da iniciação e desenvolver e expandir um modelo pré-escolar sustentável e eficiente em termos de custos, e que seja baseado na comunidade.
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Capítulo 8. Conclusões e recomendações
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136 9. Melhorar a qualidade do ensino através de mais acções de formação e apoio para os professores nas áreas de ensino centrado na criança, pedagogia integrada e avaliação da aprendizagem. Embora muitas mais crianças estejam agora na escola, muitas outras que iniciam a escola primária não conseguem terminar e muitas que terminam abandonam a escola, sem habilidades básicas de leitura. Angola necessita de reforçar drasticamente a formação de professores, a supervisão e a gestão escolar. A formação em exercício para professores deve ser alargada através do recurso às zonas de influência pedagógica (ZIP). A formação deve ser acompanhada de supervisão e de estratégias de apoio, para motivar e reter os professores nas zonas desfavorecidas. 10. Acelerar o investimento em construção e manutenção de escolas a todos os níveis do ensino geral e, em particular, no ensino secundário, de modo a acompanhar o ritmo do aumento do número de alunos. O direccionamento geográfico da nova infra-estrutura deve ser melhorado para aumentar o acesso a escolas nas zonas rurais e reduzir as disparidades geográficas. Também é importante garantir que as escolas sejam construídas de acordo com as normas de segurança e saneamento acordadas. As escolas devem proporcionar um ambiente de aprendizagem seguro e saudável para todas as crianças, incluindo raparigas e mulheres jovens. 11. Aumentar a procura de educação através da adopção de regulamentos detalhados, destinados a fazer cumprir o princípio de ensino primário gratuito e actividades de sensibilização das comunidades, para promover o valor da educação e a importância de as crianças começarem a escola na idade certa e concluírem a escola. 12. Promover a equidade no sistema de educação • Desenvolver e aplicar um quadro de políticas, com vista a promover a igualdade de acesso das crianças com necessidades especiais. Directivas claras para a implementação devem incluir a formação de professores, o fornecimento de materiais de aprendizagem especiais e melhorias para a acessibilidade física das salas de aula. • Implementar acções-piloto para promover a educação da rapariga no ensino secundário, em particular nas zonas rurais. • Considerar a possibilidade de ajustes no calendário escolar, de modo a acomodar ciclos agrícolas e reduzir os custos de oportunidade de educação das crianças nas zonas rurais. • Desenvolver a educação bilingue para as classes iniciais do ensino primário, com o objectivo de abranger as crianças que não falam português como língua materna. • Fortalecer a educação de ‘segunda oportunidade’ e, em particular, a coordenação e implementação do Programa da Alfabetização e Aceleração Escolar (PAAE). 13. Fortalecer a planificação, financiamento, gestão e monitoria do sistema de educação. As melhorias no sistema de informação de gestão da educação deverão incorporar os dados sobre os resultados da aprendizagem e o desempenho dos professores. São também necessárias acções de formação e apoio aos directores das escolas e comissões escolares em liderança da educação, em áreas como a planificação para o desenvolvimento escolar, gestão financeira e acompanhamento do aproveitamento dos alunos e o desempenho dos professores. A produção e distribuição de materiais de aprendizagem devem ser melhoradas, através de um maior controlo da cadeia de distribuição. 14. Aumentar a dotação global da despesa pública à educação. Actualmente, apenas 8,2 por cento de todos os gastos públicos em Angola se destinam à educação, com 5,6 por cento atribuídos ao ensino primário. A dotação à educação deve ter como objectivo, no mínimo, igualar o nível de despesas por aluno, noutros países de média renda da SADC. 15. Avaliar programas de alimentação escolar e pôr em prática um modelo nacional viável, como solução para atrair e reter as crianças na escola, particularmente nas zonas mais desfavorecidas. Os programas de alimentação escolar devem fortalecer a participação da comunidade, com vista a uma maior sensibilização para uma dieta equilibrada e saudável, e devem promover a aquisição de alimentos locais. Protecção da criança As políticas e compromissos nacionais fornecem uma base forte para proteger os direitos e o bem-estar das crianças de Angola. Os compromissos jurídicos devem ser operacionalizados, para garantir que as crianças cresçam num ambiente protector. Um sistema integrado de protecção da criança deve prestar serviços de prevenção e de resposta a nível local e garantir que todas as crianças sejam registadas e capazes de exercer os seus direitos à protecção e justiça, e de ter acesso a serviços relacionados. 16. Estabelecer um sistema mais eficaz de protecção da criança, através da prestação de serviços preventivos e proactivos nas unidades descentralizadas de acesso aos serviços de protecção.
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• Aprovar legislação que defina a finalidade, funções e procedimentos das unidades descentralizadas de acesso aos serviços de protecção, que abranja sistemas de gestão de casos e de referência a outras estruturas e serviços. • Introduzir um quadro oficial de assistentes sociais no quadro do pessoal das administrações municipais, treinar e afectar um número suficiente de assistentes sociais às unidades descentralizadas de acesso aos serviços de protecção. • Designar unidades descentralizadas de acesso aos serviços de protecção como unidades orçamentais para receberem financiamento directo e alocar recursos adequados. 17. Capacitar redes informais de protecção da criança a nível comunitário, como pilares de uma resposta integrada em termos de formação e recursos financeiros, bem como directivas adequadas para regular a sua interacção com os serviços sociais através de sistemas de referência. 18. Fortalecer o registo civil e os sistemas de estatísticas vitais. Mais de 4 milhões de crianças angolanas não foram registadas ao nascer e estão, assim, privadas de acesso a serviços essenciais e a plenos direitos de cidadania. O Governo de Angola desencadeou recentemente um programa em grande escala, para a modernização do sistema de registo civil. Para que o programa possa permitir o acesso equitativo e sem discriminação ao direito à identidade, o quadro jurídico e político para o registo deve ser melhorado. Mais importante ainda, os serviços de registo vitais devem ser alargados, para além das grandes zonas urbanas, para poderem chegar a zonas mais remotas e carenciadas do país. Serão essenciais estratégias multissectoriais bem coordenadas, para aumentar o acesso e pontos de prestação de serviços para o registo civil. 19. Desenhar e implementar um modelo adequado para a justiça para as crianças em todas as províncias, que indique claramente as responsabilidades institucionais e os procedimentos a serem seguidos. As crianças que entram em contacto com o sistema judicial devem encontrar processos especializados na polícia e no sistema judicial e serviços sociais que sejam adaptados às suas necessidades específicas, direitos e vulnerabilidades. O modelo deve prever a formação de pessoal e dotações orçamentais específicas para que os tribunais provinciais possam oferecer protecção especializada às crianças. Protecção social As medidas de protecção social não contributiva, incluindo transferências de renda, devem ser reforçadas e expandidas como uma estratégia para uma melhor redistribuição dos recursos, para fazer face às barreiras financeiras que as famílias enfrentam, para ter acesso aos serviços sociais e, por último, melhorar o bem-estar nas famílias e comunidades pobres. Neste contexto é importante: 20. Garantir que a expansão da protecção social seja guiada por uma política sectorial coesa, como forma de evitar duplicações e a má coordenação de esforços por parte de diversas instituições governamentais. Uma vez aprovada a PNAS irá fornecer uma base sólida para a expansão da protecção social não contributiva. 21. Basear a concepção e implementação do programa numa análise sólida e nas lições aprendidas de outros países. Uma série de evidências internacionais mostra que os programas de transferência de renda só alcançam os objectivos estipulados quando estes se baseiam numa concepção e implementação rigorosas. A concepção do programa deve predefinir critérios adequados e transparentes para a focalização e o registo dos beneficiários e estabelecer sistemas de informação sólidos para a monitoria e avaliação a partir dos pontos de prestação de serviços. 22. Estabelecer uma instituição nacional especializada, responsável pela gestão da implementação das transferências sociais. A experiência de outros países destaca a importância da criação de um organismo nacional especializado, responsável pela gestão das transferências sociais. A necessidade de uma instituição desta natureza é reconhecida no Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). Também é necessário estabelecer e expandir progressivamente uma rede de unidades descentralizadas de acesso aos serviços de protecção social, que forneça um ponto de entrada acessível aos serviços e programas de protecção social. 23. Criar as capacidades e o sistema administrativo necessários para implementar o programa de protecção social, incluindo a concepção e criação de um sistema de informação de gestão informatizado e mecanismos de transferência de pagamentos aos beneficiários. 24. Alocar recursos governamentais suficientes para o programa de protecção social. O financiamento pode ser facilitado, através da redução dos subsídios caros e regressivos aos combustíveis.
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
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ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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142 CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Anexo A Tabela A.1 Indicadores seleccionados do bem-estar da criança e humano: desempenho dos países de renda média alta da África Subsaariana Dados mais recentes disponíveis (ver os detalhes nas fontes) Namíbia
África do Sul
África Sub-saariana
Angola
Botswana
Gabão
Taxa de mortalidade de menores de 5 anos
164
53
62
39
45
98
Taxa de mortalidade infantil
100
41
42
28
33
64
Mortalidade infantil (por 1.000 nados vivos)
Taxa de mortalidade neonatal
45
29
25
18
15
32
Risco de mortalidade materna (1 in)
39
220
130
160
140
39
Malnutrição crónica
29
31
17
29
33
38
Malnutrição aguda
8
7
3
8
6
9
Baixo peso (peso para idade)
16
11
6
17
9
21
Partos em unidades sanitárias
51
99
90
81
89
48
Partos assistidos por profissionais de saúde
57
95
89
81
91
50
Consultas pré-natais (1+)
86
94
95
95
97
78
Nutrição (% de crianças <5)
Saúde materna (%)
Consultas pré-natais (4+)
57
73
78
70
87
48
Taxa de fecundidade total (número)
6.3
2.7
4.1
3.1
2.4
4.9
Saúde infantil (%) Vacina DPT3 (12-23 meses)
91
96
82
84
68
71
Tratamento contra a malária (crianças < 5 com febre)
28
…
26
20
…
37
Dormem debaixo de redes (< 5 anos)
26
…
39
34
…
36
Taxa de prevalência de VIH - adultos
2.3
23.0
4.0
13.3
17.9
4.5
Taxa de cobertura da PTV
39
95
70
94
83
64
VIH/SIDA (%)
Água e saneamento (% da população) Que usa fontes de água melhoradas para beber
53
97
88
93
91
63
Que usa saneamento melhorado
59
64
33
32
74
30
80
86
87
91
…
73
Educação (%) TLF / ensino primário, rapazes TLF / ensino primário, raparigas
78
88
87
93
…
71
TLF / ensino secundário, rapazes
29
36
50
47
…
34
TLF / ensino secundário, raparigas
27
44
58
62
…
32
Taxa de alfabetização do adulto
69
85
89
76
93
59
Alfabetização de mulheres como % de homens
69
101
93
105
98
74
Envolvidas no trabalho infantil (5-14)
20
9
13
…
…
27
Nascimentos registados (< 5 anos)
31
72
90
78
95
44
Protecção da criança (%)
Fontes: (1) Para Angola: Grupo Interagências para Estimativas sobre a Mortalidade Infantil (estimativas de 2012); Inquérito Nacional de Nutrição 2007; QUIBB 2011 (para os dados referentes à saúde materna e educação); IIM 2011 para a malária e fecundidade; Programa de Monitoria Conjunta de Água e Saneamento da UNICEF/OMS (estimativas de 2011); UNICEF, State of the World’s Children (Estado das Crianças do Mundo) 2014 para a cobertura da vacinação; ONUSIDA para a prevalência do VIH (estimativas de 2012); INLS para a taxa de cobertura da PTV (2012); IBEP 2008-2009 para os indicadores de protecção da criança. (2) Para outros países: UNICEF, State of the World’s Children 2014
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Anexo A
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
144 Tabela A.2 Disparidades entre as zonas urbanas-rurais, nos indicadores de desenvolvimento da criança e humano Urbana
Rural
Nacional
Fonte
Taxa de mortalidade de menores de 5 anos
154
233
194
IBEP
Taxa de mortalidade infantil
95
138
116
IBEP
Malnutrição crónica
20 Luanda, 30 outros
33
29
NNS
Malnutrição aguda
7 Luanda, 10 outros
8
8
NNS
Baixo peso (peso para idade)
13 Luanda, 14 outros
18
16
NNS
Mortalidade materno-infantil, 2008-2009 (por 1.000 nados vivos)
Malnutrição infantil, 2007 (% de crianças <5, moderada e severa)
Saúde materna, 2011 (%) Partos em unidades sanitárias
74
25
51
QUIBB
Partos assistidos por profissionais de saúde
76
35
57
QUIBB
Taxa de consultas pré-natais (1+ consultas)
94
77
86
QUIBB
Taxa de consultas pré-natais (4+ consultas)
71
41
57
QUIBB
Taxa de fecundidade total (número)
4.6
7.7
6.3
MIS
Crianças de 12-23 meses com PAV completo Vacinação do PAV, 2008-2009
43
12
29
IBEP
Crianças <5 anos com febre, que recebem medicamentos contra a malária, 2011
44
21
28
MIS
Crianças <5 anos, que dormem debaixo de redes mosquiteiras, 2011
29
24
26
MI
População que usa fontes de água melhoradas para beber
66
35
53
JMP
População que usa saneamento melhorado
86
19
59
JMP
Taxa líquida de frequência / ensino primário
85
72
79
QUIBB
Taxa líquida de frequência, ensino primário, rapazes
86
73
80
QUIBB
Taxa líquida de frequência / ensino primário, raparigas
84
72
78
QUIBB
Taxa líquida de frequência / ensino secundário
44
8
28
QUIBB
Taxa líquida de frequência / ensino secundário, rapazes
44
11
29
QUIBB
Taxa líquida de frequência / ensino secundário, raparigas
43
6
27
QUIBB
Saúde infantil (%)
Água e saneamento, 2011 (%)
Educação, 2011 (%)
Taxa de alfabetização do adulto (15+ anos)
85
47
69
QUIBB
Taxa de alfabetização de mulheres (15+ anos)
77
30
57
QUIBB
Crianças de 10-17 anos envolvidas no trabalho infantil, 2011
9
32
30
QUIBB
Crianças < 5 anos com nascimento registado, 2008-2009
33
29
31
IBEP
Protecção da criança (%)
Fontes: Ver a última coluna
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
Tabela A.3 Disparidades nos indicadores de desenvolvimento da criança e humano, por quintiles de riqueza Q1
Q2
Q3
Q4
Q5
Fonte
Taxa de mortalidade de menores de 5 anos
208
205
178
188
170
IBEP
Taxa de mortalidade infantil
124
122
108
113
103
IBEP
Partos em unidades sanitárias
20.1
29.4
54.1
67.2
87.0
QUIBB
Partos assistidos por profissionais de saúde
26.4
40.3
60.4
73.2
84.0
QUIBB
Taxa de consultas pré-natais (1+ consultas)
71.0
77.9
91.4
96.1
94.7
QUIBB
Taxa de consultas pré-natais (4+ consultas)
32.2
43.0
59.1
74.4
78.8
QUIBB
Taxa de fecundidade total (número)
8.0
7.3
7.6
6.7
4.5
MIS
Crianças <5 anos com febre, que recebem medicamentos contra a malária
16.8
18.2
21.6
32.7
41.5
MIS
Crianças <5 anos, que dormem debaixo de redes mosquiteiras
11.7
17.9
23.4
31.0
34.2
MIS
População que usa fontes de água de superfície para beber
60.3
37.3
21.0
4.3
0.7
QUIBB
População que pratica defecação a céu aberto
74.2
31.3
22.4
4.3
0.1
QUIBB
Taxa líquida de frequência / ensino primário
66.6
72.6
80.5
85.6
88.9
QUIBB
Taxa líquida de frequência / ensino secundário
4.1
8.0
17.3
38.6
57.2
QUIBB
Taxa de alfabetização do adulto
40.6
53.6
63.5
73.8
86.8
QUIBB
Crianças de 10-17 anos envolvidas no trabalho infantil
25.9
25.6
20.5
14.5
11.1
IBEP
Crianças < 5 com nascimento registado
27.0
27.3
32.1
31.0
42.9
IBEP
Mortalidade materno-infantil, 2008-2009 (por 1.000 nados vivos)
Saúde materna, 2011 (%)
Saúde infantil, 2011 (%)
Água e saneamento, 2011 (%)
Educação, 2011 (%)
Protecção da criança, 2008-2009 (%)
Fontes: Ver a última coluna
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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Créditos Publicado pelo UNICEF 197 Rua Major Kanhangulo, Luanda, Angola © Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) Abril 2015 Produção: Julie Pudlowski Consulting
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
© UNICEF/ANGA2014-00523/Vinicius Carvalho
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CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
CRIANÇAS E MULHERES EM ANGOLA
ANÁLISE DE SITUAÇÃO
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”Emergindo de um período de reconstrução pós-conflito, com recursos substanciais do governo, esta análise mostra que para que Angola possa maximizar a qualidade e a durabilidade do progresso é crucial que direccione o seu foco e investimentos para a equidade no desenvolvimento social. Para tal, todas as decisões políticas e de financiamento devem, deliberadamente, ter como alvo os segmentos mais vulneráveis e carenciados da população, para proteger os seus direitos e promover o bem-estar, garantindo assim a sustentabilidade dos ganhos de desenvolvimento.” UNICEF (2015) Análise de Situação, Crianças e Mulheres em Angola
Contacto UNICEF Angola, C.P. 2707, Luanda, República de Angola Tel +244 226 430870 • Fax +244 222 337037 Email: luanda@unicef.org www.unicef.org/angola www.facebook.com/unicefangola