REGISTRADORES ENTREVISTA #4 processos onde não há conflito. Na verdade, as Entrevistado: Desembargador Marcelo Berthe pessoas estão buscando regularizar a sua DÊNI – Como surgiram as primeiras conversas a respeito da Usucapião Extrajudicial? DES. BERTHE – Pessoalmente, eu me lembro de discutir esta questão, de se processar a Usucapião na esfera extrajudicial, já há muito tempo, quando fui Auxiliar na Vara de Registros Públicos entre 90 e 94 e já naquele tempo se via o grande volume de processos de Usucapião e processos que não terminavam em prazo razoável, vamos dizer assim, porque eles encontram, inclusive ainda hoje, muitos gargalos porque a legislação assim é, porque os tribunais muitas vezes interpretam a lei de forma muito severa e formalismo e acaba tornando o processo de usucapião uma coisa muito difícil de concluir. E outra curiosidade, e foi que surgiu a ideia, de pensar em uma outra alternativa, especialmente a alternativa extrajudicial, é que 90% destes processos, eu diria, são
propriedade, já adquirida muitas vezes, já paga, mas que compraram de um loteador que já há muito tempo ninguém sabe onde está, um lote em que o loteamento acabou não sendo registrado, mas o lote foi vendido, então não há como registrar o lote, porque não há loteamento, mas na verdade ele comprou o terreno dele demarcado, mora lá há muito tempo. Na verdade, são inúmeros os casos e as hipóteses em que se busca, por meio da ação de Usucapião, regularizar a propriedade. Eu diria que, o instituto da Usucapião, é muito mais utilizado para a regularização de propriedade no que propriamente como uma forma de aquisição da propriedade, que também existe, que é o que ocorre na forma de aquisição, não que ele tenha comprado, mas ele ocupou a área, lá viveu, e tudo isso e depois veio pedir a declaração da aquisição por meio da usucapião. Existem esses casos, mas, na maioria decorre de
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negócios jurídicos anteriores: compra e venda, doação, inventários, sucessão hereditária, e coisas assim. Por todos esses motivos é que se vê que um sistema mais ágil, mais célere, sem necessidade, propriamente da intervenção judicial em todo momento porque o juiz se faz necessário, especialmente quando há conflito, quando ele tem que decidir, em interesses contrários, mas não para conduzir um processo meramente administrativo, que tem que cumprir certas etapas, chegar até o final, concedendo afinal o título que a pessoa busca, para ter a propriedade regularizada de modo que ela possa ficar no local, em menos tempo. A ideia, eu acho, é que se possa buscar uma alternativa, e a alternativa do extrajudicial, não na usucapião, mas eu digo em outros casos, de jurisdição voluntária, como retificação de registro imobiliário, como nos divórcios consensuais, enfim em uma série de outros casos, o legislador já caminhou neste sentido. A ação de usucapião assustava um pouco quando se falava nisso porque ela é tida como uma ação de jurisdição contenciosa, ao contrário destas outras que estou falando que são voluntárias, onde não há conflitos. A jurisdição contenciosa, em tese, é uma ação onde deve haver conflito. O que estou dizendo é que, na maioria dos casos, embora seja jurisdição contenciosa, não há conflito. Então, houve muita resistência, no início quando se falava em fazer a ação de Usucapião ou procedimento administrativo de usucapião no extrajudicial. Mas tudo um dia o tempo acaba levando a isso e eu acho que acabaram se conscientizando de que é necessária uma medida que torne mais viável o procedimento da usucapião em um prazo razoável. DÊNI – E chegou em um momento certo? DES. BERTHE – Eu acho que já poderia ter vindo, mas ele é bem-vindo agora, muito bem-vindo, eu ainda tenho algumas perplexidades com o que existe, mas, seja como for, é bem-vindo. É um passo adiante,
dizer, nós já tivemos em 2011 a lei 11.877 que tratou do Minha Casa, Minha Vida que já caminhou neste sentido. Ela tratava da demarcação administrativa, demarcação destas ocupações (favelas, loteamentos clandestinos, áreas desocupadas de forma irregular, e que já não se pode mais reverter, aquilo está consolidado, mas é difícil de regularizar. Por meio da ação da usucapião, nem se fala, eu próprio, na década de 90 tentei fazer uma e se tornou inviável e eu tive de distinguir o processo. Agora com essa demarcação administrativa, ela viabilizou abrir as matrículas em várias unidades, depois disso legitimar, as pessoas que estão ali morando, na posse e, posteriormente, converter a legitimação de posse em usucapião. E isso tudo na esfera administrativa, na esfera do cartório. Eu acho que, já é uma experiência interessante. Agora, vem este novo modelo, trazido pelo Novo Código de Processo Civil, que introduz um artigo novo na Lei de Registros Públicos a viabilizar a usucapião, não só aquela que era prevista ou a que estava contemplada na lei 11.877 que não era só para essas ocupações e para a população de baixa renda, mas para qualquer tipo de usucapião ordinário mesmo, é uma das hipóteses de usucapião. DÊNI – Pergunta que veio do Dr. Marcelo Melo, Oficial de Registro de Imóveis de Araçatuba, que gravou um áudio: “A necessidade de apresentação de consentimento expresso contida no § 2º do art. 216-A, não desfiguraria a natureza jurídica da usucapião aproximando muito o instituto de contrato?”. DES. BERTHE – Esta pergunta de fato tem bastante relevância, porque há necessidade de concordância do titular de domínio, fato que parece desfigurar um pouco o instituto da usucapião. Eu diria que este é um primeiro passo que foi dado, eu fiquei refletindo sobre isso, porque de fato não tem muito sentido, se a aquisição é originária, se vai buscar a aquisição por meio da usucapião, por que haveria de se exigir a concordância do titular de domínio. Se fosse assim 2
poderia se lavrar o título, em tese, pelo menos. Mas, me parece que, neste primeiro momento, e como a ideia sempre foi de trazer para o extrajudicial a jurisdição voluntária, parece que tentou se focar nas situações onde de fato não haja nenhum tipo de conflito e até declaradamente de acordo com a forma de aquisição. Eu acho de fato um exagero, que cria uma figura que não é propriamente a da usucapião, isto também pode vir a ser interpretado, mais cedo ou mais tarde, pelo próprio judiciário ou objeto de uma alteração legislativa. Seria necessário que se caminhasse mais adiante, concordo que não é muito comum, aceitável do ponto de vista jurídico este tipo de exigência.
fundamentação ainda que por escrito e que diga respeito a coisas que não interferem de jeito nenhum, por exemplo, ele não pagou os impostos, ele não vem aqui todo dia, ou coisas deste tipo, que a gente sabe que não vao interferir no deferimento da usucapião, não vejo porque se ter aquela impugnação como boa a ponto de impedir o deslinde do processo administrativo. Então, eu acho que sim, que a impugnação há que ser fundamentada. Não tem sentido uma impugnação sem fundamento. Aquela presunção que se faz do silêncio do proprietário, de que ele não concorda de forma fundamentada. É uma presunção legal que a gente tem que acolher. Mas, por escrito, tem que ser fundamentada sim.
DÊNI – O Dr. Jersé Rodrigues do 2º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo, mandou a seguinte pergunta: “Questão técnica: se a descrição do imóvel usucapiendo não coincidir com a descrição da matrícula ou da transcrição, no entanto, no curso do processo demonstrou-se que a área a ser usucapida, não atinge terceiros (confrontantes, posseiros confrontantes etc.), deve-se abrir nova matrícula ou averbar a nova descrição antes do registro da usucapião?”. DES. BERTHE – Em princípio parece que poderíamos responder: basta a impugnação, não precisa ser fundamentada. Por que? Se chamado o titular de domínio, segundo está previsto na lei e ele nada responder, nós já devemos presumir que ele não está concordando, se o silêncio significa já uma impugnação afastar da usucapião na esfera administrativa, então, quem dirá uma impugnação escrita, que não concorda. Mas eu não levaria neste sentido. Uma impugnação sem nenhuma fundamentação ainda que por escrito e que diga respeito a coisas que não interferem de jeito nenhum na, por exemplo, ele não pagou os impostos, ele não vem aqui todo dia, ou coisas deste tipo, que a gente sabe que não vai interferir no deferimento da
DÊNI – A próxima pergunta vem do Sr. Luis Carlos Santos, escrevente do 9º Oficial de Registro de Imóveis de São Paulo: “Um imóvel que esteja gravado com cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade, impenhorabilidade, hipoteca e penhora em vigor poderá ser usucapido?”. DES. BERTHE – Sim. Eu acho que o imóvel gravado com cláusulas ou hipoteca, ou seja, com qualquer ônus que for, pode sim ser objeto de usucapião. A forma de aquisição pela usucapião, nós sabemos, é originária e, portanto, nasce do zero. Tudo que havia antes, deixa de existir e se desliga da sua origem e, portanto, as hipotecas, cláusulas, seja o que for, não interferirão na aquisição por meio da usucapião. A questão é, e na esfera administrativa também, eu diria que sim, não há nada que impeça isso. O que haveria necessidade, me parece, é que todos os eventuais interessados em direitos reais de um imóvel de uma maneira, qualquer direito que recaia sob o imóvel, deverão ser chamados para participar na concordância das pessoas. Salvo se houvesse uma evidência de tentativa de burla, vamos imaginar uma cláusula de impenhorabilidade, uma cláusula de incomunicabilidade e uma cláusula de inalienabilidade, principalmente as de 3
inalienabilidade, que a pessoa às vezes recebe um imóvel com essa cláusula, quer vender o imóvel e não pode e vai tentar se desfazer da cláusula por meio de uma aquisição originária, que vai deixar para trás a cláusula para criar uma propriedade sem nenhum ônus não clausulado. Mas isso, é o caso a caso quando houvesse uma desconfiança. É importante dizer que a usucapião feita na esfera administrativa é ato administrativo, portanto, como ato administrativo passível de ser controlado judicialmente a qualquer tempo, enquanto não houver prescrição. Se houver burla, depois judicialmente, é possível contestar um ato administrativo mesmo daquele que indeferiu a usucapião administrativa, nada impede uma solução judicial depois. DÊNI – A próxima pergunta é do Dr. Renato Nalini, substituto do 9° Oficial de Registro de Imóveis: “O inciso III do art. 216-A exige apenas a apresentação das certidões negativas dos distribuidores da comarca da situação do imóvel do domicílio do requerente. Não haveria necessidade de apresentação das mesmas certidões em nome dos titulares do imóvel usucapido (especialmente pela possibilidade de sucessão dos direitos possessórios)?”. DES. BERTHE – Sim, eu acho que ele tem razão. Seria muito prudente exigir também as certidões dos titulares de domínio, até em juízo sempre foi feito, e eu acho que isso vai demonstrar a sucessão hereditária, se não tem um inventário aberto, se outros são donos, já hoje, a concordância que veio anterior, enfim, eu acho prudente, sim, a exigência, embora a lei fale desta forma, é possível extrair da lei esta interpretação. DÊNI – Agora, a pergunta do Sr. Alberto do 1º Oficial de Registro de Imoveis de São Paulo: “Existem duas linhas de raciocínio, é necessário a assinatura do titular de domínio do imóvel registrado na planta que será apresentada para o processo de usucapião?
DES. BERTHE – O fato do imóvel ser registrado, nós vamos imaginar, já conhecemos a descrição do imóvel, se o imóvel que se pretende usucapir for o mesmo imóvel exatamente, o mesmo imóvel daquela determinada matrícula, eu não diria que há necessidade de assinar a própria planta, bastaria que ele dissesse que é o titular daquele imóvel da matrícula tal... e está concordando com aquela usucapião daquele imóvel da matrícula. No entanto, se o imóvel estiver envolvido numa área maior e, às vezes, parte deste imóvel está sendo usucapido e a outra parte não, e coisa assim, eu diria que seria mais seguro e mais prudente que a assinatura se desse na planta, porque aí, nós conheceríamos exatamente o corpo do imóvel usucapiendo, que se pretende usucapir, porque aí ele não estaria coincidindo exatamente com o imóvel registrado. Agora se ele fosse exatamente o imóvel registrado não vejo necessidade, o pedido se referirá ao imóvel de uma determinada matrícula, não havendo necessidade de assinar na planta. DÊNI – Agora faremos a pergunta do Dr. Carlos Alberto Bertoni, Oficial de Registro de Imóveis de Capão Bonito: “Em minha Comarca, 95% dos processos de usucapião, as partes são beneficiárias da Justiça Gratuita. Já existe definição de como será a isenção a pessoas hipossuficientes? Precisaremos fazer algum tipo de comprovação?”. DES. BERTHE – A gratuidade é sempre um assunto bastante polêmico e difícil de se resolver, mas eu acho que vou buscar primeiro o conceito do que se paga ao Registrador, os emolumentos, as custas, que o Supremo Tribunal já pacificou, tem natureza tributária, portanto a isenção para aquele hipossuficiente, que se declara hipossuficiente, deve ser concedida na forma da lei. A isenção se concede na forma da lei. No caso da usucapião administrativa, do procedimento administrativo, eu não verifiquei nenhuma norma que determinasse o procedimento com gratuidade. 4
nenhuma norma que determinasse o procedimento com gratuidade. A gratuidade que foi tratada no passado, na Lei 1060 de 1950, ainda, e que agora vem tratada outra vez no Código Novo, está prevista lá em casos específicos. E que eu me lembre, para o Tabelião, para o Notário e para o Registrador, está prevista a gratuidade para quando ela tiver sido concedida em juízo, por tanto, numa ação judicial / de usucapião judicial, então ela se projeta no extrajudicial. Agora, diretamente requerida administrativamente, a casos em que isto acontece por previsão legal. Neste caso da usucapião, o código não tratou disso e como se trata de isenção, eu acho que só poderia se falar em gratuidade no extrajudicial, se prevista em lei. Também, vale dizer, a cobrança também depende de lei, quer dizer, que só se pode cobrar na forma da lei, então a tabela deverá prever uma cobrança ou ainda que a Corregedoria a tabela dizendo que cobre a mesma coisa que o outro ato, mas só existindo previsão para cobrança também. Então, nem a isenção e nem a cobrança sem lei. Fora disso, eu acho que se for pretendido a usucapião na esfera administrativa com gratuidade, se não houver previsão legal, não é possível se fazer na esfera extrajudicial, terá que se buscar o procedimento judicial. DÊNI – Agora, vamos à pergunta de Dr. Eduardo Oliveira do 11º Cartório Registro de Imóveis de São Paulo: “Como o tabelionato de notas enfrentará a impossibilidade de indicar o profissional técnico que averiguará a posse e, diante disso, qual segurança terão para elaborar a ata notarial, elemento mais importante na constatação da situação da posse e dos requisitos necessários para caracterizar a boa-fé, a posse longeva etc.?”. DES. BERTHE – Bom, a pergunta é bastante interessante, a lei fala em uma ata notarial para demonstrar a posse e me parece evidente que a ata notarial é um instrumento utilizado, ele é um
descrever, materializar uma situação de fato que está acontecendo naquele momento, o que ele está assistindo e vendo naquele momento e aí ele registra na ata notarial e confere autenticidade, fé pública e etc. Mas, falar em comprovar posse, longeva por meio da ata notarial me parece quase que inviável. É claro que administrativamente, também em juízo, também é possível fazer prova de posse anterior, por meio de documentos e pagamento de impostos e o Tabelião certamente poderia narrar isso na ata notarial, mas não há necessidade porque estes documentos iriam para os autos administrativos. Então, me parece que a ata notarial deveria cingir à situação de fato vista naquele momento. Ele não pode dizer e descrever aquilo que ele não viu, embora a lei fale em ata notarial, afirmar a existência de posse antiga, só se tiver vendo alguma coisa que poderia afirmar, uma construção de vários anos, mas ele não poderia afirmar quem construiu, apenas que existe só exatamente o que ele viu. DÊNI – Você falou da comprovação e documentos em nome da pessoa? DES. BERTHE – Sim, fotografias, por meio de pagamento de impostos, por meio de documentos mesmo, como uma notificação entregue para aquela pessoa. DÊNI – E se aquela pessoa afirmar que não existem documentos em seu nome, somente em nome de um terceiro? DES. BERTHE– Poderia também, desde que ele fosse por sucessão na posse. Então, ele vai descrever que a posse começou com alguém e depois passou para ele, aqui tenho documentos de que o outro exercia a posse naquela época, agora eu estou exercendo e eu recebi a posse desse... Desta forma, às vezes, tem algum documento passando a posse, enfim, eu não vejo outra possibilidade, a ata notarial é para relatar aquilo que foi visto na hora. Estes documentos talvez 5
possam mostrar e a lei também tem previsão de outros documentos que façam prova da posse anterior. Eu não consigo, mesmo, imaginar uma ata notarial descrevendo pose anterior, que o tabelião não viu. DÊNI – Agora, vamos à pergunta do Dr. Gustavo de Souza, Oficial de Registro de Imóveis de Santo Antônio do Monte – MG: “Em minha cidade em Minas Gerais, o módulo fiscal municipal é de d2ha, minha dúvida é se posso, com a usucapião administrativa, regularizar uma propriedade abaixo módulo rural, o que contraria o artigo 8º, parágrafo 3º da Lei Federal nº 5868 de 1972 e ensejaria na Lei legitimação dos chacreamentos?”. DES. BERTHE – É uma pergunta importante, isso é comum acontecer, por meio das ações de usucapião promovidas em juízo. Já há muito se discutia isto, quer dizer, eu posso pedir a usucapião de uma propriedade que é inferior a um módulo e aí tanto faz se eu vou pedir por meio de ação judicial ou por meio do procedimento administrativo. Judicialmente, sempre se entendeu que sim, porque se a usucapião é uma forma originária de aquisição da propriedade, por meio do exercício da posse, eu só posso adquirir a propriedade daquilo que eu tenha efetivamente posse, seja lá que tamanho for. Até, não precisaria ser só módulo rural, nós poderemos falar de áreas urbanas, inferiores àquelas que se prevê na lei. Eu acho que sim, se a forma de aquisição da propriedade a usucapião, permite a aquisição da propriedade, o procedimento tanto administrativo quanto da ação em processo judicial, podem viabilizar essa aquisição. Não vejo diferença entre o processo administrativo e o processo judicial em casos como esse. DÊNI – Vamos à pergunta da Dra. Mari Lucia Carraro, do 2º Registro de Imóveis de Ribeirão Preto, e ela nos enviou a seguinte pergunta: “O
parágrafo 2º do art. 216-A do Novo Código Civil explicita que: se a planta não contiver a assinatura de qualquer um dos titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes, esse será notificado pelo registrador competente, pessoalmente ou pelo correio, com aviso de recebimento, para manifestar seu consentimento expresso em quinze dias, interpretado o seu silêncio como discordância. A pergunta é: há disponibilidade da dispensa da intimação do proprietário quando o requerente tiver consigo prova do pagamento do imóvel ou contrato de promessa, acompanhado de certidão cível de inexistência de ação com esse objetivo?”. DES. BERTHE – Normalmente as ações de usucapião visam a regularização e situação anterior de negócio já realizado. Seria muito bom se pudéssemos caminhar nesse sentido e nessa proposta, de mesmo sem o consentimento do proprietário, mas com documentos mostrando que ele de fato vendeu o imóvel, o preço está integralmente pago, não haveria mais motivos para exigir dele, a concordância, às vezes, não é nem possível, à vezes ele pode estar morto, os herdeiros podem ser desconhecidos, então, me parece que se faz em juízo, se admitir que ele de fato vendeu e não tem mais interesse nessa propriedade. Agora a Lei faz uma presunção, me parece bastante forte no sentido de que deverá ser presumido sempre o que ele não concorda no caso do seu siêncio. Eu acho um equívoco imaginar, quer dizer inverter as coisas. Em juízo se citado ele não responder ele é revel e confesso, que administrativamente se ele intimado e não responder vai se presumir que ele não concorda com o pedido. Quer dizer, exatamente o contrário do que se, por isso, eu me reporto ao que eu disse anteriormente, parece que legislador caminhou com muita cautela pisando ainda com cuidado para tratar desse assunto, que, na verdade, cuida da propriedade, um direito, 6
uma liberdade pública das mais caras, tratada com muito carinho e muito cuidado, sempre aquela visão talvez da propriedade de um regime mais patrimonialista, a grandeza desse direito da propriedade acaba fazendo o legislador ficar um pouco tímido e não deixar avançar. Eu gostaria que fosse possível administrativamente se presumir o consentimento do proprietário. Talvez no Judiciário isso acabe se resolvendo, se interpretando dessa forma, não exigindo necessariamente a assinatura dele na planta, mas um documento já anterior, e eu acho que isso seria o melhor caminho perante a gente também inviabilizar grande parte dos pedidos administrativos. DÊNI – Doutor, a próxima pergunta agora é do Dr. Ricardo Nahat, ele é do 14º Oficial de Registro de Imóveis aqui de São Paulo, e a pergunta dele é a seguinte: “Cabe a usucapião administrativa no caso do imóvel confrontante não ter registro (no caso da retificação administrativa esta não pode ser processada nesta situação)?”. DES. BERTH – Prazer em receber a pergunta do Nahat, que é um estudioso. Eu diria que sim, na minha opinião sim. Nós aqui tratamos de duas coisas completamente diferentes. Na retificação de registro o que se pretende é extremar um registro de outro. Quer dizer, até onde vai um determinado imóvel a linha divisória entre um e outro de modo que nós temos que estabelecer onde está exatamente aquele registro, a descrição daquele registro em confrontação com os outros registros que estão ao redor. Já na usucapião ela visa a compra, ou melhor, a aquisição da propriedade por meio da posse, que se desvincula completamente dos registros existentes. Então não vejo motivo nenhum para que, eu diria que pode ser pedido o procedimento administrativo para a usucapião de um imóvel que não tenha registro, o próprio imóvel não tem registro, porque não? As vezes numa cidade como São Paulo pode ser
mais difícil encontrar um imóvel que não tenha um registro, mas no nosso Brasil afora nós vamos encontrar muitas unidades imobiliárias sem nenhum registro. E aí eu diria não tem proprietário registrado, não tendo proprietário registrado não haveria quem assinar esta planta concordando, nem haveria quem fosse notificado para concordar com isso, porque não a registro sobre essa propriedade. Não sendo terra pública que não é passível de ser usucapida nada impediria na minha visão, nada impediria a usucapião, a aquisição pela usucapião de uma unidade imobiliária não registrada. Se até a unidade não registrada é possível, evidentemente me parece a unidade registrada que confronte com outra não registrada, que não haja registro ao lado não faz também nenhuma diferença. E a explicação é clara, a aquisição nasce da posse, que é um fato, não tem registro, e na retificação nós temos um outro objeto, ou seja, corrigir erros na descrição de registros, então nós estamos confrontando um registro, ele pode estar se sobrepondo um registro em outro. Então o que nós precisamos é retificar para extremar um registro do outro, retirar essa superposição ou coisa parecida. Num caso nós falamos exatamente de domínio registrário, e noutro, de propriedade nascida da posse naturalmente pela usucapião. Então eu acho que sim, é possível a usucapião administrativa mesmo de imóvel confrontante não registrado, até de unidade não registrada. DÊNI – Gostaríamos de saber a sua opinião sobre o que nós precisamos evoluir, ainda e na sua visão o que será muito discutido ainda sobre este tema. DES. BERTH – É uma pergunta que caberia uma grande reflexão, como nós já falamos aqui, eu vejo alguns pontos bons, alguns pontos que estão dificultando, como neste caso que falamos agora da necessidade de um titular concordar coma a usucapião e tudo isso. O que se vê é que a usucapião já existia, o instituto é o mesmo, o que nós temos agora 7
é um procedimento novo na esfera administrativa sem descartar o velho procedimento judicial, que hoje já não é mais um procedimento especial como era tratado no código de 73. Hoje vai pelo rito comum das ações ordinárias, claro que com aquela citação edital, como era feita antes, mas de resto é um procedimento comum. A mesma pretensão que pode ser viabilizada ou apresentada em juízo, pode ser apresentada também hoje, na esfera do extrajudicial. O que se vê é que houve um avanço, uma tentativa de se trazer para o extrajudicial, essa parte, essa grande parcela de usucapião que não tenham, de fato, conflito e, portanto, poderiam ser resolvidos sem nenhum problema na esfera administrativa, mas ainda se teve alguns cuidados excessivos que podem vir a dificultar a viabilização deste pedido na esfera administrativa. O que eu acho que move o legislador é o medo de fraude, porque de um modo ou de outro, evidentemente sem o controle judicial pode dar impressão de que as fraudes ficariam mais fáceis. Eu acho isso um exagero, eu não me assusto com isso e continuo repetindo, todos os atos administrativos estão sujeitos ao controle jurisdicional e um deferimento de uma pretensão de usucapião na esfera administrativa, é ato administrativo e portanto, passível de ser controlado na esfera jurisdicional, ou seja, o princípio da universalidade da jurisdição – nada pode ser subtraído da prestação do poder judiciário, todos os atos administrativos estão submetidos por este princípio, ao poder judiciário, então o que se pretende é viabilizar rapidamente pela esfera administrativa. Se houver fraude será controlada e controlada na esfera jurisdicional, é claro, poderá trazer transtornos para uns proprietários, mas eu acredito que as fraudes serão pequenas. As fraudes também são tentadas em juízo, grilagem, tentativa de não pagar impostos e outras possibilidades de fraude, mas tenho certeza que o Registrador, que está no trato da matéria e o dia todo, muito mais rápido poderá verificar que existe
ali por trás uma pretensão que não seja legítima e neste caso ele poderá levar o assunto a juízo, se recusar a deferir a usucapião e fica para ser decidido na esfera judicial. Precisamos caminhar no sentido de ainda facilitar um pouco mais e de modo a livrar o poder judiciário dessa imensidão de processos de usucapião, sem nenhuma contestação, sem nenhuma resistência que ficam lá por até 10 anos. O serviço extrajudicial é essencial e vem mostrando cada vez mais que pode contribuir em grande parte para o aprimoramento da prestação jurisdicional e quando a prestação jurisdicional não se faz necessária, diretamente pelo juízo, administrativamente pode obter o mesmo direito que antes ia buscar em juízo, como era o caso da retificação que foi para a esfera do extrajudicial e está muito bem.
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