REGISTRADORES ENTREVISTA #1 Entrevistado: Leonardo Brandelli DÊNI – Vamos começar falando do Artigo 1071 do Novo Código de Processo Civil, da Lei 3105 de 16 de março de 2015, acrescido do Art. 216-A, a Lei 6015 de 31 de dezembro de 1973. Está entrando em vigor um novo procedimento administrativo. Qual é a principal mudança que esse Novo Artigo vai trazer à Usucapião? DR. BRANDELLI – Bom, a principal mudança que o novo Código de Processo Civil trouxe em relação ao procedimento... ao processo de reconhecimento da aquisição da propriedade imóvel pela usucapião é a possibilidade desse procedimento ser feito extrajudicialmente. Parece até, pelo disposto no novo Código do Processo Civil que pode ter um procedimento especial para o processo judicial de Usucapião, e, no entanto, regulamentou de maneira bastante minuciosa o procedimento extrajudicial, parece até, que o novo Código de Processo Civil não apenas passou a permitir um procedimento
extrajudicial de usucapião, como até parece que quer incentivar esse procedimento porque deu mais atenção ao procedimento extrajudicial que ao próprio procedimento judicial. A principal e primeira grande inovação do Novo Código de Processo Civil, em relação a esse tema é esta: a possibilidade de que a Usucapião seja reconhecida extrajudicialmente no Registro Imobiliário e não mais apenas judicialmente, como vinha até então. Até já havia um embrião antes do novo Código de Processo Civil da Usucapião extrajudicial, conhecido dos Registradores, que era a previsão da Usucapião Administrativa prevista na Lei 11.977, mas um escopo muito reduzido de aplicação, porque é aplicável somente a casos de regularização fundiária, e apenas para aquisição do direito de propriedade, e com uma possibilidade de cognição pelo Registrador, dos elementos da usucapião, bastante superficial, bastante formal. Agora com o Novo Código do Processo Civil, com esse procedimento que eu tenho chamado em meu livro de
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procedimento comum extrajudicial de Usucapião, essa possibilidade da Usucapião foi ampliada para qualquer direito imobiliário usucapível, sobre qualquer bem imóvel passível de usucapião e para qualquer espécie de usucapião. Então, qualquer direito imobiliário, que seja passível de ser adquirido pela usucapião, por qualquer forma de usucapião, seja usucapião ordinária, seja usucapião extraordinária, seja usucapião coletiva etc., pode ser reconhecida a aquisição desse direito pela usucapião na esfera extrajudicial através da usucapião extrajudicial diretamente no registro de imóveis, sem necessidade de homologação judicial, sem necessidade de participação do ministério público, e há uma grande inovação para finalizar essa parte introdutória me parece que é a amplitude de cognição que foi dado ao Registrador de Imóveis. O que significa isso? O Registrador de Imóveis na usucapião extrajudicial deve conhecer, obviamente, todos os elementos caracterizadores de usucapião, os requisitos materiais da usucapião, como se caracteriza a usucapião ordinária, a usucapião extraordinária, a usucapião coletiva, e assim por diante, porque ele deve analisar profundamente a ocorrência ou não desses elementos, pois vai presidir o procedimento, vai formar a sua convicção para decidir se defere ou não o pedido de reconhecimento da aquisição do direito pela usucapião. DÊNI – E na lavratura da ata notarial, a pessoa que precisa ser representada por um advogado, como vai ser a atuação desse advogado diante da constatação de posse? DR. BRANDELLI – Qualquer bem que seja passível de usucapião, qualquer bem imóvel que seja passível de usucapião pode ser usucapido também pela esfera extrajudicial, não há nenhum limite nesse sentido. Então, para que possa haver o reconhecimento da usucapião extrajudicial, primeiro: o direito real usucapido deve ser um direito usucapível, deve ser
um direito passível de posse usucapione. Um direito de hipoteca, por exemplo, não poderia ser usucapido porque não implica em posse. Mas um direito de servidão de passagem, por exemplo, poderia sim ser usucapido porque é possível exercer posse de usucapione que conduza à criação não de um direito de propriedade, mas de um direito de servidão de passagem. Esse é o primeiro ponto. Esse direito deve recair sobre uma coisa usucapível. Quais são as coisas em tese usucapíveis? Imóveis, que é o que nós estamos tratando, obviamente, na usucapião imóvel extra registral. Primeiro que tem que ser uma coisa. O Código Civil quando define bens imóveis, define alguns bens imóveis que não são fisicamente imóveis, mas são juridicamente imóveis, como, por exemplo, as ações sobre direitos reais de bens imóveis. É um direito imóvel, mas não é uma coisa imóvel. Coisa imóvel é um bem imóvel corpóreo. Então, há necessidade que o bem imóvel usucapível seja uma coisa imóvel corpórea, e que não seja excluída da usucapião por ser fora do comércio ou por ser um bem público, por exemplo. Costuma-se dizer que a coisa tem que ser hábil. Se houver um direito, ou melhor dizendo, um ônus de inalienabilidade sobre esse bem, por exemplo, não é usucapível. Um apartamento em tese, em princípio, não teria nenhum óbice de ser usucapido, porque é uma coisa que tem uma propriedade exclusiva, a unidade autônoma de um condomínio é de propriedade exclusiva de alguém, é passível de posse de usucapione, exclusivo por determinada pessoa, e não haveria nenhum óbice em princípio para que houvesse aquisição para usucapião. No Registro de Imóveis, obviamente, para que seja possível esse reconhecimento, há necessidade de que haja o registro da instituição do condomínio, porque o reconhecimento do pedido da usucapião no Registro de Imóveis no processo extrajudicial de usucapião conduzirá ao registro da aquisição do direito real pela usucapião, portanto há necessidade, em se tratando de uma unidade autônoma, de um 2
apartamento, por exemplo, que tenha havido, que a usucapião. haja previamente o registro da instituição e Uma outra hipótese, em que não é possível o reconhecimento da usucapião, seriam aquelas especificação daquele condomínio. hipóteses em que haja obstação, interrupção, ou DÊNI – Pergunta do Dr. Jersé, 2° oficial de registro de suspensão da prescrição aquisitiva. O Código Civil imóveis de São Paulo: “Há alguma situação, algum diz que aplicam-se à prescrição aquisitiva, à ônus ou gravame, em que a usucapião possa ser usucapião, portanto, todas as causas de obstação, suspensão e interrupção da prescrição extintiva. impedida de ser registrada? Se sim, quais?”. DR. BRANDELLI – Eu agradeço a pergunta do Então, por exemplo, for constatado que há uma ação colega, que não é apenas pertinente como bastante do proprietário contra o possuidor que tem posse de importante. E há sim situações em que não é possível usucapione antes de completar o prazo da prescrição não apenas o registro da usucapião, mas não é aquisitiva, antes de completar o prazo da usucapião. possível o próprio reconhecimento do pedido da Neste caso, há a interrupção do prazo prescricional e, usucapião, o próprio atendimento do pedido de portanto, haveria impossibilidade de se reconhecer a reconhecimento da usucapião. Seria talvez impossível aquisição pela usucapião que não aconteceu. Então, é tentar imaginar aqui todas as possibilidades, mas importante que os Registradores estejam atentos a algumas eu consigo imaginar e a gente pode estas causas de obstação, de suspensão e de exemplificar algumas situações. Há pouco, quando interrupção do prazo prescricional aquisitivo. Uma nós conversávamos sobre quais seriam os bens outra possibilidade que não haveria é a possibilidade passíveis de usucapião, nós vimos que não é qualquer de o Registrador reconhecer a aquisição pela bem imóvel que é passível de usucapião, mas somente usucapião é a hipótese de já ter havido prévio coisas imóveis, ou seja, bens imóveis apreensíveis processo judicial de usucapião, com decisão judicial fisicamente, e que não estejam excluídos pela Lei transitada e julgada. Ou seja, se o juiz já decidiu como sendo passíveis de usucapião, o que se costuma favorável ou desfavoravelmente aquele pedido de chamar em Direito Civil de coisas hábeis a serem usucapião, não pode o registrador na esfera usucapidas. Geralmente os exemplos de coisas administrativa reanalisar aquele mesmo pedido de inábeis não passíveis de usucapião são as coisas fora usucapião. Aqui nesse ponto tem uma questão do comércio, como os bens inalienáveis, por exemplo, sensível, talvez das mais sensíveis no processo de e as coisas públicas, os bens imóveis públicos. Então, usucapião extrajudicial e que os registradores terão o primeiro exemplo que a gente poderia imaginar que se defrontar e se debruçar e talvez analisar mais aqui de impossibilidade de se deferir o pedido de profundamente, e que eu tentei estudar no meu livro reconhecimento da aquisição pela usucapião seria a sobre usucapião administrativa. Dediquei um de que o bem imóvel seja inalienável por força de capítulo a isso, é a questão da usucapio libertatis, há disposição legal ou determinação judicial. Se um uma decisão do STJ em que entendeu-se não ser determinado bem imóvel é inalienável por força de lei possível a usucapião no caso de um imóvel que estava ou de determinação judicial não pode ser usucapido, sequestrado, por entender que o sequestro do bem está excluído da possibilidade de usucapião. Coisa tornava ele uma coisa inábil para a usucapião, que não ocorre com a inalienabilidade voluntária ou impedia o reconhecimento da usucapião. Isso faz convencional decorrente de doação, ou de com que a gente entre um pouco na discussão da testamento, nesses casos é possível, sim, haver a usucapio libertatis, ou seja, da usucapião libertadora. 3
A usucapião é sempre libertadora? Nunca é libertadora? Ou, às vezes é, e às vezes, não é? O que significa dizer isso? Se eu tenho um ônus registrado, registro latu sensu na matrícula do imóvel, uma hipoteca, um sequestro, uma penhora, o reconhecimento da aquisição da propriedade pela usucapião, por se tratar de uma aquisição originária implica necessariamente no cancelamento de todo e de qualquer ônus, e, portanto, ela é libertadora. Ou não implica nunca na extinção desses ônus, e, portanto, ela nunca é libertadora, ou eventualmente pode ou não implicar na extinção desses ônus. São questões que encontram diferentes respostas na doutrina, na jurisprudência, e que, a mim, parece que a resposta é o que eu ponho no livro, mas precisa ser melhor aprofundado pelos operadores do direito. A mim, parece que a usucapião pode ser libertadora ou não. A depender de duas coisas: da qualidade da posse exercida pela possuidora de usucapionem, talvez melhor dizendo, do direito que é refletido na posse da possuidora de usucapionem para que se possa verificar se colide ou não com esse ônus preexistente de maneira a eliminá-lo, e também da própria publicidade registral, para ver se esse ônus prévio está publicizado ou não de maneira a ser oponível ou não ao terceiro de boa-fé, nesse caso, a possuidora de usucapionem. Exemplificando, se houver uma hipoteca publicizada na matrícula do imóvel, portanto registrada antes de que se registre a existência da usucapião, ou um pedido de usucapião. Não me parece que a usucapião extinguiria esta hipoteca, porque a usucapião é um direito real que não exige posse, que não implica em posse direta da coisa, e, portanto, a posse de usucapionem não tem o condão de extinguir essa hipoteca, apesar de ser originária. Então, a pessoa usucapiria, sim, a propriedade, mas uma propriedade hipotecada. Esse entendimento do STJ parece que leva a uma conclusão de que eles entenderiam que a usucapião
seria sempre libertadora, porque como o imóvel seria adquirido livre de quaisquer ônus, então não se permite a usucapião para que não extinga aquele ônus. Parece que isso parece ser discutido porque talvez fosse mais adequado tecnicamente que a usucapião pudesse ser feita, mas aquele ônus não seria extinto porque publicizário oponível, inclusive ao adquirente de usucapionion, já que a posse não afeta aquele ônus. Mas esse é um ponto, talvez o mais sensível, que os registradores encontrarão pela frente, que precisa ser melhor tratado, melhor pesquisado. DÊNI – Em caso de prenotação da usucapião, quais os possíveis efeitos que teremos? DR. BRANDELLI – Então, outra grande questão que se tem e que a lei não indica uma resposta é se a prenotação do pedido de usucapião implica em direito de prioridade ou não. Isto é, se protocolado o pedido de reconhecimento da aquisição pela usucapião, se iniciado um procedimento administrativo de usucapião extrajudicial no registro de imóveis, o ingresso de títulos contraditórios posteriores deverá obstar a análise, ou se esses títulos posteriores poderão ser analisados mesmo durante o curso do processo de usucapião administrativa. Quando eu me debrucei sobre essa questão, e a analiso no livro, eu cheguei à conclusão que geraria um direito de prioridade a prenotação do processo de usucapião. Por que? Porque se trata de aquisição de um direito real pela usucapião. Se trata de adquirir um direito real no final do processo de usucapião se o pedido for deferido. Mas é isso que se pede no processo de usucapião. De maneira que, se deferida a usucapião, uma eventual compra e venda, uma eventual hipoteca que tenha sido apresentada posteriormente, será contraditória com esse pedido de usucapião. De maneira que, diferentemente do que ocorre com a retificação de registro, onde você apenas altera algum elemento objetivo ou subjetivo,onstante do registro de imóveis, e, portanto, não se trata de 4
adquirir ou de transmitir direitos reais, e, portanto, na retificação de registro de imóveis não há direito de prioridades, pareceu-me que na usucapião haveria esse direito de prioridade. Mas, também aqui cabe refletir um pouco mais. Por exemplo, recentemente eu li um artigo excelente do desembargador Ricardo Dip, um artigo ainda inédito, que está no prelo, em que ele defendia uma reflexão maior sobre isso e acho que não sem razão, por vislumbrar ali uma possível fraude: pessoa que queria congelar o estado do imóvel e pediu uma usucapião sem muito fundamento, mas isso faz com que ela consiga obstar o registro de outros títulos durante o procedimento de usucapião. Entretanto, se entender que é a prioridade, e também há de se ponderar que não se trata o processo de usucapião de um título, e sim de um processo administrativo. Isso precisa ser ponderado também para ver se essa prenotação de um processo administrativo, e não de um título propriamente, se levaria realmente a um direito de prioridade. Numa visão primeira, que me pareceu que sim, e é o que eu escrevi, mas acho que há elementos importantes em sentido contrário que precisam ser pensados, porque tudo o que falarmos agora será sempre uma visão apriorística porque a lei sequer entrou em vigor ainda, e há muito que amadurecer, há muito que se pensar, então, eu acho que essa situação da prioridade eu colocaria, neste momento das coisas, mais ou menos desta forma. DÊNI – Existe algum impedimento se houver a apresentação de um outro título, por exemplo? DR. BRANDELLI – Então, vai depender do entendimento que se tem a respeito da prenotação do pedido de usucapião, se a prenotação do processo de usucapião, vai gerar prioridade ou não. Se se entender, como me parece neste momento, e que foi a posição que defendi no meu livro, que gera um direito de prioridade: não! Não é possível o registro de um título posterior. Esse título precisa ficar
aguardando o deslinde do processo de usucapião para que possa se analisar. A se entender que não gera direito de prioridade, então, sim, seria possível o registro desse título posterior, mesmo durante o curso do processo de usucapião. DÊNI – Pergunta da Dra. Mari Lucia Carraro, 2° Oficial do Registro de Imóveis de Ribeirão Preto. E temos também uma pergunta semelhante do Sr. Gilberto de Pontes do 1° Oficial de Registro de Imóveis de Águas de Lindoia, São Paulo: “Quanto ao parágrafo 2° do Artigo 216 A do Novo Código Civil explicita que: se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio com aviso de recebimento para manifestar seu consentimento expresso em quinze dias, interpretado o seu silêncio como discordância. Quando esta intimação não tiver êxito deve-se utilizar uma intimação judicial específica para este fim e trazê-la ao processo administrativo?”. DR. BRANDELLI – Eu agradeço também aos colegas pela participação e pela bastante pertinente e importante questão. Eu acho que, de novo, eu vou reiterar aqui que nós estamos em um momento em que tudo o que for dito são as primeiras impressões, porque isso tudo precisa ser amadurecido, depois da entrada em vigor do Novo Código de Processo Civil, a doutrina, a jurisprudência, seguramente começarão a dar os fundamentos, os rendimentos pacificados a respeito da correta interpretação. No meu entendimento, não é possível uma notificação judicial no curso do processo administrativo, suspender o curso do processo administrativo, fazer a notificação judicial e trazer para o processo administrativo. Essa hipótese citada no trecho da lei, trata da hipótese da notificação dos legitimados passivos certos, que não deram voluntariamente a sua anuência e que deverão 5
ser notificados. A regra é que eles devam ser notificados pelo oficial do registro de imóveis pelos meios que a lei permite e se não houver êxito na notificação, se for infrutífera a notificação, o que me parece que fica prejudicado todo o procedimento, e todo o procedimento deve ser judicial, não me parece que seria possível suspender o processo, esperar até que haja a notificação judicial para que ela seja juntada no Registro de Imóveis. Não há previsão legal para isso e me parece que isso demandaria previsão legal porque tem algumas consequências jurídicas no meio. Esta é, à primeira vista, a minha opinião. Não me parece que seria possível. DÊNI – E quando se tem alguma matrícula bloqueada, existe algum impedimento na usucapião para fins de regularização do imóvel? DR. BRANDELLI – Quando se trata de um parcelamento irregular, que, portanto, o registrador não possa registrar nenhum ato de disposição voluntário de fração ideal, justamente porque está caracterizada ali na matrícula por conta de vendas prévias, de frações ideais, que se trata de um parcelamento irregular ou clandestino do solo urbano há duas posições a respeito que nós vemos hoje nos tribunais. Uma vertente jurídica tem entendido que a usucapião não pode ser utilizada para usucapir lotes, imagino que seja essa a questão, lotes de um parcelamento irregular, cuja matrícula esteja bloqueada administrativamente por conta da caracterização desse parcelamento irregular, e que deveria se buscar a regularização pela via própria da regularização fundiária e não pela usucapião. Outra corrente entende que é possível, sim, a utilização da usucapião mesmo nessas vias por se tratar de aquisição originária que não fica submissa ao procedimento de regularização fundiária. Me parece até que essa segunda corrente tem sido majoritária nos tribunais hoje em dia, inclusive nas câmaras do tribunal de justiça de São Paulo.
procedimento de regularização fundiária. Parece-me até que essa segunda corrente tem sido majoritária nos tribunais hoje em dia, inclusive nas câmaras do tribunal de justiça de São Paulo. Agora, o que me parece, é que havendo duas teses possíveis e majoritariamente até a que permite esta possibilidade, e tendo o registrador autonomia, independência jurídica para formar a sua convicção, me parece que é possível o registrador formar a sua convicção tanto por uma quanto por outra possibilidade, sem que possa derivar daí alguma responsabilidade pelo exercício regular de direito, salvo se, obviamente, vier na sequência esse assunto a ser definido e regulamentado pela Corregedoria Geral da Justiça ou decisão pelo Conselho Superior da Magistratura, ou julgar pela ação de dúvida, mas enfim, salvo alguma decisão vinculante para os registradores, me parece que hoje o que temos são duas correntes, uma que entende que é possível e uma que entende que não, me parece que jurisdicionalmente até é majoritária quem entende que é possível, e, portanto, o registrador fica livre para formar a sua convicção sem que daí possa vir alguma responsabilidade, desde que devidamente fundamentada. A minha convicção pessoal é pela possibilidade. Eu acho que por ser aquisição originária é possível o registro nessas hipóteses. DÊNI – Pergunta da Dra. Adriana, do 1° Oficial de Registro de Imóveis de São José dos Campos, São Paulo: “Qual a sua opinião sobre a usucapião administrativa em imóveis objeto de regularização fundiária, porque nos loteamentos clandestinos nós não vamos ter o controle da disponibilidade?”. DR. BRANDELLI – Muito bem! Agradeço também à colega Adriana a pergunta bastante pertinente, que não é simples. A regra geral da usucapião é que por ser aquisição originária não fica adstrita a conseguir verificar qual é a origem registral desta aquisição e nem a disponibilidade. Quando vem um mandado 6
judicial de registro de usucapião, obviamente, reconhecido em um processo jurisdicional, e que não se tenha identificado qual é o registro de origem daquele imóvel e que, portanto, também não vai se conseguir sequer verificar a disponibilidade registral, isso não obsta o registro. O registro, por ser aquisição originária, vai ser feito, inaugura-se uma nova matrícula, e não haverá nenhum problema nesse registro. Quando se trata da usucapião extrajudicial, a coisa muda um pouco de figura, porque há necessidade primeiro de se identificar os registros anteriores, não apenas do imóvel usucapiendo, mas dos confrontantes, e é preciso da obrigatória anuência desses legitimados passivos certos que sejam titulares de direitos registrados desses imóveis e também há de se ter em conta a disponibilidade na matrícula do imóvel que indica a área usucapida. Não me parece que nunca vai ser possível verificar a disponibilidade em um loteamento clandestino, porque eu tenho a área total, e vão, eventualmente, sendo usucapidos tantas áreas quantas forem sendo feito os pedidos, e talvez chegue um determinado momento realmente em que o registrador não tenha mais como verificar a disponibilidade quantitativa. Ou, talvez até qualitativa, eventualmente, dependendo da precariedade da descrição. Me parece que se chegar um momento desses em que não se tenha com segurança verificar a disponibilidade qualitativa ou quantitativa, o registrador deve obstar o pedido e submeter a questão a um processo judicial, ou seja, as partes devem fazer o pedido em juízo, onde essas questões são todas superáveis, mas no registro de imóveis talvez elas não sejam superáveis porque eu preciso ter anuência de todas as pessoas. Portanto preciso identificar com segurança de onde sai aquele imóvel usucapido e para que eu possa fazer isso preciso também ter certeza sobre a disponibilidade qualitativa e quantitativa.
Oficial do Registro de Imóveis de São Paulo: “Nos casos em que a pessoa ocupa parte de um imóvel, o registrador poderá exigir que antes seja regularizado o desdobro junto à prefeitura do município?”. DR. BRANDELLI – Não! Na minha opinião, não. Agradeço também a pergunta do colega, também bastante pertinente e importante. Por se tratar a usucapião de uma aquisição originária e isso não muda no processo extrajudicial, no processo extrajudicial a aquisição pela usucapião continua sendo originária a um reconhecimento extrajudicial de uma aquisição originária da propriedade pelo cumprimento, ou melhor dizendo, pelo implemento dos requisitos materiais da usucapião. Mas a aquisição continua sendo originária, da mesma forma que o reconhecimento que eventualmente age em juízo. E sendo uma aquisição originária não há necessidade de aprovação de um desdobro prévio. Se a posse se deu sobre uma determinada área certa e isso ficar provado dentro de um imóvel, esta área poderá ser usucapida e isso poderá eventualmente, obviamente, possivelmente, levar à necessidade de abertura de matrícula para aquele imóvel, para aquela parte do imóvel que foi usucapida e que passa a constituir o novo imóvel, e uma averbação da usucapião na matrícula de onde sai esta parte e fica o remanescente. Mas não vejo necessidade de se pedir um prévio procedimento de desdobro, uma prévia aprovação de desdobro, a teor do que já acontece hoje nos processos de usucapião judiciais.
DÊNI – O senhor quer falar um pouquinho sobre o seu livro? DR. BRANDELLI – Então, a Saraiva comprou a ideia de um livro sobre a Usucapião Administrativa e eu achei que seria importante escrever um livro tratando de uma teoria geral, digamos assim, da usucapião administrativa porque já há agora com o novo Código de Processo Civil elementos suficientes DÊNI – Pergunta do Sr. Luís Carlos Santos, do 9° e uma necessidade de se criar uma teoria geral da 7
da usucapião administrativa e tratar adequadamente de maneira profunda o tema. E foi o que eu tentei fazer no livro, uma parte mais geral, digamos assim, que eu trato da natureza jurídica da usucapião administrativa, por que me parece que o legislador foi muito feliz em atribuir à presidência do processo administrativo de usucapião ao Oficial de Registro de Imóveis, e não, a algum outro profissional. Analiso também as diversas hipóteses de usucapião, as diversas espécies de usucapião. E depois, em uma parte mais especial, analiso o procedimento da usucapião administrativo do Novo Código de Processo Civil, que eu chamei de usucapião de procedimento comum. Analiso também a usucapião administrativa da Lei de Regularização do parcelamento do solo e analiso também a usucapião administrativa da concessão de direito real de uso. Enfim, são obviamente como não poderia deixar de ser as primeiras impressões, apesar de ter sido feito um estudo e pesquisa intensa, mas são as primeiras impressões de uma lei que sequer entrou em vigor, que certamente precisa para ser maturada, mas eu acho que se conseguiu pelo menos se não dar a palavra, obviamente, o que é impossível, sobre alguns assuntos, pelo menos instigar e provocar algumas discussões que eu acho que serão extremamente importantes, extremamente delicadas no dia a dia dos registradores, assim que entrar em vigor o processo de usucapião administrativa. DÊNI – Pergunta do Dr. Carlos Bertoni, do 1° Oficial de Registro de Imóveis de Capão Bonito, e uma pergunta similar do Dr. Renato Nalini, 9° Oficial substituto de Registro de Imóveis aqui da Capital: “A planta deverá ser elaborada por levantamento topográfico / planialtimétrico, ou seja, constatação do imóvel com distâncias das esquinas, larguras de vias, indicação de edificações e plantações existentes ou basta um croqui ou planta de situação do terreno?”.
DR. BRANDELLI – Agradeço também a participação desses colegas pela pergunta também extremamente importante, eu diria que a planta e o memorial devem conter o que seja necessário para o caso concreto. O que vai depender do direito real que é usucapido e do imóvel sobre o qual recai tal direito real usucapido. É obvio que a planta e o memorial da usucapião e, provavelmente, muitas vezes darão ensejo à abertura de uma matrícula, obviamente que a planta e o memorial devem conter os requisitos de especialidade objetiva exigidos pela Lei 6.015, entre os quais o que foi citado na pergunta, a distância da esquina mais próxima. Mas, em algumas situações, me parece que a planta pode ser mais singela, já que a lei não impõe determinado tipo de trabalho técnico, me parece que o trabalho técnico deva ser aquele que atenda aos requisitos registrais e civis do caso concreto e que, portanto, dizia eu, em alguns casos, me parece que pode ser algo mais singelo. Vamos imaginar um direito de servidão que seja usucapido, um direito de servidão de passagem que seja usucapido sobre um terreno com casa, mas não há qualquer interferência na casa para demonstrar a usucapião desse direito real de servidão. Me parece que bastaria a demonstração gráfica do terreno e o memorial descritivo descrever, obviamente, o direito real de servidão que é objeto da usucapião. Agora, vamos imaginar que o objeto da usucapião seja um direito de propriedade de um terreno com uma casa, obviamente que aí a planta e o memorial descritivo deverão contemplar a toda a especialidade objetiva, não apenas o terreno, mas também da construção que está sendo usucapida. Se se tratar de um direito de superfície que possa ser usucapido, talvez os requisitos necessários sejam outros, então, eu acho que me parece que a resposta a esta questão deva ser não tão formalista, já que a Lei não exigiu um determinado tipo de trabalho técnico e exigiu apenas o trabalho técnico a um técnico legalmente habilitado. Me parece que a resposta deva ser a planta e o memorial deverão conter os elementos 8
necessários para possibilitar o registro da usucapião naquele caso concreto, caso seja deferido o pedido. Isso pode variar, a depender do direito real que venha a ser usucapido, bem como do imóvel sobre o qual recai esse direito real. DÊNI – E nos imóveis rurais, o levantamento terá que ser feito georreferenciado com certificado pelo INCRA? Como fica a situação do imóvel rural? DR. BRANDELLI – Então, a pergunta é interessante também porque nos imóveis rurais a lei e o decreto, dois decretos posteriores à lei que tratou da matéria, estabeleceram alguns prazos a depender do tamanho do imóvel rural, para que haja a descrição georreferenciada obrigatoriamente certificada pelo INCRA. Ocorre que para títulos judiciais não houve prazo, já á necessidade de que haja o georreferenciamento, então eu imagino que a pergunta do nosso colega seja no seguinte sentido: olha, hoje quando há um mandado judicial de registro de usucapião de imóvel rural, aquela descrição deve estar necessariamente georreferenciada por se tratar de título judicial. No caso da usucapião extrajudicial, não há necessidade de que já haja o georreferenciamento por si só, vai se obedecer aos prazos previstos na lei e no decreto, porque não se trata de título judicial. A Lei não disse: “a usucapião deve ser sempre georreferenciada a partir de já”. Não! Disse: os processos judiciais, o reconhecimento judicial de usucapião. Aqui não se trata de processo judicial, de maneira que me parece que não haja a necessidade imediata de georreferenciamento, poderão ser observados os prazos definidos legalmente, o que não impede, obviamente, que a pessoa já dê a descrição georreferenciada e certificada pelo INCRA se assim pretender, embora o prazo ainda não tenha expirado. DÊNI – Qual a sua concepção sobre o que é preciso ainda evoluir ou discutir sobre o tema usucapião administrativa.
DR. BRANDELLI – Em primeiro lugar, eu acho que há que se festejar essa novidade, eu acho que o legislador brasileiro andou muito bem em levar a possibilidade da usucapião ser feita, ser conduzida pelo oficial de registro de imóveis porque há uma série de atos que estão hoje submetidos aos juízes e que não dizem diretamente com lides que é a atuação primordial dos juízes, e que acabam tomando conta do tempo dos magistrados, acabam tomando o seu tempo que é precioso e que já é sobre atarefado e que não permite que eles se dediquem ao que realmente precisam dedicar-se que são as questões que envolvam o lide. Então, todas as questões que não envolvam o lide, que são amigáveis, que são meramente homologatórias, me parece que deveriam realmente sair do poder judiciário para que os juízes possam dedicar-se com mais afinco, com mais tranquilidade às questões nas quais eles são essenciais, que são as que envolvem... de maneira que me parece ser bastante festejável essa inovação, porque eu acho que se a coisa funcionar tem de ajudar os magistrados nesse ponto, e a escolha do Oficial de Registro de Imóveis é uma escolha muito feliz, porque naturalmente é o profissional a quem deve ser... ficar afetada esta atividade mesmo, eu analiso isso em meu livro, e é o profissional que tem toda a capacidade jurídica de conduzir , e bem conduzir, esse processo, e tem dado provas em inúmeros exemplos, como retificação judicial, regularização fundiária etc. Para que os registradores possam dar uma resposta adequada a esse desafio é importante que eles estudem profundamente os elementos essenciais da usucapião, os elementos materiais, os requisitos materiais de implementos das diversas espécies de usucapião, já que nós teremos que fazer essa análise doravante a coisa não vem mais pronta, já analisada por um juiz, como acontecia até então. Há algumas sugestões de lege ferenda que parece que podem melhorar um pouco a situação. Por exemplo, uma delas é a notificação dos legitimados passivos certos. Quer 9
dizer, aqueles titulares de direitos registrados... que têm os direitos registrados tanto na matrícula do imóvel usucapiendo quanto dos confrontantes devem dar a sua anuência, se não derem voluntariamente essa anuência eles serão notificados para anuir. Se eles não forem encontrados, se eles estiverem em local incerto, não sabido, por exemplo, não há previsão para que eles sejam notificados por edital. O que acabará fazendo com que nesses casos o processo seja jurisdicional, sem que haja eventualmente uma lide a ser dirimida. Talvez fosse melhor que se possibilitassem alguns casos como esses de local incerto e não sabido a possibilidade da notificação por edital dessas pessoas. Se essas pessoas forem notificadas pessoalmente e durante os quinze dias de prazo que eles têm para impugnar, se mantiverem silentes, presumir-se-á que impugnaram e não que concordaram, o que fará com que o registrador tenha que tentar uma conciliação, não sendo frutífera a conciliação remeta os atos ao juiz corregedor permanente. Talvez aqui seja melhor inverter essa presunção, porque a pessoa que recebe uma notificação para impugnar determinado pedido no prazo de quinze dias e se mantém silente, parece-me que a presunção seja a de que ela não tem interesse naquilo, e não de que ela queira impugnar, porque se ela quisesse impugnar faria isso expressamente. Talvez seja o caso de inverter essa presunção que tornaria as coisas mais fáceis. Embora sempre haja a necessidade de haver anuência por que tem que ser amigável, se não for amigável obviamente tem que ser jurisdicional. Fora isso, alguns dos pontos importantes que os registradores terão que se debruçar é esse da usucapio libertartis, a questão dos elementos de caracterização da usucapião, por exemplo, justo título, a posse ad usucapionem nem sempre é uma posse simples de se perceber e tem uma série de questões que podem ser de difícil interpretação, e até mesmo de difícil percepção. Enfim, é uma série de questões técnicas que precisam
ser bem compreendidas, estudadas, mas eu acho que o caminho dado é um bom caminho, é um caminho inicial muito feliz e que acho que pode ser aprimorado com a participação dos Oficiais de Registro de Imóveis. Eu acho que eu faria uma última observação. Eu tenho ouvido e lido em algumas conversas informais afirmações do seguinte tipo: a usucapião é uma forma subsidiária de aquisição da propriedade, que a pessoa somente poderá usar a usucapião extrajudicial quando não tiver possibilidade de celebrar um negócio jurídico convencional de transmissão, isto é, se a pessoa celebrou um compromisso de compra e venda, demorou tanto tempo para cumprir o compromisso de compra e venda que ela já tem prazo para usucapião, mas ela tem condições de celebrar compra e venda porque o vendedor, o prometente vendedor ainda vivo, conhece essa pessoa, ela estar no lugar certo, sabido. Há pessoas que tem defendido que não se poderia optar pela usucapião, apenas subsidiariamente. Isso me parece equivocado e acho que é importante falar isso, porque eu tenho ouvido cada vez mais essa afirmação, não há um grau de hierarquia entre as diversas formas de aquisição de direitos reais previstas no código civil. Tanto os negócios translativos de direitos reais previstos no código civil, quanto a usucapião, que é uma forma de aquisição da propriedade prevista no código civil, são formas igualmente válidas, no mesmo grau hierárquico, digamos assim, e que podem ser utilizadas de acordo com o entendimento da pessoa que irá adquirir aquele direito. Se a pessoa cumpriu os requisitos para a usucapião, ainda que ela tenha a possibilidade de celebrar o negócio translativo de compra e venda, se ela quiser optar pela usucapião, poderá optar e não há nada que obste o reconhecimento desta usucapião, desde que, obviamente, estejam preenchidos os requisitos materiais para a aquisição do direito real pela usucapião. Há alguns riscos em você esperar da 10
usucapião, nesse meio tempo você pode perder o seu direito para um terceiro de boa-fé. Agora, se a pessoa optou por correr esses riscos para adquirir determinados benefícios, porque uma aquisição originária do direito de propriedade tem algumas vantagens em relação a uma aquisição derivada, como é a compra e venda, ela passa a ter o direito a esse reconhecimento e essa é uma escolha dela. Não há subsidiariedade alguma entre essas formas de usucapião, e não pode, no meu entendimento, o registrador recusar o reconhecimento da usucapião sob um argumento desses.
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